introdução a metafísica

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SEMINÁRIO SÃO JOSÉ Introdução a Metafísica Apostila Wagner Augusto Moraes dos Santos 14/07/2014 A proposta deste trabalho é explorar os conteúdos da metafísica clássica a partir de uma abordagem diferente em que a teoria do movimento tem a preeminência metodológica. Tal postura tenta aproximar os conceitos da cosmologia clássica aos métodos modernos das ciências exatas.

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SEMINÁRIO SÃO JOSÉ

Introdução a Metafísica Apostila

Wagner Augusto Moraes dos Santos

14/07/2014

A proposta deste trabalho é explorar os conteúdos da metafísica clássica a partir de uma abordagem diferente em que a teoria do movimento tem a preeminência metodológica. Tal postura tenta aproximar os conceitos da cosmologia clássica aos métodos modernos das ciências exatas.

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SUMÁRIO

AULA 1 (INTRODUÇÃO) ____________________________________________________ 3

OS OBJETOS DA FILOSOFIA _____________________________________________________ 3

HIERARQUIA DAS CIÊNCIAS ____________________________________________________ 5

O MÉTODO _________________________________________________________________ 7

PERGUNTAS _________________________________________________________________ 9

AULA 2 (HISTÓRIA) ________________________________________________________ 9

AS PRIMEIRAS CONCEPÇÕES ___________________________________________________ 9

O TRÍPLICE PRINCÍPIO ARISTOTÉLICO __________________________________________ 12

SOLUÇÃO DO PROBLEMA PRÉ-SOCRÁTICO _______________________________________ 14

PERGUNTAS ________________________________________________________________ 16

AULA 3 (MOVIMENTO) ____________________________________________________ 17

DEFINIÇÃO DE MOVIMENTO ___________________________________________________ 17

O MOTOR E O MÓVEL ________________________________________________________ 19

AS ESPÉCIES DE MOVIMENTOS _________________________________________________ 22

PERGUNTAS ________________________________________________________________ 23

AULA 4 (AS CATEGORIAS) _________________________________________________ 24

ACIDENTES QUE VARIAM COM O MOVIMENTO ____________________________________ 25

ACIDENTES QUE SÃO TERMOS FINAIS DE MOVIMENTOS ____________________________ 28

ACIDENTES QUE ESTÃO CONTIDOS NOS MOVIMENTOS _____________________________ 30

PERGUNTAS ________________________________________________________________ 31

AULA 5 (CAUSALIDADE E NECESSIDADE; APLICAÇÕES) ____________________ 31

AS QUATRO CAUSAS _________________________________________________________ 33

NECESSIDADE ______________________________________________________________ 35

APLICAÇÕES _______________________________________________________________ 36

PERGUNTAS ________________________________________________________________ 40

BIBLIOGRAFIA ___________________________________________________________ 42

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Introdução a Metafísica

Aula 1 (Introdução)

Os objetos da filosofia

No mundo moderno, parece cada vez mais difícil perceber a importância de

disciplinas reflexivas como a filosofia e a teologia. É comum tratá-las como matérias a

serem aprendidas por religiosos ou por intelectuais prolixos que não precisam se

preocupar com dinheiro. Por esta via, é comum que se alimente o pensamento de que o

filósofo é uma pessoa que fala de modo enrolado sobre coisas que não interessam a

ninguém, mais ainda o teólogo que se prontifica a ensinar aquilo que ele próprio admite

não conhecer. Entretanto, pode-se perguntar, afinal, o que é a filosofia?

Ora, faz-se necessário encontrar alguma forma para descobrir isto, caso

contrário permanecerá vigente o supracitado estereótipo. Pode-se usar um método de

comparações para descobrir o que seja a filosofia. É muito simples, em primeiro lugar,

deve-se ter em mente as coisas que são tacitamente sabidas, depois deve-se usar estas

coisas para obter informações daquilo que não se sabe. Por exemplo, é sabido que a

matemática é a ciência que estuda os números, as figuras e as suas relações; é sabido

que a física é a ciência que estuda os fenômenos naturais e suas causas; é sabido que a

biologia é a ciência que estuda os seres vivos etc. Este foi o primeiro passo – levantar

informações.

O segundo é usá-las para descobrir o que ainda não se sabe. Como fazer isto?

Ora, quer-se saber o que é a filosofia, entretanto se sabe o que são as outras ciências;

pode-se perguntar: como se descobriu o que são as outras ciências? A resposta seria:

sabe-se o que são as outras ciências a partir da ação dos seus especialistas. Por exemplo,

Pitágoras é um matemático e se sabe que ele tratou da relação entre figuras e números,

Einstein foi um físico e tratou dos fenômenos da natureza. Ou seja, a ação daqueles que

exercem o pensamento sistemático em uma área vai definindo o que a área é.

Deste modo, a maneira para saber o que seja a filosofia passa pelo

conhecimento do que trataram os filósofos. Mas, os filósofos falaram sobre o quê? Ora,

sobre todas as coisas. Houve filósofo que tratasse da natureza, houve filósofo que

tratasse do homem e houve filósofo que tratasse das coisas imateriais, por esta via se

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encontra o objeto de pesquisa da filosofia – que, na tradição escolástica, é chamado

objeto material. Entretanto, restaria um problema nesta definição, pois ao estudar todas

as coisas o filósofo também estudaria, por exemplo, os fenômenos naturais e suas

causas, logo o filósofo seria o físico. O que seria um problema, pois claramente se vê

que fazem coisas completamente diferentes. Então, deve haver nos filósofos algo que os

distinga das outras áreas.

Esta distinção ocorre na maneira que o filósofo aborda os temas, por exemplo,

o filósofo trata os fenômenos naturais de modo a tirar deles a sua causa última ou o

significado que tais fenômenos têm para a vida humana, ou seja, trata dos fenômenos

naturais enquanto se relacionam com todo o conhecimento humano, já o físico estuda os

fenômenos por eles mesmos. Fazendo esta análise com as outras áreas, percebe-se que o

filósofo sempre está interessado nas coisas enquanto se relacionam com outras.

Esta capacidade de se relacionar com outras é bastante interessante, pois

quanto mais específica se torna uma área menos capacidade ela tem de se relacionar

com as outras, por exemplo, a ciência da cabeça de um parafuso se relaciona menos

com as outras ciências do que as Leis de Newton – que são usadas até para explicar

certos fenômenos cardiovasculares. Isto quer dizer que as Leis de Newton estão mais

próximas da reflexão filosófica do que a cabeça do parafuso. Um dado importante a se

ter é que a ciência da cabeça do parafuso é construída a partir das Leis de Newton. Isto

nos leva a intuição de que se aproxima mais da reflexão filosófica aquilo que mais se

aproxima dos princípios, devido à capacidade relacional destes últimos. Ora, assim se

torna claro que o objeto da filosofia é o estudo dos princípios primeiros ou das causas

últimas. Este objeto é tradicionalmente chamado de objeto formal. Assim, pode-se

definir filosofia como a ciência que estuda os primeiros princípios e as causas últimas

de todas as coisas.

Esta definição clássica de filosofia parece completamente ultrapassada, pois

muitos filósofos discordaram incessantemente da existência dos princípios primeiros da

existência de alguma causa. Esta definição só pode ser considerada como ultrapassada

se se assente que o significado das palavras usadas na definição é unívoco, ou seja, se

‗princípio‘ e ‗causa‘ forem entendidos apenas sob o aspecto aristotélico; entretanto, não

é necessário que o seja, pois não é impossível que um autor opte por tratar ‗princípio

primeiro‘ como o homem ou tratar ‗causa última‘ como os desejos humanos. É claro

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que o autor que, inconscientemente, faz isso muda completamente o método de fazer

filosofia, mas não muda a sua definição, somente os sentidos dos elementos que a

compõem.

É interessante tentar ler a história da filosofia por este prisma, pois facilita o

entendimento do motivo da existência de múltiplas escolas de pensamento, bem como

possibilita o leitor a se posicionar diante delas. É sempre útil perceber que a variedade

das escolas filosóficas não é uma espécie de ode ao relativismo, mas sim formas

distintas para tentar atingir os princípios primeiros. Dentre as múltiplas escolas

existentes há uma que se destaca entre os cristãos devido a sua influência na teologia

católica, esta escola é o aristotelismo. Exatamente por isso que, neste curso, se

entenderá a definição dada segundo o viés aristotélico-tomista. Ainda que esta não seja

a linha de pensamento mais usada no mundo, ao menos, terá a sua utilidade histórica,

dado facilitar a compreensão do que passava na mente dos pensadores católicos entre os

séculos XV – XIX.

Hierarquia das Ciências

Seguindo a linha de pensamento aristotélico-tomista existe uma hierarquia das

ciências, ou seja, há ciências que são mais nobres do que outras. Segundo este

pensamento é possível hierarquizar a ciência segundo os objetos formais de cada uma.

A maneira mais fácil de entender como se dá esta hierarquia é através de um exemplo.

Imagine que se está diante de um prédio, então poder-se-ia perguntar: quem construiu

isto? Uma possível resposta seria: os pedreiros, bombeiros hidráulicos e outros

profissionais da construção civil.

Entretanto, como seria possível que um número grande de pessoas que pensam

diferente pudesse fazer algo uniforme? Logo, a única possibilidade de o prédio existir

de modo uniforme é que haja um pensamento comum, que geralmente se chama projeto.

Assim, o projeto garante a ordem necessária para a existência do prédio. Entretanto, o

projeto geralmente não é feito por nenhum destes executores, mas sim pelo engenheiro

civil. Deste modo, o saber do engenheiro civil é, em certo sentido, mais nobre, pois o

saber dos operários depende daquele, enquanto o saber do engenheiro não depende

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diretamente do saber dos operários1.

Pode-se perguntar ainda: o projeto do engenheiro é baseado em quê? Esta

pergunta se refere ao fato de que o projeto não pode ser feito sem que haja a certeza de

que, quando executado, o que foi pensado estará completamente realizado. Entretanto,

de onde vem a certeza de que o projeto feito não vai levar o prédio a queda? Ora, o

engenheiro considera os resultados obtidos pelos pesquisadores como verdadeiros e os

usa sem questionar. Assim, o engenheiro precisa do saber do cientista para poder

exercer o seu saber de projetar, enquanto o cientista não precisa diretamente do saber do

engenheiro. Isto indicaria que o cientista possui um conhecimento mais nobre que o

engenheiro.

O saber do engenheiro depende do cientista de dois modos, o primeiro naquilo

que tange as propriedades intrínsecas a sua profissão, por exemplo, saber a grossura de

uma viga para que o prédio não caia. O segundo naquilo que tange a finalidade do seu

projeto, por exemplo, saber que o prédio projetado deve favorecer a melhor vida

possível para os homens que ali estarão. Isto quer dizer que o engenheiro estará na

dependência do saber que versa sobre a natureza (física, química, matemática etc.) e na

dependência de ciências que versam sobre a boa vida para o homem (psicologia,

medicina, sociologia etc.)

Quanto aos cientistas, deve-se perguntar: em que está fundada a veracidade de

suas conclusões? Ou seja, por que a ciência é confiável? Geralmente, a confiabilidade

dos dados científicos reside na confiança que se tem nos seus métodos. Por exemplo, o

mundo confia no físico porque confia no método científico. A maior prova disto é que

uma teoria só é institucionalizada depois que se faz um experimento que a confirme, ou

seja, quando o método é usado por completo. Assim, o saber do cientista depende de um

método que, por sua vez, não é feito por um cientista, mas sim por um filósofo. Um

caso clássico disso é a própria institucionalização do método científico que foi

organizada primeiramente por Robert Bacon no seu livro Novus Organum – é

interessante ressaltar que Bacon era filósofo e nunca usou o método que ele mesmo

propôs. Assim, a filosofia se apresenta como um saber mais nobre que a ciência.

1 É importante não confundir a hierarquia dos saberes com a realização, pois realizar é retirar algo da

abstração e tornar factível, ou seja, transformar a ideia em coisa. Nesta ordem, é obvio que o operário

realiza mais que o engenheiro.

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Isto põe a filosofia como o saber mais elevado entre as ciências, ainda que

esteja incluída entre o saber menos importante no nível da realização. A filosofia, por

estudar todas as coisas, ainda pode ser hierarquizada segundo as suas subáreas. Afinal,

pode-se ter filosofia da ciência, filosofia da história etc. Como hierarquizá-las? Como se

viu, o modo de construir a hierarquia é percebendo que as ciências dependentes são

menos nobres do que as mais dependentes. A formulação dos métodos depende da

concepção que se tem de quais sejam os princípios primeiros da ciência a que se está

estudando, por exemplo, no caso do método científico se quer estudar o real que pode

ser percebido pelos sentidos, daí segue a necessidade de uma confirmação empírica para

tudo que é proposto. Entretanto, a filosofia que estuda o real sensível não está sujeita a

outra coisa senão a própria filosofia do real. Isto quer dizer que a ciência, mas nobre é

aquela que estuda os princípios primeiros de todos os princípios das ciências. Em outras

palavras, se a filosofia é a ciência mais nobre, então a filosofia da filosofia é a mais

nobre de todas as especulações filosóficas – este saber é denominado por metafísica. É

com esta ciência que é possível estudar teodiceia, que é a disciplina que versa sobre

Deus de modo filosófico, ou seja, é a disciplina pré-teológica. Além de ser a matéria

principal no estudo das obras de Santo Tomás.

O Método

Depois de entender de que a metafísica trata, faz-se necessário saber: como é

possível desenvolver uma ciência que fale sobre os princípios da própria filosofia? A

primeira coisa a fazer é desenvolver um método seguro, para que as respostas

encontradas não se tornem pura imaginação. O método a ser empregado é aquele dado

por Aristóteles na introdução da sua Física. Segundo o Estagirita, a via natural consiste

em ir desde o que é mais cognoscível e mais claro para nós até o que é mais claro e

mais cognoscível por natureza2. Em outras palavras, começa-se daquilo que é

conhecido para atingir o que é desconhecido3. O principal exemplo do uso deste

método foi o desenvolvimento do texto usado na seção anterior, onde se partiu do

conhecimento acerca das ciências conhecidas para identificar o que era a filosofia. Ou

2 Aristóteles, Fis. I cap.1

3 Embora não seja a hora de tratar da distinção entre o ―mais cognoscível para nós‖ em comparação com o

―mais cognoscível por natureza‖, pode-se entendê-la através de um exemplo. No caso do prédio que foi

mencionado no início, é ―mais cognoscível para nós‖ o número de andares que existe naquele prédio do

que os princípios matemáticos presentes na sustentação das vigas; entretanto, estes princípios

matemáticos são extraídos de coisas muito mais simples do que um prédio, logo estes princípios são

muito mais ―cognoscíveis por natureza‖ do que o prédio.

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seja, partiu-se do que se sabia para chegar ao que não se sabia. Naquele momento o

método foi aplicado sem que se expusesse seus elementos, que são três: indução,

analogia e dedução.

Em sentido lato, a indução consiste na coleta ordenada de informações. No

problema usado na seção anterior esta coleta ordenada de informações consistiu em

enumerar os saberes e expor suas definições. A analogia é uma afirmação que ressalta,

na relação entre as coisas, um ponto de similitude e outro de diferença. Por exemplo,

quando se diz ―a criança nasceu a cara do pai‖ não se quer dizer que o rosto da criança e

o do pai são exatamente iguais, mais sim que há uma grande semelhança entre eles, ou

seja, se reconhece a semelhança apesar da diferença. Esta afirmação é uma analogia. Na

seção anterior, esta parte do método foi aplicado implicitamente no momento em que se

considerou a filosofia como uma ciência; pois, a analogia se baseia na semelhança de

que a filosofia e as ciências constituem saberes que devem ser levados a sério. A

dedução consiste na consequência lógica das premissas. Na seção anterior, foi usada no

momento em que se verificou que a maneira de saber o que é a filosofia era descobrir os

assuntos que foram tratados pelos filósofos. Esta, pois, constitui uma consequência

lógica das premissas ‗as ciências são caracterizadas pelos seus especialistas‘ e ‗ a

filosofia é uma ciência‘, ambas obtidas por indução e analogia. Por meio destes três

instrumentos se constrói a metafísica.

O próximo passo é começar a aplicar o método, entretanto antes de fazê-lo é

importante refletir acerca da credibilidade do método. Naquilo que tange a indução e a

dedução não há muito questionamento no mundo de hoje, devido à aceitação do método

científico que funciona a partir de coleção de dados adicionado de demonstração

matemática. Entretanto, a analogia permanece obscura para a maior parte das pessoas.

Embora não seja um conhecimento comum a maior parte das pessoas, a analogia

também é usada, em larga escala, na ciência atual. Isto é percebido claramente nas

modernas teorias físicas que trabalham com fenômenos invisíveis; a modelagem

matemática criada nestas teorias, geralmente, é feita a partir da semelhança que o

sistema invisível deve conservar dos sistemas visíveis. Ou seja, a única forma de tratar

estes sistemas é considerá-los a partir de uma analogia. É óbvio que a semelhança com o

método científico não é garantia de credibilidade do método, mas o fato de perceber que

os elementos que estão no método da metafísica estão também no método científico

9

leva a reflexão de que questionar a metafísico também deveria significar um

questionamento a própria ciência.

Passado o problema de assentar bem as bases para o estudo, deve-se perguntar:

por onde começar? Se deve começar daquilo que é mais conhecido. Duas coisas podem

ser verificadas neste nível: o mundo e eu. Estas duas coisas parecem claramente

percebidas, há um mundo e há um eu que percebe este mundo. Tanto um lado quanto o

outro poderão gerar reflexões interessantes, entretanto naquilo que tange a metafísica

aristotélico-tomista o ponto de partida é a percepção do que seja o mundo. Não só

naquilo que tange ao pensamento supracitado, mas também acerca da história, pois a

primeira máxima filosófica foi sobre o mundo (tudo é água). Este último assentimento

define o interesse deste curso, pois é necessário conhecer os princípios do mundo para

que se possa chegar à reflexão acerca dos princípios de tudo. Por isso, também, o curso

de introdução à metafísica é uma espécie de reflexão acerca de quais sejam os princípios

do mundo.

Perguntas

1. Comente acerca da relação entre a filosofia e as ciências.

2. Distinga objeto formal de objeto material. Se possível aplique isto a um

exemplo.

3. Comente a frase ―a metafísica é a filosofia da filosofia‖. (Faça uma comparação

com a filosofia da ciência, filosofia da natureza etc.)

4. Reflita acerca da hierarquia das ciências.

5. Em uma discussão é comum confundirem hierarquia das ciências com dignidade

das profissões. Crie um discurso que desfaça o mal entendido.

6. Fale sobre a credibilidade do método empregado pela metafísica.

Aula 2 (História)

As primeiras concepções

Antes de tratar dos temas especulativos é importante tratar da evolução

histórica do pensamento acerca do mundo. A primeira reflexão feita acerca do mundo se

deve aos pré-socráticos que se propuseram a discutir sobre qual seria a origem do

cosmo. Esta discussão foi travada por duas grandes linhas de pensamento: os monistas e

os pluralistas.

Os monistas pensavam que o cosmo provinha de uma única matéria primordial

que era chamada de arkhé. É muito possível que partissem da análise de que o universo

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é um, portanto, seu princípio deve se assemelhar ao que é agora, ou seja, um. É a

afirmação ‗tudo é um‘ que coloca os pré-socráticos no Hall dos filósofos. Esta

originalidade dos pré-socráticos é fundamental para estudá-los seriamente, pois se se

esquece que eles são filósofos e que estão refletindo acerca de coisas que julgam

fundamentais não se perceberá que afirmações como tudo é água, tudo é fogo, tudo é o

indeterminado etc. não se referem à água ou ao fogo, mas sim ao comportamento do

que seja a matéria primordial. É comum fixar-se no nome que os monistas dão à matéria

primordial e esquecer-se da inferência fundamental de que estão assumindo, que é a

existência de um princípio primeiro.

Sob este aspecto que alguns pesquisadores tendem a interpretar as afirmações

dos monistas como uma discussão acerca de qual seria o nome mais apropriado ao

princípio. Em outras palavras, quando Tales de Mileto diz ‗tudo é água‘ ele quer dizer

que tudo provém de uma matéria primordial que é maleável como a água. O mesmo se

deve dizer dos outros pensadores quando afirmam tudo é fogo, tudo é ar etc. É

interessante perceber que para estes o princípio primeiro é a matéria, algo muito

semelhante ao que se diz no mundo de hoje; provavelmente este tipo de doutrina

apareceria no mundo de hoje como tudo é hidrogênio, tudo é próton, tudo é glúon etc.

Parmênides se destaca entre os monistas pelo problema filosófico que gerou;

sua percepção foi tão inovadora que para responder suas objeções os pré-socráticos

mudaram a direção da pesquisa acerca dos princípios. Parmênides afirmou que tudo é e

o nada não é. Embora esta máxima pareça uma obviedade dentro dela há uma série de

consequências interessantes. A frase tudo é e o nada não é indica senão tudo é o ser e

nada é o não-ser. Assim, dever-se-ia dar à matéria primordial o título de ser. Entretanto,

isto gera um grande problema, pois o ser deve ser imutável. Afinal, mudar é deixar de

ser o que é para tornar-se o que não é, por exemplo o estudante de direito que deixa de

ser estudante para se tornar advogado. Ora, o ser só poderia se tornar o não-ser, que por

sinal não existe. Logo, o ser não pode se mover. Esta imutabilidade do ser destrói todo o

sistema monista de pensamento. Pois, se a matéria primordial é o ser. Como se poderia

explicar que as coisas hoje sejam distintas da matéria primordial? A única explicação

possível é que aquela matéria primordial se tornou o mundo de hoje, mas então se

deveria dizer que ela mudou. Isto gera uma contradição, pois, por um lado se deve dizer

que a matéria primordial é o ser e por outro se deve dizer exatamente o contrário.

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Desta aporia, problema sem solução, nasce a corrente dos pluralistas que se

propõem a responder a pergunta de Parmênides. A solução que encontraram foi afirmar

que ao invés de um princípio deveriam haver múltiplos, isto era defendido pelos

pluralistas. A proposta pluralista era considerar que há múltiplos elementos primordiais

e que eles se unem para formar o mundo de hoje. Neste caso a matéria primordial

permaneceria imutável, como era previsto por Parmênides, ainda que a constituição do

mundo não. A escola pluralista mais famosa foi a escola atomista criada por Demócrito

e Leucipo. É interessante perceber que a constituição do mundo a partir de átomos foi

prevista no período pré-socrático. Afirmações como: o mundo foi gerado ao acaso

através da união dos átomos; os sentimentos podem ser explicados através de

movimentos atômicos etc. estão todas elas previstas em Demócrito e Leucipo, ainda que

não tivessem a tecnologia nem a descrição matemática que se tem hoje.

A concepção pluralista do mundo aparentemente resolve o problema da

imutabilidade da matéria primordial, mas não consegue resolver o problema do

movimento. Pois, é necessário que os múltiplos princípios se movimentem para mudar a

constituição do mundo. O problema é que, em tese, a primeira distribuição dos átomos

deve constituir o ser, ora se o ser é imutável, então esta distribuição também deveria ser

imutável. Isto indica que o mundo deveria ser o mesmo sempre, o que nitidamente não é

a verdade.

A primeira teoria revolucionária acerca deste problema dos primeiros

princípios se deve a Platão. Tradicionalmente, diz-se que a cosmologia platônica se

encontra resumida no diálogo Timeu. Neste diálogo, Platão defenderia que todas as

coisas são compostas de dois princípios: a matéria e a forma (ideia). A matéria seria a

parte maleável e a forma a parte que define as coisas. Por exemplo, a estátua de

mármore do imperador. Nela estão presentes a matéria (mármore) e a forma (imagem do

imperador). Para Platão, as duas permaneciam separadas no início, mas, devido à ação

de um demiurgo as formas puderam ser comunicadas a matéria. Isto se dá em analogia

ao que acontece com a estátua, pois em um determinado momento o bloco de mármore

(matéria) se encontra separado da imagem do imperador (forma) e, posteriormente, pela

ação de um artista (demiurgo) as duas são percebidas juntas.

Esta percepção de Platão é muito interessante, pois concebe a existência de um

princípio imaterial como componente do mundo. Nisto se põe em oposição aos pré-

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socráticos que concebiam que o primeiro princípio deveria ser uma matéria primordial.

Agora, em Platão, os princípios são ao menos dois: a matéria e a forma. Mas, a

prioridade está na forma. Isto quer dizer que a verdade está na ideia e não no composto.

Por exemplo, quando se vê um homem a verdade sobre ele não está no próprio homem,

mas sim na forma da qual é cópia. Por isso que se entende o mundo visível como sendo

uma cópia do mundo real que é o mundo das ideias. Neste mundo as ideias são

imutáveis, eternas, perfeitas etc. Deste modo, parece ter-se resolvido o problema, pois o

mundo visível teria se dado por um processo de cópia do mundo real que é imóvel,

eterno e perfeito, como havia sido proposto por Parmênides. Esta cosmologia foi muito

atacada por Aristóteles nos livros da Física e da Metafísica, neste segundo livro ele

dispõe de vários argumentos contrários a cosmologia platônica. Um dos mais famosos é

o argumento do terceiro homem. O argumento consiste em perceber que afirmar o

mundo visível ser cópia do mundo das ideias implica a multiplicação infinita das

formas; pois, supondo haver múltiplos homens então deve haver uma forma de homem

da qual todos participam, entretanto, possuir a forma de homem já é uma forma, então

dever-se-ia cogitar a existência da forma de possuir a forma de homem, esta segunda

forma seria o terceiro homem. Como este processo poderia ir ao infinito Aristóteles

tratou por inconsistente a cosmologia platônica e formulou uma cosmologia própria.

O tríplice princípio Aristotélico

Para encontrar quais devam ser os princípios da natureza, pode-se fazer uso do

método que foi disposto na primeira seção. Isto quer dizer que a primeira coisa a fazer é

elencar as coisas que tacitamente se sabe, neste caso, o mundo é real e nele há

movimento. É exatamente por isso que a conclusão dos Eleatas (Parmênides e seus

discípulos) é um contrassenso que é refutado pelo mais simples perceber dos sentidos.

Entretanto, o fato de perceber que a tese dos Eleatas é um contrassenso não resolve o

problema dos princípios, antes o aprofunda. Pois, agora se faz necessário entender

quantos e quais são os princípios, de sorte que sejam respondidas as objeções dos

Eleatas.

Este é o primeiro problema a que Aristóteles se propõe a resolver na sua

Física, pois daí se pode entender todo o resto. Isto fica mais claro a partir do que fala H.

D. Gardeil no seu livro introdução a filosofia de Santo Tomás de Aquino. Neste livro,

ele chama a atenção para a imanência destes princípios; isto quer dizer que Aristóteles

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estaria procurando algo semelhante ao que hoje se entende por ‗átomos‘. Ou seja, coisas

reais que compõem tudo o que existe. É importante frisar que os princípios não são

coisas do passado como uma matéria primordial, mas sim coisas que estão presentes no

mundo até agora. É exatamente por causa disso que se pode estudá-los de modo

rigoroso. O rigor é fundamental para que não se confunda a cosmologia (estudo

sistemático da natureza) com a cosmogonia (história de como o mundo foi criado).

A primeira percepção é que não se pode conceber que tudo que há no mundo é

produto de um único princípio, pois isto, como se viu, conduziria ao contrassenso de

Parmênides. Assim, os princípios serão pelo menos dois, entretanto se forem dois dever-

se-á garantir que um não seja princípio do outro. Por exemplo, se fosse dito que no

mundo há dois princípios o hidrogênio e o próton, então se diria haver, na realidade,

apenas um, pois o hidrogênio é feito de próton. Por isso, Aristóteles, seguindo os

antigos, afirma que os princípios devem ser contrários, pois não é possível que os

contrários sejam mutuamente compostos. Por exemplo, não é possível que o calor seja

composto de frio e vice-versa. Assim, há pelo menos dois princípios contrários.

Entretanto, há um problema naquilo que tange a conceber a existência de

princípio contrário, pois os contrários não subsistem juntos, por exemplo, o calor

extremo e o frio extremo são contrários quando colocamos um junto ao outro os dois

desaparecem. Isto significa que, se fosse considerado a existência apenas de dois

princípios o mundo não poderia subsistir. Daí, se deve conjecturar a existência de um

terceiro princípio que consiga ser o meio termo entre os contrários este princípio será

chamado sujeito. De fato o quente e o frio se aniquilam quando se encontram, mas não a

coisa quente ou a coisa fria. Por exemplo, uma grande pedra de gelo colocada dentro de

uma panela cheia de óleo fervente, o frio da pedra de gelo e o calor do óleo

desaparecem depois do contato (aniquilam-se), mas a água que era o sujeito do frio e o

óleo que era o sujeito do calor permanece existindo. É por causa deste terceiro termo

que se pode assegurar a estabilidade do mundo apesar da fluidez dos contrários.

Pelo raciocínio montado acima se pode assegurar que os princípios são três,

dois contrários e o sujeito. Resta saber agora qual é o par de contrários adequado para o

estudo futuro da metafísica. Como se está interessado em encontrar os princípios que

regem todas as coisas existentes, deve-se procurar ao menos um princípio que esteja

presente em tudo, pois o outro será o seu contrário. Ora, quando se começou a estudar

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os princípios duas premissas foram consideradas: a realidade do mundo e a existência

do movimento. Isto quer dizer que a característica que engloba todas as coisas é a

realidade. Entretanto, o termo realidade carece do sentido de mobilidade, isto quer dizer

que não se percebe o sentido de movimento neste termo; por outro lado, pode-se

perceber com bastante clareza no termo realização, que mutuamente indica alguma

coisa real e indica o fim de um movimento, logo o supõe. Este termo realização pode ser

substituído pelo clássico termo perfeição, que significa completamente feito. Para os

gregos e para os escolásticos a perfeição é considerada de modo relativo, por exemplo,

todo macaco é perfeito. Não porque o macaco é um ser sagrado, mas sim porque não

falta nada a sua natureza para ser considerado um completo macaco. O mesmo se diz do

ser humano, todo homem é perfeito, pois ele é completamente feito homem. O

importante a ser sabido aqui é que a perfeição metafísica não se refere à perfeição

moral, mas sim a existência na realidade. Por tudo isto se pode afirmar que o mundo é

perfeito. Logo, deve haver um princípio de perfeição, que recebe o nome de forma.

Descobrindo um princípio o outro é o seu contrário que é a ausência de perfeição que

recebe o nome de privação. Deste modo há três princípios: privação, forma e sujeito.

Pode-se identificar a presença destes princípios na situação de alguém que

aprende um idioma; antes de começar o curso o aluno (sujeito) tem a privação do

conhecimento da língua, após um tempo estudando (movimento) ele recebe a perfeição

de saber uma língua nova (forma). Como se vê, estes princípios estão presentes em

todas as coisas desde o fenômeno de uma pedra que cai até as emoções humanas. Isto

mostra a universalidade dos princípios, bem como a sua vinculação com o movimento.

Acerca destes princípios, poder-se-ia perguntar: afinal, eles são materiais ou imateriais?

São simples ou compostos? A resposta a estas perguntas são destinadas ao curso de

metafísica.

Solução do problema pré-socrático

O grande problema pré-socrático enunciado por Parmênides julgava

impossível o movimento porque o ser não podia vir do próprio ser nem do não-ser.

Entretanto, a doutrina aristotélica do princípio tríplice mostra que o devir vem de um

ser, que é o sujeito, e de um não-ser que é a privação. Por exemplo, o aprendizado de

uma língua, por um lado o aprendizado se dá a partir do ser do homem (sujeito), por

outro lado se dá a partir da ignorância (privação) que se tinha do idioma. Isto significa

15

que o ser e o não-ser se encontram presentes no mundo, por isso ser e não ser se deve

tratar de modo relativo e não de modo absoluto como pensava Parmênides. É

exatamente a percepção de que o ser não deve ser dito em absoluto que resolve o

problema dos eleatas.

Pode-se distinguir afirmação de modo absoluto e de modo relativo pela

seguinte percepção: quando uma afirmação diz respeito à totalidade das coisas ela é dita

em absoluto, quando diz respeito apenas a uma parte, ela é dita relativa. Por exemplo,

chocolate é a melhor coisa que existe, esta frase pode ser entendida de dois modos, a

primeira de modo absoluto, nesse caso o chocolate seria melhor que Deus, que o

homem, que a vida etc. O segundo modo de se interpretar é o relativo, isto é, dentre os

alimentos o chocolate é a melhor coisa que existe. Como se vê, de modo relativo se

refere apenas a um conjunto das coisas que existem e o absoluto se refere ao todo. A

originalidade de Aristóteles na sua percepção do tríplice princípio é esta: deve-se

encarar o ser e o não-ser de modo relativo para que se sustente a obviedade do

movimento.

O ser, dito de modo relativo, sempre se configura como alguma coisa, por

exemplo, ‗o quadro é azul‘ quer dizer que a cor azul se encontra presente no ser do

quadro. Entretanto, este mesmo quadro pode carecer de um suporte para apagador,

então dir-se-ia que o ‗quadro azul não é dotado de suporte para apagador‘. Deste modo,

há, relativamente, no quadro uma junção de ser com não-ser; o ser se refere ao fato de

‗ser quadro azul‘ e o não-ser se refere ao fato de ‗não ser dotado de suporte para

apagador‘. Como já foi dito, o princípio deste não-ser é uma privação que reside no

‗quadro azul‘, que é o princípio que suporta a privação, ou seja, o sujeito. Esta junção de

privação com o sujeito ainda pode ser dada de duas maneiras; na primeira, o sujeito se

encontra privado de uma perfeição existente, como no caso mostrado acima que se

refere a um suporte para apagador, na segunda, o sujeito se encontra privado de uma

perfeição inexistente, por exemplo, uma bola quadrada. A primeira maneira pela qual a

privação se une ao sujeito pode ser chamada de potência. Diversamente, é possível que

o sujeito esteja unido uma forma, por exemplo, ‗o quadro azul é grande‘, então se diria

que o princípio da perfeição ‗grande‘ é uma forma que reside no ‗quadro azul‘, que é o

princípio que suporta a forma, ou seja, sujeito. Como as perfeições são sempre reais,

esta junção pode ser entendida como o ato. O que foi dito neste parágrafo pode ser

resumido nas seguintes ―fórmulas‖

16

SUJEITO + PRIVAÇÃO = POTÊNCIA

SUJEITO + FORMA = ATO

Como os sujeitos sempre estarão juntos a privação e/ou a forma, e estes três

princípios são os responsáveis por todas as coisas que são se deve dizer que o ato e a

potência são os dois modos supremos de ser. Portanto, estão presentes em toda a

realidade. O reconhecimento da universalidade destes conceitos é fundamental para que,

no futuro, as demonstrações metafísicas possam gozar de credibilidade.

Baseando-se nestes modos supremos de ser, Aristóteles apresenta outra solução

para o problema dos eleatas. O ato pode ser entendido como sinônimo de perfeição4, por

exemplo, este texto está escrito em ato, porque não falta nada para ser considerado um

texto. A potência, por sua vez, pode ser entendida como a ausência de uma perfeição

possível, por exemplo, a semente é uma árvore em potência, pois ela carece da perfeição

de ser árvore. É interessante perceber que a semente não é um cachorro em potência,

pois não é possível que uma semente se torne um cachorro. Entretanto, como se sabe

que a semente não se torna um cachorro? Porque não há nenhum movimento natural que

transforme uma semente em um cachorro (isto é sabido por indução). Logo, se

reconhece a potência a partir das transformações. Estas, por sua vez, são reconhecidas a

partir da diferença entre o estado inicial e o estado final. O estado final de uma

transformação é sempre uma perfeição, ou seja, um ato. Assim, o ato é o fim do

movimento cujo princípio é a potência.

Desta percepção de ato e potência se pode resolver o problema proposto por

Parmênides, pois o ser é dito como ato e potência. Assim, o movimento, que parecia

impossível, seria a simples passagem do ser em potência para o ser em ato, ou seja, o

ser em absoluto permaneceria imóvel ainda que os seres relativos permanecessem em

movimento.

Perguntas

1. Compare a originalidade do pensamento pré-socrático com as modernas

concepções de mundo.

2. Sintetize o pensamento monista, bem como a crítica que Parmênides faz ao

movimento.

4 Afinal a forma é o princípio de perfeição. Aqui se usará perfeição como sinônimo de todo feito.

17

3. Procure mostrar em que sentido a solução pluralista não resolve o problema de

Parmênides.

4. Mostre o motivo pelo qual a cosmologia platônica não pode ser encarada como

física no sentido pré-socrático.

5. O pensador Leo Elders, no seu livro, a metafísica do ser de Santo Tomás em

uma perspectiva história, acerca da metafísica platônica diz: Nesta via ele

considera que as várias determinações formais das coisas como uma

participação em ou um imitação (limitada) das formas que existem por elas

mesmas de forma pura e são eternas, imutáveis e necessárias(...) Assim, sua

influência só pode estar na causalidade exemplar: as ideias agem como modelos

junto a natureza em ordem para formar das coisas5. Comente tal passagem a

partir do que foi explicitado no texto.

6. Dê algum motivo pelo qual se deveria aceitar que Platão resolveu o problema

eleata.

7. Explique o argumento do terceiro homem.

8. Reflita acerca da imanência do tríplice princípio aristotélico.

9. Explique cada um dos três princípios de Aristóteles, bem como o sua relação

com o movimento.

10. Mostre como Aristóteles resolveu o problema de Parmênides usando os

conceitos de ato e potência.

Aula 3 (Movimento)

Definição de movimento

Em primeiro lugar, é bom lembrar que na visão eleata o movimento era

entendido como algo ilusório devido à sua incompatibilidade com o princípio

fundamental da razão (o ser é e o não-ser não é). O grande problema de afirmar isso é a

negação do estudo do movimento, afinal se todos os movimentos forem aparentes, então

rechaçar-se-ia toda especulação filosófica acerca dele. É exatamente por isso que o

conceito de ato e potência é tão importante, pois com eles Aristóteles consegue resolver

a dicotomia entre o princípio da razão e a percepção sensível. Esta solução é muito

importante, pois, novamente, põe o movimento entre os objetos passíveis de

especulação filosófica.

Deste modo o filósofo se perguntaria: o que é o movimento? A resposta a esta

pergunta é fundamental, pois até agora se tratou do movimento apenas de modo

intuitivo, ou seja, segundo aquilo que o conhecimento de mundo denuncia. Assim, é

necessário definir movimento para que se possa aprofundar o conhecimento sobre ele.

5 ELDERS, L.; The metaphysics of Being of ST. Thomas Aquinas in a historical perspective, p. 219.

18

A primeira noção que se poderia ter de movimento foi aquela expressada na

seção anterior que entende o movimento como sendo uma passagem da potência para o

ato. Entretanto, esta definição possui um problema, pois o termo ‗passagem‘ já indica

movimento. Assim, faz-se mister propor outra formulação para o conceito. Até agora se

conhece pelo menos cinco conceitos universais: privação, forma, sujeito, ato e potência.

Deste modo a definição de movimento deve proceder de algum destes cinco. Ao usar os

conceitos de privação, forma e sujeito, dir-se-ia o movimento ser a passagem da

privação para a forma. Mas este conceito incorreria no mesmo erro de antes. Assim, a

maneira mais adequada de definir movimento é através da relação que ele desempenha

com os conceitos de ato e potência.

A primeira coisa a perceber é: aquilo que está em ato não pode estar em

movimento, pois o ato é o fim do movimento. Por exemplo, o ato de ser árvore é o fim

do desenvolvimento da semente. A segunda coisa importante é: aquilo que está apenas

em potência não está em movimento, por exemplo, uma semente de abacate na nossa

mão é potencialmente um abacateiro, mas ainda não está em movimento para tal.

Portanto, o movimento é uma espécie de meio termo entre o ato e a potência.

Este meio termo ocorre a partir de um ato, pois aquele que se movimento o faz

a partir de uma sucessão de atos, por exemplo, o ser humano adulto passa por vários

estágios até chegar a sê-lo. Ser-homem-adulto é um ato, mas antes de ser adulto o feto

passa pelo ato de ser bebê, depois pelo ato de ser criança, depois pelo ato de ser

adolescente até chegar ao ato de ser adulto. Ou seja, o crescimento, que é movimento, é

um ato do homem que faz uso de vários atos para chegar ao fim. Deste modo, por um

lado, o movimento deve ser um ato, por outro, deve conter alguma potência. Assim,

define-se movimento como o ato daquilo que está em potência, enquanto estando em

potência.6 Como o movimento é uma espécie de união entre ato e potência, poder-se-ia

resumir o sobredito da ―fórmula‖ de memorização

ATO + POTÊNCIA = MOVIMENTO

Para que não se aplique erradamente a definição de movimento, deve-se

perceber que ela se refere a apenas um único binômio ato-potência. Por exemplo, uma

criança tem a potência de aprender um idioma e tem a potência de crescer. Estas são

6 JOLIVET, R. Curso de Filosofia. 9° Ed. Agir: Rio de Janeiro, 1968

19

duas potências diferentes, portanto almejam atos diferentes, logo definem movimentos

diferentes. O primeiro é a de aprender e a segunda, crescer. O aprendizado é o ato da

criança que está em potência frente ao conhecimento da língua, enquanto está em

potência. O crescimento é o ato da criança que está em potência para ser adulto,

enquanto está em potência. Como se vê, a definição não muda, mas sim, o binômio ato-

potência. Por isto, é óbvio perceber que não se pode aplicar a definição de movimento

confundindo os atos e as potências, senão incorrer-se-ia no erro de afirmar que todos os

movimentos são iguais.

Enfim, a definição do movimento a partir dos conceitos de ato e potência o

coloca no nível pouco abaixo dos modos supremos de ser. Isto quer dizer que a

definição de movimento que foi dada serve para todo o ser, tanto as coisas materiais

como a locomoção de uma pedra quanto às coisas imateriais como a produção de

virtude. É exatamente a universalidade deste conceito de movimento que o torna

interessante do ponto de vista metafísico, pois devido à essa capacidade ele se torna um

instrumento poderoso para estudar as propriedades dos entes7.

O motor e o móvel

Na última seção, viu-se que o movimento poderia ser um instrumento para

encontrar propriedades dos entes desconhecidas para nós. A pergunta é: como? Para

responder esta pergunta se faz necessário o conhecimento de duas características da

relação existente entre o ente que move (motor) e o ente que é movido (móvel). A

primeira delas afirma o movimento ser um ato do móvel e a segunda afirma o ato do

móvel ser o mesmo que o ato do motor.

Primeira característica

A primeira característica do movimento se afigura na própria definição de

movimento, pois esta afirma ser o ato daquele que está em potência. Ora, o motor não

pode estar em potência, logo o movimento deve ser um ato do móvel. Entretanto, poder-

se-ia perguntar: por que o motor não pode estar em potência? Porque a própria definição

de motor o impede. Afinal, o motor é aquele que move; o movimento é um ato, daí

7 Ente é um termo latino que quer dizer aquilo que é. Na prática, a palavra ente, em metafísica, funciona

como a palavra coisa na linguagem quotidiana. Por exemplo, na linguagem coloquial ―o movimento está

presente em todas as coisas‖, na linguagem metafísica, ―o movimento está presente em todos os entes‖

Neste momento, a distinção entre ente e coisa é meramente linguística e não tem muita importância,

entretanto no estudo da metafísica esta precisão de linguagem faz diferença.

20

segue, o motor ser aquele que comunica um ato. Portanto, deve estar em ato, pois não

poderia comunicar aquilo que não tem. Para reduzir a abstração se pode pensar no

exemplo do jogo de bilhar, repare que neste jogo uma bola é motora e as outras são

móveis. A bola motora comunica o ato de estar em movimento às outras, mas só pode

fazer isto depois que ela mesma está em movimento, pois enquanto ela está em potência

ao movimento (ou seja, parada) não é motora de nada. Isto é refletido, metafisicamente,

pela sentença o motor não pode comunicar aquilo que não tem.

Segunda característica

A segunda característica do movimento provém da percepção de que existe no

movimento certa unidade. Isto quer dizer, o que o motor comunica é o que o móvel

recebe. Veja o caso das bolas de bilhar, a bola motora comunica movimento local8 e as

bolas móveis recebem movimento local; outro exemplo é o aprendizado, o ensinamento

que o professor comunica é o mesmo que os alunos recebem. Deste princípio, segue que

os atos do móvel e do motor são o mesmo.

Esta inferência gera uma série de problemas, pois é perceptível que o ato de

ensinar e o ato de aprender são atos completamente diferentes, poder-se-ia cogitar até

que são movimentos diferentes assim como são diferentes o aprendizado e o

crescimento. Embora o ato do móvel seja o mesmo ato do movente, isto não significa

eles estarem presentes do mesmo jeito em ambos. Para verificar isto, basta observar,

novamente, o caso do jogo de bilhar. Naquele caso a bola motora só entra em

movimento após a tacada do jogador, ora, claramente se percebe que é a locomoção do

taco que comunica o movimento à bola motora. Mas, o movimento do taco não é igual

ao da bola, ainda que os dois possuam o mesmo ato de movimento. Isto quer dizer que

um mesmo ato pode se realizar em duas coisas de modo diferente. É exatamente isto

que acontece com o motor e o móvel, ambos possuem o mesmo ato que se realiza

diferentemente. Para tornar clara esta distinção se faz uso do conceito de ato ativo e ato

passivo. O ato ativo é aquele feito pelo agente, ou seja, o motor. O ato passivo é aquele

do paciente, ou seja, o móvel. Com esta nova nomenclatura se torna fácil entender como

o ato do que ensina é o mesmo ato do que aprende, pois o ato de ensinar é o ato ativo da

transmissão do conhecimento, enquanto o ato de aprender é o seu ato passivo.

8 Movimento local é o termo se usa para identificar o tipo do movimento que muda o lugar das coisas, por

exemplo, andar da sala para a cozinha, sair de casa para a praia etc. este tipo de movimento será melhor

estudado na próxima seção.

21

Conclusão

Compreendidas estas características se pode começar a pesquisar acerca da

possibilidade de aproveitar o conhecimento que se tem da teoria do movimento para

conhecer outras coisas. A primeira das características afirma que o movimento é o ato

do móvel, isto sugere que todo movimento tem um sujeito, pois, como já se viu, todo ato

supõe um sujeito. Como todo móvel possui um termo de origem (potência) e um termo

final (ato), então através do movimento se podem conhecer as potências e os atos do

sujeito. Ora, ato e potência são os modos supremos do ser, isto significa que tudo que

inclui o sujeito deve estar ou em ato ou em potência, logo conhecer os atos e as

potências dos entes é o mesmo que conhecer os próprios entes e de que eles são

compostos.

Para chegar a estes conhecimentos, far-se-á uso de um método muito simples;

em primeiro lugar, devem-se observar quais são os tipos de movimentos existentes

(coletar dados) depois perceber quais são seus termos iniciais e finais; por fim, submeter

os dados coletados às exigências de que o termo final é o ato do móvel e de que todo o

movimento tem um sujeito. Com a primeira exigência se garante a realidade dos termos

finais dos entes e com a segunda se pode descobrir a composição dos entes.

Os dois primeiros parágrafos refletiram as consequências metodológicas da

primeira característica do movimento, mas não refletem a segunda. A segunda

característica alude ao fato de que há no móvel vestígios do que foi feito pelo motor,

afinal os dois possuem o mesmo ato realizado de modo diferente. Ora, isto significa que

é possível conhecer coisas do motor a partir da descrição do movimento do móvel. Isto

possui uma implicação metodológica importantíssima, pois é graças a essa característica

que é possível estudar coisas que não podem ser vistas nem sentidas. Como as verdades

metafísicas pertencem a este grupo de conhecimentos que não podem ser sentidos, elas,

em geral, dependem desta implicação metodológica para justificar suas conclusões.

Assim, o próximo passo para conseguir aprofundar o conhecimento da natureza

é conseguir explicitar quais são os tipos de movimento e como estes se relacionam com

as exigências vistas nos últimos parágrafos. Quanto ao uso da segunda característica,

ver-se-á usado com mais propriedade na última seção em que se falará de causalidade e

necessidade.

22

As espécies de movimentos

Por indução se sabe que todos os movimentos existentes podem ser resumidos

em dois grandes grupos: aqueles em que o sujeito inicial é o mesmo do final e aqueles

em que se muda o sujeito. Os movimentos que conservam o sujeito são chamados de

transformações acidentais, diversamente, os que não conservam são chamados de

transformações substanciais. Pode-se citar alguns exemplos de cada tipo citado. São

exemplos de transformações acidentais, um bronzeamento, o emagrecimento, uma

caminhada na Lagoa etc. Estas transformações são ditas acidentais, porque o sujeito

permanece o mesmo antes, durante e depois da transformação, ou seja, a pessoa que se

bronzeia, emagrece e caminha na Lagoa é a mesma pessoa e não outra. O mesmo não

acontece quando essa pessoa morre, pois o cadáver que se desfez na terra não é a

mesma pessoa que era antes de morrer. O mesmo acontece com o nascimento, o

material genético do pai e da mãe não são no filho o mesmo que são neles, isto significa

que o material genético deles sofre uma mudança substancial. Estas mudanças

substanciais referentes à morte e ao nascimento são, respectivamente, chamadas de

corrupção e geração.

Tendo listado as espécies de movimentos basta impor a elas as exigências

vistas na última seção. A primeira delas afirma que todo movimento tem de ter o seu

sujeito. Analisando as transformações acidentais se percebe que o sujeito é aquele que

subsiste, em outras palavras, aquilo que é em si. Tradicionalmente, o nome dado a este

sujeito é substância. Todo o resto é aquilo que é em outro, que recebe o nome de

acidente. No exemplo, a pessoa é a substância e a cor que ela ficou após o

bronzeamento é o acidente. A outra imposição feita foi que o termo final do movimento

deve ser sempre ato do móvel, como, no bronzeamento, o móvel é a pessoa, então a cor

que se fica após o bronzeamento é ato da pessoa. Por este exemplo, intui-se que os

acidentes são atos (perfeições) da substância.

Fazendo as mesmas exigências para as transformações substanciais se encontra

um problema, pois nesta transformação há mudança de sujeito. Deste modo, deve-se

supor que há um sujeito do sujeito, em outras palavras, há alguma coisa que subsiste

quando a substância muda. Tradicionalmente, o nome dado a este sujeito é matéria-

prima. Será de grande utilidade saber quais devem ser as características deste sujeito. A

primeira delas é que a substância deverá ser seu ato, pois ela é o termo final da

23

transformação substancial. Ora, se a substância é o seu termo final, então não poderá ser

o termo inicial. Mas, se no início não houver substância muito menos poderá haver

acidentes, logo o sujeito das transformações substanciais deverá ser a completa

imperfeição, pois todas as perfeições procedem da substância e dos acidentes. Como a

imperfeição completa é o nada, que não existe, então a matéria-prima deverá ser

considerada como pura potência passiva.9

Com essa última especulação acerca dos movimentos percebeu-se que inclui os

entes, ao menos duas coisas: a substância e os acidentes; além disto, verificou-se que é

necessário haver um sujeito para as transformações substanciais que é chamado de

matéria-prima. Assim, pode-se fazer a primeira inferência acerca da constituição dos

entes: são predicados de todos os entes a substância e os acidentes. Para memorizar se

pode usar a fórmula

SUBSTÂNCIA + ACIDENTE = ENTE

A grande importância deste conhecimento é que, pela primeira vez, está-se

conhecendo alguma coisa acerca da composição dos entes, ou seja, está-se sabendo de

que as coisas são compostas. Isto é muito importante, pois é a partir da composição dos

entes que se pode falar de características deles e, posteriormente, ter o conhecimento

científico dos mesmos. Por isto que agora se quer aprofundar estes conceitos gerais e

explorá-los ao máximo para que se possa extrair a maior quantidade possível de

informação.

Perguntas

1. Há uma segunda formulação da definição de movimento de Aristóteles que é

dada por o movimento é o ato do ente em potência, enquanto está em potência.

Explique o movimento a partir desta definição.

2. Resuma as duas características do movimento naquilo que tange a relação entre

o motor e o móvel.

3. Contra a afirmação de que o ato do móvel é o mesmo que o do motor afirmam

alguns não é possível que possuam o mesmo ato, senão aquele que age (motor)

seria idêntico ao que padece (móvel). Com base no que foi visto sobre este tema

responda a objeção. Responda usando um exemplo.

4. Distinga ato ativo e ato passivo. Explique a necessidade de criar este conceito.

Em analogia, distinga potência ativa e potência passiva.

9 Entender a matéria como pura potência passiva é muito importante para resolver os problemas relativos

a possibilidade de Deus criar a matéria, sendo Ele imaterial.

24

5. Com base nas distinções feitas na última questão responda a seguinte objeção.

Parece que Deus não é poderoso, pois Ele não pode carecer de nenhuma

perfeição. Ora, aquele que não carece de nenhuma perfeição não tem potência e

aquele que não tem potência não tem poder. Vide o homem que tem o poder de

construir a casa, porque tem a potência de ser construtor.

6. Qual é a principal consequência metodológica da sentença o ato do móvel é o

ato do movente?

7. Quais são as espécies de movimento?

8. Dê a definição de substância e acidente.

Aula 4 (As categorias)

Para que se possa explorar a descoberta acerca da substância e dos acidentes,

faz-se mister trazer a luz os conceitos de gênero e espécie. Estes conceitos pertencem ao

estudo da lógica formal, por isso não serão tratados em todas as suas especificidades. A

primeira coisa importante a se saber é que estes conceitos estão relacionados ao nível de

compreensão que se tem de uma ideia. Aqui se entende ideia como sinônimo de

conceito, por exemplo, o conceito de homem é uma ideia. O detalhe a se perceber é que

há conceitos mais extensos que outros, por exemplo, o conceito de animal abarca muito

mais coisas que o conceito de homem. Em linguagem técnica, diz-se que o conceito de

animal é mais extenso que o conceito de homem. O que se percebe é que quanto maior é

a extensão do conceito menor é a compreensão dele. Assim, pode-se ordenar os seres a

partir da extensão dos seus conceitos. A ideia de um conjunto de coisas composto

apenas por indivíduos será chamado espécie e a ideia de um conjunto de coisas

composta por espécies será chamado gênero. Por exemplo, o conjunto de todos os seres

humanos afigura a espécie humana, por outro lado, o conjunto de todos os animais

define o gênero animal, pois entre os animais há espécie humana, espécie canina etc.

Isto quer dizer que o gênero é uma ideia geral que comporta dentro de si um

conjunto de espécies, nas quais os indivíduos se encontram. Assim, as inferências

acerca dos gêneros atingem os indivíduos, ao menos indiretamente. Daí, segue uma

pergunta: existe algum gênero ou conjunto de gêneros que comporte todos os outros?

Em primeiro, deve-se dizer que não pode haver um único gênero que abarque todas as

coisas, pois este deveria possuir todas as perfeições; ora, ser uma espécie é uma

perfeição, logo o gênero deveria ser uma espécie, o que é contraditório. Assim, há mais

de um gênero que abarque todos os outros. Estes gêneros podem ser chamados de

gêneros supremos do ser ou, simplesmente, categorias.

25

O problema é: como definir estes gêneros supremos? Em primeiro lugar, sabe-

se que todos os entes devem estar incluídos nesta divisão; ora, viu-se, anteriormente,

que os entes são constituídos por uma união de substância e acidentes. Isto significa que

as suas espécies também deverão ser fruto desta união, logo a substância e os acidentes

deverão ser gêneros supremos do ser. Como há diversos tipos de acidentes, há diversos

gêneros supremos associados a estes. A tradição aristotélica enumera 9 tipos de

acidentes, configurando, assim, o número de 10 categorias: uma para substância e 9 para

acidentes. O estudo acerca da categoria da substância fica a cargo de cursos mais

avançados de metafísica, por isso tratar-se-á apenas das categorias que se referem aos

acidentes.

Como fazer para descobrir quais são estes nove acidentes privilegiados? O que

se sabe é que se descobriu a existência de acidentes a partir da teoria do movimento,

assim, é esperado que a teoria do movimento indique quais são os tipos de acidentes

supremos. Para fazer isto, considerar-se-á que há três tipos de relações entre os

acidentes e o movimento: os acidentes que variam com o movimento, os acidentes que

estão contidos nos movimentos e os que são termos finais de movimentos.

Acidentes que variam com o movimento

Para verificar quais são os acidentes que variam com o movimento, faz-se

necessário listar os tipos de movimentos acidentais conhecidos. O primeiro movimento

acidental que vem à mente é o deslocamento, ou seja, a variação de lugar, assim o lugar

é um tipo de acidente; logo uma categoria. Fazendo o mesmo raciocínio, percebe-se que

crescer ou diminuir inclui um movimento acidental, por exemplo, a criança e o adulto

são a mesma pessoa. Daí, segue o tamanho ser um acidente, ou seja, a quantidade é uma

categoria. O terceiro tipo de movimento que se percebe é alteração da qualidade de

alguma coisa, por exemplo, a água que estava fria depois de ficar no fogo se torna

quente, isto quer dizer que a qualidade é uma categoria. Estas três categorias variam

conforme o movimento como se percebe intuitivamente, pois o deslocamento não é

instantâneo, mas ocorre segundo um processo, bem como o crescimento e a qualificação

de alguma coisa. Assim, as três primeiras categorias a serem estudadas são quantidade,

lugar e qualidade.

Quantidade

26

A quantidade pode ser tratada em dois aspectos, sob o aspecto da quantidade

descontínua e da quantidade descontínua. A quantidade descontínua é aquela que se

mede através das unidades numéricas, ou seja, aquelas coisas contáveis, por exemplo o

números de ovos dentro de uma cesta, o número de cadernos dentro de um quarto etc.

Devido à capacidade de contagem a quantidade descontínua exige a distinção entre o

número numerante e o número numerado. O primeiro diz respeito aos números em

absoluto que são abstrações: 2,3,4... o segundo se refere às coisas múltiplas que se

somam por um número, por exemplo três cadeiras, quatro homens etc. Na vida prática, a

distinção entre estes dois tipos de números é, o segundo deve vir com uma unidade e o

primeiro não.

As quantidades contínuas, por sua vez, são aquelas coisas incontáveis. A

principal propriedade das quantidades contínuas é que o fim de uma de suas partes é o

início da parte seguinte, por conta disto as quantidades contínuas possuem a propriedade

de extensão ou continuidade. Por exemplo, uma linha reta, vê-se claramente que o ponto

que se encontra na metade de linha é, ao mesmo tempo, fim da primeira metade e início

da segunda. Vê-se que esta é uma capacidade que se encontra presente em todas as

figuras geométricas, logo se encontra presente em todos os corpos.

Pelo que se vê, o mais fundamental na quantidade é a existência da distribuição

das partes, sejam elas contínuas ou contíguas (o início da parte consequente não é o fim

da parte antecedente, por exemplo, uma fileira de grãos de arroz). Deste modo,

concordar-se-ia com Santo Tomás que a quantidade é aquilo que é divisível naquelas

coisas que constituem10

.

Lugar

A partir da propriedade de extensão dos corpos se pode conceituar o que seja o

lugar e o espaço. Isto se dá, pois a extensão dos corpos os capacita a serem continentes

ou contidos. Continente é aquilo que recebe outro dentro de si. Contido é aquele que se

encontra em outro. Por exemplo, um jarro cheio de água; o jarro é o continente e a água,

o contido.

10

TOMÁS DE AQUINO, De Generatione I, 1.25 apud GARDEIL,H.D. Introdução a filosofia de Santo

Tomás de Aquino. Original: Quantum dicitur quod est divisibile in ea quae insunt.

27

É importante perceber que o termo ‗está contido‘ é ambíguo, pois, por um lado,

refere-se às partes de um corpo, por outro, refere-se à corpos que estão no interior de

outros sem pertencer aos continentes. Por exemplo, diz-se que os braços ‗estão

contidos‘ no corpo, mas também se diz que a água ‗está contida‘ na jarra. A maneira

pela qual se pode diferenciar uma da outra é através do movimento, veja que não é

possível locomover o corpo sem mover os braços (pois, são partes do corpo); entretanto,

é possível mover a água sem mover a jarra. O primeiro sentido do termo ‗está contido‘

se refere à capacidade de haver partes no corpo, logo se vincula a categoria quantidade.

Portanto, usar-se-á o segundo sentido para tratar da categoria lugar.

A relação entre contido e continente, naquilo que se refere ao lugar, exige que

o continente possa permanecer imóvel, ainda que o contido se mova (vide o exemplo da

água e da jarra). Outra propriedade interessante desta relação é que o contido não

necessariamente se faz presente em todo o continente. Por exemplo, a frase ‗o pássaro

está contido no ar‘ não significa que o pássaro está presente em todo ar (corpo

continente) que existe no universo, mas sim em um limite definido dele. É este limite

definido que se entende, intuitivamente, por lugar. Por isso, este limite deve ser imóvel,

senão, o móvel poderia se locomover sem sair do seu lugar (que é absurdo!). Assim,

define-se lugar como primeiro limite imóvel do corpo continente.

Qualidade

A partir das duas categorias analisadas anteriormente se percebe que a extensão

dos corpos é uma consequência da quantidade. Isto significa que a extensão,

propriamente dito, não é uma quantidade, mas sim uma propriedade associada à

quantidade. Isto é muito importante, pois em linguagem comum propriedade é sinônimo

de qualidade. Isto quer dizer que existem algumas qualidades que se vinculam as

quantidades, ou seja, qualidades primárias; são elas: extensão, figura, resistência e

movimento. Além destas, há qualidades secundárias que são aquelas que se vinculam

diretamente aos cinco sentidos, por exemplo, cor (visão), gosto (paladar), calor (tato),

odor (olfato) e som (audição).

Além da divisão acidental entre primárias e secundárias, as qualidades também

podem ser divididas segundo uma divisão essencial. Esta segunda divisão considera as

qualidades a partir do que se intuiu delas na teoria do movimento. Naquele momento,

usou-se o exemplo da água que deixa de ser fria e passa a ser quente. Isto significa que a

28

qualidade reflete os diversos tipos através dos quais um sujeito pode ser modificado11

.

Estes tipos são: disposição, potência, paixão e figura. Disposição: São as maneiras de

ser que afetam a ‗personalidade‘ do sujeito, por exemplo, talento para o futebol, ter um

preparo físico etc. Potência: São as maneiras de ser que deixam o sujeito suscetível a

alguma atividade, por exemplo, capacidade que o ímã tem de atrair o ferro, a capacidade

que alguém tem para correr muitos quilômetros etc. Paixão: são as qualidades que

procedem de uma alteração ou que são causa de alterações. Por exemplo, o calor, que

procede da alteração de temperatura e as propriedades químicas que geram alterações de

temperatura. Figura: são as qualidades que determinam a quantidade do sujeito, por

exemplo, a forma arredondada da bola. A partir destas características se percebe que a

configuração do ente depende da qualidade, daí segue a qualidade ser aquilo em razão

do que ente é dito ser tal.

Quando se percebe estes quatro tipos de qualidades essenciais, percebe-se que

algumas das características se referem a coisas que contemporaneamente são tratadas

por quantidades (por exemplo, o calor). Por causa disto, é muito comum encontrar

confusão entre quantidade e qualidade. Esta confusão procede da intuição de que

somente as quantidades podem ser medidas, mas isto é um equívoco. Afinal, é possível

gerar medidas para as qualidades, estas medidas não são dadas a partir da contagem das

partes, mas sim a partir da gradação da intensidade com que a qualidade se manifesta no

sujeito. Um dado muito interessante ressaltado por Selvaggi, no livro Filosofia do

Mundo, é que a maior parte das grandezas físicas que se conhece são essencialmente

qualidades. Isto é um conteúdo que seria melhor explorado em um curso de filosofia da

ciência, sobretudo naquilo que tange a função da analogia no estudo das ciências exatas.

Acidentes que são termos finais de movimentos

Os termos finais de movimentos se associam aos tipos de movimento, há

movimento quantitativo, qualitativo e local. Os três tipos de movimento podem ter por

termo final uma situação ou um hábito. A situação diz respeito ao modo com que se

está, por exemplo, ‗o jovem está sentado‘. O hábito diz respeito ao que se possui junto

ao corpo, por exemplo, ‗o jovem porta uma arma‘. A situação e o hábito são acidentes

que dizem respeito a um único ente ou a uma única característica. Entretanto, no caso

em que há parâmetros de comparação, diz-se haver uma relação entre os dois termos

11

JOLIVET, R.; Curso de Filosofia

29

comparados, por exemplo, ‗o jovem está sentado próximo a mim’. Daí, percebe-se que

os termos finais de movimentos mantêm relação com os outros. A relação é um

acidente, portanto é uma categoria. Vai-se estudar aqui, apenas, a categoria da relação.

Relação

Toda vez que se fala em relação pelos menos três coisas são supostas: o sujeito,

o fundamento e termo. O sujeito é a expressão de quem se fala, o fundamento é a razão

pela qual a relação existe e o termo é aquilo em que o sujeito está em relação. Por

exemplo a relação existente entre o pai com seu filhos, o sujeito é o pai, o fundamento é

a paternidade e o termo é o filho; diversamente, diz-se acerca da relação entre filho e o

pai, neste caso o sujeito é o filho, o fundamento é a filiação e o termo é o pai.

As relações possuem três propriedades; a primeira delas enuncia que não existe

mais ou menos nas relações, isto quer dizer que não é possível haver aumento ou

diminuição do fundamento da relação, por exemplo, uma coisa é igual ou desigual à

outra, não existe meio termo. A segunda enuncia que as relações são recíprocas, isto

quer dizer que o sujeito se relaciona com termo e vice-versa, por exemplo, o pai se

relaciona com o filho e o filho se relaciona com o pai. A terceira enuncia que os

correlativos são simultâneos, ou seja, o sujeito só é sujeito porque existe um termo e

vice-versa. Por exemplo, o pai só é pai, porque tem um filho.

Além disto, a relação também pode ser divida essencialmente ou

acidentalmente. Essencialmente, a relação se divide a partir de seu fundamento que

pode ser a igualdade, a causalidade, a semelhança, real e lógica. Os três primeiros

fundamentos se encontram fundados nas categorias de quantidade, ação12

e qualidade.

Os dois últimos se referem ao estado de espírito daquele que enuncia a relação. A

relação é dita real quando ocorre independentemente das operações do espírito daquele

que enuncia. Por exemplo, a relação entre a causa e o efeito. Quando a relação depende

destas operações ela é dita lógica. Por exemplo, a relação entre o ser e o nada. A relação

é dividida acidentalmente quando é considerada a partir dos termos, e pode ser

classificada como mútua ou não mútua. A relação é dita mútua quando os dois termos

não podem ser dados, senão simultaneamente. Por exemplo, a filiação e a paternidade.

A relação é dita não-mútua quando os dois termos não são correlativos. Por exemplo, a

12

Categoria que será explorada mais precisamente no próximo tópico.

30

relação entre Deus e o homem. Após estas especificações do que indica a relação, pode

dizer que a noção de relação é aquilo pelo qual um sujeito se vincula a um termo.

Acidentes que estão contidos nos movimentos

Nas seções passadas, verificou-se quais eram os tipos de movimentos

acidentais e disso derivou-se os acidentes que variam com o movimento. Neste

momento, procurar-se-á quais são os acidentes que existem devido ao movimento. A

primeira coisa que se inclui a noção de movimento é o senso de transformação. É deste

senso de variação entre final e o inicial que se alimenta o sentido de tempo. A segunda

coisa a perceber é que o acidente que existe devido ao movimento é o ser-móvel ou ser-

movente. O ser-móvel realiza o ato do movimento de modo paciente, pois sofre a ação.

O ser-movente realiza o ato do movimento de modo agente, pois gera a ação. Deste

modo, ação e paixão são dois acidentes decorrentes do mesmo movimento.

Configurando, assim, duas categorias. Neste capítulo, vai-se estudar apenas a categoria

tempo, pois as categorias ação e paixão foram exploradas no momento em que se falou

da relação entre o móvel e o movente, naquele momento se viu que ação e paixão eram

duas realizações distintas de um mesmo ato e de um mesmo movimento.

Tempo

Quando se fala de tempo, percebe-se a existência de diferentes tipos, o tempo

vivido, tempo abstrato, o tempo objetivo etc. O tempo vivido se refere ao movimento

passado. Por exemplo, ter 25 anos se refere ao movimento ocorrido desde o dia em que

se nasceu até a presente data. O tempo abstrato é aquele pensado por Newton como

sendo um tempo absoluto que é dado continuamente por uma linha. Por exemplo, a

representação do tempo no plano cartesiano. O tempo objetivo se refere aquele tempo

medido a partir da rotação da Terra, por exemplo, são 22h.

Tradicionalmente, sabe-se que o tempo está dividido entre passado, presente e

futuro. Também é sabido de praxe que o passado não é mais e o futuro ainda será,

portanto só o presente é realmente. Isto significa que a noção de tempo segundo a

divisão clássica só existe na razão, assim como os números só existem na razão. Assim,

tradicionalmente, definiu-se o tempo por número do movimento segundo o antes e o

depois. Deve-se entender por número o sentido de continuidade e não de contiguidade.

É importante deixar claro que o conceito de tempo não é dado a partir da duração. Pelo

31

contrário, o tempo indica a extensão do movimento e a duração indica a permanência

no ser do sujeito. Além deste conteúdo mínimo também inclui o estudo acerca do tempo

a pesquisa acerca da eternidade do mundo, este estudo é de fundamental importância

para a compreensão de alguns problemas filosóficos enunciados na Idade Média,

entretanto aqui não é o melhor lugar para tratar destes problemas.

Perguntas

1. Distinga gênero de espécie.

2. Indique quantas e quais são as categorias aristotélicas e como elas estão ser

divididas

3. Distinga número numerado e número numerante. Dê exemplos e explique-os.

4. Distinga contiguidade e continuidade. Dê exemplos e explique-os.

5. Defina quantidade.

6. Distinga continente e contido. Dê exemplos e explique-os.

7. Defina lugar.

8. A partir da definição de lugar explique porque não é absurdo dizer que o Brasil

está simultaneamente no continente americano e no planeta Terra.

9. Segundo Jolivet, Locke teria feito a distinção das qualidades entre qualidades

primárias e secundárias. Na filosofia cartesiana, estas qualidades secundárias

foram conhecidas por res cogitans, ou seja, coisas que seriam produto da mente

humana não necessariamente reais. Com base nestas informações, dê alguns

exemplos de qualidades que não seriam consideradas necessariamente reais pelo

pensamento cartesiano.

10. Defina qualidade.

11. Com base no que foi visto, aponte a importância das qualidades para o estudo

das ciências exatas.

12. Quais são os três elementos de toda relação?

13. Distinga relação real de relação lógica.

14. Reflita sobre a importância das relações reais para a credibilidade das

conclusões de uma pesquisa científica.

15. Dê uma definição de relação.

16. Defina tempo.

17. Distinga tempo de duração.

Aula 5 (causalidade e necessidade; aplicações)

A última aula refletiu acerca das categorias, que, em outras palavras, referem-

se aos diversos tipos em que os acidentes podem se apresentar, assim, o último capítulo

tratou sobre características que dizem respeito a composição dos entes. O método

empregado na seção anterior se baseava na primeira característica do movimento,

aquela que afirma o movimento ser um ato do móvel. Foi graças a esta propriedade que

32

se pode procurar os diversos atos do móvel em relação ao movimento e, por

conseguinte, encontrar todos os tipos de acidentes, ou seja, conhecer melhor a

‗composição‘ dos entes.

Agora a proposta é analisar a segunda propriedade do movimento que é aquela

que afirma o ato do móvel ser o mesmo ato do motor. Nesta segunda característica do

movimento, verificou-se que o motor não pode comunicar ao móvel aquilo que, de

nenhum modo, faz-se presente nele. Isto significa que toda a perfeição existente do ato

do móvel se vê presente no motor, em outras palavras, a perfeição do móvel procede do

motor. A relação de dependência entre o móvel e o motor, intuitivamente, associa-se a

noção de causa. Segundo o senso comum toda vez que alguma coisa acontece sempre se

pergunta: o que causou isto? Esta noção do senso comum pode ser precisada pela

terminologia metafísica.

A primeira noção é: o efeito procede da causa. A expressão proceder de e vir

de são sinônimas de princípio. Isto significa que a causa é princípio do efeito.

Entretanto, há duas maneiras de algo ser princípio, a primeira delas é o princípio

positivo este é o caso daqueles princípios que dão algum ato, por exemplo, o jogador de

futebol dá à bola o movimento. A segunda maneira é o princípio negativo, este é o caso

daquele princípio que confere uma privação, por exemplo, o computador é princípio da

privação que algumas pessoas têm dele. Claramente se vê que a causa não pode ser

considerada princípio negativo, caso contrário, dever-se-ia afirmar a causa de haver

excluídos digitais ser os computadores.

A segunda noção é: o efeito só existe devido à causa. Isto quer dizer que o

efeito depende da causa. Entretanto, de várias maneiras distintas uma coisa pode

depender de outra, por exemplo, a saída para a praia depende de um dia ensolarado,

entretanto não é exatamente correto dizer que o dia ensolarado é a causa da ida praia.

Assim, a dependência que demanda causa exige um sentido mais forte que,

tradicionalmente, diz-se dependência no ser. No caso da ida a praia, o dia ensolarado

não é decisivo, mas a locomoção é. Diz-se que este fator decisivo é o fator pelo qual a

‗ida a praia‘ depende no ser. Deste modo, juntamente com Leo Elders, poder-se-ia

33

definir causa por princípio positivo de onde alguma coisa procede segundo dependência

no ser13

.

As quatro causas14

Causa eficiente

A partir da definição de causa encontrada no parágrafo precedente, pode-se

reconstruir a etiologia15

aristotélica. Para fazer esta reconstrução, vai-se partir da teoria

do movimento que se está vendo desde o início. A primeira coisa a perceber é que a

definição acima exige o motor ser causa do movimento do móvel. Isto claramente se

percebe pelo fato de que o motor é o princípio positivo de onde procede o movimento

do móvel segundo dependência no ser. É princípio positivo, pois confere o movimento

que é ato (perfeição); é dito que procede, pois a potência do móvel é atualizada pelo

motor e é dito depender no ser, pois todo móvel supõe um motor. Este tipo de causa que

gera o movimento é tradicionalmente chamado causa eficiente.

A causa eficiente pode ser principal ou instrumental, ela é dita principal,

quando age por sua própria virtude (o escritor, que faz um livro) e é dita instrumental,

quando está a serviço da causa principal (a caneta do escritor). É importante ressaltar

que a ação é comum a causa principal e a causa instrumental, vide o fato de que o

açougueiro corta a carne, mas a faca também o faz. Entretanto, sabe-se que o

açougueiro é a causa principal do ato e por isso a ação total se encontra nele, senão dir-

se-ia o corte revelar mais a amolação da faca do que a precisão do açougueiro.

Pode ser essencial e acidental. A causa essencial é aquela que produz o efeito

a que se ordena, por exemplo, a operação cirúrgica que cura o doente. A causa acidental

é aquela que não consegue tal, por exemplo, a mesma cirurgia matar o paciente. Estes

efeitos não tem razão de fim, pois se produzem fora da intenção do agente.

Pode ser primeira ou segunda. As causas serão primeiras ou segundas

conforme seja princípio primeiro ou intermediário da ação. Por exemplo, primeiramente

a casa provém do projeto do engenheiro, em segundo lugar, da astúcia dos pedreiros.

13

ELDERS, L.; The metaphysics of Being of ST. Thomas Aquinas in a historical perspective, p. 270. Or.:

principium positivum unde aliquid procedit secundum dependentiam in esse. 14

A descrição detalhada de cada uma das especificidades das causas eficientes segue um resumo do

trabalho de JOLIVET. 15

Estudo das causas

34

Causa Final

A causa eficiente é, pois, a causa do movimento. Entretanto, há um detalhe

importante, todo movimento exige um termo inicial e um termo final. Ora, o termo final

não pode ser uma potência, pois, como e viu, o fim do movimento é sempre um ato. Isto

significa o termo inicial ser uma potência. Como a condição de possibilidade de haver

potência é a existência dos atos, deve-se dizer que o termo inicial procede positivamente

do termo final. Pois, o termo final confere ao termo inicial a perfeição de ser potência,

na ausência de um termo final real esta potência seria apenas privação. Daí, segue a

dependência que o termo inicial tem com o termo final. Para facilitar a discussão, far-se-

á uso de um exemplo. Considere o seguinte movimento ‗uma bola é jogada na direção

de um animal‘. Neste caso, o termo inicial é a bola na mão de alguém e o termo final é o

animal. Se o animal a que se joga a bola for um elefante, então a bola na mão estará no

elefante em potência. Entretanto, se o animal for um dinossauro, então a bola na mão

não será uma potência, pois não existem mais dinossauros. Neste caso, a bola na mão

estará privada da presença do dinossauro, ou seja, deixa de ser potência e passa a ser

uma privação. Em suma, o termo final é causa do termo inicial que será nomeado por

causa final.

A causa final pode ser dividida entre fim da obra e fim do agente. O fim da

obra é o objetivo é o fim para o qual a obra está destinada. Por exemplo, dar esmolas, o

fim da obra é amenizar o sofrimento do pobre. O fim do agente é a intenção. Aquele

que dá esmolas pode fazê-lo para ser reconhecido. Neste caso o fim da obra não

coincide com o fim do agente, quando isso ocorre, diz-se o fim da obra ser um simples

meio.

Pode ser fim principal ou secundário, o fim principal é aquele visado

primeiramente antes dos outros, por exemplo, a defesa da pátria para um soldado. O fim

pode ser mediato ou derradeiro é mediato quando é um instrumento para atingir a

perfeição do agente e é derradeiro quando é, ele mesmo, a perfeição ou o bem do

agente, por exemplo, a felicidade.

Causa material

As duas causas supracitadas se referem ao movimento enquanto tal, mas não se

referem às características presentes nele. A primeira característica diz todo movimento

35

supor um sujeito. Desta característica, verificou-se a necessidade da matéria para

justificar as transformações substanciais. A principal característica da matéria é ser pura

potência, isto quer dizer que a partir dela qualquer coisa pode ser feita. Naturalmente,

intui-se a matéria ser aquilo de que as coisas são feitas. É interessante perceber que isto

também deve ser considerado causa, pois o móvel é constituído de matéria. Logo,

procede e depende dela. Isto leva a conclusão da terceira causa a que se pode ter notícia

que é a causa material.

Causa formal

O que se viu no parágrafo anterior revela que o móvel tem uma causa material,

entretanto a causa material é sempre potencial. Entretanto, não pode haver alguma coisa

que seja potência pura e exista de modo definido, pois a existência definida já é um ato.

Ora, isto significa que a causa material exige um termo que seja ato na composição,

para que o móvel seja algo específico. Como este segundo termo faz parte da

composição, dever-se-á considera-lo como causa pelos mesmos motivos alegados para a

causa material. Este segundo termo da composição será chamado causa formal.

Necessidade

Acerca da necessidade, deve-se dizer que algo pode ser dito necessário de quatro

modos, como diz o Angélico16

no comentário a Metafísica de Aristóteles. O primeiro

modo é aquilo sem o qual alguma coisa não pode viver ou ser17

, como exemplo se pode

citar a corrente sanguínea para o ser humano, pois sem ela o homem não pode viver. O

segundo se diz necessário aquilo sem o qual não pode ser ou ser feita alguma coisa boa,

evitar ou repelir alguma coisa má18

. Neste sentido se diz que o trabalho do homem lhe é

necessário para o sustento. O terceiro se diz necessário aquilo que infere violência e

ainda a própria violência recebe o nome de necessário19

. Neste sentido, diz-se

necessária a ação feita por meio de coação; como no caso em que se joga algo pesado na

direção contrária ao solo. No quarto se diz necessário aquilo que não se pode ter

contingentemente, isto é absolutamente necessário.20

Neste sentido, pode-se dizer

16

Cf. Sententia Metaphysicae lib. 5 l.6 17

Sententia Metaphysicae lib. 5 l.6 n.1 (Or. : sine quo non potest aliquid vivere aut esse) 18

Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.2 (Or. : sine quibus non potest esse vel fieri bonum aliquod,

vel vitari aliquod malum, vel expelli) 19

Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.3 (Or. : id quod infert violentiam, et etiam ipsa violentia

necessarii nomen accepit) 20

Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.6 (Or. : quod non contingitaliter se habere: et hoc est

necessarium absolute)

36

necessário todo o fato passado, como o fato de ter acordado hoje; pois diz o Doutor

Comum Deus não pode fazer com que o passado não tenha sido, pois isto inclui

contradição21

.

Por meio destes tipos de necessidade é possível relacioná-los com a noção de

causalidade vista na última seção. O que foi visto na causalidade é que existe uma

dependência entre o efeito e a causa. Esta dependência se dá de sorte que o efeito só

pode ser devido à causa. Logo, a causa é necessária ao efeito. Esta percepção entre

necessidade e causalidade é fundamental para toda a ciência, pois é devido à esta

propriedade que se podem enunciar leis da natureza. É porque existe necessidade entre

efeito e causa que se pode inferir que onde quer que haja um efeito haverá uma causa

que lhe seja correspondente. É graças a esta capacidade que se pode evocar a existência

de um necessário absoluto. Pois, se o mundo for considerado em ato, então deverá ser

um efeito. Se é efeito, então, necessariamente, há uma causa. Ora, a intuição diz que o

mundo é relativamente necessário, pois sem ele nada poderia viver ou ser. Isto significa

que a causa do mundo deve ser absolutamente necessária, pois da sua inexistência

procede à inexistência de todo o resto, portanto esta causa não pode ser contingente. Em

outras palavras, há um Absolutamente Necessário. Este absolutamente necessário Santo

Tomás de Aquino chamou Deus, formulando a chamada terceira via da existência de

Deus.

Aplicações

Toda esta introdução a metafísica tem por função permitir que aquele que

estuda entender o conteúdo abordado nos textos antigos, em especial, da Suma

Teológica de Santo Tomás e a refletir criticamente o pensado naquela época em

comparação ao visto hoje. Serão, na realidade, exercícios em que se quer interpretar de

maneira contemporânea os conhecimentos antigos.

Os textos selecionados se vinculam, de algum modo, com conteúdos abordados

durante o curso. O primeiro texto se refere ao problema acerca da necessidade de haver

uma ciência da sagrada doutrina, ou seja, responde a pergunta acerca da cientificidade

da teologia. Isto é muito importante, caso contrário, todo o estudo teológico poderia ser

considerado uma inutilidade sem fim.

21

Contra Gent. II, cap. 25, 13

37

Texto 1

O primeiro discute-se assim — Parece desnecessária outra doutrina além das disciplinas

filosóficas.

1. — Pois não se deve esforçar o homem por alcançar objetos que ultrapassem a razão,

segundo a Escritura (Ecle. 3, 22): Não procures saber coisas mais dificultosas do que as

que cabem na tua capacidade. Ora, o que é da alçada racional ensina-se, com suficiência,

nas disciplinas filosóficas; logo, parece escusada outra doutrina além das disciplinas

filosóficas.

2. — Ademais, não há doutrina senão do ser, pois nada se sabe, senão o verdadeiro, que

no ser se converte. Ora, de todas as partes do ser trata a filosofia, inclusive de Deus; por

onde, um ramo filosófico se chama teologia ou ciência divina, como está no Filósofo1.

Logo, não é preciso que haja outra doutrina além das filosóficas.

Mas, em contrário, a Escritura (2 Tm 3, 16): Toda a Escritura divinamente inspirada é

útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir na justiça. Porém, a

Escritura, divinamente revelada, não pertence às disciplinas filosóficas, adquiridas pela

razão humana; por onde, é útil haver outra ciência, divinamente revelada, além das

filosóficas.

SOLUÇÃO. — Para a salvação do homem, é necessária uma doutrina conforme à

revelação divina, além das filosóficas, pesquisadas pela razão humana. Porque,

primeiramente, o homem é por Deus ordenado a um fim que lhe excede a compreensão

racional, segundo a Escritura (Is 64, 4): O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens

preparado para os que te esperam. Ora, o fim deve ser previamente conhecido pelos

homens, que para ele têm de ordenar as intenções e atos. De sorte que, para a salvação do

homem, foi preciso, por divina revelação, tornarem-se-lhe conhecidas certas verdades

superiores à razão. Mas também naquilo que de Deus pode ser investigado pela razão

humana, foi necessário ser o homem instruído pela revelação divina. Porque a verdade

sobre Deus, exarada pela razão, chegaria aos homens por meio de poucos, depois de

longo tempo e de mistura com muitos erros; se bem do conhecer essa verdade depende

toda a salvação humana, que em Deus consiste. Logo, para que mais conveniente e segura

adviesse aos homens a salvação, cumpria fossem, por divina revelação, ensinados nas

coisas divinas. Donde foi necessária uma doutrina sagrada e revelada, além das

filosóficas, racionalmente adquiridas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora se não possa inquirir pela

razão o que sobrepuja a ciência humana, pode-se entretanto recebê-lo por fé divinamente

revelada. Por isso, no lugar citado (Ecle 3, 25), se acrescenta: Muitas coisas te têm sido

patenteadas que excedem o entendimento dos homens. E nisto consiste a sagrada

doutrina.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O meio de conhecer diverso induz a diversidade das

ciências. Assim, o astrônomo e o físico demonstram a mesma conclusão, p. ex., que a

terra é redonda; se bem o astrônomo, por meio matemático, abstrato da matéria; e o

físico, considerando a mesma. Portanto, nada impede que os mesmos assuntos, tratados

nas disciplinas filosóficas, enquanto cognoscíveis pela razão natural, também sejam

objeto de outra ciência, enquanto conhecidos pela revelação divina. Donde a teologia,

atinente à sagrada doutrina, difere genericamente daquela teologia que faz parte da

filosofia.22

22

S. Th. I q.1 a.1 (Trad. Permanência)

38

O texto 2 versa sobre a afirmação de que Deus é infinito e perfeito, isto seria

uma contradição sob a ótica materialista pré-socrática. A importância desta questão é a

inferência de que a infinidade de Deus procede da sua imaterialidade.

Texto 2

SOLUÇÃO – Todos os filósofos antigos, considerando como as causas efluem,

indefinidamente, do primeiro princípio, atribuem-lhe com razão a infinidade, segundo

refere Aristóteles. Mas, como certos erraram sobre a natureza desse princípio,

consequentemente, tinham que errar em relação à sua infinidade. Assim, considerando o

primeiro princípio, matéria, atribuíram-lhe logicamente a infinidade material, dizendo que

o primeiro princípio das coisas é um corpo infinito.

Ora, devemos considerar, que se chama infinito ao que não é finito; e que de certo modo,

a matéria é limitada pela forma e esta, por aquela. A matéria, pela forma, porque antes de

receber a esta, é potencial em relação a muitas formas; mas, desde que recebe uma fica

por essa limitada. A forma, de seu lado, é limitada pela matéria enquanto que, em si

mesma considerada, é comum a muitos seres; mas, uma vez recebida numa matéria,

torna-se determinadamente a forma de um certo ser. A matéria, ademais se aperfeiçoa

pela forma que a delimita. Por onde, o infinito atribuído à matéria é algo de imperfeito,

pois é quase a matéria sem forma.

A forma, porém, não é aperfeiçoada pela matéria; antes, esta lhe contrai a amplitude.

Portanto, o infinito resultante da forma não determinada pela matéria tem caráter de

perfeito. Ora, o que é formal, por excelência, é o ser em si mesmo, como do sobredito se

colhe. E como o ser divino não é recebido em nenhum outro, mas é o seu próprio ser

subsistente, como já demonstramos, é manifesto que Deus é infinito e perfeito.23

O texto 3 versa sobre a primeira via da existência de Deus, este é o artigo mais

famoso da Suma Teológica. Eles entraram para a história como as chamadas provas da

existência de Deus. Não é necessário evidenciar a importância deste artigo, pois é a

partir do reconhecimento da existência de Deus que todo o resto faz sentido.

Texto 3

A primeira e mais manifesta é a procedente do movimento; pois, é certo e verificado

pelos sentidos, que alguns seres são movidos neste mundo. Ora, todo o movido por outro

o é. Porque nada é movido senão enquanto potencial, relativamente àquilo a que é

movido, e um ser move enquanto em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da

potência ao ato; assim, o cálido atual, como o fogo, torna a madeira, cálido potencial, em

cálido atual e dessa maneira, a move e altera. Ora, não é possível uma coisa estar em ato e

potência, no mesmo ponto de vista, mas só em pontos de vista diversos; pois, o cálido

atual não pode ser simultaneamente cálido potencial, mas, é frio em potência. Logo, é

impossível uma coisa ser motora e movida ou mover-se a si própria, no mesmo ponto de

vista e do mesmo modo, pois, tudo o que é movido há-de sê-lo por outro. Se, portanto, o

motor também se move, é necessário seja movido por outro, e este por outro. Ora, não se

pode assim proceder até ao infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor e, por

consequência, outro qualquer; pois, os motores segundos não movem, senão movidos

pelo primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário

23

S.Th. I q.7 a.2 (trad. Permanência)

39

chegar a um primeiro motor, de nenhum outro movido, ao qual todos dão o nome de

Deus.24

O texto 4 versa sobre as relações entre as pessoas da trindade. O estudo

sistemático da trindade sempre foi uma dificuldade para os teólogos. Neste artigo, Santo

Tomás pretende mostrar que as relações na trindade são reais e não meramente lógicas.

É muito importante verificar o quanto isto é razoável, pois, como mostra o próprio

artigo, dizer o inverso é cair em uma heresia.

Texto 4

Mas, em contrário, o pai é assim chamado por causa da paternidade; e o filho, por causa

da filiação. Se, pois, em Deus não há realmente nem paternidade nem filiação, segue-se

que Deus não é realmente Pai nem Filho, mas somente segundo a noção de inteligência, o

que é a heresia sabeliana.

SOLUÇÃO. — Certas relações existem realmente em Deus, o que se evidencia

considerando que só nas coisas relativas a outras encontram-se relações só de razão e não,

reais. O que não existe nos outros gêneros; pois, estes, como a quantidade e a qualidade,

na sua noção própria, significam o que é inerente a um sujeito. Ora, as coisas relativas a

outras exprimem, na sua noção própria, só tal relação. E tal relação está, às vezes, na

própria natureza das coisas; como p. ex., nas que por natureza se coordenam e têm

inclinação umas para as outras; e essas relações são necessariamente reais. Assim, p. ex.,

o corpo pesado tem inclinação e tendência para o centro e por isso há uma relação entre

aquele e este; e o mesmo se dá em casos semelhantes. Outras vezes, porém, a relação

expressa pelas coisas relativas a outras só existe na apreensão mesma da razão,

comparando umas com as outras; e neste caso a relação é somente de razão, como

quando, p. ex., a razão compara o homem com o animal e a espécie, com o gênero. Mas

quando uma coisa procede de um princípio da mesma natureza, necessariamente ambos, o

procedente e o princípio da processão, devem convir na mesma ordem, e assim é

necessário tenham mútuas relações reais. Ora, como em Deus as processões existem na

identidade de natureza, como mostramos, necessariamente serão reais as relações

admitidas nas processões divinas.25

O texto 5 versa sobre a discussão se o bem pode ser causa do mal. A

importância desta questão é sobre a origem do mal, pois diz-se que tudo que Deus fez é

bom e ao mesmo tempo se percebe o mal no mundo. Daí, procede o problema: como

pode o bem causar o mal? Esta questão se propõe a resolver isto.

Texto 5

SOLUÇÃO. – É forçoso admitir-se que todo mal tenha, de certo modo, causa. Pois, o mal

é a falta do bem natural ao ser e que este deve ter. Mas a deficiência de um ser, em

relação à sua natural e devida disposição, só pode provir de alguma causa que o arrasta

contrariamente à sua disposição; assim, um grave não pode mover-se para cima senão por

uma causa que o impele; e a ação do agente só é deficiente, por algum impedimento. Ora,

só o bem pode ser causa, porque nada é causa senão enquanto ser, e todo ser, como tal, é

24

S.Th. I q.2 a.3 (trad. Permanência) 25

S. Th. I q.28 a.2 (trad. Permanência)

40

bom. E se considerarmos a natureza especial das causas veremos que o agente, a forma e

o fim importam certa perfeição e se prendem à natureza do bem; e também a matéria,

como potência para o bem, tem a natureza deste. E assim, do que já se disse antes, é claro

que o bem é causa do mal, por meio da causa material; pois, se demonstrou que o bem é o

sujeito do mal. Quanto à causa formal, o mal não a tem, pois ele é, antes, a privação da

forma. E, semelhantemente, nem causa final, sendo, pelo contrário, o mal a privação da

ordenação ao fim devido; pois, não só o fim tem a natureza de bem, mas também o útil,

que se ordena ao fim. Porém, o mal tem causa ao modo do agente, não certo por si, mas

por acidente. Para cuja evidência deve saber-se que de um modo é causado o mal na ação

e de outro no efeito. Na ação, o mal é causado por defeito de algum dos princípios dela, a

saber, do agente principal ou do instrumental; assim, o defeito no movimento do animal

pode provir da debilidade da força motora, como nas crianças, ou só na inaptidão do

instrumento, como nos côxos. Porém, num efeito qualquer, o mal é causado ora pela

virtude do agente, sem que o seja no efeito mesmo dele; ora por defeito do agente ou da

matéria. Assim; é causado pela virtude do agente, quando, da forma visada pelo agente

resulta necessariamente a privação de outra forma; p. ex., da existência da forma ígnea

resulta a privação da forma do ar ou da água. Donde, quanto mais o fogo for perfeito em

virtude, tanto mais perfeitamente imprimirá a sua forma e assim, também, tanto mais

perfeitamente corromperá o seu contrário. Por onde, o mal e a corrupção do ar e da água

resultam da perfeição do fogo. Mas isso por acidente, pois o fogo não visa privar a forma

da água, senão imprimir a forma própria; mas, fazendo tal, causa a dita privação, por

acidente. Porém, se houver defeito no efeito próprio do fogo, p. ex., que este seja

deficiente no aquecer, tal se terá dado ou por defeito da ação, o que redunda no defeito de

algum princípio, como ficou dito; ou por indisposição da matéria que não recebe a ação

do fogo agente. Mas o fato mesmo da deficiência atinge o bem, ao qual é próprio, por si,

agir. Por onde, é verdade que o mal de nenhum modo tem causa, a não ser por acidente.

Assim, o bem é a causa do mal.26

Perguntas

1. Defina causa.

2. Indique quais são os tipos de causa eficiente. Dê exemplos.

3. A partir da teoria do movimento, explique o motivo pelo qual se deve supor a

existência de uma causa final.

4. Em um texto a causa eficiente é o autor, a causa final é aquilo que ele quer

comunicar. A partir desta analogia identifique a causa material e a causa formal.

5. Enumere e defina os sentidos de necessidade.

6. Relacione necessidade e causalidade.

7. Com base no que foi explicado sobre a necessidade interprete a passagem: A

terceira via, procedente do possível e do necessário, é a seguinte — Vemos que

certas coisas podem ser e não ser, podendo ser geradas e corrompidas. Ora,

impossível é existirem sempre todos os seres de tal natureza, pois o que pode

não ser, algum tempo não foi. Se, portanto, todas as coisas podem não ser,

algum tempo nenhuma existia. Mas, se tal fosse verdade, ainda agora nada

existiria pois, o que não é só pode começar a existir por uma coisa já existente;

ora, nenhum ente existindo, é impossível que algum comece a existir, e portanto,

nada existiria, o que, evidentemente, é falso. Logo, nem todos os seres são

possíveis, mas é forçoso que algum dentre eles seja necessário. Ora, tudo o que 26

S. Th. I q. 49 a.2 (trad. Permanência)

41

é necessário ou tem de fora a causa de sua necessidade ou não a tem. Mas não é

possível proceder ao infinito, nos seres necessários, que têm a causa da própria

necessidade, como também o não é nas causas eficientes, como já se provou.

Por onde, é forçoso admitir um ser por si necessário, não tendo de fora a causa

da sua necessidade, antes, sendo a causa da necessidade dos outros; e a tal ser,

todos chamam Deus.27

8. A partir do que foi visto no texto 1 da última seção, procure refletir acerca da

importância social do teólogo em uma comunidade teocrática.

9. Deus não pode ser experimentado em um laboratório porque não é material.

Relacione esta inferência com o pensamento expresso no texto 2.

10. O movimento é o fundamento principal de todo o estudo das ciências exatas,

sem ele a maior parte das leis físicas não poderiam ter sido percebidas.

Acrescente este argumento àquele exposto no texto 3.

11. Tente explicar o conteúdo do texto 4 em uma linguagem acessível a pessoas que

não estudaram a terminologia metafisica presente nele. Se possível, tente indicar

a importância desta discussão.

12. Use o conhecimento do texto 5 para explicar como o bem pode ser causa do mal.

27

S. Th. I q.2 a.3

42

Bibliografia

ARISTÓTELES, Física. Trad. GuilhermoR. de Echandía. Biblioteca Clasica dos

Gredos. Ed. Gredos, S.A: 1995.

ELDERS, L. The metaphysics of Being of ST. Thomas Aquinasin a historical

perspective. Nova York: E. J. Brill, 1993.

GARDEIL, H. D. Iniciação a Filosofia de Santo Tomás de Aquino: Física. Vol. 2. Rio

de Janeiro: Duas cidades, 1967

JOLIVET, R. Curso de Filosofia. 16° ed. Agir: 1986.

SELVAGGI, F. Filosofia do Mundo. Trad.: Alexander A. MacIntyre 2° Ed. São Paulo,

Loyola: 1988.

TOMÁS DE AQUINO, Comentário a Física de Aristóteles. Disponível em:

http://www.corpusthomisticum.org/oee.html, acessado em: 21 de out 2013

______ Comentário a Metafísica de Aristóteles. Disponível em:

http://www.corpusthomisticum.org/oee.html, acessado 21 de out 2013

______ Suma contra os Gentios. Porto Alegre: EST/SULINA,1990.

______ Suma Teológica. Disponível em: http://permanencia.org.br/drupal/node/1817.

Acessado em 08 de jul 2014