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O PAPEL DA RADIOLOGIA NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA THE ROLE OF RADIOLOGY IN INTENSIVE CARE UNITS Fabiano R. Lucchesi 1 : Gilberto Taketani 1 : Jorge Elias Jr 2 & Clóvis S. Trad 2 1 Médico Residente. 2 Docente do Centro de Ciências das Imagem e Física Médica. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. CORRESPONDÊNCIA: Av. Bandeirantes, 3900 - Campus Universitário, Ribeirão Preto-São Paulo. Email: [email protected]. LUCCHESI FR et al. O papel da radiologia na Unidade de Terapia Intensiva. Medicina, Ribeirão Preto, 31: 517-531, out./dez. 1998. RESUMO: O presente trabalho tem o intuito de abranger da forma mais ampla possível, os diferentes meios diagnósticos disponíveis atualmente para a avaliação de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva ( UTI ). Desta forma, alguns conceitos radiológicos essenciais para a interpre- tação e correta solicitação de exames serão abordados com um enfoque prático e objetivo. UNITERMOS: Radiologia. Radiografia Torácica. Radiografia Abdominal. Unidades de Tera- pia Intensiva. 517 1. INTRODU˙ˆO A crescente incorporação da tecnologia nos di- versos segmentos da medicina, particularmente na ra- diologia, vem contribuindo para um diagnóstico cada vez mais precoce e acurado das diferentes patologias, trazendo imensuráveis benefícios aos pacientes. Cer- tamente, em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), a precocidade no diagnóstico e na detecção de possí- veis complicações influencia, decisivamente, a con- duta terapêutica e, em última análise, o prognóstico do paciente. O presente artigo abordará o atual papel dos diferentes métodos de diagnóstico por imagem nas patologias mais freqüentes em UTIs; e, em virtu- de da abrangência do assunto, descreveremos, opor- tunamente, os aspectos radiológicos em UTIs pediá- tricas e aqueles ligados ao trauma. Avaliaremos, se- qüencialmente, o aparelho cardiovascular pulmonar e digestivo, enfocando, principalmente, as apresentações radiológicas típicas, sem descrições pormenorizadas dos aspectos clínicos, os quais serão analisados nos demais capítulos. 2. APARELHOS CARDIOVASCULAR E PULMONAR A análise radiológica do aparelho cardiovascu- lar basicamente é feita através da radiografia de tó- rax no leito, com aparelho portátil, em incidência an- teroposterior e com o paciente em decúbito dorsal. Desta forma, a qualidade da imagem é inferior em relação àquela obtida no departamento de radiologia, em virtude da menor distância foco filme e posição supina, das características técnicas dos aparelhos móveis, da não utilização de grades de filtragem e, também, de possíveis imperfeições no processo de revelação do filme. Eventualmente, para melhor elu- cidação diagnóstica, utilizam-se incidências laterais. A radiografia digital, de utilização mais recente, pos- sibilita, pela conversão de imagens analógicas em di- gitais, que estas sejam armazenadas e posteriormente manipuladas, melhorando suas características diagnós- ticas, tais como grau de exposição, brilho e contraste, reduzindo a repetição de exames e irradiação desne- cessária dos pacientes. Também permite a reprodu- Medicina, Ribeirªo Preto, Simpsio: MEDICINA INTENSIVA: II. TPICOS SELECIONADOS 31: 517-531, out./dez. 1998 Captulo III

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O PAPEL DA RADIOLOGIA NAUNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA

THE ROLE OF RADIOLOGY IN INTENSIVE CARE UNITS

Fabiano R. Lucchesi1: Gilberto Taketani1: Jorge Elias Jr2 & Clóvis S. Trad2

1Médico Residente. 2Docente do Centro de Ciências das Imagem e Física Médica. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina deRibeirão Preto.CORRESPONDÊNCIA: Av. Bandeirantes, 3900 - Campus Universitário, Ribeirão Preto-São Paulo. Email: [email protected].

LUCCHESI FR et al. O papel da radiologia na Unidade de Terapia Intensiva. Medicina, Ribeirão Preto, 31:517-531, out./dez. 1998.

RESUMO: O presente trabalho tem o intuito de abranger da forma mais ampla possível, osdiferentes meios diagnósticos disponíveis atualmente para a avaliação de pacientes em Unidadede Terapia Intensiva ( UTI ). Desta forma, alguns conceitos radiológicos essenciais para a interpre-tação e correta solicitação de exames serão abordados com um enfoque prático e objetivo.

UNITERMOS: Radiologia. Radiografia Torácica. Radiografia Abdominal. Unidades de Tera-pia Intensiva.

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1. INTRODUÇÃO

A crescente incorporação da tecnologia nos di-versos segmentos da medicina, particularmente na ra-diologia, vem contribuindo para um diagnóstico cadavez mais precoce e acurado das diferentes patologias,trazendo imensuráveis benefícios aos pacientes. Cer-tamente, em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), aprecocidade no diagnóstico e na detecção de possí-veis complicações influencia, decisivamente, a con-duta terapêutica e, em última análise, o prognósticodo paciente. O presente artigo abordará o atual papeldos diferentes métodos de diagnóstico por imagemnas patologias mais freqüentes em UTIs; e, em virtu-de da abrangência do assunto, descreveremos, opor-tunamente, os aspectos radiológicos em UTIs pediá-tricas e aqueles ligados ao trauma. Avaliaremos, se-qüencialmente, o aparelho cardiovascular pulmonar edigestivo, enfocando, principalmente, as apresentaçõesradiológicas típicas, sem descrições pormenorizadasdos aspectos clínicos, os quais serão analisados nosdemais capítulos.

2. APARELHOS CARDIOVASCULAR EPULMONAR

A análise radiológica do aparelho cardiovascu-lar basicamente é feita através da radiografia de tó-rax no leito, com aparelho portátil, em incidência an-teroposterior e com o paciente em decúbito dorsal.Desta forma, a qualidade da imagem é inferior emrelação àquela obtida no departamento de radiologia,em virtude da menor distância foco filme e posiçãosupina, das características técnicas dos aparelhosmóveis, da não utilização de grades de filtragem e,também, de possíveis imperfeições no processo derevelação do filme. Eventualmente, para melhor elu-cidação diagnóstica, utilizam-se incidências laterais.A radiografia digital, de utilização mais recente, pos-sibilita, pela conversão de imagens analógicas em di-gitais, que estas sejam armazenadas e posteriormentemanipuladas, melhorando suas características diagnós-ticas, tais como grau de exposição, brilho e contraste,reduzindo a repetição de exames e irradiação desne-cessária dos pacientes. Também permite a reprodu-

Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: MEDICINA INTENSIVA: II. TÓPICOS SELECIONADOS31: 517-531, out./dez. 1998 Capítulo III

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ção das grafias sempre que desejável e, principalmen-te, a transmissão, à distância, das informações, tecno-logia esta conhecida como telerradiologia, com aces-so rápido das imagens e laudos por todo o ambientehospitalar, em especial as UTIs(1,2). (Tabela I)

2.1.Atelectasia

Condição muito fre-qüente em UTI, resultante,geralmente, de hipoventilaçãopulmonar, anestesias prolonga-das, posição supina, secreçõespulmonares, pós-operatório edo mal posicionamento de câ-nulas endotraqueais. Acome-te, preferencialmente, o loboinferior esquerdo (66%), se-guido dos lobos inferior (22%)e superior (11%) direitos. O di-agnóstico radiológico diferen-cial deve ser feito com outrascausas de consolidação pul-monar, como pneumonia, he-morragia, infarto pulmonar,devendo-se valorizar a evolu-ção temporal dos achados,uma vez que as mudanças naatelectasia ocorrem em horase as demais, em dias. A apre-

Figura 1 - Extremidade distal da cânula orotraqueal ao nível do brônquio fontedireito, associado a opacificação do pulmão esquerdo, compatível com atelectasia.

sentação radiológica é variável, desde uma radiogra-fia normal, ou com os clássicos sinais de desvioipsilateral das cissuras, do mediastino, dos arcos costaise das estruturas broncovasculares e elevação do he-midiafragma. Outros sinais indicativos de atelectasiasão a presença de velamentos lineares ou discóides,associados ou não a broncograma aéreo ou até con-solidação lobar. Quando a atelectasia cursa com au-sência de broncograma aéreo, sugere a presença deobstrução da luz brônquica, possivelmente secundáriaà rolha de secreção, orientando, desta forma, a con-duta terapêutica(3,4,5). (Figura 1)

2.2. Pneumonia

A pneumonia hospitalar apresenta uma incidên-cia em torno de 8% a 12% em UTIs clínicas e cirúrgi-cas, atingindo uma taxa de até 60% nos pacientes comsíndrome da angústia respiratória do adulto (SARA) euma mortalidade variando entre 13% a 55%. Em am-bientes de UTIs, predominam, como agentes etiológi-cos, as bactérias aeróbicas gram-negativas (Pseudo-monas, Enterobacter, Klebsiella, Proteus, Acineto-bacter, Serratia, Haemophilus), o Staphylococcusaureus e a Candida. Na grande maioria das vezes,há uma prévia colonização da orofaringe, bem comodo estômago, principalmente quando existirem níveis

Tabela I – Radiologia Convencional X Digital em UTI

Desvantagens da Radiologia Convencional em UTI

− Posição supina e menor distância foco filme→ amplia-ção do mediastino e coração, menores volumespulmonares e análise prejudicada da trama pulmonar.

− Uso de aparelhos móveis→ exposições prolongadas,possibilitando artefatos de movimento.

− Não utilização de grades de filtragem→ aumento daradiação espalhada.

− Erros no processo de revelação→ degradação daqualidade final da imagem.

Vantagens da Radiologia Digital em UTI

− Redução significativa da repetição de exames, dimi-nuindo exposição à radiação.

− Possibilidade de pós-processamento das imagens emdiferentes formatos, melhorando a qualidade das ima-gens e capacidade diagnóstica.

− Capacidade de armazenamento e transmissão dasimagens.

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mais elevados de pH gástrico,antes do desenvolvimento doquadro pneumônico. Os parâ-metros utilizados para o diag-nóstico da pneumonia são apresença de febre, leucocito-se, leucopenia, isolamento mi-crobiológico do agente em se-creção traqueal e velamentona radiografia após setenta eduas (72) horas de internação.É importante ressaltar que es-tes critérios não são específi-cos da pneumonia, podendoocorrer em outras condiçõesclínicas. O diagnóstico radio-lógico baseia-se no apareci-mento de velamento segmen-tar lobar ou difuso, do tipoalveolar, ou seja, com bordasmal definidas, com broncogra-ma aéreo e sinal da silhue-ta(3,4,5) (Figura 2, Tabela II). Odiagnóstico diferencial deveser feito com atelectasia, hemorragia, infarto, contu-são, derrame pleural, edema e SARA, sendo que estaúltima patologia dificulta sobremaneira o diagnósticode pneumonia(6) (Tabela III).

Infelizmente, a especificidade da radiografia detórax para detecção de pneumonia é baixa, variandode 27% a 35%, mesmo considerando-se os dados clí-nicos e as radiografias anteriores. A presença de ca-vitação é sugestiva de pneumonia. O velamento devi-do ao processo pneumônico costuma aparecer maistardiamente e resolver-se mais lentamente que a as-piração pulmonar e a atelectasia. Um velamento quetenha surgido em horas é sugestivo de atelectasia, en-quanto o aparecimento súbito de qualquer novovelamento deve levantar a suspeita de aspiração.

Em geral, mesmo com adequada terapêutica an-tibiótica, o padrão radiológico não se altera de formaimportante em quarenta e oito (48) horas, sendo con-siderado tratamento ineficiente, quando não houvermelhora radiológica em quatorze (14) dias. As mu-danças das condições clínicas, geralmente, precedemas alterações radiológicas(7,8). A tomografia compu-tadorizada, com sua capacidade de detectar altera-ções no parênquima pulmonar, derrame pleural, bemcomo alterações nas demais estruturas torácicas, tempapel coadjuvante à radiografia de tórax na detecção

Figura 2 - Velamento de padrão alveolar, na base pulmonar direita, e infrailar es-querdo. Pneumonia bilateral.

Tabela II – Características Radiológicas do Ve-lamento de padrão alveolar

− Margens mal definidas

− Distribuição lobar ou segmentar

− Broncograma aéreo

− Coalescente

− Tempo de resolução rápido

Tabela III - Dia gnóstico diferencial e radiológico depneumonia

Contusão TEP

Atelectasia Hemorragia

Infarto pulmonar Derrame pleural

Edema SARA

de pneumonia e suas eventuais complicações(9,10).Entretanto, nem sempre é possível sua utilização empacientes mantidos em UTIs, em função do estadoclínico deteriorado do enfermo, apesar da melhora atualda segurança no transporte de pacientes graves.

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2.3 Pneumonia Aspirativa

A ocorrência de aspiração em UTIs é bas-tante freqüente e as condições que favorecem a aspi-ração são o rebaixamento do nível de consciência, dis-túrbios neuromusculares e alterações estruturais notubo digestivo. Classicamente, dividem-se a aspiraçãoe suas conseqüências em: aspiração do conteúdo gás-trico, infecções pleuropulmonares, decorrentes da as-piração e obstrução aguda das vias aéreas.

2.3.1 Aspiração do conteúdo gástricoA lesão pulmonar tem relação direta com o

volume do conteúdo gástrico aspirado e é mais signi-ficativa quando o pH deste for < 2,5. Não há altera-ções radiológicas características, identificando-se des-de radiografias normais até velamentos nodulares ouconfluentes, geralmente multilobares, bilaterais, pre-dominando o acometimento dos segmentos superio-res dos lobos inferiores e segmentos posteriores doslobos superiores, em pacientes em decúbito dorsal. Oaspirado gástrico também poderá desencadear ede-ma pulmonar não cardiogênico.

2.3.2 Complicações infecciosasNa pneumonia aspirativa comunitária há um

predomínio das bactérias anaeróbicas como agentesetiológicos (Bacteriodes fragilis, Fusobacteriumnucleatum, Peptostreptococcus spp) e das bactériasaeróbicas nas pneumonias nosocomiais, refletindo acolonização da orofaringe (Haemophilus influenzae,Staphylococcus aureus, bacilos gram-negativos).

2.3.3 Obstrução das vias aéreasAs alterações radiológicas dependerão do nível

da obstrução na árvore traqueobrônquica, podendo sernormal ou mostrar hiperinsuflação unilateral, atelec-tasia e desvio do mediastino(11,12,13).

2.4. Edema PulmonarHavendo um aumento da pressão hidrostática

ao nível dos capilares pulmonares, decorrente do es-tado de hiperhidratação ou do aumento da pressãodiastólica final do ventrículo esquerdo (Pd2VE), ocor-rerá um extravasamento de líquido, inicialmente, parao interstício e, depois, para o alvéolo. Como os pacien-tes em UTIs estão geralmente em posição supina, aredistribuição da trama vascular pulmonar, resultantedo aumento da Pd2VE não é identificada. As altera-ções radiológicas do edema intersticial compreendemas linhas septais de Kerley e borramento da tramavascular pulmonar. Com o extravasamento de líquido

atingindo os alvéolos, nota-se velamento do tipo flocoso,coalescente, de limites mal definidos, periilar, com as-pecto em “asa de borboleta” e presença de bronco-grama aéreo. Geralmente, é bilateral e simétrico, as-sociado a área cardíaca aumentada, apresentando iní-cio e resolução rápida, diferenciando-o da pneumoniae da Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto(3,4,5).(Figura 3)

2.5 Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto

O diagnóstico da Síndrome da Angústia Respi-ratória do Adulto (SARA) é baseado em critérios clí-nicos, gasométricos, hemodinâmicos e radiológicos.Apresenta-se como dispnéia pronunciada, com com-placência pulmonar diminuída, hipoxemia refratáriae pressão capilar pulmonar < 18mmHg. Em termosfisiopatológicos e radiologicamente, distinguem-se trêsfases:

Estágio I (0 �24h)

Figura 3 – Edema pulmonar cardiogênico. Aumento daárea cardíaca, associado a velamento de padrão radio-lógico alveolar, com distribuição periilar, mais acentua-do à direita.

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O papel da radiologia na unidade de terapia intensiva

Trata-se da fase exsudativa inicial, com discre-to extravasamento de líquido para o interstício, tradu-zindo-se por uma radiografia de tórax normal ou comaparecimento de linhas septais.

Estágio II (24-36h)Nesta fase, aumenta o extravasamento de lí-

quido para o interstício e para o alvéolo, manifestan-do-se por opacificação alveolar, de limites mal defini-dos, localizados, inicialmente, nas porções mais peri-féricas dos pulmões, progredindo para o envolvimen-to difuso dos campos pulmonares. A presença de bron-cograma aéreo, ausência de cardiomegalia e alarga-mento do pedículo vascular ajudam a diferenciá-la doedema pulmonar cardiogênico. Geralmente, após trintae seis (36) horas, os achados radiológicos mantêm-seinalterados, sendo que qualquer mudança pode indi-car processo infeccioso associado.

Estágio III (± 72h)Caracteriza-se pelo processo de reparação pul-

monar, com resolução do quadro alveolar, evidencian-do-se velamento de padrão reticular.

Dentre as complicações mais freqüentementeassociadas estão a pneumonia e o barotrauma, esteúltimo podendo se manifestar sob a forma de enfisemaintersticial, enfisema subcutâneo, cistos subpleurais,pneumotórax, pneumomediastino, pneumoperitôneo epneumorretroperitôneo(14).

A tomografia computadorizada de tórax é im-portante na identificação de complicações não diag-nosticadas na radiografia convencional, especialmen-te abscessos, enfisemas, doenças mediastinais e na quan-tificação do acometimento pulmonar(9,10). (Tabela IV)

2.6 Derrame Pleural

Na posição em decúbito dorsal, em função dagravidade, o líquido ficará localizado, preferencialmen-te, nas porções posteriores do ápice e base do hemi-tórax, traduzindo-se, radiologicamente, como um au-mento homogêneo da densidade do hemitórax envol-vido, mantendo-se a visualização dos vasos pulmona-res, ausência de broncogramas aéreos, sem desvio dohilo e mediastino, a não ser quando volumoso, perdado contorno normal do hemidiafragma, obliteração doseio costofrênico (sinal do menisco) e do ápice pul-monar, e alargamento da cissura menor(3,4,5,15).

Ruskin et al.(16) descrevem uma sensibilidadede 67% e especificidade de 70% para a radiografiade tórax na posição supina, para detecção de derra-me pleural. Sendo assim, uma radiografia de tórax, naposição supina, não exclui a presença de derramepleural. O diagnóstico dos derrames pleurais peque-nos e simétricos é difícil, sendo importante a contri-buição do ultra-som e da tomografia computadorizada.Woodring e Collins et al.(17,18) relatam que, provavel-mente, um derrame pleural não seja diagnosticado nasgrafias em posição supina, quando tiver um volumemenor do que 175 ml. A radiografia de tórax não tema capacidade de distinguir entre exsudato, transudato,empiema e hemorragia, o que pode ser melhor avalia-do através da tomografia computadorizada. O derra-me pleural poderá estar loculado, geralmente corres-pondendo a um exsudato (neoplasia, sangue ouempiema), não se alterando nas grafias, em diferen-tes projeções. O diagnóstico diferencial deverá serfeito entre atelectasia e outros processos pulmonaresque promovam consolidação.

*Avaliação prejudicada em decúbito dorsal.

Tabela IV - Características radiológicas das principais causas de edema pulmonar

Cardiogênico RenalSíndrome AngústiaRespiratória Adulto

Área cardíaca

Derrame pleural

Broncograma áerea

Distribuição do edema

Distribuição do fluxo sanguíneo*

Pedículo vascular*

Aumentada

Comum

Incomum

Central/periférico

Invertido

Normal ou aumentado

Aumentada

Comum

Incomum

Central/periférico

Balanceado

Aumentado

Normal

Incomum

Comum

Periférico

Normal ou balanceado

Normal ou reduzido

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2.7 Pneumotórax

Trata-se de uma das entidades mais freqüente-mente encontradas em UTIs, seja em virtude da largautilização da ventilação mecânica, ou devido a proce-dimentos diagnósticos ou terapêuticos ou resultantesdas patologias presentes em pacientes gravementeenfermos.

Estima-se que a incidência de pneumotórax, empacientes sob ventilação mecânica, varie entre 4% a15%, sendo que cerca de 60% a 96% podem, rapida-mente, tornar-se hipertensivos. Radiologicamente, opneumotórax é identificado como separação das pleu-ras parietal e visceral, associada a ausência de vascu-latura entre os folhetos pleurais, sendo melhor visuali-zado na grafia em expiração. Em função da posiçãosupina e da gravidade, o ar, preferencialmente, coleta-se nas regiões anteromedial e subpulmonar e, quandomais volumoso, também na região látero-apical. Iden-tifica-se a localização anteromedial pelo adequado de-lineamento das estruturas mediastinais, tais como asveias cava superior e ázigo, veias pulmonares superi-ores, artéria subclávia esquerda, veia cava inferior econtornos cardíacos. Observa-se, na localização sub-pulmonar, aumento da radiotransparência dos quadran-tes superiores do abdome, seio costofrênico mais pro-fundo e hipertransparente, adequada visualização dodiafragma ipsilateral e margem inferior do pulmão. Empresença de perda de volume do lobo inferior, o arpoderá coletar-se na região posteromedial, delineandoas estruturas do mediastino posterior, como a aortadescendente, seios costovertebrais e linha paraespi-nhal(19/,24).

Tanto a perda de volume pulmonar quanto odesvio do mediastino podem ocorrer no pneumotóraxsimples e no hipertensivo, sendo que, neste último, no-tam-se as repercussões clínicas dos distúrbios respi-ratórios e hemodinâmicos. Radiologicamente, identi-fica-se deslocamento inferior ou inversão do diafrag-ma e alteração do contorno do coração e dos vasos.

Pneumotórax de pequeno volume pode passardespercebido à radiologia convencional, sendo diag-nosticado na tomografia computadorizada.

2.8 Tromboembolismo Pulmonar

O tromboembolismo pulmonar (TEP) é umacondição bastante freqüente num ambiente de UTI,uma vez que estes pacientes possuem vários fatoresde risco com relação à clássica tríade de Virchow(injúria vascular, estase sangüínea e estados de hi-

percoagulabilidade). Infelizmente, tanto os dados clí-nicos quanto os radiológicos são bastante inespecíficose de baixa sensibilidade. A radiografia de tórax temimportância no sentido de identificar eventuais diag-nósticos diferenciais, a saber, pneumonia, pneumotó-rax, edema pulmonar. Dentre os achados radiográficosestão o derrame pleural (50,9%), diminuição focal datrama vascular pulmonar (Sinal de Westermark – 15%),elevação do diafragma, atelectasia, dilatação da arté-ria pulmonar e consolidação. Cerca de 10% a 15%dos TEP promovem infarto pulmonar, sendo mais co-muns em lobos inferiores, apresentando-se como opa-cificação adjacente a pleura, ocasionalmente no for-mato piramidal, com ponta para o hilo (Sinal deHampton), aparecendo entre doze (12) a vinte e qua-tro (24) horas do início dos sintomas. (Figura 4). Numperíodo de três (03) semanas, pode resolver-se com-pletamente ou deixar espessamento pleural e travesfibróticas(4,5,25).

Figura 4 – Tromboembolismo pulmonar, confirmadopelo estudo de ventilação e perfusão. Velamento alveo-lar com base voltada para margem lateral do gradeadocostal direito.

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O papel da radiologia na unidade de terapia intensiva

Outras modalidades diagnósticas são ventilaçãoe perfusão com material radioativo, angiografia pul-monar, tomografia computadorizada espiral e, mais re-centemente, a ressonância nuclear magnética. Os re-sultados do estudo com ventilação/perfusão devem sercorrelacionados com os dados clínicos dos pacientes,uma vez que um resultado anormal não necessaria-mente confirma a suspeita clínica de tromboembolis-mo pulmonar.

2.9 Dispositivos

2.9.1 Sonda Endotraqueal

Relata-se que, em cerca de 12% a 15% dospacientes, há um mau posicionamento da sonda endo-traqueal, sendo este detectado, ao exame físico, emapenas 3% dos casos. A posição ideal da extremida-de distal da sonda com a cabeça em posição neutra éde 5 a 7cm acima da carina, já que a sonda poderámigrar cerca de 2cm para cima ou para baixo, com omovimento de flexão e de extensão da cabeça. Quandohouver dificuldade em localizar a carina na radiogra-fia de leito, é prudente deixar a extremidade distal dotubo ao nível do corpo vertebral T2 – T4, uma vezque, em 90% dos casos, a carina está entre T5 e T7,na radiografia de leito. Em função da angulação dobrônquio fonte direito, este freqüentemente é entubadoseletivamente, promovendo hiperinsuflação do pulmãodireito e atelectasia do esquerdo. Além da entubaçãoseletiva, eventualmente, poderá ocorrer entubação doesôfago. Naqueles pacientes onde se prolonga operíodo de ventilação mecânica, indica-se a traque-ostomia, sendo que a cânula deverá ser colocada aonível de T3, a cerca de 2/3 da distância entre o estomatraqueal e a carina. Apresentam-se, como possíveiscomplicações, o pneumotórax, pneumomediastino,enfisema subcutâneo, hemorragia, mau posicionamen-to, estenose traqueal, fístula traqueoesofágica e in-fecção da ferida.

2.9.2 Cateter venoso central

A extremidade distal do cateter deverá estarlocalizada entre o átrio direito e as valvas venosas maisproximais, que estão localizadas nas veias subcláviase na jugular interna, cerca de 2,5cm do ponto ondeestes vasos se juntam para formar a veia braquioce-fálica. A última valva na veia subclávia está situadaao nível do primeiro arco costal anterior. Assim, a pontado cateter deverá estar localizada medialmente à por-ção anterior do primeiro arco costal. Não se deve dei-xar a ponta do cateter no átrio ou ventrículo direito,

em função da possibilidade de arritmias, perfuração etamponamento cardíaco. Outras complicações são opneumotórax (1% a 12%), hemotórax, hemorragiamediastinal, embolia gasosa e fratura do cateter.

2.9.3 Sonda nasogástrica

A ponta deve estar localizada cerca de 10cmalém da junção gastroesofágica, para que o último ori-fício lateral fique localizado dentro do estômago, pre-venindo a infusão da dieta no esôfago e posterior aspi-ração pulmonar. A correta verificação do posiciona-mento da sonda é importante para excluir a eventualcolocação em vias aéreas e conseqüente infusão dadieta na árvore traqueobrônquica.

2.9.4 Cateter de Swan Ganz

A ponta do cateter não deve estar além da por-ção proximal das artérias pulmonares interlobares, pois,quando localizada mais distalmente, aumenta a chancede infarto pulmonar. As possíveis complicações quedevem ser investigadas radiologicamente incluem oinfarto pulmonar, perfuração, pneumotórax, enovela-mento do cateter, mal posicionamento, ruptura da ar-téria pulmonar. (Figura 5)

2.9.5 Balão intra aórtico

O correto posicionamento da ponta do balãodeve ser distal à origem da artéria subclávia esquerda,ao nível do botão aórtico, evitando oclusão das artéri-as carótidas, subclávias e renais. As complicações in-cluem embolia cerebral, dissecção aórtica, oclusão devasos emergentes da aorta e ruptura do balão.

2.9.6 Marcapasso

A ponta do fio de marcapasso deve localizar-se na ponta do ventrículo direito, pelo menos 3mmaprofundada na gordura epicárdica, na grafia em per-fil. A importância da radiologia é na detecção de com-plicações, como mau posicionamento, fratura do fio,perfuração miocárdica e tamponamento cardíaco.

2.9.7 Dreno torácico

O estudo radiológico é importante para deter-minação do posicionamento, sendo também ne-cessário à obtenção de grafia em perfil, para deter-minar se os tubos de drenagem estão bem localizadosem relação à coleção. Quando houver loculação, adrenagem também poderá ser guiada pelo ultra-somou tomografia computadorizada. As complicações maisimportantes são o inadequado posicionamento, perfu-ração pulmonar e fístula broncopleural (4,5,26).

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FR Lucchesi et al.

3.1 Pneumoperitônio

O acúmulo de gás, nacavidade peritoneal, é freqüen-temente encontrado no pós-operatório de cirurgia abdomi-nal recente, diálise peritoneal,laparoscopia ou outros proce-dimentos invasivos abdominais,além de perfuração de vísce-ras ocas intraperitoneais, infec-ção, pneumatose intestinal, e,raramente, secundário a pneu-momediastino.

A duração do pneumo-peritônio pós-operatório, de-monstrável radiologicamente,está relacionada à quantidadede gás presente imediatamen-te após o procedimento res-ponsável por este, sendo rea-bsorvido, em média, em qua-tro (4) a cinco (5) dias. Após

este período, deve-se suspeitar da possibilidade dedeiscência anastomótica de vísceras ocas ou outrascausas predisponentes.

Em 90% dos pacientes com pneumoperitônioespontâneo, há condição abdominal aguda que requerintervenção cirúrgica(29).

Para a detecção de pneumoperitônio, em paci-entes de UTI, freqüentemente é impossível a realiza-ção de grafias em posição ortostática, sendo neces-sária a avaliação em decúbito dorsal, o que permitedemonstrar o pneumoperitônio em 50% das vezes(30).Havendo dúvida na incidência em decúbito dorsal, épossível verificar na radiografia feita em decúbito la-teral esquerdo, com raios horizontais, após dez (10)minutos nesta posição, gás acumulado entre a paredeabdominal e a borda lateral direita do fígado.

O sinal radiológico mais conhecido de pneumo-peritônio, em grafias em decúbito, é a demonstraçãode gás em ambos os lados da parede intestinal (sinalde Rigler), ocasionalmente formando coleções de gásextraluminais, triangulares, entre as alças adjacentes(Figura 6). Outros sinais radiológicos são a visualiza-ção do ligamento falciforme, como uma faixa radiopacano quadrante superior direito, quando o gás se acu-mula ao redor deste e a visualização das pregas umbi-licais mediais, na pelve, em forma de “V” invertido.Existindo uma grande quantidade de gás, poder-se-á

Figura 5 – Rx de tórax, revelando adequado posicionamento do cateter de SwanGanz, que se encontra na porção proximal da artéria interlobar esquerda.

3. ABDOME EM UTI

O estudo radiológico do abdome, em ambientede UTI, baseia-se na utilização do ultra-som, da to-mografia computadorizada e da radiografia simples,sendo a seqüência de investigação empregada depen-dente da patologia apresentada e das limitações diag-nósticas de cada método de imagem. Em virtude dagravidade clínica dos pacientes e das dificuldadesde locomoção, os benefícios da tomografia com-putadorizada devem ser avaliados em relação aos ris-cos do transporte de pacientes graves até a sala deexames. Para otimização das informações fornecidaspela tomografia computadorizada dedica-se cuidado-sa atenção à técnica empregada no exame, devendoo intestino delgado estar uniformemente opacificadoe distendido pela administração rotineira prévia decontraste iodado oral a 2 ou 3%, para adequada ava-liação da espessura da parede intestinal, evitando-sefalsas interpretações de abscessos, massa ou linfade-nopatia(27,28).

Para pacientes gravemente debilitados, com his-tória prévia de reação moderada ou intensa ao meiode contraste, doença cardíaca significante, asma, dia-betes ou alergia a outros medicamentos, indica-se ouso de meios de contraste não iônicos, pela sua me-nor incidência de reações alérgicas.

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O papel da radiologia na unidade de terapia intensiva

A tomografia computadorizada é capaz de de-monstrar quantidades menores de gás intraperitoneal,que se acumula sob a parede anterior do abdome,quando o paciente está em posição supina.

3.2. Líquido livre intraperitoneal

Na radiografia simples de abdome, podemosavaliar um grande número de sinais de líquido livreintraperitoneal, a maioria deles com uso limitado, empacientes de UTI. Os cólons ascendente e descen-dente devem estar imediatamente adjacentes à faixaradiolucente da parede abdominal lateral, que consti-tui a gordura préperitoneal. Caso essas porções docólon, preenchidas por gás, fezes ou contraste, este-jam deslocadas medialmente, pode-se concluir, comrazoável grau de confiança, que se trata de líquidolivre. Outros sinais úteis são a perda da definição doângulo hepático do cólon e área de densificação adja-cente ao espaço de Douglas.

O exame ultra-sonográfico é a melhor alterna-tiva, quando a grafia simples mostra-se inconclusi-va e o paciente não pode deslocar-se até a sala detomografia computadorizada, pois evidencia, com altasensibilidade e especificidade, o líquido livre peri-toneal, mesmo quando de pequeno volume, propici-ando, muitas vezes, o diagnóstico da causa do derra-me peritoneal, como, por exemplo, pancreatite, ruptu-ra vesicular, processos inflamatórios abdominais e ou-tros. (Tabela V)

Figura 6 – Rx simples de abdome, demonstrando oligamento falciforme como uma faixa radiodensaparavertebral à direita e a superfície interna e externadas alças intestinais (Sinal de Rigler)

formar uma área radiolucente, ova-lada, preenchendo todo o abdome,referida como “football sign”, maiscomumente vista em crianças e ido-sos. O gás pode também se acu-mular anteriormente, na porção cen-tral do abdome superior, freqüente-mente em posição semi-ereta do pa-ciente, dando a aparência de um“terceiro diafragma central”(31).

Mais freqüente que qualquer um desses sinais,é a demonstração de coleções gasosas anteriores aofígado e no espaço subepático.

A demonstração de pneumoperitônio é especi-almente difícil através do exame ultra-sonográfico, de-pendendo de sinais indiretos e de alto grau de experi-ência do examinador, não sendo exame indicado paratal suspeita. No entanto, pode ser importante na de-tecção de lesões associadas.

Tabela V – Densidades tomográficas dos líquidos abdominais

Tipo de Líquido Densidade tomográfica(UH)

Transudato (ICC, Cirrose )

Exsudato

Hemorrágico

0 a 15

15 a 30

Dependente do tempo de evolução→ 15 a 75

Agudamente,diminuindo com a lise do coágulo

Se a coleção for localizada e hiperdensa, na to-mografia computadorizada, pode-se interpretar comoum coágulo e, assim, predizer o local de hemorragia(“sentinel clot sign”).

3.3. Isquemia intestinalA isquemia intestinal é um problema relativa-

mente comum em pacientes idosos em UTI. Sinaisespecíficos de isquemia, na grafia simples, são vistosem menos de 20% das vezes. (Tabela VI)

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3.5 Monitorização radiológica de tubosgastrintestinais

A maioria dos tubos nasogástricos e intesti-nais, de alimentação ou descompressão, são posi-cionados “às cegas” e o posicionamento correto éassumido se o conteúdo gástrico puder ser aspira-do ou se ar injetado puder ser ouvido na regiãoepigástrica. Esta técnica é falível, uma vez que obarulho do gás injetado em sondas erroneamentelocalizadas no espaço pleural, mediastino ou pul-mões pode ser ouvido no epigástrio. Assim, achecagem radiológica dos tubos e sondas deve serrotineira, devendo – se, atentar para as possíveiscomplicações: hemorragias fatais por tubos pres-sionando grandes vasos anômalos, nós, acotovela-mentos, perfuração da parede intestinal, principal-mente em crianças, e aspiração e pneumonia se-cundárias ao mal posicionamento.

3.6. Processos inflamatórios

3.6.1. Colecistite aguda

O ultra-som continua sendo a modalidade deescolha para a detecção da colecistite aguda, emboraa tomografia computadorizada possa ser útil em ca-sos onde a visualização ultra-sonográfica da vesículabiliar é insatisfatória.

Os critérios sonográficos para o diagnóstico decolecistite aguda incluem: cálculo fixo infundibular ouobstruindo o ducto cístico, dilatação da vesícula biliar(diâmetro transverso > 40mm), espessamento da pa-rede vesicular (> 3mm), líquidos pericolecísticos e dorà compressão do transdutor em projeção da vesícula(sinal de Murphy ecográfico), que, em pacientes in-conscientes, pode ser de difícil avaliação. A colecisti-te enfisematosa e a perfuração são complicações dacolecistite aguda, detectáveis ao US. A colecistite en-fisematosa ocorre mais freqüentemente em pacientesdiabéticos, e o diagnóstico deve ser suspeitado quan-do se observam ecos reverberativos na parede e lúmenda vesícula ao US e áreas radiolucentes, na projeçãovesicular ao RX. Ocorrendo perfuração vesicular, oUS pode demonstrar abcesso pericolecístico.

A colecistite alitiásica é definida como inflama-ção da vesícula biliar na ausência de cálculos, é maiscomum em pacientes em estado crítico ou em pós-operatório recente, queimados, sepse, hipotensão pro-longada, diabéticos e hiperalimentação.

Os critérios diagnósticos incluem espessamen-to parietal, com espessura maior que 3mm, líquido

Além desses sinais, Ha et al.(33) demonstraramque o contorno serrilhado e o afilamento pontiagudoda luz intestinal, presentes em obstrução, sugerem apresença de estrangulamento, que tem como causasmais freqüentes aderências e hérnias.

Os distúrbios vasculares são as condições quemais freqüentemente levam à isquemia intestinal.Com o advento de uma nova técnica de TC, denomi-nada espiral ou helicoidal, que possibilita a obtençãode cortes contíguos, em velocidade muito alta, apósinjeção em “bolus” de contraste, permitindo demons-trar impregnação da parede das alças, numa fasearteriolar, pode-se diagnosticar a isquemia mesen-térica.

3.4. Obstrução intestinalUm importante conceito, na análise da obstru-

ção intestinal, é a compreensão de que a maior partedos gases contidos no intestino é oriunda da deglutição,e a progressão destes depende de um trânsito intesti-nal livre. Desta forma, se algum segmento gastrintes-tinal se encontra distendido, e o adjacente não contémgás, é um bom sinal indicativo de obstrução.

Ocasionalmente, pode ocorrer o mesmo em pre-sença de íleo adinâmico e isquemia intestinal, sendodifícil a diferenciação entre tais entidades. É útil lem-brar que o íleo adinâmico, em UTI, é muito mais co-mum que a obstrução intestinal.

Tabela VI - Sinais radiológicos de isquemia intestinal

Radiografia simples

− Espessamento segmentar da parede intestinal e

impressões digitiformes, localizadas (thumb printing).

− Gás intramural e/ou no sistema venoso portal(pneumatose).

− Gás livre intraperitoneal.

− Dilatação difusa dos intestinos delgado e grosso em

50% dos casos (padrão pseudo-obstrutivo)(32)

.

Tomografia computadorizada

− Mesmos achados citados para a grafia simples.

− Espessura parietal > 3 mm, com ou sem reforço anelar.

− Hiperdensidade parietal na fase não contrastada(usualmente > 20 UH) e hipodensidade e/ouheteregeneidade pós-contraste.

− Liquído livre intraperitoneal.

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O papel da radiologia na unidade de terapia intensiva

pericolecístico, edema subseroso na ausência de as-cite, gás intramural, distensão vesicular e bile hiper-densa pela tomografia computadorizada.

3.6.2. Abcessos abdominais

Podem estar localizadosna parede abdominal, na cavi-dade peritoneal, dentro de vís-ceras sólidas ou no retroperitô-neo. A maioria dos casos sãoprecedidos por cirurgia abdo-minal, trauma, perfuração ou in-fecção de estruturas abdomi-nais.

A grafia simples poderádemonstrar coleções gasosasextraluminais deslocando alçasintestinais, elevação da cúpuladiafragmática (abcessos subdi-afragmáticos), com redução desua excursão respiratória, mi-metizando coleções líquidassubpleurais.

À ultra-sonografia, umabcesso pode assumir váriasconfigurações, sendo mais co-mum uma coleção fluida sono-lucente, com reforço acústicoposterior, paredes espessas eirregulares, níveis líquido líqui-do, septos ou debris no interiore, eventualmente, reverbera-ção, sugerindo gás. Abcessoscom ecos internos difusos po-dem simular massas neoplási-cas sólidas(34).

Na tomografia computa-dorizada, os abcessos podemse apresentar como coleçõescom densidade de partes mo-les (0 a 40 UH) que causamefeito de massa ou se comuni-cam através de fístulas com es-truturas adjacentes, tendo pa-redes espessadas e irregularesque reforçam após a adminis-tração de contraste EV. Gasese debris podem também seridentificados.

A acuracidade do método alcança 90% em algu-mas séries(35), embora a distinção definitiva entre co-leções estéreis e sépticas necessite de punção aspira-tiva, guiada, através ou do ultra-som.(Figuras 7 e 8).

Figura 8 – Tomografia de abdome, demonstrando ascite volumosa, associada asinais de cirrose hepática.

Figura 7 – Tomografia contrastada evidenciando um abcesso hipodenso, comreforço periférico no lobo hepático direito.

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3.6.3 Pancreatite aguda

Compreende uma entidade cuja apresentaçãoclínica e radiológica pode assumir um espectro devariação de acordo com a severidade da doença.

Ultra-sonograficamente, os achados podem sernegativos nas formas brandas, embora se possa mos-trar, nestes casos, o fator causal como coledocolitíase.A forma focal pode apresentar áreas de aumento dasdimensões da glândula, hipo ou isoecóicas, sem mani-festações extrapancreáticas.

Na pancreatite extensa, o pâncreas aparecedifusamente aumentado e hipoecogênico em relaçãoao fígado, podendo estar associado à dilatação do ductopancreático e, eventualmente, com cálculos hipere-cogênicos e com sombra acústica posterior.

A tomografia computadorizada é o métodoradiológico de escolha para avaliação de pacientescom pancreatite em qualquer situação pois confirmao diagnóstico e quantifica o grau de acometimento daglândula.

O aumento pancreático é a primeira alteraçãodetectável na tomografia, geralmente difuso, podendoser segmentar em 18% dos casos, comumente na re-gião cefálica(36).

Nos casos mais graves, pode-se demonstrar in-flamação do tecido peripancreático, espessamento dafascia pancreática e reforço heterogêneo do parên-quima, após administração de contraste EV. As áreasnecróticas assumem reforço menor que 50 UH(36), cujaacuracidade de detecção varia de 80 a 90%(36).

A ruptura do ductos pancreáticos leva à for-mação de coleções intra e extrapancreáticas, conten-do sangue, enzimas pancreáticas e debris, podendoestar adjacentes ao pâncreas, dispersas através doperitônio, no interior de órgãos sólidos ou sítios dis-tantes, como tórax, mediastino, pleura, pericárdio.

Coleções fluidas podem ser identificadas em40 a 50% dos pacientes com pancreatite aguda, re-solvendo espontaneamente em 50% dos casos(36,37).Quando persistem, as coleções podem progredir paraformação de pseudocistos pancreáticos, que, even-tualmente, podem se infectar, progredindo para umabcesso ou apresentar sangramento. A distinção en-tre coleções estéreis e infectadas pode ser feita combase na demonstração de gás, no interior da coleção,sendo um achado inespecífico que ocorre em 30 a40% dos casos, embora o diagnóstico definitivo sejafeito apenas com base na aspiração do conteúdo dacoleção. (Figura 9) (Tabela VII).

Figura 9 – Tomografia pós-contraste, demonstrando um aumento difuso do pâncreas,com áreas hipodensas por toda a glândula.

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Tabela VII – Achados radiológicos e limitações dos métodos de imagem em processos inflamatórios abdominais

Ordem deImportância

Achados freqüentes Limitações

ColecistiteAguda

1) Ultra-sonografia

2) Tomografia

– Cálculo nas vias biliares, dila-tação da vesícula biliar, espes-samento parietal, coleções pe-ricolecísticas, sinal de MurphyEcográfico

– Dilatacção vesicular, espessa-mento parietal, coleções peri-colecísticas e, eventualmente,cálculos

Obesidade, distenção gasosa intesti-nal

Não demonstra cálculos isodensos àbile e o sinal de Murphy

AbcessosAbdominais

1) Tomografia

2) Ultra-sonografia

3) Rx simples

– Coleções com densidade variá-vel, contendo ou não gás, pa-redes espessadas que refor-çam após contraste EV

– Coleções sonoluscentes, deparedes espessadas e irregula-res, reforço acústico posterior,níveis líquidos, debris, reverbe-rações gasosas

– Coleções gasosas extra-intesti-nais deslocando alças, eleva-ção da cúpula diafragmática,com redução da excursão res-piratória

Necessita de contraste EV e VO

Obesidade, distensão gasosa intesti-nal

Baixa sensibilidade e especificidade

PancreatiteAguda

1) Tomografia

2) Ultra-sonografia

3) Rx simples

– Aumento das dimensões dopâncreas, inflamação peripan-creática, reforço heterogêneodo parênquima pós-contrasteEV, coleções fluidas

– Aumento focal ou difuso comhipoecogenicidade do pân-creas, coleções peripancreáti-cas, coledocolitíase, dilataçãodo ducto pancreático

– Dilatação de alça duodenal(alça sentinela)

– Borrando da sombra do psoasà esquerda

– Dilatação do cólon transverso,com espasmo na região da flexu-ra esplênica em 8% dos casos.

Necessita de contraste EV e VO

Obesidade, distensão gasosa intesti-nal

Baixa sensibilidade e especificidade

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ABSTRACT: In this critical review, we analyze the role of radiology in Intensive Care Units,discussing conventional radiology and other new imaging methods, such ultrasound and computedtomography. We included in this work the most common diseases in Intensive Care Units, focusingcardiopulmonary system and digest tract.

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Recebido para publicação em 04/03/98

Aprovado para publicação em 07/10/98