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Uropediatria Seção IV Untitled-3 11/03/04, 10:57 165

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Guia Prático de Urologia desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Urologia. Este arquivo é uma parte deste, que disserta sobre a Uropediatria

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Uropediatria

Seção IV

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Seção IV

Capítulo 49

Refluxo vesicureteral

Salvador Vilar Correia Lima Fabio de Oliveira Vilar

Refluxo vesicureteral é a anomalia urológica maiscomum na população pediátrica e tem sido relatadaem 30% a 50% dos pacientes que se apresentam cominfecção urinária. A sua incidência, na população geral,é estimada em cerca de 1%. A associação entre refluxovesicureteral, infecção urinária e lesões renais signifi-cativas é bastante conhecida. A nefropatia de refluxoé reconhecida como uma das maiores causas de insu-ficiência renal em crianças e adultos jovens. Na maioriados pacientes ocorre antes dos 3 anos de idade. Anatureza hereditária e familiar é bem reconhecida nosdias de hoje. Diversos estudos têm mostrado queparentes de uma criança que tem refluxo vesicureteraltêm uma chance significativamente maior de desen-volver a doença que a população em geral, chegandoa índices superiores a 30%, necessitando, portanto,de avaliação adequada.

Os três mecanismos considerados como principaisna etiologia de escaras renais são:

1) Refluxo de urina infectada até o rim, levando àinflamação intersticial e dano renal;

2) Refluxo estéril, normalmente de alto grau, quepode lesar o rim por meio de um mecanismoimunológico ou mecânico; e

3) Desenvolvimento embriológico anormal comsurgimento de displasia renal.

DiagnósticoA cistouretrografia miccional continua sendo o

método mais confiável para o diagnóstico de certeza

do refluxo vesicureteral (Figura 1). A utilização desubstâncias radioisotópicas na cistografia direta podediagnosticar casos que não puderam ser detectadoscom a cistografia clássica, utilizando o métodoradiológico tradicional. A cistografia com radioisó-topos tem a desvantagem de não permitir a gradação

Figura 1: A cistografia miccional continua sendo o padrão ourono diagnóstico do refluxo vesicureteral. Permite melhor definiçãoanatômica

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Guia Prático de Urologia

do refluxo. A ultra-sonografia pode ser normal mes-mo em casos severos de refluxo graus IV e V.

Fatores que influenciam aseveridade do refluxoAlguns fatores podem afetar significativamente a

relevância do refluxo. A suscetibilidade do hospedeiroà infecção urinária é um dos principais fatores. Aidade do paciente, a severidade do refluxo e o padrãomiccional da criança são os outros fatores que po-dem influenciar o prognóstico.

A idade do paciente é um fator preponderante naincidência do refluxo. A maior incidência de refluxoprimário ocorre em crianças mais jovens, sendo nestafaixa etária que se dá a sua maior incidência inde-pendente do grau.

As alterações renais estão diretamente correlacio-nadas com a severidade do refluxo. Em alguns paci-entes, esta patologia pode ser a manifestação de alte-rações do broto ureteral, como já foi sugerido poralguns autores. A maior incidência de escaras empacientes portadores de refluxo mais severo podeser explicada pela presença de grande quantidade deurina residual proveniente dos ureteres muito dila-tados. Pode também ser uma conseqüência do im-pacto da urina sobre as papilas renais, permitindo aentrada mais fácil das bactérias nos túbulos coletores.Alterações renais do tipo formação de escaras, adel-gaçamento do parênquima e diminuição do tamanhodo rim podem ser encontrados em crianças que tive-ram suspeita de refluxo no período pré-natal. Supõe-se que essas alterações podem também ocorrer naausência de infecção urinária. Estes achados suportama idéia de que pacientes com fatores de risco, taiscomo alterações do ultra-som pré-natal e históriafamiliar de refluxo, sejam investigados mais preco-cemente no período neo-natal e postos em pro-gramas de profilaxia antibiótica.

Padrões anormais de micção podem fazer comque refluxos de baixa pressão possam ser transfor-mados em alta pressão e com isto colocar em risco oparênquima renal com a possibilidade de formaçãode escaras. A análise adequada dos hábitos miccionaisda criança, tentando identificar instabilidade do de-trusor e dissinergia vesicoesfincteriana, é de grandeimportância. A avaliação dos hábitos intestinaistentando detectar e corrigir constipação intestinaltambém tem um papel significativo no manuseio dacriança portadora de refluxo vesicureteral.

A importância da infecçãourináriaApesar de algumas observações sobre a impor-

tância do refluxo na ausência de infecção urinária,sabe-se que a severidade do mesmo está diretamenterelacionada à presença de bactérias com o potencialde formação de escaras de pielonefrite e suas conse-qüências danosas para o organismo. Estudos iniciaisde Smellie e King, na década de 1970, e as conclusõesmais recentes do Comitê Internacional de Estudodo Refluxo, em que se instituiu a profilaxia antibióticana prevenção da formação de escaras pielonefríticas,mostraram claramente que a infecção é o fator com-plicador no desenvolvimento de escaras e que ainstituição desta conduta reduz grandemente a for-mação das mesmas, permitindo a resolução espon-tânea do refluxo na maioria dos casos.

TratamentoO tratamento do refluxo vesicureteral ainda é, nos

dias de hoje, matéria que gera alguma controvérsia.O resultado dos estudos do Comitê Internacionalde Refluxo, em que pacientes foram randomizadospara tratamento clínico com quimioprofilaxia ecorreção cirúrgica, acentuou uma tendência para otratamento não-cirúrgico que já vinha sendo demons-trada em estudos isolados. Ao final da observaçãodeste comitê, que durou de quatro a cinco anos, osresultados foram semelhantes nos dois grupos noque concerne à resolução do refluxo, com algumasvariações no tocante à formação de escaras de pielo-nefrite, em que o grupo tratado clinicamente apre-sentou maior incidência.

Pela análise dos diversos estudos clínicos publi-cados e com a experiência adquirida através dos anos,podemos concluir que no presente momento a estra-tégia mais aconselhada para os diversos tipos de re-fluxo vesicureteral é a seguinte:

Refluxos de graus I a III devem ser tratadosconservadoramente e possuem uma chance deresolução espontânea na sua quase totalidade;Refluxo grau IV tem uma chance menor que ogrupo anterior, mas deve sempre ser inicialmentetentado o tratamento conservador, podendo serindicada a cirurgia na falha deste;Refluxo grau V tem mostrado baixíssimo grau deresolução espontânea e deve preferencialmente sertratado cirurgicamente.

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Guia Prático de Urologia

Dúvidas freqüentemente suscitadas nomanuseio do refluxoDeve-se suspender a quimioprofilaxia? Quando?Quando indicar o tratamento cirúrgico? Qual amelhor técnica?A suspensão da quimioprofilaxia nos pacientes em

tratamento conservador é matéria bastante controver-tida. Admite-se que crianças sem sintomas de freqüênciaou urgência urinária, sem dilatação importante do tratosuperior e sem processos obstrutivos podem eventual-mente ter a quimioprofilaxia suspensa, após atingiremuma idade em que possam fornecer informações sobresua sintomatologia.

O momento de indicar cirurgia também gera certacontrovérsia, porém situações como falta de adesãoao tratamento conservador ou incapacidade dosparentes em ministrá-lo, podem fazer com que acirurgia possa ser indicada.

Quanto à técnica a ser utilizada, varia muito daexperiência e da preferência do cirurgião, pois to-das visam reforçar ou recriar o mecanismo valvularvesicureteral. Nos últimos anos vem ganhando maispopularidade a técnica de injeção endoscópica, queoferece vantagens pela sua mínima invasividade,apesar dos resultados inferiores aos da cirurgiaconvencional.

Leitura recomendada1. Smellie JM, Jodal U, Lax H, Mobius T T, Hirche H, Olbing

H. Outcome at 10 years of severe vesicoureteric refluxmanaged medically. Report of the International Reflux Studyin Children. J Pediatr, 139: 656, 2001.

2. Medical versus surgical treatment of primary vesicureteralreflux: report of the International Reflux Study Committee.Pediatrics, 67: 392, 1981.

3. Ferrer FA, McKenna PH, Hochman HI, Herndon A. Resultsof a vesicoureteral reflux practice pattern survey amongAmerican Academy of Pediatrics, Section on PediatricUrology Members. J Urol, 160: 1031, 1998.

4. Cooper CS, Chung BI, Kirsh AJ, Canning DA, et al. Theoutcome of stopping prophylactic antibiotics in older childrenwith vesicureteral reflux. J Urol, 163: 269, 2000.

5. Elder JS. Peters CA, Arant BS Jr., Ewalt DH, Hawtrey CE,Hurwitz RS, et al. Pediatric vesicoureteral reflux guidelinespanel summary report on the management of primaryvesicoureteral reflux in children. J Urol, 157: 1846, 1997.

Algoritmo para manuseio do paciente com suspeita de refluxovesicureteral

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Capítulo 50

Hidronefrose antenatal

Antônio Macedo Júnior

Conduta em hidronefroseantenatalO objetivo em se constatar um feto com suspeita

de alteração do trato urinário é determinar o diag-nóstico, avaliar possíveis anomalias associadas e orisco da anomalia após o nascimento.

A hidronefrose é reconhecida a partir de dilataçãona pelve renal e cálices. O ureter e a bexiga podemtambém estar dilatados. A possibilidade de uma ano-malia grave do trato urinário é, via de regra, propor-cional ao grau de hidronefrose.

Em uma série em que o diâmetro da pelve erasuperior a 2 cm, 94% comprovaram anomalia dotrato urinário, o que implicou em cirurgia ou acompa-nhamento prolongado. Quando a pelve era entre 1 e1,5 cm, 50% tinham alteração; enquanto nas pelvesinferiores a 1 cm, apenas 3% tinham alguma alteraçãosignificativa.

Considera-se significativa atualmente uma pelvecom diâmetro de mais de 4 mm, antes de 33 semanasde gestação, e de mais de 7 mm, após. O diagnósticodiferencial da hidronefrose antenatal pode ser vistona Tabela 1. A presença de uma bexiga distendidasugere obstrução infravesical (válvula de uretra pos-terior ou ureterocele gigante), apesar de casos derefluxo vesicureteral maciço e síndrome de PruneBelly poderem cursar com hidronefrose e bexigadistendida. É também comum a associação de outrasanomalias com alterações urológicas, como distúrbiosneurológicos, cardíacos e intestinais.

Em resumo, a conduta no período gestacional estárelacionada com o estado geral do feto, idade gesta-cional, se a hidronefrose é unilateral ou bilateral e ovolume do líquido amniótico. Nos casos de hidronefroseunilateral, em geral nenhuma conduta no feto é necessária.

A condição potencialmente letal em hidronefroseantenatal inclui situações como a válvula de uretraposterior, atresia uretral e síndrome de Prunebelly,que são caracterizadas por hidronefrose bilateral ebexiga distendida. Apesar do Prune Belly não ser umapatologia obstrutiva, pode estar associada à insufi-ciência renal. A atresia uretral é, em geral, fatal, umavez que os rins são displásicos. Um outro fator extre-mamente desfavorável é o oligoidrâmnio, por pre-venir o desenvolvimento pulmonar, gerando hipo-plasia pulmonar, que pode acarretar a morte dospacientes logo após o nascimento.

De forma intuitiva, a derivação urinária fetal para oespaço amniótico permitiria o desenvolvimento renal,restaurando a cavidade amniótica e assim permitindoo desenvolvimento da função respiratória. De fato, acolocação de shunt vesicoamniótico e a realização devesicostomia ou pielostomia vêm sendo feitasexperimentalmente. Entretanto, poucos pacientes sebeneficiam destes procedimentos, uma vez que afunção renal já está comprometida no momento doevento cirúrgico fetal, além do grande risco de partopré-termo, corioamnionite e obituário fetal. Destaforma, os grupos de neonatologia vêm sendo maisseletivos na indicação destes procedimentos, definindoinclusive parâmetros desfavoráveis para se realizar a

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derivação: oligoidrâmnio prolongado, cistos renaiscorticais, área pulmonar reduzida e circunferênciaabdominal e torácica diminuída.

Uma visão contrária a esta e defendida por outrosé a de que, nos casos em que se promove uma deri-vação urinária fetal, isto é feito muito tarde e naquelesde pior prognóstico. O autor baseia-se no fato de queos fetos que desenvolvem ascite urinária e/ou roturarenal, e assim descomprimem naturalmente a viaurinária, apresentam melhor prognóstico quanto àfunção renal. Especula-se que fetos com bexigaspermanentemente distendidas devam ser derivadosjá por volta de 20 semanas, como forma de melhorabordagem preventiva para minimizar os danos renaisfuturos. Todavia, esta idéia precisa ser confirmada emprotocolo científico para ser aceita.

Conduta no recém-nascidocom hidronefrose antenatal

BerçárioNo nascimento, a inspeção abdominal é feita para

detectar presença de massa, geralmente secundária arim multicístico displásico ou estenose da JUP. Noscasos de válvula de uretra posterior, é comum apalpação de massa do tamanho de uma noz na regiãosuprapúbica, representando a bexiga distendida. Amonitoração da creatinina sérica deve ser feita, emespecial nos casos de hidronefrose bilateral. Nonascimento, a creatinina do recém-nascido é idêntica àda mãe, sendo que após uma semana ela deve chegara 0,4 mg/dL, exceto nos prematuros, nos quais acreatinina só regride após 34-35 semanas pelaimaturidade renal fetal até então. Os pacientes neonatoscom hidronefrose estão em risco para ocorrência deinfecções do trato urinário e devem receber profilaxiaantibiótica com amoxicilina 50 mg/dia ou cefalexina50 mg/dia. Com dois meses, a profilaxia é modificadapara sulfametoxazol-trimetropima.

A avaliação radiológica deve ser feita antes dorecém-nascido ser dispensado do hospital. O ultra-som renal seriado, uma uretrocistografia renal (UCM)e um renograma com diurético ou eventualmente umaurografia excretora permitem guiar o diagnóstico.

Ultra-sonografia renalDeve ser realizada preferencialmente após o

nascimento, lembrando-se que um sistema coletordilatado ou obstruído pode parecer normal nas pri-

meiras 24-48 horas em função da oligúria transitóriado neonato. Idealmente deve ser feita após 72 horasde vida. O tamanho do rim, o grau de caliectasia eespessura parenquimatosa e a presença ou ausênciade dilatação ureteral devem ser verificados. O graude hidronefrose pode ser estimado de acordo coma classificação da Sociedade Fetal de Urologia. Abexiga deve ser cuidadosamente avaliada, a fim dese afastar válvula de uretra posterior, com especialatenção à espessura vesical, dilatação ureteral eesvaziamento inadequado e presença de resíduo. Aconstatação de lesão cística intravesical permitediagnóstico de ureterocele.

Uretrocistografia miccionalDeve ser realizada já no berçário quando a suspeita

clínica de válvula de uretra posterior for consistente.

Sexo masculinoBexiga de paredes espessadas e líquido amniótico

reduzido. Este exame permite também afastar reflu-xo vesicureteral, que pode acompanhar secunda-riamente uma obstrução infravesical. Nos demaiscasos, este exame pode ser feito ambulatorialmenteapós 30 dias de vida.

Seguimento e condutaNo caso de hidronefrose bilateral ou unilateral em

rim único, é fundamental o acompanhamento dacreatinina sérica e eletrólitos. Nos casos de hidro-nefrose secundária a refluxo vesicureteral, a antibio-ticoterapia profilática deve ser iniciada imediatamente.Nos casos de hidronefrose unilateral e rim contra-lateral normal, não são comuns as alterações noseletrólitos e na creatinina.

Nestes casos, o acompanhamento radiológicopode ser postergado para após quatro a seis semanas,quando em decorrência da maior maturidade fetalos exames venham a ser mais fidedignos. Se tanto oultra-som como a uretrocistografia miccional foremnormais, apenas um novo controle ultra-sonográficodeve ser realizado após seis a oito semanas.

O renograma com diurético é usado para definirobstrução do trato urinário superior. Em geral, éaplicado nos casos de hidronefrose graus III e IV e,ocasionalmente, grau II.

Considera-se que este exame seja superior à urografiaexcretora em recém-natos e lactentes, uma vez que aimaturidade fetal impede uma boa visualização da via

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Guia Prático de Urologia

excretora na urografia. Além do mais, a interposiçãogasosa impede maior detalhamento do sistema coletor.

Finalmente, o renograma com diurético permitemelhor análise funcional e relativa das unidades renais.Como limitações do renograma com diurético de-vem ser lembradas: a imaturidade renal nos recém-nascidos, a desidratação prolongada e a dose insufi-ciente de diurético – o refluxo vesicureteral deveimplicar a colocação de sonda vesical de demorapara não termos interferência nos resultados doexame. Desta forma foi necessário estabelecer um

protocolo pela Sociedade Fetal de Urologia e peloClube de Medicina Nuclear Pediátrico, o assim cha-mado renograma bem temperado, para que o examefosse mais bem sistematizado.

Leitura recomendada1. Antenatal hydronephrosis: evaluation and outcome. Cooper

CS. Curr Urol Rep. 1-Apr-2002; 3 (2): 131-8. 2. Antenatal hydronephrosis. Fetal and neonatal management.

Elder JS. Pediatr Clin North Am. 1-Oct-1997; 44 (5):1299-321.

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Capítulo 51

Válvula de uretra posterior

Francisco Tibor Dénes

A válvula de uretra posterior (VUP) é a mais fre-qüente anomalia da uretra. Ocorre no sexo masculino,a cada cinco a oito mil nascimentos, representando10% dos casos de hidronefrose fetal. A obstrução aofluxo miccional é causada por pregas da mucosa uretralancoradas no verumontanum, provocando dilatação fusi-forme do segmento uretral entre a VUP e o colo vesical(Figura 1). A bexiga apresenta espessamento dodetrusor, trabeculação e divertículos. Pode haverureteroidronefrose (UHN), bem como refluxo vesicu-reteral (RVU) uni ou bilateral. Adicionalmente, o rimpode estar comprometido por displasia, e, na presençade infecção, por pielonefrite. Em conseqüência, ocorreinsuficiência renal (IR) em cerca de 25% a 40% dospacientes, um terço destes logo após o nascimento eo resto na puberdade.

DiagnósticoA maioria dos casos é identificada atualmente pela

UHN fetal, associada à bexiga constantemente cheiae ao oligoidrâmnio. Com diagnóstico antes da 24a

semana gestacional, o prognóstico é desfavorável,ocorrendo 53% de natimortos ou nascidos com IR.Entretanto alguns fatores descompressivos podemter efeito protetor na função renal (pop-off), tais comodivertículo vesical gigante, RVU unilateral com UHNacentuada e extravasamento urinário (urinoma periné-frico ou ascite urinosa).

Sem diagnóstico antenatal, 25% a 50% dos casossão identificados ao nascimento, e a maioria dosrestantes durante o primeiro ano de vida.

Exame físicoPode ser normal, ou evidenciar dilatação vesical pela

retenção urinária, bem como distensão abdominal porascite. Em apenas 30% dos casos, a micção é tardia ecom jato fraco. Conforme o grau de obstrução, ob-serva-se alteração do estado geral, retardo no desenvol-vimento, elevação da creatinina, desequilíbrio hidrele-trolítico e acidose. Na presença de infecção, ocorre apielonefrite e sepse. O neonato também pode apre-sentar insuficiência respiratória, devido à hipoplasiapulmonar causada pelo oligoidrâmnio.

Ultra-sonografiaDemonstra o espessamento da parede vesical e

resíduo elevado, além da UHN com afilamento ehiperecogenicidade da cortical renal.

Figura 1: Esquema da VUP, evidenciando a obstrução ao fluxomiccional

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Guia Prático de Urologia

Uretrocistografia miccionalConfirma o diagnóstico, devendo ser realizada em

condições assépticas e ausência de infecção, entre asegunda e terceira semanas de vida. Os achados típicossão a dilatação da uretra prostática, com pouco fluxodistal; a hipertrofia secundária do colo vesical e atrabeculação da bexiga, que apresenta divertículos(Figura 2). Em 50% dos casos, observa-se RVU.

Cintilografia (DMSA)Caracteriza as cicatrizes renais e a função de cada rim.

cistostomia. Assegurada a drenagem vesical, o trata-mento do desequilíbrio hidreletrolítico, infecção e IRdevem prosseguir até a estabilização clínica. Havendonecessidade de drenagem prolongada, recomenda-sea vesicostomia. Se a drenagem vesical inicial nãodescomprime o trato superior, ou em caso de sepse,é necessária a derivação alta, através da ureterostomiacutânea. Para evitar a desfuncionalização da bexiga,recomenda-se a ureterostomia em “Y”.

Havendo condições clínicas adequadas, realiza-sea cauterização da VUP, que pode ser primária, ouapós derivação prévia. Com o minicistoscópio e seueletrodo, a VUP é fulgurada retrogradamente emsua inserção no verumontanum. Se existe cistostomiaou vesicostomia, pode-se cauterizá-la por via anteró-grada. Nesse processo, a cauterização excessiva podelesar a uretra e o esfíncter externo. Assim sendo, nãoé necessária a desinserção completa das válvulas, poisessa ocorre tardiamente com a necrose. A seguir, man-tém-se uma sonda uretral por dois a três dias, paraevitar obstrução por edema. Conforme o caso, pode-se remover simultaneamente a cistostomia, bemcomo fechar a vesicostomia ou ureterostomia.

Após a cauterização da VUP e desderivação, espera-se a normalização anatômica e funcional do trato uri-nário. Contudo, a UHN pode persistir, acentuando-secom o enchimento vesical, a instabilidade detrusora, amá complacência vesical e a poliúria. Nesses casos,recomenda-se o esvaziamento vesical freqüente e ouso de anticolinérgicos. O RVU persistente, em uni-dades funcionantes, deve ser tratado, mas as unidadesexclusas devem ser removidas. Pelo risco de 30% decomplicação nos reimplantes ureterovesicais, devidoao espessamento da bexiga, prefere-se o tratamentoendoscópico do RVU. Entre 14% e 75% dos pacientesapresentam disfunção miccional tardia, com retardodo controle miccional, enurese ou incontinência. Osanticolinérgicos e alfabloqueadores podem diminuir ainstabilidade e melhorar o esvaziamento vesical, aumen-tando a continência. Caso isso não ocorra, pela faltade complacência, indica-se a ampliação vesical comintestino ou ureter dilatado. Tardiamente, pode haverfalência miogênica do detrusor, com esvaziamentovesical ineficaz, e incontinência no enchimento (over-flow). Nesses pacientes, recomendam-se micções de ho-rário e em três tempos, assim como cateterismo inter-mitente nos casos mais graves.

Crianças submetidas precocemente à cauterizaçãoprimária da válvula parecem ter função vesical cisto-métrica tardia melhor que aquelas submetidasinicialmente à derivação urinária.

Urografia excretoraTem indicação ocasional no neonato, podendo ser

realizadas após a segunda semana, se a função renalfor normal. Embora não auxilie na orientação tera-pêutica dos neonatos.

Exame urodinâmicoNas crianças maiores o exame urodinâmico carac-

teriza as disfunções miccionais, orientando o tratamento.

TratamentoA drenagem vesicoamniótica ou renoamniótica fetal

tem sido relatada com sucesso. Questiona-se, contudo,sua eficácia na prevenção da nefropatia fetal. Adicional-mente, não é isenta de riscos maternos e fetais.

Nos neonatos, se a bexiga for palpável, deve-seintroduzir uma sonda pela uretra. Freqüentemente, estaenrola-se na uretra posterior dilatada, indicando-se a

Figura 2: Cistouretrografia miccional em VUP

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Guia Prático de Urologia

Leitura recomendada1. Close CE, Mitchell ME. Posterior Urethral Valves. In:

Gearhart JP, Rink RC, Mouriquand PDE. PediatricUrology. Philadelphia, W.B. Saunders Co. 595-605, 2001.

2. Holmdahl G, Sillén U, Bachelard E, Hansson E, Hermansson G,Hjälmäs K. Bladder dysfunction in boys with posterior urethralvalves before and after puberty. J Urol 1996; 155: 694-8.

3. Gonzales ET. Posterior Urethral Valves and other Urethralanomalies. In: Walsh PC, Retik AB, Vaughan ED, Wein AJ,Kavoussi LR, Novick AC, Partin AW, Peters CA. Campbell’s

Urology Philadelphia, Saunders. 2207-30, 2002.4. Smith GHH, Canning DA, Schulman SL, Snyder HM,

Duckett JW. The long term outcome of posterior urethralvalves treated with primary valve ablation and observation.J Urol 1996; 155: 1730-4.

5. Smith GHH, Duckett JW. Urethral lesions in infant andchildren. In: Gillenwater JY, Grayhack JT, Howards SS,Duckett JW. Adult and pediatric urology. St. Louis,Mosby: 2411-43, 1996.

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Seção IV

Capítulo 52

Criptorquidia

Frederico Arnaldo de Queiroz e Silva

IntroduçãoOs testículos se diferenciam a partir da porção

central, ou medular, de matrizes organogênicas ambi-valentes, as cristas genitais. Conhecidas também comoepitélios germinativos de Waldeyer, estão posicionadasnas regiões lombares do embrião, de cada lado dacoluna vertebral. Habitualmente em número de dois,os testículos são retroperitoniais e estão destinados adescer das regiões lombares para a bolsa testicular,descida que se completa ao final da gestação. Os víciosde migração testicular são mais freqüentes nos prema-turos e vários fatores ou teorias têm sido invocadospara explicar esta migração descendente. Dentreaqueles são citados a retração do gubernáculo, a pressãoabdominal e a ação hormonal, sendo possível que mi-grem como conseqüência do efeito somatório dessesfatores. É possível que outras causas ainda desconhe-cidas possam atuar no processo, pois, individualmente,nenhuma daquelas propostas convence plenamente.

Os testículos podem não atingir a bolsa uni ou bilate-ralmente, e a anatomia topográfica estabelece que todoórgão que está fora de lugar é ectópico, pois, do grego,“ec” significa fora e “topos”, lugar. Para os anatomistas,portanto, qualquer testículo que não está na bolsa, estáfora do lugar e é sempre ectópico, esteja onde estiver.Com o objetivo de tornar mais explícito os vícios demigração testicular, os urologistas introduziram umavariável neste conceito, tentar classificá-los em relaçãoao trajeto habitual de descida. Quando fora da bolsa,mas posicionados naquele percurso, seriam denomi-

nados criptorquídicos, do grego “criptos” significaoculto e “orqui”, testículo. Equivale dizer que etimolo-gicamente os testículos criptorquídicos são ocultos e,a rigor, esta terminologia só deveria ser aplicada paraaqueles que não são visíveis nem palpáveis, ou seja, osintra-abdominais.

No entanto, na prática, a maioria dos urologistas usaa palavra criptorquia, ou criptorquidia, para caracterizarqualquer vício de migração testicular, mesmo o maisfreqüente deles, a ectopia inguinal superficial, situaçãoem que o testículo pode ser visível ou palpável. Algunsdenominam os vícios de migração como distopias testi-culares, terminologia tão vaga quanto disúria, dispareunia,dispnéia, dispepsia, ou seja, mais relacionada com funçãoque com topografia. Entretanto, há autores que concei-tuam os testículos criptorquídicos como não-descidose os ectópicos como mal-descidos. Esta classificaçãoagride o conceito anatômico de ectopia, pois não consi-dera os criptorquídicos como ectópicos, embora estejamfora de lugar.

Conceitos controversos à parte, estas anomaliasforam genericamente denominadas vícios de migraçãotesticular e fica a critério do leitor adotar aquele quelhe parecer mais adequado.

Exame físicoGeralmente, o diagnóstico de testículo fora da bolsa

é fácil de ser feito, mas localizá-lo com precisão, oumesmo distinguir uma agenesia de uma criptorquia, stricto

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Guia Prático de Urologia

sensu, pode apresentar alguma dificuldade. Isto porque,nas crianças de baixa idade, só a ameaça ou tentativa depalpação pode despertar grande reação no paciente.Por esta razão recomenda-se inspecionar a bolsa antesde palpá-la e sempre fazê-lo ao lado dos pais, em ambi-ente próprio, com calma e mãos aquecidas. Sempreque não se palpa testículo na bolsa ou na sua vizinhança,é imperioso tentar localizá-lo nas zonas de ectopia, ouseja, no subcutâneo da região inguinal, crural e perineal.Existe uma condição em que a gônada habita a bolsade forma intermitente, por isso é conhecida como testí-culo retrátil ou migratório, condição resultante de umreflexo cremastérico exaltado, em que, às vezes, a simplesmanifestação do desejo de examinar a bolsa pode serestímulo suficiente para despertá-lo. No entanto, respei-tando-se o limite do aceitável, deve-se insistir na palpaçãopara avaliar-se a mobilidade do testículo, o comprimentodo cordão espermático e as características do testículoem questão. Estas informações preliminares são muitoimportantes, permitem projetar o grau de facilidadeou dificuldade do ato cirúrgico e devem ser transmitidasaos responsáveis, mas não dispensam uma reavaliaçãosob anestesia.

Exames complementaresAqueles de imagem são pouco úteis na tentativa de

localização dos testículos intra-abdominais, ou seja, oscriptorquídicos propriamente ditos. No caso de nãoserem palpados bilateralmente, há que se fazer umestímulo com gonadotrofina coriônica para se distin-guir qualquer vício de migração de agenesia. Quandotratar-se de criptorquia, haverá aumento do LH, FSHe da testosterona, mas, no caso de agenesia, não. Esteteste não tem valor para o não-palpado unilateral, poiso testículo tópico responderá ao estímulo com au-mento daqueles hormônios, ou seja, poder-se-á pensarque, apesar de não-palpado, ele existe, quando emrealidade pode ser um caso de agenesia. Em um pas-sado relativamente recente, indicou-se a videolapa-roscopia como método propedêutico para localizá-lo, porque muitos dos não-palpados não existiam, ouseja, não se justificava uma inguinotomia exploradoraampliada em cerca de 30% dos casos.

TratamentoEm razão do aprimoramento dos critérios de ava-

liação, sejam psicológicos, histopatológicos, de fertili-dade e degeneração maligna, o tratamento dos testí-

culos com vícios de migração variou muito atravésdo tempo. A microscopia eletrônica possibilitouidentificar lesões testiculares antes não identificadas,fato que gerou uma corrida para antecipar a orquio-pexia, hoje recomendada antes do primeiro ano devida. Só o tempo dirá do acerto de tal medida, poisestas gônadas podem ser disgenéticas desde a suaformação, e o esforço da antecipação poderá tersido inócuo.

Não se discute a utilidade, a conveniência e aoportunidade do uso de gonadotrofina coriônica, oude análogo liberador desta, GnRH, nos vícios demigração testicular bilateral, mas sempre se discutiu ese discutirá ainda por muito tempo o seu empregonos casos unilaterais. Isto porque é mais fácil admitirque nestes casos tenha havido alguma razão mais deordem mecânica que hormonal que tenha impedidoa descida. Questiona-se, portanto, porque o hormônioteria sido suficiente para promover a descida de umlado, e não a do outro. No entanto, não faltam refe-rências de casos unilaterais que, após tratamentomedicamentoso, atingiram a bolsa testicular, razão pelaqual, mesmo nesta condição e se feito com prudência,pode ser tentado.

Nos casos bilaterais, estaria sempre indicado umtratamento medicamentoso antes do cirúrgico, pois éfácil admitir que os testículos não tenham migrado porestímulo hormonal deficiente. A dose varia com a idade,com a droga e o esquema com a via de administraçãoda mesma. Se a droga for a gonadotrofina coriônica, avia é intramuscular, podendo-se administrá-la em umaúnica injeção semanal durante cinco semanas. De formasimplificada, a dose recomendada para crianças menoresde um ano é 500 U; entre 1 e 5 anos de idade, 1 mil Ue, acima de 5, 2 mil U; lembrando-se que não se deveexceder 12 mil U em cada ciclo de gonadotrofinacoriônica. Os análogos podem ser administrados sob aforma de spray nasal.

O fato de ser testículo retrátil e ficar mais fora dabolsa que dentro dela, desperta muita ansiedade nosfamiliares, que questionam o médico sobre os riscosimediatos e tardios desta condição. Em razão deserem mais sujeitos à torção e não se poder dar certe-za absoluta sobre o potencial de fertilidade de qual-quer criança, parece prudente fazer a fixação profi-lática destes testículos.

Em resumo, a orquiopexia estaria indicada paraos casos uni ou bilaterais e que não responderamao tratamento medicamentoso com gonadotrofinacoriônica. Como foi dito, a cirurgia tem sido cada

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vez mais antecipada, mas os benefícios desta ante-cipação estão para serem reconhecidos. Se, no quese refere à fertilidade, poderá ter sido inócua, o mes-mo não se diga da orquiopexia tornar a gônadaacessível à inspeção, palpação ou estudo por méto-dos de imagem.

A orquiopexia pode ser realizada por meio deuma inguinotomia convencional ou por videolapa-roscopia. Diferentemente do que se pensa, no entanto,seja pela idade dos pacientes, seja pela delicadeza dasestruturas envolvidas, este tipo de cirurgia requercirurgião experiente, particularmente pela via endos-cópica. O fator limitante mais importante para posi-cionar o testículo na bolsa é o comprimento do cor-dão espermático, principalmente da artéria homô-nima, razão pela qual aqueles com boa mobilidadeno subcutâneo de qualquer região atingem-na comrelativa facilidade. Ao contrário, os testículos nãodescidos, ou seja, não-palpados, intra-abdominais oucriptorquídicos propriamente ditos, quando a atin-gem o fazem com dificuldade. Nunca forçar a descidacom tração desmedida, pois não há testículo que nãoatinja a bolsa quando tracionado de forma impru-dente, mas não é raro no seguimento tardio surpre-endê-lo atrofiado. Quando o vício de migração éunilateral, sempre lembrar da proposição de trata-mento em dois tempos, que, apesar de indesejável,pode ser a única alternativa viável antes de se decidirpela sua retirada.

Quando o vício de migração é bilateral, todo es-forço deve ser dirigido para preservá-lo, ainda que

o posicionando temporariamente no subcutâneo dasregiões inguinais, mas que seja acessível à inspeção,palpação e exames de imagem.

PrognósticoA fertilidade dos portadores da anomalia é matéria

em discussão, pois se sabe que mesmo o vício de mi-gração testicular unilateral pode condicionar oligozoos-permia e se o caso for bilateral o prognóstico se agrava.Porém, a orquiopexia realizada na época certa, comtécnica adequada e bom resultado no que se refere àcolocação do testículo na bolsa, não deverá ser con-dição suficiente para garantir a fertilidade e prevenir adegeneração maligna, pois muitas destas gônadas sãooriginariamente disgenéticas.

Leitura recomendada1. Silva, F.AQ. Embriologia urogenital-organogênese normal e

patologia. Editora Sarvier, São Paulo, 1997.2. Kogan SJ, Gill SB. Cryptorchidism and Pediatric Hydrocele\Hernia.

In: Graban SD Jr, Glenn JF. Glenn´s Urologye Surgery. 5th ed.,Philadelphia, 1998, 842-83.

3. Hadzisilimovic F, Herzog GB. Treatment with a luteinizing hormoneanalogue after successful orchiopexy markedly improves the chanceof fertility later in life. J Urol. 1997, 158: 1193-5.

4. Giron AM. Criptorquidia. In: Guia Prático de Urologia. Eds.Bendhack DA, Damião R. BG Cultural, 1ª edição, pp. 357-9.

5. Walker RD. Cryptorchidism. In: Pediatric Urology, Eds.O’Donnel B, Koff SA, 3th ed., Butterworth, Heinemann, 1997,pp. 569-604.

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Seção IV

Capítulo 53

Fimose

Fábio José Nascimento Eric Roger Wroclawski

IntroduçãoA fimose pode ser, de modo abrangente, definida

como a incapacidade de retrair o prepúcio. Observa-mos, na prática, situações intermediárias entre a não-retração prepucial, a retração parcial e a retração total,mas com área de estreitamento prepucial que podelevar até a um quadro de estrangulamento da glande(parafimose). Parece mais específica a definição que acaracteriza como um estreitamento do prepúcio emsua porção distal, constituindo um anel que dificultaou impede a exteriorização da glande. Desta forma,pode-se diferenciar a fimose verdadeira das aderênciasbalanoprepuciais, em que não existe obrigatoriamenteanel estenótico prepucial, mas apenas aderências entreo prepúcio e a glande, impedindo a exteriorização damesma. (Figuras 1, 2 e 3).

Figura 1: Fimose, visão frontal Figura 3: Aderências balanoprepuciais

Figura 2: Fimose, visão lateral

Observa-se que ao nascimento a maioria dascrianças tem uma incapacidade de retrair o prepúcio,sendo esta situação conhecida como fimose fisiológica.

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Mas o acúmulo de restos epiteliais debaixo do prepúcio,associado a ereções intermitentes do pênis, favorecemo descolamento e conseqüente retração prepucial e aexposição da glande. Isto explica o fato de 90% dosprepúcios serem retráteis aos 3 anos de vida e apenas1% dos jovens após os 17 anos apresentarem fimose(Figura 4).

Figura 4: Retratilidade prepucial % x idade

Tabela 1: Complicações da circuncisão

Algoritmo de tratamento de fimose

Leitura recomendada1. Jorgensen ET, Svensson A. Treatment of phimosis in boyx,

with a potent topical steroid (clobetazol propionate 0,05%)cream. Acta Derm Benerol 1993; 73: 55-6.

2. Lannon CM, Bailey A, Fleischman A, Shoemaker C, Swanson J.Circumcision debate. Task Force on Circumcision, 1999-2000.Pediatrics 2000; 105 (3 Pt 1): 641-2.

3. Marzaro M, Carmignola G, Zoppellaro F, Schiavon G, Ferro M,Fusaro F, Bastasin F, Perrino. Phimosis: when does it require surgicalintervention? Minarva Pediatr 1997; 49 (6): 245-8.

4. Monsour MA, Rabinovitch HH, Dean GE. Medicalmanagement of phimosis in children: our experience with topicalsteroids. J Urol 1999; 162 (3 Pt 2): 1162-4.

5. Oster J. Further fate of the foreskin. Incidence of preputialadhesions, phimosis, and smegma among Danish schoolboys.Arch Dis Child 1968; 43 (228): 200-3.

EtiologiaA fimose pode ser classificada em congênita ou

adquirida, sendo esta última em decorrência de repe-tidos episódios de infecção local (postites), ou feri-mentos secundários a tentativas de expor a glande,acarretando fibrose e conseqüente estenose prepucial.

TratamentoBaseado na observação de que até o terceiro ano de

vida 90% dos prepúcios se tornarão retráteis, parece-nos plenamente justificável e prudente que observemosos portadores de fimose até pelo menos esta faixa etária.Exceção será feita às crianças que apresentarem postitesde repetição ou quadros de parafimose e que neces-sitarão ser tratadas mais precocemente (ver algoritmode tratamento de fimose).

A postectomia, como qualquer procedimentocirúrgico, não é isenta de complicações tanto anestésicasquanto relativas ao ato operatório. São descritos índicesde complicações entre 0,2% a 5%. (Tabela 1).

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Seção IV

Capítulo 54

Tumores na infância de interessedo urologista

Sami Arap José Roberto Colombo Júnior

Os tumores urológicos na população pediátrica sãomuito sensíveis ao tratamento rádio e quimioterápico,portanto, a abordagem cirúrgica deve ser planejadaem conjunto com o oncologista e o radioterapeuta,buscando minimizar o trauma cirúrgico, preservandoos órgãos acometidos sem comprometer a sobrevida.

NeuroblastomaTrata-se de um tumor mais comum da infância, origi-

nando-se na crista neural, podendo surgir em qualquerponto da cadeia simpática ou medula adrenal, com 75%dos casos aparecendo no retroperitôneo (50% adrenale 25% em gânglios paravertebrais). Na maioria dasvezes, apresenta-se antes dos 4 anos de vida (75%),possuindo um comportamento heterogêneo; po-dendo apresentar regressão espontânea, diferenciaçãobenigna ou exibir um comportamento maligno muitoagressivo. A idade média do diagnóstico é de 21 mesese em 70% dos casos nota-se uma deleção no braçocurto do cromossomo 1, sendo este achado ummarcador de agressividade tumoral. A forma familiaré diagnosticada mais precocemente (9 meses) e sãobilaterais ou multifocais em 20% dos casos.

A apresentação clínica pode variar, mas, a maior partedas crianças apresenta desconforto ou massa abdominal.Em 70% dos casos já apresentam metástases no mo-mento do diagnóstico e metade apresentará infiltraçãode medula óssea, com pacientes mais novos mostrandoacometimento hepático e dérmico e pacientes mais velhos

com predomínio de acometimento ósseo. Síndromesparaneoplásicas são freqüentes e decorrentes da produçãotumoral de catecolaminas, peptídeo intestinal vasoativo(VIP) e interação entre o tumor e anticorpos.

O diagnóstico e o estadiamento são realizados porCT ou RNM abdominal, radiografia ou CT de tórax,cintilografia óssea e avaliação com MIBG; a aspiraçãode medula óssea é positiva em 50% dos casos, e adosagem de ácido vanilmandélico e homovanílicourinários em 95% deles.

O estadiamento é baseado no Sistema Internacionalde Neuroblastoma (INSS) (Tabela 1).

Algumas variáveis clínicas podem afetar o prog-nóstico do neuroblastoma como idade, amplificaçãodo oncogene N-myc, ploidia do DNA e histopa-tologia. Uma classificação em grupo de risco foi cria-da baseada nestas variáveis para dirigir o tratamento,definindo como baixo risco os estádios 1, 2 e 4S; ealto risco os estádios 3 e 4.

Pacientes com estádio I têm sobrevida livre de doençasomente com tratamento cirúrgico em 90% dos casos,sendo necessária a quimioterapia em casos de recorrência,histologia desfavorável ou presença de oncogene N-mycamplificado. Nos casos com estádio 2A, 2B e 3, devemreceber o tratamento quimioterápico após a ressecçãocirúrgica. A radioterapia deve ser utilizada em pacientesque não respondam à quimioterapia primária ou secun-dária. No estádio 3, ou no 2 com tumor extenso, a quimio-terapia neoadjuvante ajuda a diminuir o risco denefrectomia. Os pacientes que se enquadram no estádio4S têm bom prognóstico, pois os marcadores bioló-

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Guia Prático de Urologia

gicos são normalmente favoráveis, não havendo consensosobre o tratamento cirúrgico (ressecção completa, res-secção parcial ou biópsia). Os pacientes com marcadoresdesfavoráveis devem ser tratados agressivamente comterapia multimodal.

Para pacientes com doença de alto risco (estádios 3e 4) é indicada a quimioterapia neoadjuvante e manda-tória, pois diminuem o tamanho tumoral e minimizamo risco de ruptura e hemorragia, diminuindo as compli-cações e taxas de excisão renal durante a cirurgia.

Tumor de WilmsTrata-se do tumor renal mais comum da infância,

afetando, em 80% dos casos, crianças abaixo de 5anos de idade, com origem embriológica nos restosremanescentes do blastema metanéfrico sem diferen-ciação adequada. Dois genes (WT1 e WT2) foramidentificados no cromossomo 11 e outras variaçõespresentes nos cromossomos 1, 7, 16 e 17 tambémestão associadas com o surgimento e o comporta-mento biológico do tumor de Wilms, ou nefroblas-toma. Algumas síndromes estão associadas com oaumento de incidência, assim como anomalias genitu-rinárias (fusão renal, criptorquidia, hipospadia).

Na maioria das vezes, apresenta-se como massapalpável no abdome que raramente ultrapassa a linhamédia, sendo dolorosa em um terço dos casos e commicro-hematúria em 25% deles. A bilateralidadeacontece em aproximadamente 5% a 7% dos casos.Os exames de imagem mostram a lesão sólida renal,mas não são patognomônicos. Normalmente realizadaapós a ultra-sonografia, a CT é o exame de escolhapara avaliação das massas renais. Em casos de invasãovascular, a RNM é o estudo de escolha para avaliar a

ocorrência de invasão de veia cava inferior, que ocorreem 4% das vezes. Embora promissor, o PET-scan aindatem seu uso limitado. A avaliação de lesões torácicas énormalmente realizada também através da CT.

Existem dois grandes grupos de estudo do tumorde Wilms, o grupo do National Wilms’ Tumor Study(NWTS) dos EUA e o grupo europeu da InternationalSociety of Pediatric Oncology (SIOP). O primeironão realiza tratamento neoajuvante, enquanto o se-gundo preconiza a quimioterapia pré-operatória, comrisco de tratamento agressivo para lesões benignas(1,5%) e toxicidade (4%). Na clínica urológica do Hos-pital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni-versidade de São Paulo (HC-FMUSP), utiliza-se oprotocolo padronizado pela SIOP.

O estadiamento é baseado nos achados cirúrgicose patológicos (Tabela 2).

No tratamento preconizado pelo NWTS-5, criançasnos estádios I e II com histologia favorável recebemtratamento com dactinomicina e vincristina por 18semanas; nos estádios II e III com histologia favorávelrecebem dactinomicina, vincristina e doxorrubicina por24 semanas associadas à irradiação abdominal. EstádiosI a IV com componente sarcomatoso e estádios II aIV com anaplasia difusa recebem dactinomicina,vincristina, doxorrubicina, ciclofosfamida e etoosidepor 24 semanas associadas à irradiação. Pacientes comtumor rabdóide devem receber carboplatina, etopo-side e ciclofosfamida por 24 semanas associadas àradioterapia. No estádio V, deve-se realizar biópsiadas lesões associadas à quimioterapia neoajuvante,assim como tumores irressecáveis e com trombo emveia cava inferior.

No tratamento preconizado pelo SIOP-9, realizou-se quimioterapia pré-operatória por quatro semanascom vincristina e actinomicina D. Pacientes no estádio

Tabela 1: Estadiamento tumoral conforme Sistema Internacional de Neuroblastoma (INSS)

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Tabela 2: Estadiamento conforme achados cirúrgicos e patológicos

I e histologia favorável não receberam quimioterapiaadjuvante; e aqueles com histologia desfavorável rece-beram actinimicina D e vincristina por 18 semanas.Nos estádios II e III com histologia favorável, rece-beram actinomicina, vincristina e antraciclina por 28semanas, complementando com radioterapia emestádios II N1 e III. Quando a histologia foi anaplásicaou sarcomatosa, receberam actinomicina D, antra-ciclina, vincristina e ifosfamida por 36 semanas asso-ciadas à radioterapia. O estádio IV é tratado com qui-mioterapia pré-operatória por seis semanas, recebendocomplemento pós-cirúrgico como grupo de alto risco.

A quimioterapia pré-operatória tem três objetivosprincipais: diminuir a incidência de ruptura tumoraldurante a cirurgia, diminuir o estádio tumoral (dimi-nuindo os ciclos pós-operatórios) e minimizar a utili-zação da radioterapia.

O tratamento cirúrgico deve ser realizado porcirurgião experiente e por via transabdominal, comexploração do rim contralateral antes da abordagemdo rim comprometido. A manipulação deve serdelicada para evitar a contaminação do campo cirúr-gico pela ruptura tumoral. Estudos do NWTS mos-traram complicações pós-operatórias em torno de11%, sendo as mais comuns hemorragia e abdomeagudo obstrutivo.

A nefrectomia parcial deve ser reservada paratumores bilaterais, rim único e crianças com funçãorenal alterada, mas vem se tornando uma opçãoatrativa para o controle local da doença, embora aindanecessite de maiores estudos para avaliar seu papeldefinitivo, assim como o tratamento laparoscópico.

Os efeitos tardios da terapêutica para o tumor deWilms são bem conhecidos e englobam alteraçõesmúsculo-esqueléticas, hipogonadismo e alteração deespermograma, assim como falência ovariana em

meninas. A incidência de uma segunda neoplasia éelevada em relação à população geral.

Nos últimos anos, houve um avanço dramático nacompreensão dos fatores genéticos envolvidos na gênesetumoral e desenvolvimento renal normal, com impli-cações terapêuticas que ainda irão melhorar a sobrevidados pacientes. Atualmente 80% das crianças acometidaspodem ser curadas utilizando-se uma abordagem multi-disciplinar. Estudos de biologia molecular ainda deverãocontribuir para melhor eficiência do tratamento, associadoao aconselhamento genético.

RabdomiossarcomaTrata-se de uma neoplasia agressiva derivada do

tecido mesenquimal embrionário, com tendência àinfiltração local precoce e eventualmente metástasesà distância. É o sarcoma mais comum da infânciacom acometimento geniturinário em 15% a 20% doscasos, acometendo mais freqüentemente próstata,bexiga, paratesticular, ocasionalmente afetando vaginae útero. O tratamento global deste tumor ainda écontroverso na oncologia pediátrica, havendo con-senso que cirurgia, quimioterapia e radioterapia devemser utilizadas em conjunto para melhorar os resultadosfinais, devendo esta última ser realizada após a excisãoda lesão primária; desta maneira é possível a cura em85% dos casos. Há uma tendência atual em praticarcirurgias menos agressivas, tentando-se preservar oórgão comprometido pela doença.

O estadiamento proposto pela IRSG (IntergroupRhabdomyosarcoma Study Group) avalia o sítio primário,a histologia, os linfonodos e a presença de metástases.

O acometimento vesical e prostático têm pico deincidência entre um e quatro anos, com o primeiropredominando em meninos (2,5:1), e normalmente

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apresenta-se por hematúria e/ou obstrução infra-vesical. A infiltração local pode dificultar a determinaçãodo sítio primário da lesão. A avaliação endoscópicacom biópsia deve ser realizada, assim como a prope-dêutica radiológica extensa. Embora o tratamentocirúrgico esteja tornando-se mais conservador com acistectomia parcial; a cistectomia e a cistoprostatectomiaainda são realizadas, com químio e radioterapia pós-operatória e posterior reconstrução.

O acometimento paratesticular tem dois picos deincidência; o primeiro no primeiro semestre de vida eo segundo durante a adolescência. Normalmenteapresenta-se como massa indolor e normalmente emestádio precoce (estádio I em 60% dos casos). Amaioria dos casos (90%) tem histologia favorável(embrionária). Durante sua evolução, 30% a 40%apresentarão metástases retroperitoniais. A avaliaçãoradiológica inclui ultra-sonografia escrotal, CT abdome,radiografia de tórax e marcadores séricos para excluirtumores primários dos testículos. A ressecção localdeve ser realizada, com a abordagem de metástasecontroversa, sendo preconizada pelo IRSG que crian-ças com idade igual ou superior a 10 anos sejamsubmetidas à linfadenectomia antes da quimioterapia.

O envolvimento vaginal normalmente manifesta-se por sangramento, corrimento ou massa, na maiorparte das vezes nos primeiros anos de vida. A histo-logia mostra padrão embrionário ou botrióide e tembom prognóstico, sendo necessário realizar ressecçõesamplas em 19% dos casos.

Tumor de testículoSão tumores raros, representando 1% a 2% dos

tumores sólidos na população pediátrica, com tumo-res de células germinativas em 65% dos casos, sendomais freqüente a presença de lesões benignas nestafaixa etária quando comparamos com a populaçãoadulta. O pico de incidência encontra-se entre 2 e 4anos de idade, manifestando-se por massa testicularindolor. Os principais tipos histológicos estãorepresentados pela Tabela 4.

A avaliação das massas testiculares na infância ésimilar aos adultos, com ultra-sonografia escrotal,marcadores séricos (alfafetoproteína e beta-HCG),CT abdome e radiografia de tórax.

Guia Prático de Urologia

Os tumores de saco vitelínico são tratados comorquiectomia radical; tratamento adjuvante comquimioterapia e/ou linfadenectomia normalmente nãosão necessários, já que 90% dos pacientes encontram-se no estádio I. Quando há metástases, a quimioterapiafaz-se necessária. O teratoma é o segundo tumor maiscomum, podendo tentar-se preservar o testículo du-rante a abordagem cirúrgica. O tumor de células deLeydig é o mais comum entre os estromais, com suatríade clássica de puberdade precoce, massa testicularunilateral e elevação de esteróides urinários. Tem seupico de incidência entre 4 e 5 anos e a orquiectomia éo único tratamento necessário.

Os tumores de células de Sertoli manifestam-semais precocemente que o de células de Leydig, e sãomenos ativos do ponto de vista metabólico. E tam-bém tratados com orquiectomia e exames de imagem

Tabela 3: Estadiamento tumoral conforme a IntergroupRhabdomyosarcoma Study group (IRSE)

Tabela 4: Principais tipos histológicos

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do retroperitôneo são necessários para excluir seucomprometimento.

Os tumores secundários a linfoma e a leucemia apóso tratamento da patologia primária devem ser sub-metidos à biópsia e tratados com radioterapia. Deve-se necessariamente estudar outros pontos de doençaresidual, que são tratados com quimioterapia adicional.

Leitura recomendada1. Pediatric Urologic Oncology, em Campbell´s Urology 8th

ed., Editora Saunders, 2002.2. Advances in Pediatric Urologic Oncology, AUA Update

Series, Lesson 4, Volume XXII, 2003.3. Pediatric Urologic Oncology. In: The Urologic Clinics

Of North America, August 2000.

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Seção IV

Capítulo 55

Estenose de junção ureteropélvica

Samuel Dekermacher

IntroduçãoA junção ureteropélvica (JUP) é o local mais comum

de obstrução do trato urinário superior. Estas obstruçõespodem causar danos renais. Sua incidência é estimadaem 1:5 mil nascimentos vivos e ocorre mais no sexomasculino, em uma proporção de cerca de 3:1. O ladoesquerdo é um pouco mais afetado que o direito, e ébilateral em cerca de 5%. Em recém-nascidos (RN) elactentes, a bilateralidade é maior, em torno de 25%.

A etiologia é anatômica ou por distúrbios de con-dução mioelétrica. As causas anatômicas são intrín-secas (na luz do ureter) ou extrínsecas. As causasintrínsecas são as mais comuns e, embora geralmentecongênitas, podem também ser adquiridas. Na maio-ria dos casos, há um segmento ureteral estenótico ehipoplásico, em conseqüência de alterações naconfiguração das fibras musculares lisas na JUPsubstituídas por fibras colágenas. A persistência depregas ureterais fetais ou válvulas e pólipos ureteraistambém pode causar obstrução.

As obstruções extrínsecas são aquelas causadas porvaso anômalo aberrante (polar inferior e anterior),que comprime o ureter proximal ao nível da JUP.Também são consideradas causas extrínsecas as ban-das e aderências, bem como a inserção alta do ureterna porção anteromedial da pelve. Em geral, mesmonos casos de obstrução por causas extrínsecas, asso-ciam-se alterações intrínsecas ureterais e, em conse-qüência, a simples liberação do ureter, ureterólise, nãoresolverá o problema.

Quando esta obstrução for total, o rim não sedesenvolverá na sua forma normal, e resultará emum rim sem parênquima, como o multicístico displá-sico (RMD), ou haverá uma deterioração renal extre-mamente rápida. Como as obstruções são, em suagrande maioria, parciais, em graus variados, as dila-tações podem progredir, piorando e deteriorandoo rim; ou ainda, ficar estáveis, com certo equilíbrio,ou até mesmo regredir espontaneamente.

O conceito atual é que uma dilatação do tratourinário pode estar presente, sem estar associada auma obstrução verdadeira. As dificuldades em diag-nosticar uma obstrução na JUP no RN mudaram aabordagem diagnóstica e terapêutica inicial. Quase50% das dilatações diagnosticadas por ultra-sono-grafia (US) pré-natal não são confirmadas na avalia-ção pós-natal. Algumas obstruções parciais ouintermitentes que causem hidronefrose se resolvemespontaneamente com o desenvolvimento da crian-ça. Como a grande maioria dos casos de dilataçãodetectada no período pré-natal desaparece atémesmo antes do final da gestação ou durante oprimeiro ano de vida, o diagnóstico diferencial maiscomum é entre dilatação dita “fisiológica” e obs-trução verdadeira. Esta situação não é a regra, eestes pacientes devem ser acompanhados, poishidronefroses não-obstrutivas podem converter-seposteriormente em obstruções verdadeiras.

Outras anomalias urológicas que causam dilataçãodevem ser consideradas no diagnóstico diferencial:RMD, megaureter obstrutivo e o não-obstrutivo,

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Guia Prático de Urologia

refluxo vesicureteral, síndrome de Prune Belly,megacalicose e cisto renal simples.

A tendência atual de se adotar inicialmente umaconduta expectante e conservadora foi reforçada apartir do aumento nos conhecimentos da nefrofisio-logia no período pré e pós-natal imediato. Nas últi-mas semanas de gestação, o rim fetal produz de trêsa quatro vezes o volume de urina por quilograma depeso comparado com o rim infantil. Qualquer restri-ção ao fluxo urinário normal, com este volumeaumentado de urina, provoca uma dilatação. Noperíodo pós-natal imediato, a função renal não éplena e, havendo uma certa desidratação, dita fisio-lógica, pode simular um falso-negativo. A funçãorenal atinge os mesmos níveis do adulto em tornodos 2 anos de idade, com a maturação completados néfrons corticais. A indicação cirúrgica em umRN de menos de três semanas fica reservada paraaqueles raros casos de anúria ou septicemia.

Os pacientes que apresentam uma pelve extra-renal têm o rim menos afetado que aqueles com pelveintra-renal. Nestes últimos, havendo uma obstrução,o esvaziamento é incompleto, a elevação do gradientede pressão transmite-se até o nível dos cálices e adestruição do parênquima renal ocorre mais rapida-mente devido a uma complacência menor.

A obstrução é assim mais bem-definida pelos seusefeitos, tais como: diminuição do fluxo urinário ourequerer um aumento anormal da pressão intrapélvicapara manter um fluxo urinário constante. Assim,segundo Koff, obstrução é “qualquer restrição aofluxo urinário que, se não tratada, causará perdaprogressiva da função renal”.

Esta interpretação, quando considerada de maneiraisolada, cria situações de observação, que podem serperigosas, pois requerem que se aguarde sinais delesão renal para iniciar o tratamento.

Se a obstrução não interferir na função, provavelmenteo tratamento cirúrgico não está indicado. Desta forma,na atualidade, o principal problema não se encontra tantono diagnóstico de obstrução, mas sim na capacidade depredizer quais as obstruções que irão interferir na funçãoou no crescimento renal.

Quadro clínicoA US pré-natal, de rotina, possibilita que dilatações

das vias urinárias, no feto, sejam suspeitadas em cercade 1:800 a 1.500 nascimentos. Porém nem todas sãoconfirmadas após o nascimento.

O diagnóstico não sendo feito no período pré-natal,por ocasião da US materna, no RN e lactente, o sinalmais comum é o aparecimento de um tumor abdo-minal nos flancos. Esta anomalia pode tambémmanifestar-se por sintomas mais vagos e menos espe-cíficos como dor abdominal tipo cólica, vômitos eirritabilidade. Na idade pré-escolar e escolar, as queixassão mais específicas, tais como dor abdominal oulombar, principalmente quando existe uma ingestãoaumentada de líquidos. Nesta faixa etária, pode surgirhematúria, devido a traumas leves por ruptura dosvasos da submucosa. A infecção urinária comprovadapode ser um sinal em cerca de 30% a 45% dos casos.

Foto 3: Ultra-som primeiro mês de vida - dilataçãomoderada

Foto 2: Ultra-som segundo dia de vida – sem dilatação

Foto 1: Ultra-som pré-natal, dilatação pielocalicialesquerda

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Foto 5: Cintilografia com DMSA – primeiro mêssem grandes alterações

Foto 6: Cintilografia com DTPA – um mês de vida –curva não-obstrutiva à esquerda

Foto 4: Cistoure-trografia com um mêsde idade e refluxovesicureteralcontralateral

Diagnóstico por imagemA avaliação clássica por imagem no período pós-

natal deve incluir: US, cistouretrografia miccional(CUM), cintilografia renal ou urografia excretora(UE) e, em alguns casos, até estudos da pressão defluxo através da punção do bacinete renal.

Em até 25% dos casos existem outras anomaliasassociadas à obstrução da JUP, tais como o RMDcontralateral, anomalias anorretais, síndrome de Vacter,que às vezes tornam o caso mais complexo.

A US não é capaz de fornecer informações sobrefunção renal e detalhes sobre anatomia do rim. Deve,contudo, ser o exame inicial em toda investigação porser um método não-invasivo e por não emitir radiaçãoionizante, o que possibilita ser repetido várias vezes.Este exame fornece informações importantes quantoao grau de hidronefrose e caliectasia, tamanho renal,espessura do parênquima, textura cortical, e estuda orim contralateral. Uma das mensurações mais impor-tantes é a do diâmetro ântero-posterior da pelve renal.Quando este for superior a 15 mm, provavelmenteestaremos diante de um caso que irá necessitar deresolução cirúrgica.

Quando existe dilatação da pelve renal, associadaa cálices dilatados e o ureter distal não é visualizado,deve ser levantada a suspeita de obstrução da JUP.Este aspecto é importante também no diagnósticodiferencial entre obstrução da JUP e o RMD, cujoscistos não se comunicam. Deve ser feito ainda odiagnóstico diferencial com a megacalicose congênita.

Quando a US materno-fetal mostrar uma dilataçãodo trato urinário, este exame deve ser repetido no RNentre 24 a 48 h de vida, ou seja, antes da alta da mater-nidade, para confirmar e afastar outras anomalias asso-ciadas. Devido à desidratação inicial transitória, comconseqüente oligúria, poder resultar em um examefalso-negativo, a US deve ser repetida entre 15 dias eum mês de vida. A cintilografia com o uso de radio-fármacos, apesar de fornecer poucos detalhes anatô-micos em relação à UE, é mais sensível do que esta etem mais vantagens. Expõe o paciente a menor quanti-dade de radiação ionizante, pode mensurar a funçãorenal e a fisiologia do sistema urinário excretor, permiteestudar cada rim separadamente, pode ser feitarepetidamente, e é extremamente útil na avaliação pós-operatória. Este exame está indicado após o primeiromês, pois, antes desta idade, a função renal de concen-tração ainda não está bem-amadurecida.

O estudo renal dinâmico e o renograma radionu-clídico com e sem diurético geralmente utilizam o99m Tc-DTPA (tecnécio marcando o ácido dietilenotriaminopentacético), que é um radiotraçador excre-tado por filtração glomerular, utilizado para avaliaçãofuncional, não reabsorvido ou secretado pelos túbu-los renais. No RN e lactente jovem é empregado oMAG 3 (99m Tc-mercapto acetiltriglicina), que temas características do DTPA e é também secretadopelos túbulos renais.

A fase inicial do exame, angiográfica, ou fasevascular ou de perfusão, permite que o aporte san-

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güíneo ao rim seja estimado. Após os primeiros trêsa quatro minutos da injeção em bolus do radiofár-maco, termina a filtração glomerular, conhecidacomo fase parenquimatosa. Nessa fase pode-secalcular a função individual de cada rim, através dafunção glomerular diferencial, que é baseada na aná-lise do tempo de trânsito do radiofármaco no parên-quima. A próxima fase é a de excreção. As imagensobtidas pela gama-câmara podem ser quantificadaspelo computador e traduzidas em uma curva, ava-liando se há ou não obstrução presente. A configu-ração da curva que evidencia a drenagem através dodeclive da captação permite calcular o tempo declearance da radioatividade ou a meia-vida efetiva (half-time ou T½) do isótopo excretado, e comparativa-mente avaliar se a drenagem de urina está alterada.

Às vezes, é necessário testar a habilidade do sistemacoletor em se esvaziar frente a um estímulo máximoproporcionado por um diurético, geralmente furose-mida. Portanto, quando o sistema coletor está bemcheio com o radiofármaco (TMax – tempo de concen-tração máximo), administra-se endovenosamente de0,5 a 1 mg/kg de furosemida, até o máximo de 40mg. Dez a 15 minutos após a administração dessediurético, mais de 50% da substância deverá ter sido“lavada” do sistema coletor (T½). A demora na ex-creção de mais de 50% do traçador durante um tem-po maior que 20 minutos, contados imediatamenteapós a administração do diurético, é indicativo deobstrução. Outros tipos de curva também podemser observados, como a que caracteriza a excreçãototal do radiotraçador, indicando, processo obstrutivofuncional ou uma curva tipo suboclusiva, que suscitadúvidas, pois tem um T1/2 entre 15 e 20 minutos,sendo considerado indeterminado.

A UE, que é cada vez menos utilizada como exameinicial, quando feita, deve utilizar altas doses docontraste (2 mL/kg) e, quando necessário, obtidasradiografias tardias, até 24 horas após a injeção inicial.Estes filmes tardios são muito importantes para definira anatomia de uma junção obstruída, opacificando apelve renal dilatada. Este exame ajuda no diagnósticodiferencial com obstruções mais baixas, ao nível dajunção vesicureteral (JVU), principalmente, quando afunção renal estiver retardada. Com este exame,também utiliza-se o teste da furosemida.

A CUM deve ainda ser feita de rotina, o examepermite afastar como causa da dilatação da JUP apresença de RVU, e também excluir o RVU contra-lateral, presente em cerca de 15% a 20% dos casos.Refluxos graves, já presentes intra-útero, causam

dilatação da pelve renal e dobras ureterais, que setornam fixas devido à ureterite, e conseqüentementeocasionam uma obstrução verdadeira.

Atualmente, por ser muito invasivo, utiliza-se cadavez menos o estudo retrógrado do ureter, com ointuito de fazer o diagnóstico diferencial entreobstruções ureterais localizadas em nível da JUP e daJVU. A ureterografia retrógrada, quando necessária,deve ser feita no momento do tratamento cirúrgicodefinitivo, para evitar a contaminação em um sistemafechado, além do edema na junção já estreitada queele pode acarretar.

A pielografia anterógrada pode ser indicada nopré-operatório imediato, antes de proceder à cirurgia,e consiste na punção percutânea da pelve renal coma injeção do contraste. Ajuda a definir melhor aanatomia e a escolha da melhor incisão.

TratamentoO tratamento cirúrgico adequado deve levar em

conta a função deste rim comprometido. Um dosexames mais úteis para essa avaliação é a cintilografia,e neste caso, utilizando o radiofármaco DMSA. O99m Tc-DMSA (tecnécio marcando o ácido dimer-captossuccínico) concentra-se nos túbulos das extre-midades proximal e distal das alças de Henle, aderindoe mapeando o parênquima e permitindo quantificarmelhor a massa renal funcionante. O DMSA servetambém para avaliar a anatomia renal mostrandoáreas não-funcionantes e “cicatrizes”, pois onde seadere há néfrons funcionantes.

A função global de ambos os rins é igual a 100% ecada rim corresponde a cerca de 50%. Valores emtorno de 35% da captação total do DMSA são consi-derados normais. De 10% a 35%, a função está mode-radamente reduzida; quando a captação é inferior a10%, a função está severamente reduzida e, provavel-mente, é melhor realizar uma nefrectomia. A decisãode extirpar o rim deve ser feita após avaliaçãocuidadosa da função renal. Devemos também levarem conta que o sucesso do tratamento pode ser ava-liado por este tipo de teste.

Indicações do tratamento cirúrgicoPacientes sintomáticos (infecção urinária ou dortipo cólica);Massa abdominal palpável;Rim único;Comprometimento bilateral;

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Foto 10: Urografia excretora –15 minutos pós-diurético

Foto 9: Urografia excretora – dezminutos pós-diurético

Foto 8: Urografia excretora –zero minuto pós-diurético

Foto 7: Urografia excretora –filme tardio

Foto 11: Cintilografia com DTPA seis meses de idade– curva intermediária

Foto 12: Cintilografia com DMSA seis meses de idadeainda sem alterações

Foto 13: Cintilografia com DTPA um ano de idadecurva nitidamente obstrutiva

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Função renal diminuída ou em descenso duranteo seguimento;Dilatação persistente na avaliação ultra-sonográficanos graus IV de dilatação;Dilatação persistente na avaliação US nos grausIII de dilatação, e que apresenta curva tipo obstru-tiva ou indeterminada na cintilografia com diuré-tico, no seguimento de seis a 12 meses;Dilatação progressiva no seguimento por US,desde que confirmada por outros métodos.O acesso cirúrgico à pelve renal e ao ureter proxi-

mal pode ser feito por via abdominal anterior e extra-peritoneal, lombotomia ou por incisão lombar pos-terior. Também podem ser utilizadas as vias percu-tânea anterógrada, a retrógrada ascendente transure-teroscópica e a laparoscópica. O uso de balões paradilatação de estenose de JUP, utilizados em adultos,é impreciso em doenças congênitas.

A cirurgia convencional com a incisão por via lombarposterior tem algumas vantagens e, entre as principais,permite uma alta hospitalar mais precoce e um exce-lente resultado estético comparável à laparoscopia.

Existe uma variedade de técnicas para a correçãodesta anomalia, chamadas de pieloplastias, e todasvisam melhorar a drenagem da pelve renal e a pre-sença de um ureter patente e funcional.

Os casos de obstrução bilateral devem ter comonorma realizar a primeira intervenção no lado queapresentar melhor função. Eventualmente, se ambosos rins estiverem gravemente comprometidos, o maisrecomendável é fazer uma derivação temporária dotipo nefrostomia percutânea, aguardando a recu-peração funcional para a correção definitiva.

Quanto à evolução pós-operatória, geralmente ésatisfatória. As principais complicações cirúrgicas sãoa reestenose, a fístula e a infecção urinária. As estenosessão geralmente devidas à isquemia no ureter a seranastomosado ou por torção. Quanto às fístulas, des-de que bem-drenadas, a grande maioria tem reso-lução espontânea.

Leitura recomendada1. Carr M. Anomalias cirúrgicas da junção uretero-pélvica em

crianças. In: Campbell’s Urology . Ed. Retik AB, Vaughan JrED, Wein AJ, 8ª ed., 2002, W. B. Saunders Co., pp. 1995-2004.

2. Gomzales Jr, ET. Anomalies of the renal pelvis and ureter.In: Clinical Pediatric Urology. Ed. Kelalis PP, King LR,Belman AB. 3ª ed., 1992, W. B. Saunders Co., pp. 530-79.

3. Mitre AI. Hidronefrose na Infância. In: Guia Prático deUrologia. Ed. Bendhack DA e Damião R. 1999, BGCultural, pp. 317-22.

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Seção IV

Capítulo 56

Enurese

Antonio Euclides Pereira de Souza Junior

IntroduçãoEnurese é definida pela Sociedade Internacional de

Continência como uma micção involuntária, ou seja,corresponde ao ato miccional normal que ocorreinvoluntariamente em local e/ou momento inadequado.

Podemos classificá-la de acordo com o horário emque ocorre, sendo diurna ou noturna. Quanto àpresença de algum período de continência urinária,sendo primária quando a criança nunca demonstroucontrole miccional ou secundária, quando a criançaapresentou um período de no mínimo seis meses decontinência. Finalmente, quanto à presença de sintomasassociados, sendo monossintomática quando nãoexistem outros sintomas relacionados ao aparelhourinário ou gastrintestinal e polissintomática quandoestá associada à urgência e ao aumento da freqüênciamiccional, constipação ou encoprese.

O diagnóstico de enurese deve ser considerado apósa criança completar 5 anos de idade. Nesta faixa etária,ao redor de 20% das crianças têm enurese noturna, queapresenta resolução espontânea de 15% ao ano, estandopresente em apenas 1% a 2% na adolescência. Porém,conforme recentes séries demonstram, neste períodotorna-se de difícil tratamento.

A grande maioria dos pacientes com enurese, cercade 80%, tem apenas episódios noturnos e não apre-sentam outras anormalidades urológicas, sendo, por-tanto, caracterizados como portadores de enuresenoturna monossintomática. Esta é mais freqüente nosexo masculino e ocorre na forma primária em 75%

dos casos. As crianças que têm enurese noturna e diurnarepresentam um grupo menor de pacientes, que geral-mente está associado à presença de instabilidade vesical,caracterizando a enurese polissintomática. Por repre-sentar a maioria dos pacientes, passaremos a abordara enurese noturna (EN).

FisiopatologiaAtualmente, a EN é considerada uma condição

multifatorial, produto de uma combinação de alte-rações de três elementos principais: produção noturnade urina, capacidade vesical funcional (CVF) e habi-lidade do paciente em acordar.

Fatores genéticos e familiaresUma predisposição genética tem sido obser-

vada, o risco de uma criança apresentar EN chegaa 77% quando pai e mãe foram enuréticos, 43%quando apenas um dos pais teve o problema ereduz para 15% se não existir história familiar. Re-centes estudos têm demonstrado o envolvimentode regiões dos cromossomos 5, 13, 12 e 22 nagênese e evolução da EN.

Fatores psicológicosA EN já foi referida a eventuais traumas psico-

lógicos sofridos pela criança, atualmente acredita-seque possíveis alterações psicológicas presentes sejamconseqüência e não causa da EN.

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Alterações vesicaisVários estudos demonstram uma redução da CVF

em pacientes enuréticos; especificamente, uma reduçãodesta capacidade durante o sono, quando comparadaao período de vigília, foi relatada recentemente.

Produção noturna de urinaEm seu desenvolvimento normal, a criança eleva

progressivamente a produção do hormônioantidiurético (ADH) durante a noite. As crianças comEN têm um atraso no estabelecimento deste ritmocircadiano do hormônio, secretando menoresquantidades de ADH noturno, o que resulta em umvolume maior de urina produzido durante a noite.

Fatores relacionados ao sonoA hipótese de que a EN seria causada por dis-

túrbios do sono não é mais aceita. Avaliandoconjuntamente eletroencefalograma (EEG) e

cistometria, podemos diferenciar três tipos deepisódios enuréticos. No tipo I, temos uma bexigaestável com uma exacerbada resposta no EEGdurante a EN, a criança luta e se aproxima muitodo despertar. No tipo IIa, a bexiga também éestável, porém não há resposta no EEG durante aEN, a criança não manifesta nenhuma reação nosentido de acordar. Finalmente, no tipo IIb,encontramos uma bexiga instável, produzindo con-trações involuntárias que geram a EN, sem nenhumaresposta no EEG. Observou-se que 20% dos paci-entes do tipo IIb evoluirão para o tipo IIa e 60%deles para o tipo I. Em relação aos pacientes dotipo IIa, 78% deles evoluirão para o tipo I. Istodemonstra que com o desenvolvimento do SNC,eles passarão a inibir as contrações vesicais e a reco-nhecer quando a bexiga estiver cheia, controlandoo reflexo da micção. Daí conclui-se que a EN nãocorresponde a um distúrbio do sono, e sim a umatraso no desenvolvimento do SNC.

Algoritmo para Enurese noturna

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Imaturidade neurofisiológicaAs alterações acima descritas, sejam em relação à

função vesical, secreção de ADH e função do SNC,encontradas em crianças com EN, ocorrem normal-mente em crianças de menor idade, refletindo apenasum estado de imaturidade neurofisiológica. Istoexplica o fato da maioria das crianças com ENmonossintomática evoluírem para cura espontanea-mente com o passar do tempo.

DiagnósticoA anamnese deve ser cuidadosa, principalmente

procurando distinguir a EN monossintomática dapolissintomática, que geralmente apresenta tambémsintomas diurnos e está associada à instabilidade vesical.Causas de EN polissintomática incluem: anorma-lidades raquimedulares associadas à bexiga neuro-

gênica, infecções urinárias, válvulas de uretra posteriorem meninos e ectopia ureteral em meninas, além daconstipação intestinal e/ou encoprese que tambémpodem estar presentes. A diferenciação entre ENprimária e secundária também deve ser feita, umroteiro de perguntas importantes com seu significadoencontra-se na Tabela 1.

O exame físico costuma ser normal, entretantodevemos procurar sinais relativos à presença de outraspatologias como: déficits neurológicos, massasabdominais (retenção urinária), sinais de disrafismosacro, como nevus ou tufos pilosos na região sacro-coccígea, bem como assimetria da prega glútea.

Recomenda-se apenas a realização de urinálisecomo rotina; se esta indicar infecção urinária ouhouver outras anormalidades na anamnese e examefísico, indica-se avaliação complementar com ultra-sonografia, uretrocistografia miccional e avaliaçãourodinâmica.

Tabela 1: Roteiro para diferencoiação entre EN primária e secundária

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Guia Prático de Urologia

TratamentoInicialmente indica-se a restrição da ingestão hídrica

no jantar e antes de dormir. Atualmente, o tratamentoda EN baseia-se na utilização da desmopressina

Tabela 2: Comparação entre as diversas formas terapêuticas

(DDAVP), geralmente como droga de primeira escolha,podendo estar associada ao uso de alarmes, quandodisponíveis. A imipramina é utilizada quando existe falhado tratamento inicial. Uma comparação entre as diversasformas terapêuticas encontra-se na Tabela 2.

Leitura recomendada1. Kawauchi A, Tanaka Y, Naito Y, Yamao Y, Ukimura O,

Yoneda K, Mizutani Y, Miki T. Bladder capacity at the timeof enuresis. Urology. 2003 May; 61 (5): 1016-8.

2. Van Kampen M, Bogaert G, Feys H, Baert L, De RaeymaekerI, De Weerdt W. High initial efficacy of full-spectrum therapyfor nocturnal enuresis in children and adolescents. BJU Int.2002 Jul; 90 (1): 84-7.

3. Djurhuus JC, Rittig S. Nocturnal enuresis. Curr Opin Urol.2002 Jul; 12 (4): 317-20. Review.

4. Loeys B, Hoebeke P, Raes A, Messiaen L, De Paepe A, VandeWalle J. Does monosymptomatic enuresis exist? A moleculargenetic exploration of 32 families with enuresis/inconti-nence. BJU Int. 2002 Jul; 90 (1): 76-83.

5. Nappo S, Del Gado R, Chiozza ML, Biraghi M, Ferrara P,Caione P. Nocturnal enuresis in the adolescent: a neglectedproblem. BJU Int. 2002 Dec; 90 (9): 912-7.

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Seção IV

Capítulo 57

Megaureter

Aguinaldo Cesar Nardi Marcelo de Paula Galesso

O termo megaureter caracteriza um ureter despro-porcionalmente dilatado, encontrado em diversassituações clínicas. Quase todas as crianças com megau-reter apresentam uma anomalia congênita associada aodesenvolvimento do ureter e da junção vesicureteral. Amaioria está associada ao refluxo ou à obstrução,embora ambos possam estar ausentes.

ClassificaçãoO megaureter é dividido em três grupos: obstrutivo,

associado ao refluxo e não-obstrutivo sem refluxo.

Cada grupo pode ser classificado em primário ousecundário (Tabela 1).

Megaureter primário

ObstrutivoA causa mais comum do megaureter obstrutivo

primário é a presença de um segmento adinâmicono ureter distal, impedindo o fluxo urinário normal.Estudos histológicos demonstram um aumento namusculatura circular e no depósito de colágeno naparede ureteral. A extensão deste segmento pode

Tabela 1: Classificação do megaureter

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Guia Prático de Urologia

variar de 0,5 a 4 centímetros, é mais comum no sexomasculino na razão de 4:1 e acomete mais o ladoesquerdo, sendo bilateral em 20% dos casos. Even-tualmente, pode estar associado à agenesia renalcontralateral. Outras anormalidades primárias queproduzem obstrução distal incluem válvulas ureterais,estenoses congênitas e ectopia ureteral.

Associado ao refluxoNeste caso, o megaureter é conseqüência de

refluxos de grandes proporções, que ocorrem quandoo trajeto intramural do ureter é curto, tornando ajunção vesicureteral incompetente.

Não-obstrutivo sem refluxoO ureter encontra-se dilatado na sua porção mais

distal, próximo à bexiga. A causa deste fenômeno édesconhecida, embora existam várias teorias para explicá-lo, baseadas na fisiologia renal e na histoanatomia doureter. Acredita-se que o alto fluxo urinário pré-natal ea maior complacência ureteral nesta fase contribuiriampara a dilatação na ausência de obstrução.

Megaureter secundárioEsse tipo de megaureter pode estar associado à

obstrução anatômica (cálculos, neoplasias, compressõesextrínsecas, complicações pós-operatórias); à obstruçãofuncional (válvula de uretra posterior, bexiga neuro-gênica); ou ao refluxo decorrente dos processos obstru-tivos. O megaureter não-obstrutivo sem refluxo secun-dário pode ocorrer na dilatação ureteral persistente verifi-cada após correção cirúrgica do megaureter. Outrascausas incluem o diabete insípido e a atonia ureteralassociada a infecções do trato urinário por bactérias.

DiagnósticoO objetivo da avaliação diagnóstica é definir a cau-

sa da dilatação ureteral, classificá-la em primária ousecundária, excluir o refluxo e, principalmente, dife-renciar o megaureter obstrutivo do não-obstrutivo.No passado, o diagnóstico era feito em pacientescom infecção do trato urinário, dor, hematúria, massaabdominal palpável, uremia ou incidentalmente du-rante exames de imagem realizados para outras quei-xas. Com o uso rotineiro do ultra-som pré e pós-natal, houve um aumento no número de neonatoscom megaureter assintomáticos.

A urografia excretora permite o estudo anatômico ea estimativa subjetiva da função renal. A uretrocistografia

miccional é realizada para avaliar a presença de refluxoe alterações vesicais. A cintilografia renal é importantepara determinar objetivamente a função e a presençade cicatrizes renais através da infusão do ácido dimer-captossuccínico (DMSA) e avaliar a drenagem do ureterdilatado com o uso do ácido dietileno-triamino-penta-cético (DTPA), contribuindo no diagnóstico e segui-mento dos pacientes. Estudos de pressão-perfusão (testede Whitaker) também podem ser úteis para avaliarobstruções do trato urinário duvidosas, porém são pou-co utilizados devido à dificuldade na interpretação dosresultados e por serem invasivos.

História naturalApesar da variedade de testes, diferenciar as dila-

tações que necessitarão de correção cirúrgica daquelasque representam apenas variações anatômicas semimplicações na função renal não é tarefa fácil, princi-palmente no recém-nato. O tratamento deve ser indi-vidualizado, com uma tendência atual em acom-panhar clinicamente estes casos, pois a resoluçãoespontânea ocorre em diferentes graus de dilatação,o que tem levado a uma abordagem mais conser-vadora do megaureter neonatal. No entanto, o diag-nóstico deve ser precoce e a vigilância criteriosa. Adeterioração da função renal é rara na ausência deinfecção. Por esta razão, a maioria destes pacientesrecebe antibioticoprofilaxia durante a fase de obser-vação clínica, até que ocorra a melhora espontâneaou seja realizada a cirurgia.

As indicações para cirurgia são perda da funçãorenal, hidronefrose progressiva, infecção, dor e for-mação de cálculo (Figura 1). Em diferentes séries, onúmero de intervenções cirúrgicas realizadas temvariado entre 9,6% a 28% dos casos.

TratamentoQuando há falha no tratamento conservador, está

indicada a correção cirúrgica do megaureter. Os obje-tivos da cirurgia são remover o segmento obstrutivo,reduzir o calibre da porção dilatada do ureter, preser-vando a sua irrigação, e reimplantar o seguimentomodelado com técnica anti-refluxo.

A redução do calibre do ureter dilatado, quandonecessária, pode ser obtida através da plicatura de suaparede (técnicas de Kalicinski e de Starr) ou da excisãoda mesma (técnica de Hendren). Diferentes técnicas

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podem ser utilizadas para o reimplante, dependendodo tamanho da bexiga, do calibre do ureter e se alesão é unilateral ou bilateral.

Leitura recomendada1. Gonzales ET, Bauer S B. Megaureter. In: Lippincott Williams &

Wilkins (ed.), Pediatric Urology Practice, Philadelphia.1999; pp. 205-21.

2. Shokeir AA, Nijman RJM. Primary megaureter: current trends indiagnosis and treatment. BJU International, 2000; 86: 861-8.

3. Stehr M, Metzger R, Schuster T, Porn U, Dietz HG.Management of the Primary Obstructed Megaureter (POM)and Indication for Operative Treatment. Eur J Pediatr Surg,2002; 12: 32-7.

4. Wilcox D, Mouriquand P. Management of Megaureter inChildren. Eur Urol, 1998; 34: 73-8.

5. Arena F, Baldari S, Proietto F, Centorrino A, Scalfari G, RomeoG. Conservative Treatment in Primary Neonatal Megaureter.Eur J Pediatr Surg, 1998; 8: 347-51.

Figura 1: Algoritmo megaureter

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Seção IV

Capítulo 58

Ureterocele

Marcelo Pereira Braz

Denomina-se ureterocele a dilatação cística dosegmento intravesical do ureter. É predominante emcrianças do sexo feminino (incidência de 4:1), sendo10% bilateral. Pode estar associada a um único uretere mais freqüentemente a um sistema duplo (80%),geralmente envolvendo o ureter que drena o pólosuperior. Obstrução à drenagem ureteral pode estarpresente, eventualmente ocorrendo prolapso para ocolo vesical e impedimento da micção. Distorçãodo trígono causada pela ureterocele leva a refluxovesicureteral em 50% dos casos para o pólo inferioripsilateral. No sistema duplo, o pólo superior do rimipsilateral apresenta-se com dilatação de suascavidades e graus variados de displasia, hidronefrosee função. Freqüentemente encontramos o segmentorenal drenado pela ureterocele com exclusão funcional,tanto na urografia quanto na cintilografia com DMSA.

A ureterocele, de maneira prática, pode serclassificada em ortotópica, quando totalmenteconfinada à bexiga, mais freqüentemente encontradaem associação com sistema único. As ectópicas estãofreqüentemente associadas com sistema duplo e assimsão denominadas em virtude de sua extensão ir alémdo colo vesical (por exemplo: as cecoureteroceles).São também classificadas por Stephens em estenó-ticas, esfincterianas e esfínctero-estenóticas.

O diagnóstico antenatal deve ser suspeitado quandodetecta-se na ultra-sonografia imagem cística no pólosuperior do rim fetal. A presença de imagem císticatambém na cavidade vesical sugere mais fortemente

Diagnóstico e tratamento das ureteroceles associadas a sistema duplo

a patologia, principalmente se a dilatação ureteralipsilateral for confirmada. Após o nascimento, a ure-trocistografia miccional (UCM) associada à cintilo-grafia renal e/ou urografia nos confirma o diag-

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Guia Prático de Urologia

nóstico. A imagem clássica de falha de enchimentoem “cabeça-de-cobra” é mais característica das ure-teroceles que drenam sistema único. A falha de enchi-mento detectada na UCM pode variar na depen-dência da dimensão da ureterocele.

A Figura 1 indica os dados radiológicos indiretosque sugerem a presença de ureterocele associada àsistema duplo.1) Pólo superior não-funcionante;2) Pelve e ureter do pólo inferior afastados da coluna;3) Sistema inferior com aspecto de “lírio caído”;4) Ureter do pólo inferior com trajeto tortuoso

(compressão estrínseca do megaureter associadoà ureterocele);

5) Falha de enchimento na projeção da bexiga.O tratamento inicial da ureterocele está na depen-

dência da função da unidade renal por ela drenada.Nos sistemas únicos, as ureteroceles ortotópicas nãocomprometem sua função e a abordagem endos-cópica transuretral com punção é a primeira opção.A punção é realizada com eletrodo Bugbee, em seishoras, com uma ou duas perfurações. A ressecçãoendoscópica da ureterocele deve ser abandonada emvirtude do refluxo vesicureteral resultante desta

Figura 1: Sinais radiológicos indiretos da ureterocele na urografia

Tratamento da ureterocele associada a pólo superior funcionante

manobra. As opções de tratamento da ureteroceleectópica estão descritas no algoritmo de tratamentoabaixo mencionado.

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Leitura recomendada1. Shekarriz B, Upadhyay J, Fleming P, González R, Barthold

JS. Long-term outcome based on the initial surgical approachto ureterocele. J Urol., 162: 1072-6, 1999.

2. Husmann D, Strand B, Ewalt D, Clement M, Kramer S,

Allen T. Management of ectopic ureterocele associated withrenal duplication: a comparison of partial nephrectomy andendoscopic decompression. J Urol., 162: 1406-9, 1999.

3. Hagg MJ, Mourachov PV, Snyder HM, Canning DA, KennedyWA, Zderic SA, Duckett JW. The modern endoscopicapproach to ureterocele. J Urol., 163: 940-3, 2000.

Tratamento da ureterocele associada a pólo superior não-funcionante

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