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Urgências urológicas Seção II A) Não-traumáticas B) Traumáticas Untitled-2 11/03/04, 10:23 57

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Urgências urológicas

Seção II

A) Não-traumáticas

B) Traumáticas

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Seção II A

Capítulo 16

Cólica renal

Luiz Augusto Bendhack

IntroduçãoA cólica renureteral é uma das urgências urológicas

mais freqüentes, atingindo na maioria indivíduos entre20 e 50 anos, em uma proporção aproximada detrês homens para cada mulher. Apresenta-se comouma das dores mais intensas da medicina, exigindodesta forma um atendimento efetivo em sua suspeitadiagnóstica, alívio da dor, confirmação diagnósticae tratamento definitivo. Na grande maioria dos casos,é causada pela migração de cálculo pelo ureter. Aformação de cálculos urinários é a terceira afecçãomais comum do trato urinário, sendo excedida so-mente pelas infecções e pelas doenças prostáticas.

FisiopatologiaA cólica renureteral é decorrente da obstrução do

fluxo de urina no trato urinário alto, podendo serintrínseca ou extrínseca, total ou parcial.

Como conseqüência a esta obstrução, ocorre au-mento da pressão retrógrada intraluminar do ureter,sistema coletor, túbulos renais e da cápsula renal, cau-sando a dilatação destes elementos e estimulando aperistalse ureteral.

Devido a esta dilatação, há um decréscimo na taxade filtração glomerular (TFG), promovendo aliberação renal de prostaciclinas e prostaglandinas,causando vasodilatação do córtex e da medula renalpara aumentar o aporte sangüíneo à unidade renalacometida e melhorar a TFG. Após um período dequatro a seis horas de efetividade deste mecanismo,

ocorre aumento da concentração de tromboxanoA2 (vasoconstritor), que vai causar isquemia do parên-quima renal.

A associação destes fatores, dilatação da via excre-tora, diminuição da taxa de filtração glomerular eisquemia renal, é responsável pelo intenso quadroálgico do paciente.

Diagnóstico

Sinais e sintomasO paciente geralmente se apresenta com queixas

de dor intensa, eventualmente acompanhadas deinfecção ou hematúria. A dor é o principal sintomareferido, com localização lombar, forte intensidadetipo cólica, com irradiação para o abdome anterior,hipogástrio e genitália. Depende da localização e/oumovimentação do fator obstrutivo, podendo estaracompanhada de náuseas, vômitos, hematúria e sin-tomas irritativos vesicais, principalmente quando aobstrução se faz em ureter terminal.

Diagnóstico diferencialAparelho digestivo – apendicite, colecistite, consti-pação, diverticulite, gastrite aguda, úlceras, íleoparalítico, pancreatite e abscesso hepático;Vasculares – aneurisma, dissecção de aorta, trom-bose de veia renal, infarto esplênico e malfor-mações vasculares;Renais – litíase, infecções, dor renal de outra etiologia;

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Tumorais – tumores de vias urinárias ou extrínsecosà mesma;Lombar – dor óssea ou muscular, fibrose retro-peritoneal;Cirurgias prévias – urológicas, ginecológicas, retro-peritoneais.

Exames laboratoriaisUrina – parcial e urocultura, verificando presença ounão de infecção, hematúria e cristalúria. Em pacientesselecionados, após o tratamento emergencial da cólicanefrética, em conseqüência da confirmação dodiagnóstico de litíase, especialmente se esta forrecorrente, é cabível realizar estudo metabólico daurina de 24 horas: cálcio, oxalato, creatinina, citrato,fósforo, sódio, ácido úrico e magnésio;Sangue – hemograma, creatinina e, na história dopaciente com litíase de repetição, pode ser solicitadocálcio, fósforo e ácido úrico.

Exames de imagemNa grande maioria dos casos de cólica renureteral,

o fator causal é a migração de um cálculo ao longodo ureter.

A determinação da localização e tamanho do cál-culo são fundamentais para a terapêutica, assim comoum eventual diagnóstico diferencial. Com a possi-bilidade do uso da ultra-sonografia, muitas vezes noato da primeira consulta, pode-se determinar o fatorcausal ou a presença de dilatação uretero-piélica. Aseqüência de investigação compreende:

Raios X simples de abdome – 85% das vezes de-monstra presença de litíase. Lembrar cálculosradiotransparentes de cistina e ácido úrico;Ultra-sonografia – como investigação inicial,associada ou não aos raios X, são exames que secomplementam;Urografia excretora – é o exame padrão, propiciaavaliar a anatomia da via excretora, função renal elocal da obstrução;Tomografia helicoidal – sem contraste, é o examemais sensível, porém com custo elevado. Permiteidentificar cálculos radiotransparentes ou outrosfatores causais com maior acurácia;Ureteropielografia retrógrada – meio de investigaçãoinvasivo, usado na impossibilidade dos examesanteriores ou situações muito especiais;Ureteroscopia – pode ser usada como meio diag-nóstico, porém quase sempre é utilizada como

método de tratamento, já com equipamento pre-parado para drenagem, tripsia ou biópsia.

Tratamento

EmergencialVisa o alívio da dor e a desobstrução, principalmente

na presença de infecção. Em infecções de trato baixonão-complicadas, pode ser realizado tratamento con-servador com antiálgicos e antibióticos por 24 a 72horas para posterior tratamento definitivo.

Hiper-hidratação – de uso controverso, tem o obje-tivo de aumentar a filtração glomerular e adequar ovolume circulante. Está, todavia, contra-indicada nafase aguda de dor, pois o quadro álgico pode seintensificar;Analgesia – na dependência da intensidade da dor,pode ser realizada por via endovenosa (EV) ouintramuscular (IM), sendo que a via oral (VO) en-contra limitações pela concomitância de náuseas evômitos que quase sempre acompanham o qua-dro agudo da dor;

Antiespasmódicos – IM ou EV, intermitente oucontínua;Antiinflamatórios não-esteróides – VO, IM, ouEV;Opióides – VO, EV ou subcutâneo, com alíviomais rápido da dor.

Em casos especiais, em que a medicação utilizadanão é suficiente para o alívio da dor, está indicada adesobstrução do trato alto, através da drenagem viaendoscópica ou percutânea.

Nas complicações, infecção e/ou dilatação do tratoalto com retardo de função renal, comprometimentodo estado geral do paciente e ocasionalmente anúria,deve-se restabelecer de imediato a drenagem da viaexcretora e iniciar antibioticoterapia. A drenagem podeser feita sob anestesia, através de implante de cateterureteral, duplo J ou pig-tail, ou pela nefrostomiapercutânea guiada por radioscopia ou ultra-sonografia.

Tratamento definitivoDepende da etiologia e localização do fator

desencadeante da cólica renureteral, existindo aquiinúmeras variáveis e situações clínicas. Para cada umadelas, a indicação do tratamento definitivo, clínicoou cirúrgico, deve visar o método mais efetivo ede menor morbidade.

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Guia Prático de Urologia

Leitura recomendada1. Begun FP, Foley WD, Peterson A. Patient evaluation.

Laboratory and imaging studies. Urol Clin North Am 1997;24(1):97-116.

2. Menon M, Parulkar BG, Drach GW. Urinary lithiasis: etiology,

diagnosis, and medical management. In: Campbell’s Urology.Walsh PC, Retik AB, Waughan Jr ED, Wein AJ, Eds; 7th ed.Philadelphia: WB Saunders and Co; 1998: 2661-733.

3. Ortiz V, Kiehl R. Cólica Ureteral. In: Guia Prático deUrologia, Bendhack D, Damião R. 1 ed. São Paulo: BGCultural, 1999: 57-60.

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Seção II A

Capítulo 17

Retenção urinária aguda

Rogério Simonetti Alves

A retenção urinária aguda (RUA) é uma situaçãodramática que faz o paciente procurar atendimentomédico imediato e, por isso, raramente provoca da-nos à função renal. A incapacidade de esvaziamentoda bexiga provoca distensão vesical progressiva quedesencadeia dor intensa no hipogástrio.

O diagnóstico é quase sempre realizado no exameclínico. A história de parada de eliminação de urinaseguida de dor progressiva e o globo vesical palpávelno hipogástrio confirmam a RUA. Nos pacientes obe-sos, a ultra-sonografia pode detectar o estado derepleção da bexiga.

A etiologia da RUA pode ser inferida se foremlevados em conta o sexo, a idade e a história pregressado paciente (Tabela 1).

Nos homens com mais de 50 anos, a causa prin-cipal é a hiperplasia prostática. Nos adultos jovens,devemos suspeitar de estenose da uretra pós-infec-

Tabela 1: Causas mais freqüentes de retenção urinária aguda, deacordo com a idade e sexo

ciosa ou prostatite. Nas crianças, as causas mais fre-qüentes são as malformações congênitas e a para-fimose. A ocorrência de RUA nas mulheres é maisrara, podendo ser observada no pós-operatório decirurgias pélvicas e perineais e como complicação deinfecção herpética aguda.

O tratamento da RUA pode ser dividido em duasetapas. No primeiro momento é preciso aliviar odesconforto do paciente, promovendo o esvaziamentoda bexiga por meio de cateterismo uretral ou cistostomiasuprapúbica. A seguir, deve-se abordar a causa desen-cadeante da retenção aguda de urina.

Não é recomendado esvaziar rapidamente a bexiga,o que pode acarretar sangramento da mucosa vesicalnas horas subseqüentes. Quando o volume retirado ultra-passa 1,5 litro de urina, é provável que exista processoobstrutivo crônico, com comprometimento estruturale funcional da bexiga, quase sempre irreversível.

Hiperplasia prostáticaPacientes com hiperplasia prostática podem evoluir

com RUA em 2% a 10% dos casos. A causa principalé a falência contrátil do detrusor em face da obs-trução. A descompensação vesical pode ser desen-cadeada por infecção urinária, infarto prostático,prostatite aguda ou uso de medicamentos que inter-ferem com a micção.

Os anticolinérgicos e antidepressivos diminuem acontractilidade do músculo detrusor. Os desconges-

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Guia Prático de Urologia

tionantes nasais e os antigripais promovem aumentodo tônus do colo vesical, dificultando seu relaxamento.

O infarto do tecido prostático, com o edemaresultante, pode ser o fator desencadeante da RUA.

Para promover o esvaziamento vesical, deve-serealizar o cateterismo uretral com sonda de Foley nº 16ou superior, após adequada lubrificação da uretracom lidocaína em geléia.

Algumas vezes não se consegue a progressão dasonda pela uretra, o que torna necessária a realizaçãode cistostomia suprapúbica.

Deve-se manter a sonda conectada a sistema fe-chado de drenagem por três a cinco dias. Após colheramostras de urina para exame do sedimento e cultura,inicia-se a antibioticoterapia. A norfloxacina é uma boaescolha para os quadros de cistite, mas vale ressaltarque a maioria das infecções urinárias baixas nos homensestão associadas a focos prostáticos e, nesses casos,torna-se necessário o emprego de antimicrobianos compenetração local mais significativa, como as quinolonasde terceira geração (levofloxacina, lomefloxacina,gatilofloxacina) e os aminoglicosídeos.

Outra medida que pode beneficiar os pacientes comhiperplasia prostática e RUA é o emprego de bloquea-dores alfa-adrenérgicos (doxazosina, terazosina, tam-sulosina, alfuzosina).

A maioria dos pacientes recupera seu padrão de micçãoapós a retirada do cateter, porém 60% a 70% deles voltama apresentar RUA em um período de três meses.

Estenose da uretraO estreitamento da uretra pode ser secundário a

processos inflamatórios ou à instrumentação uretral.Mais rara é a RUA provocada pela estenose do

meato uretral externo na balanite xerótica obliterante.A tentativa de cateterismo por via uretral não cos-

tuma ter sucesso, e pode ocasionar lesão da uretra,com falso trajeto e hemorragia. A conduta de urgênciaé representada pela cistostomia. Posteriormente, deve-rá ser estudada a extensão da estenose, realizando-sea uretrocistografia.

Hematúria com coágulosNa hematúria intensa pode ocorrer a formação

de coágulos que ficam retidos na bexiga e impedema micção. As causas mais comuns dessa situação sãoos tumores de bexiga, cistite actínica e tumores malig-

nos e benignos da próstata. Mais raramente, cistitesinfecciosas e induzidas por ciclofosfamida produzemhemorragia incoercível e RUA. O tratamento consistena realização de cistoscopia para evacuação doscoágulos, seguida de passagem de sonda de Foleycom três vias para irrigação vesical contínua comsolução fisiológica.

Cálculo impactado na uretraCálculos urinários podem ficar impactados na uretra

durante a micção. A existência de áreas de estenose dauretra facilita essa complicação. A melhor opção tera-pêutica é o deslocamento do cálculo para a bexigaatravés da introdução de uma sonda de Foley.

A sonda deve permanecer até o tratamento defini-tivo do cálculo na bexiga. Quando não se conseguea progressão da sonda de Foley, a opção é a cistos-tomia suprapúbica.

ParafimoseO anel fimótico retraído desencadeia edema da

glande, dor, e pode provocar a RUA em crianças eadolescentes. O tratamento consiste no reposicio-namento manual da pele retraída, sendo, algumasvezes, necessária a incisão dorsal da pele do prepúcio,de modo a liberar o anel.

Válvula de uretra posteriorCausa mais comum de hidronefrose em recém-

nascidos masculinos, costuma provocar gotejamentourinário por transbordamento. A destruição das vál-vulas por via endoscópica é o tratamento padrão,mas nos casos de azotemia, infecção urinária ou hidro-nefrose acentuada, está indicada a cistostomia ou avesicostomia de urgência.

RUA por lesão neurológicaTrauma raquimedular, compressão por tumores e

fraturas vertebrais ou manipulações cirúrgicas da colunapodem provocar arreflexia vesical e RUA. Na faseaguda, procede-se a passagem de sonda de demora.O cateterismo intermitente limpo deve ser iniciadoassim que o paciente estiver clinicamente estável.

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RUA no pós-operatórioO estímulo doloroso pode desencadear a inibição

reflexa da contratilidade do detrusor. Agentes anesté-sicos com ação anticolinérgica ou alfa-adrenérgica e ahiperdistensão vesical provocada pela hidratação nointra-operatório são fatores que contribuem para oaparecimento da RUA. A incidência é maior nas cirur-gias realizadas no períneo e na cavidade pélvica, quando,devido à curta duração dos procedimentos, dispensa-se a sonda de Foley no intra-operatório. O tratamentoé a passagem da sonda de demora. No momento daalta hospitalar, a maioria dos pacientes recupera opadrão miccional normal.

Leitura recomendada1. D´Imperio M. Retenção Urinária. In: Hering F, Srougi M

(ed). Urologia Diagnóstico e Tratamento. Rocca, SãoPaulo, 1998.

2. Ortiz V, Kiel R. Obstrução do Trato Urinário Causas eConduta. In: Schor N, Srougi M (ed) . Nefrologia UrologiaClínica. Sarvier, São Paulo, 1998.

3. Srougi M. Manifestações Clínicas e Avaliação dos Sintomasem Hiperplasia Benigna da Próstata. In: Srougi M(ed).Hiperplasia Prostática. Record, Rio de Janeiro, 1995.

4. Simonetti R, Srougi M. Retenção Urinária Aguda. In: Cury J,Simonetti R, Srougi M. (ed) Urgências em Urologia.Sarvier, São Paulo, 1999.

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Seção II A

Capítulo 18

Escroto agudo

Eric Roger Wroclawski Mauricio Fregonesi R. da Silva

A avaliação inicial de um paciente com quadrodoloroso escrotal de instalação recente, em geralacompanhado por aumento unilateral da bolsa testi-cular, edema, rubor e calor, chamado de escroto agu-do, deve ser dirigida para uma questão: o testículocorre risco de tornar-se inviável e, portanto, há indi-cação de intervenção cirúrgica de urgência? Tal pos-tura visa descaracterizar o freqüente diagnóstico de“orquiepididimite”, às vezes feito de modo displicentee que acarretará uma conduta inadequada e conse-qüente atrofia isquêmica testicular, fonte de problemasmédico-legais e da perda funcional do órgão, conhecidacomo “castração por negligência”.

O diagnóstico diferencial deve ser consideradoprincipalmente entre torção de cordão espermático,torção de apêndices intra-escrotais, epididimite agudae orquite aguda.

A investigação começa por uma anamnese detalhada.A duração da dor é variável, de hora a dias, isolada ourecidivante, de aparecimento insidioso ou abrupto, commanifestações paralelas como náuseas, vômitos, febre,trauma ou queixas miccionais irritativas associadas.

As torções de cordão espermático e de apêndicessão as situações mais freqüentes até a puberdade e aprimeira constitui uma emergência cirúrgica. Acometecrianças e adolescentes, mas há casos descritos em idosos.Tem início abrupto, com dor intensa, unilateral, noescroto, às vezes irradiada para a região inguinal ouabdominal inferior ipsilateral, espontânea, ou apósesforço ou trauma, associada a náuseas, sem febre, queocasionalmente surge à noite e acorda o paciente. O

fator predisponente é a anatomia testicular inadequadano escroto, com o completo envolvimento do testículo,epidídimo e porção distal do cordão espermático pelatúnica vaginal, sem que haja a fixação posterior doepidídimo à face interna da mesma. Esta anomalia,acrescida da ausência do ligamento testicular, permiteque ambos, testículo e epidídimo, flutuem livrementedentro da túnica vaginal, tal qual o badalar de um sino.Deve-se salientar que tais defeitos anatômicos congênitossão, em geral, bilaterais. Episódios recorrentes de dortesticular frustra podem também ser relatados, comtorção e distorção espontânea dos elementos do cordão.

Já a torção extravaginal, mais rara, além de poderacometer também testículos não-descidos, ocorreexclusivamente no período intra-uterino ou neonatal,quando a túnica vaginal se encontra frouxamenteaderida ao músculo dartos, permitindo a torção docordão espermático em bloco.

A torção dos apêndices intra-escrotais é tambémbastante freqüente e tem apresentação clínicasemelhante. Uma particularidade sua é que o quadroálgico pode, às vezes, se restringir à região superiordo testículo comprometido, onde se localizam ashidátides de Morgagni, apêndice testicular e epididi-mário, estruturas embriológicas remanescentes doducto mülleriano e de Wolff respectivamente. Ocorreem geral em crianças, entre os 7 e 12 anos, podendoser a dor menos intensa e mais insidiosa, praticamentesem outros comemorativos sistêmicos.

Epididimite aguda, bacteriana, constitui a causamais freqüente de escroto agudo no adulto, sendo

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Guia Prático de Urologia

muito rara em meninos pré-púberes. A via de conta-minação mais habitual é a canalicular, retrógrada, porgermes Gram-negativo em idosos ou por agentessexualmente transmitidos (Neisseria, Chlamydia,Ureaplasma) em homens mais jovens. Basicamente éum quadro escrotal doloroso de início insidioso, pro-gressivo, freqüentemente unilateral, com sinais flogís-ticos, que se localiza inicialmente no epidídimo e emseguida pode acometer também o testículo. Associa-se a manifestações sistêmicas, como febre e astenia,queixas miccionais, como disúria e polaciúria, secre-ção uretral, antecedentes de manipulação uretral,como sondagem ou cirurgia.

Orquite aguda, doença rara no jovem pré-puberal,manifesta-se com desconforto sistêmico e dor intensalocal. Deve sempre ser diferenciada da torção de cordãoespermático ou de um tumor de testículo. Sua etiologiamais freqüente é a viral, secundária a caxumba. É emgeral unilateral, evoluindo com grau variável de atrofiatesticular e comprometimento da fertilidade, com febrealta, prostração, dor e aumento de volume local.

O exame físico de um paciente com escroto agudoé bastante útil na definição diagnóstica. Na torção decordão espermático, pode-se identificar o testículoafetado alto na bolsa (redux testis), com o epidídimoeventualmente anteriorizado, além de edema e eritemalocais. O testículo contralateral, ao examinar-se opaciente em pé, pode encontrar-se horizontalizado,devido à anomalia de sua fixação (sinal de Angel).Outras vezes, a palpação do conteúdo escrotal estáimpossibilitada devido à dor, sendo que um testículoendurecido, de consistência lenhosa, significa infartodo mesmo e pior prognóstico.

Ao contrário da orquite ou epididimite, onde aelevação manual do escroto provoca alívio da dor(sinal de Prehn), na torção de cordão este alívio geral-mente não ocorre. Na torção dos apêndices intra-escrotais, pode-se ocasionalmente identificar um nó-dulo escuro no pólo superior do testículo.

Na epididimite aguda, o epidídimo encontra-se endu-recido, em parte (cauda) ou no todo. O envolvimentotesticular é muito freqüente. O toque retal pode sugeriruma prostatite adjacente. Antecedentes de parotiditerecente ajudam no diagnóstico de orquite aguda.

Quanto aos exames complementares, o sedimentourinário alterado e a presença de bactérias na uroculturareforçam o diagnóstico de epididimite aguda.

No diagnóstico diferencial das diferentes doençasque se apresentam sob a síndrome do escroto agudo,pode-se lançar mão da cintilografia radioisotópica edo ultra-som Doppler, que mostrarão fluxo san-güíneo testicular normal ou aumentado nos casos deepididimite/orquite, contra ausência de perfusão natorção de cordão. Entretanto, se tais testes não esti-verem acessíveis de imediato, ou se houver dúvidasna sua interpretação, a conduta cirúrgica não devejamais ser postergada. Isto decorre do fato do testí-culo tolerar mal a isquemia, com taxas de preservaçãopróximas a 80% quando a intervenção se impõe commenos de seis horas, caindo para menos de 20%com período de isquemia superior a 12 horas.

A tentativa de distorção manual, se possível, ésempre útil, pois, se bem sucedida, abreviará o tempode sofrimento testicular e poderá transformar a cirur-gia em procedimento eletivo.

O diagnóstico preciso das doenças que constituema síndrome do escroto agudo nem sempre é possível.Quando não se puder excluir a possibilidade de tor-ção de cordão, a conduta será a exploração cirúrgicaemergencial. Podemos afirmar que, sem dúvida, émelhor operar um caso de epididimite aguda do quetratar inadvertidamente, de modo conservador, anecrose isquêmica testicular secundária à torção docordão espermático.

A abordagem cirúrgica, via inguinal em lactentesou escrotal, mediana, em crianças maiores ouadultos, visa à distorção do cordão e avaliação daviabilidade do testículo, se necessário for, inclusivecom biópsia de congelação. Evidenciando-se ne-crose isquêmica testicular, faz-se a orquiectomia. Nadúvida, preserva-se o órgão. É imperioso que sefaça a fixação do testículo acometido, assim comodo contralateral.

Quando se encontra, na cirurgia, torção de apêndiceintra-escrotal, o tratamento consiste na simples excisãoda hidátide isquêmica, sem necessidade de exploraçãocontralateral ou fixação testicular.

As demais doenças agudas escrotais, epididimite,orquite ou torção de apêndice, confirmadas clínica ouultra-sonograficamente, têm tratamento clínico,conservador, com repouso domiciliar, suspensão es-crotal, analgésicos e antiinflamatórios não-hormonais,sendo que, na primeira delas, o uso de antibióticosadequados ao agente etiológico faz-se necessário.

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Guia Prático de Urologia

Leitura recomendada1. Wroclawski ER, da Silva MFR, Coelho FU. Escroto Agudo.

Rev. Bras. Med., vol. 52, 85-8, nov. 1995.2. Borrell M, Wroclawski ER, Glina S, Pecoraro GE,

Novaretti JPT. Urgências em Urologia, Atheneu, Riode Janeiro, 97-113, 1985.

3. Wroclawski ER. Urgências Urológicas I – Escroto Agudo.

Parafimose, in Speranzini R, Ramos M. (eds), Manual doResidente de Cirurgia, Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro,e.3, 240-1, 1988.

4. Hawtrey CE. Assessment of acute scrotal symptoms andfindings. A clinician’s dilemma. Urol. Clin. North Am., 25(4), 715-23, 1998.

5. Dubois R, Dodat H. Acute scrotum in the child. Arch.Pediatr., 5 (8), 916-22, 1998.

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Seção II A

Capítulo 19

Obstrução do tratourinário superior

Eric Roger Wroclawski Luis Augusto Seabra Rios

Os processos obstrutivos do trato urinário são pro-blemas comuns na prática clínica, e devem ser semprelembrados em casos de perda de função renal, infecçãourinária, distúrbios miccionais, hematúria ou dor deorigem geniturinária.

Qualquer segmento do trato urinário pode ser sedede obstruções, desde o túbulo renal até o meato ure-tral externo (Tabela 1).

Tabela 1: Causas de uropatia obstrutiva

Aspectos clínicosDor e alterações miccionais são os principais sin-

tomas da uropatia obstrutiva.A dor é devida à distensão da pelve, cápsula renal

ou bexiga (levando ao estiramento do peritônio que arecobre parcialmente). Caracteristicamente, a dor é emcólica, de forte intensidade, na região lombar ou flanco,

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Guia Prático de Urologia

e pode irradiar-se para a fossa ilíaca ipisilateral, testículoou lábio genital. Na obstrução baixa, aguda, ocorredistensão vesical e dor hipogástrica. Na fase aguda dolesado medular, a distensão vesical pode ser indolor.

Alterações miccionais como disúria, polaciúria eurgência miccional são comuns nas obstruções baixas(infravesicais).

Nas obstruções completas ou parciais bilaterais,pode-se observar também sinais e sintomas decor-rentes da insuficiência renal: anorexia, náuseas,vômitos, palidez cutânea, fraqueza, perda da atenção/memória, sonolência, edema, dispnéia e insuficiênciacardíaca congestiva.

Aspectos laboratoriaisNa obstrução bilateral, observa-se elevação dos

níveis plasmáticos de uréia e creatinina e redução nadepuração de creatinina.

A hipercalemia pode acompanhar a acidosemetabólica hiperclorêmica e tornar-se um achadomuito freqüente.

O hemograma é importante no diagnóstico, poisa anemia é a principal conseqüência hematológica dainsuficiência renal crônica.

Na análise da urina, pode-se observar hematúrianos casos de litíase ou neoplasia, leucocitúria nainfecção urinária e a proteinúria, quando presente, émenor que 2 gramas/dia.

Na obstrução aguda, os exames urinários são seme-lhantes aos encontrados na insuficiência pré-renal (sódio< 20 mEq/L, fração de excreção de sódio < 1% eosmolaridade > 500 mOsm/L).

Por outro lado, na obstrução crônica, os examesde urina assemelham-se à necrose tubular aguda (sódio> 20 mEq/L, fração de excreção de sódio > 1% eosmolaridade < 350 mOsm/L).

Na obstrução crônica, os testes para avaliar aconcentração e acidificação urinária estão alterados.

DiagnósticoO diagnóstico correto da causa da obstrução é funda-

mental quando se pretende minimizar o dano renal.A história clínica, o exame físico e a bioquímica servem

de guia para a escolha dos exames de imagem que iremosempregar para estabelecer o diagnóstico definitivo.

Na escolha do método de imagem, fatores comopresença de dor, infecção e comprometimento de

função renal devem ser valorizados, assim como aocorrência de gestação ou diabete melito, uma vez quetodos os exames têm vantagens e riscos e sua indicaçãodeve ser analisada individualmente, caso a caso.

Radiografia simples do abdomeÉ um exame simples que pode ser realizado na

maioria dos locais de pronto-atendimento.Pode ser útil na suspeita clínica de cólica renal, evi-

denciando imagens radiopacas na projeção das viasexcretoras.

Permite visualizar o tamanho e contorno dos rins,informando sobre a possibilidade de hidronefrose,em obstruções crônicas.

Ultra-sonografiaA ultra-sonografia é o método inicial de avaliação e

triagem quando se suspeita de obstrução do trato uri-nário. Este exame fornece informações sobre as conse-qüências da obstrução: tamanhos dos rins, magnitudeda hidronefrose, espessamento do parênquima renal(índice relativo de dano permanente) e, eventualmente,também sobre a causa da obstrução.

Apesar de ter alta sensibilidade para o diagnósticode hidronefrose, há que se ter cuidado com sua inter-pretação clínica.

É um exame “operador-dependente”, isto é, acapacidade técnica de quem faz influencia, em muito,a análise e o resultado. Achados falsos positivos dehidronefrose ocorrem, entretanto, em casos de pelvesextra-renais, megacalicose congênita, cistos renaisparapiélicos e hiperidratação.

Podem ocorrer, também, falsos negativos emcasos de obstrução. A ultra-sonografia, apesar de teralta especificidade, pode deixar de apontar pequenasdilatações em pelves intra-hilares, obstruções de curtaduração ou se o paciente estiver desidratado.

Urografia excretoraAté hoje, em alguns livros, lê-se que a urografia

excretora é o primeiro e melhor exame a ser realizadoquando se suspeita de uropatia obstrutiva. Estacertamente não é a posição aceita pela maioria dosespecialistas.

Apesar de muito útil, apresenta um grande númerode restrições à sua execução. Inicialmente, empregaradiação ionizante, o que restringe seu uso indiscri-minado e repetido. Em gestantes, sua indicação deveser rigorosamente analisada. O emprego de contraste

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iodado endovenoso pode prejudicar a função renalde pacientes de alto risco, como diabéticos e indi-víduos já com função renal rebaixada. Em casos deobstrução com prejuízo da filtração glomerular, so-mente as radiografias retardadas, após 12 a 24 horasda injeção de contraste, desenharão a via excretoraaté o local do obstáculo.

Com o advento de modernos exames de imagem,o papel da urografia excretora no diagnóstico dauropatia obstrutiva está sendo redimensionado, maspermanece como um exame útil em função de suadisponibilidade e eficiência em diagnosticar a maioriadas causas de obstrução.

Uretrocistografia retrógrada e miccionalAtravés da injeção de contraste iodado pelo meato

uretral, de modo retrógrado e posteriormente pelamicção espontânea, avalia-se a anatomia da uretra emtoda sua extensão. Permite o diagnóstico de proces-sos obstrutivos infravesicais anatômicos.

Tomografia computadorizadaÉ um exame bastante eficiente, pois tem alta sensi-

bilidade, no diagnóstico da uropatia obstrutiva, e é umaopção válida e útil quando outros procedimentos, taiscomo ultra-sonografia e urografia excretora, falharam.

A tomografia computadorizada, mesmo realizadasem contraste endovenoso, permite ver a via excre-tora, particularmente se estiver dilatada. Além disso,fornece informações sobre o que está ocorrendo“em volta” da via excretora, sendo muito útil noscasos de obstrução extrínseca do ureter, identificandoo fator causal.

Desta forma, pode ser empregada em pacientesque tenham contra-indicado o uso de contrastesiodados endovenosos.

A tomografia computadorizada espiral é particu-larmente eficiente no diagnóstico da litíase ureteral,tendo inclusive maior sensibilidade que a urografiaexcretora neste quesito.

Ressonância magnéticaApesar de ter pontos positivos, como o não em-

prego de contraste iodado ou exposição à radiaçãoionizante, trata-se de um método oneroso, com tem-po de execução ao redor de 40-60 minutos. É umbom método para a visibilização da dilatação, maspouco sensível na identificação da litíase ureteral, emcasos agudos.

Deve ser reservado, preferencialmente, a pacientescom prejuízo da função renal ou com alergia aoemprego de contraste iodado.

Renograma com diuréticoTambém conhecido como cintilografia renal com

diurético (wash out), é bastante empregado no diag-nóstico e acompanhamento evolutivo de dilataçõesdo trato urinário superior. Também não empregacontraste iodado e expõe o paciente a bem menosradiação do que a urografia excretora.

Fornece boas informações sobre a função relativade cada rim, de modo não-invasivo, porém os resul-tados podem ser influenciados por fatores como osníveis séricos de creatinina e o grau de hidratação.Nestas condições, os rins terão prejuízo da capacidadede gerar um fluxo urinário induzido pelo diuréticocapaz de evidenciar a eventual obstrução.

Pielografia anterógrada ou retrógradaA visualização da pelve e ureter por injeção direta

de contraste, por via anterógrada (punção renal) ouretrógrada (cateterização do meato ureteral) é ummeio invasivo de obter informações sobre detalhesanatômicos da via excretora. Pode, entretanto, for-necer a informação definitiva quando os examesanteriores falharem.

TratamentoÉ extremamente ampla a gama de opções tera-

pêuticas frente à uropatia obstrutiva. Vários são osaspectos a serem considerados (Tabela 2).

Lateralidade e intensidade da obstrução têmimplicações diretas sobre a gravidade do quadro clí-nico. Obstruções bilaterais e completas associam-seà anúria e prejuízo da função renal. O tempo paradesobstrução nesses casos é vital. Por outro lado,obstrução unilateral, mesmo que total, pode cursarcom função renal normal. Nessa situação, a menosque haja infecção, não há risco de morte, mas omontante do prejuízo renal é função do tempo deobstrução. Obstruções parciais, crônicas, associam-se à disfunção tubular e, ocasionalmente, à perdaexcessiva de água (diabetes insípido nefrogênico),além de sódio, cloro e bicarbonato, pela urina.

As obstruções vesicais e infravesicais têm maiorpotencial de gravidade, pois podem repercutirbilateralmente. O cateterismo vesical de demora

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Guia Prático de Urologia

ou intermitente é solução eficiente, mas nem sem-pre possível.

Às vezes, as condições clínicas do paciente, porexemplo, com infecção associada à hiperpotassemiae acidose, obrigam o urologista a apenas desobstruiro sistema urinário sem atuar sobre a causa.

As obstruções ureterais crônicas progridem deforma insidiosa e, silenciosamente, podem levar àperda definitiva de função do rim comprometido.

As obstruções infravesicais agudas são potencialmentemuito dolorosas, mas podem manifestar-se porincontinência paradoxal ou transbordamento. Infecçãoé uma complicação temida na vigência de obstrução.

A mais freqüente causa de obstrução intrínseca é aurolitíase, e seu tratamento, quando necessário, podeser totalmente endoscópico, sem necessidade deincisões cutâneas. Outra alternativa pouco invasiva, paraestes casos, é a LECO – Litotripsia Extracorpóreapor Ondas de Choque.

Em face ao exposto, vemos que a tomada dedecisão frente à uropatia obstrutiva é muitas vezescomplexa e exige experiência e conhecimento dasopções técnicas disponíveis.

Leitura recomendada1. Klahr S, Buerkert J, Morrison A. Urinary tract obstruction.

In Brenner BM, Rector FC (eds). The Kidney, 3rd ed. WBSaunders, Philadelphia, 1443-90, 1986.

2. Rao KG, Hackler RH, Woodlief RM. Real-time renalsonography in spiral cord injury patients. Prospectivecomparison with excretory urography. J Urol 135: 72, 1986.

3. Parfrey PS, Griffiths SM, Barrett BJ. Contrast material-induced renal failure in patients with diabetes mellitus, renalinsufficiency or both. N Engl J Med 320: 143-9, 1989.

4. Kaye AD, Pollack HM. Diagnostic imaging approach to thepatient with obstructive uropathy. Sem Nephrol 2: 55-73, 1982.

5. Roy C, Saussine C, Guth S. MR urography in the evaluation ofurinary tract obstruction. Abdom Imaging 23: 27-34, 1998.

Tabela 2: Check list geral que precede o Planejamento Terapêutico da Uropatia Obstrutiva

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Capítulo 20

Priapismo

Archimedes Nardozza Junior José Cury

Priapismo é uma ereção peniana prolongada epersistente, freqüentemente dolorosa, desencadeadaou não pelo estímulo sexual.

A ocorrência de priapismo é baixa: 1,5 por 100mil habitantes por ano. Em homens acima de 40anos, a incidência aumenta para 2,9 por 100 milindivíduos/ano.

A incidência maior de casos ocorre devido àutilização mais freqüente de drogas injetáveis nodiagnóstico e tratamento da disfunção erétil (DE) eno uso indiscriminado de drogas ilícitas, a exemploda cocaína.

Tipos de priapismo

Priapismo de baixo fluxo (venoclusivo)É o tipo mais freqüente, de múltiplas causas,

estando associado à diminuição do retorno venoso,com estase vascular, determinando a hipóxia teciduale acidose. É usualmente doloroso devido à isquemiatecidual. O sangue, quando aspirado dos corposcavernosos, tem coloração escura.

O priapismo de baixo fluxo é causado maisfreqüentemente por:

Vasodilatadores intracavernosos usados no diag-nóstico e tratamento da disfunção erétil;Alterações hematológicas como anemia falciformee leucemia;Indução por psicofármacos;

Miscelânea: agentes anestésicos, abscesso de corpocavernoso, tumores infiltrativos do pênis, uso denutrição parenteral e drogas ilícitas;Idiopáticas.

Priapismo de alto fluxo (arterial)É menos freqüente e caracteriza-se pelo aumento

do fluxo arterial, na presença de retorno venosonormal, com elevação da pressão parcial de O2. Éindolor. O sangue quando aspirado é de coloraçãovermelho vivo.

O priapismo de alto fluxo é causado na maioriadas vezes por trauma perineal ou peniano, emboraem raras ocasiões possa ser idiopático.

Os dados de história clínica, exame físico, avaliaçãometabólica e estudo hemodinâmico do pênis possi-bilitam a diferenciação entre o priapismo de baixo ealto fluxo, o que permite escolher a opção corretade tratamento.

Algumas dificuldades, no entanto, podem surgir emcasos de priapismo crônico ou agudo intermitente.

O estudo metabólico é realizado através da gaso-metria do sangue aspirado do corpo cavernoso. Agasometria cavernosa com pressão parcial de O2abaixo de 40 mmHg é indicativa de priapismo debaixo fluxo, enquanto valores acima de 80 mmHgsugerem priapismo de alto fluxo.

Na avaliação hemodinâmica, quando se pensa empriapismo de alto fluxo, pode-se utilizar a ultra-sonografiacom Doppler do pênis e a arteriografia seletiva.

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Guia Prático de Urologia

Na suspeita de priapismo de baixo fluxo, devemser realizados hemograma, teste de falcização eeletroforese de hemoglobina.

Nos casos de priapismo de baixo fluxo recidivante,quando houver suspeita de drogas ilícitas, recomenda-se a dosagem de seus metabólitos na urina.

O objetivo primário de qualquer modalidade detratamento do priapismo é obter a detumescência como máximo da rapidez, de modo a prevenir danospermanentes ao tecido cavernoso, enquanto o objetivosecundário destina-se ao alívio efetivo da dor.

O tratamento medicamentoso deve semprepreceder aos procedimentos cirúrgicos.

O paciente deve ser esclarecido sobre os riscos deevoluir para D.E.

Tratamento

Priapismo de baixo fluxo

Tratamento medicamentosoAs medidas terapêuticas são tomadas em função

do tempo decorrido do priapismo.A primeira conduta de tratamento é a punção, aspi-

ração do corpo cavernoso. Se na gasometria não hou-ver acidose, injeta-se um agonista alfa-adrenérgico(epinefrina, nor-epinefrina, fenilefrina, metaraminol).

Caso não se tenha gasometria, não se deve injetaragonistas alfa-adrenérgicos.

Em casos de anemia falciforme, além dos procedi-mentos assinalados, deve-se instituir tratamento específico(hiper-hidratação, oxigenação, alcalinização metabólica).

Nos priapismos recidivantes, os pacientes podemser treinados para a auto-injeção de agonistas alfa-adrenérgicos (fenilefrina) ou ser instituído uso de anti-androgênios, finasterida ou análogos (GnRH).

Tratamento cirúrgicoO objetivo básico do tratamento cirúrgico é

estabelecer fístulas entre o corpo cavernoso e o cor-po esponjoso. As técnicas podem ser proximais edistais. Preferencialmente devem ser utilizadas asfístulas de localização distal sob anestesia local oubloqueio raqui-medular.

Pode ser considerado o implante de prótese penianaem priapismo com mais de cinco dias de duração comooutra opção de tratamento.

Priapismo de alto fluxoNão requer tratamento imediato;Pode ocorrer resolução espontânea;Em estágios precoces, o tratamento com bolsa degelo pode ser suficiente, uma vez que provoca vaso-espasmo e trombose da artéria lesada.Tratamento de escolha é a embolização seletivatemporária da artéria lacerada.

Algorítmo no tratamento do Priapismo

Leitura recomendada1. Tejada IS, Almagro AA. eds. Erección, Eyaculación y sus

transtornos. Fomento Salud S.L. 1997: 13-31.2. Eland IA, Van der Lei J, Stricker BH, Sturkenboom MJ.

Incidence of priapism in the general population. Urology;57(5): 970-2, 2001 May.

3. Edney MT, Schned AR, Cendron M, Chaffee S, Ellsworth PI.

Priapism in a 15-year-old boy with congenital dyserythropoieticanemia typeII (hereditary erythroblastic multinuclearity withpositive acidified serum lysis test). J Urol; 167:309-10, 2002.

4. Volkmer BG, Nesslauer T, Kraemer SC, GoerichJ, Basche S,Gottfried HW. Prepubertal high flow priapism: incidence,diagnosis and treatment. J Urol. 166: 1018-22, 2001.

5. Lue TF, Hellstrom WJG, McAninch JW. Priapism: a refinedapproach to diagnosis and treatment. J. Urol 136: 104-8, 1986.

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Seção II A

Capítulo 21

Parafimose

Sebastião José Westphal

A parafimose se caracteriza por dor, edema econgestão vascular da glande, resultante da retraçãodo prepúcio com anel estenótico para trás da glan-de. Ocorre de maneira iatrogênica, quando, apósexame físico, instrumentação ou mesmo passagemde sonda vesical, não se devolve o prepúcio parasua posição habitual, recobrindo a glande. Em crian-ças, a preocupação dos pais em identificar anor-malidades genitais pode resultar na retração do pre-púcio, e que ocorre em dificuldade de retornar aglande para a posição recoberta pelo prepúcio. Emadolescentes, poderemos ter casos de maior gravi-dade, inclusive com necrose do prepúcio distal aoanel, decorrentes de um período de horas ou mes-mo dias em que o quadro está instalado; devido àrelutância dos mesmos em revelar o problema paraseus familiares.

Considerando a anatomia do pênis, podemos ob-servar que o tecido conjuntivo frouxo que separa apele do prepúcio do corpo do pênis facilmente seinfiltra, e a compressão externa, por um estreitamentodo próprio prepúcio (anelar), irá impedir o retornovenoso e linfático, instalando-se um quadro de edemaprogressivo e doloroso. O diagnóstico é determinadopelo exame físico do paciente.

Em períodos precoces, a redução da glande atra-vés do anel estenótico pode ser possível, bastando autilização de uma geléia lubrificante e exercendo umapressão firme sobre a glande, com o polegar, en-quanto se traciona o prepúcio com os outros dedosem forma de pinça.

Quando já se observa um edema volumoso, mano-bras adicionais podem ajudar a diminuir o edema epermitir a redução da glande. Comprimir de maneirafirme e suave a área edemaciada pode resultar emredução do edema, a utilização de gelo sobre a super-fície edemaciada pode ter efeito favorável; manobrasestas não-invasivas.

Quando não for possível a redução, procedimentosinvasivos, sob anestesia local, deverão ser adotados.

A utilização de uma agulha, fazendo múltiplas dre-nagens puntiformes da área edemaciada, poderá permitiro extravasamento do edema e redução da parafimose.

Em havendo falha nesta tentativa, uma incisão doanel estenótico, na região dorsal do pênis após infil-tração anestésica local, irá permitir a resolução imediatado quadro. Deve-se incisar a pele no sentido longitu-dinal e suturar no sentido transversal, ampliando a áreada estenose do prepúcio.

A analgesia deve ser considerada de acordo coma intensidade das queixas, pois a redução da parafi-mose resultará em alívio quase imediato dos sintomasdolorosos.

Exceto em casos de longa evolução, em que já ocorranecrose de prepúcio ou infecção secundária, não énecessário o uso de antibióticos, limitando-se o pós-operatório ao uso de uma solução anti-séptica local.

Importante orientar o paciente ou os familiares paraque avaliem com seu urologista a necessidade decorreção definitiva para o caso, através da realizaçãode uma prostectomia, mesmo naqueles casos deresolução não-invasiva.

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Guia Prático de Urologia

Leitura recomendada1. Walsh PC. Campbell’s Urology, 8th ed., W. B. Saunders

Company, 2002.

2. Barata HS. Urologia: Princípios e Práticas. Artes MédicasSul Ltda, 1999.

3. Choe JM. Paraphimosis: current treatment options. Am FamPhysician, 2000, 62 (12): 2623-6.

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Seção II A

Capítulo 22

Hematúria macroscópica

Stênio de Cássio Zequi Rodrigo Souza Madeira Campos

A hematúria macroscópica é situação freqüente,pode ser a primeira manifestação de várias doenças.Sua investigação sempre é indicada.

Em geral, os pacientes procuram rapidamente au-xílio médico, mesmo nos casos de menor intensidade,pois associam o quadro à doença grave.

Na anamnese, é preciso caracterizar a hematúria equestionar o paciente sobre antecedentes pessoais. Ahistória clínica auxilia sobremaneira a identificaçãoda origem do sangramento e orienta sua investigação.

A hematúria pode ser classificada em total, inicialou final. Pode ainda ser contínua ou intermitente.Via de regra, a hematúria inicial se origina na uretradistal ao esfíncter externo. Na total, o sangramentose origina do trato superior ou da bexiga. A hema-túria final, em geral, provém do colo vesical ouuretra prostática.

A presença de coágulos indica sangramento demaior intensidade. Quando esses coágulos são amor-fos, a fonte provável do sangramento é, na maioriados casos, a bexiga ou a próstata. Se o paciente eli-mina coágulos alongados, vermiformes, é maisprovável que se originem do trato urinário superior.Nessa situação, pode haver associação com dor lom-bar, tipo cólica, decorrente da obstrução transitóriada via excretora durante a passagem de cálculos oumesmo de coágulos. Polaciúria, urgência, disúria eestrangúria são mais comuns em quadros infecciososcomo cistite hemorrágica, mas podem ocorrertambém em neoplasias uroteliais (notadamente ocarcinoma in situ) ou na litíase.

O questionamento sobre os antecedentes pessoais ehábitos dos pacientes deve ser feito com atenção. Otabagismo e a exposição a aminas aromáticas constituemfatores de risco para neoplasias vesicais e da via excretora.Antecedente de radioterapia pélvica sugere cistite actínica,ou mesmo tumores radioinduzidos. O emprego dequimioterapia (ifosdamida) sem uroproteção (mesna)deve ser investigado.

O uso de anticoagulantes também predispõe a hema-túria, o que pode ocorrer de 5% a 10% dos pacientes,a despeito de doses adequadas. A investigação dessesangramento não deve ser dispensada, pois 25% dessespacientes têm alguma neoplasia e 50% são portadoresde alguma doença benigna, como cálculos ou hiperplasiaprostática benigna.

O abuso de analgésicos pode levar à hematúria.Devemos lembrar também da falsa hematúria provo-cada por pigmentos alimentares ou aquelas forjadas porpacientes psiquiátricos. Associações com exercício físicoextenuante, trauma recente, ou coagulopatias devem seraveriguadas. Em crianças, podemos encontrar passadorecente de infecção estreptocócica, o que faz pensar emglomerulonefrite.

O exame físico costuma ser pobre. Mucosashipocoradas sugerem sangramentos de grandemonta. As lojas renais devem ser palpadas àprocura de massas. Hipertensão arterial em jovenspode estar associada a glomerulonefrites. Ainspeção da urina ajuda a ter idéia da intensidadeda hematúria e, a identificar a forma dos coágulosquando presentes.

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Guia Prático de Urologia

A análise do sedimento urinário é um exame simplese de baixo custo, sendo de grande valia na elucidaçãodo quadro. A presença de dismorfismo eritrocitário,cilindros hemáticos e proteinúria significativa sugeremhematúria de origem glomerular (destaque paranefropatia por IgA – doença de Berger).

Os exames de imagem são fundamentais. A uro-grafia excretora (UGE) continua sendo o exame deeleição no início da avaliação, pois está amplamentedisponível e pode ser interpretada pelo própriourologista. Nos pacientes alérgicos, o contraste iodadoou com função renal diminuída, pode-se realizar apielografia ascendente no momento da endoscopiado trato urinário. A UGE pode diagnosticar neopla-sias de via excretora, da bexiga, cálculos urinários e

lesões do parênquima renal. Para a avaliação destasúltimas lesões, no entanto, o exame carece de sensi-bilidade. Daí a importância da complementação como ultra-som do aparelho urinário, muitas vezes o pri-meiro exame a ser realizado dado o baixo custo,disponibilidade e mínima invasibilidade. Pode-selançar mão ainda da tomografia computadorizadaou da urorressonância em casos de dúvida.

A endoscopia do trato urinário é fundamental namaioria dos casos e, de preferência, deve ser realizadana vigência do sangramento. Durante a cistoscopia,pode-se visualizar diretamente a lesão causal no tratourinário inferior ou lateralizar-se o sangramento,quando o mesmo for proveniente do trato superior.Quando indicada, a investigação endoscópica pode

Figura 1: Algoritmo pesquisa da hematúria macroscópica

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Guia Prático de Urologia

Figura 2: Principais causas de hematúria glomerular. Adaptado deFassett R G, Horgan B A, Mathew T H: Lancet, 1982; 1:1432

ser complementada com ureterorrenoscopia. Du-rante a realização dos exames endoscópicos, deve-se coletar material para análise citológica. Isso podeser feito por barbotagem do líquido de irrigação ouatravés do escovado ureteral. Toda e qualquer lesãosuspeita deve ser biopsiada.

Nos pacientes com suspeita de causa nefrológica,pode-se lançar mão da biópsia do parênquima renal.O exame pode ser feito com agulha por via percutâneae guiado por ultra-som ou por via aberta nos pacientescom alteração da crase sangüínea. A participação donefrologista na investigação é fundamental.

O manejo inicial do paciente com hematúria vaidepender do seu estado geral, da intensidade dosangramento e dos sintomas associados. A presençade grande quantidade de coágulos indica a sonda-gem e irrigação vesical com solução salina. Na persis-tência do sangramento ou na presença de muitoscoágulos, é necessária a evacuação dos coágulosdurante a cistoscopia.

Apesar da investigação apropriada, 20% dos casospermanecerão com etiologia indefinida (hematúriaidiopática). Nesta situação, os pacientes devem ser

Figura 3: Causas de hematúria macroscópica de origem não-glomerular e não-urológica

Leitura recomendada1. Gerber GS, Blender CB. Evaluation of the urologic

patient. Hystory, physical examination, and urinalysis. In:Walsh, PC; Vaughan Jr., ED; Wein eds, Philadelphia Saundersed, 8th Ed, 2002, pp.83-110.

2. Birdsal CP, Siroky MB. Evaluation and Management ofHematuria. In: Siroky MB, Krane RJ eds, Manual ofUrology, Boston Little, Brown and Company 1st ed, 1990,p. 87-94.

3. Belani JS et al. Renal ultrasound adds diagnostic utility inthe workup of hematuria. American Urological AssociationCongress, Abril/2003.

esclarecidos que o seguimento clínico não pode serinterrompido, pelo risco futuro de manifestação dedoença clinicamente significativa.

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Seção II A

Capítulo 23

Hematúria microscópicaassintomática

Antonio Corrêa Lopes Neto Eric Roger Wroclawski

IntroduçãoHematúria pode originar-se de qualquer segmento

do trato urinário. Embora alguns indivíduos normaispossam apresentar sangue na urina, esta situação podeser sinal de patologia urológica, inclusive neoplasias.

A hematúria microscópica geralmente é um achadoincidental durante exames de rotina. Existem discor-dâncias sobre quando e qual a melhor forma de avaliarpacientes nesta situação, evitando-se excesso de examesdiagnósticos, mas realizando-se uma investigação seguraque não negligencie possíveis doenças urológicas.

PrevalênciaA prevalência tem sido determinada através de estudos

populacionais e seus resultados variam de 0,19% a 16,1%devido a diferentes métodos utilizados para diagnósticoda hematúria (dipstick ou análise do sedimento urinário),faixa etária e sexo dos grupos avaliados. Em algunsrastreamentos realizados por programas de saúde, adetecção de hematúria microscópica variou de 2,5% a21% das populações envolvidas.

EtiologiaPodemos dividi-la inicialmente em dois grupos,

as hematúrias glomerulares e não-glomerulares. Asprimeiras são decorrentes de glomerulopatias enefropatias como, por exemplo, nefropatia por IgA,

síndrome de Alport e doença de membrana fina.As não-glomerulares originam-se de neoplasias, litía-se, alterações vasculares, processos infecciosos einflamatórios e distorções anatômicas do tratogeniturinário. Algumas condições benignas comodoenças virais, traumas perineais leves, relação sexual,exercício físico intenso e fase menstrual podemcausar hematúria transitória.

InvestigaçãoAnamnese detalhada tem o objetivo de nos

direcionar para causas prováveis da hematúria,diminuindo assim nosso espectro de opções diag-nósticas; como no caso do tabagismo, que nos alertapara neoplasias do trato urinário; antecedentes dedoenças urológicas prévias que possam ter relação como estado atual; patologias como hipertensão arterialsistêmica ou diabete melito, que podem se correlacionarcom nefropatias e antecedentes familiares. Segue-secom exame físico geral e urológico, incluindo no casodos homens avaliação prostática, com toque retal.

Preconiza-se, e parece consenso na literatura, queos pacientes sejam submetidos a hemograma, uréia ecreatinina, ultra-sonografia de vias urinárias, urografiaexcretora, urina I e urocultura, citologia oncótica daurina, pesquisa de dismorfismo eritrocitário, que nospermite diferenciar entre hematúria glomerular(hemácias dismórficas) e não-glomerular (hemáciasisomórficas). Na suspeita de coagulopatias, um

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Guia Prático de Urologia

coagulograma deve ser solicitado. Questiona-se anecessidade de uretrocistoscopia, principalmente emindivíduos com menos de 40 anos e mulheres, pois setrata de exame invasivo, desconfortável e cujaprobabilidade de detectar lesão vesical significativa nestegrupo de pacientes é baixa. Recomenda-se realizá-loneste grupo específico, quando apresentar citologiaurinária suspeita ou positiva, tabagismo ou exposiçãoocupacional que eleve o risco de neoplasia urotelial.

Alguns trabalhos mostraram que até 98% dospacientes com apenas eritrócitos dismórficos na urinanão apresentaram doença urológica significativa e, porisso, não necessitam investigação urológica completa,apenas investigação nefrológica, com avaliação doclearance de creatinina, proteinúria de 24 horas e ultra-sonografia de vias urinárias. A necessidade de biópsia

Algoritmo hematúria microscópica assintomática

renal é controversa, pois não está provado que odiagnóstico da biópsia altere o prognóstico ou trata-mento destes indivíduos. Sendo assim, não deve serrealizada de rotina e recomenda-se quando a funçãorenal apresenta-se comprometida ou em casos dehipertensão arterial associada (ver algoritmo abaixo).

Quando não diagnosticada a causa da hematúriamicroscópica, é obrigatório o seguimento destes indiví-duos com exames periódicos a cada seis meses durantetrês anos, pois vários estudos na literatura mostraram quede 5% a 16% destes pacientes apresentam alguma doençaurológica diagnosticada de dois a três anos após ainvestigação inicial. Outros resultados sugerem que apresença de hematúria pode anteceder as manifestaçõesclínicas da neoplasia vesical e, sendo assim, identificampacientes com maior risco para desenvolver esta neoplasia.

Leitura recomendada1. Grossfeld GD, Carroll PR. Evaluation of Asymptomatic

Microscopic Hematuria. Urol Clin North Am, 1998, 25 (4): 661.2. Bard RH. The significance of asymptomatic microhematuria

in women and its economic implications: A ten year study.Arch Intern Med, 1988, 148: 2629.

3. Schramek P, Schuster FX, Georgopoulos M et al. Value ofurinary erythrocyte morphology in assessment of symptomlessmicrohematuria. Lancet, 1989, 2: 1316.

4. Murakami S, Igarashi T, Hara S et al. Strategies forasymptomatic microscopic hematuria: A prospective studyof 1034 patients. J Urol, 1990, 144: 99.

5. AUA Guidelines Abril, 2003.

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Seção II A

Capítulo 24

Orquialgia

Jorge Hallak Rodrigo Pagani

Pacientes com dor testicular crônica representamum dilema para toda a comunidade médica e umadas mais frustrantes condições clínicas para o uro-logista. Apesar de extensas publicações que abordamoutros tipos de dor crônica (exemplo: dor lombar),ainda existe pouca literatura sobre a etiologia e o trata-mento da orquialgia.

DefiniçãoOrquialgia crônica é definida como uma dor escro-

tal intermitente ou constante, que pode ser unilateral,bilateral ou alternante em ambos os lados, com dura-ção maior que três meses e que interfere substan-cialmente com as atividades diárias do indivíduo, demaneira a fazê-lo procurar ajuda médica.

FisiopatologiaÉ pouco compreendida. A inervação aferente

sensorial do testículo e do epidídimo é bem descrita,e a dor que se origina nestas estruturas é mediadapor fibras somáticas que acompanham as veiasespermáticas internas, e vão até o ramo genital dosnervos genitofemoral e ileoinguinal.

A inervação autonômica do testículo é distribuídapara os segmentos dos gânglios pré-sacrais de T10-12, enquanto que no epidídimo as fibras são distintase se distribuem dos segmentos de T10 a L1. As fibrassomáticas das camadas visceral e parietal da túnica

vaginal e do cremaster são conduzidas pelo ramogenital do nervo genitofemoral até L1-2.

EtiologiaCausas de dor crônica incluem: infecção, varicocele,

hérnia inguinal, hidrocele, espermatocele, dor refe-rida, trauma, operações prévias (exemplo: hernior-rafia, vasectomia, procedimentos inguinais ou escro-tais), tumor, torção intermitente de cordão esper-mático, outras patologias intratesticulares e dor deorigem indeterminada. O sucesso do tratamento re-quer a identificação da causa de maneira que umaterapia específica seja instituída, porém até 25% dospacientes permanecem sem causa diagnosticável.

DiagnósticoA queixa geralmente é de dor profunda e forte nos

testículos ou no trajeto do cordão espermático, maspode ser referida. O início da dor pode estar rela-cionado a alguma atividade específica, como exercíciosfísicos, ficar sentado muito tempo, andar demotocicleta, montar a cavalo etc. A melhor abordagempara um paciente com dor testicular crônica é umaboa anamnese seguida de um bom exame físico. Ascausas mais comuns serão facilmente diagnosticadasou suspeitas nesta etapa inicial. O problema é quefreqüentemente o paciente não apresenta alteraçãonenhuma ao exame físico. Em muitas séries da

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literatura, a incidência de patologias potencialmentefatais diagnosticadas por meio de ultra-sonografia comDoppler é pequena frente ao número de examesrealizados e ao custo que representa, porém devemoslembrar que o ultra-som é um método cada vez maisutilizado, pouco invasivo e muito esclarecedor quandopositivo. Portanto, todo homem com orquialgia crônicadeve obrigatoriamente ser submetido a uma ultra-sonografia de alta resolução com Doppler coloridodos testículos, para avaliar o próprio testículo e as outrasestruturas do escroto com objetivo diagnóstico edescartar tumor de testículo.

TratamentoDepende primariamente do diagnóstico do fator

causal, porém nem sempre é óbvio. Sintomas de tratourinário baixo, cálculos ureterais distais, hérnia oculta,síndrome do colo irritável e dor referida são algumasdas causas de difícil diagnóstico.

Tratamento conservadorMesmo que não seja feito um diagnóstico espe-

cífico, algumas ações estão indicadas, como: modi-ficação de possíveis fatores predisponentes, terapiacomportamental, apoio psicológico, mudança de há-bitos ou postural. O uso de suspensor escrotal porum período de três a seis meses surge como a pri-meira medida universal nestas situações e pode ajudar.O uso de antiinflamatórios por um período mínimode quatro semanas, associado ou não com antibióticosquando há suspeita de possível infecção crônica. Osgrupos de antibióticos mais utilizados incluemderivados das tetraciclinas e das quinolonas. Apesarde existir pouca correlação entre depressão e dorcrônica, muitos pacientes irão se beneficiar daadministração oral em baixa dosagem deantidepressivos, particularmente os derivados dadoxepina e aminotriptilina, em doses iniciais de 25 a50 mg à noite, que podem ser tituladas caso a caso.Depois desta etapa, pode-se prosseguir combloqueio do cordão espermático com uma misturade 6 mL de 1% de lidocaína sem adrenalina e 1 mLde metil-prednisolona (40 mg/mL). Isto deve serfeito por um anestesista especializado em bloqueioseletivo de nervos. A título informativo, existe umaparelho que se chama estimulador elétricotranscutâneo de nervos (do inglês - transcutaneouselectrical nerve stimulator -TENS), com bons resultados

segundo o próprio autor do trabalho. Outro autorreportou a utilização de bloqueio com anestesia localdo plexo pélvico guiada por ultra-sonografia trans-retal em homens com orquialgia crônica. Este autorafirma que o bloqueio dos nervos periprostáticoscom anestésicos e esteróides foi eficiente em inúmerospacientes.

Tratamento cirúrgico

VaricoceleVaricoceles grau II e III podem causar uma sen-

sação de desconforto, dor persistente. Esta dor qua-se sempre vai desaparecer em posição supina, poisas veias irão colabar. Esta pode ser uma indicaçãode correção da varicocele, após descartadas todas asoutras possibilidades.

Torção intermitente de cordão espermáticoEstes pacientes tem uma história de episódios

de início súbito de dor testicular, como na torçãotesticular aguda. Dor pode ser associada com náu-sea. O testículo pode estar elevado e transverso comum grau variado de alargamento do escroto eedema. No entanto, esta dor desaparece esponta-neamente após um período de minutos a horas.Nestes casos está indicada a orquidopexia dotestículo afetado e preferencialmente a fixação dotestículo contralateral.

Orquialgia pós-herniorrafia inguinalEste quadro pode estar associado com lesão dos

nervos genitofemoral e/ou ilioinguinal por com-pressão dos mesmos. Pode ser resolvido por medidasconservadoras, porém nos casos graves pode-seproceder com exploração inguinal e remoção de su-turas inabsorvíveis e lise de aderências dos nervos, sefor possível sua identificação. O uso de tela de Marlexe semelhantes também pode contribuir para estequadro. A recomendação é pelo uso de suturasabsorvíveis nestas cirurgias.

Síndrome de dor crônica pós-vasectomiaRepresenta um quadro clínico muito desapontador,

comum e de difícil solução. Tem uma incidência deuma para mil vasectomias e, como causas, fatores tais:

a) epididimite crônica congestiva: devido à pressãono epidídimo pela contínua produção de esper-matozóides e fluídos. Tem resolução acima de90% por meio da reversão da vasectomia. Nos

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casos mais graves, pode-se considerar a epididi-mectomia como alternativa, porém 30% a 90%dos pacientes vão continuar com sintomas dedor crônica;

b) granuloma: forma-se a partir da saída de esperma-tozóides do coto testicular da vasectomia. Osespermatozóides são altamente antigênicos quandofora do trato reprodutivo e desencadeiam reaçãoimunológica, formando o granuloma, que podeser doloroso e ter até 2 cm de diâmetro. Podemser removidos; se reincidentes, pode-se prosseguircom vasovasoanastomose.

EpididimectomiaSomente indicada nos casos graves de epididimite

crônica não-responsiva a antiinflamatórios e antibió-ticos. Deve ser amplamente discutida com o pacientee preferencialmente naqueles onde a fertilidade não émais a questão. Quando feita corretamente, é curativae apropriada. Pode comprometer o suprimentosangüíneo do testículo.

OrquiectomiaDeve ser considerada uma medida extrema e obter

aprovação de um fórum de discussão urológico antesde ser realizada. Como é permanente e com respostaimprevisível, muitos autores recomendam que seja evitada.

Denervação total microcirúrgicado cordão espermáticoTem sido considerada uma técnica promissora. Os

índices de sucesso em várias séries pequenas da literaturasão em torno de 80%. A denervação é realizada mobi-lizando-se o cordão espermático, como na varicoce-lectomia microcirúrgica, preservando-se o ductodeferente, vasos deferenciais, artéria testicular e um oudois vasos linfáticos. O objetivo é denervar o testículopor meio da transecção das fibras nervosas do nervogenitofermural. Sob a visão do microscópio micro-cirúrgico, as fibras nervosas espermáticas aparecemcom diâmetro de 0,2 a 1 mm quase transparentes, epodem ser distinguidas dos vasos linfáticos por estriastransversas brancas características.

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