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Associação dos Geógrafos Brasileiros Marechal Cândido Rondon- PR ISSN: 1982 - 8942 Geografia em Questão

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Associação dos Geógrafos BrasileirosMarechal Cândido Rondon- PR

ISSN: 1982 - 8942

Geografia em

Questão

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Editores da RevistaDjoni Roos e Terezinha Brumatti Carvalhal

Revista Geografia em Questão é uma publicação anual da Associação dos GeógrafosBrasileiros, Seção Local - Marechal Cândido Rondon. O periódico publica artigos,resenhas, notas e relatos de pesquisa sobre o conhecimento geográfico. Pretende tambémestabelecer permuta com outras publicações de instituições nacionais e estrangeiras.

Comissão EditorialDjoni RoosDiane Daniela GemelliFernando HeckGabriel Rodrigues da SilvaIvanildo Vieira LimaJoão Edmilson FabriniLeandro Daneluz GonçalvesLeandro Neri BortoluzziMarcelo Dornelis CarvalhalSolange Queiroz RibeiroTerezinha Brumatti Carvalhal

Revisão da língua InglesaStéfano Paschoal

Revisão da língua EspanholaRoselita Beatriz Laismann Lang

Conselho ConsultivoAna Maria Soares de Oliveira – UNESP / AGB – P. PrudenteAntonio Thomaz Júnior – UNESP / AGB – P. PrudenteAntonio Cezar Leal – UNESP / AGB – P. PrudenteAriovaldo Umbelino de Oliveira – USP / AGB – SPDiane Belusso – UNESP / AGB – M. C. Rondon.Douglas Santos – PUE / AGB – SP.Eliane Tomiasi Paulino – UEL / AGB – Londrina.Ivanildo Dias Rodrigues – UNESP / AGB – P. Prudente.João Edmilson Fabrini – UNIOESTE / AGB – M. C. Rondon.João Lima Sant’Anna Neto UNESP / AGB – P. Prudente.Jones Dari Gooettert – UFGD / AGB – Dourados.Jorge Ramón Montenegro Gómez – UFPR / AGB – Curitiba.Léa Francesconi – USP / AGB – SP.Marcelino Andrade Gonçalves – UFMS / AGB – P. Prudente.Marcelo Dornelis Carvalhal – Unioeste / AGB – M. C. Rondon.Marcelo Rodrigues Mendonça – UFG / AGB – Catalão.Margarete C. de Costa T. Amorim – UNESP / AGB – P. Prudente.Matuzalem Bezerra Cavalcante – UNESP / AGB – P. Prudente.Rosemeire Aparecida de Almeida – UFMS / AGB – Três Lagos.Sílvia Regina Pereira – Unioeste / AGB – P. Prudente.Sônia Maria Ribeiro de Souza – Unesp / AGB – P. Prudente.

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Associação dos GeógrafosBrasileiros

Marechal Cândido Rondon - PR

Geografia em

Questão

Número 01 - Volume 1 - 2008

Marechal Cândido Rondon, 2008.

ISSN: 1982 - 8942

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Diretoria Executiva (Gestão 2007/2009)Diretor: Ivanildo Vieira Lima

Vice-Diretor: João Edmilson FabriniSecretários (as): Diane Daniela Gemelli

Leandro Neri BortoluzziTesoureiro: Marcelo Dornelis Carvalhal

Walter Junior FerrariSec. de Publicação: Terezinha Brumatti Carvalhal

Sec. de Divulgação: Djoni Roos

Ficha Catalográfica: Marcia Elisa Sbaraini Leitzke - CRB 9/539

Geografia em Questão / Associação dos Geógrafos Brasileiros.G292 Seção Local de Marechal Cândido Rondon. – v. 1, n. 1. Marechal

Cândido Rondon: Coluna do Saber, 2008.

Anual

ISSN: 1982 - 8942

l. Geografia – Periódicos. I. Associação dos Geógrafos Brasileiros.Seção Local de Marechal Cândido Rondon .I.T

CDD 20 ed. 910.5CDU 91 (05)CIP-NBR 12899

Solicita-se permuta/ Se solicita intercambio/ We ask for echange

Endereço para Permuta:Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local - Marechal Cândido Rondon.Rua Pernambuco, 1777, Centro, prédio da UNIOESTE, CEP: 85960-000Marechal Cândido Rondon – Paraná - Fone: (45) 3284-7870e-mail: [email protected]

Capa: Leandro Daneluz Gonçalves e Leandro Neri BortoluzziTiragem: 300 exemplares

Impressão:EDITORA COLUNA DO [email protected]

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SUMÁRIO/SUMMARY

APRESENTAÇÃO...........................................................................................................7

LA VIGENCIA DEL PENSAMIENTOMARXISTA DE MARIÁTEGUI EN EL SIGLO XXI

THE VIGILANCE MARXIST THOUGHT OFMARIÁTEGUI IN THE TWENTY FIRST CENTURYHarry E. VANDEN..........................................................................................................9

O DESENVOLVIMENTO RURAL EM CUBA:NOTAS DE UM TRABALHO DE CAMPO

EL DESARROLLO RURAL EN CUBA:NOTAS DE UN TRABAJO DE CAMPOEraldo da Silva RAMOS FILHOAngelina Herrera SORZANO..........................................................................................23

CONFLITOS AGRÁRIOS E A AGROINDÚSTRIACANAVIEIRA EM CASTILHO-SP

AGRARIAN CONFLICTS AND THECANA SUGAR AGRICULTURAL INDUSTRYIN CASTILHO CITY, SPDóri Edson LOPES..........................................................................................................47

VILAS RURAIS: UMA NOVA MANEIRADE CONCEBER A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE

‘VILLAS RURALES’: UNA NUEVA MANERADE CONCEBIR LA RELACIÓN CAMPO CIUDADEderval Everson BATISTA...............................................................................................61

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CRISE DO MUNDO DO TRABALHO E OS DESAFIOSPARA A CLASSE TRABALHADORA DIANTE DAREESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITALNO LIMIAR DO SÉCULO XXI

CRISIS DEL MUNDO DEL TRABAJO Y LOS DESAFÍOSPARA CLASE TRABAJADORA DELANTE DE LAREORGANIZACIÓN PRODUCTIVA DEL CAPITALEN EL UMBRAL DEL SIGLO XXINildo Aparecido de MELO................................................................................................79

AS EMPRESAS COOPERATIVISTAS NORUMO DA AGROINDUSTRIALIZAÇÃO

CO-OPERATIVE BUSINESS BOUND FORAGRICULTURAL INDUSTRYDiane BELUSSO.............................................................................................................99

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO...........................................................................111

NORMAS EDITORIAIS..........................................................................................127

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APRESENTAÇÃO

É com grande satisfação que a Associação dos GeógrafosBrasileiros - AGB - seção local Marechal Cândido Rondon apresenta oprimeiro número da Revista Geografia em Questão.

Neste número apresentamos alguns artigos que versam sobrediversas áreas do conhecimento geográfico.

Com sua discussão Vanden nos aproxima de Mariátegui,importante pensador marxista peruano, que com sua análise trouxeum novo modo de pensar o marxismo.

Temos também um relato de trabalho de campo, desenvolvidoem Cuba por Ramos e demais pesquisadores brasileiros e cubanos, afim de fazer um estudo comparativo entre o campo Cubano e Brasileiro.No relato é apresentado uma análise do desenvolvimento do campocubano.

Lopes traz para nossa reflexão a problemática da indústriacanavieira em relação à questão agrária no município de Castilho,noroeste do Estado de São Paulo. Já Batista faz uma abordagem dasrelações Campo-Cidade a partir da análise das vilas rurais.

Melo faz uma análise referente à crise do mundo do trabalho eos conseqüentes desafios para a classe trabalhadora diante dareestruturação produtiva do capital.

Belusso procura compreender os efeitos sócio-espaciais dareestruturação de uma cooperativa agrícola a partir de sua inserção aocomplexo agroindustrial avícola, sendo que de modo específico, buscaentender o conjunto de causas e conseqüências da transformação dosassociados da cooperativa em produtores integrados à agroindústria.

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O conselho editorial aproveita para agradecer aos autores destenúmero e ao conselho científico pela preciosa colaboração.

Agradecemos também a inestimável colaboração de membrosda Seção Local pela contribuição para a concretização da Revista, poisesta publicação representa sem dúvida, etapa vitoriosa no processo deconsolidação da AGB seção Marechal C. Rondon/PR.

Os Editores

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La Vigencia del Pensamiento Marxistade Mariátegui en el Siglo XXI1

Harry E. VANDEN*

Resumen: Ese artículo discute que José Carlos Mariátegui ha sidouno de los más creativos y flexibeles pensadores marxistas del siglopasado. Él consideraba el marxismo un método lleno deinterpretaciones originales no solamente de Marx, pero también denuevas realidades y una miríada de nuevos pensadores y de ideas.Ofreció resistencia a las interpretaciones dogmáticas Stalinistas delmarxismo, que dominaron el internacional comunista y que ahora sehan caído en descrédito total. Él prosperó través de nuevos pensadorese ideas, oponiéndose fundamentalmente al pensamiento dogmático.Como eso, sugiere un tipo de interpretación dinámica del pensamientomarxista – abierto a las nuevas ideas e interpretaciones – lo que esnotablemente necesario en el siglo XXI.Palabras-Clave: Mariátegui, Socialismo, Marxismo Latino-Americano.

Abstract: This article argues that José Carlos Mariátegui was one of themost creative and flexible of Marxist thinkers of the last century. He sawMarxism as a method that was nourished by original interpretations of notonly Marx, but new realities and a myriad of new thinkers and ideas. Hestruggled against the dogmatic Stalininist interpretations of Marxism thatcame to dominate the Communist International and that that have nowbeen roundly discredited. He thrived on new thinkers and ideas and resisteddogmatic thinking. As such he suggests the type of dynamic interpretationof Marxist thought — open to new ideas and interpretations— that ismuch needed in the Twenty First Century.Key-Words: Mariátegui, Socialism, Latin American Marxism.

GEOGRAFIA ISSN: 1982 - 8942EM —————————————————————————————————————————QUESTÃO Nº 01 V. 01 2008 p. 09-22

1 Texto publicado primeiramente na “Revista Peruana de Filosofia Aplicada” (Lima) Ano 11, Número 12. Textocedido e autorizado pelo autor para a publicação na revista “Geografia em Questão”.

*Department of Government and International Affairs, University of South Florida, Tampa, Fl [email protected]

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“El marxismo, donde se ha monstrado revolucionario—vale decirdonde ha sido marxismo—no ha obedecido nunca a un determinismopasivo y rigido.”(José Carlos MARIÁTEGUI, Defensa delMarxismo).

“La historia es duración. No vale la idea perfecta, absoluta,abstracta, indiferente a los hechos, a la realidad cambiente y móvil;vale la idea germinal, concreta, dialectica, operante, rica en potenciay capaz de movimiento.”(José Carlos MARIÁTEGUI,“Aniversario y Balance” en Ideología y Política).

José Carlos Mariátegui murió desde hace más que setenta cincoaños. Era considerado no solamente uno de los mejores pensadoresLatinoamericanos del Siglo XX, pero un gran y muy original pensadorMarxista. Aún así, con la acumulacion de los años, la disaparición delsocialismo en Russia y la Europa Oriental, surge la pregunta — ¿ Esviable el Pensameinto Marxista de Mariátegui en el nuevo siglo? ¿Tienealgo de ofrecer en las condiciones actuales de globalización yneoliberalismo? O sea, ¿Es vigente?

El pensameinto del Amauta perano se fraguó en los años viente—una epoca difícil y no totalmente diferente a los primeros años de estesiglo:

••••• El marxismo no estaba muy de moda••••• Habían pocos paises donde el marxismo dominaba y había

poco tolerancia para las ideas marxistas y socialistas. Incluso hablabande la muerte de marxismo

••••• Los intentos socialistas de tomar poder en Europafracasaron, menos en Rusia

••••• El capitalismo estaba en un periodo de expansiónn y enun fase vigoroso y dominante

••••• Tal sistema de libre comercio se estaba extendiendo sudominación e influencía económica y cultural por todo el globo y estabareemplazando los viejos sistemas economicas y hasta tradicionales conun sistema capitalista cada vez más internacional y expansiva.

••••• El socialismo estaba desacreditado en mucho del mundo

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••••• En cuanto a marxismo que existía, no había ningún acuerdosobre cual de las teorías marxistas era la mejor y por ende, había bastantebusqueda y experimentación con varios variantes.

••••• El Leninismo no predominada— no había tanto enfoque en elllamdo Marxismo-Leninismo

••••• Socialistas de todo tipo admitieron un gran diversidad defuentes intelectuales socialistas y no socialistas, para enriquecer susocialismo

••••• No existía (hasta principios de los años viente) una fuerte,consolidada organización international marxista que dió por decretolo que era y no era el socialismo.

••••• Existían nucleos, grupos y partidos socialistas y marxistasdiversos y independientes.

••••• El dinamismo del imperialismo capitalista sacaba mucha riquezade paises en la América Latina, pero creaba mucho sufrimiento a la vez.

••••• Habían ellos que veía la posibilidad de una gran quiebra en elnuevo sistema finaciero internacional

Fue en este ambiente que se desarrolló el socialista peruano supensamiento. José Carlos Mariátegui se definía como un marxista“convicto y confeso”, sin embargo, fueron muy amplios las fuentes desu socialismo.2 En la “Presentación de Amauta” decía que“Estudiaremos todos los grandes movimientos de renovación políticos, filosóficos, artísticos, literarios, científicos. Todo lo humano esnuestro.” El marxismo de Marx, Engels, Lenin y el socialismocolectivista del las comunidades indígenas del la sierra formaron laslíneas generales de su pensamiento. Pero fueron muchos las fuentesque nutria su ideología creciente y su visión cósmica: la imagen delinca fuerte del pintor José Sabrogal, las masas indias y mestizas delmuralista mexicano Diego Rivera, el indigenismo peruano de LuisValcárcel, el socialismo insurgente, populista y democrático de RosaLuxemburgo y el Sparticusbund de Alemana, el socialismo voluntarista,accionista y ecléctica de Antonio Gramsci y los marxistas italianos.Pero ni esos fueron suficientes— buscaba su poder equitati-vo en

2 Ver H. Vanden, Mariátegui, influencias en su formación ideológica. (Lima: Editorial Amauta, 1975)

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lugares muy diversas: Freud para entender la vida interna de los sereshumanos; Oswald Spengler para comprender la decadencia del mundooccidental capitalista; y Georges Sorel para subrayar la necesidad detomar acción fuerte para cambiar la sociedad. Y se inspiró de las novelasdel francés Henri Barbusse y la feminista rusa Alexandra Kollontai, lalucha antiimperialista de Augusto César Sandino, la organización políticadel Cubano Julio Mella, los planteamentos radicales de RabindranathTagore de la India y la lucha del pueblo chino. Sus fuentes siemprefueron progresistas (a él le gustó el concepto de vanguardia en el sentidoestético y político) y muy amplias y muy diversas. Hasta el día quemurió buscaba nuevas personalidades y ideas para fortalecer susocialismo y su praxis socialista y para crear una cultura amplia para elhombre y la mujer nuevos.

No era un pensador aislado de la vida popular encerrado en unmonasterio hecho de textos sagrados y purificados por el dogmatismo.No padecía de ningún temor de las ideas nuevas, las personalidadesintelectuales fuertes y hasta iconoclastas, o las ideas un pocoheterodoxas. “Dejemos —dijo en “Aniversario y Balance”3— con cuitasestériles y sus lacrimosas metafísicas, a los espiriritus incapaces deaceptar y comprender su época.” Incluso el tenía la valentía de mantenersu marxismo mientras se enfrentaba las viejas ideas consagradas por elvaticano socialista de aquel día (la Internacional Comunista).

Mariátegui utilizaba la actitud audaz del joven periodista quebuscaba lo novedoso en las salones, las cameras de poder y hasta losdormitorios de Lima. En su primera época (su edad de piedra) siemprebuscaba las personas e ideas estimulantes que rompieron con la viejaesquema. Vivía del debate y la búsqueda de ideas y artistas profundas.Siempre le fascinó la vida popular y cotidiana y con el tiempo se nutríade la esencia popular y democrática de las masas, y la cultura popular.Se identificó con los obrer-os, campesinos y indios y sus luchas. Inclusoelogiaba los cuentos populares de Ricardo Palma como la primerainstancia de una literatura nacional.

Puesto que todo el Perú no era compuesto de obreros industrialesen los años viente, buscaba las raíces de su movi-miento revolucionarioen los Quechuas y Aymaras de la sierra, en los campesinos y mineros,3 Publicado en No 17 de Amauta, setiembre de 1928. Está incluido en Ideología y político, tomo 13 de las

Obras Completas.

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en algunos empleados, y en los sectores popu-lares de Lima. Para él, eldemos —el pueblo— era el seno de los movimientos socialistas. Asípredicaba para un partido de las masas con un pequeño grupo yapreparado para darles dirección hasta que podrían asumir su rol deliderazgo en base de la nueva cultura que iban aprendido.

Aún así, su racionalismo y su, al parecer, no ortodoxopensamiento, fue atacado dentro de la izquierda por representantes dela Internacional Comunista. A pesar de que muchas de susformulaciones mostraban una clara influencia leninista, fue descartadobajo el epíteto de nacionalpopulista por un influyente escritor soviético.

A pesar de ser un intemacional marxista, la identidad peruana ylatinoamericana de Mariátegui inclinaron su pensamiento hacia caminosaltamente originales. El fue uno de los primeros en desarrollar unmarxismo revolucionario a partir de la realidad de América Latina.“Pensar en América Latina”, como sugiere Helio Gallardo a losintelectuales comprometidos. Tal “pensamiento” es una “actividad sociohistórico política”4. Tal pensamiento puede aparejarse con la teoríageneral marxista, pero como es un pensamiento histórico, es, por tanto,plenamente consciente de las particularidades que determinan lainmediata realidad. Pensando contextualmente, Mariátegui fue capazde elucidar la realidad peruana y latinoamericana, a la luz de su métodomarxista y el bagaje de experiencias personales e intelectuales que habíaobtenido en Europa y Perú. Se encaminaba hacia un original análisisde su propia realidad. En su libro, La Filosofía Americana comoFilosofía sin más5, el conocido pensador mexicano Leopoldo Zea,cita al maestro de Simón Bolívar, Simón Rodríguez, en cuanto a queAmérica Latina no debe imitar ni a Europa ni a los Estados Unidos,sino que debe ser original. La necesidad de la originalidad en la culturay en la filosofía es especialmente grande, añade Zea. Uno no puedeimitar servilmente sistemas académicos o filosóficos que han sidoimportados de Europa o cualquier otra parte, sea el marxismo o elneoliberalismo. Es necesario pensar, analizar, crear, a partir de la propiarealidad: Sólo de esta manera puede gente -especialment aquelos4 Helio Gallardo, Pensar en América Latina. San José: Editorial de La Universidad Nacional, 1981.5 México: Siglo XXI, 1978.

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sometido al colonización- afirmar su propia cultura y su esencia cargadade mezcla indígena o africana y contribuir a la filosofía y culturauniversales. Mariátegui se esforzaba por analizar e interpretar la realidadperuana a la luz de un sistema intelectual que descansaba en lametodología marxista de análisis, pero la aplicaba así como otrasinnovaciones intelectuales en el contexto de la peculiar realidadperuana. El resultado fue un extremadamente fresco y muy originalanálisis de la realidad peruana, y el comienzo de un auténtico marxismolatinoamericano.

Como el decía en “Aniversario y Balance” en su famosa revista,Amauta,

No queremos cietamente, que el socialismo sea en America calco ycopia. Debe ser creación heroica. Tenemos que dar vida, con nuestrapropria realidad, en nuestro propio lenguaje, al socialismo indo-americano. He aqui una mision digna de una generación nueva(J.C.M., Ideología y Política. !9th edition. Lima: EditorialAmauta, 1990).

Es difícil colocar a Mariátegui dentro de la época histórica en lacual escribía. Había unos cuantos marxistas Latinoamericanos, comoAníbal Ponce, quienes pudieron haber sido más versados en lascategorías clásicas del marxismo europeo y, por tanto, más aptos paraenmarcar sus análisis en la terminología marxista aceptada. Al igualque muchos marxistas posteriores en América Latina, esta visiónmarxista eurocéntrica y clásica, se opuso fuertemente, sin embargo, alos originales análisis in situ (desde el contexto de la realidadlatinoamericana). No habría de engendrar la creación de un pensamientoanalítico marxista latinoamericano, sino que permitiría a loslatinoamericanos emplear un marxismo europeo que (como losanteriores sistemas filosóficos y culturales) no era de su propiahechura. Esto, puede aún argumentarse, sólo contribuiría a perpetuarla dependencia cultural latinoamericana de una nueva - y muchomás sutil— manera.

Mariátegui se preocupa de la situación de los hombres y mujeresen las condiciones históricas de los años 20. Como socialista, estaba

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muy preocupado por la condición de las masas en general, y de losobreros peruanos en particular. El estaba aplicando un método marxistapara penetrar en las esenciales realidades económicas que predominabanen el Perú. La aplicación de la metodología marxista (que se centrabaen factores económicos y de clase), indujo a muchos de suscontemporáneos a criticar su obra por ser una servil aplicación delmarxismo a la realidad peruana y latinoamericana. La aplicabilidad desu método y la claridad de su pensamiento parecían, sin embargo, sugerirla necesidad de interpretaciones más dinámicas.

Los primeros análisis que inició representan uno de los primerosintentos por parte de un intelectual latinoamericano por comprenderlas peculiaridades de la realidad local a través del uso de categoríasuniversales que el desarrollo del pensamiento marxista ofrecía. En tantoel análisis se realizaba a partir de la realidad latinoamericana, fueinfluenciado fuertemente por escritores peruanos progresistas comoCésar Antonio Ugarte, Hildebrando Castro Pozo y Abelardo Solís. Susrespectivos trabajos sobre historia económica del Perú y lascomunidades indígenas de ese país, fueron escritos a partir del contextoperuano y latinoamericano. Mariátegui combinó el trabajo de ellos conel de otros indigenistas radicales como Luis E. Valcárcel (quien despuésse convirtió en uno de los más conocidos antropólogos del Perú), paraformar la base empírica de su estudio sobre la realidad peruana.Enriqueciendo su acercamiento marxista con trabajos como éstos, fuecapaz de comenzar a ver los particularismos aspectos de su realidadnacional, en términos de tendencias universales (como el crecimientodel capitalismo) y la teoría general marxista. Su análisis era unafascinante (aunque no completamente resuelta) síntesis entre laperspectiva proporcionada por el marxismo internacional, la del radicalnacionalismo indigenista que se estaba desarrollado en el Perú y lasideas de muchos mentes creativos de otras tierras. El fue uno de losprimeros en usar el marxismo para reconstruir la historia social yeconómica de América Latina, para que la pobreza y explotación delas masas pudiera comprenderse en términos de relaciones económicasque habían sido impuestas sobre la región por fuerzas foráneas peroque se desarolleron dentro de la realidad latinoamericano. Era una

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tentativa muy peruana de explicar los problemas peruanos en términosuniversales, y aún hacerlo desde una perspectiva peruano-latinoamericana. Mariátegui estaba proporcionando el antecedente parafuturas generaciones de pensadores y analistas sociales peruanos ylatinoamericanos que usarían los instrumentos del pensamientomarxista para entender mejor la realidad de América Latina a partir desu lugar dentro de esa realidad.

El análisis de Mariátegui estaba, pues, lejos de ser dogmático,aunque fue considerado en un artículo del ruso Miroshevsky querepresentaba el estalinismo de cuestionable ortodoxia marxista. Usandouna metodologia marxista precisa, sus análisis de la realidad peruanavieron la existencia simultánea de tres sistemas económicos en el Perú:el feudalismo europeo que implantó España, los remanentes de lascomunidades indias andinas (que él pareció visualizar como lacontinuación de una economía comunista primitiva) y la modalidadeconómica capitalista que se podía encontrar en ciertas áreas costerasque estaban relativamente libres de la dominación feudal del gamonal.Esta fue una original contribución de Mariátegui, y proporcionóexcelentes medios para poder ver una difícil si no de otro modo confusarealidad nacional. Es también un excelente ejemplo de cómo Mariáteguiconecta la teoría marxista a las concretas condiciones nacionales queestaban bajo análisis. Es más, el comprendió el sentido de uno de losprincipales compromisos de la dominación por parte del capitalextranjero: el hecho que, frente a la inversión extranjera, era muy difícilorganizar las prioridades del desarrollo nacional, que reflejan lasnecesidades especificas de la economía nacional.

En otra area, el estaba muy consciente de la preparacióneducativa y cultural que, incluso el más progresista e iluminado de lostrabajadores y campesinos peruanos, habría de necesitar para participarefectivamente en un movimiento socialista. No habría sido necesariorecordarle a Mariátegui que estaba trabajando en una nación endesarrollo que compartía muy pocos de los atributos de las másdesarrolladas naciones europeas, aún cuando estuviera ligada a ellas

6 Ver H.Vanden, “The Ideology of Insurrection,” Capitulo 2 de Tom Walker, ed., Nicaragua in Revolution(New York: Praeger, 1982).

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por el sistema capitalista internacional. Tampoco olvidaría que elnúmero de trabajadores industriales aún cuando fuera en 1929 eratodavía relativamente pequeño. Más bien, pensamos, él vio lapreparación educativa obrera como un medio para preparar el camino(crear las condiciones subjetivas, si se quiere) para una eventualrevoluci6n socialista en el Perú. Este tipo de educación socialistaayudaría a fomentar la conciencia entre el proletariado (urbano y rural)y el campesinado, y más adelante prepararía la “vanguardia obrera”para el rol que eventualmente jugara en el movimiento socialista. Lanaturaleza y el enfoque de Mariátegui sobre la organización partidistay sindical, se clarifica también mucho desde esta perspectiva.

Este aspecto del pensamiento de Mariátegui anticipó un consensocreciente entre los revolucionarios centro y latinoamericanos, luego de lavictoria sandinista en 1979. Es decir, era imperativo para los prospectosrevolucionarios, educar cuidadosamente (y organizar) a las clases explotadasantes de empezar la lucha revolucionaria en toda su magnitud militante.6

El socialismo peruano que avizoró Mariátegui no podía ser, sinembargo, una copia sin vida de otro sistema socialista o una aplicacióndogmática del pensamiento marxista. Debía ser una “creación heroica”;la realidad latinoamericana debía darle vida. Acá comenzamos apercatarnos del especial genio que le dio a los planteamientos deMariátegui tanta fuerza y vigor. Su visión del socialismo europeo y loséxitos y fracasos de la revolución socialista europea, lo habían imbuidode una comprensión profunda de los intrincados caminos para formularuna doctrina socialista y una acción para condiciones nacionalesespecíficas.

En al entonces situación histórica, él concibió que el Perú y AméricaLatina en general eran del todo distintos de los países europeos urbanizadose industrializados sobre los que escribió Marx. El pensaba, entonces, queera tarea de los marxistas revolucionarios, el aplicar creativamente la esenciarevolucionaria de la doctrina de Marx (y las innovaciones de otrospensadores) a la situación histórica concreta en lo inmediato. Sólo de talforma podría la acción revolucionaria ser creada.77 Ver H. Vanden, “Marxism and the Peasantry in Latin America,” Latin American Perspectives, IX, No. 4 (Fall,

1982) y Vanden, National Marxism in Latin America, José Carlos Mariátegui’s Thought and Politics. (Boulder:Lynne Rienner Publishers, 1986).

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Mariátegui hizo sus planteamientos sobre la base de sus propiasinterpretaciones de las obras de Marx, Engels y Lenin, y las de muchosotros escritores, pensadores y actores políticos. No ignoró -no pudohaberlo hecho su propia realidad peruana o las corrientes intelectualesnacionales. Por eso encontramos que una buena parte de su pensamientoestuvo influenciado por González Prada, por la Sierra peruana y porlos movimientos indigenistas radicales que empezaban en Perú. Fue,entonces, una combinación de estos factores, la que cuajó para proveera Mariátegui de una visión única, y que lo capacitó para crear un muyespecial socialismo peruano. Muchos de sus planteamientos hanprobado su brillantez, a menudo no alejada de recientesinterpretaciones del pensamiento marxista basadas en diferentesrealidades (el desaparecido teórico de la revolución de Guiné-Bissau,Amícar Cabral).

Así, si Mariátegui hubiera realizado una estricta aplicación de lateoría clásica marxista o hubiese seguido los ordenes stalinistas, hubiesedejado virtualmente a todos los campesinos fuera de las clasestrabajadoras potencialmente revolucionarias. Del mismo modo, muchosmineros pudieron también haber sido excluidos, puesto que tienenestrechos vínculos con su origen campesino y a menudo trabajan encomunidades rurales aisladas.

Mariátegui se dio cuenta, sin embargo, que la mayor parte de lapoblación peruana estaba involucrada en la agricultura y la minería, yque eran horriblemente explotados. Estaba también enterado de lasnumerosas sublevaciones campesinas que habían ocurrido en Perú.Tampoco escapan a su mente los fuertes resentimientos que loscampesinos ya fueran indios o mestizos albergaban contra losterratenientes y otros miembros de las clases dominantes.Consecuentemente, Mariátegui creía que los campesinos tendían queser una parte esencial de cualquier movimiento revolucionario en elPerú: “El trabajador de la ciudad tendrá que dar el ejemplo,organizándose a sí mismo. Pero no será capaz de ganar la lucha solo, esnecesario que ayudemos a organizar a los campesinos”8. Es de anotar8 “Manifesto a los Trabajadores de la República” Ideología y política, O.C.13, 19a edición, p. 123., ver también,

H. Vanden, “The Peasantry as a Revolutionary Class,” Journal of Inter-American Studies and World Affairs,XX,No. 2 (Mayo, 1978).

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que Amauta y; Labor tenían secciones especiales en las que sediscutían problemas agrícolas y las condiciones de los campesinos eindios rurales, y ambas traían noticias de su lucha por lograr la justicia,así como rasgos sobresalientes de esfuerzos organizativos con estosgrupos a lo largo del país.

Su orientación doctrinaria lo capacitaba para concebir elmovimiento en términos marxistas, pero su flexibilidad, su naturalezainnovadora y su respeto por las condiciones concretas, le permitieronpostular el programa en tan originales y aparentemente justificadostérminos.

Al contrario de la mayoría de marxistas latinoamericanos,Mariátegui se dio cuenta, sin embargo, de que la cultura, la identidad yla explotación de los indios, en las manos de los blancos y mestizos,podía capacitar a los organizadores conscientes para incorporarlos almovimiento revolucionario. A pesar de hacerlo en forma embrionaria,Mariátegui estaba vertiendo la idea de que, si el indio es aceptadodentro del movimiento revolucionario (un indio no occidentalizado,es decir, en sus propios términos), él o ella podrían adherirse a talmovimiento en forma masiva si la persona sintiera que se le estababrindando protección a la lengua y la cultura indígenas.

En efecto, Mariátegui sintió que, una vez el indio se hubieraencaminado hacia el socialismo, se adheriría a él con fervor, puestoque coincidía con la base tradicional de los sentimientos comunales.Un socialismo moderno de tal naturaleza sería, sin embargo,consecuente con las nuevas condiciones históricas y, por tanto, habráde incorporar la moderna ciencia y tecnología occidentales y lasinnovaciones teóricos de muchos partes. Sería esa una manera defusionar el legado del “Comunismo Inca” con la moderna teoríasocialista y el pensamiento y tecnología actuales. Mariátegui parecíahaber estado interpretando la tradicional realidad del Tercer Mundo ala luz del moderno pensamiento marxista. Si su idealizadareconstrucción de la “Edad de Oro” precolonial del Perú no eraenteramente precisa, su apreciación de algunas de las virtudes delcomunalismo tradicional (si no de la sociedad tradicional como tal)fue innovadora. Fue también un paso enorme en la afirmación de la

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esencia tercermundista del Perú y, por tanto, en la negación de lasbases del pensamiento eurocéntrico entre los intelectuales peruanos ylatinoamericanos.

Pero en eso, Mariátegui fue poco común en la América:

...demasiado frecuentemente los discípulos latinoamericanos deMarx no supieron cómo elaborar o resolver la relación dialécticaentre la problemática nacional y el contexto mundial.Consecuentemente y con demasiado frecuencia, sus trabajos parecenser más el eco o comentario de otros planteamientos, que el resultadode la auténtica creación intelectual. (Carlos Altamirano, ElMarxismo en al América Latina, (Buenos Aires: CentroEditor de América Latina, 1972).

Mariátegui ha sido capaz de combinar creativamente una ampliagama de tendencias intelectuales y políticas en un estadio crucial deldesarrollo de la política y las ideas latinoamericanas. El usó suconocimiento y experiencia de largo alcance para fusionar creativamentelas más dinámicas corrientes en el pensamiento y la cultura europeas ylatinoamericana a la creciente conciencia nacional y tercermundistaque se desarrollaba en el Perú y en Latinoamérica.

Por vivir en el Perú y morir en 1930 y por ser indepiente y audáz,Mariátegui luchaba en contra, pero escapó el yugo estalinista que masbien mataba al marxismo en la Union Sovietica y mucho de Europa. Yera este yugo que pesaba en los hombros de un gran mayoría de loslideres y hasta intelectuales marxistas latinoamericanos. El problemaestaba estrecamente ligada a la manera en que desarrolló el marxismoen Rusia —en la Unión Sovietica— al sistema político y la culturapolítica en aquel país, a un marxismo oficialista y dogmática que estabamás cercano al pensameinto de Stalin que lo de Marx, a un marxismoque llegó a ser autoritario y bureaucrático. Era un marxismodeterminista, dogmático y netamente materialista—un marxismo quefaltaba una dimension espiritual y voluntarista. Era, entonces, unmarxismo que estaba en contra de la visión marxista de Mariáteguique era humanista, voluntarista, dinámica, rica en aportes culturales yliterarios, cambiante y ágil en base de un entendiamento especifico delas actuales condiciones concretas de cada país y el desarrollo del

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capitalismo a nivel mundial—un marxismo que tenía una dimensiónespirtual que reconocía la importancia de un fé mas bien religiosa. Yfue precisamente el marxismo estéril y dogmático de Stalin y la peortradición autoritaria rusa que intentó —y por un tiempo logó— acabarcon el marxismo inovador y vivante de José Carlos Mariátegui atravésde las maniobras de la Internacional Comunista (La TerceraInternacional), como por ejemplo en el Primero Congreso de PartidosComunistas Latinoamericanos celebrado en Buenos Aires en 1929, oel articulo crítico de Miroshevski publicado en la revista Cubana,Dialectica en 1943.

A mi parecer, el marxismo de Mariátegui que no coincidó conel stalinalizado leninismo ruso que la Internacional Comunista comenzóa proyectar como la fórmula universal para la revolución socialista,parece haber estado extremadamente bien adaptado a las condicionesnacionales y por ende puede tener una relavancia fundamental a lapolémica actual sobre el futuro del socialismo.

Unos puntos claves de Mariátegui al respecto son:· El Marxismo no es un dogma, es mas bien un método que se

puede usar para estudiar nuevas realidades concretas· Nunca y jamás deben de ser dogmático en la aplicación de

la ideología· La forma que toma el marxismo en cada país en cada época se

base en condiciones específicas y concretas— en la realidad actual (noen las condiciones de un otro país en una otra época)

· Es necesario educar y dar una cultura amplia a la clase obrera ya grupos que puedan formar el movimeinto socialista

· El movimeinto revolucionario tiene que ser amplia y inclusive,pero siempre bien organizado y con un estructura adequada

· Debe de incluir no solmente clases y grupos sociales explotados,pero grupos étnicos y raciales y de mujeres— todos los que tambiénsufren opresión

· Es fundamental crear fuertes organizaciones políticas quepueden utilizar todo el espacio político existente para desarrollar yimplementar sus programas

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· La organización obrera, campesina y de masas es muy importantesi no fundamental para crear un moviemiento amplio y poderoso.

En la medida en que las nuevas generaciones buscan una baseintelectual e histórica sobre la cual moldear una comprensión másadecuada de su realidad y una ideología para cambiarla, creemos quela obra de José Carlos Mariátegui mantiene su vigencia. Y creemos queel mejor honor para el Amauta no será elogiar su figura y escritosciegamente, sino utilizarlos en la construcción de un socialismolatinoamericano que es válido y aplicable a las condiciones que estánsurgiendo de la crisis del socialismo y la crisis del capitalismo neoliberalen los principios del Siglo XXI.

Incluso, se puede decir que las condiciones para forjar un nuevosocialismo flexible, no dogmático, democrático y humanista son óptimasen nuestros días. Por un lado la hegemonía del socialismo stalinista(que intentó asfixiar a la creatividad socialista de personas comoMariátegui) se ha roto definitivamente y ahora no hay un solo modelosocialista filtrado por el autoritarianismo stalinista soviético para elPerú o el resto del mundo9. Por otro lado las contradicciones delcapitalismo se están plasmando en el sufrimiento intensivo de las masascausado por las innovaciones neoliberales capitalistas en AméricaLatina, Europa Oriental, Africa y Asia.

Quizás por la primera vez las condiciones históricaslatinoamericanas son propicias para la creación a nivel continental deun socialismo dinámico, democrático y aplicable a la condicionesactuales. En las palabras de Mariátegui, “he aquí una misión digna deuna nueva generación.”10

Recebido para publicação em 07 de dezembro de 2007.Aceito para publicação em 10 de dezembro de 2007.

9 Y aquí nos recordamos de la lucha de Mariátegui en contra de los “ordenes” doctrinarios que le estaba llegandode la Internacional Comunista en el último año de su vida y la lucha de Hugo Pesce, Julio Portocarrero y losotros compañeros que integraba la delegación de su “heterodoxo” Partido Socialista en el Primer Congreso delos Partidos Comunistas Latinoamericanos (Buenos Aires, 1929).

10 “Aniversario y Balance”, op. cit.

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O DESENVOLVIMENTO RURAL EM CUBA:NOTAS DE UM TRABALHO DE CAMPO

Eraldo da Silva RAMOS FILHO1

Angelina HERRERA SORZANO2

Resumo: Neste texto, apresentamos as notas do trabalho de camporealizado na província La Habana, Cuba, durante a primeira missão detrabalho da cooperação científica internacional estabelecida entre oNúcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA)da Universidade Estadual Paulista – Campus de Presidente Prudentee o Grupo de Estudios de Desarrollo Rural y Local da Facultad deGeografía da Universidad de La Habana. Trata-se da investigação“Estudo comparativo das transformações recentes nos camposbrasileiro e cubano (1995 -2005)” financiada pela Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Ministériode Educação Superior (MES – Cuba). No Brasil, o projeto écoordenado no pelo Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes e em Cubapor Prof. Dr. Roberto Gonzalez Sousa. Neste artigo registramos asentrevistas realizadas com dirigentes dos ministérios, de empresasagropecuárias, cooperativas e camponeses, e, apresentamos osprincipais apontamentos e reflexões que moveram as equipes deinvestigadores brasileiros e cubanos3 durante aqueles 9 dias.Palavras-Chave: Desenvolvimento do Campo; Socialismo;Cooperativismo.

1 Professor Assistente da Universidade Federal de Sergipe, Doutorando em Geografia pela UNESP – Campusde Presidente Prudente e pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária(NERA-UNESP). E-mail: [email protected]

2 Doutora em Ciências Geográficas e Professora Auxiliar da Facultad de Geografia da Universidad de LaHabana. E-mail: [email protected]

3 Participaram do referido trabalho de campo pelo NERA Dr. Bernardo Mançano Fernandes, M.Sc. Eraldo da SilvaRamos Filho, a convidada Drª Alexandrina Luz Conceição, e a equipe cubana formada pelo Dr. Roberto GonzálezSosa, Drª Angelina Herrera Sorzano, Dr. Eduardo Ramón San Marful Orbis e M.Sc. Silvia Díaz García.

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Resumen: En este texto presentamos las notas del trabajo de camporealizado en la provincia de La Habana, Cuba, durante la primera misiónde trabajo de Cooperación Científica Internacional establecida entreel Núcleo de Estudios, Pesquisas e Proyectos de Reforma Agraria(NERA) de la UNESP-FCT y el Grupo de Estudios de DesarrolloRural y Local de la Facultad de Geografía de la Universidad de LaHabana (UH), que busca comparar el Desarrollo Rural en los dos países.La investigación es un “Estudio comparativo de las transformacionesrecientes en los campos brasileño y cubano (1995-2005), financiadapor la Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de NivelSuperior (CAPES) y el Ministerio de la Educación Superior (MES –Cuba). En el Brasil, el proyecto es coordinado por el Prof. Dr. BernardoMançano Fernandes y en Cuba por el Prof. Dr. Roberto GonzálezSousa. En este documento se recogen las entrevistas realizadas condirigentes de los ministerios, de empresas agropecuarias, decooperativas y de campesinos y se presentan los principales notas yreflexiones que guiaron a los equipos de investigadores brasileños ycubanos durante aquellos 9 días.Palabras - Claves: Desarrollo del Campo; Socialismo; Cooperativismo.

Quinta-feira, 06 de Setembro de 2007

1 – CIUDAD LA HABANA - MINISTERIO DE LAAGRICULTURA (MINAG)

Por volta das 8 horas, daquela cálida manhã de outono habaneiro,pela primeira vez, se conheceram todos os pesquisadores (brasileiros ecubanos) integrantes da cooperação. Após uma alegre apresentação,gentilmente conduzida pelo Roberto González Sousa nosso principalanfitrião, adentramos as dependências do MINAG para nossa primeirareunião de trabalho. Fomos recebidos pelos senhores Joan José Leon(JJL) e Luis Oliva (LO), ambos do setor de Relações Internacionais doMINAG. Após nos acomodarmos ao redor de uma ampla mesa redonda,o Sr. Luis Oliva, em um português com forte sotaque angolano, procedeua apresentação dos presentes: ademais dos investigadores estavam a

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Srª. Maria Ana Perez Periche (União Nacional de Acopio –Comercializadora); Srª. Dora Suren (Diretora da Biblioteca do MINAG);e as Srªs Eneida Hernandez Srª. Maribel Espino (Instituto do Tabaco/MINAG).

Em seguida, JJL e LO realizaram uma exposição sobre asalterações ocorridas no campo cubano nas últimas décadas,acompanhada de reflexão sobre as políticas desenvolvidas pelo MINAG.Segundo estes diretores, o desenvolvimento do campo cubano deveser compreendido como resultante de diferentes fatores políticos, dentreos quais se destacam, de forma interrelacionada: a ligação históricaque Cuba teve com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas(URSS) e o bloqueio econômico, finaceiro e comercial imposto pelosEstados Unidos da América (EUA) ao arquipélago.

A partir de 1959, com o triunfo da Revolução, Cuba,gradativamente, estreitou relações com a URSS, aderiu ao blocoeconômico dos países socialistas, o Consejo de Ayuda Mutua Econômica -CAME e assumiu na divisão internacional do trabalho a função depaís produtor e exportador açurareiro, elaborado a partir da cana-de-açucar. Tal produção era elevada e o merdado consumidor garantidopor seu principal parceiro econômico a URSS, compradora da totalidadeda produção a preços elevados, que repassava sob condições contratuaisespecíficas para os países que compunham o referido bloco.

Os níveis de produção e produtividade foram garantidos pelaadesão ao modelo técnico-produtivo-comercial baseado na RevoluçãoVerde da década de 50. O país se especializou na produção monocultorade cana-de-açúcar em larga escala. Decorreu disto uma fortedependência de insumos e implementos agrícolas que eram fornecidos,a preços módicos pela URSS. Chegou-se a importar cerca de 1 milhãode toneladas de fertilizantes, além de pesticidas, tratores e suasrespectivas peças de reposição, petróleo/combustíveis, ração paraanimais, sobretudo, para a pecuária bovina. Os elevados preços pagospelo açúcar garantiram a pujância econômica à custa de fortedependência externa.

Todavia, com a crise da URSS nos anos 80 e declínio do blocosocialista na década de 90, a relação comercial privilegiada desapareceu

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em menos de 1 ano e meio. Junto com ela perdeu-se aproximadamente30% do comércio exterior e, Cuba, deparou-se em uma crise econômico-social estrutural, marcada pela ausência completa de produtos econdições de viabilizar a produção das necessidades da população,momento histórico denominado período especial. Fazia-se necessário umareestruturação profunda e urgente das bases econômicas do país, queimplicou no desafio de convertê-lo de parte de um sistema em umcomplexo de sistemas.

Associado a este processo está o bloqueio econômico impostopelos EUA e suas conseqüências. Para o Sr. Leon, o bloqueio econômicoapresenta-se como uma “verdadeira guerra econômica”. Sua origemremonta o triunfo da Revolução, e promulgação das duas Leis deReforma Agrária, cujo agravamento se deu com fim do bloco socialista.O bloqueio impõe que qualquer produto vendido no mercadointernacional, por qualquer país do mundo, que possua componentesde fabricação norte-americana não pode ser vendido à Cuba sob penade retaliações ao país vendedor. Outra cláusula impõe às empresas decapital norte-americano a proibição de qualquer tipo de relaçãocomercial com Cuba. Proíbe ainda: o ingresso nos EUA de pessoasque estiveram em Cuba; navios que tocaram portos cubanos deaportarem nos EUA; contraditoriamente, enquanto os mexicanos queimigram ilegalmente para os EUA são barrados na fronteira ou presos,os cubanos que o fazem recebem empregos.

1.1 – A Reforma Agrária

O governo revolucionário promulgou a primeira Lei de ReformaAgrária em 17/05/59, instituindo: a) a nacionalização de todas as terraspertencentes às companhias estrangeiras; b) a limitação de até 400 hade terras para os latifundiários; c) a prioridade de destinação das terrasaos agricultores, incorporando ao programa de reforma agrária mais de100 mil famílias.

Neste contexto, a distribuição de terras em Cuba, após a primeiraLei de Reforma Agrária, estabeleceu a seguinte distribuição fundiária:4 Caballería é uma medida de área espanhola, na qual 1 caballeria equivale a aproximadamente 13,4 hectares.

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a) Estado ficou com 40% das terras; b) aos latifundiários (com limitemáximo de até 400 ha) destinou-se 40% das terras agrícolas; c) aoscamponeses destinou-se 20% das terras. A partir desta estrutura, aRevolução redistribuiu terras limitando as áreas sob o controle doscamponeses em até 60 ha, atualmente a extensão máxima de terraspara os camponeses é de 67 ha ou o equivalente a 5 caballerías4. Naquelemomento previa-se que o Estado destinaria gratuitamente aoscamponeses 26 ha de terras e o restante, até o limite estabelecido,poderia ser adquirido mediante o pagamento ao Estado, fato que nuncaocorreu. De acordo com JJL “...em Cuba o Estado repartiu a terra queo camponês podia trabalhar”.

Ainda nos primeiros anos do triunfo Revolucionário, oslatifundiários demonstraram afinidades e atitudes condizentes com ospressupostos contra-revolucionários. Como reação, o governo elaborouuma Segunda Lei de Reforma Agrária, promulgada no dia 31/10/1963que instituiu: a) a nacionalização de todas as áreas, anteriormente,concedidas aos latifundiários cujo limite extendia-se até os 400 ha; b)incorporação destas áreas ao controle do Estado, de modo que esteassumiu o controle de 80% das terras agrícolas; permanecendo oscamponeses com algo entorno de 20%.

Nas terras Estatais foram implantadas as Granjas Estatais que sededicavam, prioritariamente, ao cultivo da cana-de-açúcar, pecuária etabaco, uma vez que não houve êxito com a produção de tubérculos eraízes, mediante a utilização de trabalho agrícola assalariado. Estaconfiguração do campo foi alterada somente no início dos anos 90,frente ao fim da URSS, do intercâmbio comercial supracitado, eacirramento do bloqueio norte-americano.

1.2 – A Organização Camponesa

Antes da Revolução até os primeiros anos do novo regime, oscamponeses estavam organizados por setor de produção agrícola (café,tabaco, pecuária, etc.). Diante da intensidade da luta pela terra e danecessidade de vincular os camponeses na defesa do processorevolucionário, o governo de Fidel Castro e o Partido ComunistaCubano, decidiram promover sua organização em uma única entidade.

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Em 17/05/1961 foi organizada a Associação Nacional deAgricultores Pequenos (ANAP) que congrega os camponeses,organizados produtivamente nas Cooperativas de ProduçãoAgropecuária (CPA) e Cooperativas de Crédito Comercialização eServiços (CCS). Em Cuba, a criação e adesão às cooperativas foramvoluntárias, além do fortalecimento de outros princípios importantescomo a democracia interna, a autonomia e o apoio estatal.

Segundo nossos anfitriões, atualmente existe um total de 466CPA’s que agrupam cerca de 36.463 camponeses e exitem ainda cercade 70 mil camponeses privados, ou seja, aqueles que não aderiram aosistema cooperativista. Por sua vez, as CCS’s recebem do Estado umapersonalidade jurídica para que, a partir da abertura de conta correnteem banco, possam vender máquinas, caminhões, tratores, e outros meiosde produção, em forma coletiva. Esta forma cooperativa tem comoprincípio norteador a eliminação das vendas individuais de implementosaos camponeses, tendo em vista seu caráter anti-econômico.

1.3 – A Mudança de Modelo

Com o advento do período especial, o governo revolucionárioconstatou as limitações e impactos negativos do modelo anteriormenteadotado, sobretudo no tocante à dependência externa e degradação doambiente natural destinado à produção agropecuária. A escassez dealimentos, combustíveis, insumos, implementos agrícolas e peças dereposição levaram o Estado a adotar e criar outro modelo dedesenvolvimento da agricultura. Baseando-se em soluçõesprioritariamente endógenas, o governo revolucionário desencadeou umconjunto de medidas com vistas a gerar o provimento necessário àalimentação da população.

Considerando que em Cuba, há duas categorias de produtoresagrícolas: o campesinato e os trabalhadores agrícolas cooperativados.As antigas Granjas Estatais foram substituídas em 03/10/1993 por umaforma de produção cooperativa denominada Unidade Básica deProdução Cooperativa (UBPC), cuja contratualidade previu: a) a cessãode terras em usufruto gratuito por tempo indeterminado; b) venda pelo

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Estado aos camponeses de máquinas e implementos necessários parao trabalho na terra; c) carência de três anos para realizar o pagamentodos implementos financiados pelo Estado. Atualmente as UBPC’satingiram o número de 1.451 unidades e abarcaram cerca de 1 milhãoe 500 mil ha.

Segundo JJL os trabalhadores das UBPC’s têm suas necessidadesviabilizadas a partir do que produzem e comercializam. Esta formaorganizativa de produção garante a auto-suficiência do país em carnede porco, ovos e café. Todavia, os diferentes sistemas de produçãoexistentes, ainda, são insuficientes para abastecer de alimentos toda apopulação, sendo necessário importar milho, leite, arroz, soja e trigode parceiros comerciais como Brasil e Argentina.

Outra alternativa ao total desabastecimento alimentar, sofridodurante o período especial, foi a realização de estímulos pelo governo aodesenvolvimento da agricultura orgânica nos espaços urbanos vazios.Isto ocorreu devido a alguns fatores: a) escassez de alimentos conformemencionado acima, b) a conformação da distribuição espacial entre80% de população urbana e 20% de população rural; c) inexistênciade recursos financeiros para adquirir no mercado internacional osinsumos químicos destinados à agricultura; c) a necessidade urgentede gerar emprego e as condições alimentares básicas de toda apopulação. Assim surgiu um modelo de produção agrícola, de baseorgânica, denominado de organopônicos.

A estes se denomina toda a forma de produção realizada emespaços cuja área varia entre 2.000 e 5.000m2 não aptos para aprodução agrícola direta. Sempre se utilizam canteiros comcontendedores laterais de diversos materiais (pedra, madeira, pedaçosde telhas, etc) para conter um substrato com matéria orgânica e soloagrícola geralmente proveniente de outros lugares. Os rendimentosagrícolas se fixam em 12 kg/m2/ano. Há ainda os Organopónicos de AltoRendimiento, cujos terrenos possuem mais de um hectare não aptos parao cultivo agrícola direto e cujo destino final da sua produção é a ofertacomercial à população.

Com o desenvolvimento destes pôde-se ampliar a produção degêneros alimentícios com uso de técnicas sustentáveis e sem riscos à

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contaminação das cidades, uma vez que despreza o uso de fertilizantesquímicos e venenos. Produzem essencialmente hortaliças econdimentos, a organização dos agricultores se dá individualmente ouem cooperativas e não há a regulação do Estado que permite, nestesetor, a livre comercialização em centenas de pontos de vendadistribuídos pelo país. A expansão deste modelo se faz necessária nestemomento e o desafio colocado para o MINAG é a expansão dacapacitação dos sujeitos envolvidos neste sistema produtivo.

A difusão de sistemas de produção com base orgânica eagroecológica, no campo e nas cidades, articula-se com os objetivosde ampliar a expectativa de vida da população cubana de 76 anos paraa meta de 80 anos, tendo em vista produção e consumo de alimentossaudáveis. Cuba apresenta hoje uma população absoluta de 11.177.000habitantes, das quais 8.479.000 são urbanos e 2.628.000 rurais o queconfigura uma taxa de urbanização da ordem de 75%. A agriculturaurbana é praticada em uma área de aproximadamente 64 mil ha emtodo o país, ocupando cerca de 325 mil pessoas de um total deaproximadamente 1 milhão de agricultores. A agricultura urbanarepresenta cerca de 10% da produção agrícola nacional.

Também se adotou em 1995, com vistas à superação da crise doperíodo especial, a abertura da agricultura cubana ao capital estrangeiro.Estabeleceram-se cooperações econômico-produtivas em diferentessetores agrícolas, que perpassam a troca tecnológica e/ou produtivacom destaque para: Canadá com a produção de abóboras; China comcultivos de arroz; Brasil na atividade fumicultora e produção de charutose cigarros, mediante a criação de uma empresa mista composta pelogoverno cubano e a Souza Cruz; Espanha, também, na fumicultura eindustrialização de mini-cigarros e cigarros pequenos; Inglaterra emmenor quantidade. A intencionalidade de Cuba ao abrir a economiapara empresas estrangeiras é que estas entrem com capital, tecnologiae mercado para exportação. Este conjunto de medidas levou a produçãoagropecuária de Cuba a um salto qualitativo e quantitativo, pois de umvolume em 1994 de 494 toneladas de produção agropecuária, em 2006o país atingiu 4,5 milhões de toneladas de alimentos.

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1.4 – Planificação da Agricultura e a Segurança Alimentar

Anualmente o Estado elabora, tendo em vista as necessidadesda população, um plano de agricultura para os camponeses individuais,as cooperativas e UBPC’s. Objetiva-se com esta medida garantir asegurança alimentar do país, além de otimizar a venda, por parte doEstado aos agricultores, dos escassos insumos disponíveis, com preçosconveniados. Em contrapartida os produtores obrigam-se a vender parao Estado, através da Empresa Comercializadora de Acopio, 80% desua produção e 20% no mercado livre, mediante preços pré-estabelecidos e fixos. Os produtos que são comprados pelo Estadotêm sua destinação aos serviços essenciais básicos como asilos, escolas,hospitais, fundos de reserva, etc.

A organização do território para produção, mediante contratocom o Estado, prevê que o produtor deve atender o sistema 4.4.4.7.,ou seja, garantir a diversificação do uso da terra com 4 tipos de frutas,4 tipos de grãos, 4 tipos de viandas (banana, batata-doce, mandioca,etc.), 7 variedades de hortaliças. Sempre a referência para implantar oscultivos é a cesta básica do país. Nesse sentido, o Ministério daAgricultura realiza um estudo e aponta indicativos dos produtosnecessários, em seguida entra em acordo com os produtores de modoa evitar a concorrência exagerada e abastecer a população.

Em cada província (equivalente de unidades da federação noBrasil) há uma estrutura estatal da agricultura, com um delegadoresponsável por acompanhar e garantir que o que foi contratado peloEstado seja efetivamente plantado. Ademais, existe uma políticadenominada de balance na qual o Estado, a partir de um planejamento,realiza, com transporte próprio, a redistribuição da produção entre asprovíncias do país. Permanentemente o Estado mantém reservasalimentares para precaver dificuldades advindas da passagem defuracões, seca e outros fenômenos naturais, ou até mesmo a guerra.

1.5 – O Mercado Agropecuário

Há dois tipos de mercados agropecuários:a) Mercado agropecuário estatal (80%) cujos agricultores e

cooperativas tem o preço máximo definido pelo Estado.

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b) Mercado agropecuário não-estatal (20%) regulado pela livreoferta e demanda. O livre mercado de produtos agrícolas foi abertoem 1994 e os gêneros agrícolas devem ser comercializados em pontosde venda específicos distribuídos por todo o país.

c) A comercialização é incentivada, também, mediante arealização de feiras livres em diferentes cidades, sempre no últimodomingo de cada mês.

A resolução nº 01 é atualizada a cada 2 anos e estabelece o preçomáximo dos produtos agrícolas e aqueles que podem ser vendidos nomercado. A meta é ampliar a produção agropecuária, com vista aeliminar a dependência externa de alimentos e garantir a segurançaalimentar para toda a população. Nesse sentido, busca-se ampliar onúmero de camponeses que tenham disposição de lavrar a terra,sobretudo em forma coletiva, destinando aos sujeitos quecomprovadamente têm tradição agrícola toda a superfície agricultávelque demonstrem ter a capacidade de laborar, em usofruto gratuito portempo indeterminado.

Após está reunião caminhamos (todos investigadores) até omercado agropecuário situado há cerca de dois quanteirões do MINAG.Neste local, podemos constatar a lógica de organização deste, bemcomo almoçar um típico prato cubano: congri con carne de cerdo y yuca. Oprincipal tema de nossa conversação, durante almoço, tinha como temase em Cuba há uma questão agrária ou uma questão agrícola?

2 – MINISTÉRIO DEL AZUCAR (MINAZ)

Na parte da tarde tínhamos outra reunião no Ministério doAçúcar. Formos recebidos por Federico Sulroca Dominguez e outroscinco técnicos da instituição, este primeiro seria nosso principal guiano trabalho de campo que realizaríamos no dia seguinte. Com umaargumentação consistente e uma apresentação de slides primorosamenteelaborada, nos brindou com uma palestra que tratou do lugar desteMinistério na agricultura cubana na atualidade. Criado após a Revoluçãorecebeu a atribuição de coordenar e fomentar as atividades produtivasrealizadas pelas Granjas Estatais e viabilizar políticas dedesenvolvimento da economia açucareira.

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Com o advento do período especial a reestruturação dos objetivose metas deste Ministério tornou-se iminente. Alterações estruturaistiveram que ser realizadas em curtíssimo período, sobretudo, porqueera necessário apresentar resultados concretos para a população. Nestecontexto, ocupou-se da elaboração de uma política não apenasaçucareira, mas sim de políticas de produção alimentar; alterou asformas de ocupação dos solos sobre seu controle entregando as terrasdas Granjas Estatais – anteriormente açucareiras - às cooperativas depequenos produtores recém criadas, denominadas UBPC; implementoua transição do modelo de produção moto-mecanizado e agro-químicopara práticas agrícolas orgânicas e biológicas; e os resultados daprodução destinaram-se ao abastecimento nacional, mediante ascontratações realizadas pelo Estado.

Desde 2002 ocupa-se, também, com a pecuária voltada àprodução de carne e leite visando superar a necessidade de importaçãodestes produtos. Outra de suas atribuições são os programas florestais.Em 2005, com a crise energética e os problemas ambientais globais oMINAZ assumiu a atribuição de realizar a produção de bioenergia.

Federico nos fez uma afirmação que iríamos ouvir nos diasseguintes: Que agricultura deve abastecer a população nas suasnecessidades, mas, para que isso ocorra os produtores agropecuáriosdevem ter garantido, primeiramente, o seu bem estar. Este écompreendido como a garantia de um conjunto de bens (comomoradia), serviços sociais, (educação, saúde, etc.) e rendimentosadequados. Com relação a este último, os gêneros agropecuáriosconsiderados como estratégicos e essenciais pelo Ministério, seusprodutores recebem incentivos em pesos convertíveis (CUC)5.

Por exemplo, os produtores de cana-de-açúcar além dos saláriosfixos, recebem um incentivo de 0,45 CUC por tonelada de canaproduzida. Outro produto estratégico é o leite, tendo em vista que seupreço no mercado internacional está elevado e a economia cubanatem dificuldades de comprá-los em divisas, o Estado, através das5 Atualmente, Cuba dispõe de quatro economias, reguladas por igual número de moedas: a) o Peso Cubano, em

que se pagam os salários; b) Peso Convertível (CUC), onde 1 CUC equivale a 0,80 dólares americanos, e 24pesos cubanos equivale a 1 CUC; c) Moeda estrangeira/Dólar ou Euros; d) Contra-valor - unidade dereferência existente no mercado financeiro.

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Empresas, vem incentivando os produtores pecuaristas mediante opagamento dos incentivos para todo litro de leite produzido acima deum patamar mínimo pré-estabelecido pelo Estado.

Nosso anfitrião argumenta, ainda, que os incentivos sãoadendados aos salários. Considerando os níveis gerais dos salários pagosà população, os trabalhadores da agricultura, ligados à estrutura doMINAZ, dispõem de um bom nível salarial, cuja média está entornode 600 pesos cubanos. Para efeito de comparação, os tetos salarais sãopagos aos Ministros de Estado que percebem mensalmente,aproximadamente, 700 pesos cubanos.

Sexta-feira, 07 de Setembro de 2007

3 – MADRUGA EMPRESA AZUCARERA“BORIS LUIS SANTA COLOMA”

Nas primeiras horas da manhã do dia seguinte, a bordo de umacaminhonete e acompanhandos do nosso palestrante da tarde anteriror,tomamos, pela primeira vez, a Autopista Nacional seguida de umarodovia secundária destino ao município de Madruga, província de LaHabana. Ao longo da estrada chamava-nos a atenção placas e outdoorscom frases impressas em defesa da revolução, em qualquer outro paíslatino americano estes espaços estariam tomados por propagandas dastransnacionais. Viajamos por aproximadamente uma hora até a EmpresaAzucarera “Boris Luis Santa Coloma” (EA-BLSC). Aguardava-nos seudiretor, o Sr. Anselmo e outro dirigente.

A reunião foi iniciada com a apresentação do organograma doMINAZ objetivando situar a Empresa na estrutura governamental. Ahierarquia político-institucional está distribuída em quatros níveis: nograu mais elevado está o Ministério do Açúcar, no terceiro grau está oGrupo de Empresas Agropecuárias (GEA), no segundo grau estão asEmpresas Açucareiras cujo papel é realizar a gestão da produçãorealizada pelas cooperativas, a industrialização da produção e prestarassistência técnica; por fim, no primeiro grau encontram-se as CPA’s eCCS’s ambas de caráter privado e as UBPC’s de caráter público.

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A EA-BLSC foi criada após a Revolução Cubana em 1959 e até,aproximadamente, o ano de 1993 especializou-se como centralaçucareira cuja produção exportava-se para os países do blocosocialista. Ainda que, em 16 de agosto de 1960, o Comandante en JefeFidel Castro Ruz, diante de todos coordenadores das cooperativascanavieiras do país, tenha proferido um discurso defendendo comotarefa estratégica a diversificação da agricultura, somente a partir dacrise estrutural de 1994 é que o país reordenou seus sistemas agrícolas,priorizando a produção diversificada de alimentos.

Atualmente esta empresa estatal configura-se como um complexoagroindustrial composto por um centro de gestão administrativa, umacentral de produção açucareira que dispõe de apoio para transporte daprodução realizada pelas cooperativas, uma fábrica de utensílios demadeira a partir do aproveitamento dos resíduos do processamento dacana de açúcar. O complexo produtivo está distribuído entre 9 UBPC’s,7 CPA’s e 1 CCS’s. Dispõe, ainda, de uma fábrica de gelo voltado pararesfriar a água fornecida aos trabalhadores nos respectivos locais ondese realiza o trabalho agrícola, oficina mecânica dentre outros serviços.

Sua meta principal é a intensificação e diversificação da produção,objetivando a produção alimentar com vistas a garantir a auto-sufiênciados trabalhadores agrícolas e abastecer o mercado de alimentoscontratados pelo Estado. E, simultaneamente garantir a produção dacana e processamento de açúcar, tendo em vista a necessidade degeração de divisas a partir da exportação deste produto. Portanto,mediante a intensificação das práticas agrícolas e diversificação daprodução, atualiza-se a tarefa estratégica defendida no primeiro anodo triunfo da Revolução.

Em seguida, dividimo-nos em dois grupos para acomodarmo-nos nos dois jipes russos da década de 60 que nos conduziriam àsvisitas a três unidades produtivas ligadas a EA-BLSC. Assim quecomeçamos o deslocamento, constatamos em ambos os lados da estradauma ocupação do solo bastante variada com cultivos de milho, mandioca,hortaliças, bananas, arroz, malanga, etc. e obviamente cana-de-açúcar.

Os jipes cruzaram um povoado de ruas pavimentadas dispostasperpendicularmente que denunciavam um planejamento prévio.

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Perguntamos que pueblo era aquele e aprendemos com Angelina queem Cuba, os camponeses e trabalhadores das cooperativas foramconcentrados em povoados como forma de garantir os serviços sociaisbásicos como moradia, educação em diferentes níveis, atendimento a saúde,fornecimento de água potável, eletricidade, gás, etc. (Figura 01)

FIGURA 1 – Pueblo de Cooperados da EA-BLSC – Madruga (2007)

Foto: Eraldo da Silva Ramos Filho (Setembro de 2007)

Esta estratégia de produção territorial foi assinalada no discursode 1960 da seguinte forma

No estarán completas las Cooperativas hasta que no hayamos hechoun pueblo en cada Cooperativa donde vivan los cooperativistas.(Aplausos) Con todas las comodidades, tengan las casas, el centroescolar, el círculo social, la tienda del pueblo y, en fin, todo lo que aque detener un pueblo, luz electrica, etcétera. (MINISTERIO DELA AGRICULTURA, 2000)

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3.1 – Cooperativa de Produção Agropecuária Cuba Socialista

Fomos recebidos na sede da CPA Cuba Socialista por suapresidente, a senhora Ana, e outros dirigentes que nos ofereceram umamesa com produtos da terra produzidos pela Cooperativa. Após adegustação das coloridas e deliciosas frutas, a Srª Ana com profundaeloqüência nos apresentou o histórico e estrutura organizativa destaentidade.

A CPA Cuba Socialista foi fundada em setembro de 1999mediante o aporte de lotes por 15 camponeses decididos a organizar aprodução de forma cooperativada. Com o passar do tempo outrosprodutores optaram por entrar no empreendimento, de modo que, acomposição ampliou-se gradativamente até atingir atualmente 72cooperados e uma área de produção de 1.297 ha, dos quais 248 ha(cerca de 19%) destinam-se ao cultivo de cana-de-açucar.

Ao longo do trajeto que realizamos até a sede da CPA verificamosuma ocupação dos solos indicadora dos esforços para o cumprimento datarefa estratégica de diversificação dos cultivos, ao mesmo tempo em que,do ponto de vista dos rendimentos dos cooperados, a cana-de-açúcarassume posição de destaque. A intensidade dos tratos culturais do canavialexcede a capacidade de trabalho das famílias cooperadas o que determinaa necessidade, neste sistema agrícola, de contratação de trabalho assalariado,especialmente, nos períodos de corte da cana.

Os trabalhadores são arregimentados entre os operáriossindicalizados e indicados pela Central de Trabalhadores de Cuba(CTC). Na maioria das vezes, são migrantes temporários das provínciasorientais, região de menor desenvolvimento socioeconômico. Como operíodo do corte da cana se dá entre os meses de janeiro e abril, muitasvezes, estes trabalhadores se encontram em períodos da entre safra nassuas províncias de origem onde podem atuar como plantadores de café ouoperários da construção civil sem trabalho neste período do ano.

No processo de seleção dos trabalhadores são consideradosvários critérios, dentre os quais se destaca a observância da conduta doindivíduo e sua capacidade produtiva. Não são aceitos aqueles quecortam menos de 3 toneladas de cana por dia. A produtividade média

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dos cortadores de cana varia entre 3 e 4 toneladas/dia, havendo algunsdeles que podem cortar até 5 toneladas/dia.

Em períodos de pico, a CPA Cuba Socialista, realiza a contrataçãode até 140 trabalhadores e, destes, cerca de 40 podem permanecer naárea após a safra canavieira, contribuindo com os tratos do canavialou dos demais cultivos. Além da remuneração, a CPA destina-lhes umainfra-estrutura denominada Campamento que se configuram como casasde pequena dimensão, dispostas lateralmente onde habitam ostrabalhadores, que são, geralmente, todos do sexo masculino e faixa etáriavariada. Fornece-lhes, também, alimentação diária (café da manhã, almoçoe jantar) (Figura 2), roupas para o trabalho, botas, ferramentas, atendimentomédico, etc.

FIGURA 2 – Restaurante dos Trabalhadores – CPA Cuba Socialista (2007)

Foto: Eraldo da Silva Ramos Filho (Setembro de 2007)

Questionamos a respeito do árduo trabalho condizente com aatividade laboral do corte da cana e todos os representantes da CPA,MINAZ e EA-BLSC argumentaram incisivamente que à produção decana é atribuído enorme respeito e valor. Fato que se justifica pela

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relevância que a produção de açúcar ocupou durante todo o períodopós-revolucionário, e ainda ocupa na atualidade, em face da participaçãodeste produto nos rendimentos da Empresa e do Estado Socialista. Eo trabalho árduo é valorizado e recompesado com a garantia de elevadosrendimentos e condições de alojamento, alimentação, segurança notrabalho e assistência médica adequadas.

Esta Cooperativa tem se destacado na produção de açúcar, ouseja, geralmente tem cumprido as metas do planejamento estatal, sejaem quantidade de produção, seja em qualidade dos produtos cultivados.Isto faz com que o Estado, a partir da EA-BLSC proporcione estímulospara os cooperados na forma de gratificações em divisas. Outra formade estímulo realiza-se com atividades de lazer (consideradas como dequalidade), um exemplo é quando a cooperativa reúne grupos de famíliae as transporta até a praia para desfrutarem do fim de semana. O Estadogarante o pagamento da hospedagem em chalés à beira mar e refeições.

Foi relatado, ainda, que com o advento do período especial, boaparte das usinas paralisou as atividades e como alternativa aodecorrente desemprego estrutural o governo adotou, junto aostrabalhadores, a política de transformar a atividade de estudos emprofissão. Assim, parte dos atingidos pelo desemprego pode continuarreceber os seus honorários normalmente, quando decidem estudar equalificar-se. Exige-se que os estudos realizados estejam relacionadoscom as demandas da comunidade onde estão inseridos.

Isto é possível porque o Estado realiza cursos de nível técnico esuperior nas cooperativas distribuídas por todo o país, evitando anecessidade de migração de parte da população para estudos. Para lograrêxito realiza aulas e estudos presenciais e à distância mediante omecanismo das teleconferências, dentre outras atividades didático-pedagógicas. Almeja-se com esta política que todas as cooperativas dopaís sejam autosuficientes em profissionais que necessitam para suasatividades. Uma meta é formar em cada comunidade 2 engenheirosagrônomos de forma a construir a autonomia da comunidade nodesenvolvimento produtivo dos respectivos territórios.

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3.2 – UBPC Cayajabo

Após um delicioso almoço oferecido no restaurante dostrabalhadores da CPA Cuba Socialista, embarcamos novamente nosjipes com destino à Unidade Básica de Produção Cooperativa Cayajabo.Nos delocamos por estradas de uma argila vermelha extremamenteúmida, devido as intensas chuvas que caíram dias antes de nossachegada, que formaram amplas poças de água que os jipes venciambravamente.

Fomos recebidos pelo presidente desta unidade produtiva,juntamente com outras senhoras que trabalhavam atrás de birôs demadeira, que tinham diante de si máquinas de escrever. Eram acontabilista e a economista da UBPC, ademais de outros técnicos.Sentimos que nossa presença alterou a rotina da Unidade e, em algunsminutos, a estreita sala foi tomada por vários cooperados.

Esta UBPC é formada por 59 agricultores que trabalham umaárea de 1.048 ha. Configura-se como a maior produtora de cana daprovíncia de La Habana. A divisão social do trabalho organiza-semediante 5 processos: capital humano (valorização da vida humana);agropecuário (produção alimentar da comunidade); canavieiro (voltadoà produção de açúcar); safra e mecanização (uso e manutenção detratores, máquinas e implentos); economia e direção (gestãoadministrativa).

Estimula-se a prática do princípio socialista do trabalhovoluntário: os produtores divididos em 5 grupos doam para a UBPCum domingo de cada mês para a realização de trabalhos prioritáriosnos partidos de cana, na área agropecuária ou no embelezamento daárea. Igualmente como na CPA Cuba Socialista, o corte da cana érealizado apenas por trabalhadores contratados que são remuneradosde acordo com a produtividade individual que pode atingir rendimentosmensais que variam entre 1000 e 1500 pesos cubanos.

A UBPC pratica, para o consumo comunitário, o cultivo de milho,goiaba, banana, especiarias, raízes e tubérculos. (Figura 3) Háprodutores cursando o nível superior em cursos diversos, com destaquepara engenharia mecânica, professor, educação artística e em breve 15

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pessoas iniciarão cursos de nível técnico sempre observando a demandade profissionais na área.

Esta foi a última área visitada neste intenso dia de campo. Doconjunto de unidades produtivas que visitamos ficou-nos uma grandedemonstração do relevante papel que tem cumprido o Estado Socialistano planejamento e ordenamento dos diferentes territórios. Isto sematerializa nos planos de produção, na espacialização dos povoados egarantia dos serviços essenciais oferecidos à população, bem como, naalteração do modelo de desenvolvimento do campo em curso em Cuba,nos últimos anos. Outra evidência marcante é o papel exercido pelamulher nas diferentes unidades produtivas, nas quais assumem funçõesestratégicas na organização, administração, gestão e direção política.

FIGURA 3 – Cultivo de Bananas – UBPC Cayajabo (2007)

Foto: Eraldo da Silva Ramos Filho (Setembro de 2007)

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Terça-feira, 11 de setembro de 2007

4 – INSTITUTO DE INVESTIGACIONES FUNDAMENTALES DELA AGRICULTURA TROPICAL (INIFAT) – CIUDAD LA HABANA

Na parte da manhã realizamos uma reunião de trabalho noINIFAT, fomos recebidos pelo Msc. Agroecólogo Jorge Luis Pozo. Nossointuito era conhecer o desenvolvimento da agricultura urbana no país,atividade dirigida por esta instituição a nível nacional e intregrante daspolíticas do MINAG e de destacada relevância na produção dealimentos em face da grande contribuição à composição da cesta básicadas famílias cubanas.

Compreende-se por agricultura urbana toda atividadeagropecuária que se desenvolve no interior dos espaços urbanos e peri-urbanos, independente dos recuros empregados do grau de participaçãoda comunidade e do destino da produção. Esta política de Estadocaracteriza-se por ser um mecanismo de produção alimentar, alternativaimplementada em face ao desabastecimento decorrente do períodoespecial e, apresenta os seguintes objetivos: a) contribuir com a promoçãoda segurança alimentar da população; b) gerar empregos e renda nascidades (em particular para a mulher); c) melhorar a qualidadeambiental dos ambientes urbanos; d) reduzir a distância entre produtore consumidor; e) substituir importações. f) substituir a cultura da cidademeramente consumidora pela cultura da cidade produtora de alimentos.

A agricultura urbana está estruturada em três sub-programas quese sub-dividem-se da seguinte forma: a) Subprogramas pecuários –Apícola; avícola; cunicultura; ovino-caprino; suinocultura; pecuáriabovina; piscicultura. b) Subprogramas de cultivos – hortaliças econdimentos frescos; plantas medicinais e condimentos frescos; plantasornamentais e flores; frutíferos; cultivo protegido; arroz popular;florestas, café e cacau; banana popular; raízes e tubérculos; oleaginosas;feijões; milho e sorgo. c) Subprogramas de apoios – controle, uso econservação da terra; adubo orgânico; sementes; irrigação e drenagem;alimentação animal; comercialização; pequena agroindústria;capacitação; integração agroecológica.

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Posteriomente à apresentação do programa de agricultura urbanaem Cuba, seguimos para o bairro de Alamar conhecer uma área deprodução considerada referencial na implantação e resultados obtidosem diferentes sub-programas de agriculura urbana.

4.1 – UBPC Alamar – Ciudad La Habana

Fomos recebidos na Unidade Básica de Produção Cooperativapor seu administrador, Sr. Miguel A. Salcines López. Este organopônicoé classificado pelo INIFAT como uma área de excelência e referêncianacional. Localizado a leste da Ciudad La Habana, no distrito deAlamar, situado sobre uma planície cársica de solos vermelhos ferrosos(cambisolos), há 40 metros de altitude, este organopônico se caracterizapor ter uma produção muito diversificada, produção esta que excede20kg/m2, realizando-se até 3 colheitas por ano e onde se aplicamtecnologias não invasivas ou agressivas ao ambiente, fazendo daprodução uma produção sustentável.

Com uma área total de 11ha utiliza uma força de trabalho de142 pessoas, dos quais 38 são mulheres, 14 possuem nível superiror e28 a formação de técnico médio, além de um doutor em CiênciasAgropecuárias. O elevado nível de formação dos seus membros foiapontado como um dos fatores determinantes para o patamar dedesenvolvimento da unidade de produção.

Dentre as tecnologias aplicadas enfatizam-se as práticas orgânicascom a produção de húmus em minhocários e compostagem, e aplicaçãode matéria orgânica. Utiliza-se ainda irrigação, aplicam a energiamagnética e piramidal, intercalam culturas como meio de controlebiológico e utilizam barreiras vivas para evitar pragas (Figura 4).Comercializam a produção através de um pequeno mercado no própriolocal, sendo os consumidores vizinhos da área, como também provindosde locais mais distantes.

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FIGURA 4 – Agricultura Urbana Orgânica – UBPC Alamar (2007)

Foto: Eraldo da Silva Ramos Filho (Setembro de 2007)

Quarta-feira, 13 de Setembro de 2007

5 – SAN ANTONIO DE LOS BAÑOS: UBPC 09 DE ABRIL

Nesta UBPC as equipes foram recebidas pela economistaAngélica Moura, Luis Alberto (enfermeiro), o engenheiro agrônomoda área e o administrador geral. Esta unidade produtiva é formada por386 cooperados e aproximadamente 100 casas. É especializada naprodução de cítricos, como laranja, limão, tangerina, toronja, etc., queocupa uma área de aproximadamente 1.154 há além de 20 a 30 hadestinados ao cultivo de outras frutas como abacate, manga, melão, goiaba,etc. Produz-se também cultivos alimentares, em casas de cultivo de tomate,pepino, variedades de pimenta, abóbora, mandioca, feijão, etc.

O destino da produção é diversificado tendo em vista que oscítricos são vendidos diretamente à Empresa Estatal Ceiba, os produtosalimentares e frutas são destinados ao consumo dos cooperados sendoo excedente vendido para a rede turística de hotéis e restaurantes. Foi

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dado ênfase de que todo trabalho na cooperativa tem centralidade nobem estar do homem. Para os administradores, “lo campesino pobre no sepuede existir! Onde tiene ingresso, tiene resultado social.”. Ou seja, há umapreocupação para que a UBPC 09 de Abril se mantenha apresentandoresultados positivos, de forma que anualmente os cooperados têmrecebido salários, em média, de 15.000 pesos cubanos, rendimentoelevado considerando as médias da sociedade cubana.

A UBPC preocupa-se ainda com a garantia de acesso à estruturacomunitária ampla e diversificada para os membros. Espaços pararealização de reuniões e confraternizações, consultório médico, círculosinfantis e casa de aposentados são alguns dos serviços oferecidos.Outra preocupação estratégica é com a qualificação dos trabalhadoresque têm acesso garantido à educação em todos os níveis, desde quandose deseje estudar.

A UBPC oferece, ainda, créditos para que os cooperados possamconstruir casa com baixo custo, adquirir eletrodomésticos, etc. Todosos trabalhadores devem realizar um check-up médico a cada 6 meses.Em suma, esta UBPC prioriza que os trabalhadores tenham garantidosbons rendimentos, acesso garantido a serviços sociais básicos e espaçofísico adequado para prática do lazer.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho de campo realizado nos distintos territórios nosconduziu à uma ampla reflexão, da qual destacamos:

· O modelo de desenvolvimento do campo cubano,resultante do triunfo da Revolução Socialista, vem sofrendo umconjunto de transformações estruturais, determinadas pelodesmoronamento do campo socialista;

· A direção tomada na última década visa à substituição domodelo da Revolução Verde por práticas agroecológicas que contribuamcom a autonomia na capacidade de produzir os alimentos e produtosque demandam a população cubana, garantindo a segurança alimentar;

· O modelo de desenvolvimento territorial passa pelaplanificação central do Estado Socialista, cujo fundamento essencial é

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o bem estar do homem promovido mediante a garantia de saláriosadequados, direitos e serviços básicos;

· A produção agrícola da Província La Habana éfundamental para o abastecimento da capital nacional Ciudad LaHabana, principal pólo econômico e demográfico.

7 – REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MINISTERIO DE LA AGRICULTURA. Díscurso pronuncíado pornuestro Comandante en Jefe Fídel Castro Ruz el 16 de Agosto de1960, ante los 600 Coordínadores de Cooperativas Cañeras. CiudadLa Habana, 2000.

Recebido para publicação em 19 de janeiro de 2008.Aceito para publicação em 15 de fevereiro de 2008.

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CONFLITOS AGRÁRIOS E AAGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA

EM CASTILHO-SP

Dóri Edson LOPES*

Resumo: Este trabalho apresenta um estudo de caso do município deCastilho-SP com relação aos problemas gerados pela desigual formaçãode sua estrutura fundiária e as conseqüências sociais que isso trouxe.E para que se pudesse entender melhor o problema foi feito um breverelato histórico da questão agrária brasileira e sua injusta distribuiçãode terras. Diante disso é importante analisar as contradições do sistemae os fatores de mudança que daí surgem, e o que nasceu desse processoonde muitos não têm nada e poucos têm muito foram as insatisfaçõespopulares, juntamente a elas as reivindicações por uma melhordistribuição da terra no campo. Assim, é dentro desta perspectiva deluta que analisamos os conflitos agrários no Município de Castilho-SPe seus resultados na reconstrução do território. Considera-se tambémneste estudo o atual avanço do capital agroindustrial e as novas formasde exploração da renda da terra que começam a surgir no territóriocastilhense, onde grandes extensões da superfície passam a ser ocupadaspela monocultura canavieira. Ao mesmo tempo surgem novos desafiose dificuldades aos movimentos sociais que reivindicam a reforma agrárianeste local.Palavras-Chave: Estrutura agrária, Territorialização, Conflitos,Reforma agrária, Capital agroindustrial.

* Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Geografia pela UFMS – CPTL [email protected] .Texto adaptado da monografia intitulada: “O processo capitalista de ocupação do território em Castilho-SP: suascontradições, conflitos e novos desafios em sua reestruturação”, defendida em 2006 para obtenção do titulo deBacharel em Geografia pela UFMS e tendo como orientadora deste trabalho Dr. Rosemeire Aparecida deAlmeida [email protected] , professora adjunta do curso de graduação e pós-graduação em Geografia DCH/CPTL/UFMS.

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Abstract: This paper presents a case study from a city named Castilho,in state of São Paulo, related to problems due to the unbalancedorganization of its agrarian structure and to the social consequencesfrom this fact. To contribute to understand the problem in a betterway, a brief historical report about agrarian culture in Brazil was made,was well as about unequal distribution of land. In this way it is importantto analyze the contradictions in the system and the changes thatoccurred in it. The origin of a situation where many people havenothing, and a few people have a great amount was created, what ledto great popular unrest and demands for a better distribution. Agrarianconflicts occurred in Castilho and the consequences for thereconstruction of the territory will be analyzed from the perspectiveof the fighters. This paper will also consider the advance of agroindustrial capital and the new forms of exploitation of income fromthe land which appear in Castilho’s surroundings, where great extensionsof land are being occupied by monoculture of sugar cane. At the sametime new challenges and difficulties for social movements which asksfor agrarian reforms in this place.Word-keys: Agrarian structure, land demarcation, agrarian reform,agro-industrial capital.

1 – INTRODUÇÃO

Neste estudo pretende-se analisar o processo de ocupação doterritório no Município de Castilho-SP ao longo dos anos, com ênfaseno resgate histórico e na investigação dos fatores de formação da atualestrutura fundiária, bem como discutir a importância dos movimentossociais que lutam pela terra neste município e que é possuidor de umlongo histórico de conflitos, envolvendo de um lado grandeslatifundiários de terras e, de outro, aqueles que buscam umaoportunidade de recriação dentro do sistema.

Apresenta-se assim, nesta pesquisa, um breve relato que procuraevidenciar a maneira como se deu o processo de ocupação do territórioem Castilho-SP formador de uma estrutura fundiária desigual e geradora

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de muitas disputas. Pretende-se ainda analisar os novos desafios queos movimentos sociais têm enfrentado com a chegada da agroindústriacanavieira, o que tem alterado não só a paisagem do município, masprincipalmente as perspectivas daqueles que sonham e lutam pelareforma agrária.

2 – ANÁLISE TEÓRICA DA QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA

Para se discutir e entender melhor a questão agrária em qualquerparte do Brasil é importante analisar o histórico nacional da ocupaçãoe colonização do território brasileiro ao longo dos séculos. O problemaagrário brasileiro nasceu junto com o modelo de colonização adotadopelos portugueses e foi piorando ao longo dos séculos. Os portuguesesusavam o método de concessões de terras na ocupação de sua colônia,método chamado de Sesmarias.

A terra era vista como parte do patrimônio do rei, como domínioda Coroa, e sua aquisição decorria de uma doação pessoal, seguindoos méritos dos pretendentes e os serviços por ele prestados à Coroa(BECKER & EGLER, 1994, p.41).

No final do século XIX o Brasil havia deixado de ser colônia dePortugal, depois de mais de três séculos de exploração, fato que nãosignificou necessariamente o fim das injustiças sociais e das políticasde distribuição desigual do extenso território brasileiro.

No ano de 1850 surgiu a Lei de Terras, determinando que apartir daquele momento todas as terras do Brasil seriam consideradasdevolutas, ou seja, terras de propriedade do Estado, com exceçãodaquelas áreas que o ocupante pudesse legitimar por meio de umdocumento a existência de sua posse antes da implantação da referidalei, o que criou condições para a grilagem de terras; ou pela comprajunto ao Estado, o que transformou a terra em mercadoria.

Para Almeida e Paulino (2000), a criação da Lei de Terras em1850 representa uma espécie de divisor de águas do campesinatobrasileiro, pois quando a terra passa a ser considerada como umamercadoria se evidencia a divisão de classes da sociedade, fazendocom que a diferença deixe de ser étnica (brancos versus negros, índios,

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mestiços) como era comum nos tempos de Sesmarias, e passa a sersomente econômica (ricos versus pobres). Esta condição criou o queMartins (2002) classifica de o “cativeiro da terra”, pois praticamenteaprisionou a classe trabalhadora ao salário.

As plantações de monocultura para exportações como cana-de-açúcar, café e a pecuária, ajudavam a alavancar o processo de ocupaçãodo território brasileiro que avançava pelo litoral em direção ao interiordo país. Segundo Monbeig (1984), nessa época, grandes fazendeiros ecomerciantes puderam acumular muito capital com o comércio de café,o que permitiu a compra e grilagem de muitas terras no estado de SãoPaulo, agravando assim as desigualdades na distribuição das terras.

Mas um fato muito importante, que criou um verdadeiro poçode distância entre os que têm muito e aqueles que nada têm, em relaçãoà estrutura fundiária do Brasil, veio com a ditadura militar e seu planode modernização da agricultura, que também pode ser compreendidocomo plano de expansão do grande capital no campo. Durante esseprocesso aconteceram várias expropriações de pequenos camponeses,o que Graziano da Silva (1981), classifica de “modernização dolorosa”.

O programa político de modernização do campo apresentava noinício da década de 1970 resultados que segundo expressa Grazianoda Silva (1981, p. 80), representa um fenômeno de “engolimento dagrande propriedade diante das pequenas”. Foi nesse período demodernização da agricultura, que o estado de São Paulo viu suadependência por alimentos básicos crescer, mesmo tendo a agriculturamais desenvolvida do país.

Segundo Graziano da Silva (1981, p. 82-83), entre as décadas de1950 e 1970, o estado mais rico da nação teve a produção de arrozdiminuída em 1,9% e a de feijão em 2,4%, sendo que no mesmo períodoa sua população cresceu cerca de 3% ao ano. Este processo analisadoaté aqui se refletiu por toda a parte do Brasil e do estado de São Paulo,se expressando com peculiaridades típicas de cada lugar, mas queenvolvia um mesmo contexto de expropriações. Assim, Castilho-SPtambém sofreu as conseqüências de políticas voltadas a beneficiarpoucos em detrimento de muitos, constituindo, nesse processo suaprópria história.

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3 – A QUESTÃO AGRÁRIA EM CASTILHO-SP

O município de Castilho-SP localiza-se na região Noroeste doEstado de São Paulo, a cerca de 650 km de distância da capital, fazendodivisa com o Estado de Mato Grosso do Sul e a cidade de Andradina-SP. Segundo o Censo 2000, Castilho-SP tem uma população de 14.948habitantes, sendo que 11.959 pessoas são residentes da zona urbana e2.989 pessoas são moradoras da zona rural.

Com grande extensão territorial, uma das maiores do Estado, possuiuma área de 1.094 quilômetros quadrados com uma densidade demográficade 14,07 habitantes. O relevo é de planalto com baixas elevações e oclima tem característica de ser seco no inverno e chuvoso no verão. É ummunicípio cortado pelos rios Rio Aguapeí, Rio Tietê e Rio Paraná.

Figura 1 – Localização do Município de Castilho-SP

Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Castilho>.Acesso em: 7 set. 2006.

A formação desse município se deu primeiramente como formade patrimônio que era conhecido como Vila Cauê, nascida em 1934,da doação de parte de uma fazenda. Logo após a formação dopatrimônio chega a estação ferroviária que em 3 de Março de 1937 éinaugurada levando o nome do engenheiro responsável por suaconstrução, Alfredo de Castilho, nome este que seria dado também a

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pequena vila e que posteriormente seria apenas Castilho, onde em 30de dezembro de 1953 torna-se município.

No início, o município tinha como característica maior a atividadeprodutiva em áreas arrendadas por colonos, estes abriam as matas commachado e tiravam os troncos com picareta, preparavam o solo parareceber a enxada e o arado, depois de tudo pronto, constantemente ofazendeiro arrendava a propriedade para as mesmas pessoas que deramduro para deixar sua fazenda limpa, estes trabalhadores não tinhamalternativa e só lhes restava pagar uma renda, pagar um tributo pelodireito de uso dessas terras.

Nos arrendamentos de Castilho eram produzidos variados produtoscomo banana, milho, café e principalmente arroz e algodão. O trabalhonos arrendamentos era do tipo familiar e por muito tempo esse tipo deatividade agrícola assentada no trabalho dos arrendatários representou amaior fonte de desenvolvimento do município, a prova da importânciaque tinha essa atividade na economia local estava estampada no tipo decomércio que se desenvolveu na cidade. A produção de arroz e feijão ealgodão era tão significativa ao ponto de existirem máquinas de beneficiaresses produtos espalhadas área urbana do município.

Figura 2 – Antiga Máquina de Beneficiar Arroz Santo Antônio, umadas que Estavam Instaladas no Centro da Cidade.

Fonte: Silva (2000, p.50)

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Logo, a opção pelas pastagens por parte dos fazendeiros aliada acrise econômica dos arrendatários significou um duro processo deexpropriação da terra que muita gente foi vítima. Por vezes jagunçosde grandes fazendeiros agiam de forma violenta na expulsão decamponeses, exemplo disso está no caso da fazenda Pendengo,conforme consta em Fernandes (1999, p.144).

Os dados sobre o êxodo rural não deixam dúvidas, que emCastilho houve um intenso processo de expropriação de pequenosprodutores rurais, fossem de suas propriedades, fossem de seusarrendamentos, o fato é que muitos deixaram o campo e foram morarna cidade tendo que se assalariar, pois já não podiam contar com aterra em seu próprio sustento.

Tabela 1 - Distribuição de Habitantes do Município de Castilho-SPao Longo das Últimas Décadas.

Fonte: Secretaria do IBGE de Andradina-SP - Setembro de 2006.

É interessante notar a velocidade de inversão do número dehabitantes entre a zona urbana e a rural nos anos de 1960 a 1980. Emvinte anos a cidade já possuía o dobro de habitantes em relação aocampo. São números do período da ditadura militar e sua política deincentivo aos grandes proprietários e a atividade de monocultura nopaís, classificado por Graziano da Silva (1981) como “modernizaçãodolorosa” e “engolimento das pequenas propriedades pelas grandes”.

A cidade não oferecia condições de vida para tantas pessoas quechegavam do campo o que levou muitos a irem embora de Castilho-SP. E foi essa condição de expropriação de seus meios de produção efalta de perspectivas que acendeu em muitos o desejo e a necessidadede lutar por seu espaço.

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A região de Andradina, onde está localizado o município deCastilho-SP, é um dos locais de gênese do MST no Brasil, e pioneiradesse movimento social no estado de São Paulo.

A história dos conflitos por terra nessa região começa na fazendaPrimavera, localizada entre os municípios de Andradina, NovaIndependência e Castilho. No final dos anos de 1970, posseiros e umfazendeiro que grilava terras entraram em conflito, marcando o queFernandes (1999, p.88) chama de “o início de um processo deorganização do Movimento no Estado”.

Os posseiros se uniram e organizaram formas de reivindicar juntoàs autoridades competentes o direito de continuarem no local ondeeles tiravam o sustento da família.

A vitória dos posseiros da Primavera aconteceu no dia 8 de Julhode 1980, quando o então Presidente Figueiredo assinou o Decretode desapropriação nº 84.877, declarando os 9.385 hectares dafazenda para fins de desapropriação. (FERNANDES, 1985apud FERNANDES, 1999, p. 94).

Para Fernandes (1999, p.97) “a conquista das terras da fazendaPrimavera abriu caminho para novas lutas”. A partir daí o movimentointensifica sua forma de organização e passa a se espacializar pela região,sendo que no início da década de 1980 é realizado em Andradina-SPum encontro com a presença de mais de mil e duzentos trabalhadoresde vários municípios.

Outra experiência importante e que ilustra o início desseprocesso de organização foi vivida pelos ribeirinhos do rio Paraná emCastilho-SP que haviam perdido suas terras devido a construção daUsina Hidrelétrica de Jupiá e o consequente represesamento do rio. Asfamílias reinvidicaram e também saíram vitoriosas, sendo reassentadasno local que é chamado atualmente de Reassentamento Jupiá.

Em Março de 1989 um grupo de cento e trinta famílias ocuparama fazenda Timboré de 3.393 hectares que fica localizada entre osmunicípios de Andradina-SP e Castilho-SP. A fazenda Timboré haviasido vistoriada pelo INCRA e declarada como de interesse social parafins de reforma agrária. O processo de desapropriação dessa fazendaperdurou por muito tempo, mas os trabalhadores saíram vitoriosos.

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Hoje, conforme a secretaria do MST e do SINTRAF regional,existem no município em questão sete acampamentos.1 Segundo oINCRA existem em Castilho onze assentamentos que juntos possuemaproximadamente 10.000 (dez mil) hectares de terras desapropriadase 600 famílias assentadas.

Figura 4 – Acampamento Nova Canaã, em Castilho-SP

Fonte: Trabalho de campo, 2006.

Os conflitos entre os trabalhadores rurais sem terra versus olatifúndio coberto por pastagens começaram a mudar em meados dosanos de 1990, quando a prefeitura do município passou a investir naconstrução de uma Usina de Álcool com recursos próprios, esteempreendimento nunca chegou a ser finalizado devido a problemas deirregularidades em sua construção, mas abriu caminho para a mudançada paisagem e da relação de grandes proprietários com suas terras, queviram nessa iniciativa a possibilidade de ganhos com arrendamentospara a plantaçao de cana-de-açúcar.

1 Dados de 2006.

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No dia 27 de junho de 2006, dez anos depois do início dadestilaria de álcool que nunca funcionou, foi inaugurada a Usina deÁlcool Virálcool, terceira usina de produção de álcool e açúcar doGrupo Toniello, grupo este proveniente da região de Ribeirão Preto/SP, atraído pela mão-de-obra ociosa e terras baratas.

A fértil terra roxa ficou cara demais para um plantio que agoraexige custos cada vez mais baixos. O resultado é que as tradicionaisusinas de Ribeirão Preto estão expandindo suas atividades fora daregião. Calcula-se que mais de 15 projetos serão desenvolvidos noOeste paulista, perto de Araçatuba. (STEFANO, F.3 dez. 2003).

Este empreendimento acelerou em muito o processo de ocupaçãoda cana-de-açúcar que já vinha ocorrendo nas terras do município. Ográfico a seguir dá uma idéia da dimensão que tomou esse tipo demonocultura.

Gráfico 1:

Como se percebe nesse gráfico, a partir do ano de 2005 a áreaplantada com cana-de-açúcar dobrou de tamanho, coincidindo com asobras da usina de álcool Virálcool.

A principal maneira utilizada para o plantio da cana-de-açúcarem Castilho-SP tem sido os arrendamentos, o que tem levado muitos a

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ocuparem as terras que antes estavam ociosas e também levar a outrosa abandonarem antigas atividades, principalmente a criação de gado.Como Castilho representa um importante foco de reivindicações e delutas pela reforma agrária dentro do estado de São Paulo e até mesmodo Brasil, a possibilidade de arrendamento das terras ao capitalindustrial tornou-se uma maneira de manter intocada pelo latifundiárioa propriedade de grandes extensões de terra. Isso porque quando oINCRA é acionado a vistoriar uma determinada fazenda tem comoparâmetro de análise certo nível de produtividade para declará-la comoprodutiva ou improdutiva. Se o último caso se confirmar a área estaráapta a ser desapropriada para fins de reforma agrária. Neste caso osarrendamentos para o plantio de cana-de-açúcar em grandes fazendastêm dificultado o processo de reforma agrária.

Para aqueles que reivindicam uma distribuição mais justa doterritório, a partir desse momento o foco das lutas passa para um novoinimigo, o grande capital agroindustrial ou o chamado agronegócio.Para Renê Parren, coordenador do MST da região de Andradina-SP, otempo também age contra a reforma agrária, pois a cada dia que passamais fazendas estão sendo tomadas pelas plantações canavieiras.

Em Castilho-SP esta nova tendência de polarizar a luta pelareforma agrária entre os movimentos sociais existentes no município eo grande capital industrial da Usina de Álcool Virálcool II começa a semanifestar, prova disso é o caso da fazenda Santo Antônio que possuiuma área de 700 hectares e que havia sido decretada como improdutiva,mas mesmo tendo o processo de reforma agrária em andamento foiarrendada para a plantação de cana.

Outro exemplo é o caso da fazenda Pendengo, lá o INCRAtambém já a decretou como uma propriedade improdutiva e mesmoassim também foi arrendada à usina de álcool Virálcool II para o plantiode cana-de-açúcar dificultando o processo de reforma agrária destafazenda, pois a partir do momento em que o fazendeiro teve suas terrasarrendadas para o plantio canavieiro ele passou a recorrerconstantemente à justiça para retardar o processo de desapropriação,alegando que a área se encontra em atividade produtiva.

Esses são casos que podem demonstrar como vai se revelandoessa disputa pela terra em Castilho-SP e a nova formação do território

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que vai se desenrolando, onde o grande capital se apresenta como umapromessa ideológica de desenvolvimento, mas que ao mesmo tempogera suas contradições. Basta imaginar um cortador de cana-de-açúcarganhando R$ 0,23 (vinte e três centavos) pelo metro de área cortada,segundo os próprios trabalhadores2. Esta discussão efetivada emCastilho-SP, ou melhor, essa ideologia de uma políticadesenvolvimentista, totalmente voltada para a ampliação do trabalhoassalariado por meio do investimento e incentivo ao grande capital, seapresenta como um grave equívoco social, econômico e político. Novascategorias de inclusão e até mesmo de transformação devem serdebatidas e uma delas é a reforma agrária.

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto capitalista de ocupação do espaço e de apropriaçãoda terra como fonte de sujeição de sua renda, onde esta renda é pagapor toda sociedade, bem como de um Estado dominado pelas elites,há que se considerar que a dominação sobre os meios de produção e,consequente exploração do trabalho alheio, tornam-se indispensáveispara a manutenção de tal ordem.

O exemplo que deixa explícito o desejo de uma classe minoritáriadominar uma maioria, no Brasil, fica evidente com o surgimento daLei de Terras de 1850.

Nesse sentido Castilho-SP também foi alvo de uma estruturaçãodo território de forma desigual e injusta. Isso se fez por meio de umprocesso que muitas vezes se apresentou de forma violenta e impondoàs pessoas o trabalho assalariado das cidades como uma única saídapara a sobrevivência.

Diante do enorme êxodo rural verificado nesse município emcurto espaço de tempo, a falta de oportunidades na cidade e o desejodo trabalhador do campo em permanecer em seu habitat, fizeram comque surgissem as condições para que os excluídos tomassem uma posiçãoe se organizassem reivindicando melhores oportunidades na sociedade,lutando pela distribuição mais eqüitativa do território e resistindo a

2 Dados de 2006.

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uma ordem vigente de exclusão. As conquistas referentes a uma melhordistribuição das terras em Castilho-SP, onde o processo deespacialização e territorialização (Fernandes 1999) agiramconjuntamente, deixou o exemplo de que os sujeitos sociais queformam os movimentos de luta pela terra são capazes de transformaro espaço geográfico.

Mas apesar destas inegáveis conquistas, as atuais reivindicaçõesdos acampados que lutam por mais oportunidades começam a enfrentarum novo desafio, agora a luta é também contra o grande capital, quechega travestido de moderno no município em questão e revela-se comomais um obstáculo a ser superado por aqueles que pleiteiam terra paratrabalhar e sobreviver sem ter que se sujeitar as migalhas do trabalhoassalariado no corte de cana-de-açúcar, ou em qualquer outro ramo,onde os salários estão cada vez mais defasados e os trabalhos cada vezmais duros.

Ao concluir este trabalho fica a certeza de que o processo dedesenvolvimento capitalista baseado na concentração do capital e daterra existente no Brasil se reflete em Castilho/SP. Por outro lado essessão fatos que geram em suas contradições as condições para a superaçãode tal ordem, assim a mesma dinâmica que cria uma sociedade desigual,também está criando o “germe de sua destruição” (Marx) e as lutas porum espaço geográfico mais justo em Castilho são o testemunho disso.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 10 de agosto de 2007.Aceito para publicação em 09 de setembro de 2007.

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VILAS RURAIS: UMA NOVA MANEIRA DECONCEBER A RELAÇÃO CAMPO - CIDADE

Ederval Everson BATISTA1

Resumo: Neste artigo, pretende-se analisar um novo modelo de acessoà terra implantado no Estado do Paraná no ano de 1995 pelo entãogovernador Jaime Lerner e suas implicações no espaço rural paranaense,principalmente em relação à dualidade campo/cidade. O objetivo doprograma, segundo dados oficiais de seus idealizadores, era melhoraras condições de vida das famílias dos bóias-frias, proporcionando seuretorno ao campo em um lote de 5000 m2. No total, foram criadas 404vilas rurais em praticamente todos os municípios do estado do Paranácontemplando 15.652 famílias. Para que estivessem aptas a seremvileiras, eram necessários alguns requisitos. Todo o levantamento dosrequisitos era realizado por um quadro técnico composto porprofissionais do governo do Estado e dos municípios que faziam àseleção das famílias que iriam ser contempladas. Os lotes poderiamser pagos em 25 anos em prestações mensais que giram em torno de20% de um salário mínimo. A questão da localização é fundamentalpara a permanência das pessoas nas vilas rurais, pois, perto do perímetrourbano fica mais fácil conseguir um emprego ou mesmo serviço. Já asque se localizam no espaço rural, têm um dificultador, pois a grandemaioria das atividades agrícolas desenvolvidas nas propriedadespatronais, que geralmente trabalham com o agronegócio produzindocommodities, são poupadoras de mão-de-obra, o que acaba dificultandoa sobrevivência no lote. Também a criação das vilas rurais suscitou odebate sobre a relação campo – cidade / urbano – rural, pois, pelotamanho do lote o mesmo não pode ser tributado como rural e cobradoo Imposto Territorial Rural (ITR) e, também, na maioria dos casos oImposto Predial Territorial Urbano (IPTU), pois se localizam fora da

1 Doutorando em Geografia pela UNESP, Campus de Presidente Prudente. Endereço eletrônico:[email protected]

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área do perímetro urbano, não se enquadrando, assim, em nenhumaforma de tributação quer seja ela rural ou urbana.Palavras-Chave: relação campo&cidade, bóias-frias, modernizaçãoagrícola, crise agrária e vilas rurais.

Resumen: En este artículo se propone hacer un análisis de un nuevomodelo de acceso a la tierra en el estado de Paraná en el año de 1995por el Gobernador Jaime Lerner y sus implicaciones en el espacio ruralde dicho estado, principalmente en relación a la dicotomía campociudad. El objetivo del programa, según datos oficiales de susidealizadores, consistía en la mejora de las condiciones de vida de lasfamilias de los peones de campo, proporcionando su regreso al campoen un pedazo de tierra de 5000 m2. Los trozos de tierra podrían serpagados en 25 años, en prestaciones mensuales alrededor del 20% delsalario mínimo. La cuestión de la localización es fundamental para lapermanencia de las personas en las villas rurales, pues vivir cerca delperímetro urbano les hace más fácil lograr un empleo o mismo unservicio. Ya las ubicadas en el espacio rural poseen ciertas dificultades,pues la gran mayoría de las actividades agrícolas desarrolladas en laspropiedades patronales, que generalmente trabajan con el agronegocioproduciendo commodities, ahorran mano de obra, lo que dificulta lasupervivencia en la tierra. De la misma manera, la creación de las villasrurales suscitó el debate sobre la relación campo ciudad / urbano rural,porque por el tamaño de la tierra, ella no puede ser tributada comorural y no se le puede cobrar el Impuesto Territorial Rural (ITR) y,también, en la mayoría de los casos, el Impuesto Predial TerritorialUrbano (IPTU), ya que se localizan fuera del área del perímetro urbano.Así, las ‘villas rurales’ no se encuadran en ninguna forma de tributación,sea rural, sea urbana.Palabras-Clave: relación campo ciudad, peones de campo, actividadesagrícolas.

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1 – INTRODUÇÃO: A DICOTOMIA CAMPO - CIDADE OURURAL - URBANO

O Brasil foi, eminentemente, um país agrícola até a segundametade do século XX. Com isso, a maioria de sua população residia etrabalhava no meio rural. Neste período eram marcantes certasespecificidades que caracterizavam o espaço rural. As famílias eramnumerosas para dar conta das atribuições exigidas para a reproduçãoda unidade familiar, pois, a mecanização era pouca utilizada e o quepredominava era à força de trabalho dos integrantes da família; muitasfamílias concentravam-se num mesmo espaço (propriedade ou não)para conseguir produzir os produtos que as mesmas consumiam. Até oano de 1963 não existiam Leis que permitiam a reprodução do grupofamiliar enquanto trabalhadores rurais em harmonia com osproprietários de terras. Estes fatores propiciavam as condições paraque o país fosse considerado rural e agrícola.

No entanto, a agricultura como vinha sendo praticada já nãoconseguia manter a balança comercial brasileira com superávit, fatoesse que sinalizava a necessidade urgente de mudanças na forma degestão do campo. O contraste entre os dois meios era muito grande.O urbano logo absorvia as novas técnicas e instrumentos, enquanto omeio rural permanecia tradicional e arcaico. As mudanças foramimplantadas com a modernização na agricultura brasileira,principalmente a partir da década de 1960, primeiramente nos estadosdo Centro Sul.

O progresso técnico na produção agropecuária levou a umasimplificação das tarefas agrícolas. Com as operações mecanizadas osestabelecimentos que antes necessitavam de famílias numerosas paradar conta das várias tarefas no dia-a dia da agricultura passaram anecessitar de cada vez menos pessoas.

A modernização praticamente do dia para a noite, arrancou docampo uma considerável parcela da população rural que não maisconseguia trabalho devido à entrada das máquinas no campo. Estapopulação não teve outra saída a não ser migrar para as periferias dosgrandes centros à procura do emprego que não existia nas cidades emcondições de garantir a ocupação para todos.

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As mudanças eram fundamentais para fazer com que a agriculturase tornasse competitiva e também uma área de expansão para ocapitalismo. Contudo, no caso brasileiro, o processo ocorreu rápidodemais. A cidade não era capaz de proporcionar uma condição de vidasemelhante para a totalidade de migrantes que passaram a buscar noscentros urbanos sua reprodução. Um dos maiores êxodos rurais domundo iniciou-se com a modernização e causou uma grande disparidadeentre os seus habitantes.

Devido a grande extensão do território nacional, as mudançasnão ocorreram uniformemente no tempo e no espaço. Com a diversidadee, até mesmo com a não totalidade de absorção por parte do capital detodos os trabalhadores, fato este também responsável pela suareprodução, uma parte significativa da população brasileira(aproximadamente 20%) ainda permaneceu no meio rural.

No entanto, passou a haver uma enorme diferença entre o ruralvoltado para a produção de alimentos destinados ao abastecimento domercado interno, este quase sempre tendo a pequena propriedade e otrabalho familiar como base, e o rural que produz alimentos e matériasprimas destinados à exportação, esta na sua quase totalidadeoperacionalizada pela agricultura patronal ou agronegócio.

Desta forma, “se no passado os processos se davam numasociedade agrária, em que a cidade era subordinada ao campo,atualmente tem lugar uma sociedade cada vez mais marcada porcaracteres urbanos, onde a cidade tende cada vez mais a dominar ocampo” (Queiroz, 1979 p.175), denotando, assim, que as relaçõescampo-cidade no Brasil são atualmente muito mais complexas e ricasdo que no passado.

A partir de meados da década de 1980, segundo (Graziano daSilva, 2002) “assistimos ao surgimento de uma nova conformação domeio rural brasileiro, a exemplo do que já ocorre há tempos nos paisesdesenvolvidos”. Segundo as estimativas, o número de trabalhadoresrurais e famílias dedicadas exclusivamente às atividades agrícolas vêmdecrescendo rapidamente, acompanhado por um crescimento detrabalhadores rurais e famílias ocupadas em atividades não-agrícolas.

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Esta complexidade é entendida por (Graziano da Silva, 2002),como o “novo rural” brasileiro. Há de se ressaltar, no entanto, que estenovo rural não é desenvolvido em todo o território nacional, sobretudopelas suas diversidades. Pode-se dizer que as atividades quecaracterizam este “novo rural” tendem a ser desenvolvidas nasproximidades das grandes cidades, sobretudo pelas suas especificidades.

2 – O ESPAÇO RURAL MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA

As mudanças introduzidas no meio rural, principalmente as quedizem respeito à forma de se produzir (agrícola), somada as pendênciasagrárias ainda não resolvidas, passaram a ser apenas uma das facetasexistentes no espaço rural brasileiro. Apesar das especificidades aindamuito vivas e presentes na agricultura do Brasil, assim como em boaparte dos países em desenvolvimento e que possuem em seu setorprimário parte significativa de sua balança comercial, as relações detrabalho para este setor estão passando por profundas mudanças.

Na atualidade, já não se pode caracterizar o meio rural somentecomo agrícola. “O comportamento do emprego no meio rural não podemais ser explicado apenas a partir do calendário agrícola e da expansão/retração das áreas e/ou produção agropecuárias. Há um conjunto deatividades não-agrícolas que respondem cada vez mais pela novadinâmica populacional do meio rural brasileiro”. (Caiado, 2003).

Esta é uma tendência que vem ocorrendo rapidamente nos paísesdesenvolvidos. Nos Estados Unidos, segundo Abramovay (2000), noano de 1991 havia 1,6 milhões de domicílios agrícolas e 23 milhões dedomicílios rurais não-agrícolas. Em outras palavras, 93% dosdomicílios rurais norte americanos não eram unidades de produçãoagropecuária. Dados semelhantes foram encontrados pelo mesmo autorna França, país europeu com forte aptidão agrícola, onde 90% dosdomicílios em espaço de predominância rural não contam com nenhumtrabalhador agrícola. Os dados demonstram uma nova tendência quevem ocorrendo: apesar do declínio da agricultura o tecido social domeio rural mantém-se vivo e sua trama é enriquecida pelodesenvolvimento de novas atividades, ou seja, o trabalho não-agrícola

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cresce mais que o agrícola no meio rural, sendo, desta forma, o meiorural na Europa visto cada vez menos como espaço fundamentalmenteprodutivo e sim com múltiplas possibilidades.

Já para o caso brasileiro, os estudos coordenados por Grazianoda Silva (2002) demonstram também que o que manteve as pessoasno campo brasileiro não foram somente as atividades agropecuárias,mas, também, as ocupações não-agrícolas, pois, cerca de 1,5 milhõesde pessoas residentes em áreas rurais encontraram novos postos detrabalho em ocupações não-agrícolas entre 1981 e 1999. Nesse processo,

A produção agrícola, cada vez mais mecanizada e poupadora demão-de-obra passa a ocupar cada vez menos o tempo total de trabalhodas famílias rurais, sendo que no ano de 1998, o total das rendasnão-agrícolas já ultrapassava o montante das rendas agrícolasrecebidas pelos moradores rurais. Isso significa essencialmente queas atividades agropecuárias já não respondem pela maior parte darenda da nossa população rural no final dos anos de1990.(Graziano da Silva, 2002 p.45).

Desta maneira, acompanhando o raciocínio da citação e combase nos dados apresentados, pode-se dizer que, se no passado aspessoas que deixavam a atividade agrícola também deixava o campo, apartir dos anos de 1990, uma boa parte dessa população não maisimigrava para as cidades, buscando uma outra forma de emprego nopróprio meio rural, principalmente em áreas rurais próximas eintegradas a grandes centros metropolitanos.

Foi nessas áreas, ao entorno dos grandes centros, consideradatambém como área de transição urbano-rural (Quevedo Neto, 2006)que as pessoas passaram a buscar o rural como ambiente para o lazer erecreação e também para a fuga dos problemas da vida urbana,investindo em chácaras de finais de semana, hotéis-fazenda áreas compesque-pague e coisas do gênero. Estas funções são denominadas porEli da Veiga (2004) como “práticas multifuncionais”, ou seja, novasdemandas sociais que vão dos saudáveis alimentos às diversas formasde lazer ao ar livre, passando pela natureza da água potável ou pelabeleza das paisagens naturais, ou seja, cada vez mais é buscado noespaço rural um “lugar de vida”, (Kageyama, 1998), em vez de apenas

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espaço de produção. A esse respeito, Wanderley (2001) tem opiniãoparecida quando diz que “um meio rural dinâmico supõe a existênciade uma população que faça dele um lugar de vida e de trabalho e nãoapenas um campo de investimento ou uma reserva de valor”.

Paralelamente o homem do campo deixa de ter uma atividadefixa e começa a se configurar como um trabalhador em tempo parcial2,que não mais se ocupa de tarefas exclusivamente rurais, tornando-seum trabalhador pluriativo.

A busca de outras formas de conseguir melhorar o rendimentoda família no meio rural levou muitos agricultores, inicialmente nosestados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, a buscarem napluriatividade3 uma complementação da renda familiar. O modelo édesenvolvido com sucesso na Serra Gaúcha, onde as fábricas ouindústrias estão instaladas no meio rural (principalmente de calçados)possibilitando que membros das famílias residentes no campo alémdas atividades agropecuárias também desenvolvam outras atividades,o que acaba ajudando na obtenção de uma maior renda para a família.

O mesmo modelo também foi desenvolvido em Santa Catarina,onde a indústria têxtil contribuiu para gerar uma outra fonte de empregopara os colonos que se estabeleceram na região do Vale do Itajaí.

Cabe ainda ressaltar que existem formas capitalistas e nãocapitalistas de atividades pluriativas. No caso das indústrias coureiro-calçadistas no RS a reprodução do capital se faz através da recriaçãode formas não capitalistas de produção e trabalho, pois não há o vínculoempregatício com a indústria. Já há casos em que ocorre a simbiose e otrabalhador é ao mesmo tempo um assalariado da indústria, masmantém-se como proprietário rural.

Estas atividades fizeram com que alguns municípiospredominantemente rurais (Feliz – RS, Indaial – SC, Parai – RS, Gasparm

2 Agricultor em tempo parcial é todo aquele que sistematicamente emprega parte de seu tempo e do de suafamília nas lides agrícolas, auferindo alguma renda, quase sempre inferior àquela que regularmente retira de umaoutra atividade profissional ou econômica. (Kageyama In Marcondes, 1962, p. 31)

3 O termo pluriatividade não é um conceito, mas apenas uma noção empírica que corresponde às situações emque a família agrícola não obtém a totalidade de suas rendas da produção agrária primaria nem tampoucodedica à totalidade de seus recursos. Relaciona-se com diversificação de atividades, geralmente em mercadosnão-agrícolas. (Kageyama, 1998). Já para Schneider (1999), pluriatividade, refere-se a uma unidade produtivamultidimensional, onde se pratica a agricultura e outras atividades, tanto dentro como fora da propriedade,pelas quais são recebidos diferentes tipos de remuneração e receitas (rendimentos, rendas em espécie etransferências).

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– SC, Videira – SC e Timbó – SC) aparecessem entre os dez mais bemcolocados municípios em relação ao IDH brasileiro, (Tavares, 2003).

Em geral, segundo dados apresentados por Graziano da Silva(2002), as famílias agrícolas têm sempre uma renda média per capitainferior à das pluriativas. As famílias rurais não-agrícolas têm uma rendaper capita que é quase o dobro da renda das famílias agrícolas e muitosuperiores também à das pluriativas, estando às rendas dasatividades agropecuárias – particularmente das famílias rurais –entre as menores do país.

Um bom exemplo para se obter o desenvolvimento rural foiadotado na Itália. Propiciou a permanência do homem no meio ruralou em cidades de pequeno porte, através da industrialização difusa,ou seja, a instalação de indústria no meio rural para garantir empregopara as pessoas que não precisavam migrar para um grande centro,possibilitando desta forma uma redução da distância social entre oscidadãos rurais e urbanos. As políticas públicas são fundamentais paraa eliminação da pobreza no meio rural, sendo que, o maior objetivodeve ser o de “melhorar a qualidade de vida das famílias rurais, tendocomo meta o pleno exercício da cidadania”. (Graziano da Silva, 2002).

Desta forma, já não se pode pensar o meio rural apenas por suaprodução agrícola, pois, o mesmo deixará de ter como função exclusivaa produção agrícola, passando segundo Schneider (1999), a “ser umespaço polissêmico em que coexistam atividades econômicas denatureza diversa como a própria agricultura, o comércio, o turismorural, o ambientalismo, a lazer, entre outros”.

No continente europeu as novas formas na qual se apresentamo espaço rural, ou a ruralidade, têm levado à condução de políticas dedesenvolvimento com uma lógica territorial em vez de setorial. Novasformas de relação entre o homem e o território vão surgindo onde asnecessidades da produção agrícola são apenas um componente e cadavez menos importante na utilização do espaço, ou segundo Eli da Veiga(2004), está ocorrendo “um renascimento rural”.

No Brasil ainda são isolados os pontos, caracterizando verdadeiras“ilhas” onde o espaço rural pode ser compreendido como um local capazde propiciar não só a manutenção da vida, mas também o“desenvolvimento social” para uma parcela das pessoas que conseguirampermanecer ou adquirir propriedades neste espaço. Isto geralmente ocorre

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nas áreas próximas das grandes cidades ou nas já citadas zonas de transição,onde a proximidade e o acesso fácil permitem a alguns “desfrutar o melhordos dois mundos” (Quevedo Neto, 2006), buscando um ambiente maissaudável para o crescimento dos filhos.

No entanto, devido às especificidades próprias do meio ruralbrasileiro, o mesmo é percebido como um espaço diferenciado, onde amaioria de seu território continua tendo somente a atividade agrícolacomo a única forma de emprego, fato este que acaba contribuindopara a migração para as cidades.

Tomando como exemplo o Estado do Paraná, “no período de1991 – 2000, dos 399 municípios do Estado, 318 ou 80% tinham menosde 20 mil habitantes, nos quais se concentram 26,9% da população,correspondendo a 62% da população rural do Estado”, (Tavares, 2003).Já há casos em que o nível de urbanização, mesmo em municípios comuma área superior a dois mil quilômetros quadrados - Londrina servebem como exemplo, pois tem dados semelhantes a países como aHolanda, Bélgica, Luxemburgo, nações nas quais praticamente foiextinta a população rural -, a porcentagem de pessoas que continuamno meio rural é de menos de 3%. Este percentual só não é menorporque a partir do ano de 2000 ocorreu a construção de cinco vilasrurais no meio rural do município (distrito de Lerroville 46 unidades,distrito de Irerê 80 unidades, distrito de Paiquerê 47 unidades, distritode Guaravera 54 unidades e no Patrimônio de Guairacá com 28unidades). Isto propiciou a permanência de 255 famílias no meio rural,vivendo nas vilas rurais, o que representa aproximadamente 10% dapopulação rural londrinense. Sem contar ainda que o lote, pelo seutamanho, possibilita a construção de outras moradias, sendo comumos filhos que vão contraindo matrimônio irem construindo suas casasno próprio lote, afim de não terem que pagar aluguel. Isso acontecenas vilas rurais próximas a sede do município ou até mesmo dosdistritos, onde se torna mais fácil a busca por um emprego não-agrícola.

3 – O PROJETO DAS VILAS RURAIS: RURAIS NO NOME,URBANO NA ESSÊNCIA

O projeto Vilas Rurais foi concebido no ano de 1994 comoplataforma política do candidato a governador do Estado do Paraná,

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Sr. Jaime Lerner4, tendo como modelo a experiência implantada nacidade de Curitiba de duas vilas como parte do Projeto Rurbanas.Curitiba, aliás, apresenta segundo Tavares (2003), algumasespecificidades, pois, “desde 1980 o município não tem espaço rural,pois, todo seu território faz parte do perímetro urbano. No entanto, Ocenso agropecuário 1995/96 identificou 56 estabelecimentosagropecuários, com intensa atividade”.

O projeto, iniciado no ano de 1995 com financiamento do BancoMundial e do governo do Estado, previa o assentamento de 20.000famílias de trabalhadores volantes (bóias-frias), que constituíam a mão-de-obra da agricultura paranaense. Finalizado o projeto, foramassentadas 15652 famílias em 404 vilas rurais distribuídas por quasetodos os municípios paranaenses. Segundo Ponte, 2002 “as vilas ruraissurgiram como políticas paliativas e serviam para a formação de reservade mão-de-obra e que vinham ao encontro com as necessidades do capital”.

As vilas rurais seriam construídas junto a distritos ou estradasvicinais, o que facilitaria o acesso à escola bem como também ao serviçomédico e também a bens de consumo e serviços. A construção próximaa equipamentos já existentes evitaria novos investimentos.

O que determinaria o tamanho de cada vila rural seria a demandalevantada pela prefeitura municipal bem como o tamanho da áreaadquirida pela mesma. No entanto nenhuma vila possui mais de 100unidades.

Cada lote possui uma área de 5.000 metros quadrados e umacasa de 44,5 m2 toda ela construída em alvenaria. Também possui umainfra-estrutura mínima, ou seja, água encanada e luz elétrica. Emrelação à água, as que foram construídas próximas a distritos ou atémesmo da sede municipal utilizam água encanada da própria rede, oque acaba inviabilizando a utilização da irrigação, já as mais afastadas,foram dotadas de poços artesianos.

Para a seleção das famílias que estariam aptas a serem contempladas,foram mobilizados técnicos de algumas secretarias estaduais quecoordenaram o programa juntamente com as prefeituras municipais.4 O Sr. Jaime Lerner foi governador do Estado do Paraná durante dois mandatos consecutivos, 1995 a

1998 e 1999 a 2002.

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Para poder ser contemplado com um lote em uma vila rural sefazia necessário atender a certos requisitos, tais como: “ser trabalhadorrural volante (bóia-fria); ter experiência agropecuária; idade máxima55 anos; ser morador do município há mais de 2 anos; não possuirimóveis em seu nome; possuir renda familiar de até 3 salários mínimospor mês e ter família constituída com filhos, entre outros”, (sitewww.pr.gov.br). Para averiguar se as informações repassadas pelospretendentes eram verdadeiras, eram realizadas visitas, principalmentepelas assistentes sociais, ao local de moradia que permitiam analisar ascondições de vida de cada família e sua aptidão para o trabalho no campo.

A compra do terreno ficava a cargo das prefeituras municipais.A recomendação era de que fossem consideradas normas técnicas elegais, procurando-se escolher uma topografia com terrenos planos.No entanto, basta percorrer o Estado para perceber que este critérionão foi contemplado, pois na escolha entrou a decisão do prefeito e deoutras pessoas que faziam questão de que o terreno fosse esse e não aquele.Isto fez com que haja vilas rurais em terrenos com alto grau de declividade.

Outro fator que acabou inviabilizando as vilas rurais, além dapouca quantidade de terra, para até mesmo garantir a subsistência dasfamílias envolvidas no programa, dependendo da região do Estadoonde as mesmas são implantadas, diz respeito aos solos. Dependendoda localização, e não são poucos os casos em que isto ocorre, os solossão arenosos, degradados pela erosão, não adequados para cultivo esem profundidade. Oliveira, (2002) cita o caso da Vila Rural Princesados Campos, no município de Ponta Grossa, onde “a área compradapela prefeitura municipal faz parte da pior porção da gleba”.

Ao assumirem a posse do lote, os custos são repassados aosvileiros que assumem um financiamento a ser quitado em 25 anos,com um prazo de carência de 30 meses. Transcorrido este período inicia-se o pagamento das prestações mensais que deverá girar em torno de20% de um salário mínimo vigente, para que, posteriormente, possamreceber o título de proprietário da terra.

O grande problema criado por esta “nova ruralidade” diz respeitoao tamanho da propriedade (5000m2). Pela atual legislação brasileirano tocante ao tamanho mínimo de uma propriedade agrícola (20.000m2), as vilas rurais não poderão jamais ser reconhecidas como área

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rural, já que está abaixo do módulo mínimo exigido pelo INCRA, oque propicia a cobrança do ITR, calculado em ha. No entanto atributação como imóvel urbano IPTU e conseqüentemente em m2,acabaria elevando consideravelmente seus custos e impossibilitaria osvileiros de receberem o título de posse como proprietário rural.

Para tentar solucionar o problema, o Governo do Estado propôs atransformação das vilas rurais em vilas urbanas. Este fato acarretaria sériosprejuízos para os vileiros, pois o lote passaria a ser tributado em m2, o quecertamente inviabilizaria a permanência no lote, pois não conseguiriamsequer pagar os impostos e não mais poderiam tirar nota como produtorrural, fato este indispensável quando da aposentadoria. Também passariama pagar bem mais caro pelas contas de água e energia elétrica.

Este imbróglio ainda esta por ser resolvido, pois, nem os vileirosnem os prefeitos aceitam que as vilas sejam transformadas em espaçosurbanos. As prefeituras teriam que arcar com uma série de benfeitoriasexistentes no perímetro urbano as quais os moradores das vilas ruraistransformadas em urbanas passariam ter direito.

A localização das vilas também é um fator determinante para apermanência das pessoas que lá residem. Quando foram instaladaspróximas aos centros urbanos, sejam sedes dos municípios, de distritosou às margens de alguma rodovia, fatos estes que propiciam a locomoçãopara trabalhos fora do lote, as famílias tendem a permanecer, pela maiorfacilidade em se empregarem em empregos não-agrícolas. Já em casosem que a vila rural foi instalada em regiões desprovidas das infra-estruturas citadas acima, a permanência se torna quase impossível.Como a produção obtida nos lotes não é suficiente nem para o auto-consumo, se faz necessário à complementação da renda familiar comtrabalhos desenvolvidos fora do lote. Como a agricultura hoje é quasetoda mecanizada, fica difícil arrumar serviço nas propriedadeslocalizadas no entorno da vila rural e, sem emprego ou mesmo serviço,não resta outra possibilidade senão “vender o lote” e ir para a cidade.

Deste modo, as vilas rurais localizadas próximas a locais quepermitem o deslocamento das pessoas que necessitam buscar outrasatividades externas ao lote para auferir rendimentos é constante. Assimsendo, Ponte, 2002, p.116 diz que “a pluriatividade é para os vileirosuma estratégia de sobrevivência, pois somente com a produção obtidano lote não conseguiriam a renda necessária para sua reprodução”.

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Este fato, porém, não é pertinente apenas à realidade das vilasrurais ou mesmo do campo paranaense. Kageyama, 1998, assim semanifesta em relação à absorção de membros familiares que precisambuscar empregos fora da propriedade:

Uma família rural agrícola que tenha membros em idade ativadisponível e qualificados para certos trabalhos não-agrícolas nãobasta, obviamente, para desencadear um processo de pluriatividade;é preciso que seu entorno, ou na sua localidade, ou na cidade próximahaja um mercado de trabalho apto a absorver sua força de trabalho.

Como o projeto vilas rurais era um projeto de Governo –colocado em prática pelo governador Jaime Lerner, (1995 – 2002) - enão de Estado, um fator que contribuiu para aumentar as dificuldadesdos vileiros diz respeito à assistência técnica. Enquanto Jaime Lerneradministrou o Estado do Paraná, houve uma maior atenção dos técnicosda EMATER para com as vilas rurais, ficando os demais pequenosproprietários a margem. Com a mudança de governo no ano de 2003,as vilas rurais foram praticamente esquecidas pelos técnicos, pois nãohouve contratação para suprir a demanda, voltando a ter prioridade ospequenos proprietários geralmente vinculados a algum projeto doPrograma Paraná 12 meses5.

Estas dificuldades têm contrariado um dos principais objetivosdo projeto, que era de combater a pobreza e melhorar as condições devida dos trabalhadores rurais e de suas famílias, buscando mantê-losno meio rural. Em alguns municípios onde, devido a fatores como alocalização das vilas rurais a busca de outras fontes de renda atravésde serviços fora do próprio lote também é difícil, é freqüente a buscade ajuda nas Secretarias de Ação Social por cestas básicas, contrariandoos objetivos do projeto, pois, se antes esta população estavaconcentrada nas periferias das cidades, agora foram “jogados para longedas cidades”, (Oliveira, 2002).5 O programa Paraná 12 meses é um projeto do Governo do Estado do Paraná, em parceria com o Banco

Mundial, com o objetivo de contribuir para a melhoria das condições sociais dos pequenos agricultores,proporcionando investimentos em habitação e saneamento básico; recuperação e preservação do solo agrícolae do meio ambiente como um todo; geração de postos de trabalho no meio rural; aumento da renda familiare regularidade que propicie ganhos durante os 12 meses do ano. (informações obtidas no site www.seab.pr.gov.br/pr12 meses).

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Pelos critérios estabelecidos pelas Secretarias do Estadoresponsáveis pela seleção dos que viriam a se tornar vileiros, a quaseexclusividade era dada aos bóias-frias, negligenciando outras formasde trabalhadores rurais como os posseiros, parceiros arrendatários, etc,que também necessitam de políticas públicas que propiciem condiçõespara sua sobrevivência no campo, uma vez que estes nunca saíram domeio rural e sempre buscaram alternativas no próprio meio rural parase manterem. Já muitos bóias-frias, acostumados a vender sua força detrabalho, acabaram “vendendo” o lote e retornando para a periferiadas cidades, onde com o dinheiro da venda do lote da vila ruralacabaram comprando uma “casinha”, coisa que antes não tinham.

Este fato pode ser comprovado na Vila Rural Santa Izabel, nodistrito de Lerroville, uma das cinco vilas construídas no Município deLondrina onde, dos 46 lotes 12 já foram “vendidos”. Apesar dos órgãosEstaduais não permitirem a “venda”, isso ocorre tranqüilamente.Interessante é saber a origem das pessoas que adquirem o lote. Dosdoze comercializados na vila rural Santa Izabel, existem funcionáriospúblicos aposentados, comerciantes que adquiriram para fazer do loteum espaço de lazer nos finais de semana, citadinos já aposentados ecom idade avançada que buscam tranqüilidade e também parceiros earrendatários de café, que procuram um local mais próximo ao distritopara geralmente poderem estudar os filhos, sem com isso terem quemorar distante da sede distrital, mantendo assim os costumes nos quaissempre foram criados.

Desta forma, podemos notar que o projeto de vilas rurais tinhamuitos objetivos, mas somente foi capaz de resolver o relacionado àmoradia. Se anteriormente as famílias selecionadas residiam embarracos nas periferias das cidades pagando um aluguel que acabavatirando parte significativa dos rendimentos que haviam ganhadoenquanto trabalhadores rurais, na vila rural a prestação é pequena(Vinte e sete reais mensais é o que pagam os vileiros da Vila RuralSanta Izabel), sem contar que a energia elétrica é cobrada como sendorural, portanto mais barata e, estes fatores acabam diminuindo o custode vida das famílias que residem nas vilas rurais, em relação assemelhantes que moram nas cidades.

Como as vilas rurais tiveram público alvo os bóias-frias, que nasua quase totalidade já habitavam as periferias de suas cidades de origem,

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já acostumados com os serviços públicos, principalmente no que dizrespeito à saúde e educação, passaram a sofrer as conseqüências porestarem vivendo longe e enfrentando dificuldades para terem acessoao posto de saúde ou até mesmo a escola para seus filhos daremcontinuidade aos estudos, tendo em vista a precariedade ou inexistênciado transporte escolar que os municípios oferecem para a populaçãoque reside no meio rural.

No entanto, o espaço rural brasileiro ainda mantém muitasespecificidades que já foram superadas em outros países. Se em algumasáreas mais próximas dos grandes centros o país já possui algumascaracterísticas de um “novo rural”, que se assemelham ao chamadodesenvolvimento rural, a grande parte do território considerado comoespaço rural ainda mantém problemas relacionados à questão agrária(pois os conflitos de terras ainda não resolvidos são evidentes), e tambémos agrícolas. Não há por parte do Estado brasileiro controle de produçãoe de produtividade por produtos, um preço mínimo garantido nacolheita, uma logística apropriada para garantir o armazenamento dasafra, fazendo com que os produtores obriguem-se a comercializar seusprodutos logo após a colheita a preços menores etc.

Neste contexto, a criação de projetos como as vilas rurais noestado do Paraná, criados para possibilitar a permanência do homemno meio rural e considerado por seus idealizadores como um modelode reforma agrária, não cumpriu com seus objetivos. O projeto teriaque ser mais amplo, tendo em vista a pouca quantidade de terra decada lote (5.000 m2) e propiciado a criação de pequenas empresas ouindústrias no meio rural para garantir emprego para membros das famíliasdos vileiros, possibilitando assim sua permanência no meio rural. Faltoutambém continuidade por parte do governo do Estado em relação àassistência técnica. Já os municípios, responsáveis pela manutençãodas estradas de acesso e também pelas que ficam dentro das própriasvilas, não estão conseguindo deixar as mesmas em condições de uso,dificultando assim não só a permanência enquanto vileiros, mastambém sua existência enquanto cidadãos no meio rural, pois, emalguns casos estão cerceados do direito de ir e vir, ficando sitiados emseu lote nos períodos de chuvas mais intensas.

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4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espaço rural brasileiro vem passando por mudanças significativasao longo dos tempos. Se o chamado Complexo Rural tinha nas formas deprodução a presença do homem como principal fornecedor de mão-de-obra, com o Complexo Agroindustrial entra em cena as máquinas querevolucionaram o processo produtivo e conseqüentemente expulsou umaquantidade enorme de homens do espaço rural.

Apesar disso, aproximadamente 20% da população brasileira aindainsiste em permanecer no meio rural, fazendo deste seu local de moradia,mesmo tendo que buscar nas áreas urbanas o emprego perdido no campo.

Essa nova maneira de permanecer no campo sem, contudo, sofrera expropriação do mesmo é cada vez mais desenvolvido em áreaspróximas aos centros urbanos que oferecem uma infra-estrutura (meiosde acesso e principalmente transporte coletivo) capaz de propiciaremo deslocamento diário para o trabalho.

Essa área de transição, franja urbana ou espaço periurbano sãoos locais onde melhor de desenvolvem essa junção do urbano com orural, ou vice-versa, propiciando que as pessoas que aí vivem desfrutaro melhor dos dois mundos.

No caso das vilas rurais, a concepção de criação das mesmasvisava atender um determinado público que outrora fora expulso docampo pelo processo de modernização da agricultura.

As vilas rurais construídas próximas às sedes municipais fazemcom que as pessoas buscassem um emprego urbano e desta formacontinuassem a viver no espaço rural, tendo em vista a quase nãoexistência de empregos agrícolas no espaço rural.

Já no caso das construídas longe do perímetro urbano, as pessoasnão conseguem obter trabalho nem na agricultura e tão pouco na cidadedevido à dificuldade de deslocamento. Este fato faz com que “vendam”a vila, geralmente para pessoas aposentadas que buscam um localtranqüilo para viver, ou ainda para pessoas com um bom poderaquisitivo que as compram para possuírem um local onde possam passaros finais de semana.

O caso específico das vilas rurais implantado no estado do Paranápode ser entendido como um modelo de projeto que, apesar de ruraisno nome tem a essência urbana pois, para que ocorra a reprodução dogrupo familiar todos os membros da família em idade de trabalho

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precisam buscar emprego na maioria dos casos em atividades urbanas,deixando claro que no meio rural, somente a agricultura já não é capazde suprir a demanda de mão-de-obra da pequena porcentagem depessoas que lá residem, apesar da grande quantidade de terras, muitasdas mesmas ainda ociosas, fato este que poderiam oferecer muitospostos de trabalhos no meio rural.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 09 de julho de 2007.Aceito para publicação em 27 de agosto de 2007.

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CRISE DO MUNDO DO TRABALHO E OSDESAFIOS PARA A CLASSE TRABALHADORA

DIANTE DA REESTRUTURAÇÃOPRODUTIVA DO CAPITAL NO LIMIAR DO

SÉCULO XXI

Nildo Aparecido de MELO*

Resumo: A crise do mundo do trabalho deve ser entendida numcontexto de reestruturação do modo capitalista de produção, no bojoda crise do modelo fordista/taylorista de desenvolvimento a partir dadécada de 1970. O movimento de reestruturação do capitalismo épermeado por ações que visam a retomada da acumulação/reproduçãode capital, engendradas pela globalização econômica e financeira daeconomia mundial, pela aplicação de políticas neoliberais e pelautilização de novas tecnologias no processo produtivo. Com isso, omundo do trabalho passa por um processo de deterioração/desestruturação, com a fragmentação da classe trabalhadora e aprecarização das condições e relações de trabalho (através do aumentodo desemprego e da informalização do trabalho). Essas transformaçõescolocam desafios aos trabalhadores, como a necessidade de renovaçãoda representatividade partidária e sindical e a emergência de uma novaunião de classe para fazer frente ao capital reestruturado neste iníciode século XXI.Palavras-Chave: fordismo; trabalho; emprego.

Resumen: La crisis del mundo del trabajo debe de ser entendida enun contexto de reestructuración del modo capitalista de producción,en el ámbito del modelo fordista/taylorista de desarrollo a partir de ladécada de 1970. El movimiento de reestructuración del capitalismoes entremediado por acciones que tienen por objetivo la retomada de* [email protected] FCT/UNESP, Presidente Prudente-SP – Pesquisa sobre a “Evolução e a

dinâmica do mercado de trabalho formal de Presidente Prudente no período de 1996 a 2006”.

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la acumulación/reproducción de capital, engendradas por laglobalización económica y financiera de la economía mundial, por laaplicación de políticas neoliberales y por la utilización de nuevastecnologías en el proceso productivo. Con eso, el mundo del trabajopasa por un proceso de deterioración/ desestructuración, con lafragmentación de la clase trabajadora y la precariedad de las condicionesy relaciones de trabajo (a través del aumento del desempleo y de lainformalidad del trabajo). Esas transformaciones proponen desafíos alos trabajadores, como la necesidad de renovación de larepresentatividad partidaria y sindical y la emergencia de una nuevaunión de clase para hacer frente al capital reestructurado en este iniciodel siglo XXI.Palabras-Clave: Fordismo, trabajo, empleo.

1 - INTRODUÇÃO

A crise do fordismo, a partir da década de 1970, engendrou ummovimento de reestruturação do capitalismo contemporâneo, atravésdo desencadeamento de ações no sentido da retomada da acumulação/reprodução do capital, tais como a globalização econômica e financeira,a consolidação e implementação de políticas neoliberais e a aplicaçãode novas tecnologias no processo produtivo, configurando-se comouma nova revolução industrial e tecnológica, com conseqüências sobrea organização do trabalho na produção e do mundo do trabalho e noredimensionamento do processo produtivo.

O (res)surgimento de “novas/velhas” formas de trabalho (comoestratégia seletiva do capital em seu processo de reprodução), como otrabalho parcial, por tempo determinado, terceirizado, entre outras,apontam para a precarização e deterioração das condições e relaçõesde trabalho

Esse movimento também configura a fragmentação da classetrabalhadora, suscitando reflexões acerca da centralidade do trabalhohoje e colocando desafios aos trabalhadores, como a necessidade derenovação das formas de representatividade sindical e partidária e a

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emergência de uma nova união/consciência de classe na retomada dopoder coletivo de luta dos trabalhadores diante do capital reestruturadono limiar do século XXI.

2 - CRISE DO FORDISMO E REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA

O fordismo constituiu-se no modelo de desenvolvimento seguidopelos principais países capitalistas no pós-guerra, apresentando umaconfiguração mundial que o tornou hegemônico, devendo ser analisadosob três aspectos diferentes, porém concomitantes: um paradigmatecnológico ou modelo de industrialização, um regime de acumulaçãoe um modo de regulação.

O conceito de economia fordista nasceu de trabalhos realizadospela “escola francesa da regulação” a partir da segunda metade dadécada de 1970 - principalmente pelas análises econômicas de Lipietze Leborgne -, sobre as décadas de crescimento econômico ininterruptosdo capitalismo (os anos dourados) e os mecanismos reguladores quepossibilitaram a saída da crise econômica com bem-estar-social.Portanto, o modelo de desenvolvimento é apresentado como umatentativa de solucionar contradições inerentes ao funcionamento docapitalismo, decorrentes de seu caráter inexoravelmente mercantil.

O modelo de desenvolvimento fordista possibilitou a retomadado processo de acumulação/reprodução do capital no pós-guerra euma prosperidade sem precedentes na história do capitalismo, além daconstituição de Welfare States nos países capitalistas avançados, coma articulação entre políticas sociais de bem-estar-social e a busca do“pleno-emprego” no mercado de trabalho (expressão de umredimensionamento das relações capital/trabalho e uma aliança declasses relativamente favorável aos trabalhadores).

No que tange a estruturação e formalização do mercado detrabalho, “por conseqüência, o mercado de trabalho tornou-se menosheterogêneo, com pouca diferenciação salarial, baixo desemprego e maiorestabilidade nos contratos de trabalho” (POCHMANN, 1.999, pág. 33).

Segundo Bihr (1999, pág. 43), essa nova dimensão das relaçõescapital/trabalho, representada pela aliança de classes no pós-guerra,

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ensejaria transformações profundas das relações salariais, através dadivisão dos ganhos de produtividade, articuladas a adoção das seguintesmedidas:

a) garantia de um salário mínimo a todo trabalhador,determinando uma norma de consumo articulada aos aumentos dosganhos de produtividade;

b) instituição de práticas de negociação coletiva como forma decontrole da massa salarial global por parte do Estado, diante dossindicatos, dos trabalhadores e dos empregadores, ou seja, um modode regulação das relações sociais;

c) instituição de um salário indireto, representando a garantia daregulação social e da acumulação intensiva do capital, possibilitandoao trabalhador a “reprodução de sua força de trabalho (de acordo comnormas sociais determinadas) em todas as circunstâncias” (BIHR, 1999,pág. 43), como nos casos de doença, desemprego, velhice ou invalidez.

Porém, a partir do início da década de 1970, a época de ouro docapitalismo entraria em crise, decorrente de uma “desaceleração daprodutividade e um aumento da relação capital/produto” (LIPIETZ;LEBORGNE, 1988, pág. 16), tendo como corolário a queda dalucratividade e das taxas de acumulação de capital.

Para Bihr (1999), a crise latente do modelo de desenvolvimentoentre o final da década de 1960 e início da década de 1970, deve seranalisada levando-se em conta quatro fatores determinantes: adiminuição dos ganhos de produtividade em decorrência das limitaçõestécnicas e sociais do binômio fordismo/taylorismo, a elevação dacomposição orgânica do capital, a saturação da norma social deconsumo e o desenvolvimento do trabalho improdutivo para possibilitara reprodução do capital. Todos esses fatores apontaram para a limitaçãono processo de valorização e de acumulação de capital, permeada peladiminuição da produtividade do trabalho com a conseqüente queda dalucratividade do capital.

A crise latente do capitalismo ocidental transformar-se-ia emcrise manifesta com o aumento abrupto do petróleo no mercadomundial no final de 1973 e início de 1974, provocando “a primeirarecessão generalizada da economia mundial: queda da produção,

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aumento brutal do desemprego, contração do comércio mundial,desmoronamento da cotação na bolsa, etc.” (BIHR, 1999, pág. 74).

O segundo “choque do petróleo”, no início de 1979, agravouainda mais a crise do fordismo, colocando em curso um processo dereestruturação produtiva e econômica do capitalismo, (re)orientandoas ações e as medidas de política econômica contra o Estado de bem-estar-social, contra o “peso” da legislação trabalhista e das garantiasde “pleno-emprego” sobre a acumulação de capital.

Questionou-se também a aliança de classes dos anos douradosdo capitalismo e a orientação, controle e planejamento do mercadopelo Estado, tido como entrave ao processo de acumulação e aocrescimento econômico.

Nesse contexto, desencadeou-se o processo de reestruturaçãodo capitalismo, representando transformações profundas no mundodo trabalho e nas condições e relações de trabalho. Entre essastransformações estruturais do capital, destacam-se: a globalizaçãoeconômica e financeira, a aplicação do receituário neoliberal e a TerceiraRevolução Industrial e Tecnológica, ensejando o redimensionamentodo processo produtivo e a reorganização do trabalho na produção e domercado de trabalho.

3 - GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E FINANCEIRA,ASCENSÃO DO NEOLIBERALISMO, TERCEIRAREVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E TRANSFORMAÇÕES NOMUNDO DO TRABALHO.

Para a compreensão mais ampla das transformações no mundodo trabalho neste início de século XXI, a análise do processo deglobalização econômica e financeira deve ser colocada na perspectivado emprego e do trabalho, para a apreensão dos impactos desseprocesso no que tange ao uso e remuneração da força de trabalho e ascondições e relações de trabalho.

Na compreensão do processo de globalização, deve-se levar emconta que o próprio capitalismo tende a mundialização desde suasorigens e que a própria lógica do capital é permeada pela necessidadeconstante de acumulação/reprodução ampliada de riquezas.

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Segundo Singer (1998, pág. 19), o capitalismo industrial sempreteve como característica a superação dos limites do Estado-nação, tendocomo auge desse processo histórico o contexto econômico do final doséculo XIX. Porém, a Primeira Guerra Mundial, a Depressão econômicados anos de 1930 e o conflito da Segunda Guerra Mundial, paralisaramesse processo, caindo para níveis irrisórios o intercâmbio comercial efinanceiro entre as economias nacionais.

A conferência de Bretton Woods, em 1944, estabeleceu aaplicação de políticas de desregulamentação dos mercados e da livre-iniciativa como regras básicas nas relações comerciais entre os paísese a retomada da globalização como meta a ser seguida no planointernacional. Depreende-se daí “que a globalização é um processoque se realiza sem solução de continuidade já há mais de cinqüentaanos” (SINGER, 1998, pág. 19).

Num contexto de relativa desregulação do comércio internacionale de recuperação econômica européia e japonesa, bem como deampliação do processo de industrialização aos países do “TerceiroMundo”, a ex-URSS e aos paises do Leste Europeu mais recentemente,o comércio de produtos teve um crescimento de 90%, enquanto aprodução industrial cresceu apenas 60% na década de 1950,evidenciando o maior intercâmbio comercial em relação à produçãopropriamente dita, representando bem a medida do processo deglobalização em curso.

Sob a perspectiva do mercado de trabalho, segundo o autor, aglobalização provoca essencialmente desemprego estrutural, pois quandohá a substituição de produtos nacionais por importados, milhões de postosde trabalho são fechados e os trabalhadores não têm pronto acesso aosnovos postos abertos com as atividades de exportação.

Trabalhadores desqualificados, empregados em tempo parcial ecom rendimentos reduzidos, estariam preenchendo esses novos postos,determinando mais a precarização do mercado de trabalho edeterioração das condições de trabalho do que a redução dos níveisgerais de empregos.

No entanto, o efeito sobre o mercado de trabalho em países emdesenvolvimento, como o Brasil, expostos a concorrência com produtos

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estrangeiros mais baratos e com maior grau de produtividade (resultadoda abertura comercial indiscriminada, de acordo com o receituárioneoliberal) é tanto quantitativo (destruição de postos formais detrabalho e aumento do desemprego) quanto qualitativo (precarizaçãodas condições e relações de trabalho).

Para Santos (2000), a globalização se caracteriza pela articulaçãoe concomitância das várias dimensões desse processo: da interligaçãodos diversos sistemas técnicos (a unicidade técnica do capital), dasimultaneidade dos acontecimentos e instantaneidade da informaçãoe do conhecimento dos fatos em qualquer lugar do planeta (aconvergência dos momentos), da mais-valia mundializada pelo meiotécnico-científico-informacional (a formação do motor único) e doconhecimento de todo o planeta (a cognoscibilidade do planeta).

Nessa perspectiva, evidenciando a globalização perversa em meioà propagação de mitos e fábulas (a globalização como fábula) epregando uma outra forma de globalização, o autor expõe ascontradições desse processo, já que

(....) a globalização está se impondo como uma fábrica deperversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobrezaaumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O saláriomédio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam emtodos os continentes” (SANTOS, 2000, pág. 19).

Analisando criticamente a tão propalada globalização daeconomia mundial, Chesnais (1996) questiona o uso dos conceitos“global” e “globalização”, por estarem carregados de ideologia (servindoa todos os propósitos) e encobrirem as contradições decorrentes de talprocesso, tais como a exclusão e marginalização dos países emdesenvolvimento e o distanciamento entre ricos e pobres, pelaseletividade estratégica dos grandes grupos oligopolistas em busca demaior lucratividade e pela ascensão do capital monetário internacional,num contexto de flexibilização e desregulamentação dos mercados,com a instituição da livre concorrência como princípio fundamentaldas relações internacionais.

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O movimento de mundialização do capital – o autor prega o usodos termos “mundial” e “mundialização” para ressaltar o processo deglobalização como uma fase específica da internacionalização do capital– aponta para a destruição de uma relativa integração do mundo dotrabalho engendrada nos anos dourados do capitalismo, determinandoa flexibilização e a desregulamentação das condições e relações detrabalho, pois a

(....) liberalização do comércio exterior e dos movimentos de capitais,permitiram impor, às classes operárias dos países capitalistasavançados, a flexibilização do trabalho e o rebaixamento dossalários. A tendência é para o alinhamento nas condições maisdesfavoráveis aos assalariados” (CHESNAIS, 1996, pág. 40).

Em outras palavras, o movimento de mundialização do capitalensejou transformações no mundo do trabalho, determinando aprecarização e deterioração do trabalho e o aumento do desemprego,diante da flexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho,num contexto de configuração de uma economia globalizada articuladaa aplicação de políticas neoliberais.

Assim, as políticas neoliberais concebidas nos anos de 1940 e1960 por pensadores como Friedrich von Hayek e Milton Friedman(que postularam contra a ação do Estado, dos sindicatos e dos gastossociais, apresentados como entraves ao livre funcionamento do mercadoe da acumulação de capital), se configuraram como ideologia própriada globalização, consolidando-se com a crise econômica do início dosanos de 1970.

Com isso, abriu-se precedentes para o questionamento daspolíticas sociais compensatórias baseadas no keynesianismo,(re)orientando e (re)formulando políticas econômicas direcionadas paraa desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho e naadoção de medidas econômicas liberalizantes – abertura dos mercadosnacionais, da concorrência e da competitividade internacional, daflexibilização da economia e dos mercados, etc. – como instrumentos paraa saída da crise e para a retomada da acumulação/reprodução do capital.

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O neoliberalismo se consolidou ainda num contexto históricode vitórias de governos conservadores na Inglaterra (Thatcher, em1979), nos Estados Unidos (Reagan, em 1980), na Alemanha (HelmuthKhol, em 1982) e na Dinamarca (Schluter, em 1983), além da derrotae fracasso de governos alternativos na França, na Espanha e emPortugal, com Mitterrand, Gonzalez e Soares, respectivamente.

Para Antunes (2001), com as profundas transformações nageopolítica mundial, representadas pelo desmoronamento explosivodo “bloco socialista” do Leste Europeu e da URSS no final dos anosde 1980, configurou-se a retração do movimento operário e a aceitaçãoda tese do “fim do socialismo” por amplos segmentos da classetrabalhadora, tendo como conseqüência a perda de combatividade erepresentatividade do proletariado. Com isso, “os países capitalistascentrais vêm rebaixados brutalmente os direitos e as conquistas sociaisdos trabalhadores, dada a “inexistência”, segundo o capital, do perigosocialista (ANTUNES, 2001, pág. 188).

Ressalte-se que o neoliberalismo orienta as ações para a regulaçãosocial baseada nos princípios estritamente mercantis, com a“propagação de um subjetivismo e de um individualismo exacerbados,dos quais a cultura pós-moderna é expressão” (ANTUNES, 2001, pág.189), representando no plano institucional e no mundo do trabalho, aredução do papel do estado na economia e a fragilização dos sindicatos.

Nesse sentido, as políticas econômicas e as soluções delineadaspor organismos internacionais como o Banco Mundial e a OCDE,permeadas pelos pressupostos neoliberais de flexibilização edesregulamentação dos mercados, apontam para a ausência de plenaliberdade comercial e de ampla difusão tecnológica, além de excessivaregulamentação da legislação trabalhista, como obstáculos noenfrentamento do problema do desemprego, da crise do mundo dotrabalho e para a criação de empregos no setor formal da economia.

Para Castel (1998), numa análise do desmoronamento dasociedade salarial (sociedade esta permeada pelas proteções, regulaçõese direitos coletivos), a partir da década de 1970, com o conseqüenteindividualismo de massa por falta de referências, as transformaçõesno mundo do trabalho no sentido de uma maior flexibilidade nos

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contratos, tanto no que se refere ao trabalho quanto ao extra-trabalho,têm um caráter irreversível, como uma marca própria do capitalismocontemporâneo. Nessa perspectiva, ao trabalhador

(....) não basta mais saber trabalhar, é preciso saber, tanto quanto,vender e se vender. Assim, os indivíduos são levados a definir, elespróprios, sua identidade profissional e a fazer com que seja reconhecidanuma interação que mobiliza tanto um capital pessoal quanto umacompetência técnica geral. (CASTEL, 1998, pág. 601).

Em outras palavras, sob os auspícios do neoliberalismo, aflexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho, levam otrabalhador a desenvolver habilidades ligadas à busca de um trabalhoe não mais necessariamente de um emprego – as atividades temporáriasou os bicos, por exemplo - diante do aumento das taxas de desempregoe da exacerbação da concorrência no mercado de trabalho, ou seja, aconsolidação da prática da trabalhabilidade em substituição aempregabilidade, num mercado de trabalho altamente competitivo edesregulado, bem como o desenvolvimento de práticas deempreendedorismo, com os indivíduos sendo levados a enfrentar comseus próprios meios as dificuldades de (re)inserção no mercado detrabalho, através da formulação de projetos ou do envolvimento emgrupos culturais e/ou musicais, por exemplo.

Sob a perspectiva do pensamento neoliberal, a saída para a crisedo trabalho, está na própria capacidade de recolocação profissionaldos trabalhadores, sendo eles próprios responsáveis pelo desempregoe não o modelo de desenvolvimento adotado, concomitante com omovimento de reestruturação do capitalismo contemporâneo.

Para Brunhoff (1995), a implementação das políticas neoliberaisvisa a restauração de um livre mercado de trabalho, regido por leisestritamente de oferta e demanda, sem a participação do Estado e dossindicatos na sua regulação. Isso aumenta o poder e a autonomia dasempresas para contratar e demitir como quiser e em condições favoráveispara a acumulação, bem como a prática de formas de contrato flexíveise de fácil rescisão, não significando amarras institucionais para ademissão e admissão a qualquer tempo.

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Em suma, o ideário neoliberal aponta para a desregulamentaçãodo mercado de trabalho, a flexibilização das condições e relações detrabalho e a manutenção de taxas de desemprego como naturais einerentes ao funcionamento do modo capitalista de produção e aeficácia de qualquer mercado auto-regulável, determinando, ao contráriodo que se postula, a deterioração e precarização do mercado de trabalhonuma economia globalizada e de livre-concorrência.

No contexto desse movimento de reestruturação do capital,desencadeado a partir da década de 1970, no bojo da implementaçãode políticas neoliberais e da retomada da globalização ou mundializaçãodo capital, como respostas à crise estrutural do capitalismo“intensificaram-se as transformações no próprio processo produtivo,pelo avanço tecnológico, pela constituição das formas de acumulaçãoflexível e pelos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo,entre os quais se destaca, para o capital, especialmente, o modelo“toyotista” ou japonês” (ANTUNES, 2001, pág. 190).

As transformações tecnológicas em curso se caracterizam comoum novo paradigma tecnológico, configurando-se como a TerceiraRevolução Industrial e Tecnológica. Tal revolução nas formas deproduzir, se mostra incompleta nas atividades de transporte e em suabase energética, porém propicia o desenvolvimento de setores de ponta,como a biotecnologia, a informática e a automação industrial, determinandotambém transformações no mundo do trabalho, através da adoção detecnologias poupadoras de mão-de-obra (com o conseqüente desemprego)ou da aplicação de métodos flexíveis de trabalho.

Ressaltando a natureza e as potencialidades da atual revoluçãotecnológica, Lipietz e Leborgne (1988) apontam para a invasão domicroprocessador e das interfaces eletrônicas como as principaiscaracterísticas dessas novas tecnologias “não somente em novosprodutos, mas também no próprio processo de trabalho” (LIPIETZ;LEBORGNE, 1988, pág. 16).

A compra de passagens aéreas pela internet, o comércio eletrônicoe o auto-serviço bancário – com o uso dos caixas eletrônicos parapagamento de contas, saques automáticos, depósitos, entre outros

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serviços – caracterizam-se como exemplos dos impactos do uso dasnovas tecnologias sobre o mercado de trabalho, através da substituiçãodo trabalho humano pelo uso intensivo do computador ou a “crescentetransferência de uma série de operações das mãos de funcionários queatendem o público para o próprio usuário” (SINGER, 1998, pág. 17)

Ressalte-se que todas as revoluções tecnológicas determinaramtransformações no mundo do trabalho, sendo que na PrimeiraRevolução Industrial houve uma proletarização de grandes contingentesde trabalhadores agrícolas, com a liberação de excedentes de mão-de-obra para o setor secundário da economia, representando a constituiçãode um significativo exército industrial de reserva. Com isso

“o padrão de uso e remuneração da força de trabalho na indústriacaracterizou-se por extensas jornadas de trabalho, contratosindividuais e de adesão, uso intensivo do trabalho feminino e infantil,baixos salários, entre outros” (POCHMANN, 1999, p. 31).

Já na Segunda Revolução Industrial, nas últimas décadas doséculo XIX, assistiu-se a expulsão de trabalhadores rurais, aceleradapelo progresso técnico aplicado as atividades agrícolas. Nesse contexto,os setores industriais e de serviços forjaram a criação de muitosempregos sem, no entanto, assegurarem a absorção plena do excedentede mão-de-obra liberada pela maior complexidade tecnológica eprodutiva das transformações estruturais em curso.

No bojo da Terceira Revolução Industrial e Tecnológica emcurso, observa-se a perda significativa do setor primário da economiae uma redução relativa (em alguns países até mesmo absoluta) do setorindustrial. No entanto, o setor de serviços, apesar de ampliar suaparticipação na estrutura produtiva e ocupacional

“mostra-se incapaz de ampliar os postos de trabalhoproporcionalmente à queda nos outros setores devido aos efeitosracionalizadores das novas tecnologias, que também passam a atingi-lo fortemente” (POCHMANN, 1999, pág. 34).

Paradoxalmente, as novas tecnologias aplicadas ao processoprodutivo e a organização do trabalho na produção apontam, por umlado, para a criação “em escala minoritária do trabalhador “polivalentee multifuncional”, capaz de operar máquinas com controle numérico”(ANTUNES, 2001, pág. 191), como os trabalhadores mais qualificados

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do setor de siderurgia, com a exigência da polivalência, da poliatividade,da criatividade e da flexibilidade dos trabalhadores às mudanças doprocesso produtivo tornado dinâmico e fluído.

Por outro lado, observa-se a deterioração das relações de trabalho,com o aumento do trabalho parcial (part-time) em detrimento do trabalhoem tempo integral (full time), do trabalho temporário e por tempodeterminado, apontando para a desqualificação e precarização dotrabalho em diversos ramos produtivos.

Em outras palavras, esse processo expressa a fragmentação,heterogeneização e complexificação da classe trabalhadora permeadapelas transformações estruturais do capitalismo contemporâneo.

A aplicação das novas tecnologias à produção, ensejou tambéma ruptura com os padrões rígidos dos métodos fordistas/tayloristas,determinando o redimensionamento do processo produtivo e atransformação na organização do trabalho no interior das empresas edo mundo do trabalho.

A configuração de uma economia flexível em substituição aomodelo de desenvolvimento fordista, com a mescla de várias formasde acumulação flexível, dentre as quais se destaca o modelo toyotistade produção, a adoção de novas formas de gestão da produção, comoo Just inTime (gestão pelos fluxos) em substituição ao Just in Case (gestãopor estoques) e novas formas de relações entre as empresas (Quase-integral vertical entre as firmas), caracterizadas por uma distribuiçãodos riscos de produção entre contratados e subcontratados ou aterceirização de certas funções produtivas, são exemplos da rupturade padrões forjada pelo novo paradigma tecnológico e produtivo.

A padaria de Boston, no exemplo dado por Sennet, ilustra bemessa ruptura com os métodos fordistas/tayloristas de produção, poisantes o ambiente de trabalho era barulhento, o cheiro de fermento semesclava com o do suor dos padeiros, o trabalho era noturno e aprofissão exigia anos de treinamento e dedicação, bem como o trabalhomanual com os rolos de massa exigia força física para manipular asferramentas de trabalho. Com as mudanças resultantes da aplicaçãodos métodos da economia flexível, agora

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“os padeiros não têm contato físico com os materiais ou as bisnagasde pão, monitorando todo o processo por ícones em telas que mostram,por exemplo, imagens da cor do pão, extraídas de dados sobre atemperatura e tempo de cozimento dos fornos, poucos padeiros vêemde fato as bisnagas que fazem” (SENNET, 2002, pág. 79).

Também, observa-se adoção de horários de meio período, com asubstituição do turno noturno de trabalho por horários muito mais flexíveis.

A padaria de Sennet ilustra também a adoção do sistema do justin time, através da panificação computadorizada, com o uso de máquinassofisticadas e reconfiguráveis permitindo a adequação da produção àdemanda, pois “um dia os padeiros podem fazer mil pães franceses, nodia seguinte mil croissants, dependendo da demanda de mercado imediatade Boston” (SENNET, 2002, pág. 78).

No que tange a organização do processo de trabalho na produçãoe ao mundo do trabalho, a automação do processo produtivo apontapara a flexibilização das relações de trabalho tanto no interior dasempresas (maior mobilidade entre os postos de trabalho), quantoexterna (subcontratação, contratação por tempo determinado,terceirização, etc.), além do alijamento de trabalhadores do processoprodutivo, através do desemprego.

Todas essas transformações estruturais do capitalismo no finaldo século XX e neste início de século XXI, analisadas até aqui, sãoconcomitantes e estão em consonância com a retomada da acumulaçãode capital, provocando transformações no mundo do trabalho,apontadas e discutidas por diversos autores, dentre eles Antunes (2001),a saber:

a) diminuição do operário que executava tarefas manuais,concentrado no interior da fábrica, do modelo de desenvolvimentofordista;

b) acentuação da subproletarização e precarização do trabalho,através do aumento do trabalho parcial, temporário, subcontratado eterceirizado;

c) ampliação do trabalho feminino associado às formasprecarizadas de trabalho e aos salários sempre baixos;

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d) expansão dos assalariados médios, principalmente no setorde serviços;

e) exclusão do mercado de trabalho de trabalhadores jovens(exigência de experiência e formação profissional) e de trabalhadores“velhos” (acima dos 45 anos);

f) intensificação e superexploração do trabalho imigrante e dotrabalho infantil em diversas partes do mundo, e;

g) explosão das taxas de desemprego, consideradas estruturais.

Já Bihr (1999), evidenciando o processo de fragmentação daclasse trabalhadora com a crise do fordismo, delineia três grandesconjuntos de imagens proletárias:

a) Os proletários estáveis e com garantias, representados portrabalhadores do setor estatal e pelos trabalhadores de empresas e/ousetores que escaparam da crise ou a superaram, mantendo algunsdireitos e conquistas sociais diante do capital reestruturado.

b) Os proletários excluídos do trabalho, seja pelo desempregode longa duração (caso dos idosos ou dos trabalhadores poucoqualificados de setores em declínio) ou pela dificuldade de acesso aomercado de trabalho (no caso específico dos jovens).

c) A massa f lutuante de trabalhadores instáveis,representados pelos proletários das empresas que operam porsubcontratação (terceirização) e por encomenda, pelos trabalhadoresem domicílio, pelos trabalhadores em tempo parcial e temporários, pelosestagiários e pelos trabalhadores da “economia subterrânea”.

Destarte, ao analisar o processo de fragmentação do proletariado edelinear as imagens atuais da classe trabalhadora, num contexto dereestruturação capitalista, o autor destaca o conjunto dos trabalhadoresexcluídos do trabalho e mesmo do mercado de trabalho, como vítimas deum processo de exclusão social, através do desemprego de longa duraçãoque os torna inempregáveis - a inempregabilidade decorre da enormeconcorrência que se instalou também no mercado de trabalho, tendo como

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conseqüência a liberdade de escolha por parte dos empregadores dosmelhores empregados, com a possibilidade de rendimentos semprecontrolados e mais baixos, excluindo aqueles que passaram muito tempodesempregados ou que foram demitidos muitas vezes.

Também destaca os trabalhadores temporários, como umacategoria de trabalhadores particularmente móveis, que passam dodesemprego ao exercício de alguma atividade com muita freqüênciaou vice-versa, pela instabilidade característica destes trabalhadores,ou seja, passam por um processo permanente de territorialização(exercem alguma atividade econômica por tempo determinado),desterritorialização (desemprego) e reterritorialização (voltam a exerceralguma atividade temporária).

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento de reestruturação capitalista desencadeado a partirdo questionamento do modelo de desenvolvimento fordista engendrou,assim a crise do mundo do trabalho, através de transformações nascondições e relações de trabalho e na representatividade dostrabalhadores, suscitando reflexões acerca do papel do trabalho nasociedade contemporânea e colocando desafios a classe trabalhadorano limiar do século XXI.

Em primeiro lugar, o (res)surgimento de “velhas/novas” formasde trabalho (trabalho parcial, temporário, em domicilio, terceirizado,entre outras), permeadas pela instabilidade e precariedade das relações,configura-se como estratégia fundamental do capital em seu processode acumulação/reprodução ampliada de riquezas, colocando o desafiopara os trabalhadores da (re)invenção constante de formas de(re)inserção no mercado de trabalho e de atualização permanente parafazer frente às exigências do “novo” mercado de trabalho tornado maiscompetitivo ainda.

Com isso, em segundo lugar, colocou-se em discussão acentralidade do trabalho diante da fragmentação e heterogeneizaçãoda classe trabalhadora atualmente. Alguns autores apontam para a crisee a perda da centralidade do trabalho diante do capital reestruturado,

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entre eles Offe (diminuição das tentativas de compreender a realidadesocial por meio da categoria do trabalho assalariado e substituição dasformas de produção institucional de bens e serviços pelo trabalhodoméstico, familiar, em domicílio, em grupo, etc.), Gorz (através danegação da classe trabalhadora pela não-classe-de-não-trabalhadoresque têm o emprego como atividade provisória, acidental e contingente)e Habermas (a transformação da ciência “na principal força produtiva”em detrimento e substituição do valor-trabalho no processo produtivo).

Em contrapartida, outros autores defendem e reafirmam acentralidade do trabalho, entre eles Antunes (o trabalho continua centralpara o processo de emancipação humana; emancipação do trabalho,no trabalho e pelo trabalho) e Sorj (o trabalho continua a ser fundamentale essencial na vida das pessoas, bem como para o sustento dosindivíduos, mas a análise sociológica deve englobar o trabalhovinculado a outras esferas da vida – família, escola, igreja, etc. – paraa compreensão da centralidade do trabalho diante do capitalreestruturado e das transformações no mundo do trabalho).

Em terceiro lugar, a precariedade e a flexibilidade dessas “novas”formas de trabalho, colocam o desafio da renovação nas formas derepresentatividade dos trabalhadores, diante da crise política eideológica da social-democracia sindical e seus instrumentos de defesados trabalhadores.

Vale lembrar que a social-democratização da esquerda sindical epartidária se deu num contexto de derrocada da experiência socialistana URSS e no Leste Europeu, com repercussões no interior da classetrabalhadora. Portanto, a própria esquerda tradicional, já passava poruma crise no momento de sua substituição pela forma social-democratade representação sindical e partidária.

O processo de fragmentação da classe trabalhadora, com a divisãoentre os trabalhadores estáveis e com garantias, os instáveis e precários,e os excluídos do processo de trabalho, através do desemprego, remete adiscussão para o processo de cisão da classe trabalhadora e coloca o desafioda reformulação da consciência de classe no interior do movimentooperário, caracterizando-se como o quarto ponto a ser discutido.

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Assiste-se entre os trabalhadores estáveis, o desenvolvimentode reações corporativas e de defesa de conquistas e garantias peranteos trabalhadores instáveis e os desempregados. Então, o desafio quese coloca é de como reformular e consolidar uma nova unidade/consciência de classe diante da instabilidade do emprego e daprecariedade das relações de trabalho, combatendo assim o acirramentodas antigas divisões de classe do movimento operário, além danecessidade de recuperar as formas coletivas de luta erepresentatividade dos trabalhadores.

Paradoxalmente, como quinto ponto da discussão, diante desseprocesso de ruptura dos laços de solidariedade dos trabalhadores, aexigência de novas formas de organização da classe trabalhadora, comoo cooperativismo e o associativismo, baseados nos princípios daeconomia solidária, surge no sentido da criação e consolidação deinstrumentos para o enfrentamento do problema do desemprego e parao resgate da cidadania através do trabalho e do emprego cooperativos.

Por fim, à guisa de conclusão (não tendo a pretensão de esgotartema tão polêmico, complexo e fecundo), o maior desafio posto à classetrabalhadora (ou classe-que-vive-do-trabalho, como faz Antunes) é“soldar os laços de pertencimento de classe existentes entre os diversossegmentos que compreendem o mundo do trabalho” (ANTUNES,2000, pág. 192), isto é, a união e a articulação de todos os trabalhadores(os estáveis, os instáveis e precários e os desempregados), sem o quese torna inatingível qualquer projeto de emancipação ou de inclusãosocial pelo trabalho e de recuperação do poder coletivo de classe frenteao capital reestruturado e excludente neste início de século XXI.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 03 de agosto de 2007.Aceito para publicação em 22 de agosto de 2007.

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AS EMPRESAS COOPERATIVISTAS NO RUMODA AGROINDUSTRIALIZAÇÃO

Diane BELUSSO1

Resumo: O presente trabalho compreende a empresa cooperativistacomo contradição entre a teoria e a prática do cooperativismo.Considera que a inserção das cooperativas numa rede agroindustrialrepercute no controle da produção agropecuária, na evolução domodelo de associação dos produtores rurais e nas relações sociais deprodução.Palavras-Chave: cooperativismo, prática, teoria.

Abstract: In this paper the coop companies will be considered as acontradiction between the theory and practice of. Therefore it willconsider that the engagement of cooperatives in an agro-industrialconglomerate is an element capable of making interferences in theagricultural production and in the model of farmers’ associations aswell as in social relationships of production.Key-Words: cooperatives, cooperativismo in theory and practice.

1 – INTRODUÇÃO

Este artigo é parte da discussão realizada na dissertação demestrado: “A Cooperativa C.Vale e as perspectivas dos produtoresintegrados à agroindústria em Palotina – PR”, defendida em março de2007, sob orientação do professor Dr. Elpídio Serra, no Programa dePós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá(PGE/UEM).

A dissertação de mestrado objetivou, de modo geral, compreenderos efeitos sócio-espaciais da reestruturação de uma cooperativa agrícola1 Doutoranda em Geografia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCT / UNESP). E-

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a partir de sua inserção ao complexo agroindustrial avícola, de modoespecífico, o conjunto de causas e conseqüências da transformaçãodos associados da cooperativa em produtores integrados à agroindústria.A partir deste objetivo não se pretendeu esgotar a temática ampla queenvolve os objetos cooperativa e agroindústria, pois, enquantodissertação, se optou por um estudo de caso da C.Vale CooperativaAgroindustrial2 que está vinculada ao segmento avícola e desempenhaa contratualização dos seus associados. A metodologia consistiubasicamente em: localização e caracterização temporal e espacial daárea e do objeto de estudo; fundamentação e reflexão teórica em tornode palavras-chave; coleta de informações na C.Vale e realização deentrevistas, em janeiro de 2006, com 23 proprietários de aviário(s)que corresponderam a 13% do total instalado em Palotina.

Neste artigo, para uma visão de contexto geográfico, qual arelevância do estudo das cooperativas agroindustriais?

As cooperativas são modelos de organização de trabalhadores ese consolidaram como tradicionais organismos associativistas deinserção, na economia formal, dos produtores agropecuários.

A compreensão do surgimento e da evolução das cooperativasagrícolas demonstra períodos de diferentes características no processode transformações da agricultura e da agroindústria. No caso do Paraná,as fases de fundação (no início apenas armazenavam ecomercializavam), estruturação e reestruturação destas cooperativasevidenciam a passagem do complexo rural, ao complexo agroindustriale à rede agroindustrial.

Além da noção de complexo, o conceito de rede, comoinstrumento analítico e metodológico, também é aplicado aoconhecimento da atividade agroindustrial:

A rede agroindustrial, enquanto forma de organização, configura-se a partir da articulação de distintos agentes sociais: agricultores,indústrias produtoras de insumos e máquinas, indústriasprocessadoras / beneficiadoras de matéria-prima, indústrias de bens

2 Sede em Palotina, Oeste Paranaense. A área de ação da C.Vale abrange municípios do Paraná, de SantaCatarina, do Mato Grosso do Sul, do Mato Grosso e do país vizinho, Paraguai.

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de consumo, instituições financeiras, empresas de transporte,empresas comerciais e exportadoras, organismos governamentais,centros de pesquisa e agências de publicidade. Estes agenteslocalizam-se em diferentes lugares e, interconectados, atuam noâmbito do complexo agroindustrial, em distintas escalas geográficas.Isso se dá a partir de interesses, práticas e estratégias particulares,bem como através de relações técnicas, econômicas e de poder. Tambémincidem na configuração da rede agroindustrial o comportamento domercado e as políticas macroeconômicas engendradas pelo Estado(SILVEIRA, 2005, p.232-233).

A rede é uma organização geográfica das sociedades com odesenvolvimento da técnica e do mercado, uma vez que é ela aarquitetura das conexões que dão suporte às relações avançadas daprodução e do mercado (MOREIRA, 1997).

Neste sentido, outra justificativa é de que as cooperativas sãoestruturas de grande expressão espacial que funcionam como agentesde gestão de territórios3 (SILVA, 2002). São estruturas que criamatividades e suas correspondentes paisagens, articulam o local, oregional, o nacional e o global.

Os meios efetivos da gestão do território são as práticas espaciais,isto é, um conjunto de ações espacialmente localizadas que tem impactodiretamente sobre o espaço (CORRÊA, 2000). Conforme Carlos(2001), é nesta acepção que o espaço aparece como condição, meio eproduto da reprodução social revelando uma prática que é socioespacial.

No mundo moderno, a prática socioespacial mostra um espaçoem função das necessidades econômicas e políticas; um espaço produto/ condição da acumulação capitalista; um espaço voltado aos interessesparticulares do grande capital (CARLOS, 2001).

Segundo Andrade (1998), o espaço geográfico se interpenetraem um mesmo território com o espaço econômico (espaço elaboradopelas empresas ao estabelecerem a sua área de influência para odesenvolvimento de suas atividades e projetos).

3 “[...] os agentes de ‘gestão dos territórios’ são elementos fundamentais para o entendimento do espaçogeográfico, onde diferentes formas de conflitos e acordos, tensões e cooptações, alianças e parcerias definirãoas dinâmicas do mundo atual” (SILVA, 2002, p.43).

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Neste caso, o estudo das cooperativas agroindustriais, como temae objeto de pesquisa em Geografia Agrária, requer uma préviacompreensão da viabilidade dessas associações inseridas num conjuntode tendências e de contradição entre a teoria e a prática docooperativismo.

O cooperativismo, como pensamento reproduzido, pode originarpráticas diferenciadas. A existência de uma grande variedade decooperativas está relacionada com a satisfação das ilimitadasnecessidades da sociedade e com a complexidade do meio econômico(PINHO, 1977)4.

2 - EMPRESA COOPERATIVISTA: CONTRADIÇÃO ENTREA TEORIA E A PRÁTICA DO COOPERATIVISMO.

Conforme Rios (1987) o cooperativismo é a base de um modelode associação com as seguintes características: propriedadecooperativa; gestão cooperativa; repartição cooperativa.Respectivamente, significam que: uma cooperativa é uma associaçãode pessoas e não de capitais; a assembléia dos associados tem o poderúltimo de decisão; as sobras financeiras ao final de um ano de trabalhosão divididas entre os associados (RIOS, 1987).

À primeira vista, a palavra “cooperativismo” reflete a impressãode justiça social e de anticapitalismo. Entretanto, a cooperativaagropecuária (que se transformou em cooperativa agroindustrial), “[...]constitui um degrau para o capitalismo e não para o socialismo”(KAUTSKY, 1980, p.285).

A cooperativa só terá sucesso social, cumprindo com a suaresponsabilidade junto ao seu quadro associado, se esta for umempreendimento econômico de sucesso de forma a permitir ocrescimento [...] de seus associados (BIALOSKORSKI NETO,2000, p.242).

Ora, a cooperativa reúne e desencadeia a ação ao interesseeconômico, logo, “[...] tratar de cooperação é trabalhar a dimensão do4 A OCB, adaptada às exigências do mundo do trabalho, a partir de 1993, classifica as cooperativas em doze

ramos: agropecuário, consumo, crédito, educacional, habitacional, especial, mineração, produção, serviço ouinfra-estrutura, trabalho, saúde, turismo e lazer (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2006).

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social propriamente dito, com base nas relações concretas que se passamno plano econômico” (ARAÚJO, 1982, p.84).

No contexto da economia competitiva, a cooperativa é parte deuma estrutura global, ou seja, a sua decisão e o seu comportamentoeconômico dependem das condições dominantes no meio em que elaexiste. “[...] as cooperativas são constantemente pressionadas pelaracionalidade capitalista, que decorre essencialmente decomportamentos econômicos qualificados de eficazes, eficientes,rentáveis, produtivos [...]” (PINHO, 1977, p.54).

Santos (2002) diferencia as atitudes de concorrer e de competir.A concorrência pode ser saudável para empreender uma tarefa e obtermelhores resultados, pois exige o respeito para certas regras deconvivência preestabelecidas ou não; ao contrário, a competitividadeé uma disputa (uma guerra) pela melhor posição, e sua prática podeprovocar um convite ao exercício da violência (SANTOS, 2002).

Num mundo globalizado, regiões e cidades são chamadas a competir[...] A necessidade de competir é, aliás, legitimada por uma ideologialargamente aceita e difundida, na medida em que a desobediênciaàs suas regras implica perder posições e, até mesmo, desaparecer docenário econômico (SANTOS, 2002, p.57).

Então, se a agricultura faz parte da dinâmica deste cenárioeconômico, suas atividades recebem caráter planetário, que por suavez, subordina “as cooperativas” às mesmas regras.

De modo geral, o que se observa é que as pequenas cooperativassofrem pressões do meio sócio-econômico e podem influir relativamentepouco sobre as estruturas econômicas e a conjuntura dos mercados,enquanto os grandes complexos cooperativos ou hipercooperativastêm condições de atuar sobre a estrutura do sistema econômico(PINHO, 1977, p.146).

Porém, atuar sobre a estrutura do sistema econômico seria umameta pretensiosa, na prática, as cooperativas obedecem a esta estruturacompetitiva do cenário econômico. Afinal, o que justifica a necessidadede crescimento (em termos de expansão do parque industrial) dascooperativas?

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[...] embora despreparadas para o jogo livre da concorrência demercado, tiveram que dele participar tendo para si um resultadodesastroso em termos econômicos e financeiros. Como conseqüência,muitas entidades tornaram-se insolventes e, ou entraram em processode liquidação ou acabaram sendo incorporadas por cooperativasmais fortes (SERRA, 1986, p.89).

Ainda, conforme o mesmo autor, as cooperativas optaram diantede dois caminhos: crescer ou desaparecer.

Daí, o motivo do agigantamento das cooperativas: para não semarginalizarem, acompanham o progresso tecnológico e transformamas suas bases produtivas – além de armazenadoras e comerciantes deprodutos in natura, investem em plantas industriais para transformar oproduto agrícola em mercadoria pronta para o consumo, o que significacompetir com as famosas marcas do mercado no setor de alimentos(laticínios, carnes, sucos, farinhas, óleos vegetais), entre outros.

Azevedo (2000), ao tratar da concorrência no agronegócio, expõeestratégias de crescimento criadas para que as empresas explorem Nomercado as diferentes potencialidades, como a estratégia de“segmentação de mercado” que significa alcançar a satisfação devariadas necessidades e conseqüentemente de maior público deconsumidores. Conforme o autor, um exemplo bem-sucedido desegmentação na ampliação do mercado é a atuação das empresas deabate de frango no mercado internacional, tais como: frangos abatidosde acordo com os preceitos do Alcorão para os mercados muçulmanos;cortes manuais para o mercado japonês etc.

Tal prática, ou a busca de um melhor desempenho empresarialresultou das seguintes tendências: industrialização para adicionar valoraos produtos, diversificação da produção5 como alternativa e garantiade renda para os associados, ampliação e modernização administrativae operacional.

Para atender as diversas exigências de paladar dos consumidores,a C.Vale disponibilizava mais de setenta opções quanto ao tipo decorte e embalagem (temperados, recheados etc.) (COOPERVALE,5 Distinguem-se quatro tipos de diversificação: concêntrica, horizontal, vertical e conglomerada (BRITTO, 2002).

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1997) e a partir de 2005 emprega alta tecnologia na produção decozidos, fritos e assados de frango, característica que representa umaestratégia de crescimento, via “segmentação de mercado”, destaagroindústria.

Diante de possíveis direções do processo de diversificação, aC.Vale ampliou a sua base tecnológica de modo a controlar os diferentesestágios associados à transformação de insumos em produtos finais(neste caso, transformação de milho e soja em ração para produzir carnede frango pronta para o consumo), processo que em Economia Industrialé denominado: diversificação (integração) vertical (BRITTO, 2002).

A C.Vale, enquanto nome ou marca, é recente, tão recente quantoseu investimento na agroindustrialização6. Em 1963 ela surgiu comoCampal (Cooperativa Agrícola Mista de Palotina). Em 1974, quandoampliou sua área de ação para os municípios vizinhos, passou a serchamada de Coopervale (Cooperativa Agrícola Mista Vale do RioPiquiri Ltda). No dia 21 de novembro de 2003, em assembléiaextraordinária, a Coopervale mudou o nome para C.Vale CooperativaAgroindustrial.

A mudança da razão social desta cooperativa merece maioratenção no sentido de que não está restrita ao nome, mas à conduta daempresa. A cooperativa era apenas de Palotina, depois era tambémdos municípios do Vale do Rio Piquiri e por último, a C.Vale estaráonde houver demanda. Quanto mais modernizada a atividade, maisamplas são as suas relações e o seu alcance (SANTOS, 1997).

No caso em que o agricultor sinta a urgência de aumentar aprodutividade e se beneficiar das vantagens da mecanização, semaumentar o investimento, a cooperativa agrícola surge como soluçãoideal (PINHO, 1977). Entretanto, conforme a mesma autora, acooperativa também impõe uma seleção aos produtores, pois, aquelesprodutores - associados que não se esforçarem para atualizar suastécnicas estarão condenados à mediocridade.

Quanto ao cooperativismo, não é difícil entender seu comportamentoestritamente empresarial, visto que, no caso da avicultura industrial,

6 A partir de 1997, inauguração de Complexo Industrial Avícola formado por matrizeiro, incubatório, abatedouro,aviários de campo, fábricas de ração, no município de Palotina – e amidonarias localizadas em AssisChateaubriand e Terra Roxa – municípios do Oeste Paranaense.

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trata-se de um setor altamente empresarial e também altamenteseletivo no tocante ao quadro de associados. Praticamente nãoexistem nem poderiam existir diferenças substanciais entre ascooperativas vinculadas à avicultura industrial e as empresasintegradoras, pelo menos em relação à mediação de interesses,comportamentos próprios pelas contrapressões de segmentos deprodutores (SORJ et al., 1982, p.100).

Segundo Fleury (1983) as cooperativas assumem padrões deconduta empresarial para assegurar alguma competitividade, porém,ainda preservam um caráter específico que as distinguem das empresasnão cooperativistas, pois são instituições de natureza “híbrida” econtraditória que sobrevive e se reproduzem no seio do capitalismo.

Realmente, as cooperativas se diferenciam e são importantes,porém, a questão reside em responder se as vantagens da grandeexploração cooperativa são acessíveis aos pequenos produtores(KAUTSKY, 1980). Qual a repercussão do crescimento dascooperativas ao desenvolvimento e à manutenção dos seus associados?

Ao se transformarem em empresas, as cooperativas de agricultoresse distanciaram da Filosofia do que se convencionou chamar de“sistema cooperativista universal” [...], passaram elas próprias aabrir concorrência entre si e a estimular o individualismo entre osprodutores rurais, baseado em conquista de lucros imediatos, decurto prazo (SERRA, 1986, p.238).

As empresas cooperativistas estão longe de superar a divisão declasses sociais, pois, o grupo de associados à cooperativa não seapresenta como uma massa homogênea (ARAÚJO, 1982).

[...] a articulação das várias categorias de produtores no interior dacooperativa se processa muito mais no sentido de favorecer os gruposdominantes, os produtores capitalistas. Este processo não implica,no entanto, na destruição das outras categorias de produtores, que,pelo contrário, se configuram como peça essencial à reprodução nãosó da cooperativa, como dos próprios produtores capitalistas(FLEURY, 1983, p.144).

Na maioria, a ação das empresas cooperativistas não vai alémdas tradicionais “lutas econômicas”, “[...] por melhores preços, apoio

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governamental, criação de infra-estrutura de produção ecomercialização etc” (SORJ et al., 1982, p.100).

A reestruturação industrial / empresarial e os novos padrões deconsumo têm orientado a dinâmica agroindustrial, por isso, cientes daimportância que tal atividade assume para a acumulação de capital, ascooperativas se esforçam “[...] para romper amarras formais e institucionaisque limitam sua atuação empresarial, já se aventando a hipótese deformação em sociedade anônima [...]” (URBAN, 1990, p.03).

Segundo Bialoskorski Neto (2000), a eficiência da cooperativadepende de um moderno gerenciamento: profissionalização do quadrogestor, ampliação da responsabilidade do conselho fiscal, execução decontagem de votos nas assembléias e inovações com a participação decapital externo.

Em 2005, após 34 anos da instituição da lei que definiu a PolíticaNacional de Cooperativismo e que criou o regime jurídico dessasassociações, tramitava no Senado Federal projeto para uma nova LeiCooperativista. O autor do projeto, parlamentar Osmar Dias (PDT –PR), destacou a possibilidade de a cooperativa abrir seu capitalmediante a emissão, autorizada por Assembléia Geral, de Certificadosde Aporte de Capital.

Assim, qual será a reação das cooperativas à reforma da lei? Éprovável que a lei (ultrapassada) é que seja a adaptação ou a legitimaçãode uma realidade.

O conhecimento de que as empresas cooperativistas podemcoordenar contratos e suas respectivas produções agropecuárias demaneira a reduzir riscos e adicionar valor, abre inúmeras possibilidadesde eficiência do ponto de vista econômico e das estratégias empresariais.Assim, os conservadores princípios cooperativistas, emboraaparentemente antagônicos aos constantes desafios econômicos eestruturais do mercado, são incorporados “harmonicamente” como umdiferencial ou um aspecto que assegura a existência da cooperativaporque preserva a imagem da empresa como organização honesta evantajosa. Desta forma, a manutenção da cooperativa desempenhauma função econômica e política.

Muitas vezes, a difusão de uma massiva ideologia para acompetitividade e a pouca compreensão sobre a teoria (ocooperativismo) e a prática (a cooperativa), somadas à falta deeducação para uma gestão cooperativista, induzem ao comportamentopassivo dos associados ou ao comportamento de ganho individual em

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detrimento do ganho coletivo, o que pode desestimular o fortalecimentode um modelo de associação que poderia ser encarado como meio deamenizar e até de solucionar as dificuldades dos produtores maisnecessitados.

Há quem acredite que as cooperativas poderiam contribuir parauma modernização menos dolorosa e menos conservadora seestivessem voltadas ao ideal cooperativista universal. Porém, ao secomprometerem com o modelo de “modernização da agricultura”brasileira, voltada aos sistemas econômicos dominantes, praticamcontradições entre a teoria e a prática do cooperativismo. Taiscontradições se expressam, no caso da C.Vale, principalmente nacontratualização dos associados da cooperativa (a transformação dosassociados em produtores integrados).7

Indagar sobre as contradições da empresa cooperativistaevidencia uma sociedade construída sobre uma profunda ruptura entrediscurso e prática que, por isso, não consegue mais entender o seupróprio cotidiano.

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O rumo das empresas cooperativistas segue o impulso daeconomia capitalista, conforme regras de competitividade, desobrevivência e de acordo com uma determinada orientação de como“fazer” agricultura.

A relação entre a cooperativa e o seu grupo de associados segueum jogo de forças, na tentativa de um equilíbrio: entre a ideologia desua formação e a prática de sua sustentação econômica. O instrumentoque determinaria os pesos relativos aos princípios do cooperativismoe à viabilidade econômica seria, então, a cooperativa, no sentido literalde uma balança.

É um agravante da crise epistemológica do cooperativismo oprojeto que tramita no Senado Federal para uma nova LeiCooperativista que, se entrar em vigor, além de associados, ascooperativas terão acionistas.7 A contratualização de produtores pela C.Vale é mais um exemplo de uma tendência das agroindústrias do País.

Segundo Espíndola (1999) a produção integrada desempenhada em Santa Catarina pelo Grupo Sadia (naprimeira metade da década de 1950 com suínos e no início da década de 1960 com aves) se difundiu emoutras áreas do território nacional. A integração envolve o fornecimento de assistência técnica, de insumos ea garantia da compra dos frangos pela empresa; evidentemente, o produtor é obrigado a cumprir as orientaçõestécnicas, receber rações, pintainhos, medicamentos etc, da empresa integradora (ESPÍNDOLA, 1999).

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É fato que conflitos e contradições entre os estatutoscooperativistas mais conservadores e as modernas perspectivasempresariais são irremediáveis. Assim, ao cooperativismo sãoelaboradas novas práticas adaptadas às dinâmicas da sociedadecapitalista.

Contudo, a existência da cooperativa permite visualizar acontradição que, num olhar otimista, é a brecha para transformações.

4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 04 de julho de 2007.Aceito para publicação em 24 de agosto de 2007.

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7 – Ilustrações, gráficos, figuras, fotografias, mapas, quadros,tabelas, etc., deverão limitar-se ao espaço de diagramação da revista eser de boa qualidade gráfica, e apresentados em tons de preto e branco,ou cinza. Seus títulos devem ter apenas a 1ª letra de cada palavra emMaiúscula.

8 – A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, emordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintesexemplos.

a) Livro: SOBRENOME, Nome. Título da Obra. Local dePublicação: Editora, data. Ex.: VALVERDE, Orlando. Estudos deGeografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.

b) Capitulo de Livro: SOBRENOME, Nome. Titulo doCapítulo. In: SOBRENOME, Nome (Org.). Título do Livro. Local dePublicação: Editora, data, páginainicial-página final. Ex.: FRANK,Mônica Weber. Análise Geográfica para Implantação do ParqueMunicipal de Niterói, Canoas – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce.BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Org.). Ambiente e Lugar noUrbano: A Grande Porto Alegre. Porto alegre: Editora daUniversidade, 2000, p.67-93.

c) Artigos: SOBRENOME, Nome. Título do Artigo. Título doPeriódico, local de publicação, volume do periódico, número dofascículo, página inicial-página final, mês (es). Ano. Ex.: SEABRA,Manoel F. G. Geografia(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17,out.1984.

d) Dissertações e Teses: SOBRENOME, Nome. Título daDissertação (tese). Local: Instituição em que foi defendida, dta.Número de Páginas. (Categoria, Grau e área de Concentração). Ex.:SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos Sociais Populares em

GEOGRAFIA ISSN: 1982 - 8942EM —————————————————————————————————————————QUESTÃO Nº 01 V. 01 2008 p. 111-114

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Fortaleza: Uma Abordagem Geográfica. São Paulo: Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São paulo,1986. 268 p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana).

9 – Os textos devem representar trabalhos originais e inéditos,com introdução, desenvolvimento e considerações finais. As resenhasserão priorizadas a partir de obras publicadas recentemente no Brasil eno exterior.

10 – O autor deve se responsabilizar pela correção (profissional)ortográfica e gramatical do seu artigo.

11 – Os textos devem ser enviados para Revista Geografia emQuestão. e-mail: [email protected]

GEOGRAFIA ISSN: 1982 - 8942EM —————————————————————————————————————————QUESTÃO Nº 01 V. 01 2008 p. 111-114

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