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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS CURSO DE GEOGRAFIA AS ATIVIDADES ASSOCIATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DE SEM-TERRA: O CASO DO ASSENTAMENTO RIO PERDIDO EM QUEDAS DO IGUAÇU-PR DJONI ROOS MARECHAL CÂNDIDO RONDON – PR 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS

CURSO DE GEOGRAFIA

AS ATIVIDADES ASSOCIATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DE SEM-TERRA: O CASO

DO ASSENTAMENTO RIO PERDIDO EM QUEDAS DO IGUAÇU-PR

DJONI ROOS

MARECHAL CÂNDIDO RONDON – PR

2007

DJONI ROOS

AS ATIVIDADES ASSOCIATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DE SEM-TERRA: O CASO DO

ASSENTAMENTO RIO PERDIDO EM QUEDAS DO IGUAÇU-PR

Monografia apresentada ao curso de Geografia da

Universidade Estadual do Oeste do Paraná –

UNIOESTE, Campus de Marechal Cândido Rondon,

como requisito para obtenção do Grau de Licenciado

em Geografia.

Orientador: Professor Dr. João Edmilson Fabrini

MARECHAL CÂNDIDO RONDON – PR

2007

Dedico aos meus pais Jonatas Roos e Madalena Borelli Roos e

aos meus irmãos que mesmo com todos os percalços e barreiras

da vida tem muito me apoiado e sempre me desejando sucesso.

RESUMO

Os vários problemas enfrentados pelos camponeses, tais como, concentração fundiária,

modernização da agricultura, entre outros, implicaram na expulsão e expropriação desses

trabalhadores tornando-os despossuidos da terra. Nesse sentido, segue também no campo brasileiro

uma trajetória de lutas e de organização dos camponeses para retornarem a terra. A partir da década

de 1980, os camponeses se organizaram e adotaram como principal forma de luta as ocupações e

acampamentos nos latifúndios, como forma de pressionar o Estado a resolver o problema da posse

da terra e realização da reforma agrária. Dessa forma, surgiram no campo os sem-terra, um “novo”

sujeito social organizado nos movimentos que possui uma identidade construída na trajetória de luta

e resistência. A trajetória de luta destes camponeses tem desdobramentos nas formas de organização

nos assentamentos, com a realização de variadas atividades coletivas e associativas, pois a luta não

é apenas para entrar na terra, mas para nela permanecer. Os camponeses vêem nas ações

coletivas/associativas nos assentamentos uma forma de garantir sua manutenção e existência no

campo. Este é o caso da organização dos assentados de Rio Perdido em Quedas do Iguaçu/PR, onde

se verifica um conjunto de relações resultantes do aprendizado ocorrido na trajetória de lutas destes

assentados. O aprendizado político dos camponeses se desdobra em conquistas ligadas à produção

nos lotes dos assentados como infra-estrutura, assistência técnica, financiamentos, etc. Além de

conquistas econômicas, a organização dos assentados tem proporcionado um conjunto de discussões

de caráter politizador entre os camponeses. Neste sentido, as diversas manifestações coletivas

existentes nos assentamentos, não estão restritas somente à produção agrícola, mas também há

manifestações coletivas e associativas na esfera política. Os assentados do Rio Perdido têm

realizado também um conjunto de atividades associativas, baseadas na cooperação e na

solidariedade intrínsecos ao modo de vida camponês. Com o cultivo dessas relações os camponeses

do Rio Perdidos têm procurado aliviar a subordinação imposta pelo modo capitalista de produção e,

sobretudo, buscado garantir sua existência enquanto classe.

AGRADECIMENTOS

A Deus, que tem me dado à vida e amparado nos momentos de angústia e aflição, como

também têm me proporcionado alegrias e realizações nas etapas da vida.

A realização deste trabalho só foi possível graças ao auxilio de algumas pessoas. Dessa

forma manifesto aqui meus agradecimentos a todas elas.

Aos meus familiares, principalmente meus pais Jonatas e Madalena, e aos meus irmãos

Djeovani e Dionatan que sempre têm me apoiado e ajudado nos momentos difíceis, bem como

compartilhado as alegrias que a vida nos proporciona.

Agradeço de forma especial ao meu orientador professor Dr. João Edmilson Fabrini, pelo

auxilio, apoio, incentivo e dedicação com que tem me orientado e guiado nesta pesquisa, através de

questões relevantes que envolvem um arcabouço de conhecimentos sobre a luta e resistência dos

camponeses e trabalhadores do campo. Agradeço também por ser além de um excelente professor,

sendo acima de tudo um grande amigo, sempre nos ensinando questões para além do mundo

acadêmico, consecutivamente lutando para a construção de uma sociedade mais igualitária,

ajudando assim, em nossa formação enquanto pessoa.

A todos os professores do curso de geografia da UNIOESTE – M. C. Rondon, cujo

conhecimento repassado foi de fundamental importância para a minha formação enquanto estudante

e enquanto pessoa.

Aos marmotas Carla e Gabriel, por serem amigos, irmãos, companheiros de luta, sempre

prontos para ajudar a enfrentar os desafios colocados pela vida e pelos professores e acima de tudo

por me aturarem durante esses quatro anos. Agradeço também por sempre compartilharem das

discussões do mundo acadêmico e pessoal que tivemos durante esses quatro anos, não importando

se as discussões se realizavam na sala de aula, nos laboratórios ou no bar.

Ao Marcelo e a Terezinha (“Zinha”), que além de excelentes professores são acima de tudo

grandes amigos, grandes companheiros sempre dando força, apoiando, auxiliando e incentivando,

nos ensinando questões para além do mundo acadêmico contribuindo para nossa formação enquanto

pessoa e lutando para a construção de uma sociedade mais justa.

Aos companheiros de luta Erwin, Leandro, Ivanildo, Leandro Neri, Portz (“Che”), aos

Ferrari pelas discussões e debates a respeito do mundo geográfico até mesmo no bar, afinal

Geografia também se faz no bar.

A todos os acadêmicos e professores membros do GEOLUTAS, do Centro Acadêmico de

Geografia “Chico Mendes” e a todos os companheiros da AGB seção M. C. Rondon, com os quais

aprendi muito no decorrer dessa etapa de luta.

6

Aos meus companheiros de turma, pela amizade e compreensão durante esses quatro anos

que passamos juntos.

A todos os camponeses que através da luta buscam a garantia de um mundo melhor, não

podendo deixar de fora os camponeses do assentamento Rio Perdido em especial os dos lotes 05,

03, 11, 13, 24, 36, 54, 47, 40, 43, 41, e 21 que com muita sabedoria me ensinaram um pouco da sua

vida de luta o que foi de extrema importância para a realização deste trabalho, bem como para o

aprendizado pessoal.

De maneira geral a todos que de uma forma ou outra contribuíram direta ou indiretamente

para a realização deste trabalho.

“Sinto-me pobre por viver numa sociedade em que índios e

camponeses precisem proclamar de voz viva que são humanos,

que não são animais, e menos ainda selvagens. Por identificar-

me com eles, fico em dúvida sobre o lugar que ocupo, na escala

que vai do animal ao homem, numa sociedade que não titubeia

em proclamar a animalidade de seres que não são considerados

pessoas unicamente porque são diferentes – falam outra língua,

tem outra cor, outros costumes. Uma sociedade, que no final,

não tem certeza sobre a linha – limite que separa o homem do

animal”.

(Martins, 1993, p. 63)

SUMÁRIO

LISTA DE GRÁFICOS, FIGURAS, MAPAS E TABELAS ....................................................... 9 INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 10 I - AS LUTAS NO CAMPO BRASILEIRO............................................................................... 15

1.1 - AS PRIMEIRAS LUTAS NO CAMPO BRASILEIRO ..................................................... 15 1.2 - O SURGIMENTO DO MST ............................................................................................. 22

II - A LUTA PELA TERRA NO PARANÁ ............................................................................... 27

2.1 - A ORIGEM DAS LUTAS NO CAMPO PARANAENSE ................................................. 28 2.2 - LUTAS CONTRA A EXPROPRIAÇÃO/EXPULSÃO CAUSADAS PELA MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA.............................................................................................. 29

III - O ASSENTAMENTO RIO PERDIDO E AS ATIVIDADES ASSOCIATIVAS .............. 37

3.1 - FORMAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO RIO PERDIDO............. 38 3.2 - INÍCIO DA LUTA DOS ASSENTADOS DE RIO PERDIDO .......................................... 46 3.3 - O ACAMPAMENTO COMO TERRITÓRIO DO APRENDIZADO POLÍTICO PEDAGÓGICO......................................................................................................................... 57 3.4 - A MATERIALIZAÇÃO DA LUTA: O ASSENTAMENTO E AS ATIVIDADES ASSOCIATIVAS...................................................................................................................... 63

CONSIDERACÕES FINAIS...................................................................................................... 71 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 73 ANEXOS ..................................................................................................................................... 76

LISTA DE GRÁFICOS, FIGURAS, MAPAS E TABELAS

Gráfico 01: Municípios onde as Famílias Residiam antes do Acampamento. ................................ 51 Gráfico 02: Local de Moradia das Famílias antes do Acampamento. ............................................ 52 Gráfico 03: Participação nas Reuniões dos Grupos e Assembléias - Acampamento. ..................... 56 Gráfico 04: Participação nas Reuniões dos Grupos e Assembléias - Assentamento....................... 65 Figura 01: Casa de Assentado. ..................................................................................................... 44 Figura 02: Acampamento na Rodovia PR-473, as Margens da fazenda Rio Perdido. .................... 48 Figura 03: Chegada de Camponeses Sem-Terra ao Acampamento na PR-473. ............................. 50 Mapa 01: Localização do Assentamento Rio Perdido no Município de Quedas do Iguaçu - PR. ... 14 Mapa 02: Espacialização dos Lotes no Assentamento Rio Perdido. .............................................. 42 Mapa 03 : Hidrografia e Divisas do Assentamento Rio Perdido.................................................... 45 Mapa 04: Mesorregião Geográfica Centro-Sul Paranaense ........................................................... 46 Mapa 05: Microrregião Geográfica de Guarapuava ...................................................................... 47 Tabela 01: Classificação do Relevo do Assentamento Rio Perdido Segundo o Grau de Declividade.

.............................................................................................................................................. 41 Tabela 02: Classificação das Áreas do Assentamento. .................................................................. 41 Tabela 03: Participação das Famílias nos Grupos Existentes no Acampamento. ........................... 55 Tabela 04: Pessoas que Possuíam Cargos Durante o Período do Acampamento............................ 55 Tabela 05: Porcentagem (anual) de Assentados que Trocam dias de Serviço e dos que Trabalham

de Bóia-Fria. ......................................................................................................................... 67

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INTRODUÇÃO

A expansão do modo capitalista de produção no campo resultou na expulsão e expropriação

de uma significativa parcela do campesinato brasileiro. Assim, a expansão deste sistema sobre o

campo comandado principalmente pela modernização agrícola, gerou uma grande massa de

despossuidos e excluídos do acesso a terra.

Diante deste quadro de expulsão e expropriação dos camponeses dos meios de produção e

reprodução de sua vida, estes se organizaram e realizaram ocupações de latifúndios como forma de

pressionar o Estado para resolver o problema da concentração e do acesso a terra. Para tanto,

utilizam como principal instrumento de luta as ocupações e os acampamentos nas margens e dentro

do perímetro dos latifúndios.

A partir deste conflito foi forjado um novo sujeito no campo, denominado de sem-terra, dos

quais muitos conquistaram a terra, resultando nos assentamentos de trabalhadores rurais sem-terra.

Assim, a partir da década de 1980 surgiu um modelo de assentamento rural que se diferencia da

maioria dos existentes até então, pois apresentam camponeses com uma trajetória de luta e

organização, com desdobramentos na esfera da produção e política.

Na trajetória de luta dos sem-terra, o acampamento é o primeiro exercício de luta coletiva.

No acampamento os sem-terra se organizam em grupos de famílias para facilitar a solução de

problemas cotidianos e imediatos relativos à saúde, segurança, alimentação, etc. Esta organização

em grupos também facilita a comunicação com os coordenadores e direção do acampamento.

Durante o período do acampamento os camponeses sem-terra mantêm várias atividades de

cunho político, tais como assembléias, debates a cerca das suas reinvidicações, bem como

manifestações a fim de conquistarem a terra e recursos, para a manutenção da sua família.

Assim, através das lutas que se iniciam no acampamento, os sem-terra conseguem se inserir

na arena política, participando de discussões externas (com o Estado), como também internas

(dentro do próprio grupo de assentados) referentes à luta pela terra. Essa politização que o

camponês aperfeiçoa ao participar de um movimento de luta pelos seus direitos reflete em uma

maior interação do mesmo em diversos assuntos.

Os assentados passam a compreender melhor a sua condição de excluído dos direitos

básicos, mas não só isso, pois eles passam também a ter uma outra visão de mundo, ou seja, uma

visão das condições sociais e políticas em que o mundo está inserido. Sendo assim, o acampamento

como lugar da materialização da luta é uma “escola”, que possibilita ao acampado um aprendizado

de vida.

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É importante ressaltar ainda que nos acampamentos, os trabalhadores organizados no MST

(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) ou em outro movimento social de luta pela terra,

passaram a recusar a proletarização e a conseqüente perda dos valores e saberes camponeses. Dessa

maneira, eles vêem na luta à possibilidade de retorno a terra, ao cultivo de seus saberes e

principalmente a sobrevivência de sua família.

Contudo, a luta dos camponeses não é apenas pelo acesso a terra, que se materializa nos

assentamentos, mas também pela sua permanência na terra. Desta forma, os camponeses assentados

têm buscado alternativas de organização que garantam sua existência. Assim, elaboram maneiras de

resistirem à subordinação e exploração causadas pelo sistema capitalista.

Desse modo, os camponeses organizados ou não no MST vêem na organização associativa

nos assentamentos formas para garantir sua manutenção no campo. Por outro lado, a organização

associativa dos assentados não se dá apenas na esfera produtiva, mas também na esfera das relações

políticas, ou seja, através de lutas coletivas tais como protestos, caminhadas, auxílio variado nas

ocupações de terra, fechamentos de rodovias, entre outros.

Assim, o objetivo deste estudo é entender a organização nos assentamentos de sem-terra

compreendendo as formas associativas existentes entre os camponeses nos assentamentos de

trabalhadores rurais, pois essas atividades associativas/cooperativas fazem parte da luta dos

camponeses contra o processo de subordinação e exploração que o sistema capitalista está impondo.

Para isso, será tratado sobre o assentamento Rio Perdido que se localiza no município de

Quedas do Iguaçu (mapa 01), na região Centro-Sul do Estado do Paraná. Este assentamento foi

formado no ano de 1988 e possui um total 1.205 ha dividido em 60 lotes.

O estudo está organizado em três capítulos.

O primeiro capítulo aborda historicamente as lutas camponesas existentes no Brasil e os

processos que levaram ao surgimento delas. Para isso, discorreu-se desde a luta dos indígenas que

vêm sendo expulsos de suas terras desde o período colonial; as lutas quilombolas durante a

escravidão até a revolta do Contestado e de Canudos, bem como as lutas dos camponeses

organizados nas Ligas Camponesas na década de 1950.

Na organização dos camponeses deve-se destacar também o surgimento de movimentos de

agricultores sem terra, que culminou na formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-

Terra (MST) na cidade de Cascavel/Paraná no ano de 1984, que teve como finalidade articular as

diversas frentes de luta pela terra que estavam se instaurando no campo brasileiro.

A espacialização das lutas dos camponeses no Estado do Paraná foi abordada no segundo

capítulo, quando foi tratado dos processos e as formas pelas quais aconteceram à expulsão dos

12

camponeses da terra. Neste capitulo tratou-se também da reação tomada pelos camponeses diante

essa situação de expulsos da terra.

Para tanto foram analisadas algumas lutas nas quais se destacam a revolta de Porecatu na

década de 1950, a revolta do Sudoeste ocorrida em 1957, o processo de modernização agrícola que

expulsou uma massa de camponeses do campo obrigando-os a viverem na cidade ou como

operários no campo.

Neste contexto há necessidade de ressaltar que processos de modernização como a

construção de complexos hidrelétricos, comandados diretamente pelo Estado, por exemplo, a

construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu expulsou centenas de camponeses de suas terras. Por

outro lado, destaca-se também a organização e luta dos atingidos pela construção de Itaipu, que

culminou na organização do Movimento Justiça e Terra. Este movimento também contribuiu na

formação do MASTRO (Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná).

A organização dos camponeses sem terra em torno do MASTRO foi de extrema importância

para a posterior formação do MST e o desdobramento de novas lutas a fim da democratização do

acesso a terra.

Essa contextualização se faz necessária porque a luta dos camponeses do Rio Perdido não

esta desvinculada de todo este processo de expulsão e organização dos trabalhadores do campo. Os

camponeses que constituem o assentamento Rio Perdido são vítimas do processo de modernização

agrícola que modificou um conjunto de relações no campo.

Estes camponeses atingidos pela modernização eram arrendatários. Com a expansão

capitalista no campo, os mesmos não conseguiram terras para arrendamento. Sem condições de

adquirirem terras para a manutenção do seu modo de vida o que lhes restou foram duas alternativas:

migrarem para as cidades e se tornarem operários ou partirem para a luta pela terra o que se

caracteriza pelo enfrentamento ao Estado e a grandes proprietários. Esta última foi à alternativa

adotada por muitos camponeses, pois os mesmos queriam manter o seu modo de vida.

No terceiro capitulo foi feita uma abordagem sobre a trajetória de vida dos assentados no

Rio Perdido, demonstrando a importância da luta no acampamento e o seu desdobramento

posteriormente no assentamento. Essa luta dos camponeses que não é apenas luta pela terra, mas

também na terra.

A luta para permanecer na terra fez com que os camponeses buscassem alternativas para

sustentarem o seu modo de vida, dentre as alternativas utilizadas pode-se situar as formas

organizativas baseadas no associativismo e no trabalho comunitário.

Essas atividades não possuem uma norma, mas se baseiam nos laços de solidariedade e no

aprendizado político adquirido e ampliado durante a luta pela terra. Logo, não são atividades

13

estranhas ao modo de vida camponês. Pelo contrário são baseadas justamente nos moldes

camponeses, onde não há divisão do trabalho nem de atividades, mas sim ajuda recíproca sustentada

na solidariedade.

É importante salientar ainda que as atividades associativas não ocorrem apenas na esfera

econômica, mas também na esfera política. Através da organização que reflete na realização de

atividades associativas os assentados vêm operacionalizando um conjunto de benefícios para o

assentamento Rio Perdido e os camponeses que ali vivem. Esses benefícios não são apenas

materiais e imediatos, mas se constituem como uma forma de resistência à subordinação e

exploração dos camponeses.

Assim, o estudo sobre a organização e as atividades associativas desenvolvidas pelos

assentados do Rio Perdido em Quedas do Iguaçu possibilita compreender como ocorre o

aprendizado coletivo na trajetória de lutas. Procura-se compreender também as estratégias de

resistência utilizadas pelos camponeses diante da expansão do capitalismo no campo. As estratégias

de resistências se desdobram na realização de atividades associativas ligadas à produção e a luta

política.

A realização do trabalho de campo em Fevereiro de 2007 foi fundamental para o acúmulo de

informações de base empírica, quando na oportunidade foram aplicados 12 questionários1,

compreendendo aproximadamente 20% das famílias assentadas no Rio Perdido. Acrescenta-se aos

questionários, entrevistas e conversas informais com técnicos do INCRA (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária) da Unidade Avançada Iguaçu de Francisco Beltrão e do Fórum de

Quedas do Iguaçu, bem como recolhimento de materiais nestes dois órgãos públicos.

1 Em anexo segue cópia do questionário aplicado.

14

Mapa 01: Localização do Assentamento Rio Perdido no Município de Quedas do Iguaçu - PR.

15

I - AS LUTAS NO CAMPO BRASILEIRO

A luta dos camponeses se constitui numa das principais características do campo brasileiro,

marcado por diversos conflitos violentos, deixando um saldo bastante elevado de vítimas2. Estes

conflitos surgem pelo fato dos camponeses e trabalhadores do campo negar as condições impostas

pelo sistema capitalista. Eles querem entrar e se manter na terra para assim continuar seu modo de

vida e garantir sua condição camponesa.

O fato de não aceitar a expropriação e subordinação fez com que surgisse no campo diversos

movimentos de contestação da ordem imposta. Isso causou um embate entre camponeses, posseiros,

trabalhadores, indígenas com o Estado, grandes latifundiários e empresas que visavam se instalar no

campo. A luta dos camponeses contra a exploração e subordinação envolve a luta pela preservação

do seu modo de vida.

As diferentes lutas sociais que aconteceram e vem acontecendo no campo brasileiro são

reflexos da expansão capitalista sobre o território brasileiro. Por isso, para compreendermos a

diversidade de conflitos ocorridos no campo, inclusive àqueles provenientes dos sem-terra, é

necessário uma abordagem das lutas desde o processo de colonização.

Neste estudo, é importante realizar uma discussão geral das lutas que ocorreram no campo

brasileiro, pois o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surge no contexto destas

lutas, contra a expropriação e subordinação em que os camponeses estavam inseridos. Considerando

que o assentamento Rio Perdido, objeto principal deste estudo, surgiu da luta dos camponeses, é

necessário compreender o contexto dos conflitos no campo brasileiro, pois a luta pelo assentamento

não está descontextualizada do conjunto das lutas em geral.

1.1 - AS PRIMEIRAS LUTAS NO CAMPO BRASILEIRO

Os primeiros a sofrerem com o processo de expansão capitalista foram os povos indígenas,

que desde a invasão do Brasil foram e ainda são expulsos de suas terras. Como afirma OLIVEIRA

(1999, p.15) “o território capitalista brasileiro foi produto da conquista e destruição do território

indígena. Estes povos, que hoje se encontram aprisionados nas chamadas reservas são os maiores

prejudicados pelo processo de expansão capitalista”.

2 Anualmente desde 1985 a CPT (Comissão Pastoral da Terra) elabora a cartilha Conflitos no Campo Brasil apresentando e analisando os dados sobre os conflitos e a violência no campo. Em 2002, a CPT incluiu em sua documentação os conflitos gerados pelo uso da água. Ver www.cptnac.com.br.

16

Mesmo sendo exploradas e sufocadas pelo avanço capitalista, as nações indígenas

tiveram/têm forças para lutar, buscando garantir sua sobrevivência, que se da pela permanência na

terra. Para os povos indígenas a manutenção na terra significa a manutenção de sua cultura, pois a

perda da terra significa também a perda da cultura destes. Sobre esta questão, RAMOS (1995)

analisa que,

Para as sociedades indígenas a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crença e de conhecimento. Não é apenas um recurso natural, mas – é tão importante quanto este – um recurso sociocultural. (RAMOS, 1995, p. 13).

Dessa forma, para a reprodução dos valores étnico-culturais dos indígenas é de extrema

importância a manutenção de suas terras. Sendo assim, é ilustrativa a afirmação de GRZYBOWSKI

(1987 p. 30): “estancar o extermínio dos povos indígenas é garantir suas terras”.

A expansão do capitalismo no campo coloca, muitas vezes, em confronto uma mesma

classe; a classe que esta sendo expropriada e expulsa de suas terras. Isso aconteceu entre índios e

posseiros pelo fato de cada um destes grupos estarem buscando novos territórios após serem

expulsos de seus locais de origem.

Atualmente os povos indígenas lutam pela manutenção e demarcação de suas reservas, pois,

é somente o que lhes resta. Porém, mesmo sendo áreas de reservas definidas pelo Estado sofrem

pressões de setores da sociedade que acreditam que não é necessária a destinação de terras para os

povos indígenas. As reservas apesar de serem espaços destinados aos povos indígenas elas se

constituem ao mesmo tempo em verdadeiros cativeiros para estes povos3, sendo que é da natureza

dos mesmos viverem sem fronteiras, mas a reprodução do sistema capitalista os aprisionou.

No período da escravidão surgiram outras lutas no campo brasileiro, como a luta dos negros,

que buscavam viver em liberdade. Para tanto, eles se organizavam em Quilombos4. Percebe-se

nesse momento que a luta contra a exploração ganha, através da organização um importante aliado,

pois nos quilombos os negros se organizavam para enfrentar as investidas dos fazendeiros e

jagunços, que tentavam recapturá-los. Esta organização em comunidades quilombolas fortalecia a

luta dos negros, pois se tinha um grupo de pessoas lutando pelos mesmos motivos, ou seja, a luta

pela sobrevivência como povos livres.

3 Existem algumas exceções quanto a este fato de as reservas indígenas se constituírem em verdadeiros cativeiros para os indígenas, como é o caso da reserva “Raposa Serra do Sol” em Roraima que possui mais de 1,000,000 há que foram conquistados depois de muita luta, inclusive porque determinados setores da sociedade não queriam a delimitação desta área aos indígenas. 4 Territórios para onde íam os negros que conseguiam fugir das fazendas.

17

Estes Quilombos, comunidades de negros “livres”, se constituíram no grande marco de luta

e resistência dos povos negros contra a escravidão. Neles, os negros organizavam-se tanto social

como politicamente para se defender dos fazendeiros e buscar a liberdade e a proteção da posse

coletiva da terra. “Os Quilombos representavam a única possibilidade, fora à morte, para fugir da

escravidão e a tentativa de estabelecer uma comunidade negra, autônoma, livre, no meio da

floresta” (COMISSÃO 1987, apud OLIVEIRA 1999, p.16).

Embora organizados, os quilombolas não estavam de fato libertos das mãos dos Barões e

dos traficantes de escravos, pois estes perseguiam os negros e suas comunidades, e quando os

encontravam, destruíam os Quilombos e recapturavam os negros e índios além de assassinar vários

deles.

Surgem também no campo brasileiro os chamados movimentos messiânicos. Esses

movimentos surgiram da organização de camponeses, posseiros, que estavam sendo expulsos de

suas terras. Estes eram liderados por um “messias”, considerado uma pessoa capaz de implantar

uma ordem social igualitária.

Porém, a aglutinação e a luta dos camponeses ocorrem devido às condições sociais/materiais

que estes estavam vivendo e não somente à liderança de uma pessoa considerada iluminada. As

condições em que estes camponeses estavam inseridos são situações de expulsão das terras,

expulsão dos meios de produção e reprodução da sua vida enquanto camponês que se materializa

através da terra.

Entre esses movimentos, os que mais se destacaram foram Canudos (Bahia) e do Contestado

(Sudeste do Paraná e Centro-Oeste e Oeste de Santa Catarina). Embora esses movimentos

sofressem uma grande repressão por parte dos governantes da época, eles nunca receberam

reconhecimento político pelo fato de serem considerados como religiosos e não políticos.

Nesta mesma época ocorreram várias outras revoltas como o caso dos pequenos agricultores

em Pernambuco e das greves dos colonos nas fazendas de café no Estado de São Paulo. Estas

greves e revoltas aconteciam de maneira isolada, ou seja, eram lutas localizadas em uma

determinada fazenda, etc.

Conforme se desenvolviam as lutas no campo brasileiro crescia também o número de

entidades, sindicatos, ligas, associações, vinculados aos camponeses. Na maior parte dos casos

tinha-se a presença do PCB (Partido Comunista Brasileiro).

A idéia do Partido Comunista era organizar os camponeses, aliando suas reivindicações à

bandeira sustentada pelos dirigentes e simpatizantes do PCB. Dessa forma, nas primeiras décadas

do século XX, principalmente a partir de 1940, os camponeses criaram estratégias para resistirem a

grande expropriação causada pelo avanço do capitalismo no campo.

18

Na década de 1950 houve também a luta dos camponeses de Trompas e Formoso (GO) que

reuniram milhares de pessoas na defesa de suas posses contra as investidas de grileiros da região.

Esses camponeses se recusavam a entregar as suas posses aos grileiros que contrataram jagunços

para tentar expulsar estes campesinos das suas terras.

Este conflito teve um grande destaque com a entrada do Partido Comunista nestas lutas.

Essa aproximação do Partido Comunista facilitou a organização dos camponeses em conselhos e o

desenvolvimento do trabalho coletivo em mutirão contribuindo na defesa dos camponeses contra a

investida dos jagunços e da polícia.

É importante destacar que foi o Partido Comunista Brasileiro que trouxe para o Brasil a

discussão sobre Reforma Agrária e que através desta influência do partido nas lutas o tema

“Reforma Agrária” começou a ser incorporado na luta.

No Paraná, além dos conflitos do Contestado (Sudeste do Paraná e Centro-Oeste e Oeste de

Santa Catarina), houve também em 1950 a Guerrilha de Porecatu e o conflito do Sudoeste. A região

de Porecatu possuía mais de mil posseiros habitando as terras devolutas, e os conflitos aconteceram

porque o governo do Estado cedeu as terras, já ocupadas por camponeses, a grandes proprietários.

Em Francisco Beltrão e Capanema no sudoeste do Paraná ocorreram conflitos entre os

colonos e a Clevelândia Industrial e Territorial LTDA (CITLA), empresa madeireira e imobiliária.

Este conflito tem uma forte ligação com a Guerrilha de Porecatu pelo fato do Estado, mais

precisamente o governador Moisés Lupion, se envolver nas negociações das terras, que na maioria

das vezes eram repassadas para os próprios familiares do governador.

Com a finalidade de defender suas terras os camponeses se organizaram em várias

associações nos municípios da região. Essa organização levou os campesinos a marcharem sobre a

cidade de Francisco Beltrão e a fecharem as emissoras de rádio. O conflito só foi solucionado de

fato em 1962 com a criação do Grupo Executivo de Terras do Sudoeste do Paraná (GETSOP), que

possuía uma forte presença do exército.

A partir da década de 1950 surgiram no Nordeste as Ligas Camponesas que tiveram grande

significado não por sua espacialização5, mas pelos desdobramentos na formulação de uma proposta

para as questões relacionadas ao campo brasileiro. Os primeiros conflitos surgiram no engenho da

Galiléia em Vitória do Santo Antão (Pernambuco) devido às ameaças de despejo que os foreiros6

vinham recebendo.

5 Estas estavam concentradas no Nordeste, porém possuía alguns desdobramentos que refletiram em outros lugares. 6 Camponeses que pagam o foro para utilizar parte da propriedade do Engenho. O foro é a renda da terra que esses camponeses são obrigados a passar para o dono do Engenho.

19

Essas ameaças desencadearam uma resistência por parte dos trabalhadores do engenho, que

além da luta para permanecerem na terra passaram a incorporar as necessidades mais imediatas

como, por exemplo, a manutenção do sítio (área para o plantio de gêneros de subsistência),

diminuição do foro (tributo pago aos proprietários das terras), além de outras reivindicações. A luta

destes camponeses resultou mais tarde na formação da Sociedade Agrícola e Pecuária dos

Plantadores de Pernambuco que era a sede da Liga Camponesa de Galiléia7.

Surgiu também no Rio Grande do Sul nesta mesma época na cidade de Encruzilhada do Sul

o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER). Este resultou da organização de posseiros

contra as ameaças de despejo que vinham sofrendo.

Em 1962 surgiu uma nova forma de luta por parte dos camponeses. O acampamento no

perímetro dos latifúndios. A constituição de acampamentos marcou uma nova forma de luta pela

terra, pois não se tratava mais de posseiros resistindo ao despejo, ou greves de trabalhadores das

fazendas. Estas eram ofensivas de trabalhadores já expropriados que através de pressão direta sobre

o Estado demandavam terras ainda não cultivadas.

Nesse período, as lutas tiveram grande representatividade, porém eram lutas isoladas para

atender necessidades específicas de determinado local. Eram greves de colonos de uma determinada

fazenda de café, de cortadores de cana de uma mesma usina ou engenho, ou seja, elas não se

comunicavam, apesar de terem na maioria das vezes a mesma reivindicação elas não se

interligavam.

O avanço destas lutas fez surgir um grande número de sindicatos e associações resultando

na formação da ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil) que teve forte

influência do PCB na sua organização. Com isso, teve-se a organização de encontros entre os

trabalhadores que resultou em um período de melhor comunicação entre as diversas frentes de lutas.

Esses encontros tinham como função articular as diversas frentes de lutas para que a luta

pela reforma agrária ganhasse uma visão nacional. “Foi através desses encontros que, pouco a

pouco, a palavra de ordem reforma agrária começou a ganhar forças no interior das lutas, sempre

entendida como antifeudal e antiimperialista e como condição para uma revolução de caráter

democrático-burguês” (MEDEIROS, 1989, p.51).

Nesse contexto foram incorporados conteúdos políticos à reforma agrária, como é o caso do

conceito de latifúndio, por exemplo. Este conceito deixou de ser entendido apenas como grande

propriedade fundiária, improdutiva e atrasada tecnologicamente, passando a expressar uma relação

7 É importante destacar que a discussão sobre a Reforma Agrária, trazida para o Brasil pelo PCB, tomou força com as Ligas Camponesas.

20

de poder e exploração dos trabalhadores. Assim a luta contra o latifúndio incorporou conteúdo

político e ganhou legitimidade, passando a ser entendida no contexto das relações de poder e de

conflito de classes.

Com o golpe 1964 as lutas de resistência foram duramente reprimidas pelo governo militar.

A militarização da questão agrária8 buscou formas para conter essas tensões sociais que estavam em

ascendência. Um dos instrumentos utilizados foi à elaboração do Estatuto da Terra que era baseado

em um modelo desenvolvimentista. O Estatuto da Terra previa a classificação dos imóveis rurais

em minifúndio, latifúndios por dimensão e exploração e empresa rural.

O latifúndio e o minifúndio, fontes geradoras dos conflitos, deveriam ser substituídos pela

empresa rural. Considerado como uma irracionalidade, o latifúndio seria substituído por uma

exploração “racional”, ou seja, a empresa rural capitalista. Esse modelo ideal de imóvel rural

deveria cumprir a função social da terra determinada pela Constituição.

Dessa forma, a desapropriação de terras para a realização da reforma agrária ficou em

segundo plano, sendo a preferência para a tributação na extinção dos latifúndios. Os projetos de

assentamentos não tinham como centro a desapropriação dos latifúndios, mas sim a distribuição de

títulos de posse de terras (principalmente na Amazônia) aos agricultores despossuidos de terras.

Desse modo, não se tem por parte do governo uma política de Reforma Agrária com a eliminação

dos latifúndios, mas sim, de proteção aos mesmos. Além disso, essa distribuição de terras na

Amazônia tinha um caráter desmobilizador da luta pela terra que estava em ascensão no país.

Conforme MARTINS (1981),

O estatuto faz, portanto, da reforma agrária brasileira uma reforma tópica, de emergência, destinada a desmobilizar o campesinato sempre e onde o problema se tornar tenso, oferecendo riscos políticos. O estatuto procura impedir que a questão agrária se transforme numa questão nacional, política e de classe (MARTINS, 1981 p. 96).

As lutas tiveram seqüência nos anos seguintes ao golpe, porém de forma muito mais isolada,

localizada e com severas repressões. Diante desse quadro houve uma forte expulsão dos

camponeses de suas terras já que estas ações tinham a participação do Estado.

No final da década de 1970 surgem sinais de esgotamento das políticas agrárias e

econômicas do governo militar, com agravamento das tensões no campo brasileiro. Observa-se

neste momento, as greves nos canaviais em Pernambuco organizado principalmente pela CONTAG

e mais tarde em 1984 na região de Ribeirão Preto em São Paulo.

8 Ver MARTINS, J. de S. A Militarização da Questão Agrária.

21

Neste momento, tem-se também o surgimento de um sindicalismo combativo, o surgimento

da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 1975 e a participação de pequenos agricultores

principalmente os “integrados”, que criticavam a política agrícola exercida pelo governo.

Na década de 1980 intensificam-se os conflitos no campo. Nesse período tem-se a

incorporação de um novo sujeito na luta por seus direitos e por terra. Esses novos sujeitos da luta

são os camponeses expropriados pela construção de hidrelétricas. Esta forma de luta é nova pelo

fato de estes estarem sendo expropriados de suas terras não por latifundiários, mas por empresas

estatais.

Nesse caso, a expropriação não é feita pela modernização dos latifúndios, ou de empresas

privadas que se territorializam no campo, mas conduzida pelo próprio Estado. No Paraná, pode-se

registrar conflitos desta natureza, resultando no Movimento Justiça e Terra dos atingidos pela

construção da barragem de Itaipu.

A organização dos atingidos pela barragem de Itaipu contou com a participação da CPT,

pois o movimento sindical só aderiu a luta em um segundo momento porque estava enfraquecido

pela repressão da ditadura militar. Estas ações dos atingidos eram para conseguirem uma legítima

indenização e assentamento destas pessoas no próprio Estado, pois a empresa se recusava a pagar o

valor requerido, e procurou através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA) direcionar os fluxos migratórios para o Norte a fim de amenizar os conflitos na região.

Mas, a resistência dos atingidos continuou e contou com a organização de grandes acampamentos e

cercamento dos escritórios da Itaipu.

A expansão da fronteira agrícola para as áreas da Amazônia colocou em cena um novo tipo

de conflito, o dos seringueiros, dos posseiros, com os madeireiros e grandes latifundiários que

estavam derrubando a mata para a formação de grandes fazendas de gado. Os latifundiários

contavam com investimentos da SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento da

Amazônia) o que facilitou a compra dos seringais e a exploração da madeira e transformação em

pastagens.

Os seringueiros perceberam que a sua reprodução social estava ameaçada com a derrubada

da mata, pois a sua fonte de sobrevivência era a extração do látex das áreas nativas. Diante da

intensa derrubada da mata que os latifundiários/madeireiros vinham fazendo, os seringueiros

começaram a montar a resistência, que contou com o apoio do sindicato e da igreja. Dessa forma,

os seringueiros organizavam empates9 para impedir o avanço do desmatamento.

9 Grupos numerosos de homens, mulheres e crianças que se colocavam frente aos peões para impedir o desmatamento.

22

A resistência dos seringueiros sofreu várias baixas tais como o assassinato de seus principais

lideres (Wilson Pinheiro 1980 e Chico Mendes 1988), pelos latifundiários. Mas, através de suas

lutas conseguiram produzir bandeiras próprias, como a luta pela criação de reservas extrativistas, ou

seja, áreas pertencentes à União, mas de usufruto dos seringueiros e castanheiros, organizados em

cooperativas e associações.

Mesmo depois do assassinato de suas principais lideranças, os seringueiros vêm lutando

para garantirem sua sobrevivência. Porém, essa luta está longe de acabar porque estes sofrem com a

expansão capitalista sobre a mata, expansão esta que é incentivada pelo governo nacional que cria

formas para desmobilizar a luta dos seringueiros.

A expansão da fronteira agrícola principalmente para áreas da Amazônia coloca em xeque a

reprodução social também dos agricultores/posseiros10. Estes negam a sua proletarização e se

lançam em direção a áreas de fronteiras a fim de estabelecer ali um território de trabalho camponês.

O posseiro na verdade está em busca da sua “liberdade” e autonomia, ou seja, controlar seus

meios de produção para assim poder se reproduzir socialmente, o que ele quer é poder alimentar sua

família e não acumular capital. Já as empresas que vinham se instalando na fronteira buscavam a

possibilidade de acumular capital através da propriedade capitalista da terra, que para o posseiro

não têm importância. Para ele a terra é uma garantia de existência (terra de trabalho), não possuindo

importância como propriedade privada capitalista (terra de negócio).

Dessa forma, o que está em pauta é o uso da terra, a forma como está é utilizada, que levou

grileiros e grandes corporações empresariais a expulsar estes posseiros de suas posses. Com isso

esses tiveram duas alternativas, aceitar a expulsão ou resistir. A resistência camponesa que se teve

nestas áreas sofreu com a ação de jagunços e pistoleiros a mando dos grileiros. Sofreu também com

o incentivo do Estado a empresas que pretendiam explorar as terras da Amazônia. Com isso, aos

poucos mesmo resistindo os posseiros foram sendo expulsos de suas terras, para que a terra de

liberdade fosse dando espaço a propriedade capitalista.

1.2 - O SURGIMENTO DO MST

Neste contexto, caracterizado pela emergência dos conflitos no campo brasileiro surgiu à

mobilização dos trabalhadores rurais sem-terra. Estes surgem devido ao grande processo de

expropriação e expulsão dos camponeses principalmente os do sul do país, que impossibilitou a

reprodução social destes pequenos agricultores.

10 Pessoas migrantes que se apossam de uma determinada área de terra, a fim de ali ter um lugar para o seu trabalho livre e assim poder produzir o sustento de sua família.

23

Diante deste quadro de expulsão e expropriação dos pequenos agricultores de suas terras,

estes se organizaram e começaram a fazer ocupações de latifúndios como forma de pressionar o

Estado para resolver o problema da concentração de terras. As primeiras ocupações aconteceram

nos estados do Sul do Brasil, e simultaneamente se teve ocupações e organização dos arrendatários

familiares em São Paulo e Mato Grosso do Sul.

No Rio Grande do Sul houve a ocupação das fazendas Macali e Brilhante na região de

Sarandi; em Santa Catarina da fazenda Burro Branco em Campo Êre. No Oeste do Paraná ocorreu a

organização dos colonos e antigos posseiros afetados pela barragem de Itaipu que resultou na

formação do Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Oeste, que obtiveram apoio

principalmente da CPT. Neste mesmo período aconteceram as ocupações da fazenda Primavera em

Andradina/SP.

As lutas deste período apesar de serem bastante representativa eram lutas organizadas

localmente, não possuindo ligações “políticas” com os demais conflitos que vinham ocorrendo no

campo brasileiro.

O sindicato dos trabalhadores rurais (STRs) não tiveram presença na organização destas

lutas, pelo menos enquanto direção. Estas lutas deram origem a movimentos independentes que

tiveram forte apoio da igreja através da CPT.

As diversas frentes de lutas que estavam ocorrendo acabaram por resultar primeiramente em

um encontro entre as lideranças dos cinco Estados do sul do Brasil, Paraná, Rio Grande do Sul,

Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso do Sul na cidade de Medianeira/PR no ano de 1982.

Os encontros de representantes tinham por objetivo criar uma articulação entre as diversas

lutas que vinham ocorrendo no país, fato que veio a ocorrer dois anos mais tarde em um encontro

de representantes dos diversos movimentos na cidade de Cascavel no Paraná. Desse modo surge em

Cascavel no ano de 1984 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.

O MST surge com a proposta de articular estas diversas lutas que vinham ocorrendo em

todo o país, para que assim a luta pela reforma agrária fosse vista com “novos olhos”. Com seu

caráter popular o movimento passou a representar uma nova fase na organização dos camponeses e

também apresentou novas formas de luta como as ocupações, passeatas, etc. Estas são usadas como

estratégias para envolver o Estado sobre a questão da reforma agrária e também de mostrar para a

população a sua condição de excluídos não só da propriedade da terra, mas também dos meios

necessários para a sua sobrevivência.

Essa organização dos camponeses criou uma reação por parte dos latifundiários e do Estado

que aplicava forte repressão aos conflitos que emergiam. Uma forma encontrada pelos latifundiários

24

foi à criação da UDR (União Democrática Ruralista) que possui grande representatividade no

cenário político do país.

Apesar das adversidades encontradas os camponeses encontraram forças para resistir e lutar

pelo acesso a terra. As lutas dos camponeses, não são somente pela conquista da terra, mas por

direitos trabalhistas, liberdade de organização e principalmente pela realização efetiva de uma

reforma agrária.

As ocupações de terras e acampamentos são os principais instrumentos de luta dos

movimentos de sem-terra. Esta prática visa afetar o poder que é garantido as elites pela

concentração de terras, dessa forma, o acesso a terra por parte dos camponeses é essencial para

solapar a estrutura agrária vigente no campo brasileiro e para que se consigam novas conquistas,

tanto econômicas, como políticas.

Por meio de acampamentos e outras formas de lutas de resistência, os trabalhadores

organizados no MST passaram a recusar a proletarização e a conseqüente perda dos valores e

saberes camponeses. Dessa maneira, eles vêem na luta à possibilidade de retorno a terra, ao cultivo

de seus saberes e principalmente a manutenção da vida de sua família.

A luta pela reforma agrária tomou nova direção, desta vez com mais força devido à

articulação que estas tiveram. Com o surgimento do MST elas deixaram de ser apenas local, para se

expressarem em nível nacional, o que garantiu uma maior visibilidade para toda a sociedade das

questões que estavam sendo travadas no campo brasileiro.

A consolidação do MST fez com que as lutas ganhassem mais intensidade, aumentando

assim o número de ocupações e acampamentos. O fato das lutas realizadas por meio de ocupações

surtirem mais efeito, forçando ações do Estado em favor dos sem-terra, outros segmentos até

mesmo sindicais como é caso da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG), também começaram a se utilizar desta forma de luta (ocupação de terra).

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra procurou se espacializar como estratégia

de luta. Desse modo, o movimento se encontra articulado tanto nacional, como internacionalmente,

pois conforme discute FERNANDES (1996. p.136) “é na espacialização da luta pela terra que os

trabalhadores organizados no MST conquistam a fração do território e dessa forma, desenvolvem o

processo de territorialização do MST”.

A luta destes trabalhadores rurais resultou nos primeiros assentamentos de reforma agrária

em todo país. A realização do assentamento, etapa posterior à ocupação, se constitui na

materialização das relações camponesas, pois estas relações precisam de um espaço territorializado

para que seja construído o território camponês. Portando, a conquista da terra é pré-requisito para a

territorialização do camponês e para luta deste contra a territorialização das relações capitalistas.

25

Com as conquistas de frações do território pelos camponeses, as suas lutas apresentam

outros desdobramentos. Agora passam a se preocupar com a sua reprodução na terra enquanto

assentados, o que também tem sido luta dos pequenos agricultores frente à ordem expropriatória do

sistema capitalista. Dessa forma, a luta dos camponeses com a realização do assentamento se baseia

na busca de recursos para a produção e para melhores condições de vida. Após a conquista da terra

a luta camponesa não perde sua organização, pois continua dotada de grande conteúdo político

entre os assentados.

Nos dias atuais, as lutas no campo estão organizadas principalmente nos movimentos sociais

de luta pela terra onde o de maior representatividade é o MST. A discussão em torno da reforma

agrária passou a incorporar novos elementos como a luta pela biodiversidade e pela retomada de

valores camponeses. A luta pela reforma agrária é acima de tudo uma luta pela manutenção do

modo de vida camponês que se nega a aceitar as condições de exploração impostas pelo sistema

capitalista.

Atualmente, o MST e a Via Campesina são os movimentos que possuem maior

representatividade tanto no cenário nacional, quanto internacional. Este fato não quer dizer que não

existam outros movimentos que lutam pelo acesso a terra e por condições para trabalhá-la. Pode-se

citar entre eles o Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), o Movimento dos Pequenos

Agricultores (MPA), os Indígenas que também podem ser considerados como um movimento, entre

outros que possuem representatividade nas lutas sociais do campo.

A emergência dos conflitos no campo brasileiro indicam que os camponeses estão inseridos

na vida política do país e que através de manifestações e ações, como ocupações de terras

questionam, e ao mesmo tempo, negam o lugar imposto a eles pelo avanço capitalista no campo.

Essas manifestações de repúdio a condição dos trabalhadores no campo, são feitas por diversos

grupos sociais que tinham/têm propostas distintas, porém que representam a necessidade de

políticas voltadas a esses trabalhadores.

A expansão do sistema capitalista no campo expropriou grande contingente de trabalhadores

rurais que ficaram marginalizados em uma situação de miserabilidade. Esta expansão foi apoiada

ou promovida pelo Estado brasileiro que através de políticas beneficiaram tanto a concentração de

terras, quanto o fortalecimento das chamadas agroindústrias.

Como resume GRZYBOWSKI (1987 p.88) “o Estado totalizador, autoritário e excludente é

um legado das classes dominantes para a sociedade brasileira”. Desse modo, o surgimento de

movimentos sociais de contestação da ordem imposta são lutas de classes excluídas, contra a

exclusão, social, política, da terra, e do direito a vida. Ou seja, é através dos movimentos que os

trabalhadores rurais lutam pelos seus direitos, pois a tentativa de se organizarem em sindicatos foi

26

aprisionada pelo Estado quando este legalizou a sindicalização dentro dos moldes corporativista, e

transformou os sindicatos em meros prestadores de assistência, principalmente os STRs.

Os movimentos sociais ampliam a presença camponesa na arena política e impõem para a

sociedade o reconhecimento de sua condição. Sendo assim para se entender as dimensões da

questão agrária brasileira é preciso olhar para os conflitos e para a constituição dos sujeitos políticos

no campo.

27

II - A LUTA PELA TERRA NO PARANÁ

As tensões sociais existentes atualmente no campo paranaense não são novidades na história

deste Estado, estando assentadas nas amplas transformações ocorridas no campo brasileiro. A

constante busca pela modernização agrícola e as fraudulentas ações do Estado acarretaram na

expulsão/expropriação de um grande número de trabalhadores rurais, posseiros, meeiros e

agricultores de suas terras.

Esses fatos implicaram num esboço de resistência por parte dos trabalhadores diante da

situação que estava sendo imposta a eles. Com isso, estes trabalhadores do campo começaram a se

organizar e lutar para garantir a posse da terra. Através destas reações coletivas, os camponeses vêm

conseguindo operacionalizar um conjunto de conquistas que não se desdobram apenas na conquista

da terra, mas desembocam também na melhoria das condições de sobrevivência destes

trabalhadores rurais.

Percebe-se assim, que somente através da organização e do enfrentamento com o Estado e

aos latifundiários é que os camponeses conseguem conquistar a terra e recursos para trabalhá-la.

Pois, as políticas para o campo que temos presenciado desde o período colonial sempre têm

favorecido grandes proprietários rurais e o investimento de capital estrangeiro em detrimento dos

pequenos lavradores e camponeses.

Contudo, vemos nos últimos anos uma aceleração destas políticas de apoio aos grandes

proprietários e também de políticas para a modernização do campo. Entre os fatos que implicaram

num recrudescimento da luta dos trabalhadores rurais no Paraná no final da década de 1970 e início

da década de 1980 está a construção da barragem de Itaipu que expulsou milhares de agricultores de

suas terras, a mecanização agrícola que também tomou o lugar dos posseiros e meeiros, e o

incentivo do Estado aos grandes latifundiários.

Para entender este período de lutas causadas pela modernização agrícola e atos de esbulho

praticados pelo Estado ou empresas privadas contra os pequenos agricultores é necessário que se

faça uma abordagem desde as primeiras revoltas camponesas no Paraná.

Assim, é possível verificar como os camponeses reagiram e reagem a essa expulsão do

campo a qual estavam e estão submetidos, entendendo também como a resistência dos camponeses

impede que o capitalismo consiga dominar todas as relações existentes no campo. Estes se negam a

tornar-se inteiramente subordinados ao capital e aceitar as condições que este impõe ao

campesinato, buscando através da luta o domínio dos meios de produção, como é o caso da terra,

que para o camponês significa a manutenção da sua vida.

28

2.1 - A ORIGEM DAS LUTAS NO CAMPO PARANAENSE

As lutas no campo paranaense estão relacionadas principalmente à questão da posse da terra.

Dentre as lutas camponesas que marcaram o início da organização camponesa no Paraná podemos

citar a Guerra do Contestado, a Guerrilha de Porecatu e a Revolta do Sudoeste.

A guerra do Contestado ocorrida no Centro-Oeste de Santa Catarina e Sudeste do Paraná

surgiu através da organização dos camponeses, posseiros, com o objetivo de resistir contra a

expulsão de suas terras, em decorrência da construção da ferrovia Rio Grande-São Paulo pela

empresa Brazil Railway, e também pela ação de grileiros. Para tanto, os construtores da ferrovia,

bem como os grileiros da região contavam com o apoio do Estado para expulsar os camponeses e

posseiros que ali se encontravam.

O movimento do Contestado embora sofresse forte repressão dos governantes da época,

nunca teve reconhecimento político, pois era considerado um movimento religioso e não político.

Isso ocorreu pelo fato deste movimento, juntamente com o movimento de Canudos, eram

considerados como movimentos messiânicos, onde toda a organização dos camponeses estava

voltada para a liderança de um “messias”. Por isso, estes movimentos foram considerados como

movimentos religiosos, não recebendo destaque político, porém a repressão não deixou de existir.

Na década de 1950, houve também no norte do Estado do Paraná a guerrilha de Porecatu.

Esta região era densamente ocupada por posseiros que ali se instalaram em terras devolutas a fim de

garantir a sobrevivência de suas famílias e do modo de vida camponês. Através da ocupação das

terras devolutas e da manutenção de suas posses, esses posseiros, negavam a essência que rege o

capitalismo no campo, ou seja, eles negavam o pagamento da renda da terra.

Mas, como a política agrária nacional e estadual estava voltada para os interesses dos

grandes proprietários de terras, colonizadoras e o empresariado rural, os camponeses foram

expulsos das suas posses. O governo do Estado paranaense havia repassado estas terras a grandes

proprietários rurais. Diante de tal situação, os camponeses que ali habitavam se armaram e

organizados no partido comunista, passaram a lutar contra os despejos, buscando garantir seu modo

de vida, que se da pela sua manutenção na terra, negando assim a proletarização das suas famílias.

Conflito semelhante ao que ocorreu em Porecatu foi o ocorrido no Sudoeste do Paraná. Pois,

novamente o governo do Estado paranaense cede as terras até então ocupadas por colonos que

motivados pela abertura de uma colônia agrícola (Colônia Agrícola Nacional de General Osório -

CANGO), para ali migraram, ao controle de uma empresa madeireira e imobiliária.

A exploração madeireira e o comércio de terras que surgiam como atividade promissora,

transformou o sudoeste paranaense num alvo central de ações de empresários e segmentos

29

dominantes da política paranaense. Sendo assim, a região sudoeste do Paraná ficou refém de

interesses políticos-partidários, resultando no desentendimento entre o Estado e a União em relação

aos loteamentos feitos na região. Considerando que a União havia feito a concessão de terras aos

colonos que para ali migraram, mas, o Estado por meio do governador Moisés Lupion entregou o

domínio destas mesmas áreas a empresas madeireiras e imobiliárias.

Devido às circunstâncias os colonos que ali haviam comprado suas terras, foram

considerados posseiros, visto que as terras onde estes se encontravam passaram a ser de domínio da

CITLA (cedidas pelo governo do estado), o que levou a revolta destes colonos. Esses se

organizaram em associações e depois de muita luta e resistência, conseguiram seu direito sobre o

pedaço de terra que haviam adquirido.

A situação só foi resolvida com a militarização do conflito, visto que assim foi possível

“conciliar” os interesses do Estado e da União. Em 1962 foi criado o GETSOP (Grupo Executivo de

Terras do Sudoeste do Paraná) com o objetivo de dar fim ao conflito. Esse mesmo grupo possuía

uma forte presença do exército, colocando em evidência a militarização da questão agrária que o

governo estava propondo, conforme MARTINS (1982).

2.2 - LUTAS CONTRA A EXPROPRIAÇÃO/EXPULSÃO CAUSADAS PELA

MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA

As lutas pela terra no Estado do Paraná estão inseridas num contexto de mudanças ocorridas

na agricultura, mudanças estas que expulsaram milhares de trabalhadores do campo. Muitos foram

obrigados a migrar para as cidades, ou outras regiões como a Amazônia, ou até mesmo para o

Paraguai. Com o advento da “modernização conservadora”11 no Paraná, houve uma reorganização

do espaço agrário, visto que a grande maioria dos estabelecimentos de pequeno porte deixaram de

existir, acarretando numa diminuição da população rural no Paraná.

Para BONIN et. al. (1991) estas transformações ocorridas no campo paranaense não tiveram

apenas impactos na diminuição dos pequenos estabelecimentos agrícolas, mas também

influenciaram nas relações de trabalho existentes no campo.

A modernização influenciou diretamente nas relações de parceria e de arrendamento que

existiam. Dessa forma, muitos agricultores que trabalhavam como arrendatários ou parceiros não

conseguiram mais terras para trabalhar, visto que, os grandes proprietários que arrendavam as terras

11 SILVA, J. G.da. 1982

30

só precisam dos mesmos para o “amansamento” delas, e com o surgimento de maquinários isto já

não se fazia necessário.

Sendo que, a maioria destes sujeitos eram camponeses que mantinham relações de parceria e

arrendamento, a modernização agrícola gerou um conjunto de sujeitos expulsos do campo

brasileiro. Pois, a expulsão caracteriza-se pelo fato de estes não serem proprietários de suas terras

de trabalho. Portanto, “não se trata necessariamente de expropriação dos trabalhadores rurais, mas

de mudanças que levaram à expulsão, pois estes trabalhadores não eram os proprietários da terra”.

(FABRINI, 2001, p. 76). É importante ressaltar que com a modernização agrícola a concentração

das terras no Paraná (que sempre se apresentaram de maneira concentrada) se intensificou.

Por outro lado é preciso considerar que ocorreu também, a expropriação de camponeses do

campo. Estes possuíam pequenos estabelecimentos agrícolas e não resistiram às mudanças ocorridas

na agricultura, obrigando-se a vendê-los e migrar para a cidade ou novas áreas de expansão

agrícola.

A partir do final da década de 1970 entra em cena um novo elemento de expropriação de

trabalhadores do campo, a construção de complexos hidrelétricos.

... o Paraná, como o país, foi palco de um processo que conduziu à expropriação de milhares de produtores e trabalhadores rurais: a construção em série de hidrelétricas e a conseqüente desapropriação de terras produtivas e densamente ocupadas. Este processo obedece a uma mesma lógica do modelo agrícola modernizador, qual seja, a de abrir novos campos de aplicação do capital nacional e internacional no Brasil, além do seu objetivo explícito, que era criar condições para o desenvolvimento ampliado das atividades industriais e de serviços. (BONIN et. al, 1991, p.120).

Na construção de hidrelétricas, o Estado buscou garantir o desenvolvimento de uma

determinada classe social, deixando para segundo plano os atingidos pelas obras das barragens. Um

dos problemas causados aos pequenos proprietários afetados pela construção desses complexos

hidrelétricos foi o não pagamento justo das indenizações.

Um conjunto de transformações políticas, econômicas e técnicas (abertura política,

acirramento dos conflitos, etc.) criaram condições para o crescimento das mobilizações dos

trabalhadores do campo. Dessa forma, no final da década de 1970 têm-se no Paraná importantes

manifestações que demonstravam a consistência das lutas dos agricultores paranaenses.

As mobilizações realizadas pelos trabalhadores afetados pela construção da usina

hidrelétrica de Itaipu são exemplares. Pode-se dizer que esta organização dos agricultores foi o

primeiro passo para posteriormente à criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST).

31

Os agricultores atingidos pela Itaipu se organizaram e posteriormente com o apoio da CPT

principalmente, formaram o “Movimento Justiça e Terra”, que reivindicava a justa indenização das

terras e das benfeitorias ali existentes, bem como o reassentamento das famílias no próprio Estado

do Paraná.

Nesse contexto, o município de Santa Helena foi o centro geográfico da luta dos atingidos

pela barragem de Itaipu, visto que os expropriados fizeram diversas manifestações, como

acampamentos na cidade, em frente ao escritório da Itaipu. Desse processo de luta o maior ganho

dos atingidos pela criação do lago foi à coragem de reivindicar seus direitos, indicando assim maior

consciência política e social. Destaca-se na organização dos expropriados, o papel da Igreja (parte

progressista), tanto Católica como a Luterana.

Neste período, também foram desenvolvidas lutas de pequenos agricultores contra a política

agrícola existente. Muitos caíram nas armadilhas da modernização agrícola, tornando-se assim os

chamados agricultores “integrados”. Este fato implicou na sua prisão junto ao capital comercial e às

empresas de aves, suínos e as fumageiras.

Estes agricultores tornaram-se produtores especializados em determinada produção

(plantadores de fumo, soja, criadores de ave, suínos, etc.), deixando de lado a diversidade dos

cultivares que antes possuíam. Isso impulsionou a subordinação dos pequenos proprietários às

empresas integradas que pagavam baixos preços aos produtos produzidos pelo agricultor e

cobravam altos preços aos insumos cedidos a estes agricultores. “Tal mudança – que representou o

desenvolvimento acelerado das forças produtivas na agricultura – acarretou um processo de estreita

seleção e ampla exclusão dos pequenos produtores rurais”. (GRZYBOWSKI, Apud BONIN, A. A.

et. al. 1991 p.122.), ou seja, este processo fez com que muitos agricultores perdessem suas terras

devido às políticas agrícolas que estavam sendo exercidas naquele momento.

Só uma pequena parcela de pequenos agricultores conseguiu se capitalizar, pois a formação

dos agricultores “integrados” foi um processo de estreita seleção, ou seja, a modernização a partir

do complexo agroindustrial dividiu os pequenos agricultores, transformando-os em modernizados

ou em excluídos, inclusive dos meios de produção. Diante dessa situação de

exploração/expropriação os pequenos agricultores buscaram meios para se organizar e lutar contra

este fato.

A luta dos expropriados por Itaipu ocorreu paralelamente à luta dos pequenos agricultores

rurais que trabalhavam com a criação de suínos e que lutavam contra as Notas Promissórias Rurais

(NPRs). Essa luta ocorreu porque o frigorífico FRIMESA de Medianeira entrou em processo de

concordata, e os Bancos, embasados na Lei 167, de 14 de fevereiro de 1967, passaram a cobrar as

notas promissórias do agricultor que vendia os suínos para o frigorífico.

32

Diante disso, os agricultores de diversos municípios do Oeste paranaense passaram a se

organizar, realizando reuniões e manifestações a fim de pressionar o poder público para desvincular

os suinocultores do pagamento das NPRs. Através dessa luta, os agricultores conseguiram se liberar

do pagamento das NPRs. A luta das notas promissórias rurais iniciou-se alguns meses antes da luta

dos expropriados de Itaipu e ocorreu concomitantemente a esta, visto que vários expropriados

também possuíam as notas promissórias.

Existiram também lutas dessa natureza em outras regiões do Estado do Paraná, como foi o

caso da luta dos cafeicultores, dos fumicultores, dos sojicultores contra o confisco cambial da soja,

contra os indeferimentos do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO), entre

outros.

Esse tipo de luta contra as políticas agrícolas existentes no Estado nesse período (1980),

foram organizados na sua maioria por pequenos agricultores e contaram também com a participação

de grandes produtores nas manifestações. Porém, os benefícios conquistados não foram os mesmos.

As vantagens oferecidas pelas políticas agrícolas sempre favoreceram o grande produtor rural,

ficando o pequeno a sofrer com as desvantagens impostas à agricultura.

A luta contra o pagamento das NPRs12 e a luta dos expropriados de Itaipu, através do

Movimento Justiça e Terra, representou um aprendizado na organização dos agricultores na busca

pelo seus direitos.

Como desdobramento do Movimento Justiça e Terra surgiu em 1981 no Oeste paranaense o

Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná (MASTRO). Esse movimento surge no

contexto de mobilização dos agricultores sem terra que foram expulsos pela Itaipu. Entre esses

trabalhadores rurais estão arrendatários e posseiros que estavam sem direito à indenização. O

MASTRO se constitui em uma nova forma de luta. Enquanto, o Movimento Justiça e Terra lutava

para garantir a posse da terra, o MASTRO inaugura uma nova proposta, à da reforma agrária,

lutando assim para terem o direito à posse da terra e a recursos para a permanência na mesma.

A Igreja teve papel fundamental na organização do MASTRO. “Coube a ela, naquela

circunstância histórica, oferecer a direção política à luta dos trabalhadores. A forma como se deu

esta atuação emprestou ao movimento características político-religiosas” (BRENNEISEN, 2002 p.

39). Isso explica porque o Movimento tinha no seu início uma visão bastante religiosa, pautada na

bíblia.

No ano de 1983 surge no Sudoeste do Paraná o Movimento dos Agricultores Sem Terra do

Sudoeste do Paraná (MASTES). Este movimento se organizou principalmente com o apoio da

12 A maior ênfase é dada a esta luta exatamente pela proximidade da luta dos expropriados de Itaipu, que mais tarde as duas desembocaram na constituição do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste. (MASTRO).

33

Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (ASSESOAR)13, e da CPT. A

particularidade do MASTES em relação a outros movimentos que surgiam nessa época “foi uma

participação mais efetiva, desde seu inicio, dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais da região,

assessorados pela ASSESOAR”. (BONIN, et. al. 1987, p. 74).

Desse modo, surge no campo paranaense, diversos movimentos de representação dos

agricultores, os mesmos surgem, devido a total omissão dos STRs em relação a luta dos

camponeses. Por isso, estes camponeses começam a se organizar em movimentos com o propósito

de lutar pelos seus direitos, visto que o sindicato dos trabalhadores rurais nesta época possuía

apenas uma atuação meramente assistencialista.

Os STRs só começam a representar a classe camponesa a partir da organização dos mesmos

e o surgimento de movimentos de representação desta classe. Outro fato a ser considerado com

relação aos STRs é que estes começam a representar mais ativamente os trabalhadores do campo

somente com o surgimento de uma esquerda dentro dos sindicatos, que buscou assumir o controle

dos mesmos.

Nesse sentido, é significativa a leitura de FERREIRA (1987), sobre a emergência de um

sindicalismo mais combativo para os trabalhadores do campo.

A constituição dos movimentos de sem-terra e seu fortalecimento, a partir do apoio da CPT e de setores da Igreja Católica, acentuou o processo de conflito entre, de um lado, agentes de tais organismos e lideranças emergentes de suas áreas de atuação e, de outro, as diretorias de sindicatos de trabalhadores rurais com posturas mais assistencialistas. Contrapondo-se a estas direções que qualificavam de “pelegas”, as novas lideranças conseguiram ganhar eleições em cerca de 25% dos sindicatos do Estado, especialmente nas regiões Oeste e Sudoeste, durante os anos imediatamente posteriores a 1982 (83 a 84). Além disso, iniciaram um novo tipo de sindicalismo que tanto foi importante para mudanças nos demais sindicatos, quanto incentivou a constituição de vários núcleos de oposição por todo o Brasil. (FERREIRA, 1987, p. 30-31).

Percebe-se, no entanto, que há uma conquista principalmente dos sindicatos das regiões

Oeste e Sudoeste devido exatamente à trajetória de lutas dessas regiões e também pelo fato da

organização de movimentos como o MASTRO e o MASTES nesses locais.

No início da década de 1980 os agricultores tiveram um forte apoio de alguns Sindicatos de

Trabalhadores Rurais (STRs), sendo que muitos destes estavam exercendo apenas atividades de

caráter assistencialista. Mas, a partir da organização dos agricultores, houve também a organização,

13 Entidade fundada por padres belgas, pertencentes a ala progressista da igreja católica, que tinha como principal objetivo o desenvolvimento de um trabalho de organização dos pequenos agricultores, empenhando-se na formação de lideranças comunitárias.

34

para tentar assumir a diretoria de alguns STRs paranaenses, e assim contribuir na luta dos

trabalhadores rurais.

Dentre os STRs que deixaram o caráter assistencialista e buscaram uma maior participação

na luta dos agricultores, há o STR de Medianeira, que entre suas várias ações em defesa dos

agricultores, contribuiu com o MASTRO na realização de diversos acampamentos e assentamentos.

Nesse período, vários outros STRs foram assumidos por diretores progressistas e abandonaram o

caráter assistencialista que havia sido imposto pelo governo militar. Passaram a ser mais ativos nas

lutas dos trabalhadores, exercendo assim papel fundamental na organização e luta dos mesmos.

Nessa época surgem em todo o Estado paranaense diversos movimentos camponeses de luta

pela terra. Dentre os vários movimentos que surgiram no Paraná pode-se citar o Movimento dos

Agricultores Sem Terra do Litoral (MASTEL), Movimento dos Agricultores Sem Terra do Centro

Oeste (MASTRECO), e o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Norte do Paraná (MASTEN),

dentre vários outros acampamentos independentes que surgiram.

Torna-se importante destacar neste contexto de lutas a organização dos Ilhéus do Rio

Paraná, que a partir de 1982, começaram a lutar em busca do assentamento das famílias, que

moravam nas ilhas do Rio Paraná e foram atingidas pelo lago de Itaipu.

Neste período de ascensão das lutas no campo, a prática do acampamento ressurge, visto que

através dela os sem terra conseguem dar uma maior visibilidade a sua luta. Outro fato importante a

ser destacado é que o acampamento ajuda na formação política ideológica das pessoas envolvidas,

contribuindo assim para o maior envolvimento das pessoas com a luta.

É importante ressaltar, por outro lado, que não é a vida difícil e o sofrimento enfrentado

pelos trabalhadores sem-terra no acampamento que possui conteúdo pedagógico, mas o

acampamento surge como possibilidade de socialização política, visto que os acampados passam a

compor um grupo integrado e agregado na mesma luta.

Isso não acaba quando as famílias são assentadas. Muito pelo contrário, as famílias exercem

certas práticas que foram aprendidas no acampamento, fazem discussões em grupos de famílias,

continuam reivindicando seus direitos. Por isso, pode-se dizer que o acampamento possui um

caráter pedagógico que auxilia na formação tanto política-ideológica como social do indivíduo.

Estes movimentos de luta pela terra que surgiram no início da década de 1980 eram

movimentos muito localizados/regionalizados, não se comunicando com as demais lutas que

estavam acontecendo em outras regiões. Porém, esses movimentos impulsionaram o surgimento do

MST, movimento que mais tarde veio a unificar essas diversas frentes de luta, e que possui em sua

bandeira não somente a luta pela terra, mas também pela reforma agrária e políticas que venham

atender os pequenos agricultores.

35

As origens do movimento dos sem terra no Paraná são encontradas na expulsão e

expropriação dos camponeses. Estes tiveram como única alternativa à reação coletiva pela

(re)conquista da terra. Esta reação desembocou na formação da identidade de sem-terra, construída

no decorrer do processo de luta que estes camponeses desenvolveram.

Com o MST, houve uma redefinição no caráter da luta pela terra, dando maior visibilidade à

sua organização e as formas de luta empreendidas. É justamente a forma de organização e a perspectiva de luta colocada por este movimento que dão a atual luta pela terra no Brasil – e em especial no Paraná, onde tem sido mais significativa – sua diferença e originalidade em relação aos períodos anteriores. (...) Seus princípios e propostas sugerem, na verdade, um salto qualitativo em termos de organização da ação popular no meio rural, transcendendo o localismo de lutas anteriores e recuperando uma preocupação constante com a participação efetiva das suas bases no processo de decisão. (BONIN et. al. 1991, p. 123)

Assim sendo, o MST conseguiu articular as diversas frentes de luta que estavam ocorrendo

no Paraná, rompendo o isolamento geográfico em que cada uma se encontrava, ou seja, as lutas

deixaram para trás seu caráter regional para se inserirem num mundo mais amplo de reivindicações

e luta pela conquista de direitos para os camponeses.

Foi com esta articulação a nível nacional que os trabalhadores rurais sem terra conseguiram

dar maior visibilidade à luta pela terra e vêm conseguindo operacionalizar um conjunto de

conquistas referentes aos interesses camponeses como, assentamentos e políticas públicas para os

assentados.

O MST ampliou a presença camponesa nas discussões políticas, forçando o Estado a buscar

algumas soluções para os problemas agrários que estavam colocados. Através das ocupações,

acampamentos e assentamentos os sem terra buscam transformar o território do latifúndio em

território camponês, ou seja, território de manutenção da vida e não de especulação e acumulação

capitalista.

Com essa trajetória de lutas contra a opressão exercida pelos latifundiários, os sem terra do

MST vem alcançando várias conquistas no decorrer dos últimos 23 anos. Por outro lado, os

camponeses sofreram muito com a violência e a perseguição instaurada por milícias particulares e

policiais apoiadas pelo Estado, que possuíam o intuito de desmobilizar a luta pela terra e de

criminalizar os movimentos sociais.

A criação da UDR em 1985 foi uma prova clássica da organização dos latifundiários a fim

de acabar com as ações do MST. Embora os camponeses sem terra estejam sofrendo com as ações

violentas cometidas por essa organização dos latifundiários, eles (o MST) vêm conseguindo

36

conquistar espaços, isso devido a sua capacidade de organização e articulação até mesmo

internacionalmente.

A luta dos camponeses reflete na criação de assentamentos rurais, conquistados a partir de

suas mobilizações. Os assentamentos rurais tornam-se reflexos do processo de

expulsão/expropriação que ocorreu no campo, pois estes buscam nos assentamentos a

territorialização de seu modo de vida.

É nesse contexto de lutas e enfrentamentos contra a opressão que se instaurou no campo

brasileiro e principalmente paranaense que, situamos o Centro-Sul do Paraná, mais precisamente a

região de Quedas do Iguaçu nesse processo de luta. Isso porque, essa região não estava

desvinculada dos atos de esbulho cometidos pelo Estado e por latifundiários contra os camponeses

que habitavam estas terras.

Além da ação de grileiros nessa região, os camponeses que ali habitavam, tiveram também,

que lutar contra a política de modernização agrícola incentivada pelo governo federal e estadual.

Muitos trabalhadores rurais que eram arrendatários, por não possuírem terras para o trabalho, foram

obrigados a deixarem as mesmas.

Estes trabalhadores, não vendo a possibilidade de existência enquanto camponeses e não

possuindo condições de comprar um pedaço de terra para garantir sua sobrevivência, decidiram

lutar contra a subordinação/exploração a qual os trabalhadores do campo foram e estão sendo

submetidos. A partir da sua luta os mesmos buscam romper com a ordem social que esta posta, pois

a mesma favorece apenas os detentores de capital e não os trabalhadores.

Dessa forma, através de lutas que os camponeses da região de Quedas do Iguaçu vem

operacionalizando uma série de conquistas a seu favor. E, neste contexto, é de extrema importância

à participação do MST na organização de tais camponeses e no empreendimento dos mesmos na

luta. Uma das lutas e conquistas conseguidas pelos trabalhadores rurais da região de Quedas do

Iguaçu é o assentamento Rio Perdido, tema que será tratado no próximo capítulo.

A terra onde foram assentados estes camponeses deixou de ser terra de especulação, onde

servia os interesses do capital especulativo, para se tornar na materialização das relações

camponesas, em território de luta e resistência camponesa.

37

III - O ASSENTAMENTO RIO PERDIDO E AS ATIVIDADES ASSOCIATIVAS

As transformações ocorridas tanto no campo paranaense como brasileiro, decorrentes

principalmente do processo de modernização da agricultura trouxeram uma série de implicações

para os camponeses, arrendatários, meeiros, dentre outros pequenos agricultores, ou seja, trouxe

diversas mudanças nas relações sociais de produção existentes no campo. A mais “grave” foi à

expropriação e expulsão dos camponeses das terras, às quais os mesmos cultivavam.

Este processo atingiu os camponeses da região de Quedas do Iguaçu, onde se localiza o

assentamento Rio Perdido, objeto principal deste estudo. Essa região não está desvinculada do

conjunto de transformações ocorridas no campo paranaense em que muitos camponeses perderam

ou foram expulsos da terra. Além disso, nas décadas de 1950 e 1960 existiram ações de grileiros

nessa região o que também contribuiu para explicar a expulsão de muitos camponeses de suas

terras.

Estes camponeses expulsos e expropriados não vendo a possibilidade de sobrevivência nas

cidades e não possuindo condições financeiras para adquirir um pedaço de terra, resolveram lutar

pela conquista da terra e também contra a subordinação/exploração a qual os trabalhadores do

campo estão sujeitos. A partir da sua luta, buscaram romper com a ordem que condena os

camponeses e trabalhadores à miséria e a pobreza.

É neste contexto de expulsão das terras que situamos a luta dos camponeses e a conquista do

assentamento Rio Perdido. Estes não visualizando outra forma de reprodução de suas vidas

enquanto camponeses decidiram se organizar e lutar com a finalidade de garantir sua existência.

Esta existência é garantida pela sua manutenção na terra. Segundo BRENNEISEN (1994),

A terra para o homem do campo possui um significado especial, ela não significa um bem, um valor para negócio, para a obtenção de fins lucrativos com a sua venda. Para ele a terra é meio de vida para ser trabalhada e retirar dela seu sustento garantindo assim sua própria reprodução social (BRENNEISEN, 1994. p.121).

Dessa forma, partem para o enfrentamento contra o latifúndio e o Estado, a fim de que lhes

sejam garantido os meios de produção, neste caso, a terra. “A gente veio porque nóis não tinha terra

e eu morava com meu avô e a família era grande, compra a gente não podia então a solução foi

partir para a luta”14 (Assentado A, 2007).

14 Entrevista durante trabalho de campo (fevereiro, 2007).

38

3.1 - FORMAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO RIO PERDIDO

A luta dos camponeses do Rio Perdido, resultou na compra pelo governo federal de parte da

fazenda Rio Perdido, esta área pertencia a um imóvel maior denominado Rio das Cobras. Em 12 de

novembro de 1987, o então Ministro de Estado da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, através

da Portaria Nº. 233/87 autorizou a aquisição de uma área de 1.200,00 ha e benfeitorias existentes

sobre a mesma.

Em 27 de outubro de 1988 foi publicada a Portaria de Nº. 1.431/88 assinada, pelo Ministro

de Estado da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, que criou o Projeto de Assentamento (PA)

Rio Perdido, inicialmente com capacidade para 50 unidades agrícolas familiares. A emissão de

posse só foi expedida em maio de 1988, como é possível observar no Plano Oficial de criação do

assentamento (MIRAD, 1988), “o Imóvel foi registrado em nome da União Federal sob a matrícula

nº 865 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Quedas do Iguaçu, Estado do Paraná, em

data de 11/Maio/88”.

Conforme consta no projeto de criação do assentamento, o imóvel onde foram assentadas as

famílias encontra-se sob domínio da União Federal, sendo que as famílias assentadas não possuem

os títulos dos lotes em seu nome. Elas possuem um contrato de utilização das terras. Segundo

informações coletadas durante depoimento de técnicos do INCRA (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária) da Unidade Avançada Iguaçu, localizada em Francisco Beltrão,

houve a distribuição dos títulos para algumas pessoas do assentamento. Porém, estes títulos terão

que ser devolvidos e refeitos, pois segundo os técnicos do INCRA havia algumas irregularidades.

Os técnicos ainda afirmam que pretendem dar início ao processo de passagem dos títulos

para o nome dos assentados, porém a partir da titularização, os assentados terão que começar a

pagar os lotes ao governo federal, visto que a área foi obtida não por desapropriação, mas sim por

aquisição.

A fazenda Rio Perdido foi adquirida pelo Ministério da Reforma e do Desenvolvimento

Agrário – MIRAD, via negociação amigável, conforme a portaria Nº 233 de 12 de novembro de

1987, a título de indenização foi, pelo MIRAD, efetuado o pagamento de um montante de CZ$

32.472.000,00, pagáveis em TDA (Títulos da Dívida Agrária) com cinco anos de prazo, porém

podendo ser resgatados a partir do segundo ano na proporção de 25%, no terceiro ano 25%, no

quarto ano 25% e no quinto ano os 25% restantes.

Portanto, a área foi obtida por aquisição, não havendo assim, Decreto de Desapropriação e

nem processo que tenha tramitado na Justiça, pois a venda e os valores foram acordados

amigavelmente.

39

Essa forma de destinação das terras para fins de assentamento através de aquisição vai

contra a proposta de reforma agrária formulada pelos movimentos sociais que é a desapropriação de

áreas sem o pagamento da terra, e a destinação destas para assentamentos de camponeses, visto que

essas áreas na maioria das vezes se encontram em situações irregulares (latifúndios, trabalho

escravo, grilagem, entre outros).

Essa forma de desapropriação por meio de aquisição não visa solapar a estrutura agrária

existente, mas sim está a favor dos latifundiários e grileiros na medida em que transfere para as

mãos destes a renda da terra. É, através da renda gerada pela venda das terras ao governo que os

proprietários fundiários compram áreas maiores em outros lugares.

Porém, o que os latifundiários não querem é que o pagamento destas terras seja através de

TDAs, pois são resgatados a longo prazo e, perdem “valor”. Conforme MARTINS (1981), a

reforma agrária a partir da aquisição de terras não traz nenhuma infelicidade para aos latifundiários,

desde que esta seja paga em dinheiro e à vista.

O autor afirma também que a venda da terra de uma só vez transforma a renda capitalizada

(terra) em capital. “... fazendo agora de uma só vez a metamorfose da renda capitalizada em capital,

cobrando a renda de uma só vez, para de uma só vez revertê-la à condição de capital” (MARTINS,

1981, p.168). Nesse sentido, vamos analisar como ocorreu o processo de desapropriação da fazenda

Rio Perdido.

A negociação realizada para a aquisição de parte da fazenda Rio Perdido ocorreu de maneira

a favorecer o proprietário, neste caso, Darci Mario Fantin, ou seja, a própria forma como o

pagamento ocorreu em TDAs, resgatáveis em cinco anos é um indicativo de que era interessante

para o fazendeiro efetuar a negociação.

Verifica-se, no entanto, que a desapropriação da área passou por diversos momentos

conturbados, sendo que houve por parte do proprietário o pedido de reintegração de posse da área

ocupada. O proprietário usou também como argumento, o fato do imóvel encontrar-se hipotecado

no Banco do Brasil da cidade de Diamantino no Estado do Mato Grosso, e que a hipoteca não havia

vencido ainda, como meio de justificar a não desapropriação do imóvel.

Outro elemento que o fazendeiro utilizou é o fato de que havia no imóvel diversos pés de

pinheiros nativos, os quais haviam sido vendidos para a empresa SOLIDOR S.A. (elementos pré-

fabricados para construções), justificando assim que o imóvel se tratava de terra produtiva e,

portanto, não passível de desapropriação para fins de assentamento. O proprietário usou também o

argumento de que na área existiam variadas espécies arbóreas frutíferas usadas para exploração

comercial, bem como plantação de palmitos explorados comercialmente.

40

Portanto, os vários argumentos utilizados pelo fazendeiro para que não ocorresse a

desapropriação da área tinham como objetivo pressionar o Estado, de modo que a desapropriação só

ocorresse quando favorecesse os interesses do proprietário Latifundiário.

Desse modo, o acampamento durou quatro anos até que se conquistasse a destinação da área

para a realização do assentamento. Isso somente ocorreu, conforme já mencionado, através de

aquisição que atendeu aos interesses do fazendeiro. Para tanto, a área não foi desapropriada

integralmente, ficando parte do imóvel, cerca de 100 há, para o proprietário. Outro fato que

favoreceu o fazendeiro é que as TDAs (que geralmente levam muitos anos para serem resgatadas),

podiam, neste caso, ser resgatadas a partir do segundo ano num total de cinco anos para o resgate

total.

É importante salientar que a parte do Imóvel que não foi desapropriada é onde se localizava

a sede da fazenda e toda a infra-estrutura existente tais como, 04 casas de veraneio todas em

alvenaria, piscinas, churrasqueiras, diversos galpões, asfaltamento no acesso à sede, inúmeros pés

de árvores frutíferas, palmitos para exploração comercial, maquinários, dentre outros.

Outro elemento que pode ser levantado como fator de concordância do proprietário em

vender a terra é a alta inflação que estava em curso no final do plano Cruzado no ano de 1988, ou

seja, imóveis como terra e casas não permitiam uma especulação financeira tão grande quanto o

investimento em outras mercadorias, até mesmo no mercado financeiro. Assim, com a venda de

parte da fazenda e o pagamento efetuado por meio de TDAs, estas podiam ser resgatadas num curto

espaço de tempo, favorecendo o investimento dessa renda em outros bens que pudessem

proporcionar uma maior acumulação.

Sendo assim, o fazendeiro transformou sua renda capitalizada em capital através do

pagamento pela sociedade da mais-valia social15, o que deu condições para este acumular ainda

mais capital.

Em relação às características físicas dos 1.200 hectares da fazenda Rio Perdido que foram

desapropriados para a criação do assentamento, há predominância de solos denominados de Terra

Roxa Estruturada Eutrófica, associado a solos Litólicos Eutróficos. Segundo projeto oficial de

criação (MIRAD, 1988),

...Terra roxa estruturada Eutrófica, textura argilosa, fase floresta tropical perenifólia (70%), com associação de solos Litólicos Eutróficos (30%), com aptidão agrícola BOA nos níveis de manejo A e B, baseado em práticas que refletem um médio a baixo nível tecnológico. A fertilidade dos solos é alta, dispensando até mesmo adubações químicas e correções do solo nos primeiros anos de cultivo. (MIRAD, Projeto Oficial de Criação, 1988).

15 Ver MARTINS, J. de S. “Os Camponeses e a Política no Brasil”.

41

As características do solo em geral são boas para a agricultura devido sua fertilidade, sendo

adequados para a exploração de culturas anuais, como o milho, o feijão, fumo, mandioca, etc.

Porém, o relevo acentuado podia trazer algumas dificuldades para a exploração agrícola. Uma das

limitações é a suscetibilidade desses solos à erosão, devido ao grau de inclinação que os mesmos

apresentam.

Isso contribui para explicar o fato de que atualmente a base de sustentação da maioria das

famílias assentadas é a produção de leite, visto que as áreas com maior declive podem ser usadas

para a produção de pastagens e a criação de gado leiteiro e de corte. Essa atividade leiteira tem uma

dupla finalidade atender as necessidades alimentares da família auxiliando no autoconsumo através

da produção de derivados e do consumo do leite in-natura e também servir de fonte de renda, para

que o assentado através da venda do leite ou derivados, consiga adquirir outros produtos necessários

para a subsistência da sua família.

O relevo do assentamento Rio Perdido é relativamente ondulado, podendo ser distribuído

conforme se observa na tabela 01.

Tabela 01: Classificação do Relevo do Assentamento Rio Perdido Segundo o Grau de Declividade.

Grau de Declividade 0° a 25° 26° a 45° Acima de 45°

Porcentagem 35% 56% 9%

Fonte: MIRAD (Projeto Oficial de Criação do Assentamento 1988). Org. ROOS, D. (2007).

Em função das características físicas (relevo, solos, etc.) do assentamento previu-se

inicialmente o assentamento de 50 famílias em parcelas com área média de 16 ha, sendo que do

total da área foram considerados 150 ha como inaproveitáveis e 3 ha foram destinados à criação da

sede e demais instalações necessárias para o desenvolvimento da comunidade. As características do

imóvel de 1.200,00 ha podem ser divididas da maneira como nos mostra a tabela 02.

Tabela 02: Classificação das Áreas do Assentamento.

Área

Aproveitável

Área

Explorada16

Área de

Reserva Legal

Área

Inaproveitável

Área Prevista para

Infra-estrutura17

627,00 há 180,00 há 240,00 há 150,00 há 3,00 ha

Fonte: MIRAD (Projeto Oficial de Criação do Assentamento 1988). Org. ROOS, D. (2007).

16 Área explorada no momento de implantação do assentamento, ou seja, no ano de 1988. 17 Infra-estrutura comunitária (Igreja, escola, centro comunitário, etc.).

42

Mapa 02: Espacialização dos Lotes no Assentamento Rio Perdido.

43

Segundo o levantamento (para o Projeto Oficial de Criação do Assentamento) realizado pela

Delegacia Regional do MIRAD/PR para a instalação do assentamento Rio Perdido, o mesmo teria a

capacidade de atender 50 famílias. Porém, conforme pode-se verificar no mapa 01 o que aconteceu

foi o assentamento de 60 famílias, quando não foi considerado o levantamento realizado.

Desta forma, alguns assentados não receberam a área média que era de 16 ha, estabelecida

para o assentamento de cada família, contrariando o laudo elaborado durante a formação do Projeto

Oficial de Criação do Assentamento (MIRAD, 1988). Este laudo considera o seguinte “em função

das características físicas do imóvel, prevê-se o assentamento de 50 famílias em parcelas com área

média de 16 ha”.

Encontram-se assim, no assentamento lotes entre 10 e 29 ha, já que o parcelamento destes

foi feito avaliando à localização de cada no interior do assentamento, considerando a declividade

existente no imóvel. Desse modo, à divisão foi feita de forma que cada lote possuísse pelo menos

cerca de dois alqueires de terras “mecanizáveis”.

Contudo, não se levou em consideração para tal parcelamento informações de ordem

socioeconômica que aliado ao estudo detalhado dos recursos naturais são imprescindíveis para o

dimensionamento da parcela e a real determinação da capacidade de assentamento do projeto.

Em relação ao abastecimento de água no assentamento, o mesmo é semicircundado pelo Rio

Iguaçu (conforme se verifica no mapa 02), dispondo em seu interior de diversos córregos e

nascentes, que podem ser aproveitados tanto para o consumo, pelos animais, como pelos

assentados.

O clima predominante na região “segundo a classificação de KOEPPEN, é o do tipo Cfa:

mesotérmico, sem estação seca, com verões quentes, com média de mês mais quente superior a 22°

C e do mês mais frio inferior a 18° C, sendo as geadas freqüentes” (MIRAD, Projeto Oficial de

Criação do Assentamento, 1988).

Para a implantação do assentamento Rio Perdido foram previstos um conjunto de recursos

para instalação da infra-estrutura física necessária para o desenvolvimento das famílias assentadas,

visto que estas estavam muito tempo acampadas e não possuíam condições mínimas de construir

instalações como casa, paióis, estradas, entre outros.

No levantamento de informações junto aos assentados, durante a pesquisa de campo pode-se

compreender um pouco da realidade destes e observar, por exemplo, que os recursos destinados

para a construção de suas casas não foram suficientes. É possível observar ainda as condições de

moradia dos assentados na figura 03.

Os assentados não receberam o dinheiro para a construção de suas casas, mas sim os

materiais. Porém, ocorreu que o material recebido era de péssima qualidade, sendo que os

44

assentados afirmam que não havia condições alguma de construir uma moradia digna com os

materiais recebidos.

Figura 01: Casa de Assentado.

Fonte: ROOS, D. 2007.

Muitos assentados se obrigaram a utilizar os materiais destinados para a construção de suas

casas a outros fins, como construção de chiqueiros para os suínos ou estrebarias para abrigar o gado.

Com isso, tiveram que construir suas casas por outros meios, o que resultou na construção de casas

bastante precárias, visto que não possuíam dinheiro para a compra de materiais adequados para a

construção.

Dessa forma, a Portaria MIRAD/Nº 1431 de 27 de outubro de 1988, que previa, além da

terra de parte da fazenda Rio Perdido para a criação de 50 unidades agrícolas familiares, a

instalação de infra-estrutura física necessária ao desenvolvimento da comunidade rural, como

moradia, alimentação, créditos agrícolas para custeio das lavouras, construção de estradas, entre

outros, não foi cumprida na sua totalidade.

45

Mapa 03 : Hidrografia e Divisas do Assentamento Rio Perdido.

46

3.2 - INÍCIO DA LUTA DOS ASSENTADOS DE RIO PERDIDO

O Imóvel Rural denominado Rio das Cobras, também conhecido como Fazenda Rio

Perdido, onde foi montado o acampamento dos sem-terras em 1985 era de propriedade de Darci

Mário Fantin, conhecido também como “Teixeirinha”. A área ocupada possuía um total de 1.383,00

hectares. A fazenda Rio Perdido foi adquirida por “Teixeirinha” do grupo GIACOMET MARODIN

Ind. de Madeiras S.A., da qual havia contestações sobre a posse deste imóvel.

A área está localizada na margem direita do rio Iguaçu no município de Quedas do Iguaçu a

cerca de 25 Km da sede deste município. Quedas do Iguaçu se encontra localizada na mesorregião

geográfica Centro-Sul do Estado do Paraná (conforme se verifica no mapa 04), segundo a divisão

regional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentro desta mesorregião o

município de Quedas do Iguaçu faz parte da microrregião geográfica de Guarapuava conforme

pode-se verificar no mapa 05.

Mapa 04: Mesorregião Geográfica Centro-Sul Paranaense

Fonte: http// upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/fb/Parana_Meso_CentroSulParanaense Org.: ROOS, D.

Quedas do Iguaçu

47

Mapa 05: Microrregião Geográfica de Guarapuava

48

O acampamento, primeiro “instrumento” de luta destes camponeses que foram expulsos de

suas terras começou a ser formado no ano de 1984, possuindo cerca de 130 famílias. Primeiramente

as famílias acamparam na rodovia PR 473 que está localizada as margens da fazenda Rio Perdido.

Somente seis meses depois, já no ano de 1985 é que os camponeses ocuparam a área da fazenda Rio

Perdido, formando assim o acampamento no perímetro do latifúndio.

Figura 02: Acampamento na Rodovia PR-473, as Margens da fazenda Rio Perdido.

Fonte: LOPES, M.A. (Processo de Reintegração de Posse 1985, p.54).

O acampamento era constituído basicamente por dois grupos de famílias: um primeiro

grupo, formado por 21 famílias originárias do município de Quedas do Iguaçu, onde os mesmos

trabalhavam como arrendatários nas fazendas do município. O outro grupo era formado por 108

famílias provenientes do município de Nova Prata do Iguaçu.

O grupo formado por 108 famílias que se encontravam acampadas no pátio da Igreja católica

no município de Nova Prata do Iguaçu se dividiu e uma parte ocupou e montou o acampamento nas

margens da Fazenda Rio Perdido. Entre estas famílias já havia um trabalho de organização maior,

sendo que as mesmas já se encontravam a um certo tempo acampadas e possuíam uma estrutura

organizativa conseguida com atuação e apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de

Nova Prata do Iguaçu.

As famílias de Nova Prata do Iguaçu estavam organizadas pelo STR desse município. Isso

contribuiu para o ingresso delas no MST, pois alguns dirigentes desse sindicato fizeram essa

49

aproximação com o movimento. “nóis era organizado no sindicato de Nova Prata, mas o sindicato

era organizado pelo MST”18 (Assentado B, 2007).

Diferentemente do grupo de arrendatários de Quedas do Iguaçu, o grupo que se encontrava

acampado no pátio da Igreja da comunidade Piodespe em Nova Prata do Iguaçu, já estava

organizado no MST. Mas, os camponeses de Quedas do Iguaçu também decidiram acampar na área

em vista das condições sociais de exclusão pelo qual os mesmos estavam passando.

Neste caso, a decisão da luta pela terra partiu dos próprios camponeses, pois os camponeses

de Quedas não estavam vinculados aos movimentos sociais. Isso aponta para a idéia de que a luta

camponesa não ocorre necessariamente num movimento social já organizado. O que comprova que

os camponeses são sujeitos políticos que possuem autonomia e não são subordinados aos

movimentos sociais já “constituídos”.

O grupo de camponeses provenientes do município de Quedas do Iguaçu só aderiu ao MST

a partir do contato com as famílias que vieram de Nova Prata. Portanto, é possível dizer que existe

um movimento social paralelo aos movimentos sociais organizados, este se constitui

“informalmente”.

No início houve alguns conflitos internos entre os dois grupos ali acampados, pois ambos

acreditavam que cada grupo ali instalado, deveria tomar a terra para si. Embora a forma de luta dos

dois grupos era semelhante, havia diferença no fato de um estar organizado no MST e o outro não.

Posteriormente, os grupos concordaram que a melhor forma era a de lutar em conjunto, sendo que o

grupo de Quedas também começou a se aproximar do MST. “... de luta nóis éramos contrário, eles

entraram sem organização do MST eles queriam andar na sombra da gente, aí tivemos que fazer um

acordo para não brigar”19 (Assentado C, 2007).

Nas reivindicações e negociações havia sempre um representante de cada grupo. Porém,

com o decorrer da luta o “grupo independente”, ou seja, o de Quedas do Iguaçu, resolveu se

incorporar ao Movimento (MST), pois entendeu que juntos teriam mais força para conquistar a

desapropriação da Fazenda Rio Perdido.

Este grupo de Quedas do Iguaçu era formado por 21 famílias20 que acamparam

primeiramente na entrada da fazenda da Eletrosul21. Destas 21 famílias que iniciaram o

acampamento, 15 conquistaram lotes com a desapropriação da fazenda Rio Perdido.

18 Entrevista durante trabalho de campo (fevereiro 2007). 19 Entrevista durante trabalho de campo (fevereiro 2007). 20 É importante ressaltar que nos relatos dos assentados as famílias de Quedas do Iguaçu foram as primeiras a acamparem nas margens da rodovia PR-473, tendo como finalidade à ocupação da Fazenda Rio Perdido, antes da chegada do grupo de Nova Prata do Iguaçu. E preciso destacar também que estes camponeses iniciaram a luta sem estarem organizados em nenhum movimento o que indica que a luta pela terra parte da condição social a qual os

50

O grupo de sem terras provenientes do município de Nova Prata do Iguaçu eram em torno de

108 famílias, sendo que destas, 35 famílias foram assentadas. As outras famílias deste grupo que

não receberam lotes de terra desistiram, ou foram ocupar e acampar em novas áreas. Teve-se

também na área, o assentamento de 10 famílias que trabalhavam na fazenda como empregados.

Figura 03: Chegada de Camponeses Sem-Terra ao Acampamento na PR-473.

Fonte: LOPES, M. A. (Processo de Reintegração de Posse 1985, p.56).

Embora, o acampamento fosse formado por maioria absoluta de camponeses originários dos

municípios de Quedas do Iguaçu e Nova Prata do Iguaçu a luta pela terra aglutinou camponeses de

municípios vizinhos que também haviam sido expulsos de suas terras. O gráfico a seguir (gráfico

01) demonstra a origem das famílias constituintes do acampamento.

É importante ressaltar que tanto as famílias provenientes do município de Quedas do Iguaçu,

ou de Nova Prata do Iguaçu, assim como famílias de demais municípios da região que ocuparam a

área eram migrantes, ou seja, eram pessoas que já haviam passado por vários municípios e cidades

em busca de trabalho, tanto no campo (arrendatários, assalariados, etc.) ou na cidade (operários,

domésticas, etc.).

camponeses se encontram e comprova também que estes não são subordinados aos movimentos sociais “consolidados”, ou seja, eles mesmos podem formar um movimento social ressaltando assim sua autonomia. 21 Empresa que gerenciava a Usina Hidrelétrica de Salto Osório e que fica nas proximidades do Assentamento, onde a mesma possuía uma fazenda.

51

Gráfico 01: Municípios onde as Famílias Residiam antes do Acampamento22.

25%

51%

8%

8%8%

Quedas do IguaçuNova Prata do IguaçuFrancisco BeltrãoSão Jorge do OesteCruzeiro do Iguaçu

Fonte: Trabalho de campo fev. 2007. Org.: ROOS, D.

OLIVEIRA (1990), ao tratar sobre a condição migratória do campesinato faz a seguinte

reflexão,

O campesinato deve, pois, ser entendido como classe social que ele é. Deve ser estudado como um trabalhador criado pela expansão capitalista, um trabalhador que quer entrar na terra. O camponês deve ser visto como um trabalhador que, mesmo expulso da terra, com freqüência a ela retorna, ainda que para isso tenha que (e)migrar. Dessa forma, ele retorna à terra mesmo que distante da sua região de origem. É por isso que boa parte da história do campesinato sob o capitalismo é uma história de (e)migrações. (OLIVEIRA, 1990, p. 11).

Portanto, as famílias do assentamento Rio Perdido visualizaram na luta uma forma de

conquistarem pela primeira vez a propriedade de um pedaço de terra e assim, estabelecer o seu

modo de vida pautado no sustento de sua família.

A maior porcentagem das famílias que acamparam as margens e posteriormente ocuparam a

fazenda Rio Perdido residiam no campo (eram arrendatários principalmente). Dos entrevistados que

estavam no assentamento desde o período do acampamento, apenas um não tinha morado no campo

antes. Observando o gráfico 02 verifica-se que algumas famílias tiveram passagem pela cidade.

Estas moraram na cidade justamente por não possuírem terras, ficando assim a mercê da

disponibilidade de terras para arrendamento.

Porém, as raízes destes sujeitos estão no campo e a cidade foi apenas local de passagem,

pois, perceberam que na cidade não haveria a possibilidade de reprodução de seus valores

camponeses, ficando ameaçada sua sobrevivência enquanto tal. Dessa forma, os camponeses 22Pensando na condição de migração dos sem terra o gráfico 01, representa apenas a última cidade onde estas famílias residiam antes do acampamento.

52

decidiram se organizar e lutar, principalmente por sua sobrevivência que ocorre através da

reprodução de seu modo de vida camponês, ou seja, onde a terra é o principal instrumento de

trabalho. Para tanto, o acampamento foi o primeiro instrumento de luta.

Gráfico 02: Local de Moradia das Famílias antes do Acampamento.

42%

58%

CIDADE CAMPO

Fonte: Trabalho de campo fev. 2007. Org.: ROOS, D.

O período do acampamento foi uma luta muito sofrida, segundo relatos dos assentados

coletados durante a realização do trabalho de campo. Estes camponeses passaram por diversas

dificuldades durante o acampamento inclusive falta de alimentos.

Os acampados trabalhavam de bóia-fria nas fazendas da região para poderem adquirir

alimentos e sobreviverem no acampamento. Porém, nem sempre os acampados conseguiam

trabalho e a situação piorou quando os fazendeiros que contratavam estes trabalhadores descobriram

que eles faziam parte do acampamento, deixando de contratá-los para os trabalhos.

Mesmo passando por dificuldades, os sem-terra só ocuparam a área definitivamente quando

viram a possibilidade da mesma ser destinada para a criação do assentamento. Contudo, o período

de acampamento as margens da PR-473 foi conturbado juridicamente, sendo que o proprietário da

fazenda entrou com um pedido de interdito proibitório23 e houve mandados de reintegração de posse

o qual os camponeses decidiram não acatar, permanecendo na área até que esta fosse destinada para

fins de assentamento.

O pedido de interdito proibitório mostra que o proprietário temia que a área fosse ocupada

pelos sem-terra e antes que esse fato se consumasse o mesmo já recorreu juridicamente, para que tal 23 O interdito proibitório é ação preventiva, destinada a evitar que se consume a turbação ou esbulho possessório. E, por ser preventiva, parte não de um fato consumado – a turbação ou esbulho – mas, da desconfiança fundada de que uma ou outro pode ocorrer.

53

acontecimento não ocorresse. Mesmo com todos esses empecilhos em seus caminhos os

camponeses não desistiram da luta, pois sabem que no sistema capitalista o que lhes foi reservado é

à expulsão/expropriação da terra e dos meios de produção, mas, através da luta buscam a (re)

construção do território camponês.

No entanto, percebem-se diferenças nas formas de luta pela terra empregada pelos

camponeses. Estas se diferenciam devido à diversidade de movimentos sociais existentes no Brasil.

Alguns durante a ocupação se utilizam dos bens materiais existentes no latifúndio. Outros

movimentos que possuem atitudes menos “radicais” não danificam as benfeitorias das fazendas

(abate de gado, uso de maquinários, etc.). Essas diferenças não são características apenas da

diversidade de movimentos sociais existentes no Brasil, pois, ocorrem também no interior dos

movimentos. Circunstâncias diversas, tais como, estratégias de luta, condição social (fome, despejo,

etc.) pela qual as famílias estão passando no momento acabam por determinar quais serão as

atitudes durante uma ocupação.

Verifica-se assim, que o assentamento Rio Perdido possui uma particularidade em relação

aos demais assentamentos do MST, justamente pela forma de luta empregada no decorrer da

conquista da terra. A estratégia utilizada pelos camponeses foi respeitar a lei buscando assim ter o

menor impacto negativo possível sobre as pessoas do acampamento.

Os assentados relatam que a única forma de “desrespeito” da lei utilizado pelos mesmos foi

à ocupação da fazenda. Ainda segundo depoimentos dos assentados o acampamento deles foi

diferente dos existentes atualmente, pois não derrubavam nem uma árvore sem a devida autorização

do Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Estado do Paraná (ITCF).

Outro elemento que os assentados enfatizaram na sua luta é o fato do acampamento ter sido

pacifico “nosso acampamento foi pacífico, tudo dentro da lei, não deu morte”24, ou seja, durante o

processo de ocupação da área não houve conflitos entre o fazendeiro e os acampados, digo conflito

corporal ou armado. O que houve foi uma disputa judicial como mencionado anteriormente. Essa

disputa judicial por parte do fazendeiro tinha como finalidade pressionar o Estado para que no

momento da desapropriação seus interesses fossem atendidos.

Isso mostra que o fazendeiro possuía certo interesse na venda daquela área, e por outro lado,

o quanto à luta dos sem terra foi pacífica e não “desordeira” como anunciada pelos meios de

comunicação em geral.

A organização dos camponeses no acampamento ocorreu através da formação de grupos e

de uma coordenação geral do acampamento. Os grupos no acampamento possuíam um coordenador

24 Entrevista com um assentado (fevereiro de 2007).

54

que buscava sistematizar as ações de cada grupo. As reuniões ocorriam na maioria das vezes nas

barracas dos coordenadores dos grupos e a tomada de decisões era coletiva, sendo que as idéias

eram apresentadas e debatidas. Posteriormente eram votadas em assembléia e a que obtivesse um

maior número de votos era considerada aprovada.

Ocorria também a formulação de idéias a partir do debate realizado nos grupos, bem como o

melhoramento das idéias apresentadas. Compreende-se assim, que há uma construção coletiva do

processo de luta dos camponeses. As idéias debatidas nos grupos eram levadas nas assembléias

gerais do acampamento, onde eram apresentadas, melhoradas e votadas, elaborando assim,

propostas do coletivo do acampamento.

O acampamento contava com uma coordenação geral que ficava encarregada de levar as

propostas e negociar com o Estado e órgãos competentes com relação à reforma agrária. Esta

coordenação geral do acampamento também possuía a função de cuidar de necessidades imediatas

dos camponeses, como alimentação, saúde, educação, segurança, etc. Para tanto, a coordenação se

organizava em comissões como a de saúde, segurança, alimentação, educação, entre outras.

A organização do acampamento contava também com coordenadores gerais, que tinham a

função de sistematizar e coordenar as mais diversas comissões e grupos, bem como as assembléias

gerais do acampamento.

Essa forma de organização foi bastante importante para a luta, visto que todos os acampados

participavam das reuniões, tanto nos grupos como nas assembléias gerais do acampamento. As

reuniões dos grupos e assembléias aconteciam sempre que era necessário à tomada de alguma

decisão, pois a mesma dependia da aprovação do coletivo. Dessa forma, as reuniões não eram pré-

determinadas, pois poderiam acontecer duas ou três na mesma semana, dependia do

encaminhamento das negociações entre acampados e governo do Estado.

Na tabela 03 pode-se verificar o número de famílias que participavam dos grupos durante o

acampamento. De uma amostragem de 20% do total das famílias assentadas (60 famílias),

constatamos que apenas 17%25 não participavam dos grupos existentes no acampamento. Esses

17% das famílias que não participavam dos grupos são famílias que compraram seus lotes, não

participando do período de acampamento, portanto não tendo participado de todo um processo de

aprendizado que gira em torno da luta pela terra.

25 Referente a amostragem de 20%.

55

Tabela 03: Participação das Famílias nos Grupos Existentes no Acampamento.

Participava Não Participava

83% 17%26

Fonte: Trabalho de campo fev. 2007. Org.: ROOS, D.

Outro dado importante levantado juntamente com os assentados são os cargos assumidos

durante o acampamento. Dos assentados entrevistados 58% possuíam algum cargo durante o

acampamento que variavam entre coordenador geral do acampamento, coordenadores de grupo,

comissão de saúde, educação, de reza, de negociação, entre outros.

Tabela 04: Pessoas que Possuíam Cargos Durante o Período do Acampamento.

Sim Não

58% 42%27

Fonte: Trabalho de campo fev. 2007. Org.: ROOS, D.

Esse vínculo das famílias ou de integrantes destas com alguma atividade reflete a

organização do acampamento e o quanto este é repleto de solidariedade e vida comunitária.

Demonstra também que este tem um papel no aprendizado das pessoas, pois os ensina a reivindicar,

e a negociar suas demandas.

É necessário salientar que dos 42% das famílias que responderam que não possuíam nenhum

cargo no acampamento, 12% destas não haviam participado desse período por se tratar de

compradores. Dessa forma, se levarmos em consideração apenas o número de famílias que

participaram da ocupação e do acampamento se notará que a porcentagem das famílias que tinham

algum cargo sobe para 70%.

A participação das famílias nos grupos reflete na participação destas nas reuniões que estes

faziam para a tomada de decisões no decorrer da luta no acampamento. Na aplicação do

questionário realizado no decorrer do trabalho de campo, os assentados comentaram porque

consideravam importante participar dos grupos e das reuniões e assembléias gerais que eram

realizadas no acampamento. “é importante porque muitos companheiros não tem uma visão de luta,

assim ajuda bastante e também a troca de idéias”. (Assentado C, 2007).

Outros responderam que a reunião e a organização são muito importantes para o processo de

luta, visto que esta faz com que os mesmos sejam reconhecidos pela sociedade e também ajuda a

26 Famílias que não participaram do período do acampamento, adquirindo a terra posteriormente por meio de compra. 27 Destes 02 não participaram do acampamento.

56

viabilizar benefícios junto ao Estado. “Eu participava das reuniões para achar meios de organização

para que fossemos reconhecidos pelas pessoas e para que pudéssemos chegar as entidades”

(Assentado D, 2007). “Através da reunião é que conquistamos algumas coisas, porque se a pessoa

não participa não pode ir atrás de nada” (Assentado A, 2007).

Através dos relatos verifica-se também que as reuniões e discussões ocorridas tanto nos

grupos, como nas assembléias gerais são importantes fóruns de debates dos acampados. Estas são

atividades associativas que refletem não somente em bens materiais tais como, produção, mas

também no ganho político destes camponeses. O gráfico 03 demonstra a participação dos

assentados nas reuniões que eram realizadas no acampamento.

Gráfico 03: Participação nas Reuniões dos Grupos e Assembléias - Acampamento28.

66%

17%

17%

REGULARMENTERARAMENTENUNCA

Fonte: Trabalho de campo fev. 2007. Org.: ROOS, D.

Com a formação do assentamento, as reuniões diminuíram a sua periodicidade. Porém,

nunca deixaram de existir. Foi criada também uma associação geral do assentamento, a “Associação

Comunitária Unidos do Rio Perdido”. As reuniões acontecem agora sempre que há necessidade de

organizar alguma reivindicação ou quando ocorre algo no assentamento que pode vir a prejudicar os

camponeses, tais como plantio de sementes transgênica dentro do assentamento, baixos preços do

leite pago pelos laticínios, entre outros.

28 É necessário destacar que os entrevistados que responderam que nunca participaram de reuniões no acampamento são pessoas que compraram lotes no assentamento.

57

3.3 - O ACAMPAMENTO COMO TERRITÓRIO DO APRENDIZADO POLÍTICO

PEDAGÓGICO

No acampamento, os camponeses vivem numa espécie de comunidade onde existem regras e

atividades que devem ser executadas para garantir a subsistência individual e coletiva de todos.

Cada um possui uma função que deve ser executada para o bom andamento da luta, e as decisões

referentes aos rumos a serem tomados pela luta passam pela decisão do coletivo. Pode-se dizer que

na trajetória de luta dos sem-terra o acampamento é o primeiro exercício coletivo e possui um

sentido pedagógico.

O acampamento torna-se assim, palco do aprendizado político e social destes camponeses,

onde as pessoas desenvolvem laços de solidariedade, companheirismo e participam do processo de

construção da conscientização política. São essas ações que ajudam, garantem e enfrentam os

problemas criados no decorrer da luta pela terra.

Estudiosos como Martins (2003) consideram o acampamento o lugar do nada, do reduzir ao

zero para recomeçar, ou seja, o lugar da dessocialização política. Martins (2003) afirma que os

acampados são objetos de experimentos políticos e sociais, sendo que no acampamento os sem-terra

só têm perdas sociais e que a sociabilidade existente no acampamento é provisória e transitória.

O acampamento é a experiência concreta do provisório, do nada e da nulificação de todas as heranças que possam ter existido um dia. O acampamento é muito mais o momento de vivência de um processo de dessocialização, de eliminação de referências sociais e dos valores que norteavam lealdade e condutas (MARTINS. 2003, p.122).

Para MARTINS (2003), a ressocialização política só se daria no momento do assentamento

que é o momento do definitivo. Segundo este autor, o assentamento “é a negação da nulificação da

pessoa, a busca da ressocialização, da reordenação, da experiência e da vida” (MARTINS. 2003,

p.124).

Porém é necessário levar em consideração que o acampamento é o primeiro passo para a

futura existência dos assentamentos, pois são eles que dão visibilidade à luta pela terra, que ajudam

no processo de evolução da consciência não somente dos acampados, mas também das pessoas que

estão fora desse e que começam a visualizar os problemas enfrentados pela sociedade. Assim, tanto

para os acampados, como para as pessoas estranhas a essa comunidade, o acampamento é o

momento decisivo para se compreender o significado da luta pela terra.

Em entrevista com os camponeses assentados do Rio Perdido foi possível verificar a

importância do acampamento para a luta pela terra e para o próprio aprendizado dos camponeses. O

58

relato de um assentado sobre, a importância do acampamento é bastante ilustrativo, “a experiência

que você pega, né cara? Você vai aprendendo mais, vai aprendendo aqui e ali na luta e vai

aprendendo muito mais. E porque o pobre sozinho não entra numa prefeitura no palácio do governo,

e com os companheiros a gente consegue” (Assentado F, 2007).

Nesse mesmo sentido outro assentado comenta sobre a importância que o acampamento teve

na mobilização para a conquista do assentamento Rio Perdido,

Ele é importante porque através de uma mobilização a gente consegue. O acampamento é o primeiro passo. O acampamento ajuda a unir as pessoas. O acampamento nos ensina muito desde o respeito com as pessoas até a discussão com órgãos que vem discutir com a gente. Então eram coisas que a gente não conhecia que o acampamento trouxe (Assentado H, 2007).

Através destes depoimentos é possível compreender que o acampamento, embora seja o

lugar do provisório, da transição, é também o local da luta pela retomada dos modos de vida que

estavam sendo perdidos pelos camponeses. Não é possível que este seja o lugar do nada, do reduzir

ao zero, pois possui um conjunto de relações sociais estabelecidas por seus integrantes. Relações

estas baseadas no aprendizado da vida em comunidade, da luta por um ideal coletivo que é a

conquista da terra e, sobretudo na inserção social destas pessoas que estavam marginalizadas devido

ao processo de expansão do sistema capitalista no campo.

Contudo, as considerações de MARTINS (2003) são pertinentes, visto que estas se baseiam

na ação das “agências de mediação”, como colocadas por ele, ou seja, na ação dos movimentos

sociais, sindicatos entre outras entidades que lutam pela terra. Segundo o autor, os movimentos

sociais implantam idéias na cabeça das pessoas, não fazendo com que estas construam as suas

próprias.

Por outro lado, GRZYBOWSKI (1991) comenta a importância dos movimentos sociais na

construção de espaços de socialização política entre os camponeses. O autor afirma que,

Enquanto espaço de socialização política, os movimentos permitem aos trabalhadores: em primeiro lugar, o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar; em segundo lugar, a elaboração da identidade social, a consciência de seus interesses, direitos e reivindicações: finalmente a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações, sociais e culturais. (GRZYBOWSKI, 1991, p. 59-60).

Sobre o papel dos movimentos sociais na luta dos trabalhadores rurais GRZYBOWSKI

(1991), afirma também que,

59

Através dos movimentos, os trabalhadores rurais rompem com seu isolamento geográfico, social e cultural. Inserindo–se num mundo mais amplo, aprendem a reconhecer a diversidade de formas de vida, a buscar alianças e a prestar solidariedade. Também, no movimento social aprendem a conhecer seus adversários, suas táticas, suas organizações. (GRZYBOWSKI, 1991, p. 60).

Para GRZYBOWSKI (1991), essa socialização política dos camponeses implica no

reconhecimento destes como cidadãos que possuem direitos e que estes devem ser respeitados. Para

os camponeses, fica cada vez mais claro que seus direitos enquanto cidadãos não se ganham, mas

conquistam-se. Dessa forma, os camponeses vêem nos movimentos sociais uma saída da condição

de classe subalterna na qual se encontram, fortalecendo e criando condições para a insurgência de

outros movimentos.

No assentamento em estudo, ou seja, no assentamento Rio Perdido, também foi possível

recolher alguns depoimentos sobre a importância do MST na organização destes camponeses,

quando se percebeu que muitos assentados reconheceram a importância que teve este movimento

social na organização da luta. Segundo os camponeses do Rio Perdido o movimento deu as

estruturas básicas para a organização dos mesmos, a fim de conquistarem o assentamento,

inserindo-os nas discussões sobre reforma agrária, por exemplo, ou seja, contribuiu na formação

política destes assentados.

Sobre a participação do MST na organização dos camponeses do Rio Perdido, um assentado

afirmou: “A gente tava de zóio fechado e ele que nos abriu o zóio, o caminho, e nos ajudou. Antes a

gente não sabia o que era reforma agrária e o MST nos ajudou a entender”. (Assentado B, 2007). Os

assentados afirmam ainda que o MST é a ferramenta de luta dos sem-terra e que este ajudou muito

tanto na conquista da terra como na própria formação política/ideológica dos assentados.

Deve-se analisar que os movimentos sociais possuem importância inquestionável no

processo de democratização ao acesso a terra e de inserção dos trabalhadores na dominação dos

meios de produção que lhes foram alienados. Porém, os movimentos sociais reproduzem certas

práticas de dominação em seu interior, as quais muitas vezes negam o modo de vida camponês que

legitima tais movimentos.

Contudo, os camponeses através da sua trajetória e do próprio aprendizado adquirido

durante o processo de luta aprenderam a negar as tentativas de subordinação de alguns movimentos

sociais, buscando estabelecer meios de resistência a essas investidas dos movimentos. Pode-se

considerar, no entanto, que o movimento camponês que não se encontra “legitimado”, ou seja, os

próprios camponeses são mais forte que os movimentos sociais, visto que o movimento camponês

aprende a se defender até mesmo de segmentos que dizem ser seus aliados. Essa defesa é construída

no estabelecimento e materialização das próprias relações camponesas.

60

Conforme o quadro exposto, verifica-se que existem compreensões diferentes sobre o papel

dos acampamentos durante a luta pela terra. Ele pode ser utilizado (no pensamento de alguns como,

MARTINS, 2003) para acabar com os resquícios do modo de vida camponês ainda existente entre

as pessoas que ali vivem, ou servir de base para o fortalecimento das relações camponesas

existentes nos acampamentos.

Contudo, não podemos subestimar os camponeses, pois estes são os reais sujeitos da luta

pela terra. Eles vêm comprovando no decorrer dos anos que são capazes de se reproduzirem no

sistema adverso e também negam práticas que visam “estranhá-los” do seu modo de vida.

O acampamento embora seja o lugar da transição pode ser considerado como território do

aprendizado pedagógico da estrutura coletiva existente na luta pela terra. Percebe-se, no entanto,

que as relações mantidas pelos camponeses no decorrer do acampamento são reproduzidas

posteriormente nos assentamentos.

Os camponeses após conquistarem a terra continuam a utilizar formas de resistência

aprendidas durante o período em que estavam acampados. No acampamento, os sem-terra se

organizam em grupos de famílias de acordo com afinidades, tais como origem das famílias, regiões,

parentesco, etc. A organização em grupos ocorre para facilitar a solução de problemas cotidianos e

imediatos dos sem-terras como aqueles relativos à saúde, segurança, alimentação, entre outras.

Nesses grupos cada um tem sua função que deve ser executada para que durante a

“territorialização precária”29 destes camponeses, os mesmos tenham minimamente condições de

sobreviverem, bem como para que a sociabilidade coletiva não seja afetada por pessoas que buscam

desmobilizar a luta pela terra.

A luta organizada em núcleos e associações é um bom exemplo para mostrar que a

organização dos sem-terra não deixa de existir quando ocorre o assentamento definitivo dessas

famílias, pois, continuam organizadas em grupos de oito ou dez famílias desenvolvendo um

conjunto de lutas tanto de natureza política ou ligadas à produção.

Durante o período do acampamento, os camponeses sem-terra mantêm várias atividades de

cunho político, tais como assembléias, debates, análise da conjuntura a cerca das suas

reinvidicações, bem como manifestações a fim de conquistarem a terra e recursos, para a

manutenção de seu modo de vida. CALDART (2004) faz uma reflexão sobre o aprendizado

adquirido pelos camponeses durante o processo de luta no acampamento.

...o acampamento trás para nossa reflexão o sentido pedagógico do cotidiano da organização e da vida em comum das famílias sem-terra debaixo das lonas, em

29 Paráfrase HAESBAERT, Rogério.

61

situação de extrema precariedade material e, ao mesmo tempo, de muita riqueza humana, seja antes ou depois de uma ocupação de terra. (CALDART, 2004. p. 176).

O acampamento surge como possibilidade de socialização política, visto que os acampados

passam a compor um grupo integrado e unificado na mesma luta. Por isso, pode-se dizer que o

acampamento possui um caráter pedagógico que auxilia na formação tanto política-ideológica como

social do indivíduo. No acampamento ocorrem discussões, debates, sobre a situação dos

acampados. Estas discussões são realizadas a partir da apresentação de idéias pelos camponeses e

também através de diretrizes estabelecidas pelo MST.

Essa socialização de idéias permite que os acampados tenham espaço para apresentar suas

opiniões e esclarecer dúvidas surgidas no decorrer da luta. É nestes espaços de socialização de

idéias que ocorre um aprofundamento da formação política e ideológica dos camponeses, esses

momentos constituem lugares onde os camponeses negam a subordinação e se apresentam como

sujeitos políticos na construção do território camponês.

Ainda em relação ao caráter pedagógico e a socialização política existente nos

acampamentos de sem terra, CALDART (2004) afirma que,

Do ponto de vista pedagógico o acampamento pode ser olhado como um grande espaço de socialização dos sem terra, que passam a viver um tempo significativo de suas vidas em uma coletividade cujas regras e jeito de funcionar, embora tão diferente da sua experiência anterior, foram eles mesmos que ajudaram a constituir (CALDART, 2004. p. 178).

Isso evidencia que a construção das mais diversas relações sociais existentes nos

acampamentos nasce da interação entre os camponeses, fruto de suas atividades e relações mantidas

entre os/nos grupos.

Outro elemento importante é o espírito de luta coletiva que estes camponeses vivenciam no

período de acampamento, que com a formação do assentamento não desaparece. Pois, os

camponeses continuam lutando por melhores condições de vida da comunidade e também

contribuem para que outras pessoas possam ter acesso a terra. Desse modo, verifica-se que as ações

desenvolvidas no acampamento se refletem no assentamento, demonstrando assim, o caráter

pedagógico que o acampamento possui.

Pode-se visualizar também uma identidade de sem-terra formada durante a luta no

acampamento. Esta é fruto da luta pela terra, ou seja, a construção da identidade sem-terra é gestada

no enfrentamento contra o latifúndio e o Estado. Ao tratar sobre a identidade dos sem-terra

GRZYBOWSKI (1991) afirma que,

62

Sem-terra é, por definição um nome de sujeito coletivo elaborado nas lutas do movimento sem-terra. A carência, ou melhor, a consciência da comum situação de carência e de exclusão social, decorrente do não ter terra, leva o grupo a elaborar sua identidade (GRZYBOWSKI, 1991, p.56-57.)

Destaca-se que esta identidade formada durante a luta no acampamento não desaparece com

a formação dos assentamentos rurais, mas se constitui cada vez mais como tal, visto que as lutas

não acabam com a conquista da terra. A identidade não se baseia no ter ou não ter a terra, ou seja, o

não possuir a terra é uma condição para a formação da identidade, porém a formação de sujeitos que

se reconheçam como sem-terra, se da no processo de luta pelo acesso a terra e por condições de

permanência na mesma.

Os assentados continuam se reconhecendo como sem-terra, a comunidade em geral os

reconhece como sem-terra, isso tudo depois da conquista da terra, o que indica que a terra não é

condição para a superação de sua identidade construída deste o tempo do acampamento.

A identidade formada durante a vivência no acampamento é um momento muito forte e o

fato de ter a terra não é suficiente para superá-la. Também as atividades exercidas nos

acampamentos não são superadas, elas continuam sendo executadas como forma de resistência

camponesa ao sistema adverso dentro dos assentamentos.

É importante ressaltar que através dos acampamentos, os camponeses organizados no MST

ou em outros movimentos sociais de luta pela terra passaram a recusar a proletarização e a

conseqüente perda dos valores e saberes camponeses.

A base da existência camponesa é a sua junção com a terra, onde é territorializado um

conjunto de relações sociais típicas do modo de vida camponês. A partir da separação dos

camponeses da terra se inicia a perda de valores e saberes camponeses, estes ao serem obrigados a

migrar para as cidades tornam-se operários ou desempregados, onde a dinâmica social existente

nessas duas situações é completamente diferente da organização que necessitam para a sua

sobrevivência e a de sua família. Dessa maneira, os camponeses vêem na luta à possibilidade de

retorno a terra, ao cultivo de seus saberes e principalmente a manutenção da vida de sua família.

Desse modo, a organização de acampamentos e as discussões políticas aí ocorridas

permitem a construção de um “espírito coletivo” entre os sem-terra. Portanto, o acampamento além

de ser um território de luta pelo acesso a terra se constitui também numa primeira territorialização

das relações solidárias, comunitárias, políticas entre outras, que se materializam no decorrer da luta

e posteriormente terão sua materialização definitiva na territorialização dos acampados na formação

dos assentamentos.

63

3.4 - A MATERIALIZAÇÃO DA LUTA: O ASSENTAMENTO E AS ATIVIDADES

ASSOCIATIVAS

A formação do assentamento Rio Perdido em Quedas do Iguaçu (região Centro-Sul do

Paraná) resultou na territorialização das relações camponesas, visto que os camponeses que ali se

instalaram estavam condenados a perder seus vínculos com a terra e seu modo de vida. A terra onde

foram assentados deixou de ser terra de especulação, onde servia os interesses do capital

especulativo, para se tornar terra de trabalho, onde foram materializadas as relações camponesas.

A realização do assentamento, etapa posterior à ocupação, se constitui na construção do

território camponês. Sem a conquista da terra não ocorre a construção do território camponês, ou

seja, sem a conquista da terra, as relações camponesas não podem se materializar no espaço, a não

ser num espaço reduzido, onde foram montadas as barracas dos sem-terras ocupantes.

Os assentamentos indicam a conquista de uma fração do território (terra) e se constitui como

possibilidade para a ampliação das lutas. Assim, são nos lugares que ocorre uma concentração

maior de assentamentos (fração do território) que se amplia à organização dos sem-terra. A região

de Quedas do Iguaçu é palco da luta dos camponeses na região Centro-Sul, sendo que ali se

encontram vários assentamentos e acampamentos.

O assentamento em estudo (Rio Perdido) foi uma das primeiras lutas e conquistas dos

camponeses dessa região. Além, desse acampamento e posterior assentamento, houve também a

ocupação de uma área de 403,52 ha na localidade da Bragatinga (Município de Quedas do Iguaçu) e

a posterior destinação dessa área, no ano de 1994, para a realização de um assentamento de 23

famílias.

Outro assentamento criado a partir da luta dos camponeses no município de Quedas do

Iguaçu foi o assentamento Celso Furtado criado no ano de 2004. Este assentamento é bastante

expressivo pelo tamanho da área desapropriada 25000 ha e também pelo número de assentados 973

famílias. Este assentamento é decorrente da ocupação de duas áreas da fazenda Araupel (Bacia e

Silos). A primeira ocupação ocorreu numa área de 5100 ha denominada de Bacia em maio de 1999

por cerca de 1100 integrantes do MST. A segunda ocupação foi numa área de 6300 ha, onde se

localiza os silos da fazenda da empresa Araupel. Esta última área foi ocupada por 1000 integrantes

do MST em julho de 2003.

Além dos assentamentos acima citados existentes no município de Quedas do Iguaçu, há

atualmente no município de Espigão Alto do Iguaçu30 um acampamento na fazenda da empresa

30 Município desmembrado de Quedas do Iguaçu no ano de 1997.

64

SOLIDOR que possui uma área de 642,49 ha. Este imóvel que os sem-terra (MST) ocuparam

possui uma história bastante conturbada, pois esta área já tinha sido destinada para a realização de

um assentamento, o Núcleo Agrícola Vitória que possuía 36 famílias. Porém, no ano de 2000,

depois de 14 anos, já com o assentamento consolidado (casas, estradas, escolas, entre outros) os

proprietários conseguiram um mandato de reintegração de posse e conseqüentemente o despejo das

famílias.

Os assentados do Núcleo Agrícola Vitória foram despejados e transferidos para o ginásio de

esportes do município de Espigão Alto do Iguaçu. Posteriormente estes camponeses foram

transferidos para uma área no município de Quinta do Sol região Noroeste do Estado do Paraná,

onde havia o compromisso de serem assentadas. No entanto, foram espalhadas por vários

assentamentos no Estado.

Em abril de 2003 a fazenda da empresa SOLIDOR (antigo assentamento “Núcleo Agrícola

Vitória”) voltou a ser ocupada por 150 integrantes do MST, e depois de muitos enfrentamentos os

camponeses permaneceram na área a fim de que esta fosse destinada novamente para a criação de

assentamento de camponeses sem terra.

Além desses acampamentos e assentamentos houve recentemente por parte do MST a

ocupação de mais duas áreas no município de Quedas do Iguaçu: a fazenda Campo Novo e a

fazenda Três Elos, em 2006.

Assim, verifica-se o quanto a conquista de uma fração do território, como é o caso do

assentamento Rio Perdido se desdobra em novas lutas e conquistas. Isso explica-se em parte, porque

geralmente onde se têm assentamentos de sem-terra a propriedade da terra encontra-se concentrada.

Porém, é necessário levar em consideração que a conquista de uma fração do território pelos

camponeses os fortalece e incentiva outros camponeses a lutarem pela terra, fortalecendo também

os laços de solidariedade.

Os assentados do Rio Perdido contribuíram para a formação destes novos acampamentos e

assentamentos. A contribuição veio na forma de doação de alimentos, participação na organização

da ocupação, marchas, passeatas, entre outras formas de luta que ocorreram. Evidencia-se assim,

que a luta dos camponeses sem-terra não é individual e apenas pela conquista de sua terra.

Após a conquista da terra se constituem também no assentamento formas de organização

para que os camponeses possam se manter na terra. A organização dos camponeses nos

assentamentos na maioria das vezes se comunica com a organização que possuíam no

acampamento.

O assentamento Rio Perdido encontra-se organizado em 5 grupos de 12 famílias cada. Estes

grupos não possuem a finalidade de organizar uma produção coletiva e especialização da produção

65

nos lotes, mas possuem a função de organizar politicamente os assentados. Os grupos se reúnem

para tratar de assuntos relativos ao assentamento e sempre que se faz necessário organizar lutas e

reivindicações.

A dinâmica dos grupos constitui-se, principalmente, nas discussões de assuntos referentes ao

assentamento e é realizada geralmente na casa dos coordenadores de grupos. Essas discussões são

socializadas e ampliadas numa assembléia geral, realizada na sede da comunidade, onde os assuntos

discutidos nos grupos são trabalhados com todos os membros da comunidade. Também é lavrada

uma ata da reunião. Assim, as reuniões dos grupos servem também para apontar caminhos que os

assentados devem tomar após a conquista da terra.

As reuniões dos grupos e as assembléias são importantes “fóruns” de debate sobre os

problemas econômicos, políticos e sociais vividos pelos assentados. Nestas assembléias discutem-se

também questões ligadas ao lazer, religião, cultura e uma infinidade de assuntos do cotidiano das

famílias.

No gráfico 04 é possível verificar a porcentagem de entrevistados que participam

regularmente das reuniões e assembléias no assentamento. Até mesmo pessoas que não possuem

ligação com o movimento e com todo o processo de luta vivenciada no acampamento (compradores

dos lotes), participam regularmente das atividades desenvolvidas pelos grupos. A participação nos

grupos é vista como forma de discussão e amadurecimento de idéias que venham a melhorar o

assentamento.

Gráfico 04: Participação nas Reuniões dos Grupos e Assembléias - Assentamento

92%

8%

REGULARMENTERARAMENTE

Fonte: Trabalho de campo fev. 2007. Org.: ROOS, D.

66

Do total de 100% dos entrevistados, apenas 8% responderam que freqüentam raramente as

reuniões dos grupos e assembléias. A alegação de baixa participação é de que estão “cansados” com

atitudes de alguns assentados que compraram os lotes.

Esta parcela de 8% que pouco participa das reuniões afirma que, os que compraram os lotes

não se sentem parte da conquista do assentamento e por isso fazem lavouras utilizando elevada

quantidade de agrotóxicos, fazendo uso até mesmo de sementes transgênicas. Isso para as pessoas

que participaram de toda a luta, todo o sofrimento enfrentado é algo inadmissível, pois contraria

todos os princípios que estes seguem e aprenderam a respeitar.

Nas reuniões dos grupos e nas assembléias há importante participação das mulheres e dos

filhos dos assentados. Estes não são meros espectadores, pois tem direito à voz e voto. Cabe

ressaltar que este espaço adquirido pelos filhos e pelas mulheres dos assentados nas discussões

políticas/organizativas dos assentamentos é fruto do processo de luta onde o homem passa a

reconhecer a diversidade e dar valor para as opiniões da sua família.

A organização dos assentados em grupos e as discussões políticas ali ocorridas têm a

finalidade de buscar melhorias para o assentamento. Estas melhorias podem se dar na esfera

econômica, através da organização dos camponeses para vender os produtos em conjunto, para

conseguir um preço melhor ou algum financiamento para o assentamento. A organização reflete

também no âmbito político, no aprendizado, na coragem de reivindicar a solução de seus

problemas, como resulta ao mesmo tempo, no fortalecimento dos laços de solidariedade existente

entre os camponeses.

Trata-se de um aprendizado que se desdobra em novas conquistas ligadas à produção nos

lotes tais como, infra-estrutura, assistência técnica, financiamentos, etc. Além de conquistas

econômicas, a ação dos grupos de assentados também proporciona um conjunto de discussões de

caráter político, o que se desdobra e fortalece as lutas e reivindicações.

A organização dos grupos é feita através da proximidade dos lotes, visto que desse modo

torna-se mais viável a organização e participação das famílias nas reuniões e discussões realizadas

nos grupos.

Assim, a trajetória de vida dos assentados implica no desenvolvimento de um conjunto de

atividades nos assentamentos, inclusive a realização de trabalhos coletivos e associativos. Dessa

forma, os assentados buscaram/buscam meios para garantir a sua existência enquanto sujeito social

a partir da terra conquistada.

Em alguns assentamentos do MST aparecem as cooperativas como uma outra forma de

associativismo, que surge como organização econômica dos assentados. Mas, está não é a única

forma de cooperação nos assentamentos. Verifica-se a realização de um conjunto de atividades

67

coletivas/associativas na esfera política como caminhadas/marchas, ocupações de terra,

fechamentos de rodovias, participação de eventos, etc.

A organização associativa dos assentados não se dá apenas na esfera produtiva, mas também

na esfera das relações políticas, ou seja, através de lutas coletivas tais como protestos, caminhadas,

auxílio variado nas ocupações de terra, fechamentos de rodovias, etc. Os camponeses assentados,

organizados ou não no MST vêem nas ações coletivas/associativas nos assentamentos uma forma de

garantir sua manutenção e existência no campo.

Além dos grupos, o assentamento Rio Perdido encontra-se organizado em lotes destinados a

exploração familiar, não possuindo assim, formas de produção coletiva no assentamento, nem

produção em cooperativas. Porém, a cooperação ocorre no assentamento, por meio de atividades

“comunitárias” que são baseadas nos laços de solidariedade, como a troca de dias de serviço no

momento em que se torna necessário uma maior quantidade de pessoas nos lotes (plantio, colheita).

Tabela 05: Porcentagem (anual) de Assentados que Trocam dias de Serviço e dos que Trabalham de Bóia-Fria.

Sim (%) Não (%)

Troca de dias de Serviço 67% 33%

Trabalham de Bóia-Fria 25% 75%

Fonte: ROOS, D. (2007). Trabalho de Campo Fevereiro (2007).

Na tabela 05 pode-se verificar que as relações de solidariedade se materializam na troca de

dias de serviço entre as famílias sempre que estas estejam precisando. As trocas de dias de serviço

ocorrem geralmente no período das colheitas, plantio, e às vezes para efetuar a limpeza das ervas

daninhas da propriedade.

É importante salientar que estas formas de cooperação ocorrem principalmente (mas não

somente) entre vizinhos, devido à proximidade dos lotes o que facilita tais relações. A cooperação

também é facilitada pelas relações de parentesco existentes dentro dos assentamentos. Ressalta-se

que no período do acampamento a proximidade entre as famílias, entre as barracas, favorece as

relações de solidariedade. Por outro lado, no assentamento as famílias encontram-se em lotes muitas

vezes distantes, mas mesmo assim essas formas de cooperação continuam a ser executadas.

A maioria dos entrevistados do assentamento Rio Perdido se utilizam destas práticas de

solidariedade. Por outro lado, 16,5% dos 33%31 que dizem não fazer troca de dias de serviço, são

31 É importante lembrar que no trabalho de campo foram entrevistados 12 assentados o que reflete um número de 20% do total de assentados. Portanto, os dados são baseados numa amostragem e não no universo dos assentados.

68

assentados que compraram o lote. Dessa forma, verifica-se que o processo de luta pela terra também

contribui no fortalecimento dos laços de solidariedade existente entre os camponeses.

Outro dado levantado indica que apenas 25% dos entrevistados possuem membros da

família que trabalham de bóia-fria depois do assentamento destes no lote. Os outros 75% afirmaram

que antes da conquista do lote os mesmos eram obrigados a trabalhar de bóia-fria para poder

sobreviver.

Entretanto, depois de assentados tal fato praticamente não se faz mais necessário, visto que,

embora assentados não tenham dinheiro suficiente para manter suas vidas de forma digna,

produzem seus próprios alimentos e também produtos que havendo excedentes são vendidos, para

que com o dinheiro da troca sejam comprados outros gêneros de subsistência que não são

produzidos nos lotes.

Através das atividades realizadas pelos assentados e da organização e de discussões

existentes entre eles é operacionalizado um conjunto de atividades, tanto de natureza

econômica/produtiva como também de ordem política que vêem a beneficiar o assentamento. Com

isso, é possível verificar que a cooperação existente nos assentamentos não se materializa apenas na

forma de uma cooperativa, mas principalmente nas relações do dia-a-dia dos camponeses.

Neste sentido, é importante destacar o conteúdo pedagógico existente nos acampamentos de

sem terra, embora seja difícil e sofrida a vida no acampamento. O aprendizado político adquirido no

acampamento se desdobra no assentamento, pois as famílias continuam realizando discussões para

reivindicar direitos e organizar as lutas.

O MST desempenha importante papel de aglutinador dos camponeses para a realização de

lutas, até porque a própria conquista da terra de assentamento foi feita a partir da agregação dos

camponeses em torno do Movimento. Neste sentido, os movimentos sociais possuem um papel

importante na construção da luta. Porém, deve-se levar em consideração que as atitudes dos

movimentos sociais em alguns momentos visam solapar o modo de vida camponês.

Os camponeses que estão nos acampamentos buscam a conquista da terra, para nela

exercerem o trabalho familiar. Para tanto, a luta destes sujeitos é coletiva como é o caso da

conquista principal (a terra). Porém, com a conquista da terra são necessárias novas lutas para os

camponeses conseguirem meios para sobreviverem nesta fração do território que foi conquistado.

Esta luta novamente é feita coletivamente através da organização destes em associações

comunitárias, grupos, núcleos, trabalhos associativos e cooperativos, etc.

Por outro lado, a produção coletiva, formação de cooperativas não são vistas com bons olhos

pelos camponeses. Acontece que as formas de produção coletiva apresentadas principalmente pelo

69

MST são contrárias ao próprio modo de vida camponês, como é a proposta de formação das CPAs

(Cooperativas de Produção Agropecuária), que buscam a coletivização das terras.

A criação desta forma de cooperação vai contra o objetivo do modo de vida camponês que

se baseia na solidariedade, na posse familiar da terra, na produção de autoconsumo e que busca com

essa forma de organização fugir das estruturas de dominação capitalista que estão ligadas ao

mercado. A proposta das cooperativas do MST é justamente o contrário, ou seja, procura inserir

cada vez mais o camponês no mundo da mercadoria. Por isso que tais propostas na maioria das

vezes não se concretizam entre os camponeses.

Dessa forma, é possível compreender porque os camponeses rejeitam a proposta de reforma

agrária baseada na coletivização das terras e construção de cooperativas defendida por alguns

movimentos sociais, inclusive o MST. A criação de cooperativas de produção coletiva

(coletivização das terras), visa transformar o camponês em outro sujeito, “em operário”, de modo

que nesta forma de organização coletiva da produção o camponês perde o controle do processo de

produção, bem como dos meios de produção.

Portanto, ao contrário do que pensam muitos estudiosos, a individualidade dos lotes, as

atividades associativas (não materializadas nas cooperativas) e a produção existente na maioria dos

assentamentos de sem-terra são frutos da resistência do campesinato diante à expansão do sistema

capitalista no campo.

Contudo, não se pode dizer que não existe cooperação nestes assentamentos, pois existem

formas de cooperação camponesas, baseadas na solidariedade, no trabalho comunitário e autonomia

de cada família.

Por outro lado, há também uma pressão do Estado e órgãos deste (INCRA, Secretárias da

agricultura, entre outros), para que sejam criadas formas de organização como associações, etc.,

para que sejam liberados recursos e financiamentos. Porém, a racionalidade de associativismo do

Estado é para que os financiamentos sejam posteriormente pagos (devolvidos ao Estado). Portanto,

a idéia de associativismo do Estado difere da racionalidade camponesa que vê no associativismo

formas de sobreviver no sistema capitalista.

É possível dizer que a organização baseada nas relações de solidariedade são frutos da

própria resistência dos camponeses. Resistência esta que visa se proteger até mesmo da ação dos

movimentos sociais organizados, que lutam para que os camponeses conquistem a terra e

posteriormente negam estes sujeitos, buscando estabelecer relações que não são da natureza da

classe camponesa.

70

No assentamento Rio Perdido não se encontram formas de produção coletiva nem

cooperativas de trabalho coletivo, mas possui uma diversidade de relações assentadas no modo de

vida camponês, como mutirão, troca de dias de serviço, associação, grupos, entre outras.

Assim, as atividades associativas realizadas pelos assentados do Rio Perdido, pelo fato de

não ocorrerem por meio de uma cooperativa não significa que estes não estão organizados ou que

não existe nenhuma forma de cooperação entre os assentados. Ao contrário, esta organização

encontrada no assentamento é do próprio modo de vida camponês, que através de atividades

associativas visa se defender da atuação de seres “estranhos” sobre o território camponês.

Cabe salientar que o processo de luta contribui na formação desta resistência camponesa,

visto que os mesmos aprendem a não se sujeitarem às relações de dominação. O fato de estarem

lutando pela terra se constitui como negação à subordinação e dominação.

Assim, é possível dizer que os sujeitos políticos/sociais produtores de seu espaço são os

camponeses e que suas ações não estão limitadas aos movimentos sociais, mas estão assentadas

num projeto mais amplo que visa se manter e existir no sistema adverso (capitalismo).

71

CONSIDERACÕES FINAIS

O estudo sobre as atividades associativas no assentamento Rio Perdido possibilitou verificar

que as atividades associativas desenvolvidas pelos camponeses desse assentamento não são

pautadas numa cooperativa ou entidade. Porém, esse fato não indica que não haja cooperação entre

os assentados. A cooperação existente no assentamento ocorre de diversas formas, tais como na

solidariedade, organização política e comunitária.

Verifica-se também que a luta dos camponeses não termina com o acesso a terra, mas que a

luta continua sendo realizada pela permanência na terra. Para tanto, várias atividades realizadas

durante o período de luta pela terra continuam sendo utilizadas como forma dos camponeses

garantirem sua existência enquanto sujeitos sociais.

Assim, a organização dos camponeses em grupos e numa associação geral do assentamento

reflete práticas que eram utilizadas por estes durante o acampamento. A dinâmica dos grupos

constitui-se, principalmente, nas discussões de variados assuntos relativos ao assentamento e

posteriormente levada para uma reunião na sede da comunidade, quando as discussões são

socializadas e ampliadas numa assembléia.

As reuniões são importantes “fóruns” de debate sobre os problemas econômicos, políticos,

sociais vividos pelos assentados. Nestas assembléias discutem-se também questões ligadas ao lazer,

religião, cultura e uma infinidade de assuntos do cotidiano das famílias. Dessa forma,

(núcleos/grupos), os assentados têm operacionalizado um conjunto de atividades tanto de natureza

econômica/produtiva e política.

Assim, essa organização dos assentados não se traduz apenas na parte econômica do

assentamento, pois, vai muito além da esfera produtiva, abrangendo questões políticas da luta dos

camponeses, tais como, manifestações em busca de recursos para a produção, organização do

assentamento em associações e grupos, auxilio nas ocupações de terra, etc. Portanto, verifica-se a

socialização política dos integrantes dos assentamentos de sem-terra iniciado no acampamento.

Entende-se que a organização dos assentados não se constrói apenas na esfera da produção,

mas também é verificada politicamente através de manifestações, passeatas, etc. Neste sentido,

destaca-se a importância dos movimentos sociais durante todo esse processo de luta pela terra

(acampamento) e depois para nesta permanecer (assentamento).

Porém, é preciso considerar que os camponeses são sujeitos políticos que buscam sua

autonomia no campo, não ficando presos às ações dos movimentos sociais, pois sua luta tem início

a partir de suas necessidades e anseios. Por isso, sua organização não está pautada em ordens

superiores, mas sim nas suas necessidades.

72

As atividades associativas e formas de cooperação nos assentamentos de sem-terra não se

materializam apenas nas cooperativas ou na coletivização das terras como idealizam os movimentos

sociais. Mas, essa materialização se da nos moldes do campesinato, na posse e trabalho familiar do

lote de terra, nas relações de solidariedade e troca de dias de serviço entre vizinhos e familiares e

acima de tudo na esfera política organizativa de luta dos camponeses.

Através dessa forma de organização os camponeses do assentamento Rio Perdido negam a

subordinação e os meios de dominação do sistema capitalista.

73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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74

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76

ANEXOS

77

ANEXO 01

QUESTIONÁRIO PARA MEMBROS DO ASSENTAMENTO RIO PERDIDO

Questionário Aplicado em _________/____________/2007

1 – Número Do Lote:___________________2 – Área do Lote:_______________________

3 - Número de Pessoas da Família:________

4 - Municípios antes do Assentamento:__________________________________________

_________________________________________________________________________

5 - Porque foi para o Acampamento:____________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

6 - Morou quais cidades:_____________________________________________________

________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________

7 – Atividades desenvolvidas na cidade:_________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

___________________________________________________________

8 - Participava de mobilizações:________9 – Porque:______________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

___________________________________________________________

10 - Que tipo de mobilização participou:_________________________________________

_________________________________________________________________________

11 –Ano da Ocupação:________

12 – No Acampamento Possuía alguma Organização, Grupos/ Núcleos/:_______________

_________________________________________________________________________

13 - Período das Reuniões:_______14 – Participava destes Núcleos/ Grupos:____________

15 - Com que Freqüência:___________

16 – Porque Participava (ou não) destes Núcleos/Grupos:_________________________

________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________

17 - Possuía Algum Cargo:_________18 – Qual__________________________________

78

19 - Participou de Algum Curso de Formação Política:_____________________________

20 - Qual:____________________21 – Onde:__________________22 - quando_________

23 - Período: ( ) Acampamento ( ) Assentamento

24 - Qual:____________________25 – Onde:__________________26 - quando_________

27 - Período: ( ) Acampamento ( ) Assentamento

28 - Qual:____________________29 – Onde:__________________30 - quando_________

31 - Período: ( ) Acampamento ( ) Assentamento

32 - Qual:____________________33 – Onde:__________________34 - quando_________

35 - Período: ( ) Acampamento ( ) Assentamento

36 - Como eram tomadas decisões dos grupos no acampamento:______________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

___________________________________________________________

37 – No Assentamento Pertence a algum Núcleo/grupo:_____________________________

38 – Nome do Núcleo/grupo:__________________________________________________

39 – Tempo que Existe:__________________40 – Quantos associados:________________

41 – Período das Reuniões:___________________________________________________

42 – Participa das Reuniões:

( ) Regularmente ( ) Raramente ( ) Nunca

43 - Porque entrou no Núcleo_________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

44 - Quer Sair:_____________________________________________________________

45 - Porque:_______________________________________________________________

________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________

46 – Possui Algum Cargo no Núcleo/grupo:________47 – Qual:_____________________

50 - Esposa Participa das Reuniões:________49 - Com que Freqüência:________________

51 - Os Filhos Participam das Reuniões:_______52 - Com que Freqüência:_____________

53 – Atividades do núcleo/grupo:______________________________________________

_________________________________________________________________________

54 - Onde São realizadas as Reuniões:__________________________________________

55 – No assentamento Possui alguma Associação:_____56 - Tempo que Existe:_________

58 - Faz Parte Dela:_________57 – Porque participa ou não:_________________________

79

________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________

59 – Possui algum Cargo na Associação __________60 – Qual:______________________

61 - A Associação Possui Caráter Econômico ou Político:___________________________

62 - Porque:_______________________________________________________________

_________________________________________________________________________

63 – Como são feitas reuniões_________________________________________________

64 – Período das Assembléias:_________________________________________________

65 – Participa das Assembléias:

( ) Regularmente ( ) Raramente ( ) Nunca

66 - Esposa Participa das Assembléias:_________67 - Com que Freqüência:____________

68 - Filhos Participam das Reuniões:___________69 - Com que Freqüência:____________

69 - Onde são Realizadas as Reuniões:__________________________________________

70 – Núcleo/Grupo e associação são a mesma coisa:_______________________________

71 – Porque:_______________________________________________________________

________________________________________________________________________________

___

72 - Grau de Instrução (casal): Homem ______________Mulher:_____________________

73 - Número de Filhos:______74 - Escolaridade __________________________________

75 - Possui Escola no Assentamento:____________________________________________

76 - Crianças que estudam:________77 – Come chegam a escola:____________________

78 - Possui Alguma Cooperativa no Assentamento:________________________________

79 - Qual:_________________________________________________________________

80 – No que a coop. atua:_____________________________________________________

________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________

81 – É Sócio de alguma Cooperativa:___________________________________________

82 - Participou de Algum Outro Movimento Antes de Ingressar no MST:_______________

83 - Qual:_________________________________________________________________

84 - Porque Entrou no acampamento:___________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

85 - Ajudou a Organizar Ocupação:_____________86 - Onde:_______________________

87 - Participou de Mobilização (assentado):______________________________________

80

88 - Quais:___________________________89 - Onde:_____________________________

90 - Reivindicação:_________________________________________________________

_________________________________________________________________________

91 - Os Filhos Participam/participaram:_________________________________________

92 - Contribui com outros Acampados:_______93 - De que Forma:___________________

_________________________________________________________________________

94 - É Filiado a Partido:________95 - Qual:_________96 - Quanto Tempo:____________

97 – Porque é filiado________________________________________________________

98 - Sócio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais:_________99 - Quanto Tempo:________

100 - Porque é sócio:________________________________________________________

101 - Recebe Jornais, Revistas, Panfletos:______102 – Quais:_______________________

_________________________________________________________________________

103 – O movimento foi importante para conquista terra:_________104 - qual___________

105 – Porque:______________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

______

106 - Qual a importância do Acampamento para a mobilização:______________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

_______________

107 - Qual a Relação com outros Assentamentos/Acampamentos:_____________________

108 - quais________________________________________________________________

109 - Onde________________________________________________________________

110 - Tipo de relação________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

___________________________________________________________

111 - Já Possuiu Terra:__________112- Quantos anos Trabalhou na Terra:_____________

113 - O Que Cultivava:______________________________________________________

114 – No Assentamento Participa de Produção Coletiva:____________________________

81

115 - O que produz coletivo:__________________________________________________

_________________________________________________________________________

116 - Porque: ______________________________________________________________

________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________

117 – Número de Trabalhadores:_________118 - Faz Troca de dias de Serviço:_________

119 - Em que Período:_______________________________________________________

_________________________________________________________________________

120 - Possui Alguma Renda Extra:_____________________________________________

_________________________________________________________________________

121 - Quantos trabalham fora lote:______________122 – atividades:__________________

_________________________________________________________________________

123 - Quantos trabalham de bóia fria:_____________124 - Dias por ano:______________

125 – Área de Lavoura:__________________126 – Área de Pastagem:________________

127 - Tipos de cultivo:_______________________________________________________

_________________________________________________________________________

128 - Cultivos de Subsistencia:________________________________________________

________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________

129 – Cultivo I:__________130 - Área plantada:________131 - Produção Anual:________

132 – Destino: Comércio (quanto):_________133 - Consumo no Lote (quanto):_________

134 – Cultivo II:__________135 - Área plantada:_______136 - Produção Anual:________

137 – Destino: Comércio (quanto):_________138 - Consumo no Lote (quanto):_________

139 – Cultivo III:_________140 - Área plantada:_______141 - Produção Anual:________

142 – Destino: Comércio (quanto):__________143 - Consumo no Lote (quanto):________

144 – Cultivo IV:__________145 - Área plantada:______146 - Produção Anual:________

147 – Destino: Comércio (quanto):__________148 - Consumo no Lote (quanto):________

149 – Cultivo V:__________150 - Área plantada:______151 - Produção Anual:_________

152 – Destino: Comércio (quanto):_________153 - Consumo no Lote (quanto):_________

154 – Cultivo VI:_________155 - Área plantada:______156 - Produção Anual:_________

157 – Destino: Comércio (quanto):_________158 - Consumo no Lote (quanto):_________

159 – Cultivo VII:__________160 - Área plantada:____161 - Produção Anual:_________

162 – Destino: Comércio (quanto):_________163 - Consumo no Lote (quanto):_________

164 – Outros (Quais):________________________________________________________

82

_________________________________________________________________________

165 - Área plantada:_________________________________________________________

_________________________________________________________________________

166 - Produção Anual:_______________________________________________________

_________________________________________________________________________

167 – Destino: Comércio (quanto):_____________________________________________

_________________________________________________________________________

168 - Consumo no Lote (quanto):______________________________________________

_________________________________________________________________________

169 - Tipo de criação:_______________________________________________________

170 – Quantas Cabeças: Gado:_______________171 - Porcos:_____172 - Ovelhas:______

173 - Outros:______________________________________________________________

174 – Destino: Comércio (quanto):__________175 - Consumo no Lote (quanto):________

176 - Produção leite:___________177 – Quanto:_________178 - Derivados:___________

179 – Destino: Comércio (quanto):_________180 - Consumo no Lote (quanto):_________

181– Destino dos Derivados:Comércio (quanto):__________________________________

182 - Consumo no Lote (quanto):______________________________________________