“juventude que ousa lutar!”: trabalho, educaÇÃo e militÂncia de jovens assentados do mst

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A juventude que vive o início do século XXI apresenta as marcas da sociabilidade do capital. Ao mesmo tempo em que se coloca a possibilidade de alongamento da escolarização com a ampliação de acesso ao ensino superior, vive-se uma situação de desemprego, perdas de conquistas com a flexibilização de contratos trabalhistas, a terceirização e a informalidade. As lutas presentes na constituição de assentamentos do MST são forças que se colocam contrárias a esse processo. O objetivo da pesquisa foi compreender como ocorre a formação de jovens militantes do MST, com o foco nos egressos do ensino médio do Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, considerando a mediação entre a escolarização de nível médio, o trabalho, a militância e a continuidade dos estudos.

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  • Natacha Eugnia Janata

    JUVENTUDE QUE OUSA LUTAR!: TRABALHO, EDUCAO E MILITNCIA DE JOVENS ASSENTADOS DO MST

    Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de Santa Catarina para a obteno do Grau de Doutora em Educao. Orientadora: Prof. Dr. Clia Regina Vendramini

    Florianpolis 2012

  • Ficha de identificao da obra elaborada pelo autor, atravs do Programa de Gerao Automtica da Biblioteca Universitria da UFSC.

    Janata, Natacha Eugnia JUVENTUDE QUE OUSA LUTAR!: [tese] : TRABALHO, EDUCAOE MILITNCIA DE JOVENS ASSENTADOS DO MST / Natacha Eugnia Janata ; orientadora, Prof. Dr. Clia Regina Vendramini - Florianpolis, SC, 2012. 278 p. ; 21cm

    Tese (doutorado) - Universidade Federal de SantaCatarina, Centro de Cincias da Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao.

    Inclui referncias

    1. Educao. 2. Trabalho e educao. 3. Jovens. 4.Assentamentos. 5. MST. I. Vendramini, Prof. Dr. CliaRegina . II. Universidade Federal de Santa Catarina.Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.

  • Natacha Eugnia Janata

    JUVENTUDE QUE OUSA LUTAR!: TRABALHO, EDUCAO E MILITNCIA DE JOVENS ASSENTADOS DO MST)

    Esta Tese foi julgada adequada para obteno do Ttulo de Doutora em Educao, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Ps-Graduao em Educao.

    Florianpolis, 04 de maio de 2012.

    ________________________

    Prof. Clia Regina Vendramini, Dr. Coordenadora do Curso

    Banca Examinadora:

    ________________________

    Prof. Clia Regina Vendramini , Dr. Orientadora

    Universidade Federal de Santa Catarina

    ________________________

    Prof. Gaudncio Frigotto, Dr. Universidade Estadual do Rio de Janeiro

    ________________________

    Prof. Suely Aparecida Martins, Dr. Universidade do Oeste do Paran

  • ______________________________

    Prof. Marilia Maria da Silva, Dr. Universidade do Estado de Santa Catarina

    ____________________________

    Prof. Sandra Dalmagro , Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

    ____________________________

    Prof. Valeska Nahas , Dr. Suplente

    Universidade Federal de Santa Catarina

    ____________________________

    Prof. Mauro Titon , Dr. Suplente

    Universidade Federal de Santa Catarina

  • Ritamar, Marcos, Edson, Ana, companheiros e amigos, passado e presente do Colgio Iraci. Aos jovens: Adriana, Carla, derson, Edilaine, Elio, Gabriela, Jaqueline, Jociele, Joice, Jonatas, Josiane, Kelli, Kesia, Lucas, Mrcia, Marines, Mary Lucia, Roseli, Silvano, Soniamar, Suellen, Thaile. Essa pesquisa feita com, sobre e para vocs. s doces guerreiras Dandara e Hayde e ao companheiro/cmplice Edson, por exercitarem comigo o sentido da alteridade. Aos jovens militantes do MST e de toda a classe trabalhadora porque Juventude que ousa lutar, constri o poder popular!

  • AGRADECIMENTOS

    A minha famlia, apoio incansvel e amor incondicional, sempre! Meu pai, Beto, minha me, Dori, meus irmos, Sthfano e Helen, meus cunhados Fabiane, Marcos, Andrea e Adriano, Edna, Alex e Emmanuel. s pequenas Julia, Clarinha, Gio e Manu e ao nico Matheus. s bisas, primos e tias. A todos, o meu muito obrigada! Aos amigos Marcos, Rita e Mauri, Ana e Osni, Roslia e suas meninas, Carla, Thaile, Vera, Orlando e famlia, Ren e Luciana, pela ajuda constante e sincera, pelas conversas, pelos aprendizados, pelo exemplo que so de vida e militncia. Tambm aos pequenos Yago e Bruna, por compartilharem suas infncias com as pequenas Hayde e Dandara. A distncia traz sempre a saudade. Aos jovens entrevistados, aos quais dedico esse trabalho. Tatiane, Orlando, Roslia, Valdelir, Danilo e Ana, pelos importantes e emocionantes depoimentos. Aos funcionrios, em especial ao Joel pela sua ajuda na pesquisa, educadores, educandos e familiares do Colgio Iraci e tambm aos companheiros do MST, porque parte de quem eu sou devo a essas pessoas. Ao querido professor Ari (in memorian) pela possibilidade de entrada no doutorado. professora Clia, por ter assumido a continuidade da orientao, mesmo em meio a tantos afazeres. Aos professores da banca de qualificao e defesa, pelas contribuies e por me moverem no sentido do amadurecimento. Aos professores e colegas do Instituto Educampo, em especial ao professor Munarim e professora Beatriz, por terem me acolhido (a mim e minha famlia) no incio do doutorado e proporcionado alm da bolsa, muitos aprendizados. Scheilla, Vanessa, Kamila, pela troca, convivncia, suor e riso no trabalho e fora dele. Ao professor Lucdio e Elisa, pela gentileza e humanidade de permitirem a morada de estranhos em seu lar, possibilitando nossa chegada em Florianpolis com mais tranquilidade. Ao amigo Fabiano, pela convivncia e proximidade vivida no doutorado, pelas conversas, alegrias e choros!! Aos colegas das disciplinas realizadas com o prof Ari, em que nos dedicamos a estudar coletivamente o lvaro Viera Pinto, pelas importantes contribuies em minha formao. Thel, Ceclia e Je, por serem um aconchego na solido da ilha! Rita e ao Arthur, por exercemos a vizinhana e a solidariedade na educao de nossos filhos. Linia e seu exemplo de alegria e amor.

  • Aos amigos de sempre, Rafael, Mariluz, Aninha, Claudia e Caubi, Adriana, Roger e Luiz, Ivana e Vitor, Iwana, pela importante referncia em minha vida. Leyli, Boca, Luiza e Julia, famlia especial, pela amizade, cuidado com as crianas, conversas, risos, apoio, sempre que precisamos. Carol, por me ajudar na escrita do projeto para a seleo, quando o doutorado era apenas uma vontade de seguir estudando. Alcione, pelo encontro, por me remeter a nossa amiga Ale, pela disposio e proximidade com Dandara e Hayde. Aos professores Celi Taffarel, Mauricio Roberto da Silva, Marlene Sapelli, e Adriana DAgostini, porque mesmo na pouca convivncia so para mim exemplo de luta e militncia na academia e na vida. Ao Edson, por sermos mais, juntos. Pela dedicao, cuidado, ateno, por amar. Dandara e Hayde, por me ensinarem a viver a dor e a delcia de ser o que se , por serem o novo, brotando do velho.

  • O conhecimento caminha lento feito lagarta. Primeiro no sabe que sabe

    e voraz contenta-se com cotidiano orvalho deixado nas folhas vividas das manhs.

    Depois pensa que sabe e se fecha em si mesmo:

    faz muralhas, cava trincheiras, ergue barricadas.

    Defendendo o que pensa saber levanta certeza na forma de muro,

    orgulha-se de seu casulo.

    At que maduro explode em vos

    rindo do tempo que imaginava saber ou guardava preso o que sabia.

    Voa alto sua ousadia reconhecendo o suor dos sculos

    no orvalho de cada dia.

    Mesmo o vo mais belo descobre um dia no ser eterno.

    tempo de acasalar: voltar terra com seus ovos

    espera de novas e prosaicas lagartas.

    O conhecimento assim: ri de si mesmo

    e de suas certezas meta da forma

    metamorfose movimento

    fluir do tempo que tanto cria como arrasa

    a nos mostrar que para o vo preciso tanto o casulo

    como a asa. (Aula de vo, Mauro Iasi)

  • RESUMO

    A juventude que vive o incio do sculo XXI apresenta as marcas da sociabilidade do capital. Ao mesmo tempo em que se coloca a possibilidade de alongamento da escolarizao com a ampliao de acesso ao ensino superior, vive-se uma situao de desemprego, perdas de conquistas com a flexibilizao de contratos trabalhistas, a terceirizao e a informalidade. As lutas presentes na constituio de assentamentos do MST so foras que se colocam contrrias a esse processo. O objetivo da pesquisa foi compreender como ocorre a formao de jovens militantes do MST, com o foco nos egressos do ensino mdio do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak, considerando a mediao entre a escolarizao de nvel mdio, o trabalho, a militncia e a continuidade dos estudos. A escola se situa no Assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguau, PR e ambos foram constitudos a partir da ocupao da Fazenda Giacomet-Marodin, no ano de 1996, perodo de amplas mobilizaes do MST. Realizamos entrevistas com 22 egressos do nvel mdio da escola, do perodo de 2001 a 2009, com trs lideranas do assentamento, com a vice-diretora e a coordenadora pedaggica do curso de Formao de Docentes. Outros dados foram coletados por meio da observao participante e anlise de documentos. A situao de trabalho dos egressos evidencia a presena do setor de servios no assentamento; a mecanizao da produo, que tem alterado a vida dos jovens; a sada do assentamento em busca de trabalho e estudo; bem como a sua inter-relao com a militncia. O MST o grupo no qual os jovens militantes podem estabelecer relaes sociais mais amplas e complexas, permitindo a constituio de uma autonomia financeira, intelectual e emocional. Entretanto, a condio material e o esprito de sacrifcio so elementos que aproximam a militncia da alienao do trabalho assalariado. A continuidade de estudos tem sido possibilitada principalmente pelos cursos organizados pelo MST. Num perodo de massificao e mercadorizao do ensino superior, tais cursos tm contribudo para uma formao pautada pelo enfrentamento a essa situao. Nesse contexto, para que a escola, e nela a etapa de nvel mdio, possa contribuir na formao dos jovens, preciso que esteja articulada com a materialidade da vida, sobretudo com a organizao da produo dos assentamentos, suas contradies e lutas sociais.

    Palavras-chave: Trabalho e educao. Jovens. Assentamentos. MST

  • ABSTRACT The youth living in the beginning of the twenty-first century has social capitalism scars. At the same time, we face the possibility of lengthening the school time to expand the access to a higher education; On the other hand an unemployment situation, loss of gains with the flexibility of labor contracts, outsourcing and informality is lived. The current struggles on establishment of MST settlement are forces that stand opposed to the aforementioned process. The main purpose of the research is to understand the formation process of the MST youth militants/political activists, focusing on the high school graduates of the Colgio Estadual Iraci Salete Strozak, considering the mediation between the high school scholarship, work, activism and their continuation to the higher education. The school is situated in the Marcos Freire settlement, at Rio Bonito do Iguau, PR and both were made from the occupation of the Fazenda Giacomet-Marodin, on 1996, period of wide mobilizations of MST. The interviews were realized with 22 high school graduated, from the period of 2001 to 2009, with three settlement leaders, with the deputy director and educational coordinator of the Teacher Training course. Other data were collected through participant observation and document analysis. The work situation of graduates shows the presence of the service sector in the settlement, the mechanization of production, which has changed the lives of young people leaving the settlement in search of work and study, as well as their interrelationship with militancy. The other parts of the data were collected by the participation within the process and the document analysis. The work situation of the graduates shows the service sector presence in the settlement; the food production mechanization, which has changed young people life; the settlement evasion in search of work and study, as well as their interrelationship with the militancy. The MST is the group where young militants can establish complex and broader social relationships, allowing the establishment of a financial, intellectual and emotional autonomy. Notwithstanding, the condition of the resources and spirit of sacrifice are key elements that brings together the militancy of wage labor alienation. The continuity of studies has been made possible, mainly by the courses organized by the MST. In a period of mass media massification and marketization of the high school, such courses have contributed to a graduation based by the confrontation with this situation. In this context, to make the school and its high school stage a contribution to the young people graduation, it is necessary to articulate the materiality of life, especially with the organization of production of the settlements, its contradictions and social struggles. Key words: Work and education. Youth. Young people. Settlements. MST

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 01 - Percentual de pessoas de 15 a 17 anos, residentes em domiclios particulares, por classes de rendimento mensal familiar per capita (salrio mnimo - SM).....................................................................

    30 Grfico 02 - Evoluo populacional em Rio Bonito do Iguau/PR........... 84 Grfico 03 - Distribuio dos sistemas produtivos pelo percentual do total do nmero de famlias no Assentamento Marcos Freire, Rio Bonito do Iguau/PR, 2006....................................................................................

    86 Grfico 04 Distribuio dos solteiros em relao moradia independente dos pais e constituio familiar............................................

    115 Grfico 05 Distribuio dos casados em relao moradia independente dos pais e constituio familiar............................................

    115 Grfico 06 - Distribuio dos egressos por idade...................................... 116

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 Situao dos egressos quanto continuidade dos estudos.... 44 Quadro 02 Situao dos egressos quanto ao trabalho/atividades que exercem......................................................................................................

    44 Quadro 03 Situao dos egressos quanto militncia............................ 45 Quadro 04 Perfil geral dos jovens egressos............................................ 46 Quadro 05 Situao dos egressos quanto participao no acampamento e insero no Assentamento Marcos Freire........................

    88

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 01- Localizao do municpio de Rio Bonito do Iguau/PR...... 59 Figura 02 - Ocupao Fazenda Giacomet-Marodin, organizada pelo MST, em Rio Bonito do Iguau/PR, 1996.............................................

    70 Figura 03 - Localidades de origens das famlias acampadas na Fazenda Pinhal Ralo, da madeireira Giacomet-Marodin, Rio Bonito do Iguau/PR.........................................................................................

    74 Figura 04 rea de assentamentos de Rio Bonito do Iguau e entorno correspondentes a ocupaes de terras da empresa Giacomet-Marondin................................................................................................

    83 Figura 05 Localizao das escolas estaduais e municipais nas reas dos Assentamentos Marcos Freire e Ireno Alves dos Santos, Rio Bonito do Iguau/PR, 2011....................................................................

    92 Esquema 01 - Mundo do trabalho juvenil, Brasil, 2006........................ 128 Figura 06 - Fotos da primeira estrutura fsica do Colgio Iraci, no sentido horrio: 1-Momento da construo de salas de aula adaptadas com madeiras; 2- Salas de aulas j construdas com madeiras doadas; 3- Prdio de uma antiga delegacia na posio frontal, onde funcionaram trs salas de aula; 4- Prdio da antiga delegacia na posio lateral........................................................................................

    142 Figura 07 - Fotos das atuais instalaes do Colgio Iraci, no sentido horrio: 1-Frente do Colgio, com porto de entrada; 2- Ptio gramado no espao entre salas de aula e saguo coberto; 3- Espao interno de uma sala de aula; 4- Saguo coberto com mesas para alunos fazerem o lanche.........................................................................

    143 Figura 08 - Matriz curricular do ensino mdio, Colgio Estadual Iraci Salete Strozak, PR/2011........................................................................

    152 Figura 09 - Matriz curricular do Curso de Formao de Docentes da educao infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, em nvel mdio, Colgio Estadual Iraci Salete Strozak, PR/2011.......................

    158

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 01 - Entrevistados por ano de concluso do ensino mdio e do Curso de Formao de Docentes do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak/PR, 2001-2009.........................................................................

    41 Tabela 02 - Entrevistados por ano de concluso do Curso de Formao de Docentes do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak/PR, 2008 -2009.............................................................................................

    42 Tabela 03 - Estabelecimentos agropecurios e rea segundo a condio do produtor 2006.................................................................

    85

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas ACAMF Associao Central do Assentamento Marcos Freire ANCA Associao Nacional de Cooperao Agrcola APAE Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social CEAGRO Centro de Desenvolvimento Sustentvel e Capacitao em

    Agroecologia CEFURIA Centro de Formao Urbano Rural Irm Arajo CND Curso Normal Distncia CNS Curso Normal Superior CONCRAB Confederao das Cooperativas de Reforma Agrria COPEL Companhia Paranaense de Energia CPT Comisso Pastoral da Terra ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio IAP Instituto Ambiental do Paran IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IDH-M ndice de Desenvolvimento Humano Municipal IEJC Instituto de Educao Josu de Castro INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

    Ansio Teixeira IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e

    Social ITCG Instituto de Terras, Cartografia e Geocincias ITERRA Instituto Tcnico de Capacitao e Pesquisa da Reforma

    Agrria LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional MAB Movimento dos Atingidos por Barragens MASTES Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste MASTRO Movimento dos Agricultores Sem Terra no Oeste do

    Paran MEC Ministrio da Educao MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra OIT Organizao Internacional do Trabalho PAC Programa de Consolidao e Emancipao (Auto-

    Suficincia) de Assentamentos Resultantes da Reforma Agrria

  • PEA Populao Economicamente Ativa PIA Populao em Idade Ativa PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios PNERA Pesquisa Nacional de Educao na Reforma Agrria PPP Projeto Poltico Pedaggico PPP-FD Projeto Poltico Pedaggico do Curso de Formao de

    Docentes da Educao Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em Nvel Mdio

    PQE Programa Qualidade no Ensino Pblico do Paran PROEM Programa de Expanso, Melhoria e Inovao do Ensino

    Mdio PROUNI Programa Universidade para Todos SEED Secretaria de Estado da Educao SM Salrio Mnimo UHE Usina Hidreltrica

  • SUMRIO

    1 INTRODUO................................................................... 23 1.1 A CARACTERIZAO DO CAMPO DE ESTUDO COMO

    FORA EM LUTA NO TERRITRIO EM QUE SE INSEREM OS JOVENS PESQUISADOS........................................................

    37 1.2 OS CAMINHOS DA PESQUISA COM OS JOVENS................... 40 2 LUTA PELA TERRA, LUTA PELA VIDA: A

    PRODUO DA EXISTNCIA NO ASSENTAMENTO MARCOS FREIRE...........................

    53 2.1 FORAS EM LUTA: A EXPULSO DAS TERRAS E O

    ENFRENTAMENTO DOS TRABALHADORES...............................

    54 2.2 GIACOMET-MARODIN, SANGUE E SUJEIRA POR TODOS OS

    POROS NAS LUTAS POR TERRA..................................................

    64 2.3 A OCUPAO DO MST EM 17 DE ABRIL DE 1996:

    PROMESSA DE VIDA PARA CERCA DE 3.000 FAMLIAS, MORTE PARA 19 TRABALHADORES RURAIS EM LUTA!...................................................................................................

    68 2.3.1 De Giacomet-Marodin a Araupel, a luta capital-trabalho em Rio

    Bonito do Iguau.................................................................................

    77 2.4 13 ANOS DO ASSENTAMENTO MARCOS FREIRE E A LUTA

    PARA A PRODUO DA EXISTNCIA..........................................

    84 3 SER JOVEM: DO SINGULAR AO UNIVERSAL.......... 93 3.1 OS JOVENS DA PESQUISA......................................................... 96 3.2 O TRABALHO E A CONDIO ETRIA NA

    DELIMITAO DO TEMPO DA JUVENTUDE.........................

    110 3.3 O DESEMPREGO NA CONDIO DO JOVEM

    CONTEMPORNEO.....................................................................

    126 4 A FORMAO DOS JOVENS E A EDUCAO DE

    NVEL MDIO NO COLGIO ESTADUAL IRACI SALETE STROZAK...........................................................

    137 4.1 O COLGIO ESTADUAL IRACI SALETE STROZAK.............. 137 4.2 A EDUCAO DE NVEL MDIO NO COLGIO

    IRACI..............................................................................................

    146 4.2.1 O acesso ao conhecimento............................................................. 164 4.2.2 A auto-organizao e o desenvolvimento artstico e

    expressivo.......................................................................................

    176 4.2.3 O vnculo com a realidade social, o trabalho e as lutas do/no

    assentamento..................................................................................

    185

  • 5 O JOVEM E O MST, ENTRECRUZAMENTOS ENTRE TRABALHO, ESCOLA E MILITNCIA.........

    195 5.1 O QUE NECESSRIO PARA SE FORMAR O JOVEM

    RADICAL?....................................................................................

    202 5.2 JUVENTUDE MILITANTE, A CONJUGAO ENTRE

    TRABALHO E MILITNCIA E CONTINUIDADE DOS ESTUDOS.......................................................................................

    211 5.2.1 A continuidade dos estudos.......................................................... 218 5.2.2 A relao com os adultos e o esprito de sacrifcio..................... 222 A FORMAO DOS JOVENS DIANTE DO MST E O COLGIO IRACI, CONSIDERAES FINAIS.........................

    227 REFERNCIAS................................................................................ 233 APNDICE A - Questionrio de identificao para jovens da entrevista coletiva.............................................................................

    261 APNDICE B - Roteiro de questes para o grupo de jovens na entrevista coletiva............................................................................

    265 APNDICE C - Roteiro de questes para entrevista individual com os egressos..................................................................................

    267 APNDICE D - Roteiro de questes para entrevista com a direo da escola...............................................................................

    271 APNDICE E - Roteiro de questes para entrevista com a coordenao do Curso de Formao de Docentes..........................

    273 APNDICE F - Roteiro de questes para entrevista com lideranas do assentamento..............................................................

    275

  • 23

    1 INTRODUO

    O momento da vida designado como juventude abarca um processo de complexificao da formao humana, no sentido da compreenso e mediao mais amplas com outras instncias de socializao para alm da famlia e da escola. O ensino mdio a etapa da escolarizao que coincide com esse momento e sua contribuio no processo formativo dos jovens pode ocorrer se estiver conectada com a materialidade da vida, com a organizao da produo dos assentamentos, suas contradies e lutas sociais. Ao mesmo tempo, encontra limites nessa prpria materialidade. nessa relao contraditria que ocorre a formao dos jovens de assentamentos do MST. Nesta pesquisa, defendemos a tese de que a escola como agncia formativa tem uma contribuio a dar na formao dos jovens. No entanto, a formao do jovem radical1 do MST um processo que contm mltiplas determinaes, no mbito da produo, educao e formao, a fim de que a continuidade do Movimento como fora em luta contra o capital seja viabilizada pela formao de novas geraes de militantes.

    ***

    Em pesquisa de mestrado2, que teve como foco a cultura do trabalho e do ldico de jovens de assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), constatamos que a sada desses do campo tem relao principalmente com a falta de perspectiva de trabalho, sendo o desejo da continuidade dos estudos algo tambm muito presente. O MST assume uma atribuio relevante pelas alternativas de escolarizao que

    1 Termo retirado de Ianni (1968). A adjetivao radical tem o sentido de ir raiz. Para o autor, o jovem radical aquele que compreende as contradies do sistema em que vive, vislumbra tanto as inconsistncias estruturais do sistema como as alternativas concretas apresentadas sua conscincia. Com esse descortinamento possvel gerar uma conscincia social singular que gesta o jovem poltico ativo (IANNI, 1968, p. 238; 226).

    2 Pesquisa desenvolvida pela autora no perodo de 2002-2004, com o ttulo: Fuxicando sobre a cultura do trabalho e do ldico de meninas-jovens-mulheres em assentamentos do MST, tendo como campo de estudo jovens do Assentamento 30 de Outubro, em Campos Novos/SC, sob a orientao do professor Dr. Mauricio Roberto da Silva.

  • 24

    tem desenvolvido, permitindo o acesso a cursos tcnicos e profissionalizantes, em nvel mdio e superior. A necessidade de compreender questes emergidas nesse contexto surgiu a partir da experincia de atuar como professora numa escola pblica estadual, o Colgio Estadual Iraci Salete Strozak3, no Assentamento Marcos Freire, localizado no municpio de Rio Bonito do Iguau/PR, trabalhando a disciplina de Educao Fsica com turmas de jovens do ensino mdio e do curso de Formao de Docentes, modalidade Normal, alm de coordenar o mesmo curso. O colgio em questo possua fortes vnculos com o MST, sendo uma das referncias de escola de assentamento para o Setor de Educao do Movimento no estado. O assentamento onde a escola se localiza foi resultado de uma das maiores ocupaes organizadas pelo MST, marcando historicamente a luta pela terra no Paran. Contraditoriamente, a cada fim de ano os jovens que encerravam o ensino mdio corriam para a secretaria do colgio solicitar seu histrico escolar, no intuito de irem embora do assentamento em busca de emprego. Por outro lado, mesmo no tendo turmas formadas, o curso de Formao de Docentes aparentemente possua jovens com outras expectativas, mais ligadas ao assentamento e s lutas do MST. Haveria diferenas na formao de cada uma dessas modalidades de nvel mdio que demarcavam perspectivas distintas aos jovens? Uma observao mais atenta foi desvelando que, embora as jovens4 do curso de Formao de Docentes apresentassem um reconhecimento mais efetivo com as lutas do MST, isso no bastava para que seguissem produzindo suas existncias no assentamento, nem tampouco assumissem a militncia como projeto de vida. Em contrapartida, havia jovens que concluram o ensino mdio no colgio e se tornaram militantes justamente durante esse perodo da escolarizao, mesmo sem terem cursado o profissionalizante. apenas no movimento de aproximao e afastamento que podemos compreender e analisar o real. A essncia no est desvelada primeira vista, por isso a necessidade da pesquisa. Ainda que aparncia e essncia constituam o fenmeno, importa compreender desde a aparncia, o que h

    3 Iraci Salete Strozak foi uma liderana do MST que desenvolveu trabalhos em vrias regies do Paran, assumindo diferentes funes. Em 1996 e 1997, acompanhou o processo de formao das escolas no acampamento e assentamento da Giacomet-Marodin. Faleceu em acidente de trnsito em novembro de 1997.

    4 O termo est entre aspas porque mesmo sendo a maioria havia alguns meninos matriculados no curso.

  • 25

    de essencial naquilo que se manifesta (KOSIK, 1989). Essa pesquisa se origina da minha experincia como professora da escola estudada, buscando investigar as problemticas vivenciadas com o fim de compreend-las em sua essncia. A preocupao em estabelecer as relaes parte-todo se faz presente, explicitando a concepo sobre o que a realidade. Abordando a conexo cincia e filosofia nos escritos de Marx, Lukcs (1979, p. 24) aponta que a cincia se desenvolve a partir da vida; e, na vida, quer saibamos e queiramos ou no, somos obrigados a nos comportar espontaneamente de modo ontolgico. Nesse sentido, compreendemos que as inseres sociais desses jovens ocultam ao mesmo tempo o cerne do que ser jovem em determinado assentamento do MST, e a essncia do ser social que vive em um dado tempo histrico, marcado pelas relaes sociais de produo capitalistas. Quais seriam os determinantes na formao dos jovens do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak? Como as experincias vividas nessa escola, especialmente no ensino mdio, marcavam sua formao? Essas foram questes que me trouxeram ao doutorado e resultaram nessa pesquisa.

    ***

    O Assentamento Marcos Freire fruto de uma das maiores ocupaes de terras realizadas na regio centro-oeste do Paran. Em 1996, mais de dez mil sem-terra, organizados pelo MST, ocuparam a Fazenda Pinhal Ralo, pertencente madeireira Giacomet-Marodin. Esta possua uma rea com pouco mais de 80 mil hectares, numa extenso que envolvia trs municpios, entre eles Rio Bonito do Iguau. No local onde antes havia a explorao da terra para uso de apenas uma nica famlia, passou-se a produzir vida para cerca de 1.500 famlias (MONTEIRO, 2003; HAMMEL, SILVA, ANDREETTA, 2007). No processo de luta pela democratizao do acesso terra, luta-se tambm pela educao e os trabalhadores sem-terra conquistaram seis escolas municipais de anos iniciais do ensino fundamental; quatro escolas estaduais de anos finais do ensino fundamental, sendo duas destas tambm de ensino mdio - uma com curso profissionalizante Formao de Docentes, modalidade normal, em nvel mdio integrado. Esta ltima consiste no Colgio Iraci Salete Strozak. Uma das discusses do MST no mbito da educao pautada na atualidade o acesso ao ensino mdio e profissionalizante-integrado. J existem diversas experincias de cursos profissionalizantes em nvel mdio,

  • 26

    tais como Magistrio, Tcnico em Administrao de Cooperativas5, entre outros, realizados pelo prprio MST e efetivados por meio de parcerias e convnios com instituies pblicas. Essas possibilidades tm viabilizado a continuidade dos estudos de muitos jovens, assentados ou acampados, a partir de um projeto de formao humana que visa superar as relaes do modo de produo capitalista6. Em decorrncia de tal demanda, em setembro de 2005 ocorreu o Seminrio Nacional Educao Bsica, nas reas de Reforma Agrria do MST, no qualse constituiu um Grupo de Trabalho sobre Educao Mdia e Profissional. Na sntese final desse seminrio, afirma-se que foi a primeira reuniodo Movimento para discutir essa etapa da educao bsica, tratando da escola pblica e dos cursos j desenvolvidos em parcerias (MST, 2006). Um ano aps realizou-se o 1 Seminrio Nacional sobre Educao Bsica de Nvel Mdio nas reas de Reforma Agrria, com cerca de 500 participantes de 22 estados e do Distrito Federal, entre eles militantes de diferentes setores e coletivos do MST, educadores de 197 escolas pblicas de assentamentos - das quais 38 de nvel mdio - alm de jovens estudantes dessas escolas e representantes de outros movimentos e organizaes integrantes da Via Campesina Brasil (MST, 2010). Ambos os encontros buscaram, entre outros objetivos, elaborar uma proposta para as escolas pblicas de educao mdia das reas de reforma agrria vinculadas ao MST (MST, 2006, p. 7). O Documento Final do 1 Seminrio Nacional sobre Educao Bsica de Nvel Mdio nas reas de Reforma Agrria aponta demandas de atendimento e fundamentos da concepo de ensino mdio, entendida pelo MST como Educao Bsica de Nvel Mdio, a fim de demarc-la como integrante da totalidade da educao bsica e que necessita ser universalizada, com obrigatoriedade no atendimento pblico e gratuito. Tais documentos sintetizam um movimento desencadeado pela demanda da formao da juventude dos assentamentos

    5 Estes cursos so desenvolvidos principalmente no Instituto de Educao Josu de Castro (IEJC) do ITERRA - Instituto Tcnico de Capacitao e Pesquisa da Reforma Agrria, do MST, localizado em Veranpolis/RS, criado em janeiro de 1995 pela Associao Nacional de Cooperao Agrcola (ANCA) e pela Confederao das Cooperativas de Reforma Agrria (CONCRAB). Tais cursos vm buscando em sua trajetria formar jovens e adultos comprometidos com a reforma agrria e, sobretudo, com a superao do modo de produo capitalista. O ITERRA busca especialmente atender s demandas de formao/escolarizao de trabalhadores/as de assentamentos e acampamentos de todo o pas. (Caldart, 1997, p. 19).

    6 Lima (2008) fez um estudo dessas experincias de ensino mdio realizadas pelo MST luz de reflexes acerca da emancipao humana.

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    que vem ganhando fora nos debates do MST a partir, principalmente, de 2005. Como aponta Martins (2009), a juventude esteve presente na prpria constituio do MST, pois muitas das lideranas que contriburam para forjar o Movimento eram jovens ligados sobretudo militncia na Igreja Catlica. Nos anos 1990, com a consolidao dos acampamentos e assentamentos, formaram-se jovens com caractersticas diferenciadas, que participaram das primeiras ocupaes ainda na infncia. A partir de meados da dcada de 1990, emergem questes internas de demandas dessa juventude por escolarizao, trabalho, lazer, participao nas decises e, especialmente, pela necessidade de continuidade na luta do Movimento. Alm disso, a temtica da juventude, aps o processo de redemocratizao brasileira, retorna discusso nacional. No bojo desse contexto, as lideranas do MST se pem a refletir sobre os desafios de possibilitar a permanncia do jovem nos assentamentos, com maior participao nas decises nesses espaos e no prprio Movimento. Nas discusses que envolvem a educao, o documento sntese do Seminrio de 2005, em que houve a reunio do Grupo de Trabalho: Educao Mdia e Profissional, no diagnstico sobre a Juventude Sem Terra, aponta algumas questes importantes sobre a situao do jovem no Movimento. H o reconhecimento de que existe pouca participao dos jovens nos assentamentos e na organicidade do MST, alm da sada desses do campo em busca de renda e escolarizao; o MST busca envolv-los em aes pontuais, nos cursos e no trabalho de organizao, sendo que a juventude que participa dos cursos aquela mais inserida no Movimento; necessrio compreender melhor esse tempo de vida, considerando a participao da juventude em um movimento social, o MST, cuja principal atuao de adultos (MST, 2006). Mediante esse cenrio, delineado o perfil do que o MST quer com a sua juventude nas escolas:

    Capacidade de entender profundamente a realidade, relacionando a teoria e a prtica. Identificar-se como campons e como Sem Terra, valorizar o campo como espao de produo da vida e trabalhar pela superao da antinomia campo-cidade. Desenvolver uma postura crtica (organizar a rebeldia) e criativa (tomar posio, demonstrar pensamento autnomo, ser protagonista). Ter conscincia dos direitos. Desenvolver uma viso de mundo na perspectiva da classe trabalhadora. Compreender os processos de produo da existncia social. Construir sensibilidades e habilidades especficas relativas ao

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    mundo da cultura, da arte, dos esportes [...] Construir sensibilidades e habilidades especficas relativas ao mundo do trabalho. Realizar uma ao/atuao poltica: militncia na organizao. Este um dos traos reforados no perfil esperado para os estudantes dos cursos especficos do MST (MST, 2006, p. 153).

    Na discusso que envolve o acesso educao de nvel mdio, a liderana do Movimento evidencia uma intencionalidade na formao poltica dos jovens, articulada com um projeto de transformao social, pautado pela superao do capitalismo. Os jovens do campo ou da cidade enfrentam uma realidade semelhante no acesso ao ensino mdio, pois a existncia de um funil no que diz respeito sua oferta ocorreu e ocorre em ambos os espaos, uma vez que abordamos a realidade de jovens a partir de um determinado corte de classe. Nas palavras de Frigotto (2004, p. 57):

    No se trata, tambm, de sujeitos sem rosto, sem histria, sem origem de classe ou frao de classe. Os sujeitos a que nos referimos so predominantemente jovens e, em menor nmero, adultos, de classe popular, filhos de trabalhadores assalariados ou que produzem a vida precria por conta prpria, do campo e da cidade [...] Trata-se de sentidos e significados que afetam a forma, o mtodo e o contedo do Ensino Mdio.

    O autor traz para o debate a relao trabalho e educao na formao dos jovens, afirmando que pensar o ensino mdio partindo desses sujeitos significa passar de uma

    [...] viso abstrata, iluminista e racionalista para uma compreenso histrica dos processos formativos e de construo de conhecimento nesse nvel de ensino, em que se articulam cincia, trabalho e cultura (FRIGOTTO, 2004, p. 27).

    Pochmann (1998) considera que, apesar de se elevarem os nveis de escolaridade dos jovens, a condio de empregabilidade7 juvenil piorou.

    7 Alves (2009) faz uma crtica utilizao dessa expresso por entender que visa

    escamotear a realidade social, por isso o termo aparece entre aspas. Para a autora, apesar de no campo cientfico existirem abordagens que tratam em diferentes dimenses da empregabilidade, o que facto que, o aumento do desemprego, o seu carcter estrutural e a consolidao do pensamento neoliberal tm contribudo para a manuteno e mesmo para o reforo da perspectiva individual e essencialista da empregabilidade e para uma concepo de actor social atomizado e flexvel. [...]

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    Houve um acrscimo da taxa de desemprego, ampliou-se a flexibilizao das relaes trabalhistas, os empregos informais, sem registro, que no oferecem estabilidade, segurana, nem os mnimos direitos. Os maiores problemas em relao ao desemprego juvenil, gerados pela diminuio dos postos de trabalhos decorrentes das transformaes dos anos 1990, ocorreram no setor primrio (agricultura, pecuria, etc.). A migrao do campo para a cidade , portanto, um aspecto a ser refletido considerando a imbricao destes dois espaos - e no uma sobreposio, ou oposio principalmente aps o avano das relaes capitalistas, que tornam campo e cidade espaos interdependentes. O contexto do desemprego se inter-relaciona com a migrao do campo para a cidade e indica que riqueza e pobreza so sntese de um mesmo processo social, ou da unidade entre campo e cidade (VENDRAMINI, 2009, p. 99). Campo e cidade so entendidos por Vendramini (2010, 128) como duas faces de uma mesma realidade em que capital e trabalho se colocam como foras em disputa na luta de classes. Partindo dessas compreenses que buscamos apreender as estatsticas que tratam da escolarizao dos jovens em nvel mdio e que trazem dados a partir do limite da compreenso pela abordagem de um corte entre urbano e rural. No que concerne aos indicadores sociais brasileiros, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios - PNAD (2007) identifica que 37,5% dos jovens de 15 a 17 anos vivem em situao de restrio, convivendo em famlias com renda mensal per capita de at meio salrio mnimo (SM). De outra parte, considerando os jovens de famlias com renda mensal per capita de mais de 2 SM, h apenas 10,2%. Somando os jovens de famlias de menor renda com os daqueles de famlia com renda de mais de a 1 SM per capita temos um total de 67% dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos em famlias com renda mensal de at 1 SM por pessoa.

    Com efeito, se o emprego deixou de ser um direito, a empregabilidade passou, indiscutivelmente a ser um dever e uma responsabilidade individual (ALVES, 2009, p. 55).

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    Grfico 01 - Percentual de pessoas de 15 a 17 anos, residentes em domiclios particulares, por classes de rendimento mensal familiar per capita (salrio mnimo -

    SM)

    Mais de 1 a 2 SM

    18,3%

    Mais de 1/2 a 1 SM 29,5%

    Mais de 2 a 3 SM 5%

    Mais de 3 a 5 SM

    3,1%

    Mais de 5 SM2,1%

    At 1/4 SM 14,3%

    Mais de 1/4 a 1/2 SM 23,2%

    Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios, 2007 apud IBGE (2008)8.

    O ensino mdio o ltimo nvel da educao bsica e est longe da universalizao do acesso e permanncia. A PNAD (2007) comprova tal afirmao ao contabilizar a taxa de frequncia escolar lquida9 a estabelecimentos de ensino da populao residente de 7 a 17 anos, por grupos de idade e nvel de ensino. Considerando os dados do Brasil, temos 94,65% da populao de 7 a 14 anos no ensino fundamental, e apenas 48% de 15 a 17 anos no ensino mdio, significando que a frequncia a esse nvel de ensino no atinge nem a metade da populao jovem na idade adequada.

    8 Nota: Os dados excluem a pessoa cuja condio na famlia era pensionista, empregado domstico ou parente do empregado domstico. Incluem as famlias sem declarao de rendimento e sem rendimento (IBGE, 2008). A soma dos valores indicados na fonte no corresponde a 100%.

    9 Proporo de pessoas de uma determinada faixa etria que freqenta escola na srie adequada, conforme a adequao idade-srie do sistema educacional brasileiro, em relao ao total de pessoas na mesma faixa etria (IBGE, 2008).

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    Aquino (2009) aborda as disparidades internas do Brasil, comparando e trazendo tona a relao entre os jovens10 do campo e da cidade, suas diferenas e semelhanas, tambm a partir de dados da PNAD (2007). Destaca que 84,8% do total dos jovens vivem em reas urbanas e 15,2% no campo. Aproximadamente a metade dos jovens urbanos (48,7%) habita em moradias inadequadas fisicamente, podendo ter ausncia de gua canalizada, ou falta de esgoto, de banheiros de uso exclusivo do domiclio, de coleta de lixo, de iluminao eltrica, ou ainda paredes e/ou coberturas no durveis. Cerca de 2 milhes de jovens vivem em favelas nas grandes cidades, sendo a maior parte negra (66,9%). No que concerne ao campo, Aquino (2009) identifica que este concentra 29% dos jovens que vivem em situaes precrias, destacando as dificuldades de acesso terra e aos equipamentos pblicos, o esforo fsico requerido pelas atividades agrcolas e as expectativas de reproduo familiar, j que contrariamente ao meio urbano, o nmero de jovens mulheres, principalmente de 18 a 24 anos, menor que o de homens, ocasionando o receio do celibato. Os dados apresentados pela autora expem o contexto em que vivem os jovens brasileiros, efetivamente os filhos da classe trabalhadora, marcados por dificuldades na falta de acesso educao e sade pblicas de qualidade, de insero no trabalho, convivendo com trfico de drogas, violncia, problemas ambientais, questes que afetam mundialmente a vida no sculo XXI. Ao considerarmos os assentamentos de reforma agrria, percebemos a situao alarmante do ensino mdio nesses locais. Dados da Pesquisa Nacional de Educao na Reforma Agrria - PNERA, realizada em 2004 (INEP, 2007), demonstram que das 8.679 escolas de assentamentos pesquisadas no Brasil, 373 ofertam ensino mdio, o que equivale a apenas 4,3%. Ao compararmos com os dados do ensino fundamental anos finais11 (34%), verificamos como a quantidade de escolas nos assentamentos diminui consideravelmente, o que leva constatao de que o acesso ao nvel mdio da educao bsica passa a ser possvel, em sua maioria, com a sada do assentamento. Isso acarreta a dificuldade no acesso escolarizao, pelas grandes distncias percorridas, as estradas em mau

    10 A autora adota o recorte etrio de 15 a 29 anos, seguindo a Secretaria Nacional de Juventude, da Presidncia da Repblica e o Conselho Nacional de Juventude (AQUINO, 2009).

    11 Segundo a PNERA (INEP, 2007), apenas 34% das escolas do assentamento

    ofertam os anos finais do ensino fundamental, o que por si s j um dado a ser refletido.

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    estado, afetando a formao dos jovens nessa etapa da escolarizao. Outro agravante que grande parte da oferta do ensino mdio realizada no perodo noturno. Assim, a precarizao do trabalho e do ensino compe a realidade social dos jovens da classe trabalhadora no Brasil, como aponta Oliveira (2004). Consideramos que: - A conquista da terra, e com ela a possibilidade de sobrevivncia,

    no significa a garantia do acesso a outros servios, tais como educao, cultura, lazer. Caso a luta coletiva no seja permanente, estes ficam restritos e, com isto, a prpria possibilidade de constituio enquanto seres humanos. Rio Bonito do Iguau, municpio em que se localiza um dos maiores assentamentos do MST no Paran, e no qual os jovens da pesquisa residem/residiram, um dos municpios de mais baixo ndice de Desenvolvimento Humano do Paran12, o que pode demonstrar que o acesso terra no a nica condio de melhoria das condies de produo da vida.

    - Tratamos de jovens que concretamente possuem ligao com um assentamento vinculado ao MST, constitudo como fruto das lutas sociais e da organizao coletiva dos sujeitos em confronto com a realidade de pobreza e extrema desigualdade social. As lideranas do MST, aps mais de 25 anos de histria, vivem a demanda da formao da juventude como necessidade de garantia da escolarizao aos jovens, bem como de renovao dos seus quadros polticos.

    - A escola em que os jovens pesquisados estudaram caracterizada como uma escola pblica, estatal, mas que possui inter-relao com o MST. Distingue-se das escolas organizadas e gestadas pelo prprio Movimento, por meio de convnios e parcerias (como o caso do Instituto Tcnico de Capacitao e Pesquisa da Reforma Agrria - ITERRA13). Essas, em certa medida, possuem autonomia em sua gesto, desde a organizao curricular, passando pela escolha de educadores, processos de seleo, entre outros. O que no significa que as relaes sejam homogneas e que no haja projetos societrios em disputa. Entretanto, na escola pblica as relaes antagnicas e os projetos de educao, emancipatrios ou no, esto

    12 Segundo os indicadores demogrficos educacionais do IPARDES (2007), o valor do ndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), referente ao ano de 2000, de Rio Bonito do Iguau de 0,669, estando na posio 388 dos 390 municpios do estado do Paran.

    13 Vide explicao na nota de rodap n 5.

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    em constante confronto, materializados desde a sala de aula. Sendo assim, a relao dos sujeitos que integram o Colgio Estadual Iraci Salete Strozak com os princpios do Movimento no unnime, nem de longe hegemnica e ocorre por compromisso poltico de alguns ao projeto de sociedade tambm defendido pelo MST, como destaca Souza (2006). So quase 15 anos de assentamento e diferentemente do incio, quando o prprio Movimento, ao negociar e lutar pela escola, indicava os professores a serem contratados, hoje o corpo docente do colgio pesquisado constitudo por 90% de professores no efetivos e que no necessariamente possuem identificao com o MST ou com uma perspectiva de transformao social.

    A pesquisa parte de um recorte particular14 do real jovens egressos do ensino mdio de uma determinada escola localizada em um assentamento do MST. Com ele, buscamos estabelecer as relaes necessrias com a totalidade das questes que o envolvem. Isso significa que as anlises se propem a ser elaboradas luz dos processos mais gerais que ao mesmo tempo em que configuram e constituem esse particular. Buscamos no deixar de lado a compreenso da relao dialtica entre parte e todo dos fatos, como ressalta Kosik afirmando que o conhecimento concreto da realidade:

    um processo de concretizao que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenmenos para a essncia e da essncia para os fenmenos, da totalidade para as contradies e das contradies para a totalidade; e justamente neste processo de correlaes em espiral no qual todos os conceitos entram em movimento recproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade (KOSIK, 1989, p. 41-42).

    Lukcs (1978) ao abordar a necessidade econmica no processo histrico de constituio do ser social, traz uma contribuio e nela, paralelamente, podemos encontrar justificativa de buscar os jovens que j

    14 Buscamos ter o cuidado de no recair num particularismo que prope explicaes a partir do fato, mesmo sem estabelecer as conexes que entendemos serem necessrias para a compreenso do real. Lukcs (1978, p. 18) afirma: Hoje, na tentativa de renovar a ontologia marxiana, deve-se dar igual importncia a ambos os aspectos: a prioridade do elemento material na essncia, na constituio do ser social, por um lado, mas, por outro e ao mesmo tempo, a necessidade de compreender que uma concepo materialista da realidade nada tem em comum com a capitulao, habitual em nossos dias, diante dos particularismos tanto objetivos quanto subjetivos.

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    concluram o ensino mdio. O autor aborda o carter pos festum dos acontecimentos e de como somente num segundo momento conseguimos entender o seu carter concreto, isso porque, segundo ele (...) algumas tendncias gerais so visveis; mas concretamente, elas se traduzem na prtica de modo bastante desigual (LUKCS, 1978, p. 12). Diante do exposto nos questionamos: Qual a materialidade da vida que est posta aos jovens do assentamento? De que forma ocorreu a escolarizao de nvel mdio dos egressos no Colgio Estadual Iraci Salete Strozak? Quais so os determinantes e, concomitantemente, as possibilidades anunciadas para a formao dos jovens nesse estabelecimento de ensino? Quais as necessidades sociais postas que configuram as alternativas de trabalho, militncia e continuidade dos estudos dos egressos? O que o percurso do trabalho, da militncia e da continuidade dos estudos tem a ver com a escolarizao, sobretudo no nvel mdio? Que aspectos so evidenciados dessa mediao para o desenvolvimento do jovem radical do MST, em particular os egressos? A questo central que originou a pesquisa : quais os nexos e contradies da escolarizao de nvel mdio dos egressos do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak com o trabalho, a militncia e a continuidade dos estudos, tendo em vista a formao de jovens militantes? Tais questes consideram os limites da escola no capitalismo na perspectiva de uma formao para a emancipao humana, ao mesmo tempo em que compreendem-na como um componente no processo formativo. Mszars (2006) refora o entendimento de que a educao formal apenas um dos muitos espaos de educao, onde ocorrem processos de internalizao, sendo as relaes sociais de determinados modos de produo aquelas que educam, formam e so formadas pelos seres humanos. Ainda assim, o autor afirma a contribuio vital que a mesma pode oferecer ao articular-se com as lutas sociais mais amplas, numa perspectiva abrangente da educao como a nossa prpria vida (MSZROS, 2005, p. 59). Com o entendimento em relao s determinaes da escola no capitalismo, e tambm de suas potencialidades em relao s suas aspiraes emancipadoras (MSZROS, 2005, p. 59), que problematizamos a formao dos jovens nos assentamentos do MST. As categorias so construes da prxis da pesquisa no so simplesmente analticas e estabelecidas a priori e o prprio processo de investigao vai revelando a relao fenmeno-essncia. Como aborda Thompson (1981), as categorias tericas so expresses da realidade que nos permitem compreender a prxis social. Sendo assim, as temticas analisadas na pesquisa so assim compreendidas:

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    - Jovens de assentamento do MST Na totalidade, expressam as questes que perpassam a vida da classe trabalhadora. Em suas particularidades, so sujeitos que produzem suas vidas em um assentamento do MST, possuindo perspectivas e desafios que se diferenciam da gerao adulta e da infncia. A precariedade na produo da vida no campo entrecruzada com o MST como possibilidade de rompimento com o existente. Os jovens so o elo de continuao das lutas no assentamento e no prprio Movimento. Alm disso, tratamos de egressos da escolarizao em nvel mdio e consideramos que os aprendizados na escola podem se relacionar com uma formao mais ampla.

    - Formao escolar em nvel mdio A escola tem suas contribuies a oferecer na formao dos jovens no sentido de colaborar para uma contrainternalizao da ordem social capitalista. Ao mesmo tempo, a materialidade da vida dos jovens pode trazer benefcios no sentido de recriar a escola e, em especfico, a educao de nvel mdio, a fim de que fortalea uma formao mais ampla dos jovens, tendo como perspectiva a superao do capitalismo.

    - Trabalho Como jovens da classe trabalhadora, a sobrevivncia uma preocupao constante em suas vidas.Entretanto, a possibilidade efetiva de rompimento com laos familiares e de sada de casa torna a busca por atividades remuneradas uma demanda que se sobressai. A escola forma para o trabalho, independentemente de tambm aplic-lo como elemento educativo. No entanto, abordamos uma escola em especfico, com finalidades que projetam a formao de seres humanos que busquem a transformao social. Reconhecer que contedos e aprendizados do ensino mdio se relacionam, ou no, com as atividades exercidas nos trabalhos dos egressos, contribui para pensar a mediao entre a formao escolar e a materialidade da vida.

    - Militncia A formao poltica e de quadros uma necessidade de qualquer movimento social, destacando-se no MST pela sua durao de mais de duas dcadas. Inserir-se nas lutas pode ou no ser uma perspectiva colocada para o jovem que reside em um assentamento do MST e, ainda assim, efetivada de distintas formas: localmente, ao pensar a produo e a vida no assentamento a que pertence; ao mesmo tempo em que ou ainda organicamente, em diferentes frentes de atuao no Movimento. A formao escolar pode estabelecer nexos com a formao poltica, desde que vinculada com as lutas sociais inerentes vida dos jovens.

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    - Continuidade dos estudos O alongamento da escolarizao uma caracterstica presente no sculo XXI, e a ampliao de acesso ao ensino mdio tem ocorrido no Brasil elevando a escolarizao dos jovens da classe trabalhadora, mesmo que de forma lenta e precria. No entanto, essa situao no se relaciona diretamente com a possibilidade de emprego. Antes, o que ocorre o inverso: aumenta-se o tempo de escolaridade dos jovens e com ele tambm o desemprego. Nesse contexto, o prolongamento nos estudos de jovens do MST tem ocorrido, sobretudo, pelas conquistas de programas do governo federal, especialmente pelo Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (PRONERA). Atravs dele, possvel estabelecer parcerias com instituies de ensino pblicas e consolidar cursos de nvel superior em diferentes reas como Pedagogia, Licenciaturas, Agronomia, Direito, entre outros. Este tem sido um importante espao formativo dos jovens do MST.

    Constituiu-se objetivo geral da pesquisa compreender como ocorre a formao de jovens militantes do MST, com foco nos egressos do ensino mdio do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak, considerando a mediao entre a escolarizao de nvel mdio, o trabalho, a militncia e a continuidade dos estudos. Deste destacam-se os objetivos especficos: - Compreender como ocorre a produo da existncia no

    Assentamento Marcos Freire, local onde residem/residiram os jovens pesquisados;

    - Analisar os determinantes e possibilidades da formao dos jovens na perspectiva da escolarizao de nvel mdio no Colgio Estadual Iraci Salete Strozak;

    - Compreender os condicionantes da formao dos jovens egressos em relao ao trabalho, militncia e continuidade dos estudos.

    - Debater os entrecruzamentos entre o percurso de trabalho, militncia e continuidade dos estudos e a escolarizao de nvel mdio dos jovens pesquisados;

    - Analisar as evidncias dessa mediao com a formao de jovens militantes do MST.

    Consultamos a pesquisa de Vendramini (2008a) intitulada Movimento educativo emancipatrio: uma reviso das pesquisas sobre o Movimento dos Sem Terra no campo educacional, em que a autora realizou um mapeamento das teses e dissertaes no Banco de Teses da CAPES a partir da palavra-chave MST, no perodo de 1987 a 2006. Para atualizar o mapeamento acessamos o Banco de Teses da CAPES utilizando

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    a mesma palavra-chave, nos perodo de 2007 a 2009. Com base nos resultados dessa investigao, destacamos os trabalhos de Sales (200615) e Martins (2009) por tratarem de jovens de assentamentos e acampamentos do MST, trazendo dados importantes para ampliarmos nosso escopo de anlise para alm da particularidade da pesquisa. Machado (2003) e Arajo (2007), ainda que no abordem especificamente os processos formativos dos jovens em assentamentos, tambm contriburam com nossas reflexes por tratarem das escolas e experincias educativas do MST. Nesse campo, situa-se tambm a tese de Dalmagro (2010). Ao nos localizarmos no interior das pesquisas qualitativas entendemos, de acordo com Minayo (1996), que as relaes ocorrem entre sujeitos. Alm disso, h um compromisso poltico com a produo cientfica. Sendo assim, como formas de abordar a realidade, entendemos como necessrio a interao pesquisadora e sujeitos pesquisados com a segurana de no fugir do objeto de estudo. Bogdan e Biklen (1994) reforam a necessidade dessa relao a fim de que a investigao possa trazer dados variados do contexto, enriquecendo as reflexes. Utilizamo-nos das entrevistas e anotaes em dirio de campo como procedimentos centrais na pesquisa de campo, bem como da observao participante.

    1.1 A CARACTERIZAO DO CAMPO DE ESTUDO COMO FORA EM LUTA NO TERRITRIO EM QUE SE INSEREM OS JOVENS PESQUISADOS

    A especificidade das lutas concretas travadas pelos trabalhadores sem-terra organizados no MST, na ocupao da Fazenda Pinhal Ralo, da empresa Giacomet-Marodim, trouxe a necessidade de compreender a luta pela terra e conflitos da regio oeste e sudoeste do Paran, na relao com a ocupao que resultou no Assentamento Marcos Freire. Passados mais de dez anos, buscamos situar como ocorre a produo da existncia no assentamento, compreendendo a materialidade da vida presente na formao dos egressos do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak. O primeiro passo na efetivao da investigao foi um levantamento das pesquisas j produzidas que contextualizavam a histria do Assentamento Marcos Freire, considerando os nveis da especializao, mestrado e doutorado. Consultamos a Biblioteca Municipal de Rio Bonito

    15 A tese de doutorado de Sales de 2003, porm nos utilizamos do livro editado a partir da tese, com data de publicao de 2006.

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    do Iguau e o Banco de Teses da Capes16. Procuramos por outras publicaes que tratassem da temtica histrica do assentamento, bem como de questes que envolvessem o Colgio Estadual Iraci Salete Strozak17. Por ltimo, consideramos tambm um livro escrito por professores da escola pesquisada que resultado de um projeto, desenvolvido no colgio, de resgate histrico e cultural do assentamento. A publicao foi realizada em conjunto com os educandos e organizada por Hammel, Silva e Andreetta (2007). Concluda a leitura dos textos, percebemos que a histria do Assentamento Marcos Freire se encontrava sistematizada principalmente a partir de relatos de pessoas que haviam participado do processo de acampamento. Que sentido teria contar o que j foi contado, utilizando-se da mesma forma? Que contribuies essa investigao poderia dar no sentido de ir alm do que j havia escrito? Buscando trazer elementos que pudessem contribuir na compreenso da conquista do assentamento como uma fora em luta, optamos por trabalhar com informaes que haviam sido divulgadas pelos jornais impressos na poca da ocupao, bem como com outros documentos produzidos pelo prprio MST, possibilitando complementar ou confrontar com a histria do assentamento j sistematizada. Assim, procedemos a consulta na Secretaria Estadual do MST no Paran, na qual no nos foi disponibilizado nenhum material, tendo sido encaminhados para o Centro de Documentao e Biblioteca Popular Mara Vallauri, organizado pelo Centro de Formao Urbano Rural Irm Arajo (CEFURIA), ambos em Curitiba. No Centro de Documentao, tivemos acesso a vrios materiais18 que foram utilizados como fontes.

    16 Como resultado, obtivemos trs monografias de concluso de curso de Especializao em Educao do Campo de autoria de Andreetta (2007); Galera (2007) e Viola (2007); uma monografia de especializao em Histria da Educao Brasileira, de Paese (2008); duas dissertaes de mestrado em Educao de Rodrigues (1999) e Cericato (2008).

    17 Encontramos quatro de autoria de Frana e Pires, (2007); Guine e Pires (2008); Coca e Fernandes (2009); Monteiro (2003). Aqui merece destaque a produo que envolve tambm outros assentamentos na regio, realizada sob a coordenao do professor Ariel Pires, da Unicentro, em Guarapuava, at 2009 a universidade estadual pblica mais prxima de Rio Bonito do Iguau.

    18 Os documentos foram os seguintes:- um vdeo produzido pelo MST, denominado Giacomet Marodin, uma histria de luta e devastao, sem referncia de data. ; - o Boletim Poeira, da Comisso Pastoral da Terra, de 1983; - recortes de jornais do Paran: Folha do Paran, O Estado do Paran e Folha de Londrina, com matrias no ano de 1996 e 1997; - uma matria no jornal O Estado de So Paulo,

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    Consultamos tambm o arquivo de jornais da Comisso Pastoral da Terra no Paran. Como o volume de material era muito grande, optamos pelo recorte histrico de um ano, no perodo entre abril de 1996, quando ocorreu a ocupao, e maio de 1997, momento em que j havia sado o decreto de desapropriao e a imisso de posse, assentando uma parte das famlias acampadas. Os jornais foram: O Estado do Paran, Gazeta do Povo, Folha de Londrina, Gazeta do Paran, Jornal do Estado e Folha de So Paulo. Um ltimo arquivo de recortes de jornais consultado foi o da Biblioteca Municipal de Rio Bonito do Iguau. Nesse consideramos apenas os jornais de circulao local: O Independente e Correio do Povo. Nesse processo, tivemos acesso ao Plano de Consolidao do Assentamento Marcos Freire (2006), documento em fase de concluso, a ser aprovado pelo Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA). Mesmo no estando finalizado, muitos dados relevantes foram encontrados nele acerca da histria e da caracterizao da produo da vida no assentamento. Aps a coleta de todo o material19, fizemos a leitura, a separao por data de publicao, com o devido resumo, destacando os acontecimentos

    de 14 de setembro de 1997; - matrias publicadas no Jornal Sem Terra de maio de 1996, junho de 1996, janeiro de 1997, abril/maio de 1997 e setembro de 1997; - uma matria da Revista Sem Terra de abril/maio/junho de 2001, intitulada: A saga do povo sem terra na cidadela da reforma agrria; - uma matria na Revista Manchete de 18 de maio de 1996, denominada A repblica dos sem terra; - matrias em exemplares do jornal Folha Popular, de circulao mais restrita a Curitiba e regio metropolitana, com datas de 18 a 24/05/1996; 15 a 21/06/1996; 29/06 a 05/07/1996; 8 a 21/02/1997 e 19/04 a 02/05/1997; - um panfleto de divulgao de um Ato de Protesto contra a Violncia no Campo e pela Reforma Agrria, promovido pelo Frum pela Reforma Agrria e Urbana, Cidadania e Emprego e realizado em 23/01/1997 em Curitiba; - uma circular interna do MST denominada Assassinatos no campo: a irresponsabilidade do governo FHC, de 17/01/1997, denunciando assassinatos de trabalhadores rurais no Par e em Rio Bonito do Iguau e convocando para um ato na Fazenda Giacomet.

    19 Para que fosse possvel atingir a inteno de acessar os diferentes materiais existentes, foi necessria a contribuio de algumas pessoas. Agradecemos Fernanda Fernandes Baggio, do CEFURIA; Vera Luiza Schwerz Gislon, da CPT; Jeferson Sales do ITCG; equipe da Secretaria Municipal de Educao de Rio Bonito do Iguau e Laranjeiras do Sul; Vera Marcondes e Carla Loop, do MST; Ana Cristina Hammel e Ritamar Andreetta, do Colgio Iraci; Edson Marcos Anhaia e Marcos Gehrke, ambos educadores presentes desde as primeiras discusses sobre a implantao das escolas nos assentamentos em Rio Bonito do Iguau. Enfim, ao Jos Pereira, da direo estadual do MST em 1996, que

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    relatados, associando e confrontando as informaes. Passamos, ento, para a sistematizao resultante desse trabalho. Os depoimentos presentes nas publicaes e pesquisas j existentes abordavam, em sua maioria, o cotidiano de organizao vinculado s formas e iniciativas que vinham sendo experimentadas pelo MST, enquanto aes de enfrentamento dos trabalhadores rurais sem-terra. Traziam tambm a precariedade e sofrimento vividos na luta, bem como os sonhos e conquistas consequentes dela. Pelos materiais consultados, pudemos acessar informaes como cidades de origem dos acampados, suas ocupaes anteriores, relatos de outras partes envolvidas como, por exemplo, representantes da Giacomet-Marodim, do padre responsvel pela Igreja Catlica de Rio Bonito do Iguau, do Promotor de Justia de Laranjeiras do Sul, entre outros. Posies diversas que buscamos expor no captulo 2 e que possibilitam uma compreenso mais ampliada do momento histrico vivido como uma expresso particular da luta de classes, alm de contribuir para a compreenso da produo da materialidade da vida no assentamento em que os jovens entrevistados residem/residiram.

    1.2 OS CAMINHOS DA PESQUISA COM OS JOVENS

    Os egressos do Colgio Iraci Salete Strozak perfaziam um conjunto de 138 jovens, dos quais 114 do ensino mdio e 24 do curso de Formao de Docentes, em nvel mdio. Foram entrevistados 22 jovens, 15 dos quais haviam cursado o ensino mdio e os demais o curso de Formao de Docentes. Para a obteno dos 22 egressos, iniciamos com a identificao de todos os jovens que haviam realizado a sua escolarizao em nvel mdio na escola pesquisada, considerando o ano de formatura da primeira turma 2001 e o da ltima antes da realizao das entrevistas 200920.

    disponibilizou seu arquivo pessoal com variados documentos. Entretanto, como isso ocorreu quando j estvamos na elaborao escrita dos dados encontrados, o tempo e o foco da pesquisa no permitiram nos determos nesse material. Aproveitamos apenas alguns documentos que apresentaram elementos novos para a anlise. rgos como o INCRA - tanto o escritrio estadual, em Curitiba, como o regional, localizado em Laranjeiras do Sul - e entidades como a Associao Central do Assentamento Marcos Freire (ACAMF) foram consultados e contriburam fornecendo contatos de pessoas com as quais pudemos obter o material utilizado.

    20 A vice-diretora e um funcionrio da escola, que reside no assentamento e trabalha na secretaria desde o incio de seu funcionamento, contriburam prestando informaes sobre o local de moradia dos jovens, em pesquisa de campo no dia

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    Sistematizamos uma tabela com os concluintes que cursaram todo o nvel mdio no Colgio Iraci, distribuindo-os por ano de concluso/sada da escola e possvel moradia em dezembro de 2010, conforme consta a seguir.

    Tabela 0121 - Entrevistados por ano de concluso do ensino mdio e do Curso de Formao de Docentes do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak/PR, 2001-2009

    Ano de concluso

    N de concluintes do ensino mdio22

    N de concluintes que permanecem no

    assentamento

    N de entrevistados

    2001 10 1 1 2002 3 1 1 2003 1 0 023 2004 15 9 2 2005 16 3 2 2006 15 5 3 2007 11 3 2 2008 17 3 1 2009 26 11 3

    Total 114 35 15 Fonte: Elaborada pela autora, com base na pesquisa de campo.

    07/07/2010. Embora sejam fontes confiveis, os dados no so necessariamente precisos, possibilitando uma noo mais ampla do deslocamento ou permanncia dos jovens no assentamento.

    21 A formatao de todas as ilustraes e tabelas segue a NBR 14724 (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2011), em vigncia desde 17/05/2011. Esta normatizao remete ao IBGE (1993) a padronizao das tabelas.

    22 Dados de concluintes obtidos pelos Relatrios Finais das turmas, fornecidos pela vice-diretora da escola, bem como em consulta ao Sistema Estadual de Registro Escolar - SERE, da Secretaria de Estado da Educao, acessado durante o ms de julho de 2010 na seguinte pgina da internet: http://www.diadiaeducacao.pr.gov.br.

    23 Do contingente de 22 egressos do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak, pelo menos um ex-aluno de cada turma foi entrevistado. Apenas com os formados em 2003 no obtivemos nenhuma entrevista por uma questo peculiar: nesse ano, apenas um aluno concluiu todo o ensino mdio na escola, e no conseguimos fazer contato com ele, pois o mesmo no reside mais no assentamento.

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    Tabela 02 - Entrevistados por ano de concluso do Curso de Formao de Docentes do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak/PR, 2008-2009

    Ano de concluso

    N de concluintes do Curso de Formao

    de Docentes

    N de concluintes que permanecem no

    assentamento

    N de entrevistados

    2008 13 5 2 2009 11 2 5

    Total 24 7 7 Fonte: Elaborada pela autora, com base na pesquisa de campo. Junto a essa primeira etapa, fizemos uma ida a campo de forma exploratria a fim de clarear o foco da investigao. Realizamos uma entrevista em grupo24 no dia 08 de julho de 2010, nas dependncias do Colgio Estadual Iraci Salete Strozak, com 925 egressos. As falas foram registradas em gravador digital, alm das anotaes de impresses e reflexes no dirio de campo26. Ainda nesse momento inicial, fizemos uma entrevista com a vice-diretora da escola e um assentado liderana do MST que participou do processo de ocupao, sendo vereador em Rio Bonito do Iguau desde 2005. Tambm obtivemos acesso a materiais e documentos que foram consultados e analisados, tais como os referentes histria da ocupao, bem como dos especficos do Colgio, os Projetos Poltico Pedaggicos (2000; 2002; 2009) e a proposta do Curso de Formao de Docentes (PPP-FD, 2008), bem como os relatrios finais das turmas do ensino mdio e curso de Formao de Docentes, desde o incio do funcionamento da escola, em 1997, at 2009.

    24 Tomamos como base a experincia vivida no mestrado em que, com fundamento em Bogdan e Biklen (1994), alm de Silva (2000), utilizamos como tcnica para a obteno de dados a execuo de oficinas, nas quais entrevistamos os jovens coletivamente.

    25 Para a entrevista coletiva com os egressos, a direo do colgio contribuiu enviando convites com esclarecimentos acerca do encontro, detalhando os objetivos da pesquisa e o critrio bsico de participao: ser egresso do Colgio Iraci, tendo cursado no mesmo os trs anos do ensino mdio ou os quatro do Curso de Formao de Docentes nvel mdio. Participaram da entrevista 11 jovens, todavia dois deles, apesar de terem concludo o ensino mdio no colgio, no haviam estudados os trs anos no mesmo, o que ocasionou a no utilizao de suas informaes para a pesquisa.

    26 Se de incio tnhamos a noo de que as contribuies dessa ocasio seriam mais no mbito do recorte e definies da pesquisa, surpreendemo-nos com a riqueza das informaes e problematizaes suscitadas, levando-nos a perceber a importncia de incorpor-las s anlises.

  • 43

    O segundo momento da pesquisa de campo ocorreu na semana de 17 a 23/12/2010, quando entrevistamos doze jovens27 residentes no assentamento, no centro de Rio Bonito do Iguau e em outros municpios (Laranjeiras do Sul/PR, Saudades do Iguau/PR e Joinville/SC). Tambm obtivemos depoimentos da coordenao pedaggica do Curso de Formao de Docentes e de duas lideranas do assentamento: uma mulher e um homem. Por fim, em agosto de 2011, conclumos o trabalho de campo entrevistando mais trs jovens. Nesse momento, participamos como colaboradora, efetuando observao participante na II Jornada Nacional da Juventude do MST, evento realizado de 8 a 11/08/2011, em Rio Bonito do Iguau, no Centro de Desenvolvimento Sustentvel e Capacitao em Agroecologia (CEAGRO). Alm da concluso de todo o nvel mdio na escola, os critrios para a escolha dos egressos tambm primaram pelas diferentes possibilidades de situao dos jovens, considerando os trs eixos de anlise trabalho, militncia e continuidade dos estudos -, bem como diferentes situaes de moradia. Dessa forma, buscamos entrevistar egressos que trabalhavam e os que no se encontravam nessa situao; aqueles que estavam inseridos na militncia e os que no eram militantes; os que prosseguiram com os estudos e aqueles que pararam no ensino mdio; os que permaneciam no assentamento e os que haviam sado. Tambm buscamos entrevistar egressos de todas as turmas concluintes do ensino mdio e profissionalizante no perodo de 2001 a 2009. Nesse sentido, o nmero potencial de entrevistados coincide com o total de egressos apresentados na tabela 01 e 02, portanto, 114 e 24 jovens, respectivamente. No objetivamos pesquisar os que residiam apenas no assentamento, o que corresponde a apenas 30% dos egressos. O total de 22 entrevistados foi obtido pelos contatos conseguidos e pela disponibilidade em participar da pesquisa. Alcanados os critrios de pelo menos um egresso por turma, bem como a variedade de possibilidades em relao aos trs eixos de anlise, assim que percebemos uma repetio de dados apresentados, com falas recorrentes em relao s questes, entendemos, a partir de Bogdan e Biklen (1994), que j havia uma amostra adequada s anlises qualitativas da pesquisa. Os nomes dos jovens so reais, tendo em vista a disposio dos mesmos em demonstrar suas opinies, fato que procuramos respeitar. Os dados referentes aos entrevistados encontram-se nos seguintes quadros:

    27 Importante destacar que, dos doze entrevistados, duas jovens j haviam participado da pesquisa exploratria, por isso o total de entrevistados 22 e no 24 jovens.

  • 44

    Quadro 01 Situao dos egressos quanto continuidade dos estudos DEFINIO QUANTIDADE E DESCRIO

    Continuaram os estudos em cursos superiores vinculados ao MST

    7 em Licenciaturas em Educao do Campo ou Pedagogia da Terra em

    diferentes universidades 1 iniciou Geografia, mas parou porque se

    afastou do MST 1 iniciou geografia, mas parou por

    assumir outra atividade de militncia - vereador

    1 iniciou Licenciatura em Laranjeiras do Sul, mas foi para o Rio Grande do Sul e

    cursa Tcnico em Agroecologia pelo MST Continuaram os estudos em outros cursos superiores

    1 - em curso de Servio Social distncia 1 - em curso de Servio Social presencial

    No continuaram 10 Total 22

    Fonte: Elaborado pela autora, com base na pesquisa de campo.

    Quadro 02 Situao dos egressos quanto ao trabalho/atividades que exercem DEFINIO QUANTIDADE

    Trabalho no lote, com produo agrcola 3 Associao entre o trabalho no lote e outra atividade: motorista no assentamento, educadora de programas governamentais de alfabetizao de jovens e adultos

    2

    Trabalho como agente comunitrio, servios gerais de escola limpeza e cozinha, por concurso ou contrato temporrio

    4

    Trabalho no comrcio (em Rio Bonito do Iguau e municpio vizinho - Laranjeiras do Sul) 3 Trabalho em Associao do Assentamento, com atividades administrativas 1

    Trabalho em fbrica/indstria 2 Tarefas relacionadas militncia (remuneradas ou no) 5 Tarefas relacionadas militncia, com vnculo profissional - vereador 1

    Sem trabalho 1 Total 22

    Fonte: Elaborado pela autora, com base na pesquisa de campo.

  • 45

    As cinco jovens identificadas com o exerccio de tarefas na militncia afirmaram nos depoimentos28 tambm contribuir com suas famlias no trabalho do lote e domstico, nos momentos em que permaneciam em suas casas. Alm disso, a jovem29 que afirmou no estar trabalhando no momento da entrevista se encontrava numa situao provisria. Aguardava a finalizao da compra de um lote no assentamento, prximo aos pais dela e do marido, com perspectiva de trabalhar com produo leiteira e plantio de gros.

    Quadro 03 Situao dos egressos quanto militncia DEFINIO QUANTIDADE

    Possui vnculo com MST 5 Possui vnculo com o MST e outra organizao partido poltico 1

    Reconhece importncia do MST e participa de aes organizadas pelo Movimento 9

    Reconhece importncia do MST, porm no tem proximidade com suas aes 7

    Total 22 Fonte: Elaborado pela autora, com base na pesquisa de campo. Embora o sexo no tenha sido um critrio de seleo, obtivemos 17 moas e 5 rapazes, numa faixa de idade dos 17 aos 33 anos. Ainda que tivssemos cincia do corte etrio dos 15 aos 29 anos30 assumido legalmente no Brasil, a partir de 2005, compreendemos que a experincia de todos na educao de nvel mdio ocorreu durante o tempo em que se consideravam jovens, e para ns esse foi o critrio determinante. Segue quadro com sntese do perfil dos jovens.

    28 Nesse grupo, consideramos os depoimentos de Carla (Entrevista concedida

    autora em 08/07/2010); Gabriela (Entrevista concedida autora em 08/07/2010); Jaqueline (Entrevista concedida autora em 17/12/2010); Kesia (Entrevista concedida autora em 08/07/2010) e Thaile (Entrevistas concedidas autora em 08/07/2010 e 08/08/2011).

    29 Kelli (Entrevista concedida autora em 22/12/2010).

    30 Conferir a discusso sobre o corte etrio no captulo 3 dessa tese.

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    Quadro 04 Perfil geral dos jovens egressos Nome Idade Participao no

    acampamento e insero no Assentamento Marcos Freire

    Trabalho/atividades que exerce

    Militncia Continuidade dos estudos

    Adriana 24 Participou com os pais do acampamento e assentada.

    Trabalha como cozinheira em escola municipal no

    assentamento.

    Reconhece a importncia do MST, porm no tem

    proximidade com suas aes.

    No ingressou no ensino superior.

    Carla 22 No participou do acampamento e a famlia

    comprou ou trocou o lote.

    Tarefas relacionadas militncia - bolsista de

    projeto realizado no Colgio Iraci.

    militante do MST. Cursa Licenciatura em

    Educao do Campo pela Unb/Iterra.

    derson 18 No participou do acampamento e a famlia

    comprou ou trocou o lote.

    Trabalho no lote, com produo agrcola.

    Reconhece a importncia do MST e participa de aes

    organizadas pelo Movimento.

    Cursa Licenciatura em

    Educao do Campo pela

    Unicentro, em Laranjeiras do

    Sul. Edilaine 24 No participou com os pais do

    acampamento, mas a famlia acampou e assentada.

    Trabalha como agente comunitria no assentamento.

    Reconhece a importncia do MST, porm no tem

    proximidade com suas aes.

    No ingressou no ensino superior.

    Elio 33 Participou com os pais do acampamento e assentado.

    Associao entre o trabalho no lote e como motorista

    no assentamento.

    Reconhece a importncia do MST e participa de aes

    organizadas pelo Movimento.

    No ingressou no ensino superior.

    Gabriela 18 Participou com os pais de outro acampamento, mas no

    assentada no Marcos Freire pais compraram o lote.

    Tarefas relacionadas militncia - bolsista de

    projeto realizado no Assentamento.

    militante do MST. Cursa Pedagogia da Terra pela Unioeste, em

    Cascavel.

  • 47

    Nome Idade Participao no acampamento e insero no Assentamento Marcos

    Freire

    Trabalho/atividades que exerce

    Militncia Continuidade dos estudos

    Jaqueline 22 No participou com os

    pais do acampamento, mas a famlia acampou e

    assentada.

    Tarefas relacionadas militncia - bolsista de projeto realizado

    no Colgio Iraci.

    militante do MST. Cursa Pedagogia da Terra pela Unioeste, em Cascavel.

    Jociele 20 No participou com os pais do acampamento, mas

    a famlia acampou e assentada.

    Trabalha no comrcio em Laranjeiras do

    Sul/PR.

    Reconhece a importncia do MST, porm no tem proximidade com suas

    aes.

    Cursa Servio Social em faculdade distncia.

    Joice 20 No participou com os pais do acampamento, mas

    a famlia acampou e assentada.

    Trabalho no lote, com produo

    agrcola.

    Reconhece a importncia do MST e participa de aes organizadas pelo

    Movimento.

    No ingressou no ensino superior.

    Jonatas 21 No participou do acampamento e a famlia comprou ou trocou o

    lote.

    Trabalha em fbrica de fogo em Saudade

    do Iguau/PR.

    Reconhece a importncia do MST, porm no tem proximidade com suas

    aes.

    No ingressou no ensino superior.

    Josiane 21 No participou com os pais do acampamento, mas

    a famlia acampou e assentada.

    Trabalha no comrcio em Laranjeiras do

    Sul/PR.

    Reconhece a importncia do MST e participa de aes organizadas pelo

    Movimento.

    No ingressou no ensino superior.

    Kelli 23 Participou com os pais do acampamento e

    assentada.

    No trabalha. Reconhece a importncia do MST e participa de aes organizadas pelo

    Movimento.

    Iniciou Geografia em curso realizado em parceria

    universidade-MST, mas parou por ter se afastado do MST.

  • 48

    Nome Idade Participao no acampamento e

    insero no Assentamento Marcos

    Freire

    Trabalho/atividades que exerce

    Militncia Continuidade dos estudos

    Kesia 20 Participou com os pais do acampamento e

    assentada.

    Tarefas relacionadas militncia, participando de

    Cirandas Infantis em encontros do MST.

    militante do MST. Iniciou Licenciatura em Educao do Campo pela Unicentro, em Laranjeiras do Sul, mas foi para o Rio Grande do Sul fazer Curso Tcnico em Agroecologia

    pelo MST. Lucas 21 No participou do

    acampamento e a famlia comprou ou

    trocou o lote.

    Trabalha em indstria em Joinville/SC

    Reconhece a importncia do MST, porm no tem proximidade com suas

    aes.

    No ingressou no ensino superior.

    Mrcia 25 Participou com os pais do acampamento, mas a famlia acampou e

    assentada.

    Associa trabalho no lote e como educadora de

    programa governamental de alfabetizao de jovens e

    adultos.

    Reconhece a importncia do MST, porm no tem proximidade com suas

    aes.

    No ingressou no ensino superior

    Marines 28 No participou do acampamento e a

    famlia comprou ou trocou o lote.

    Trabalha como zeladora em escola municipal no

    assentamento.

    Reconhece a importncia do MST e participa de aes organizadas pelo

    Movimento.

    Cursa Licenciatura em Educao do Campo pela Unicentro, em Laranjeiras

    do Sul. Mary Lucia

    28 No participou do acampamento e a

    famlia comprou ou trocou o lote.

    Trabalha no comrcio em Rio Bonito do Iguau/PR

    Reconhece a importncia do MST, porm no tem proximidade com suas

    aes.

    No ingressou no ensino superior

  • 49

    Nome Idade Participao no acampamento e

    insero no Assentamento Marcos Freire

    Trabalho/atividades que exerce

    Militncia Continuidade dos estudos

    Roseli 24 Participou com os pais do acampamento e

    assentada.

    Trabalha na produo do lote.

    Reconhece a importncia do MST e participa de aes organizadas pelo

    Movimento

    No ingressou no ensino superior

    Silvano 28 Participou com os pais do acampamento e

    assentado.

    Tarefas relacionadas militncia e com vnculo profissional vereador.

    militante do MST e outra organizao partido

    poltico

    Iniciou Geografia em curso realizado em parceria

    universidade-MST, mas parou por assumir outra atividade na militncia

    vereador. Soniamar 24 No participou do

    acampamento e a famlia comprou ou

    trocou o lote.

    Trabalha como auxiliar de servios gerais no Colgio

    Iraci.

    Reconhece a importncia do MST e participa de aes organizadas pelo

    Movimento

    Cursa Licenciatura em Educao do Campo pela Unicentro, em Laranjeiras

    do Sul. Suellen 21 No participou com os

    pais do acampamento, mas a famlia acampou

    e assentada.

    Trabalha em Associao de Agricultores do

    Assentamento, com atividades administrativas.

    Reconhece a importncia do MST e participa de aes organizadas pelo

    Movimento

    Cursa Servio Social em faculdade privada

    presencial.

    Thaile 17 Participou com os pais de outro acampamento, mas no assentada no

    Marcos Freire - pais acabaram trocando ou

    comprando o lote.

    Tarefas relacionadas militncia - bolsista de

    projeto realizado no Colgio Iraci.

    militante do MST Cursa Licenciatura em Educao do Campo pela Unicentro, em Laranjeiras

    do Sul.

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    Aps a caracterizao do assentamento elaborada no captulo 2, buscamos tratar da condio etria na constituio do que ser jovem em sua ntima relao com a questo do trabalho, alm de abordar a situao da juventude no sculo XXI, que envolve o desemprego, a violncia e outras contradies sociais postas pelo capitalismo. Essas questes constituem o captulo 3. No captulo seguinte adentramos na especificidade do ensino mdio no Colgio Estadual Iraci Salete Strozak, no intuito de compreender e refletir acerca dos determinantes e possibilidades da formao dos jovens na perspectiva da sua escolarizao de nvel mdio. A formao de jovens militantes encontra-se abordada no captulo 5. O intuito foi analisar o entrecruzamento entre o percurso de trabalho, militncia e continuidade dos estudos e a escolarizao de nvel mdio dos jovens pesquisados. Por fim, buscamos analisar as evidncias dessa mediao com a formao de jovens militantes do MST. Os propsitos da pesquisa consistiram em aprofundar a compreenso da situao dos jovens assentados do MST, buscando identificar limites e apontar possibilidades de sua formao no sentido de reforar a continuidade da luta do Movimento, bem como da classe trabalhadora. Articulada a essa perspectiva, houve tambm a inteno de contribuir com o debate acerca da Educao Bsica de nvel mdio e profissionalizante, desde o contexto da escola pblica localizada em assentamento do MST. Objetivamos desenvolver uma pesquisa cientfica compreendendo a totalidade concreta do real em relao a um recorte especfico. Os percursos desses jovens, seus afazeres para a reproduo da existncia, as relaes estabelecidas na escola, com os adultos, na luta pela terra, puderam contribuir para explicitar as mltiplas determinaes que constituem o ser social, auxiliando na aproximao cada vez mais complexificada do real. Tratou-se, portanto, de uma forma de investigar,

    [...] de uma cientificidade que no perde jamais a ligao com a atitude ontologicamente espontnea da vida cotidiana; ao contrrio, o que faz depur-la e desenvolv-la continuamente a nvel crtico, elaborando conscientemente as determinaes ontolgicas que esto necessariamente na base de qualquer cincia (LUKCS, 1979, p. 24).

    Houve o compromisso com o conhecimento da realidade e o desvelamento de sua condio fetichizada pelas relaes sociais regidas pela lgica do capital, tendo em vista o enfrentamento das desigualdades sociais existentes e a luta pela reforma agrria gestada pelos movimentos sociais, especificamente o MST. Por ltimo, mas no menos relevante,

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    tivemos o intuito de compreender a realidade para contribuir na superao das suas contradies, numa viso estratgica. Entretanto, como nos lembra Mszars (2006), com tarefas imediatas a serem executadas por todos ns, com a utopia de construir desde hoje um futuro para alm do capital.

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    2 LUTA PELA TERRA, LUTA PELA VIDA: A PRODUO DA EXISTNCIA NO ASSENTAMENTO MARCOS FREIRE

    [...] depois s lutei pela vida mesmo, pra conseguir sobreviver.31

    Qual a materialidade que est posta aos jovens do assentamento? Essa a indagao desse captulo, no qual buscamos compreender como tem se dado a produo da vida no Assentamento Marcos Freire, que est localizado no municpio de Rio Bonito do Iguau, estado do Paran, e no qual fica o Colgio Estadual Iraci Salete Strozak. A frase da egressa Kelli, 23 anos, expressa de antemo a afirmativa de que produzir a vida no assentamento significa estar em luta permanente, constante, antes, durante e aps a ocupao da terra. Seguir lutando, seja individualmente, para garantir minimamente a sobrevivncia, ou coletivamente, ampliando o espectro de enfrentamentos, uma marca da classe trabalhadora no mundo. Como afirma Silver (2005, p. 11 e 53), em seu estudo sobre as agitaes trabalhistas no mundo nos sculos XIX e XX, para onde o capital vai o conflito vai atrs. Os jovens da pesquisa, em sua especificidade de vida num assentamento do MST, transbordam exemplos dessa marca em suas trajetrias. Trazemos tona momentos que constituem o fio da histria32 e conectam o passado ao presente dos jovens do Assentamento Marcos Freire, a partir da disp