rumos, trechos e borocas - trajetórias e identidades camponesas de assentados rurais no sudeste do...

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  • 7/24/2019 Rumos, Trechos e Borocas - Trajetrias e Identidades Camponesas de Assentados Rurais No Sudeste Do Par

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARCENTRO DE CINCIAS AGRRIAS

    NCLEO DE ESTUDOS INTEGRADOS SOBRE AGRICULTURA FAMILIAR

    EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECURIA -AMAZNIA ORIENTAL

    CURSO DE MESTRADO EM AGRICULTURAS AMAZNICAS

    Fabiano de Oliveira Bringel

    RUMOS, TRECHOS E BOROCAS:TRAJETRIAS E IDENTIDADES CAMPONESAS DEASSENTADOS RURAIS NO SUDESTE DO PAR

    Belm

    2006

  • 7/24/2019 Rumos, Trechos e Borocas - Trajetrias e Identidades Camponesas de Assentados Rurais No Sudeste Do Par

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    CENTRO DE CINCIAS AGRRIAS

    NCLEO DE ESTUDOS INTEGRADOS SOBRE AGRICULTURA FAMILIAREMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECURIA

    AMAZNIA ORIENTAL

    CURSO DE MESTRADO EM AGRICULTURAS AMAZNICAS

    Fabiano de Oliveira Bringel

    RUMOS, TRECHOS E BOROCAS:

    Trajetrias e Identidades Camponesas deAssentados Rurais no Sudeste do Par

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao emAgriculturas Amaznicas da Universidade Federal do Par e daEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria AmazniaOriental, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre.rea de concentrao: Agriculturas Familiares e DesenvolvimentoSustentvel

    Orientador(a):Prof. Gutemberg Armando Diniz Guerra

    Belm

    2006

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARCENTRO DE CINCIAS AGRRIAS

    NCLEO DE ESTUDOS INTEGRADOS SOBRE AGRICULTURA FAMILIAR

    EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECURIA AMAZNIA ORIENTAL

    CURSO DE MESTRADO EM AGRICULTURAS AMAZNICAS

    Fabiano de Oliveira Bringel

    RUMOS, TRECHOS E BOROCAS:Trajetrias e Identidades Camponesas de

    Assentados Rurais no Sudeste do Par

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao emAgriculturas Amaznicas da Universidade Federal do Par e daEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria AmazniaOriental, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre.rea de concentrao: Agriculturas Familiares e DesenvolvimentoSustentvel

    Data: ______/_______/_______Banca Examinadora:

    ___________________________________Prof. Esp. Jean HbetteUniversidade Federal do Par

    ___________________________________Prof. Dr. Gilberto de Miranda Rocha

    Universidade Federal do Par___________________________________Prof. Dr.Gutemberg Armando Diniz GuerraUniversidade Federal do Par

    ___________________________________Prof. Dr.Iran Veiga (Suplente)Universidade Federal do Par

    Belm

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    Carmen e Helena, meus amores.

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    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Raimundo e Dona Mary, pelo apoio incondicional durante toda a vida, sem o qual

    esse trabalho no seria possvel;

    Elisa Rabelo, minha segunda me, sempre to presente;

    minha mulher, Helena, pela fora e pacincia de sempre;

    Aos meus avs: Ival (in memorian), Darci, Mocinha (in memorian) e Fabiano (in memorian);

    minha irm, Fabola, pelo companheirismo;

    Aos meus sogros, Beth e Srgio, pelos debates epistemolgicos;

    Ao Prof. Dr. Gutemberg Guerra por ter sido orientador, professor e amigo, durante esses dois anosde comprometimento com o projeto;

    Aos colegas da Turma de 2004 do MAFDs: Barto, Beth, Dulce, Eduardo, Loraine, Mara,Margareth (in memorian), Paulinha, Rosa, Sab, Soraia e Walter.

    Ao Prof. Marcus Cssio (Marco) pela ajuda no tratamento estatstico;

    Ao Prof. Danny Silvrio (ndio) pela fora no tratamento cartogrfico;

    Aos professores Iran Veiga, Maria Menezes (Nan), Gilberto Rocha, Rosa Acevedo e DelmaPessanha Neves, pelas contribuies nos momentos de nebulosidade;

    Aos Professores Nahilson Brando e Carlos Henrique Souza, que no esto mais entre ns, masforam responsveis diretos pela minha opo nos estudos sobre o campesinato;

    Jlia Mendes, pela companhia, pelo carinho e pelos trabalhos de impresso;

    Ao Diogo Vianna pelo apoio, pelos livros, pela amizade;

    Aos assentados da Palmares II, todos, pela disposio em falar sobre suas histrias;A James, Jorginho, Vanda e Iraneide, pela acolhida sempre calorosa no Assentamento;

    Helosa Fonseca, Haroldo, Marcos e Fernando, pelas bases avanadas em Parauapebas e Marab;

    Aos professores Jean Hbette e Gilberto Rocha, componentes da banca examinadora;

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    [..]

    Caminante, son tus huellas

    el camino y nada ms;

    caminante, no hay camino,se hace camino al andar.

    Al andar se hace camino

    y al volver la vista atrs

    se ve la senda que nunca

    se ha de volver a pisar.

    Caminante no hay camino

    sino estelas en la mar...

    [...]

    (Antonio Machado, 1875-1939)

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    RESUMO

    Nesta dissertao, discutimos as trajetrias sociais e econmicas de camponeses que

    compem o Projeto de Assentamento Rural Palmares II, localizado no Municpio de Parauapebas na

    Regio Sudeste do Par. Centramos nossa anlise em quatro dimenses da vida: a histria

    migratria, a histria da famlia, a histria do trabalho e a histria da educao. Assim, pretendemos

    estabelecer nexos e diferenciaes de contextos polticos, econmicos, sociais e culturais distintos

    por que esses camponeses passaram antes de chegar na ocupao. Objetivamos com isso desvendar

    formas e estratgias de expropriao que so baseadas na desqualificao social e econmica do

    sujeito social campons, buscando uma requalificao, portadora da negao de um saber capaz de

    garantir a autonomia dos meios de produo e, logo, ameaador das possibilidades de acumulao e

    de consolidao de atividades econmicas insustentveis na regio amaznica. A resistncia

    desqualificao e requalificao encontra forte sustentculo na matriz camponesa que esses

    indivduos mantm ao longo de geraes, em signos como a posse e o trabalho na terra, a mo de

    obra essencialmente familiar, a autonomia dos meios de produo e um estilo de vida que valoriza

    uma relao mais direta com a natureza.

    PALAVRAS-CHAVE: Assentamentos rurais, matriz camponesa, histria de vida, trajetrias,

    migrao, qualificao social.

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    ABSTRACT

    In this dissertation, we discuss the social and economics trajectory of peasants who live in

    the Project of Rural Settlement Palmares II, located in the brazilian city of Parauapebas, in the

    southeastern region of Par. We focuss our analisys in four dimensions of the peasants life: the

    history of migration, the history of the family, the history of the work and the history of education.

    That way, we intend to establish nexuses and differentiations of economic, social, cultural and

    political contexts, which those peasants had passed before arriving in the occupation. We try this

    way to unmask forms and strategies of expropriation that are based on the social and economic

    disqualification of the peasant, which also are strategies to deny the tipical knowledge of the

    peasants, capable to guarantee the autonomy of the means of production and, then, threatening the

    possibilities of accumulation and consolidation of unsustainable economic activities in the Amazon

    region. The resistance to the disqualification and the requalification finds strenght in the peasant

    signs and practices, that these individuals keeps throughout generations, as the ownership and the

    work in the land, the essentially familiar workmanship, the autonomy of the means of production

    and a life style that values a more direct relation with the nature.

    PALAVRAS-CHAVE: Rural settlement, peasant matrix, life history, social trajectorys, migration,

    social qualification.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Figuras

    Figura 1 Croqui da distribuio espacial dos entrevistados na Vila Palmares II..............................................................40

    Figura 2 Mapa da Mesorregio Sudeste do Par...............................................................................................................47

    Figura 3 Mapas de contexto: geral e local do Assentamento Palmares II.........................................................................53

    Fotos

    Foto 1 Viso Geral da Vila Palmares II.............................................................................................................................48

    Foto 2 Plantio de mogno em lote agrcola..........................................................................................................................54

    Foto 3 Rio Parauapebas......................................................................................................................................................54

    Foto 4 Mudas de espcies arborferas................................................................................................................................55

    Foto 5 Sede de uma das Associaes APROCPAR........................................................................................................56

    Foto 6 Rua da Palmares II destacando rede eltrica...........................................................................................................57

    Foto 7 Caixa Dgua do P.A..............................................................................................................................................57

    Foto 8 Escola de Ensino Fundamental e Mdio Crescendo na Prtica..............................................................................58

    Foto 9 Sede da Rdio Comunitria Palmares.....................................................................................................................59

    Foto 10 Campo de Futebol do P.A.....................................................................................................................................59

    Foto 11 Missa na Igreja Catlica........................................................................................................................................60Foto 12 Usina de Arroz no P.A..........................................................................................................................................60

    Foto 13Grupo de Bumba Meu Boi....................................................................................................................................61

    Foto 14 Grupo de Carimb.................................................................................................................................................62

    Grficos

    Grfico 1 Sexo dos entrevistados.......................................................................................................................................74

    Grfico 2 Faixas etrias dos assentados por Unidade da Federao e Regio................................................................. 77

    Grfico 3 Origem e 1 Migrao dos entrevistados do Assentamento Palmares II...........................................................79

    Grfico 4 Os tempos migratrios ......................................................................................................................................85

    Grfico 5 Os motivos da migrao ...................................................................................................................................87

    Grfico 6 Relao entre quantidade de migraes e mesorregio do Maranho ..............................................................91

    Grfico 7 Os tempos migratrios da 4 a 6 migrao ......................................................................................................94

    Grfico 8Motivos da migrao.........................................................................................................................................95

    Grfico 9 Os tempos migratrios da 7 a 9 migrao.......................................................................................................99

    Grfico 10 Os motivos da migrao................................................................................................................................100

    Grfico 11 Os tempos migratrios ..................................................................................................................................102

    Grfico 12 Os motivos da migrao................................................................................................................................103

    Grfico 13 Os tempos migratrios...................................................................................................................................104

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    Grfico 14 Os motivos da migrao................................................................................................................................105

    Grfico 15 Relao de parentesco do entrevistado com o dono do lugar........................................................................105

    Grfico 16 Intervalos de nascimento dos filhos...............................................................................................................121

    Grfico 17 Lugar de moradia dos filhos..........................................................................................................................123

    Grfico 18 Acesso educao formal ...........................................................................................................................184

    Grfico 19 Escolarizao e faixa etria ..........................................................................................................................185

    Grfico 20Nvel de escolaridade no Assentamento Palmares II ....................................................................................191

    Grfico 21 Origens dos entrevistados por Estado............................................................................................................198

    Quadros

    Quadro 1Relao entre gnero e nmero de migraes...................................................................................................74

    Quadro 2 Origem dos assentados por regies Poltico-Administrativas...........................................................................76

    Quadro 3 Relao entre localidades e nmero de migraes............................................................................................77

    Quadro 4 Crescimento populacional ................................................................................................................................86

    Quadro 5 Relao entre localidades de origem e nmero de migraes ..........................................................................89

    Quadro 6 Relao entre localidades de origem e nmero de migraes...........................................................................97

    Quadro 7 Relao entre localidades e nmero de migraes..........................................................................................101

    Quadro 8 Relao entre localidades e nmero de migraes..........................................................................................104

    Quadro 9Origem por Estado dos avs............................................................................................................................110

    Quadro 10 Principal ocupao dos avs .........................................................................................................................112

    Quadro 11 Propriedade legal da terra entre os avs........................................................................................................113

    Quadro 12 Tamanho das terras dos avs.........................................................................................................................113

    Quadro 13 Origem dos pais por Unidade da Federao..................................................................................................114

    Quadro 14 Ocupao dos pais dos entrevistados............................................................................................................115

    Quadro 15 Perodo de nascimento dos pais dos entrevistados........................................................................................116

    Quadro 16Nmero de filhos nascidos vivos dos pais dos entrevistados........................................................................116

    Quadro 17Nmero de filhos nascidos vivos dos entrevistados......................................................................................116

    Quadro 18 Relao entre gnero e nmero de unies.....................................................................................................117

    Quadro 19 Relao entre unies e intervalo de tempo....................................................................................................118

    Quadro 20 Distribuio dos filhos por gnero................................................................................................................119

    Quadro 21 Origem dos filhos por Unidade da Federao...............................................................................................120Quadro 22 Principal ocupao dos filhos........................................................................................................................125

    Quadro 23 Estado civil dos filhos...................................................................................................................................127

    Quadro 24 Escolaridade dos filhos dos assentados.........................................................................................................128

    Quadro 25 Filhos acampados e/ou assentados................................................................................................................128

    Quadro 26 Relao entre a 1 ocupao e o setor de atividade.......................................................................................134

    Quadro 27 Relao entre a 1 ocupao e a 1 condio.................................................................................................145

    Quadro 28 Tempo de exerccio da primeira ocupao....................................................................................................147

    Quadro 29 Relao entre a 2 ocupao e o setor de atividade II...................................................................................149

    Quadro 30 Relao entre a 2 ocupao e sua condio de trabalho...............................................................................150

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    Quadro 31 Relao entre a 2 ocupao e seu intervalo de tempo..................................................................................152

    Quadro 32 Relao entre a 3 ocupao e seu setor econmico......................................................................................153

    Quadro 33 Relao entre a 3 ocupao e sua condio..................................................................................................154

    Quadro 34 Relao entre a 3 ocupao e seu intervalo de tempo..................................................................................155

    Quadro 35 Evoluo da criao de Projetos de Assentamento na Regio......................................................................156

    Quadro 36 Populao garimpeira na rea do P.G.C........................................................................................................157

    Quadro 37 Relao entre a 4 ocupao e o setor de atividade.......................................................................................157

    Quadro 38 Relao entre a 4 ocupao e sua condio..................................................................................................158

    Quadro 39 Relao entre a 4 ocupao e intervalo de tempo........................................................................................159

    Quadro 40 Relao entre a 5 ocupao e seus setores de atividade...............................................................................160

    Quadro 41 Relao entre a 5 ocupao e sua condio..................................................................................................161

    Quadro 42 Relao entre a 5 ocupao e o intervalo de tempo.....................................................................................161

    Quadro 43 Relao entre a 6 ocupao e o setor de atividade.......................................................................................163Quadro 44 Relao entre a 6 ocupao e sua condio..................................................................................................164

    Quadro 45 Relao entre a 6 ocupao e intervalo de tempo........................................................................................164

    Quadro 46 Relao entre a 7 ocupao e o setor de atividade.......................................................................................165

    Quadro 47 Relao entre a 7 ocupao e sua condio..................................................................................................166

    Quadro 48 Relao entre a 7 ocupao e o intervalo de tempo.....................................................................................166

    Quadro 49 Relao entre a 8 ocupao e o setor de atividade.......................................................................................166

    Quadro 50 Relao entre a 8 ocupao e sua condio..................................................................................................167

    Quadro 51 Relao entre a 8 ocupao e o intervalo de tempo.....................................................................................167

    Quadro 52 Relao entre a 9 ocupao e o setor de atividade.......................................................................................167

    Quadro 53 Relao entre a 9 ocupao e sua condio..................................................................................................168

    Quadro 54 Relao entre a 9 ocupao e o intervalo de tempo.....................................................................................168

    Quadro 55 Relao entre as unidades espaciais e setores econmicos...........................................................................169

    Quadro 56 Relao entre o motivo da migrao e setores econmicos..........................................................................169

    Quadro 57 Unidades da Federao e condies de trabalho...........................................................................................173

    Quadro 58 Relao entre ocupao e intervalo de tempo...............................................................................................177

    Quadro 59 Escolarizao e gnero..................................................................................................................................186

    Quadro 60 Sexo e nvel de escolaridade.........................................................................................................................187Quadro 61 Escolarizao anterior e escolarizao no assentamento..............................................................................189

    Quadro 62 Gnero e escolaridade no assentamento........................................................................................................189

    Quadro 63 Relao entre escolarizao e nmero de migraes....................................................................................192

    Quadro 64 Relao entre nvel de escolaridade e regies...............................................................................................193

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    LISTA DAS ENTREVISTAS QUALITATIVAS

    1. Carlos

    Militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra2. Joo

    Assentado do Projeto de Assentamento Palmares II

    3. Joana

    Militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    4. Luiz

    Assentado do Projeto de Assentamento Palmares II

    5. Chico

    Assentado do Projeto de Assentamento Palmares II

    6. Juvncio

    Tcnico agrcola da Cooperativa Mista de Assentamentos Rurais do Sudeste do Par

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    SUMRIO

    Introduo.........................................................................................................................................................................16

    Captulo 1 Trajetrias sociais subjetivas e objetivas na fronteira amaznica Qual o lugar do campons?.................20

    1.1 Trajetrias sociais camponesas e os assentamentos rurais...........................................................................................21

    1.1.1 Os assentamentos rurais: formao e composio......................................................................................21

    1.1.2 As identidades sociais de assentados e relao rural-urbano em questo...................................................25

    Captulo 2 Metodologia e descrio do locus de pesquisa................................................................................................35

    2.1 Metodologia..................................................................................................................................................................36

    2.2 Locus da pesquisa.........................................................................................................................................................41

    2.2.1 Contexto geral da regio Sudeste do Par...................................................................................................41

    2.2.2 O Municpio.................................................................................................................................................47

    2.2.3 - O Assentamento e sua origem...................................................................................................................47

    2.2.4 Algumas caractersticas do Assentamento..................................................................................................53

    Captulo 3 De onde vm? A histria migratria................................................................................................................63

    3.1 Polticas populacionais e a fronteira amaznica...........................................................................................................64

    3.1.1 Ori(gens): de onde so? ..............................................................................................................................72

    3.1.2 Da 1 a 3 migrao e sua composio........................................................................................................773.1.2.1 1 Migrao.................................................................................................................................78

    3.1.2.2 2 migrao.................................................................................................................................80

    3.1.2.3 3 migrao.................................................................................................................................82

    3.1.2.4 Os tempos migratrios................................................................................................................85

    3.1.2.5 Os motivos da migrao.............................................................................................................87

    3.1.3 Da 4 a 6 migrao e sua composio........................................................................................................89

    3.1.3.1 4 migrao.................................................................................................................................90

    3.1.3.2 5 migrao.................................................................................................................................92

    3.1.3.3 6 migrao.................................................................................................................................92

    3.1.3.4 Os tempos migratrios................................................................................................................93

    3.1.3.5 Os motivos da migrao.............................................................................................................95

    3.1.4 Da 7 a 9 migrao e sua composio........................................................................................................97

    3.1.4.1 7 migrao.................................................................................................................................97

    3.1.4.2 8 migrao.................................................................................................................................98

    3.1.4.3 9migrao..................................................................................................................................98

    3.1.4.4 Os tempos migratrios................................................................................................................99

    3.1.4.5 Os motivos da migrao...........................................................................................................100

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    3.1.5 Da 10 a 12 migrao e sua composio..................................................................................................101

    3.1.5.1 10 migrao.............................................................................................................................102

    3.1.5.2 11 Migrao.............................................................................................................................102

    3.1.5.3 12 migrao.............................................................................................................................102

    3.1.5.4 Os tempos migratrios..............................................................................................................102

    3.1.5.5 Os motivos da migrao...........................................................................................................103

    3.1.6 Da 13 a 14 migrao e sua composio..................................................................................................104

    3.1.6.1 13 migrao.............................................................................................................................104

    3.1.6.2 14 migrao.............................................................................................................................104

    3.1.6.3 Os tempos migratrios..............................................................................................................104

    3.1.6.4 Os motivos da migrao...........................................................................................................105

    3.1.7 A relao de parentesco do entrevistado com o dono do lugar.................................................................105

    Captulo 4 Quem so? A histria da famlia....................................................................................................................107

    4.1 A famlia: como entender? .........................................................................................................................................108

    4.2 Os avs........................................................................................................................................................................110

    4.3 Os pais........................................................................................................................................................................114

    4.4 Os filhos......................................................................................................................................................................118

    Captulo 5 O que fazem? A histria do trabalho. ...........................................................................................................130

    5.1 A qualificao e a desqualificao profissional no discurso dos intelectuais e da imprensa.....................................131

    5.2 A trajetria do trabalho...............................................................................................................................................145

    Captulo 6 O que sabem? A histria da educao...........................................................................................................180

    6.1 A educao e os camponeses......................................................................................................................................181

    6.2 A trajetria educacional..............................................................................................................................................184

    6.3 Nvel de escolaridade..................................................................................................................................................187

    Captulo 7 Concluso.......................................................................................................................................................198

    Referncias Bibliogrficas..............................................................................................................................................204

    Anexos..............................................................................................................................................................................212

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    INTRODUO

    Recuperar a trajetria de camponeses do Assentamento Palmares II faz parte do

    esforo de investigao desenvolvido ao longo de dois anos no interior do Programa de

    Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentvel MAFDS da UFPA.

    Nossa preocupao no decorrer da pesquisa foi levantar o itinerrio de agricultores levando

    em considerao as mltiplas dimenses das suas vidas e dentre elas escolhemos como foco: a

    migrao, a famlia, o trabalho e a educao.

    Utilizando instrumentos da Scio-Demografia, procuramos entender o assentamento

    rural como produto de uma encruzilhada social (CARVALHO, 1999) que possibilita uma

    confluncia de inseres sociais (NEVES, 1999). Essas caractersticas decorrem de dois

    elementos importantes: a grande diversidade social em sua composio e os intensos conflitos

    em sua formao. Esses elementos se tornam mais polmicos quando os assentamentos rurais

    se aproximam fisicamente das cidades e do espao urbano provocando sentimentos de

    estranhamento entre a populao local, nos veculos de comunicao de massa e entre os

    intelectuais.

    A partir desse estranhamento, os assentados passam a ser objeto de formas e

    estratgias de expropriao baseados em sua desqualificao social e econmica, objetivando

    uma requalificao, portadora da negao de um saber capaz de garantir a autonomia dos

    meios de produo e logo ameaadora das possibilidades de acumulao e de consolidao deatividades econmicas insustentveis na realidade amaznica (os chamados Grandes

    Projetos).

    Procurando entender a grande diversidade na formao do assentamento e os

    mecanismos pelos quais aprofundam sua territorializao, no poderamos nos ater, nica e

    exclusivamente, a instrumentos de anlise da demografia tradicional que faz uso de categorias

    que no compreendem o processo dinmico da vida de camponeses migrantes e da prpria

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    fronteira amaznica. Foi necessrio levar em conta a natureza temporal dos processos sociais

    e demogrficos, bem como as inter-relaes que os distintos fenmenos demogrficos

    guardam entre si e nas trajetrias dos indivduos. Para isso, houve uma preocupao no

    levantamento da informao biogrfica que permitisse a anlise temporal dos processos de

    transformao da vida dos indivduos.

    Apesar dessa preocupao, no tivemos capacitao para manejar o STATA, programa

    desenvolvido especificamente para a anlise do nosso tipo de questionrio que transforma os

    dados de todos os eventos da histria de uma pessoa em um calendrio, atravs de

    informaes biogrficas (eventos, moradias, e todas as variveis que caracterizam uma

    biografia) que estariam fechadas, descritas e relacionadas atravs de um calendrio comum,

    que estrutura uma matriz. Isto se deveu em parte ao prprio programa, que ainda est em

    confeco, em parte pela ausncia de uma preparao no gerenciamento do que j foi

    consolidado no software.

    A alternativa encontrada foi adaptao de nosso questionrio ao Programa SPSS

    (Statistical Package for Social Sciences). Feito isso, fomos surpreendidos pela incapacidade

    do SPSS em analisar mais de 200 variveis, o que nos remeteu a construir intervalos de tempo

    e lugar. Essa alternativa debilitou a anlise estatstica temporal dos processos sociais,

    provocando mudanas na estrutura de anlise de nossa dissertao. Toda nossa narrativa

    passou da referncia na anlise temporal para a concentrao na quantidade de migraes eocupaes que o indivduo teve ao longo de sua trajetria.

    Com base nas nossas perguntas iniciais, a saber: a) a condio de campons na

    fronteira amaznica se apresenta com um forte componente atvico? 1 Seria este um dos

    fatores que motivaria as pessoas a uma migrao de retorno no para os seus lugares de

    1Atvico no sentido de se referir a uma cultura produzida por geraes ancestrais e condicionadoras de valoresassumidos pelos membros contemporneos dessa mesma cultura. A ligao com a terra e o desejo de nelaretornar podem ser uma herana simblica recebida por pessoas que no produzem na terra.

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    origem, mas sim, a lugares onde possam remontar sua matriz camponesa2? Estariam as

    famlias assentadas imprimindo novas formas de relao entre o espao rural e urbano a partir

    de suas estratgias na dcada de 1990 na Amaznia Oriental? Se sim, acabariam essas novas

    formas por construir identidades sociais diversas ou especficas entre as pessoas dos

    assentamentos? Estruturamos os resultados da dissertao de mestrado em seis captulos.

    No Captulo 1 discutimos a formao dos assentamentos rurais e sua composio

    social no Brasil e na regio de nosso estudo, estabelecendo nexos na formao de uma

    identidade camponesa no contexto do continuumrural-urbano; no Captulo 2 apresentamos a

    metodologia utilizada em nosso trabalho e a descrio do lcus da pesquisa, distribudo em

    trs escalas a regio, o municpio e o Assentamento Palmares II; no Captulo 3, motivados

    pela compreenso de onde vm, analisamos a histria migratria dos camponeses,

    recompondo seu itinerrio espao-temporal, discutindo os motivos que levaram aos

    deslocamentos, bem como a relao de parentesco que estabeleceram com cada dono do lugar

    por onde passaram; no Captulo 4, atravs da analise da histria das famlias, procuramos

    entender quem so, atravs de uma discusso sobre o conceito de unidade familiar e a busca

    pela memria das suas famlias procurando desvendar seus ancestrais e seus descendentes; no

    Captulo 5 discorremos sobre o que fizeram e o que fazem, levantando a histria da vida

    laboral dos camponeses, identificando as ocupaes e seus perodos, os setores econmicos

    onde se inserem e as condies de trabalho que foram submetidos; no Captulo 6, sob ocmputo do que sabem, resgatamos a histria educacional dos agricultores e o lugar que ela

    desempenha na reproduo dos valores camponeses; no fechamento apresentamos as

    Consideraes Finais indicando as possveis contribuies que esse estudo pode nos fornecer.

    No geral, estes captulos esto estruturados para construir a dissertao proposta no

    sentido de viabilizar o entendimento sobre as diversas trajetrias sociais e econmicas dos

    2Essa matriz camponesa apresenta as seguintes caractersticas: i) a busca pela posse da terra; ii) no trabalhoagrcola; iii) na mo-de-obra essencialmente familiar; iv) nas relaes familiares primrias; v) um estilo de vidaque valoriza a relao mais direta com a natureza; vi) na busca pela autonomia nas relaes de produo.

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    camponeses no Sudeste do Par, a partir do Assentamento Palmares II, que apresentam uma

    histria objetivamente homognea de estratgias de reconstruo de um modo de vida

    baseado na apropriao dos recursos, que chamamos de matriz camponesa.

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    Captulo 1

    TRAJETRIAS SOCIAIS SUBJETIVAS E OBJETIVAS NA FRONTEIRA

    AMAZNICA - QUAL O LUGAR DO CAMPONS ?

    Smen

    Nos antigos rinces da mata virgemFoi um smen plantado com o meu nomeE a raiz de to dura ningum comePorque nela plantei minha origemQuem chegar perto tem vertigemEnsinar o caminho, eu no seiDas mil vezes que por l eu passei

    Nunca pude guardar o seu desenho

    Como posso saber de onde eu venho,Se a semente profunda eu no toquei?

    Esse novo caminho que eu traoMuda constantemente de feioEu no posso saber que direo

    Tem o rumo que firmo no espaoTem momentos que eu sinto que desfaoO castelo que eu mesmo levanteiO importante que nunca esquecereiQue encontrar o caminho meuempenho

    Como posso saber de onde eu venhoSe a semente profunda eu no toquei?

    Como posso saber a minha idade

    Se o tempo passado eu no conheoComo posso viver desde o comeoSe a lembrana no tem capacidadeSe no olho pra trs com claridadeUm futuro obscuro aguardareiMas aquela semente que sonhei a chave do tesouro que eu tenho

    Como posso saber de onde eu venhoSe a semente profunda eu no toquei

    Tantos povos se cruzam nessa terraQue o mais puro padro o mestioDeixe o mundo rodar que d nissoA roleta dos genes nunca erra

    Nasce tanto galego em p-de-serraE por isso eu jamais estranhareiSertanejo com olhos de nisseiCantador com suingue caribenho

    Como posso saber de onde eu venhoSe a semente profunda eu no toquei?

    Como posso pensar ser brasileiroEnxergar a minha prpria diferenaSe olhando ao redor vejo a imensa

    Diferena ligando o mundo inteiroComo saber quem vem primeiroSe o comeo jamais alcanareiTantos povos no mundo e eu no seiQual a fora que move meu engenho

    Como posso saber de onde eu venhoSe a semente profunda eu no toquei?

    E eu...No sei o que fazer

    Nesta situaoMeu p...Meu p no pisa o cho.

    (Mestre Ambrsio)(Letra e msica: Siba e Brulio Tavares)

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    1.1 TRAJETRIAS SOCIAIS CAMPONESAS E OS ASSENTAMENTOS RURAIS

    1.1.1 Os assentamentos rurais: formao e composio

    Os assentamentos rurais comeam a aparecer no Brasil, com maior intensidade, na

    dcada de 19903. Sua construo acompanhada de estranhamento, de negao, o que resulta

    em medo por parte da populao local. Este receio est associado aos histricos conflitos que

    se estabeleceram no pas pela posse da terra, especialmente no Par 4, palco de diversos

    massacres ao longo de sua histria. Mas, no caso da Amaznia, ocorre no contexto dos

    intensos processos migratrios que se estabeleceram pelos programas de colonizao

    (ARAGON & MOUGEOT, 1983; HBETTE, 2002; MAGALHES, 2002).

    Com o aumento de sua presena, os assentamentos se destacam, ao mesmo tempo, por

    apresentarem indicadores de forte diversidade social em sua composio e de intensos

    conflitos na sua formao. Essas duas caractersticas atribuem ao sujeito que constri os

    assentamentos um papel de intensas mudanas no quadro geral de indicadores econmicos e

    sociais do pas (educao, sade, produo, organizao, famlia, etc.) e, em especial, no

    mundo rural.

    O avano da luta pela reforma agrria, protagonizado pelos movimentos sociais do

    campo, utilizando como mtodo a ocupao de terras, levou construo de uma srie de

    assentamentos rurais no Brasil. No Par, foram assentadas 67 mil famlias s no perodo de

    2003 a 2005 (INCRA, 2005). Apesar da existncia de vrios questionamentos sobre essesnmeros recentes do INCRA5, os P.As esto se territorializando e junto com eles o debate

    sobre quem so esses assentados da reforma agrria no Par.

    3Para um histrico dos Assentamentos no Brasil ver Bergamasco (1996 e 1997); Medeiros & Leite (1999 e2004).4A CPT, desde 1985, publica sistematicamente o relatrio dos Conflitos no Campo - Brasil. De 1985 a 2004(dados parciais deste ltimo ano)foram assassinados 1379 trabalhadores e trabalhadoras. S foram julgados 75casos, com a condenao de 5 mandantes e 64 executores. (Conflitos no Campo Brasil. 2003. Goinia: CPT

    Nacional- Brasil, 2003. 228p.)5Ariovaldo U. de Oliveira, um dos componentes da equipe tcnica que formulou a primeira verso do II PlanoNacional de Reforma Agrria, coordenada por Plnio de Arruda Sampaio, afirma em entrevista para a agncia denotcias Brasil de Fato, em fevereiro de 2006, que o Governo Lula no cumpriu suas metas de assentamento.

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    Esta discusso ganha incrementos maiores quando a instalao dos P.As se aproxima

    do espao urbano e mais, das cidades, que ocupam posio central na hierarquia urbana.

    Surgem, ento, mudanas ligadas identidade social dos assentados e funcionalidade que os

    assentamentos possuem (ou adquirem) na produo do espao geogrfico.

    O termo assentamento rural quase sempre utilizado para nomear um determinado

    tipo de interveno fundiria. Essa interveno se insere no mbito das polticas pblicas

    desenvolvidas pelo Estado tanto no espao rural como no urbano. Para Carvalho (1999), o

    assentamento compreende um conjunto de famlias vivendo e produzindo num determinado

    imvel rural, desapropriado ou adquirido pelo governo federal (no caso de aquisio, tambm,

    pelos governos estaduais) com o fim de cumprir as disposies constitucionais e legais

    relativas reforma agrria. Por isso, o assentamento utilizado como expresso no apenas

    para designar uma rea de terra, mas tambm, um agregado heterogneo de grupos sociais

    constitudos por famlias de trabalhadores rurais (CARVALHO, 1999: 5).

    Seus beneficirios em potencial, como nos demonstra Medeiros & Leite (2004: 17-

    18), podem ter diferentes origens sociais e espaciais:

    [...] posseiros, com longa histria de permanncia no campo, embora semttulo formal de propriedade; filhos de produtores familiares pauperizadosque, diante das dificuldades financeiras de acesso a terra, optaram pelosacampamentos e ocupaes como caminho possvel para se perpetuarem natradio de produtores autnomos; parceiros em busca de terra prpria;pequenos produtores, proprietrios ou no, atingidos pela construo dehidreltricas; seringueiros que passaram a resistir ao desmatamento que

    ameaava seu modo de vida; assalariados rurais, muitas vezescompletamente integrados no mercado de trabalho; populaes de periferiaurbana, com empregos estveis ou no, eventualmente com remota origemrural, mas que, havendo condies polticas favorveis, se dispuseram ocupao; aposentados que viram no acesso terra a possibilidade de umcomplemento de renda, entre outros.

    Constata que no houve, na contabilidade dos nmeros, a separao do que o reordenamento fundirio,

    regularizao fundiria ou reassentamento de famlias atingidas por barragem, dos assentamentos de reformaagrria, que seriam aqueles decorrentes de aes desapropriatrias de grandes propriedades improdutivas,compras de terra e retomada de terras pblicas griladas. Neste sentido, com a eliminao dessa diferena e daconfeco de uma segunda verso do II PNRA, os nmeros estariam distorcidos.

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    Neste sentido, os assentamentos rurais so compostos por pessoas de diversas origens

    geogrficas e com experincia em diversas ocupaes e em diferentes condies de trabalho.

    Nem por isso o estatuto normativo de um assentamento deixa de o tratar como se fra

    homogneo. Os organismos governamentais e da sociedade civil acabam tratando-o

    igualmente de forma homognea.

    Essa tendncia a uma viso homogeneizadora sintetizada na expresso oassentado, uma identidade social atribuda de fora para dentro, e na maiorparte das vezes, seja por alienao ou por convenincia, assumida pelostrabalhadores rurais. Essa percepo que no identifica as diferenas, querejeita subconscientemente esta heterogeneidade, impede o estabelecimento

    de interaes sociais de reciprocidade, de compartilhamento, que estejamabertas construo de novas tipificaes, entre os de fora e os de dentro doassentamento, capazes de proporcionarem, num determinado plano social,novas identidades sociais. (CARVALHO, 1999:08).

    Essa tendncia, por ser relativamente nova e os mtodos de apreenso dos dados que

    dem conta dessa dinmica so incipientes, muitas vezes interpretada apressadamente,

    provocando algumas distores, em alguns casos inconscientes, em outros conscientes.

    As diversas origens dos assentados, o constante processo de deslocamento do

    indivduo e suas diferentes ocupaes provocam entre os habitantes do lugar (de chegada) um

    sentimento de estranhamento. cada vez mais comum vermos e ouvirmos atribuies

    preconceituosas e qualificaes degradantes de parte de nativos de um determinado lugar

    contra a sua populao migrante. Dos pases centrais do capitalismo at a Amaznia, pode-se

    contatar este tipo de pensamento e de atitude6

    .

    Associado a isso existe, tambm, aquele sentimento de diferena na relao que se

    estabelece entre o campo e a cidade. Pela diviso do trabalho, este sentimento vinculado

    dimenso econmica da sociedade e, por isso, ganha uma especificidade que a

    (des)qualificao ligada a determinada ocupao. A intensa mobilidade do trabalho

    6Basta observar a crescente xenofobia nos pases centrais do capitalismo, especialmente na Europa Ocidental enos EUA. Na Amaznia, denominaes jocosas, de desqualificao do imigrante so cada vez mais visveis nosenso comum. Nos EUA, a indita paralisao nacional dos imigrantes no ms de maio de 2006 um sintoma dereao a esses sentimentos.

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    (GAUDEMAR, J. 1977; HBETTE, 2004) se no for causadora, contribui decisivamente

    para isso.

    Nesta perspectiva sempre exigido um perfil rgido de profisso quando o indivduo

    que nasceu ou que passou pela cidade decide (re)tornar ao campo. Para as pessoas de origem

    camponesa que sofreram o xodo, de migraes no sentido rural-urbano, este perfil

    flexibilizado. Essa exigncia nenhuma ou pequena para que o campons ou camponesa

    trabalhe como encanador, ajudante de pedreiro ou camel.

    O Assentamento Palmares II est dentro deste contexto. composto por pessoas de

    diversas regies e estados do pas, com trajetrias igualmente diversas e experincias

    profissionais variadas. Agrega-se a isso um diferencial na sua configurao poltico-espacial

    o projeto territorial do assentamento foi construdo e coordenado pelo Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. Um movimento de forte componente territorial que

    planeja a conformao dos assentamentos no espao no para atuao sobre toda e qualquer

    terra, mas para aquelas que esto colocadas em sentido estratgico, prximas ao mercado,

    existindo ambientes propcios a agricultura e extrativismo, acesso s instituies de poder,

    localizao, etc. Esta caracterstica singular na medida em que, na fronteira amaznica, a

    sua ao no abarca reas cuja base apresenta componentes tnicos, que reivindicam a

    regularizao ou o reordenamento fundirio, nem reassentamentos rurais proporcionados pela

    expropriao na construo de barragens.A observao de Silva (1976) sobre a apropriao do espao, onde afirma que o que

    regula o movimento de apropriao no todo o espao e sim a expanso do espao sobre o

    qual se desenvolve a produo (SILVA, 1976: 70) importante para se compreender este

    processo. Por isso, em uma situao de disponibilidade de terras, mesmo que seja geral e

    irrestrita, com ou sem MST, ainda teramos um quadro de conflito no campo, ainda mais se

    tratando de uma regio de fronteira capitalista na Amaznia.

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    1.1.2 As identidades sociais de assentados e relao rural-urbano em questo.

    Na Regio do Sudeste do Par, a gnese da maioria dos assentamentos est ligada

    luta e ao enfrentamento com a grande propriedade privada da terra. A lgica de organizao

    dos assentamentos (principalmente aqueles resultantes do MST) parte de um movimento de

    (re)apropriao e, portanto, de (re)territorializao da luta pela terra (FERNANDES, 1999),

    onde a leitura de organizao do territrio leva sua ao poltica a se aproximar das cidades e

    do espao urbano.

    Este fato produto de uma contradio intensificada pelo processo de globalizao: a

    cidade e o campo vo se unindo. No significa a eliminao de suas diferenas "ao contrrio,

    aprofunda-as, tornando cada uma mais especfica, porm cada vez mais portadora da

    caracterstica geral da outra". (OLIVEIRA, 1995: 474). Nesse sentido, a cidade acaba sendo

    palco e lugar de lutas rurais e/ou lutas urbanas que ocorrem em reas rurais. Espao rural e

    espao urbano se confundem, ao mesmo tempo em que se diferenciam por suas

    especificidades.

    Isto propiciado pelos mecanismos de construo do lugar, o que para Santos (1998)

    passa pela sua densidade tcnica (que tipo de tcnica existe na configurao do territrio),

    pela densidade informacional (que chega ao lugar tecnicamente estabelecido), pela idia da

    densidade comunicacional (as pessoas interagem) e, tambm, em funo de uma densidade

    normativa (o papel das normas em cada lugar como definitrio). Alessandri Carlos (1996)acrescenta, ainda, a dimenso do tempo de cada lugar que visto atravs dos eventos no

    presente e no passado.

    O assentamento nesta perspectiva constitui uma unidade territorial, um lugar, na

    interface do continuum rural-urbano. A sua populao produtora e produto desta

    contradio. Junto com os demais sujeitos de seu entorno, a populao que produz a

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    organizao do territrio e desenvolve no lugar densidades variadas, em escalas igualmente

    variadas e condicionadas pela relao de poder que se estabelece na regio.

    Nesta perspectiva, as perguntas a seguir vo nortear, durante todo o decorrer de nossa

    anlise, nossas reflexes e inferncias: a) a condio de campons na fronteira amaznica

    apresenta um forte componente atvico7. Seria este um dos fatores que motivaria as pessoas a

    uma migrao de retorno no para os seus lugares de origem, mas sim, a lugares onde possam

    remontar sua matriz camponesa8? Estariam as famlias assentadas imprimindo novas formas

    de relao entre o espao rural e urbano a partir de suas estratgias na dcada de 1990 na

    Amaznia Oriental? Se sim, acabariam essas novas formas por construir identidades sociais

    diversas ou especficas entre as pessoas dos assentamentos?

    Essas indagaes passam, necessariamente, pela compreenso das trajetrias objetivas

    e subjetivas traadas pelos camponeses ao longo de seu itinerrio. Para isso, utilizaremos as

    histrias de vida desses camponeses, pautadas em quatro dimenses: a migrao, a famlia, o

    trabalho e a educao, separadas e evidenciadas em captulos ao longo da dissertao.

    Para ns, as trajetrias objetivas so entendidas como a seqncia de posies sociais

    ocupadas por um indivduo ou sua linhagem (DUBAR, 1998). J para o que chamamos de

    trajetrias subjetivas, nossa compreenso um:

    Enredo posto em palavras pela entrevista biogrfica e formalizado peloesquema lgico, reconstrudo pelo pesquisador [...] Trata-se, tambm, deuma forma de resumo da argumentao, extrado da anlise do relato e dadescoberta de um ou mais enredos, e dos motivos pelos quais o sujeito estnuma situao em que ele mesmo est se definindo, a partir deacontecimentos passados, aberto para um determinado campo de possveis,mais ou menos desejveis e mais ou menos acessveis (DUBAR, 1998)

    7Atvico no sentido de se referir a uma cultura produzida por geraes ancestrais e condicionadoras de valoresassumidos pelos membros contemporneos dessa mesma cultura. A ligao com a terra e o desejo de nelaretornar podem ser uma herana simblica recebida por pessoas que no produzem na terra.8Essa matriz camponesa apresenta as seguintes caractersticas: i) a busca pela posse da terra; ii) no trabalhoagrcola; iii) na mo-de-obra essencialmente familiar; iv) nas relaes familiares primrias; v) um estilo de vidaque valoriza a relao mais direta com a natureza; vi) na busca pela autonomia nas relaes de produo.

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    A grande diversidade de origens leva o assentamento a uma verdadeira encruzilhada

    social (CARVALHO, 1999). Diversas pessoas e famlias se encontram em uma rea e a

    transformam em um lugar(SANTOS, 1998). um lugar de encontros e desencontros, onde o

    exerccio da alteridade sempre acionado por uma infinidade de situaes em que o novo:

    [...] confronta-se com os hbitos e as tipificaes anteriores(institucionalizaes). Novas tipificaes recprocas devero ser construdas,da as novidades e a correspondente insegurana. Para muitos essa transiopode ser dolorosa, dependendo de como as tradies e as institucionalizaesestabelecidas por cada pessoa lhe so significativas. A instabilidade passa,ento, a ser companheira do cotidiano at que novos hbitos sejam formadose um novo padro comum (tipificaes e institucionalizaes) decomportamento seja estabelecido. (CARVALHO, 1999: 11).

    Para entender as tipificaes pretritas e as instituies anteriores a que foram

    submetidos os trabalhadores, interessante uma anlise de sua biografia, pois s desta

    maneira podemos examinar o que aconteceu no seu passado e entender o seu presente.

    Carvalho (1999), ao estudar as diversas formas de associativismo implementadas nos

    assentamentos rurais brasileiros, constatou que este tipo de anlise fundamental para a

    explicao dos fatores que contribuem ou que impedem o associativismo (objeto at ento

    pesquisado pelo autor).

    Todavia, esse estudo exploratrio efetuado sobre as formas deassociativismo evidenciou que a compreenso das interaes sociais,vivenciadas cotidianamente pelos trabalhadores rurais nos assentamentos, apartir das suas experincias de vida (suas biografias) e das condiesobjetivas e subjetivas apresentadas na nova situao, a do assentamento,seriam deveras indispensveis para a explicao dos fatores que contribuamou impediam o associativismo econmico (CARVALHO, 1999: 3).

    Para compreender essas diferenas nas experincias de vida, utilizamos como

    instrumentos de anlise tanto elementos da pesquisa quantitativa como da qualitativa. Nossa

    primeira viagem de campo foi realizada na segunda metade do ms de julho de 2004, quando

    foram feitas algumas entrevistas, com perguntas semi-estruturadas para informantes-chave, e

    concludo o levantamento documental em Marab, Eldorado do Carajs e Parauapebas. A

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    segunda viagem de campo foi realizada na segunda metade do ms de maio e no ms de junho

    de 2005, no Assentamento Palmares II. Aplicamos 110 questionrios em um universo de 517

    famlias cadastradas inicialmente pelo INCRA. Nosso questionrio (em anexo) dividiu em

    quatro blocos as variveis migrao, famlia, trabalho e educao. Foi feita, ainda, a outra

    parte das entrevistas com informantes-chave, tambm com perguntas semi-estruturadas.

    Uma das nossas preocupaes, mesmo que perifericamente, nestas viagens de campo

    era entender como essa dinmica camponesa (biografia e trajetrias) contribui para o debate

    sobre a relao campo-cidade. Pudemos constatar que a definio sobre o que cidade e

    campo muito controversa.

    O IBGE, rgo de Estado, criado pelo Estado Novo, foi o primeiro a definir o que

    cidade no Brasil. Atravs do Decreto Lei 311 de 1938, todas as sedes municipais existentes

    foram convertidas em cidades, negando todas as suas caractersticas estruturais e setoriais

    (VEIGA, 2001). No Censo de 2001, o IBGE alerta que 81,2% da populao brasileira vive

    nas cidades e destaca o intenso processo de urbanizao no espao brasileiro.

    Isso que o IBGE aponta como urbanizao da populao, Hbette & Moreira (1996)

    contrapem com que chamam de uma nova ruralidade. Os autores questionam o fato de que

    no apenas a quantidade de populao que caracteriza a ruralidade ou a urbanidade de

    um espao geogrfico como o Estado do Par: , tambm, a importncia espacial das reas

    consideradas, assim como a importncia das atividades tpicas do mundo rural. Assim,entendemos as atividades ligadas ao mundo rural no somente como aquelas pertencentes ao

    setor primrio da economia, mas ao conjunto de aes ligadas diretamente e indiretamente ao

    trabalho na terra.

    Fundamentam o questionamento em uma pesquisa publicada em 2002, intitulada

    Polticas Pblicas e Acesso a Terra no Estado do Par: o desafio da criao de um

    campesinato autnomo na fronteira (HBETTE, J. et al. 2002:172 p.) na qual observaram

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    que 2/3 do territrio paraense apresenta densidade populacional inferior a dois habitantes por

    quilmetro quadrado, estando a urbanidade do Estado, concentrada na regio da embocadura

    do rio Amazonas, onde se localizam a regio metropolitana e mais alguns municpios com

    densidade superior a 10 habitantes por quilmetro quadrado. Reforam essa perspectiva

    observando que no perodo compreendido entre 1996 e 2000, o crescimento da populao

    rural obteve ganho em 50% dos municpios paraenses. Em 2000 apenas cinco cidades

    paraenses tinham mais de 100.000 habitantes.

    O que se questiona no apenas a medida do que urbano e do que rural, como

    encontramos em anlises com vis puramente economtrico. Os questionamentos esto mais

    ligados s mudanas estabelecidas na relao campo-cidadena Regio Sudeste do Par.

    Seguindo o debate, cientistas e governo alardeiam que se opera no Brasil o

    desenvolvimento de um novo mundo rural. Dentre os cientistas destacamos Graziano da

    Silva (1996). Esse autor justifica a nova dinmica no mundo rural pela proliferao de

    atividades no-agrcolas no campo, afirmando que no se pode mais associar a atividade

    agrcola ao meio rural, como tradicionalmente o fra. Sustenta que o alto grau de tecnificao,

    informao e integrao a circuitos financeiros da agricultura patronal e de setores da

    agricultura familiar tambm levariam desqualificao para o rural. Segundo o mesmo autor,

    estaria em curso um duplo processo de urbanizao do campo brasileiro uma expanso da

    lgica de produo tipicamente urbana para os setores modernizados da agricultura e aexpanso de atividades tipicamente urbanas para as reas onde a agricultura modernizada no

    se implantou.

    Neste sentido, a reforma agrria acaba sendo apresentada como uma bandeira

    superada, pois o capitalismo teria cumprido todo seu processo tcnico e passado a orientar

    toda a produo em larga escala, por isso os assentamentos de reforma agrria poderiam

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    desestabilizar a vitoriosa insero do agronegcio brasileiro no mercado mundial, deixando-o

    vulnervel para outros concorrentes.

    Para Alentejano (2001) essa formulao de Graziano da Silva apresenta trs

    problemas: 1) obscurece as diferenas existentes no processo de modernizao, deixando de

    perceber suas especificidades e contradies, 2) no observa as diferentes estratgias que

    esto por trs de prticas idnticas, atribuindo-lhes uma racionalidade comum e, por fim, 3)

    no identifica as continuidades histricas entre processos antigos e atuais, atribuindo a todos

    um carter de novidade. Alentejano explica que a proposio deste cientista que os

    programas de combate pobreza rural devem incorporar a dimenso urbana do espao rural e,

    incluir nas perspectivas de ao no campo, o incentivo gerao de atividades de carter no-

    agrcola intensivas em mo de obra como o caso dos servios. Subentende-se a, uma

    inexorvel morte do rural e uma homogeneizao gradativa do espao urbano nas sociedades

    contemporneas.

    Pontuaremos alguns elementos da relao rural-urbano no Sudeste do Par, em um

    contexto de desenvolvimento de grandes projetos minerais, com os elementos empricos

    levantados. Sabemos que nossa amostra pequena, mas com ela, podemos avaliar alguns

    indicadores de permanncia e mudana de formas identitrias9at ento adquiridas.

    Sabemos que a fronteira econmica tem no conflito social uma de suas caractersticas

    mais marcantes (MARTINS, 1997). Esse conflito socialmente estabelecido ganha expressono espao geogrfico atravs de suas dimenses rurais e urbanas. Ainda para Alentejano, para

    se definir a natureza do rural necessrio considerar as dimenses econmicas, sociais e

    espaciais da relao dos atores sociais com a terra. Afirma que, enquanto a dinmica urbana

    9Compreendemos o termo identidade similarmente ao que desenvolveu Dubar (1998): sentido particular dearticulao de um tipo de espao significativo de investimento de si com uma forma de temporalidade

    considerada como estruturante em seu ciclo de vida. Numa escala local a anlise que desenvolveu Guerra(2002) onde essa identidade passa pela representatividade que os camponeses tm entre os personagens dasociedade global e suas caractersticas e das possibilidades que os camponeses tem de reproduzir-se enquantoator econmico e poltico e, ainda, de participar efetivamente no processo de desenvolvimento da sociedade.

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    praticamente independe da relao com a terra, o rural, em oposio, est diretamente

    associado terra. Assim, por mais variadas que sejam as atividades desenvolvidas, industriais,

    agrcolas, artesanais ou de servios, sejam quais forem s relaes de trabalho existentes e

    seja maior ou menor o desenvolvimento tecnolgico, temos a terra que perpassa e d unidade

    a todas estas relaes (ALENTEJANO, 2001: 11).

    Este alerta importa para no se incorrer em equvocos na formulao de polticas tanto

    dos movimentos sociais como do prprio Estado, atravs de polticas pblicas. Nossa anlise

    desenvolvida nos captulos posteriores sobre as trajetrias desses trabalhadores e da relao

    estabelecida entre campo-cidade, procura entender estes fatos no exclusivamente com dados

    quantitativos, no unicamente com elementos estatsticos, mas tambm ponderando a reflexo

    de Alentejano (2001) de que a relao mais direta com a terra caracteriza o espao rural,

    reafirmada por outros autores:

    Grupos rurais na pesca, na agricultura ou no agroextrativismo. Soexpresses que so indicativas do lugar e das representaes que estes

    grupos sociais vm logrando construir e re-construir. De camponeses aguardies da floresta, de varzeiros a ecologistas, de mulheres a trabalhadorasrurais, pescadoras e extrativistas. Por isso [...] imperativo considerar asdimenses histricas e culturais. Suas trajetrias so variadas. Partilhamcomo eixo comum progressiva construo de espaos pblicos deresistncia, de organizao coletiva e de elaborao de projetos comuns(HBETTE et al. 2002:40-41).

    Exemplo de excluso desta dimenso mais qualitativa um documento lanado pelo

    Governo Federal ligado s anlises do espao rural brasileiro, como o que foi lanado em

    maro de 1999, intitulado Agricultura Familiar, Reforma Agrria e Desenvolvimento Local

    para um Novo Mundo Rural pelo Ministrio de Desenvolvimento Agrrio - MDA. Este

    documento reconhece e nega, ao mesmo tempo, as diferenas entre assentados e agricultores

    familiares:

    trabalhadores rurais assentados pela reforma agrria so, a rigor,

    agricultores familiares, s se diferenciando um dos outros pela forma deentrada no sistema e pelo handicapdos primeiros quanto capitalizao e,

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    na maioria, quanto aos conhecimentos necessrios para o manejo daterra e da produo (grifo nosso).

    O documento apresenta um vis dbio. Ora enfatizando as diferenas, ora enfatizado

    as similaridades entre assentados e agricultores familiares, numa profunda negao de

    significados e sentidos das diferentes trajetrias sociais. Para Alentejano (2001) preciso

    reconhecer as trajetrias diferenciadas, pois:

    [...] agricultor familiar tem em geral uma tradio familiar de conhecimentosacerca da agricultura familiar; assentados tm distintos passados que vodesde a situao de ex-pequenos proprietrios que perderam a terra at

    assalariados urbanos afetados pelo problema do desemprego(ALENTEJANO, 2001: 06).

    Ao mesmo tempo a controvrsia sobre o tema no est esgotada. Uma pesquisa

    lanada e organizada pelos seguintes rgos: CPDA/UFRRJ NUAP/PPGAS/MN/UFRJ em

    convnio com REDES/NEAD-IICA, intitulada Impactos Regionais da Reforma Agrria:

    um estudo sobre reas selecionadas10, afirma que 80% de seus entrevistados origina-se do

    prprio municpio ou de municpios vizinhos de onde est localizado o assentamento. Cerca

    de 80% dos responsveis pelos lotes j viviam antes na zona rural e, ainda, 94% dos

    responsveis pelos lotes j haviam tido alguma experincia de trabalho na agricultura.

    Quando os pesquisadores questionam o tipo de trabalho exercido imediatamente antes de vir

    para o assentamento, se constata que 75% da populao assentada se ocupava anteriormente

    em atividades agrcolas como assalariados permanentes ou temporrios, posseiros, parceiros,

    arrendatrios.

    Estes nmeros nos levam a crer que apesar de diferentes trajetrias, o universo social

    desses assentados apresenta, como definiu Magalhes (2002), uma dimenso social com uma

    certa homogeneidade:

    10Coordenada pelos professores(as) Beatriz Herdia, Leonilde Medeiros, Moacir Palmeira, Rosngela Cintro eSrgio Leite e lanada em fevereiro de 2002. (uma das manchasselecionadas para estudo a regio Sudeste doPar).

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    [...] trata-se em sua maioria de filhos e/ou de famlias camponesas queenfrentaram em alguma medida o esgotamento das condies sociais deproduo em seus locais de origem mesmo entre os trabalhadores comtrajetos itinerantes na construo civil [...] (MAGALHES, 2002: p.259).

    Ainda na anlise da autora, quando se remete s condies sociais vividas no passado,

    h entre esses camponeses uma histria objetivamente homognea, apesar de constituda

    atravs de trajetrias diversificadas, como podemos observar no seguinte trecho:

    [...] objetivamente homognea na medida que partilham de uma situaoanterior de vrios deslocamentos provocados no s por processos diversosde expropriao, mas tambm pelo que designam busca de melhorias. Astrajetrias diversificadas incluem percursos como: camponeses assalariadoem atividades agrcolas assalariado em atividades industriais,especialmente na construo civil; campons assalariado em atividadesindustriais; campons assalariado agrcola, tendo passado por relaes depeonagem, ou, simplesmente campons (MAGALHES, 2002: p.259).

    Veremos como essa histria objetivamente homognea e as trajetrias diversificadas,

    ao convergirem para um n comum o assentamento produzem identidades influenciadas

    por trs dimenses que Carvalho (1999) classificou como:

    [...] grupos de famlias com afinidade entre si, esta relacionada ou com oconvvio anterior no local de origem ou por sentirem-se identificadas entre sicomo pertencentes quela localidade. Muitos grupos de pessoas (grupossociais em formao) so portadores de identidade social pela poltica:uniram-se para concretizar, alm da obteno da posse legal da terra, umprojeto poltico de organizao social. Nem sempre essas famlias temrelao de parentesco entre si. Entretanto, observei, tambm, a tendnciadessas famlias de chamarem seus parentes, ou conhecidos, para instalarem-se ou como agregados no seu lote ou em reas prximas em novosassentamentos. (CARVALHO, 1999:09).

    As trs identidades (pela origem, pela rede de relaes sociais consolidadas

    historicamente e pela poltica), levantadas pelo autor, serviro como pontos de referncia para

    a anlise das histrias de vida coletadas em nossa amostra, tendo como foco o desenho da

    relao construda entre o rural e o urbano no entorno do assentamento.

    Guerra (2001a) discute a identidade pela tica da auto-perpetuao. De um lado pela

    identidade tnica, caso que no se aplica aos posseiros e nem aos beneficirios de

    assentamentos de reforma agrria, de outro, pela negao dessa auto-perpetuao, pois o

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    posseiro no visa se auto-perpetuar na sua condio. Ele quer se manter como campons

    superando sua marginalidade poltica e social. Outra contribuio importante que o autor nos

    d que o universo cultural referencial do posseiro no Sudeste do Par diverso, no sentido

    que ele vem de reas diferentes, com costumes variados e valores culturais ligados, cada um,

    a uma histria particular. O que os unifica o desejo de serem donos de seus meios de

    produo e deles ter controle. Portanto, para Guerra (2001a), a construo da identidade do

    posseiro dinmica. Apesar do universo cultural ser semelhante (o meio rural), mas as

    origens espaciais e temporais so diversas.

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    Captulo 2

    METODOLOGIA E DESCRIO DO LOCUS DE PESQUISA

    Assentamento

    Quando eu morrer, que me enterrem nabeira do chapado-- contente com minha terracansado de tanta guerracrescido de coraoTo(apud Guimares Rosa)

    Zanza daquiZanza pra acolFim de feira, periferia aforaA cidade no mora mais em mimFrancisco, SerafimVamos embora

    Ver o capimVer o baobVamos ver a campina quando floraA piracema, rios contravim

    Binho, Bel, Bia, QuimVamos embora

    Quando eu morrerCansado de guerraMorro de bemCom a minha terra:Cana, caquiInhame, abboraOnde s vento se semeava outroraAmplido, nao, serto sem fim

    Manuel, MiguilimVamos embora

    (Chico Buarque)

    (Letra e msica: Chico Buarque)

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    3632.1 METODOLOGIA

    Estudar o Assentamento Palmares II como um lugar de mltiplas dimensionalidades

    de socializao poltica (FERNANDES, 1999)11, produzidas no cerne da luta pela terra na

    Regio Sudeste do Par, no tarefa simples. Dizemos isso no como um escudo intelectual

    ou vaidoso para nos proteger de possveis erros, omisses e intervenes, mas para alertar

    para a dinmica encantadora e, ao mesmo tempo perversa, da produo e consolidao do

    espao na fronteira amaznica.

    O encantamento e a perversidade podem ser cruis quando se tem por diretriz o

    desenvolvimento de um estudo sobre camponeses que deixaram seus lugares de origem e

    construram e reconstruram novas perspectivas de vida na fronteira, como so as pessoas da

    Palmares II. Lavradores, como eles se autodenominam individualmente, ou Sem Terra, como

    se dizem coletivamente, esses indivduos passaram por diferentes trajetrias scio-espaciais

    at chegar no lugar estudado. Este processo resulta em diversas conseqncias, tanto para as

    famlias envolvidas, como para o espao que exerce poder de atrao.

    Preocupados em compreender a dinmica de produo do territrio pelos assentados

    da Palmares II, no poderamos nos ater somente aos tradicionais instrumentos de

    investigao transversal da demografia tradicional, clssica, que faz uso de categorias como

    faixa etria, sexo, nupcialidade, nmero de filhos. Precisaramos de instrumentos de anlise

    que pudessem ir alm das frias estatsticas que observam as pessoas como uma populao

    amorfa, ausente de contedo e longe de ser povo e, portanto, contar com uma identidade.

    Precisaramos ultrapassar o homem estatstico como falou Rui Moreira (1983) para

    entender o homem concreto, sujeito de sua prpria realidade. Nosso estudo, portanto,

    utilizou instrumentos de anlise da scio-demografia (tendncia de anlise cientfica

    11

    construda pela prxis dos trabalhadores e das instituies envolvidas no interior dos processos deespacializao e de territorializao de luta pela terra. Este espao multidimensional composto de espaoscomunicativos, interativos e de luta e resistncia. (FERNANDES, 1999: 226)

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    373compartilhada na perspectiva interdisciplinar que utiliza arcabouos tericos e tcnicos da

    antropologia, da geografia, da sociologia, da economia e da agronomia).

    Palmares12, como o prprio nome nos sugere, espao de resistncia e, ao mesmo

    tempo, de reproduo. Para desvendar essa aparente contradio, debatendo sobre os

    Assentamentos de Reforma Agrria e seu perfil social e demogrfico, era preciso estabelecer

    ferramentas de anlise coerentes para entender esses sujeitos, que teriam protagonizado uma

    interveno em seu prprio destino, tendo um conjunto de possibilidades herdadas e/ou

    adquiridas, atravessando um contexto econmico, poltico, social e cultural particular.

    Era necessrio partir de um ponto de referncia, de uma j estabelecida ruptura

    epistemolgica com as tradicionais categorias de estudo sobre populao. Esta referncia teve

    origem em um grupo de pesquisadores mexicanos e franceses interessados na dinmica

    demogrfica da regio fronteiria Mxico Estados Unidos nos anos de 1990. Esta parceria

    acadmica foi materializada no ano de 1993 a 1997, por um Programa de Cooperao

    Internacional CONACYT CNRS, atravs de um projeto intitulado Cambios e

    Interrelaciones Demogrficas em la Mxico-Estados Unidos: Famlias e Mercado de

    Trabajo, tendo frente as seguintes instituies: COLEF El Colgio de la Frontera Norte e

    UABC Universidad Autnoma de Baja Califnia, no Mxico, Universidade de Paris X e

    CREDAL - Centre de Recherche et Documentation Surl Amerique Latine, na Frana. Os

    pesquisadores dessas instituies elaboraram um questionrio que pudesse levar em conta a

    natureza temporal dos processos sociais e demogrficos, bem como as interrelaes que os

    distintos fenmenos demogrficos guardam entre si e nas trajetrias dos indivduos. Para isso,

    12Referncia ao Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, com registro desde 1580 at 1710,

    entre Pernambuco e Alagoas. Organizado e dirigido pelos africanos, constitui-se em um territrio liberado e deresistncia negra no perodo colonial, em especial na Unio Ibrica (1580-1640). Quilombo dos Palmares.Disponvel no sitio . Acessado em 04/05/2006.

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    383houve uma preocupao sobressalente no levantamento da informao biogrfica que

    permitisse a anlise temporal dos processos de transformao da vida dos indivduos.

    O estudo mexicano teve uma amostra de 3.200 pessoas, buscando uma

    representatividade nacional para ambos os sexos, levando em conta trs grandes grupos de

    geraes: pessoas nascidas entre 1936 38, 1951 53 e 1966 68 e tamanhos de localidades

    que variavam entre menos de 15 mil habitantes, 15 mil habitantes e mais de 15 mil habitantes.

    Seu questionrio (em anexo) prope uma matriz que contm os anos do calendrio da

    vida dos indivduos e sua idade ao longo deste calendrio, com colunas definindo os

    diferentes eventos ou lugares por onde o entrevistado passou no curso de sua vida. Com este

    desenho, puderam relacionar todos os eventos da histria de uma pessoa por meio de um

    calendrio comum. Todas as informaes biogrficas (eventos, moradias, e todas as variveis

    que caracterizam uma biografia) esto fechadas, descritas e relacionadas atravs de um

    calendrio comum, que estrutura uma matriz. Seu interesse combinar em um mesmo

    calendrio no somente os eventos familiares, ocupacionais e migratrios, mas os eventos

    ocorridos com pessoas aparentadas, como so os pais, avs, cnjuges, filhos e filhas do

    entrevistado.

    Este tipo de questionrio se converte em uma tcnica no levantamento da informao e

    ajuda a recordar os diferentes eventos da vida, pois relaciona o mximo de calendrios em

    paralelo. Este tipo de desenvolvimento metodolgico permitiu uma estrutura relacional que

    por sua vez melhora a qualidade da informao coletada.

    No caso do nosso estudo, sua composio conta com quatro facetas especficas de uma

    vida, desde o nascimento do entrevistado at o momento da aplicao do questionrio.

    Procura se evidenciar sua histria migratria, sua histria educacional, sua histria de trabalho

    e sua histria familiar. Nesta dimenso familiar foram includas perguntas objetivando fazer

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    393um levantamento dos avs onde e quando nasceram, qual foi sua principal ocupao e se

    possuam terra prpria.

    A aplicao do questionrio adaptado, nos moldes descritos acima, foi feita no perodo

    de maio a junho de 2005. Aplicaram-se 110 questionrios em um universo de 517 famlias

    cadastradas pelo INCRA no Assentamento. Inicialmente, nossa proposta era entrevistar 03

    (trs) pessoas por Ncleo de Base13, sendo um coordenador(a) e mais duas pessoas

    componentes do mesmo Ncleo (um homem e uma mulher), priorizando pessoas com

    trajetrias espaciais, sociais e econmicas mais densas.

    No primeiro Plano Safra (1997/1998)14do Assentamento eram 54 Ncleos de Base

    cadastrados. No Plano de 2003/2004 o Assentamento contava com apenas 38 ncleos

    (MONTEIRO, 2004), o que dariam 120 questionrios. No entanto, em 2005, no momento da

    aplicao dos questionrios, esses ncleos caram para 33 com o novo Plano Safra

    (2005/2006). Alguns tinham se unido, outros estavam desarticulados, alm do aparecimento

    de novas estruturas de representao poltico-econmica dos assentados que no seguiam a

    lgica de diviso por Ncleos de Base.

    Estes elementos modificaram a forma de aplicao do questionrio. Priorizou-se a

    distribuio por ruas da Vila mantendo uma eqidade entre os gneros. Diferenciamos

    aleatriamente a Vila em dois grandes blocos. Um que chamamos de A com 23 quadras,

    contendo 359 lotes. Outro que chamamos de B com 17 quadras, contendo 300 lotes.

    Aplicamos o questionrio em 16% dos lotes de cada bloco 103 no total e mais 7 que no se

    enquadram no A e nem no B (5 moram apenas no lote agrcola e no na Vila, 1 em

    situao irregular e por isso no tem endereo e 1 empregado no lote de um assentado). Esta

    distribuio est ilustrada no seguinte croqui:

    13

    Unidades bsicas de organizao dentro da escala interna dos acampamentos e assentamentos, prioritariamentemotivados para a organizao do trabalho, est dentro da concepo organizativa do MST.14Plano de financiamento do Governo Federal voltado para a Agricultura Familiar.

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    404

    MAPA DE DISTRIBUIO ESPACIAL DOS ENTREVISTADOS:VILA PALMARES II

    10

    05

    00

    n05

    15

    20

    25

    30

    s35

    w3540455055606570

    VilaPalmaresII

    AssentamentoPalmares

    NOTAS:01- FontedoMapa: INCRA/10/199602- ElaboraodoMapa: FabianoBringel &DannySousa03- DigitalizaoeLayout final: DannySousa, em01/2006.

    CREA-PArg.12.21404- BasedaVilaPalmaressemgeoreferenciamento.

    Alm disso, foram feitas seis entrevistas abertas com informantes-chave. Lideranas

    do Assentamento e do MST, educadores da Escola Crescendo na Prtica, assistentes tcnicos

    e o motorista da van que faz o trajeto de Palmares II at Parauapebas. Uma das entrevistas, a

    Figura 1 Croqui da distribuio espacial dos entrevistados na Vila Palmares II

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    414realizada com a diretora da Escola, se perdeu porque a fita que a continha era de m

    qualidade.

    2.2 LOCUS DA PESQUISA

    2.2.1 Contexto geral da regio Sudeste do Par

    A regio apresenta, em geral, um relevo acidentado com sua formao geolgica

    baseada em ncleos de rochas cristalinas (o que explica a incidncia de minerais na rea) e de

    rochas metamrficas antigas. Nesse tipo de formao ro