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A Performance e as Linguagens Artísticas Ana Flávia de Oliveira Barbosa Na década de 1960, surge uma nova modalidade artística interdisciplinar chamada de Performance Artística, que viria a combinar música, teatro, poesia, vídeo, com ou sem público. O artista, a obra e o público – ou a falta dele – são os elementos estéticos de uma performance, onde apenas a ação no tempo faz daquela performance uma obra de arte. A partir do momento em que ela chega ao fim, todo tipo de registro feito sobre ela já não pode ser caracterizado como uma performance. O importante é o corpo do artista no momento da ação, no momento em que a participação do público é convocada para além da mera contemplação da obra de arte. A obra “Salto no Vazio” de Yves Klein, que resume um pouco o início do pensamento performático e da arte conceitual. Klein, em um de seus trabalhos, usou três modelos como pincéis: três mulheres nuas pintadas de azul se esfregavam na tela para formar imagens, tudo isso acompanhado de uma orquestra que tocava uma sinfonia de uma nova só composta por ele mesmo. O trabalho de Marina Abramovic , conhecida como a avó das artes performáticas, também é uma referência nos dias de hoje. Ao lado de Ulay, seu companheiro de vida, ela transformou a performance num espaço de investigação dos limites e das possibilidades do corpo. Em performances como “Ritmo 0” (1974), no qual a artista se levou aos limites de seu corpo, chegando à conclusão de que o corpo consegue suportar dores absurdas uma vez que a mente esteja estável e focada. Em “Ritmo 0”, Marina se dispôs a ser vista como um objeto ao público, que teria liberdade de fazer com ela o que fosse durante 6 horas. Ela expôs em uma mesa objetos que a platéia poderia usar em seu corpo, desde pedaços de

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Page 1: G1 Interpretação

A Performance e as Linguagens Artísticas

Ana Flávia de Oliveira Barbosa

Na década de 1960, surge uma nova modalidade artística interdisciplinar chamada de Performance Artística, que viria a combinar música, teatro, poesia, vídeo, com ou sem público. O artista, a obra e o público – ou a falta dele – são os elementos estéticos de uma performance, onde apenas a ação no tempo faz daquela performance uma obra de arte. A partir do momento em que ela chega ao fim, todo tipo de registro feito sobre ela já não pode ser caracterizado como uma performance. O importante é o corpo do artista no momento da ação, no momento em que a participação do público é convocada para além da mera contemplação da obra de arte.

A obra “Salto no Vazio” de Yves Klein, que resume um pouco o início do pensamento performático e da arte conceitual. Klein, em um de seus trabalhos, usou três modelos como pincéis: três mulheres nuas pintadas de azul se esfregavam na tela para formar imagens, tudo isso acompanhado de uma orquestra que tocava uma sinfonia de uma nova só composta por ele mesmo.

O trabalho de Marina Abramovic , conhecida como a avó das artes performáticas, também é uma referência nos dias de hoje. Ao lado de Ulay, seu companheiro de vida, ela transformou a performance num espaço de investigação dos limites e das possibilidades do corpo. Em performances como “Ritmo 0” (1974), no qual a artista se levou aos limites de seu corpo, chegando à conclusão de que o corpo consegue suportar dores absurdas uma vez que a mente esteja estável e focada.

Em “Ritmo 0”, Marina se dispôs a ser vista como um objeto ao público, que teria liberdade de fazer com ela o que fosse durante 6 horas. Ela expôs em uma mesa objetos que a platéia poderia usar em seu corpo, desde pedaços de pão até correntes, pregos e até mesmo uma pistola carregada. O objetivo dessa performance era compreender o que o ser humano seria capaz de fazer dadas as circunstâncias na qual ela assumiria total responsabilidade pelo que acontecesse, inclusive sua morte. A artista relata que no início as pessoas pareciam tímidas: davam-lhe beijos no rosto, entregavam-lhe rosas. No entanto, com o passar do tempo, as pessoas começaram a ficar mais maldosas, cortando suas roupas com uma tesoura, cortando seu pescoço e bebendo seu sangue, abrindo suas pernas e colocando uma faca no meio, entre outras coisas. Ao final da performance, quando a artista voltou a se mover e a se portar como ela própria e não mais como um fantoche, ela conta que o público se sentiu completamente desconfortável, sem conseguir encará-la.

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Outra figura performática é Ana Mendieta, artista cubana cuja poética se voltou para estabelecer as relações entre território, corpo e rituais de santeria. Em uma de suas performances, ela pressiona placas de vidro dobre seu rosto, seios e barriga, provocando deformidades no corpo a fim de expor o abuso estético e a violência dos padrões de beleza. Seu objetivo era reagir à sua condição de mulher latina estereotipada por ideais de beleza super erotizado.

O que me interessa no trabalho de performers como essas é o fato delas usarem seus corpos como objeto de pesquisa para compreender o ser humano e, muitas vezes, reforçar seu papel como mulheres em uma sociedade tão marcada por questões machistas. No momento em que elas se permitem à nudez, o corpo despido se torna uma linguagem que vai além da vontade de chocar o público, mas especialmente de questionar e denunciar as atrocidades que as mulheres sofrem ao longo da história.

Acredito que as Performances têm um papel muito importante a desempenhar na nossa sociedade atual, pelo simples fato de que não há limites para os recursos que podem ser utilizados. Em uma sociedade “líquida”, na qual as fronteiras já não consegue mais conter o homem, os limites da música, do teatro, da arte e especialmente da sociedade e do homem se fundem na performance e são capazes de fazer com que o artista possa construir uma vida baseada em arte através de performances. Sem depender de um público ou de um espectador, como Marina Abramovic o fez em “The Lovers – The Great Wall Walk”, na qual ela e seu companheiro de vida e parceiro performático caminharam por dias pela Grande Muralha da China, partindo de pólos opostos, para se encontrarem no meio do caminho para terminarem sem casamento de anos. Nesse caso, não havia espectadores, a vida por si só era um ato artístico e uma necessidade da alma que culminava em uma performance após anos de trabalho.

Acredito que as performances importam muito no mundo em que vivemos, pois naquele momento da ação, elas têm a capacidade de nos inspirar, nos transformar, além de trazer um sentimento de catarse para o artista como para o espectador quando houver um, desde o seu processo às ferramentas utilizadas, como o ritmo, as palavras, a preparação, o conceito. Acredito que elas tragam para o cenário artístico uma plataforma de pesquisa que pode vir a validar idéias, ao invés de vendê-las de forma comercial como a arte acaba ficando sujeita hoje em dia. Ela faz com que a arte vá além dos limites do palco, além dos limites do público, ela quebra barreiras e provoca a sociedade de uma forma nova e intensa.