formaÇÃo docente: o chÃo da escola como espaÇo formativo entre saberes e … · 2018-03-24 ·...

40
FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E FAZERES Este painel apresenta os resultados de três pesquisas desenvolvidas em escolas da rede pública do estado do Rio Grande do Norte que partem do chão da escola e apontam redimensionamentos na formação docente. Todas são ancoradas em uma abordagem qualitativa, com uso de pesquisa de campo, observações da prática docente e seus impactos na formação do professor. O primeiro trabalho “Formação docente: quando o chão da escola se constitui em espaços formativos” investigou práticas docentes nos anos iniciais que revelam a existência de uma formação profissional fragmentada que não atende às demandas dessa etapa de ensino, uma vez que foi possível observar a ausência de conhecimentos específicos acerca da alfabetização que impactem significativamente na aprendizagem discente. O segundo trabalho “O professor alfabetizador: do processo de formação a interface entre saberes e fazeres docentes” Aponta reflexões sobre a formação do professor alfabetizador, a construção dos saberes e a mobilização desses nas práticas docentes ao considerar que não basta ter acesso aos conhecimentos teóricos, sem a mobilização destes no cotidiano escolar. Os dados empíricos foram coletados por meio entrevista coletiva realizada com três professoras que atuam nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. O último trabalho “A interpretação de textos de história: um processo formativo” versa sobre a utilização de textos em um processo de formação realizado com uma professora que leciona a disciplina história. Discute a interpretação de textos escritos no processo ensino- aprendizagem de história no Ensino Fundamental. Os resultados revelam aprimoramento do mapa de atividade como meio de ensino elaborado para ajudar os alunos a interpretar textos escritos de história. Portanto, os artigos que compõem esse painel evidenciam, por meio da pesquisa científica, perspectivas contemporâneas para a formação do professor por meio do diálogo de saberes em diferentes contextos. Palavras-Chave: Formação Docente, Saberes, Ensino-Aprendizagem XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 2240 ISSN 2177-336X

Upload: others

Post on 15-Aug-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO

FORMATIVO ENTRE SABERES E FAZERES

Este painel apresenta os resultados de três pesquisas desenvolvidas em escolas da rede

pública do estado do Rio Grande do Norte que partem do chão da escola e apontam

redimensionamentos na formação docente. Todas são ancoradas em uma abordagem

qualitativa, com uso de pesquisa de campo, observações da prática docente e seus

impactos na formação do professor. O primeiro trabalho “Formação docente: quando o

chão da escola se constitui em espaços formativos” investigou práticas docentes nos

anos iniciais que revelam a existência de uma formação profissional fragmentada que

não atende às demandas dessa etapa de ensino, uma vez que foi possível observar a

ausência de conhecimentos específicos acerca da alfabetização que impactem

significativamente na aprendizagem discente. O segundo trabalho “O professor

alfabetizador: do processo de formação a interface entre saberes e fazeres docentes”

Aponta reflexões sobre a formação do professor alfabetizador, a construção dos saberes

e a mobilização desses nas práticas docentes ao considerar que não basta ter acesso aos

conhecimentos teóricos, sem a mobilização destes no cotidiano escolar. Os dados

empíricos foram coletados por meio entrevista coletiva realizada com três professoras

que atuam nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. O último trabalho “A

interpretação de textos de história: um processo formativo” versa sobre a utilização de

textos em um processo de formação realizado com uma professora que leciona a

disciplina história. Discute a interpretação de textos escritos no processo ensino-

aprendizagem de história no Ensino Fundamental. Os resultados revelam

aprimoramento do mapa de atividade como meio de ensino elaborado para ajudar os

alunos a interpretar textos escritos de história. Portanto, os artigos que compõem esse

painel evidenciam, por meio da pesquisa científica, perspectivas contemporâneas para a

formação do professor por meio do diálogo de saberes em diferentes contextos.

Palavras-Chave: Formação Docente, Saberes, Ensino-Aprendizagem

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2240ISSN 2177-336X

Page 2: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

2

O PROFESSOR ALFABETIZADOR: DO PORCESSO DE FORMAÇÃO

À INTERFACE ENTRE SABERES E FAZERES DOCENTES

Francicleide Cesário de Oliveira Fontes/UERN

Keutre Gláudia da Conceição Soares Bezerra/UERN

RESUMO: Ao longo das últimas décadas o conceito de alfabetização tem sofrido

modificações e se ampliado no contexto da sociedade contemporânea, e com isso,

passa-se a exigir um novo perfil de professor alfabetizador, com uma formação ampla,

que tenha em seu alicerce uma base de conhecimentos específicos à docência nessa

etapa de ensino. São diversos os saberes que o professor alfabetizador deve construir e

mobilizar no cotidiano da sala de aula, de forma que busque promover as interfaces

entre os saberes construídos ao longo do processo de formação e desenvolvimento das

práticas docentes. Este artigo é resultante do recorte da pesquisa, institucionalizada pela

Universidade do estado do Rio Grande do Norte/UERN, intitulada: Saberes docentes

das alfabetizadoras que conseguem resultados positivos: trajetórias de formação e de

experiências, objetiva analisar a interface entre o processo de construção dos saberes de

professores alfabetizadores e os fazeres pedagógicos no cotidiano de sala de aula. A

metodologia está fundamentada na pesquisa qualitativa com investigação teórico-

bibliográfica e de campo. A primeira traz reflexões sobre a formação do professor

alfabetizador, a construção dos saberes e a mobilização desses nas práticas docentes. A

segunda trata-se de recortes dos dados da referida pesquisa, os quais foram construídos

a partir da realização de uma entrevista coletiva realizada com três professoras que

atuam nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Os resultados apontam que não

basta ter acesso a muitos sabres teóricos, se não sabem usar/mobilizá-los em sala de

aula, no seu cotidiano do fazer pedagógico. Por isso, a necessidade de haver uma

interface entre os saberes e os fazeres docentes, não só de professores alfabetizadores,

mas de todas as áreas.

Palavras-chave: Formação de professores alfabetizadores. Saberes docentes.

Mobilização de saberes.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este artigo objetiva analisar a interface entre o processo de construção dos

saberes de professores alfabetizadores e os fazeres pedagógicos no cotidiano de sala de

aula. É resultante do recorte da pesquisa, institucionalizada pela Universidade do Estado

do Rio Grande do Norte/UERN, intitulada: Saberes docentes das alfabetizadoras que

conseguem resultados positivos: trajetórias de formação e de experiências,

desenvolvida de outubro de 2012 a outubro de 2013.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2241ISSN 2177-336X

Page 3: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

3

A problemática que instigou esta produção foi a seguinte: De que forma

professores alfabetizadores conseguem fazer a interface entre os saberes docentes e o

seu saber fazer pedagógico? Para buscar respostas a nossa questão problema, adotamos

uma metodologia fundamentada na pesquisa qualitativa com investigação teórico-

bibliográfica e de campo. A primeira, com reflexões sobre a formação do professor

alfabetizador, a construção dos saberes e a mobilização desses nas práticas docentes. A

segunda, traz recortes dos dados da pesquisa supracitada, os quais foram construídos a

partir da realização de uma entrevista coletiva realizada com três professoras que atuam

nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, que aqui são nomeadas com os

seguintes pseudônimo, escolhidos por elas mesmas: Estrela, Sol e Pérola.

A entrevista coletiva, realizada nos dias 03 de janeiro e 22 de fevereiro de 2013,

foi dividida em duas seções denominadas de Experiência com a alfabetização de

crianças e Saberes do/a professor/a alfabetizador/a. Em cada uma das seções, contendo

perguntas específicas, as três professoras responderam estabelecendo um diálogo, já que

a entrevista coletiva tem essa característica. Neste trabalho, focalizamos apenas trechos

da entrevista em que as professoras se expressam sobre processo de formação, a

construção de saberes e a mobilização desses no cotidiano da alfabetização de crianças.

2 PROFESSOR ALFABETIZADOR NO BRASIL: HISTÓRIA DE FORMAÇÃO

Embora a atividade de ensino constitua-se como profissão docente no século

XVIII, inicialmente, não havia, de acordo com Fontes (2013), nenhuma preocupação

com a formação e com a qualificação dos professores, pois aqueles que sabiam ler,

escrever e contar, poderiam considerar-se aptos a exercer o cargo de professor, isso

porque não havia exigências sociais ou legais. A esse respeito, Imbernón (2002, p. 13),

vem afirmar que “[...] a profissão docente, [...] caracterizava-se pelo estabelecimento de

alguns traços em que predominava o conhecimento objetivo, o conhecimento das

disciplinas à imagem e semelhança de outras profissões. [...]”.

Em outras palavras, isso significa dizer que quem possuía um certo

conhecimento formal, tinha a capacidade de ensiná-lo. Além disso, bastava ter algumas

características profissionais como autonomia e capacidade de tomar decisões sobre os

problemas profissionais que surgem na prática docente. (IMBERNÓN, 2002).

No entanto, com o advento de uma sociedade permeada por um conjunto de

transformações de ordem política, econômica, social e cultural, tais características,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2242ISSN 2177-336X

Page 4: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

4

embora sejam necessárias, não são mais suficientes para compor a formação e o

repertório de saberes dos professores. Hoje, há a necessidade de o professor se adequar

às especificidades do contexto, buscando para a sua formação a capacidade de construir

uma visão de ensino não tão técnica, e ideia do inacabamento do conhecimento,

construído junto com/pelo aluno e não como forma de transmissão formal de um

conhecimento pronto, imutável e acabado, o que “[...] requer uma nova formação:

inicial e permanente [...]” (IMBERNÓN, 2002, p. 14).

Tratando-se da alfabetização, de acordo com Fontes (2013), a não preocupação

com a formação do professor estendeu-se por mais tempo, pois a concepção teórica

presente na escola e na sociedade era a de que alfabetizar crianças constituía-se em uma

atividade pedagógica que qualquer pessoa alfabetizada saberia realizar, já que era uma

atividade restrita ao ensinar o alfabeto, cuidar das crianças, “[...] ser paciente, carinhosa

e atenciosa. Não precisava estudar. [...]” (SAMPAIO, 2008, p. 19). Nessa forma de

compreender a concepção e a prática de alfabetização, não era necessário ao professor

uma formação ampla e muito menos construir seu repertório de conhecimentos e

saberes docentes específicos.

Sendo assim, havia, conforme Gauthier (1998), um ofício sem saberes. Isso

porque, para ser professora alfabetizadora, bastava conhecer o conteúdo (as letras do

alfabeto, codificá-las e decodificá-las), ter talento (saber ensinar, ter paciência com as

crianças), ter experiência (aprender na prática).

O processo de institucionalização da formação dos professores, preconizado por

Comenius, no século XVII, é concomitante ao desenvolvimento econômico, nos séculos

XIX e XX, tendo em vista que, nesse momento, a sociedade vivia o pós Revolução

Francesa, e passou a necessitar de uma mão-de-obra mais qualificada para atuar no

mercado de trabalho, sendo, pois, colocada à situação da instrução popular (SAVIANI,

2009; GARCÍA, 1999).

Nesse mesmo contexto, segundo García (1999), os sistemas nacionais de

educação e de ensino começam a desenvolver-se, e na Europa, foram criadas as Escolas

Normais, instituições responsáveis pela formação inicial dos professores do ensino

primário, as quais constituíram um espaço de afirmação profissional dos professores

com vistas a legitimar “[...] um saber produzido no exterior da profissão docente, que

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2243ISSN 2177-336X

Page 5: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

5

veicula uma concepção dos professores centrada na difusão e na transmissão de

conhecimentos [...]” (NÓVOA, 1997, p. 16).

No Brasil, a preocupação com a formação dos professores surge pela primeira

vez em meados da primeira metade do século XIX, com a Lei das Escolas de Primeiras

Letras, promulgada em 15 de outubro de 1827 que determina como exigência para o

preparo didático, o treinamento dos professores, tornando-os capazes de desenvolver o

método mútuo, às próprias custas. (SAVIANI, 2009; GATTI, 2010; FONTES, 2013).

Situamo-nos brevemente no contexto dos aspectos históricos da formação

docente no Brasil, através dos trabalhos de Tanuri (2000), Saviani (2009) e Fontes

(2013) que nos apontam que a formação dos professores para as escolas primárias no

Brasil surge baseada no modelo dos países europeus com a criação das Escolas

Normais, instituídas inicialmente, no Rio de Janeiro, em 1935, seguido pela maioria das

províncias, mas de forma intermitente, ou seja, sendo fechadas e reabertas

periodicamente.

Em seguida, escolanovistas (1932-1939), propuseram uma revisão nos padrões

tradicionais de ensino, associando este à pesquisa e indicando que os padrões de ensino

não seriam “ [...] mais programas rígidos, mas flexíveis, adaptados ao desenvolvimento

e à individualidade das crianças; [...]ensino ativo em oposição a um criticado

„verbalismo‟ da escola tradicional.” (TANURI, 2000, p. 72, grifos da autora).

No ano de 1939, em consequência da preocupação com a formação de docentes

para o Curso Normal, é criado, no Rio de Janeiro, o curso de Pedagogia, regularizado

através do decreto 1.190/1939 que organizou a Faculdade Nacional de Filosofia,

estruturada em quatro seções: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia e uma seção

especial, Didática. O curso de Pedagogia, à princípio, foi definido como um espaço para

o bacharelado, com possibilidade de obter o diploma, também, de licenciado.

Atualmente, a formação inicial do professor alfabetizador, conforme rege a

legislação, deve ser em nível superior e acontecer nos cursos de Pedagogia. Pois,

segundo Nóvoa (1997), a aprendizagem da profissão docente começa a acontecer nas

instituições de formação inicial, visto que estas caracterizam, “[...] Mais do que um

lugar de aquisição de técnicas e de conhecimentos, a formação de professores é o

momento-chave da socialização e configuração profissional. [...]” (NÓVOA, 1997,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2244ISSN 2177-336X

Page 6: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

6

p.18) e da construção de uma base de conhecimentos específicos à profissão docente,

uma vez que a formação não pode se dissociar da construção de saberes.

3 PROFESSOR ALFABETIZADOR: INTERFACES ENTRE SABERES E

FAZERES DOCENTES

Ao longo da história da formação dos professores alfabetizadores, percebemos a

ampliação do papel do professor dessa etapa de ensino, haja vista as novas

compreensões acerca da alfabetização e do processo de ensino-aprendizagem, são

(re)construídas com base nas pesquisas desenvolvidas, tanto no que se refere às

concepções e as práticas de alfabetização, como também do processo de formação

docente.

Tais (re)construções trouxeram como consequências ao trabalho docente na

alfabetização de crianças, a necessidade de construir uma diversidade de saberes

docentes (TARDIF, 2012; IMBERNÓN, 2002; FONTES, 2013) específicos ao processo

de alfabetização, uma vez que as crianças passaram a ser consideradas como sujeitos

ativos e participantes do processo de elaboração do próprio conhecimento (FERREIRO,

2001; FONTES, 2006; 2013). Deixando de ser considerada como um ser passivo que

apenas absorvia as informações que eram transmitidas pelo professor.

Dessa forma, uma das exigências com relação à formação inicial e continuada do

professor alfabetizador é a construção de uma base de conhecimentos específicos à

docência nessa etapa de ensino. São diversos os saberes que o professor alfabetizador

deve construir e mobilizar no cotidiano da sala de aula, para então promover as

interfaces entre os saberes construídos ao longo do processo de formação e

desenvolvimento das práticas docentes, o fazer docente.

Visando compreender essas interconexões, analisamos alguns trechos da

entrevista coletiva, enfatizado os enunciados das três professoras alfabetizadoras acerca

da construção dos seus saberes docentes e a mobilização desses em seu fazer

pedagógico.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2245ISSN 2177-336X

Page 7: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

7

As professoras colaboradoras compreendem a necessidade e importância dos

saberes docentes específicos ao processo de alfabetização das crianças e elencam alguns

saberes que ao longo de seu percurso de formação e de prática docente construíram e

continuam construindo.

422. Estrela: [...] Eu acho que específico mesmo da alfabetização é você ter

conhecimento do aluno de como ele chega na escola, o que ele precisa para

desenvolver sua aprendizagem. É necessário que o professor tenha esse

embasamento, tanto teórico, dos autores, como também o jogo de cintura

dele na sala de aula, como eu citei aí, de tipo, o que? Como o professor vai

se virar na sala de aula para que realmente esse aluno vá desenvolver, o que

é que eu vou trazer para meu aluno para ele avançar. (Trecho de enunciado

de Estrela – Entrevista coletiva).

No enunciado acima, a professora Estela chama a atenção para a necessidade de

uma série de saberes docentes, com múltiplos conhecimentos para o trabalho com a

alfabetização de crianças, vez que essas passam por um processo de

organização/reorganização do pensamento para construir/reconstruir os conhecimentos

acerca do processo de aquisição da língua escrita, das relações fonemas grafemas.

Conhecer os níveis de conhecimentos, as fases em que as crianças se encontram

no processo de aprendizagem da escrita, é um conhecimento básico e necessário ao

professor alfabetizador. As professoras, sujeitos da investigação, reconhecem essas

fases, baseadas nos conhecimentos práticos do seu fazer pedagógico como também

teórico, visto que durante a entrevista elas afirmam que Emília Ferreiro é uma das

teóricas na qual se baseiam para a construção de seus saberes. Além de conhecer os

níveis de aprendizagens das crianças, as professoras também consideram importante

valorizar os conhecimentos prévios, por reconhecerem que a escrita é um objeto cultural

e não um produto exclusivamente escolar, pois as atividades de interpretação e de

produção da escrita começam antes da escolarização (FERREIRO, 2001).

O jogo de cintura mencionado pela professora Estrela, o qual ela considera como

um saber, diz respeito à diversidade de saberes que o professor deve mobilizar no

cotidiano de sala de aula. Ou seja, a forma como deve agir mediante as situações

corriqueiras e inéditas que acontecem ao desenvolver as práticas pedagógicas

alfabetizadoras.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2246ISSN 2177-336X

Page 8: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

8

As professoras ainda revelam diversos saberes que construíram, sempre

deixando claro que esses não foram produzidos de forma estanque, mas ao longo de um

processo que envolve a relação teoria-prática. Essa postura reflexiva ratifica que os

saberes são organizados nessa relação entre a teoria e a prática, resultando de um

processo histórico de organização e elaboração de uma série de saberes pela sociedade

(GHEDIN, 2008).

As professoras dão bastante ênfase à necessidade de construir uma base de

saberes para fazer com que as crianças avancem. Para isso, a professora Estrela alerta

para a importância de ter uma diversidade de saberes.

420. Estrela: [...] porque o aluno tem vários níveis de aprendizagem na sala,

então, o professor ele tem que estar atento a esses saberes e saber o que

fazer com aquele aluno em cada nível e como a colega falou aí, estudar,

buscar e procurar saber o que fazer para que ele avance na leitura e na

escrita que são os principais e que todos se desenvolvam, porque a gente

sabe que tem aquele aluno que tem capacidade enorme de desenvolver, de

avançar e aquele outro que não. [...] Eu tenho que estudar e buscar a

maneira de como realizar essas atividades que vai fazer com que o aluno

avance, o que vai acontecer a aprendizagem. (Trecho de enunciado de

Estrela – Entrevista coletiva).

A compreensão de Estrela com relação às divergências entre a forma como os

alunos avançam na aprendizagem, revela a sua responsabilidade em fazer com que

todos avancem e se tornem sujeitos aprendizes do processo. Seu pensamento demonstra

que o fato dos conhecimentos não estarem dispostos de forma pronta e acabada,

favorece o repensar as práticas metodológicas adequadas aos diferentes níveis de

aprendizagens dos alunos, possibilitando a construção dos conhecimentos através de um

processo dinâmico.

O depoimento de Estrela confirma, também, a preocupação que as professoras

têm em consolidar essa base de saberes docentes, mesmo sabendo que uma vez

construídos não ficam definitivos, mas precisam ser reconstruídos cotidianamente no

movimento da práxis docente como reconhecem Lima e Gomes (2008), ao conceber o

professor como um sujeito que não se limita a reproduzir o conhecimento elaborado

pelos especialistas, mas procura fazer do seu próprio trabalho de sala de aula um espaço

de práxis docente e de transmissão humana.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2247ISSN 2177-336X

Page 9: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

9

Ao longo do diálogo estabelecido na entrevista coletiva com as professoras,

percebemos que elas mencionam diferentes habilidades ou aptidões, competências,

atitudes relacionadas ao trabalho do professor, isto é, aquilo que, ao ver de cada uma,

pertence aos saberes docentes indispensáveis à atuação como alfabetizadoras. Dentre os

saberes citados pelas professoras (mencionados no decorrer desta análise),

compreendemos que há saberes que são necessários aos docentes que atuam em todos

os níveis de ensino, como por exemplo: saber levar o aluno a pensar, refletir, saber que

o planejamento é flexível, saber fazer, saber como fazer, relacionar teoria e prática em

sala de aula, os saberes pedagógicos e disciplinares, etc. São saberes que fazem parte da

base de conhecimentos da docência de modo geral.

É importante que o trabalho do professor tenha como pré-requisito esse conjunto

de saberes, conforme as professoras apresentam em seus discursos em ocasião da

realização da entrevista coletiva, mostrando que para a atuação na docência é

indispensável que se leve em consideração os saberes e o conhecimento sobre a

docência, aquilo que os professores devem saber. Devem fazer e compreender para

transformar o processo de ensino-aprendizagem em uma forma de trabalho que mobilize

essa diversidade de saberes e, com isso, tenha como propósito, dar sentido as situações

próprias das práticas pedagógicas e ao mesmo tempo, visando alcançar êxito nas ações

desenvolvidas, seja no que diz respeito a gestão da classe, dos conteúdos, dos processos

de aprendizagem, constituindo um conjunto de saberes que fundamenta as ações do

professor nos contextos educacionais.

Consideramos relevante para o desenvolvimento de práticas exitosas, a

compreensão da necessidade da construção dos saberes para empregá-los e mobilizá-los

em sala de aula visando conseguir resultados positivos em seu fazer pedagógico.

Saberes como os relacionados ao processo de ensino aprendizagem das crianças no que

diz respeito ao letramento, aos aspectos específicos da alfabetização, a leitura e a

escrita, como por exemplo, o conhecimento acerca das hipóteses do desenvolvimento da

língua escrita descritos por Ferreiro (2001) e Ferreiro e Teberosky (1999) são

característicos do processo de alfabetização.

Conhecer as hipóteses da evolução da língua escrita, propostas por Ferreiro

(2001) e Ferreiro e Teberosky (1999), é um dos saberes indispensáveis ao professor

alfabetizador, uma vez que as crianças alfabetizandas, em seu processo de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2248ISSN 2177-336X

Page 10: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

10

aprendizagem passam por fases. Para que essas sejam respeitadas é fundamental que o

professor as conheça a fim de possibilitar atividades relacionadas ao nível de

aprendizagem de cada aluno, respeitando os seus saberes e fazendo com que esses

avancem, de modo que possibilite ao professor a mediação dos conhecimentos em

construção para consolidá-los, ampliá-los e construir novos conhecimentos, conforme

sugere Vigotski (2007) ao compreender a necessidade do avanço da zona de

desenvolvimento proximal para o desenvolvimento real.

Nesse processo de construção da aprendizagem da criança, as professoras

enunciam que os conhecimentos teóricos específicos acerca da alfabetização, do

letramento, da leitura e da escrita são indispensáveis à base de saberes docentes de

professores alfabetizadores. Assim como as professoras, consideramos que esses são

conhecimentos de extrema necessidade para quem atua na alfabetização de crianças,

visto que não podemos perder de vista a íntima relação entre alfabetização e letramento,

que, embora constituam dois processos distintos, com suas dimensões próprias, são

considerados inseparáveis, conforme defendem Soares (2012) e Leite (2010), ao

compreenderem o atendimento das demandas da sociedade letrada, repleta de eventos e

práticas de letramentos.

Os dados gerados pela entrevista coletiva tornam visível a compreensão das

professoras acerca da relação, na prática, dos conhecimentos sobre o letramento e a

alfabetização.

É interessante observar que, ao mencionarem os diversos saberes mobilizados no

cotidiano do seu trabalho pedagógico, as professoras consideram indispensável que o

alfabetizador saiba organizar os seus saberes para adequá-los ao saber fazer e ao saber

como, considerando a realidade da vivência dos alunos, diagnosticando as necessidades

desses, de modo que, o direcionamento das suas práticas vão ao encontro da adequação

das estratégias metodológicas conforme os níveis, condições de aprendizagens e

particularidades de cada um.

É importante compreender que para uma prática pedagógica alfabetizadora que

visa obter resultados positivos é indispensável à mobilização desse conjunto de saberes

docentes ora especificados. Porém é válido lembrar que os saberes por si sós, não

garantem o sucesso na alfabetização das crianças, é necessário que os professores

medeiem os processos de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita nos contextos de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2249ISSN 2177-336X

Page 11: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

11

letramento, ou seja, que saibam fazer as interconexões entre os saberes e o saber fazer

no cotidiano de sala de aula.

Outro saber avaliado pelas professoras como indispensável à profissão docente é

a construção da autonomia em sala de aula. Essa autonomia a que referem-se é tanto

com relação aos conhecimentos a serem construídos com os alunos, como também ao

que diz respeito a questões disciplinares dos alunos. E segundo as professoras, é

construída também ao longo da carreira docente, com base nos conhecimentos

específicos a profissão que dão suporte a agir com autonomia em sala de aula.

A esse respeito, podemos perceber que o fato de conversarem sobre a rotina de

trabalho de alfabetizadoras, elas conseguiram explicitar sobre as mudanças

significativas no fazer docente que revelam como se formaram autônomas:

595. Sol: E assim, antes eu tinha essa mania de tudo chamar a diretora.

Antes, assim, eu não tinha essa autonomia de resolver as coisas, acho que a

questão de conhecimentos mesmo, eu achava que diretor tinha que resolver

essas coisas, [...].

596. Pérola: Antigamente sim, hoje já não é mais assim, já mudou. (Trechos

de enunciados de Sol e Pérola – Entrevista coletiva)

Com base nos enunciados das professoras, a produção dos conhecimentos

específicos à docência e a consolidação dos saberes docentes das professoras

alfabetizadoras contribuíram para a construção da autonomia em sala de aula. Tanto no

sentido de domínio dos conhecimentos, o que faz com que consigam buscar estratégias

de resoluções das situações do cotidiano escolar com mais facilidade, como também no

sentido de saber dominar sua própria sala de aula sem medo, sem buscar interferência

da gestão escolar. Desse modo, passa a assumir o seu “[...] compromisso moral a partir

da autonomia, não de obediência, porque não é possível resolver os conflitos e dilemas

senão a partir da autonomia dos mesmos. [...]” (CONTRERAS, 2002, p.79).

Ainda analisando os saberes docentes das alfabetizadoras, elas trazem um dado

interessante acerca da questão do compromisso com a docência, com o ensino

aprendizagem das crianças, mostrando que a formação por si só não traz resultados

exitosos. Na compreensão delas, para saber alfabetizar crianças, não basta ter títulos, é

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2250ISSN 2177-336X

Page 12: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

12

indispensável consolidar saberes docentes que tornem os professores capazes de agir

diante das situações de aprendizagens. Estas se apresentam de forma complexas, pois

não há uma receita pronta para alfabetizar, mas desafios a serem vivenciados e vencidos

cotidianamente através de circunstâncias inéditas que ocorrem e precisam ser resolvidas

com base nas experiências e nos conhecimentos dos professores.

Além dos saberes indicados, é preciso também ter responsabilidade com a

profissão, competência no desenvolvimento das ações, afetividade com as crianças. É

importante, também, o conhecimento acerca do planejamento das ações a serem

desenvolvidas em sala de aula, levando em consideração o conhecimento de como fazer,

ou seja, planejar a aula para saber o que fazer e como fazer, como buscar estratégias

metodológicas para fazer as crianças ficarem atentas aos conteúdos da aula, para

avançarem no seu processo de desenvolvimento da aprendizagem.

Assim, compreendemos que, diariamente, são mobilizados diversos saberes nas

práticas docentes para que as crianças progridam em seu processo de construção do

conhecimento, que avancem de um nível de aprendizagem para outro, que os

professores, de fato, consigam resultados exitosos no processo de ensino-aprendizagem.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade contemporânea, permeada por um conjunto de transformações de

ordem política, econômica, social e cultural, vem, desde o final do século XX, tornando

o mundo interligado, e com isso, emerge o que hoje conhecemos por sociedade do

conhecimento e da informação. Esse cenário de transformações, exige dos profissionais

de todas as áreas uma formação ampla, considerando todas as dimensões humanas, e

continuada, de forma que, busque atender às novas demandas sociais, o que solicita uma

sólida formação, alicerçada em uma base de conhecimentos específicos à docência e as

especificidades da área de atuação para que assim, possa acontecer as interfaces entre os

saberes construídos e o acontecer das práticas pedagógicas.

Assim, as análises revelam que não basta saber, ou seja, não é suficiente ter

acesso a muitos sabres teóricos, se não sabem usar/mobilizá-los em sala de aula, no seu

cotidiano do fazer pedagógico. Por isso, a necessidade de haver as interconexões entre

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2251ISSN 2177-336X

Page 13: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

13

os saberes e os fazeres docentes, não só de professores alfabetizadores, mas de todas as

áreas.

Em outras palavras, consideramos que os saberes por si sós, não garantem o

sucesso na alfabetização das crianças, é necessário que os professores, além de saber,

precisam saber fazer, ou seja, precisa saber mobilizar os saberes docentes para mediar

os processos de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita nos contextos de

letramento.

As análises apontam, ainda, que as conexões entre o saber e o saber fazer

acontecem embasadas em uma formação sólida que consolida uma base de saberes

docentes, reconstruídos cotidianamente no movimento da práxis docente. Ou seja, é

através do movimento de busca de saberes e na ação refletida de sua prática que o

professor consegue interconectar seus saberes e fazeres docentes.

REFERÊNCIAS

COLELLO, Silvia Mattos Gasparian. Alfabetização em questão. Rio de Janeiro: Paz e terra,

2004.

CONTRERAS, José. Autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

FONTES, Francicleide Cesário de Oliveira. Análise teórico-metodológica do trabalho

com a língua escrita na educação infantil. 2006. 97 f. Monografia (Especialização em

Formação do Educador). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN, Pau

dos Ferros, 2006.

______. Saberes docentes mobilizados na alfabetização de crianças: percursos de

práticas exitosas. Mossoró/RN, 2013. 221f. Dissertação (Mestrado em Educação)

Programa de Pós-Graduação em Educação/POSEDC, Universidade do Estado do Rio

Grande do Norte, 2013.

______. Saberes docentes das alfabetizadoras que conseguem resultados positivos:

trajetórias de formação e de experiências. Pau dos Ferros: GEPPE/DE/CAMEAM/UERN,

2012.

FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

______; TEBEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. Ed.2. Porto Alegre: Artes

Médicas, 1999.

GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de Professores – Para uma mudança educativa. Porto:

Porto Editora, 1999.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2252ISSN 2177-336X

Page 14: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

14

GATTI, Bernardete A. Formação de professores no Brasil: características e problemas.

Educação e Sociedade. Campinas/SP, v. 31, n. 113, out.-dez. 2010. p. 1355-1379. Disponível

em <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em 02 maio 2013.

GAUTHIER, Clermont et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o

saber docente. Ijuí/RS: Editora UNIJUÍ, 1998

GHEDIN, Evandro. Professor reflexivo: da alienação técnica à autonomia da crítica. In:

PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese

e crítica de um conceito. 5. ed. São Paulo, 2008.

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: forma-se para a mudança e a

incerteza. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002

LEITE, Sérgio Antônio da Silva. Alfabetização: em defesa da sistematização do trabalho

pedagógico. In: ARANTES, Valéria, Amorim. Alfabetização e letramento: pontos e

contrapontos. São Paulo: Sammus, 2010.

LIMA, Maria Socorro Lucena; GOMES, Marineide de Oliveira. Redimensionando o

papel dos profissionais da educação: algumas considerações. In: PIMENTA, Selma

Garrido; GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de

um conceito. 5. ed. São Paulo, 2008.

NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. In: ______. (Org.). Os

professores e a sua formação. 3. ed. Porto/Portugal: Porto Editora, 1997.

SAMPAIO, Carmen Sanches. Alfabetização e formação de professores: aprendi a ler (...)

quando misturei todas aquelas letras ali.... Rio de Janeiro: Wak Ed., 2008

SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no

contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação. V. 14 n. 40 jan./abr. 2009. pp.143-155.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. ed. 6. São Paulo: Contexto, 2012

TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de

Educação. Nº 14, Mai/Jun/Jul/Ago 2000. pp 61-88.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 13. ed. Petrópolis: Vozes,

2012.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos

psicológicos superiores. Ed. 7. São Paulo: Martins e Fontes, 2007.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2253ISSN 2177-336X

Page 15: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

15

A INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS DE HISTÓRIA: UM PROCESSO

FORMATIVO

Maria da Paz Cavalcante

[email protected]

Neste trabalho se discute acerca da interpretação de textos de história em um processo

de formação docente, realizado com uma professora da área da História. Objetiva

refletir sobre a interpretação de textos (escritos) de história no processo ensino-

aprendizagem, no Ensino Fundamental, nessa área de conhecimento. Optou-se pela

pesquisa colaborativa e se empregou como procedimento os Ciclos de Estudos

Reflexivos. Os resultados revelam uma reflexão e aprimoramento de um meio de ensino

– mapa da atividade –, construído para auxiliar os alunos do Ensino Fundamental (anos

finais) a interpretar textos escritos de história. Ele é constituído de temática e de um

sistema de ações. Nesse sistema há as ações de ler, explicitar o que se encontra

manifesto e obscuro, bem como criticar, com uma atenção para com o desenvolvimento

da consciência histórica crítica do educando. Esse mapa recebeu um aprimoramento na

modalidade da escrita (no intuito de facilitar a aprendizagem do aluno), no processo

formativo realizado com a professora citada. As reflexões apresentadas podem se

constituir em elementos geradores de ressignificação das atividades docente e discente

no ensinar e aprender História. Este estudo integra as reflexões de uma tese de

doutoramento, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Palavras-chave: Interpretação de texto. Ensino de História. Formação docente.

Introdução

A História e o seu ensino são essencialmente formativos, todavia essa

disciplina possui uma complexidade e nível de abstração que se configura em uma das

dificuldades para o aluno compreendê-la. A essa dificuldade acrescentamos: o pouco

estabelecimento de vínculos, de relações, de contrastes, de negações, de generalizações

entre os diversos fatos abordados; a insuficiente vinculação entre o ensino de História e

a promoção do desenvolvimento humano e a complexidade que envolve a interpretação

de textos e o desenvolvimento da consciência histórica crítica do aluno. Há, ainda,

outras dificuldades relacionadas a fatores como visão social da história, sua função

política e a formação dos professores.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2254ISSN 2177-336X

Page 16: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

16

Como para compreendermos a história precisamos promover a sua

interpretação, esta favorece a realização de uma melhor apreensão da história, inerente a

um percurso de orientação temporal e cultural da existência humana, permitindo ao

indivíduo se perceber historicamente situado e agir de modo intencional. Nesse sentido,

a interpretação é constitutiva da consciência histórica, pois ela “[...] permite traduzir as

experiências passadas em compreensão do presente e expectativas de futuro”. (PINTO;

BARCA, 2011, p. 82).

A interpretação possibilita uma visão abrangente sobre temas, problemas e

ideias. Sem dúvida, isso se constitui em um exercício a ser dominado no ensino de

História. Estudos como o de Kern (2001), Pozo e Angón (1998) nos oferecem uma

discussão sobre a interpretação de textos de natureza histórica, com um tratamento dado

à interpretação de modo operativo, no processo de ensino e de aprendizagem. Tais

aportes, junto aos Parâmetros Curriculares Nacionais de História (1998) e a produção de

Eco (1993), possibilitaram-nos construir o que denominamos de mapa da atividade, que

diz respeito a um meio de ensino para auxiliar o aluno a interpretar textos escritos de

história e desenvolver a sua consciência histórica crítica.

O processo de ensino e de aprendizagem, desenvolvido em História, pode

contribuir para o aluno aprender a interpretar textos, desenvolvendo essa modalidade de

consciência – esta, apreendida como um processo psíquico do ser humano, de

convocação do passado para compreender o presente e desenvolver perspectivas de

futuro no âmbito pessoal e social no sentido de mudanças e transformações

(CAVALCANTE, 2014, p. 18) – isso, permite-nos pensar um trabalho que pode ocorrer

na forma de interpretações de experiências do tempo, expressas em textos produzidos

com uma finalidade didática de serem utilizados para o ensinar e o aprender.

Nosso interesse para com a apropriação pelo aluno da interpretação de

textos dessa área de conhecimento e o desenvolvimento dessa consciência, conduziu-

nos às proposições de Rüsen (2001, 2006, 2010) e Barca (2008, 2011) sobre a

consciência histórica e Freire (2007) referente à consciência histórica crítica.

Assim, a interpretação de texto (escrito) de história está sendo

compreendida como um procedimento psíquico que exige as ações de ler, explicitar o

que se encontra manifesto, como também obscuro, e realizar a crítica evocando o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2255ISSN 2177-336X

Page 17: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

17

passado para compreender o presente e presumir o futuro na perspectiva de mudanças e

transformações. (CAVALCANTE, 2014, p. 17).

Nessa direção, objetivamos refletir sobre a interpretação de textos (escritos)

de história no processo ensino-aprendizagem, no Ensino Fundamental, na área da

História. Para isso, enveredamos por construções teóricas de autores, acima citados, e

discorremos sobre o processo de investigação realizado com a pesquisa colaborativa.

Interpretação de textos: algumas construções teóricas

Os textos de história contêm valiosas informações e sua interpretação pode

nos permitir tornar mais rica as nossas reflexões sobre a historicidade neles presentes. A

caracterização dada à interpretação tem uma longa história no pensamento ocidental

derivada da atribuição de instituir o significado da Palavra de Deus. As palavras

interpretação e interpretar, segundo Orlandi (1996), datam do meio do século XII,

mesmo sendo a interpretação única e dada pelo mestre (na determinatio).

Segundo Eco (1993), quando um texto é produzido para uma comunidade

de leitores, quem o produziu, “sabe que será interpretado/a não segundo suas intenções,

mas de acordo com uma complexa estratégia de interações que também envolve

leitores, ao lado de sua competência na linguagem enquanto tesouro social” (ECO,

1993, p. 79-80). E acrescenta, a interpretação de um texto envolve: “(i) sua

manifestação linear; (ii) o leitor que lê segundo o ponto de vista de uma determinada

Erwartungshorizon; e (iii) a enciclopédia cultural compreendendo uma determinada

língua e a série de interpretações anteriores do mesmo texto” (ECO, 1993, p.168).

O conhecimento que dispomos para interpretar um texto está situado em

uma determinada comunidade cultural, em que estamos inseridos, e relacionado com as

convenções culturais expressas na linguagem. Esses elementos envolvem o ato

interpretativo sem desconsiderar o sistema léxico da época quando o texto foi produzido

e a sua origem cultural.

No âmbito do ensino de História, as construções teóricas que discutem a

interpretação de textos, dessa área (História), ainda são restritas. Autores como: Kern

(2001), Pozo e Angón (1998) nos oferecem discussões que passaremos, sinteticamente,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2256ISSN 2177-336X

Page 18: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

18

a abordá-las trazendo, em seguida, alguns aspectos presentes nos Parâmetros

Curriculares Nacionais de História (1998).

Kern (2001) sugere alguns procedimentos básicos, dirigidos para os alunos

que pretendem trabalhar com textos teóricos, sobretudo, de historiadores, visando à

análise e à interpretação desses textos para uma compreensão da importância da

memória histórica de uma época, dos grupos e indivíduos de uma sociedade.

Assim, o passo inicial ocorre com a primeira leitura do texto. Essa,

destinada ao reconhecimento do conteúdo textual devendo, assim, o aluno buscar uma

visão global e uma apreensão do todo.

Nas leituras posteriores, mais aprofundadas (não estabelecidas quantas), é

iniciada a seleção analítica que permitirá o destaque das informações, visando à sua

posterior compreensão.

Após, esses momentos de leitura, ocorre a análise crítica, iniciando pela

interrogação sobre a qualidade das informações que os textos sugerem no tocante à

discussão teórica dos historiadores. Para isso, as informações podem ser hierarquizadas

por ordem de importância e um destaque é dado aos temas que não foram

convenientemente relacionados e as lacunas são detectadas.

Em seguida, ocorre a explicitação de tudo o que é manifesto, o

esclarecimento das ideias pouco claras, a procura do que está subentendido, o destaque

dos elementos implícitos e os pontos obscuros do texto –, acrescentando informações

que facilitarão a compreensão. Dando continuidade, são conceituadas as expressões

típicas do jargão teórico dos historiadores. Fatos, nomes e datas são, também,

esclarecidos.

A produção de comentários analíticos que se segue (após o exposto)

apresenta três partes: introdução, desenvolvimento e conclusão. Pensar a análise e a

interpretação, nesse processo, é vê-las de tal forma imbricadas, de modo que é difícil

precisar onde começa e termina uma e outra.

Kern (2001), ao nos apresentar a aplicação criteriosa dessa série de

procedimentos para a análise e interpretação de textos teóricos, leva-nos a refletir que a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2257ISSN 2177-336X

Page 19: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

19

sua aplicabilidade pode produzir resultados quanto ao domínio da interpretação, não

somente, na área da História.

Pozo e Angón (1998), também, apresentam-nos procedimentos para

reflexão sobre a interpretação nessa área (além de outras). Ao discutirem sobre a

solução de problemas, como conteúdo procedimental, oferecem cinco tipos de

procedimentos requeridos para a solução de um problema, quais sejam: aquisição da

informação; interpretação da informação; análise da informação e realização de

inferências; compreensão e organização conceitual da informação, bem como,

comunicação da informação.

Em cada um desses procedimentos são requeridos subgrupos de

procedimentos. Contudo, não necessariamente, os procedimentos devem ser

considerados, para a sua aplicação, na ordem sequencial oferecida (POZO; ANGÓN,

1998). Esses autores justificam que essa sequência pode ser útil para compreendermos

melhor os procedimentos que os alunos devem adquirir para ser capazes de resolver

problemas nas áreas da Matemática, Conhecimento do Meio Social, Estudos Sociais e

Ciências da Natureza.

Compreendendo a importância que tem cada procedimento e a relação deles

entre si, deter-nos-emos, mais especificamente, no segundo procedimento denominado

de interpretação da informação.

Após o procedimento denominado de aquisição da informação, que “seriam

todos aqueles procedimentos relacionados com a busca, coleta e seleção da informação

necessária inicialmente para definir e elaborar o problema e, mais tarde, resolvê-lo [...]”

(POZO; ANGÓN, 1998, p. 147), é chegada a hora de interpretar a informação. Ou seja:

“codificá-la ou traduzi-la para um novo código ou linguagem com a qual o aluno esteja

acostumado e a qual possa vincular a nova informação recebida”. (POZO; ANGÓN,

1998, p. 149).

Os procedimentos para a interpretação da informação, segundo esses

autores, são os seguintes: decodificação da informação, aplicação de modelos para

interpretar situações, uso de analogias e metáforas para interpretar a informação.

O primeiro procedimento – da decodificação da informação – se refere à

tradução ou transformação da informação que ocorre de acordo com dois tipos de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2258ISSN 2177-336X

Page 20: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

20

procedimento de decodificação: o intercódigo (verbal-gráfico, verbal-numérico, gráfico-

verbal) e o intracódigo.

O segundo procedimento, chamado de aplicação de modelos para interpretar

situações, os alunos devem usá-lo para dar significado às suas aprendizagens. Esse

procedimento ocorre considerando a: “recepção/compreensão da aplicação de um

modelo a uma situação real; aplicação de um modelo a uma situação real; execução da

aplicação de um modelo a uma situação real” (POZO; ANGÓN, 1998, p. 150).

O último procedimento da interpretação diz respeito ao uso de analogias e

metáforas para interpretar a informação. Nele, devemos considerar, para o seu

desenvolvimento, a recepção/compreensão de analogias e metáforas e a

ativação/produção de analogias e metáforas.

O fato de ser necessário ensinar os alunos a resolver problemas específicos

de cada área não significa, segundo Pozo e Angón (1998), que cada área deva enfrentar

o ensino da solução de problemas desvinculado do que ocorre em outras áreas. A

solução de problemas, com seu caráter procedimental, por meio da interpretação da

informação, exige que os discentes atuem realizando passos de acordo com um plano,

orientado para o alcance de uma meta.

No documento, Parâmetros Curriculares Nacionais de História (1998, p. 65),

a interpretação aparece associada à crítica, expresso nos seguintes termos: “as

interpretações dos alunos acerca das relações interpessoais, sociais, econômicas,

políticas e culturais, presentes no mundo de hoje e em realidades históricas distintas,

devem ser cada vez mais críticas [...]” visando a uma aprendizagem que excede o

domínio de informações.

Embora não especificando como procedermos para realizar a interpretação,

esse documento (1998) nos diz que, no estudo da História, no momento de

escolarização quando os alunos se encontram nos últimos anos do Ensino Fundamental,

podem ser abordados temas com base em uma perspectiva mais geral e teórica. Sinaliza

para considerarmos que as interpretações são edificadas tomando por base estudos de

realidades concretas (situadas no tempo). Para interpretar esses temas, o aluno precisará

considerar as respectivas épocas, da construção do que sobre eles se encontram

documentados.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2259ISSN 2177-336X

Page 21: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

21

As discussões, apregoadas por essas autorias, sinalizam para uma

compreensão de que é bastante complexo o problema da interpretação. Tais produções

nos oferecem elementos sobre interpretar que podemos direcionar, com devidos ajustes,

ao ensino no nível fundamental.

Ao encontrarmos, nessas construções teóricas, a leitura de texto como uma

invariantei comum, adotamos a terminologia leitura, compreendendo-a “[...] como

prática social, específica de uma comunidade, os modos de ler inseparáveis dos

contextos de ação dos leitores, as múltiplas e heterogêneas funções da leitura ligadas aos

contextos de ação desses sujeitos. (KLEIMAN, 2004, p. 15).

Tomando por base o exposto, construímos o que denominamos de mapa da

atividade (meio de ensino) para ensinar alunos do Ensino Fundamental (anos finais) a

interpretar textos de história e ajudá-los a desenvolver a consciência histórica crítica.

Esse mapa será apresentado no decurso da análise/reflexão que se segue. Ele foi

operacionalizado em uma turma de 8o ano do Ensino Fundamental de uma escola

públicaii. Antes de seu desenvolvimento, realizamos momentos de formação com uma

professora de História, em preparação às aulas com o uso desse mapa. O que

apresentamos, adiante, são algumas das reflexões que tivemos em um desses momentos

formativos.

Interpretar textos de história: busca de aprimoramento para o aluno

No processo metodológico da investigação, atuamos com a pesquisa

colaborativa e utilizamos como procedimento os Ciclos de Estudos Reflexivos. Para

isso, contamos com a participação da professora Dulce (codinome), graduada em

História, que leciona essa disciplina, nos anos finais do Ensino Fundamental, em uma

escola pública do Estado do Rio Grande do Norte.

Nesses ciclos ocorreram estudos sobre interpretação de textos de História e

consciência histórica, dentre outras temáticas. A nossa intenção, com esses estudos, foi

proporcionar à docente uma preparação que lhe permitisse melhor realizar o processo

ensino-aprendizagem de forma que o aluno aprendesse a melhorar a sua interpretação de

textos de História, desenvolvendo a sua consciência histórica crítica.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2260ISSN 2177-336X

Page 22: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

22

Dentre os encontros realizados, abordaremos um, realizado no dia 30 de

março de 2011, no qual foi desenvolvido a temática A interpretação de textos de

história no ensino e na aprendizagem (CAVALCANTE, 2014)iii

. Nesse encontro,

discutimos sobre a constituição do mapa da atividade e convertemos a modalidade da

escrita de algumas ações desse mapa.

Quando começamos o nosso diálogo, dirigimo-nos à partícipe, Dulce,

dizendo:

Da Paz: – Dulce, o que você acha de estudarmos esse texto como fizemos no

encontro anterior: com leitura silenciosa e pontuação daquilo que desejarmos

discutir com mais afinco? Ou você quer apresentar alguma sugestão?

Dulce: – Pode ser conforme o estudo anterior.

Da Paz: – Então, hoje, antes de iniciarmos a leitura gostaria de saber se você

tem alguma necessidade para melhor realizar a interpretação de texto de

história com seus alunos.

Dulce: – Até hoje, nessa minha experiência de 25 anos de sala de aula,

ensinando História, Português, Matemática, Ciências (porque eu já ensinei no

Ensino Fundamental – anos iniciais, também) você encontra várias

metodologias, estratégias de trabalhar (principalmente em Língua

Portuguesa), mas dentro da História eu procuro e não sei. A não ser lendo,

discutindo, debatendo essa História, levando o aluno a pensar, a construir

suas respostas.

O anseio, a curiosidade e o interesse, expressos nessa fala, foram ao

encontro do nosso empenho no atendimento a essa necessidade da docente – de uma

metodologia, diferente da que vinha usando para melhor desenvolver a interpretação de

textos nas aulas de História. Apreendemos, ainda, que com estas palavras ler, discutir,

debater, pensar e construir respostas (relacionadas ao aluno), no ensino de História, a

partícipe revelava uma preocupação com a aprendizagem e desenvolvimento da

expressão oral e do pensamento do discente. Continuando o diálogo perguntamos:

Da Paz: – Como você tem trabalhado a interpretação de textos de história?

Dulce: – Você pega um livro de História e você vê muitos textos [...]. Então,

sempre trabalhei com a interpretação de textos. Gosto de pedir: vamos lendo

todo este texto; vão depois fichando aí o que vocês acharem mais importante.

Depois, voltamos discutindo essa leitura todinha. Como, também, trabalho

dessa forma: coloco um tema lá, que tem subtópicos, e peço para cada aluno

ler um subtópico. E os outros, com seus livros, vão acompanhando a leitura

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2261ISSN 2177-336X

Page 23: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

23

do colega. Após a leitura de um subtópico vou discutir: O que foi isso? Como

foi? Quem participou? Qual o objetivo? Para ver se eles realmente

entenderam. Tenho trabalhado dessa forma porque acho que isso aí é uma

forma de interpretar. Se ele terminou de ler e sabe responder alguma das

perguntas que eu vou sempre fazendo, dentro daquela leitura, eu entendo isso

aí como uma interpretação. Quando não, porque têm muitos que dizem: não

entendi nada! Então, vamos ler de novo! Aí, às vezes, eu mesmo faço aquela

leitura, até moderadamente, para ver se eles vão compreendendo os pontos.

Trabalho assim...

A leitura, para essa partícipe, aparece como algo relevante, pois quando os

alunos demonstram não entender o texto, ela é retomada. Quanto à leitura, por

subtópicos, ela nos disse que, assim procedia, devido haver resistência dos alunos para

lerem textos longos, bem como a ausência de concentração deles, por muito tempo, na

leitura desses textos. Isso nos fez refletir mais sobre o que vínhamos pensando: de

começarmos as aulas, fazendo uso de textos pequenos para facilitar a compreensão dos

alunos. Podendo, posteriormente, utilizarmos textos mais longos.

Referente a essa leitura por subtópicos e, em seguida, uma discussão,

consideramos importante lembrar que, dentre as ações constituintes do procedimento da

interpretação, é preciso o aluno realizar uma primeira leitura do texto de forma integral

para ter uma visão global do todo; fazendo o reconhecimento de alguns aspectos como a

data de elaboração do texto e o título. Posteriormente, vêm outras leituras nas quais se

vai explicitar o que se encontra manifesto e obscuro e realizar a crítica. O modo como a

professora realiza, gera um entendimento fragmentado do conteúdo em estudo. Já

quando ela pede que os discentes leiam todo o texto, façam fichamento para, depois,

acontecer a discussão, isso pode favorecer o processo interpretativo.

Após esse momento, iniciamos uma leitura silenciosa do texto acima citado.

Concluída essa modalidade de leitura, prosseguimos com o diálogo:

Da Paz: – Dulce, há algo que você gostaria de destacar? Ou algum ponto que

lhe chamou atenção ou que mereça questionamento?

Dulce: – Quanto a uma parte que fala sobre os Parâmetros Curriculares

Nacionais de História eu acho, pelas leituras que eu tenho dele que há algo

vago... Aqui, nesse texto, você fala que ele diz assim: que as interpretações

dos alunos acerca das relações interpessoais, sociais, econômicas, políticas e

culturais, presentes no mundo de hoje e em realidades históricas distintas,

devem ser cada vez mais críticas. Mas, de que forma esse aluno deve fazer,

construir essa crítica? O que deve observar? Como o professor deve proceder

para que o aluno aprenda a criticar?

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2262ISSN 2177-336X

Page 24: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

24

Da Paz: – Esse documento (PCN) não discute como procedermos para

realizar a interpretação. Ele nos sugere um trabalho com temas e que, para

interpretá-los, o aluno precisará considerar as respectivas épocas, da

construção do que sobre esses temas há documentado. E, já que você pensa a

crítica, como fazermos um trabalho com ela na interpretação de textos de

história? Sobre isso, vamos poder lhe oferecer uma sugestão, pois, a

interpretação de textos de história que propomos, considera a crítica.

Continuando, dissemos-lhe:

Da Paz: – Dulce, como você conhece seus alunos, pergunto: há uma

probabilidade de o aluno sentir muita dificuldade em operacionalizar o mapa

da atividade?

Dulce: – Eu penso que sim...

Da Paz: – Eu estive pensando em convertermos a escrita de algumas ações

desse mapa em perguntas. Para vermos se fica mais compreensível para o

aluno. O que você me diz?

Dulce: – Eu acho que sendo feito em forma de questões ficava mais fácil para

os alunos irem buscando as respostas.

A partir desse momento, detivemo-nos (professora de História e

pesquisadora) na tentativa de converter a modalidade da escrita, de algumas ações do

mapa da atividade, em forma de questionamentos. E ele ficou assim:

TEMÁTICA SISTEMA DE AÇÕES

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2263ISSN 2177-336X

Page 25: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

25

Espaço

reservado aos

temas a

serem

estudados.

1 FAÇA UMA PRIMEIRA LEITURA DO TEXTO, NO SEU TODO, E

RECONHEÇA:

A data de elaboração do texto.

Informações sobre o (a/os/as) autor (a/es/as) que escreveu/escreveram o texto.

Título do texto.

Diga, por escrito, do que trata o texto.

2 FAÇA UMA SEGUNDA LEITURA OU LEITURAS POSTERIORES E DIGA:

Quais as ideias principais do texto? (pode observar isso por tópicos ou por partes do

texto).

Que relações têm essas ideias umas com as outras? Justifique!

O texto retrata a cultura da época em que foi produzido? (costumes, modos como

vivem as pessoas no período em que o texto foi escrito etc).

Quando aconteceu esse fato ou acontecimento histórico e o que acontecia naquele

período histórico?

Destaque o que você não entendeu do texto (ideias, ou fatos, ou nomes, ou datas).

3 ESCLARECENDO AS DÚVIDAS:

Esclareça o que não ficou compreendido no texto.

Defina conceitos-chave e termos específicos de teor histórico, desconhecidos.

4 CONSTRUINDO A CRÍTICA

Qual é a posição do (a/os/as) autor (a/os/as) em relação ao conteúdo do texto?

Dê a sua opinião sobre as ideias apresentadas pelo (a/os/as) autor (a/os/as) no texto.

Para você, qual a contribuição desse fato ou acontecimento histórico para a vida? Fonte: Elaborado com base em Eco (1993), Kern (2001), Pozo; Angón (1998) e Parâmetros Curriculares Nacionais

de História (1998).

Nessa reescrita, as ações passaram a apresentar uma expressão mais direta

quanto a requerer do aluno uma resposta. Com essa reescrita, tivemos o cuidado na

manutenção do sentido original desse meio de ensino.

Apreendemos que o modo como ficou escrito o mapa da atividade, melhor

atenderia às necessidades de aprendizagem dos educandos – considerando que eles

apresentavam dificuldades para interpretar textos de história.

Ao atuarmos nesse processo formativo com a docente, utilizamo-nos do

diálogo para partilhar experiências de ensino e de aprendizagem numa relação com o

referencial teórico adotado.

Considerações finais

O aprimoramento, na formação da professora Dulce, esteve na tessitura

dessa trajetória investigativa, ao lado da nossa atenção para com um ensino de História

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2264ISSN 2177-336X

Page 26: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

26

que possibilite ao discente interpretar textos de história desenvolvendo a sua

consciência histórica crítica.

Reconhecemos que a educação desempenha um papel estratégico em uma

sociedade como a brasileira que tem como um dos maiores desafios a concretude de

ações sobre a qualidade, especificamente, na escola pública que se apresenta como

única possibilidade real de educação para as classes trabalhadoras e populares.

Nesse contexto, o ensino de História tem contribuições a oferecer na

compreensão histórica dos fenômenos, no tomar como referência questões sociais e

culturais, problemáticas humanas e inquietações relacionadas a como interpretar o

mundo.

A possibilidade educativa da História é fundamental na formação do

homem, no seu desenvolvimento individual e coletivo respeitando o equilíbrio entre a

esfera dos interesses e necessidades individuais e as exigências da coletividade. Isso

ocorre, mediante experiências de aprendizagem, de intercâmbio e atuação que

requeiram modos de pensar e fazer que tribute para o desenvolvimento da consciência

histórica crítica dos educandos.

A contribuição oferecida por essa investigação converge para pensarmos um

ensino de História que considere o entendimento da necessidade de uma reflexão crítica

sobre a história, que inicie o discente nos procedimentos da produção do conhecimento

histórico – a exemplo da interpretação de textos, numa relação com o desenvolvimento

da consciência histórica crítica do educando – apontando necessidades, anseios,

possibilidades e limites da construção da história humana.

Um processo de ensino e de aprendizagem, com a interpretação de textos de

história e atento ao desenvolvimento dessa modalidade de consciência, porta uma

possibilidade de ressignificação nas atividades docente e discente, cujo mapa da

atividade pode se constituir em um contributo relevante.

Por fim, destacamos a importância de momentos de formação, articulados à

prática pedagógica, no aprimoramento profissional docente e produção do

conhecimento.

Referências

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2265ISSN 2177-336X

Page 27: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

27

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: história. Brasília: MEC/SEF, 1998. (5

a

a 8a séries).

BARCA, I. Estudos de consciência histórica em Portugal: perspectivas de jovens

portugueses acerca da história. In: ______. (Org.). Estudos de consciência histórica na

Europa, América, Ásia e África. JORNADAS INTERNACIONAIS DE EDUCAÇÃO

HISTÓRICA, 7., 2008, Braga. Actas... Braga: UM, 2008. p. 47-53.

______. Narrativas históricas de alunos em espaços lusófonos. In: ______. (Org.).

Educação e consciência histórica na era da globalização. Centro de Investigação em

Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho. Braga, 2011. p. 7-27.

CAVALCANTE, M. P. Ensinar e aprender história na relação dialética entre

interpretação e consciência histórica. 2014. Tese (Doutorado em Educação) –

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014.

ECO, H. Interpretação e superinterpretação. Tradução MF. São Paulo: Martins

Fontes, 1993.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

2007.

KERN, A. A. Os textos teóricos sobre a História: análise crítica e interpretações.

Histórica: Revista da Associação dos Pós-Graduandos em História, Porto Alegre, n.

5, p. 09-20, 2001.

NUÑEZ, I. B. Vygotsky, Leontiev, Galperin: formação de conceitos e princípios

didáticos. Brasília: Liber Livro, 2009.

ORLANDI, E. P. [1942]. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

PINTO, H.; BARCA, I. “Leitura” de fontes patrimoniais como evidência histórica:

perspectivas de alunos. In: BARCA, I. (Org.). Educação e consciência histórica na

era da globalização. Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação,

Universidade do Minho. Braga, 2011. p. 79-96.

POZO, J. I.; ANGÓN, Y. P. A solução de problemas como conteúdo procedimental da

educação básica. In: POZO, J. I. (Org.). A solução de problemas: aprender a resolver,

resolver para aprender. Tradução Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artmed, 1998.

p. 139- 156.

RÜSEN, J. [1983]. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência

histórica. Tradução Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de

Brasília, 2001.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2266ISSN 2177-336X

Page 28: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

28

______. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão.

Práxis Educativa, Ponta Grossa, PR, v. 1, n. 2, p. 07-16, jul./dez. 2006. Disponível em:

< http:// dialnet.unirioja.es/servlet/fichero_articulo?codigo=2677066>. Acesso em: 30

mar. 2012.

______. Jörn Rüsen e o ensino de história. In: SCHMIDT, M. A.; BARCA, I.;

MARTINS, E. R. (Org.). Curitiba: Ed. UFPR, 2010.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2267ISSN 2177-336X

Page 29: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

29

FORMAÇÃO DOCENTE: QUANDO O CHÃO DA ESCOLA SE CONSTITUI

EM ESPAÇO FORMATIVO

Disneylândia Maria Ribeiro (UERN)

Maria da Conceição Costa (UERN)

RESUMO

Esse trabalho é recorte da pesquisa intitulada: “O desafio de ensinar a leitura e a escrita

no contexto do ensino fundamental de nove anos”, centrada no acompanhamento de

crianças, em fase de alfabetização, em turmas de 1º ao 4º ano, na perspectiva de

diagnosticar entraves e construir estratégias para entrada na leitura e escrita. Nessa

análise, as práticas dos professores que lecionaram nessas turmas situadas em uma

escola da rede municipal de ensino do estado do Rio Grande do Norte, também foram

investigadas e apontaram possibilidades formativas. Para tanto, assumiu-se uma

abordagem qualitativa desdobrada em pesquisa de campo, observações da prática

docente e registros em diários de campo subsidiados por discussões que ajudaram a

repensar as mudanças nas práticas docentes, partindo das demandas reais do ensino e da

aprendizagem, como possibilitadoras de redimensionamentos na formação dos

professores. Após análise dos dados, identificou-se uma formação profissional

fragmentada que não atende às reais necessidades dos anos iniciais do ensino

fundamental, em que conhecimentos básicos acerca do processo de alfabetização

infantil necessitam ser discutidos e impactarem de forma significativa no manejo com a

heterogeneidade nos anos iniciais. Diagnosticou-se ainda, a necessidade de políticas de

acompanhamento do trabalho dos professores para que as situações de ensino e

aprendizagem sejam continuamente registradas e avaliadas conforme as necessidades

apresentadas pelas crianças. Vislumbrou-se ainda, a escrita como instrumento de

autoformação docente, uma vez que a insistência em registros mais detalhados acerca da

aprendizagem dos alunos provocaram avanços significativos na organização e

sistematização de ideias por parte do professor.

Palavras-chave: Formação docente. Educação básica. Ensino superior.

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, analisam-se os processos formativos de três professorasiv

que

lecionaram em turmas do 1º ao 4º ano, no período de 2011 a 2014. Essas docentes

acompanharam alunos em seus processos de aprendizagens em uma escola da rede

pública municipal do estado do Rio Grande do Norte de forma concomitante à

participação na pesquisa: O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino

fundamental de nove anosv. A análise dos processos formativos destas professoras

revelou impactos das práticas docentes destas profissionais em seus processos

formativos que serão detalhados no decorrer deste artigo.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2268ISSN 2177-336X

Page 30: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

30

Sobre a formação das professoras inseridas na pesquisa, a P1 leciona nos anos

iniciais desde 2011 e concluiu o curso de Pedagogia, no Campus Avançado Professor

João Ismar de Moura – CAJIM, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte -

UERN, em 2007. A P2 concluiu o curso de Pedagogia em 2003, também na UERN, no

Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia - CAMEAM, na

modalidade Programa de Formação de Professores em Exercício – PROFORMAÇÃO e

trabalha há 23 (vinte e dois) anos no Ensino Fundamental. A P3 é licenciada em Letras,

desde 1997, pela entidade pública municipal, Faculdade de Formação de Professores de

Belo Jardim/PE, com 29 (vinte e nove) anos de experiência docente, e destes, 05 (cinco)

voltados ao magistério nos anos iniciais. Atualmente, está cursando Pedagogia através

do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR.vi

Em meio à heterogeneidade docente traduzida nos diversos posicionamentos

em sala de aula, nas variadas formas de condução do trabalho pedagógico influenciado

por correntes históricas predominantes em educação, identificaram-se vários fatores,

dentre eles: A identificação de uma formação profissional fragmentada que não

corresponde às necessidades reais no contexto do ensino fundamental de nove anos; a

necessidade de políticas de acompanhamento do trabalho docente e a escrita do

professor como instrumento de autoformação no cotidiano escolar.

2 METODOLOGIA

A trajetória investigativa desta pesquisa implicou em encontros semanais em

que se discutiam as práticas das professoras alfabetizadoras e seus redimensionamentos

na perspectiva de inserir as crianças na escrita. Esses encontros se efetivavam com a

participação de bolsistas vii

– alunos da graduação dos cursos de Pedagogia e Letras do

CAMEAM/UERN, pós-graduandos do Mestrado em Letras do mesmo Campus e

profissionais da educação básica de uma escola da rede pública do município de Pau dos

Ferros/RN, dentre estes, quatro professores que lecionavam em turmas de 1º ao 4º ano,

um docente que trabalhava no laboratório de informática, além de uma coordenadora

pedagógica que acompanhava as respectivas turmas.

As crianças que no ano de 2011 e 2012 ingressaram no 1º ano do Ensino

Fundamental na escola municipal campo de pesquisa, 22 (vinte e duas) em 2011 e 28

(vinte e oito) em 2012, são também consideradas sujeitos desta pesquisa. Tal

consideração dá-se pelo fato destas terem sido acompanhadas em suas aprendizagens

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2269ISSN 2177-336X

Page 31: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

31

pelos pesquisadores descritos no parágrafo anterior, até a finalização do ano letivo de

2014, período em que cursavam o 3º e o 4º ano, respectivamente. Embora este artigo

trate especificamente, dos professores que lecionaram nas turmas em que as referidas

crianças estudaram.

Em termos de abordagem metodológica, a qualitativa foi adotada por

possibilitar a “[...] partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de

pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são

perceptíveis a uma atenção visível” (CHIZZOTTI, 2011, p. 28). Os registros dos

bolsistas ao acompanharem as crianças realizando atividades que facilitassem a

alfabetização, bem como, elaborando dados acerca da prática das professoras

alfabetizadoras, constituíram parte dos instrumentos de pesquisa. As atividades eram

aplicadas considerando uma escuta minuciosa e criteriosa estendendo-se à análise da

prática docente em sala de aula em um processo em que docência e discência eram

pesquisadas e se redimensionavam. Através dessa escuta, sistematizaram-se registros

em diários de campo, relatórios, ilustrações gráficas e tabelas que organizam dados

acerca do objeto de estudo investigado. A interpretação dos registros foi realizada com

base em pesquisadores do campo da formação docente como Demo (2002), Pimenta e

Anastasiou (2002), Pimenta e Lima (2005/2006) e Pozo (2002) à luz do Projeto

Curricular do Curso – PPC (2012) e da estrutura curricular que norteou a formação das

referidas professoras.

3 RESULTADOS

Conforme já enfocado em parágrafos anteriores, da análise das práticas

pedagógicas das professoras que lecionaram nas turmas de 1º ao 4º ano, diagnosticaram-

se vários fatores, dentre eles: A identificação de uma formação profissional fragmentada

que não atende às necessidades reais no contexto do ensino fundamental de nove anos; a

necessidade de políticas de acompanhamento do trabalho docente e a escrita do

professor como instrumento de autoformação.

3.1 A formação profissional fragmentada

Retomando a formação das professoras, já informada na introdução deste

trabalho, a P1 e a P2 serão mais focadas por ambas terem cursado graduação na mesma

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2270ISSN 2177-336X

Page 32: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

32

instituição de ensino superior e pelo fato da estrutura curricular contemplar os anos

iniciais. A divergência entre as matrizes curriculares das referidas professoras se assenta

na distinção da carga horária das disciplinas em aulas presenciais e vivenciais na

estrutura curricular que a P2 teve acesso. Na organização dos componentes curriculares

do PROFORMAÇÃO, cursado pela P2, as aulas são divididas em presenciais e

vivenciais, a carga horária prática nem sempre encaminha os alunos para investigações

de temáticas na educação, que culmine em um Trabalho de Conclusão de Curso – TCC

que as discuta com aprofundamento teórico. O próprio formato dessa licenciatura é

criticado pelo seu caráter aligeirado, embora se tenha registro de muitos trabalhos

significativos nesse programa. Identifica-se apenas a disciplina Processo de

Alfabetização voltada aos anos iniciais.

Em ambas as matrizes, os componentes curriculares estavam divididos nas

respectivas áreas: Fundamentos da Educação, Instrumentalização Pedagógica e

Formação Profissional, de forma que as disciplinas específicas e prática de ensino,

situavam-se nos semestres finais do curso. A organização curricular não oportunizava

aos graduandos disciplinas optativas que permitissem aprofundamento em áreas

específicas. A habilitação Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, na

licenciatura noturna, cursada pela P1, contemplava disciplinas sobre alfabetização,

dentre elas: Fundamentos Linguísticos para a Alfabetização e Currículo na Educação

Infantil e Séries Iniciais.

Essas matrizes reforçam a fragmentação disciplinar reconhecida no PPC de um

dos cursos de Pedagogia da UERN, na modalidade noturna, graduação da P1 e da P2,

semelhante à matriz curricular do curso de Pedagogia do PARFOR, cursado pela P3. No

corpo do texto do referido PPC, concluído em 2012, aponta-se: “a frágil formação

teórico-metodológica, desarticulação entre teoria e prática e dificuldade na

implementação de práticas formativas de cunho interdisciplinar” (PPC, 2012, p. 28).

A atual estrutura curricular do curso de Pedagogia substituiu a matriz curricular

cursada pela P1, que foi reformulada atendendo a critérios postos no próprio PPC: A

não obrigatoriedade de todas as disciplinas; A contemplação dos espaços não escolares;

A distribuição dos Estágios Supervisionados durante toda a graduação. Quanto à relação

teoria e prática, o PPC assim assinala: “Há uma tendência acentuada para o ensino de

conteúdos que englobam apenas conceitos, princípios, regras ou fatos, contribuindo para

uma formação generalista, centrada no racional, na abstração e na distância da prática”

(PPC, 2012, P.27). Os componentes curriculares foram categorizados tendo como

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2271ISSN 2177-336X

Page 33: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

33

referência o estudo adotado por Anastasiou (2006), de forma que as disciplinas foram

organizadas nos seguintes campos temáticos: Introdutórias, Fundamentos,

Aprofundamentos e Específicas, agrupadas em três núcleos: Estudos básicos voltado à

atuação profissional e à multiculturalidade social, Estudos de Aprofundamento e

diversificação que compreende áreas de aprofundamento profissional e Estudos

integradores que objetiva possibilitar o enriquecimento curricular.

No que se refere às áreas de conhecimento voltadas à aprendizagem infantil,

identifica-se: No campo das disciplinas obrigatórias, Teorias Lingüísticas e

Alfabetização (60 h); Alfabetização e Letramento (60 h); Concepções e Práticas da

Educação Infantil e Literatura e Infância (60 h). No campo das disciplinas optativas

encontra-se um componente curricular intitulado: Leitura, Escrita e Resolução de

Problemas Matemáticos (60 h). Existem componentes curriculares que possibilitam

atividades investigativas, do segundo ao terceiro períodos da graduação, como as

Práticas Pedagógicas Programadas – PPPs (45 h cada), operacionalizadas através do

estudo de temáticas que envolvem o cotidiano das escolas. Com objetivo semelhante,

também existem os Seminários Temáticos Sobre o Ensinar e o Aprender I e II (60 h),

desenvolvidos no quinto e sexto períodos do curso.

Essa matriz contempla componentes curriculares quantitativamente

significativos voltados ao ensino nos anos iniciais. Os Estágios Supervisionados I, II e

IIIviii

, se resumem a 20 horas de observações semanais da prática docente e 40 h de

regência. Apesar dos estágios supervisionados e as disciplinas voltadas aos ensinos

possibilitarem discussões sobre o trabalho pedagógico nos anos iniciais, são notórias as

dificuldades docentes, principalmente, ao sistematizarem dados referentes à

aprendizagem infantil. Essas dificuldades apontam ainda, para revisões nos Estágios

Supervisionados que nem sempre propiciam experiências significativas para os

graduandos. Revelam ainda, que não basta que o Estágio Supervisionado atravesse o

curso enquanto componente curricular, o formato deste necessita ser reformulado.

Reportando-se ao estágio como atividade de pesquisa Pimenta e Lucena (2005/2006) se

posicionam afirmando que este “[...] precisa ser assumido como horizonte ou utopia a

ser conquistada no projeto dos cursos de formação [...]” (PIMENTA e LIMA

2005/2006, P. 03). Não basta que o currículo disponha de disciplinas voltadas à prática,

é necessário analisar as relações estabelecidas entre essas e como são trabalhadas.

A atual reformulação curricular do curso de Pedagogia da universidade em que

a P1 e a P2 cursaram graduação, em um dos textos apresentados no PPC aponta para

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2272ISSN 2177-336X

Page 34: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

34

essa mínima relação entre os componentes curriculares, o que justifica a própria

reformulação feita, conforme se percebe no texto a seguir: “A fragmentação do fluxo

curricular constitui-se em outra diferença apresentada entre a realidade da UERN e a

proposta idealizada nas políticas públicas para a formação do pedagogo”. (PPC, 2012,

p. 27).

Essa fragmentação no currículo anterior a reformulação curricular foi, em

parte, minimizada pela implementação de componentes curriculares como as PPPs que

desde o segundo período inserem os alunos nos espaços escolares e não escolares

através de atividades investigativas. Tem sido constante a elaboração de projetos

coletivos envolvendo professores de determinado período, inserindo os alunos, através

de bolsas de iniciação cientifica, em atividades de pesquisa e extensão, embora ainda

predomine nos Programas Gerais de Componentes Curriculares - PGCCs, referências

que denunciam adesão a determinados estudos restritos que encaminham os alunos para

investigarem temáticas analisadas pelo professor formador.

A necessidade de uma formação que contemplasse saberes específicos acerca

da alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental também foi identificada entre

as

professoras inseridas na pesquisa através de frases como “Preciso saber mais e de

forma detalhada sobre a aprendizagem das crianças, preciso estudar mais sobre isso e

sinto que o curso de pedagogia pode me oferecer essa fundamentação”ix. Tal

necessidade contribuiu para que a P3, buscasse uma segunda licenciatura em pedagogia,

pela modalidade PARFOR, uma vez que sua primeira graduação contempla a formação

do licenciado em Letras em Português e Inglês, não dispondo de disciplinas voltadas

aos anos iniciais, por não ser a habilitação especifica do curso, embora acople

fundamentos linguísticos, sociológicos, filosóficos e psicológicos.

3.2 A necessidade de políticas de acompanhamento do trabalho docente

Além da autoformação, essa pesquisa tem apontado para a necessidade de

políticas de acompanhamento do desempenho da docência em espaços escolares como

algo que se configura como pertinente de forma que as entidades mantenedoras das

escolas se propusessem a priorizar, para além das questões políticas, a aprendizagem

como contínua. Que o acompanhamento da aprendizagem dos alunos não se resumisse à

elaboração de planos de ensino, mas que cada criança fosse considerada em suas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2273ISSN 2177-336X

Page 35: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

35

subjetividades em meio à heterogeneidade discente. Esse acompanhamento, além de

benéfico à educação básica, se consolida como motivador para o trabalho dos

professores. Durante um encontro profissional, uma professora assim se posicionou:

O curso da minha vida era direito, mas depois que entrei no projeto eu

comecei a me achar na minha área. Achava que era um professor que não

fazia diferença, não me acrescentava em nada [...]. Sempre me achava muito

ruim na graduação e nunca acreditei na educação, achava que o que a

graduação oferecia era muito pouco, mas agora pretendo ingressar num

mestrado na área educacional (informação oral)x.

Despindo-se do caráter “redentor” de determinadas pesquisas em educação,

nessa fala, a identidade docente é entendida como um processo contínuo, em que o

professor posiciona-se diante do que identifica e interpreta, atribuindo significado à sua

atividade. Esse posicionamento confunde-se, no caso da professora citada, com sua

própria história de vida e as concepções de ensino que possui. A esse respeito, Pozo

(2002) defende que “a possibilidade que um professor tem de mover seus alunos para a

aprendizagem depende em grande parte de como ele mesmo enfrenta sua tarefa de

ensinar” (p. 145). Com base nesse relato, acrescenta-se, que o sucesso escolar dos

alunos associado à melhor compreensão da prática docente contribui para essa

motivação.

As políticas de acompanhamento do trabalho desenvolvido nos anos iniciais

passam a ser uma demanda da própria operacionalização das bases legais do ensino

fundamental de nove anos. Na pesquisa da qual este artigo resulta, esse

acompanhamento vem apontando possibilidades de melhorias na educação básica, seja

contribuindo para uma maior compreensão acerca da legislação vigente nos anos

iniciais, ou através dos benefícios que tem trazido tanto em relação à aprendizagem

discente, cotidianamente direcionada, quanto a reflexões sobre a docência e seus

processos formativos.

Os processos formativos dos professores necessitam ser redimensionados no

contexto das suas práticas, consideradas as demandas reais de aprendizagem das

crianças nem sempre compreendidas no contexto das discussões teóricas da formação

inicial docente, bem como, as mudanças impactantes advindas do mercado, dos avanços

tecnológicas e das inúmeras pesquisas no campo cognitivo que exigem conhecimento

por parte dos professores.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2274ISSN 2177-336X

Page 36: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

36

3.3 A escrita como instrumento de autoformação

A escrita como instrumento de autoformação do professor foi apontada tanto

em relação à quantidade de registros produzidos acerca das crianças em seus processos

de aprendizagem, quanto à qualidade dos mesmos. A insistência em diagnósticos de

aprendizagem mais completos e minuciosos contribuíram para avanços na escrita do

professor, tanto no que se refere à organização de ideias escritas, quanto na elaboração

de critérios a serem considerados na avaliação da aprendizagem das crianças, fossem

eles ligados à oralidade, leitura ou escrita no contexto dos anos iniciais.

Os relatos gerais sobre a aprendizagem dos alunos, geralmente elaborados no

início e no final do ano letivo, foram se transformando em sistematizações mais

detalhadas e direcionadas que permitiram identificar avanços e recuos na vida estudantil

das crianças e consequentemente, progressos nas práticas avaliativas docentes,

impactando diretamente na formação dos professores envolvidos na pesquisa.

Concorda-se com Demo (2002) ao compreender a autoformação nessa perspectiva: “O

conceito de autopoiesexi

- autoformação ou autoconstituição – sugere que o ser vivo é

autogerativo e auto-regenerativo, no sentido de que possui dinâmica autônoma que o faz

construir e constantemente reconstruir sua trajetória de vida”. (DEMO, 2002, p. 1).

Compreende-se que essa autogestão deve ser ampliada no sentido de não

isolamento dos demais fatores externos ao sujeito, mas que este consiga compreender o

lugar que ocupa em meio aos contextos. Implica olhar a si mesmo, em uma perspectiva

crítica, desde que o outro também esteja inserido nessa complexa rede formativa. Para

além de uma formação isolada, o trabalho pedagógico necessita ser compreendido

coletivamente e a aprendizagem das crianças, consequentemente, uma preocupação

também coletiva independente de quem esteja conduzindo o trabalho em sala de aula.

Desse modo, compreende-se a formação profissional docente para além da

racionalidade tecnicista, em que a dimensão técnica do trabalho, necessária à sua

operacionalização, dialogue com os contextos em que o ensino e a aprendizagem se

desenvolvem. Incentivar os professores a melhor direcionar seus registros acerca das

crianças e a elaborar seus materiais didáticos, organizar banco de dados e discutir

temáticas reais emergentes em sala de aula, é algo repleto de complexidade que convida

o docente a assumir sua profissão como parte de um processo em constante construção.

Nessa perspectiva, docência e discência se entrecruzam num contínuo

reflexivo, em que as marcas dos processos formativos dos professores se imbricam

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2275ISSN 2177-336X

Page 37: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

37

quando estes refletem sobre suas ações profissionais. Um processo em que, por um

lado, analisam-se as diversas formas de entrada da criança na escrita e por outro lado, se

depara com uma escrita que também possibilita reposicionamentos docentes,

caracteristicamente autoformativa.

Essa autoformação também é identificada nas mudanças de posicionamentos

dos professores que se despedem de lamentações históricas acerca dos problemas que

afligem os anos iniciais e se permitem construir estratégias de trabalho. Embora essas

nem sempre garantam resultados significativos, possibilitam

questionamentos/discussões que coletivamente os fazem progredir profissionalmente. A

autoformação docente pode ser pensada em uma perspectiva dialógica entre o pensar e o

fazer cotidiano nos contextos de ensino e aprendizagem, compreendidos como práticas

sociais. Refletir sobre a autoformação nessa perspectiva remete ao caráter

epistemológico da identidade profissional, analisada por Pimenta e Anastasiou (2002,

p.77), assim edificada:

[...] Pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à

atividade docente no seu cotidiano, com base em seus valores, em seu modo

de situar-se no mundo, em sua história de vida, em suas representações, em

seus saberes, em suas angústias e anseios, no sentido que tem em sua vida o

ser professor. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, P. 77).

É um processo de construção de identidade profissional imbricado na própria

subjetividade docente em seus anseios e incertezas próprias ao desdobramento da

prática em seus locus investigativos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises apresentadas enfocam de forma direta, os processos de formação

docente que ganham outra roupagem através de demandas reais advindas do cotidiano

das escolas, seja revelando lacunas no processo formativo dos professores, ou

apontando para progressões na formação profissional dos que se debruçam sobre a

aprendizagem das crianças respeitando suas singularidades em meio às

heterogeneidades em salas de aula. Nessas análises, o curso de Pedagogia foi o mais

discutido tendo em vista que duas professoras (P1 e P2) concluíram essa licenciatura e a

outra docente (P3) está cursando o referido curso. As matrizes curriculares às quais as

professoras (P1 e P2) tiveram acesso não mais correspondem às demandas nem mesmo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2276ISSN 2177-336X

Page 38: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

38

quanto ao campo de atuação do pedagogo, atualmente habilitado a atuar em espaços

escolares e não escolares e a assumir a gestão e a supervisão dos processos educativos.

Diagnosticar que alguns licenciados em Pedagogia que atuam na Educação

Infantil e nos anos iniciais, não apresentam domínio de conhecimentos específicos à

alfabetização, enquanto a docência se constitui uma das atuações do pedagogo, causa

questionamentos acerca de como as licenciaturas, nesse caso, a Pedagogia, estão

desenvolvendo e avaliando seu trabalho tendo como uma de suas referências os egressos

deste curso. Essas fragilidades formativas atingem além dos professores que atuam nos

anos iniciais, parte dos que lecionam na licenciatura em pedagogia e não estabelecem

pontes entre a educação básica e as temáticas investigadas no ensino superior. Como

sugestão as licenciaturas, nesta pesquisa, aponta-se que na escolha de professores para o

magistério superior, estes possam estar vinculados à atividades de pesquisa nos anos

iniciais para que pontes possam ser estabelecidas entre a educação básica e o ensino

superior. Essa sugestão é válida também para modalidades como o PARFOR, em que

dentre os critérios de escola docente, fosse acrescentado que o professor formador

desenvolvesse pesquisa em salas de aula, aproximando as discussões efetivadas no

decorrer da disciplina às demandas emergentes do ensino e da aprendizagem.

Da mesma forma que se defende que o professor habilitado a lecionar nos

iniciais deva estar preparado para lidar com a complexidade do processo de

alfabetização, também se reforça que os professores formadores destes, devem estar

aptos a exercer profissionalmente seu papel. Se o currículo nas escolas de educação

básica deve ser menos fragmentado, o do ensino superior também deve romper com

essa compartimentalização. Isso remete também a análise do ingresso de professores no

magistério do ensino superior e às políticas universitárias que nem sempre garantem a

permanência de seus recursos humanos, fragmentando assim, o trabalho pedagógico.

Na atual estrutura curricular da graduação em Pedagogia, cursada pela P1 e P2, a

existência de componentes curriculares como os Estudos Acadêmicos Introdutórios (I,

II e III), as Práticas Pedagógicas Programadas - PPPs (I, II e III), Os Seminários sobre o

Ensinar e o Aprender (I e II) e a disciplina Introdução à Pedagogia, tem sido

significativa. Tais disciplinas têm atendido à necessidade de conhecimento acerca do

curso, por parte dos alunos ingressantes, favorecendo atividades investigativas desde os

primeiros semestres. Além disso, tem provocado discussões entre os professores dos

períodos em que esses componentes são lecionados, posto que os professores são

convocados a dialogarem sobre as disciplinas, embora as dificuldades de articulação

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2277ISSN 2177-336X

Page 39: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

39

entre os componentes curriculares do curso ainda persiste resultante de formas culturais

de fragmentação disciplinar nas instituições de ensino superior.

Ao analisar-se o PPC e as relações entre as disciplinas, algo fundamental foi

identificado na análise da distribuição da carga horária, no semestre 2013.2, dos

professores em exercício de um dos cursos de Pedagogia da UERN, instituição em que a

P1 e a P2 concluíram graduação e a P3 está cursando, todos estavam envolvidos em

atividades de ensino, pesquisa e extensão com temáticas discutidas nos seus grupos de

pesquisa: A qualidade na educação; Direitos humanos; Leitura na escola; Relações

étnico-raciais; Pedagogia hospitalar; Saberes docente; Identidades culturais; Formação

do pedagogo; Estudos gregos e Educação do campo.

Quanto ao estágio, o fato deste transversalizar o curso e não situar-se somente

nos períodos finais é considerado um ganho. No entanto, as lacunas apresentadas ainda

são visíveis principalmente, no que se refere à ausência de parcerias entre escolas

públicas e universidade, o PPC de um dos cursos de Pedagogia da UERN, aponta essa

fragilidade: “Outro fator em destaque está na ausência de políticas formativas entre a

universidade e os sistemas públicos de ensino (estadual e municipal) para garantir uma

melhor qualidade no estágio docente”. (PPC, 2012, p. 28).

Nesse complexo processo educacional, tanto a educação básica deve ao ensino

superior por oferecer uma formação incipiente para as demandas atuais do ensino

fundamental de nove anos, não insistindo em uma formação contínua que preencha as

lacunas de uma formação inicial fragmentada, quanto o ensino superior (licenciaturas),

deve à educação básica por preencher o mercado de trabalho com profissionais com

uma formação inicial cheia de lacunas.

Além de apontar para uma formação inicial que estabeleça diálogos

interdisciplinares para além do currículo, as lacunas que aproximam ensino básico e

superior incidem diretamente em uma formação continuada que não sirva apenas para

preencher os PPCs de projetos e programas que não implicam em melhorias para a

aprendizagem discente. Quando as fragilidades da formação inicial são apontadas, estas

podem ser supridas pela formação continuada que favoreça amadurecimento

profissional no próprio lócus de trabalho. Para além dos processos formativos docentes,

esse artigo reafirma que a aprendizagem enquanto processo, precisa estar em constante

avaliação, independente da faixa etária, dos sujeitos ou da etapa de ensino que estes

estão cursando.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2278ISSN 2177-336X

Page 40: FORMAÇÃO DOCENTE: O CHÃO DA ESCOLA COMO ESPAÇO FORMATIVO ENTRE SABERES E … · 2018-03-24 · Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: ... modificações

40

REFERÊNCIAS

ANASTASIOU, Léa das. Graças. Camargos. Propostas curriculares em questão:

saberes docentes e trajetórias de formação. Recife: Anais do XIII ENDIPE, CD-ROM,

2006.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. 4. ed.

São Paulo: Vozes, 2011.

DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. Petrópolis, RS: Vozes, 2002.

PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no

ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.

______.; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência: diferentes concepções.

Revista Poíesis -Volume 3, Números 3 e 4, pp.5-24, 2005/2006.

POZO, Juan. Ignácio. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto

Alegre: Artmed, 2002.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. (Pau dos

Ferros/RN). Projeto político-pedagógico do curso de pedagogia/CAMEAM/UERN,

Pau dos Ferros. 2012.

i “A invariante se refere à essência que justifica um conjunto de situações-problema e os procedimentos gerais de

sua evolução: invariante conceitual e invariante procedimental. A invariante se relaciona com o conjunto de

situações segundo o par de categorias dialéticas: essência-fenômeno”. (NÚÑEZ, 2009, p. 103).

ii Ver a esse respeito a tese de Cavalcante (2004).

iii Parte da teoria expressa nesse texto, encontra-se escrita neste trabalho.

iv Os professores são todos do sexo feminino. A partir de então, serão identificados como P1, P2 e P3.

v Pesquisa aprovada via Edital n. 038/2010/CAPES/INEP, desenvolvida entre os anos 2011 e 2014 nas

escolas de Aplicação da USP e da UFPA e em uma escola da rede municipal de ensino, na UERN. vi Consequente de uma ação, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior – CAPES, esse curso visa atender os objetivos da Política Nacional de Formação dos

Profissionais do Magistério da Educação Básica, instituída pelo Decreto 6.755, de 29 de janeiro de 2009. vii

Bolsistas financiados pela CAPES através da pesquisa: O desafio de ensinar a leitura e a escrita no

contexto do ensino fundamental de nove anos. viii

Os referidos estágios são trabalhados no 5°, 6° e 7° períodos, respectivamente. ix Frase emitida por uma professora que lecionou em 2013 em uma turma de 2º ano do ensino

fundamental. x Fala emitida por uma professora de uma turma multiano (2° e 3°), durante reunião, em 16 de agosto de

2013. xi Expressão originária do grego auto "próprio" e poiesis "criação".

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2279ISSN 2177-336X