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EXISTE UMA LÓGICA DA DESCOBERTA?: a proposta de Hanson

Raimundo Portei a Filho*Cannem Almeida Portela**

RESUMO

Abordagem da tese do filósofo da ciência contemporâneo Hanson,segundo a qual existe uma lógica da descoberta ou lógica dadescoberta científica, que se distingue da psicologia, da sociologiaou da história da descoberta. Conclui-se que para a formulação deuma lógica da descoberta talvez seja necessário não somente o apeloà abdução ou à retrodução, mas também a analogias, tais como O

raciocínio matemático ou analogias materiais. Assim, Hanson nãoformulou nitidamente uma lógica da descoberta, contudo ele fornecemuitas pistas e problemas a serem investigados.

Palavras-chave: lógica da descoberta; dedução; indução; abdução;retrodução.

SUMMARY

Approach of lhe thesis by contemporary philosopher of scienceHanson, according to which there exists a logic of discovery orlogic of scientific discovery, whicb distin guishes itself frompsychology, sociology or history of discovery. It is concluded thatto the formulation of a logic of discovery it is perhaps necessary notonly the appeal to abduction or to retroduction, but also to analogies,such as mathematical reasoning or material analogies. Thus, Hansondid not formulate clearly a logic of discovery, nevertheless heprovides many clues and problems to be investigated.

Key-words: logic of discovery; deduction; induction; abduction;re troduc tion.

1 INTRODUÇÃO que tipo de operações lógicas ouinferências a constituem?

Hanson sustenta, em linhas ge-rais, a tese segundo a qual existe efeti-vamente uma lógica da descoberta, ouequivalentemente, uma lógica da des-coberta científica que não se confunde

Há uma lógica da descoberta?Eis a questão levantada pelo filósofonorte-americano Norwood RussellHanson (1924-1967). Em caso afirma-tivo, em que ela consiste? Além disso,

* Professor Adjunto, Mestre, do Departamento de Filosofia da UFMA•. Professora Auxiliar, Especialista, do Departamento de Filosofia da UFMA.

52 Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 2, p. 9-21, jul.Zder. 1999.

com a psicologia, a sociologia ou a his-tória da descoberta. Sustenta ele quetal lógica da descoberta não se apóiaquer em inferências dedutivas quer eminferências indutivas, mas sim num ter-ceiro tipo de inferência examinado porAristóteles e Peirce, a saber, as infe-rências abdutivas ou retrodutivas.

O nosso objetivo aqui é o de ex-plicitarmos tanto quanto nos for possí-vel, sem que tenhamos a pretensão deempreendermos uma análise exausti-va, a tese hansoniana supra citada.

Fundamentando-nos sobretudoem textos do próprio Hanson, expore-mos inicialmente a análise e a críticahansonianas às metodologias que, sus-tentando como modelos de explicaçãocientífica ora o indutivo ora o hipotéti-co dedutivo, contestam a existência deuma lógica da descoberta científica. Emseguida, examinaremos a posiçãohansoniana que admite a existência deuma lógica da descoberta científica, cujoponto de partida é a concepção de ab-duçãolretrodução em Aristóteles ePeirce.

2 A NEGAÇÃO DE UMALÓGICA DADESCOBERTA

Hanson constata que a respostapredominante à questão "há uma lógi-ca da descoberta científica?" é negati-va. Ele exemplifica este coro negativocom três filósofos da ciência contem-porâneos, a saber: Popper, Reichenbache Braithwaite.

"Assim, Popper argumenta: 'oestágio inicial, o ato de con-ceber ou inventar uma teoria,

Cad. Pesq., São Luís, v. 10, 11. 2, p. 9-21, jul Zdez. /999.

parece-me nem requerer aná-lise lógica nem dela ser susce-tível. Novamente, 'não há umatal coisa como um método ló-gico de ter idéias novas ouuma reconstrução lógica des-te processo. 'Reichenbacli escreve que a fi-losofia da ciência 'não podeestar preocupada com razõespara sugerir hipóteses, massomente com razões para acei-tar hipóteses.' Braithwaite afir-ma: 'A solução destesproblemas históricos envolve apsicologia individual do pen-samento e a sociologia do pen-samento. De nenhuma destasquestões nos ocupamos aqui'."(POPPER, REICHEMBACH,BRAITHWAITE Apud HAN-SON, 1961, p.20).

F.C.S. Schiller, por sua vez, dis-tinguiu entre "lógica da prova" e "lógi-ca da descoberta" (Cf. SCHILLER.1917). Ele considerava que a primeiraseria uma lógica dedutiva, enquanto asegunda seria uma lógica da inferênciaindutiva.

Hanson sustenta que ninguém,inclusive o próprio Schiller, tinha umanoção clara a respeito do que se pre-tendia com tal distinção. Ademais, ob-serva HANSON (1958, p.I073) que:

"A Lógica da Prova (i.e.,« ló-gica dedutiva) tem chamado aatenção dos filósofos mais doque a Lógica da Descoberta.E mesmo a última, com suaanálise do raciocínio indutivo,dos fundamentos da probabi-

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lidadee dos princípios deconstrução' de teorias - tudoisto diz menos de uma Lógicada Descoberta do que de umaLógica da Descrição de umaPesquisa Acabada. "

Com efeito, argumenta Hansonque apesar de Schiller haver tentadodistinguir entre lógica da prova e lógicada descoberta, este ainda permaneceuno contexto da justificação sem efeti-vamente tematizar o contexto da des-coberta.

Salientamos aqui que as expres-sões "contexto da justificação" e "con-texto da descoberta" são freqüen-temente atribuídas a Popper. No entan-to, foi Reichenbach quem as formulouexplicitamente em sua obra"Experience and Prediction" (1938),embora Popper, em "Logik derForschung" (1934), tenha fornecido ele-mentos que possibilitaram a elaboraçãode tais expressões e notando ainda queReichenbach foi leitor da referida obrade Popper.

Assevera HANSON (1969,p.70) que "Leis físicas típicas são asdo movimento e gravitação, da termo-dinâmica, do eletromagnetismo e daconservação da carga na física clássi-ca e na quântica." Ele constata que taisleis são comumente explicadas ou atra-vés de indução por enumeração sim-ples à maneira de Bacon ou sãotratadas, para usar a terminologia deBraithwaite, como hipóteses de altonível num sistema hipotético - deduti-vo, doravante abreviado para sistemaH-D. Surge então o seguinte proble-ma: será que as leis científicas são efe-tivamente obtidas através da indução

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por enumeração simples ou por meiode hipóteses de alto nível em um siste-ma H-D ou, então, por intermédio deuma terceira via?

Passamos, a seguir, a abordar aanálise hansoniana de tal problema bemcomo a resposta por ele aduzida.

2.1 Análise e crítica daexplicação indutiva

A concepção indutiva consideraque a inferência relevante ocorre daobservação para a lei, do particular parao geral. Tal inferência é a indução porenumeração simples à maneira de Ba-con (1561-1626).

Hanson apresenta as concep-ções de dois filósofos da ciência -Stuart Mill e Reichenbach -, que consi-deram as leis de Kepler como um dosexemplos relevantes de leis resultantesde inferências indutivas. Ressaltamosque Kepler (1571-1628) é conhecido nahistória da física e, em particular, daastronomia, pela formulação de três leisrelacionadas com o movimento dos pla-netas do sistema solar, a saber: 1 - asórbitas planetárias são elípticas com osol em seu foco comum (1609); 2 - osplanetas descrevem em torno do soláreas proporcionais a seus tempos derevolução (1609); 3 - os quadrados dostempos de revolução dos planetas emtomo do sol são proporcionais aos cu-bos de suas meias distâncias' do sol(1619). Tais leis são para Hanson asmais importantes na história da astro-nomia, uma vez que forneceram subsí-dios para a retrodução newtoniana dalei da gravitação universal, como vere-mos mais adiante.

Segundo MILL Apud

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HANSON (1969, p.84), a primeira leide Kepler, acima mencionada, é somen-te "uma expressão concisa para o con-junto de fatos diretamente observados."Peirce critica Mill e admite que estenão compreendeu Kepler.

Por sua vez, HANSON (1969,p.84) ironiza Mill ao asseverar que este"não tinha qualquer experiência de as-tronomia teórica. Mas ele poderia terlido de Motibus Stellae Martis detida-mente" e percebido que esta obrakepleriana é mais do que uma expres-são concisa das observações realiza-das inicialmente pelo astrônomo TychoBrahe. Enfatiza HANSON (1958,p.1077):

"Quando Kepler publicou DeMotibus Stellae Martis ele ha-via estabelecido de modo com-pleto que a órbita de Marteera uma elipse inclinada paraa ecliptica, estando o sol emum dos focos. Em HarmonicesMundi (1619) Kepler genera-lizou isto para todos os plane-tas. "

Hanson questiona igualmente seReichenbach compreendeu Kepler, poisdiz o autor de Experience andPrediction:

"As leis de Kepler do movimen-to elíptico dos corpos celestesforam generalizações induti-vas de fatos observados .rEle] observou uma série de .posições do planeta Marte edescobriu que elas podem serligadas por uma relação ma-temática ... "(REICHENBACHApud HANSON, 1961, p. 27)

Cad. Pesq., São Luís, v. 10,11.2, p. 9-21,jul.ldez. 1999.

Reichenbach chega a explicitarnitidamente sua concordância com aconcepção indutivista de Mill ao afir-mar, citado por HANSON (1961, p.27):

"É o grande mérito de JohnStuart Mill ter apontado quetodas as inferências empiricassão redutiveis à inductio perenumerationem simplicem.: "

Hanson aponta como uma van-tagem da concepção indutiva o fato deela sugerir" que as leis são obtidas porinferências a partir dos dados."(HANSON, 1958, p.l082; 1961, p.30;e 1969, p.71). Assim, ele concorda comNewton quando este diz: "A principalocupação da filosofia natural é argu-mentar a partir de fenômenos."(NEWTON Apud HANSON, 1958,p.1082; 1961, p.29; e 1969, p.71)

Contudo, Hanson indica umadesvantagem básica da concepção in-dutiva, que consiste em sugerir que asleis são apenas um resumo dos dados(um "resumo de médias estatísticas",segundo Canon Raven), ao invés deserem o que elas devem ser, ou seja,uma explicação destes dados. Com efei-to, sustenta HANSON (1958, p.l082;1961, p.30; e 1969, p.71) que a con-cepção indutiva:

"ignora o que Newton nuncaignorou: a inferência é tambémde explican da para umexplicans. Não se explica porque um espelho angular apre-senta espectros à luz do sol di-zendo-se que todos os espelhosangulares comportam-se as-sim. Não se explica por queMarte move-se mais rapida-

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mente a 270 graus e 90 grausdo que se podia esperar demovimentos circulares unifor-mes, dizendo-se que Marte (oumesmos todos os planetas)sempre movem-se assim. Naconcepção indutiva estas po-deriam considerar-se comoleis. Mas somente quando éexplicado por que os espelhosangulares apresentam espec-tros e por que os planetas apa-rentemente aceleram em 90graus, teremos leis do tipo su-gerido: as leis da refração deNewton e a primeira lei deKepler. "

2.2 Análise e crítica daexplicação hipotética -dedutiva

Qualquer explicação H-O admi-te que as leis explicam dados.BRAITHWAITE Apud HANSON(1961, p.30), por exemplo, diz:

"Uma hipótese, para ser con-siderada como uma lei natu-ral, deve ser uma proposiçãogeral a qual pode-se conside-rar que explique suas instân-cias; se a razão para seacreditar na proposição geralé unicamente o conhecimentodireto da verdade de suas ins-tâncias, perceber-se-á que elaé um tipo inferior de explica-ção destas instâncias.: "

Porém, conforme HANSON(1958, p.1082-3;1961, p.30; e 1969,p.7l), os teóricos H-O obscurecem aconexão inicial entre dados e leis,

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"entre pensar em dados e pen-sar em que tipo de hipótesemais provavelmente conduziráa uma lei. Eles sugerem que ainferência fundamental na ci-ência é de hipóteses de ordemsuperior para enunciados ob-servacionais. "

As hipóteses de ordem superiorconstituem, para Braithwaite, o nívelmais elevado na hierarquia das hipóte-ses. Vejamos então o que ele entendepor hipótese de alto nível ou de ordemsuperior no contexto da explicação H-O. Segundo BRAITHWAITE (1965,p.28)

"Um sistema científico consis-te em um conjunto de hipóte-ses que formam um sistemadedutivo, isto é, disposto de talmodo que tomando algumasdelas como premissas se sigamlogicamente todas as demaiscomo conclusões. Podemosconsiderar que as proposiçõesde todo sistema dedutivo estãocolocadas em uma série de ní-veis, de sorte que as do nívelsuperior apareceriam exclusi-vamente como premissas dosistema, as do nível inferiorsomente como conclusões domesmo e as dos níveis interme-diários seriam as que possamaparecer como conclusões dededuções procedentes de hipó-tese de nível mais elevado eservir como premissas paradeduções que conduzam a hi-pótese de nível inferior."

Caâ. Pesq., São Luís, v. 10, n. 2, p. 9-21, jul./dez. 1999.

Braithwaite apresenta um exem-plo de sistema dedutivo bem simples,extraído da Física, em que se tornambem visíveis as hipóteses distribuídasnos três níveis mencionados por ele.Este sistema possui uma hipótese denível superior: 1 Todo corpo nas proxi-midades da Terra e em queda livre emdireção a esta cai com uma aceleraçãode 9,8m1s2. A partir desta hipótese se-gue-se, aplicando-se princípios muitosimples do cálculo integral, a hipótese:2 Todo corpo que partindo do repousocai livremente em direção à Terra per-corre 4,9t2 metros em t segundos, qual-quer que seja t. A partir de 2 segue-se,de acordo com o princípio lógico deno-minado princípio aplicativo, que permi-te a aplicação de uma generalização aseus casos particulares ou exemplos, oseguinte conjunto infinito de hipóteses:3.1 - Todo corpo que partindo do re-pouso cai livremente em direção à Ter-ra durante um segundo percorre umadistância de 4,9 metros; 3.2 - Todo cor-po que partindo do repouso cai livre-mente em direção à Terra durante doissegundos percorre uma distância de19,6 metros. E assim por diante. Nestesistema dedutivo, faz notar Braithwaite,as hipóteses dos níveis segundo e ter-ceiro (2,3.1,3.2, ... ) seguem da hipóte-se única de nível superior (1), enquantoas do terceiro nível (3.1,3.2, ... ) seguemda hipótese única do segundo nível (2).

Uma explicação possui doisconstituintes principais a saber, oexplanandum e o explanans, assim ca-racterizados por HEMPEL &OPPENHEIM (1953, p.321):

"Por explanandum entende-mos a sentença que descreve

Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 2, p. 9-21, jul.Zdez. /999.

o fenômeno a ser explicado(não o próprio fenômeno); porexplanans, a classe daquelassentenças que são aduridaspara explicar o fenômeno (...)o explanans divide-se em duassubclassses: uma destas con-tém. certas sentenças C, C ..,C ,que afirmam condições antl-cedentes específicas; a outraé um conjunto de sentenças L,

JL ,... ,L ,... que representam leis2 . r"gerais.

Uma vez caracterizados os ter-mos explanandum e explanans,HEMPEL & OPPENHEIM (1953,p.321-322) passam a estabelecer ascondições lógicas e empíricas de ade-quação que os constituintes de umaexplicação H-D têm que satisfazer paraque esta seja válida:

"(R) O explanandum deve serumd conseqüência lógica doexpl.anans ; em outras pala-vras, o explanandum deve serlogicamente dedutivel da in-formação contida noexplanans, pois, caso contrá-rio, o explanans não constitui-ria fundamento adequadopara o explanandum.(R ) O explanans deve conterle/s gerais e estas devem sernecessárias para a derivaçãodo explanandum. Entretanto,não consideraremos umacondição necessária para queuma explicação seja válidaque o explanans deva conterpelo menos um enunciado quenão seja uma lei; pois, para

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mencionar uma razão, consi-deraríamos certamente comouma explicação a derivaçãodas regularidades gerais go-vernando o movimento de es-trelas duplas a partir das leisda mecânica celeste, emboratodos os enunciados noexplanans sejam leis gerais.(R ) O explanans deve ter con-teádo empirico, i.e., deve sercapaz, pelo menos em princí-pio, de teste por experimentoou observação. Esta condiçãoestá implícita em (R ); pois,

.Juma vez que se supoe que oexplanandum descreve algumfenômeno empirico, segue-sede (R ) que o explanans acar-

1reta pelo menos uma conseqü-ência de caráter empirico eeste fato confere a ele testabi-lidade e conteúdo empirico.(R ) As sentenças que consti-

4tuem o explanans devem. serverdadeiras. "

Com efeito, segundo esta expli-cação H-O, acima exposta, deHEMPEL & OPPENNHEIM (1953,p.320-321) a explicação de um eventoparticular, que ocorre num certo tempoe lugar, ocorre subsumindo-se o eventoem tela "em leis gerais, i.e; provandoque ele ocorreu de acordo com aque-las leis, em virtude da realização decertas condições antecedentes especi-ficadas", ao passo que a explicação deuma lei geral, "a explicação de umaregularidade geral consiste em subsumi-Ia em outra regularidade mais abran-gente, em uma lei mais geral."

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A lei da gravitação universal deNewton constitui um exemplo de expli-cação H-O de uma lei geral de acordocom HEMPEL & OPPENHEIM(1953, p.321), que argumentam que

"(, .. ) a validade da lei deGalileu para a queda livre doscorpos próximos à superfícieda Terra pode ser explicadadeduzindo-se de um conjuntomais abrangente de leis, a sa-ber, as leis do movimento deNewton e sua lei de gravita-ção, juntamente com algunsenunciados a respeito de fa-tos particulares, ou seja, amassa e o raio da Terra."

Braithwaite que, como já vimosanteriormente, também admite o pro-cedimento H-O na ciência, consideraas leis do movimento e da gravitaçãouniversal de Newton como explicaçãopara as leis de Galileu. Assevera a esterespeito Braithwaite, citado porHANSON (1958, p.1084; 1961, p.31):

"toda ciência procede ... porpensar em hipóteses gerais ...das quais conseqüências par-ticulares são deduridas, asquais podem, 'ser testadas porobservação ... o sistema dedu-tivo de Galileu foi ... apresen-tado como dedutivel das ... leisdo movimento de Newton e...de sua lei da gravitação uni-versal. .. "

Como é análise H-O da lei degravitação universal de Newton?HANSON (1958, p.1085; 1961, p.61)assim responde:

Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 2, p. 9-21, jul./dez. 1999.

"(1) Primeiramente a hipóteseH: que entre quaisquer duaspartículas no universo existeuma força de atração varian-do inversamente com o qua-drado da distância entre elas

(F=À Mm).r

(2) Deduzir disto (de acordocom os Principia)(a) As leis de Kepler e(b) As leis de Galileu.(3) Mas as instâncias particu-lares de (a) e (b) combinamcom o que é observado.(4) Portanto, H está, nestamedida, confirmada."

De uma maneira análoga, numaanálise H-D da primeira lei de Kepler,parte-se da hipótese de que todas asórbitas planetárias são elípticas com osol em seu foco comum. A seguir, de-duzem-se as conseqüências particula-res da hipótese-, no caso, aplicando-sea cada planeta do sistema solar. Sub-metendo-se a testes observacionaisestas conseqüências particulares da hi-pótese, constata-se que elas se ajus-tam às posições observadas dosplanetas e, por conseguinte, a hipóteseestá confirmada.

HANSON (1969, p.71) susten-ta que:

"a explicação H-D é útil so-mente quando discute o argu-mento de uma descrição deuma pesquisa acabada oupara compreender como o ex-perimentador ou o engenhei-ro desenvolve as hipóteses dofísico teórico."

Cad. Pesq .. São Luís, v. 10, n. 2, p. 9-21,jul./dez. 1999.

Dito de outro modo, a explica-ção H-D estabelece razões para seaceitar uma hipótese depois que ela éformulada ou para se fazer predições.Além disso, HANSON (1961, p.29)admite que a explicação H-D esclare-ce ainda um outro aspecto da ciência,que seus defensores não enfatizararn,senão vejamos:

"Os cientistas freqüentementerejeitam explicações alternati-vas àquelas que ganharam suaanuência provisória, de ummodo que tipifica o método H-D. Exemplos estão noAlmagesto de Ptolomeu, quan-do (sobre bases ob servacio-nais) ele rejeita uma Terra emmovimento, no DeRev olutionibus ... de Copér-nico, quando ele rejeita a teo-ria lunar de Ptolomeu, no DeMo tib us Stellae Martis deKepler, quando ele nega queos planos das órbitas plane-tárias se interceptam no cen-tro da eclíptica, e nos Principiade Newton, quando ele rejeitoa idéia de que a lei da forçag ravitacional poderia ser deuma natureza do cubo do in-verso.

Hanson critica a explicação H-D devido à falha desta em nãoestabe-lecer razões para se propor, sugerir ouadmitir uma hipótese inicialmente. As-sim, assevera HANSON (1961, p.31):

"As explicações H-D começamcom a hipótese como dada, àsemelhança, de receitas culi-nárias que começam com a tru-

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ta. As receitas, contudo, suge-rem algumas vezes: 'Primeiroapanhe a sua truta.' A expli-cação H-D é uma receita queos físicos frequentemente usamapós apanharem hipóteses.Entretanto, a ousadia concei-tual que marca a história dafísica revela-se mais nos mo-dos pelos quais os cientistasapanharam suas hipóteses doque nos modos pelos quais eleselaboraram estas uma vez apa-nhadas. "

Hanson, em seu exame crítico,aponta ainda que os físicos não partemde hipóteses na sua prática, como pre-tende a concepção H-O, mas de da-dos. HANSON (1969, p.70-71) afirmaa este propósito:

"Quando uma lei é fixada numsistema H-D, o pensamentorealmente original termina. Oprocesso comum de deduzirenunciados observacionais apartir de hipóteses começasomente depois que o físicopercebe que a hipótese expli-cará pelo menos os dados ini-ciais que requeremexplicação. "

2.3 Relação entre as explicaçõesindutiva e hipotético-dedutiva

Ao comparar criticamente asconcepções indutiva e hipotético-dedu-tiva, HANSON (1961, p.28) argumen-ta que:

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"A explicação H-D descreve ateoria física mais adequada-mente do que explicações pre-baconianas em termos deenumeração simples ou mesmoas explicações p ás-millianasem termos de enumeraçõesaparentemente não tão sim-ples. Ela nos diz acerca da ló-gica das leis e o que elas fazemnos argumentos acabados enas explicações. As explica-ções H-D, contudo, não nosdizem qualquer coisa a respei-to do contexto no qual as leissão propostas pela primeiravez; nem mesmo talvez se pre-tendesse que elas o fizessem. "

Observa HANSON que a indu-ção por enumeração procurou descre-ver boas razões para se propor Hinicialmente como uma hipótese. Já aexplicação H-O silencia sobre este as-sunto. De fato as duas explicações nãosão alternativas excludentes, mas intei-ramente compatíveis, admite Hanson.A aceitação de uma não é razão pararejeitar a outra. Uma lei poderia ter sidoinferida de somente uma enumeraçãode particulares, como por exemplo: alei de Boyle e no século dezessete, ade Bode no século dezoito, as leis daeletricidade de Arnpêre e Faraday noséculo dezenove e muito da teoria demésons na atualidade. A lei poderia serconstruída num sistema H-O como umaproposição de ordem superior ou hipó-tese de alto nível, para usarmos a lin-guagem de Braithwaite, de modo quese há algo falho ou errado com a indu-ção por enumeração, a explicação H-D não o revela, argumenta Hanson.

Cad. Pesq., São Luís, v. 10,11. 2, p. 9-21, jul./dez. 1999.

3 A POSTULAÇÃOHANSONIANA DE UMALÓGICA DADESCOBERTA

Sustenta Hanson que os lógicosda ciência têm descrito como poderi-am ser estabelecidas razões em apoiode uma hipótese uma vez formulada,mas pouco têm dito no que concemeàs considerações conceituais pertinen-tes à proposta inicial de uma hipótese.As duas exceções para ele são Aristó-teles e Peirce. Quando estes discuti-ram o que Peirce denominouretrodução, ambos reconheceram quea proposta de uma hipótese é freqüen-temente uma ocupação razoável, po-dendo-se ter boas ou más razões parase sugerir uma hipótese inicialmente.Estas podem ser diferentes das razõesque levam a aceitar a hipótese uma vezsugerida, sendo que em alguns casosas duas podem ser diferentes em tipo.Isto não exclui a possibilidade de queàs vezes as razões para se propor umahipótese sejam idênticas às razões paraaceitá-Ia.

Segundo Hanson, nem Aristóte-les nem Peirce imaginaram-se estarestabelecendo um manual para auxiliaros cientistas a fazer descobertas. Nes-te aspecto, para dar um exemplo, con-corda Hanson com Stuart Mill, queconsidera que não há manual ou recei-ta pronta para se realizar descobertascientíficas e cita-o: "não há ciência quecapacite um homem a refletir sobre oque convirá a seu propósito" (ApudHANSON, 1958, p. l.074). Tampou-co, acrescenta Hanson, estavam elesdiscutindo a psicologia dos descobrido-

Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 2, p. 9-21, jul.rdez. 1999.

res ou a sociologia da descoberta. Hátais discussões, entretanto elas não sãodiscussões lógicas. Aristóteles e Peirceestavam fazendo lógica, assevera en-faticamente Hanson, uma vez que elesexaminaram as características do raci-ocínio que ficam por trás da sugestãooriginal de certas hipóteses.

Com efeito, diz HANSON(l961,p. 21): "Quando Popper, Reichenbache Braithwaite insistem que não há aná-lise lógica apropriada ao complexo psi-cológico que se aplica à concepção deuma nova idéia, eles não estão dizendonada que Aristóteles ou Peirce rejeita-riam ... ", pois aqueles não discutem oque estes discutem, a saber, uma lógi-ca da descoberta.

3.1 A posição de Aristóteles

Aristóteles distingue três tipos deinferências: dedutiva, indutiva

"e um outro denominado deapagwgh. Este é traduzidocomo 'redução'. Peirce o traduzcomo 'abdução' ou 'retrodu-ção'" (HANSON, 1969, p. 85).

Segundo ARISTÓTELESApud HANSON (1969, p.85) o quecaracteriza este tipo de argumento éque:

"a relação do termo médio como último termo é ince-rta, em-bora igualmente ou mais pro-vável do que a conclusão; ouentão, um argumento no qualos termos intermediários entreo último e o médio são poucos.Em qualquer destes casosacontece que nos aproxima-

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mos mais do conhecimento ...desde que tenhamos tomadoum novo termo".

3.2 A posição de Peirce

HANSON (1969, p.85) afirmaque:

"depois de descrever a dedu-ção de uma maneira conheci-da, Peirce fala da induçãocomo o teste experimental deuma teoria acabada. A indu-ção 'se estabelece com umateoria e ela mede o grau deconcordância daquela teoriacom o fato. Ela nunca podeoriginar qualquer idéia. Tam-pouco a dedução pode. Todasas idéias da ciência surgempor meio da Abdução. A Ab-dução consiste em estudar fa-tos e projetar uma teoria paraexplicá-los. Sua única justifi-cação é que se for para com-preendermos alguma vez ascoisas, deve ser deste modo.Os argumentos abdutivos e in-dutivos são completamente ir-redutiveis, ou um ao outro ouà dedução, ou então a dedu-ção a ambos ... ' "

PEIRCE Apud HANSON(1969, p.85) caracteriza cada tipo deinferência. Ele assevera que

"A Dedução prova que algu-ma coisa deve ser; a lnduçãomostra que alguma coisa real-mente é operativa; a Abduçãoapenas sugere que algumacoisa pode ser".

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Peirce considera que os palpites,as conjecturas, as intuições possuemuma racionalidade, possuem uma lógi-ca e, portanto, não ocorrem aleatoria-mente. Diz ele:

",.. o homem tem uma certaIntuição, não suficientementeforte para estar mais frequen-temente certa do que errada,mas suficientemente forte paranão estar esmagadoramentecom mais freqüência errada doque certa... Uma intuição, eua chamo, porque ela é para sereferir à mesma classe geral deoperações à qual pertencem osJulgamentos Perceptivos ... Sese pergunta a um pesquisadorpor que ele não tenta esta ouaquela teoria extravagante,ele dirá 'Ela não parece rato-âvel'", (PEIRCE Apud HAN-SON, 1969, p.86).

Peirce considera uma inferênciaabdutiva (e.g., a hipótese keplerianasegundo a qual as posições observadasde Marte estão entre um círculo e umaoval. Portanto, a órbita de Marte deveser um elipse) e um julgamento percep-tivo (e.g., Ele é levógiro) como ladosopostos da mesma moeda epistemoló-gica. HANSON (1969, p.86) diz que:

"Perceber isto é relevante aqui.Tanto o começo de um aspec-to como o início de uma expli-cação sugerem o que procurarem seguida. Em ambos, os ele-mentos da investigação tomamcorpo num padrão inteligível.As afinidades entre perceber ohomem oculto num feixe de

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pontos e perceber a elipsemarciana num feixe de dadossão profundas ".

Assevera PEIRCE ApudHANSON (1969, p.86): "Qual pode sera nossa primeira familiarização comuma inferência, quando ela não é aindadotada, senão uma percepção do rnun-do das idéias?". Porém, diz ele, " ... aabdução, embora seja muito pouco di-ficultada por regras lógicas, no entantoé inferência lógica, afirmando sua con-clusão somente problemática ou con-jecturalmente, é verdade, mas apesardisto, tendo uma forma lógica perfeita-mente definida".

PEIRCE Apud HANSON(1969, p.89) faz notar que a "Abdu-ção ... importa ... em observar um fatoe depois afirmar o que ... foi que deuorigem àquele fato ... ".

3.3 A posição de Hanson

Já vimos na crítica de Hanson àexplicação H-D que os cientistas nãocomeçam de hipóteses, mas de dados.Neste aspecto Hanson poderia concor-dar com os indutivistas. Contudo, paraele, os dados não são dados comunsmas anomalias surpreendentes, chocan-tes, espantosas, que constituem o pon-to de partida das inferências abdutivasou retrodutivas.

De maneira esquemática e par-tindo de observações de Aristóteles ePeirce, HANSON (1961, p. 33) carac-teriza a abdução do seguinte modo:

"( 1) Algum fenômeno surpre-endente, espantoso, p t' P2'

P3' ... é encontrado.

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(2) Mas p, p , p ,... não seri-J 2 3am surpreendentes se fosse

para serem obtidos de uma hi-pótese do tipo H. Eles seguiri-am naturalmente de algo comoH e seriam explicados por ela.(3) Portanto, há boa razãopara se elaborar uma hipóte-se do tipo H, para propô-iacomo uma possível hipótese decuja suposição p .p ,p ,... po-d . i' J J l,ertatrt ser exp icados .

E importante notar que o dadoou fenômeno p é anômalo não em rela-ção a si mesmo, mas em relação a teo-rias aceitas. Com efeito, uma vezencontrado um novo padrão conceitualno qual se possa inserir o referido fe-nômeno este deixará de ser anômalo,pois ele estará explicado. Nas palavrasde HANSON (1961, p.33):

"O espanto pode consistir nofato de que p está em disco r-dância com teorias aceitas -por exemplo, a descoberta deemissão descontinua de radi-ação por corpos negros quen-tes ou o efeito fotoelétrico, oefeito Compton e o espectrocontinuo dos raios b ou asaberrações orbitais de Mercú-rio, a refrangibilidade da luzbranca e a alta velocidade deMarte a 90 graus. O que é im-portante aqui é que os fenô-menos são tidos comoanômalos não porque sejamassim considerados".

Ao comentar o seu próprio es-quema referente às inferências abdu-tivas, HANSON (1961, p.34) assevera:

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"Isto diz algo a respeito docontexto racional no qual umahipótese do tipo H poderia vira ser 'apanhada' em primeirolugar. Começa onde toda a fí-sica começa - como fenôme-nos problemáticos requerendoexplicação. Sugere o que po-deria ser feito com hipótesesparticulares uma vez propos-tas - a saber, a elaboração H-D. E aponta quanto osfilósofos têm- ainda que apren-der com relação aos tipos derazões que os cientistas pode-riam ter para pensarem que umtipo de hipótese pode explicarperplexidades iniciais, porque, por exemplo, um tipo dehipótese do inverso do qua-drado pode ser preferida aoutras, se lança os dados ini-cialmente chocantes em pa-drões nos quais determinadosmodos de conexão podem serpercebidos. Pelo menos, pare-ce que os modos pelos quaisos cientistas às vezes racioci-nam em direção às hipóteses,eliminando aquelas que sãocertamente do tipo errado,

.pode ser uma área tão legíti-ma para a investigação con-ceitual como são os modospelos quais eles raciocinam apartir das hipóteses. "

HANSON (1961, p.33-34), apre-senta a lei de gravitação universal comoexemplo de lei científica obtida atravésde retrodução:

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"t 1) A descoberta espantosa deque todas as órbitas são elip-ticas foi realizada por Kepler.(2) Mas tal órbita não seriasurpreendente se além de ou-tras leis familiares, uma lei degravitação do tipo do inversodo quadrado fosse obtida. Aprimeira lei de Kepler segui-ria normalmente; realmente,este tipo de hipótese poderiamesmo explicar por que (des-de que o sol se encontra se-não em um dos focos) asórbitas são elipses sobre asquais os planetas movem-secom velocidade não uniforme.(3) Portanto, há boa razãopara ainda elaborar hipótesesdeste tipo."

Hanson refere-se no seu esque-ma abdutivo a boas razões para se ela-borar ou propor uma hipótese. O quesignifica isto? Foi Peirce, diz HANSON(1965, p.45), quem

"insistiu em que a formulaçãoinicial de uma hipótese H e adecisão séria de admitir Hpode ser um empreendimentointeiramente razoável. Podehaver boas ou más razõespara se sugerir um tipo de hi-pótese inicialmente, ao invésde algum tipo completamentediferente ".

Baseando-se nesta concepçãopeirceana, Hanson distingue entre (1)razões para aceitar uma hipótese H e(2) razões para admitir, propor ou su-gerir H em primeiro lugar; embora mui-tos filósofos, tais como Herbert Feigl,

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neguem qualquer diferença lógica en-tre (1) e (2).

Quais seriam nossas razões paraaceitarmos H? Estas serão aquelas quepoderíamos ter para considerarmos Hverdadeira. E quais seriam nossas ra-zões para sugerirmos H? HANSON(1961, p.22) responde:

"mas as razões para sugerir-mos H inicialmente ou parafomularmos H de uma manei-ra ao invés de outra, não po-dem ser aquelas que serequerem antes de considerar-mos H verdadeira. Elas são,ao contrário, aquelas razõesque tornam H um tipo plausí-vel de conjectura".

Referindo-se às razões paraaceitar e às razões para sugerir umahipótese, HANSON (1969, p.200) sus-tenta:

"Ambos são de competência dainvestigação lógica, emboraos teóricos H-D discutam so-mente (1), dizendo que (2) ématéria para a psicologia oua sociologia - não a lógica.Este é exatamente um erro. Oque leva à formação inicial deH - o estalo, a intuição, o pal-pite, a perspicácia, a percep-ção, etc. - isto é matéria depsicologia. Porém, muitas hi-póteses lampejam na mente doinvestigador apenas para se-rem rejeitadas à primeira vis-ta. Algumas, entretanto, sãopropostas por consideraçõessérias e com boas razões.Kepler teria tido boas razões

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para rejeitar a hipótese de queas luas de Júpiter provocam asacelerações aparentes de Mar-te em 90 graus e270 graus. Eletambém possuía boas razõespara propor que todos os pla-netas movem-se em elipses (de-pois de haver estabelecidoapenas que Marte o faz). Estetipo analágico de hipótese,contudo, não poderia possivel-mente estabelecer que todosos planetas movem-se em elip-ses. Estamos discutindo o as-pecto racional por trás daproposta de hipóteses com.opossíveis explicantia. Os teó-ricos H-D nunca levantaram oproblema".

Hanson observa que os filósofosatuais têm-se interessado mais pelasrazões para se aceitar uma hipótese jásugerida ou já formulada (lógica da des-crição da pesquisa acabada) do quepelas razões para se sugerir, propor,admitir ou considerar hipóteses em pri-meiro lugar (lógica da descoberta).

Segundo Hanson, a lógica dadescoberta procura examinar boas ra-zões em apoio de H, que poderia ser otipo de hipótese que explicaria algumaanomalia, alguma perplexidade, algumdado ou fenômeno incompatível comteorias aceitas.

O que significa "explicar umaanomalia" para Hanson? Explicar X,onde X é uma anomalia, é entendidopor Hanson em "Patterns ofDiscovery"(PD) como colocar X numaestrutura ou arcabouço conceitual. As-severa HANSON (1965, p.48) que aDescoberta é assim caracterizada

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como '''o início de um aspecto de X'tal que X é finalmente visto como partede um padrão mais configurado e con-figurável... "

HANSON (1969, p.90) conside-ra que as

"Teorias físicas fornecem pa-drões nos quais os dados apa-recem inteligíveis. Elasconstituem uma 'Gestalt con-ceitual', Uma teoria não éconstituída a partir de fenôme-nos observados; ela é, pelocontrário, o que torna possí-vel observar os fenômenoscomo sendo de um certo tipo ecomo relacionados a outrosfenômenos. As teorias colocamos fenômenos em sistemas.Uma teoria é um feixe de con-clusões em busca de uma pre-missa. A partir daspropriedades observadas dosfenômenos o físico raciocinaem direção a uma idéia básicada qual as propriedades sãoexplicáveis naturalmente. Ofísico procura não um conjun-to de possíveis objetos, mas umconjunto de possíveis explica-ções".

HANSON (1969, p.87-88) dis-tingue entre enunciados de padrão eenunciados de detalhe. Os primeiros,

"não são resumos indutivos deenunciados de detalhe ... Se osenunciados de detalhe sãoempiricos, os enunciados depadrão, que lhes dão sentidosão também empiricos - embo-ra não da mesma maneira.

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Negar um enunciado de deta-lhe é fazer algo dentro do pa-drão. Negar um enunciado depadrão é atacar o próprio ar-cabouço conceitual e esta ne-gação não pode funcionar domesmo modo. "

Perceber o padrão nos fenôme-nos é fundamental para eles serem "ex-plicáveis naturalmente", para usar aexpressão de Peirce. Assim, o signifi-cado de quaisquer pontos ou linhas nosprimeiros diagramas de Kepler em DeMotibus Stellae Martis,

"escapa-nos até que a orga-nização do todo seja apreen-dida; então este ponto ouaquela marca torna-se com-preendida naturalmente. Porque Marte parece acelerar em90° e 270°? - (P) Porque suaórbita é elíptica (H). Apreen-der esta trama torna os deta-lhes explicáveis, exatamentecomo o impacto de um pesobatendo no barro torna-se in-teligível contra as leis dos cor-pos em queda. Isto é o que osfilósofos e filósofos naturaisestavam procurando às apal-padelas quando falavam dediscernir a natureza de um fe-nômeno, sua essência. Istosempre será a mola propulso-ra da investigação física .Aluta pela inteligibilidade (pa-drão, organização) na filoso-fia natural nunca foi retratadanas explicações indutiva ou H-D:" (HANSON, 1969, p. 87)

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Hanson considera a retroduçãocomo o fundamento que os descobri-dores fornecem às anomalias individu-ais tornando-as não-problemáticas,não-anômalas, ou seja, tornando-as ex-plicadas.

Hanson admite uma continuida-de na explicação física desde a antigui-dade até os dias atuais. Tal continuidadese apóia na retrodução. Argumenta ele:

"No pensamento que conduza hipóteses gerais, há carac-terísticas constantes atravésda história da física, deDemácrito e Heráclito a Dirace Heisenberg, Kepler não co-meçou com a hipótese que aórbita de Marte era eliptica eem seguida deduziu enuncia-dos confirmados pelas obser-vações de Brahe. Estasobservações foram dadas eelas colocaram o problema -elas foram o ponto de partidade Johannes Kepler. Ele re-montou destas, primeiramentea uma hipótese, depois a ou-tra, em seguida a outra e fi-nalmente à hipótese da órbitaelíptica. Foram fornecidaspoucas explicações detalha-das das realizações de Keplerpelos filósofos da ciência, em-bora sua descoberta da órbi-ta de Marte seja pensamentofísico da melhor qualidade. Ofilósofo da física não deverianegligenciar o que Peirce de-nomina a mais esplêndidaretrodução já realizada."(HANSON, 1969, p.72-73).

Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 2, p. 9-21, jul.rdez. 1999.

4 CONCLUSÃO

Hanson considera que a lógicada descoberta é uma área de investi-gação filosófica que é negligenciada,que não é levada a sério o suficientepelos filósofos atuais.

Apesar disso, a preocupação deHanson não é com o uso da teoria, mascom a descoberta da teoria; não é como teste de hipóteses, mas com a desco-berta de hipóteses. Ele se propõe a exa-minar" ... não como observação, fatose dados são construídos em sistemasgerais de explicação física, mas comestes sistemas são construídos em nos-sas observações e apreciações de fa-tos e dados". (HANSON, 1969, p. 3)

Segundo HANSON (1979,p.138) observar não consiste apenas emabrir os olhos e olhar. O olhar é sempreum olhar teórico, interpretativo. "A ob-servação e a interpretação vivem umavida de simbiose mútua, de modo quecada uma sustenta a outra, conceitual-mente falando, e a separação redundaem morte para ambas". O pesquisadortem que aprender a ver. Ele sempreobserva os fenômenos, os dados, combase em algum padrão, organização ouconfiguração conceituais, isto é, emrelação a algum quadro teórico de re-ferência. O investigador procura expli-car seus dados; ele tem por objetivoencontrar " ... um padrão conceitual emtermos do qual seus dados se ajustarãointeligivelmente ao lado de dados me-lhor conhecidos". (HANSON, 1969,p.72)

No entender de Hanson, há efe-tivamente uma lógica da descoberta, ouseja, existem padrões ou modelos de

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descoberta científica que não são alea-tórios ou casuais, mas possuem regras,possuem uma lógica interna. Há umaracionalidade epistêmica nos processosheurísticos. Porém, os padrões ou mo-delos heurísticos não se fundamentamnem nas inferências dedutivas nem nasindutivas, mas num terceiro tipo de in-ferência tratado inicialmente por Aris-tóteles e retomado e aprofundado porPeirce, isto é, as inferências abdutivasou retrodutivas.

Afirma HANSON (1965, p. 44)"Ambos, Aristóteles e Peirce, sugeri-ram que pode haver mais para um filó-sofo da ciência fazer do que apenasanalisar os argumentos acabados queapóiam as hipótese já formadas".

De acordo com HANSON(1965, p. 65)

"uma 'Lógica da Descoberta'filosoficamente respeitável se-na:(1) uma área para investiga-ção, não um manual de con-clusões;(2) um interesse com a solu-ção de problemas científicos esuas características conceitu-ais, não uma reconstrução ló-gica das 'descrições depesquisas acabadas ';(3) um estudo das mudançasinferenciais a partir do reco-nhecimento de anomalias,para(4) a determinaçaão de quetipos de hipóteses poderiamservir para 'explicar' aquelasanomalias, onde(5) 'explicar' significa oajuste de anomalias chocan-

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tes e surpreendentes em pa-drões inteligíveis de idéias, emestruturas configurâveis deteorias científicas aceitas. "

Hanson observa que o raciocí-nio retrodutivo, que parte de anomaliasou dados surpreendentes para uma ex-plicação, é peculiar a toda a história daFísica. Ele concorda com Peirce queconsidera corno exemplo paradigmáti-co de raciocínio retrodutivo a desco-berta da órbita elíptica de Marte porKepler. Este, diz HANSON (1969, p.85):

"... escreveu De MotibusStellae Martis a fim de estabe-lecer suas razões para suge-rir a elipse. Estas não foramrazões dedutivas; ele estavatrabalhando de explican dapara explicans. Mas, nem fo-ram elas indutivas - não, pelomenos, em qualquer formaadvogada pelos empiristas,estatísticos e teóricos da pro-babilidade que têm escrito so-bre indução".

Será que em Hanson as razõespara se sugerirem, proporem ou admi-tirem hipóteses são realmente razõespara se descobrirem ou inventarem hi-póteses? Será que Hanson chega a for-mular uma lógica da descoberta cornoele pretendeu? A nosso ver, para seobter razões para descobrir, talvez sejanecessário não só o apelo à retroduçãocomo também a analogias, tais como oraciocínio matemático ou analogiasmateriais. Uma pesquisa possível de serempreendida seria, portanto, examinara possibilidade de construção de uma

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lógica da descoberta via analogia comraciocínio matemático ou então viaanalogias materiais. Com efeito,Hanson não chega a configurar, a for-

mular nitidamente uma lógica da des-coberta. Contudo, ele fornece muitaspistas e problemas a serem investiga-dos.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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