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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A CARTILHA NO PROCESSO DA ALFABETIZAÇÃO Por: Cecília da Costa Barbosa Gabri Orientador Profa. Edla Trocoli Rio de Janeiro 2012 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A CARTILHA NO PROCESSO DA ALFABETIZAÇÃO

Por: Cecília da Costa Barbosa Gabri

Orientador

Profa. Edla Trocoli

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A CARTILHA NO PROCESSO DE

ALFABETIZAÇÃO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Educação Infantil e

Desenvolvimento.

Por: . Cecília da Costa Barbosa Gabri.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me concedido

à oportunidade de estar realizando este

estudo e muita saúde para conseguir

prosseguir nessa caminhada. A minha

irmã de coração Marcela Anjo pela

fidelidade e companheirismo.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho de pesquisa À

minha família por ter me apoiado e

entendido todos os momentos em que

faltei e pelo imenso amor que me é dado

diariamente.

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RESUMO

Cartilha, um dos primeiros métodos de Alfabetização conhecidos.

Considerada como primeira via de acesso à cultura escrita por uma sociedade

que ansiava por novas perspectivas de ensino e mesmo apesar das inúmeras

críticas, ainda é um método muito utilizado no processo de alfabetização em

nossas escolas, até os dias atuais, sendo a cada ano uma ferramenta de

auxílio para professores na formação de crianças leitoras e escritoras.

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METODOLOGIA

Este trabalho trata-se de um estudo de caráter bibliográfico, onde vou

discutir através de algumas bibliografias de estudiosos do assunto, as

possibilidades de cartilha no processo de alfabetização.

Para garantir um melhor entendimento do tema e na clareza do assunto

estudado, recorri às obras de Cagliari (1998), Barbosa (1994), Ferreiro (2001)

e Kramer e Leite (1996).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Cartilha: Sim ou Não? 10

CAPÍTULO II - A História da Alfabetização e a Cartilha no Brasil 18

2.1 – A Escrita

2.2 - O surgimento da Cartilha

2.3 – A Cartilha no Brasil

CAPÍTULO III – O método de ensino da Cartilha 33

3.1 – Os quatro tipos de Cartilha

3.2 - A Torre de Babel

3.3 – A contradição entre Cartilha e Leitura

3.4 – O caderno perfeito

3.5 – O trabalho mecânico

3.6 - Se a Cartilha não está suprindo a carência da alfabetização,

o que fazer para resolver esse problema?

CAPÍTULO IV – Comparando tendências atuais e tendências tradicionais 45

4.1 - Teoria Empirista

4.2 – Teoria Interacionista – Construtivista

4.3 – Teoria Sociointeracionaista

4.4 - A Cartilha e a formação do leitor

CONCLUSÃO 53

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 55

ÍNDICE 57

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INTRODUÇÃO

Este trabalho trata-se de um estudo bibliográfico, onde há reflexões

sobre o material usado no processo de alfabetização: A Cartilha.

Através desta pesquisa, será contado um pouco da trajetória da

Cartilha, mais precisamente a partir do século XVII até nossos dias, com a

proposta de Emília Ferreiro usando as contribuições de alguns autores que

tratam desse assunto.

O objetivo principal é mostrar que a Cartilha não é uma ferramenta de

ensino dispensável. Para isso serão realizadas fundamentações no histórico

sobre a história sobre a alfabetização, da escrita e da visão de alguns autores

sobre esse aspecto.

No Capítulo I, observam-se questões de estudo do meu interesse,

para melhor compreender a Cartilha nesse processo, partindo da idéia de que

esse recurso para se alfabetizar é inadequado.

No Capítulo II, trata um pouco da história da alfabetização a partir do

século XVII e também da escrita, que teve origem no momento em que o

homem aprende a comunicar seus pensamentos e sentimentos. A partir daí

trato do aspecto que considero o mais importante na minha pesquisa: o

surgimento da Cartilha que devido à diversidade de línguas, precisou se

normalizar uma ortografia para ensinar o povo a escrever na língua do seu

próprio país.

No terceiro Capítulo, traz formas mais específica do método de ensino

da Cartilha, mostrando as variedades de Cartilhas que existem e de como esse

material se comporta com a escrita e a leitura. Há a análise também a questão

da carência na alfabetização, onde alguns acham que esse problema é mérito

da Cartilha e o que fazer para resolverem isso.

Após essa análise, no capítulo seguinte compara tendências novas

como Teoria Empirista, Teoria Interacionista – Construtivista e a Teoria

Sociointeracionista com a Cartilha e a seguir tratar um pouco do significado da

Cartilha para a formação do aluno.

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Este trabalho analisa a postura que o professor deve ter na escolha do

material didático e o método que aplicará no ensino. O material didático é

importante, mas não pode definir a capacidade do educador de ensinar e sim

auxiliar na criação e ajudar na melhor maneira de dar uma aula. O que importa

para um bom desempenho na sala de aula e atrair a atenção do aluno para o

ensino que será aplicado, por isso o que interessa é o objetivo principal ser

alcançado, que é a alfabetização do aluno seja qual for o método e o material

utilizado.

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CAPÍTULO I

CARTILHA: SIM OU NÃO?

Dentre muitos materiais de apoio ao trabalho do professor, a fim de

auxiliá-lo no processo de alfabetização, a Cartilha ainda ganha um papel de

destaque.

Mesmo que “às escondidas”, o professor elabora a sua própria cartilha

e a utiliza sem nenhum problema com seus alunos, parecendo não se importar

se o aprendizado realmente será realizado ao final do processo.

Sabe-se também que estes mesmos professores, em sua maioria não

deveriam carregar toda a culpa, pois as instituições, públicas ou privadas,

parecem fingir que não vêem o que acontece ou seus profissionais mais

especializados e responsáveis pedagogicamente não possuem estrutura e

conhecimento do que é realmente e quais conseqüências são acarretadas aos

alunos pela utilização das cartilhas mal formuladas.

No geral as cartilhas são divididas por etapas, obrigando os alunos a

segui-las de acordo com a ordem estipulada. O ba, be, bi ,bo, bu são marcas

registradas de qualquer cartilha.

Os capítulos de uma cartilha são divididos por unidades silábicas,

sempre do mais fácil para o mais difícil e sendo finalizado por um pequeno

texto onde se apresenta, muito basicamente, um resumo do que foi trabalhado

anteriormente.

Pode-se verificar no modelo de cartilha demonstrada abaixo:

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Cartilla: Riquezas do Brasil

Autor: Teobaldo Miranda Santos

Ano: 1966 11ª edicão

Apesar de críticas de alguns mestres e doutores em educação, a

cartilha ainda é bastante presente em nossas escolas particulares e da rede

pública, como Cagliari (1998) afirma:

“Os próprios órgãos encarregados da educação,

atendendo ao pedido dos professores, compram todos os

anos, uma quantidade enorme de cartilhas para uso nas

escolas públicas”. (Cagliari, 1998, p.80)

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Barbosa (1994) também nos mostra que apesar das críticas, os

professores se mantêm firmes na utilização desse material:

“Apesar de duramente criticadas por pesquisas e

análises realizadas por estudiosos de alfabetização, as

cartilhas continuam a ser utilizadas por quase todos os

professores nas escolas brasileiras”. (Barbosa, 1994, p.

56).

A partir do momento que o professor adere à cartilha ao seu método

de alfabetização ou até mesmo nos anos iniciais seguintes, o aluno deixa de

ser um agente pensante, com uma bagagem de conhecimento prévio a ser

integrada no processo e passa a ser meramente um receptor de informações

depositadas pelo professor iniciando um ritmo desenfreado de escrita

mecânica freneticamente utilizada.

Por ser um método o qual o aluno copia demasiadamente, o mesmo

ao terminar o trabalho que foi proposto, não faz idéia do que se trata e qual o

objetivo em realizar tal tarefa.

Na produção de textos é que a coisa fica bem pior, pois o aluno

escreve, mas não consegue interpretar o que ele mesmo escreveu.

Nas cartilhas são apresentados textos com uma “pobreza” de idéias

para satisfazer a razões pedagógicas, uma vez que as unidades das lições já

estão devidamente estipuladas. Para comprovar essa afirmação, basta

comparar um texto elaborado espontaneamente por um aluno e verificar como

os textos contidos nas cartilhas não fazem o menor sentido, não possuindo

elementos coesivos adequados e muito menos uma coerência discursiva,

sendo considerados de péssima qualidade para se alfabetizar.

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Exemplos típicos de textos contidos em cartilhas:

Vovó viu a ave.

A ave vive e voa.

Eu vi a viúva.

Viva a vovó.

Vovô vê o ovo.

A ave voava.

O boi babe.

O boi baba.

O boi bebe e baba.

O boi bebeu e babou.

A leitura do aluno passa a ser meramente decodificada com a

decifração das palavras através da relação entre sons e letras.

De acordo com o método de alfabetização pela cartilha, a escola deixa

de lado, ignorando, o conhecimento e as habilidades na percepção da fala que

o aluno possui, passando a induzi-lo aos poucos a realizarem uma

interpretação dos fenômenos fonéticos de acordo com a forma como escreve e

não de acordo com a realidade fonética.

Outro fator que gera preocupação é que a Cartilha é pura silabação e o

aluno, mesmo que sem querer, acaba por aderir a mesma em sua forma de

falar.

“A cartilha é algo contraditório tendo em vista que ensina os alunos a

silabarem e depois quer que leiam com fluência.” (CAGLIARI, 1998, P.85)

A cartilha já passou por várias transformações. Antigamente era um

abecedário, depois uma tabela de letras e por fim virou um livro didático com

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palavras chaves e sílabas geradoras, deixando de ser somente um livro de

leitura, passando a ser também de escrita:

“Por volta do final do século XV, Portugal fazia uso nas

escolas de cartilhas, que posteriormente foram

denominadas cartilhas. Eram pequenos livros que

reuniam abecedário, o silabário e rudimentos de

catecismo”. (BARBOSA, 1994, p. 57)

Barbosa (1994) explica que a cartilha era de fato um livro que ensinava

a ler e a escrever. Por isso era enviada em grande quantidade para as

colônias, inclusive para o Brasil.

Há professores que não usam a cartilha, preferindo outros tipos de

materiais como livrinhos didáticos, quadrinhos, joguinhos, rótulos, etiquetas,

etc., e por não terem uma orientação específica na utilização desses materiais

acabam confundindo ainda mais o aprendizado dos alunos. O alfabetizador,

desejando trabalhar algum material alternativo, sem ser a cartilha, deve antes

de tudo conhecê-lo, saber o que pretende, como se dá a aprendizagem,

encontrar significado para ele e principalmente para o aluno nesse processo,

porque na verdade, o que determina um bom desempenho no trabalho é o

esforço e a criatividade do professor, não importando se o material é “ bom ou

ruim”. Às vezes o material é ótimo, mas o professor não se interessa em criar

coisas novas. Esse professor precisa saber que é através dele que deve

trabalhar o despertar do interesse no aluno para a aprendizagem e que, por

isso, sua aula tem que ser agradável e não cansativa para as crianças.

Aquele professor que não adota diretamente a Cartilha acaba usando

indiretamente estratégias usadas pela mesma. Mas, mesmo assim, existe um

número crescente de professores conduzindo, seu trabalho de alfabetização

diferente do método que a cartilha oferece, procurando equilibrar o processo

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de ensino com o de aprendizagem. Inserindo a escola nesse contexto, o

processo da alfabetização que poderia ser um processo fácil tornou-se um

pesadelo.

Enquanto a alfabetização escolar se deteve em métodos, livros, muitos

alunos eram considerados incapazes e acabavam não conseguindo se

alfabetizar por não ir de encontro a essas perspectivas. Aos poucos foram

surgindo novas propostas na área da alfabetização e com isso a valorização da

criança e do seu trabalho ocorria uma melhor interação entre aluno e

professor.

A cartilha acaba ocupando o lugar do professor, pois o mesmo não

planeja suas aulas e tornam-se seguidores fiéis totalmente acorrentados a ela.

Além do professor, os alunos também são obrigatoriamente submetidos a

aprenderem coisas que muitas vezes não fazem o mínimo sentido em relação

à linguagem e o espaço é totalmente sufocado pela cartilha.

O espaço de troca e aquisição de conhecimentos dá lugar a uma

ambiente de mentira, onde o professor finge que ensina e o aluno finge que

aprende e os pais acabam achando que a alfabetização aconteceu com êxito.

O professor que utilizar a cartilha como material de auxílio no ensino

deve saber que ela enfatiza mais o aspecto da escrita com exercícios de

repetição, mas deve ter ciência que a alfabetização é mais que isso, pois se

concentra em três habilidades: fala, leitura e escrita.

“ A maneira como as cartilhas lidam com a fala e a escrita

confunde as crianças, uma vez que passa a idéia de que

a linguagem é uma soma de tijolinhos, representados

pelas sílabas e unidades geradoras”. (CAGLIARI, 1998,

p.82).

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A metáfora utilizada por Cagliari na citação acima nos entender que a

cartilha aborda o processo de construção da linguagem na criança de forma

equivocada, uma vez que essa mesma “não compreende” a linguagem como

soma de tijolinhos, (ba + bo + u = babou), cada criança tem sua individualidade

na forma de compreensão nesse sentido e também, esse mesmo material,

apresenta os métodos de alfabetização: sintético e analítico, ou os dois ao

mesmo tempo, os quais abordaremos nos capítulos que se seguem.

O objetivo deste trabalho, portanto é discutir as possibilidades

pedagógicas da cartilha no processo de alfabetização e a sua presença nos

dias atuais, Diante dessa questão, foi necessário traçar um plano como

caminho para desvendar o problema da pesquisa como: descrever a história

da alfabetização e a cartilha no Brasil; compreender o método de ensino da

cartilha e analisar comparações entre a cartilha e as tendências atuais de

alfabetização apresentadas por alguns autores.

Barbosa (1994) analisa métodos de alfabetização desde as obras do

século XVI até algumas abordagens baseadas no construtivismo de hoje. Em

seguida o autor propõe uma nova maneira de trabalhar o processo de

alfabetização sem ba, be, bi, bo ,bu. Cagliari (1998) conduz o leitor a uma

reflexão sobre a prática social na alfabetização que lhe permita desenvolver

novas práticas.

Ferreiro (2001) descobriu e descreveu a “psicogênese da língua

escrita”, deslocando a investigação de “como se ensina” para “ o que se

aprende”.

Kramer e Leite (1996) abrem uma discussão crítica sobre a infância,

trazendo contribuições a profissionais que trabalham com crianças. Procura.

Construir uma ótica da infância, considerando a criança em sua condução de

sujeito histórico que subverte a ordem e a vida social. Uma criança não-

infantilizada – longe de ser sementinha ou filhote de homem, que é produzida

na cultura e produtora da cultura.

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Segundo Rudio (1990) descrever significa dizer porque alguma coisa

acontece (p.71). Por essa razão, a princípio é preciso mencionar a história da

alfabetização desde o aparecimento da escrita até os dias atuais. Para

compreender o método de ensino da cartilha, novamente Rudio (1990)

especifica que é através da apresentação de características que chegamos a

compreender um conceito, pois são estas que o constituem. Geralmente

quanto mais características forem apresentadas, melhor será a compreensão

que se terá do conceito (p.24).

Para analisar comparações entre o método da cartilha e as tendências

atuais de alfabetização, Marconi e Lakatos (2001) propõem que analisar algum

material significa estudar, decompor, dessecar, dividir, interpretar. A análise de

um texto refere-se ao processo de conhecimento de determinada realidade e

implica o exame sistemático dos seus elementos (p.23). Com essa

denominação será mais fácil entender um processo de análise de um

determinado assunto.

Sendo assim, este estudo poderá contribuir para identificar os

problemas que envolvem a alfabetização, no que compete à utilização da

cartilha nesse processo de ensino-aprendizagem.

Além disso, será possível identificar com essa pesquisa alterações

sofridas na alfabetização até os dias de hoje, inserindo nesse contexto a

cartilha como recurso ainda bastante presente em nossas instituições de

ensino.

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CAPÍTULO II

A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO E A CARTILHA NO

BRASIL

Procurando conhecer as possibilidades pedagógicas no processo de

alfabetização, foram realizados estágios em instituições particulares e um

trabalho efetivo em uma escola da rede pública, turmas de séries iniciais, as

quais foram proporcionadas observações à aulas que tinham atividades de

leitura e escrita. Professores, escrevendo o tempo todo no quadro, lendo e

ditando para os alunos textos na íntegra, sem que houvesse oportunidade de

fazer uma reflexão sobre o que estava sendo lido, sem momento de crítica.

Para melhor entender esse processo, essa pesquisa procura conhecer

a História da Alfabetização e o surgimento da Cartilha no Brasil.

Se considerarmos o ao de 1789 como o marco

fundamental da associação duradoura entre a

alfabetização e a escola, comemoramos , em 1989, 200

anos de êxitos e fracassos que marcaram a trajetória da

escola nos sues propósitos de garantir a todos,

indiscriminadamente, o acesso à cultura escrita (

BARBOSA p. 16).

Exatamente no século XVIII, a escola concretizava um modelo de

alfabetização que é utilizado até hoje por nossas instituições de ensino. Nesse

sentido Barbosa (1994) afirma que foi com a implantação da escola

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republicana onde o lema era “Escolarizar para se Alfabetizar”, que a História e

a Alfabetização se encontraram.

As duas aprendizagens concebidas nesse momento, a Leitura e a

Escrita, eram aplicadas somente às crianças que os pais tinham uma boa

condição financeira para pagar um professor particular. Isso somente para

traçar algumas letras no papel. Em meio a essas questões, após alguns anos

de encontros e desencontros com relação ao desencadear desse processo, na

escola, os mestres passaram a ensinar três habilidades diferentes: Ler, Contar

e Escrever.

Com a difusão da Revolução Francesa a educação passa a ser

universal e gratuita, ou seja, os mestres que antes eram pagos para dar aulas

particulares, agora teriam que ensinar a muitas crianças ao mesmo tempo,

exigindo assim uma melhor didática. Para obter essa posição no ensino,

profissionais da época buscaram recursos no estrangeiro a fim de terem uma

base de como alfabetizar.

Com essa busca de idéias no estrangeirismo, foram trazidos muitos

benefícios para o Brasil, principalmente da parte da Inglaterra, a qual a

contribuição foi fundamental. No decorrer do tempo, várias inovações ocorriam

a História da Alfabetização, como a adoção do quadro de giz em sala de aula,

mobiliário escolar adequado como as carteiras, arquitetura da escola, etc.

Nesse mesmo período, no século XVIII, começaram a surgir centenas

de Escolas Normais que se espalharam por toda França, formando

professores para esta nova etapa da Educação, Como diz Demo (1993):

É preciso rever estruturalmente a questão relativa à

Escola Normal. É fundamental preocupar-se com a

qualidade e reciclagem deste tipo de formação, porquanto

nossas crianças estão nas mãos deste professor. Não

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cabe um “professor menor”, logo em área tão estratégica.

Dado o desafio, carecemos de um super-profissional,

dotado de ampla formação geral, competência educativa

evidente, capacidade interdisciplinar para tratar da

criança de modo global e pleno. (p.28)

Essa preocupação em se ter uma escola universal, gratuita, com

professores qualificados estava relacionada com o novo modelo cultural

proposto pelas idéias republicanas da época, ou seja, exclusão de indivíduos

analfabetos. A nova classe dominante no poder desejou demonstrar a urgência

de garantir a todos o mínimo de instrução e estabilidade social.

Através da instituição de ensino seriam veiculados valores dominantes

que dotassem o cidadão de questões sobre a Leitura e Escrita apropriadas à

situação emergente. Nesse contexto a educação passa a ser vista pelos pais

como um meio de ascensão social, futuro garantido para seus filhos sem

precisar um dia expô-los a trabalhos pesados.

Barbosa (1994) ressalta que antes a alfabetização era vista como uma

conquista da salvação eterna, agora como uma exigência para modernização

social. Em meio a essas divergências com relação à alfabetização, ambas as

perspectivas tinham algo em comum: um projeto político, primeiro da Igreja e

depois do Estado.

Sendo um fenômeno pedagógico, a alfabetização passa a atuar junto

com a escola como “agência de socialização” desse processo. Passa a ser um

fenômeno social e cultural. Barbosa (1994) conclui essa questão:

A escola, tal como concebida na época, se revela um

excelente instrumento de alfabetização, pois era ao

mesmo tempo, eficaz (além de promover a técnica

rudimentar de leitura, permitia a veiculação de novos

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valores), rápida ( um ano era suficiente), em seguida

(permitia o controle diário de aprendizagem) e,

evidentemente, econômica. Era tudo o que queriam.

(p.20)

2.1 – A Escrita

Observando a difusão desses fatores religiosos, geográficos, sociais e

econômicos que conduzem o desenvolvimento da sociedade, nessa nova

perspectiva, nota-se que nada poderia funcionar sem a Escrita. Gelb afirma:

“A Escrita existe somente em uma civilização e uma civilização não

pode existir sem a Escrita” (p. 34 Barbosa, 1994).

O homem vem buscando a todo instante comunicar-se e como foi

mencionado acima, uma civilização não pode existir sem uma cultura, ou

seja, sem a escrita.

A Escrita tem origem no momento em que o homem aprende a

comunicar seus pensamentos e sentimentos por meio de signos. O passo

decisivo para o desenvolvimento da mesma vai ser dado pelos sumérios,

onde a Suméria é considerada até hoje o berço da Escrita. A mais primitiva

escrita sumeriana era ideográfica, composta de sinais que representavam

ideias e não palavras.

Por volta 3.100 a.C., a escrita sumeriana evoluiu passando a

representar esses nomes/ sinais por desenhos dos sons desses nomes, o

signo passa assim a ter um valor fonético.

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Por exemplo, a palavra discórdia – antes esse signo era representado

por duas mulheres brigando (representação ideográfica), agora após a

evolução, passa a ser representado por uma mulher e uma corda e, finalmente

por um disco e uma corda (disco + corda).

Os cuneiformes são sinais gráficos em forma de cunha,

traçados em tijolos de argila por meio de instrumentos de

metal. Esses sinais são em grande parte silábicos. A

representação gráfica (desenhos) dos sons chamados de

Hieróglifos. (BARBOSA p. 35 e 36 )

Esse sistema cuneiforme foi adaptado por outros povos aos seus

idiomas e continuou a ser usado na Babilônia, Assíria e Caldéia. A mais antiga

inscrição hebraica que se conhece é a cuneiforme. Em 300 a.C., entende-se

que a influência da Escrita se expandiu para o oeste, até o Egito.

Os povos semíticos da margem oriental do Mediterrâneo mantinham

contato com o Egito e a Mesopotâmia. Os semitas reduziam os modelos

silábicos da época de 60 elementos para 21 consoantes, inserindo-se assim o

Princípio Acrofônico, em que para se alfabetizar nesse sistema de Escrita

bastava pessoa decorar a lista dos nomes das letras, observando a ocorrência

de consoantes nas palavras e transcrever esses sons consonantais: DAVID –

procurar na lista os nomes das consoantes e transcrevê-las.

Em meio a esse contexto, os gregos resolveram escrever não apenas

só com consoantes, mas também com vogais, mantendo assim o princípio

acrofônico. Quando esses passaram a usar o alfabeto, aprender a ler e a

escrever tornou-se uma tarefa de grande alcance popular. Na Grécia Antiga

havia as escolas do alfabeto. Em seguida os romanos assimilaram toda a

cultura grega em relação a esse aspecto, mas percebeu que era mais simples

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ter como nome de letra apenas o próprio som dela. Ex: a, bê, cê, dê... Cagliari

(1998) afirma essa questão abaixo:

Os semitas, os gregos e os romanos nos deixarem alguns

alfabetos: tabuinhas ou pequenas pedras ou chapas de

metal onde se encontravam todas as letras, na ordem

tradicional dos alfabetos. Na verdade, serviam de guia

para as pessoas aprenderam a ler e a escrever, ou

mesmo quando fossem escrever. Tais documentos foram,

por assim dizer, as mais antigas “Cartilhas” da

humanidade: uma cartilha que continha apenas o

inventário das letras do alfabeto (p.17 e 18).

Passando da Antiguidade para a Idade Média, a alfabetização ocorria

mais no cotidiano das pessoas do que nas escolas e a regra era: “Quem

sabia ler ensinava quem não sabia”. Aprender a ler e a escrever não era uma

atividade escolar como na Suméria ou na Grécia. As crianças não iam para a

escola e eram ensinadas por algum parente ou por um preceptor.

Com o uso da escrita cada vez maior e com a produção crescente de

livros à mão, Cagliari (1998) complementa dizendo que começam a surgir

nesse momento variante para a representação gráfica das letras, variantes

como: letras maiúsculas e minúsculas e letras de imprensa, surgindo assim

uma maior preocupação com a alfabetização. Dessa inquietação aparece um

instrumento que é alvo da minha pesquisa: a cartilha.

2.2 – O Surgimento da Cartilha

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A Cartilha surgiu por ser preciso na época normalizar uma ortografia

para ensinar o povo a escrever na língua do seu próprio país, sem

estrangeirismos.

Analisando a história, percebe-se a mesma idéia em se ter uma

ortografia padrão, só nesses casos com um caráter religioso:

Jan Hus (1374 – 1415) propôs em seu país uma ortografia padrão para

a língua tcheca, dominando ABC de Hus, que consistia num conjunto de frases

de caráter religioso. Essa obra era voltada para a alfabetização do povo.

Em 1525 na cidade de Wittenberg, surgiu uma cartilha do ABC que

continha o alfabeto, algarismos e orações. Em 1527, numa obra semelhante à

Cartilha do ABC, Valentim Tckelsamer incluiu listas de sílabas simples – ba be

bi – permanecendo até o século XVII. Somente no século XVIII que vieram

aparecer as primeiras gravuras das letras iniciais: S – desenho de uma cobra.

As questões acima com relação a escrita – cartilha, revelam que a

Igreja sempre procurou estar à frente da situação. Como foi dito anteriormente,

uma civilização não pode existir sem a escrita e foi através dela que a Igreja

procurou penetrar na sociedade, pelo meio mais influenciável: a criança.

No ano de (1592 – 1670) o educador Tcheco Comênius publicou uma

obra em 1658: “ O mundo sensível em gravuras”. Era um livro de alfabetização

que vinha com figuras que incentivavam as crianças no estudo e em 1702, São

João Batista de La Salle defendia a ideia de um ensino dividido em lições para

alunos principiantes, médios e avançados:

1º livro - início 2º livro – médio 3º livro – avançado

Lição 1 - alfabeto Lição 4 – aprender a

silabar e a soletrar

Lição 6 – aprender a ler

com pausas

Lição 2 – sílabas Lição 5 - Leitura para

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quem sabia ler

Lição 3 - silabário

Como foi dito anteriormente, tudo que estava relacionado à escrita, a

Igreja intervinha. A alfabetização era voltada para uso na sociedade ou para

uso na religião. Para as crianças aprenderem bem a ortografia, elas tinham

que fazer cópias de cartas – modelos / documentos comerciais, pensando já

em algo útil para sua vida.

Havia uma distinção entre ler e escrever. A leitura era destinada para

coisas religiosas e a escrita para desenvolver algum trabalho na sociedade.

Esse modelo de ensino, ou melhor, de escola, partiu da França e teve grande

repercussão nas escolas dirigidas por religiosos em outros países.

Nesse contexto assim como Cagliari, Barbosa afirma que a Revolução

Francesa trouxe muitas novidades para a escola que perduram até nossos dias

e também algumas idéias sobre o assunto.

O pedagogo José Hamel defendia um ensino coletivo, não mais de

atenção individual, Esse ensino com muitos alunos numa classe, inaugurou um

novo tipo de escola: os jardins de infância ou maternal.

Robert Owen (1771 – 1858) em 1816 possuía uma fábrica têxtil de

New Lanark, na Escócia e percebeu que seus funcionários eram em grande

parte mulheres e que as mesmas não tinham onde deixar seus filhos para

trabalhar e por isso Owen adotou a idéia de ter uma “Creche” em sua fábrica

para satisfazer ambos os lados: as mães em terem um lugar seguro para seus

filhos e ao empresário em ter disponível sua mão de obra. Em (1782 – 1852) o

pedagogo Froebel fundou oficialmente o primeiro Jardim de Infância.

Como dito anteriormente, a Revolução Francesa trouxe vários

benefícios para a Escola e um deles foi introduzir a alfabetização como matéria

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escolar tanto para a nobreza quanto para a burguesia. Em meio a essas

inovações na área da Educação, as antigas cartilhas sofreram modificações.

As cartilhas passaram a ser divididas em lições e cada uma enfatizando em

fato:

1ª Lição B ba bé bi bó bu

2ª Lição C ...

A moda da escolarização espalhou-se por todo o mundo, mas como

não é novidade, quem frequentava as escolas pertencia à classe favorecida da

sociedade. Os pobres continuavam sem ter o direito de estudar. No Brasil a

escolarização da maioria das pessoas que iam à escola pública não passava

dos primeiros anos, pois os alunos se sentiam desestimulados com a prática

de ensino aplicada pelos professores que também não eram estimulados a dar

uma aula melhor.

2.3. – A Cartilha do Brasil

Em 1540, João de Barros escreveu a gramática mais antiga. Junto com

a gramática publicou a Cartilha (diminutivo de carta) e por fim denominou-se

Cartilha.

A Cartilha de João de Barros não era um livro para ser usado ma

escola, porque a mesma naquela época não alfabetizava, Era sim um livro

tanto para crianças quanto para adultos se alfabetizarem: decorando o

alfabeto, palavras-chave, escrever e ler. Esse método estava mais voltado para

a decifração da escrita do que escrever corretamente. Nesse sentido a

ortografia por enquanto não tinha vez. As pessoas que não freqüentavam a

escola tinham esse recurso para se alfabetizarem.

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Uma cartilha famosa foi a de Antônio Feliciano de Castilho,

denominada de “Método Portuguez” para o ensino do ler e escrever (publicado

posteriormente em 1850). Uma característica desse tipo de material foi o

emprego de alfabetos icônicos, com representação de imagens, já usados na

Grécia Antiga e também durante o Renascimento e que aparece até hoje nas

Cartilhas Modernas. Outra característica soa os textos narrativos que servia

para ensinar as letras, fazendo uma lição para cada uma delas e também para

os dígrafos, etc.

Logo em seguida, 1853, foi publicada a 2ª edição desse método, para

um ensino rápido, manuscrito, etc. Essa obra também estava adequada para

ser usada nas escolas e também para uso das famílias.

Outra Cartilha portuguesa que ficou famosa inclusive no Brasil foi à de

João de Deus publicada nessa mesma época, década de 80, chamada de

cartilha maternal ou arte de leitura. Essa Cartilha utilizava um modo de

escrever letras com destaque dentro das palavras. Dessa forma demonstrava-

se uma forte tendência da escrita sobre a leitura.

Tratando-se de material português, entre os livros que pertenciam a D.

Pedro II, encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro uma Cartilha

organizada por Francisco Alves da Silva de Castilho (publicada em 1859 – RJ)

em oposição ao autor Antônio Feliciano de Castilho – autor da cartilha “Método

Portuguez”.

Castilho era professor em Campo Grande, onde trabalhava na área da

alfabetização com crianças pobres dedicando-se também à alfabetização de

Jovens e Adultos. Ele chama a atenção que se devem ler palavras inteiras e

não letras ou sílabas como Antônio Feliciano de Castilho (autor português).

O método de Francisco Alves propunha:

* Leitura coletiva depois individual

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* Exercícios de escrita (método sintético – analítico denominado por ele

próprio)

Diante dessas inovações como a Cartilha de João de Deus e a Cartilha

de Antônio Feliciano de Castilho, foram surgindo inúmeros outros tipos de

cartilhas e dentre essas algumas se destacaram, pois enfatizavam uma forma

de ensino diferente.

Até a publicação da cartilha do maternal - autor João de Deus, XVIII –

enfatizava o método sintético, onde o processo de análise da língua se dá as

partes menores para o todo. Esse método baseia-se no conceito de que as

unidades significativas da língua “ sons e letras” é que devem ser o ponto de

partida.

A partir da Cartilha do maternal, outras tendências foram surgindo e

dentre elas: o método analítico que se dá a partir da compreensão da leitura

desde de sua fase inicial, baseando-se no conceito de que as unidades

significativas da língua “palavras e sentenças” é que deve ser o ponto de

partida. Um exemplo desse caso seria a Cartilha do povo publicada em 1928 e

o teste ABC publicado em 1934 do mesmo autor.

Com o tempo apareceram mais obras que seguiram um método novo,

ou seja, o método que compreendia as duas novas tendências: analítico-

sintético. Um exemplo que ganhou destaque dessa tendência foi a Cartilha

Caminho Suave, publicada em 1948.

Tratando um pouco mais da questão alfabetização, as primeiras

Cartilhas até o ano de 1950 davam ênfase à leitura. A partir disso passou-se a

dar mais importância à produção da escrita feita pelo aluno. Nessa nova

perspectiva o mais importante era aprender a escrever, ou seja, uma atividade

escolar privilegiando o ensino e quase não mais a aprendizagem. Cagliari

(2003) diz a respeito disso:

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Nessas tentativas de escrita, a criança não procura

copiar, mas representar o que ela imagina que seja a

escrita. Algumas crianças superam esta etapa antes de

entrar para a escola, mas muitas só têm a possibilidade

de vivência – lá ao ingressarem na primeira série (p.121).

Essa nossa perspectiva em termos é prejudicial, pois muitos alunos

tinham dificuldades em seguir esse processo escolar de alfabetização e essa

dificuldade era vista pelo alto índice de reprovação na primeira série.

Na recente pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1979)

sobre a psicogênese da língua escrita as autoras

apontam justamente que os métodos de alfabetização e

os procedimentos de ensino baseados em concepção

adultas não estão de acordo com os processos de

aprendizagem e as progressões das noções infantis sobre

a escrita ( SMOLKA – 2001 p.2).

De uma forma geral, por causa do alto índice de repetências e evasão

escolar, concluiu-se que a experiência escolar da alfabetização com Cartilhas

foi desastrosa.

Surge então, uma investigação com relação ao uso adequado da

Cartilha pelo professor, sendo necessário dar a este uma ajuda especial, ou

seja, manual inserido na própria Cartilha.

As cartilhas que sobreviveram passaram a ser o manual do professor,

com raríssimas exceções, com a Cartilha de Sodré. Mas esse tipo de material

de apoio não foi melhor solução para o problema de repetência e evasão

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escolar, pois os índices continuavam assustadores. A Cartilha era logicamente

perfeita. A dificuldade deveria residir nas crianças.

Os manuais do professor apostam na ignorância deste e

por isso não passam de verdadeiros “scripts” para serem

representados nas salas de aula. Em vez de ensinar os

conteúdos básicos do trabalho do professor, partem de

considerações muito vagas à respeito do valor da

educação e vão em seguida, dizendo o que o professor e

o aluno devem fazer passo a passo. (CAGLIARI p. 27 e

28)

Mesmo período, década de 50, a psicologia começou a fazem enorme

sucesso nas universidades e a escola passou a se objeto de estudo de futuros

profissionais da área. Diante de várias pesquisas, psicólogos chegaram a

conclusão que a grande dificuldade de aprendizagem das crianças na

alfabetização devia-se ao fato de essas crianças repetentes serem “ pessoas

carentes”.

Para superar esse problema, pesquisadores inventaram um período

que precedia a alfabetização- o preparatório – onde as crianças com algum

tipo de dificuldade treinariam suas habilidades básicas até ficarem prontas

para se alfabetizarem. Esse período preparatório consistia em exercícios de

prontidão (exercícios pontilhados...)

“ Os domínios perceptivos a compor um elemento de aspectos

mensuráveis, através dos textos tipo “ reading readiness” ou “testes de

prontidão”, que são considerados pré-requisitos da alfabetização”. (p.75

Barbosa, 1994)

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Como Barbosa (1994) afirma além da Cartilha e do manual do

professor, surgiu agora o livro de exercícios de prontidão. Só que o índice de

reprovação continuou quase que inalterado e nada disso serviu para resolver a

aprendizagem da leitura e da escrita das crianças.

Diante dessas mudanças sem resultado, à prática escolar no que

compete à alfabetização mais comum em nossas escolas ainda como base o

uso da cartilha.

Com base nas interferências de órgãos públicos nas áreas

construtivista- psicopedagógica – lúdica – os professores, já não sabem

distinguir o que é certo ou duvidoso. Se a competência já era limitada, agora

ficou ainda mais confusa diante de tantas inovações pedagógicas.

Nas décadas de 70, 80 e 90 foram surgindo inúmeras questões sobre

o Construtivismo e com ele as cartilhas modernas, ou melhor, construtivistas,

que se propuseram a compreender o estudo da psicogênese da escrita Emília

Ferreiro e Ana Teberosky ao processo de alfabetização. Segundo Cócco e

Hailer (1996):

Emília Ferreiro, discípula de Piaget, vem desenvolvendo

teses sobre hipóteses de pensamento que a criança pode

apresentar a respeito da linguagem escrita. Ela não

propõe uma “nova pedagogia” ou um “novo método”, mas

suas pesquisas deixam claro que o que leva o aprendiz à

reconstrução do código lingüístico não é o cumprimento

de uma série de tarefas ou o conhecimento das letras e

das sílabas, mas uma compreensão do funcionamento do

código. “Embora não proponha uma prática pedagógica, a

contribuição de suas pesquisas é essencial para que o

educador repense todo o processo de ensino -

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aprendizagem da língua e o funcionamento do código”

(p.10)

Ferreiro deixa claro em sua análise que o professor – educador, deve

ter claro o processo de ensino- aprendizagem. Sendo assim poderá garantir

um melhor aproveitamento para seus alunos e para si próprio. Levando em

consideração as análises sobre a cartilha, a seguir serão discutidas idéias

sobre o método de ensino desse material didático.

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CAPÍTULO III

O MÉTODO DE ENSINO DA CARTILHA

Os livros didáticos em sua esmagadora baseiam-se em concepções

tradicionais, cujos autores estão mais preocupados com a narração e

encadeamento dos fatos e acontecimentos, sem maiores preocupações em

reflexões dos temas apresentados.

Sabe-se que o método de ensino mais utilizado para a alfabetização

nas escolas municipais, estaduais e particulares é a cartilha silábica.

Baseada nessa afirmação foram analisadas concepções de algumas

autores para compreender o método de ensino da cartilha, não criticando, mas

refletindo sobre alternativas para o processo de ensino – aprendizagem. A

princípio foi preciso entender o que é de fato a Cartilha. Segundo Barbosa

(1994)

Cartilha são livros didáticos infantis destinados ao período

da alfabetização. Daí seu caráter transitório, limitando-se

se uso à etapa em que, na concepção tradicional da

alfabetização, a criança necessita dominar o mecanismo

considerado de base na aprendizagem da leitura e

escrita. A Cartilha apresenta um universo de leitura

bastante restrito, em função mesmo de seu objetivo: trata-

se de um pré-livro e um pré-leitor. (p.54)

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A Cartilha ou pré-livro trata-se de um livro básico de leitura empregado

para desenvolver a alfabetização.

3.1. Há quatro tipos de Cartilhas

Cartilhas Sintéticas

Essa Cartilha é a mais tradicional. Foi muito utilizada até o século

XVIII, e como foi descrito anteriormente, esse método sintético leva o aluno a

combinar, desde o início, elementos isolados da língua: sons, letras e sílabas.

Pode ser classificado como: fonético, alfabético ou silábico, onde a unidade

lingüística é o som, a letra e a sílaba.

Cartilhas Analíticas

As Cartilhas Analíticas possuem um método, também já mencionado

anteriormente, onde parte da análise de todos (palavras, sentenças e contas)

para as partes menores (sons, sílabas, letras). Pode ser denominado:

palavração, sentenciação ou historiados, em que a unidade linguística é a

palavra, a sentença e a historieta.

Esse tipo de Cartilha apesar de ter surgido após o século XVIII,

dificilmente é encontrada no Brasil, por não ser muito adotada pelos

professores na alfabetização.

Cartilhas Mistas

Também podem ser chamadas de Cartilhas Analítico-Sintéticas, por

combinarem um pouco de cada tendência, elementos menores e maiores da

língua.

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O procedimento dessa Cartilha parte primeiramente de uma palavra

chave, que é destacada de uma frase para logo a seguir, realizar, a

decomposição em sílabas compondo assim novas palavras.

Cartilhas Modernas

Essas Cartilhas surgiram na década de 70, mas precisamente nos

anos 90, onde os estudos de Emília Ferreiro ganharam mais ênfase, por que

tinham uma visão mais centrada na vivência do aluno e não em concepções

prontas. As Cartilhas Construtivistas estão cheias de poesias, canções,

notícias de jornal, peças de publicidade e outros textos do dia-a-dia.

Diante dessas propostas da Cartilha, Rizzo (1992) apresenta as

seguintes considerações:

Psicólogos e Lingüísticos apontam inúmeras

desvantagens, apresentadas nos processos silábicos:

1) A pobreza do vocabulário (...)

2) O resultado inevitável de se formar palavras

desconhecidas dos alunos ou do seu uso ou escolha

(...)

3) O desalento produzido pelo inconsciente

reconhecimento de “bás” “más” e “fá”, que não

produzem a necessária sensação de ler (...)

4) O prejuízo do período silábico anterior à descoberta da

Leitura (...) (p.18)

A partir dessas afirmações pode-se concluir que a recuperação dos

efeitos desastrosos dos métodos sintéticos, não é impossível, mas exige, no

mínimo, a interferência de um profissional para salvar o aluno das

conseqüências traumatizantes do fracasso. Deve-se reverter o processo,

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partindo para os métodos construtivistas, com o uso de vocabulário que vá de

encontro à vivência do aluno.

Tendo conhecimento da variabilidade de material didático para a

alfabetização, estabelece-se uma hierarquia de dificuldades. Nessa categoria

diferem-se as sílabas simples (ba be bi) das mais complexas (as za xa ) etc.

Na apresentação das sílabas, as cartilhas sempre se preocupam em começar

primeiramente pelas mais simples e gradualmente demonstrar as mais

complexas para não ser prejudicial ao aluno. Cuida-se também de não

introduzir muito proximamente as sílabas com som ou grafia semelhantes.

Segundo Votre:

Uma cartilha ideal deve conter as palavras mais propícias

tanto em termos sócio-culturais quanto lingüísticos; e

essas palavras devem estar incluídas em textos que faça

sentido e soem naturais para seus usuários (p.55)

Barbosa (1994) complementa dizendo:

Para a seleção das palavras – chave os autores afirmam

utilizar a realidade Linguística da criança, ou seja,

propõem palavras que tenham significado efetivo para o

aprendiz, respeitando sua origem sócio-cultural (p.55)

Tendo em vista as afirmações acima numa perspectiva ideal de

cartilha, as idéias se contradizem. Na realidade a maioria das cartilhas

utilizadas na alfabetização não vai de encontro à origem das crianças. Um

exemplo claro dessa questão é a cartilha: “Alegria do Saber“ muito utilizada no

processo de alfabetização. Onde uma criança que vive no centro – urbano

estuda za, zé, zi, zo, zu – “ Tio Zuza cuida do Zebu”, afinal, você sabe o que é

um zebu?

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Na verdade a Cartilha é um instrumento de ensino, é uma orientação

da metodologia adotada pelo professor e não suporte da aprendizagem do

aluno.

3.2. A Torre de Babel

Uma língua é composta de inúmeras modalidades, que variam de

acordo com o contexto sociocultural.

O material didático em discussão, a Cartilha, ignora tal realidade

lingüística da sociedade.

Em sala de aula o aluno sempre procura espelhar sua fala no

professor e como este é um dos recursos, mais utilizados na fase da

alfabetização, quando se trará de questões fáceis, o aluno acompanha sem

dificuldade o uso da fala padrão, a fala do professor. Apesar de que em suas

casas os alunos não terem regras som relação ao dialeto correto, padrão, ao

chegarem a escola tentam lidar da melhor forma possível com esse contraste.

Os alunos sempre procuram imitar o professor no que compete ao

dialeto correto e quando se deparam com perguntas feitas pelo mesmo,

acabam se sentindo incapacitados para responder. Mesmo o professor sendo

exemplo de linguagem padrão para seus alunos, ele também é um falante

nativo de uma variedade lingüística, correndo os mesmos riscos que um aluno,

no sentido de errar na fala.

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3.3. A contradição entre a Cartilha e a Leitura

Esse método de ensino da cartilha leva o aluno a pensar que, para ler

é preciso silabar e alguns transportam esse mesmo procedimento para a fala,

gerando assim dificuldades de expressão por parte do falante e também da

compreensão geral dos textos.

“A cartilha ensina os alunos a silabarem e depois quer que eles leiam

com fluência” (Cagliari, 1998 – p.85). Isso é contraditório.

A escola com seus recursos, métodos de ensino destroem

conhecimentos prévios conquistados pelas crianças. No meio em que vivem,

falando naturalmente com amigos, familiares, acham que não aprenderão a

grafar corretamente e ler no dialeto padrão.

A Cartilha ignora o fato que os conhecimentos prévios juntamente

coma fala são referências essenciais para o aluno aprender a ler e a escrever,

induzindo a interpretar fenômenos fonéticos da fala, tendo como modelo a

forma escrita das palavras e não a realidade fonética.

A partir daí, os alunos passam a ignorar a sua fala e a de outras

pessoas, analisando-a somente através da escrita ortográfica, que foi o que ele

aprendeu. Seria interessante a escola aproveitar esse recurso que os alunos

trazem consigo de percepção da fala, para explorar ainda mais a linguagem

oral e assim desenvolver trabalhos construtivos e que venham de encontro a

perspectiva de cada um.

“Se podemos ter um ensino decente, por que nos contentamos com

um ensino indecente? “ (Cagliari, 1998 –p.87).

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3.4. – O caderno perfeito

Com a chegada da Cartilha, os estudos com relação a linguagem oral

ficaram praticamente excluídos. A escrita passou a ser primordial no processo

de ensino-aprendizagem, mas mesmo assim a Cartilha apesar de tratar em

alta estima a escrita, divulga erradamente esse processo.

Diante desse valor com relação à escrita, A PALAVRA é a unidade

principal e a Cartilha assumiu essa postura transformando-a no centro das

atenções. Isso é visto na dificuldade que os alunos têm ara segmentar a

própria fala em palavras.

A frase é uma seqüência de palavras e do significado de cada palavra,

tira-se o significado total do texto. Essa é uma visão reducionista da linguagem

humana. Sendo assim a linguagem como forma de expressão do pensamento

e como ação sobre o mundo fica destruída. Talvez por isso que tantos alunos

têm dificuldades em elaborar/ interpretar textos, porque tiveram uma visão

muito fragmentada com relação a linguagem. Cagliari (1998) diz:

As cartilhas apresentam os piores textos, elaborados por

razões pedagógicas, para gerar as unidades das lições

com os elementos já dominados. Basta comparar os

textos das cartilhas com os textos espontâneos das

crianças para perceber imediatamente como os primeiros

são ridículos e idiotas. Os textos das cartilhas não lidam

adequadamente com os elementos coesivos e, às vezes,

nem com a coerência discursiva, o que faz péssimos

exemplos para os alunos (p.89)

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A afirmação acima diz que os alunos tiverem a Cartilha como base

para o desenvolvimento da escrita e fala, não terão o perfeito e completo

domínio da linguagem.

Complementando a questão da escrita, nenhuma cartilha trata de

forma clara as diferentes maneiras de se expressar as letras do alfabeto:

Escrita cursiva – A cartilha tem preferências por essa forma de escrita;

Escrita de imprensa – Algumas cartilhas ainda usam esse tipo de letra,

mas já está caindo em desuso, pois as escolas e professores preferem uma

letra redondinha e perfeita, do que um bom aprendizado.

Os dois tipos de escrita proporcionam vantagens e desvantagens

.

A letra cursiva apresenta um traçado de letras ligadas, facilitando uma

escrita rápida, mas dificulta a leitura para aqueles alunos que estão

aprendendo podendo até causar confusão.

Dificuldades como essas em um sentido geral passam despercebidas

pela maioria dos professores, os quais se contentam em apagar o erro do

aluno e mostrar a forma certa. Além disso, existem outros problemas que as

cartilhas não lidam adequadamente, alguns alunos escrevem de forma

espelhada.

Há professores que não estão preparados para lidar com esse tipo de

situação e acabam dando um diagnóstico precipitado. Nessa questão de

escrita espelhada, educadores classificam como lateralidade cerebral. O que

não vem ao caso.

A cartilha não apresenta, nem discute o uso dos diferentes sistemas da

escrita. Um caso comum na alfabetização com crianças que ainda não tem

domínio da escrita é através de rabiscos, os adultos fazem isso com

assinaturas. Qual a diferença das crianças escreverem rabiscos?

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Uma outra questão que Cagliari trará com relação a escrita são as

cópias e os ditados que os professores mandam seus alunos fazerem até

passar por todas as lições. Os alunos copiam palavras muitas vezes para fixar

a forma ortográfica, depois frases e por fim os primeiros textos. Somente

depois de terminada a Cartilha é que podem começar a escrever por iniciativa

própria.

Sendo assim, a Cartilha pensa que ensina a ler, por meio de cópias e

ditados, codificando e decodificando as letras. A mesma jamais discute a

leitura e a decifração em si, só em três momentos:

• Os 2 sons do E: E/É

• Os 2 sons do O: O/O

• Os 5 sons do X: S/SS/KS/Z/X

A Cartilha só “perde tempo” na decifração dessas letras, porque os

sons causam muita diferença na hora que a criança vai pronunciar, mas se

fosse mínima a diferença passaria despercebida.

3.5. O trabalho mecânico

Assim como a Cartilha tem uma maneira equivocada de tratar a

escrita, a leitura também fica prejudicada, pois depende da escrita.

Alunos leem silabando e com o tempo vão adquirindo velocidade na

leitura e dando impressão que estão lendo com fluência. Mas esses mesmos

estão meramente mecanizados no final da leitura não conseguem explicar o

que foi lido.

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A cartilha usa a leitura como forma de ensinar a fixar a pronúncia na

norma culta, trata-se de uma leitura artificial que é somente para o professor

saber se o aluno aprendeu ou não a lição. Na Cartilha, o erro não tem vez, pois

não oferece alternativa para o professor quando o aluno não entende o

exercício.

A saída é ficar repetindo os exercícios até os alunos “entenderem”, ou

senão, terão de serem encaminhados para uma turma de reforço e

permanecerem ainda mais atrasados.

À medida que os alunos avançam para uma nova lição na cartilha,

acabam esquecendo o conteúdo visto anteriormente, gerando confusão na

aplicação do método, dando importância exagerada à interpretação de textos,

reduzindo suas aulas a esse tipo de atividades.

3.6. Se a Cartilha não está suprindo a carência da

alfabetização, o que fazer para resolver esse problema?

Para resolver esse problema de carência, é preciso estar muito atento

a questão da não-aprendizagem, que muitas vezes é justificada atribuindo a

culpa, aos próprios alunos, as famílias, aos problemas sociais, etc.

É necessário encontrar respostas a questões como:

Todas as crianças são capazes de aprender

adequadamente a leitura e escrita?; O que vem fazendo

com que o grupo de alunos não consiga sucesso ao final

dos três anos de ciclo?; A não-aprendizagem está

relacionada às questões de auto-estima?; A dificuldade

para alfabetizar está no método? (MULTIEDUCAÇÃO-

Temas em Debate/ p. 13)

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Pode-se observar que alguns professores reprovam crianças, já no 1º

ano, porque não conseguiram acompanhar o critério de ensino adotado pela

escola. Outros defendem a idéia da não-reprovação, por acreditarem que isso

pode acarretar prejuízos para os alunos. Todos querem o melhor para seus

alunos. Como saber, porém, o que é melhor?

Alguns professores utilizam e defendem o uso da cartilha e seguem

seus manuais de ajuda. Há outros que a teoria do Construtivismo,

desenvolvendo outros tipos de práticas educativas. Sendo assim, há alunos

que aprendem e outros não.

Nos dias de hoje é preciso repensar a construção de práticas

pedagógicas sobre o processo de leitura e escrita.

As características do ambiente alfabetizador e o contato com a língua

escrita prévia são dois temas importantes no ensino da língua escrita. De que

maneira isso vem sendo construído?

Acredita-se que a simples exposição de cartazes e rótulos poderia ser

considerada indispensável ao cenário de uma sala de aula. Será que é preciso

refletir sobre as mediações vividas pelos alunos durante essas exposições?

Para desvendar a curiosidade da criança, é preciso que ela esteja

exposta à magia do que está sendo divulgado a ela, chamando a atenção para

semelhanças e diferenças, para cores, formas e traçados, para o movimento

da esquerda para a direita, de cima para baixo...

Interagir na intimidade da criança é primordial, compreende-la e

encontrar motivos para investir na sua aprendizagem. É convivendo com a

famílias e sua vizinhança, que o mundo começa a fazer sentido para ela. É no

diálogo que se é estabelecido com cada uma delas e com as pessoas que as

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cercam que se encontra o fio condutor para fazer a intercessão dessas

linguagens, a linguagem da criança e a linguagem do seu meio.

Na história da vida de cada criança será possível compreender e

descobrir formas de ensinar, porque estará se pensando, valorizando e

significando conteúdos culturais.

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CAPÍTULO IV

COMPARANDO TENDÊNCIAS ATUAIS E TENDÊNCIAS

TRADICIONAIS

Procurando comparar tendências novas como o Construtivismo e seus

pesquisadores, com métodos tradicionais, a autora Oswald (1989), traz como

contribuição para os educadores, a questão da imposição com relação à leitura

e a escrita dada nas escolas.

É preciso entender a criança, esteja na creche, pré-escola, ensino

fundamental, escola pública ou privada, como protagonista viva da história da

sociedade e da cultura.

“... as práticas pedagógicas de leitura e escrita serão analisadas

relativamente Às Teorias de Conhecimento empirista, interacionista-

construtivista e sociointeracionista.” (Oswald, 1989- p.58)

A seguir, serão discutidas questões com relação a essas Teorias,

desde a visão de uma criança passiva, receptora de conhecimento até uma

ativa, co-participante da história, inserindo a Cartilha nesse contexto.

4.1. – Teoria Empirista

O Empirismo teve como seu principal teórico em sua doutrina filosófica

o inglês John Locke (1632-1704), onde afirmava que as pessoas eram como

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folhas em branco, pois não possuíam conhecimentos prévios estando limitados

a experiências vividas pelas mesmas no decorrer do tempo através de erros e

acertos. Essa corrente de pensamento foi chamada de Tabula Rasa.

Nessa perspectiva a criança é passiva, reprimida, receptora do

conhecimento; a aprendizagem é caracterizada pela repetição – memorização,

ou seja, treinos sem sentido de padrões fixos e imutáveis; o material utilizado

nesse caso é a cartilha tradicional, que se adapta a todas essas

características. A escrita é vista como mera atividade motora que deriva de um

modelo correto - a escrita do adulto; nesse sentido, o professor é visto como

transmissor do conhecimento e o único conhecedor da verdade.

Dentro dessa abordagem Empirista, a criança vira um fantoche – um

sujeito de manipulação, onde o professor, também manipulado pelo material

que utiliza, ou seja, a cartilha exerce o domínio da sala de aula, da fala, da

leitura e da escrita, não deixando espaço para o aluno interagir junto, nesse

processo. A criança tem que se abdicar de sua maneira de ser e de se

expressar e adotar as condutas estereotipadas que a escola exige.

Com relação à escrita, crianças que ainda não conseguem escrever

são vistas no estágio de prontidão, ou seja, são assinalados exercícios que

testam habilidades percepto-motoras, atendendo ao pressuposto de que o

domínio prévio dessas habilidades garantirá a aquisição da escrita.

Para as crianças que já possuem o domínio da escrita, o recurso é:

cópias, redações com conteúdos aprisionados pelos temas e exigência de uma

gramática e ortografia correta.

Com relação à leitura, os recursos mais utilizados são os textos,

pobres, que as cartilhas oferecem e os livros didáticos ou paradidáticos – cuja

função primordial é manipular a escrita e a leitura das crianças. A leitura

baseia-se na sonorização da escrita, transformando sinais gráficos em

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sonoros, onde a criança identifica palavras, mas não entende o significado.

Essa prática segundo Soares, 1998 – p.22:

“Significa a renúncia ao seu próprio saber e ao seu discurso, a sujeição

ao saber e ao discurso do dominante.”

4.2. Teoria Interacionista-construtivista

Essa teoria é contrária à perspectiva Empirista, nesse sentido a criança

é um ser ativo – construtivo que interage o seu conhecimento ao conhecimento

dado pelo professor.

De acordo com esse modelo do conhecimento, a aprendizagem é

conduzida pela criança sendo um processo de construção individual,

dependendo do desenvolvimento. Na medida em que a evolução do

pensamento obedece a uma ordem de estágio necessário ao seguinte. O

ensino não pode se adiantar à ordem destes, sob o risco de queimar etapas

indispensáveis à consolidação do conhecimento. O material utilizado nessa

perspectiva pode ser considerado como a Cartilha Moderna, a qual trata todos

esses elementos que envolvem o aluno no seu próprio processo de

aprendizagem.

Com relação à linguagem é entendida como sistema de representação

da ação, não sendo por si só constitutiva do pensamento lógico. Por meio da

representação, o desenho, a imitação e o jogo simbólico, a criança destaca o

pensamento da ação e vai assim evoluindo do esquema sensório-motor para o

operatório-concreto.

Ferreiro e Teberosky (1990) baseadas na Teoria do Conhecimento de

Piaget elaboraram a “Psicogênese da Escrita”.

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Tomando como ponto de partida a interação da criança com a escrita,

a mesma elabora idéias novas com relação a concepção adulta. A escrita

alfabética sempre é antecedida dos níveis pré-silábico, silábico e silábico-

alfabético. A avaliação é vista nesse sentido baseada nesses padrões

cognitivos não sendo mais pertinente ao modelo de escrita do adulto.

As pesquisas de Ferreiro e Teberosky contribuíram para libertar a

criança dos tão “significativos exercícios de prontidão”: cópias e da tão

sangrenta: caneta vermelha.

Esse instrumento de “massacre e extermínio criativo”, que é a caneta

vermelha, bloqueia muitas vezes o desenvolvimento do imaginário, o senso

crítico e o envolvimento do aluno em trabalhos e projetos que em muitos deles

os mesmo receberia congratulações por suas criações.

A partir do momento que o professor entende que a construção da

escrita acompanha o desenvolvimento do pensamento lógico matemático,

passa a ter um papel fundamental para o desenvolvimento de seus alunos,

esse é visto como interativo, encorajador, facilitador e desafiador. Tudo passa

a ter significado, até mesmo aos rabiscos que muitos professores julgavam no

lixo, agora são valorizados e entendidos como “pré-história da escrita”.

Muitas coisas caem por terra, inclusive as correções dos erros

gramaticais e ortográficos que levavam as crianças ao emudecimento de suas

mãos. Ter reconhecido o sistema da escrita como objeto do conhecimento e a

criança como sujeitam que reconstrói esse sistema, foi um avanço com relação

à privação antes sofrida pela mesma.

Ainda encontram-se professores que insistem em trabalhar com

determinadas metodologias que só servem para tolir e inibir qualquer evolução

ou posicionamento de seus alunos durante sua aula, deixando muitas vezes

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marcas severas carregadas durante anos e anos por essas crianças e em

muitos casos sendo incuráveis dependendo de cada uma delas.

4.3. – Teoria Sociointeracionista

De acordo com Lev Vygotsky (1896-1934), o sociointeracionismo é a

interação do indivíduo com o meio e com o outro os quais são impulsionados

pela linguagem.

Diferente das duas teorias anteriores, para Vygotsky, a criança é

sujeito social, um sujeito de cultura. Para ele o conhecimento é fruto das

interações sociais porque o conhecimento está na cultura. A linguagem é a

mais importante fonte de conhecimento. Vygotsky dá ênfase às interações

sociais e concebe o ensino como responsável pelas modificações no

desenvolvimento da criança. Todas essas questões implicam para a escrita a

aproximação com as experiências histórico-culturais.

A aprendizagem nessa perspectiva é contextualizada, discursiva, dá-se

na relação entre os indivíduos, considerando o contexto cultural. Nesse sentido

o professor é visto como mediador.

O professor tem papel fundamental, apesar de o aluno construir seu

próprio conhecimento, o educador tem a função de mediar todo o processo,

tendo de estar para isso seguro e inteirado no conteúdo que está

administrando com seus alunos.

Só há uma aquisição de conhecimento com êxito se houver uma

mediação plena e satisfatória.

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4.4. – A Cartilha na formação do leitor

Tratando a questão da imposição, a autora Dietzsch (1993), em seu

artigo “Cartilhas: A Negação do Leitor”, fala do constrangimento que as

crianças passam para entender a proposta da mesma.

Apesar dessa dificuldade, as cartilhas vêm integrando o dia-a-dia das

salas de aula resistindo a todas as críticas, que não são poucas.

Como alguém que olha apenas com o canto do olho, o

discurso das cartilhas é impermeável a uma visão mais

ampla e aprofundada do espaço à sua volta. Como esse

jeito obtuso de olhar possibilita tão somente nesgas e

partes do cenário, no seu através não se faz revelar o

verdadeiro rosto dos atores e da realidade, onde vai se

construindo a História da Cultura e da sociedade

brasileira.(p.29)

Dietzsch (1993) fala da visão restrita que a Cartilha proporciona à

criança, dando exemplo de um cenário, atores que nesse meio não vêem a

chance de construir uma história.

Analisando essa questão com a proposta de Oswald (1989), a mesma

também faz comparação com o artista, a fantasia, a criação, tudo isso está na

experiência que o homem acumula ao longo dos anos de sua vida e se a

criança é barrada na escola com suas variadas lições de vida pela cartilha ou

qualquer outro método de ensino, mata na mesma a possibilidade de um dia

se capaz de contar histórias, se ser parte de uma cultura...

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Dietzsch (1993) também trata de um aspecto interessante, da

preocupação que a cartilha tem em valorizar seu aluno e também seus pais

que de alguma forma, crê-se que contribuíram para a formação do mesmo.

Essa perspectiva vai de encontro Às idéias de Vaz (1994) alando do papel da

família da formação de um leitor- escritor- narrador-criador...

Além de aspectos técnicos a preocupação com a

realidade parece integrar apenas aspectos do consumo,

como atestam, por exemplo, “os diplominhas” que

aparecem no final de algumas cartilhas, confirmando a

“competência” de seu leitor e sugerindo a leitura do livro

seguinte do mesmo autor. Em alguns casos não apenas o

alfabetizando, mas também seu pai, sua mãe são dignos

do tal diploma. (p.36)

“A cartilha é um espaço de ausência: falta um texto, falta um leitor e

será que existe na cartilha um escritor?” (p.40- Dietzsch)

Felizmente, nesse impasse que existe entre a cartilha e a criança com

relação à leitura e a escrita, crianças de desprendem dessa visão

monopolizada que a mesma traz e conseguem imaginar idéias jamais prevista

pelo método de ensino tradicional.

Diante de tantas questões sobre a Cartilha, o leitor formado por essa

perspectiva de ensino, acaba se perguntando: Se a Cartilha é tudo isso que

dizem, como é que tantos conseguiram e conseguem se alfabetizar?

Uma resposta dada pela autora Dietzsch (1993) do sucesso de alunos

alfabetizados pela Cartilha, seria que os mesmos não se deixaram aprisionar.

Mesmo porque a força, a fantasia não era tirada da cartilha, mas de muitos

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outros encontros com a leitura e escrita, em lugares pelos quais a mesma não

passou.

Para que esse mundo de magia e fantasia aconteça, estando o

professor utilizando a cartilha como meio de alfabetização com seus alunos, o

mesmo precisa que o seu imaginário e seu poder criativo estejam bem

aflorados, uma vez que na cartilha não há textos nem outros meio para que

isso ocorra.

Se a instituição de ensino, seja privada ou pública, adotar a cartilha

como instrumento de trabalho para alfabetização, e até mesmo para os demais

anos de escolaridade, deve por sua vez subsidiar sua equipe de professores

para a sua utilização, através de materiais complementares, elaboração de

materiais que enriqueçam e amplifiquem o aprendizado dos seus alunos.

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CONCLUSÃO

A reflexão sobre a Cartilha considera um ponto importante: que não se

pode atribuir à mesma a responsabilidade pelas dificuldades da alfabetização,

sem antes fazer uma avaliação sobre o sistema de ensino que ocorre nesse

processo.

Vivemos em uma cultura globalizada, ocupada pelo modismo e alguns

profissionais, influenciados por esse sistema e sem nenhuma prática em sala

de aula, pensam que podem da noite para o dia excluir a Cartilha da sala de

aula e substituí-la por práticas construtivistas que vão de encontro a essa

perspectiva moderna. Mas o que se têm visto são práticas de ensino não

satisfatórias.

É importante ter consciência que um professor não pode “jogar pela

janela” toda sua história de ensino e dizer: “Agora sou construtivista!”. Nessa

pressa pela interação do novo e uma falta de orientação específica, os

professores passam a ter uma concepção errada sobre o que é de fato e

Construtivismo, achando que para isso é só trabalhar com textos da autora

Emília Ferreiro.

O que deve ser discutido pelos profissionais da educação, em um

sentido geral, são as práticas de leitura e de escrita que precisam ser

retomadas e reavaliadas. O método de ensino que será utilizado é

conseqüência daquilo que será discutido com relação Às práticas.

Propostas novas não vieram para substituir propostas antigas, mas

sim, interagir, melhorar pontos que não foram superados.

É necessário dar ao professor a oportunidade para refletir, avaliar a si

próprio, escolher a melhor forma de trabalhar, garantir um bom desempenho e

progresso para seus alunos e para si próprio.

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Finalizando essa reflexão, Dietzsch (1993) :

“Nesse contexto, a história da leitura e escrita do professor e o sentido

de sua voz em seus pedidos e recusas têm que ser entendidos em suas mais

diferentes significações.” (p.44)

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

CARTILHA:SIM OU NÃO? 10

CAPÍTULO II

A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO E A CARTILHA NO BRASIL 18

2.1 – A Escrita 21

2.2 – O Surgimento da Cartilha 23

2.3 - A Cartilha no Brasil 26

CAPÍTULO III

O MÉTODO DE ENSINO DA CARTILHA 33

3.1 – Há quatro tipos de Cartilha 34

3.2 – A Torre de Babel 37

3.3 – A contradição entre a Cartilha e a Leitura 38

3.4 – O caderno perfeito 39

3.5 – O trabalho mecânico 41

3.6 - Se a Cartilha não está suprindo a carência da alfabetização, 42

O que fazer para resolver esse problema?

CAPÍTULO IV

COMPARANDO TENDÊNCIAS ATUAIS E TENDÊNCIAS TRADICIONAIS 45

4.1 – Teoria Empirista 45

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4.2 - Teoria Interacionista – construtivista 47

4.3 – Teoria Sociointeracionista 49

4.4 – A Cartilha na formação do leitor 50

CONCLUSÃO 53

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 55

ÍNDICE 57