direito e moral

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Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Introdução ao Direito Docente: Altair Discente: Ane Ferrari Ramos Cajado O tema relativo ao Direito e à Moral sempre foi objeto de intensas discussões ao longo da história. O propósito desse trabalho é demonstrar a trajetória evolutiva desse debate que, em larga medida, acabou se tornando um debate sobre a essência do direito e da justiça. Inicialmente, na evolução histórica do direito, este se confundia com a Moral, chegando ao ponto desta ser utilizada como única fonte de produção das normas jurídicas. Com a modernidade, o Direito passou a se distanciar da Moral, acompanhando as mudanças de valores e passando a proteger somente o que fosse essencial à paz, à segurança e ao convívio social. Iniciando essa evolução dos conceitos em tela, o autor Leib Soibelman afirma que os gregos não dispunham de um vocábulo próprio para designar o Direito. Eles uniam “Moral” e “Direito” no conceito de “justo”. O mesmo autor assinala que os romanos também não fizeram uma separação nítida, embora Paulo tenha vislumbrado uma distinção, ao escrever que “nem tudo que é lícito é honesto”. Acrescenta Soibelman, com maestria, que o cristianismo reservou a Moral para Deus e o

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Page 1: Direito e Moral

Faculdade de Ciências Jurídicas e SociaisIntrodução ao DireitoDocente: AltairDiscente: Ane Ferrari Ramos Cajado

O tema relativo ao Direito e à Moral sempre foi objeto de intensas discussões ao

longo da história. O propósito desse trabalho é demonstrar a trajetória evolutiva desse

debate que, em larga medida, acabou se tornando um debate sobre a essência do direito e da

justiça.

Inicialmente, na evolução histórica do direito, este se confundia com a Moral,

chegando ao ponto desta ser utilizada como única fonte de produção das normas jurídicas.

Com a modernidade, o Direito passou a se distanciar da Moral, acompanhando as

mudanças de valores e passando a proteger somente o que fosse essencial à paz, à

segurança e ao convívio social.

Iniciando essa evolução dos conceitos em tela, o autor Leib Soibelman afirma que

os gregos não dispunham de um vocábulo próprio para designar o Direito. Eles uniam

“Moral” e “Direito” no conceito de “justo”. O mesmo autor assinala que os romanos

também não fizeram uma separação nítida, embora Paulo tenha vislumbrado uma distinção,

ao escrever que “nem tudo que é lícito é honesto”. Acrescenta Soibelman, com maestria,

que o cristianismo reservou a Moral para Deus e o jurídico para o Estado quando proclama:

“dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Confirmando essa linha de raciocínio da evolução do debate entre direito e moral,

Fustel de Coulanges, em sua obra “Cidade Antiga”, informa que o Direito surgiu na

Antigüidade vinculado à religião (e, conseqüentemente à Moral). Coulanges retrata no seu

livro o nascimento do Direito Civil entre as civilizações antigas e demonstra de forma clara

que, quando do seu surgimento, o Direito estava intimamente ligado à Moral.

Ainda para Coulanges, o afastamento entre o Direito e a Moral ocorreu somente

séculos mais tarde, quando o estado moderno, fortalecido, desvinculou-se da igreja.

Somente após este fato é que se iniciaram os trabalhos científicos e filosóficos acerca da

separação entre as normas jurídicas e as normas morais.

Page 2: Direito e Moral

Modernamente, a primeira distinção fundamentada apareceu com Thomasius na sua

obra “Fundamenta Juris Naturae et Gentium”, de 1705. Este autor definui que a Moral é de

foro interno do indivíduo e o Direito é de foro externo; a Moral é norma de conduta

individual, o Direito é norma de conduta social.

Direta ou indiretamente, esse modelo de distinção entre Direito e Moral vai

influenciar os debates sobre o tema até a contemporaneidade. Para Norberto Bobbio,

Thomasius foi além de uma mera bipartição entre Direito e Moral. Segundo Norberto

Bobbio, Thomasius, na realidade, não fez uma bipartição entre Direito e Moral, e sim, uma

tripartição, distinguindo todas as regras da conduta humana em três categorias, segundo se

refiram ao honestum, ao justum ou ao decorum. Para ele, o Direito se confunde com as

normas referentes à esfera do justum e a Moral com as normas da esfera do honestum,

ficando a política com as normas que fazem referência ao decorum.

Thomasius, para ilustrar a sua teoria, imputou a cada uma das categorias uma

máxima. Assim, para o honestum temos a máxima: faz por ti mesmo o que queres que os

outros façam por si mesmo; para o decorum a máxima é: faz aos outros o queres que os

outros façam a ti; para o justum: não faz aos outros o que não queres que os outros façam a

ti. Tais máximas, como veremos, lembram bastante os juízos kantianos sobre Direito e

Moral.

Para Carlos Maximiliano, a órbita do Direito e a da Moral são concêntricas, sendo

que o raio desta última é o mais longo. Este autor afirma que muita coisa fulminada pela

ética é tolerada pelo Direito. Por outro lado, tudo o que os textos exigem ou protegem está

de acordo com o senso Moral médio da coletividade. De forma categórica, para este autor,

não pode haver Direito contra a Moral, embora nem todos os ditames desta encontrem

sanção nos códigos. Ilustrando-se seria assim:

MORAL

DIREITO

Page 3: Direito e Moral

Por isso, leis positivas, usos, costumes e os atos jurídicos interpretam-se de acordo

com a ética; a exegese contrária a esta jamais prevalecerá. Para Pedro Nunes, Moral “é a

aplicação da ética às relações humanas”. Já o Direito, para o referido autor, é tido como

“Ciência normativa, que estabelece e sistematiza as regras necessárias para assegurar o

equilíbrio das funções do organismo social, à obediência de cujos membros são

coercitivamente impostas pelo poder público”.

Por outro lado, é necessário apresentar o pensamento de Kelsen que critica a

afirmação de que o Direito prescreve uma conduta externa e a Moral uma conduta interna.

Para ele, as normas das duas ordens determinam as espécies de conduta e como exemplo

diz que a virtude moral da coragem não consiste apenas num estado de alma onde

predomina a ausência de medo, mas também numa conduta exterior condicionada por

aquele estado. Ensina o autor que quando uma ordem jurídica proíbe o homicídio, proíbe

não apenas a morte de um homem causada pela conduta exterior de outro homem, mas

também uma conduta interna, ou seja, a intenção de produzir tal resultado.

Na verdade, para Kelsen, o Direito e a Moral se distinguem pela forma como se

proíbe determinada conduta. O Direito é concebido como uma norma de coação, isto é,

como uma ordem normativa que procura obter determinada conduta humana prevendo um

ato de coerção socialmente organizado contra a conduta que não corresponda a essa ordem.

Já a Moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo.

Para defender e dar continuidade aos estudos de Thomasius, veio Emmanuel Kant,

apresentando a sua doutrina da coercitividade. Kant concorda com o critério da

exterioridade para diferenciar as normas morais das normas jurídicas, e acrescenta a estas o

elemento coercitivo atual, invocando-o como necessário e intrínseco ao Direito.

Assim, Kant apresentou como critérios diferenciadores entre Direito e Moral a

autonomia e a heteronomia. A autonomia indica a exigência, no plano moral, de uma

adequação ou de uma conformidade absoluta entre a regra e a vontade pura do sujeito

obrigado. A moralidade, sendo autônoma, não precisa se conformar com nada além da

vontade pura do agente. O Direito, por sua vez, é heterônomo. Para a sua manifestação não

se exige que a pessoa queira internamente realizar ou abster-se de um ato, basta que aja de

conformidade exterior à norma.

Page 4: Direito e Moral

A idéia de que a moral gira em função do contexto histórico, está expressa

seguindo-se à risca o ponto de vista Kelseniano, quando apreciamos “moralmente” uma

ordem jurídica positiva, quando a valoramos como boa ou má, justa ou injusta, estamos

utilizando um critério relativo, pois não fica excluída uma diferente valoração com base

num outro sistema moral. Uma ordem jurídica pode ser considerada injusta quando

apreciada com base no critério de um determinado sistema moral e pode ser considerada

como justa dependendo do critério fornecido por outro sistema moral, visão que, se mal

interpretada, pode se tornar um meio de justificativa para o totalitarismo.,

Em linhas gerais essa foi a proposta do trabalho ou seja traçar um panorama dos

principais momentos envolvendo o direito e a moral, atentando para o fato de que como

quer David Layons a separação entre direito e moral é algo que está muito próximo do

pensamento positivista enquanto que os defensores do jusnaturalismo negam qualquer tipo

de diferenciação entre um e outro. Felizmente, apesar do visível distanciamento entre

direito e moral visto pela tradição positivista, essa sempre foi vista por influencia positivista

nunca deixando de influenciar a produção legislativa a ponto dos próprios positivistas

acreditarem que a lei em si mesma possui uma força moral automática.