o crime como evolução da moral e do direito

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O CRIME COMO EVOLUÇÃO DA MORAL A PARTIR DE ÉMILE DURKHEIM: PARA UMA NOVA TEORIA DA MORAL E DO DIREITO Rafael de Barros 1 RESUMO: Ao longo da história da criminologia, o crime é entendido e explicado sob um olhar negativo, no sentido de que este é interpretado como um acontecimento prejudicial que deve ser extirpado da sociedade. Segundo a teoria clássica do crime, este deve ser entendido como prejudicial e anormal devendo, portanto, ser extinto do ambiente social. O objetivo deste trabalho é demonstrar de que modo Durkheim em sua obra define o crime como sendo este um fato social normal e útil, o apontando como responsável pela evolução no campo moral, provocando, devido a sua teoria funcionalista do crime, uma “virada criminológica” no sentido de que rompe com a explicação negativa do crime, atribuindo a este mais que caráter normal, um caráter útil e essencial ao funcionamento da sociedade, que cristaliza seus preceitos morais na face do direito, que assim como a moral é rompido e modificado por ações que o ultrapassam. A realização do trabalho se deu a partir de uma metodologia de pesquisa bibliográfica. Tal trabalho pretende mais que demonstrar a teoria durkheimiana do crime, demonstrar também a utilidade do crime como uma nova forma de pensar a evolução moral e a sua cristalização na forma de direito. Palavras-Chave: Evolução Moral; Crime; Fato Social. 1 Rafael de Barros é licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) em 2013.

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Page 1: O crime como evolução da moral e do direito

O CRIME COMO EVOLUÇÃO DA MORAL A PARTIR DE ÉMILE DURKHEIM:

PARA UMA NOVA TEORIA DA MORAL E DO DIREITO

Rafael de Barros 1

RESUMO: Ao longo da história da criminologia, o crime é entendido e explicado sob um

olhar negativo, no sentido de que este é interpretado como um acontecimento prejudicial que

deve ser extirpado da sociedade. Segundo a teoria clássica do crime, este deve ser entendido

como prejudicial e anormal devendo, portanto, ser extinto do ambiente social. O objetivo deste

trabalho é demonstrar de que modo Durkheim em sua obra define o crime como sendo este um

fato social normal e útil, o apontando como responsável pela evolução no campo moral,

provocando, devido a sua teoria funcionalista do crime, uma “virada criminológica” no sentido

de que rompe com a explicação negativa do crime, atribuindo a este mais que caráter normal,

um caráter útil e essencial ao funcionamento da sociedade, que cristaliza seus preceitos morais

na face do direito, que assim como a moral é rompido e modificado por ações que o

ultrapassam. A realização do trabalho se deu a partir de uma metodologia de pesquisa

bibliográfica. Tal trabalho pretende mais que demonstrar a teoria durkheimiana do crime,

demonstrar também a utilidade do crime como uma nova forma de pensar a evolução moral e a

sua cristalização na forma de direito.

Palavras-Chave: Evolução Moral; Crime; Fato Social.

1 Rafael de Barros é licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) em

2013.

Page 2: O crime como evolução da moral e do direito

INTRODUÇÃO

Ao longo da história da criminologia, o crime é entendido e explicado sob um olhar

negativo, no sentido de que este é interpretado como um acontecimento que deve ser extirpado

da sociedade. O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a forma como Émile

Durkheim provoca uma “virada criminológica” ao propor o entendimento de tal fato como um

acontecimento saudável e útil a vida e funcionamento da sociedade.

O crime tal como definido por Durkheim possui um caráter normal e útil, sendo tal

utilidade ligada às mudanças ocorridas no campo moral, uma vez que o crime é a transgressão à

norma imposta socialmente pela consciência coletiva, este provocaria mudanças na consciência

coletiva a fazendo mudar para uma nova forma de consciência, gerando deste modo, um novo

imperativo moral a ser seguido pelos indivíduos que compõem a sociedade.

O crime assim entendido possui um caráter indispensável à vida social sendo,

indispensável a qualquer tipo de sociedade ações que violando a consciência coletiva vão contra

os imperativos morais estabelecidos pela sociedade, gerando devido seu caráter contrario

sansões a tais ações, que num outro determinado estagio de desenvolvimento da mesma

sociedade pode ser aceito ou até mesmo desejado. Desta forma o crime serve como um gatilho

que dispara sobre a consciência coletiva que possui preceito moral um despertar para que tais

valores, uma vez transgredidos, sejam ultrapassados possibilitando sua evolução.

Os preceitos morais assim como a maior parte dos imperativos presentes na consciência

coletiva exercem sobre os indivíduos que compõe a sociedade uma coerção que os obriga a agir

moldando seus comportamentos e pensamentos para um padrão imposto socialmente. Uma vez

imposto, o imperativo pela consciência coletiva, este pode receber aceitação ou não por parte

dos indivíduos, deste modo o individuo que possua comportamentos contrários ou inadequados

aos impostos pela consciência coletiva sofre sansões e punições, sendo qualificado como

desviante, anormal ou criminoso. A consciência coletiva exerce sobre os indivíduos que

compõe a sociedade uma coerção, sendo tal coerção mais forte quanto mais presente for a

aceitação do grupo aos imperativos, deste modo, quanto maior a força e extensão da consciência

coletiva, menor será a aceitabilidade do grupo a ações contrarias as socialmente impostas, que

serão interpretadas como criminosas.

O crime sob a perspectiva durkheimiana, que apresenta a ação criminosa como fato

social constituinte da sociedade, pode ser entendido de duas maneiras distintas, a primeira

corresponde à interpretação de Durkheim (2007) do crime como um fato social normal e útil a

vida social. A segunda interpretação do crime refere-se a visão do crime como fato social

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patológico, ou seja, o assim classificado crime faz parte de uma ordem de fatos que não

possuiriam funcionalidade e não contribuiriam de modo algum para o funcionamento normal da

sociedade, sendo portanto anormais.

O crime como um fato social normal e útil é apresentado por Durkheim (2007) como o

responsável pela mudança dos preceitos morais existentes na consciência coletiva provocando

sua evolução. Para o autor o crime como motor da moral seria a antecipação dos preceitos

morais que estariam por vir e que se cristalizariam na forma do direito, deste modo, o crime ou a

ação delituosa condenada em determinado período no desenvolvimento da sociedade, poderia

em outro momento ser um imperativo moral a ser seguido.

Deste modo, a partir da utilização do método de pesquisa bibliográfico, analisando as

obras de Durkheim em que este expressa suas ideias e teorias sobre o crime, o objetivo deste

trabalho é não somente apresentar a teoria criminológica de Durkheim, mas principalmente

analisar de que modo esta se relaciona com a evolução da moral, a provocando e a antecipando.

1. TEORIA CLÁSSICA DO CRIME

Segundo Durkheim (2007) o crime é entendido pela consciência comum como sendo

todo ato que se contrapõe as normas impostas pela sociedade, devendo por se contrapor a ela ser

extirpado da vida social. O crime assim definido é entendido pela teoria clássica, de modo que

esta apresenta o crime como fator anormal devendo ser tratado, uma vez que prejudicaria o

funcionamento normal e saudável da sociedade. Portanto, a definição clássica necessita ser

abandonada, segundo Durkheim (2007), uma vez que esta não atende a realidade e a verdadeira

face do evento, é necessário que se entenda o crime abandonando as noções pré-científicas que

gerariam conclusões equivocadas e errôneas.

[...] Todavia partindo do fato de que o crime é detestável, o senso comum

conclui erradamente que ele deveria desaparecer por completo. Com seu

simplismo costumeiro, não concebe que uma coisa que repugna possa ter

uma razão de ser útil. (DURKHEIM, 2007, p. XII)

O crime aqui é entendido como ação que fere os sentimentos da coletividade presentes

na consciência da maior parte dos membros de que é composta a sociedade, ações estas que,

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mais que ferir sentimentos fere preceitos morais que foram pela força coercitiva que exercem

cristalizadas na forma do direito. Portanto, a definição de crime como ação que fere não só

preceitos morais, mas normas do direito diferem a definição de crime da definição de desvio,

que consiste segundo Giddens (2005, p.173) “como uma não conformidade com determinado

conjunto de normas que são aceitas por um número significativo de pessoas em uma

comunidade ou sociedade “, cabendo a definição de crime ações que ferem sentimentos morais

mas que devido sua natureza ferem e ultrapassam normas que foram impostas pelo grupo aos

indivíduos na forma de direito, portando, crime e desvio se diferem segundo Guiddens.

O desvio e o crime não são sinônimos, embora, em muitos casos, se

sobreponham. O conceito de desvio é bem mais amplo que o de crime, o qual

se refere apenas a uma conduta não-conformista que infringe uma lei. Muitas

formas de comportamento desviante não são sancionadas pela lei. Assim, os

estudos sobre desvio podem examinar fenômenos tão diversos como os

naturalistas (nudistas), a cultura rave e os New Age travellers. (GUIDDENS,

2005, p. 173)

O crime assim definido fora entendido e interpretado ao longo da história, sendo o

criminologista italiano Cesare Lombroso, aquele que cria na década de 1870 uma das primeiras

explicações para o fenômeno criminológico. A definição de Lombroso tem como base a teoria

biológica, para o criminologista o criminoso ou o individuo que comete a ação delituosa seria

portador de uma serie de características biológicas observáveis que o qualificariam como tal. No

entanto, o cientista aceitava a ideia de que a ação criminosa pudesse ser influenciada pela

sociedade, mas mesmo nestes casos haveria uma explicação biológica, uma vez que o individuo

seria portador de características biológicas e físicas que por estarem em desarmonia com a

constituição biológica normal dos indivíduos que vivem na sociedade impossibilitariam sua

sociabilidade normal, portanto segundo Guiddens:

[…] Lombroso aceitava a ideia de que a aprendizagem social pudesse

influenciar o desenvolvimento do comportamento criminoso, porém

considerava que a maioria dos criminosos fosse biologicamente degenerado

ou defectiva. Por seu desenvolvimento como seres humanos não ter sido

completo, apresentavam uma tendência a agir em desarmonia com a

sociedade humana. As ideias de Lombroso tornaram-se completamente

desacreditadas, mas opiniões semelhantes foram varias vezes sugeridas.

(GUIDDENS, 2005, p. 174)

Mesmo sendo aceita pela disciplina e servir de referência para inúmeros pensadores e

teorias, a teoria biológica de explicação do crime e classificação de indivíduos como normais e

anormais elaborada por Lombroso, fora de acordo com a história da criminologia abandonada,

Page 5: O crime como evolução da moral e do direito

abrindo espaço para a criação de novas formas de interpretação do crime, como por exemplo a

interpretação psicológica do crime.

A teoria psicológica do crime, assim como a teoria biológica tende a explicar o

fenômeno criminológico como ação individual, que não se relaciona ou é influenciado por

fatores sociais deste modo, ambas as teorias tendiam a explicar o crime por seus agentes e por

suas características individuais, sejam elas biológicas ou psicológicas, não considerando a

sociedade como causa de tais ações, ignorando a influência desta sobre os indivíduos

considerados pelas teorias acima citadas como criminosos e anormais. Deste modo a teoria

psicológica do crime acreditava que o individuo comete ações qualificadas pela sociedade como

criminosas por ser portador de uma serie de estados mentais anormais que o levariam a cometer

tais ações, assim Guiddens (2005, p174) afirma que na teoria psicológica do crime

“Enfatizaram-se os traços distintivos dos criminosos – incluindo “oligofrenia” e “ degeneração

moral”. Hans Eysenck (1964) sugeriu que os estados mentais anormais seriam hereditários e

poderiam predispor um indivíduo ao crime ou criar problemas no processo da socialização.”

Deste modo, a teoria psicológica afirma que os estados mentais serias estados disposicionais

que comprometeram a capacidade de sociabilidade do individuo, o levando a agir de forma

contraria as formas de agir impostas socialmente, sendo devido a crontrariedade de suas ações

as normas impostas considerado criminoso.

No entanto, mesmo que a teoria psicológica aparentemente apresente argumentos e uma

explicação satisfatória para o ato criminoso, esta apresenta uma serie de falhas, dentre elas

destaca-se o argumento de que a teoria psicológica não seria capaz de abarcar todos os fatos em

sua formula, deixando escapar a totalidade de ocorrências, e por consequência não seria uma

formula valida a todos os casos, mas na melhor das hipóteses, uma possível explicação para a

maior parte deles, Guiddens (2005) aponta a incapacidade de explicação da teoria psicológica:

As teorias psicológicas são capazes de, na melhor das hipóteses, explicar

apenas alguns aspectos do crime. Enquanto alguns criminosos podem possuir

características de personalidade distintas do restante da população, é muito

improvável que a maioria dos criminosos assim as tenham. Com a variedade

de tipos de crime existentes, é inadmissível supor que aqueles que os

cometem possuam características psicológicas em comum. (GUIDDENS,

2005, p. 175)

A incapacidade de explicação das teorias clássicas como a biológica e a psicológica

serviram para impulsionar uma nova forma de explicação do fenômeno criminológico como no

caso da teoria funcionalista do crime, que indo contra a tradição da disciplina que, tendiam a

explicar o fenômeno pelo seu agente, ignorando qualquer fator exterior existente, como por

Page 6: O crime como evolução da moral e do direito

exemplo o fator social, apresenta uma explicação voltada a um olha sociológico do crime, uma

vez que esta entende os fatores exteriores ao individuo, como a sociedade, como sendo

determinantes de suas ações, portanto, para a teoria funcionalista do crime, diferentemente das

teorias clássicas, o crime só pode ser entendido como fato social, uma vez que quem o comete é

um ser social que sofre influencia da vida em sociedade, Guiddens (2005) explica a visão

funcionalista do crime e a ligação entre a definição de crime e as instituições sociais, portanto:

A velha criminologia positivista esteve sujeita a numerosas críticas por parte

de gerações posteriores de estudiosos. Eles defendiam a obrigatoriedade de

que qualquer relato satisfatório da natureza do crime fosse sociológico, já

que a definição do crime depende das instituições sociais de uma sociedade.

Com o tempo, a atenção deslocou-se das explicações individualistas sobre o

crime para as teorias que enfatizam o contexto social e cultural no qual

ocorre o desvio. (GUIDDENS, 2005, p. 176)

Deste modo, o crime é entendido como fato social, portanto, as teorias clássicas do

crime que tendem a explicar a ação criminosa por fatores individuais, sejam biológicos ou

psicológicos, não podem ser consideradas explicações verdadeiras ou satisfatórias uma vez que

estas ignoram o fator social, sendo a teoria funcionalista do crime a única a proporcionar uma

explicação satisfatória para o fenômeno, pois esta coloca o fator social como o principal

responsável pela ação individual.

A teoria funcionalista da criminologia da qual é partidário Émile Durkheim, mais que

produzir explicação satisfatórias as ações tidas como criminosas, atribui a tais ações caráter de

funcionalidade e utilidade, que para o autor seriam indispensáveis a vida saudável e normal

da sociedade. O crime e consequentemente seu agente são definidos por Durkheim como

normais e uteis a vida social, sendo o crime um fato social útil e normal e seu agente um ser

social que desempenha papel fundamental ao funcionamento normal da sociedade, portanto:

Desse ponto de vista, os fatos fundamentais da criminologia apresentam – se

a nós sob um aspecto de todo novo. Contrariamente às ideias correntes, o

criminoso não mais aparece como um ser radicalmente insociável, como uma

espécie de elemento parasitário, corpo estranho e inassimilável, introduzido

no seio da sociedade¹²; ele é um agente regular da vida social. (DURKHEIM,

2007, p. 73)

Deste modo, mais que propor uma nova forma de explicação do crime, Durkheim

promove uma “virada criminológica”, uma vez que retira de foco o individuo tão presente nas

explicações clássicas, e coloca a sociedade como fator principal para o entendimento do crime.

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No entanto, mais que elaborar uma explicação sui generis do crime o autor atribui a tal

fenômeno caráter útil o colocando como motor que moveria mudanças no campo da moral.

2. DURKHEIM E O FATO SOCIAL

Positivista, Durkheim é o responsável pela formulação do método sociológico, que

consiste segundo o autor na investigação dos fatos sociais, fatos estes que diferem dos demais

fatos que tem sua ocorrência na sociedade, uma vez que estes possuem características

distintivas que dão seu caráter social, sendo esta ordem de fatos definidas pelo autor como o

objeto próprio da sociologia.

A definição de sociologia formulada por Durkheim (2007) como a ciência que estuda e

tem por objeto os fatos sociais, implica na necessidade de definição de tal objeto, portanto se

faz necessário definir conceitualmente o que é o fato social, para a partir de tal definição,

compreender de que modo o crime se encaixa nesta ordem de fatos.

Para o autor os fatos sociais possuem uma serie de características que o distinguem dos

demais fatos que possuem ocorrência na sociedade, cabendo ao cientista social fazer a

distinção, portanto para Durkheim a definição mais correta de fato social seria a de que os fatos

sociais são:

[…] uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais:

consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo,

e que são dotados de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se

impõe a ele. (DURKHEIM, 2007, p. 03).

Durkheim em sua obra “As regras do método sociológico”, apresenta três características

principais que distinguem os fatos sociais dos demais, a saber: 1) os fatos sociais exercem sobre

os indivíduos uma força coercitiva que os obriga a agir determinando suas ações as

padronizando para uma forma de ação socialmente imposta; 2) os fatos sociais são

independentes dos interesses e consciências individuais, sendo exteriores a estas e as mudanças

desejadsa pelos indivíduos, não podendo estes escolher as regras sociais a serem seguidas e 3) o

fato social é geral, portanto, afetam a totalidade de membros existentes na sociedade, assim

como podem estar presentes na maior parte destas.

Este conjunto de características encontradas somente nos fatos sociais são, segundo

Durkheim, suficientes pra que esta ordem de fatos se distingue dos fatos biológicos ou

orgânicos ou dos fatos psicológicos, de modo que estes fatos mesmo que tendo ocorrência na

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sociedade não podem ser confundidos com os fatos sociais, uma vez que não apresentam as

características acima citadas, portanto os fatos sociais:

[…] não poderiam se confundis com os fenômenos orgânicos, já que

consistem em representações e em ações, nem com os fenômenos psíquicos,

os quais só tem existência na consciência individual a através dela. Esses

fatos constituem portanto uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e

reservada a qualificação de social. (DURKHEIM, 2007, p.. 04)

O fato social compreende segundo o autor toda maneira de agir, sentir e fazer em

sociedade, que se impõe aos indivíduos coercitivamente, não sofrendo qualquer forma de

influência da consciência ou vontade individual, pois esta ordem de fatos segundo Durkheim,

uma vez que é exterior ao individuo não pode sofrer deste qualquer forma influência, assim

como não possuir qualquer dependência para sua existência, portanto o fato social possui

existência independente da existência individual e se expressa na medida em que se faz aparecer

na ação dos indivíduos, uma vez que esta é coercitiva.

Deste modo a melhor definição de fato social que pode ser feita para retratar as ideias

de Dukheim é a definição que faz o próprio autor , portanto, para Durkheim:

É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre

o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda, toda maneira de fazer que é geral

na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma

existência própria, independente de suas manifestações individuais.

(DURKHEIM, 2007, p. 13).

Mesmo que o conceito de fato social seja fundamental ao entendimento do conceito de

crime, este só pode nos demonstrar de que modo o crime pode ser entendido como fato social

normal e evidenciar sua utilidade, portanto, é necessário que se estabeleça de forma clara a

relação entre a utilidade do crime, a saber, o de motor da moral, com a própria moral e a

consciência coletiva que a compõe, deste modo é necessário que se explique também o conceito

de consciência coletiva afim, de se fazer a relação entre crime e moral.

Em sua tese de doutoramento “Da divisão do trabalho social” de 1893, Durkheim

apresenta uma analise dos modos de formação e manutenção da coesão social, afim de entender

de que modo se dá a relação entre os individuo e a vida social a forma como estes dividem o

trabalho para fazer a manutenção da sociedade, gerando uma forma de solidariedade que por sua

vez seria a causadora da coesão social necessária ao desenvolvimento da sociedade.

Page 9: O crime como evolução da moral e do direito

Em sua obra aparece como ponto relevante de seu pensamento o conceito de

consciência coletiva, que seriam segundo o autor responsável pela formação da coesão e

resultado da solidariedade, deste modo Durkheim afirma a existência de um tipo psíquico da

sociedade que segundo o autor coresponderia a todas as formas de pensar, crenças e sentimentos

presentes nas consciências da maior parte dos membros de que é composta a sociedade, sendo

distinta desta e não pertencendo a estes, ou seja, uma forma de consciência que é definida para

(DURKHEIM, 1978, p. 40) como “O conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à média

dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem sua vida

própria; poderemos chamá-lo: a consciência coletiva ou comum.”

A consciência coletiva definida por Durkheim possui por substrato a sociedade, sendo

distinta da consciência individual mesmo que funcionando de maneira semelhante a esta, a

consciência coletiva possui uma serie de características que a distinguem da individual, não

podendo ser reduzida a integração ou como resultado destas, pois esta é difusa em toda a

extensão da sociedade, sendo independente das condições individuais, portanto:

Sem dúvida, ela não tem por substrato um órgão único; é, por definição,

difusa em toda a extensão da sociedade; mas não deixa de ter caracteres

específicos que fazem dela uma realidade distinta. Com efeito, é

independente das condições particulares em que os indivíduos estão

colocados; eles passam, ela permanece. (DURKHEIM, 1978, p. 40)

A consciência coletiva corresponde a uma serie de crenças, costumes e valores

presentes na sociedade, cobrindo deste modo toda sua extensão, tendo como origem a vida

social e a interação de seus membros, sendo ainda independente a vontade individual,

possibilitando a ligação entre as gerações futuras e a passada. As características de permanência,

extensão de generalidade presentes na consciência coletiva fazem com que a sociedade alcance

um estado que Durkheim chama de coesão.

A consciência coletiva possui segundo Durkheim maior ou menor extensão dependendo

do tipo de solidariedade a que esta submetida a vida social, deste modo, a consciência coletiva

pode ser qualificada de duas maneiras distintas, ora como um conjunto de crenças, costumes e

valores, ora como uma serie de imperativos, regras e leis, dependendo de sua extensão.

Nas sociedades em que os indivíduos possuem características aproximadas, ou seja, em

que os indivíduos se ligam por um conjunto de crenças e valores comuns, onde a sociedade é

dominada por um modelo de solidariedade mecânica a extensão e poder coercitivo da

consciência coletiva se apresenta com maior força, desta forma:

Page 10: O crime como evolução da moral e do direito

Nas sociedades dominadas pela solidariedade mecânica, a consciência

coletiva abrange maior parte das consciências individuais. Nas sociedades

arcaicas, a fração das existências individuais submetidas a sentimentos

comuns é quase coextensiva à existência inteira. (ARON, 2002, p. 463)

Diferentemente, nas sociedades onde o modelo de solidariedade é orgânico, onde os

membros apresentam maior grau de diferença e individualidade, a consciência coletiva perde

seu caráter de crença ou valor e ganha o estatuto de regra ou lei, sendo assim, quanto maior for a

força coercitiva da consciência coletiva com relação aos membros de que é composta a

sociedade, maior será o respeito aos imperativos ou as normas impostas socialmente, e por

consequência maior a sanção ou punição aos atos contrários a tais imperativos ou normas. Desta

forma:

Nas sociedades em que aparece a diferenciação dos indivíduos, cada um

tem, em muitas circunstâncias, a liberdade de crer, de querer e de agir

conforme suas preferências. Nas sociedades de solidariedade mecânica , ao

contrário, a maior parte da existência é orientada pelos imperativos e

proibições sociais. O adjetivo social significa, neste momento do

pensamento de Durkheim, apenas que tais imperativos e proibições se

impõem à média, à maioria dos membros do grupo; que eles têm por origem

o grupo, e não o indivíduo, denotando o fato de que este se submete a esses

imperativos e proibições como a um poder superior. ( ARON, 2002, p. 463)

Se nas sociedades onde a solidariedade é mecânica a consciência coletiva é forte e se

caracteriza pela sua coextensão a sociedade, sendo deste modo suficiente para manter a coesão

social, mantendo a ordem entre os membros da sociedade impondo – lhe suas regras e leis de

modo a suprimir ações criminosas e desviantes, ou seja, que vão contra a consciência coletiva,

o contrario acontece nas sociedades onde a solidariedade orgânica é predominante, em que os

membros da sociedade tem mais possibilidades de agir segundo sua própria consciência.

Portanto, se por um lado nas solidariedades mecânicas a consciência coletiva se impõe

mantendo a coesão social, o contrario acontece nas solidariedades orgânicas.

Por outro lado, quando reina a solidariedade orgânica, Durkheim pensa

observar também uma redução da esfera da existência que cobre a

consciência coletiva, um enfraquecimento das reações coletivas contra a

violação das proibições e sobretudo uma margem maior na interpretação

individual dos imperativos sociais. (ARON, 2002, p. 464)

Page 11: O crime como evolução da moral e do direito

Deste modo tanto em sociedades dominadas pela solidariedade orgânica, onde a divisão

do trabalho e a expressão individual são maiores, como em sociedades onde reina o modelo de

solidariedade mecânica, onde a consciência coletiva se faz mais forte devido sua extensão, a

consciência coletiva pode ser entendida como um conjunto de crenças, sentimentos e

imperativos, sejam morais ou legais, que exercem sobre os indivíduos uma forma de coerção

que os obriga a agir moldando suas ações para um modelo de ação que, uma vez, contrarias as

imposições da consciência coletiva gerariam reprovação por parte dos membros de que é

composta a sociedade sendo condenados por estes, que qualificaria tais ações como criminosas.

3. A TEORIA DO CRIME DE DURKHEIM

A teoria do crime fundada por Durkeim conhecida com teoria funcionalista do crime

mais que provocar uma espécie de “virada criminológica” por retirar o individuo como foco de

analise e entendimento do ato criminoso colocando em seu lugar não as ações individuais mas

as forças exteriores que influenciariam as ações individuais, da a tal ato um caráter funcional e

útil, sendo devido sua importância referência para que outros autores pudessem produzir a partir

da proposta de Durkheim:

As ideias de Durkheim a respeito do crime e do desvio exerceram influência

no sentido de deslocar a atenção das explicações individuais para as forças

sociais. Sua noção de anomia foi utilizada pelo sociólogo norte-americano

Robert K. Merton, que elaborou uma teoria altamente influente sobre o

desvio, situando a fonte do crime dentro da própria estrutura da sociedade

norte-americana (1957). (GUIDDENS, 2005, p. 177)

A partir de uma analise sociológica do crime Durkheim define tal ato como sendo um

fato social, que devido suas características e formas de apresentação seriam acontecimentos

inevitáveis a qualquer modelo de sociedade, deste modo, seria impossível para Durkheim uma

sociedade onde a existência de ações consideradas criminosas não se fizesse presente:

Durkheim via o crime e o desvio como fatos sociais; acreditava que ambos

fossem elementos inevitáveis e necessários nas sociedades modernas. De

acordo com Durkheim, as pessoas da era moderna são menos constrangidas

do que aquelas das sociedades tradicionais. Havendo mais espaço para a

escolha individual no mundo moderno, é inevitável que haja algum tipo de

não-conformidade. (GUIDDENS, 2005, p. 177)

Page 12: O crime como evolução da moral e do direito

Mais que atribuir ao crime caráter de fato social, Durkheim apresenta uma definição

distinta de crime uma vês que este é apresentado pelo autor como sendo todo ato que por não

estar em conformidade com o modelo de ação imposto pela consciência coletiva aos indivíduos

atrai sobre si uma espécie de punição ou sansão, podendo, o criminoso ser considerado como

todo individuo que recebe sobre si uma punição pelo seu ato, portanto é crime para Durkheim

toda ação que atrai sobre si uma punição:

[...] Por exemplo, constatamos a existência de certo números de atos que

apresentam, todos, o caráter exterior de, uma vez efetuados, determinarem de

parte da sociedade essa reação particular que é clamada pena. Fazemos deles

um grupo sui generis, ao qual impomos uma rubrica comum; clamamos de

crime todo ato punido e fazemos do crime assim definido o objeto de uma

ciência especial, a criminologia. (DURKHEIM, 2007, p. 36)

O crime assim definido possuiria para Durkheim um caráter funcional que se relaciona

diretamente a existência ou não da coesão social, deste modo o crime como motor que

provocaria mudanças no campo da moral serviria para impedir de tais valores se cristalizem e se

enfraqueçam gerando um estado de desorganização que o autor chama anomia.

[...] a noção de anomia foi primeiramente introduzida pó Émile Durkheim, o

qual sugere que, nas sociedades modernas, as normas e os padrões

tradicionais sofrem enfraquecimento, sem serem substituídos. A anomia

existe quando não há padrões claros para guiar o comportamento em

determinada área da vida social. (GUIDDENS, 2005, p. 176)

Ao definir o crime como fato social atribuindo-lhe caráter de funcionalidade e utilidade,

Durkheim abre espaço para uma dupla interpretação do fenômeno enquanto tal. Em sua obra

podemos observar duas formas distintas de classificação dos fatos sociais, a primeira diz

respeito aos fatos definidos como normais e a segunda ordem de fatos é denominada pelo autor

de fatos patológicos.

A observação, conduzida de acordo com as regras que precedem, confunde

duas ordens de fatos, muito dessemelhantes sob certos aspectos: os que são o

que devem ser e os que deveriam ser de outro modo, os fenômenos normais e

os fenômenos patológicos. (DURKHEIM, 2007, p. 49)

Page 13: O crime como evolução da moral e do direito

Definir o crime como fato social implica em dividi-lo nestas duas categorias de fatos, ou

seja, o crime como fato social normal, que por ser normal possui caráter de funcionalidade e é

indispensável ao funcionamento normal da vida social e a interpretação do crime como um fato

social patológico, ou seja, anormal e prejudicial ao funcionamento normal da sociedade,

devendo, portanto, ser extinto da vida social, enquanto que o primeiro deveria ser cultivado pela

sociedade.

A definição de crime como fato social normal ou como fato social patológico pode

sofrer alterações, ou seja, um ato crimonoso que em um determinado momentos de

desenvolvimento de uma dada sociedade possui caráter normal, no sentido de que é útil e

indispensável ao funcionamento normal da sociedade, pode, em um outro estagio de

desenvolvimento da mesma sociedade ser considerado patológica, seja por não corresponder

mais as exigências da vida social seja por não possuir mais utilidade. Portanto, o crime e sua

classificação como normal ou patológico deve estar atrelada ao estagio de desenvolvimento da

sociedade assim como aos mandamentos e crenças presentes na consciência coletiva.

Um fato social não pode portanto ser dito normal para uma espécie social

determinada, a não ser em relação a uma fase, igualmente determinada, de

seu desenvolvimento; em consequência, para saber se ele tem o direito a essa

denominação, não basta observar sob que forma ele se apresenta na

generalidade das sociedades que pertencem a essa espécie; é preciso também

ter o cuidado de considerá – las na fase correspondente a sua evolução.

(DURKHEIM, 2007, p. 60)

Deste modo a classificação de crime como fato social normal depende do estagio de

desenvolvimento da sociedade. Com efeito, a tese aqui defendida de que o crime é o motor da

moral se afirma como verdadeira, no sentido de que se um mesmo ato pode ser considerado pela

mesma sociedade normal em determinado momento e patológico em outro é devido a uma

mudança não no ato mas no julgamento do ato, ou seja se a classificação do ato muda mas não o

ato é devido a mudança no campo moral que se transforma e aceita ou rejeita o ato criminoso.

Portanto, o fato social normal deve ser assim classificado dentro de determinado

contexto social, podendo perder tal característica caso a sociedade sofra mudanças, portanto:

Chamaremos normais os fatos que apresentam as formas mais gerais e

daremos aos outros o nome de mórbidos ou patológicos. Se concordarmos em

chamar tipo médio o ser esquemático que constituiríamos ao reunir num

mesmo todo, numa espécie de individualidade abstrata, os caracteres mais

frequentes na espécie com suas formas mais frequentes, poderemos dizer que

Page 14: O crime como evolução da moral e do direito

o tipo normal se confunde com o tipo médio e que todo o desvio em relação a

esse padrão da saúde é um fenômeno mórbido. (DURKHEIM, 2007, p. 58)

Portanto, se o fato social normal é o fato que se apresenta na maior parte dos casos, é

incontestável a classificação do ato criminoso como fato social normal, uma vez que este se faz

presente na maior parte das sociedades observadas, sendo segundo Durkheim a sua generalidade

o caráter que o qualifica não só como normal mas útil ao funcionamento normal das sociedades,

sendo para o autor inconcebível uma sociedade em que tais atos não se fizessem presentes,

portanto Durkheim (2007. Pag. 68) afirma: “Em primeiro lugar, o crime é normal porque uma

sociedade que dele estivesse isenta seria inteiramente impossível”

A sua generalidade garante ao crime seu caráter de normalidade, segundo o autor

mesmo que o crime seja odiado e indesejável ele possui caráter de normalidade e faz parte da

vida e funcionamento normal da sociedade, sendo necessário exercendo função fundamental ao

funcionamento do todo social uma vez que este se liga as condições efetivas da vida social.

Portanto fazer o crime uma fato social anormal implica em negar algo que faz parte da essência

da vida social, qualificando o normal como anormal negando-lhe não só seu caráter utilitário,

mas toda a essência da sociedade. Sendo deste modo, impossível negar o caráter evidentemente

normal do crime:

Não há portanto fenômeno que apresente da maneira mais irrecusável todos

os sintomas de normalidade, já que ele se mostra intimamente ligado às

condições de toda a vida coletiva. Fazer do crime uma doença social seria

admitir que a doença não é algo acidental, mas, ao contrario, deriva em certos

casos, da constituição fundamental do ser vivo; seria apagar a distinção entre

o fisiológico e o patológico. (DURKHEIM, 2007, p. 67)

No entanto da mesma forma que o crime pode devido suas características ser

classificado como fato social normal, pode ocorrer que este, devido a mudança na vida social se

apresente sob outros aspectos, que o modificariam o fazendo perder seu caráter de normalidade,

portanto, o crime pode em um determinado período se apresentar como normal e em outro como

patológico deste modo:

Certamente pode ocorrer que o próprio crime tenha formas anormais; é o que

acontece quando, por exemplo, ele atinge um índice exagerado. Não é

duvidoso, com efeito, que esse excesso seja de natureza mórbida. O que é

normal é simplesmente que haja uma criminalidade, contanto que esta atinja

e não ultrapasse, para cada tipo social certo nível que talvez não seja

impossível fixar de acordo com as regras precedentes (DURKHEIM, 2007, p.

67)

Page 15: O crime como evolução da moral e do direito

A teoria do crime de Durkheim apresenta portanto duas formas distintas de classificação

do crime, sendo o crime normal o que apresenta caráter de funcionalidade, utilidade e

generalidade, sendo este responsável pelo rompimento dos preceitos morais existentes na

consciência coletiva provocando sua mudança.

4. O CRIME COMO FATO SOCIAL

A evolução dos preceitos morais existentes na consciência coletiva e que se apresentam

como imperativos morais a serem seguidos pelos membros de que é composta a sociedade, se

da por meio da transgressão a tais imperativos, que uma vez ultrapassados se mostram ou

desnecessários ou fracos para aquele determinado momento de desenvolvimento da sociedade,

seno necessária sua mudança, deste modo o crime como transgressão a regra imposta se

apresenta como responsável pela evolução dos preceitos morais, sendo necessário e útil ao

funcionamento normal da sociedade:

Classificar o crime entre os fenômenos de sociologia normal é não apenas

dizer que ele é um fenômeno inevitável ainda que lastimável, devido à

incorrigível maldade dos homens; é afirmar que ele é um fator da saúde

publica, uma parte integrante de toda sociedade sadia. (DURKHEIM, 2007,

p. 68)

Deste modo mais que normal o crime se apresenta como necessário ao funcionamento

normal da sociedade por exercer papel fundamental na evolução dos preceitos morais

impedindo sua cristalização em leis e imperativos que mais tarde podem apresentar-se como

prejudiciais, deste modo a evolução dos preceitos morais provocada pela transgressão a tais

preceitos gera uma flexibilização da consciência coletiva que permite a mudança para um

modelo moral novo que melhor corresponde as necessidades da vida social.

O crime enquanto motor da moral provoca nesta mudanças que podem mais que

transformar tais preceitos os substituir por preceitos morais novos. A existência de permanência

de certos preceitos que mesmo transgredidos permanecem intactos e inalterados se da segundo

Durkheim devido existência de uma variação no grau de força e essencialidade dos preceitos

morais, deste modo podem existir preceitos morais essenciais em determinado período e outros

totalmente diferentes aos anteriores em outro estagio da sociedade, sendo os mais essenciais

mais resistentes à mudança gerada pelo crime.

Os preceitos morais são para Durkheim um conjunto de imperativos que possuem força

coercitiva, ou seja, que obriga os indivíduos a agir de determinada maneira e que pune toda ação

contraria a seus imperativos, ou seja, é moral todo imperativo que uma vez violado é punido ou

reprovado pelo grupo a que pertence o indivíduo que comete a ação. Deste modo:

Page 16: O crime como evolução da moral e do direito

Para decidir se um preceito é moral ou não, devemos examinar se ele apresenta ou não o sinal exterior da moralidade; esse sinal consiste numa sanção repressiva difusa, ou seja, numa reprovação da opinião pública que vinga toda a violação do preceito (DURKHEIM, 2007, p. 42)

Deste modo a moral consiste na ação que é possível de ser violada e que uma vez

transgredida atrai sobre si punição, sendo considerado criminoso todo ato que a viole. A

transgressão da moral entendida como crime gera nos preceitos morais ao mesmo tempo um

fortalecimento por meio da punição e um enfraquecimento, na medida em que os preceitos

morais violados uma vez não fundados na natureza essencial da sociedade pode ser alterado ou

substituído, uma vez que tais preceitos são ultrapassados estes sofrem da consciência coletiva

repressão. Portanto, a inexistência de ação em que os preceitos morais são transgredidos só seria

possível se tais preceitos se fizessem presentes em todas as consciências individuais, mas

mesmo neste caso nos diz Durkheim, o crime existiria, uma vez que os preceito morais fossem

fortes a ponto de suprimir toda a ação contraria a estes, a consciência moral elegeria novos

preceitos e novas formas de transgressão gerando novos crimes.

O crime, conforme mostramos alhures, consiste num ato que ofende certos

sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma clareza particular.

Para que, numa sociedade dada, os atos reputados criminosos pudessem

deixar de ser cometidos, seria preciso que os sentimentos que eles ferem se

verificassem em todas as consciências individuais sem exceção e com grau

de força necessário para conter os sentimentos contrários. Ora, supondo que

essa condição pudesse efetivamente ser realizada, nem por isso o crime

desapareceria, ele simplesmente mudaria de forma; pois a causa mesma que

esgotaria assim as fontes da criminalidade abriria imediatamente novas.

(DURKHEIM, 2007, p.68)

Para Durkheim o crime provoca mudança no campo moral, no sentido de que provoca a

transformação dos preceitos morais existentes, tais preceitos podem, devido a transgressão

sofrida pelo ato criminoso, ser modificados ou permanecerem imutáveis, tanto em um caso

como em outro Durkheim afirma que a mudança ou permanência devido a transgressão não

significa a existência de preceitos essencialmente mais fundados na natureza da sociedade que

outros, mas sim é um indicativo de que tal preceito deveria ser mudado seja pela sua inutilidade

seja pela sua falta de força ou deveria permanecer imóvel devido sua utilidade, portanto, os

fatos morais mutáveis e imutável não podem ser diferenciados entre essenciais e não essenciais,

mas sim em mutáveis e imutáveis. Portanto:

As partes variáveis do senso moral não são menos fundadas na natureza das

coisas do que as partes imutáveis; as variações pelas quais as principais

maneiras passaram testemunham apenas que as próprias coisas variam. [...]

Do mesmo modo, os atos tachados de crime pelas sociedades primitivas, e

Page 17: O crime como evolução da moral e do direito

que perderam essa qualificação, são realmente criminosos para essas

sociedades, tanto quanto os que continuamos a reprimir hoje em dia. Os

primeiros correspondem às condições mutáveis da vida social, os segundos às

condições constantes; mas uns não são mais artificiais que outros

(DURKHEIM, 2007, p.41)

5. O CRIME COMO EVOLUÇÃO DA MORAL

O crime enquanto fato social normal deve, devido seu caráter de normalidade apresentar

caráter funcional e utilitário, ou seja, o crime por ser qualificado como fato social normal

segundo Durkheim deve junto a tal caráter ser útil ao funcionamento normal da sociedade, deste

modo afirma Durkheim (2007, p. 65) “Enfim, e sobretudo, se é verdade que tudo que é normal é

útil, com a condição de ser necessário, é falso que tudo o que é útil seja normal”.

O crime é necessário para que os preceitos morais possam efetivamente se modificar, ao

passo que se a ocorrência de ações que indo contra a consciência coletiva qualificadas como

criminosas fossem devido a força coercitiva dos preceitos morais extirpada, a sociedade que

obedece a tais preceitos elegeriam de imediato novos preceitos e consequentemente novas

formas de transgressão, e passariam a eleger faltas que em um determinado período foram

normais como ações criminosas graves. Portanto, o crime é necessário uma vez que este

possibilita a possibilidade de mudança dos preceitos morais impedindo sua cristalização e

fortalecimento excessivo que gerariam uma “super-moralidade”, que condenaria qualquer ação

que a transgredisse. Para exemplificar Durkheim apresenta o seguinte argumento:

Imaginem uma sociedade de santos, um claustro exemplar e perfeito. Os

crimes propriamente ditos serão desconhecidos; mas as faltas que parecem

veniais ao vulgo causarão o mesmo escândalo que produz o delito ordinário

nas consciências ordinárias. Portanto, se essa sociedade estiver armada do

poder de julgar e de punir, ela qualificará esses atos de criminosos e os tratará

como tais. (DURKHEIM, 2007, p.69)

A evolução da moral se da na medida em que seus imperativos são transgredidos por

ações que são consideradas criminosas, tais ações uma vez que ultrapassam e desobedecem tais

imperativos mostram a falta de poder coercitivo destes, assim como sua inutilidade, gerando

novos preceitos morais mais adequados e necessários para aquele determinado período de

desenvolvimento da sociedade. Deste modo a consciência moral apresenta característica

plástica, ou seja, é passível de mudança e a transgressão.

De fato, não é mais possível hoje contestar que não apenas o direito e a moral

variam de um tipo social a outro, como também mudam em relação a um

mesmo tipo, se as condições da existência coletiva mudam. Mas para que

essas transformações sejam possíveis, é preciso que os sentimentos coletivos

Page 18: O crime como evolução da moral e do direito

que estão na base da moral não sejam refratários à mudança, que tenham,

portanto, apenas uma energia moderada. Se fossem demasiado fortes,

deixariam de ser plásticos. (DURKHEIM, 2007, p.71)

Desta forma mais que promover a evolução no campo da moral o crime é responsável

pela evolução do modelo social como um todo, ao passo que se os preceitos morais fossem

fortes o suficiente a ponto de suprimir as ações individuais estes seriam incapazes de promover

a evolução não só de tais preceitos, mas da sociedade como um todo.

Ora, se não houvesse crimes, essa condição não seria preenchida; pois tal

hipótese supõe que os sentimentos coletivos teriam chegado a um grau de

intensidade sem exemplo na história. Nada é bom indefinidamente e sem

medida. É preciso que a autoridade que a consciência moral possui não seja

excessiva; caso contrario, ninguém ousaria contesta – la e muito facilmente

se cristalizaria numa forma imutável. (DURKHEIM, 2007, p.71)

Visto a utilidade do crime como sendo o responsável pela mudança não só da

consciência moral mas de toda a sociedade, demonstrando a possibilidade de mudança de tais

preceitos e evidenciando suas características de plasticidade, este também pode ser entendido

como a antecipação deste novo modelo social, desta forma, mais que proporcionar a mudança

no campo moral, modificando os preceitos morais existentes na sociedade, este é responsável

por preparar a mudança, assim como antecipar o modelo moral que esta por vir.

Além dessa utilidade indireta, o próprio crime pode desempenhar um papel

útil nessa evolução. Não apenas ele implica que o caminho permanece aberto

às mudanças necessárias, como também, em certos casos, prepara

diretamente essa mudança. Não apenas, lá onde ele existe, os sentimentos

coletivos encontram-se no estado de maleabilidade necessário para adquirir

uma forma nova, como ele também contribui as vezes para predeterminar a

forma que esses sentimentos irão tomar. (DURKHEIM, 2007, p. 72)

Portanto, o crime como evolução e motor da moral é também a antecipação desta, na

medida em que transgride o imperativo proposto pelo preceito moral, é também a antecipação

da ação moral futuramente aceitável, mostrando a partir de sua ocorrência de que modo a nova

norma ou preceito moral de assumir para desempenhar seu papel de modo satisfatório. Desto

modo, é comum segundo o autor que o crime assuma mais que papel de “gatilho” da mudança

papel de modelo futuramente aceito, uma vez que o crime só pode ser assim classificado dentro

dos limites de um determinado momento de desenvolvimento da sociedade, sendo possível que

o mesmo ato que em uma determinada época considerado criminoso pela consciência coletiva ,

que uma vez ofendida reprime o ato, em uma outra época, e em consequência da evolução moral

Page 19: O crime como evolução da moral e do direito

causada pelo ato tido como criminoso, o considere moralmente aceito e desejável em um outro

momento de sua existência.

Tal é a veracidade dos escritos de Durkheim que os casos particulares em que o crime

antecipa a moral demonstrando qual caminho que esta deve percorrer, podem ser observados ao

longo da história. Segundo o autor, por exemplo, o crime e a condenação de Sócrates fora

moralmente aceitável e justificado como justa, uma vez que a ação de Sócrates transgride a

norma imposta socialmente pela consciência coletiva, ou seja, a condenação de Sócrates fora

justa uma vez que seu crime feriu os sentimentos morais vigentes, do mesmo modo, seu crime, a

liberdade de pensamento, se fazia não só necessário à sociedade ateniense de sua época mas fora

o ponto de partida para que as sociedades posteriores pudessem gozar de tal direito, que na

época de Sócrates fora considerado crime. Durkheim apresenta o de Sócrates como um exemplo

de caso em que o crime serve como evolução e antecipação da moral.

Quantas vezes, com efeito, o crime não é senão a antecipação da moral que

esta por vir, um encaminhamento em direção ao que será! De acordo como

direito ateniense, Sócrates era um criminosos e sua condenação simplesmente

justa. No entanto, seu crime, a saber, a independência de seu pensamento ,

era útil, não somente à humanidade, más a sua pátria. Pois ele servia para

preparar uma moral e uma fé novas, das quais os atenienses tinham então

necessidade, porque as tradições segundo as quais tinha vivido até então não

mais estavam em harmonia com suas condições de existência.

Deste modo, o crime é para Durkheim responsável pela evolução da moral NE medida

em que apresenta a maior parte dos indivíduos a incapacidade dos preceitos morais existentes de

gerir satisfatoriamente a vida social, provocando deste modo a mudança de tais preceitos para

uma nova forma de moralidade, que melhor corresponde as necessidades da vida social em

determinado contexto da existência da sociedade. Sendo portanto, o crime mais que útil

necessário, uma vez que sua função proporciona a mudança não só da moral mas a evolução de

toda a sociedade seja no campo moral como no campo do direito, deste modo (DURKHEIM,

2007, p.71 ) “ O crime é portanto necessário; ele está ligado às condições fundamentais de toda a

vida social e, por isso mesmo, é útil; pois as condições de que ele é solidário são elas mesmas

indispensáveis à evolução normal da moral e do direito”.

Os preceitos morais assim como as normas do direito estabelecidos em determinado

momento de desenvolvimento da sociedade sofrem com ações que os violam denominadas

crimes, tais preceitos ou regras uma vez transgredidos são modificados por tais atos, tal

mudança se da devido sua inutilidade ou sua falta de força para se impor, sendo a ação

criminosa o ato que promove a mudança necessária ao funcionamento normal e saudável da

sociedade, sendo portanto, o crime na teoria de Durkheim,, um fator mais que normal ao

funcionamento da sociedade um fator de saúde social ao passo que exerce função fundamental

ao funcionamento da sociedade.

Page 20: O crime como evolução da moral e do direito

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teoria clássica do crime como por exemplo a teoria biológica e psicológica de

explicação do fenômeno criminológico tendem a explicar tal ato pelo seu agente, ignorando os

fatores externos que alguma forma poderiam ter influenciado tais ações, a teoria funcionalista

proposta por Durkheim, promove uma “virada criminológica no sentido de deixa de explicar o

fato como fenômeno individual e o eleva a um estatuto de social, deste modo a criminologia de

Durkheim tende a explicar o crime não mais pelo seu agente mas como sendo um

acontecimento social, que possui ocorrência no seio da vida social, sendo tal ocorrência normal

e útil à sociedade.

A teoria do crime proposta por Durkheim se liga diretamente a sua teoria da moral, uma

vez que o crime consiste na transgressão a norma imposta. A violação da norma, ou seja, o

crime consiste em um fato social que tem características normais, sendo possivel observar sua

ocorrência na maior parte das sociedades existentes.

O crime é entendidopor Durkheim como sendo motor das mudanças na consciência no

campo da moral, uma vez que o crime transgride tais normas demonstrando sua possibilidade de

mudança, guiando tal modificação a antecipando, deste modo a ação criminosa em determinado

período da história da sociedade pode em outro perder tal caráter e se tornar um imperativo

moral aceito e até mesmo desejável socialmente como no caso da condenação de Sócrates por

exemplo.

As ideias acerca do crime proposta por Durkheim mais que provocar uma virada no

campo dos estudos da criminologia proporciona ainda uma nova forma de entendimento do

crime, como fato social normal e útil a vida social, sendo responsável pela mudança e renovação

dos preceitos morais que uma vez estabelecidos e satisfatoriamente funcionais se cristalizam na

forma do direito, portanto, o crime mais que provocar evolução no campo da moral proporciona

a mudança do direito e de toda a vida social. A tese aqui defendida, a de que o crime é

responsável pela mudança e evolução no campo da moral e do direito, se faz constante na

medida em que as sociedades progride assim como os preceitos morais e o direito, sempre se

fará necessário procurar entender e explicar o fenômeno criminológico.

Page 21: O crime como evolução da moral e do direito

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