moral, religiÃo e direito: mecanismo simbÓlico...

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Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 MORAL, RELIGIÃO E DIREITO: MECANISMO SIMBÓLICO DE CONTROLE SOCIAL Admilson Eustáquio Prates 1 Kátia Suely de Melo Gusmão 2 RESUMO O presente trabalho se propõe a discutir a relação entre moral, religião e direito entendidos como mecanismo simbólico de controle social. Isso se dá devido à capacidade humana de transcender as coisas e construir relações entre elas. A moral prescreve o modo, a maneira como a pessoa deve-se comportar em grupo. Direito e Moral regulamentam as relações de uns homens com outros por meio de normas. A religião, além de apresentar os códigos de conduta, também mostra a forma como será castigado caso as regras não sejam cumpridas. Palavra chave: Moral; Religião; Direito; Relações Humanas. O presente texto pretende explorar a ideia que a Moral, a Religião e o Direito constituem mecanismo simbólico de controle social. Isto é, os humanos são seres simbólicos. Eles não se relacionam com as coisas em sim, mas com a representação das coisas. Isto é, os símbolos são produções, construções humanas pelos quais os possibilitam relacionar com mundo objetivo e com o mundo subjetivo. Por sua etimologia (do grego sum-ballo, ou sym-ballo), o símbolo refere-se à união de duas coisas. Era um costume grego que, ao se fazer um contrato, fosse quebrado em duas partes um objeto de cerâmica, então cada pessoa levava um dos pedaços. Uma reclamação posterior era legitima pela reconstrução (“pôr junto”=symballo) da cerâmica destruída, cujas metades deviam coincidir. A união das partes permitia reconhecer que a amizade permanecia intacta. (CROATTO, 2001, p.84-85). 1 Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia de Goiás/Campus Formosa/GO. Doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP. 2 Coordenadora adjunta do curso de Direito e professora de Direito nas Faculdades Integradas do Norte de Minas.

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Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015

MORAL, RELIGIÃO E DIREITO: MECANISMO SIMBÓLICO DECONTROLE SOCIAL

Admilson Eustáquio Prates1

Kátia Suely de Melo Gusmão2

RESUMOO presente trabalho se propõe a discutir a relação entre moral, religião e direito

entendidos como mecanismo simbólico de controle social. Isso se dá devido à

capacidade humana de transcender as coisas e construir relações entre elas. A

moral prescreve o modo, a maneira como a pessoa deve-se comportar em grupo.

Direito e Moral regulamentam as relações de uns homens com outros por meio de

normas. A religião, além de apresentar os códigos de conduta, também mostra a

forma como será castigado caso as regras não sejam cumpridas.

Palavra chave: Moral; Religião; Direito; Relações Humanas.

O presente texto pretende explorar a ideia que a Moral, a Religião e o

Direito constituem mecanismo simbólico de controle social. Isto é, os humanos são

seres simbólicos. Eles não se relacionam com as coisas em sim, mas com a

representação das coisas. Isto é, os símbolos são produções, construções humanas

pelos quais os possibilitam relacionar com mundo objetivo e com o mundo subjetivo.

Por sua etimologia (do grego sum-ballo, ou sym-ballo), o símbolo refere-seà união de duas coisas. Era um costume grego que, ao se fazer umcontrato, fosse quebrado em duas partes um objeto de cerâmica, entãocada pessoa levava um dos pedaços. Uma reclamação posterior eralegitima pela reconstrução (“pôr junto”=symballo) da cerâmica destruída,cujas metades deviam coincidir. A união das partes permitia reconhecer quea amizade permanecia intacta. (CROATTO, 2001, p.84-85).

1Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia de Goiás/Campus Formosa/GO. Doutorandoem Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestre em Ciências daReligião pela PUC/SP.2Coordenadora adjunta do curso de Direito e professora de Direito nas Faculdades Integradas do Norte deMinas.

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Dessa forma, entendemos símbolo como união, junção que permite ao

ser humano tornar presente aquilo que está ausente, ou seja, nos possibilita

representar o mundo. Por exemplo, quando nos referimos a cruz não significa

determinada cruz, mas a ideia, abstração de cruz.

Quando o mundo é representado, isto é, quando linguagem simbólica é

inventado, ela segue a convenção, aquilo que é aceito por todos do grupo. Enfim, o

símbolo é uma convenção, fruto de uma determinada cultura. Ele está circunscrito

em um determinado tempo e espaço. E, somente neste cenário cultural, ele terá

significado e sentido.

Dessa maneira, o ser humano não é somente um ser natural, mas

também um ser simbólico. Isto é, caminhar, correr, comer, rir/ sorrir, dormir são

atividades naturais de todo os ser humano saudável. Contudo, a maneira de

caminhar, de correr, de comer, de rir/ sorrir, de dormir é vivenciado e interpretado

conforme o grupo social no qual o indivíduo está inserido. O ato de caminhar, que é

uma ação natural de locomover-se de um lugar a outro, pode representar charme,

elegância, sensualidade ou ser repudiado, recebendo determinados adjetivos como

arrogância, soberba.

Isso acontece devido à capacidade humana de transcender as coisas

construindo representações acerca delas. Os indivíduos emitem juízo de realidade e

juízo de valor. O primeiro descreve a realidade, apresenta-a como ela é. Um

exemplo disso é: o carro é vermelho, a cadeira é velha, Joaquim retornou da

viagem, Arnaldo comprou um doce de leite, Maria está rezando, Maria é uma moça.

São exemplos que apresentam e descrevem a realidade sem realizar julgamento ou

avaliar o fato. O segundo emite um parecer, ele faz uma avaliação, ou seja,

apresenta um valor. Isto é, o carro vermelho é tão lindo quanto o prata, a cadeira

velha é mais confortável que a cadeira nova, Joaquim retornou da viagem antes de

concluir as atividades, Arnaldo comprou um doce de leite muito caro, Maria está

rezando para reconfortar o espírito, Maria é uma moça linda.

Na primeira frase, do exemplo, percebe-se uma avaliação estética

assim como na ultima frase. O segundo exemplo emite um juízo de utilidade; o

terceiro, um juízo moral; o quarto realiza uma avaliação acerca do valor econômico

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do produto; o quinto está ligado à dimensão religiosa e de fé. Assim sendo, entende-

se que a emissão de um juízo de realidade vem acompanhada de um juízo de valor.

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Além de o valor ser resultado das relações entre o individuo e ele

mesmo, e das relações entre o individuo o mundo é também herdado em parte pela

sociedade a pertence. Os valores são repassados para as novas gerações, por

exemplo, por meio da família, da escola, da igreja, das brincadeiras, dos jogos.

A cultura, a sociedade, o grupo social do qual o indivíduo faz parte o

objeto pedra - fragmento de rocha -, por exemplo, é compreendido como uma arma,

um enfeite, um ornamento, um símbolo sagrado ou profano, um objeto de

investimento financeiro.

[...] como a prata. Podemos falar nela tal como existe em seu estado naturalnas jazidas respectivas; é então um corpo inorgânico que possui estrutura ecomposição, bem como determinadas propriedades naturais que lhe sãoinerentes. Podemos falar também da prata transformadora pelo trabalho e,então, já não possuímos um mineral em seu estado puro ou natural, masum objeto de prata. Como material trabalhado pelo homem, serve, nessecaso, para produzir braceletes, anéis ou outros objetos de enfeite, para afabricação de serviços de mesa, cinzeiro, etc, podendo ser utilizada comomoeda. Temos assim uma dupla existência da prata: a) como objeto natural;b) como objeto natural humano ou humanizado. Como objeto natural, ésimplesmente um fragmento da natureza com determinadas propriedadesfísicas e químicas. (SANCHEZ VÁSQUEZ, 1998, p. 111-112)

Assim sendo, no universo humano as coisas passam até um valor

simbólico, uma representação resultado da ação humana.

A categoria valor tem sua origem nas atividades econômicas sendo

transferido e utilizado nas diversas áreas da atividade humana, sobretudo, na

dimensão acerca da moral. Conforme Sanchez Vásquez o valor possui alguns

traços essências:

1) Não existem valores em si, como entidades ideias ou irreais, mas objetosreais (ou bens) que possuem valor.2) Dado que os valores não constituemum mundo de objetos que exista independentemente do mundo dos objetosreais, somente existem na realidade natural e humana como propriedadevaliosa dos objetos da mesma realidade.3) Por conseguinte, os valoresexigem – como condição necessária – a existência de certas propriedadesreais – naturais ou físicas – que constituem o suporte necessário daspropriedades que consideramos valiosas.4) as propriedades reais quesustentam o valor, e sem as quais este não existiria, são valiosas empotência. Para passar a ato e transformar-se em propriedades valiosasefetivas, é indispensável que o objeto esteja em relação com o homemsocial, com seus interesses e com suas necessidades. Desta maneira, oque vale somente em potência adquire um valor efetivo. (SÁNCHEZ

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VÁSQUEZ, 1998, p. 116)

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Dessa maneira, visualiza-se que o valor é uma atividade humana que

busca atribuir sentido ao mundo e a si mesmo. Quando atribuímos sentidos

fundamos regras, normas, e isso é resultado da prática valorativa, estabelecimento

de um plano de ação que direcionará as escolhas, buscando o bem e evitando

aquilo que prejudica.

Nesse raciocínio sobre a busca do bem entende-se que matar, roubar,

furtar, mentir, trair são ações imorais, rejeitadas pela sociedade. Na convivência

humana, sendo no mínimo duas pessoas relacionando, é impossível que exista

convívio sem um código moral. Assim sendo, visualiza-se que pode faltar alimentos

e água em uma sociedade, mas não pode deixar de existir um código moral.

O que é moral? Podemos entender por moral um conjunto de regras,

normas, valores que direciona ação do individuo em uma determinada sociedade,

grupo ou comunidade. Conforme Sánchez Vásquez: “Moral vem do latim mos ou

mores, “costume” ou “costumes”, no sentido de conjunto de normas ou regras

adquiridas por hábito. A moral se refere, assim, ao comportamento adquirido ou

modo de ser conquistado pelo homem” (1998, p.14).

Dessa maneira, entende-se que moral é algo que o individuo aprende,

isto é, é imposto ao sujeito desde o momento em que ele nasce. Ela inicialmente

não é uma escolha livre e consciente e, sim, uma imposição que a sociedade, a

comunidade, o grupo, a família impõem sobre a pessoa. Pode-se apresentar alguns

exemplos como: “Menino mastiga com a boca fechada!”; “Não brigue com seu

irmão!”; “Menina, senta direito. Cruza as pernas!”; “Meu filho, vai tomar seu banho,

agora”; “Não pode fazer isso!”; “Está na hora de dormir!”. Esses exemplos são

típicos e especifico de determinada sociedade, ou seja, o código moral é particular,

resultado singular de grupos específicos, e, além disso, está ligado a um

determinado tempo e espaço, como por exemplo, às mulheres há um tempo não era

permito frequentar escola; atualmente as mulheres estudam e ocupam cargos de

executivas em grande empresa, além de, ocupar cargos políticos como: prefeita,

governadora, presidente.

A moral prescreve o modo, a maneira como a pessoa deve-se

comportar em grupo. Ela é constituída estruturalmente em dois aspectos, sendo uma

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normativa e outro fatual. O aspecto normativo está relacionado às normas, as

regras, isto é, ao “dever ser”. O segundo, o fatual, é ato do individuo em ação, isto

é, sendo efetivado.

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Conforme esses dois aspectos podemos classificar a ação humana em

determinado grupo como sendo mora, imoral, amoral e não-moral. O ato moral é

quando a pessoa cumpre, obedece as normas instituída pela sociedade na qual ele

convive. Já a ação imoral é resultado de uma desobediência, uma refeição a regra,

como por exemplo, “Não xingar” e o ato de xingar é imoral.

[...] imoral e amoral. A diferença entre eles é que, enquanto o ato ou posturaimoral é a negação de um determinado código moral vigente, no sentidocorrente de devasso, desregrado, libertino, o termo amoral significa umapostura de neutralidade frente a esta ou àquela moral em questão. Naprática, não nega mas também não adere; simplesmente passa ao largodas normas.Isso é muito comum entre as diferenças de padrões culturais deconduta, notadamente com relação a valores religiosos. A obrigatoriedade,por exemplo, das mulheres usarem véu sobre as cabeças numadeterminada seita pode não ter significado algum para outras mulheresvisitantes. Se uma mulher de uma determinada comunidade deixar de usaro véu para infringir o costume, sua atitude pode ser tida ali como um atoimoral [...] (PEREIRA, 2004, p.15).

No que tange o ato amoral está ligado a ação humana a margem de

qualquer regra ou respeito às normas. E a postura não-moral é quando recorre a

outros critérios de avaliação que não seja moral, por exemplo, analise de uma obra

de arte, uma obra literária isto é, a postura de um crítico de arte é não-moral.

A moral é dinâmica, pois ao mesmo tempo em que os códigos são

recebidos, transmitidos de uma geração para outra, sendo dessa maneira conhecida

como moral constituída ela também transgredi, rompe, enfim, a moral constituinte é

aquela a qual está em movimento, em mudanças. Um exemplo, no período da idade

média na Europa era permito chicotear pessoas em praça publicas e atualmente é

proibido esse comportamento; no Brasil colônia pode-se ter escravo, pessoa negras

eram mercadoria a qual podia-se vender e comprar, e além disso, ser trato como

coisa. No presente momento, a escravidão é proibido.

Segue abaixo um quadro que apresenta elementos comuns e elementos

diferentes entre Moral e Direito.

QUADRO 1Moral e direito

Elementos comuns ente moral edireito

Diferença ente moral e direito

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Direito e Moral regulamentam as

As normas morais se cumprem

através da convicção íntima dos

indivíduos e, portanto, exigem uma

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relações de uns homens com outros

por meio de normas. Postulam,

portanto, uma conduta obrigatória e

devida. O desrespeito de algumas

dessas regras pode originar uma

tácita ou manifesta atitude de

desaprovação;

adesão intima a tais normas. Neste

sentido, pode se falar de interioridade

da vida moral (o agente moral deve

fazer as suas ou interiorizar as

normas que deve cumprir). Já As

normas jurídicas não exigem esta

convicção íntima ou adesão interna, o

indivíduo deve cumprir a

determinação legal mesmo que na

sua intimidade não concorde com ela

(daí falar se da exterioridade do

direito). O importante, no caso é que a

norma se cumpra, seja qual for a

atitude do sujeito (forçada ou

voluntária) com respeitoa seu

cumprimento. Se a norma moral se

cumpre por motivosformais ou

externos, sem que o sujeito esteja

intimamente convencido de que deve

atuar de acordo com ela, o ato moral

não será moralmente bom (senso

comum), de forma inversa, a norma

jurídica é cumprida formal ou

externamente, isto é, ainda que o

sujeito esteja convencido de que é

injusta e intimamente não queira

cumpri la, implica um ato

irrepreensível do ponto de vista

jurídico. Assim, a interiorizarão da

norma, essencial ao ato moral, não o

é, no âmbito do direito.

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As normas morais e jurídicas têm a

forma de imperativos e, por

O fenômeno da coação é exercido de

maneira diversa na moral e no direito:

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conseguinte, acarretam a exigência

de que se cumpram, isto é, de que os

indivíduos se comportem

necessariamente de uma certa

maneira. Mais ainda.

a coação é fundamentalmente interna

na moral e externa no direito.

Respondem a uma necessidade da

vida social: regulamentar as relações

dos homens objetivando garantir a

coesão social;

As normas morais não se encontram

codificadas formal e oficialmente ao

passo que as normas jurídicas gozam

desta expressão formal (escrita,

material, positiva) e oficial em forma

de códigos, leis e diversos atos do

Estado;

Pode se resumir o que foi explanado

dizendo que na concepção de Direito

é exigível, enquanto que atuar

moralmente reside no campo da

espontaneidade.

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Dinamismo Social: a moral e o direito

mudam quando muda historicamente

o conteúdo de sua função social. Em

razões disto estas formas de

comportamento têm caráter histórico.

A moral varia de tempos em tempos,

assim como, o Direito. O Código Civil

Brasileiro de 1916, continha certas

regras que não tinham mais uso na

sua concepção original para os dias

de hoje. As necessidades do

grupamento social mudaram e o

Direito exigiu nova codificação.

A esfera Moral é mais ampla do que a

do direito e atinge todos os tipos de

relação entre os homens e as suas

várias formasde comportamento

qualquer comportamento pode ser

objeto de qualificação moral (retomo

aqui os pensamentos de Kelsen se

qualquer coisa pode ser direito em

face da norma fundamental

pressuposta, então é certo que o

Direito se fundamenta concepção

moral).

O Direito, pelo contrário regulamenta

as relações humanas mais vitais para

o Estado para as classes dominantes

ou para a sociedade em conjunto.

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Iremos observar que algumas formas

de comportamento humano

(criminalidade, por exemplo) se

encontra na esfera do direito. O

mesmo se deve dizer de certas

formas de organização social como o

matrimônio e a família e as

respectivas relações. Outras relações

entre os indivíduos, como o amor a

amizade, a religiosidade, a

sociabilidade, não são objeto de

regulamentos jurídicos, apenas moral.Fonte: Disponível em<http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfJK4AF/direito-moral> .Acesso em 16

out. 2014.

Percebe-se que existe uma relação estreita ente moral, direito e religião,

isto é, pode-se compreender religião como sendo um controlador social que exerceu

e exerce um poder, um domínio sobre o ser humano. Paulo Nader, em sua obra

Introdução ao Estudo do Direito, apresenta a categoria religião da seguinte maneira:

Um sistema religioso não se limita a descrever o além ou a figura doCriador. Define o caminho a ser percorrido pelos homens. Para este fim,estabelece uma escala de valores a serem cultivados e, em razão deles,dispõe sobre a conduta humana. [...] Religião é ‘um dos maiores controlessociais de que dispõe a sociedade’[...] ‘a injustiça e a imoralidade quediminuem o homem e impedem o desenvolvimento da personalidade, sãointoleráveis para as pessoas verdadeiramente religiosas’ [...] NelsonHungria, famoso penalista brasileiro, enfatizou a importância da religião napaz e equilíbrio social: ’A Religião tem sido sempre um dos mais relevantesinstrumentos no governo social do homem e dos agrupamentos humanos.Se esse grande fator de controle enfraquece, apresenta-se o perigo doretrocesso do homem ás formas primitivas e antissociais da conduta, deregresso e queda da civilização, de retorno ao paganismo social e moral. Oque a razão faz pela ideias, a religião faz pelos sentimentos’. (NADER,2011, p. 34)

A religião, além de apresentar os códigos de conduta, também mostra a

forma como será castigado caso as regras não sejam cumpridas. Voltaire, em sua

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obra Dicionário Filosófico, apresenta a função social do inferno:

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Desde que os homens começaram a viver em sociedade devem terpercebido que não poucos criminosos escapavam à severidade das leis.Puniam-se os crimes públicos: restava estabelecer um freio para os crimessecretos. Só a religião poderia ser esse freio. Persas, caldeus, egípcios,gregos, imaginaram castigos depois da morte. [...] Enfim, fariseus eessênios, entre eles os judeus, admitiram a crença de um inferno à suamoda. Esse dogma já passara de gregos a romanos, e foi perfilhado peloscristãos. [...] “Meu caro, não creio no inferno mais que você. Mas é bom queo creiam a sua criada, o seu alfaiate e também o seu procurador”.(VOLTAIRE, 2002, p.304-306)

A religião organiza tanto o mundo físico, concreto material quanto o

mundo não físico, ou seja, o mundo invisível. Pode-se entender que religião atribui

sentido a existência do individuo impondo normas, regras e padrões de

comportamento. Isto é, o ser humano não pode ser guiado pelo desejo, pelo

principio de prazer caso isso acontece a sociedade é destruída, ou seja, viver em

sociedade é castrar os desejos, transformá-los em comportamentos aceitáveis pelo

grupo social a qual compõe. Conforme Rodrigo Arnoni Scalquette em História do

Direito: perspectivas histórico-constitucionais da relação entre estado e religião,“A

crença em Deus e, especialmente, o temor que se tem a Ele, traçaram a história da

humanidade, correlacionando poder e dominação.” (Scalquette, 2013, 1)

O Direito Primitivo ou Direito Arcaico, notadamente de um povo ágrafo, ao

estabelecerem regras para viverem em sociedade, usavam o nome dos deuses que

cultuavam para impô-las. Assim sendo, usavam o divino para governar. Neste

aspecto, afirma Atônio Carlos Wolkmerem Fundamentos de História do Direito:

(...) além do formalismo e do ritualismo, o Direito Arcaico manifesta-se nãopor um conteúdo, mas pelas repetições de fórmulas, através dos atossimbólicos, das palavras sagradas, dos gestos solenes e da força dos rituaisdesejados. (...)ainda que, por ser objeto de respeito e veneração, e serassegurado por sanções sobrenaturais, dificilmente o homem primitivoquestionava a sua validez e sua aplicabilidade. (Wolkmer, 2010, 4-.5)

No contexto do aparecimento da escrita, na região da Mesopotâmia, deu-

se a origem dos primeiros códigos da antiguidade, quais sejam, Hammurabi, o de

Manu, o de Sólon e a Lei das XII Tábuas. Estas codificações, eram, nada mais, nada

menos, do que a transcrição dos costumes, crenças e tradições, produzidos na

época. A percepção do fenômeno jurídico encontrava-se de maneira embrionária. O

Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015

não cumprimento das regras estabelecidas pelas leis escritas, implicavam em

penalidades, que por vontade divina, deveriam se materializar em castigos. De

acordo com Rodrigo Freitas de Palma em História do Direito:

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era comum inserir neste vasto rol a mutilação, a decapitação, a empalação,a crucificação, a flagelação, a morte na fogueira ou na forca, oapedrejamento, o banimento, assim como a aplicação de uma série de“ordálias” ou “juízos divinos”, que consistiam em práticas adivinhatórias paraverificar a culpabilidade ou a inocência do réu. Não raro, havia, como sesabe, a aplicação do princípio ou lei de talião e de penas pecuniárias dasmais diversas. A vingança privada, pois, era a tônica do sentido punitivonessas sociedades. (Palmas, 2011, 42-43)

Mesmo com o despontar do monoteísmo, o Direito, que era baseado nos

dez mandamentos e o Sagrado ainda permaneceram indivisíveis e como efeito, atos

desumanos eram aplicados como sanção. Não porque estava previsto no Decálogo,

que possui seus textos legislativos no Antigo Testamento, mas sim pela cultura da

perversidade. Alguns doutrinadores costumam até estabelecer um íntimo

relacionamento entre a Legislação Mosaica e a nossa Carta Magna que zela pelas

garantias fundamentais da pessoa.

Na Escritura Sagrada, conforme a perspectiva cristã, na parte do Antigo

Testamento Salomão escreveu o livro Provérbios ao qual ele apresenta maneira de

como se comportar em sociedade.

1 A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira. 2 Alíngua dos sábios destila o conhecimento; porém a boca dos tolos derramaa estultícia. 3 Os olhos do Senhor estão em todo lugar, vigiando os maus eos bons 4 Uma língua suave é árvore de vida; mas a língua perversaquebranta o espírito. 5 O insensato despreza a correção e seu pai; mas oque atende à admoestação prudentemente se haverá. Fonte: BÍBLIA DEJERUSALÉM, Pro 15:1-5, p.1042-1043

A religião proporcionou um grande progresso moral para a humanidade,

mas não podemos esquecer ou ser ingênuos que algumas pessoas utilizam da

religião como instrumento para realizar os desejos destrutivos, ou seja, “os

fanatismos religiosos ajudaram a obscurecer muitas vezes a mensagem ética

profunda da liberdade, do amor, da fraternidade universal” (VALLS, 2003, p. 37).

Na sequência de pensamento acerca da exploração do conceito de moral

pode-se realizar uma distinção entre moral e direito, sendo que o direito está

relacionado ao Estado, ao poder do Estado que controla a sociedade mediante, por

exemplos, com leis, decretos. Para Paulo Nader:

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o movimento de separação entre o Direito e a Religião cresceu ao longo doséc.XVIII, especialmente na França, nos anos que antecederam aRevolução Francesa. Vários institutos jurídicos se desvincularam da

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Religião, como a assistência pública, o ensino, o estado civil.Modernamente os povos adiantados separaram o Estado da Igreja, ficandocada qual com o seu ordenamento próprio. Alguns sistemas jurídicos,contudo, continuam a ser regidos por livros religiosos, notadamente nomundo muçulmano. Em 1979, o Irã restabeleceu a vigência do Alcorão, livroda seita islâmica, para disciplinar a vida do seu povo.( Nader, 2013, 33-34)

Assim sendo, mesmo com todo este contexto histórico, podemos

interpretar que a Moral, a Religião e o Direito são indissociáveis, uma vez que o

Estado é governado pelo povo que age de acordo com as noções que possuem

sobre o bem que aliado as normas técnicas que possuem neutralidade em relação

aos valores , procuram adequar os princípios adquiridos ao longo da existência, à

tomada de decisões, a fim de satisfazerem às necessidades humana. Afinal, é por

isso que o Direito existe.

Bibliografia

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2014.