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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Pablo Policeno Santos ABORTO, DIREITO E MORAL CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Pablo Policeno Santos

ABORTO, DIREITO E MORAL

CURITIBA

2013

Pablo Policeno Santos

ABORTO, DIREITO E MORAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: André Peixoto de Souza.

CURITIBA

2013

TERMO DE APROVAÇÃO

PABLO POLICENO SANTOS

ABORTO, DIREITO E MORAL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharelado no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ___ de _____________ de 2013.

____________________________________________Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de MonografiaUniversidade Tuiuti do Paraná

Orientador: ____________________________________________Prof. Prof. Dr. André Peixoto de Souza

Universidade Tuiuti do ParanáCurso de Direito

Supervisor: _____________________________________________Prof. Dr.

Universidade Tuiuti do ParanáCurso de Direito

Supervisor:______________________________________________Prof. Dr.

Universidade Tuiuti do ParanáCurso de Direito

AGRADEÇO

Agradeço aos meus familiares e amigos, por todo o apoio, principalmente aos

meus pais, por toda a dedicação e suporte nesses 5 anos de curso.

Em especial ao mestre e orientador André Peixoto de Souza, pela sua infinita

paciência e saber intelectual.

Obrigado!

Dedico este trabalho aos meus pais e amigos.

RESUMO

Será verificado, no presente trabalho, o conceito de aborto e as suas

espécies, com o intuito analisar as características morais e jurídicas que

possibilitam, ou não, o ato abortivo.

A discussão acerca do tema abrange aspectos constitucionais, como o direito

a vida do feto e da gestante, assim como filosóficos, com a busca da justiça e da

moralidade ao se praticar o aborto.

Assim, verificando-se a legalidade do ato, resta ainda a análise do caso

concreto para determinar-se a validade do aborto e sua configuração ou não como

crime.

Palavras-chave: aborto, moral, justiça, legalidade.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7

CAPÍTULO I – ABORTO ............................................................................................ 8

1.1 CONCEITO ........................................................................................................... 8

1.2 ESPÉCIES .............................................................................................................8

1.2.1 ESPONTÂNEO .................................................................................................. 8

1.2.2 INDUZIDO ......................................................................................................... 8

1.3 TÉCNICAS ABORTIVAS ...................................................................................... 9

1.3.1 MECÂNICAS ..................................................................................................... 9

1.3.2 QUÍMICAS ....................................................................................................... 10

1.3.3 FORMAS CASEIRAS ...................................................................................... 10

CAPÍTULO II – DIREITO E MORAL ........................................................................ 11

2.1 FILOSOFIA KANTIANA ...................................................................................... 11

2.2 FILOSOFIA KELSENIANA ................................................................................. 14

CAPÍTULO III – ABORTO NO DIREITO BRASILEIRO .......................................... 15

3.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA ......................................................... 15

3.2 LEGISLAÇÃO INFRA-CONSTITUCIONAL ........................................................ 16

CAPÍTULO IV – INFLUÊNCIA DA MORAL E DO DIREITO SOBRE O ABORTO ......... 18

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 20

ANEXO A – JURISPRUDÊNCIAS ........................................................................... 23

ANEXO B – PROJETOS DE LEI REFERENTES AO ABORTO ............................. 25

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 46

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INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

Busca-se com o presente trabalho o estudo a relação entre o aborto, a moral

e o direito na sociedade contemporânea, trazendo, de forma comparada, a visão do

Brasil e de outros países do mundo sobre o assunto.

Para isso, serão analisados o conceito de aborto, a sua visão pelo direito e

pela moral, as suas espécies existentes e de que forma a legislação pátria e

internacional interpretam o assunto.

O assunto expande-se, também, às formas legalizadas de aborto, como nos

casos de estupro, risco de morte à mãe e, num dos mais recentes e polêmicos

julgados do Supremo Tribunal Federal, o caso de fetos anencéfalos, assim como as

formas de punição àqueles casos contrários à legislação.

O tema está diretamente ligado não só ao direito (direito constitucional, direito

penal), mas também a assuntos de ordem pública como saúde e planejamento. O

objetivo é buscar o limite entre o aborto legal, o aborto imoral e o aborto criminoso.

Assim, desde o dilema no âmbito constitucional entre direito do nascituro e a

saúde e bem-estar da mãe, até as normas legislativas que ora permitem, ora

proíbem tal ato, o foco será os aspectos sociais e morais que levam ao aborto e se o

direito possui as ferramentas necessárias para distinguir o crime da efetiva tutela

jurisdicional àquelas que necessitam.

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1 ABORTO

1.1 CONCEITO

O aborto consiste na remoção ou expulsão do feto antes do período em que

teria plenas condições de viver fora do útero materno, resultando assim sua morte

ou sendo por esta causada (CESCA, 1996, p.32).

De forma técnica, há possibilidades de vida extra-uterina a partir do momento

em que o feto está apto a respirar, ou seja, quando já há o desenvolvimento

suficiente de seus pulmões, o que ocorre por volta da 25ª até a 28ª semana de

gestação.

Assim, a complexidade de se conceituar o aborto está na necessidade de se

analisar a capacidade pulmonar do feto. Logo, qualquer interrupção da gestação

anterior à esse período, constui-se em aborto; caso seja posterior, é caracterizado

como parto prematuro.

1.2 ESPÉCIES

1.2.1 ESPONTÂNEO

O aborto espontâneo é popularmente conhecido como “desmancho”. Ele

caracteriza-se pela interrupção da gestação de forma natural, não havendo

interferência de agentes químicos, físicos ou mecânicos (CESCA, 1996, p.32).

Geralmente, ocorre em decorrência de distúrbios de formação do feto,

tumores no útero, distúrbios psíquicos, anomalias cromossômicas. Em alguns casos,

também, ocorre por falta de vitaminas decorrentes de má alimentação da mãe ou

por intoxicação por fumo, álcool e drogas.

Deve-se citar também como causa de aborto espontâneo a idade materna

avançada, doenças vasculares e diabetes.

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1.2.2 INDUZIDO

Diz-se induzido o aborto em que a expulsão do feto ocorre por ação humana

deliberada, objetivando a interrupção gestacional, com a consequente morte do

produto da concepção (CESCA, 1996, p.32).

O aborto induzido é classificado de acordo com a autorização legal que

possui a genitora. Assim, diz-se legal as formas de aborto admitidas pelo

ordenamento jurídico e criminoso todas as hipóteses não constantes no diploma

legal.

O Código Penal brasileiro define a legalidade de duas espécies de aborto

induzido: o terapêutico, em que se objetiva salvar a vida da gestante ou preservar a

sua saúde física ou mental; o aborto sentimental ou resultante de estupro.

1.3 TÉCNICAS ABORTIVAS

1.3.1 MECÂNICAS

As técnicas mecânicas são aquelas em que se utiliza de traumas diretos ou

indiretos sobre o útero. Podem ser realizadas por sucção e aspiração, dilatação e

curetagem ou cesariana (CESCA, 1996, p.33).

Quando utilizada a técnica da sucção e aspiração, o médico utiliza-se de um

tubo plástico, pontudo e cortante, o qual penetra o útero materno e, através de forte

sucção (cerca de 28 vezes mais forte que um aspirador de pó) retira o feto e a

placenta, lançando-os em uma vasilha. Este método pode causar a laceração e

perfuração do colo uterino, hemorragias, endometrite (inflamação pós-aborto), e até

a evacuação incompleta da cavidade uterina, sendo necessário, então, proceder

através de curetagem (CESCA, 1996, p.33).

Na dilatação e curetagem, uma cureta (faca em forma de foice) é introduzida

no útero, cortando a placenta e o feto em pedaços, a fim de facilitar sua extração

pelo colo do útero. Esta técnica é utilizada, geralmente, a partir do terceiro mês de

gravidez, quando o feto já é demasiadamente grande para ser extraído por sucção

(CESCA, 1996, p.33 e 34).

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Por fim, a cesariana é um método exatamente igual ao utilizado nos partos.

Porém, após procedimento cirúrgico de abertura do abdômen feminino e o corte do

cordão umbilical, o rescém- nascido é descartado, mesmo com vida (CESCA, 1996,

p.34).

1.3.2 QUÍMICAS

Entre as técnicas abortivas químicas encontram-se a a utilização de

protaglandina e a injeção salina.

Na utilização de prostaglandina, o parto é induzido em um período em que o

feto não tem condição de sobreviver fora do útero materno. Assim, utilizando-se esta

droga, a gestante entra em trabalho de parto imediatamente (CESCA, 1996, p.34).

A injeção salina, por sua vez, é utilizada depois das 16 semanas de gestação.

Por meio de uma agulha, introduzida pelo abdômen da mãe, extrai-se o líquido

amniótico, injetando-se em seu lugar uma solução concentrada de sal. A morte do

feto ocorre dentro de 12 horas, por envenenamento, desidratação, hemorragia

cerebral e convulsões (CESCA, 1996, p.34).

1.3.3 FORMAS CASEIRAS

As formas caseiras de aborto são aquelas em que não há nenhum

acompanhamento médico durante o procedimento. Desta forma, ocasionam riscos

maiores à gestante, em virtude do amadorismo e falta de técnica utilizada.

Utilizam-se agulhas de tricô, fios elétricos, pedaçoes de encanamentos, talos

de plantas, dentre outros objetos compridos e pontiagudos para a perfuração do

útero, que podem levar a graves hemorragias uterinas e infecções, requerendo

posterior hospitalização.

Nos procedimentos caseiros, muitas vezes se utilizam abortivos químicos,

como saponáceos, fumo, chumbo, fósforo e arsênico. Ervas e laxantes abortivos,

como a arruda, são bastante procurados.

Muitos medicamentos são utilizados para originar contrações uterinas, dentre

eles citam-se o Cytotec e o RU-486 (CESCA, 1996, p.35 e 36).

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2 DIREITO E MORAL

O direito e a moral são elementos essenciais sem os quais não haveria

sentido em falar-se de ordenamento jurídico. Constantes são, ao decorrer da

história, os debates e discussões acerca do conceito de um e de outro, visto que é

tênue a linha que diferencia, de forma objetiva, direito e moral.

Desta forma, até a atual conjuntura, utiliza-se como base de estudo para este

tema o pensamento de dois grandes filósofos da história da humanidade: Immanuel

Kant e Hans Kelsen. Apesar de discordantes em alguns aspectos, deve-se fazer um

estudo destes dois pensadores de forma congruente.

2.1 FILOSOFIA KANTIANA

O ilustre jurista brasileiro Norberto Bobbio, discorre sobre uma das mais

relevantes obras de Kant, A Metafísica dos Costumes. De princípio, Bobbio (1997, p.

53) classifica os elementos que distinguem direito e moral a partir de critérios

explícitos, os quais se encontram desenvolvidos na obra original, e os critérios

implícitos, que são apenas citados. Aqueles possuem duas variáveis: em relação à

forma das leis e a distinção entre a legislação interna e externa e liberdade interna e

externa; enquanto esta distingue-se entre autonomia e heteronomia, e, imperativos

hipotéticos ou imperativos categóricos.

De acordo com Bobbio, o critério explícito quanto à forma das leis não se

refere ao conteúdo da moralidade ou da legalidade, mas diz respeito apenas à forma

da obrigação e seus critérios. Assim, para distinguir a ação moral do pensamento

jurídico, há a necessidade de considerar seus elementos formais: primeiramente,

ação moral é aquela que é realizada para obedecer a lei do dever; não é cumprida

por um fim, somente pela máxima que a determina; não é movida por outra

inclinação, a não ser o respeito pela lei.

Assim, conclui-se que a moral não tem coerência com o dever, mas é

cumprida por ele, diferentemente das ações conforme a legislação, as quais tendem

a ser cumpridas segundo inclinações ou interesses. Um sujeito, então, atuando de

determinada maneira porque tem a consciência de ser seu dever, está agindo

moralmente, ao passo que atuando de maneira diversa, com a intenção de adaptar-

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se à lei, sua ação corresponde, somente, à forma legal, ou seja, ao Direito (BOBBIO,

1997, p. 54).

O segundo critério explícito diz respeito à legislação interna e externa

(BOBBIO, 1997, p. 56). A ação legal é externa, pois se pressupõe, a partir da

adesão à legislação jurídica, uma concordância anterior às suas leis, não

dependendo da intenção pela qual é cumprida. Já a moral, de forma oposta, é uma

ação interna e requer uma adesão interna, subjetiva, do indivíduo às suas próprias

leis.

A legislação externa são as leis jurídicas, requerendo simples conformismo

para o agir de forma legal. A ação legalmente jurídica não exige atuação por respeito

ao dever: o ato o ato pode ser aceito como juridicamente irrepreensível quanto o

motivo for meramente utilitário, por exemplo, para satisfazer suas próprias

expectativas ou evitar uma sanção (BOBBIO, 1997, p. 57).

A legislação interna, moral portanto, não exige simples conformismo com a lei

externa. A norma moral, deve ser executada exclusivamente com respeito ao dever,

sem haver a existência de um interesse externo, porém, definido internamente como

obrigação, de forma pura. Desta forma, segundo o autor, a intervenção do Estado

em questões de consciência seria evitada, excluindo-se a legislação interna da

jurisdição, garantindo a limitação do poder estatal e a liberdade de consciência do

indivíduo (BOBBIO, 1997, p. 57 e 58).

O segundo critério de distinção envolve a liberdade interna e externa

(BOBBIO, 1997, p. 58), e diferentemente do primeiro, é um critério não-formal.

Segundo Kant, a liberdade moral deve ser entendida como a faculdade de

adequação às leis que a razão dos indivíduos dá a eles próprios, enquanto a

liberdade jurídica restringe-se à faculdade de agir no mundo externo, não havendo

impedimento por parte da liberdade dos demais seres humanos, interna ou

externamente.

A liberdade, neste caso, pode ser compreendida como a faculdade de se

utilizar de determinada conduta sem ser coagido. Assim, a liberdade moral

caracteriza-se pelos impedimentos provindos do próprio indivíduo, e a liberdade

jurídica, de forma oposta, provém do mundo externo.

Observa, ainda, que a distinção entre as forma de liberdade não deve

coincidir com o dever em relação a si próprio e os deveres em relação aos outros

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(BOBBIO, 1997, p. 59). Assim, a liberdade moral se esgota na relação entre o

indivíduo e sua consciência, visto que a responsabilidade do cumprimento cabe

apenas ao próprio ser humano. A legislação jurídica, neste viés, não é aquela que

prescreve deveres em relação aos outros, mas aquela cujo cumprimento o indivíduo

é responsável perante a coletividade. É dessa característica que um terceiro pode

exigir o cumprimento da obrigação (BOBBIO, 1997, p. 60 e 61).

Os critérios implícitos, quais sejam autonomia e heteronomia e imperativos

categóricos e hipotéticos. Por não estarem expressos na obra de Kant, Bobbio

(1997, p. 62) sugere a busca de tais hipótes em outros trabalhos do filósofo.

Bobbio (1997, p. 62) atribui à vontade moral a autonomia, onde o dever não

deriva de qualquer fim, mas exclusivamente pelo respeito à lei moral. A autonomia,

então, caracteriza-se como a faculdade de se eleger as leis a si mesmo, através de

uma vontade livre. Por antítese, há heteronomia quando a vontade determina-se por

um fim não universal, quando a vontade não da a si mesma uma lei, mas sim por um

objeto, o qual determina suas máximas.

O segundo critério implícito, segundo Bobbio, trata dos imperativos categórico

e hipotético, sendo aquele referente à moral e este, ao direito. Classificam-se como

imperativos por emanar deveres, ocorrendo, portanto, a partir da pressuposição de

liberdade do indivíduo. Caracterizam-se os imperativos categóricos por prescrever

uma ação boa por si próprios, ao contrário dos imperativos hipotéticos, os quais

designam uma ação boa para o alcance de determinada finalidade. Estes, por sua

vez, subdividem-se segundo a possibilidade ou a realidade do fato. Os fatos

possíveis são os técnicos, enquanto os reais são pragmáticos, pois se referem ao

agir conforme o bem-estar geral (BOBBIO, 1997, p 64).

Bobbio, por fim, conclui da seguinte forma (BOBBIO, 1997, p. 66): tendo em

vista as duas características do direito, como legalidade e liberdade externa,

significa que um imperativo jurídico não formulado de maneira que o sujeito pense

que deva manter suas promessas, mas de forma que se indague o porque o fato de

manter suas promessas seria vantagem. Assim, após entender por obrigação

jurídica todo o fato que tem correspondência à faculdade de um terceiro obrigar ao

cumprimento, deduz-se que a formulação do imperativo jurídico deve ser feita com o

intuito de manter as promessas de modo a evitar ser constrangido pela força. Deste

modo, confirma-se que comandos categóricos são apenas comandos morais, e, por

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conseguinte, o Direito como um imperativo hipotético, em virtude de seus

pressupostos de exterioridade e heteronomia da vontade.

2.2 FILOSOFIA KELSENIANA

O filósofo Hans Kelsen, por sua vez, critica as teorias que utilizam como base

para a diferenciação de direito e moral os critérios de interioridade, cabíveis ao

aspecto moral, e exterioridade, caracterizando o Direito.

Sua crítica se fundamenta, sobretudo, no fato de que o direito acaba por

regular não só as condutas externas, como consta no pensamento kantiano, mas,

por vezes, regula do mesmo modo condutas internas. Assim, não seriam suficientes

estes critérios para uma diferenciação satisfatória entre direito e moral.

Seguindo este raciocínio, propõe uma cisão metodológica, provocou uma

fissura profunda no raciocínio dos juristas do século XX. Sua proposta, em síntese, é

de que as normas jurídicas seriam estudadas pelos ramos do direito, enquanto as

normas morais seriam objeto de estudo da Ética. O raciocínio jurídico, então, não

deveria versar sobre o correto e o incorreto, mas tão somente sobre o lícito e o

ilícito, o legal (constitucional), e o ilegal (inconstitucional), sobre a validade ou

invalidade da norma jurídica.

Para Kelsen, a diferenciação entre a moralidade e a juridicidade, repousa na

preocupação excessiva com a autonomia da ciência jurídica. Argumenta que,

estando-se diante de um direito positivo, pode ele ser moral ou imoral, dependendo

do caso. Por óbvio, prefere-se o direito moral ao imoral (KELSEN, 1976, p. 100), mas

há de se reconhecer que esta segunda espécie existe.

Logo, pode-se inferir que um direito positivo pode, sim, contrariar algum

mandamento de justiça, sem que tenha sua validade prejudicada. Então, o direito

positivo é aquele posto pelo legislador competente, no auge de sua autoridade,

obedecendo as condições formais para sua validade, em um determinado sistema

jurídico. Não é necessário que o Direito respeite um mínimo moral para ser aceito,

pois para se garantir a sua eficiência é suficiente, apenas, seu valor jurídico

(KELSEN, 1976, p. 100). Assim, separam-se direito e moral 1. Assim, mesmo que

contrarie alicerces morais, ainda é válida a ordem jurídica, distinguindo validade e 1 A exigência de uma separação entre Moral e Direito significa que uma ordem jurídica positiva independe de

uma Moral Absoluta (KELSEN, 1976, p. 104).

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justiça de uma norma jurídica. Logo, uma norma pode ser válida e justa, válida e

injusta, inválida e justa e, por fim, inválida e injusta.

É fato que a preocupação de Kelsen é expurgar do interior da teoria jurídica

no que se refere à preocupação com o conceito de justiça e injustiça, até porque

essa conceituação é extremamente relativa aos povos e civilizações em seus

tempos históricos, não havendo uma teoria definitiva. Seria então, para Kelsen,

tarefa da ética a discussão sobre a justiça, visto que é ela que se preocupa com o

estudo das normas morais, e não as jurídicas. Consolidando a divisão entre as

matérias morais (éticas) e as matérias de direito (jurídicas), estaria o desinteresse

metodológica de uma em aprofundar-se na outra.

Conclui-se da ideia kelseniana que a discussão sobre justiça não estaria

situada dentro do ramo do direito, pela fundamentação despendida até o momento.

É tarefa da ética a missão de detectar o certo e o errado, o justo e o injusto.

3 ABORTO NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA

De acordo com o caput do artigo 5º da carta magna brasileira, há a isonomia

de todos seus cidadãos perante a lei, garantindo-se a inviolabilidade do direito à

vida.

Ter direito à vida no âmbito constitucional não significa, tão somente, viver.

Imprescindível, então, a definição de vida trazida pelo filólogo Aurélio Buarque de

Holanda Ferreira (1999, p.2070) como conjunto de propriedades e qualidades,

graças as quais os indivíduos se mantêm em contínua atividade, manifestada em

funções orgânicas como o metabolismo, crescimento, adaptação ao meio.

Neste viés, coloca-se o direito à vida uma garantia fundamental do ser

humano, visto que decorrem dela todos seus outros direitos. Além disso, o artigo 5º

e todos os seus incisos são cláusulas pétreas, não podendo em nenhum momento,

serem suprimidos da Constituição, mesmo em emendas constitucionais. Não

obstante, o §1º do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição dispõe que as normas

definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata, ou seja,

são normas constitucionais de eficácia plena: desde a entrada em vigor da

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Constituição, possuem ou tem possibilidade de produzir todos os efeitos seus

essenciais (SILVA, 1982, p. 89).

Reforçando este ideal de direitos fundamentais, há, ainda, a Convenção

Americana de Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto de São José

da Costa Rica, que teve como objetivo assegurar aos países assinantes os direitos

relativos à garantia de liberdade, ao devido processo legal, o direito a um julgamento

justo, incluindo-se, dentre outras garantias, o direito à vida. Em virtude da Emenda

Constitucional 45/2004, que alterou o §3º do inciso LXXVIII do art. 5º da

Constituição, este tratado possui força de emenda constitucional no ordenamento

jurídico pátrio.

O artigo 2º do Código Civil Brasileiro, o qual regula o início da personalidade

civil dos cidadãos brasileiros, dispõe que, apesar desta iniciar-se com o nascimento

com vida, está a salvo, desde sua concepção, os direitos do nascituro.

Aplicando-se este artigo em conjunto com o disposto no caput do art. 5º da

CF, seria o feto, no ventre de sua genitora, é destinatário de direitos, inclusive, dos

direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos. Logo, olhos postos

na carta magna, seria inconstitucional no Brasil o aborto, tendo em vista a

indisponibilidade do direito a vida.

Porém, não encontra força absoluta tal disposição, sendo que o Código

Penal, integrante da legislação infra-constitucional, dispõe em seu artigo 128 as

hipóteses legalizadas de aborto. Porém, este conflito entre normas fundamentais é

resolvido de forma que, nos casos de risco de morte à genitora prevalece o direito à

vida da mãe sobre a vida do feto; nos casos de gestação decorrente do estupro, o

direito à liberdade da mãe acaba por sobrepor-se, tendo em vista a violência e as

deturpações psicológicas decorrentes do ato.

3.2 LEGISLAÇÃO INFRA-CONSTITUCIONAL

O direito brasileiro regula o aborto, de forma direta, pelo Decreto Lei nº 2.848,

de 7 de dezembro de 1940 – o Código Penal, em seus artigos 124 ao 128 e, com

uma disposição sutil, no Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – a

Consolidação das Leis Trabalhistas.

17

O artigo 124 traz as tipificações penais referentes à genitora, no caso dela

provocar o aborto em si própria, ou, a pena cominada a ela no caso de consentir que

um terceiro execute procedimentos abortivos em seu corpo. Nestes casos, a pena

cominada é de detenção de um a três anos.

O artigo 125 tipifica os casos de aborto executado por terceiro, sem a

concordância da gestante. A pena definida no artigo é de reclusão de três a dez

anos.

Já o artigo 126 traz a hipótese de aborto consentido, onde a gestante

concorda com o procedimento abortivo adotado pelo terceiro, resultando em pena de

reclusão de um a quatro anos. O parágrafo único deste artigo dispõe que, no caso

de gestante com idade inferior a quatorze anos, alienada ou débil mental, ou ainda

se o consentimento é viciado, obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência,

será aplicada a pena do artigo 125.

O artigo 127 qualifica o aborto, aumentando a pena em um terço, nos casos

em que a gestante sofre lesão corporal, de natureza grave, em consequencia do

aborto ou dos meios empregados para realiza-lo. Havendo morte da gestante, as

penas são duplicadas.

Por fim, o artigo 128 traz as hipóteses de aborto legal. A primeira permissão

legislativa para a prática do aborto encontra-se nos casos em que não há outra

forma de se salvar a vida da gestante; a segunda, nos casos de gravidez

proveniente de estupro, somente quando precedido de consentimento da gestante,

ou, no caso desta ser incapaz, de seu representante legal.

A CLT – Consolidação das Leis Trabalhista- dispõe sobre o assunto,

primeiramente, em seu artigo 131, onde regula as hipóteses em que não serão

consideradas falta ao serviço. Em seu inciso II, aduz que, não serão computadas

como falta a ausência de empregadas durante seu licenciamento compulsório por

motivo de maternidade ou aborto.

No artigo 395, a CLT prevê repouso remunerado de duas semanas, em caso

de aborto não criminoso comprovado por atestado médico, ficando a ela assegurado

o direito de retorno à função que ocupava antes de seu afastamento.

18

3.3 ANENCEFALIA E A DECISÃO DA ADPF Nº 54

Anencefalia é a má formação congênita do feto, em virtude da ausência do

crânio e de encéfalo, sendo certa a morte em 100% dos casos. O feto, quando

muito, alcança o final da gestação, sobrevivendo por minutos ou dias após o parto.

De acordo com o Ministro Cezar Peluso, esta foi a mais importante decisão do

Supremo Tribunal Federal, e consistia em saber se a interrupção da gestação do

feto anencéfalo caracterizaria o crime de aborto, tipificado no artigo 124 do Código

Penal.

A questão chegou ao STF na forma de Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental (ADPF), proposta pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Saúde, representada pelo advogado Luís Roberto Barroso. O

Ministro Marco Aurélio foi designado relator do caso.

Em síntese, foram alegados que a hipótese em julgamento não configuraria o

aborto previsto no artigo 124 do Código Penal, pois não há potencialidade de vida do

feto. Apesar de o ordenamento jurídico não definir de forma exata o início da vida, o

fixa com o fim desta, com a morte encefálica, nos termos da Lei de Transplante de

Órgãos (Lei 9.434/97). Logo, não havendo vida, não haveria crime a ser cominado.

Por oito votos favoráveis, o STF julgou procedente o pedido, sendo que

apenas os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski , que afirmou que tal decisão

seria competência do Congresso Nacional e não da Suprema Corte, e o Ministro

Cezar Peluso, que afirmou que o feto anencéfalo é um ser vivo, e a interrupção da

gestação seria considerado aborto. O Ministro Dias Toffoli não participou do

julgamento, pois atuara na condição de Advogado Geral da União.

A tese adotada pelo STF seguiu a linha adotada pela mdicina, considerando o

feto anencéfalo um natimorto cerebral. Assim, a decisão da ADPF nº 54 incluiu no

ordenamento jurídico mais uma hipótese em que se exclui o crime de aborto.

A partir desta decisão, cabe ao SUS promover, de fora adequada, a política

pública de saúde, orientando-se as mulheres grávidas de fetos anencéfalos.

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4 INFLUÊNCIA DA MORAL E DO DIREITO SOBRE O ATO ABORTIVO

Não há dúvidas de que os atos abortivos ocorrem, tanto no Brasil como no

restante do mundo, em virtude de aspectos morais, que podem ou não ter respaldo

no ordenamento jurídico vigente.

A moral acaba por ter influência tanto nos aspectos positivos quanto

negativos, quando se trata de aborto. A moral refere-se àquela sensação de justiça,

a que estão sujeitos os indivíduos. Porém, os resultados da aplicação destas regras

morais às condutas humanas podem ir na contramão da justiça por elas defendidas.

Por exemplo, o aborto é moralmente condenado, por encerrar a vida de um

ser por uma decisão egoística da genitora, salvo as exceções que contemplam a

defesa da vida da mãe e casos de violência extrema, como o estupro. Mas, a

mesma moral, condena as mulheres que, no auge de sua adolescência, acabam por

engravidar. Desta forma, na ocorrência de gestações indesejadas, a moral acaba

sendo o algoz do feto: para não sofrer uma repressão mora perante a sociedade, a

gestante, muitas vezes apoiada por sua família, recorrem ao procedimento abortivo.

Percebe-se que a moral é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que

tende a proteger o que é justo, pode term como efeito colateral uma ação

estimulante ao considerado imoral. Imoralidade esta, que aliada às ferramentas

disponibilizadas pelo ordenamento jurídico para os casos de aborto legalizado,

levam mulheres com gravidez indesejada a ter êxito em interromper a gestação.

A legislação, também, é falha ao regular e fiscalizar a utilização dos

procedimentos e drogas medicinais necessárias para o aborto. Fato é que dentro do

país é possível adquirir remédios abortivos, utilizados de forma desenfreada e sem

qualquer tipo de orientação, levando não só ao falecimento de muitas genitoras,

quanto ao nascimento de crianças com deficiências genéticas.

Interessante, neste ponto, a análise de uma pesquisa realizada por Ronald

Dworkin na Inglaterra, fim de identificar as principais correntes sobre o assunto no

país. Classificou-as em dois grupos: conservadoras e liberais.

As pessoas moralmente conservadoras sobre a questão acreditam,

geralmente, que abortar é moralmente impossível, e ficam aterrorizadas com

notícias de abortos em suas relações de amizades ou familiares.

20

Uma parcela desse grupo defende, que a liberdade de decisão do aborto

deve ser tomada pela própria sociedade, não devendo o Estado incidir sobre as

decisões morais e religiosas dos particulares. Dworkin alega que a maior parte do

grupo é composto por católicos. Já outros, extremamente conservadores, acreditam

que o Estado tem a prerrogativa de proibir o aborto, aceitando algumas exceções,

como salvaguardar a vida da mãe em casos extremos, como questão de autodefesa.

Por outro lado, as concepções liberais sobre o aborto não decorrem

simplesmente da negação de que o feto seja uma pessoa com direito à vida. Em

uma visão liberal-conservadora, constitui-se em uma séria decisão moral a partir do

momento em que a individualidade genética do feto se estabelece e é implantado

com êxito no útero materno. A partir daí, significa eliminação de um vida humana

que já começou a existir, motivo suficiente para envolver grande custo moral.

Por fim, sob uma concepção extremamente liberal, estão aqueles que

defendem total autonomia dos genitores para a decisão de se levar adiante a

gestação. Assim, não seria dever do Estado, nem da religião, opinar sobre tal tema,

se a responsabilidade cairia integralmente sobre os pais.

Isto posto, pode-se afirmar que a moral, em algumas situações regula o

aborto, dando margem apenas àquelas em que exista grave risco de vida para a

mãe ou que as sequelas psicológicas sejam graves (estupro). Já em outras

ocasiões, a moral acaba por impulsionar os indivíduos a sua execução, como nos

casos de filhos fora do casamento ou gravidez indesejada de adolescentes, por

exemplo.

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CONCLUSÃO

O Direito e a moral são elementos essenciais para o estudo do fenômeno

biológico e social do aborto. As influências do que é considerado socialmente correto

e incorreto, justo e injusto, vinculam-se às normas jurídicas e acabam por favorecer

e desfavorecer, dependendo do caso concreto, o procedimento abortivo no Brasil.

O objetivo geral deste estudo é discorrer de forma objetiva sobre tema,

conceituando o aborto, definindo o direito e a moral, sua influência no assunto, além

de percorrer os ramos do direito constitucional e penal, observar as espécies

abortivas existentes e distinguir quais e em quais situações o ordenamento jurídico

as permitem.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, por vezes foram encontradas

dicotomias, como a definição de direito e moral, com divergências entre Immanuel

Kant e Hans Kelsen, dois ilustres pensadores sobre o tema, além do conflito entre os

direitos fundamentais constitucionalmente concedidos, à vida e à liberdade, nos

casos em que o aborto é legalmente permitido no país.

O aborto, remoção ou expulsão do feto em período anterior ao qual teria

condições plenas de vida fora do ventre materno, pode ser dividido em duas

espécies distintas: o aborto espontâneo e o aborto induzido.

A sua forma espontânea ocorre quando há interrupção natural da gestação,

sem qualquer interferência de agentes externos (químicos, físicos ou mecânicos),

geralmente em decorrência de distúrbios genéticos do feto. Por sua vez, a

modalidade induzida ocorre exclusivamente por ação humana, acarretando a morte

do feto. Pode ser legal ou ilegal, de acordo com o disposto na legislação.

Ao se analisar os aspectos que diferenciam moral e direito, é relevante a

classificação proposta por Immanuel Kant em A Metafísica dos Costumes. Segundo

ele, a distinção é feita a partir de critérios explícitos, que encontram-se

desenvolvidos em sua obra, e implícitos, com simples citação no livro.

O ilustre jurista brasileiro Norberto Bobbio discorre, em Direto e Estado no

pensamento e Emanuel Kant, sobre estes critérios, de forma a conceituar inclusive

os implícitos, fundamentando-se em outros aspectos discorridos por Kant.

Como critérios explícitos, cita-se a forma das leis, legislação interna e externa

e liberdade interna e externa. A forma das leis diz respeito, somente, às formas da

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obrigação, sem observar-se seu conteúdo. Logo, ação moral é aquela que realiza-se

com objetivo único de obedecer a lei do dever, sem haver um fim em si mesma. A

moral, então, não necessita ter coerência com o dever, apesar de cumprida por ele,

diferente das ações referentes a legislação, que tendem a ser cumpridas segundo

interesses.

A legislação externa é encontrada nas ações legais, pois pressupõe-se, a

partir da adesão à legislação jurídica, concordância anterior às suas leis,

independente da intenção pela qual é cumprida. Requer simples conformismo, para

agir de forma legal. A moral, por sua vez é uma ação interna e requer adesão

subjetiva do indivíduo às suas próprias leis. Não exige simples conformismo com a

lei externa. Desta forma, evita-se a intervenção do Estado em questões de

consciência e garante-se a liberdade de consciência do indivíduo, pois não há

existência de um interesse externo; há apenas um respeito ao dever, definido

internamente como obrigação, de forma pura.

Passando-se ao próximo critério, liberdade interna e externa, esta liberdade

deve ser entendida como a faculdade de se utilizar de determinada conduta, sem

possibilidade de ser coagido por terceiro. Assim, a liberdade interna (moral)

caracteriza-se pelos impedimentos provindos do próprio indivíduo, e a liberdade

externa (jurídica), de forma oposta, provém do mundo externo. A liberdade moral se

esgota na relação entre o indivíduo e sua consciência, enquanto a legislação

jurídica é aquela cujo cumprimento o indivíduo é responsável perante a coletividade.

Referindo-se aos critérios implícitos da autonomia e heteronomia, Bobbio

atribui a vontade moral à autonomia, e a vontade jurídica à heteronomia. Tratando

dos imperativos categórico e hipotético, fundamenta o termo imperativo por emanar

deveres, ocorrendo, pressuposição de liberdade do indivíduo. Caracteriza os

imperativos categóricos pela prescrição de uma ação boa por si próprios, ao

contrário dos imperativos hipotéticos, os quais designam uma ação boa para o

alcance de determinada finalidade. Estes, subdividem-se segundo a possibilidade ou

a realidade do fato, sendo técnicos os fatos possíveis, enquanto os reais,

pragmáticos, por se referirem ao agir conforme o bem-estar.

Hans Kelsen critica as teorias kantianas, que usam como base os critérios de

interioridade e exterioridade para a diferenciação entre direito e moral. Para ele, o

direito regula não só as condutas externas, mas por vezes regula, também, as

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internas. Aduz que as normas jurídicas podem, em certos casos, contrariar um

mandamento de justiça, sem que tenha sua validade prejudicada. Mas, por óbvio,

sempre se preferirá o direito moral ao imoral, mas reconhece a existência deste.

Propõe, assim, uma cisão metodológica, estudando-se as normas jurídicas

pelos ramos do direito e as normas morais pela ética. Desta forma, o raciocínio

jurídico versaria somente sobre o lícito e o ilícito, deixando a discussão sobre o

correto e incorreto, justo e injusto, para o campo da ética.

A moral, por vezes, acaba atuando de forma dúplice nos casos de aborto: ao

mesmo tempo que as normas moral repudiam o ato abortivo, servem como barreira

para a aceitação de uma gravidez indesejada. Muitas genitoras acabam reféns da

reprovação moral que a sociedade lhes imputará, exemplo de como as normas

morais também podem ser catalisadoras para os processos de aborto.

A legislação brasileira, a nível constitucional, defende como direito

fundamental o direito à vida. O Código Civil brasileiro, responsável pela

regulamentação da personalidade jurídica, coloca como seu termo inicial a

concepção. Assim, o feto, desde a junção dos gametas masculino e feminino no

útero da mulher, possui assegurado seu direito à vida pela carta magna.

O código penal brasileiro tipifica o aborto em seus artigos 124 e seguintes,

excetuando apenas os casos em que há risco de morte à mãe ou gestação

proveniente de estupro. Nesses casos, há conflito entre direitos fundamentais da

mãe com os do feto, prevalecendo os da mãe nos dois casos.

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ANEXO A – JURISPRUDÊNCIAS

1 FAVORÁVEIS

PROCESSO - HC 32159 / RJ ; HABEAS CORPUS 2003/0219840-5 - Ministra LAURITA VAZ (1120) - T5 - QUINTA TURMA - 17/02/2004 - DJ 22.03.2004 p. 339 – Ementa - HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA.INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.

2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.

3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal.

4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.

5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.

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PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. FETO QUE APRESENTA ANENCEFALIA. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA EXTRA-UTERINA

Nos dias atuais, com os avanços tecnológicos aplicados, especialmente, às áreas médica, radiológica, biológica e genética, pode-se detectar toda a situação do feto, como no caso dos autos, em que se constatou a ocorrência de má-formação fetal, consistente em defeito de fechamento do tubo neural proximal, com conseqüente ausência de formação da calota craniana e atrofia da massa encefálica.

Nesse sentido, considero viável e oportuna uma interpretação extensiva do disposto no art. 128, I, da Lei Penal, admitindo o aborto em decorrência de má formação congênita do feto (anencefalia), evitando-se, dessa forma, a amargura e o sofrimento físico e psicológico, considerando que os pais já sabem que o filho não tem qualquer possibilidade de vida “extra-uterina”.

Deve ser afastado o entendimento de que o cumprimento da decisão de antecipação do parto está sujeito a avaliação que o médico vier a fazer.

V.v.: Expedindo-se o pretendido alvará, os médicos assistentes da requerente é que verificarão a conveniência e a oportunidade da operação.

Relator: VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - 28/06/2005 - Data da publicação: 05/08/2005 -

Ementa: MENOR - GRAVIDEZ DECORRENTE DE ESTUPRO - PEDIDO DE INTERRUPÇÃO - DESISTÊNCIA - DESINTERESSE NO ABORTO SENTIMENTAL PELA MENOR - VONTADE DE PROSSEGUIR COM A GRAVIDEZ -MANIFESTAÇÃO EXPRESSA E PESSOAL - EXTINÇÃO DO PROCESO.

Tem-se como prejudicado o pedido de aborto sentimental se a menor, ao ser ouvida em juízo, declara não mais ter nele interesse, desejando levar adiante a gravidez, o que justifica a extinção do processo - Súmula: REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.

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ANEXO B – PROJETOS DE LEI REFERENTES AO ABORTO

1 FAVORÁVEIS

1.1 PROJETO DE LEI N.º 4403 de 2004

(Da Dep. Jandira Feghali e Outros)

Acrescenta inciso ao art. 128 do Decreto - Lei 2848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º - O art. 128 do Decreto – Lei 2848, de 07 de dezembro de 1940, Código Penal, fica acrescido do seguinte inciso III:

“ Art. 128 ...................................................................................

Aborto Terapêutico

III – Houver evidência clínica embasada por técnica de diagnóstico complementar de que o nascituro apresenta grave e incurável anomalia, que implique na impossibilidade de vida extra uterina.”

Art. 9º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

O Código Penal, em seu art. 124, criminaliza a prática de aborto, impondo pena de detenção, de um a três anos a quem “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. O art. 128, porém, prevê dois casos em que o aborto não é considerado crime: “se não há outro meio de salvar a vida da gestante” e “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

Hoje é grande o clamor da sociedade no sentido de permitir o aborto nos casos de gravidez de feto anencéfalo. Mesmo sob a evidência científica de que o feto não terá vida extra uterina por mais de 48 horas as mulheres brasileiras são obrigadas a levar a termo a gestação de feto anencéfalo. Na prática transforma uma fase de extrema felicidade na vida das mulheres num martírio psicológico ao se constatar que a gravidez não resultará no convívio com o filho.

Devemos dar a opção para que cada mulher possa decidir se terá ou não condições físicas e psicológicas para levar a termo a gravidez. Tal opção poderá significar, para muitas, condições psicológicas mais adequadas a uma nova tentativa. Lembro, ainda, que a alteração proposta não obriga nenhuma mulher a se submeter ao aborto terapêutico no caso em questão, apenas lhes dá esta opção. Acredito que negar-lhes esta opção é um retrocesso e aprofunda o abismo criado entre direitos de homens e mulheres. É papel do Congresso Nacional debater o assunto e aprovar

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uma legislação avançada, que responda aos verdadeiros anseios da sociedade brasileira.

Sala das Sessões, em de Novembro de 2004.

Deputada JANDIRA FEGHALI / PC do B/RJ

1.2 PROJETO DE LEI No 4360 DE 2004

(Do Sr. Dr. Pinotti)

Acrescenta inciso ao artigo 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1o É isenta de ilicitude a interrupção da gravidez em caso de gestante portadora de feto anencéfalo.

Art. 2º O art. 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

“Art. 128..................................................................................

I -.............................................................................................

II -............................................................................................

III – se o feto é portador de anencefalia, comprovada por laudos independentes de dois médicos (NR).”

Art.3º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

Tradicionalmente tratadas como cidadãs de segunda classe, as mulheres enfrentam situação de injustiça e de discriminação em nossa sociedade, comprovada em fatos como: preconceitos, salários menores, jornadas sucessivas de trabalho, menores índices de escolaridade, agressões e violências, discriminação profissional, assédio direto e indireto, responsabilidade pelo sustento de famílias, altas taxas de mortalidade materna, abuso sexual na infância/adolescência e grande carga de trabalho doméstico não reconhecido pelo sistema previdenciário. Delas se espera, ainda, que estejam sempre sexualmente disponíveis, não transmitam doenças, não engravidem com muita freqüência, que alimentem, eduquem e cuidem das crianças, das roupas e da casa.

Para um grande número de mulheres, a gestação, o parto e o puerpério ainda estão cercados de muitos riscos. Esta realidade ainda inclui o grande estresse e o drama pessoal da gravidez indesejada, o risco físico dos abortos clandestinos, das suas

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complicações, mutilação e morte. A taxa de mortalidade materna, no Brasil, por exemplo, ultrapassa muito o que poderia ser considerado razoável.

Estas são apenas ilustrações de como o processo de discriminação contra a mulher ainda continua com muita força, sem que a sociedade se dê conta de sua extensão e gravidade.

Hoje, entretanto, estamos agravando ainda mais a carga já insuportável da grande maioria das mulheres brasileiras ao impedir a interrupção da gravidez quando o feto, comprovadamente, padece de anencefalia, ou seja, não possui o cérebro desenvolvido.

A anencefalia é uma anomalia congênita do sistema nervoso central resultante da falha de fechamento do tubo neural entre o 23º e o 26º dia de gestação, incapacitando o concepto para a vida extra-uterina. Pela anomalia do cerebelo, não há controle de temperatura corpórea e da freqüência respiratória, o que torna impossível a sobrevida dessas crianças (Hunter, 1983).

Nos EUA a incidência de anencefalia é 1:1000 nascimentos. Na Irlanda e Países de Gales, 5 a 7:1000 nascimentos. Na França e no Japão, 0,1 a 0,6:1000 nascimentos. No Brasil, 1:1.600 (Gorlin et al., 2001; Ogata et al., 1992; Rotta et al., 1989).

Na maioria dos casos a anencefalia é do sexo feminino e de etiologia multifatorial decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais. Os fatores ambientais envolvidos estão relacionados à exposição materna no primeiro trimestre de gestação a produtos químicos (solventes orgânicos, etc), irradiações, ruptura da membrana amniótica (brida amniótica), hipertemia materna, diabetes materna, deficiência materna de ácido fólico, alcoolismo, tabagismo, fármacos como antidepressivos tricíclicos, antiácidos, antidiarréicos, corticoesteróides, analgésicos, antieméticos, antibióticos, antiparasitários e antigripais (Ogata et al., 1992; Mutchinick et al., 1990; Sanford et al., 1992). A incidência de malformações do concepto em mães diabéticas é de 6 a 16 vezes maior do que na população geral.

Hoje em dia o diagnóstico pré-natal dos casos de anencefalia tornou-se simples. Não é necessária a realização de exames invasivos, apesar dos níveis de alfa-fetoproeína aumentados no líquido amniótico obtido por amniocentese ser o método de diagnóstico (Cohen & Zapata, 1985).

O reconhecimento de concepto com anencefalia é imediato. O crânio está ausente ou bastante hipoplásico. Não há ossos frontal, pariental e occipital. A face é delimitada pela borda superior das órbitas que contém globos oculares salientes. A abóboda craniana é substituída por massa mole de coloração violácea e aspecto angiomatoso. O cérebro encontra-se exposto e o tronco cerebral é deformado. Os nervos cranianos são hipoplásicos. A hipófise está ausente ou vestigial, com neuro-hipófise hipoplásica. O hipotálamo está ausente na maioria dos casos, assim como as conexões entre adeno-hipófise e o SNC (Ogata et al., 1992).

A confirmação diagnóstica é realizada pelo ultra-som, em que não é visualizado o contorno ósseo da calota craniana do concepto. Esse diagnóstico pode ser realizado hoje a partir de 12 semanas de gestação (Brimdage, 2002; Ross & Elias, 1997).

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No que diz respeito à prática da interrupção de gestação com fetos anencéfalos a Organização Mundial da Saúde publicou tabela que mostra os percentuais que ocorrem em diferentes regiões e países do mundo. Nela, pode-se verificar a alta incidência do aborto induzido na prática de atendimentos desses casos. Em países como a França, Suíça, Bélgica, Áustria, Israel e Rússia a interrupção da gravidez ocorre quase sempre em 100% dos casos.

Mesmo em países com extensa tradição católica, como Itália e Espanha, a interrupção da gravidez com fetos anencéfalos é realizada na imensa maioria dos casos: de 80% a 85%. No Reino Unido, Alemanha e Finlândia, as taxas aproximam-se a 90%.

Somos da opinião de que ao se diagnosticar um feto anencéfalo, deverá ser permitido ao casal decidir de uma maneira totalmente informada e livre sobre a interrupção ou o seguimento da gravidez. Essa opinião baseia-se nos seguintes fatos:

a) não há nenhuma possibilidade de sobrevivência prolongada para esse tipo de patologia;

b) a gravidez com anencéfalo traz para mãe maior probabilidade de doença hipertensiva específica da gravidez, e poliidramnio, além de causar, com grande freqüência, um parto distócico pela própria condição de anencefalia;

c) com a metodologia propedêutica mais moderna, o diagnóstico da anencefalia pode ser realizado com total segurança, devendo ser obrigatória, antes da interrupção, uma segunda opinião de um obstetra experimentado.

Este projeto de lei tem o propósito de incluir, entre as causas que não incriminam a realização do aborto, no Código Penal, a situação da gravidez com feto anencéfalo.

Não queremos obrigar o casal à interromper a gravidez, mas apenas permitir que a decisão seja tomada por eles livremente, após todas as informações específicas do seu caso, com o cuidado de se exigir dois laudos independentes para que não paire nenhuma dúvida sobre o diagnóstico.

Evidente que, uma vez tornada lei essa possibilidade de interrupção, os serviços públicos deverão oferecê-la àqueles casais que desejarem, cabendo aos médicos a possibilidade de alegarem objeção de consciência, mas cabendo ao serviço a obrigatoriedade do atendimento de acordo com desejo dos pais e o relatório feito pelos médicos especialistas. Tais detalhamentos, no entanto, podem ser feitos na regulamentação da lei, pelo órgão competente do Poder Executivo.

Sabemos que a questão envolve grande polêmica, por interferir com problemas sociais, religiosos, médicos e éticos. O aborto provocado, que não pode ser desvinculado do contexto da situação da mulher em nossa sociedade, é sem dúvida um dos mais complexos e controversos fenômenos sociais que a humanidade enfrenta.

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Independentemente de qualquer conceito religioso, é indiscutível que o aborto provocado é uma agressão, é uma situação de violência que se faz sentir em diferentes níveis. Ninguém em sã consciência é a favor do aborto. Os médicos, formados em defesa da vida, e particularmente os ginecologistas, não podem senão abominar a própria idéia da interrupção da gravidez. Como então conciliar esta postura frente ao sofrimento e angústias de uma paciente gestante portadora de um feto anencéfalo cuja probabilidade de sobrevivência é nenhuma?

Equivale à pratica da tortura a exigência de que a mulher gestante suporte a situação de manter o feto anencéfalo até o fim do período gravídico. Além do mais, esta gestante estará submetida a um parto complicado, de alto risco, que envolve sofrimento e um esforço desgastante e infrutífero.

Todos esses motivos nos levam a apresentar este Projeto de Lei para o qual solicitamos a aprovação dos colegas, Deputados desta Casa, pois temos a firme convicção de que facultar ao casal a decisão de interromper a gravidez com feto anencéfalo é, ainda, a melhor alternativa.

Sala das Sessões, em de de 2004.

Deputado DR.PINOTTI

1.3 PROJETO DE LEI Nº 4304 DE 2004

( Do Sr. Eduardo Valverde)

Despenaliza a interrupção voluntária da gravidez, nas condições estabelecidas neste lei e dá outras providências

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º- Todas as mulheres têm o direito de controlar os aspecto relacionado com sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva e de decidir livre e responsavelmente sobre estas questões, sem coação, discriminação ou violência.

Art. 2º- Não é punível a interrupção da gravidez efetuada por médico, ou sob a sua direção, em estabelecimento de saúde pública e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo a evolução da ciência médica:

a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;

b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;

c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença congênita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de

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gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com ciência médica, excepcionando-se as situações anencefalia, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;

d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da mulher e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.

Art. 3º- A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direção, a interrupção é realizada.

Art. 4º- O consentimento é prestado:

a)- Em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência mínima de 3 dias relativamente à data da intervenção; ou

b)- No caso de a mulher grávida ser menor de 18 anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, conforme os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral.

Art. 5º- Se não for possível obter o consentimento nos termos do artigo anterior e a efetivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.

Art.6º- Os profissionais de saúde têm o direito de invocar objeção de consciência nos casos de interrupção de gravidez e o dever de encaminhar as utentes para outros profissionais de saúde dispostos a prestar o serviço solicitado.

§ Único- O direito de recusa previsto no caput, não subsiste se a intervenção médica se reveste de urgência para a vida da grávida.

JUSTIFICATIVA

É preciso tratar a discussão da interrupção de uma gestação por anencefalia abstraindo-se princípios religiosos e fundamentalistas, uma vez que não se trata de posição de fé. É preciso fazer essa discussão desprovida de dogmatismos e intolerâncias.

Toda e qualquer discussão técnica sobre um feto anencéfalo aponta para a inviabilidade, e um feto é inviável, quando não tem nenhuma condição de sobrevivência fora do útero materno.

O princípio da laicidade do Estado deve ser obedecido nas políticas públicas para que seja garantida a igualdade de todas e de todos e assegurada a efetivação dos direitos já consagrados na Constituição Federal e nos diversos instrumentos

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internacionais, como medida de proteção aos direitos humanos das mulheres e das meninas. A Constituição Federal, de 1988, reconheceu a universalidade do direito à saúde e o dever do Estado de oferecer, gratuitamente, a toda a população o acesso a esse direito.

Não é admissível que o Estado penalize as mulheres, obrigando-as a levar adiante uma gravidez cujo feto não tem condições de sobreviver fora do útero. O Estado deve garantir políticas universais, favorecendo o acesso aos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais para todas as mulheres, rurais e urbanas, respeitando a sua diversidade de raça e etnia e de orientação sexual.

O avanço da medicina aponta diagnóstico cada vez mais precoce e, hoje em dia, muitos exames detectam com antecedência as anomalias do feto. Esses exames devem ser disponibilizados a todas as mulheres.

Desde a quinta semana de gestação é possível saber se um feto é anencéfalo e, se o pré-natal estiver sendo realizado de forma adequada, isso é imediatamente descoberto. No Brasil, como as mulheres mais pobres começam o pré-natal tardiamente, por volta da 16ª e às vezes até da 18ª semana de gravidez, são elas mais atingidas por esse problema. A região Nordeste possui os níveis mais elevados de pobreza absoluta no país, e, onde, a distribuição de renda é mais concentrada. Os indicadores também apontam que esta situação é pior entre as mulheres, de um modo geral, e entre homens e mulheres da população afro-descendente. Ao legalizarmos a interrupção da gravidez por anencefalia, serão essas mulheres as maiores beneficiadas.

Após um diagnóstico de má-formação congênita incompatível com a vida fora do útero materno, a mulher deve ser informada de que esse feto nunca poderá viver e que, se for da sua vontade, ela não precisa correr os riscos desnecessários dessa gravidez.

Não existem pessoas anencéfalas. Há um consenso científico que assegura que os anencéfalos morrem nos momentos seguintes ao nascimento ou, muitas vezes, ainda no útero da própria mulher. E as mulheres devem ter, incondicionalmente, acesso a essa informação. A mulher que quiser levar a gravidez a termo deve ser orientada, inclusive, de todas as conseqüências e significados de uma gestação nessas condições.

A I Conferência Nacional de Política para as Mulheres, realizada entre os dias 15 e 17 de julho de 2004, com a presença de cerca de 2 mil mulheres, delegadas de todas as Unidades da Federação, aprovou uma moção de apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, com assessoria técnica da ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

Considerando o sofrimento das mulheres grávidas de fetos com anencefalia, o direito universal à saúde e o cumprimento aos princípios constitucionais da liberdade e da dignidade, a Conferência expressou, também, o apoio à liminar do Ministro Marco Aurélio Mello que autoriza mulheres grávidas de fetos com anencefalia a

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interromperem a gestação. Contudo o plenário do Supremo Tribunal Federal, na tarde do dia 20 de outubro, não referendou decisão tão importante para a garantia da saúde reprodutiva, psíquica e espiritual das mulheres, bem como dos direitos humanos.

É preciso garantir a autonomia das mulheres e isso significa ampliar o poder de decisão sobre suas vidas, seus corpos, suas comunidades e seu país. É preciso romper com o legado histórico de exploração, opressão e subordinação que tanto constrange a vida das mulheres. À mulher e somente a ela, cabe o direito de decidir sobre qual é a melhor alternativa para sua vida. Ao Estado cabe garantir esse direito.

Sala das Sessões,

Eduardo Valverde /Deputado Federal

1.4 PROJETO DE LEI Nº 1091 DE 2003

(Do Deputado Federal DURVAL ORLATO PT/SP)

Dispõe sobre a exigência para que hospitais municipais, estaduais e federais, implantem um programa de orientação à gestante sobre os efeitos e métodos utilizados no aborto, quando este for autorizado legalmente.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1 – Os hospitais em exercício de suas atividades no território nacional, quando autorizados legalmente à prática abortiva do feto humano, deverão antes aplicar à gestante e representantes legais, um programa de orientação sobre os efeitos e métodos utilizados no aborto.

Art. 2 – Entende-se por programa de orientação, aquele que aplicar ao menos a utilização de sistema audiovisual com acompanhamento médico, contendo:

I- filmes que demonstram as formas utilizadas para extração do feto humano e sua respectiva formação física mês a mês;

II- possíveis efeitos colaterais físicos e psíquicos que possam acarretar sobre a gestante, caso se utilize a prática abortiva apresentada;

III- apresentação da possibilidade da “adoção pós-parto”, oferecendo à gestante e representantes legais, no mínimo, dois endereços de entidades que possam estar acolhendo temporariamente o recém-nascido;

IV- exame de ultra-sonografia na gestante.

Art. 3 – O Juizado da Criança e do Adolescente, deve ser comunicado pelo hospital sobre a realização deste programa de orientação, quando da sua execução, com a

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finalidade de auxiliar e promover uma adoção do recém-nascido por famílias cadastradas para tal fim.

Art. 4 – Caso a gestante deseje, poderá solicitar durante a apresentação do programa de orientação, a presença do padre, pastor ou similar da religião que professa.

Art. 5 - Este programa deverá estar devidamente registrado, na ficha de atendimento do paciente constante no referido nosocômio e mantido sob o sigilo que prevê a legislação vigente.

Art. 6 – O descumprimento desta lei, acarretará multa de 100 salários mínimos ao hospital e 30 salários mínimos sobre a pessoa física que dirige o respectivo nosocômio.

Art. 7 – Esta lei entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

JUSTIFICATIVA

Esta lei visa conscientizar a gestante sobre o que é o aborto e apresentar alternativas. A Justiça apenas concede autorização para realização do aborto, que pode ou não se consumar no hospital. Creio que num momento de dor e/ou desespero (normalmente devido ao estupro sofrido), a desinformação pode fazer com que a gestante cometa outro ato violento, contra si mesma e contra o ser vivo que está gerando. A Saúde tem por princípio salvar vidas e evitar seqüelas nos procedimentos. É o que pretendo com esta lei.

Do ponto de vista Jurídico, em projeto semelhante na cidade de Jundiaí - SP, foi dado o seguinte parecer:

"...A proposta em destaque, afigura-se-nos revestida da condição legalidade no que tange à competência (art. 6º, "caput"), e quanto à iniciativa, que é concorrente (art.13,I,c/c o art.45), sendo os dispositivos relacionados pertencentes à Lei Orgânica de Jundiaí. A matéria é de natureza legislativa, instituída em caráter geral e cunho abstrato, (aponta o que fazer e deixa ao nosocômio a condição do "como fazer", sem detalhamento técnico) exigindo dos hospitais municipais programa de orientação da gestante sobre os eventuais efeitos colaterais e métodos utilizados no aborto consentido. Nesse sentido, não vislumbramos quaisquer óbices sobre ela incidentes. Relativamente ao quesito mérito, dirá o soberano Plenário..." (os artigos citados da Lei Orgânica são similares à Constituição Federal).

Parecer do DR. JOÃO JAMPAULO JR - Consultor Jurídico, Mestre em Direito Público e Doutorando em Direito Constitucional, autor de vários livros e textos sobre o assunto.

Por estes motivos, é que conto com o apoio dos nobres parlamentares para a aprovação desta lei, sem paralelo no serviço público de saúde.

Sala das Sessões, em 27 de maio de 2003.

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Durval Orlato /Deputado Federal PT/SP

1.5 PROJETO DE LEI Nº 21 DE 2003

(Do Sr. Roberto Gouveia)

Suprime o artigo 124 do Código Penal Brasileiro.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica suprimido o art. 124 do Decreto Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal).

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O presente projeto de lei tem por objetivo atualizar o Código Penal, adaptando-o aos novos valores e necessidades do mundo atual, particularmente no sentido do reconhecimento dos direitos da mulher como pessoa humana. Com a apresentação dessa proposta damos continuidade ao projeto de lei apresentado em outra legislatura pelo ex. deputado Eduardo Jorge.

O artigo que suprime penaliza duramente a gestante que provoca aborto ou consente que outro o realize. Esta é uma disposição legal ultrapassada e desumana.

O Código Penal data de 1940 e, nestes últimos 50 anos, nossa sociedade passou por profundas transformações, notadamente no que se refere ao papel da mulher. Sua participação tem-se caracterizado, entre outros aspectos, pela crescente sobrecarga de trabalho, associando suas funções domésticas às do trabalho assalariado, quase sempre em condições desfavoráveis em relação aos demais trabalhadores.

São essas mulheres, em sua maioria de classe social baixa, obrigadas a submeter-se a prática do aborto, que vão compor a triste estatística de cerca de 4.000.000 (quatro milhões) de casos em todo Brasil. Essa Prática realizada sem as condições técnicas necessárias tem provocado um alto índice de mortalidade, contribuindo fortemente para levar o País a uma taxa de mortalidade materna várias vezes superior às dos países da Europa.

Portanto, a lei não pode pretender punir baseando-se apenas na compreensão isolada e individual do ato e desconsiderando toda a realidade social a que está submetida a mulher brasileira.

Ademais, é absolutamente desnecessário e desumano querer aplicar penalidade a uma pessoa que já foi forçada a submeter-se a tamanha agressão. A gestante, quando provoca aborto em si mesma ou permite que outro o faça, está tomando uma providência extrema que a violenta física, mental e moralmente.

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Pelo exposto e no sentido de reparar mais uma entre as várias injustiças contra a mulher, conclamamos os ilustres pares a aprovar este projeto de lei.

Sala de Sessões, de 2003.

ROBERTO GOUVEIA / Deputado Federal PT/SP

2 DESFAVORÁVEIS

2.1 PROJETO DE LEI N.º 1459 DE 2003

(Do Senhor Severino Cavalcanti)

Acrescenta um parágrafo ao artigo 126 do Código Penal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. O art. 126 do Código Penal, aprovado pelo Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2º, renumerando-se o atual parágrafo único como § 1º:

“Art. 126 (...).

(...)

§ 1º. (parágrafo único original).

Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Nosso sistema jurídico constitucional tutela a vida humana como bem supremo, desde a concepção até o último fio de vida autônoma. Tradicionalmente, a sociedade brasileira não aceita a realização de aborto eugênico, assim entendido como aquele praticado contra feto viável, porém com probabilidade de apresentar anomalias físicas ou mentais. Esse sentimento reflete-se na legislação brasileira que também não autoriza o aborto eugênico.

Com efeito, o Código Penal de 1890, mandado executar pelo Decreto n.º 847, de 11/10/1890, tratava do crime de aborto nos arts. 300, 301 e 302. A única possibilidade de benefício legal relacionado a esse ilícito encontrava-se no parágrafo único do art. 301, o qual estabelecia a redução da 3ª parte da pena prevista para o crime de provocar aborto com anuência e acordo da gestante, se o ato fosse cometido para ocultar a desonra própria. O Código Penal de 1890 permita a realização de aborto legal, ou aborto necessário, desde que provocado por médico ou parteira, para salvar a gestante de morte inevitável.

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Seguindo a mesma linha, o Código Penal atual manteve a prática de aborto como crime. Hodiernamente, pune-se:

a) a gestante, quando provoca o aborto, e o terceiro que realiza o procedimento (art. 124 e art. 126);

b) o terceiro, que provocar o aborto sem o consentimento da gestante (art. 125);

c) em sua forma qualificada o crime de aborto em caso de superveniência de lesões graves ou morte da gestante (art. 127).

Por outro lado, o Código Penal de 1940 aumentou o rol de causas de exclusão da punibilidade em relação ao Código de 1890 ao estabelecer no art. 128 não ser punível o aborto praticado por médico, verbis:

Art. 128 (...).

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Fora das hipóteses do suso art. 128 a prática de aborto é punível. Em outras palavras, ante a ausência de dispositivo legal autorizativo, a prática de aborto eugênico é crime passível da aplicação das penas previstas na lei.

Todavia, o que se tem observado é o uso de subterfúgios para autorizar essa prática. Nesse sentido, o presente projeto de lei, ao fixar pena para a prática de aborto eugênico, visa eliminar esse odioso procedimento de “higiene racial” que se contrapõe ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Nenhum homem, pode invocar para si o direito de autorizar a morte de crianças, por meio da prática do aborto. A medicina em todo o mundo vem demonstrando estágios tão avançados de desenvolvimento que milhares de crianças, que antes estavam condenadas a uma vida vegetativa, hoje – graças aos avanços da ciência médica – contam com uma vida normal. Essas crianças estão trazendo a felicidade a muitos lares que souberam respeitar o seu Direito à Vida.

Sala das Sessões, em de de 2003.

SEVERINO CAVALCANTI / DEPUTADO FEDERAL

2.2 PROJETO DE LEI Nº 7235 DE 2002

(Do Sr. SEVERINO CAVALCANTI)

Revoga o art. 128 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal.

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O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica revogado o art. 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

As hipóteses de impunidade do aborto contempladas no art. 128 do Código Penal não se justificam hoje .

O aborto necessário previsto no inciso I, com os avanços da Medicina praticamente não existe. E se existir realmente um caso de necessidade de prática de aborto, se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, desde que o aborto não seja visado, esse estado de necessidade já constitui excludente de ilicitude prevista no art. 23, inciso I do Código Penal.

O aborto em caso de estupro é meramente sentimental. Alega-se que a estuprada sofre danos psicológicos graves, não lhe sendo exigido o sacrifício de conservar a gravidez provocada pelo estuprador.

Todavia, o feto é um ser humano desde a concepção, conforme já constatou a ciência. Brien Clowes, PHD, em sua obra Os Fatos da Vida afirma : "A maneira mais simples de provar que os nascituros estão vivos é simplesmente observar que o óvulo da mulher e o espermatozóide do homem são células vivas. Essas duas células vivas logo se fundem, se organizam, crescem e continuam a ter todas as propriedades de uma célula viva. "Mostra o milagre da vida, onde no 1º mês, a base do sistema nervoso está completo até o 20º dia; aos 42 dias o esqueleto está completo e os reflexos estão presentes; entre onze e doze semanas, chupa com vontade seu polegar e aspira seu fluido amniótico, para desenvolver os órgãos da respiração; no quarto mês o bebê pode agarrar com as mãos, nadar e dar cabriolas e o autor continua a descrever esse fantástico desenvolver de uma pessoa humana no ventre materno.

Como o Código Penal permite a impunidade do aborto quando a concepção se dá por motivo de estupro, interpreta-se que em todo caso de estupro se deve abortar. Assim, mata-se o inocente e o estuprador nem sempre é punido.

A vida humana é preciosa e deve ser preservada desde a concepção. Em caso de estupro não é necessário matar o embrião ou o feto. Alguém pode criá-lo e a mãe poderá submeter-se a tratamento psicológico, do qual não será dispensada se ocorrer o aborto, pois sofrerá os efeitos psicológicos de ter eliminado o seu filho (síndrome do aborto).

Assim, urge que seja retirado do Código Penal esse dispositivo que tem permitido a morte de inocentes nascituros até pelo Sistema Único de Saúde.

Pelo exposto, conto com o apoio dos nobres Pares para a aprovação deste Projeto de Lei.

Sala das Sessões, em de de 2002.

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Deputado SEVERINO CAVALCANTI

2.3 PROJETO DE LEI Nº 5376 DE 2005

(Do Sr. Carlos Nader)

Proíbe a comercialização, da chamada "pílula do dia seguinte", e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º- Fica proibida a comercialização e a utilização, da chamada “pílula do dia seguinte”.

Parágrafo único- Considera-se, para efeito desta lei, “pílula do dia seguinte” todo medicamento que tenha por finalidade ser abortivo, mesmo que a ação abortiva ocorra apenas algumas horas após o coito.

Artigo 2º- A não observância desta lei implicará em multas de 1.000(mil) a 5.000(cinco mil) UFIR’s, dobrando na reincidência.

Artigo 3º- O estabelecimento farmacêutico ou laboratório industrial já autuado como reincidente e que continuar não respeitando o disposto nesta lei ficará sujeito ao fechamento temporário ou definitivo, sem prejuízo das demais cominações legais.

Artigo 4º- As eventuais despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão a conta de dotações orçamentárias próprias, consignadas no Orçamento Geral da União OGU.

Artigo 5º- O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 180(cento e oitenta) dias, a partir da data de sua publicação.

Artigo 6º- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

A presente proposição tem por objetivo proibir o uso indiscriminado da pílula do dia seguinte por jovens e até mesmo adultos, que por absoluta irresponsabilidade usam a pílula para tirar a vida, já nos seus instantes iniciais, de quem irá nascer. Portanto, é tirar a vida de um ser humano, igual a nós todos. É matar um semelhante. Que argumentos teríamos para defender a vida, ainda no ventre materno? Inúmeros. Mas podemos resumir em apenas um, importantíssimo à toda humanidade: toda vida, ainda no ventre, tem um plano pré- estabelecido por Deus. É uma obra da Sua Criação e significará, em maior ou menor grau, um componente indispensável na relação que se estabelece entre todos os seres vivos.

E como podemos ter certeza de que cada vida traz um plano pré- estabelecido por Deus? Basta lembrarmos de Maria, nossa Mãe, que ouviu do Senhor Quem ela

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carregaria no ventre e a importância daquela Criança para a humanidade. não podemos deixar de lado também, questões relacionadas a saúde das mulheres que fazem uso indiscriminadamente de tais medicamentos, uma vez que, a concentração de hormônios na “pílula do dia Seguinte” é altíssima e o seu uso continuo é com certeza prejudicial a saúde.

Diante do exposto, solicito o apoio dos nobres pares para provação da presente proposição.

Sala das Sessões, em de 2005.

2.4 PROJETO DE LEI Nº 5364 , DE 2005

(Do Sr. Luiz Bassuma e Srª Ângela Guadagnin)

Dispõe sobre a punibilidade do aborto no caso de gravidez resultante de estupro.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1o Esta lei pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro, independentemente do consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Art. 2º Fica revogado o inciso II do art. 128 do Código Penal, Decreto-lei n. 2.848, de 7-12-1940.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O chamado aborto sentimental ou humanitário, ou aborto realizado por médico no caso de gravidez resultante de estupro, é na verdade uma violência contra o feto e deve ser punível. A excludente de antijuridicidade constante do inciso II do art. 128, portanto, precisa ser definitivamente retirada do nosso ordenamento jurídico.

O Estado tem o dever de responsabilizar-se por prestar atendimento Psicológico à gestante, para ajudá-la a suportar o fardo de carregar em seu ventre o filho de seu estuprador. Outro não é o entendimento da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei n. 8.742/93), que em seu art. 2º dispõe que a “assistência social tem por objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice”; bem como “o amparo às crianças e adolescentes carentes”.

O Estado também precisa prover de meios as instituições especializadas para que possam receber o filho havido de relação violenta e criminosa, na hipótese em que a mãe se recuse a acolher o recém-nascido.

Como se sabe, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) já prevê, em seu art. 7º, que a criança e o adolescente “têm direito à proteção, à vida e à

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saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

As providências mencionadas cumprem o papel de apoiar a gestante vítima de estupro e o filho da relação traumatizante, uma vez que, com esta iniciativa, estamos tornando punível o aborto sentimental ou humanitário. Conto com o apoio dos ilustres pares para a aprovação deste Projeto de Lei, por ser de todo coerente com os princípios que determinam a proteção à vida humana, desde seu início. Sala das Sessões, em de junho de 2005.

LUIZ BASSUMA/ Deputado Federal/BA

ÂNGELA GUADAGNIN /Deputada Federal-SP

2.5 PROJETO DE LEI Nº 5061 DE 2005

(Do Sr. JOÃO BATISTA)

Altera o §2º do art. 10 da Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar, de forma a permitir a realização da laqueadura tubárea nos períodos de parto ou aborto em caso de cesária anterior.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O parágrafo 2º do art. 10 da Lei n.º 9.263, de 12 de janeiro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.10...................................................................................................... § 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesariana anterior.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar em seus princípios gerais.

De acordo com o disposto no art. 10 dessa lei, somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:

I- em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;

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II- risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.

Vale mencionar que a capacidade civil plena de que trata o inciso I do artigo 10 da Lei 9.263/96 é estabelecida pelo Novo Código Civil Brasileiro – Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, nos seguintes dispositivos:

"Art. 3º - São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4º - São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único – A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Art. 5º - A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;II – pelo casamento; III – pelo exercício de emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria."

Feita essa observação, há que se ressaltar que, de acordo com o inciso I do artigo 10 da Lei 9.263/96, é condição para que se realize a esterilização, o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contraceptivos reversíveis existentes.

Assim, pode-se verificar que a Lei 9.263/96 é bastante permissiva no que se refere à livre manifestação da vontade, desde que respeitadas algumas condições. Não só é possível de se submeter à laqueadura uma adolescente de 15 anos, casada, com dois filhos vivos, mas também uma mulher com mais de vinte e cinco anos de idade, mesmo sem filhos.

Contudo, de acordo com o §2º do art. 10 da Lei 9.263/96, é vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.

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O Ministério da Saúde, por sua vez, elaborou a Portaria SAS/MS nº 48, de 11 de fevereiro de 1999, com o intuito de estabelecer normas de credenciamento de serviços e a instituição na tabela SIH/SUS dos procedimentos de laqueadura tubária e vasectomia, bem como determinar critérios técnicos para sua execução. Essa Portaria estabelece, em seu art. 4º, inciso IV, parágrafo único, em obediência ao art. 10 da Lei 9.263/99, que:

É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante período de parto, aborto ou até o 42º dia do pós-parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores, ou quando a mulher for portadora de doença de base e a exposição a segundo ato cirúrgico ou anestésico representar maior risco para sua saúde. Neste caso, a indicação deverá ser testemunhada em relatório escrito e assinado por dois médicos.

Isso significa que a realização de laqueadura tubária durante o parto só é permitida em duas situações:

1- Cesarianas sucessivas anteriores (portanto, pelo menos duas cesáreas anteriores);

2- Quando a mulher for portadora de doença de base, e uma nova gravidez coloque em risco a vida ou a saúde da paciente ou do futuro concepto (inciso II do artigo 10 da Lei 9.263/96). As doenças mais freqüentes nestas situações são: diabetes mellitus pré-gestacional, hipertensão, cardiopatias, colagenoses, tireopatias, pneumopatias, neuropatias, nefropatias, hepatopatias, aloimunização Rh e SIDA. Em casos de doenças maternas associadas a alto-risco reprodutivo, ao se proceder a esterilização cirúrgica, deverá ser feito relatório escrito e assinado por dois médicos.

Dessa forma, em pacientes hígidas, sem cesarianas sucessivas anteriores, a laqueadura tubária somente poderá ser realizada após o 42º dia do parto ou aborto, mesmo que haja autorização prévia e que esteja prevista a realização de cesária.

Vale ressaltar que a realização de cesariana para a esterilização é uma prática que deve ser repudiada. Porém, não se pode penalizar a mulher hígida que será submetida à cesária por indicação médica correta, que decidiu (juntamente com o seu cônjuge, se casada) se submeter à laqueadura, não só manifestando essa vontade 60 dias antes do ato cirúrgico, mas mantendo esse desejo mesmo após ter sido desencorajada por equipe multidisciplinar (composta por profissional de medicina, enfermagem, psicologia, assistente social), como impõe a lei. Por que penalizá-la com nova anestesia e procedimento cirúrgico? Por que não aliviá-la desse sofrimento evitável? Não reza a Costituição Federal, no §7º do art. 226, que “o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito”?

Esta proposição tem o objetivo de permitir a laqueadura tubária no momento do parto ou do aborto quando a mulher já tiver sido submetida a, pelo menos, uma cesária anterior, mantidas as demais condições, inclusive a manutenção da penalidade caso a cesária tiver sido indicada com o fim específico de esterilização. Dessa maneira, evita-se o aumento da cesária com a laqueadura tubárea sem

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respaldo científico, ao mesmo tempo em que se protege a mulher de um sofrimento posterior desnecessário, não referindo este Parlamentar apenas a um novo processo anestésico ou cirúrgico, mas também a uma posterior gravidez indesejada, causada pela impossibilidade de a mulher internar-se novamente, em razão de seus afazeres domésticos e profissionais.

Além disso, esta iniciativa irá contribuir, inclusive, para o controle da natalidade. Apesar de as taxas médias de natalidade do país virem caindo gradativamente nas últimas décadas, essa queda é visivelmente verificada nas classes média e alta da população. As camadas mais carentes ainda sofrem com a falta de informação e com a dificuldade de acesso aos meios anticoncepcionais, que acabam por inviabilizar o planejamento familiar e, conseqüentemente, por agravar o quadro de miséria e ignorância no país, onde já é perversa a distribuição de renda.

Por todo o exposto, peço o apoio dos nobres Colegas para a célere aprovação deste projeto, que irá contribuir para o aperfeiçoamento da legislação referente ao planejamento familiar.

Sala das Sessões, em de abril de 2005.

Deputado João Batista /PFL/SP

2.6 PROPOSTADE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 571 DE 2002.

(Do Sr. PAULO LIMA e outros)

Acrescenta o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do §3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Artigo único. O art. 5º da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso LXXVIII:

“Art. 5º..............

(...)

LXXVIII – a vida do nascituro se inicia com a concepção sendo inviolável e digna de todo respeito e serão punidas, severamente, as práticas que resultem em sua morte, sofrimento, ou mutilação, na forma da lei, devendo ser procuradas formas alternativas de pesquisa e desenvolvimento científico que não prejudiquem o embrião ou feto.”

JUSTIFICAÇÃO

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O embrião nasce da fusão de células vivas e continua vivo, desenvolvendo-se naturalmente.

Brian Clowes, PHD, em sua obra intitulada “Os Fatos da Vida”, assim se expressa:

“Virtualmente, todos os livros da escola de medicina em todos os países dizem que a vida humana começa no momento da fertilização. Observe essa definição do THE DEVELOPING HUMAN: Clinically Oriented embriology ZYGOTE. (O Ser Humano em Desenvolvimento: Embriologia Clinicamente Orientada: Zigoto. Essa célula é o resultado da fertilização de um oócito por um espermatozóide, e o início do ser humano... O desenvolvimento começa com a fertilização, quando um espermatozóide se une a um oócito para formar um zigoto, dando início a uma vida humana. Cada um de nós começou a vida como uma célula chamada zigoto.”

O autor menciona outras obras, dentre elas Pathology ou the Fetus and the Infant(Patologia do Feto e do Infante que afirma, “cada vez que a célula de espermatozóide e óvulo se unem, um novo ser é criado o qual vive e continuará vivendo a não ser que a sua morte seja causada por alguma condição específica”.

Assim, a ciência já demonstrou que o embrião humano é um indivíduo que possui identidade desde o momento da fertilização.

É justo que essa identidade seja legalmente reconhecida.

Ninguém pode colocar-se acima do Criador, manipulando a própria vida e a de outrem.

Pelo exposto, conto com o apoio dos nobres Pares para a aprovação desta Proposta de Emenda à Constituição, para resguardar o direito dos embriões ao dom precioso da vida.

Sala das Sessões, em de de 2002.

Deputado PAULO LIMA

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. Direto e Estado no Pensamento e Emanuel Kant. 2ª ed. São Paulo: Mandarim, 2000.

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BIBLIOTECA DIGITAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em http://bd.camara.gov.br. Acesso em 27 abr. 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.

BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

BRASIL. Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

BRASIL Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências.

BRASIL. ADPF nº 54. Publicado no D.J em 31.08.2007. Relator Min. Marco Aurélio.

CESCO, Olivo. Aborto: A Guerra aos Inocentes. 1ª Ed. Porto Alegre: Editora Myrian, 1996

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, tradução J. Baptista Machado. Coimbra: Editora Studium, 1976.

SANTOS, Eduardo Sens dos. Justiça e Moral. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/12/justica-e-moral. Acesso em 27 abr. 2013.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 2ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO. Origem Embriológica do Pulmão.

Disponível em http://www.unifesp.br/dmorfo/histologia/ensino/pulmao/origem.htm. Acesso

em 27 abr. 2013.