Ética, moral e direito - uma perspectiva integrada

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  • 5/11/2018 tica, Moral e Direito - Uma perspectiva Integrada

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    1rEtica, Moral e Direito

    (iJ~"El ideal etico no puede contentarse com ser el correctisimo: es pre-ciso que acierte a excitar nuestra impetuosidad."!

    1.1 QUE E A ETlCA?Podemos afirmar que uma gangue de criminosos respeita alguma especie deetica? A resposta a essa pergunta e nao, e a seguir exporemos 0 raciodnio quenos levou a essa resposta negativa. Advertimos que a resposta a pergunta formu-

    lada e fundamental para definirmos 0 exato significado da palavra etica.A resposta e negativa porque a gangue de criminosos pode ate conseguir urnbeneffcio economico caso realize urn assalto bem-sucedido. Todavia, esse beneff-cio sera conseguido a custa do sofrimento de varias outras pessoas, portanto, nao

    sera etico. Para a etica, 0 ue i!!!p_()nl!p_ao_(~_Qen~ficioe urn individuo ou de urnespedfico grUQOde indivfduos;~eu .Q9nto de vista nao e e oistico, individual ouJlessoa1m'!.~ CO~!iY2J.1!.lliY~Js'!J_,_]la,_.2Q!:_t..C!l1to,l~ge as melhQ!~.!?_as:6_escom base!l_Q_iI).j:~re~~~.Q~oda a comunidade hUII?:ana.Afirma Peter Singer:

    "Para serem eticamente defensaveis, e preciso demonstrar que os atoscom base no interesse pessoal sao compatfveis com principios eticos de bases

    1. ORTEGAYGASSET, Jose.El tema de nuestro tiempo. Madri: Alianza Editorial, 1981. p. 108.

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    mais amplas, pois a nocao de etica traz consigo a~ : : : = ~---=que 0 individual. Se vou defender a minha condura ec;-so mostrar apenas os beneffcios que ela me traz...blico maier."?

    maior

    Tendo como base esse raciocmio, podemos afirmar"amai-vos uns aos outros como ama a ti mesmo" e esseI]i.'-J-U::O::'_---"'::.........::esta contido no campo da etica 0 imperativo categorico de--=-':;,=lE~S:_1804):3

    "Age de tal modo que a maxima da tua vontade _ 2'=:: sempre.aomesmo tempo como principio de uma legislacao ~-

    < Tanto 0preceito cristae como 0 imperativo categorico de ::-~~_ponto de vista coletivo, em outras palavras, uma perspecriva ~ urn. _ 0"amai-vos uns aos outros como ama a ti mesmo" fica parenre 2: -FCfSSidade daigualdade na forma de amar. Voce deve amar a seu semelharre .e 000 igual aque voce ama a si mesmo. Esse preceito e tambern urn convire a atzroconheci-mento, pois antes de amar ao outro, voce necessita amar a si _ ._=0, e paraamar-se, e imprescindivel conhecer-se. Ja no "age de tal modo sa a :-akrima datua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como principio e uma legisla-

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    mento social". 0 comportamento moral nao se baseia numa reflexao, mas noscostumes de determinada sociedade em determinado lugar, em urn preciso tempohistorico. Ele e portanto costumeiro, tradicional, e nao filosofico.A moral, por nao se basear numa reflexao filosofica ou cientffica, nao ternpretensoes universalizantes, nem normativas. Assim a define Beatriz di Giorgi:

    "Conceituamos moral, por sua vez, como algo particularizante em rela-c;:aoa etica, envolta em subjetividades e diversificada demais para sustentarleis objetivas. Mais uma vez reforcamos 0 papel da etimologia como basicoponto de partida: se moral e algo que esta de acordo com as tradicoes refe-rentes apenas ao comportamento social, como poderia ser ela universal, senao abarca outros comportamentos que nao 0 socialr'"Uma vez exposto 0conceito de etica e moral, concluimos que a moral baseia-se no comportamento da sociedade e que a etica, com a reflexao desse comporta-mento, criara riormas universais com a finalidade de estabelecer as melhoresacoes.

    1.3 ETICA E DIREITOA moral diferencia:s_e_da__eJLca,_ap_esawie_teLuITLQhj_e,tL'l.o_igual:ordena-mento do comJ10rtament sos:jgJ Elas partem de premissas diversas,_A_moraltern

    L o r n a fuI}damenJ:!LOPrQprig.._o_mpor:tam~ntopcigle a etif_g uma reflexa.9_~o..hre..~le. E 0 Direito? - - . _Aprendemos nos manuais do curso juridico que a principal func;:aodo direitoeordenar a vida social. Esse ordenar a vida social devera respeitar os limites daetica e da moral? A posicao dos auto res e de responder afirmativamente a essapergunta; 0 Direito deve respeitar 0 campo de atuacao delimitado pela Erica;como esclarece Mi uel Reale",2_.llir.eito_e_staontido na Etica e e sua g_arantia:

    "Donde pode dizer-se que a Etica e a realizacao da liberdade, e que 0Di-reito, momenta essencial do processo etico, representa a sua garantia especi-fica, tal como vern sendo modelado atraves das idades, em seu destinoproprio de compor em harmonia, liberdade, normatividade e poder."> .

    4. Dr GIORGI, Beatriz. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; Dr GIORGI, Beatriz; PIOVESAN,Flavia. Direito, cidadania ejustica: ensaios sobre Iogica, interpretacao, teoria, sociologia e filosofiajuridicas. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 241-242. Para urn detalhado estudo dadiferenciacao entre moral e etica, consulte no livro anteriormente citado 0 artigo de Beatriz DiGiorgi. Especulaciies em tomo do conceito de etica e moral, p. 229-245.5. REALE,Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. Sao Paulo: Saraiva, 1999. p. 219.

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    16 ETICA E DIREITO: UMA PERSPECTNA U\lEGR8_-:_

    A proposta deste livro e mostrar Etica e Direito enquamo .uas - - Iinas co-esas e integradas, dai 0titulo "Etica e direto: uma perspectiva ~ __-a p r o x i m asecao apresentarnos porrnenorizadarnente nossa tese; antes de PIlJSSe2ull eo momen-to de eselarecer que a integracao entre Erica e Direito e fruto de processo e COllS-trucao, nao urn dado, 0que significa dizer que 0Direito pode exisrir fora do campo daErica. Urn exemplo historico desse acontecimento e 0Direito no Estado Torn1itario.1.3.1 Direito e totalitarismo: a perda do sentido do direito

    "Segundo 0Positivismo Juridico, a afirmacao da validade de uma nor-ma juridica nao implica tarnbem na afirmacao de seu valor.1l()o fato de a afirmacao da validade de uma norma independer de seu valor

    significa que qualquer normajuridica, desde que legalmente promulgada, tern va-lidade, nao sendo levada ern consideracao a questao de seu valor intrinseco, desua legitimidade. E a total cisao entre Direito e Etica, como na maxima de Hobbes:"autoritas non veritas facit legem". 7

    E precisamente a caracteristica avalorativa do Direito Positivo que permitiua experiencia do Estado Totalitario na Alemanha. A queda da Republica de Wei-mar e a sub ida ao poder do Partido Nazista, corn a consequente nomeacao deAdolph Hitler como Chanceler, foram obtidas seguindo as norm as consritucionaisde Weimar.f Ajustica ou injustica de suas normas jurfdicas nunca foram questio-nadas, ja que tais norm as juridicas eram validas a priori.

    A leitura do art. 2Qdo C6digo Penal Alemiio, de 1935, Iegislacao esta criadapelo Governo Nazista, da uma ideia das barbaridades juridicas que podem ser rea-lizadas se for seguido, a risca, urn positivismo cego:

    "Sera punida a pessoa que cometer urn ate que a lei declare punivel ouque mereca punicao de acordo com os principios fundamentais da lei crimi-nal ou da saudavel opiniao popular."E pertinente e preciso 0 comentario de Oscar Vilhena Vieira sobre 0Direito

    no Terceiro Reich:

    6. BOBBIO,N. 0 positivismo juridico: l icoes de filosofia do direito. Sao Paulo: leone, 1995. p. 13l.7. Para uma analise detalhada do Positivismo Jundico, eonsulte: BITTAR, Eduardo C. B.;ALMEIDA, Guilherme Assis de; Curso defilosofia do direito. Sao Paulo: Atlas, 2001, prineipalmentecapftulos 17 e 18, p. 316-338. 0 tema do valor e do direito sera abordado no Capitulo 2 deste livro.8. Para uma analise minueiosa da erosao eonstitucional da Republica de Weimar, ver: VIEIRA,O. V. A constitui~ao e sua reserva de justica: urn ensaio sabre os limites materiais ao poder de

    reforrna. Sao Paulo: Malheiros, 1999, especificamente "A Fragilidade Constitucional de Weimar e asurgimento das clausulas eonstitucionais, p. 87-113.

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    "0 Direito transformou-se em mero instrumento de dominacao doFuhrer, de imposicao de seus valores. As ideias de desformalizacao inicia-das pela Escola Livre do Direito, no inicio do seculo, como interpretacao cria-tiva, metodo teleologico, foram perversamente apropriadas, garantindo aosaplicadores uma-total discricionariedade na realizacao do 'espirito do povo'.Conforme Carl Schmidt, 0 dire ito alemao "deve ser governado apenas e ex-clusivamente pelo espirito do Nacional Socialismo c . . . ) . Toda interpretacaodeve dar-se de acordo com 0Nacional Socialismo."?o Direito do Estado Totalitario nao e a disciplina da convivencia social, masurn instrumento de dominacao. Essa questao toea diretamente no ponto de inte-

    resse da reflexao deste livro. Existe algum limite para a elaboracao e a forma dasleis? Ou 0Direito deve respeitar determinadas balizas? 0 que observamos histori-camente e que durante 0 periodo do Estado Totalitario 0Direito nao respeitou osparametres eticos. Ao fazer isso, ele perdeu seu proprio sentido e significado. Afir-rna Tercio Sampaio Ferraz Jr.:

    "Urn direito estabelecido arbitrariamente constitui-se como tal e podemesmo servir a alguma finalidade. E, como tal, pode gozar de imperio, serreconhecido como valido e ate ser efetivo. 0 direito, porem, como ato de po-der nao tern seu sentido no proprio poder. So assim se explica a revolta, a in-conformidade humana diante do arbitrio, E ai repousa, ao mesmo tempo, aforca e a fragilidade da moralidade em face do direito. E possivel implantarurn direito a margem ou ate contra a exigencia moral de justica, Ai esta a fra-gilidade. Todavia, e impossivel evitar-Ihe a manifesta percepcao da injusticae a conseqiiente perda de sentido. Ai esta a forca/"?Defendemos a ideia de que 0Direito que, em vez de bus car a justica, imple-menta a injustica, perdeu seu sentido e significado. Esse Direito, a nosso ver, nemdeve ser chamado Direito!

    1.3.1.1 Limites ao direito pelo proprio direitoA fim de impedir que 0Direito extravase seus limites, funcione como imple-

    mentador da injustica, perdendo seu sentido e significado, e que 0Constituciona-lismo que se desenvolve a partir de 1949 com a Lei Fundamental de Bonn elaboramecanismos endogenos que criam verdadeiras balizas para 0 sistema juridico,evitando assim transformacces que possam desvirtuar 0 original e essencial senti-

    9. VIEIRA, O. V. Op.cit. p. 106.10. FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introduciio ao estudo do direito: tecnica, decisao, dorninacao.

    3. ed. Sao Paulo: Atlas, 2001. p. 354.

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    do do Direito ligado a busca da promocao da justica, CG::: ~ - z Lei Fun-damental de Bonn, logo em seus dois primeiros artigos, ~

    , "(1) A dignidade do homem e inviolavel, ~-la eobrigacao de todo poder publico e pessoa.

    (2) 0 Povo Alemao reconhece os direitos burna-os:_' -_ r eis e inalie-navels como fundamento de qualquer comunidade _ ,:;-_~ e da jus-tica no mundo.t'UNa mesma Lei Fundamental inclui-se urn dispositive ~e ~e alquermodificacao constitucional que acarrete a mudanca de d - ?rincipiosconstitucionais fundamentais, entre os quais 0da dignidade 1-'"2Esse novo Constitucionalismo, que surge no final da Segunda Gnei:a undial,

    inspira a Constituidio Brasileira de 1988.11Vale a pena destac:ar 0sesundo (TI) e 0terceiro (III) fundamento de nossa Republica, quais sejam, a cidadania e a digni-dade da pessoa humana, bern como 0 art. 60, 4 i 1 , inciso 1\-,12que esrabelece:

    " 4 i1 Nao sera objeto de deliberacao a proposta de emenda tendente aabolir:(.. .)N- os direitos e garantias individuais."

    o Titulo II da Constituidio de 1988, dos direitos e garantias fundamentais,que se inicia no art. 5Q, ocupava 0 art. 153 na Constituidio anterior, de 1967. Issoocorre nao por mera questao topografica, mas para deixar marcado, no textoconstitucional, que 0Estado existe para servir 0homem e a mulher e nao 0contrario.

    Todos esses mecanismos da Constituicao de 1988 descritos bern como asnormas da Lei Fundamental de Bonn mostradas, pod em ser classificados comonormas secundarias de reconhecimento (ou regras de calibracaoj.l'' segundo Ter-cio Sampaio Ferraz Jr., inspirado por Hart. E Tercio que nos da uma definicao des-se tipo de norma:

    "Por fim, as normas secundarias de reconhecimento superam 0proble-ma da incerteza, estabelecendo criterios conclusivos para a identificacao dequalquer norma como pertencente ou nao ao conjunto. Grande parte das11. Nao apenas a Constituicao Brasilcira, visto que, entre 1958 e 1971, vinte e duas novas

    constituicoes fizerarnreferencias a Declara~iio de 1948. Ver: SIEGHART, P. The luwfu! rights ofmankind. Oxford: Oxford University Press" 1986. p. 164.12. As denominadas clausulas petre as da Constituiriio de 1988.13. Para lima detalhada definicao da regra de calibracao, ver FERF,AZ JR., Tercio Sampaio.

    Introdu(:iio ao estudo do direito: tecnica, decisao, dorninacao. 3. ed. Sao Paulo:Atlas, 2001. p. 187-190.

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    normas constitucionais sao deste tipo: por exemplo, as que contem os direi-tos fundamentais - qualquer norma inferior que os viole sao excluidas dosistema.">Ensina Tercio que os direitos fundamentais da pessoa humana manifestam

    micleos significativos vigentes numa sociedade. 0 que e necessario deixar claro eque a percepcao, pelo Direito, dos direitos fundamentais como micleos significati-vos ganha consistencia ap6s a Segunda Guerra Mundial. A Hist6ria do Constitu-cionalismo Moderno e da Protecao Internacional dos Direitos Humanos sao urnexemplo pratico dessefato.

    De modo diverso do sistema constitucional, na ordem juridica internacionalnao existem limites materiais ao poder de reforma, como as c1aus~las petreas daConstituidio de 1988 (art. 60, ). 0 documento juridico que cumpre esse papele que funciona como regra de calibracao da Ordem Internacional e a DeclaracaoUniversal dos Direitos Humanos, de 1948.A Declaracao, como gostarn de enfatizar os positivistas, nao tern poder vin-culante, nao obriga. Entretanto, ela deve ser considerada como urn instrumentodo Direito Natural, nao de urn direito natural oposto ao Direito Positivo, mas deurn direito natural conforme a concepcao "realeana", problematico e conjetural, queserve como uma baliza para a ordem juridica, delimitando seu campo de aruacao.

    E Reale quem esclarece a relacao existente entre 0 Direito Natural (proble-matico e conjetural) e0Direito Positivo:

    "Como urn imperativo etico, metajuridico ou transjuridico, que traduzuma exigencia de perfectibilidade, em funcao dos direitos fundamentais quetransitoriamente pudessem ser vulnerados.v-?A Declaracao Universal dos Direitos Humanos de 1948 e urn instrumento

    universal, po i s sua fonte repousa numa ordem que esta acima da ordem interna-cional: a ordem etica da humanidade.

    Todos esses limites a criacao e transformacao de normas juridicas elabora-dos pelo Direito Constitucional e pelo Direito Internacional tern como objetivonao a condenacao do Direito a uma eterna camisa-de-forca, mas 0estabelecimen-to de urn unico universo possivel para a atuacao de todo e qualquer Direito, qualseja: 0 universo da etica.

    14. Idem, ibidem. p. 195.15. REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Sao Paulo: Saraiva, 1994. p. 110.,