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SABRINA ZEIN O ASSÉDIO MORAL SOB A PERSPECTIVA DA GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE PSÍQUICA DOS EMPREGADOS GESTORES CURITIBA 2015

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SABRINA ZEIN

O ASSÉDIO MORAL SOB A PERSPECTIVA DA GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE PSÍQUICA DOS EMPREGADOS GESTORES

CURITIBA 2015

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

SABRINA ZEIN

O ASSÉDIO MORAL SOB A PERSPECTIVA DA GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE PSÍQUICA DOS EMPREGADOS GESTORES

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado de Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Eduardo Milleo Baracat

CURITIBA

2015

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O ASSÉDIO MORAL SOB A PERSPECTIVA DA GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE PSÍQUICA DOS EMPREGADOS GESTORES

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Direito no Programa de Mestrado de Direito Empresarial e Cidadania do Centro

Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos professores:

_________________________________________________________ Professor Orientador Dr. Eduardo Milléo Baracat - 1º Membro da Banca

_________________________________________________________ Professor Dr. Paulo Ricardo Opuszka - 2º Membro da Banca

_________________________________________________________ Professor Dr. Marco Antônio César Villatore - 3º Membro - externo da Banca

_________________________________________________________ Professor Dr. José Affonso Dallegrave Neto - 4º Membro - convidado

Curitiba, 27 de junho de 2015.

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Aos meus pais, SAMIRA e JOSÉ, porque nosso amor é eterno, transcende.

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AGRADECIMENTOS

Sob as minhas lentes o bem mais precioso que possuímos são as relações que

construímos com as pessoas a nossa volta e com o meio ambiente no qual vivemos.

Nenhum avanço é possível sem o suporte daqueles que participam de nosso

desenvolvimento diário, razão pela qual meus primeiros agradecimentos são

inominados e destinados à família e aos amigos íntimos como um todo.

No que se refere ao trabalho propriamente dito agradeço aos ensinamentos do

meu professor orientador Doutor Eduardo Milléo Baracat, que sempre se mostrou

motivado a instigar meu pensamento, auxiliando na construção do conhecimento.

Manifesto aqui minha sincera admiração pelo seu trabalho no meio acadêmico, em

especial às obras sobre os temas da boa-fé objetiva e da prescrição, as quais utilizo

rotineiramente no exercício da advocacia.

Agradeço também aos Professores Doutor Marco Antônio César Villatore e

Doutor Paulo Ricardo Opuszka com os quais tenho o privilégio de conviver nos

meios acadêmicos desde os tempos da graduação e que em muito contribuíram

para que eu pudesse prosseguir na pesquisa a ser realizada.

Agradeço aos meus amigos e colegas de escritório que me apoiaram nessa

caminhada em busca da realização de um objetivo de crescimento pessoal, com

especial menção à Aline Hartmann Dahle e à Lucia Kelesk, que compartilham das

minhas aflições, destinando-me apoio e muita dedicação.

Manifesto, ainda, minha mais profunda gratidão ao amigo, sócio e professor, Dr.

José Affonso Dallegrave Neto por todo incentivo para a realização do mestrado e do

presente estudo. Registro aqui minha homenagem sincera à forma simples e

solidária de dividir seus profundos conhecimentos com aqueles que com ele

convivem.

Por último, com todo meu amor, agradeço ao companheirismo, carinho e

cuidado do meu porto seguro, melhor amigo e namorado Carlos Henrique Vieira

Tomé.

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“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém, desviamo-nos dele. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da produção veloz, mas nos sentimos encurralados dentro dela. A máquina, que produz em grande escala, tem provocado a escassez. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade; mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura! Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo estará perdido.”

(Charles Chaplin)

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo a verificação da possibilidade ou não de adoecimento do empregado gestor em razão da incidência de práticas de assédio moral. Para realização do trabalho buscou-se analisar o conceito e as características da globalização, bem como seus efeitos, qualificando-os como positivos ou negativos. Na sequência, elaborou-se um resgaste histórico da evolução dos processos de produção, a partir do traspasse do fordismo para o toyotismo e enfrentando, na sequência, as consequências da globalização para as relações laborais. Buscou-se, ainda, inserir esses empregados diferenciados na estrutura de organização do trabalho, compreendendo o papel e a importância de sua atuação. Procedeu-se, ainda, à conceituação e caracterização do assédio moral para poder avaliar a possível vulnerabilidade dos empregados gestores às praticas assediadores. Por último, procedeu-se à análise acerca das doenças mentais e sua possível incidência em relação aos empregados gestores. Palavras-chave: globalização; empregados gestores; assédio moral; fordismo e toyotismo

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ABSTRACT

This study aimed at verifying whether or not illness manager employee because of the incidence of bullying practices. To carry out the work we sought to analyze the concept and characteristics of globalization and its effects, describing them as positive or negative. As a result, it elaborated a historical ransom of changes in production processes, from fordism to run through toyotism and experiencing, following the consequences of globalization for industrial relations. It sought to also enter these different employees in work organization structure, including the role and the importance of their work. The procedure was also the conceptualization and characterization of bullying to assess the potential vulnerability of managers to employees stalkers practices. Finally, we proceeded to the analysis about mental illness and its possible implications in relation to management employees. Keywords: globalization; managers employees; bullying; fordism and toyotism

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SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................... 6

ABSTRACT ................................................................................................................. 7

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO .............................................................................................................. 12

2.1 CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO DA GLOBALIZAÇÃO ......... 12

2.1.1 Conceituação e Caracterização da Globalização: As Diversas Lentes ............ 12

2.1.2 Globalização: Evolução ou Involução? ............................................................. 26

2.2 AS FORMAS DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO ....................................................................................................... 37

2.2.1 Traspasse do Taylorismo e do Fordismo para a Produção Flexível Toyotista . 37

2.2.2 A Continuidade Após o Traspasse: Efeitos (Positivos e Negativos) das Alterações Advindas da Globalização na Estrutura da Organização do Trabalho .... 53

3 O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO DOS EMPREGADOS GESTORES .............................................................................................................. 63

3.1 O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ....................................... 63

3.1.1 Conceito, Características do Assédio Moral na Relação de Emprego ............. 63

3.1.2 Efeitos da Globalização no Conceito de Assédio Moral: Aspectos Interpessoais e Ambientais .............................................................................................................. 75

3.2 EMPREGADOS GESTORES: ASSEDIANTE E/OU ASSEDIADO? .................... 82

3.2.1 Delimitação e Características Legais e Doutrinárias do Empregado Gestor .... 82

3.2.2 As Práticas de Assédio Moral e os Empregados Gestores .............................. 95

4 AS CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL EM RELAÇÃO À SAÚDE PSÍQUICA DOS EMPREGADOS GESTORES ....................................................... 107

4.1 DOENÇAS PSÍQUICAS DECORRENTES DO ASSÉDIO MORAL VIVENCIADO PELO EMPREGADO GESTOR .............................................................................. 107

4.1.1 Doenças do Trabalho: Conceito, Características e Doenças Psíquicas ......... 107

4.1.2 Assédio Moral e o Adoecimento Psíquico do Empregado Gestor .................. 115

4.2 ANÁLISE DE CASOS PRÁTICOS .................................................................... 121

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 125

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 127

SITES CONSULTADOS ......................................................................................... 138

ANEXO I.................................................................................................................. 139

ANEXO II................................................................................................................. 141

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1 INTRODUÇÃO

A maior parte dos estudos voltados à análise de causas, meios e

consequências de assédio moral está centrada na relação de subordinação

existente entre o agente agressor e a vítima ou, ainda, nas práticas voltadas a um

grupo de empregados, quando se trata do chamado assédio moral coletivo (gênero).

O presente trabalho, diversamente dessa linha de abordagem predominante,

investigará em que medida os empregados que exercem funções estratégicas de

gestão, diretamente atreladas à organização e aos resultados da empresa, podem

estar sujeitos às práticas de assédio moral, seja como sujeitos ativos, seja como

vítimas, especificamente sob a influência da globalização. E, ainda, quais as

possíveis consequências para sua saúde psíquica desses trabalhadores.

Partindo do elemento mais amplo, o primeiro objetivo será a compreensão da

globalização, especialmente porque esta não retrata conceitos, tampouco opiniões,

unânimes entre os diversos ramos da ciência, de modo que se buscará traçar uma

dialética entre os vários estudiosos do tema, como sociólogos, filósofos,

economistas, dentre outros, confrontando suas opiniões e conclusões sobre o

referido processo de ordem mundial, especialmente para tentar concluir se

representa uma evolução ou um retrocesso para a ordem econômica e social. O

único aspecto que parece ser uníssono entre todos os estudiosos é a inegável

existência desse fenômeno (que alguns qualificam como pós-moderno) e sua

ingerência nos mais diversos campos da vida humana, especialmente no

econômico.

Ainda, considerando a vasta gama de opiniões sobre o tema, faz-se

pertinente uma avaliação acerca dos efeitos positivos e negativos da globalização

seja de modo geral, seja especificamente no campo das relações laborais.

Para o alcance dos objetivos propostos, far-se-á pertinente a avaliação do

impacto da globalização nas estruturas laborais, buscando identificar se a ligação

entre aquela e as significativas alterações ocorridas nos processos produtivos pode

ter fomentado o desenvolvimento do assédio moral nos ambientes laborais. Para

tanto, importante observar a evolução da organização do trabalho ao longo dos

últimos cem anos, tendo como referencial de partida as teorias propostas por Taylor

e Ford.

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No que se refere à organização do trabalho, delimitou-se o campo de análise

a partir do traspasse dos modelos taylorista e fordista para o sistema flexível de

produção, baseado no toyotismo, para na sequência avaliar essa transição à luz dos

processos de globalização, bem como suas consequências para o mundo do

trabalho. Mais uma vez, mostra-se pertinente traçar uma dialética entre as diversas

opiniões acerca dos efeitos da globalização nas formas de organização do trabalho.

Na sequência, assumem importância a compreensão e a caracterização do

assédio moral, inclusive no que se refere às várias terminologias existentes, e à

identificação de seus meios de manifestação. O assédio moral em seu conceito

clássico pressupõe uma ascendência hierárquica do assediador em relação ao

assediado, sendo esse inclusive o liame que permite àquele agir de forma perversa

em relação a esse, ou seja, está intimamente relacionado à sujeição que orienta as

relações de emprego.

Todavia, os empregados ocupantes de cargos de gestão, via de regra, seriam

aqueles detentores de uma possível autonomia, especialmente para que consigam

atender as demandas que lhe são propostas em relação à equipe de subordinados

ou, ainda, para que posam maximizar a utilização de seus conhecimentos técnicos

nas reengenharias necessárias à melhoria da produtividade.

Surge, portanto, uma aparente zona gris no que tange à questão da relação

vertical de hierarquia e subordinação a qual se pretende tentar elucidar no

desenvolvimento deste trabalho. Relevante esclarecer que a análise jurídica do

empregado gestor estará embasada no direito brasileiro, com destaque para

elementos do direito comparado úteis à assimilação do tema.

Para se tentar esquadrinhar a relação entre as práticas de assédio e os

empregados gestores são necessárias abordagens da psicologia do trabalho,

especialmente no que se refere à compreensão da pressão exercida por este em

relação à identidade (liberdade) dos empregados.

Buscar-se-á, portanto, identificar se aqueles que na maior parte dos estudos

são taxados de assediadores, a exemplo de gerentes, diretores, dentre outros,

podem também ser vítimas de assédio, quando inseridos em uma organização

produtiva com métodos e valores institucionalizados no sentido de se utilizar de

todos os meios, independentemente da ética, para o alcance da produtividade

almejada e consequente obtenção do lucro.

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Por último, após a identificação da problematização envolvendo a exposição

dos empregados ocupantes de cargo de gestão e o assédio moral sob a perspectiva

do mundo globalizado, buscar-se-á analisar seus efeitos em relação à saúde mental

dos trabalhadores, especificamente no que tange ao aparecimento de doenças

psíquicas.

Nesta esteira é possível estabelecer como problema central do estudo o

questionamento acerca de que em que medida o assédio moral sob a perspectiva da

globalização afeta a saúde mental dos empregados gestores?

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2 OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO

“A globalização teve sucesso. Ela suscita mais ódio e hostilidade que o mito do bom e velho imperialismo americano. Apesar de onipresente, ela é intangível: nenhum sinal externo de força, nem símbolos de poder, nem areópago militar. Tutelar, ela é invisível: não há manifestações de seu império, nem decisões a serem aplicadas, nem interpretações para contestar. Ela é uma realidade, a mais sólida das realidades, e não passa de uma ideia. Contradição sem precedentes porque, até o presente momento, as sociedades se rebelavam contra um poder, um embargo, uma classe dominante ou um regime, e nunca contra um conceito.” (Alain Minc1)

2.1 CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO DA GLOBALIZAÇÃO

2.1.1 Conceituação e Caracterização da Globalização: As Diversas Lentes

Para a elucidação da influência da globalização na disseminação das práticas

de assédio moral envolvendo os empregados gestores, ponto central do presente

estudo, faz-se necessária a compreensão do conceito e das características deste

processo2 mundial.

Inicialmente, importante consignar que apesar de se tratar de expressão

comum, não representa conceito uníssono, tampouco de caracterização pacífica

entre os doutrinadores, especialmente porque estudado sob as mais diversas lentes

do direito, da sociologia, da geografia política, da economia, da filosofia, dentre

outros ramos do conhecimento.

1 MINC, 1999, p. 36. 2 A adoção da expressão “processo” para fazer referência à globalização decorre da ideia de uma dinâmica sucessão de atos, Estados e mudanças no contexto mundial.

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Contudo, considerando sua imbricação e a variação de terminologias

existentes para um mesmo processo torna-se relevante agregar ao presente estudo

alguns esclarecimentos sobre a chamada pós-modernidade, antes de se adentrar ao

tema específico da globalização, uma vez que para alguns estudiosos tais

expressões se confundem (MORRISON, 2012, p. 616-617).

Um dos autores que consagrou a expressão pós-modernismo, bastante

difundida (e confundida) na linguagem comum contemporânea, foi o filósofo francês

Jean-François Lyotard3, que em sua obra “A condição pós-moderna” delimita o início

de tal contexto no final dos anos cinquenta, tratando-o como um período pós-

industrial de significativas transformações econômicas e sociais (LYOTARD, 1986, p.

3-5).

Alguns estudiosos, entretanto, não admitem a pós-modernidade como fase

isolada do processo de desenvolvimento histórico, econômico ou social, tratando as

mudanças daquela maneira denominadas por Lyotard, tão somente como uma fase

de implicações da própria modernidade (PITA, 1988, p. 89-90).

David Harvey, geógrafo britânico, que também escreveu uma obra sobre o

mesmo tópico, admite a passagem da modernidade à pós-modernidade na cultura

contemporânea, mas a trata de forma bastante crítica e em oposição às ideias de

Lyotard acima citadas (HARVEY, 2008, p. 105-107).

Em sua obra Harvey convida o leitor a responder ao seguinte

questionamento: “que é esse pós-modernismo de que muitos falam agora?”

(HARVEY, 2008, p. 18). Para encontrar a solução do referido questionamento

Harvey dedica-se à análise dos aspectos culturais (artes, arquitetura, literatura) e

das características do chamado pós-modernismo, concluindo que “há mais

continuidade do que diferença entre a ampla história do modernismo e o movimento

denominado pós-modernismo. Parece-me mais sensível ver este último como um

tipo particular de crise do primeiro” (HARVEY, 2008, p. 111). Acrescenta que essa

crise enfatiza o caráter fragmentário, efêmero e caótico e exprime um ceticismo

intenso diante da intenção moderna de conceber, representar ou exprimir o eterno e

imutável (HARVEY, 2008, p. 111)4.

3 A primeira edição de sua obra “A condição pós-moderna”, na língua francesa, foi editada em 1979. Inicialmente, quando traduzida para o português recebeu o título de “O pós-moderno”. 4 “Uma das condições principais da pós-modernidade é o fato de ninguém poder ou dever discuti-la como condição histórico-geográfica. Com efeito, nunca é fácil elaborar uma avaliação crítica de uma situação avassaladoramente presente. Os termos do debate, da descrição e da representação são

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Por fim, o autor passa a avaliar as efetivas mudanças havidas nos processos

produtivos e na circulação do capital a partir de 1970, identificando duas dimensões

opostas no modernismo e no pós-modernismo, especialmente no que se refere à

passagem do modelo fordista para o sistema flexível de produção (HARVEY, 2008,

p. 307-310), o que será melhor explorado no item “2.2’ abaixo. Todavia, embora

admita dois momentos distintos (modernismo e pós-modernismo), Harvey defende

que cada época tem sua plenitude, especialmente pelo futuro que a seguirá,

incitando mais uma vez o leitor à reflexão das consequências econômicas que viriam

a se concretizar no século XXI (HARVEY, 2008, p. 323-326).

O filósofo polonês Zygmunt Bauman tratou a pós-modernidade como uma

exacerbação da modernidade, distinguindo aquela como a liberdade na busca pelo

prazer e pela felicidade, em detrimento da segurança individual, que prevalecia

nesta última (BAUMAN, 1998, P. 10-11). Para Bauman a sociedade nesse período é

líquido-moderna, onde “as condições sob as quais agem seus membros mudam

num tempo mais curto que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e

rotinas, de formas de agir” (BAUMAN, 2009, p. 7-8).

Para Wayne Morrison a pós-modernidade retrata mudanças radicais

introduzidas na ordem social nos últimos trinta anos5, mas que em verdade é

rotulada não só daquela forma, mas também como “sociedade de mídia, sociedade

do espetáculo, sociedade de consumo, sociedade burocrática do consumo

controlado, sociedade pós-industrial, sociedade globalizada, sociedade do

capitalismo mundial, ordem de informação pós-capitalista (...)” (MORRISON, 2012,

p. 616-617).

No que se refere à exacerbação do consumo como marco dessas mudanças,

merece destaque, a obra “A condição Humana”6, de Hannah Arendt, pois ao tratar

do homem moderno a autora parece prever7, o que tantos estudiosos (como os

com frequência tão circunscritos que parece não haver como escapar de interpretações que não sejam auto- referenciais. É convencional nestes dias, por exemplo, descartar toda sugestão de que a "economia" (como quer que se entenda essa palavra vaga) possa ser determinante da vida cultural, mesmo (como Engels e Althusser sugeriram) "em última instância". O estranho na produção .cultural pós-moderna é o ponto até o qual a mera procura de lucros é determinante em primeira instância.” (HARVEY, 1992, p. 21). 5 A primeira edição da obra de Wayne Morrison na língua inglesa é de 1995, ou seja, o Autor entende que a pós-modernidade e seus sinônimos podem ser identificados a partir da década de 70. 6 Publicada em 1958 (ARENDT, 2014, contracapa). 7 “Diz-se frequentemente que vivemos em uma sociedade de consumidores, e uma vez que, como vimos, o trabalho e o consumo são apenas dois estágios do mesmo processo, imposto ao homem pela necessidade da vida, isso é somente outro modo de dizer que vivemos em uma sociedade de

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consultados no presente trabalho) se dedicariam a estudar intensamente pelo

menos duas décadas mais tarde sob a ótica da globalização ou da chamada pós-

modernidade. Hannah Arendt enxergou, naquela época, os malefícios advindos de

“uma sociedade de consumidores”, na qual a “emancipação do trabalho” tornou o

homem escravo da produção para o alcance de suas necessidades, ao invés de

libertá-lo (ARENDT, 2014, p. 156-159).

O jurista brasileiro Luís Roberto Barroso descreve a pós-modernidade de

maneira simples, mas ao mesmo tempo incisiva, destacando as mudanças sociais,

políticas e econômicas observadas a partir de então:

Planeta Terra. Início do século XXI. Ainda sem contato com outros mundos habitados. Entre luz e sombra, descortina-se a pós-modernidade. O rótulo genérico abriga a mistura de estilos, a descrença do poder absoluto da razão, o desprestígio do Estado. A era da velocidade. A imagem acima do conteúdo. O efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial. Vive-se a angústia do que não pôde ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana, pós-freudiana. (BARROSO, 2006, p. 2)

Assim, mais importante que a delimitação exata entre a existência da

modernidade e da pós-modernidade é a compreensão dessas mudanças havidas

entre o final do século XX e início do século XXI e suas implicações em relação às

estruturas produtivas, razão pela qual o presente subitem terá seu corte vertical na

compreensão do processo de globalização como principal expressão dessas

alterações socioeconômicas e culturais, independentemente da nomenclatura

atribuída à nova realidade, especialmente porque há um consenso entre os

estudiosos acerca de que aquela (a globalização), com variação de facetas, está no

centro dessas transformações.

Quanto ao surgimento da expressão globalização são interessantes as

considerações de Anthony Giddens, sociólogo britânico, em sua obra “Mundo em

Descontrole” (2007) no sentido de que a palavra, que não é atraente, nem elegante,

trabalhadores. Essa sociedade não surgiu em decorrência da emancipação das classes trabalhadoras, mas resultou da emancipação da própria atividade do trabalho, que precedeu em vários séculos a emancipação política dos trabalhadores. A questão não é que, pela primeira vez na história, os trabalhadores tenham sido admitidos com iguais direitos no domínio público, e sim que quase conseguimos reduzir todas as atividades humanas ao denominador comum de assegurar as coisas necessárias à vida e produzi-las em abundância.” (ARENDT, 2014, p. 156-157).

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não era utilizada até o final da década de 1980 e que em um dado momento “surgiu

de lugar nenhum para estar em quase toda parte” (GIDDENS, 2007, p. 18).

O Autor afirma que a globalização estaria associada à ideia de vivermos em

um mundo único, destacando a existência de duas correntes sobre o tema: a dos

céticos, que entendem que não há nada de novo no processo, pois existiram

desencadeamentos semelhantes em torno de uma economia global ao longo da

história (GIDDENS, 2007, p. 18); e a dos radicais, os quais defendem que a

globalização é real e que suas consequências são sentidas em toda parte, bem

como que o mercado global sobrepõe-se às fronteiras e aos próprios líderes

políticos (GIDDENS, 2007, p. 19).

Não acatando nem um olhar, nem outro, Giddens define a globalização como

nova e revolucionária, caracterizando-a como um fenômeno político, econômico,

tecnológico e cultural, exacerbado pela difusão dos meios de comunicação8

(GIDDENS, 2007, p. 20-21).

Para Giddens a comunicação eletrônica não retrata apenas um meio de

transmissão de informações, mas altera a estrutura de vida de todos, tanto ricos,

quanto pobres, razão pela qual a globalização não afeta somente os grandes

sistemas, como a economia mundial, mas sim os aspectos íntimos e pessoais de

casa um, retratando um conjunto complexo de processos (GIDDENS, 2007, p. 22-

23).

Atribuindo igual importância aos meios de comunicação, o sociólogo espanhol

Manuel Castells sustenta que a tecnologia da informação e a reestruturação do

capitalismo produziram uma sociedade em rede, “caracterizada pela globalização

das atividades econômicas, decisivas do ponto de vista estratégico por sua forma de

organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e a

individualização da mão-de-obra” (CASTELLS, 1999, p. 17). O autor, portanto,

denomina a sociedade fruto dos processos de globalização de “sociedade em rede”

e defende que essa está fundada na desconexão sistêmica entre o local e o global

para a maioria dos indivíduos e grupos sociais, diferentes estruturas de tempo e

espaço, entre poder e experiência (CASTELLS, 1999, p. 27)9.

8 Giddens faz questão de esclarecer que os meios de comunicação remontam do final da década de 1960, aparentemente criticando aqueles que ele denomina de céticos em relação à globalização (GIDDENS, 2007, p. 21). 9 Apesar de delimitar como principal característica da sociedade de rede a desconexão entre o local e o global, ressaltando as questões entre tempo e espeço, poder e experiência dos indivíduos, o Autor

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O sociólogo alemão Ulrich Beck, por seu turno, autor de obra específica sobre

o tema (“O que é Globalização”, 199910), afirmou que a globalização “significa a

experiência cotidiana da ação sem fronteiras nas dimensões da economia, da

informação, da ecologia, da técnica, dos conflitos transculturais e da sociedade civil”

apta a uma transformação violenta e que impõe acomodação (aceitação) a todos

(BECK, 1999, p. 47). O autor entende que a globalização retrata de um processo

irreversível, fruto dos riscos distributivos da modernização e característicos das

sociedades de risco (BECK, 2011, p. 43).

Interessante destacar que para Ulrich Beck a “tendência imanente à

globalização” decorrente da lógica distributiva dos riscos da modernização altera o

sistema tradicional de compreensão de divisão de classes (fazendo referência à

teoria marxista) do capitalismo, asseverando que esse passa a funcionar sem

classes, mas com os mesmos problemas de estrutura e desigualdade social (BECK,

2011, p. 106-115).

Além do caráter multifacetado da globalização, os pensamentos de Anthony

Giddens (2007, p. 13-16) e Ulrich Beck (2011, p. 106-115) são semelhantes quanto

às profundas alterações da sociedade advindas com o processo de globalização

(tradições, família, democracia), sendo que ambos identificam riscos significativos

para o novo contexto vivenciado pelos cidadãos, especialmente no que tange às

alterações dos processos produtivos.

O geógrafo Milton Santos, um dos grandes estudiosos do tema, com ênfase

ao cenário brasileiro, introduz sua obra “Por uma outra Globalização” (2012) com

uma afirmação paradoxal de que “vivemos num mundo confuso e confusamente

percebido” (SANTOS, 2012, p. 17) e instiga seus leitores à busca de explicações

para a “torre de babel em que vive a nossa era globalizada” (SANTOS, 2012, p. 17),

asseverando que o processo de globalização retrata uma crise estrutural (SANTOS,

2012, p.35).

Para o referido autor a globalização é “o ápice do processo de

internacionalização do mundo capitalista” (SANTOS, 2012, p. 23) que deve ser

entendida de acordo com dois elementos, sendo o primeiro o estado das técnicas,

atrelado ao desenvolvimento dos sistemas de informação, especialmente no fim do

acredita, de forma otimista, que atualmente esse contexto estaria levando os cidadãos à reconstrução da identidade comum, inicialmente dispersa nesse processo de significativas transformações (CASTELLS, 1999, p. 27-29). 10 A edição original foi publicada na Alemanha em 1997

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18

século XX; e o estado da política, tratado como resultado das ações e processos

políticos que levaram a um mercado global (SANTOS, 2012, p. 24-25).

A crise estrutural, no olhar de Milton Santos traz a uma dialética entre a

globalização “fábula” e a globalização “como perversidade”, sendo esta o fruto da

aceleração desenfreada de ações hegemônicas de caráter competitivo, as quais

acentuam o desemprego, a pobreza e não melhoram a qualidade de vida dos

cidadãos (SANTOS, 2012, p. 18-19). Já aquela estaria associada aos aspectos

positivos do processo como a difusão da informação, a acessibilidade das fronteiras,

a flexibilização dos Estados em busca de uma hegemonia, dentre outros (SANTOS,

2012, p. 19-20). Todavia, apesar de seu olhar crítico negativo, o geografo Milton

Santos acredita na possibilidade de construção de uma “outra globalização”, de

caráter humano, onde exista uma uniformidade voltada à redução das

desigualdades e a utilização das técnicas de informação e política em prol do efetivo

bem-estar mundial (SANTOS, 2012, p. 20-21).

As lições de Milton Santos sobre o lado perverso da globalização serão úteis

também para uma melhor compreensão das alterações nas estruturas produtivas na

sequência do presente estudo.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman aduz, em obra específica sobre o

tema, que a globalização é a “nova desordem mundial” e afirma que a significação

mais profunda transmitida por aquela “é o do caráter indeterminado, indisciplinado e

de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de

controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo”, tratando-a como

uma oposição à universalidade oriunda dos discursos modernos (BAUMAN, 1999, p.

65).

Ao tratar da sociedade globalizada, ainda, Zygmunt Bauman (2011, p. 228-

260) invoca algumas lições pretéritas de Kant e Hiedegger, destacando que ambos

já previam a problematização decorrente do avanço de fronteiras. Para adjetivar as

movimentações de uma nação para outra, da ampliação das fronteiras, o autor

invoca os conceitos de Hiedegger entendendo que a questão permanece em uma

zona cinzenta e nublada de zuhanden11, enquanto se esperava que evoluísse para a

esfera da vorhaden12 (BAUMAN, 2011, p. 228-229).

11 Aquilo que está na direção das mãos. 12 Aquilo que está à mão, disponível.

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19

Já no que tange às lições de Kant, Bauman resgatou a ideia de que o filósofo

defendia que o planeta é uma esfera onde todos se movimentam, estando

“condenados” ao relacionamento com seus vizinhos, com o outro. Kant defendeu

uma ideia de cidadania mundial, a qual certamente veio a tomar significativa

proporção nos últimos trinta ou quarenta anos. Kant defendia que cultura da

“hospitalidade” era importante à cidadania mundial, uma espécie de ética (BAUMAN,

2011, p. 229-230).

Slavoj Žižek13, por sua vez, atribui significativa importância aos aspectos

econômicos da globalização e define a transformação advinda com o capitalismo

global (ou pós-moderno) e pós-68 como uma “mudança do modo hegemônico de

interpelação ideológica”, a qual se impõe pela economia, pela lógica do mercado e

da concorrência e afeta a educação, as estruturas e a legitimação do poder e até

mesmo a formação das relações emocionais (ŽIŽEK, 2011, p. 10-11).

O sociólogo Jean Baudrillard tratou as mudanças ocorridas na segunda

metade do século XX em sua obra “Sociedade de consumo” (2011) pontuando que

“a era do consumo, em virtude de construir o remate histórico de todo o processo de

produtividade acelerada sob o signo do capital, surge igualmente como a era da

alienação radical” e afirma que a lógica incitada pelas mercadorias regula não só os

processos produtivos, mas uma cultura inteira, inclusive a sexualidade e as relações

humanas interpessoais (BAUDRILLARD, 2011, p. 261). O autor entende que a

sociedade do consumo não seria apenas manipulada pelo lucro, mas principalmente

pelo sentido de que tudo é “espectacularizado”, ou seja, desenvolvido em torno de

imagens, signos e modelos consumíveis (BAUDRILLARD, 2011, p. 261).

Baudrillard entende que o consumo exacerbado seria a principal característica

e também consequência do processo de globalização, mas o trata (consumo)

especificamente sob o ponto de vista do excesso da informação, do forcing14

publicitário e tecnológico, da mídia, do deslumbramento e até mesmo do pânico

causado pelo mundo virtual (BAUDRILLARD, 2005, 57-61). Essa conceituação da

globalização relacionada ao consumo e ao chamado mundo virtual é tratada de

forma bastante prática na coleção de textos do autor reunidos na obra “Tela-total:

mito-ironias do virtual e da imagem” (BAUDRILLARD, 2005), na qual fica nítido o

13 O autor defende uma dialética entre o velho e o novo para que se construam novos termos para compreensão da sociedade pós-moderna sob as lentes do comunismo (ŽIŽEK, 2011, p. 19). 14 A tradução literal da palavra forcing seria forçando, mas a expressão dever ser traduzida como força.

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20

impacto da aceleração da informação, da propagação das mídias e da volatilidade

do capital na esfera individual dos cidadãos do mundo, bem como nas estruturas

produtivas das quais esses cidadãos estão inseridos.

Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, autores da obra “A cultura-mundo” (2011)

afirmam que essa está associada à globalização e deve ser vista como o “estado da

cultura que acompanha a hipermodernidade”. Para os autores essa cultura15 da

hipermodernidade é pós-revolucionária e hipercapitalista, decorrente dos objetivos

de racionalização, mercantilização e globalização da modernidade (LIPOVETSKY e

SERROY, 2011, p. 13-14). Os autores defendem a ideia de que a modernidade

(hiper) já está em novo ciclo de uma cultura-mundo de tecnocapitalismo planetário,

de indústrias culturais, de consumismo total, de mídias e das redes digitais

(LIPOVETSKY e SERROY, 2011, p. 13-14), que tem despertado uma nova

consciência nos indivíduos apta a educar e socializar os homens, fornecendo-lhes a

possibilidade de mudar de vida (LIPOVETSKY e SERROY, 2011, p. 197-198).

Em obra posterior, em que dialoga com Hervé Juvin, Gilles Lipovetsky define

os tempos atuais como uma “segunda etapa da globalização” esclarecendo que a

tendência à unificação do mundo já não é um fenômeno recente, mas também não

retrata uma realidade acabada, representando uma inegável “transformação de

ordem geral e profunda, tanto no que diz respeito à organização quanto no que diz

respeito à percepção do nosso universo” (LIPOVETSKY , 2012, p. 1).

A época em que vivemos caracteriza-se por uma onda poderosa e irresistível de unificação do mundo. Aquilo que em outros lugares se denomina globalização, é conhecido, na França, pelo termo mundialização. Trata-se de uma formidável dinâmica, que coincide com a conjunção de fenômenos econômicos (abertura de mercado, num contexto de capitalismo em escala planetária), inovações tecnológicas (as novas tecnologias da informação e da comunicação em geral) e reviravoltas geopolíticas (implosão do império soviético). (LIPOVETSKY, 2012, p. 1)

Na sequência, Lipovetsky (2012, p. 1-2) afirma que a globalização

contemporânea ou hipermoderna não se constitui mais apenas em um conjunto de

15 Pertinente aqui a simples definição de cultura de Boaventura de Sousa Santos no sentido de que “é um processo social construído sobre a interceptação entre o universal e o particular” e que poderia ser tratada de forma bem simples como “a luta contra a uniformidade” (SOUSA SANTOS, 2011, p. 47).

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21

realidades geopolíticas ou técnico-comerciais, mas também em manifestação

sociocultural.

Nesse sentido é o pensamento do seu debatedor Hervé Juvin (JUVIN, 2012,

p. 69) que defende que o que a globalização pretende ser em seu meio mais

essencial é uma cultura, pois é desta que tudo se absorve e nesta que está o

fundamento de tudo. Hervé Juvin acredita que a cultura será inclusive o meio pelo

qual será resolvida a crise advinda dos tempos globalizados (JUVIN, 2012, p. 69-

70).

A expressão mundialização, citada por LIPOVETSKY na transcrição acima, foi

a escolha do economista francês François Chesnais (1996) para intitular sua obra

sobre as profundas transformações ocorridas no final do século XX. Em a

“Mundialização do capital” Fraçois Chesnais afirma que a expressão global difundiu-

se no começo dos anos 80 nas faculdades de administração e negócios americanas

e que foi popularizada pelos consultores de marketing e estratégia que frequentaram

tais escolas (CHESNAIS, 1996, p. 23). De acordo com o autor as expressões

mundialização, globalização, etc. não são neutras, mas sim envoltas de variadas e

significativas conotações, razão pela qual assumem papel significativo no cotidiano

político-econômico (CHESNAIS, 1996, p. 24).

“O termo de origem francesa ‘mundialização’ (mondialisation) encontrou

dificuldades para se impor”, embora tenha, segundo o autor, o efeito de reduzir a

falta de nitidez conceitual da expressão “global”, da qual deriva “globalização”

(CHESNAIS, 1996, p. 24). Para Chesnais a “mundialização” retrata o processo de

internacionalização e valorização do capital, acentuando os processos de destruição

e exclusão (CHESNAIS, 1996, p. 24-25), ou seja, o autor entende que a

globalização se dá especialmente com características econômicas, voltadas à livre

(e inconsequente, do ponto de vista social) circulação do capital.

Octavio Ianni define a sociedade global como a articulação de relações,

processos, estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais, destacando que

essa é a características das sociedades contemporâneas, ainda que caminhem em

sentido desigual ou contraditório (IANNI, 1999, p. 39). O autor entende que a

sociedade global traduz um mundo capitalista, multipolarizado, impregnado de

experimentos socialistas (IANNI, 1999, p. 35) e fundamenta seu entendimento no

sentido de que as mudanças experimentadas no século XX não podem ser

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22

explicadas isoladamente pelas noções clássicas da dialética entre o capitalismo e o

socialismo (IANNI, 1999, p. 39-41).

Em outra obra sobre o tema, Octavio Ianni, afirma que na sociedade global

desenvolvem-se muitas diversidades e desigualdades (IANNI, 1996, p. 7) e dá

ênfase, na mesma linha do acima exposto, à ideia de que a globalização “expressa

um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo

civilizatório de alcance mundial” (IANNI, 1996, p. 711).

Boaventura de Sousa Santos define16 a globalização como “o processo pelo

qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo

e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social

ou entidade rival” (SOUSA SANTOS, 1997, p. 14) e a caracteriza como um

“fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais,

religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo” (SOUSA SANTOS, 2011, p.

26), defendendo que a atenção que deve ser dada às facetas social, política e

cultural é tão importante quanto à importância do aspecto econômico, tido como

principal em muitos debates sobre o tema (SOUSA SANTOS, 2011, p. 27).

Assim como Gilles Lipovetsky (2012, p. 1), Boaventura de Sousa Santos,

também entende que a globalização evoluiu para outra dimensão nas últimas três

décadas (o autor utiliza a expressão globalização contemporânea), diversa daquela

tradicional vista como homogeneização e uniformização, pois o crescimento da

eliminação de fronteiras nacionais passou a caminhar ao lado do particularismo, da

diversidade local, da identidade étnica e do comunitarismo (SOUSA SANTOS, 2011,

P. 26). Para Boaventura de Sousa Santos, embora hoje fragilizadas, o marco inicial

dessa globalização contemporânea está nas diretrizes neoliberais implantadas a

16 Referida definição é introduzida pelas considerações do autor de que “(...) A globalização é muito difícil de definir. Muitas definições centram-se na economia, ou seja, na nova economia mundial que emergiu nas últimas duas décadas como consequência da intensificação vertiginosa da transnacionalização da produção de bens e serviços e dos mercados financeiros – um processo através do qual as empresas multinacionais ascenderam a uma preeminência sem precedentes como atores internacionais. Para os meus objetivos analíticos, privilegio, no entanto, uma definição de globalização mais sensível as dimensões sociais, políticas e culturais. Aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de fato, conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes conjuntos de relações sociais dão origem a diferentes fenômenos de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma entidade única chamada globalização; existem, em vez disso, globalizações; em rigor, este termo só deveria ser usado no plural. Qualquer conceito mais abrangente deve ser de tipo processual e não substantivo. Por outro lado, enquanto feixes de relações sociais, as globalizações envolvem conflitos e, por isso, vencedores e vencidos. Frequentemente, o discurso sobre globalização é a história dos vencedores contada pelos próprios. Na verdade, a vitória é aparentemente tão absoluta que os derrotados acabam por desaparecer totalmente de cena.” (SOUSA SANTOS, 1997, p. 14)

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23

partir do Consenso de Washington17 ou “consenso neoliberal” (SOUSA SANTOS,

2011, p. 27).

A distinção de características (dimensões) do processo de globalização não

pode, entretanto, ser compreendida como um reconhecimento de que se trata de um

processo consensual e linear, pois na verdade se trata de um campo significativo de

conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemônicos (SOUSA SANTOS,

2011, p. 27). Daí a importância de se reconhecer as diferenças entre a fase pretérita

da globalização e os processos contemporâneos desta, pois as rivalidades

imperialistas entre países hegemônicos que causaram guerras na primeira metade

do século XX chegam ao início do século XXI, onde se desenvolvem a

interdependência, a cooperação e a integração regional entre essas grandes

potências.

Quanto às características da globalização são interessantes as distinções

trazidas por Boaventura de Sousa Santos para cada aspecto (faceta) desse

processo. No que se refere à faceta econômica da globalização, o autor afirma ser

sustentada pelo consenso econômico neoliberal, com destaque para as três

principais inovações institucionais, quais sejam, as “restrições drásticas à regulação

estatal da economia;” os “novos direitos de propriedade internacional para

investidores estrangeiros, inventores e criadores de inovações susceptíveis de

17 “O termo Consenso de Washington tem origem num conjunto de regras básicas, identificadas pelo economista John Williamson em 1990, baseadas no pensamento político e opiniões que ele acreditava reunirem consenso amplo naquela época. O conjunto de medidas incluía: 1) disciplina fiscal; 2) redução dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) determinação de juros pelo mercado; 5) câmbio dependente igualmente do mercado; 6) liberalização do comércio; 7) eliminação de restrições para o investimento estrangeiro direto; 8) privatização das empresas estatais; 9) desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e do trabalho); 10) respeito e acesso regulamentado à propriedade intelectual. A referência a “consenso” significou que esta lista foi baseada num conjunto de ideias partilhadas, na época, pelos círculos de poder de Washington, incluindo o Congresso e a Administração dos Estados Unidos da América (Tesouro e Federal Reserve Bank), por um lado, e instituições internacionais com sede em Washington, tais como o FMI e o Banco Mundial, por outro, apoiados por uma série de grupos de reflexão e economistas influentes. O termo Consenso de Washington tem origem num conjunto de regras básicas, identificadas pelo economista John Williamson em 1990, baseadas no pensamento político e opiniões que ele acreditava reunirem consenso amplo naquela época. O conjunto de medidas incluía: 1) disciplina fiscal; 2) redução dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) determinação de juros pelo mercado; 5) câmbio dependente igualmente do mercado; 6) liberalização do comércio; 7) eliminação de restrições para o investimento estrangeiro direto; 8) privatização das empresas estatais; 9) desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e do trabalho); 10) respeito e acesso regulamentado à propriedade intelectual. A referência a “consenso” significou que esta lista foi baseada num conjunto de ideias partilhadas, na época, pelos círculos de poder de Washington, incluindo o Congresso e a Administração dos Estados Unidos da América (Tesouro e Federal Reserve Bank), por um lado, e instituições internacionais com sede em Washington, tais como o FMI e o Banco Mundial, por outro, apoiados por uma série de grupos de reflexão e economistas influentes.” (LOPES, 2011, p. 3-5)

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serem objeto de propriedade intelectual” e a “subordinação dos Estados nacionais

às agências multilaterais”, citando o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional

(FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) (SOUSA SANTOS, 2011, p. 29-

31).

Já no que se refere ao caráter social, Boaventura de Sousa Santos entende

que o processo de globalização, envolto pelo neoliberalismo da faceta econômica,

não só alterou o sistema tradicional de divisão em classes, na linha dos

ensinamentos já citados acima de Ulrich Beck, mas acentuou significativamente as

desigualdades e a pobreza (SOUSA SANTOS, 2011, p. 32-35).

Quando da análise dos aspectos políticos relacionados à globalização, da

mesma forma que Giddens (2007, p. 18), Boaventura de Sousa Santos explicita a

existência de posicionamentos doutrinários e marcos pretéritos que denotam o

processo global ao longo da história (SOUSA SANTOS, 2011, p. 36), mas delimita

que em seu caráter contemporâneo, especificamente a partir do Consenso de

Washington, a globalização é diversa dos processos de transnacionalização

anteriores no que tange aos aspectos políticos. Essa distinção refere-se ao fato de

que os aspectos atuais da globalização política, em tempos de neoliberalismo e

desregulamentação estatal, demandam a imposição de uma em escala mundial de

um ajustamento estrutural, bem como ameaça a soberania dos países

economicamente menos favorecidos (SOUSA SANTOS, 2011, p. 37). Também no

campo político, o autor destaca a importância e o poder advindos do controle dos

meios de comunicação, o enfraquecimento dos Estados, bem como os aspectos

atinentes à democracia liberal18 e até mesmo ao campo judicial19 (SOUSA SANTOS,

2011, p. 42-43).

Quanto à globalização cultural, Boaventura de Sousa Santos trata da

influência dos meios de comunicação eletrônicos, na mesma linha das ideias

GIDDENS (2007), CASTELLS (1999), BAUDRILLARD (2005 e 2011) admitindo a

criação de “universos simbólicos transacionais, ‘comunidades de sentimento’,

identidades prospectivas, partilhas de gestos, prazeres e aspirações” por força da

18 Boaventura de Sousa Santos entende que a imposição hegemônica da democracia liberal em países distintos acarreta sérios problemas, especialmente pelo fato de que envolve não só liberdade política, mas também liberdade econômica (SOUSA SANTOS, 2011, p. 42-43). 19 “Nos termos do Consenso de Washignton, a responsabilidade central do Estado consiste em criar o quadro legal e dar condições de efectivo funcionamento às instituições jurídicas e judiciais que tornarão possível o fluir rotineiro das infinitas interacções entre os cidadãos, os agentes econômicos e o próprio Estado.” (SOUSA SANTOS, 2011, p. 43).

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inserção da informação eletrônica como instrumento de homogeneidade (SOUSA

SANTOS, 2011, p. 47-48).

De extremo valor a dupla noção de cultura trazida por Boaventura Sousa

Santos para os tempos globalizados contemporâneos, pois o autor trata tanto da

cultura que se opõe e surge como alternativa à imposição de uniformização (uma

visão otimista como a de JUVIN, 2012 e LIPOVETSKY e SERROY, 2011), bem

como da cultura seletiva do consenso neoliberal, para o qual só há valor naquela

quando transformada em mercadoria.

Após tratar das facetas da globalização, Boaventura de Sousa Santos traça

um comparativo acerca das formas de globalização, destacando que aquilo que

habitualmente assim denominamos reflete conjuntos diferenciados de relações

sociais e, portanto, encerram diferentes fenômenos de globalização (SOUSA

SANTOS, 2011, p. 55). Nesta esteira, o autor traça um quadro comparativo20

definindo três tipos de constelações práticas que interagem no desenvolvimento do

processo de globalização:

O sistema mundial em transição é constituído por três constelações práticas e colectivas: a constelação de práticas interestatais, a constelação de práticas capitalistas globais e a constelação de práticas sociais e culturais transnacionais. As práticas interestatais correspondem ao papel dos Estados no sistema mundial moderno enquanto protagonistas da divisão internacional do trabalho no seio do qual se estabelece a hierarquia entre centro, periferia e semiperiferia. As práticas capitalistas globais são as práticas dos agentes económicos cuja unidade espacio-temporal de actuação real ou potencial é o planeta. As práticas sociais e culturais transnacionais são os fluxos transfronteiriços de pessoas e de culturas, de informação e de comunicação. (SOUSA SANTOS, 2011, p. 57-58)

Quanto aos processos propriamente ditos o autor reconhece a existência de

quatro formas de globalização, sendo as duas primeiras hegemônicas e as duas

últimas contra hegemônicas (SOUSA SANTOS, 2011, p. 72-74), definindo-as nos

seguintes termos: a) “localismo globalizado”, que retrata o processo de globalização

de um fenômeno local; b) “globalismo localizado”, explicado como o impacto nas

condições locais produzidas pelo localismo globalizado; c) “cosmopolitismo”, sendo

o movimento de resistência dos Estados, classes, regiões, e grupos sociais em

20 Anexo I

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26

relação às desigualdades advindas das duas formas anteriores; e d) “patrimônio da

humanidade”, retratada pelas lutas transnacionais pela proteção de recursos,

ambientes, entidades que assegurem o desenvolvimento digno e sustentável da

humanidade (SOUSA SANTOS, 2011, p. 65-71).

Considerando os diversos conceitos e as características da globalização ora

analisados, é possível delimitá-la sucintamente como o conjunto de processos de

profundas transformações econômicas, sociais, políticas e culturais ocorridas a partir

do final da segunda metade do século XX, impulsionadas principalmente pela livre

circulação do capital e pelas tecnologias da informação, mas com reflexos

significativos em todas as dimensões da sociedade.

2.1.2 Globalização: Evolução ou Involução?

Além da compreensão do conceito e características da globalização,

demonstra-se relevante ao presente estudo a análise dos efeitos gerais desse

conjunto de processos. Nessa seara surge um instigante questionamento: a

globalização, nos moldes em que se desenvolveu, represente uma evolução ou uma

involução?

A resposta ao referido questionamento não é simples, pois como um conjunto

de processos que atinge as mais variadas esferas de sociedade, por certo que a

globalização acontece tanto com aspectos negativos, quanto positivos. O grau de

dificuldade da investigação proposta está justamente na percepção da prevalência

de uma carga (positiva ou negativa) sobre a outra.

Hervé Juvin em debate com Gilles Lipovetsky assim se posicionou ao ser

perguntado sobre a sua visão da cultura-mundo (globalização):

Pessimismo? Otimismo? Não compartilho o otimismo pela instauração da cultura-mundo ou sobre essa globalização do modelo ocidental, que por ser uma realidade, prenunciaria as piores catástrofes. Com convicção e mesmo com entusiasmo, Gilles Lipovetsky parece ter caído na armadilha: realiza-se, por fim, o sonho mítico de uma humanidade reconciliada, pelo milagre das máquinas que comunicam a longas distâncias, da panóplia tecnológica e dos direitos humanos. (JUVIN, 2012, p. 69-70)

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27

Para Pedro Hespanha a globalização acentua a situação de incerteza e de

risco21 das sociedades contemporâneas, defendendo que não há somente a

crescente interdependência entre as sociedades nacionais, mas também um

significativo afastamento entre sociedade e Estado, deteriorando-se o lugar das

formas de atividade social e econômica no quadro dos Estados-nações

(HESPANHA, 2011, p. 164). Afirma, ainda, o autor que as disparidades sociais não

foram criadas pela globalização, mas que essa “pode ser responsabilizada por

amplificar as desigualdades geradas pelo próprio sistema capitalista em vez de

promover sua redução.” (HESPANHA, 2011, p. 164). Destaca o autor que no tange

às alterações das estruturas produtivas, os processos globais acentuaram o

desemprego e geraram postos de trabalho com baixa remuneração e expostos à

precariedade de condições (HESPANHA, 2011, p. 170-171).

Em estudo sobre o mesmo tema (risco social), Graça Carapinheiro conclui

que a globalização acentua o risco social22 tanto em aspectos econômicos,

familiares e relacionados à organização de trabalho (CARAPINHEIRO, 2011, p. 223-

224).

O filósofo polonês Zygmunt Bauman introduziu sua obra específica sobre o

tema de forma a retratar que a despeito do caráter dúbio acerca dos benefícios (ou

malefícios) da globalização, trata-se de uma imposição para todos:

A “globalização” está na ordem do dia; uma palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presentes e futuros. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo “globalizados” — e isso significa basicamente o mesmo para todos. (BAUMAN, 1999, p. 7)

Interessante destacar que Bauman entende a globalização como processo

irreversível, ideia antagônica às teorias do “cosmopolitismo” e do “patrimônio da

21 Pedro Hespanha invoca as lições de Ulrich Beck quando trata da sociedade de risco (HESPANHA, 2011, p. 161-162). 22 A autora também invoca as lições de Ulrich Beck já abordada neste estudo (CARAPINHEIRO, 2011, 199).

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28

humanidade” admitidas por Boaventura de Sousa Santos como movimentos contra

hegemônicos (SOUSA SANTOS, 2011, p. 65-71). Outro aspecto interessante em

que ambos os autores não convergem refere-se à afirmação de Bauman de que

globalização seria a mesma para todos, pois Boaventura de Sousa Santos entende

que a globalização terá diferentes efeitos de acordo com os envolvidos (SOUSA

SANTOS, 2011, p. 57-58).

Octavio Ianni conclui a sua obra “Sociedade global” demonstrando uma visão

realista acerca de seus malefícios, assim considerando-os a desigualdade, a

contradição, o enfraquecimento da democracia, a alienação dos indivíduos, mas

otimista quanto às possíveis interpretações dos dilemas da sociedade global (novas

possibilidades de realização da história e da razão) e, principalmente, com o fato de

que o universal e o singular quando conjugados dão mais espaço não só ao

indivíduo e à sociedade, mas também aos grupos e classes, as etnias e minorias,

aos movimentos sociais, aos partidos políticos, a opinião pública, à ideologia e à

utopia (IANII, 1999, p. 181-182).

Em outra obra sobre o mesmo tema o autor afirma que “o globalismo envolve

um desenvolvimento novo e surpreendente do objeto das circunstâncias sociais,

desde a geografia à demografia, desde a história à economia política”, ressaltando

os aspectos positivos da globalização (IANNI, 1996, p. 271).

Para Octiavio Ianni o capitalismo sempre foi um modo de produção

internacional, defendendo que desde o século XVI, teve seus centros dinâmicos e

dominantes na Holanda, Inglaterra, França, Alemanha, nos Estados Unidos, Japão e

outras nações, mas sempre ultrapassou fronteiras de todos os tipos. Em sua marcha

pela história e geografia mundiais o capitalismo influenciou os processos de

acumulação originária, o mercantilismo, o colonialismo, o imperialismo, o

multicolonialismo, o transnacionalismo e o globalismo (IANNI, 2007, 171). Invocando

as ideias de Karl Marx, o autor explicita seu entendimento de que o método e os

meios de produção, bem como a divisão do trabalho, são constantemente alterados

e que isso empurra o capitalismo a superar seus limites e se redesenhar (IANNI,

2007, p. 173-174).

O desenvolvimento intensivo e extensivo, de forma progressiva e

avassaladora desse modo capitalista de produção implicou nos processos de

centralização e acumulação do capital. Essa “dinâmica de reprodução ampliada

realiza-se pela contínua concentração, ou reinversão do excedente, isto é, da mais-

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29

valia, e pela contínua centralização, ou absorção de outros capitais pelo mais ativo,

forte ou inovador”. Essa repetição propiciou que o capitalismo se expandisse para as

mais diversas nações e nacionalidades, culturas e civilizações e acentuado o

resultado da concentração e centralização, fez-se sua globalização (IANNI, 2007, p.

178).

A globalização do capitalismo teve papel decisivo na desagregação do bloco

soviético e no fim da guerra fria, encontrando seu terreno mais fértil a partir de

reunificação da Alemanha e reativação dos movimentos das forças produtivas e das

trocas em âmbito mundial, de modo que se pode afirmar que o “amplo debate sobre

a ‘globalização’ da vida econômica significa principalmente a universalização do

capitalismo” (IANNI, 2007, p. 183-184). A partir desse momento em que o

capitalismo se torna concretamente global inicia-se uma profunda transformação na

organização social do trabalho, na produção e na vida dos indivíduos, mas o

globalismo não anula a interpendência e o imperialismo, mas reforça essas

dimensões histórias e geográficas, dando-lhes outra conotação.

A interdependência e o imperialismo não são mais apenas a relação entre

nações dominantes industrializadas e nações periféricas, dependentes, mas passam

a se embasar na nova divisão de trabalho, na transnacionalização, nas técnicas

eletrônicas, passando as corporações transnacionais (acumuladoras e

multiplicadoras do capital) a terem papel tão importante quanto (ou mais) que os

próprios Estados nacionais (figuras únicas do imperialismo e da interdependência

até então) (IANNI, 2007, p. 183-186).

Multinacionais ou transnacionais podem ser entendidas como sinônimo para

François Chesnais (1996, p. 72) e são aquelas empresas ou grupos que extrapolam

os limites geográficos da sua matriz para se expandir em diversos países.

Inicialmente a expressão multinacional estava associada à ideia de matriz e filiais,

mas atualmente essa hierarquia foi superada, pois para atingir o objetivo principal

que é acima de tudo o lucro, os grupos empresariais, através da evolução da

tecnologia, constituem-se em redes horizontais pelo mundo, assumindo as filiais as

características próprias que integram o processo produtivo global (CHESNAIS, 1996,

p. 72-109).

Na era do globalismo é reconhecida a importância das organizações

multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário

Internacional (FMI), e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outras,

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30

passando a influenciar tanto os Estados nacionais, quanto as corporações

transnacionais. Outra característica bastante marcante dessa fase globalizada é a

transformação dos países até então socialistas em fronteiras significativas de

expansão do capital. Em larga medida, desenvolvem-se políticas de modernização,

racionalização, desestatização, liberalizações e desregulamentação, passando as

organizações multilaterais e as corporações transnacionais a invocar tais processos

no intuito de aperfeiçoar e dinamizar a produtividade e a lucratividade. Nesse

cenário desenvolvem-se a ciência e a técnica, aperfeiçoam-se a automação, a

robótica, a informática e a microeletrônica, aspectos positivos e evolutivos da

globalização (IANNI, 2007, 192-195).

Ocorre, contudo, que o desenvolvimento da técnica e da ciência não reduz,

tampouco extingue, as desigualdades sociais. “Ao contrário, em geral, preservam,

recriam ou aprofundam as desigualdades”, enfatizando-se conceitos como

“desemprego estrutural”, “subclasse” e “Quarto Mundo”, segundo Octavio Ianni

(2007, p. 195), denotando os aspectos negativos de toda essa evolução do

capitalismo no final do século XX.

O sociólogo Carlos Eduardo Martins entende que a globalização não retrata o

aperfeiçoamento (“longa continuidade”) de um processo histórico do capitalismo em

desenvolvimento, como defende Octavio Ianni, mas sim naquela como um marco de

ruptura, que “impulsiona a lei do valor ao seu limite e sinaliza na direção de uma

crise de produção de mais-valia, vinculada à dissolução do trabalho assalariado, que

prenuncia a derrubada do modo de produção capitalista” tradicional (MARTINS,

2011, p. 35)23.

O economista Jagdish Bhagwati, autor da obra “Em defesa da globalização”,

afirma que existe uma suposição endêmica de que “o capitalismo prosperou e a

globalização cresceu, enquanto boa parte dos males sociais piorou, levando em que

os primeiros dois fenômenos foram causa do terceiro!” (BHAGWATI, 2004, p. 33).

Logo, para sua defesa é necessário enfrentar os temores de que por ser

economicamente benéfica, a globalização também seja socialmente maléfica. Para

Jagdish Bhagwati aqueles que criticam a globalização deveriam ocupar-se de

23 “Propomos aqui compreender a globalização como um processo revolucionário que confronta o modo de produção capitalista e sua superestrutura jurídico-política e ideológica com uma nova estrutura de forças produtivas que ele não pode absorver integralmente. Ela designa um processo de transição de dimensões civilizacionais que exaure o limite da existência capitalista e exige, para se efetivar, a construção das bases de uma civilização paritária.” (MARTINS, 2011, p. 113).

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31

amenizar seus eventuais efeitos não tão positivos ao invés de tentar emperrar seu

desenvolvimento, o que seria possível sob três frentes de atuação, quais sejam: lidar

com os possíveis efeitos adversos; acelerar o ritmo das mudanças sociais; e

estabelecer uma velocidade ideal das mudanças políticas na condução do processo

de globalização (BHAGWATI, 2004, p. 35).

Quanto aos possíveis riscos adversos o autor traz dois exemplos para tentar

demonstrar que existem soluções para amenizar ou eliminar tais consequências. O

primeiro caso refere-se aos danos ambientais decorrentes da instalação de fazendas

de criação de camarão na costa da Índia e outros países, no qual o autor traz como

solução que se indenize as famílias de pescadores já prejudicadas e que se institua

um imposto pela poluição. O segundo exemplo é o da abertura do comercio de um

país como causa de desemprego, entendendo o autor que a criação de uma

assistência aos trabalhadores durante esse período seria a solução do risco advindo

da globalização (BHAGWATI, 2004, p. 36).

No que se refere à aceleração das mudanças sociais o autor entende que

devem ser tomadas medidas para o efetivo cumprimento das pautas sociais pelos

Estados e organizações multilaterais, citando como exemplo que o crescimento

econômico reduz o trabalho infantil e que caberia aos órgãos políticos e multilaterais

cuidar de erradicá-lo, portanto (BHAGWATI, 2004, p. 37).

A terceira forma de amenizar os eventuais efeitos negativos da globalização é

a atenção à velocidade com a qual essa é orquestrada, ou seja, evitando-se rupturas

políticas de ordem significativa e desestruturada, como houve na Rússia, por

exemplo (BHAGWATI, 2004, p. 37-38).

O jurista Ingo Wolfgang Sarlet trata aquilo que o economista indiano entende

serem possíveis soluções aos efeitos negativos da globalização, não como uma

medida a posteriori, mas como obrigação vinculante do Estado (referindo-se à

sociedade brasileira em sua obra) e de todas as entidades privadas24, implicando

também a existência de deveres de proteção, respeito e solidariedade entre

particulares, em máxima observância ao princípio da dignidade da pessoa humana

(SARLET, 2012, p. 133-134).

24 “Que tal dimensão assume particular relevância em tempos de globalização econômica, privatizações, incremento assustador dos níveis de exclusão e, para além disso, aumento do poder exercido pelas grandes corporações, internas e transnacionais (por vezes com faturamento e patrimônio – e, portanto, poder econômico – maior que o de muitos Estados), embora não se constitua em objeto desta investigação, não poderia passar despercebido e, portanto, merece ao menos este breve registro” (SARLET, 2012, p. 133-134).

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32

O francês Alain Minc, que escreve para vários jornais internacionais como o

Le Monde, Le Figaro, escreveu uma obra intitulada “As vantagens da Globalização”,

na qual afirma categoricamente em seu prefácio: “Mantenho minha opinião e assino

embaixo: A globalização é vantajosa.” (MINC, 1999, p. 8). Ao longo da obra o Autor

trata minuciosamente de diversos fatos econômicos, sociais e políticos, bem como

avalia alguns dados estatísticos, no intuito de desmistificar as críticas negativas em

torno da globalização.

O autor defende que com o fim do comunismo o mercado passou a reinar

como “senhor absoluto” e a expressão globalização (assim como mundialização ou

internacionalização) não passam de “nomes codificados para a nova lei da

gravitação econômica”. Contudo, esclarece o autor, que essa nova ordem não será

estável, nem pacífica, tampouco definitiva ou equilibrada, pois podem ocorrer

diversos imprevistos estratégicos, sociais e culturais, mas ainda assim a

globalização é vantajosa (MINC, 1999, p. 9-10).

Com o fim do comunismo e das economias planificadas, os mercados

financeiros deixaram de ser compostos por Estados, mas passaram a ser

representados por aqueles que detêm o capital (poupança) e estes passam a avaliar

aqueles como as Bolsas de valores avaliam empresas com o intuito de verificar sua

viabilidade de investimento. Nesta seara, os governos se sentem ameaçados e

inibidos pelo déficit público e dos bancos centrais, pelo crescimento do desemprego

e da inflação, razão pela qual passam a ser mais cautelosos internamente para que

se tornem atraentes aos investimentos do mercado internacional. É como se a

globalização, de certa forma, fizesse com que cada país buscasse estar mais

equilibrado e saudável economicamente para atrair os poupadores/investidores

externos. Desta feita, a livre circulação do capital é irreversível25 e os detentores do

acúmulo (poupadores) usufruirão cada vez mais de suas liberdades de escolha,

aspecto pelo qual a “globalização já terá triunfado”. (MINC, 1999, p. 11-15).

Além desse aspecto econômico, o autor trata com significativo destaque a

livre circulação da tecnologia e manifesta seu convencimento de que este seria um

aspecto positivo da globalização, pois a crítica negativa de que essa acentua as

desigualdades e o desemprego é derrubada justamente por tal faceta. Para o autor a

25 Interessante destacar que embora entenda a livre circulação do capital em um mercado globalizado como irreversível, Alain Minc destaca que uma eventual guerra, citando como exemplo a Guerra do Golfo e os iminentes conflitos nas fronteiras do leste europeu, pode vir a modificar profundamente esse sistema capitalista global (MINC, 1999, p. 16).

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33

análise dos dados estatísticos não comprova por si só essa afirmação de que a

globalização trouxe um aumento das desigualdades e do desemprego, mas de

qualquer sorte, independentemente dos números, o autor afirma que a abertura para

o mundo traz também maior escolarização, uma vez que a informação é mais

difundida e muitos profissionais de países que até então estavam fechados à cultura

ocidental passam a especializar-se na Europa e nos Estados Unidos e retornam à

origem muito qualificados e disputando salários altíssimos (MINC, 1999, p. 17-24).

Quanto à mão-de-obra “não qualificada”, relacionada à produção

propriamente dita, entende o autor que somente em países desenvolvidos em que já

havia problemas dessa ordem é que houve um pequeno aumento do desemprego,

mas em contrapartida em países de regiões mais pobres houve um significativo

aumento do emprego. Fazendo uso da célebre filosofia de Rawls, o autor afirma que

“a desigualdade é justificável se os mais fracos progredirem” (MINC, 1999, p. 17-24).

Apesar de destacar as vantagens da globalização, o autor entende que três

fatores podem colocar o processo de globalização em risco, ainda que a economia

seja a “senhora absoluta do mundo”, quais sejam: a) o surgimento de uma guerra

conforme já mencionado acima, pois em tempos de paz a economia se sobrepõe à

política, mas em tempos de guerra esta última volta a ditar as regras mundiais; b) um

ciclo de desigualdades crescente falsamente atribuído à globalização nos moldes

citados no parágrafo anterior26; e c) “a tensão entre a uniformidade aparente que ela

cria e a aspiração crescente de uma identidade”, pois “a globalização provoca um

nivelamento dos tipos de vida, e os nacionalistas convictos se preocupam” (MINC,

1999, p. 24-36).

Nunca antes os estilos de vida foram tão parecidos em distantes cidades do

globo, nunca houve uma mistura tão grande de culturas, tampouco se imaginava ser

possível conceber uma ideia de “mídia-mundo” dominando a comunicação e a

difusão da informação. Sem a globalização não teria havido a “vingança das nações”

após a derrocada do comunismo. Todavia, o alcance global faz com que algumas

nações ou culturas fechem-se em si, a exemplo das sociedades islâmicas27,

buscando manter sua identidade e proteger seus territórios. Não se olvide, ainda,

26 O autor afirma que “Se a crise do trabalho fosse causada pela globalização haveria um remédio miraculoso: a escolarização e a melhora da qualificação” (MINC, 1999, p. 33). 27 Em tempos globalizados surgem paradoxos interessantes como a proliferação de antenas de transmissão em sociedades envoltas de integrismo, bem como jovens militantes que mais se parecem “os filhos do jeans, da Coca e da internet” (MINC, 1999, p. 35).

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34

que a globalização é um efeito natural da queda do comunismo, uma espécie de

“vingança das nações” sujeitas a este regime (MINC, 1999, p. 35).

Essa última hipótese de risco, segundo Alain Minc, pode ser solucionada

pacificamente ou por meio de conflitos, sendo que ambas as formas coabitarão por

um tempo e prevalecerá a mais forte ideologicamente (MINC, 1999, p. 35-36). Após

expor os riscos que ameaçam o sucesso da globalização, conclui o autor:

Não contestada no campo da economia, a globalização poderá ser vítima de um acontecimento estratégico ou transformada em bode expiatório das injustiças e descontentamentos que lhe serão atribuídos, nos quais ela só terá desempenhado um papel secundário. Nada é mais difícil que combater racionalmente o irracional. Diante daqueles que bradam ‘o horror econômico’, o ‘pensamento único’ está mal equipado. As armas da razão são desprovidas de sentimentos e de humanidade. Numa sociedade cada vez mais emotiva, que handicap!28 Ninguém morre pelo rei mercado. Essa é, ao mesmo tempo, sua grandeza e seu pecado original. Mas, ao menos, pode-se pensar em morrer pela Europa... (MINC, 1999, p. 37)

O professor de economia Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo afirma que a

globalização generaliza e intensifica a concorrência pelas grandes empresas

transnacionais, especialmente pela criação das chamadas “empresas-rede”, nas

quais se mantêm concentrada a inovação e o poder de decisão e terceirizam-se as

operações comerciais, industriais e os serviços em gerais. Para o autor as grandes

empresas dependem na era globalizada do apoio e da influência política de seus

Estados Nacionais para se inserir em novos mercados, citando a necessidade dos

acordos de garantia de investimento e a regulamentação de patentes, e também

porque precisam do financiamento público para suas exportações nos setores mais

dinâmicos e não podem ser oneradas por uma carga tributária excessiva

(BELLUZZO, 2014, p. 7).

Interessante destacar que Belluzzo entende que as grandes corporações

precisam do apoio de seus Estados Nacionais, pensamento que diverge de algumas

outras opiniões já expostas no sentido de que as empresas transnacionais superam

a influência política daqueles (como IANNI, 2007; SOUSA SANTOS, 2011; e

HESPANHA, 2011, por exemplo). Interessante ainda as considerações de István

Mészaros no sentido de que sem o envolvimento crescente dos Estados nos

28 A expressão em inglês handicap pode ser traduzida e compreendia como desvantagem.

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35

processos de salvaguarda e reprodução do capital, o sistema capitalista sequer

sobreviveria (MÉSZAROS, 2012, p. 29)29.

Esse novo paradigma traz vantagens ao cenário empresarial, com destaque

para os processos cumulativos de aprendizado; economias de escala dinâmica;

estruturação das redes eletrônicas de intercâmbio que maximizam a eficiência ao

longo das cadeias de agregação de valor; formação de novos polos de compras e

assistência técnica; e economia derivada de cooperação no desenvolvimento de

produtos, processos e tecnologia (BELLUZZO, 2014, p. 7).

Por último, na tentativa de construir uma dialética apta ao desenvolvimento de

uma conclusão acerca da proposição formulada acima (a globalização, nos moldes

em que se desenvolveu, representa uma evolução ou uma involução?) merecem ser

agregadas ao presente trabalho as considerações de Eduardo Galeano em prefácio

a posteriori30 para obra “As veias abertas da América Latina” (2011):

Nós nos negamos a escutar as vozes que nos advertem: os sonhos do mercado mundial são os pesadelos dos países que se submetem aos seus caprichos. Continuamos aplaudindo o sequestro de bens naturais com que Deus, ou o Diabo, nos distinguiu, e assim trabalhamos para a nossa perdição e contribuímos para o extermínio da escassa natureza que nos resta. (GALEANO, 2011, p. 6)

Em rígida crítica negativa à globalização, Eduardo Galeano afirma que os

países da América Latina (ou do sul) devem acreditar em uma liberdade de comércio

que não existe, honrar dívidas de origem desonrosa, atrair investimentos ainda que

esses não sejam “dignos” e “entrar no mundo” pela “porta de serviço”. O autor

destaca, ainda, os malefícios do êxodo rural advindo da mecanização e reforça a

importância da agricultura para a sobrevivência e independência de qualquer Estado

nação (GALEANO, 2011, p. 5-6).

29 “Nesse contexto, é preciso mencionar um problema adicional: a ‘hibridização’ em evidência até nos países capitalistas mais avançados. Sua principal dimensão é o sempre crescente envolvimento direto ou indireto do Estado e salvaguardar a continuidade do modo de reprodução do metabolismo social do capital. Apesar de todos os protestos em contrário, combinados com fantasias neoliberais relativas ao ‘recuo das fronteiras do Estado’, o sistema do capital não sobreviveria uma única semana sem o forte apoio que recebe do Estado.” (MÉSZAROS, 2012, p. 29). 30 A edição original da obra foi publicada em 1971, mas em 2010 o Autor elaborou, em Montevidéu, o prefácio transcrito no corpo do texto (GALEANO, 2011, p. 6).

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A globalização definitivamente não é um assunto unânime, seja entre os

diversos ramos da ciência, seja entre os cidadãos em geral. A aceleração na

propagação da informação, o desenvolvimento das empresas transnacionais, o

imediatismo, a liquidez (na expressão de BAUMAN, 1999), o consumismo (na

expressão de BAUDRILLARD) ou qualquer outra denominação que se atribua às

mudanças sociais, econômicas e culturais havidas no final do século XX, serão

taxadas de benefícios para alguns e, certamente, de efeitos danosos para outros.

A divisão acerca das opiniões não se dá apenas quanto aos aspectos sociais

e culturais, mas principalmente quanto ao caráter econômico. O processo que para

alguns acentua as desigualdades em todo o mundo (na visão de BECK, 2011;

IANNI, 1996; e SOUSA SANTOS, 2011; por exemplo), para outros permite que

aqueles totalmente excluídos ou marginalizados passem a integrar as cadeias de

produção (MINC, 1999).

A mobilidade e autonomia trazidas pela globalização tem um custo elevado

segundo Gilles Lipovetsky, pois aceleram o desenvolvimento da ansiedade, das

depressões, de perturbações psicopatológicas comportamentais diversas

(LIPOVETSKY, 2004, p. 21). Nessa mesma esteira, Bauman destaca a fragilidade

das relações interpessoais (familiares, casamentos, vizinhança) advinda da

sociedade global, na qual o ser humano se torna mais imediatista, individualista,

cético em relação ao outro e comunica-se muito bem à distância (conexão), mas não

é capaz de conhecer seus vizinhos31 ou se posicionar claramente em uma relação

amorosa ou familiar (BAUMAN, 2004, p. 31-52). Todavia, ao mesmo tempo em que

a conexão afasta os que estão próximos, tem o condão de aproximar, ainda que

relativamente32, aqueles que estão distantes, a exemplo das redes sociais como o

Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, etc.

Retomando o questionamento proposto, indene de dúvidas o caráter evolutivo

da globalização no que tange ao desenvolvimento da tecnologia da informação; à

expansão e acessibilidade dos meios de comunicação; à proliferação de

descobertas científicas, especialmente na área da saúde; redução de fronteiras e 31 “O desligamento da nova elite global em relação a seus antigos engajamento com o populus local e o crescente hiato entre os espaços vivos/vividos dos que se separam e dos que foram deixados para trás é comprovadamente o mais seminal de todos os afastamentos sociais, culturais e políticos associados à passagem do estado ‘sólido’ para o estado ‘líquido’ da modernidade.” (BAUMAN, 2004, p. 121). 32 O caráter relativo dessa aproximação está justamente no fato de que a aproximação virtual, pela via do ciberespaço nem sempre permite uma profundidade, caracterizando-se pela fragilidade (BAUMAN, 2004, p. 120-122).

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37

barreiras geográficas e culturais; ampliação de conceitos e da diversidade humana.

Contudo, inegável também o alto preço dessas significativas conquistas no que se

refere aos que efetivamente não têm condições econômicas, culturais e geográficas

de usufruir de todas essas inequívocas vantagens da sociedade global33.

Quanto ao aspecto econômico, o mais destacado entre os estudiosos do

tema, acima citados, é possível afirmar que a evolução acontece para aqueles que

efetivamente mantêm, equilibram ou ampliam o capital através da globalização, mas

jamais para aqueles que apenas se submetem ao sistema, expondo-se a condições

degradantes de trabalho e sobrevivência, ou ainda, aqueles que se tornam peças

importantes na engrenagem de replicação de desigualdades a ponto de adoecerem

sujeitos ao binômio de exploração do trabalho pelo capital e pela demanda.

2.2 AS FORMAS DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ERA DA

GLOBALIZAÇÃO

2.2.1 Traspasse do Taylorismo e do Fordismo para a Produção Flexível Toyotista

Uma vez compreendido34 o fenômeno da globalização e algumas de suas

implicações, mostra-se relevante ao presente estudo a abordagem das formas de

organização do trabalho nestes novos tempos (globalizados), com verticalização

específica quanto às mudanças ocorridas nos sistemas produtivos a partir da

segunda metade do século XX, mas especificamente no que se refere à passagem

dos modelos de produção até então preponderantes, o taylorismo e o fordismo, para

uma nova realidade, o modelo toyotista.

33 Para Slajov Žižek está se formando uma nova classe global “(...) ‘com, digamos, passaporte indiano, castelo na Escócia, apartamento em Manhattan e ilha particular no Caribe’. O paradoxo é que os membros dessa sociedade global ‘jantam privativamente, compram privativamente, veem obras de arte privativamente, tudo é privativo, privativo, privativo’. Criam assim um mundo-vida só seu para resolver um problema hermenêutico angustiante; como explica Todd Millay, ‘as famílias ricas não podem apenas ‘convidar os outros e esperar que entendam o que é ter 300 milhões de dólares’. Então, quais são seus contatos com o mundo em geral? São de dois tipos: negócios e filantropia (proteger o meio ambiente, combater doenças, apoiar artes, etc.).” (ŽIŽEK, 2011, p. 17). 34 Dentro dos limites propostos é possível compreender o tema, mas não esgotá-lo tendo em vista a diversidade de estudos e opiniões a seu respeito.

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38

Conforme exposto anteriormente, os processos de globalização são

reconhecidos e acentuados a partir da segunda metade do século XX, período

também denominado de pós-modernismo (LYOTARD, 1986; HARVEY, 2008), razão

pela qual esse é o corte de delimitação do presente estudo. Para tanto, pertinente o

breve resgate de alguns aspectos históricos que precederam aquele período

(globalizado).

A passagem para o modernismo, pontuada pelo liberalismo marcante na

Revolução Francesa (igualdade, liberdade e fraternidade), caracteriza-se pela

acumulação dos detentores de bens e dos meios de produção e pela intensificação

da submissão do proletariado, fadado à sujeição. O liberalismo contratual

disseminado na França impulsionou, sobretudo, o desenvolvimento do trabalho, que

alcançou seu ápice com a Revolução Industrial. O desequilíbrio entre o capital e o

trabalho se acentuou significativamente nessa fase e embasou a organização das

estruturas produtivas, proliferando ambientes fabris com exposição dos

trabalhadores às mais degradantes e abusivas condições de trabalho35.

Sobre esse contexto, Avelãs Nunes (2004, p.56) invoca as ideias de Karl

Marx para descrever essa fase de liberalismo e acumulação do capital como um

“verdadeiro pecado original da economia”, fazendo uma analogia ao pecado original

teológico, no qual o homem é expulso do paraíso e condenado ao trabalho por ter

provado a fruta proibida. Marx defende um lado obscuro na suposta liberdade

(HARVEY, 2013, p. 477), descrevendo-a tanto no sentido de que o trabalhador livre

é uma pessoa que dispõe de sua força de trabalho, quanto como alguém que nada

tem para vender, precisando de todas as coisas necessárias à realização da sua

força de trabalho (MARX, 2013, p. 244-245).

A acumulação de capital também fortaleceu as trocas e fomentou o

crescimento comercial de Estados economicamente favorecidos. Esses novos

Estados impulsionaram ainda, uma “revolução comercial” (mercantil) e dominaram

novos territórios, os quais foram saqueados e devastados (NUNES, 2004, P. 56)36.

35 Quadro muito bem retratado na obra Germinal, na qual Émile Zola (1996) discorre precisamente sobre as condições precárias e as jornadas desumanas a que os trabalhadores estavam sujeitos nas minas de carvão, instaladas na Europa para fomentar a produção industrial. O filme “Tempos Modernos” (1936), protagonizado pelo humorista Charles Chaplin, também delimita o cenário da Revolução Industrial, especialmente no que tange ao abismo entre o progresso científico-tecnológico e a condição humana do trabalhador. 36 Hayek afirma que “a doutrina liberal é a favor de um emprego mais efetivo das forças de concorrência como um meio de coordenar os esforços humanos, e não deixar as coisas como

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39

Passou a existir, portanto, uma exploração sistemática desses territórios colonizados

(NUNES, 2004, P. 56), a qual persiste, indubitavelmente, até os dias atuais no

cenário da pós-modernidade (era globalizada), ainda que muitos países até então

subdesenvolvidos tenham alcançado significativa expressão no cenário econômico

mundial. Segundo Max Weber o “espírito do capitalismo” é racional e organizado,

tendente à acumulação (WEBER, 2009, p. 47).

Weber (2009), assim como outros estudiosos (GASDA, 2011), destaca a

influência das religiões cristãs no processo de percepção e valorização do trabalho

humano no sistema capitalista (WEBER, 2009).

Retomando a obra “A condição humana” (2014), verifica-se que Hannah

Arendt entende que a razão moderna para a glorificação do trabalho está na

produtividade, enquanto na antiguidade esta era associada a esforço, diferenciando-

se aquela por estar diretamente relacionada à necessidade, ao bem-estar do homem

em sociedade (ARENDT, 2014, p. 115).

O poder dos detentores do capital sempre foi exercido de forma dominadora

em relação aos trabalhadores, sendo pertinente aqui a compreensão acerca da

distinção traçada por Michel Foucault entre o poder soberano e o poder disciplinar

sob o enfoque do “contrato-opressão”, que tem conotação jurídica, embasamento

em normas e sob as lentes do esquema “dominação-repressão” ou “guerra-

repressão”. Naquele a oposição é entre legítimo e ilegítimo, em razão do respaldo

jurídico, e neste trata-se da questão entre luta e submissão (FOUCAULT, 2013, p.

276-277).

A geografia histórica do capitalismo é marcada pela conjunção de povos com

experiências diversas, vivendo em espaços territoriais fisicamente variados, que se

unem mediante o exercício de uma força brutal e implacável, “em uma unidade

complexa no âmbito da divisão internacional do trabalho” (HARVEY, 2013, p. 477).]

Por força do processo de percepção e valorização citado acima, os

trabalhadores passaram a se organizar em movimentos sindicais e a intervenção

estatal surge como uma das formas mais adequadas de garantir uma melhor

distribuição da renda e conquista de melhores condições de trabalho.

estão.”, pois se baseia na concepção de que a concorrência é a melhor forma de orientar os esforços individuais (HAYEK, 2013. P. 67).

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40

No início do século XX, ainda sob a influência liberal do laissez-faire37,

desenvolve-se nos Estados Unidos um novo padrão de mudanças no regime

industrial, denominado de taylorismo ou racionalização na organização do trabalho,

cujas origens são minuciosamente descritas por Simone Weil (1996, p. 140) em

seus textos. De acordo com Simone Weil, em que pese tenha batizado seu sistema

de “Organização Científica do Trabalho”, Taylor não era um cientista, tendo uma

formação acadêmica bastante precária quando iniciou seus estudos, sendo que

suas ideias desenvolveram-se porque ele era um contramestre no ambiente fabril

(WEIL, 1996, p. 141). Destaque-se, todavia, que segundo Simone Weil ele não era

um contramestre qualquer, mas sim um jovem burguês como aqueles que

“encontramos nos sindicatos profissionais para chefes, que se julgam nascidos para

servir como cães de fila aos patrões” (WEIL, 1996, p. 141).

Taylor ingressou na indústria como torneiro mecânico e se deparou com a

realidade da produção por peças ou tarefas, na qual os operários tinham

desenvolvido uma cadência que mantinha as tarifas. Todavia, ao fim de dois meses

foi promovido a contramestre, segundo suas próprias explicações porque o “patrão

tinha confiança nele, porque pertencia a uma família burguesa” (WEIL, 1996, p.

142). Quando alçou à referida função foi alertado pelos operários no sentido de que

gostavam dele como contramestre, mas que se tentasse diminuir as tarifas, sua vida

iria se tornar impossível. Taylor respondeu aos operários que estava “do outro lado

da barricada” e que faria o que tinha que ser feito (WEIL, 1996, p. 142-143). A partir

de então, ocupou-se, naquilo que lhe competia como chefe, em aumentar a

cadência e dispensou os que não se adequavam, chegando rapidamente à função

de gerente (WEIL, 1996, p. 143). Nessa função, obcecado por acelerar o ritmo dos

operários e aumentar a produção, percebeu que precisava melhorar as questões

relacionadas ao tempo na execução do trabalho, tendo se dedicado

aproximadamente vinte seis anos a sua pesquisa na qual

conheceu e organizou progressivamente o escritório dos métodos com a ficha de fabricação, o escritório dos tempos para estabelecer o tempo necessário a cada operação, a divisão do trabalho entre chefes técnicos e um sistema particular de trabalhos por peças com prêmio. (WEIL, 1996, p. 143)

37 Termo da língua francesa que significa deixar fazer e representa a marca do liberalismo econômico segundo a doutrina de Adam Smith, que publicou a obra “A Riqueza das Nações” em 1776 (GALTALDI, 1992, p. 51).

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41

A mudança do trabalho implantada por Taylor tinha a mensuração do tempo

em cada tarefa (decomposição de cada processo em movimentos competentes)

como principal fator de adequação para que cada homem desse o seu máximo na

função, eliminando naturalmente aqueles que não se adequavam àquela cadência

propulsora de melhores resultados de produção. Para tanto, “intervém na divisão do

trabalho entre os chefes técnicos”, passando a existir vários chefes para uma

mesma seção fabril, como o controlador, o mestre, etc (WEIL, 1996, P. 146). Os

métodos de Taylor não representaram uma efetiva racionalização do trabalho, mas

sim a expansão dos meios de controle dos operários como meio de simplificar o

trabalho, no entendimento Simone Weil (1996, p. 146-147).

Na época em que Taylor implantava e aperfeiçoava seu método38, surge o

trabalho em cadeia inventado por Ford39, o qual substitui o sistema de peças e

prêmios pela ideia de extrair dos trabalhadores o máximo de produção em um tempo

determinado. Para Simone Weil (1996, p. 147), a racionalização fordista tinha por

preceito trabalhar mais e não trabalhar melhor, sendo que esta última deveria ser a

máxima de qualquer ciência que se ocupasse do trabalho.

Para Harvey, “as inovações tecnológicas e organizacionais de Ford eram

mera extensão de tendências bem-estabelecidas”, sendo que o distingui seu método

do taylorismo foi a sua visão, “seu reconhecimento explícito de que a produção em

massa significava consumo em massa, um novo sistema de reprodução da força de

trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho”, de onde se extrai um

novo tipo de sociedade “democrática, racionalizada, modernista e populista”

(HARVEY, 1992, p. 121).

Segundo Harvey, Ford realmente acreditava que poderia construir um novo

tipo de sociedade com seu método baseado no corporativismo, tanto que enviou

assistentes sociais às casas dos operários para se certificar de que os trabalhadores

tinham preceitos morais e de vida familiar, bem como capacidade de consumo

38 Taylor publicou a obra “Os princípios da administração científica em 1911” (HARVEY, 1992, p. 121). 39 “A data inicial simbólica do fordismo deve por certo ser 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia de oito horas e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha automática de montagem de carros que ele estabelecera no ano anterior em Dearbon, Michigan. Mas o modo de implantação geral do fordismo foi muito mais complicado do que isso.” (HARVEY, 1992, p. 121 e RAMOS FILHO, 2012, p. 30).

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42

prudente que atendesse aos padrões e expectativas da corporação (HARVEY, 1992,

p. 122).

Ao analisar o americanismo, Antonio Gramsci, segundo Harvey, descreveu o

método corporativo de Ford como uma movimentação sem precedentes para a

orientação de um novo tipo de trabalhador, cuja inovação estaria diretamente

relacionada à forma de viver deste e de sua família (HARVEY, 1992, p. 121). Na

mesma linha, Wilson Ramos Filho invoca as lições de Gramsci quanto à descrição

do fordismo no sentido de que seria direcionado “a destruição das entidades

representativas dos trabalhadores, e de persuasão dos trabalhadores mais bem

situados na hierarquia empresarial, construindo uma ‘nova hegemonia’ que ‘nasce

na fábrica’(...)” (RAMOS FILHO, 2012, p. 31).

O liberalismo, que assegurava apenas igualdade e liberdade formais, e o

capitalismo desenfreado demandaram em um dado momento a intervenção estatal

com o intuito de tentar amenizar a desigualdade entre os que detêm o capital e os

meios de produção e os que empregam sua força produtiva em favor daqueles.

O marco do intervencionismo estatal nas questões trabalhistas pode ser

delimitado a partir da criação formal da OIT40 pelo Tratado de Versalhes41,

colocando fim à Primeira Guerra Mundial, em 1919. Surgem políticas para

regulamentação das demandas dos trabalhadores, que inspiradas na ideologia

keynesiana42 buscaram “a neutralização de propostas revolucionárias mediante uma

combinação de repressão e cooptação” (RAMOS FILHO, 2012, p. 113-114).

No período inicial da Grande Depressão43, Ford acreditava tanto em um novo

tipo de sociedade que poderia ser construída com a adequada aplicação do poder

corporativo, que aumentou o salário de seus empregados com o objetivo de

melhorar seu poder aquisitivo e, consequentemente, estimular o consumo,

amenizando ou evitando os efeitos da crise. Contudo, foi necessária a intervenção

estatal e o New Deal de Roosevelt para que o capitalismo se refizesse e voltasse a

progredir (HARVEY, 1992, p. 122-123).

40 Sobre a OIT: http://www.oitbrasil.org.br/content/hist%C3%B3ria. Acesso em 12/05/2015 41 A criação formal da OIT ocorreu em 1945, mas seu nascimento se deu antes, em 1919, ao final da Primeira Guerra Mundial (VILLATORE e ARAÚJO, 2014, p.121). 42 Referência à teoria de John Maynard Keynes, publicada no período entre guerras, bastante difundida após 1945 (após a segunda guerra mundial), em linha oposta às ideias liberais de Adam Smith (1776) e David Ricardo (1817) (GASTALDI, 1992, p. 51-52 e p. 138-139). 43 Crise econômica marcada pela quebra da bolsa de valores norte americana em 1930.

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43

De acordo com Paulo Ricardo Opuszka, Keynes44 (2012, p. 172-173)

identificou a questão do desemprego involuntário, em meio aquele período de crise

(Grande Depressão), ao estruturar a ideia de que “os trabalhadores são

subordinados às determinações dos capitalistas” e são também o conjunto da

sociedade que “depende da compreensão acerca do mercado de bens, ao qual o

mercado de trabalho está subordinado”. Nesta relação, somente o intervencionismo

estatal teria o condão de recolocar os trabalhadores em seus empregos, ainda que

com salários mais baixos, e retomar a produção, “rompendo-se dessa forma o

marasmo da estagnação que colocava tudo em perigo” (OPUSZKA, 2012, p. 172-

173).

Friedrich Von Hayek em sua obra “O caminho da servidão” (2013), publicada

originalmente em 194445, explicita minuciosamente a tentativa frustrada de transição

do modelo liberal para a economia planificada, defendida pelo modelo socialista46.

Em que pese tenha a igualdade como pilar, a economia planificada, de caráter

solidário, planejada e dirigida precipuamente pelo monopólio estatal, que repudia a

concorrência, acaba por colocar a liberdade individual em choque com os interesses

coletivos, frustrando a tão prometida distribuição equitativa (HAYEK, 2013, p. 218-

235).

Segundo Hayek, intitulando-se um crítico severo do capitalismo

(especificamente) na referida obra47, a ideia de centralização da economia

planificada acabou favorecendo a tendência ao monopólio, não sendo daquela a

responsabilidade por tal situação, mas sim do apoio cada vez maior de outros

grupos e do Estado (HAYEK, 2013, p. 231). Quanto aos citados grupos, Hayek

afirma que

44 Idem nota de número 42. 45 Considerada o ponto de partida do neoliberalismo, movimento que se organizou como doutrina a partir de 1947, através de um grupo de 37 participantes, a exemplo de Hayek, Milton Friedman, Ludwig Von Mises e Karl Popper, que fundam a sociedade Mont Pelérin, na Suíça (MARTINS, 2011, p. 142). 46 Além de sua acepção clássica ligada à justiça social, igualdade e segurança, o socialismo “equivale à abolição da propriedade privada dos meios de produção, e à criação de um sistema de “economia planificada” no qual o empresário que trabalha visando ao lucro é substituído por um órgão central de planejamento.” (HAYEK, 2013, p. 63). 47 “A não ser que a tese deste livro tenha sido entendida de forma equivocada, ninguém me acusará de estar sendo pouco severo com os capitalistas se eu salientar que seria um erro culpá-los exclusivamente, ou mesmo, principalmente, pela atual tendência de monopólio.” (HAYEK, 2013, p. 231).

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O recente crescimento do monopólio resulta em grande parte de uma colaboração intencional entre o capital organizado e o trabalho organizado, em que grupos privilegiados de trabalhadores compartilham dos lucros do monopólio em detrimento da comunidade e, em especial, das camadas mais pobres: os empregados nas indústrias menos organizadas e os desempregados. (HAYEK, 2013, p. 234-235, grifos nossos)

O fordismo encontrou algumas barreiras no período entre guerras e chegou à

plena expansão (“como regime de acumulação plenamente acabado e distintivo”)

somente em 1945 e aliado à influência keynesiana48 assim perdurou até 1973

(HARVEY, 1992, 123-125).

O período de incessante desenvolvimento do modelo fordista de produção foi

marcado pela alienação da classe operária em geral (ANTUNES, 2007, p. 25),

reduzindo-os ao “estado de moléculas” nas palavras de Simone Weil (1996, p. 150),

pois a concorrência instaurada entre os trabalhadores extinguia o espírito de

solidariedade entre eles.

Tanto Taylor, quanto Ford defendiam a competitividade como um fator de

propulsão indispensável à produção, o que gerava uma verdadeira solidão moral

dentro dos ambientes fabris (WEIL, 1996, p. 150). Esse sistema produziu a

monotonia no trabalho, exacerbando a disciplina de sujeição nas fábricas, bem como

delimitou claramente a distinção entre os operários da produção e aqueles que os

chefiavam (WEIL, 1996, p. 152-153).

Interessante destacar, ainda, que enquanto Simone Weil (1996, p. 153)

reconhece no taylorismo a delimitação de uma psicotécnica do trabalho, Harvey

(1992, p. 121) enxerga no fordismo uma nova psicologia, voltada às questões

laborais. Independentemente de a quem se atribua o envolvimento da psique com as

técnicas de gestão (a Taylor, Ford ou ainda a Fayol49, na França), o reconhecimento

de tal conexão é bastante significativo para o tratamento do trabalho no mundo

contemporâneo e também ao desenvolvimento subsequente do presente estudo.

48 Vide nota de referência de número 42 acima. 49 Em paralelo ao crescimento do Taylorismo e do Fordismo nos Estados Unidos nas primeiras décadas do Século XX, desenvolvem-se na França as ideias de Fayol. “Com sua ênfase nas estruturas organizacionais e na ordenação hierárquica do fluxo de autoridade e de informação, o livro deu origem a uma versão bem diferente da administração racionalizada, em comparação com a preocupação taylorista de simplificar o fluxo horizontal dos processos de produção.” (HARVEY, 1992, p.124).

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45

Sucedendo um longo período de acumulação propiciado pelo fordismo e pela

fase intervencionista e keynesiana50, o capitalismo inicia um novo período de crise

no início dos anos 70, delimitado pelos seguintes fatores: a queda da taxa de juros51;

“o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção”52; a

sobreposição do capital financeiro em relação ao capital de produção53; a

concentração de capitais decorrente das fusões entre empresas; a crise do chamado

estado do bem-estar-social54 de aspectos públicos e fiscais; e as tendências à

flexibilização e desregulamentações dos processos produtivos, às privatizações

(ANTUNES, 2009, p. 31-32). De acordo com Ricardo Antunes (2009, p. 33-34) essa

crise trouxe à tona

um processo de reorganização do capital e seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte: a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores. (ANTUNES, 2009. p. 33)

Nesse contexto de crise do capitalismo emergiram significativos movimentos

sociais55, dentre eles a luta operária, que colocou em xeque os trabalhadores e os

detentores do capital, e como aqueles defendiam suas ideias no próprio ambiente

fabril, restaram evidentes as limitações do sistema taylorista-fordista para

transcender as dimensões da divisão social hierarquizada de subordinação do

trabalho ao capital (ANTUNES, 2009, p. 46).

50 Vide nota de referência de número 42 acima. 51 De acordo com Ricardo Antunes a queda da taxa de juros decorreu da conjugação entre as demandas sociais que objetivavam por melhores salários, ocorridas nos anos 60, e a consequente redução dos níveis de produtividade do capital (ANTUNES, 2009, p. 31). 52 Decorrente da retração do consumo em resposta ao desemprego estrutural (ANTUNES, 2009, p. 31). 53 A chamada “hipertrofia da esfera financeira”, que retratou uma nova fase do processo de internacionalização (ANTUNES, 2009, p. 31-32). 54 Do inglês “Walfare State” retratava uma das principais características da política intervencionista baseada na teoria de John Maynard Keynes (DUMÉNIL e LEVY, 2005, p. 85-87), publicada no período entre guerras, bastante difundida após 1945 (GASTALDI, 1992, p. 138-139). 55 A exemplo do feminismo (WAYNE MORRISON, 2012, pp. 572-573), dos movimentos homossexuais (ROCHA, 2011, p. 123), ecológicos, urbanos, antinucleares (ANTUNES, 2009, p. 46).

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Para transposição ou adequação das limitações do sistema de produção

praticado até então, bem como para superação da recessão econômica56, surge a

chamada era da acumulação flexível, que segundo David Harvey “é marcada por um

confronto direto com a rigidez do fordismo” e tem apoio na flexibilidade dos

processos e dos mercados de trabalho, “dos produtos e padrões de consumo”

(1992, p. 140). Para David Harvey a acumulação flexível propiciou o crescimento do

chamado “setor de serviços” como forma de emprego em algumas regiões

geográficas e o surgimento de grandes concentrações industriais em locais até

então subdesenvolvidos57, como decorrência das rápidas transformações nos

“padrões do desenvolvimento desigual” (Harvey, 1992, p. 140-141).

Analisando tais modificações, Harvey afirma que “o trabalho organizado foi

solapado pela reconstrução de focos de acumulação flexível”, sendo este

responsável por um alto desemprego estrutural e pelo enfraquecimento do poder

sindical, qualificado como um pilar do fordismo para o autor (HARVEY, 1992, p.

141). O modelo flexível, segundo Harvey, causou uma “radical reestruturação” no

mercado de trabalho, pois os “patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder

sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados ou

subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis.”

(HARVEY, 1992, p. 143).

Importante destacar que David Harvey denomina a passagem do fordismo

para o sistema de acumulação flexível como a transformação político-econômica do

capitalismo do século XX (HARVEY, 1992, 115-162), sem, contudo, destacar o

toyotismo como maior expressão daquele último (sistema de acumulação flexível).

Já Ricardo Antunes destaca o toyotismo58 como o modelo de produção que

causou maior impacto na fase da acumulação flexível, seja pela revolução técnica

que operou na indústria japonesa, seja pela sua expansão em escala mundial, pois

seus pilares básicos, abaixo expostos, passaram a ser implantados em diversos

sistemas fabris muito além daquelas fronteiras onde foi desenvolvido (ANTUNES,

2007, p. 31). 56 “A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da ‘estagflação’ (estagnação da produção de bens e alta inflação de preços) e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em consequência, as décadas de 70 e 80 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político (...).” (HARVEY, 1992, p. 140). 57 “(...) tais como a "Terceira Itália", Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados (...).” (HARVEY, 1992, p. 140). 58 “Ou ohnismo, de Ohno, engenheiro que o criou na fábrica da Toyota” (ANTUNES, 2009, p. 56).

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Benjamin Coriat59, economista francês que se dedicou ao estudo dos modelos

de produção no século XX, definiu quatro fases subsequentes que levaram à

formação e à difusão do método ohniano (toyotismo). A primeira fase (entre 1947

e1950) foi delimitada pela introdução das inovações técnicas e organizacionais do

sistema têxtil na indústria automobilística, modificando a forma de trabalho. A

segunda fase (entre 1949 e 1950) retratou a utilização de técnicas para aumentar a

produção, sem a contratação de novos trabalhadores. A terceira fase (referência aos

anos de 1959 e 1962) foi marcada pela introdução das técnicas de gestão dos

supermercados norte-americanos, dando origem ao método Kan-Ban. E a quarta

fase (entre 1962-1973) na qual se empregam esforços para que também as

empresas subcontratadas e fornecedoras sujeitem-se às novas técnicas de

produção, especialmente ao método Kan-ban (CORIAT, 2000, p. 28-30).

Para compreensão dos traços básicos do sistema toyotista nada mais

apropriado que invocar as palavras do próprio Taiichi Ohno, idealizador do método:

A base do Sistema Toyota de Produção é a absoluta eliminação do desperdício. Os dois pilares necessários à sustentação do sistema são:

• Just-in-time • Autonomação, ou automação com um toque humano.

Just-in-time significa que, em um processo de fluxo, as partes corretas necessárias à montagem alcançam a linha de montagem no momento em que são necessários e somente na quantidade necessária. Uma empresa que estabeleça esse fluxo integralmente pode chegar ao estoque zero. (OHNO, 1997, p. 25-26)

Destaca Taiichi Ohno, todavia, que para que se atinja a plena produção

através do sistema just-in-time60 é necessário que os métodos de gestão funcionem

bem, de onde se depreende a importância dos empregados responsáveis por tal

controle, pois qualquer falha na quantificação e planejamento, dentre outros

aspectos, pode gerar problemas no desenvolvimento das atividades fabris.

Relatando tal dificuldade, Ohno discorre ter refletido sobre qual seria solução para

uma gestão adequada do sistema just-in-time e concluído pela necessidade de uma

59 Benjamin Coriat realmente é uma referência sobre o estudo dos sistemas de produção, pois é citado por praticamente todos os estudiosos do assunto (ANTUNES, 2007 e 2009; ALVES, 2011; MELHADO, 2006, dentre outros). 60 O termo just in time pode ser traduzido como na hora certa..

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48

comunicação clara entre os vários pontos dos processos produtivos (OHNO, 1997,

p. 26-27).

É justamente nessa fase de aprimoramento que ele introduz o Kanban, uma

espécie de “quadro de sinalização” que circula entre “cada um dos processos para

controlar a quantidade produzida – ou seja, a quantidade necessária.” (OHNO, 1997,

p. 27)61. O Kanban retratado por uma papeleta naquela época, continha alguns

dados básicos: “(1) informação de coleta, (2) informação de transferência, e (3)

informação de produção”, as quais se referem não só à Toyota, mas também às

colaboradoras, integrando a produção. Explica, ainda, Taiichi Ohno que toda fábrica

tem por perguntas básicas da sessão de planejamento “o QUÊ, o QUANDO, e o

QUANTO” para fins de fixação de uma linha de trabalho, mas com a aplicação do

método Kanban o “QUANDO” torna-se o questionamento mais importante para

atender o just-in-time62. Se as peças chegarem antes ou depois resta impedida a

produção e não atingidos os objetivos de atender apenas o consumo específico a

custos baixíssimos (OHNO, 1997, p. 46-48).

O outro pilar de seu método, segundo Taiichi Ohno, é a “autonomação”, a

qual não pode ser tomada isoladamente, mas sim uma “automação com toque

humano”, explicitando que a necessidade desse novo paradigma surgiu em razão

dos significativos defeitos apresentados por algumas máquinas durante os

processos produtivos, comprometendo uma série de itens. A “autonomação” surge,

então, como solução para conferir às máquinas uma espécie de trava de segurança

automática, apta a cessar o processamento caso qualquer uma das peças ou

trabalhos envolvidos não estivesse em regular funcionamento (OHNO, 1997, p. 27-

28).

A “autonomação” transforma também o significado de gestão, pois o

trabalhador passa a ser desnecessário enquanto a máquina está em funcionamento,

mas assume papel bastante significativo quando esta vem a parar por apresentar

algum defeito ou inconsistência. Nas palavras de Taiichi Ohno “somente quando a

máquina para devido a uma situação anormal é que ela recebe atenção humana” e o

resultado seria uma possível redução no número de trabalhadores e um aumento na

eficiência da produção. Todavia, destaca-se a importância do “supervisor da

61 Logo a seguir esclarece que “O Kanban é o meio usado para transmitir informação sobre apanhar ou receber a ordem de produção.” (OHNO, 1997, p. 27). 62 “O método Kanban não é inflexível ou rígido”, podendo ser adaptado às mais diversas necessidades da produção. (OHNO, 1997, p. 61).

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produção” para que a máquina não seja apenas consertada, mas para que também

se construam melhorias e avanços a partir do reparo do defeito apresentado

(OHNO, 1997, p. 28). Resta perceptível, portanto, a importância do bom exercício

das funções de gestão para o adequado funcionamento das máquinas

automatizadas do modelo toyotista:

A implementação da autonomação está a cargo dos gerentes e supervisores de casa área de produção. A chave está em dar inteligência humana à máquina e, ao mesmo tempo, adaptar o movimento simples do operador humano às máquinas autônomas. (OHNO, 1997, p. 29)

Ao tratar da relação entre os dois pilares de seu método just-in-time e a

“autonomação” Taiichi Ohno faz uma analogia com um time de beisebol, onde esta

“corresponde à habilidade e ao talento dos jogadores individuais”, enquanto aquele

“é o trabalho da equipe envolvida em atingir um objetivo preestabelecido”. Na

referida conjugação “gerentes e supervisores numa fábrica são como o gerente da

equipe e os treinadores do batedor, do base e do jogador que fica no campo

externo”, buscando direcionar a equipe para um melhor resultado, especialmente

para a redução do custo de produção (OHNO, 1997, p. 29-30).

O trabalho em equipe e a “a habilidade em passar o bastão” (OHNO, 1997, p.

44) são de extrema importância para o funcionamento do toyotismo, de modo que se

não houver a adequada sincronia, os resultados eficientes do modelo de produção

de Taiichi Ohno restarão comprometidos. Outro aspecto destacado pelo autor refere-

se à necessidade das constantes revisões e flexibilizações para melhoria dos

processos, o que deu início aos programas de controle de qualidade e monitorização

do trabalho (OHNO, 1997, p. 63-87).

Em uma análise superficial as ideias de Taiichi Ohno podem ser qualificadas

como uma técnica perfeita para a melhoria dos sistemas de produção, mas a

implantação do método trouxe sérias consequências ao mundo do trabalho. O

engenheiro caracterizou o trabalho de duas formas: “com valor adicionado” e “sem

valor adicionado”. Este foi qualificado como “desperdício no sentido convencional” e

é retratado pelo andar do empregado para buscar peças, abrir caixas de

mercadorias, operar botões e “assim por diante”. Já aquele “significa algum tipo de

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processamento – mudar a forma ou o caráter do produto ou montagem”,

transformando-os para “gerar valor adicionado” (OHNO, 1997, p. 74).

É por isso que eu frequentemente enfatizo que o movimento do operário na área de produção deve ser movimento de trabalho, ou movimento que agrega valor. Estar se movendo não significa estar trabalhando. Trabalhar significa fazer o processo avançar efetivamente no sentido de completar a tarefa. Os operários devem entender isso. (OHNO, 1997, p. 74-75)

Pertinente consignar que Taiichi Ohno distingue e expressões “poupar mão-

de-obra” de “utilizar menos trabalhadores”, afirmando que esta “atinge o coração do

problema” e implica no desenvolvimento dos planos de produção com o objetivo de

contratar menos empregados, explorando ao máximo suas competências e talentos,

enquanto aquela retrata a redução de operários em um processo produtivo já

existente (OHNO, 1997, p. 82-83).

Interessante a dialética que pode ser traçada entre as previsões otimistas de

Hannah Arendt no sentido de que a automação em algumas décadas esvaziarias as

fábricas e libertaria a “humanidade do seu fardo mais antigo e mais natural, o fardo

do trabalho e a sujeição à necessidade” (ARENDT, 2014, p. 5) e as afirmações de

Taiichi Ohno quanto à realidade implantada nas estruturas produtivas no sentido de

que “se a automação está funcionando bem, ótimo. Mas, se ela é utilizada

simplesmente para permitir que alguém fique mais à vontade, então ela é muito

cara.” (OHNO, 1997, p. 82).

O crítico Antonio Gramsci (1978, p. 317), invocando as ideia de Ricardo, por

seu turno, faz um trocadilho com a palavra automatismo, denominando-a de uma

nova racionalidade que terminaria sendo empregada também nas relações

humanas, pois para ele a compreensão daquela expressão como a intervenção do

homem para tornar as máquinas automáticas nada mais é uma do que metáfora das

próprias operações humanas, que também se tornam automáticas (“os arbítrios

individuais são múltiplos, mas a parte homogênea predomina e ‘dita leis’.”).

Ao descrever as diferenças entre o fordismo e o toyotismo, Ricardo Antunes

aponta além do método Kanban e do just-in-time, que enquanto aquele atendia à

produção em massa, este se destina às demandas menores, mais individualizadas.

O toyotismo é o sistema dos trabalhadores multifuncionais, que trabalham em

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equipe e podem operar várias máquinas, de forma flexível, enquanto o fordismo

focava na produção individualizada e centrava o operário em uma única tarefa (ou

máquina). Através da sua preocupação com a qualidade63 e aumento da produção, o

referido sistema retratou um “importante instrumento para o capital apropriar-se do

savoir-faire64 intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava”

(ANTUNES, 2009, P. 56-57).

A organização idealizada por Taiichi Ohno é marcada pelas estruturas

horizontalizadas, onde a fábrica toyotista é responsável por apenas 25% da

produção, sendo o restante daquilo que era processado internamente deslocando

para terceiros (terceirizações), opondo-se ao caráter vertical do fordismo, que

concentrava a maior das etapas produtivas nas estruturas próprias. Por último,

destaca Ricardo Antunes que o toyotismo implantou para uma parte dos

trabalhadores o “emprego vitalício”, que garantia estabilidade aos trabalhadores

homens (em clara discriminação das mulheres) mediante crescente produção para

obter ganhos salariais até que completassem cinquenta e cinco anos de idade.

Atingido tal marco, o empregado “é deslocado para outro trabalho menos relevante,

no complexo de atividades existentes na empresa” (ANTUNES, 2009, P. 56-57).

Conforme se depreende das palavras de seu idealizador acima transcritas, o

toyotismo despreza completamente o fator humano do trabalhador naquilo em que

não lhe é útil, tentando padronizá-lo para a absoluta “extração da mais-valia”

(ANTUNES, 2009, p. 58). Ademais, nitidamente exacerba os padrões

discriminatórios por gênero e idade dos trabalhadores, uma vez que não considera o

trabalho feminino, bem como desloca o trabalhador de função quando completados

cinquenta e cinco anos.

O sistema toyotista pode ser lido “como a mais radical (e interessante)

experiência de organização social da produção de mercadorias sob a era da

mundialização do capital” e se de um lado foi a solução para reorganização da

acumulação do capital face à crise da superprodução, por outro lado, foi capaz de

“desenvolver suas potencialidades de flexibilidade e de manipulação da

subjetividade operária", transformando-se na “nova base técnica” da produção

capitalista (ALVES, 2011, p. 61).

63 Organizava os Círculos de Controle de Qualidade – CCQs – (ANTUNES, 20096, p. 57). 64 Expressão da língua francesa que significa conhecimento.

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Benjamin Coriat afirma que o toyotismo apesar de ter sido desenvolvido entre

as especificidades do modelo japonês, retrata um sistema com condições e

significações que permite o alcance de resultados universais, o que permitiu sua

difusão para as demais empresas em todo mundo65 (CORIAT, 2000, p. 147).

Apesar de Taiichi Ohno (1997, p. 105-117) defender uma ideia de que, apesar

das diferenças, seu sistema seria uma continuidade da racionalização do trabalho

intrínseca ao fordismo, tendo surgido para atender às necessidades capitalistas em

um momento de crise econômica, Benjamin Coriat (2000, p. 56-57 e 147-148) e

Giovanni Alves (2011, p. 62-63) entendem que o toyotismo surgiu como ruptura da

continuidade plena dos modelos anteriores. Enquanto o taylorismo e o fordismo

retiraram o caráter subjetivo do labor, tornando-o mecânico, repetitivo e alienando o

trabalhador, o toyotismo resgata o elemento subjetivo e o coloca como elemento de

controle de manutenção do capitalismo, como “nova subsunção real do trabalho ao

capital” (ALVES, 2011, p. 62).

Para David Harvey, nos moldes já expostos acima, a passagem da

modernidade fordista para a pós-modernidade flexível deu-se em uma continuidade,

pois ambos os sistemas operam em favor do capitalismo, embora encerrem

confrontos e contradições66 e retratam regimes de acumulação e formação social

distintos em seu interior, mas que operam em favor do capitalismo (HARVEY, 1992,

p. 303-305).

Embora tenha enfrentado uma resistência inicial nos países ocidentais, entre

os anos de 1980 e 1990 os princípios organizacionais do toyotismo passaram a ser

aplicados, especialmente no setor industrial, mas também na área de serviços, por

vários grupos empresariais transnacionais nos Estados Unidos, Europa, Ásia e

América Latina objetivando uma produção enxuta67 (ALVES, 2011, p. 61-62),

instaurando-se uma nova realidade para o mundo do trabalho68.

65 Nas palavras de Benjamin Coriat os princípios do toyotismo “han terminado por dar la vuelta al mundo para imponerse como norma de la producción em serie.” (CORIAT, 2000, p. 148) 66 Quadro comparativo – anexo II. 67 Em inglês o termo se consagrou como lean production. 68 A jurisprudência brasileira parte da influência dessas mudanças estruturais para análise de alguns casos práticos, interpretando a legislação vigente à luz das mudanças advindas do modelo de produção do toyotismo; conforme se verifica das seguintes ementas: “CRITÉRIO DE PAGAMENTO PROPORCIONAL DA GRATIFICAÇÃO NATALINA PREVISTO NA LEI 4.090/62. ACORDO PARA COMPENSAÇÃO DE JORNADA. LACUNA ONTOLÓGICA. A Lei nº 4.090/62 data de época em que pouco se cogitava da existência de jornadas flexíveis de trabalho, cuja criação visou a atender às peculiaridades do toyotismo, modo de organização da produção capitalista que ganhou terreno a partir da década de 70 do século XX e que se notabiliza pela produção just in time, exigindo

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2.2.2 A Continuidade Após o Traspasse: Efeitos (Positivos e Negativos) das Alterações Advindas da Globalização na Estrutura da Organização do Trabalho

Somando-se todas as ideias acima expostas sobre globalização à evolução

(ou transposição) do modelo de racionalização do trabalho para a acumulação

flexível tratado no capítulo anterior, evidenciam-se profundas transformações nas

relações de trabalho no cenário mundial. Tais alterações não foram ocasionadas

exclusivamente pela globalização, mas também pela força e volatilidade do

capitalismo, que sempre buscou superar as crises e readaptar-se de maneira a

manter o sistema de acumulação.

Cumpre consignar, entretanto, que distinguir o caráter positivo e negativo dos

efeitos desta nova realidade é tarefa árdua, especialmente quando sopesadas as

opiniões extremas sobre o tema, a exemplo de MINC (1999) e BHAGWATI (2004),

que defendem as vantagens da globalização em todos os seus aspectos e os

críticos mais céticos, dentre os quais é possível citar IANNI (1999) e JUVIN (2012).

Para iniciar a caracterização dessa nova realidade no que se refere à divisão

capital-trabalho, que vem se modificando significativamente nos últimos quarenta

anos (tomando como partida a recessão de 197369), Thomas Piketty aponta como

eventos da transmutação da história política econômica a aceleração da “revolução

conservadora anglo-saxã” (1979-1980), o desfazimento do bloco soviético (1989-

1990), e “a globalização financeira e a desregulamentação dos mercados” (1999-

2000). Os mencionados marcos permitiram, segundo Thomas Piketty, a recuperação

plena do capital privado no ano de 2010 (em que pese a crise havida entre 2007 e

2008, a exemplo do mercado imobiliário dos Estados Unidos) atribuindo-lhe uma

“prosperidade que não se via desde 1913” (2014, p. 48).

Apesar de afirmar que esse processo de reconstrução da riqueza não tem

apenas efeitos negativos, pois é “natural e desejável”, o economista francês

flexibilidade quanto à utilização de mão de obra. Imperativo, portanto, reconhecer e suprir lacuna ontológica porquanto é visível que a vetusta Lei, (...).” (TRT 4ª R.; RO 0001307-48.2012.5.04.0384; Quarta Turma; Rel. Des. Marcelo Gonçalves de Oliveira; DEJTRS 14/04/2014; Pág. 48; grifos nossos); ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E CARREGADOR. No Brasil, a princípio, o empregado se obriga e exercer qualquer atividade compatível com sua condição pessoal, salvo previsão expressa, em sentido contrário, no contrato (CLT, art. 456, parágrafo único). Curioso pretender-se abolir tal princípio justamente após o advento do 'toyotismo', que representou a quebra do paradigma de especialização do 'fordismo'. (TRT 3ª R.; RO 1588-36.2012.5.03.0059; Rel. Juiz Conv. Luis Felipe Lopes Boson; DJEMG 19/11/2013; Pág. 321; grifos nossos) 69 Idem nota de referência de número 51.

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reconhece os efeitos negativos da mudança na perspectiva da divisão capital-

trabalho no início do século XXI, uma vez que não houve uma significativa

majoração da participação do trabalho (o que alguns chamam de “capital humano”

equivocadamente na opinião do autor) na renda nacional. Para o autor o capital que

antes era fundiário, baseado na propriedade, passa a ser imobiliário, industrial e

financeiro, sendo que os níveis de ascensão nos países mais ricos é decorrente de

“um regime de crescimento baixo tanto da população quanto da produtividade”

(PIKETTY, 2014, p. 48).

Na sequência desses eventos e modificações, Thomas Piketty, partindo da

análise de dados econômicos mundiais, defende em sua obra que o capitalismo do

século XXI ainda é um sistema de replicação desigualdades, o que afeta as formas

de organização do trabalho. Todavia, através de uma minuciosa exposição a partir

da interpretação de números estatísticos, o autor reconhece o surgimento de uma

segunda forma de acumulação de capital relacionada ao trabalho e,

consequentemente, também um meio de profusão da desigualdade da renda total

(PIKETTY, 2014, p. 258-259).

A primeira forma de acumulação, clássica, é a de “uma ‘sociedade

hiperpatrimonial’ (ou ‘sociedade de rentistas’)”, onde a “hierarquia da renda total é,

assim, dominada pelas rendas muito elevadas do capital e, sobretudo, pelas rendas

do capital herdado”. A segunda maneira, nova, pode ser compreendida como “o

produto de uma ‘sociedade hipermeritocrática’ (ou, ao menos, uma sociedade de

pessoas que gostam de se apresentar como tal)”, na qual as rendas mais altas não

seriam herdadas, mas sim fruto do trabalho, principalmente dos altos executivos ou

empregados gestores. Não é possível na visão do autor que “rentistas” sejam

também “superexecutivos”, mas os herdeiros destes podem sim se tornar aqueles

(PIKETTY, 2014, p. 258-259)70.

Ainda que de pequena participação na acumulação efetiva do capital, o

reconhecimento desses altos empregados, surgidos em estruturas produtivas onde

prevaleceu a meritocracia, é importante na transição do capital do século XXI, bem

como para o presente estudo.

Essa distinção entre as formas de acumulação (entre “rentistas” e

“hipermeritocratas”) é decorrente da necessária separação entre propriedade e

70 No mesmo sentido: ”O importante papel do trabalho na formação das altas rendas está cada vez mais nitidamente evidente nos dados” (DUMÉNIL e LEVY, 2014, p. 83).

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gestão, especialmente em razão do desenvolvimento planificado dos grupos

empresariais transnacionais (CHESNAIS, 1996, p. 72-109) e do fortalecimento da

indústria financeira, composta de instituições financeiras, bancos, fundos de pensão

e investimento (DUMÉNIL e LEVY, 2005, p. 84).

Nessa nova divisão do trabalho, evidencia-se, portanto, a nítida concentração

do capital nas mãos de uma minoria, que visa multiplicá-lo em favor de seus

empregadores, o que impulsiona o aumento mais intenso das disparidades sociais.

Contudo, ainda que se possa verificar uma valorização do trabalho de uma

pequena parte da massa que emprega sua força produtiva em prol do capital, a

maior dos trabalhadores vem sofrendo com as oscilações decorrentes da

volatilidade com que o capital se movimenta tanto em termos de barreiras

geográficas, quanto em termos de resultados positivos e negativos.

Em obra específica sobre “a economia das desigualdades” Thomas Piketty

afirma que a tese de que a globalização teria propiciado um aumento nas

desigualdades remuneratórias em razão da abertura entre o “comércio Norte/Sul”,

acirrando a concorrência entre os assalariados “menos qualificados no Norte e os

assalariados no Sul” se choca com os dados estatísticos que demonstram que

“mesmo após um significativo aumento a partir de 1970, as importações

provenientes dos países do Terceiro Mundo representavam em 1990 apenas 2-2,5%

do PIB em todos os países ocidentais”, o que não ultrapassaria dez por cento do

cento do comércio internacional entre os países ricos (PIKETTY, 2015, p. 84-85).

Thomas Piketty não ignora por completo essa tese, mas defende que as

desigualdades salariais são oriundas das modificações inerentes às estruturas

produtivas nos países desenvolvidos, nas quais foi mais fácil substituir os

assalariados pouco qualificados por máquinas ou profissionais qualificados do que

prescindir de assalariados qualificados, bem como das inovações tecnológicas que

influenciaram as referidas mudanças (PIKETTY, 2015, p. 85-87).

Em sentido oposto, Ellen M. Wood afirma que a flexibilidade é a “mágica no

debate econômico” e que o mais provável nessa discussão é que o capitalismo

queira gravitar em países onde a força de trabalho é mais barata, do que naqueles

em que predomina a mão-de-obra qualificada. Tomando como exemplo a

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Alemanha71, onde há alta tecnologia e formação, afirma existir uma tendência em

deslocar suas fábricas e outras estruturas europeias para a Ásia, onde a força

produtiva é flexível, de custo menor e com “uma ‘cultura’ menos avessa a longas e

insalubres jornadas de trabalho, turnos ininterruptos e a condições de trabalho

geralmente piores” (WOOD, 2011, p. 244-246).

Na mesma linha de Ellen Wood, Vicente Bagnoli72, em análise específica dos

produtos made in73 China, afirma que a competitividade dos chineses é a soma do

trabalho prestado de forma precária, durante longas jornadas e sem qualquer

atenção à segurança e a degradação ambiental, destacando o caráter prejudicial

para as demais nações do crescimento da produção em tais condições no referido

país (BAGNOLI, 2009, p. 62).

A mobilidade do capital produtivo traz graves consequências à manutenção

de postos de trabalho, pois os grupos econômicos transnacionais tem a

possibilidade de se instalar e retirar-se de países em desenvolvimento muito

rapidamente, resultando em abalos socioeconômicos irreparáveis. O resultado

dessa destruição de postos de trabalho, muitas vezes superior à possibilidade de

criação de novos empregos afeta o nível de investimento, o consumo doméstico e

até mesmo as receitas e despesas públicas em uma determinada localidade

(CHESNAIS, 1996, p. 307)74.

Partindo de outros preceitos, em especial o solidarismo, que ganhou força no

século XX, Élio Estanislau Gasda afirma que as mudanças na divisão do trabalho na

fase atual do capitalismo globalizado não atingiram aquela finalidade ideal (de

solidariedade), pois se chegou ao extremo da divisão “anômica75 do trabalho,

convertendo os trabalhadores em concorrentes não só entre eles, mas também em

relação ao próprio planeta” (GASDA, 2011, p. 133).

71 Ellen M. Wood utiliza o exemplo da LSI Logic, uma fabricante de semicondutores, de origem americana, que decidiu fechar sua fábrica na Alemanha e mudar-se para o Estremo Oriente, segundo matéria divulgada no Financial Times, em 25 de agosto de 1992. 72 “Grande exemplo da atualidade é a China. Os produtos made in China estão presentes em todo mundo. Muitas vezes esses produtos são made by uma grande empresa in China. Busca-se a maximização do lucro. Os produtos chineses conseguem ser tão competitivos por um somatório de fatores, mas destacam-se dois para a presente análise. Um é o trabalho, com excedente de mão-de-obra, baixa remuneração, longas jornadas e precárias condições de segurança. Outro é o meio ambiente. A degradação do meio ambiente produzida pelas grandes empresas é tamanha que compromete a agricultura nas zonas rurais do país e a vida da população local, afetando a produção dos alimentos.” (BAGNOLI, 2009, p. 62). 73 A expressão significa made in significa feito em. 74 Fluxograma da mundialização segundo François Chesnais 75De anomia, que significa “ausência generalizada de respeito a normas sociais, devido a contradições ou divergências entre estas” (HOLANDA, 2004, p. 124).

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Na contramão da ordem mundial, o mundo do trabalho globalizado, marcado

pelo desemprego, pela precariedade, pelos baixos salários e demais anomalias,

rompe com a solidariedade, sendo que o encontro com esta é uma questão de

resgaste moral da sociedade, que sob as lentes mais otimistas, pode ser perseguido

através da atuação da OIT, da busca pelo trabalho decente, pela força dos

movimentos sindicais, dentre outros meios na visão de GASDA (2011, p. 133 e 139-

157).

Ricardo Antunes afirma que o capitalismo contemporâneo acentuou a

“desproletarização do trabalho industrial fabril” tradicional nos países mais

avançados e em algumas áreas industrializadas do Terceiro Mundo, e propiciou um

significativo aumento do trabalho assalariado no setor de serviços, todavia levou a

“subproletarização” intensa daqueles que se sujeitaram aos regimes de trabalho em

tempo parcial, às terceirizações, ao trabalho temporário e precário. As novas formas

surgem ao lado de uma crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, o

que reduz os níveis salariais. O desenvolvimento da automação, da robótica e da

microeletrônica gera uma taxa de desemprego significativa, pois vários postos de

trabalho são substituídos. Altera-se também a qualificação dos operários, que nos

moldes já vistos acima, deixam de ser especializados e passam a ser

multifuncionais, existindo um processo que “superqualifica” em algumas áreas e

“desqualifica” em outras (ANTUNES, 2007, p. 49-62).

Outrossim, a classe trabalhadora passa a ser heterogênea, complexa e

fragmentada e percebe-se uma nítida divisão entre os empregados que estão no

centro do processo produtivo, como gerentes e administradores financeiros, e

aqueles da periferia da força de trabalho. Estes são divididos entre “empregados em

tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho”

(pessoal do setor financeiro, secretárias, áreas de trabalho rotineiro), “de trabalho

manual menos especializado” e aqueles que estão ainda mais à disposição, como

“empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal por contrato por

tempo determinado, temporários, subcontratação e treinados com subsídio público”

(ANTUNES, 2007, p. 61-62).

Domenico de Masi se utiliza de várias analogias e metáforas para ao final

concluir que as principais características da organização do trabalho no período pós-

industrial (globalizado) são: o papel notável do computador na consolidação de

dados para a tomada de decisões; a substituição da força muscular pelos robôs,

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levando o trabalhador a empenhar mais cérebro, desestruturando as noções de

tempo e espaço76; o crescimento do desemprego pelo fato da revolução científica e

tecnológica evoluir mais rapidamente que os mecanismos de redistribuição de

tarefas no interior das fábricas; o local de trabalho, influenciado pelas tecnologias

disponíveis, deixa de ser estanque e limitado por horários77; a redução da jornada de

trabalho (e da fadiga física) permite ao trabalhador um melhor convívio social, mas

ao mesmo tempo leva ao paradoxo da dificuldade de acomodação da massa

trabalhadora; o caráter multifuncional do trabalhador na nova divisão do trabalho

acentua formas corporativas de lutas coletivas e subjetivas de microconflitos; a

relação entre gestores e subordinados deixa de ser apenas hierarquizada e passa a

ser uma liderança informal e funcional, que mensura os resultados dos empregados,

mais do que os processos; a produção passa a se orientar pela demanda78,

observando as ciências psicossociais e busca se flexibilizar para atender às

necessidades subjetivas de cada consumidor; e “difunde-se cada vez mais a

exigência de uma organização do tipo “holográfico”, na qual reine a máxima difusão

das informações e a possibilidade de intercâmbio das tarefas” (DE MASI, 2001, p.

180-182).

Dentre as novas formas de organização do trabalho surgidas pela difusão do

toyotismo na passagem da sociedade industrial para a pós-industrial, sob a

influência da evolução tecnológica globalizada, podem ser citados o job-sharing79,

consórcio de empregadores rurais, trabalho intermitente, teletrabalho em home

office80, as terceirizações, os trabalhos parassubordinados, os trabalhos em tempo

parcial, (MELHADO, 2006, p.75), surgindo a necessidade de se reinterpretar o

modelo clássico de relação emprego (DALLEGRAVE NETO, 2008, p. 63-64).

Outra inovação das últimas décadas que alterou significativamente a

organização do trabalho é retratada pelo surgimento e desenvolvimento das

empresas “ponto com”, do chamado e-commerce, as quais alteram não só os

76 O trabalho físico demanda pausas ou interfaces, enquanto o processo criativo é contínuo (DE MASI, 2001, p. 180). 77 “Torna-se cada vez mais clara a inutilidade do trabalho executado na unidade de tempo e de lugar do grande escritório centralizado; difunde-se a aspiração por uma gestão autônoma, flexível, subjetiva e descentrada do próprio trabalho; toma-se consciência das oportunidades cada vez mais revolucionárias oferecidas pelo progresso tecnológico, capaz, enfim, de tornar ubíquas as informações e de anular os vínculos espaço temporais.” (DE MASI, 2001, p. 181-182) 78 Mudança da product oriented para filosofia Market oriented (DE MASI, 2001, p.181 ) 79 Expressão traduzida como trabalho compartilhado. 80 Expressão traduzida como escritório em casa.

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mecanismos de distribuição e consumo, mas também as estruturas produtivas

(MELHADO, 2006, p. 77-78). Essa forma de comércio diminui significativamente o

número de empregos efetivos, pois elimina por completo os postos relativos à

comercialização direta dos produtos (vendedores, atendentes, caixa, etc), bem como

terceiriza atividades de logística, transporte e de manutenção tecnológica.

O avanço desenfreado da economia, a extinção de barreiras nacionais e o

acelerado passo do desenvolvimento tecnológico advindos da globalização

causaram uma transformação nas cadeias produtivas e acarretaram a precarização

das relações laborais e, por consequência, dos direitos dos trabalhadores. Esse

panorama é sucintamente descrito pelas lições de Enoque Ribeiro dos Santos81:

A globalização econômica, a revolução das tecnologias de informação e comunicação, maior concentração de renda nos Países de Primeiro Mundo, diminuição do poder do Estado em face da força econômica dos grupos transnacionais, o aumento da exclusão social, com o afastamento de parte crescente da população dos benefícios da economia global, estão promovendo uma verdadeira revolução no paradigma do trabalho. Com efeito, estamos assistindo à formação de um novo paradigma do trabalho, mais flexível, precário e desprovido das tradicionais garantias de estabilidade. (SANTOS, 2003, p. 83-84 – grifos nossos)

Hoje em dia, já não há mais a preocupação apenas com as condições

precárias a que se sujeita o trabalhador, mas também com relação às saídas que

têm buscado os empresários para reduzir o custo de sua produção e transferir os

riscos do empreendimento, criando assim as novas formas de trabalho mencionadas

acima.

81 Na continuidade discorre o autor: “No domínio do novo paradigma do trabalho, são particularmente importantes as diferentes estratégias de flexibilização ou, ainda, de precarização das relações de trabalho que vêm adotadas por virtualmente todos os empregadores, com raríssimas exceções, o declínio dos contratos de trabalho por tempo indeterminado, substituídos por contratos a prazo e de trabalho temporário, pelo trabalho falsamente autônomo e pela subcontratação, pelo trabalho a domicílio e pela crescente feminização da força de trabalho, neste caso, associada ainda a uma degradação da relação salarial. Convém observar, também, que ocorre uma radical transformação na natureza das relações das empresas e dos empregadores. Ao lado das relações clássicas de trabalho, fundadas no Direito do Trabalho, surgiram outras formas de contratos. A atomização da empresa suscitou sua dispersão econômica e jurídica, mantendo-se, porém, a dependência técnica. Com a exteriorização de várias atividades e funções, sob a forma de terceirização, quarteirização e subcontratação do trabalho, produziu-se uma reconfiguração da empresa e das novas formas de trabalho.” (SANTOS, 2003, p. 85).

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A jurisprudência brasileira, por exemplo, também tem reconhecido a influência

dessas mudanças estruturais na deterioração das relações de trabalho,

especialmente no que tange às relações de emprego, com destaque para o

desenvolvimento de novas acepções82 do elemento nuclear (fático-jurídico) desta: a

subordinação jurídica83.

82 “De qualquer modo, hoje a compreensão dominante acerca da dualidade poder de direção versus subordinação não mais autoriza o recurso a qualquer matiz subjetivista no tratamento desse tema. Por essa razão, interpreta-se tal elemento sob a ótica essencialmente objetiva. (...) c) Dimensões da Subordinação: clássica, objetiva, estrutural – (...) Clássica é a subordinação consistente na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o trabalhador compromete-se a acolher o poder de direção empresarial, no tocante ao modo de realização de sua prestação laborativa. Manifesta-se pela intensidade de ordens do tomador de serviços sobre o respectivo trabalhador. É a dimensão original da subordinação, aquela que mais imediatamente na História substituiu a anterior servidão na realidade europeia, (...). Objetiva é a subordinação que se manifesta pela integração do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços, ainda que afrouxadas ‘...as amarras do vínculo empregatício’(...). Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa ‘pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento’. Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços.”(DELGADO, 2010, p. 281-285; grifos nossos). 83 Sob o viés das profundas transformações havidas nas relações de trabalho nos últimos anos, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região prolatou a seguinte emente: “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AUTÔNOMOS OU CONTRATO DE EMPREGO. TRAÇO DISTINTIVO. SUBORDINAÇÃO. A subordinação, como um dos elementos fático-jurídicos da relação empregatícia, é, simultaneamente, um estado e uma relação. Subordinação é a sujeição, é a dependência que alguém se encontra frente a outrem. Estar subordinado é dizer que uma pessoa física se encontra sob ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer, na sociedade info-info (expressão de Chiarelli), baseada na informação e na informática, a subordinação não é mais a mesma de tempos atrás, o que inclusive viabilizou o surgimento do info-proletário (expressão de Ricardo Antunes). Do plano subjetivo - Corpo a corpo ou boca/ouvido - Típica do taylorismo/fordismo, ela passou para a esfera objetiva, projetada e derramada sobre o núcleo empresarial. A empresa moderna livrou-se da sua represa; nem tanto das suas presas. Mudaram-se os métodos, não a sujeição, que trespassa o próprio trabalho, nem tanto no seu modo de fazer, mas no seu resultado. O controle deixou de ser realizado diretamente por ela ou por prepostos. Passou a ser exercido pelas suas sombras; pelas suas sobras - em células de produção. A subordinação objetiva aproxima-se muito da não eventualidade: Não importa a expressão temporal nem a exteriorização dos comandos. No fundo e em essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial. Nesse aspecto, diria até que para a identificação da subordinação se agregou uma novidade: Núcleo produtivo, isto é, atividade matricial da empresa, que o ministro Maurício Godinho denominou de subordinação estrutural e o desembargador José Eduardo de subordinação reticular, não se esquecendo que, lá trás, na década de setenta, o professor Romita já a identificara e a denominara de subordinação objetiva. A empresa moderna, por assim dizer, se subdivide em atividades centrais e periféricas. Nisso ela copia a própria sociedade pós-moderna, de quem é, simultaneamente, mãe e filha. Nesta virada de século, tudo tem um núcleo e uma periferia: Cidadãos que estão no núcleo e que estão na periferia. Cidadãos incluídos e excluídos. Sob essa ótica de inserção objetiva, que se me afigura alargante (não alarmante), eis que amplia o conceito clássico da subordinação, o alimpamento dos pressupostos do contrato de emprego torna fácil a identificação do tipo justrabalhista. Com ou sem as marcas, as marchas e as manchas do comando tradicional, os trabalhadores inseridos na estrutura nuclear de produção são empregados. Na zona grise, em meio ao fogo jurídico, que cerca os casos limítrofes, esse critério permite uma interpretação

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Poder-se-ia afirmar que são melhores as formas alternativas de trabalho do

que o desemprego, porém esta conjectura pode ter consequências irreparáveis,

especialmente quando compreendemos que o trabalho dignifica o sujeito e permite

seu reconhecimento como cidadão (TITTONI, 2007, p. 95). Sob essa ótica tanto o

desemprego, quanto às formas de subcontratação atingem a dignidade dos

trabalhadores, retirando-lhes a possibilidade de uma identificação cidadã.

A conclusão acerca dos efeitos da globalização e das alterações nas

estruturas produtivas não pode ser outra senão a de que houve uma grave

precarização das relações, uma vez que as formas alternativas de contratação

objetivam acima de tudo cortar custos, ou seja, reduzir salários e encargos inerentes

à relação laboral.

Todavia, ainda mais intensa que alteração estrutural financeira objetiva

(salários mais baixos, menos poder aquisitivo, aumento das desigualdades, dentre

outros), é mais significativa a mudança subjetiva ocorrida com a classe trabalhadora.

A busca incessante pela redução de custos, eliminação de qualquer desperdício e

majoração do lucro, em meio à disseminação das ideias flexíveis do toyotismo,

acabou por capturar a intelectualidade do trabalhador e absorver sua subjetividade

de maneira a extrair toda sua criatividade. Neste sentido são elucidativas as

considerações de Giovanni Alves (2011), que desenvolveu obra específica sobre o

tema:

O processo de precarização do trabalho no capitalismo global atinge a ‘objetividade’ e a ‘subjetividade’ da classe dos trabalhadores assalariados. O eixo central dos dispositivos organizacionais (e institucionais) das inovações organizacionais do novo complexo de reestruturação produtiva é a ‘captura’ da subjetividade do trabalho pela lógica do capital. É a constituição de um novo nexo psicofísico capaz de moldar e direcionar ação e pensamento de operários empregados em conformidade com a racionalização da produção. (...)

teleológica desaguadora na configuração do vínculo empregatício. Entendimento contrário, data venia, permite que a empresa deixe de atender a sua função social, passando, em algumas situações, a ser uma empresa fantasma - Atinge seus objetivos sem empregados. Da mesma forma que o tempo não apaga as características da não eventualidade; a ausência de comandos não esconde a dependência, ou, se se quiser, a subordinação, que, modernamente, face à empresa flexível, adquire, paralelamente, cada dia mais, os contornos mistos da clássica dependência econômica. Ora, a empresa reclamada existe para obter lucro através da venda de seu produto. Por isso, independentemente de se submeter ou não a ordens, horários e controle da reclamada, o trabalho do reclamante esteve intrinsecamente ligado à atividade da empresa, como uma condição sine qua no n para o sucesso do empreendimento.” (TRT 3ª R.; RO 0010239-49.2014.5.03.0039; Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault; DJEMG 13/03/2015; pág. 53, Repositório autorizado do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009 - grifos nossos).

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Temos utilizado a expressão ‘captura’ da subjetividade do trabalho para caracterizar o nexo essencial que garante o modo de organização toyotista do trabalho capitalista. (ALVES, 2011, p. 111-113 – grifos nossos)

Todavia, em sentido diametralmente oposto e entendendo a globalização e

sua abertura de mercado como única solução aos países pobres, especialmente por

conta da “criação de postos de trabalho”, pondera José Manuel Moreira:

Os movimentos antiglobalização são o último equívoco. A sua origem pode ser encontrada numa mescla de ideologia anticapitalista e na presença diligente de um problema real, muito difícil de resolver. De qualquer forma, na medida em que esses movimentos estejam de boa fé, deverão reconhecer que as melhores intenções, se carecem de racionalidade, produzem efeitos perversos. Penso que convirá rectificar a direcção dos seus disparos e juntar-se aos que pensam que a política que pugna pela abertura dos mercados – tanto dos países pobres como dos países ricos – e a instalação nos primeiros de empresas estrangeiras, em lugar de ser um caminho para mais pobreza e exploração, constitui o único meio para ajudar essas nações a exportar, criar postos de trabalho, elevar o seu nível de vida e fomentar uma melhor saúde e educação. (MOREIRA, 2007, p. 100)

Essa nova realidade que leva à absorção não apenas da força física, mas

também à apreensão de toda capacidade mental do trabalhador acabou por

instaurar um processo de deterioração da qualidade das relações em alguns

ambientes produtivos, levando até mesmo ao adoecimento psíquico de alguns

trabalhadores. Neste contexto surge a denominação do assédio moral84.

84 As condutas descritas como assédio moral podem ter ocorrido nas relações de sujeição anteriores às mudanças objeto de verticalização do presente estudo, mas não eram assim delimitadas e denominadas em tempos pretéritos (HIRIGOYEN, 2012, p. 65).

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3 O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO DOS EMPREGADOS

GESTORES

“É muitas vezes na empresa onde se exige que ele demonstre, no cotidiano, muitos sentimentos e emoções que muitas vezes não são aquilo que está dentro dele ou não refletem o homem real que existe por trás dessas máscaras.” (Luiz Cuschnir e Elyseu Mardegan Jr.85)

3.1 O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

3.1.1 Conceito, Características do Assédio Moral na Relação de Emprego

Conforme exposto anteriormente, desenvolveram-se várias formas de

prestação do trabalho a partir das demandas de reestruturação do capitalismo, bem

como em razão das transformações sociais e econômicas advindas da globalização,

de modo que é importante delimitar a abordagem do assédio moral, a qual estará

centrada especificamente na relação de emprego em seu sentido estrito, como

espécie do gênero relação de trabalho 86.

De acordo com Marie-France Hirigoyen o assédio moral no ambiente laboral é

tão antigo quanto o próprio trabalho, ou seja, parece ser um fator inerente à relação

de sujeição entre empregado e empregador (HIRIGOYEN, 2012a, p. 65), mas só

passou a ser assim identificado recentemente (HIRIGOYEN, 2012a, p. 65), no final

do século XX (coincidindo com o corte temporal do presente estudo).

Apesar dos números alarmantes no mundo todo (ZANELLI e TROMBETTA,

2011, p. 19-31) os dados estatísticos sobre assédio moral são tidos apenas como 85 CUSCHNIR e MARDEGAN JR, 2001, p. 97. 86 “Por relação de trabalho pode-se dizer qualquer liame jurídico que tenha por objeto a prestação de serviço de um determinado sujeito, pessoa física ou jurídica, a um determinado destinatário. A categoria é ampla e abrange inúmeras espécies, tais como a empreitada, o locador de serviço, o artífice, o trabalho prestado por profissional liberal, o trabalho avulso, o serviço eventual e autônomo, o temporário, o representante comercial, o funcionário público e, também, o trabalho do empregado subordinado, entre outros. A relação de emprego é espécie do gênero relação de trabalho e corresponde à prestação de serviço subordinado por uma determinada pessoa física.” (DALLEGRAVE NETO, 1998, p. 59).

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“ponta de um iceberg” desse fenômeno global que “ocorre indistintamente em países

ricos, remediados e pobres”. Essa verificação fortalece o fundamento de que “essa

violência é produzida por fatores mais abrangentes, que atravessam culturas,

sociedades e formatos organizacionais”, mesmo que se admita a contribuição destes

para majoração do número de casos de assédio (FREITAS, HELOANI, BARRETO,

2013, p. 17).

Para uma melhor compreensão do conceito de assédio moral mostra-se

pertinente uma breve evolução acerca do surgimento e delimitação da expressão,

especialmente pela quantidade de terminologias adotadas.

A identificação do tema tem origem nos estudos realizados nos países anglo-

saxões e nórdicos, onde foi denominado de mobbing87, com destaque para as

pesquisas em psicologia do trabalho realizadas por Heinz Leymann88, através de

levantamentos com diversos grupos de trabalhadores, na quais classificou o

processo de assédio como psicoterror (HIRIGOYEN, 2012a, p. 65-66) e o definiu

como “ações repetidas e repreensíveis ou claramente negativas, dirigidas contra

empregados de uma maneira ofensiva, e que podem conduzir a seu isolamento do

grupo no local de trabalho” (HIRIGOYEN, 2012b, p. 78). A terminologia mobbing é

utilizada, atualmente, para definir as agressões realizadas por grupos (HIRIGOYEN,

2012b, p. 78 e PACHECO, 2007, p. 169).

No Japão, na década de 80, surgiu o termo ijime89 que inicialmente

denominou relações no âmbito escolar e significava, em termos de labor, a inserção

de um trabalhador mais jovem na equipe90, posteriormente, nos anos 90

(HIRIGOYEN, 2012b, p. 83-84), passou a ser utilizado no âmbito das estruturas

produtivas com um sentido “mais abusivo, hostil e brutal” em razão da dos efeitos da

recessão econômica (PACHECO, 2007, p. 166-167).

O termo bullying91, de origem inglesa, também surgiu nos ambientes

escolares entre crianças, e quando transposto para os meios laborais aproximou-se

87 Do verbo inglês to mob, que significa maltratar, atacar, perseguir, sitiar. A expressão foi utilizada pela primeira vez por Korand Loranz, etnólogo, para descrever comportamento entre animais (HIRIGOYEN, 2012b, p. 76-77). Também são utilizadas as expressões bullying, bossing, e harrassment nos países anglo-saxônicos (PACHECO, 2007, p. 167). 88 Psicólogo de origem alemã, radicado na Suécia, e tem obra específica sobre o tema publicada em 1993 (HIRIGOYEN, 2012a, p. 65-66 e 2012b, p. 76-77). 89 Assédio em japonês (HIRIGOYEN, 2012b, p. 83). 90 “O prego que avança vai encontrar o martelo” (HIRIGOYEN, 2012b, p. 83). 91 Expressão oriunda do verbo to bully que significa tratar com desumanidade e grosseria (HIRIGOYEN, 2012b, p. 78).

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mais da caracterização de ofensas nas relações descendentes entre empregador e

empregado, razão pela qual é muito restrito para a caracterização do assédio moral

(PACHECO, 2007, p. 166-167).

Na evolução da conceituação do assédio moral merecem destaque, ainda, as

expressões harassment e whistleblowers, que significam, respectivamente, “ataques

repetidos e voluntários de uma pessoa para outra, para atormentá-la, miná-la, enfim,

provocá-la” e “uma forma específica de assédio moral, destinada a silenciar quem

não obedece às regras do jogo” (HIRIGOYEN, 2012b, p. 81-83).

Tanto Marie-France Hirigoyen (2012b, p. 85), quanto Mago Graciano de

Rocha Pacheco (2007, p. 171), entendem que a expressão mais adequada a ser

utilizada é assédio moral em razão de seu caráter mais amplo e também porque

tutela a integridade moral92 (a dignidade psíquica) do trabalhador.

Rita Garcia Pereira, por seu turno, entende que mobbing seria a expressão

adequada à definição do assédio moral no trabalho, pois a compreende como uma

definição ampla que se dirige à esfera psicológica do indivíduo (PEREIRA, 2009, p.

77-78).

A chamada “guerra psicológica no local de trabalho” é caracterizada por dois

fenômenos principais segundo Marie-France Hirigoyen, quais sejam: o abuso de

poder e a manipulação perversa (HIRIGOYEN, 2012a, p. 66).

O abuso de poder se manifesta, segundo a autora, de forma mais objetiva,

sendo rapidamente identificado e muitas vezes rechaçado pelos empregados

(HIRIGOYEN, 2012a, p. 66).

Em se tratando da relação de emprego, o poder envolvido é a prerrogativa de

gestão, denominada de jus variandi ou poder diretivo do empregador e se aplica não

só ao direcionamento do negócio, mas especialmente às relações com seus

empregados. Aquele (pessoa física ou jurídica) que admite empregados para

consecução de um negócio ou empreendimento assume os riscos da atividade e,

portanto, tem a prerrogativa da gestão no sentido de alcançar os fins colimados93,

quais sejam, o lucro, o desenvolvimento, a função social, dentre outros.

Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo (2014, p. 32-33) define o poder diretivo

como a “prerrogativa que possui o empregador, como detentor da alteridade, de

92 A proteção da integridade moral no trabalho tem como marco legislativo os artigos 1º, 6º, e 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (GALVÃO, 2011, P. 76-77). 93 O conceito é extraído das disposições do artigo 2°, da CLT.

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gerir o seu empreendimento – contratando, pagando salários, fiscalizando e

comandando o empregado”. O poder diretivo seria a faceta responsável pela

manutenção da subordinação jurídica94 do empregado, enquanto essa legitima

aquele.

Pietro Perlingieri qualifica o abuso do direito95 ou excesso de poder como “o

exercício contrário ou de qualquer modo estranho à função da situação subjetiva”,

ou seja, sempre que uma conduta não encontrar justificativa na função daquela

relação de poder estará configurado o abuso (PERLINGIERI, 2008, p. 683-684).

Nesta esteira, transportando essa noção para o âmbito da relação de emprego,

verifica-se um abuso de direito toda vez que o empregador extrapola os limites do

jus variandi acima mencionado. E sempre que a violação daí decorrente for de

ordem moral poderá restar configurado o assédio nos moldes ora analisados

(HIRIGOYEN, 2012a, p. 66).

Não só o empregador, mas também aqueles escolhidos para atuar em nome

para exercer o legítimo poder de direção e comando incidirão em abuso de direito

quando ultrapassarem os limites impostos à atuação delegada (ALKIMIN, 2005,

165).

No que concerne, ainda, ao primeiro fenômeno identificado por Marie-France

Hirigoyen, o abuso de poder, é interessante a conclusão de Zeno Simm no sentido

de que é muito simples distinguir o poder diretivo do empregador e a sujeição do

empregado em termos doutrinários e conceituais, mas, na prática, a triagem dessas

situações não se verifica tão facilmente, especialmente porque o empregado muitas

vezes se sujeita a abusos com o receio de perder o emprego ou, ainda, em outras

ocasiões, resiste às determinações que decorrem do jus variandi do empregador, as

quais nem sempre se traduzem em efetiva extrapolação do direito potestativo à

direção dessa relação dinâmica (SIMM, 2008, pp. 67-70)96.

94 O principal elemento da relação de emprego é a subordinação jurídica como bem destaca José Affonso Dallegrave Neto: “O elemento subordinação é, pois, indissociável da relação de emprego.” (DALLEGRAVE NETO, J. A. Contrato Individual de trabalho: uma visão estrutural. São Paulo: LTr, 1998, p. 59) 95 O abuso de direito é expressamente previsto como ilícito apto a ensejar reparação no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposições do artigo 187, do Código Civil: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”, aplicável subsidiariamente ao direito do trabalho por força do artigo 8º, da CLT. 96 Com a aceleração dos meios de comunicação, fruto do processo de globalização, houve um avanço significativo na divulgação do instituto do assédio moral, mas ao mesmo tempo em que tem um caráter preventivo, essa educação para o tema também veio acompanhada de uma banalização,

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Já a manipulação perversa ocorre de forma lenta e mascarada e pode ser

realmente devastadora na vida dos empregados, pois é composta de condutas

insidiosas, nem sempre identificáveis de imediato (HIRIGOYEN, 2012a, p. 66). É

muito difícil para o empregado que já está sendo vítima de assédio nesta

configuração insurgir-se contra eventuais abusos, pois há um receio significativo de

que o quadro se verifique mais agravado ao invés de encontrar uma solução (SIMM,

2008, pp. 67-70).

Interessante destacar que para Marie-France Hirigoyen a chamada gestão por

injúria não é sinônimo de assédio moral, pois neste os procedimentos são velados,

enquanto que naquela a violência dos “tiranos perturbados é notada por todos” e se

manifesta expressamente (HIRIGOYEN, 2012b, p. 28-29).

Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que passou a se preocupar

com o tema ante a sua ampla difusão em âmbito mundial, define assédio moral

como “a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras”

(INÁCIO, 2012, p. 15), onde pode se incluir a gestão por injúria como uma espécie

do gênero.

Apesar de ser uma prática reiterada comum nos cenários laborais atuais,

reconhecida pelos operadores do direito, pelos profissionais da área da saúde e

recursos humanos pela jurisprudência, a figura do assédio moral não possui tutela

específica no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro97, mas as ações que se

caracterizam daquela forma são objeto de reparação por força dos mecanismos de

proteção constitucional, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana

(artigo 1º, inciso III), o valor social do trabalho (artigo 3º, inciso IV) e o direito

fundamental a inviolabilidade física e mental (artigo 5º, inciso X), como bem ensina o

jurista DALLEGRAVE NETO (2008, p. 208).

Destaque-se que no que se refere ao assédio sexual a tutela jurídica nacional

foi no sentido de criminalizar a hipótese, conforme se verifica das disposições do

onde muitos empregados questionam a execução de ordens que são decorrentes do exercício do legítimo poder diretivo do empregador, como, por exemplo, o acatamento de pequenas variações de horário, a exigência no cumprimento dos horários contratos e das regras de conduta ética da empresa, ou até mesmo a implantação de sistemas de tecnologia com o objetivo de atingir melhorias de processos, dentre outras. 97 Há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, a exemplo da PL 4742/2001, PL 5970/2001, PL 5980/2001 e PL 5072/2001, bem como vigoram diversas municipais (São Paulo/SP, Americana/SP) e leis estaduais (Rio de Janeiro), aplicáveis aos servidores públicos, mas ainda não houve um avanço na tipificação específica do assédio moral na relação de emprego, tampouco como tipo criminal (LIMA FILHO, 2009, p. 31-32).

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artigo 216-A, do Código Penal e que poderia, ante a gravidade e a reincidência dos

casos de assédio moral, ser estendida especificamente a este. Todavia, ainda que

não haja um tipo penal específico, é possível afirmar que os bens jurídicos do

trabalhador ofendidos quando da exposição ao assédio moral atraem a tutela de

alguns dispositivos já existentes no Código Penal, como os crimes contra honra

(calúnia, injúria e difamação, previstas respectivamente nos artigos 138 a 139 do

Código Penal) e até os crimes de lesão corporal, em casos em que o assédio tem

como consequência a violência física (artigo 129, do Código Penal), dentre outros

tipos penais (ÁVILA, 2009, p. 128-129).

Merece ser transcrito o conteúdo do enunciado 39 aprovado pela 1ª Jornada

de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, o qual aponta ser dever do

empregador a manutenção de um ambiente sadio, apto a evitar quaisquer danos à

saúde mental e à esfera moral dos trabalhadores, onde se verifica uma clara

preocupação em coibir práticas de assédio nas relações laborais.

Enunciado n. 39: Meio ambiente de trabalho. Saúde mental. Dever do empregador. É dever do empregador e do tomador dos serviços zelar por um ambiente de trabalho saudável também do ponto de vista da saúde mental, coibindo práticas tendentes ou aptas a gerar danos de natureza moral ou emocional aos seus trabalhadores, passíveis de indenização. (grifos nossos)

No direito comparado é possível citar o exemplo de Portugal, onde o assédio

é tutelado especificamente no artigo 29, do Código de Trabalho98, adotando-se

conceituação ampla que tutela tanto o acesso ao emprego (não discriminação),

quanto sua manutenção, entendendo como indesejado todo comportamento que

intente perturbar, constranger, ofender sua dignidade ou, ainda, propiciar ambiente

de trabalhado inadequado.

98 “Artigo 29.º. Assédio. 1 – Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. 2 – Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior. 3 – À prática de assédio aplica-se o disposto no artigo anterior. 4 – Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.”

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Os fenômenos do abuso de poder e da manipulação perversa, apresentados

como principais características do assédio por Marie-France Hirigoyen, em obra

publicada pela primeira vez em 1998 (2012a, p. 66), são aperfeiçoados em outro

trabalho posterior (publicado em 2001) no qual a autora declina-se especificamente

sobre o mal-estar no trabalho e redefine alguns aspectos, passando a elencar

elementos mais minuciosos para delimitação daquele tema (2012b, p. 37-67).

No que se refere aos elementos que esquadrinham o assédio há um “conjunto

de sentimentos inconfessáveis” que leva a sua prática como a “recusa na distinção”,

ou seja, a não aceitação dos profissionais que possuem características que destoam

do grupo; “a inveja99, o ciúme100 e a rivalidade101” entre profissionais; o medo102,

taxado como “motor indispensável ao assédio moral”; e o “inconfessável”

propriamente dito, que se refere às situações em que um empregado acaba por

identificar e delatar regras de conduta inadequadas adotadas pelos colegas e por

toda uma equipe, sendo retalhado por tal prática (HIRIGOYEN, 2012b, p. 37-51).

Quanto às formas de ferir envolvidas na caracterização do assédio, a

psicóloga traz a figura do isolamento, tanto no que se refere à interação pessoal,

quanto a não disponibilização de dados e informações relacionados ao trabalho; o

ataque pessoal através do próprio trabalho, exigindo a produtividade sem a

concessão dos meios adequados; a invasão da intimidade e da privacidade do

empregado, expondo-o perante os demais colegas; e a perda do sentido pela total

incompreensão das atitudes de sabotagem advindas de colegas e superiores

(HIRIGOYEN, 2012b, p. 51-62).

99 “A inveja é um sentimento natural que surge inevitavelmente a partir do momento em que duas pessoas estão em situação de se comparar à outra ou em posição de rivalidade” (HIRIGOYEN, 2012b, p. 39). 100 “Os sentimentos de ciúme podem aparecer entre colegas, inclusive na hierarquia ou entre superiores e subordinados. Quando já não é seguro de si, como aguentar ter um subordinado com mais diplomas e mais competitivo?” (HIRIGOYEN, 2012b, p. 41). 101 “A rivalidade é uma alavanca de que as empresas se servem, bastante cinicamente para se livrar de alguém incômodo: joga-se uma pessoa contra outra, a fim de que uma delas decida pedir as contas” (HIRIGOYEN, 2012b, p. 41-42). 102 Sobre a questão do medo no ambiente laboral, interessante destacar que há quem afirme que a gestão pelo medo não é forma de assédio moral, mas sim uma conduta lesiva autônoma, o que se depreende da seguinte ementa, da lavra do jurista Julio Cesar Bebber “GESTÃO PELO MEDO. DANO MORAL. Certos empregadores e seus prepostos, com escopo de gerar maior produção, agem com abuso de poder e adotam a gestão pelo medo, que se situa em uma zona muito próxima do assédio moral e às vezes com ele se confunde. Esse método de gerenciamento repousa em técnicas extremamente perversas, permeadas de arrogância, agressividade, cinismo, xingamentos e ameaças, com o objetivo de provocar medo, vergonha e obediência, caracterizando, assim, dano moral. (TRT 24ª R.; RO 0001763-13.2012.5.24.0005; Primeira Turma; Rel. Juiz Conv. Julio Cesar Bebber; Julg. 24/06/2014; DEJTMS 04/07/2014; Pág. 14 – grifos nossos).

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Ainda como aspecto significativo de sua redefinição do assédio moral no

trabalho, a psicóloga francesa indaga “em que se é perverso?” objetivando avaliar a

intencionalidade, a autopercepção das práticas de assédio. Inicialmente, destaque-

se que a mágoa da vítima é diretamente proporcional à percepção da intenção na

conduta do agente, ou seja, quando está claro que existe uma intenção de afetar,

prejudicar o sofrimento é maior. Todavia, as situações em que o assediador nega ou

apresenta justificativa para determinados comportamentos acaba por colocar a

vítima em uma situação de dúvida, o que pode agravar ainda mais as

consequências do assédio (HIRIGOYEN, 2012b, p. 64-65). Neste particular, há que

se avaliar a consciência (ou não) do assediador acerca de suas práticas

inadequadas.

Onde se situa o grau de consciência de uma pessoa, para que se fale de assédio moral? Pode ocorrer que uma empresa tenha em seu interior os germes de perversidade que ela propaga de modo sub-reptício sem que nada aconteça de tangível; contudo, só se falará de assédio moral no momento em que uma pessoa passar ao ato, exprimindo assim o que já acontecia de forma dissimulada no clima geral. (...) Não se pode falar em intencionalidade quando se trata de sistemas. A intencionalidade vem de pessoas que dirigem ou tiram proveito de sistemas perversos. (HIRIGOYEN, 2012b, p. 64-65)

É possível considerar, ainda, no que se refere ao caráter intencional a

dificuldade de relacionamento, onde se percebe que muitas vezes o reconhecimento

do ato danoso e um pedido de desculpas são suficientes para a vítima, mas em não

havendo a remissão pelo agressor, pode ser que práticas reiteradas dessa

inabilidade levem à configuração do assédio (HIRIGOYEN, 2012b, p. 64-65). A

questão da confiança permite muitas vezes a identificação de atos que decorreram

tão somente de deficiências em se relacionar, pois decorre da ética e “está

fundamentalmente ligada à efetividade de uma congruência no tempo, entre a

palavra dada e o comportamento que se segue” (DEJOURS, 2005, p. 53).

Por último, “quer venha de um indivíduo ou de um sistema organizacional, o

assédio moral é um processo perverso”, uma vez que proporciona a possibilidade de

manipulação dos empregados no sentido de aumentar poder e vantagens

(HIRIGOYEN, 2012b, p. 67), o que vai ao encontro da ideia de captura da

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subjetividade exposta no final do capítulo anterior em favor dos detentores do capital

(empregadores).

A manipulação perversa, entretanto, não é tão clara, e muitas vezes é

composta por atitudes sorrateiras, que objetivam desestabilizar a autoestima do

empregado ou, ainda, submetê-lo a situações de menoscabo e desgosto, tornando

sua vida extremamente desconfortável no ambiente de trabalho.

Acresçam-se aos aspectos já tratados as marcas da reiteração e da

sistematização como elementos que distinguem o assédio moral de atos isolados de

agressão, por exemplo. Enquanto estes podem ser objeto de uma reparação por

danos morais quando ocorridos uma única vez, o assédio exige uma repetição de

objetivos que se prolonga e sistematiza no tempo (PACHECO, 2007, p. 92-117;

GALVÃO, 2011, p. 98).

A constituição do assédio moral se dá por “práticas reiteradas de extrema

violência predominantemente psicológicas no trabalho, determinadas por variáveis

individuais, grupais, organizacionais e sociais”, não se distinguindo por um único ato

isolado (GARCIA e TOLFO, 2011, p. 39).

Ao tratar das hipóteses que podem ensejar reparação por dano moral,

qualificando-o como uma das instituições de direito civil que se aplica à esfera do

trabalho, Alexandre Agra Belmonte afirma que:

O assédio moral significa o comportamento reiterado e abusivo, destinado a constranger o empregado para usá-lo ou, simplesmente, desestabilizá-lo para fragilizá-lo emocionalmente. É a exposição do empregado a situações incômodas, atentatórias da sua dignidade, com o intuito de se servir do trabalhador ou de simplesmente fragiliza-lo. (BELMONTE, 2004, p. 498)

Tradicionalmente, o assédio moral se manifesta entre pessoas que têm

ascendência hierárquica uma sobre a outra, pois essa é a forma mais corriqueira de

exacerbação do poder (vertical descendente). Contudo, admitem-se outras

manifestações do assédio103, como a horizontal (entre colegas); a invertida, dos

103 O julgado proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região reconhece os diversos tipos de assédio possíveis nos ambientes de trabalho: “ASSÉDIO MORAL. Conceito. Assédio moral, psicoterror, mobbing ou terrorismo psicológico é um distúrbio da personalidade dissocial, um tipo de violência moral ou psicológica que se perfaz de modo ascendente, descendente ou horizontal na perseguição sistemática, predatória, deliberada e perversa, dirigida, por qualquer meio, a um ou mais trabalhadores, isoladamente ou em grupo, com o fim específico de segregá-los e de consumi-los física, emocional ou psicologicamente, a ponto de destruí-los, fragilizá-los ou constrangê-los a ceder a interesses lascivos ou de outra índole qualquer, ou, simplesmente, fazê-los desinteressar-se do

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subordinados em relação ao ascendente (vertical ascendente); e a forma mista,

onde há concomitância de uma das formas vertical e da horizontal (PACHECO,

2007, p. 155-163; NASCIMENTO, 2011, p. 15-16; LEITÃO, 2010, p. 191;

HIRIGOYEN, 2012b, p. 112-116).

Merecem destaque as considerações de Rodolfo Pamplona Filho no sentido

de que o assédio moral prescinde do dano para restar configurado, pois o “dano

psíquico-emocional deve ser entendido como a consequência natural da violação

aos direitos da personalidade da vítima” (PAMPLONA FILHO104)

Manoel Jorge e Silva Neto defende a existência do “assédio moral por

discriminação” e do “assédio moral organizacional”, qualificando-os como espécies

do assédio moral. A primeira hipótese é retratada pelo comportamento ilícito

destinado a determinado indivíduo em razão de suas características particulares

(idade, gênero, estética, etc). A segunda, por seu turno, caracteriza-se pelas ações

que objetivam alcançar um elevado índice de produtividade dos empregados,

afetando toda a estrutura da organização de trabalho. Depreende-se da análise

dessas espécies apresentadas que o assédio moral é um “ato ilícito-meio designado

à consecução de finalidade igualmente ilícita, à qual chamamos de ato ilícito-fim,

que é o propósito de quem pratica assédio moral: discriminar ou obter produtividade”

(SILVA NETO, 2012, 115-116).

Em decorrência de ambas as espécies (discriminatória e organizacional)

identifica-se o “assédio por competência” que pode ser conceituado como o ato

ilícito que exige do empregado maior produtividade em razão “de sua especial

competência, habilidade e compromisso técnico-profissional, sem que lhe seja

destinada a remuneração e/ou benefícios contratuais dos demais trabalhadores”,

tampouco proporcionais à exigência desigual aplicada (SILVA NETO, 2012, p. 125-

126). O trabalhador com maior habilidade, responsabilidade (técnica ou de gestão) e

conhecimento apurado para o desempenho das atividades ou solução de

intercorrências acaba sendo esgotado pelo empregador sem, contudo, auferir a

emprego, demitir-se ou cometer falta grave que permita a sua dispensa motivada. O assédio moral constitui abuso do direito de dirigir o contrato de trabalho e configura ato ilícito que fere a dignidade do trabalhador, degrada o meio ambiente de trabalho, constitucionalmente assegurado, deixa sequela psicofísica e causa dano moral reparável.” (TRT 1ª R.; RO 0000543-22.2014.5.01.0531; Segunda Turma; Rel. Des. José Geraldo da Fonseca; DORJ 11/02/2015; grifos nossos). 104http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/rodolfo_pamplona_filho/rodolfo_nocoes_conceituais.pdf. Acesso em 15/05/2015.

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adequada contraprestação e ter o reconhecimento pelo seu destaque qualitativo e

quantitativo.

O assédio por competência pode ser uma terrível forma de materialização da

espécie organizacional, pois incidindo sobre um conjunto de empregados, acaba por

acirrar a competitividade e transformar o ambiente laboral em um verdadeiro campo

de batalhas105, hostil e muitas vezes sem ética interpessoal (SILVA NETO, 2012, p.

126-130).

Rúbia Zanotelli de Alvarenga caracteriza o assédio moral individual como uma

conduta que tem por objetivo a exclusão do indivíduo do mundo do trabalho,

discriminando-o perante seus pares e define o assédio moral organizacional como

aquele que “tem por objetivo a sujeição de um grupo de trabalhadores às agressivas

políticas mercantilistas da empresa por meio do estabelecimento abusivo de metas”

(ALVARENGA, 2012, p. 958).

Em que pese envolva um grupo de empregados inseridos em uma estrutura

produtiva, o assédio moral organizacional não é sinônimo de assédio coletivo, mas

sim uma espécie deste último; que pode ser qualificado pelos atos de um assediador

contrários a um grupo de trabalhadores (MEDEIROS, 2012, p. 25) e pode se

manifestar de diversas formas106, além daquela. É muito comum a configuração de

assédio coletivo em casos envolvendo campanhas motivacionais de vendas ou,

ainda, para o alcance de produtividade, caracterizando-se a espécie organizacional

(MEDEIROS, 2012, p. 26-27).

Todavia, por ser decorrente de uma sistematização da gestão empresarial,

das regras e valores praticados pela organização, o assédio moral organizacional

pode sim atingir um único indivíduo, como bem explica Adriane Reis de Araujo, em

obra específica sobre o tema:

Compreende o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma

105 "À medida que os homens são animados uns contra os outros pela inveja ou por qualquer afecção de ódio, são contrários uns aos outros e, por conseguinte, tanto mais se deve temer que o seu poder seja maior do que o de outros indivíduos da Natureza. Contudo, não são vencidos pelas armas, mas pelo amor." (SPINOZA, 2002, p. 359-360). 106 Como exemplo de assédio moral coletivo é possível citar um chefe tirano que persegue perversamente seus subordinados, independentemente de resultados; um superior hierárquico que discrimina apenas mulheres ou somente adeptos de uma determinada religião, etc. Condutas como revistas íntimas vexatórias; controle de idas ao banheiro; condutas antissindicais; instalação de câmeras; entre outras, também são qualificadas como assédio moral coletivo (MEDEIROS, 2012, p. 27).

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relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e/ou psíquicos. (ARAÚJO, 2012, p. 7).

A análise do assédio moral à luz do pensamento ético de Aristóteles reforça a

fragilidade e a desonestidade das relações laborais, não só entre os trabalhadores,

mas destes para consigo mesmos. O centro das ideias aristotélicas está no alcance

do bem, ou seja, este é a finalidade de todas as ações107. E o bem maior a ser

alcançado pelo homem é a felicidade, mas quando conquistada mediante a

subjugação e massacre de outros seres humanos, retirando-lhe a dignidade, não há

legitimidade no alcance dessa finalidade, que deixa de ser verdadeira (SILVA, 2012,

p. 206-261).

Independentemente da forma como se manifeste, seja por parte de chefes

perversos (tiranos), seja por empresas que mantêm tais profissionais em seus

quadros ou instituem práticas organizacionais, o assédio moral sempre será aético,

ou seja, contrário às normas e princípios que norteiam as boas práticas no ambiente

de trabalho (SOUZA, 2011, p. 33).

Especificamente no que tange ao assédio moral organizacional, interessante

destacar que é considerado não só aético (divorciado das regras de conduta108),

mas também imoral (desprovido de quaisquer valores morais), pois algumas

estruturas produtivas institucionalizam práticas de maltrato sob o pretexto de que os

fins justificam os meios, reputando válidas quaisquer estratégias, ainda que

ofensivas à dignidade do trabalhador, em nome do lucro e da eficiência (LIMA

FILHO, 2009, p. 66).

107 “Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem tida coisa desejamos com vistas em outra (porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem.” (ARISTÓTELES, 1984, p. 49 – grifos nossos) 108 Leonardo Boff distingue a ética da moral: “A ética é a parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e valores que orientam as pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então, que tem caráter e boa índole. A moral é a parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente estabelecidos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores consagrados. Estes podem, eventualmente, ser questionados pela ética. Uma pessoa pode ser moral (segue costumes até por conveniência) mas não necessariamente ética (obedece a convicções e princípios)” (BOFF, 2003, p. 37).

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Assim, pode-se conceituar o assédio moral como um conjunto de práticas

envolvendo abuso de poder ou atitudes de manipulação perversa que tem por

objetivo retirar a estabilidade do assediado (ou dos assediados), ora com algum

objetivo específico, ora apenas pela perversidade ser humano.

Contudo, superada essa delimitação inicial acerca do conceito, forma e

características do assédio moral e para que se possa avançar na persecução de

uma assertiva para o problema proposto, surge a necessidade de analisar a relação

entre os efeitos da globalização, nos moldes já abordados acima, e sua relação (ou

não) com a disseminação de práticas assediadoras, especialmente pela profusão da

modalidade organizacional.

3.1.2 Efeitos da Globalização no Conceito de Assédio Moral: Aspectos Interpessoais e Ambientais

Conforme exposto anteriormente, o fenômeno do assédio é bastante antigo,

mas a sua nominação, tipificação e desenvolvimento nitidamente ocorreram nas

últimas décadas do século XX109 (SOUZA, 2011, p. 31) e assumiu significativa

proporção no século XXI.

Da mesma forma, delimitou-se acima, com base nas diversas fontes de

ciência pesquisadas, que a globalização pode ser sucintamente caracterizada como

um conjunto de processos de profundas transformações econômicas, sociais,

políticas e culturais ocorridas a partir do final da segunda metade do século XX,

fomentadas pela livre circulação do capital e pelas tecnologias da informação,

refletindo em todas as dimensões da sociedade.

Nitidamente a delimitação do assédio moral é contemporânea ao

desenvolvimento da globalização110, de onde se pode extrair a relação entre tais

acontecimentos, especialmente porque uma das características marcantes desta é a

109 Assim como Marie-France Hirigoyen (2012a), Jorge Dias Souza (2011, p. 31) também invoca os estudos de Heinz Leymann, datado do início dos anos de 1980 como marco para caracterização do tema. 110 “É interessante salientarmos que a ‘era da globalização’ não criou o assédio moral, pois, como temos aqui registrado, os maus-tratos sempre foram ‘estilos’ de intensificação da produtividade dos trabalhadores desde a antiguidade, passando a escravidão até o momento atual.” (AGUIAR, 2005, p. 72). A globalização não criou o assédio, mas certamente foi um dos elementos mais importantes na disseminação dessa prática nas organizações de trabalho atuais.

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aceleração na propagação da informação, o que certamente contribuiu para que os

estudos acerca daquele pudessem ser divulgados, permitindo a identificação por um

maior número de pesquisadores e também de vítimas e agressores.

Todavia, ainda mais importante que a disseminação do tema como meio de

identificação do assédio moral e até mesmo do desenvolvimento de inúmeros

estudos com objetivo de prevenção, é a significativa alteração na organização do

trabalho nas estruturas produtivas, conforme visto na parte final do capítulo anterior.

O traspasse dos modelos tradicionais de divisão do trabalho (taylorismo, fordismo)

para o sistema de produção flexível (toyotismo) alterou profundamente o ambiente

laboral, bem como instaurou um processo de deterioração das relações

interpessoais dentro das organizações, situação instigante às condutas

assediadoras.

Outro aspecto que deve ser acrescido à relação entre as mudanças na

organização do trabalho havidas no processo de globalização e a identificação

crescente do assédio moral é o desenvolvimento da psicologia do trabalho, com

diversos estudos sobre a condição psíquica daqueles que empregam sua força

produtiva (em sentido amplo) em favor daqueles que são detentores do capital.

Enquanto Simone Weil (1996, p. 153) reconheceu no taylorismo a delimitação

de uma psicotécnica do trabalho, Harvey (1992, p. 121) enxergou no fordismo uma

nova psicologia, voltada às questões laborais. A preocupação naquela época,

entretanto, estava atrelada a uma ideia de “Psicologia Industrial” e gestão de

recursos humanos, cujo objetivo era tornar os trabalhadores mais produtivos e os

chefes e supervisores mais eficientes nesta prática de aceleração da produção. A

metodologia era bastante rígida, tanto no que tange ao pacto salarial, quanto ao que

se refere às relações hierárquicas (GOULART e SAMPAIO, 2013, p. 26-28).

Com a crise daquele modelo tradicional (fordismo/taylorismo), também houve

a necessidade de adequar a psicologia do trabalho111, especialmente porque a

reengenharia produtiva advinda da influência toyotista ampliou o setor de serviços,

aumentou as terceirizações (cadeias produtivas) e as políticas de flexibilização

(novos modos de trabalho), desenvolvendo-se a psicologia na sua forma

organizacional, que objetiva “consolidar a psicologia do trabalho em organizações

111 “A imagem keynesiana da economia capitalista como uma bicicleta mostra-se útil para uma nova metáfora: mesmo em movimento, ela está sujeita a um equilíbrio precário. Dessa forma, os efeitos da crise do fordismo vêm demandar novos arranjos no cenário sociopolítico internacional.” (GOULART e SAMPAIO, 2013, p. 29).

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produtivas não industriais”. A psicologia do trabalho nesse contexto passa a

desenvolver estudos para novas concepções acerca de programas de recursos

humanos, bem como passa a se preocupar com a saúde física e mental dos

indivíduos no ambiente de trabalho (GOULART e SAMPAIO, 2013, p. 31-34).

Ainda, em decorrência de uma aliança entre a psicanalítica, a medicina

psicossomática e a avaliação dos ambientes laborais, surge a “Psicopatologia do

Trabalho”, representada por Christophe Dejours (1994) e seus colaboradores, que

tem por objetivo de estudo “o sofrimento, conceito situado entre a doença mental

propriamente dita e a saúde mental, em contraponto à organização do trabalho”

(GOULART e SAMPAIO, 2013, p. 33-34).

Evidente, pois, a contribuição dos avanços das ciências médicas e

comportamentais para os estudos acerca das condições dos ambientes laborais e

da sua influência na saúde física e mental do trabalhador, bem como para

caracterização do assédio moral, especialmente em tempos de relações fragilizadas

pelo consumismo, imediatismo e liquidez (BAUMAN, 2004, p. 121) que permeiam a

pós-modernidade.

Partindo de algumas noções de psicologia do trabalho é possível

compreender melhor porque o sistema de produção flexível, embasado nos

preceitos do toyotismo, captura a subjetividade do trabalhador (ALVES, 2011), pois

“o que explicaria esse tipo de dominação seria a falência das estratégias coercitivas

tradicionais de controle” (COUTINHO, 2006, p. 172). É que para atender à demanda

de um trabalhador mais independente, capaz de solucionar diversos problemas e

intercorrências, faz-se necessária a concessão de autonomia, mas para tanto, as

empresas buscam controlar “a forma de ser e pensar” desse empregado. Daí

decorre a extração do subjetivo, da essência, como uma forma de dominação

(pressão) da identidade do trabalhador.

No que se refere às “pressões que o ambiente de trabalho exerce sobre as

identidades dos trabalhadores” é possível destacar três concepções. A primeira seria

no sentido de que os trabalhadores se inserem na estrutura de trabalho com uma

identidade pré-constituída, o que lhes tornaria resistentes às pressões

organizacionais. A segunda concepção parte das organizações modernas,

entendendo-as como “espaços de dominação dos sujeitos e dos sujeitos de

identificação deles com seus objetivos”, onde a identidade dos trabalhadores está

cada vez mais submetida “as políticas de gestão da força de trabalho”. A terceira

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hipótese pode ser compreendida como mista, pois entende que as identidades dos

trabalhadores são requisitadas pelas estratégias de gestão, mas existe um espaço

de resistência (COUTINHO, 2006, p. 172).

Na empresa ‘hipermoderna’ o processo de identificação dos trabalhadores despersonaliza-se, abandonando a figura da chefia e passando a estabelecer-se, diretamente, com a organização. (...) Observa-se, assim, a despersonalização e crescente abstração das relações de poder; com isso, os mecanismos de dominação, que visam isolar os indivíduos e impedir a expressão coletiva das reivindicações. (COUTINHO, 2006, p. 177).

Inegável, portanto, que os empregados passam a estar sujeitos à cultura da

organização, impessoal, que tanto pode buscar soluções e resolver problemas,

quanto pode desencadear sofrimento psíquico do trabalhador (AGUIAR, 2005, p.

71), especialmente através de práticas assediadoras. Predomina, sem dúvida, a

segunda hipótese entre as três elencadas acima.

O assédio moral não é consequência de uma crise econômica, mas sim

derivado de um “laxismo112 organizacional” (HIRIGOYEN, 2012a), onde se permite a

disseminação de práticas abusivas, tolerando os indivíduos perversos. Todavia, é

possível afirmar que a frouxidão da empresa (“laxismo”) para com as práticas

inadequadas restringe-se às espécies mais tradicionais do assédio (vertical

descendente, horizontal, etc), pois este em sua acepção organizacional é decorrente

de regras bastante incisivas da empresa no que tange ao cumprimento de metas e

obtenção de lucro.

Sob influência do ideário neoliberal nascem as novas formas de gestão e

controle do trabalho, dotadas de palavras de ordem “como ‘mercado’,

‘competitividade’, ‘flexibilidade’, ‘excelência’, ‘produtividade’ para perseguir a máxima

intensidade do trabalho”, os quais, na verdade, escondem mecanismos coercitivos.

Através dos programas de qualidade total e remuneração variável são instituídas

políticas participativas nos ambientes de trabalho, as quais dão a falsa “aparência de

democratização do poder nos espaços produtivos”, mas na verdade condicionam o

emprego e a remuneração ao alcance da objetivos, levando o trabalhador a

112 Vem de laxo, que significa frouxo (HOLANDA, 2004, p. 510).

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empregar toda sua força física, mental e afetiva em favor do capital (JINKINGS,

2005, p. 100).

Além disso, sob a mesma perspectiva (organização do trabalho), não se podem omitir os recentes mecanismos desencadeadores de conflitos de relacionamentos interpessoais nos locais onde o labor é exercido. Registra-se, primeiramente, que, com a globalização, os padrões de qualidade e produtividade tornaram-se exigência em escala global. (SCHMIDT, 2010, p. 21)

A criação de equipes de qualidade total nos ambientes de trabalho sugere

uma gestão participativa em busca de melhorias, mas na verdade nada mais retrata

do que um instrumento ideológico patronal. Em sintonia com essa suposta gestão

participativa desenvolvem-se os sistemas de remuneração variável, aperfeiçoando

“as formas de exploração da força de trabalho, à medida que possibilita ao capital

um rigoroso controle sobre o trabalhador, ao mesmo tempo que esgarça a noção de

coletivo” (JINKINGS, 2005, p. 100).

Surgem, então, as metas a serem atingidas, estabelecidas por normas

internas do empregador (programas de remuneração variável), em sua maioria

dotadas de arbitrariedades, acirrando competividade e, por consequência, o

individualismo entre os colegas (JINKINGS, 2005, p. 100-101).

O espírito colaborativo desaparece, prevalecendo a busca por resultados

isolados, os quais aumentam a contraprestação pecuniária auferida pelo

empregado. O trabalhador passa a olhar para os seus colegas como possíveis

inimigos, causando, no sentido figurativo, um apodrecimento das relações nos

ambientes laborais e delimitando um terreno fértil para as práticas de assédio.

Acresça-se a essa realidade a crescente exigência dos clientes, pois

conforme já visto anteriormente, a demanda passa a orientar a produção

(SUCESSO, 2012, 51), a figura do patrão ou chefe tradicional é substituída pela do

“cliente-rei” e passa a ser incumbência do gestor (que substitui o chefe ou patrão)

orientar as competências de maneira a alcançar os resultados almejados

(JINKINGS, 2005, p. 100) e atender satisfatoriamente o cliente.

A orientação pela demanda do cliente, pelo mercado é muito acentuada no

setor de serviços, onde os métodos de gerenciamento buscam a redução de erros, a

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observância do tempo adequado e, principalmente, um atendimento do maior

número de solicitações. Um exemplo bastante comum neste segmento são as

empresas telefônicas, intensamente demandadas no contexto da conexão global e

das necessidades dos clientes (JINKINGS, 2005, p. 103), o que acaba transferindo

uma responsabilidade significativa para o empregado no sentido de atender com

celeridade a todas às solicitações, observando todas as regras de conduta e

objetivos estabelecidos pela empresa.

Outro setor bastante afetado pela globalização é o dos serviços bancários,

especialmente no contexto de mundialização do capital (LIPOVETSKY, 2012;

CHESNAIS, 1996), da financeirização da economia e da reestruturação produtiva,

pois “sob a volátil forma de impulsos eletrônicos, a mercadoria-dinheiro circula pelo

mundo em tempo virtual e os bancários operam e manipulam símbolos cada vez

mais abstratos”, ficando totalmente alheios à finalidade e até mesmo ao domínio do

produto de sua atividade (JINKINGS, 2005, p. 103). Ademais, o setor bancário

passou, nos tempos globais, por intensa automatização do trabalho e terceirizações,

havendo uma profunda reorganização de seus serviços, bem como direcionou sua

gestão para os programas de qualidade total e remuneração variável, acirrando a

competitividade entre seus empregados (JINKINGS, 2005, p. 103), delineando-se

um campo fértil à disseminação das práticas de assédio moral113.

A produtividade e o alcance de metas assumiram papel tão significativo no

contexto das relações laborais que até mesmo a liberdade para utilização de

banheiros passou a ser gerida (tolhida) pelos empregadores objetivando extrair o

máximo de cada empregado durante a jornada de trabalho e pressioná-los ao

alcance das metas estabelecidas114. Esta prática quando institucionalizada dentro de

113 “Si, la impotecenia, no hay uma espalda que este, la excesiva responsabilidade mía me angustia, porque quiero otros resultados y no me siento apoyada. La cantidad de gente también, me angustia por que el excesso de trabajo me sobrepasa y eso me provoca estrés y cuando cobro el sueldo también, me provica angustia.” (Susana, 39 años, espleada bancaria)” (MANDOLESI et al. 2011, p. 371). 114 RESTRIÇÃO AO USO DO BANHEIRO. ASSÉDIO MORAL CONFIGURADO. REPARAÇÃO POR DANOS DEVIDA. Há uma natural e profunda preocupação com o trabalho e a pessoa humana, isso porque o trabalho é o maior de todos os fatores de produção da sociedade e o ser humano, fonte de todos os valores. A cidadania é construída pelo trabalho, por sua vez, dá ao homem sua dignidade, o que torna inseparáveis do ser humano. Por esta razão, podemos afirmar então que a empresa tem de ter uma finalidade social. De nada adianta uma empresa estar bem em relação ao lucro e seus trabalhadores estarem "sendo humilhados e ofendidos na sua dignidade". In casu, ao limitar a reclamante de fazer uso do toilette, a ré causou evidente dano à própria integridade física da trabalhadora, bem como a colocou em situação vexatória e de evidente constrangimento. O poder diretivo da ré se deu de forma extremamente abusiva, configurando assédio moral, termo este que na Europa é conhecido como mobbing e que provém do verbo inglês To mob, que significa "assediar,

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uma empresa retrata, sem dúvida, assédio moral organizacional, traduzindo-se em

uma exacerbação do poder diretivo, pois agride a dignidade e a integridade moral

dos trabalhadores.

Os avanços tecnológicos, intensificados com a globalização, criaram algumas

formas padronizadas de desenvolvimento do trabalho, onde muitas vezes a

criatividade do executor é tolhida pelo arcabouço de condutas estereotipadas, que

retiram a sensibilidade, o caráter humano do trabalho. A intensificação na vivência

das emoções relacionadas ao papel profissional traz para o trabalhador uma

confusão em relação aos seus verdadeiros sentimentos (SCHMIDT, 2010, p. 19),

aflorando angústias e ansiedades.

Algumas profissões exigem, inclusive, uma forma uniforme de expressar

emoções, como por exemplo, os trabalhadores em aeronave e atendentes em geral,

que são “orientados a sempre sorrir e transmitir felicidade, independentemente de a

vivenciarem no momento” (SCHMIDT, 2010, p. 19), atendendo aos padrões culturais

globais de alegria superficial, mas que na verdade retratam uma opressão

vivenciada intimamente por esses empregados.

A imposição pelo empregador de padrões de conduta uniforme, que exigem

manifestações de sentimentos positivos idênticos para todo e qualquer trabalhador,

especialmente quando estes não retratam as reais sensações psíquicas dos

empregados, agride a moral destes. Traduz-se, ainda, em assédio moral

organizacional quando a prática é institucionalizada através de cobranças

exacerbadas, a exemplo da manutenção do emprego estar condicionada à ausência

de reclamações em canais próprios (de controle de qualidade) sobre aqueles

empregados.

A partir destas considerações, é possível aperfeiçoar, no cenário acelerado da

globalização, o conceito de assédio moral organizacional, incluindo a característica

atacar, agredir". Indigitada figura consubstancia-se na pressão psicológica do empregador ou preposto, com caráter não eventual, na busca de fazer dos constrangimentos perpetrados no trabalho, instrumento de verdadeira coação, para obtenção de maior produtividade ou mesmo para ensejar a ruptura contratual, por iniciativa do empregado, emocionalmente desestabilizado. Todavia, a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, e, por conseguinte, à sua própria integridade física, é princípio fundamental do Estado Democrático de Direito e, portanto, se sobrepõe ao princípio contratualista do pacta sunt servanda, assim como se sobrepõe ao poder de direção do empregador. E, pelos reflexos altamente negativos que produziu, físicos e morais, o seu efeito jurídico imediato, para a ré, é sua sujeição à responsabilidade de indenizar o dano moral acarretado à vítima. Apelo da autora provido. (TRT 2ª R.; RO 01832-2007-067-02-00-5; Ac. 2009/0367353; Sexta Turma; Rel. Des. Fed. Valdir Florindo; DOESP 22/05/2009; Pág. 111 - Repositório autorizado do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009 – destaques nossos).

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da violência estrutural, no sentido de exploração da força física da vítima e também

se sua mente e espírito (POHLMANN, 2014, p. 43). Nesse sentido

(...) pode-se afirmar que o assédio moral organizacional tem como característica básica o fato de ser um instrumento de legitimação da violência estrutural no modo de aumentar a produção. Portanto, trata-se de uma ideologia gerencial e não de uma conduta. O ilícito estaria na eleição dessa forma de gestão. (POHLMANN, 2014, p. 43)

Como se vê do conceito ilustrado acima, a gestão está no centro de

propagação do assédio moral organizacional, que, por sua vez, é a modalidade mais

disseminada sob a influência da globalização. “O mundo globalizado se parece, às

vezes, com uma grande arena romana, em que países disputam (ou duelam) por

nichos de mercado ainda não explorados”, acirrando a competitividade em busca

dos melhores preços, bem como celeridade na produção e na entrega dos produtos

e majorando a busca incessante pelo atingimento de metas (TEIXEIRA, 2013, p. 49).

“Tudo isso, é claro, gera reflexos (diretos ou indiretos) no mundo empresarial ou

corporativo”, demandando que os “líderes (gestores, chefes de departamento,

gerentes, diretores, etc.)” sejam “pessoas extremamente dinâmicas, competentes,

experientes e, acima de tudo, saibam mostrar resultados.” (TEIXEIRA, 2013, p. 49).

O papel do gestor tem imbricação intensa com as práticas de assédio moral,

especialmente a organizacional, de onde surge a necessidade de avaliar a condição

específica do empregado assim qualificado (como líder ou gestor).

3.2 EMPREGADOS GESTORES: ASSEDIANTE E/OU ASSEDIADO?

3.2.1 Delimitação e Características Legais e Doutrinárias do Empregado Gestor

De acordo com o cenário minuciosamente descrito por Simone Weil (1996),

no capítulo anterior, é possível identificar, no início do século XX, a figura de alguns

empregados com características diferenciadas, os quais reuniam incumbências de

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controle de tempo e quantidade de produção, atuando como representantes dos

patrões no ambiente fabril. Enquanto estes tinham o monopólio de todos os

conhecimentos a respeito do trabalho e percebiam remuneração distinta, os

operários da produção percebiam sua remuneração de acordo com a quantidade de

peças que produziam, ficando alheios à cadeia como um todo. (WEIL, 1996, p. 152-

153).

Posteriormente, com base na cultura toyotista, o operador passa a ter que

atuar no processo como um todo, utilizando-se da colaboração (cooperação) e

sendo multifuncional, assumindo o líder a incumbência da gestão motivacional,

voltada a obter o engajamento dos colaboradores para o alcance das metas

impostas.

Nesse contexto houve a estruturação de processos produtivos, sempre

pautada pela desigualdade, mas que propiciou o surgimento de algumas funções

específicas para trabalhadores que, apesar de não serem detentores do capital, são

instados a atuar em representação daqueles no sentido de buscar a concretização

dos fins do negócio e em algumas situações até participam do lucro, a exemplo

daqueles já mencionados por Hayek (2013, p. 234-235).

Conforme visto acima, reconhece-se entre o final do século XX e o início do

século XXI, uma nova forma de acumulação do capital, a da sociedade

hipermeritocrática, na qual as rendas mais altas são fruto do trabalho, principalmente

dos altos executivos ou empregados gestores. (PIKETTY, 2014, p. 258-259)115.

Reitere-se que essa nova configuração é decorrente da necessária separação entre

propriedade e gestão, bem como é fruto do desenvolvimento planificado dos grupos

empresariais transnacionais (CHESNAIS, 1996, p. 72-109) e do fortalecimento da

indústria financeira (DUMÉNIL e LEVY, 2005, p. 84).

O desenvolvimento planificado coloca cada etapa da cadeia produtiva em

uma localidade no cenário mundial, o que demanda uma descentralização da

alocação do poder, ou seja, cada unidade da empresa precisa ter um responsável,

um gestor.

Outrossim, muitas vezes esse gestor precisa ter a disponibilidade para

acompanhar a mobilidade com que rapidamente uma unidade de produção desloca-

115 Reitere-se: ”O importante papel do trabalho na formação das altas rendas está cada vez mais nitidamente evidente nos dados” (DUMÉNIL e LEVY, 2014, p. 83).

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se integralmente de um local para outro em busca de melhores incentivos fiscais,

custos diferenciados, etc.

A segregação referida acima (entre propriedade e gestão) conduziu ao

surgimento de “novas classes de administradores” compostas por executivos e

gerentes das empresas, que mais do que nunca passam a cumprir com suas tarefas

de organização (DUMÉNIL e LEVY, 2005, p. 85).

A delimitação desses altos empregados também tem fundamento na teoria do

capital humano (passagem do valor do trabalho para o reconhecimento e

investimento no capital humano), que foi consagrada pelo economista Theodore

William Schultz116, em Chicago, através do aperfeiçoamento dos preceitos da escola

clássica de economia. O capital humano direciona o investimento para o próprio

trabalhador, distanciando-se daquele binômico clássico de sujeição do trabalho ao

capital (LÓPEZ-RUIZ, 2007, p. 195-197):

A característica do capital humano é que ele é parte do homem. É humano porquanto se acha configurado no homem, e é capital porque é uma fonte de satisfações futuras, ou de futuros rendimentos, ou ambas as coisas. Onde os homens sejam livres, o capital humano não é um ativo negociável, no sentido em que possa ser vendido. Pode sem dúvida ser adquirido no mercado, mas por intermédio de um investimento no próprio indivíduo. Segue-se que nenhuma pessoa pode separar-se a si mesma do capital humano que possui. Tem de acompanhar, sempre, seu capital humano, que o sirva na produção ou no consumo. (SCHULTZ, 1973, p. 53)

A teoria do capital humano seria uma explicação para evolução da

qualificação e condição dos empregadores gestores, especialmente porque estes se

tornaram um investimento para muitos dos proprietários que dependem de sua

atuação para o desenvolvimento dos seus negócios, a exemplo das transnacionais

planificadas citadas acima.

Importante delimitar que, apesar do ponto de partida para construção das

considerações acerca da figura do empregado gestor encontrar-se em marcos

116 Ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1979, pela análise do papel do investimento em capital humano para o desenvolvimento econômico, conforme relação de ganhadores disponível em: http://www.estadao.com.br/infograficos/conheca-todos-os-premios-nobel-de economia,economia,234884. Acesso em 15/05/2015.

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referenciais globais, a análise jurídica restará centrada no direito brasileiro,

buscando-se algumas referências no direito comparado.

A caracterização desses empregados ocupantes de cargo gestão suscitou

poucos estudos na esfera acadêmica do direito, mas é objeto de análise por outros

ramos da ciência, como a administração, a economia e a psicologia. Ademais,

também retrata discussões rotineiras nos tribunais, levando-se em conta a Justiça

do Trabalho brasileira.

Para tanto, além da compreensão da liberdade mitigada que envolveu o

desenvolvimento do trabalho, é importante também a assimilação de alguns

aspectos envolvendo a questão (dali decorrente) da autonomia da vontade na

relação de emprego, especialmente para se verificar a incidência desta quanto ao

referidos trabalhadores diferenciados.

As relações de trabalho modernas e pós-modernas, como bem se destacou

acima, foram desenvolvidas sob um cenário de exploração do trabalho pelo capital,

de onde se extrai a conclusão de que não há como se atribuir ao liame empregatício

características contratuais plenas quanto às manifestações de vontade, pois o ponto

de partida das partes (des)envolvidas é diametralmente oposto. Tampouco, é

possível enquadrar a relação de emprego como negócio jurídico, especialmente na

realidade brasileira, a qual não permite ao empregado a plena liberdade volitiva

(BARACAT, 2003, p. 260-261).

No âmbito da relação de emprego e também em outras relações que se

desenvolveram de forma desiquilibrada por séculos, a vontade contratual sofreu

limitações advindas de normas de ordem pública. Pertinente retomar o conceito de

“contrato-opressão”, que retrata a oposição entre o legítimo e ilegítimo, em razão do

respaldo jurídico, ou seja, o poder é soberano, mas a regulamentação assegura os

aspectos atinentes à proteção dos que se sujeitam a ele (FOUCAULT, 2013, p. 276-

277).

Nesta esteira, as imposições econômicas demandaram a crescente e

progressiva intervenção estatal (VENOSA, 2003, p. 374), que se manifestou através

da criação de normas que objetivam a paridade jurídica nas relações contratuais,

tutelando o hipossuficiente. Tratou-se de impor um dirigismo contratual117 ao

117 “O rompimento com o liberalismo clássico, pelo reconhecimento de que a livre concorrência ou a liberdade de trabalhar não garantiram o acesso de todos aos bens e serviços de que necessitavam, insta o poder público a reagir intervindo no domínio econômico em situações tais como a fixação de

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liberalismo desenfreado com o objetivo de tentar parear as partes envolvidas. A

relação de emprego brasileira foi moldada, portanto, à luz desse preceito,

consagrado pela Constituição Federal de 1988, que trouxe um rol de direitos e

garantias sociais aos trabalhadores.

Conforme abordado acima, as principais consequências da globalização para

à organização do trabalho estão, justamente, nas tendências de descentralização

dos processos produtivos (flexibilização) e no alargamento do campo das

terceirizações, oriundas das tendências neoliberais que vem sabotando o dirigismo e

a solidariedade que deveriam informar as relações de emprego. Assim, a partir do

Século XXI, passam a ocorrer frequentes pressões de desregulamentação, sob a

influência desse ideário neoliberal globalizado.

Insertos neste cenário, onde se reconhece uma autonomia da vontade

mitigada, e uma relação que não se enquadra na acepção contratual autônoma

clássica118, demandando proteção legislativa específica, existem alguns empregados

que não se amoldam às regras gerais (de proteção), mas que também não

equivalem economicamente e integralmente à figura do empregador.

A ideia de que não há subsunção à regra geral (de proteção à relação

totalmente desequilibrada) surge da conjugação da análise de alguns dispositivos

legais, bem como de sua aplicação no campo prático do direito, somada a uma

possível visão de que a autonomia privada seria, na prática e ainda que

parcialmente, exercida quando da contratação desses empregados. Não obstante,

permanece, ainda que de forma mais branda, a subordinação jurídica típica da

relação de emprego119.

preços, obrigação de contratar, imposições de conteúdo. Os principais reflexos que o dogma do voluntarismo estabeleceram passam a ser quebrados por um dirigismo contratual restritivo da livre estipulação de cláusulas contratuais, da livre criação de novos tipos contratuais em prol de uma tipicidade estabelecida pela legislação imperativa cogente.” (COUTINHO, 2003, p. 80) 118 Foram analisados marcos da teoria de Adam Smith para o desenvolvimento da teoria do capital humano (ANTUNES e CUNHA, 2014, p. 102). Vide nota de número 41. 119 Neste sentido: “ALTO EMPREGADO. VÍNCULO DE EMPREGO. É cediço que o alto empregado tem subordinação mais branda que o empregado comum. Ainda assim, subsiste a subordinação que caracteriza o vínculo de emprego. Logo, não comprovada autonomia pela tomadora de serviços que reconhece a prestação, ônus que lhe compete (arts. 818 da CLT e 333, II do CPC), devido o reconhecimento do vínculo. Recurso da reclamada ao qual se nega provimento.” (TRT 2ª R.; RS 00792-2009-023-02-00-1; Ac. 2010/0721871; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Antero Arantes Martins; DOESP 13/08/2010; Pág. 667 – grifos nossos) “VÍNCULO EMPREGATÍCIO. DIRETOR COMERCIAL. ALTO EMPREGADO. Evidenciado nos autos que a prestação de serviços do reclamante na função de diretor comercial da reclamada ocorreu nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, impõe-se o reconhecimento da relação de emprego, ainda que o vínculo entre as partes tenha sido celebrado com outra qualificação formal, tendo em vista a aplicação do princípio da primazia da realidade sobre a forma. A situação fática retratada pelo

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Como a acumulação do capital ocorreu de maneira exacerbada não é

possível ao(s) seu(s) detentor(es) cuidar(em) da extensão de seu patrimônio, bem

como da execução de seus negócios, sendo imprescindível a nomeação de

profissionais de confiança para executar a gestão de seus empreendimentos.

Igualmente, o desenvolvimento planificado das empresas transnacionais, citado

acima, com sedes e divisões ao redor do mundo, exige dos proprietários a escolha

de empregados aptos à gerenciar as atividades em cada um dos locais onde se

localizam fases do processo de produção.

Registre-se, também, as situações daqueles que detém os recursos

financeiros e os meios de produção adequados, mas não possuem o conhecimento

técnico (know how) necessário ao desenvolvimento do negócio, o que demanda a

contratação de empregados altamente especializados para dar seguimento às

atividades empresariais.

Conforme exaustivamente reiterado acima, a tecnologia e a intensificação dos

meios de difusão da informação em tempos globalizados demandaram a contratação

de profissionais para criação de soluções de informática afetas a estas intensas

demandas.

Invocando e aplicando ao presente estudo o ditado popular de que “o olho do

dono é que engorda o boi”120, acertada a afirmação de que são necessárias

diretrizes diretivas efetivas, a serem aplicadas e fiscalizadas no intuito de se

alcançar os objetivos (de produtividade e lucro) traçados pelos empresários. Nesta

contexto probatório evidencia que o reclamante se enquadrava na condição que a jurisprudência e a doutrina trabalhista convencionaram de qualificar como alto empregado, caracterizado pelo desempenho das atividades profissionais com extensos poderes de gestão e comando, ocupando cargos que demandam uma fidúcia excepcional em relação ao seu empregador, com posicionamento hierárquico de relevante destaque na estrutura da empresa, normalmente em setores estratégicos. Contudo, tal situação não afasta a sua condição de empregado, independentemente da natureza de seu cargo ou mesmo do nível remuneratório em relação aos demais empregados comuns, mormente quando evidenciada a subordinação jurídica em relação aos sócios da empresa. Como corolário, também lhe deve ser atribuídos os mesmos direitos advindos da relação de emprego, ainda que com algumas exceções (V. G., horas extras, art. 62, II, da CLT).” (TRT 3ª R.; RO 423-06.2011.5.03.0150; Rel. Des. Sebastião Geraldo de Oliveira; DJEMG 22/05/2013; Pág. 64 – grifos nossos) 120 “Um dos ditados mais usados pelos empresários é justamente o que dá título a este artigo: “o olho do dono é que engorda o boi”. E é também, pela forma como interpreta boa parte dos empresários, um dos que mais atrapalha a gestão eficiente de uma empresa. Tentei, sem êxito, descobrir a origem deste ditado. Mas por ter encontrado mais a versão que diz “o olho do dono é que engorda o cavalo” desconfio que este seja o ditado original. A alguém, em um dado momento da história, pareceu mais próprio trocar o animal. Provavelmente um pecuarista. Mas independente do quadrúpede, o sentido é óbvio: nenhum interesse seria superior ao do proprietário de um negócio quando se fala em preservá-lo e melhorá-lo e, para tal, estar sempre por perto, “vigiando”, seria essencial. Provavelmente, o conceito da época se referia à presença física, forma pela qual ele ainda é interpretado pelas pessoas.”(TEMP, 2011, disponível em http://www.luiztemp.com.br/index.php?idmateria=3672, acesso em 15/04/2015)

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esteira, não há como o(s) proprietário(s) tomar(em) conta de todos os seus

negócios, sendo necessária a contratação de profissionais que trabalhem como “o

olho do dono”.

Assim, surge a necessidade de eleger ou contratar pessoas com

conhecimento técnico para ocupar funções estratégicas à consecução dos negócios.

É exatamente aqui que se inserem os chamados empregados ocupantes de cargos

de gestão. Tais empregados se caracterizam, ainda, pela expertise em alguns ramos

do conhecimento.

Não se olvide, contudo, que a sociedade brasileira perpetua há anos a

desigualdade, onde surge a crítica à meritocracia121 que informa a qualificação ou a

escolha desses empregados diferenciados. Alguns cidadãos brasileiros,

trabalhadores, sequer terão acesso aos meios que lhe propiciem alguma valorização

específica da sua mão de obra, de onde se vislumbra a importância de alguns

programas sociais122 de formação.

É possível afirmar que os empregados que obtém condições contratuais

diferenciadas decorrentes de sua especialização técnica, especialmente àquela

voltada à estrutura produtiva em que se inserem, ou de outros critérios de formação,

são oriundos, em sua maioria de uma classe média alta com acesso à instrução e

aperfeiçoamento, constituindo-se em sua minoria de pessoas oriundas da classe

economicamente mais fragilizada (SOUZA, 2009, p. 113-115).

De acordo com Marcio Pochmann, que realizou estudos sobre a classe média

brasileira, “a enorme flexibilidade quantitativa na gestão do trabalho exige

providências à centralização da formação, intermediação e oferta de benefícios aos

trabalhadores”, especialmente porque os crescentes movimentos de terceirização,

121 O sociólogo Jessé Souza, autor da obra “A ralé brasileira”, entende que a meritocracia não é legítima porque somente aquela parcela minoritária da população com acesso à formação é que se privilegia dessa forma de promoção, replicando-se as desigualdades em suas bases originárias: “Segundo essa ideologia, a desigualdade é ‘justa’ e ‘legítima’ quando reflete o ‘mérito diferencial dos indivíduos. (...) O que é escondido pela ideologia do mérito é, portanto, o grande segredo da dominação social moderna em todas as suas manifestações e dimensões, que é o ‘caráter de classe’ não do mérito, mas das precondições sociais que permitem o mérito, Desde que se demonstre que o acesso ao conhecimento útil e, portanto, à dignidade do trabalho útil e produtivo – que é também a base da noção de sujeito racional e livre – exige pressupostos desigualmente distribuídos por pertencimento de classe, ou seja, por privilégios de nascimento e de sangue – como qualquer sociedade pré-moderna –, e não decorrentes de mérito ou talento individual, então podemos criticar toda a desigualdade social produzida nessas condições como ‘injusta’ e ‘ilegítima’.” (SOUZA, 2009, p. 113-115) 122 A exemplo do PROUNI – Universidade para todos, vigente nos termos da Lei 11.096 de 13 de janeiro de 2005.

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bem como o aumento do trabalho temporário contribuem para escassez da mão-de-

obra qualificada no Brasil (POCHMANN, 2012, p. 78-84).

Importante esclarecer que o presente estudo está centrado nos empregados

exercentes de gestão ordinária, restando excluídos pela delimitação do objeto

aqueles trabalhadores cujo modus operandi de contratação é diferenciado, a

exemplo dos atletas profissionais123 ou artistas, em relação aos quais o diferencial

está nos talentos pessoais desenvolvidos, pouco importando a origem

socioeconômica.

Assim, com base no raciocínio desenvolvido é possível afirmar que os

empregados ocupantes de cargos de gestão ou funções estratégicas na empresa

são aqueles que por sua formação técnica, expertise comercial ou conhecimento do

próprio negócio são nomeados ou contratados para exercer atividades diretamente

ligadas à consecução dos fins da empresa, representando plenamente os interesses

do empregador.

Retratam, em verdade, a expressão da nominada teoria da longa manus124,

segundo a qual:

(...) ao recorrer aos serviços do preposto, o empregador está prolongando sua própria atividade. O empregado é apenas o instrumento, uma longa manus do patrão, alguém que o substitui no exercício das múltiplas funções empresariais, por lhe ser impossível desincumbir-se pessoalmente delas. Ora, o ato do substituto, no exercício de suas funções, é ato do próprio substituído, por que praticado no desempenho da tarefa que a ele interessa e aproveita — pelo que a culpa do preposto é como consequência da culpa do comitente.” (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 245 – grifos nossos)

Por certo que além dessa característica específica de representação, também

é necessário que o empregador deposite sua confiança no trabalho do referido

empregado. Todavia, cada vez mais raro no mercado de trabalho atual o liame

contratual formado exclusivamente pela confiança, muito embora seja imprescindível

a soma deste sentimento à melhor qualificação para ocupação daquele posto de

123 Cuja tutela especial se dá pelas Leis 9.615, de 24 de março de 1998 e Lei 12.395 de 16 de março de 2011, dentre outras e retrata um cenário muito específico que ocorrem as relações laborais. 124 Expressão em latim que significa a longa mão, a extensão das mãos do empregador, que representa a delegação de poderes deste para com os empregados da sua alta confiança.

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trabalho diferenciado125. Merece registro, ainda, o aspecto de que quando se traz a

formação técnica como elemento de caracterização, a mesma tem que ser

especificamente voltada aos fins da estrutura produtiva do empregador126. Essa

confiança existente entre os altos empregados e os empregadores (proprietários,

sócios, acionistas) deve ser integral, transparente e pautada na boa-fé e seus

deveres anexos de conduta.

Eduardo Milléo Baracat afirma que “a boa-fé é fonte de deveres jurídicos para

as partes, mesmo antes da celebração do contrato de trabalho, durante a execução

e mesmo após a extinção” (BARACAT, 2003, p. 267-269), situação que encontra

hipótese cheia de aplicação nas relações entre empregadores e altos empregados,

pois estes assumirão a incumbência de representarem aqueles perante a

coletividade de subordinados. É possível invocar a previsão da cláusula geral aberta

do artigo 422127, do Código Civil128 como fundamento jurídico para a referida relação

de emprego (envolvendo altos empregados).

Os preceitos da governança corporativa (ANDRADE, 2007, p. 337-339), que

se desenvolveram a partir das últimas duas décadas do século XX, também

subsidiam a afirmação de que deve existir plena confiança entre os empregadores e

seus gestores empregados (altos empregados), especialmente para que possam ser

atingidas as metas estratégicas e os compromissos com a captação de recursos129:

“(...) ‘Governança Corporativa é uma prática empresarial resultante de preceitos jurídicos e políticas societárias e financeiras com objetivos que vão desde captar recursos para as empresas ou cumpri suas metas

125 Somente as empresas que ainda não se adequaram aos preceitos modernos de gestão e governança corporativa é que ainda perpetuam relações exclusivamente pautadas na confiança sem uma preocupação específica com a formação técnica do empregado. Igualmente, importante destacar que essa formação técnica muitas vezes precisa ser fomentada ou subsidiada pelo empregador, daí porque cada vez mais comuns contratos com cláusulas de permanência (luvas) para que aquele empregado qualificado não seja absorvido pela concorrência. 126 Essa especificação se faz importante, pois o empregado só assume real importância à consecução dos fins da empresa quando sua qualificação está ligada a isto. 127 “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.” 128 A aplicação subsidiária ao direito trabalho pode ser defendida sob o fundamento do artigo 8º, da CLT. E “permite uma ressistematização do microssistema trabalhista pela atuação do juiz do trabalho, conformando a regra aplicada ao caso concreto aos princípios constitucionais e de Direito do Trabalho. Incumbe à doutrina e jurisprudência trabalhistas, todavia, sistematizar a aplicação da boa-fé no Direito do Trabalho, de modo que se garanta a segurança jurídica necessária à sociedade.” (BARACAT, 268-269). 129 Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) governança corporativa: “É o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, Conselho de Administração, diretoria, auditoria independente e Conselho Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade.” (BORGERTH, 2007, p. 67)

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estratégicas até a preocupação de, em longo prazo, gerar valor para os acionistas e para a própria sociedade. Aponta, ainda, que esses objetivos devem ser permeados por práticas éticas e por uma política de respeito e transparência aos direitos da sociedade como um todo’.” (BRAGA, 2005, apud BORGERTH, 2007, p.68)

Nítida, portanto, a imbricação do tema com a transparência, lealdade e boa-fé

que deve embasar a citada relação entre os gestores empregados e os dirigentes

estatutários, para que consiga atender as exigências da governança corporativa.

No contexto atual ainda, especialmente em razão da recente edição da Lei

Anticorrupção (Lei 12.846/2013130, aplicável às empresas), não basta que o alto

empregado tenha formação e experiência diferenciadas, sendo necessária a

empatia plena, a relação de mútua confiança entre gestores e empregadores, bem

como a atuação no sentido de elaborar, divulgar e cuidar do cumprimento de regras

éticas de conduta da empresa.

Importante balizar que os empregados ora estudados são certamente

hipossuficientes quando comparados aos seus empregadores, detentores de capital.

Logo, quando da afirmação acerca de que tais empregados sujeitam-se a um

tratamento diferenciado não se está defendendo, em hipótese alguma, que estariam

em equanimidade com o empregador. O fato é que referidos trabalhadores também

não se equiparam a grande maioria de pessoas que emprega sua força produtiva

(ou seu capital humano, sob o viés de William Schultz, explicitado acima). Assim,

demandam um tratamento diferenciado dentro de sua condição diversa, até mesmo,

decorrência lógica da melhor interpretação e aplicação do princípio da isonomia131.

Esse olhar destacado não exclui, contudo, esse trabalhador do rol de direitos

e garantias mínimas asseguradas a todo cidadão brasileiro, mas sim traz

130 O artigo 1º da Lei 12.846/2013 preceitua “esta lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.”, de modo que a atuação dos altos empregados, sob a delegação de poderes dos empregadores deve ser ética, correta, sob pena da pessoa jurídica vir a ser responsabilizada pelas condutas corruptas adotadas (SANTOS, BERTONCINI e COSTODIO, 2014), situação na qual se verificou uma importância ainda mais significativa na confiança (boa-fé) entre as partes. 131 “O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem do que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por estarem abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexo de obrigações e direitos.” (MELLO, 2013, p. 12-13)

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interpretação própria (adequada) sobre alguns desses direitos, sempre embasada

no sistema de contrapartida, ou seja, há que se obter alguma vantagem na relação

de emprego para que alguns direitos sejam relativizados para esses empregados.

Melhor dizendo, a limitação está diretamente relacionada à vantagem concedida em

contrapartida na relação, a qual normalmente se traduz em altas remunerações;

condições agregadas ao contrato (moradia, veículo, telefone celular, segurança

pessoal especializada, planos de saúde com cobertura total; etc.); programas de

bonificação e premiação; bem como regulamentos de participação nos lucros

diferenciados dos demais; dentre outras vantagens.

Em termos legislativos há poucos dispositivos acerca do tema, podendo ser

elencado como principal o artigo 62, II, da CLT132. Referido dispositivo estabelece

que aqueles empregados que exercem cargo de gestão não têm direito às regras de

duração da jornada previstas no texto celetista. Ademais, esclarece que os chefes

de departamentos ou filiais e os diretores estão sujeitos à exceção ali previstos,

sendo compreendidos como ocupantes de cargos de gestão.

Todavia, referidas disposições não podem ser lidas em isolado, pois o mesmo

artigo celetista traz em seu parágrafo único a exigência do pagamento de uma

gratificação de função, de no mínimo quarenta por cento, como condição à exceção

prevista em seu inciso segundo133, justamente na linha da contraprestação

adequada acima mencionada.

Assim, o empregado que tenha efetivas atribuições de gestão não terá

controle de jornada, tampouco terá a aplicação dos tempos máximos e mínimos ali

previstos. Essa é a interpretação que se consolidou, ao longo dos anos, a respeito

de tema tão pouco estudado, conforme já asseverado acima, especialmente porque

tal trabalhador teria uma condição remuneratória, dentre outras, diferenciada dos

demais.

Além do artigo 62, há também o artigo 224, parágrafo 2o, da CLT que

aumenta a carga horária mais benéfica de seis para oito horas dos bancários

quando do exercício de “funções de direção, fiscalização, Chefia e equivalentes, ou 132 “Art. 62. Não se compreendem no regime deste capítulo: (...) II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.” 133 “Parágrafo único. O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).”

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que desempenham outros cargos de confiança” 134, mediante o pagamento de uma

gratificação de função de pelo menos um terço do salário padrão.

Tais dispositivos não esclarecem quais seriam os exatos aspectos objetivos

que ensejariam sua aplicação, fazendo menção apenas à nomenclatura dos cargos

ocupados, remanescendo um campo bastante fértil para o Poder Judiciário135.

Contudo, considerando o raciocínio já esposado acima, o critério para

distinguir tais empregados estaria, diretamente, atrelado à importância que exercem

na estruturação da cadeira produtiva e, principalmente, ao atingimento dos fins do

empreendimento. Assim, o simples pagamento de uma contraprestação diferenciada

não pode ser compreendido como fator que justifique tratamento distinto para

empregados ocupantes de um cargo de gestão.

No que se refere ao artigo específico para os bancários, em que pese o

legislador ter feito menção expressa à “direção, fiscalização, chefia e

equivalentes”136, a aplicação prática de tal dispositivo nas estruturas bancárias, bem

como sua interpretação nos tribunais pátrios, é muito distante dos gestores, altos

empregados ora analisados. A maior parte das estruturas do setor financeiro faz uso

do artigo 224, parágrafo 2o, da CLT, para se imiscuir do pagamento de horas extras,

realizando o pagamento de gratificação de função nos termos ali exigidos para

quase que a integralidade de seus empregados.

Assim, a verificação deve ser levada a efeito em cada caso no sentido de se

perquirir o papel daquele empregado na estrutura do empreendimento, pois se ele

realmente for detentor de formação destacada ou atue na gestão do negócio,

provavelmente terá um espaço um pouco maior para a manifestação da autonomia

134 “Art. 224. A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de trinta horas de trabalho por semana. (...) § 2º As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, fiscalização, Chefia e equivalentes, ou que desempenham outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.” 135 Quanto ao artigo, 224, parágrafo segundo da CLT o Tribunal Superior do Trabalho editou entendimento sumulado no sentido de que o enquadramento fica condicionado à verificação das reais atribuições fáticas – Súmula 102, I, do C. TST. 136 Neste aspecto, destaco convicção pessoal de que o artigo 224, §2º, da CLT deveria sim retratar os gestores e altos empregados bancários, para os quais a jornada não poderia ultrapassar o limite de oito horas diárias, tendo em vista as características muito peculiares da atividade. Desta feita o artigo 62, inciso II, da CLT não encontraria pertinência no que se refere a relação de emprego no âmbito bancário. Todavia, referida opinião é diversa daquela consolidada na jurisprudência brasileira, conforme se verifica das Súmulas 102 e 287, do Tribunal Superior do Trabalho, que acabou por sedimentar o artigo 224, §2º, da CLT como intermediário em relação ao artigo 62, II, da CLT.

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da vontade ou, ainda, na negociação de algumas das condições da relação de

emprego.

No direito comparado é possível identificar legislação semelhante à brasileira

em Portugal, onde o Código do Trabalho trata dos empregados dirigentes, cuja

característica principal está no fato dos “mesmos poderem exercer o poder de

direção sobre outros trabalhadores que cabe ao empregador” (LEITÃO, 2010, p.

204-205).

Além da exceção quanto à jornada e do pagamento da gratificação de função,

em moldes semelhantes ao direito brasileiro, o Código de Trabalho português prevê

a possibilidade “de um despedimento por inadaptação com maior facilidade do que

os outros trabalhadores (art. 374.º, n.º2)” e também possibilita ao empregador a

recusa na reintegração desses empregados por se tratar de uma relação de

confiança (LEITÃO, 2010, p. 204-205). O contrato de experiência também tem

previsão diferenciada, mais longa, em razão da natureza especial da contratação e

da função a ser desenvolvida.

Apesar da pouca regulamentação, o mais relevante acerca desses altos

empregados é justamente o fato de serem os responsáveis, na maior parte dos

casos, pela manutenção da cultura organizacional137 da empresa, bem como pelo

atingimento de todos os objetivos, metas e parâmetros de produtividade fixados.

Não obstante, ainda, o alcance da finalidade precípua de qualquer empreendimento:

o lucro. Todavia, faz-se necessário destacar a seguinte distinção traçada pela

psicologia:

“(...) os chefes, gerentes, administradores ou gestores teriam função tática, enquanto que aos líderes estariam reservadas as funções estratégicas voltadas para a identificação ou proposição da missão, da visão da organização, destinadas a moldar as ações de todo o conjunto ao longo do tempo, projetando-o para o futuro. A liderança formal emerge da estrutura de poder e de controle da organização, e a liderança informal emergirá da legitimação que é conferida pelos liderados. O fato desses dois tipos se encontrarem, eventualmente superpostos, tende a conferir grande esforço à ação, impulsionando o conjunto em direção a seus objetivos.” (DRUMMOND, 2007, p.80)

137 “Cultura é o resultado de um complexo processo de aprendizagem de grupo que é apenas parcialmente influenciado pelo comportamento do líder. Mas se a sobrevivência do grupo estiver ameaçada em razão de elementos de sua cultura estarem mal-adaptados, é, em última instância, função das lideranças em todos os níveis da organização reconhecer e fazer algo em relação a essa situação. É nesse sentido que liderança e cultura estão conceitualmente entrelaçadas.” (SCHEIN, 2009, p. 11)

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A distinção entre chefes, gerentes, administradores ou gestores e os líderes é

decorrente justamente do relacionamento com os subordinados e da maneira como

o alto empregado se posiciona no contexto organizacional, de modo que pode ser

utilizada como um parâmetro para identificação de práticas de assédio. Aqueles

líderes que são verdadeiramente legitimados por seu time (equipe) aparentemente

tem mais habilidade em conciliar as demandas da organização com a qualidade de

vida no ambiente de trabalho. A zona gris nessa afirmação está na condição

emocional desses líderes, de onde extrai a incógnita sobre qual o custo psíquico

para a manutenção do equilíbrio desta balança?

Desta feita, as práticas de assédio moral organizacional, disseminadas em

larga escala com os processos de globalização, passam necessariamente, por estes

altos empregados, de onde se extrai o questionamento acerca de em que condições

os empregados gestores fazem parte de uma cultura institucionalizada de assédio

moral: como assediantes ou como assediados?

3.2.2 As Práticas de Assédio Moral e os Empregados Gestores

Feitas breves considerações acerca da conceituação do assédio moral, bem

como delimitada a figura dos empregados ocupantes de cargos de gestão ou

funções estratégicas na empresa (conhecimento técnico), passar-se-á a

investigação específica da possibilidade de incidência (exercício ou sujeição)

daquele em relação a estes.

Conforme já explicitado acima, os empregados com essa condição diferenciada

normalmente (líderes e gestores) e necessariamente são da confiança do

empregador e, por consequência, ocupam posição de destaque com ascendência

hierárquica sobre muitos trabalhadores, lidando diariamente com individualidades e

personalidades variadas no direcionamento de um fim comum.

Tanto é verdade que são constantemente investigados como possíveis

assediadores (HIRIGOYEN, 2012a; PACHECO, 2007; PEREIRA, 2009; dentre

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outros autores). Todavia, questiona-se se tais empregados teriam uma condição tão

diferenciada que os deixaria imunes ao assédio moral.

Infelizmente, não raramente o assediador efetivamente perverso chega aos

cargos de gestão, pois normalmente é uma pessoa “investida de autoridade e de

carisma suficientes para mobilizar as dinâmicas grupais de assédio moral” (GIL-

MONTE, 2014, p. 241). Invoca-se a definição da psicologia para caracterizar o

gestor assediador típico, aquele que se aproveita da sujeição da vítima e de seu

poder legitimado pelo empregador:

“O assediador corresponde a uma personalidade psicopática, com alteração de sentido da norma moral, não tem sentimento de culpabilidade e incorre repetidas vezes no seu papel de agressivo. Quando se trabalha com eles, descobre-se um historial de assédios. Ocasionalmente, trata-se de indivíduos mentirosos e compulsivos, com uma grande capacidade de improvisar e que encontram sucessivas razões para julgar a vítima. Têm profundos sentimentos de inadequação (complexo de inferioridade) e uma personalidade controladora. Necessitam de três fatores, sem os quais não podem atuar: o segredo, a vergonha da vítima e os testemunhos silenciosos. Em certas ocasiões, acrescenta-se ao quadro a conivência de direção da empresa, o que permite ao agressor sentir-se forte e apoiado.” (GIL-MONTE, 2014, p. 242)

Em relação aos referidos empregados, que praticam o mal sem um

sentimento de culpa ou, ainda, sem apresentar qualquer justificativa razoável138 para

ações reiteradamente exacerbadas, não há, atualmente, grandes controvérsias, pois

se encaixam na hipótese mais comum do assédio moral (vertical descendente),

razão pela qual não são objeto de aprofundamento extenso no presente estudo. As

causas psicológicas pelas quais esses empregados comumente chegam aos altos

cargos desperta controvérsias que poderiam ser objeto de um trabalho isolado,

motivo pelo qual também não se verticalizará a análise neste particular.

Buscar-se-á avaliar a sujeição do “homem de bem” (DEJOURS, 2007, p. 73)

às questões atinentes ao assédio moral. “O problema que ora levantamos é o da

participação de ‘pessoas de bem’ 139– em grande número, se não em massa – no

138 Em tese, nenhuma justificativa é razoável para práticas assediadoras. Todavia, na prática, ante a complexidade e o dinamismo das relações sociais e laborais, alguns aspectos acabam por impulsionar as práticas de assédio, justificando-as em razão de um determinado contexto. 139 “Entendemos por ‘pessoas de bem’ os indivíduos que não são nem sádicos perversos nem paranoicos fanáticos (‘idealistas apaixonados’) e que dão mostras, nas circunstâncias habituais da

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mal e na injustiça cometidos contra outrem”, como afirma Christophe Dejours (2007,

p. 73).

A celeuma que realmente instiga a persecução de algumas respostas no que

se refere à sujeição dos empregados gestores às práticas assediadoras resgata,

necessariamente, a noção de assédio moral organizacional exposta acima, que

pode ser visto até mesmo como um instrumento de gestão “do conjunto do pessoal”

(HIRIGOYEN, 2012b, p. 113). Nessa hipótese em que as práticas institucionais da

empresa são passíveis de caracterizar assédio moral é que os altos empregados,

incumbidos de sua execução, podem ser vistos também como vítimas.

Em resposta à indagação formulada acima no sentido de se os altos

empregados estariam imunes ao assédio moral, é possível, portanto, afirmar que

não140, pois conforme já noticiado acima, a autonomia que possuem tais

trabalhadores é ampla, mas não se compara ao poder econômico do empregador,

em relação aos quais estão sujeitos, ainda que de forma mais branda.

Logo, ainda que tais empregados estejam em posição de destaque quanto

aos seus subordinados e detenham conhecimento diferenciado, tais fatores não lhes

garantem imunidade em relação ao assédio moral. Ao contrário, são tão suscetíveis

quanto, ou até mais sensíveis, às práticas assediadoras que os seus subordinados,

especialmente porque são os primeiros a acessarem os ditames da cultura

organizacional e a receber as metas a serem alcançadas.

A visão da área de recursos humanos no século XXI é global: “pensar além

das fronteiras do seu cargo, da sua empresa e de seu país”, de maneira a “exigir

que os ‘colaboradores’ incorporem no seu cotidiano os novos modelos e valores de

competividade” (BARRETO e HELOANI, 2011, p. 174-175). Nesta ideologia de

fundo “vestir a camisa da empresa significa ter seus afetos e emoções colonizados”

vida normal, de um sendo moral que tem papel fundamental em suas decisões, suas escolhas e suas ações.” (DEJOURS, 2007, p. 73). 140 Ressalva-se o posicionamento da jurisprudência que em sua maior parte entende que os altos empregados não são suscetíveis ao assédio moral, conforme a seguinte ementa: “GERENTE. HORA EXTRA. DESCABIMENTO. INCIDÊNCIA DO ART. 62, II, DA CLT. Robustamente comprovado que a reclamante atuava munida de poderes de gestão, correto o seu enquadramento na excepcionalidade do art. 62, II, da CLT. Assédio moral. Danos morais. Ausência de prova. As exigências e cobranças vivenciadas pela autora são inerentes ao cargo de alto grau de responsabilidade por ela outrora ocupado, não podendo ser equiparadas à pressão tendente a criar no espírito do empregado aversão ao ambiente laboral, para forçá-lo ao afastamento. Tônica maior do assédio no trabalho. Sentença mantida.” (TRT 7ª R.; RO 620-82.2011.5.07.0009; Primeira Turma; Relª Desª Rosa de Lourdes Azevedo Bringel; DEJTCE 19/12/2012; Pág. 11 – destaques nossos)

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e a disposição do tempo é destinada ao aumento da taxa de lucro da organização

(BARRETO e HELOANI, 2011, p. 174-175).

Transformados em objetos, despidos de autonomia, expropriados dos direitos agora flexibilizados, vivem o individualismo competitivo e antropofágico, revelando a violência do e no trabalho, que vai se tornando cada vez mais sutil.(BARRETO e HELOANI, 2011, p. 175)

Resgatando a distinção entre líder e gestor, é pertinente consignar que a

relação de confiança mencionada acima, não existe apenas entre o alto empregado

e seus empregadores, mas se estende também entre aqueles e seus subordinados,

sendo um dos aspectos que caracteriza e distingue um líder:

“Liderança e confiança encontram-se, assim, em estrita interdependência. A construção da confiança dependerá de práticas que sejam avaliadas como adequadas pelos colaboradores, compatíveis com suas expectativas, uma vez que deles emanará, ou não, a legitimação do fenômeno de liderança.” (DRUMMOND, 2007, p. 4)

A partir de tais considerações é possível identificar a dificuldade do papel dos

empregados gestores (já anunciada no subitem anterior), independentemente de

serem nominados de líderes, chefes, gerentes, superintendentes, etc, em conciliar

as demandas de seus superiores hierárquicos e ao mesmo tempo atuar de maneira

a serem legitimados pelos seus subordinados.

A adversidade se acentua pela percepção de que se trata, na maior parte das

situações, de atuar de maneira a convergir dois interesses significativamente

distintos, como, por exemplo, o de trabalhadores que querem uma redução de

jornada e o do empregador que quer uma minoração dos custos com mão-de-obra.

Mais grave, ainda, a situação em que o gestor conhece as dificuldades pessoais de

cada subordinado, mas é obrigado a escolher dispensar um desses empregados por

determinação de seu empregador.

Aqui são interessantes as considerações de Luis Edson Fachin sobre as

manifestações de vontade, pois “é possível localizar um conjunto significativo de

situações jurídicas nas quais há comportamento, mas não há, necessariamente,

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uma vontade no sentido típico” (FACHIN, 2003, p. 301), ou seja, ainda que possível

identificar algumas ações por parte dos empregados gestores aparentemente

seguras (e até cruéis), não se presume a autenticidade daquelas quanto às reais

vontades destes, especialmente no que se refere às condutas que retratam assédio

moral na modalidade organizacional.

Quando um gestor recebe uma demanda da diretoria estatutária para

dispensar milhares de empregados e tão somente executa as ordens recebidas não

há como se presumir que ele realmente concorda com tal postura, ou ainda, que a

reputa uma medida adequada. Mais ilógico seria afirmar, sem um detalhamento

pormenorizado do caso, que se trata de uma conduta perversa.

Pertinente acrescentar que embasada nas ideias da nominada psicologia

positiva, que prega o otimismo nas relações, a teoria do capital humano (vista

acima) evoluiu no século XXI, para a teoria do capital psicológico (ANTUNES e

CUNHA, 2014, p. 108). Este pode ser compreendido como um conjunto de

capacidades e forças psicológicas positivas, composto por quatro aspectos de

organização e mensuração, quais sejam:

(...) ser confiante e autoeficaz, de modo a manter o esforço necessário para ter sucesso em tarefas desafiantes; efetuar atribuições positivas sobres os acontecimentos presentes e futuros; perseverar em relação aos objetivos e, se necessário, redirecionar as formas de alcançar objetivos para ter sucesso; ser resiliente perante problemas e adversidades (...) (ANTUNES e CUNHA, 2014, p. 109)

Referidos componentes devem ser administrados com o objetivo de

incrementar o desempenho no trabalho, bem como podem ser alvo “de uma gestão

e de um desenvolvimento que potenciem ganhos organizacionais” (ANTUNES e

CUNHA, 2014, p. 109). A partir desses elementos, cada organização deve buscar

desenvolver seus líderes e estes, por seu turno, seus subordinados, para o alcance

das melhores capacidades psicológicas positivas e, consequentemente, melhores

resultados (ANTUNES e CUNHA, 2014, p. 115).

Quando avaliada sob os aspectos teóricos (no mundo do dever ser), o capital

psicológico realmente transmite uma ideia de valoração positiva (otimista), todavia,

quando pensada em aspectos práticos (o mundo como ele é, o mundo do ser), é

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uma espécie de proposta para que a seleção dos líderes seja embasada em critérios

que exijam uma constante emocional, sem variações que comprometam as

atividades de gestão, ou seja, é como se o líder realmente tivesse que estar imune,

anestesiado a qualquer suscetibilidade ou dificuldade de ordem psíquica. Mais uma

vez se está diante de características que despertam questionamentos acerca da real

autonomia da condição do empregado gestor.

Indene de dúvida que no contexto globalizado vivenciado nos últimos anos,

onde vigoram preceitos como a imediatidade, volatilidade do capital, a constante

inovação e aceleração dos meios de informação, dentre outros aspectos, é tarefa

árdua para um gestor manter-se realmente isento de qualquer variação e/ou

dificuldade psicológica (ainda que a mantenha somente em sua esfera íntima). Há,

portanto, uma contrariedade evidente entre a aplicação prática da psicologia positiva

e as metas cada vez mais significativas impostas pelo empregador, especialmente

aquelas decorrentes da redução de custos, que implicam na orientação de estratégia

e na tomada de decisões nem sempre confortáveis, como uma dispensa coletiva,

por exemplo.

Por certo que o autocontrole emocional (ou autogestão)141 é uma

característica essencial aos gestores e líderes (GOLEMAN, 2015, p. 17),

especialmente para que não sejam assediadores em relação aos seus subordinados

quando da consecução dos objetivos da empresa, mas isso não significa que não

exista sensação de inadequação e/ou irresignação quanto a algumas políticas

organizacionais. O autocontrole, entretanto, não significa e nem proporciona uma

resiliência plena, no sentido da capacidade de se adaptar a toda e qualquer prática

ou mudança, especialmente aquelas incompatíveis com o respeito à dignidade dos

trabalhadores, retratando tão somente uma racionalidade necessária à execução às

funções de gestão. É bastante tênue a linha que separa a característica do

autocontrole dos preceitos idealizados pela teoria do capital psicológico.

Outro aspecto que merece enfrentamento é a questão da motivação,

considerada um dos melhores ingredientes para a atuação de um empregado gestor 141 “Impulsos biológicos dirigem nossas emoções. Não podemos eliminá-los, mas podemos fazer muita coisa para administrá-los. O autocontrole, que é como uma conversa interior contínua, é o componente da inteligência emocional que nos liberta de sermos prisioneiros de nossos sentimentos. (...) Porque o autocontrole é tão importante para os líderes? Em primeiro lugar, pessoas que estão no controle de seus sentimentos e impulsos – ou seja, pessoas racionais, - são capazes de criar um ambiente de confiança e equidade. Em tal ambiente, a politicagem e as rivalidades são fortemente reduzidas e a produtividade é alta. Pessoas talentosas acorrem à organização e não sentem vontade de deixa-la. E o autocontrole tem um efeito multiplicador.” (GOLEMAN, 2015, p. 16-17).

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e que deve transcender em relação aos subordinados de maneira a contaminá-los

ao engajamento para realização das tarefas. Nas palavras do psicólogo Daniel

Goleman (2015), especialista em inteligência emocional, a motivação é uma

“variedade da autogestão pela qual mobilizamos nossas emoções positivas para nos

impelir às nossas metas” (GOLEMAN, 2015, p. 18). Referido autor afirma, ainda, que

a palavra-chave da motivação está no verbo “realizar”. Enquanto muitos são

motivados por altos salários, status do cargo ocupado em empresa de prestígio,

entre outros fatores externos, os líderes vocacionados “são motivados por um desejo

profundamente arraigado da realização pela realização” (GOLEMAN, 2015, p. 18-

19).

Não há, entretanto, como se compreender a “realização pela realização”

(GOLEMAN, 2015, p. 19) como algo unicamente saudável na motivação, pois pode

também conduzir a atitudes de assédio moral por parte dos líderes e gestores, bem

como retrata uma característica que pode ser confundida com a perversidade

patológica.

Revisitando os ensinamentos de Marie-France Hirigoyen é possível afirmar

que “toda pessoa em crise pode ser levada a utilizar mecanismos perversos para

defender-se” (HIRIGOYEN, 2012a, p. 139). Da mesma forma, em um momento de

ódio passageiro, o ser humano acaba por manipular seu semelhante objetivando

extrair uma vantagem ou ainda praticar outras condutas exacerbadas. Todavia, o

que distingue essas situações temporárias da verdadeira perversidade é justamente

o seu caráter ocasional, bem como a culpa e o arrependimento que segue os atos

praticados. Já no que se refere ao manipulador perverso patológico, a estratégia é a

utilização e aniquilação do outro, sem qualquer sentimento de culpa (HIRIGOYEN,

2012a, p. 139).

Daí decorre a afirmação de que “a realização pela realização” se aproxima da

perversidade, pois são implantadas práticas ofensivas à dignidade moral dos

empregados, não como um atendimento às pressões da cultura organizacional ou,

ainda, como mecanismo de redução de custos, mas pelo simples prazer de realizar,

nos moldes do caso exemplificativo do gerente da empresa de cosméticos narrado

acima.

No que se refere às situações em que os altos empregados atuam apenas

como replicadores da cultura organizacional enraizada em práticas de assédio,

praticamente todos os doutrinadores que se aprofundam mais sobre o tema invocam

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as lições de Christophe Dejours (2007), de modo que o marco teórico da referida

investigação será a obra a “A banalização da injustiça social” do referido autor142.

Os altos empregados, na verdade, executam as diretrizes organizacionais do

empregador, o que na linguagem coloquial pode ser denominado como fazer o

“trabalho sujo” (DEJOURS, 2007, p. 73), quando aquelas extrapolam os limites de

proteção à dignidade de seus subordinados. E o que leva esses empregados a

executarem esse “trabalho sujo” (DEJOURS, 2007, p. 73)?

Dentre as explicações mais convencionais, está a racionalidade estratégica,

no sentido de que o empregado gestor tem participação consciente nas condutas

assediadoras da organização porque precisa preservar seu salário, seu posto de

trabalho, etc. Desta forma, avalia estrategicamente as possibilidade quando da

tomada de decisões, o que algumas vezes até conduz a um oportunismo e

conformismo, mas em verdade acaba por despertar as travas do senso moral, de

modo que não seria uma explicação suficiente (DEJOURS, 2007, 74-75).

Outra hipótese comumente invocada para justificar a replicação das atitudes

de assédio é a da perversidade ou da paranoia, esta última retrata indivíduos

moralmente retos e que atuam em nome do bem quando estão em posição de

liderança, enquanto aquela já foi definida acima. Contudo, não se pode admitir que a

sociedade é composta só de paranoicos ou perversos, de modo que essa explicação

também não é adequada à compreensão da atuação daqueles que executam o dito

“trabalho sujo” (DEJOURS, 2007, 74-75).

Para explicar a tolerância às práticas assediadoras, Dejours (2007, p. 76-77),

invoca a ideia do mal e afirma que as condutas podem ser assim qualificadas

quando são:

• instituídas como sistema de direção, de comando, de organização ou de gestão, ou seja, quando elas pressupõe que a todos se aplicam os títulos de vítimas e carrascos alternativa ou simultaneamente.

• públicas, banalizadas, conscientes, deliberadas, admitidas ou reivindicadas, em vez de clandestinas, ocasionais u excepcionais, e até quando são consideradas corajosas. (DEJOURS, 2007, p. 77)

142 Segundo Dejours a “banalidade do mal” foi utilizada inicialmente por Hannah Arendt no posfácio de sua obra “Eichmann em Jerusalém” (DEJOURS, 2007, p. 109)

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Daí é possível afirmar que “o problema levantado é pois o da participação das

pessoas de bem no mal como sistema de gestão, como princípio organizacional”,

justamente porque as ações das pessoas responsáveis, gestores quando retratadas

pela prática do mal, corrompem toda a organização (DEJOURS, 2007, p. 77-78).

Todavia, não há que se falar em uma simples resignação em relação à prática

do mal para que o mesmo seja aceito como razão do assédio moral organizacional,

pois para seu efetivo enraizamento são necessários dois quadros: o primeiro é o dos

“líderes de mentira e do ‘todo estratégico’ da guerra econômica”, onde não

raramente o líder também está numa posição perversa ou paranoica; e “um

dispositivo específico para arregimentar e mobilizar as pessoas de bem para a

estratégia da mentira, as estratégias de demissão, as estratégias de intensificação

do trabalho e a violação do direito sob o comando dos líderes” (DEJOURS, 2007, p.

78-80). Diante destes dois quadros, Dejours afirma que é coragem, apesar do

paradoxo, o fator que acaba por funcionar como a força motriz daquelas pessoas de

bem que atuam na execução do mal nas formas esquadrinhadas (DEJOURS, 2007,

p. 79-81). Essa coragem entrelaça-se, através de uma “alquimia social”, com a

virilidade, que é justamente a capacidade de ser violento do ser humano, mas que

na dimensão do interesse econômico pode ser compreendida como a manipulação

de condutas éticas por forças psicológicas ou sexuais, que levam à prática do

“trabalho sujo” (DEJOURS, 2007, p. 81-86).

O líder ou gestor envolvido nesse contexto onde o mal é institucionalizado,

acaba por ficar orgulhoso de sua conduta, pois sequer consegue perceber que ao

fazer o chamado “trabalho sujo” corre o “risco psíquico de perder sua identidade

ética” e até mesmo adoecer. Soma-se a essa alienação o realismo econômico, pois

em tempos de guerra econômica prevalece o pensamento de que todas as condutas

são positivas em favor do lucro, sendo que o gestor sequer se percebe no papel de

replicador do assédio moral organizacional (DEJOURS, 2007, p. 86-94). A inserção

do caráter econômico acaba por suspender a moral, afirmando Dejours que não é a

“racionalidade econômica que é a causa do trabalho mal, mas participação

progressiva da maioria no trabalho que recruta o argumento economicista como

meio de racionalização e justificação posterior da submissão”, distinguindo-se,

portanto, a racionalidade da racionalização (DEJOURS, 2007, p. 95).

Por último, há que se considerar que a maior parte das práticas do mal, da

forma tratada, não deixa vestígios, ou seja, encontra dificuldade para fundamentar

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ações judiciais, bem como muitas vezes é objeto de alegação no sentido de que o

gestor ou líder não sabia, não se percebia na prática de condutas assediadoras

institucionalizadas (DEJOURS, 2007,p. 95-96).

Verifica-se, pois, que ocorreu uma banalização do mal nos ambientes de

trabalho e que muitas vezes líderes e gestores, sob a vertente da racionalização

econômica, replicam condutas de assédio moral institucionalizadas sem sequer se

perceberem (uma espécie de alienação) nesse contexto, o que pode levar a captura

de sua identidade ética, bem como a outras consequências à sua condição psíquica.

Assim, é possível afirmar que uma forma de assediar os altos empregados

refere-se à exigência de práticas que colidem com a sua ética em relação aos

subordinados, como no assédio moral organizacional, em que são disseminadas

ações pelo empregador no sentido de buscar o alcance de metas excessivamente

rigorosas ou de procedimentos lesivos ao cliente.

Quanto aos aspectos financeiros, destaque-se os empregados ocupantes de

cargo de gestão, conforme já asseverado anteriormente, tem uma contraprestação

diferenciada em relação ao trabalho prestado, pois normalmente percebem altos

salários, acrescidos de gratificação de função. Esse contexto se desenvolve com

base na lealdade, na confiança que existe entre as partes (empregado e

empregador), também já abordada acima.

Ocorre que a remuneração diferenciada acaba sendo um dos primeiros

aspectos envolvidos nas práticas de assédio moral em relação a esses altos

empregados na estrutura produtiva quando estes se negam a aceitar as práticas

inadequadas da instituição. Isto porque é legítima a supressão da gratificação

quando o empregador retorna o empregado ao seu posto inicial, pois se entende

encerrada a confiança que havia entre as partes, nos termos do artigo 468,

parágrafo único da CLT.143 Logo da legitimidade dessa prática surgem ameaças e

condutas insidiosas que colocam aquele empregado numa situação de fobia e receio

da perda daquela colocação profissional e, consequentemente, da perda da

gratificação, especialmente para aqueles empregados com mais tempo de serviço. É

que por mais que o empregado tenha conhecimento e experiência, muitas vezes o

143 “Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. Parágrafo único. Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.”

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critério do tempo de serviço também ajuda a informar uma condição de

contraprestação mais benéfica auferida pelo empregado.

Existem, contudo, alguns empregados que já estão no exercício dessa função

diferenciada gratificada há dez anos ou mais, os quais têm direito de postular a

incorporação do valor percebido ao salário, ainda que retornem ao posto efetivo, nos

termos do entendimento consolidado na Súmula 372, I, do Tribunal Superior doo

Trabalho144.

Nessas situações a perversidade costuma ser até maior, pois o empregado

muitas vezes é rebaixado, sem prejuízo salarial, e vai tendo sua autonomia

gerencial, diretiva mitigada aos poucos, chegando a ocorrer casos extremos em que

lhe são retirados todos os equipamentos de trabalho. Há alguns empregadores que

incitam os demais empregados a não conversarem com o colega rebaixado, o que

muitas vezes é observado com receio da perda do emprego, colocando-o em uma

situação de isolamento do mundo do trabalho, como destacado anteriormente

(ALVARENGA, 2012).

Outra forma perversa de assédio manifestada em relação aos empregados

ocupantes de cargo de gestão refere-se à percepção de luvas de contratação e

permanência ou, ainda, bônus de produtividade, pois muitas vezes esses benefícios

são prometidos e pagos em valores extremamente elevados, mas sempre

vinculados a estar na empresa por um determinado período, sob pena de devolução.

Registre-se que não raramente essas luvas são declaradas salário pelo Poder

Judiciário Trabalhista.

Através desse mecanismo o empregador consegue manter o empregado,

submetendo-o a graves pressões psicológicas caracterizadoras de assédio, sem que

o mesmo tenha muitas vezes condições de reagir, pois fez uso dos valores

percebidos e não tem condições de devolver imediatamente tais valores.

Não se olvide, ainda, que tais empregados estariam, via de regra, excluídos

do capítulo de duração da jornada, o que permite aos empregadores muitas vezes

lhe exigir a execução de tarefas totalmente incompatível com uma carga horária

144 “GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES (conversão das Orientações Jurisprudenciais nos 45 e 303 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. (ex-OJ nº 45 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996) II - Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação. (ex-OJ nº 303 da SBDI-1 - DJ 11.08.2003)”

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reputada média, razoável. Os líderes e gestores estão muitas vezes vinte e quatro

horas à disposição de seus empregadores e de sua equipe, através de telefone

celular ou outros meios telemáticos, o que se traduz em situação de verdadeiro

desrespeito à higidez mental e física mínima.

Por último, registra-se, ainda, que em razão da planificação ao redor do

mundo das empresas transnacionais, muitos desses altos empregados são

expatriados, ou seja, recebem a incumbência de chefiar empregados que não são

da mesma nacionalidade e, portanto, nem sempre falam o mesmo idioma ou

praticam os mesmos hábitos culturais, o que dificulta a comunicação e o

encadeamento das atividades a serem desenvolvidas.

Assim, não há sob nenhum ângulo como se defender que tais empregados

estariam imunes ao exercício de práticas de assédio em seus ambientes de trabalho

pelo simples fato de possuírem algumas prerrogativas diferenciadas para o exercício

de suas atividades, onde podem ser tanto assediadores, quanto assediados.

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4 AS CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL EM RELAÇÃO À SAÚDE

PSÍQUICA DOS EMPREGADOS GESTORES

“O cidadão que procura o trabalho está buscando a porta de acesso aos bens de consumo necessários para conservar sua vida, pelo que não se pode ignorar a ressonância direta do trabalho com o processo vital. Entretanto, para exercer o trabalho, o homem não pode perder a saúde, sem a qual o direito à vida não se sustenta.” (Sebastião Geraldo de Oliveira145)

4.1 DOENÇAS PSÍQUICAS DECORRENTES DO ASSÉDIO MORAL VIVENCIADO

PELO EMPREGADO GESTOR

4.1.1 Doenças do Trabalho: Conceito, Características e Doenças Psíquicas

Após a verificação de que os empregados gestores estão sim sujeitos ao

assédio moral, tanto como de assediadores, como assediados, especialmente em

decorrência de todas as transformações ocorridas a partir dos processos de

globalização, surge então o questionamento acerca dos efeitos desta exposição à

saúde dos trabalhadores. Para se perquirir tais efeitos, faz-se necessária uma

abordagem acerca das doenças do trabalho, em especial as doenças psíquicas.

Apesar de vários aspectos do tema pesquisado no presente estudo estarem

além das fronteiras nacionais, no que se refere às doenças do trabalho, assim como

na caracterização do empregado gestor, o aprofundamento do tema será centrado

na legislação brasileira vigente.

Inicialmente, importante consignar que o legislador brasileiro entendeu por

utilizar a expressão acidente do trabalho como gênero, do qual são espécies o

acidente típico e as doenças ocupacionais.

145 OLIVEIRA, 2002, pp.101-102.

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Em 2011, a Organização Mundial de Saúde (OMS) relatou que 45% da

população mundial e 58% da população acima de 10(dez) anos faz parte da força de

trabalho, razão pela qual a saúde do trabalhador e a saúde ocupacional são

elementos relevantes para a produtividade e desenvolvimento146 Outrossim,

destacou quando da divulgação destas informações que as novas tecnologias de

informação e automação, as novas substâncias, as transferências de tecnologia, a

migração de trabalhadores, dentre outros são razões que vem despertando ainda

mais a preocupação com a saúde do trabalhador e um meio ambiente do trabalho

saudável.147

O acidente do trabalho típico, tutelado pelo artigo 19, da Lei 8.213/91148, é o

evento danoso decorrente do exercício do trabalho ou a serviço da empresa que

causa lesão corporal ou perturbação funcional, podendo levar à morte ou a

incapacidade para o trabalho. Trata-se de evento “súbito, inesperado, externo ao

trabalhador e fortuito no sentido de que não foi provocado pela vítima” (OLIVEIRA,

2008, P. 43).

Por força do artigo 20149, da Lei 8.213/91 as doenças ocupacionais são

equiparadas ao acidente de trabalho na legislação previdenciária, situação que se

estende também para outros ramos do direito, como do direito do trabalho. As

doenças ocupacionais retratam gênero que se subdivide em duas espécies: a

doença profissional e a doença do trabalho.

A doença profissional “é aquela peculiar a determinada atividades ou

profissão, também chamada de doença profissional típica, tecnopatia ou ergopatia”

146 Informações disponíveis no site da Organização Mundial de Saúde (OMS) em conjunto com a Organização Pan-Americana de Saúde (PAHO), disponibilizadas em 25/04/2011. http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=378&Itemid=595. Visualização em 16/05/2015. 147 Informações disponíveis no site da Organização Mundial de Saúde (OMS) em conjunto com a Organização Pan-Americana de Saúde (PAHO), disponibilizadas em 25/04/2011. http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=378&Itemid=595. Visualização em 16/05/2015. 148 “Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.” 149 “Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.”

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(OLIVEIRA, 2008, p. 46), ou seja, o nexo causal entre o trabalho e a doença é

presumido, pois a doença é típica da profissão exercida. Pode-se citar como

exemplo a asbestose decorrente do trabalho em exposição ao asbesto150 ou a

silicose decorrente do manuseio do pó de sílica.

Já as doenças do trabalho, que também podem ser denominada de

mesopatias ou doenças profissionais atípicas, não têm causa certa, inequívoca, em

determinada profissão, mas surgem em decorrência da forma como o trabalho é

desenvolvido ou, ainda, como consequência da exposição às condições de trabalho.

Com a inserção do art. 21-A151 na Lei 8.213/1991, é possível definir mais uma

espécie do gênero “doença ocupacional”, retratada por aquelas doenças que tem

nexo técnico epidemiológico (NTEP), que “é uma metodologia que serve para

identificar se existe correlação entre determinado setor de atividade econômica e

determinadas doenças” (OLIVEIRA, 2008, p. 133).

O inovador dispositivo legal condicionou sua aplicação à regulamentação da

lei, de forma que o art. 337152, § 3º, do Regulamento da Previdência Social (Decreto

3.048/1999) também passou a dispor a respeito do NTEP, justamente para

estabelecer que alguns códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID)

encontra uma correlação na Lista B, do anexo II, do mesmo regulamento.

O reconhecimento do nexo técnico epidemiológico repaginou a configuração

das doenças do trabalho, trazendo uma inversão para o empregador junto ao Órgão

150 Mais uma vez merece referência a obra “O Germinal” de Émile Zola, que retrata as condições inadequadas de exposição dos mineiros ao asbesto (amianto). 151 “Art. 21-A. A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa ou do empregado doméstico e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o regulamento. § 1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. § 2o A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.” 152 Art. 337. O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.042, de 2007). I - o acidente e a lesão; II - a doença e o trabalho; e III - a causa mortis e o acidente. [...] § 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).”

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Previdenciário, pois uma vez que o atestado seja concedido com CID que encontra

correlação na Lista B, do anexo II, presume-se a relação de causalidade com o

trabalho, concedendo-se ao empregador a possibilidade de defender-se dessa

conclusão.

Registre-se que a 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho,

realizada em novembro/2007 consagrou em seu enunciado 42153, o entendimento de

que se presume o nexo causal também para fins de reparação civil, quando se tratar

de doença cujo nexo técnico epidemiológico foi atestado pela Previdência Social

(OLIVEIRA, 2008, p. 135).

Além das doenças ocupacionais acima tratadas, a legislação brasileira

também reconhece equipara as situações de concausa ao acidente de trabalho, por

força do disposto no artigo 21154, inciso I, da Lei 8.213/91. “A concausalidade é uma

circunstância independente do acidente e que a ele se soma para atingir o resultado

final” (DALLEGRAVE, 2008, p. 227), ou seja, é um fator que somado ao trabalho

acaba por desencadear determinada doença.

Registre-se que no mesmo artigo 21 da Lei 8.213/91, nos incisos III e IV, são

igualmente equiparados aos acidentes do trabalho a contaminação acidental do

empregado durante o labor (inciso III); e os acidentes ocorridos fora do local de

trabalho (inciso IV).

Contudo, a equiparação que se mostra interessante ao presente estudo é

aquela contida no inciso II, da Lei 8.213/91155, qualificando como acidente do

trabalho alguns acontecimentos ocorridos no local de trabalho, dentre os quais se

destacam o “ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou

companheiro de trabalho;” e “b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por

153 “42. ACIDENTE DO TRABALHO. NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO. Presume-se a ocorrência de acidente do trabalho, mesmo sem a emissão da CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho, quando houver nexo técnico epidemiológico conforme art. 21-A da Lei 8.213/1991.” 154 Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; 155 “II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;” (grifos nossos)

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motivo de disputa relacionada ao trabalho;”, por serem ações que retratam algumas

espécies de assédio moral, apesar de não terem sido assim nominadas.

As expressões (agressão, sabotagem ou terrorismo) utilizadas pela legislação

previdenciária retratam ações tipicamente assediadoras, na modalidade horizontal.

Outrossim a agressão física envolvendo disputa relacionada ao trabalho pode

retratar uma consequência mais drástica de eventual assédio moral que a precedeu.

Ainda, quando o trabalhador é admitido já portador de uma enfermidade que

vem a se agravar ao longo do liame empregatício, seja em razão da atividade

desenvolvida, seja em razão da exposição ao ambiente, é reconhecido o nexo de

agravamento (HERTZ, 2007, p. 75-76).

Destaca-se, contudo, que apesar da legislação equiparar as doenças a

acidentes, tais expressões só são sinônimas no campo jurídico, pois na prática são

situações distintas (LIMA FILHO, 2009, p. 98).

Dos possíveis infortúnios que podem acometer os trabalhadores, encontram

aderência mais restrita ao presente tema as doenças do trabalho, dentre as quais,

mais especificamente ainda as doenças mentais. Para que se possa compreendê-la

faz-se necessária a compreensão do significado de saúde mental, onde se optou por

uma abordagem do Ministério da Saúde do Brasil:

Saúde Mental, portanto, não será abordada em contraposição à saúde física ou biológica – conforme o velho e o equivocado dualismo corpo/mente – mas como sofrimento de pessoas, e em alguns casos adquire estabilidade e regularidade tal que merecerão enfoque específico. Porém, compreendemos sobremaneira que o sofrimento psíquico não é reservado àqueles que receberam algum diagnóstico específico, mas sim algo presente na vida de todos, que adquirirá manifestações particulares a cada um, e nenhum cuidado será possível se não procurarmos entender como se dão as causas do sofrimento em cada situação e para cada pessoa, singularmente. Além disso, compreendemos as doenças mentais – nos casos em que possam receber tal denominação – muitas vezes caracterizam-se como doenças crônicas, ou seja, como algo com que o sujeito precisará conviver ao longo da vida, como é o caso de diabetes ou doenças degenerativas. A experiência nos mostra que o cuidado focado no sofrimento de pessoas liberta os profissionais de aporias, de becos sem saída, a promove abertura a inúmeras possibilidades de cuidado, ao efetivar uma mudança de expectativas e objetivos do cuidado. (BRASIL, 2013, p. 14-15 – grifos nossos)

O conceito acima é interessante ao estudo das doenças mentais em um

trabalho sobre assédio moral, pois não as trata como algo diverso das moléstias

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psíquicas, enfatizando sim o sofrimento experimentado por cada ser humano como

característica de destaque.

No que se refere à saúde, merece destaque, ainda, o aspecto de que o meio

ambiente de trabalho deve ser saudável, uma vez que erigido também à categoria

de direito fundamental do homem digno pela exegese do artigo 7º, caput e inciso

XXII, da Constituição Federal156, aplicando-se as considerações traçadas para o

meio ambiente em geral (art. 225, da Constituição Federal157), sendo salutar que

esteja livre de práticas assediadoras para que reste assegurada a integridade moral

dos trabalhadores:

A proteção que deriva do dispositivo constitucional antes mencionado retrata um direito coletivo, cuja base é a sua compreensão material como direito fundamental do homem. Em suma, proteger o meio ambiente é garantir dignidade ao homem. (SOUTO MAIOR, 2011, p. 225)

O legislador optou em utilizar a expressão “transtornos mentais e do

comportamento relacionados com o trabalho” para definir as patologias deste

decorrentes, identificadas pela CID-10) no Grupo 5, na Lista B, do Anexo II, do

Decreto 3.048/99, dentre os quais merecem destaque para o presente estudo:

Doença Fatores de risco de natureza ocupacional

VI - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso do álcool: Alcoolismo Crônico (Relacionado com o Trabalho) (F10.2)

1. Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego: Condições difíceis de trabalho (Z56.5) 2. Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96)

VIII - Reações ao “Stress” Grave e Transtornos de Adaptação (F43.-): Estado de “Stress” Pós-Traumático (F43.1)

1. Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho : reação após acidente do trabalho grave ou catastrófico, ou após assalto no trabalho (Z56.6) 2. Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96)

X - Outros transtornos neuróticos especificados (Inclui “Neurose Profissional”) (F48.8)

Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego (Z56.-): Desemprego (Z56.0);

156 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;” 157 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

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Mudança de emprego (Z56.1); Ameaça de perda de emprego (Z56.2); Ritmo de trabalho penoso (Z56.3); Desacordo com patrão e colegas de trabalho (Condições difíceis de trabalho) (Z56.5); Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (Z56.6)

XI - Transtorno do Ciclo Vigília-Sono Devido a Fatores Não-Orgânicos (F51.2)

1. Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego: Má adaptação à organização do horário de trabalho (Trabalho em Turnos ou Trabalho Noturno) (Z56.6) 2. Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96)

XII - Sensação de Estar Acabado (“Síndrome de Burn-Out”, “Síndrome do Esgotamento Profissional”) (Z73.0)

1. Ritmo de trabalho penoso (Z56.3) 2. Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (Z56.6)

Os transtornos mentais podem ser compreendidos como “os transtornos

atribuídos ao funcionamento do aparelho psíquico do indivíduo” e contribuem para

que surjam diversas doenças, denominadas de somatizações, que retratam

deslocamentos da mente para o corpo (físico) “daqueles conteúdos que ela

considera indesejáveis ou insuportáveis” (FIORELLI, FIORELLI e MALHADAS

JUNIOR, 2015, p. 129-130).

“No assédio moral, o foco são os transtornos mentais, entendendo-se que as doenças físico-fisiológicas constituem consequências daquelas (o que não significa que não se tornem merecedoras da máxima atenção por sua gravidade, tanto em situações crônicas quanto agudas). Em outras palavras, não haveria dano físico se não ocorre dano psíquico. Observe-se, também, que o deslocamento do sofrimento psíquico para o corpo apresenta tamanha eficácia que o indivíduo se queixa, antes, da doença físico-fisiológica, cujos sinais tornam-se proeminentes.” (FIORELLI, FIORELLI e MALHADAS JUNIOR, 2015, p. 130).

Verifica-se do quadro comparativo acima que vários transtornos mentais

estão associados ao desemprego e também às circunstâncias relativas às condições

de trabalho e até mesmo à ameaça de perda do emprego, dentre outras situações

que se apresentam reiteradamente em quadros de assédio moral em tempos

globalizados nos moldes expostos nos capítulos anteriores.

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Assim, embora a Lista B, do anexo II, do Decreto 3.048/99 ainda não

disponha expressamente sobre a exposição ao assédio moral, os fatores

ocupacionais ali descritos coincidem com os quadros que se apresentam em

ambientes organizacionais onde ocorre práticas assediadoras, bem como nas

demais situações de assédio.

Interessante destacar que na Lista B, do anexo II, do Decreto 3.048/99, foi

reconhecida a figura da comorbidade, que retrata a ocorrência de uma patologia em

decorrência de outra, como consequência de outra, a exemplo do inciso VIII, que

elenca como fator de risco das reações ao stress grave e transtornos de adaptação

(F43.-) e do estado de stress pós-traumático (F43.1) “outras dificuldades físicas e

mentais relacionadas com o trabalho: reação após acidente do trabalho grave ou

catastrófico, ou após assalto no trabalho (Z56.6)” (grifos nossos).

Desconhecida tecnicamente por muitos estudiosos158 do direito, mas que não

raramente está presente nas situações envolvendo acidentes do trabalho (gênero), a

comorbidade é uma constante em relação às doenças mentais, pois muitos

trabalhadores desenvolvem patologias desta natureza em decorrência de seu

adoecimento físico. Distingue-se a comorbidade das somatizações abordadas

anteriormente pelo fato de que estas são bastante variadas (não previsíveis),

enquanto aquelas retratam consequência já esperada ou que tecnicamente

acompanha outras patologias.

A comorbidade é uma possível explicação para as significativas dificuldades

na elaboração de ações trabalhistas, bem como na instrução de processos (perícias)

envolvendo os acidentes do trabalho (gênero), pois muitas vezes os operadores do

direito se deparam com variados atestados e declarações médicas, os quais dão a

impressão de que não há um diagnóstico exato sobre a patologia, quando, na

verdade, as variações quanto ao código da doença nada mais são que um reflexo

das possíveis morbidades decorrentes de uma doença originária desenvolvida.

Da mesma forma, as somatizações são de difícil elucidação nas discussões

envolvendo as doenças do trabalho, justamente porque conforme descrito acima os

sintomas físicos muitas vezes aparecem ou são identificados antes do diagnóstico

do transtorno mental (FIORELLI, FIORELLI e MALHADAS JUNIOR, 2015, p. 130).

158 E também de profissionais da área da saúde como bem se destacou no volume 34 dos Cadernos de Atenção Básica à Saúde. Saúde Mental: “Além disso, há que prover cuidado para as comorbidades clínicas frequentes nessa população, um aspecto frequentemente negligenciado.” (BRASIL, 2013, p. 99)

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Outra situação bastante comum envolvendo doenças mentais são os quadros

mistos, retratados por síndromes que comumente aparecer em conjunto nos

pacientes, alternando-se a prevalência dos sintomas mais agudos de uma ou outra,

hipótese que também dificulta a elucidação de doenças do trabalho, pois

dependendo do momento de cada trabalhador o diagnóstico estará mais próximo de

uma ou outra patologia159.

Destaque-se, oportunamente, que o rol constante Lista B, do anexo II, do

Decreto 3.048/99 não é exaustivo, sendo que existem e podem surgir outros

transtornos mentais em decorrência da exposição a quadros de assédio moral e que

devem ser caracterizados como doenças do trabalho.

Assim como a sociedade se transforma a cada dia, igualmente as novas

patologias relacionadas a estas mudanças surgem constantemente, sendo

elencadas pelos avanços da medicina, de modo que não há como se falar em

exaustividade da relação mencionada.

Delineadas as breves explanações sobre as doenças mentais relacionadas ao

trabalho, surge o questionamento no sentido de se tais enfermidades podem

acometer (ou não) os empregados gestores, o que se passará a enfrentar a seguir.

4.1.2 Assédio Moral e o Adoecimento Psíquico do Empregado Gestor

Nos moldes já tratados no capítulo anterior, os gestores são suscetíveis a

situações de assédio, seja na condição de assediador, seja na condição de

assediado, justamente por estarem em posição de ascendência hierárquica em

relação aos demais empregados e por participarem diretamente das atividades

voltadas à consecução das finalidades da empresa.

159 “(...) a maioria dos usuários que apresenta uma dessas três síndromes também apresenta uma ou mesmo duas das outras síndromes. Ou seja, existem mais quadros mistos do que puros. Mas ainda, os pesquisadores observaram que essas três síndromes também compartilham fatores de risco e tem um curso clínico semelhante (GOLDBERG, 2005). Por fim, muitas pessoas têm episódios intermitentes de intensificação dessas síndromes, alternando períodos com pouca ou nenhuma sintomatologia, com períodos de mais intensidade (que fecham diagnóstico) e de menos intensidade (os chamados quadros subclínicos) (NICE, 2011). Por causa da intersecção dessas três síndromes e de sua evolução flutuante, podemos pensar nelas como dimensões diferentes do sofrimento mental comum, ao invés de considerar cada síndrome como um diagnóstico ou categoria em separado.” (BRASIL, 2013, p. 99)

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Embora nem sempre o assédio implique consequências à saúde da vítima,

pois o desencadeamento da doença depende da particularidade de cada indivíduo, é

um risco sempre presente (LIMA FILHO, 2009, p. 101). Contudo, considerando-se

“seus naturais agentes nocivos” as situações de assédio moral podem “levar a perda

da autoconfiança, originando sentimento de culpa, submetendo-a a um stress

permanente e a sensações de solidão e de indefensabilidade”, sendo que não

raramente podem causar danos ainda mais sérios (LIMA FILHO, 2009, p. 101).

Apesar da variedade de transtornos mentais originados ou agravados por

situações do assédio moral, a psicologia do trabalho reconhece que algumas

patologias são tipicamente decorrentes daquele (LIMA FILHO, 2009, p. 101), as

quais devem ser caracterizadas como doenças do trabalho, ainda que não estejam

expressamente previstas no rol da Lista B, do Anexo II, do Decreto 3.048/99.

O dano psíquico apresenta dois tipos de efeitos: o subjetivo, que é detectado

exclusivamente pelo indivíduo, ficando restrito a sua esfera íntima, não podem ser

comprovado quantitativa ou qualitativamente; e o objetivo, que é percebido pelas

pessoas que se relacionam com o assediado e pode ser comprovado através da

comparação de padrões de referência pela psiquiatria ou psicologia. Enquanto

aquele é intitulado de sintoma, este último é denominado de sinal. (FIORELLI,

FIORELLI e MALHADAS JUNIOR, 2015, p. 129).

Dentre os sintomas comuns do assédio é possível elencar a perda de

memória, a dificuldade de concentração, a depressão, a falta de iniciativa, a apatia,

a irritabilidade, o cansaço geral, insegurança, agressividade, medo de sair de casa,

angústia, expectativa ruim, etc. (FIORELLI, FIORELLI e MALHADAS JUNIOR, 2015,

p. 129; MAGO, 2007, p. 122; LIMA FILHO, 2009, p. 101).

Não raramente o adoecimento psíquico pode levar a consequência extremas

como o suicídio, especialmente pelas suas várias facetas ofensivas. Neste sentido:

“(...) a conduta assediante é sempre uma conduta pluriofensiva, pois pode afetas uma série de valores e bens, inclusive até mesmo levando à perda da vítima, seja porque, não mais suportando a violência venha a cometer o ato extremo do suicídio, ou ainda porque pode adquirir algum tipo de patologia que, se não tratada adequada e oportunamente, leve-a a óbito.” (LIMA FILHO, 2009, p. 102)

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Uma dos transtornos mentais que mais aparece associado ao assédio é a

síndrome de burnout160 ou síndrome do esgotamento profissional, que significa que

se chegou ao limite, que não há mais como prosseguir por falta de energia, por

ausência de condições de desempenho físico e mental. O burnout passou a ser

reconhecido nos ambientes laborais “na medida em que veio a explicar grande parte

das consequências do impacto das atividades ocupacionais no trabalhador e deste

na organização” (PEREIRA, 2010, p. 14).

A ciência acerca do burnout é imprescindível em tempos globalizados, uma

vez que a competitividade e os problemas psicossociais desenvolvem-se de forma

acelerada em decorrência das exigências constantes de produtividade, qualidade,

lucratividade e também dos efeitos da recessão (PEREIRA, 2010, p. 16).

Mais uma vez, portanto, as questões atinentes à produtividade, a qualidade e

obtenção do lucro aparecem como fatores relacionados às situações desgastantes e

de assédio vivenciadas nos ambientes de trabalho, confirmando todas as

considerações já expostas anteriormente.

O burnout recebe denominações distintas pelos diversos estudiosos, como

bem destaca Ana Maria T. Benevides Pereira (2010, p. 22), o que muitas vezes

dificulta o levantamento de trabalhos e dados a respeito do tema. Quanto às

variadas nominações do burnout aduz a autora as seguintes expressões: “estresse

laboral”, relacionado ao contexto do trabalho; “estresse laboral assistencial”, pois a

síndrome surge associada aos profissionais da área da saúde e assistencialismo;

“estresse ocupacional”, onde a causa é atribuída às atividades desenvolvidas;

“síndrome de queimar pelo trabalho”, definição utilizada pelos espanhóis; “neuroses

profissionais ou neurose de excelência”, na qual saliente “os transtornos psíquicos

agregados ao trabalho”; “síndrome do esgotamento profissional” e, ainda, a definição

como espécie do gênero “estresse ocupacional” (PEREIRA, 2010, p. 23).

Para que se compreenda melhor a incidência do burnout, há que se conhecer

o conceito de estresse, que deriva do latim e significa fadiga ou cansaço. O estresse

é “um processo temporário de adaptação que compreende modificações físicas e

mentais” (PEREIRA, 2010, p. 26).

160 “é um termo (e um problema) bastante antigo. Burn out, no jargão popular inglês, se refere àquilo que deixou de funcionar por absoluta falta de energia” (PEREIRA, 2010, p. 21). Já na língua espanhola, a tradução coloquial da expressão tem sido no sentido de “estar queimado (a)” (PEREIRA, 2010, p. 23).

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Exposto a situação de assédio moral como as já exemplificadas acima, onde

atuam conjuntamente agentes estressores físicos (ambiente externo), cognitivos

(ameaça) e emocionais (sentimentos relacionados à afetividade, o medo, a perda a

ira, etc), por certo que os empregados gestores têm grandes chances de

desenvolverem a síndrome de burnout, cujo processo engloba três etapas: reação

alarme (quando a vítima detecta alguns sintomas e sinais); etapa de resistência

(tentativa de superar a situação, organismo ainda em alerta) e etapa de

esgotamento (o adoecimento) - (PEREIRA, 2010, p. 23-30).

É importante que os gestores e líderes fiquem atentos aos sintomas e

principalmente aos sinais advindos de sua constante exposição às situações

desgastantes, evitando chegar ao limite do esgotamento (TEIXEIRA, 2013, P. 44).

Especificamente sobre uma das formas de pressão que prejudica a saúde

mental dos gestores, homens de bem que tentam incessantemente manter o

equilíbrio e as boas práticas nos ambientes de trabalho:

As pessoas que ocupam posições gerenciais intermediárias sentem-se compromissadas com as exigências da administração central e as necessidades dos trabalhadores. Muitas vezes os valores humanos são relegados, priorizando-se rendimentos econômicos. Gestores preocupados com valores humanos dignos assume a responsabilidade por manter a saúde e o bem-estar de toda a comunidade organizacional. (ZANELLI e SILVA, 2012, p. 122)

Estar entre duas demandas com pontos de vista muitas vezes distintos, como

as da administração central e as dos empregados coloca o empregado gestor em

uma situação de extrema delicadeza e pressão externa. Muitos empregados, nos

moldes já vistos anteriormente, acabam se valendo do assédio em relação aos

subordinados como uma forma de dar vazão à pressão recebida da diretoria.

Todavia, existem empregados gestores extremamente comprometidos com seus

valores éticos e morais, que muitas vezes acabam absorvendo toda a cobrança

atinente ao cumprimento de metas e objetivos, sem, contudo, repassá-las com o

mesmo peso ou intensidade para seus subordinados.

Ocorre que, considerando-se os aspectos já levantados no presente trabalho,

é nítida que nenhum dos dois desencadeamentos é adequado à saúde mental do

empregado gestor e de seus subordinados. É que receber a pressão e

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simplesmente repassá-la em uma sistemática de assédio organizacional viola os

preceitos íntimos do empregado, homem médio, com valores bem definidos, mas

que muitas vezes acaba sentindo receio da perda do emprego e através de uma

racionalização econômica (DEJOURS, 2007, p. 73-96), acaba transmitindo as

práticas institucionalizadas da pior maneira possível aos seus empregados. Essa

situação ocorrida por um prolongado período de tempo pode, certamente, levar ao

esgotamento profissional do empregado gestor.

Na outra hipótese, em que o gestor absorve toda a pressão, todas as

imposições negativas de práticas institucionalizadas na organização, poupando seus

empregados, mas ao mesmo tempo se sentindo receoso da perda do emprego ou

de outras consequências à carreira ou à remuneração, também pode retratar

significativo estresse e levar ao adoecimento.

A pior situação, contudo, é aquela em que o gestor repassa as práticas

assediadoras institucionalizadas aos seus empregados sem sequer perceber a

gravidade dos comportamentos impostos ou exigidos, em quadro de alienação e

banalização do mal (DEJOURS, 97-99).

Interessante aqui o resgaste feito por Dejours de uma situação narrada em

uma das obras de Hannah Arendt (“Eichmann em Jerusalém”) em que ela

caracteriza a personalidade de um executor nazista pela “falta de imaginação” ou

“pela ausência fundamental da faculdade de pensar”, evidenciando justamente a

alienação ou a banalização do mal praticado (DEJOURS, 2007, p. 111-112), quadro

que analogicamente se verifica em diversas situações de assédio moral

organizacional.

Sandra Negri Cogo destaca a existência tácita de um contrato psicológico de

trabalho entre empregado e empregador, tratando das expectativas envolvidas na

relação de emprego. Invocando alguns marcos teóricos da psicologia organizacional

(como GOLEMAN, citado acima) a autora ressalta a importância de se identificar o

perfil emocional do trabalhador a ser contratado com o objetivo de melhor atender às

expectativas do referido contrato psicológico (COGO, 2006, p. 73-75).

Todavia, na prática, essa identificação da inteligência emocional do

empregado se traduz em uma vantagem, pois “informação é poder” e o empregador

“ao reconhecer e dominar o perfil do empregado, torna-se favorecido para

manipulação psicológica do subalterno” (COGO, 2006, p. 73-75). Esse pleno

conhecimento das capacidades do empregado gestor, por exemplo, é bastante

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comum, pois os processos seletivos costumam ser extensos e com várias fases, o

que permite certamente uma espécie de manipulação pelo empregador, expondo a

saúde do gerente ou líder que vier a ser admitido a situações que podem

caracterizar assédio moral, bem como levar ao seu adoecimento psíquico.

Não se olvide, ainda, que uma prática que rotineiramente leva a quadros de

estresse, depressão, dentre outros transtornos mentais é o rebaixamento imotivado

ou a transferência do empregador gestor para outra área.

A primeira hipótese coloca, imotivadamente, o trabalhador que até então tinha

posição, autonomia e reconhecimentos em situação de constrangimento, expondo o

mesmo a humilhações perante seus subordinados e também para com a

coletividade que interage com a empresa. Esse quadro com o passar do tempo pode

gerar um significativo adoecimento psíquico do trabalhador.

A segunda situação, em que há a transferência para outra área na qual o

empregado gestor não detém total conhecimento ou sente um esvaziamento das

suas atividades, também se desenvolve um quadro de tensão e ansiedade, que

pode se agravar para um adoecimento psíquico.

Desta feita, considerando-se os aspectos acima expostos sobre o

adoecimento mental, especialmente o rol de fatores de risco de natureza

ocupacional, não há como se concluir por outra resposta senão a de que é possível

o adoecimento psíquico dos empregados gestores. A condição diferenciada, a

autonomia e as prerrogativas de gestão não isentam os altos empregados de serem

vítimas de adoecimento psíquico.

Ao contrário, quando inseridos em uma estrutura organizacional que pratica o

assédio moral como forma de obter os resultados esperados, os empregados

gestores que são homens “de bem” (DEJOURS, 2007, p. 73), excetuando-se

aqueles que são paranoicos e perversos, estão ainda mais expostos ao possível

adoecimento mental que os demais trabalhadores envolvidos nos processos

produtivos, pois recebem diretamente as pressões da diretoria estatutária e tem que

repassá-las aos seus subordinados tentando evitar, ao máximo, condutas

assediadoras. Estes gestores vivem um conflito interno significativo, onde a

racionalização dos efeitos de suas condutas pode levar inevitavelmente ao

desencadeamento de transtornos mentais.

Conforme já destacado anteriormente, “o rápido avanço do processo técnico-

científico ao longo do último século, elevou ao máximo a capacidade produtiva do

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ser humano”, de onde, em paralelo, “surgiram incomensuráveis danos na sociedade

contemporânea” (VILLATORE e FORTUNATO, 2015, prefácio), de modo que o

adoecimento psíquico do gestor pode sim ser lido como uma consequência do

conjunto de transformações que se iniciou nas últimas décadas do século XX.

4.2 ANÁLISE DE CASOS PRÁTICOS

Repisando-se a noção de que a realização é um fator indispensável da

motivação para que o líder possa conduzir seus subordinados, invocada acima de

acordo com as conjecturas de Daniel Goleman (2015), surge um primeiro caso

prático que merece ser analisado. Senão vejamos.

Para exemplificar a realização como componente essencial da motivação,

Daniel Goleman narra a situação fática de um gerente de uma indústria de

cosméticos que se via frustrado pela espera de quase duas semanas para obter os

números relativos aos resultados das vendas externas de seus empregados

(GOLEMAN, 2015, p. 19).

Delimita-se aqui o primeiro aspecto que merece análise: o tempo. No mundo

globalizado, conforme já exaustivamente ponderado acima, existe uma imediatidade

generalizada, uma liquidez (BAUMAN, 1998, 1999, 2004 e 2009), onde o tempo

acaba por ser um fator de ansiedade e desestruturação das relações pessoais e

profissionais.

Para solucionar o suposto problema, o gerente implantou um “sistema

telefônico automatizado que faria soar um sinal a cada um de seus vendedores às

cinco da tarde diariamente” (GOLEMAN, 2015, p. 19). Além do sinal, uma

mensagem automatizada solicitava que indicassem eletronicamente quantas visitas

e quantas vendas tinham sido realizadas naquele dia. Segundo o autor, esse

processo encurtou o tempo de feedback161 dos resultados de semanas para horas

(GOLEMAN, 2015, p. 19).

161 Expressão da língua inglesa que pode ser traduzida como comentários de retorno em relação a uma determinada situação ou conduta.

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Para o autor, a ideia do gestor retratou um traço comum de pessoas

motivadas que “estão eternamente elevando seu nível de desempenho e gostam de

ficar de olho nos resultados” (GOLEMAN, 2015, p. 19).

Em que pese a opinião do renomado autor no campo da liderança e

inteligência emocional, o quadro narrado acima se encaixa em um retrato dos danos

que a imediatidade, ansiedade e a aceleração constantes, marcos da globalização,

causam às relações laborais.

A mensuração diária da produtividade, através de um sinal sonoro lembra as

noções de controle de tempo implantadas por Taylor no início do século XX (WEIL,

1996, p. 143), ou seja, aparentemente configura uma involução às raízes da divisão

racional do trabalho, mas em verdade retrata situação muito mais complexa, pois é

feita através de meios telemáticos, de maneira ainda mais impessoal e numérica que

naquela época, gerando, certamente angústia e até mesmo medo (receio) dos

subordinados, especialmente daqueles que em determinados dias da semana não

atingiram seu objetivo quanto à produtividade.

A situação narrada por Daniel Goleman pode, na prática, ser reputada como

uma forma de assédio moral, pois certamente um gestor que se sente frustrado por

não ter resultados imediatos de sua equipe no que se refere à produtividade,

instituindo prática que pode até mesmo constranger perante terceiros ou atrapalhar

as venda pelo despertar de um sinal sonoro, parece estar contaminado pelas

práticas institucionalizadas pela busca do lucro e de resultados, podendo chegar ao

adoecimento.

Outro caso interessante em que o gestor atua como assediador, enraizado às

práticas de assédio moral organizacional, minando por completo a autoestima de

seus subordinados é a cobrança de metas vexatórias, utilizando-se de listas

(rankings) de classificação, exemplificado pela ementa abaixo:

ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. COBRANÇAS ABUSIVAS E VEXATÓRIAS DE METAS. INDENIZAÇÃO REPARATÓRIA DEVIDA. Sabemos que a prática de ação que resulte prejuízo a outrem enseja o dever de indenizar por danos materiais ou morais, de conformidade com a gravidade dos fatos e a intensidade dos danos causados à pessoa ou ao seu patrimônio, nos termos preconizados pela Constituição Federal (art. 5º, V e X). No que se refere, especificamente, ao assédio moral, segundo a psicanalista e vitimóloga francesa Marie-France Hirigoyen, é "toda e qualquer conduta abusiva que se manifesta, sobretudo, por comportamentos, palavras, gestos, escritos que atentem, por sua repetição

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ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa, colocando em perigo seu emprego ou degradando o clima de trabalho" (in Assédio moral. A violência perversa no cotidiano. 3ª ED. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 17). Vale acrescer a definição legal de assédio moral estampado no artigo 29 do Código do Trabalho de Portugal (Lei n. 7/2009), fonte subsidiária do Direito do Trabalho pátrio (direito comparado. Art. 8º da CLT), no sentido de que "entende- se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador". Revela-se, portanto, o assédio moral por comportamentos agressivos e práticas repetitivas e sistematizadas de violência psicológica, no ambiente de trabalho, que colimam desqualificar, desmoralizar, desestabilizar profissional, emocional e moralmente o assediado, tornando seu ambiente de trabalho desagradável, insuportável e hostil, violando os direitos de personalidade da vítima e ocasionando graves danos a sua saúde física e psíquica que podem evoluir para incapacidade laboral. Sendo espécie de violência de ordem psíquica e jurídica, o assédio moral configura-se como um mal a ser combatido, por razões humanísticas, sociais e econômicas. O trabalhador ao ser admitido pela empresa não se despe de sua dignidade na condição de ser humano, dotado de um plexo de direitos inerentes à sua personalidade (V.g. Integridade da honra, imagem, intimidade, liberdade e equilíbrio biopsíquico), devendo, por isto, o empregador proporcionar a observância dos direitos da personalidade, com vistas a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Agregue-se a isso que, para efeitos de danos ao patrimônio moral do ofendido, é assente que não é preciso provar que a vítima se sentiu ofendida, magoada, desonrada com a conduta do autor. O dano moral dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da personalidade, tem presunção absoluta. Na espécie, a cobrança patronal de metas de produtividade. Mediante publicação de ranking no mural da empresa, qualificação pejorativa dos funcionários, inclusive do autor, que não cumprem as metas, colocação de objeto (lanterna) na mesa do autor, de modo a ressaltar sua improdutividade, incitação de discórdia entre os colegas de trabalho, ao tornar explícita a improdutividade da coletividade atrelada ao baixo desempenho de determinados funcionários e citando nominalmente o autor neste rol. Foi manifestamente abusiva e vexatória, sujeitando não só o reclamante, mas também toda a coletividade obreira a situações constrangedoras e humilhantes, de modo diuturno e habitual, sendo típica hipótese de assédio moral organizacional. Assim, é forçoso concluir que a empresa excedeu demasiadamente os estritos limites do poder diretivo (art. 2º da CLT c/c o art. 187 do CC), não se conformando muito menos aos postulados éticos que devem presidir a execução do contrato de trabalho (art. 422 do CC c/c o art. 8º da CLT), caracterizando-se ipso facto como ato ilícito (art. 186 do CC/02), gerador do dever de indenizar, a título de danos morais (art. 927 do CC/02 c/c o art. 8º da CLT), o patente abalo psicológico sofrido pelo trabalhador, que viu conspurcada a sua dignidade humana e os direitos gerais da personalidade. Precedentes no c. TST. Em face do acima exposto, dá -se provimento ao recurso do reclamante no tópico. (TRT 2ª R.; RO 0267200-51.2009.5.02.0064; Ac. 2015/0094544; Quarta Turma; Relª Desª Fed. Maria Isabel Cueva Moraes; DJESP 27/02/2015 – grifos nossos)

A divulgação de relação contendo nome de todos os empregados na forma de

ranking de colocação entre os empregados é medida que retira o componente

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saudável do ambiente de trabalho, instaurando situação de competitividade acirrada

entre os empregados, bem como os expondo a situações humilhantes, pois por mais

que os números e a produtividade sejam informações comuns ao gestor e seus

subordinados, isso não significa que podem ser utilizadas como forma de

intimidação dos empregados.

Mais uma vez se verifica hipótese em que certamente o gestor, seja pela

racionalidade econômica (medo da perda do emprego) que leva a banalização de

situações de assédio, ou até mesmo pela perversidade, não se opôs às diretivas de

constrangimento para obtenção de resultados instituído institucionalizadas no

ambiente de trabalho. Nos termos já asseverados acima, a tolerância e replicação

dessas práticas retrata indivíduo alienado, receoso, que certamente pode vir a

desenvolver transtornos mentais.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após exaustiva análise sob as diversas lentes dos variados ramos da ciência

acerca da globalização, é possível afirmar o caráter evolutivo positivo da

globalização no que tange à proliferação de descobertas científicas, especialmente

na área da saúde; redução de fronteiras e barreiras geográficas e culturais;

ampliação de conceitos e da diversidade humana; ao desenvolvimento da tecnologia

da informação; à expansão e acessibilidade dos meios de comunicação. Todavia

inegável que essas mudanças qualificadas como positivas não se estendem,

àqueles que não têm condições econômicas, culturais e geográficas de gozar de

todas as vantagens da sociedade global .

No que se refere ao aspecto econômico, o mais destacado entre os estudiosos

do tema consultados, é possível afirmar que a evolução acontece para aqueles que

efetivamente mantêm, equilibram ou ampliam o capital através da globalização, mas

jamais para aqueles que apenas se submetem ao sistema, ou ainda, aqueles que se

tornam peças importantes na engrenagem de replicação de desigualdades a ponto

de adoecerem sujeitos ao binômio de exploração do trabalho pelo capital e pela

demanda.

No que se refere às formas de organização do trabalho, na passagem do

taylorismo/fordismo para o toyotismo verificou-se que este resgata o elemento

subjetivo e o coloca como elemento de controle de manutenção do capitalismo,

como “nova subsunção real do trabalho ao capital” (ALVES, 2011, p. 62), em

contraposição ao caráter mecânico e repetitivo daquele.

Já no que diz respeito à conclusão acerca dos efeitos da globalização e das

alterações nas estruturas produtivas não pode ser outra senão a de que houve uma

grave precarização das relações, uma vez que as formas alternativas de contratação

objetivam acima de tudo cortar custos, ou seja, reduzir salários e encargos inerentes

à relação laboral.

No que se refere ao assédio moral, igualmente, a globalização precariza as

relações laborais à medida que impulsiona a proliferação das práticas assediadoras,

especialmente no que se refere ao assédio moral organizacional. O empregado

gestor, por seu turno, está no centro de propagação do assédio moral

organizacional.

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O critério para distinguir os empregados gestores dos demais trabalhadores,

está diretamente, atrelado à importância que exercem na estruturação da cadeira

produtiva e, principalmente, ao atingimento dos fins do empreendimento. Registrou-

se que aqueles líderes que são verdadeiramente legitimados por seu time (equipe)

aparentemente tem mais habilidade em conciliar as demandas da organização com

a qualidade de vida no ambiente de trabalho.

Da análise do assédio moral e suas características somadas à distinção do

empregado gestor, não há sob nenhum ângulo como se defender que tais

empregados estariam imunes ao exercício de práticas de assédio em seus

ambientes de trabalho pelo simples fato de possuírem algumas prerrogativas

diferenciadas para o exercício de suas atividades. Outrossim, constatou-se que

podem ser tanto assediadores, quanto assediados, especialmente nas situações de

assédio moral organizacional.

Por fim, foi possível concluir que os empregados gestores estão sim expostos

ao possível adoecimento mental em razão do assédio moral, pois recebem

diretamente as pressões da diretoria estatutária e tem que repassá-las aos seus

subordinados tentando evitar, ao máximo, condutas que desrespeitem seus

subordinados.

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ANEXO I - quadro comparativo definindo três tipos de constelações práticas que interagem no desenvolvimento do processo de globalização (SOUSA SANTOS, 2011, p. 57-58)

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ANEXO II - quadro comparativo relativo ao traspasse da modernidade fordista para a pós-modernidade da acumulação flexível (HARVEY, 1992, p. 303-305).

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Modernidade fordista Pós-modernidade flexível

economias de escala/código mestre/hierarquia economias de escopo/idioleto/anarquia

homogeneidade/divisão detalhada do trabalho diversidade/divisão social do trabalho

paranóia/alienação/sintoma esquizofrenia/descentração/desejo

habitação pública/capital monopolista desabrigados/empreendimentismo

propósito/projeto/domínio/determinação jogo/acaso/exaustão/indeterminação

capital produtivo/universalismo capital fictício/localismo

poder do Estado/sindicatos poder financeiro/individualismo

Estado do bem-estar social/metrópole neoconservadorismo/contra-urbanização

ética/mercadoria-dinheiro estética/dinheiro contábil

Deus Pai/materialidade O Espírito Santo/imaterialidade

produção/originalidade/autoridade reprodução/pastiche/ecletismo

operário/vanguardismo administrador/comercialismo

política de grupo de interesse/semântica política carismática/retórica

centraIização/totaIização descentraIização/desconstrução

síntese/negociação coletiva antítese/contratos locais

administração operacional/código mestre administração estratégica/idioleto

fálico/tarefa única/origem andrógino/tarefas múltiplas/vestígio

metateoria/narrativa/profundeza jogos de linguagem/imagem/superfície

produção em massa/política de classe produção em pequenos lotes/social

racionalidade técnico-científica movimentos/alteridade pluralista

utopia/arte redentora/concentração heterotopias/espetáculo/dispersão

trabalho especializado/consumo coletivo trabalhador flexível/capital simbólico

função/representação/significado ficção/auto-referência/significante

indústria/ética protestante do trabalho serviços/contrato temporário

reprodução mecânica reprodução eletrônica

vir-a-ser/epistemologia/regulação ser/ontologia/desregulação

renovação urbana/espaço relativo revitalização urbana/lugar

intervencionismo estatal/industrialização laíssez-faíre/desindustrialização

internacionalismo/permanência/tempo geopolítica/efemeridade/espaço