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Perspectiva, memória e autoridade moral: o legado de Jane Austen em Harry Potter, de J.K. Rowling É uma verdade universalmente reconhecida que um autor infantil, em busca de um leitor, deve querer uma fonte - ou assim clamam os detratores de J.K. Rowling, que insistem que sua série best-seller é simplesmente "derivada" (Hensher), uma simples coleção de brilhantes insignificâncias regulares facilmente desmontáveis por uma Pelúcio trabalhador. Essas acusações de misturas literárias, no entanto, negam a alquimia da arte de Rowling, e eles não conseguem explicar as complexidades do personagem, o ponto de vista da narrativa, e o tema introduzido através de seu mundo ficcional. A série de Rowling não mostra tanto quanto parece (como Philip Hensher, Harold Bloom, A.S. Byatt, e outros alegaram), mas revela tonalidades diferentes em várias luzes. Coloque os romances de Rowling ao lado dos livros Alice de Lewis Carroll, e a série Harry Potter apresenta enigmas variados, probabilidade, improbabilidade, e desejos espelhados; coloque-a ao lado de Tom Brown’s School Days de Thomas Hughes, e nós vemos os destaques da tradição clássica e classista do internato, o valor de esporte, e os perigos do bullying. E o que dizer de Jane Austen, quem Rowling afirmou em 2001 ser uma de suas autoras favoritas ("J.K. Rowling Bookshelf") 1 , tendo já citado Emma de Jane Austen no ano anterior como "the most skillfully managed mistery I‘ve ever read" ("Let me tell you a story") e como "the target of perfection at wich we shoot in vain" (qtd. in Boquet)? Não somente Rowling leu romances de Austen em alternância a cada ano, mas três títulos de Jane Austen aparecem na estante virtual no web site de sua autoria: Sense and Sensibility (1811), Pride and Prejudice (1813), e Emma (1816). De fato, a auto-crítica humorada de Austen em Pride and Prejudice - "Upon te hole," Austen escreveu à sua irmã Cassandra em 1813, "the work is rather too light, bright and sparkling" (Letters 299), aparece na introdução de Rowling de Dumbledore: "His blue eyes were light, bright and sparkling" (Philosopher’s Stone 12). Olhe Harry Potter ao lado 1 Em entrevistas desde 1997, Rowling tem repetidamente nomeado Austen como sua autora favorita; Roddy Doyle é frequentemente listada em segundo lugar. Veja, por exemplo, Blakeney; ―Magic, Mystery, and Mayhem‖; J.K. Rowling Bookshelf‖; ―Comic Relief Live Chat‖; and Renton.

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O artigo publicado aqui é uma tradução. Artigo original: Perspective, Memory, and Moral Authority: The legacy of Jane Austen in J. K. Rowling’s Harry Potter. Children's Literature, Volume 35, 2007

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Perspectiva, memória e autoridade moral: o legado de Jane Austen em Harry

Potter, de J.K. Rowling

É uma verdade universalmente reconhecida que um autor infantil, em busca de

um leitor, deve querer uma fonte - ou assim clamam os detratores de J.K.

Rowling, que insistem que sua série best-seller é simplesmente "derivada"

(Hensher), uma simples coleção de brilhantes insignificâncias regulares

facilmente desmontáveis por uma Pelúcio trabalhador. Essas acusações de

misturas literárias, no entanto, negam a alquimia da arte de Rowling, e eles não

conseguem explicar as complexidades do personagem, o ponto de vista da

narrativa, e o tema introduzido através de seu mundo ficcional. A série de

Rowling não mostra tanto quanto parece (como Philip Hensher, Harold Bloom,

A.S. Byatt, e outros alegaram), mas revela tonalidades diferentes em várias

luzes. Coloque os romances de Rowling ao lado dos livros Alice de Lewis

Carroll, e a série Harry Potter apresenta enigmas variados, probabilidade,

improbabilidade, e desejos espelhados; coloque-a ao lado de Tom Brown’s

School Days de Thomas Hughes, e nós vemos os destaques da tradição

clássica e classista do internato, o valor de esporte, e os perigos do bullying.

E o que dizer de Jane Austen, quem Rowling afirmou em 2001 ser uma de

suas autoras favoritas ("J.K. Rowling Bookshelf")1, tendo já citado Emma de

Jane Austen no ano anterior como "the most skillfully managed mistery I‘ve

ever read" ("Let me tell you a story") e como "the target of perfection at wich we

shoot in vain" (qtd. in Boquet)? Não somente Rowling leu romances de Austen

em alternância a cada ano, mas três títulos de Jane Austen aparecem na

estante virtual no web site de sua autoria: Sense and Sensibility (1811), Pride

and Prejudice (1813), e Emma (1816). De fato, a auto-crítica humorada de

Austen em Pride and Prejudice - "Upon te hole," Austen escreveu à sua irmã

Cassandra em 1813, "the work is rather too light, bright and sparkling" (Letters

299), aparece na introdução de Rowling de Dumbledore: "His blue eyes were

light, bright and sparkling" (Philosopher’s Stone 12). Olhe Harry Potter ao lado

1 Em entrevistas desde 1997, Rowling tem repetidamente nomeado Austen como sua autora

favorita; Roddy Doyle é frequentemente listada em segundo lugar. Veja, por exemplo, Blakeney; ―Magic, Mystery, and Mayhem‖; J.K. Rowling Bookshelf‖; ―Comic Relief Live Chat‖; and Renton.

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dos romances de Austen, como alguns têm feito2, e notamos como a

perspectiva subscreve a educação moral - como a sua forma de narrativa

similar desenvolve um tema semelhante. Para sua série, Rowling seleciona um

limitado ponto de vista onisciente na terceira pessoa favorecido por Austen.

Este ponto de vista permite que Rowling crie um estudo do desenvolvimento de

um personagem em sete volumes, um estudo do que Edmund em Mansfield

Park (1814) de Austen chama de sua carta para Fanny Price: ―a picture of [his]

mind" (412). Ao representar o mundo dos bruxos e o dos trouxas através de um

pensamento único, Rowling nos pede para testemunhar o processo de

educação de Harry. O resultado da narrativa marca as limitações de visão

particular enquanto também evocam a simpatia dos outros3.

A seleção de Rowling de uma forma narrativa semelhante a de Austen, por

conseguinte, nos leva a considerar semelhanças temáticas entre as suas

obras, incluindo a necessidade de perspectiva e de simpatia para crescimento

moral4. Também nos ajudará a considerar as críticas freqüentes a série. A

relativa simplicidade de Philosopher ‘s Stone, a passividade do personagem de

Harry no início dos volumes, a falta de detalhes do mundo real nos mesmos

volumes iniciais, a perspectiva da série sobre garotas - todas essas críticas

padrões da série de Rowling são mitigadas, considerando esses aspectos da

série que a comparação com Austen traz à luz. Com os romances de Austen

de um lado e Harry Potter do outro, podemos responder que Rowling está

interessada na experiência de um personagem do mundo "real", oferecendo

um "retrato" dessa mente individual e um registro do seu desenvolvimento

moral. A narrativa do romance quase sempre apresenta os mundos trouxa e

2 Enquanto comentadores e estudiosos observaram o amor de Rowling por Austen, nada do

meu conhecimento tem oferecido uma extensa análise do legado de Austen em termos de forma e tema. 3 A dívida de Rowling para com Austen, então, atinge além do nome emprestado de Mrs. Norris

de Mansfield Park para a gata de Filch. Suman Gupta, em seu texto para o mundo do estudo dos livros 1-4, poderá ver esta nomeação como apenas uma das muitas ―alusões evasivas‖ de Rowling, como ele os chama, que meramente contribuem para a ―inconsistência e indiscriminada estratégia alusiva dos romances de Harry Potter‖ (97-98), mas eu acredito que podemos ler na aparência de Mrs. Norris como parte de um conjunto mais significativo. 4 Certamente ainda existem ligações temáticas a explorar entre os romances de Austen e a

série de Rowling – as críticas de Austen ao capitalismo e patriarcado, da autoridade quando se abdica da responsabilidade e cede poder ao egoísta, seu uso do gótico, para citar alguns – mas vou limitar minha discussão aqui no desenvolvimento do eu moral.

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bruxo através do ponto de vista de Harry, subjetivo e por demais humano.

Harry é muitas vezes um modelo de observação, detecção e ação, mas ele

também é falho. A visão de Rowling de uma auto-moral, como a de Jane

Austen, emerge dessa lacuna.5

Como sua autora favorita, Rowling incentiva os leitores a usarem suas

imaginações para simpatizar com, refletir sobre, e então valorizar esses

personagens que equilibram generosidade de sentimento com a integridade do

ego. Para Rowling, como para Austen, a autoridade moral depende do

conhecimento de si em relação ao passado e o presente; esse conhecimento

permite atuar moralmente no futuro. Para explorar essas implicações formais e

temáticas do legado de romances de Austen dentro de Rowling, vou colocar

primeiramente a série de Rowling ao lado de Emma para discutir como o ponto

de vista narrativo molda nossas experiência da série e como modela os

benefícios da simpática percepção para o conhecimento dos outros e do eu.

Vou então voltar para o menos popular Mansfield Park para marcar a sua

ressonância com a série de Rowling em termos de estoicismo, de humildade e

do pensamento reflexivo. Termino com um olhar estendido ao papel que a

memória e a imaginação desempenham no desenvolvimento moral do eu.

Penetração perceptiva.

Como Austen, Rowling favorece um estilo de narrativa que conta com limitado

ponto de vista onisciente para restringir a experiência do leitor da história para

a visão de um personagem do mundo - o que Wayne Booth descreve em The

Rhetoric of Fiction como "Simpatia através do Controle de Visões Interiores"

em sua influente da "Distance in Emma".6 Como leitores, nós só gradualmente

percebemos o grau em que nossa perspectiva sobre o mundo bruxo é

5 Para uma discussão da série de Rowling no âmbito das teorias de desenvolvimento moral de

Lawrence Kohlberg, veja Whited and Crimes. As leituras oferecem através dessa lente eco de várias conclusões que tiro, em comparação com Austen, do desenvolvimento moral de Harry. 6 Para uma descrição sucinta do estilo de narrativa de Austen, veja Burrows; veja também

Hough; and Flavin. Conectando Rowling e Austen através da forma narrativa, meu argumento contrasta com a alegação de Maria Nikolajeva de que ―Rowling não usa nenhuma das técnicas mais sofisticadas de narrativa para transmitir estados psicológicos‖ e que ―os romances de Harry Potter são claramente orientados para a ação ao invés de para o personagem‖ (134).

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primeiramente moldada pela perspectiva de Harry, assim como as limitações

de Emma impedem nosso conhecimento do compromisso de Frank Churchill e

Jane Fairfax no romance de Jane Austen. Estamos quase sempre alinhados a

perspectiva de Harry, recebendo muito pouca descrição de terceira pessoa de

cenário ou de personagem que não são primeiramente vistos por Harry. Os

detalhes do "mundo real" dos mundos trouxa e bruxo só entram na sua

consciência, e portanto a narrativa da série quando ele os experimenta, e não

antes, porque, como Rowling comentou durante um webcast global do Royal

Albert Hall, em 2003, "Harry is the eyes through wich you see the world" (Harry

Potter"). Enquanto Hermione e Ron podem ter sabido sobre outras escolas

bruxas como Beauxbatons e Durmstrang desde Philosopher’s Stone, nós não

sabíamos que havia outras escolas no mundo mágico até Harry descobrir sua

existência na Copa do Mundo de Quadribol em Goblet of Fire.

Rowling tinha sido criticada, até Goblet, por criar um mundo desconectado das

realidades da cultura contemporânea, mas sua escolha de um estilo narrativo

como o de Austen nos ajuda contra essa acusação. Como Austen, Rowling

introduz realidades sociais, políticas e econômicas que afetam a vida de seu

personagem principal, enfocando-os através de sua experiência dessas forças

externas em vez de através de uma voz narrativa onisciente.7 Em Emma,

nossa heroína toma nota dos pobres quando podem servir como lição de moral

para ela e sua amiga Harriet (79); em Harry Potter, nosso herói torna-se

sintonizado ao processo de preconceito bruxo quando Draco Malfoy chama

Hermione "You filthy little mudblood" (Chamber 86). Harry vê e compreende

muito mais sobre seu mundo a medida que cresce, e assim a cada ano (e

volume), nós sabemos mais. A limitada visão onisciente de Rowling, focalizada

através de Harry, portanto, também explica os tons variados e ênfases de cada

livro - porque Philosopher’s Stone parece tão cheio de alegria em relação aos

romances seguintes, porque as garotas de Hogwarts são frequentemente

descritas como "risonhas" (Azkaban 56) e bobas em Azkaban e Goblet por um

confuso pré-adolescente, porque a relativa simplicidade de Philosopher’s Stone

7 Veja, por exemplo, Westman; e Chevalier. Para discussões sobre os romances de Austen

com atenção para o mundo político e cultural de seus personagens, veja, por exemplo, Johnson; Stewart; Lew; Fraiman;e Roe.

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(livro ridicularizado por alguns leitores e críticos) retorna à complexidade e

confusão de volumes subsequentes.8 Nossa estrutura de referência para cada

livro é dinâmico, expandindo-se para explicar os novos conhecimentos de

Harry sobre seu mundo preferencialmente ao previsto desde o início da série.

A dívida de Rowling ao estilo narrativo de Jane Austen também nos lembra que

a série está preocupada com o personagem mais que com detalhes externos,

emoções interiores tanto quanto ações exteriores. Um estilo narrativo

onisciente limitado enfatiza o desenvolvimento do caráter de Harry, como faz

com o de Emma. Esta proximidade persistente ao seu caráter forja nossa

ligação com ele. Como o crítico David Lodge afirma sobre o caráter de Emma,

―we experience [her] errors with her, and to some extent share them", criando

uma forte "pull of sympathy" (x). Os erros de julgamento de Harry - de confundir

Snape como seu adversário principal em Philosopher’s Stone a liderar cinco

amigos para provável morte no Ministério da Magia em Phoenix - similarmente

evoca a nossa simpatia, porque geralmente erramos com ele, tendo seguido

sua linha de pensamento e aprovado seu curso de ação, sabendo não mais do

que ele. Estamos muitas vezes à mercê de sua perspectiva limitada e seu grau

de maturidade emocional.

Que ganhamos alguma distância crítica do ponto de vista de Harry é marcante,

dada a forma que Rowling desdobra sua narrativa como Austen. Como os

leitores de Emma, somos advertidos nas páginas iniciais sobre as falhas de

Emma, aprendendo através do narrador como "[t]he real evils indeed of

Emma‘s situation were the power of having rather too much her own way,and a

disposition to think a little too well of herself" - as graves conseqüências que

foram ―no presente‖ ―imperceptíveis‖ (4). Estamos, assim, "put on our guard...

against to close an identification with Emma‘s hopes and expectations,‖ como

observa David Lodge (viii).9 Por outro lado, não temos reservas qualificadas

8 Suman Gupta tenta explicar as diferenças entre os livros através de teorias de ―progressão‖ e

―elaboração‖ (94-96), sem abordar esse elemento formal da prosa de ficção de Rowling. 9 Wayne Booth descreve esse processo narrativo em detalhes: ―O próprio autor – não

necessariamente a Jane Austen real, mas um autor implícito, representado neste livro por um narrador confiável – aumenta os efeitos, orientado o nosso progresso intelectual, moral e emocional... reforçando ambos os aspectos da dupla visão que atua em todo livro: nossa visão interior do valor de Emma e nossa visão objetiva de suas grandes falhas‖ (256).

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sobre o caráter de Harry oferecida pela voz narrativa no início de Philosopher’s

Stone, como temos quando abrimos Emma para ler que "Emma Woodhouse,

handsome, clever, and rich with a comfortable home and happy disposition

seemed to unite some of the best blessing in existence" (3). Mais tarde, no

capítulo XIII, o narrador de Austen até explica o fracasso de Emma em

perceber a confusão de Mr. Elton quando ela o incentiva a ficar em casa por

causa da doença de Harriet: Emma " [is] too eager and busy in her own

previous conceptions and views to hear him impartially, or see him with clear

vision" (99), até como ela é capaz de refletir sobre equívocos dos outros,

algumas páginas depois, " amusing herself in the consideration of the blunders

which often arise from a partial knowledge of circumstances, or the mistakes

which people of high pretensions to judgment are forever falling into..." (101).

Na série de Rowling, tais narrativas adicionais, avisos ou apartes bem-

humorados e irônicos acompanham nossa introdução a, ou a experiência de,

Harry. Em vez disso, nossa identificação com o ponto de vista de Harry é

quase parecida. Exceto nas aberturas dos volumes 1, 4 e 6, nos romances de

Rowling não vemos ou ouvimos qualquer coisa que Harry não veja ou ouça -

embora possamos, como Hermione, identificar alguns modelos das

experiências de Harry que escapam de sua observação.

Obtemos, então, uma relação mais irônica do personagem de Harry, mais

próxima do que temos do de Emma, mas que evolui gradualmente ao longo do

decorrer da série, e essa ironia resulta de uma tensão entre nosso

conhecimento prévio do personagem de Harry ao lado de sua nova

circunstância ou pensamento, ao invés de ser o resultado de uma voz narrativa

intrusiva.10 Momentos irônicos podem ocorrer dentro de um determinado livro -

talvez nós percebemos, antes de Harry, porque seu estômago dá uma guinada

quando ele vê Cho Chang em Azkaban - mas tal perspectiva irónica é mais

perceptível entre os volumes. Em Phoenix, por exemplo, estamos preocupados

10

Como diz Lodge da nossa re-leitura de Emma, citando Harvey, "o modo irónico não domina totalmente a segunda leitura porque ‗nossa atenção é tão diversificada pela fina rede de nuance linguística que não nos concentramos nos resultados irônicos da mistificação.‘‖ A re-leitura é prazerosa, então, e também absolve Emma de não ver o que, ao ler novamente, nos perdemos na primeira vez (ix).

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com Harry quando ele evita o treino de Oclumência antes de dormir, não

querendo treinar sua mente para resistir à influência dos outros sobre ele, para

que possa ao invés disso realizar seu desejo de alcançar e finalmente abrir a

porta do Departamento de Mistérios - e estamos preocupados, porque já vimos

Harry sofrer as conseqüências de desejos semelhantes: em Philosopher’s

Stone quando ele deseja ver seus pais no Espelho de Ojesed, e em Azkaban

quando ele deseja ouvir as vozes de seus pais quando deveria estar lutando

contra os dementadores. Em Phoenix, ganhamos uma relação incrivelmente

irônica com Harry, que em sua auto-dedicação pode, como Emma, tentar

nossa paciência de leitores.

A fé cega de Harry e Emma na retidão de sua perspectiva pode realmente ser

uma faca de dois gumes, testando a nossa simpatia. Emma "[having] taken up

the idea... and made everything bend to it" (121) ecoa a persistência errônea de

Harry e de seus amigos, marcando o poder da mente para perceber que ela

deseja ser assim. As conclusões erradas de Emma frustram Mr. Knightley

assim como nós - "Better to be without sense, than misapply it as you do" (57),

ele diz a ela - tanto quanto os erros de raciocínio de Harry, sua exibição de

regras necessárias, e seu desrespeito pelos sacrifícios dos outros frustram

Hermione (Phoenix 587-88), Snape (Azkaban 209), e Lupin (Azkaban 213).

Muitas vezes, Hermione cumpre o papel atribuído ao contrário da voz narrativa

de Austen quando ela lembra Harry e Rony sobre uma informação esquecida

ou negligenciada que fornece distância analítica sobrea a posição

aparentemente inexpugnável de Harry. Ansioso para resgatar Sirius do

aparente cativeiro e tortura no Departamento de Mistérios do Ministério, Harry

se irrita quando Hermione lhe oferece observações razoáveis: "[I]t‘s five o‘clock

in the afternoon... the Ministry of Magic must be full of workers... how would

Voldemort and Sirius have got in without being seen?‖ (Phoenix 645). Quando

um Harry agitado responde que "the Department of Mysteries has always been

empty whenever I‘ve been," Hermione deve lembrar a Harry , "You‘ve never

even been there... You‘ve dreamed about the place, that‘s all" (Phoenix 645).

Assim emocionalmente imerso no mundo real de suas visões, Harry perde o

contexto maior do mundo em torno dele. Ao oferecer sua perspectiva racional,

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Hermione não só representa uma voz narrativa de Austen mas também ecoa

Mr. John Knightley e seu irmão, Mr. Knightley, e as perspectivas que oferecem

a Emma. Através de tais comentários, do narrador de Austen ou dos

personagens de Austen e de Rowling, somos lembrados de nossa bem

focalizada visão do mundo do romance e das limitações de percepção da

nossa heroína e do nosso herói.

Nossa capacidade de ver dentro das mentes de Emma e Harry, no entanto,

tempera nossas críticas e mantém nossa simpatia, porque nós também

testemunhamos a confusão e vergonha de Emma e Harry. Quando Emma

recebe uma repreensão de Knightley sobre sua avaliação do caráter de Robert

Martin, "[she] made no answer, and tried to look cheerfully unconcerned,", mas

a narrativa divide seus pensamentos com a gente: como "[she] was really

feeling uncomfortable and wanting him very much to be gone,‖ ―[no] repent[ing]

[her action]", mas sentindo a pressão "[of her] habitual respect for his

judgement" (59). A resposta emocional de Emma é comparável a de Harry

quando foi repreendido por Dumbledore, Hagrid, Hermione e Lupin, cujas

opiniões ele valoriza. Em Azkaban, a correção de Lupin do comportamento de

Harry ataca-o fortemente. Depois de quase escapar da punição por uma visita

clandestina a Hogsmeade e a loja de logros Zonko's, Harry escuta o lembrete

de Lupin: " Your parents gave their lives to keep you alive... A poor way to

repay them - gambling their sacrifice for a bag of tricks‖ (213). As palavras de

Lupin impedem a alegria de Harry em escapar da punição por sua atividade

fora de limite e oferecem um sóbrio lembrete de seu relacionamento com seus

pais e seu passado. Como resultado, a repreensão de Lupin "leave[s] Harry

feeling worse by far than he had at any point in Snape‘s office" (213), e Harry

experimenta culpa e vergonha ao invés de indignação.

Para ambos os personagens, então, reservamo-nos o nosso julgamento porque

Harry e Emma estão dispostos a se julgarem. Emma admite-se estar "in

complete error" (119) referente ao senhor Elton, e seu reconhecimento do erro

sustenta a nossa simpatia quando poderiamos deixar de nos importar. Harry,

também, mantém a nossa simpatia, porque é capaz de reconhecer seus

defeitos, de analisar seus erros, de sentir vergonha (Phoenix 294), e até

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mesmo, como Emma, de corar pelos erros que cometeu. Essa marca do século

XVIII de verdadeiro sentimento - a manifestação física de inquietação

emocional - é o sinal exterior da experiência interior11 desses personagens. A

aparência do corar assegura a nossa solidariedade para com Emma (124, 127,

341) e Harry, quando "the heat rises in his face" (Phoenix 687) em diversas

ocasiões ao longo da série, especialmente em Goblet e Phoenix. "[Such]

involuntary physical manifestations of emotion‖ sinaliza que Emma e Harry

possuem a qualidade do século XIX ―[of] sensibility," ―the capacity of human

sympathy": "[as it] registers the interface between the public self and private

reaction,‖, a sensibilidade serve como ―a sort of moral platform" para revelar a

si mesmo e saber sobre o outro (Doody xiv). Como Emma e Harry se tornam

mais sensíveis sobre si mesmos dentro do mundo, ambos são incrivelmente

perspicazes sobre os motivos e ações de seus próprios caráteres, bem como

as dos outros.

Se uma das qualidades valorizadas do personagem em Emma é realmente

"penetração" (122, 173, 314), a capacidade de "perceber" (394) a si próprio ou

o outro em uma luz mais clara, então o ponto de vista limitado onisciente

implantado por ambas Austen e Rowling concede poderes para o leitor. Capaz

de ver nos caráteres de Emma e Harry seus motivos e respostas não ditas,

capaz de assistir as suas próprias tentativas de dominar a habilidade de

"penetração", nós por sua vez aprendemos a ser mais exigentes observadores

do caráter humano. Em Austen e Rowling, a "penetração" é assim ligada à

simpatia pelos outros, ao reconhecimento de um outro do ponto de vista. A

mudança de visão de Emma sobre Jane Fairfax, ao longo do romance,

depende da capacidade de Emma para imaginar-se da perspectiva de Jane

(343). Da mesma forma, a mudança de visão de Harry sobre Snape em Globet

e Phoenix, graças à Penseira, compreende uma troca semelhante de

11

Como Roy Porter observa, no século XVIII, "aquela que não podia corar era uma mulher sem vergonha" (qtd. in Gwilliams 148). Ruth Bernard Yeazell explica como "os escritores dos livros de conduta claramente valorizavam a eficácia da vergonha e elogiavam o ato de corar precisamente como um sinal de suscetibilidade da jovem mulher aos julgamentos – e sentimentos – dos outros‖ (71). Para uma discussão maior do ―fascínio coletivo com o fluxo repentino de sangue para [a] bochecha‖ (65), consulte ―Modest Blushing‖ de Yeazell‘s em Fictions of Modesty.

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perspectiva.12 Além disso, para Harry e seus leitores, a habilidade de Harry

para pensar do ponto de vista de Luna no final de Phoenix (760) proporciona

um bem-vindo alívio do Harry cego, egoísta e gritante - o Harry estressado, no

jargão de fãs – das 753 páginas anteriores. O ponto de vista onisciente de

Rowling incentiva-nos a respeitar e simpatizar com a experiência de outra

pessoa, mesmo se nós nunca pudermos completamente entender ou aceitar

esta outra perspectiva.

Nasce um estóico: O Ser em perspectiva através da Reflexão e da Troca

Colaborativa

Simpatia penetrante serve como um passo para se tornar um agente moral no

mundo; estoicismo e humildade são mais recursos para esse objetivo.

Enquanto Emma demonstra essas duas qualidades adicionais com dificuldade,

Fanny Price, a heroína do mundo obscuro de Mansfield Park, é um estudo vivo.

À primeira vista, a energia de Harry, sua coragem e seu espírito de assumir

riscos fazem dele o espelho oposto da calma e reservada Fanny, mas há uma

série de semelhanças entre os dois personagens que destacam a preocupação

comum de Austen e Rowling para um eu estóico, humilde e reflexivo.

Primeiro, há semelhanças das circunstâncias. Ambos Harry e Fanny

experimentam uma mudança como a de Cinderella13 de um lar para outro: para

Fanny, sua saída da família caótica e empobrecida de Portsmouth para os

luxos comparativos de seus parentes em Mansfield Park; para Harry, a saída

da casa de sua tia e tio Dursley na Rua dos Alfeneiros para as maravilhas e

solvência financeira de Hogwarts e do mundo bruxo. Quando a Fanny de dez

anos de idade deixa sua casa pobre, ela o faz como se fosse órfã: ela vai ser

criada por sua tia e seu tio Bertram sem qualquer risco de ver seus pais e

irmãos em breve. O Harry de dez anos de idade viveu como um órfão toda a

12

A visão de Emma sobre Miss Bates sofre uma mudança semelhante, assim como a de Harry sobre Neville. 13

Junto a outros críticos e comentadores como Ximena Gallardo C. e C. Jason Smith, Roni Natov percebe Harry como a ―Cinderlad‖ (315). Thomas Hoberg lê Fanny como ―uma paródia artística da doce lenda da Cinderela‖ (138).

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sua vida quando descobre, em seu décimo primeiro aniversário, que vai deixar

a privação da Rua dos Alfeneiros. Ambos Fanny e Harry estão esmagados por

seus novos mundos, mas se adaptam rapidamente aos seus novos "lares" uma

vez que eles tem simpáticas companhias. Harry ganha a simpatia de Rony no

trem, Fanny ganha seu primo Edmund logo após sua chegada em Mansfield

Park, e seus novos amigos oferecem orientação em troca de apoio

emocional.14 Para ambos os personagens, a mudança de estilo de vida é tão

completa que o novo local, ao invés do velho, se torna ―o lar‖, como o retorno

de Harry a Hogwarts, no início de Azkaban faz com que sinta "he was home at

last" (74). Além disso, é a memória do novo lar que os sustenta quando Fanny

e Harry são obrigados a se afastar de Mansfield Park (384, 421) e do mundo

bruxo. (Azkaban 17).

A partir dessas semelhanças em circunstâncias que demostram semelhanças

no personagem, que por sua vez ressaltam os aspectos da série de Rowling

que colhem menos atenção crítica, mas são cruciais para sua visão de

educação moral como a de Austen: o valor do estoicismo e da humildade. Para

sobreviver a seus problemas na vida, Fanny e Harry evidenciam o estoicismo,

uma qualidade da série de Rowling observada por Edmund Kern ("Boy

Wonder"; Wisdow). Fanny continua impassível diante das artimanhas londrinas

imprudentes dos irmãos Henry e Mary Crawford, humildemente resiste a

ameaça implacável dos insultos de sua tia Norris, e sacrifica-se aos pedidos

incansáveis de sua tia Bertram em busca de assistência. Fanny é, nas palavras

de Marylea Meyersohn, "the moral presence who watches and listens," "[a]

center of non-energy" operando ―[by] the deferral of gratification" (224-25). Em

sua passividade, especialmente no início da série, Harry ocupa um ―centro de

não-energia‖ similar, suas ações regidas por um ―adiamento de gratificação"

enquanto eventos incidem sobre ele, de sua cicatriz em forma de relâmpago

para as instrusões de suas emoções por Voldemort. Nós testemunhamos

estoicismo em sua determinação para resistir às ameaças repetidas ao corpo e

à mente daqueles que querem lhe quer fazer mal; ele continua igualmente

14 Ambas as amizades estão sem situação de maior igualdade do que aquela que Emma inicia para seu divertimento com Harriet no romance seguinte de Austen.

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Perspectiva, memória e autoridade moral: o legado de Jane Austen em Harry

Potter, de J.K. Rowling

obstinado em sua oposição à Voldemort e em sua lealdade a seus amigos e

Dumbledore. Embora nós ainda não tenhamos a conclusão da série de

Rowling, nós sabemos que a ―paciência‖ estóica de Fanny a guia para a

felicidade no final do romance: é sua "paciência" que confere a ela quem ela

ama – Edmund - e ela tem o prazer de tê-lo agradecendo-lhe por sua paciência

quando ele estava quase perdido, cego por um tempo para os fracassos morais

de Crawford (445). Nós aprendemos, também, nas páginas finais do romance,

que o sucesso de Fanny em sua juventude decorre das "[from] the advantages

of early hardship and discipline, and the consciousness of being born to

struggle and endure" (456). Talvez nós escutemos um eco dessa declaração na

observação de Dumbledore, perto do final de Phoenix, quando ele reflete sobre

a educação de Harry com os Dursley: "You arrived at Hogwarts," ele diz a

Harry, "neither as happy nor as wellnourished as I would have liked, perhaps,

yet alive and healthy" (737). Quando colocado ao lado do caráter estóico de

Fanny, a constância de Harry, o auto-sacrifício, e a elasticidade vem em

primeiro plano - qualidades que podem parecer ofuscadas em Goblet e em

Phoenix por sua raiva adolescente, mas que, todavia, sustentam seu contínuo

sucesso.

Fanny e Harry também compartilham a característica da humildade. Apesar de

muitos personagens dizerem a Harry que ele é famoso, altamente qualificado,

e digno de grande fama, Harry (ao contrário do pai do adolescente James) não

se vangloria. Ele modestamente acredita que Ron e Hermione estão brincando

quando lhe pedem para ensinar Defesa contra as Artes das Trevas para os

seus colegas, incapaz de entender que ele poderia ter recebido notas mais

altas do que Hermione nesta matéria ou que ele teve mais do que "sorte" em

suas batalhas contra Voldemort (Phoenix 291-94). A "abnegação e humildade"

que o tio Bertram de Fanny encontra tão carentes em suas próprias filhas ele

descobre em Fanny até o final do romance: enquanto suas primas, Maria e

Julia, não tinham sido incentivadas através da educação e do dever "[to] govern

their inclinations and tempers,‖ Fanny tem governado a dela (448). Com a

ênfase sobre "dominar as emoções" para o sucesso da Oclumência e para a

sobrevivência no mundo dos bruxos, Phoenix sugere que Harry, também, pode

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precisar completar sua humildade com uma capacidade de "governar" sua

"inclinação" e "gênio" se ele é capaz de suportar e vencer as forças movidas

contra ele. A humildade, como resolução estóica, desenfatiza desejos,

colocando-os na perspectiva de um propósito maior ou bem social. Para

Austen e Rowling, o valor da perspectiva, portanto, reside não só na

"penetração" simpática de um determinado ponto de vista, mas também em

uma resposta bem-humorada às vicissitudes da vida. Alguém deve por seu

próprio eu, assim como os outros, em perspectiva.

Este equilíbrio entre o engajamento solidário e a distância estóica - essa busca

de perspectiva - emerge em Mansfield Park de Austen e na série de Rowling

através de uma educação construída sobre leitura, reflexão e troca intelectual.

Fanny revela na leitura privada e na troca intelectual com Edmund sobre livros

compartilhados.15 A pequena biblioteca de Fanny em seu quarto no sótão é o

seu santuário, seu lugar de reflexão sobre seus próprios pensamentos e ações,

bem como sobre os dos outros. Longe de prejudicar o desenvolvimento de

Fanny, como Alan Richardson observa, "―[r]eading is associated throughout

Austen‘s novels with education in the broadest sense, that is, with intellectual

and moral development" (402). Como resultado, Fanny se beneficia da

negligência da tia Norris graças à sua própria leitura e reflexão privada e aos

ensinamentos alternativos de Edmund. Na série de Rowling, assim como no

romance de Jane Austen, experiências educacionais têm um influência

duradoura sobre as escolhas dos personagens e nos recursos - uma

consequência que nos dá uma pausa, quando pensamos em uma Hogwarts

sob o controle da censura e na censora Dolores Umbridge, que ensina apenas

para a prova e através do plano de aprendizagem, uma Hogwarts sem

alternativa tomando ensinamentos das aulas de Harry para o D.A. na Defesa

contra as Artes das Trevas. A educação prática, expansiva, não-ortodoxa e

freqüentemente ilegal de Harry durante seus anos em Hogwarts tem

habilmente preparado-o não somente para sua batalha contra Voldemort no

final de Phoenix, mas também para seus exames OWL: "Lower[ing] his eyes to

15

Aqui Fanny difere de Emma, que não pode seguir ―nenhum curso de leitura constante‖. (Emma 342).

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the first question,‖ Harry lê, "a) Give the incantation and b) describe the wand

movement required to make objects fly. Harry had a fleeting memory of a club

soaring high into the air and landing loudly on the thick skull of a troll… smiling

slightly, he bent over the paper and began to write" (628). Esse episódio com o

troll, uma de suas primeiras infrações às regras da escola, é o resultado de

manobras colaborativas, briguentas e inspiradas de Harry e Rony para salvar

Hermione - o resultado de colocar uma formação teórica em prática, por sua

vez criando uma memória viva do ato.

A visão de Austen sobre educação, embora presente em toda a série de

Rowling, tem a sua apresentação mais presente em Phoenix com a

apresentação de Dolores Umbridge. O traço textual de Mansfield Park na série

de Rowling - o gato de Hogwarts, Mrs. Norris - nos orienta para esta conexão

entre Austen e Rowling. "Mrs. Norris" certamente parece um nome apropriado

para a gata de Filch, que perambula pelos corredores de Hogwarts ajudando

nos esforços de seu mestre para reduzir as violações sobre as regras e

regulamentos da escola pelos estudantes e pelo poltergeist. Como a gata de

Filch, a personagem Mrs. Norris em Mansfield Park "[is] walking all day" (69) e

é preenchida "[with] a spirit of activity" (42), mas o teor dos insultos de Mrs.

Norris para Fanny marcam tia Norris como uma tia Guida do período regencial,

enquanto a ameaça e o brilho da sede de poder motivando suas atividades em

torno da casa Bertram sugerem que ela também poderia ter inspirado Dolores

Umbridge de Phoenix. A visão da tia Norris sobre educação liga essas duas

vilãs. O defeito de educação das meninas Bertram, Maria e Julia, sob a

orientação de Mrs. Norris (55) não prevê guia moral nem compaixão, como Mr.

Thomas percebe no final do romance, quando ele lança essa futura educadora

para fora de Mansfield Park (448).16 A partida ignóbil de Dolores Umbridge no

final de Phoenix ecoa a destituição de Mrs. Norris de Mansfield Park, e

expurga, no momento, uma fisolofia educacional anti-intelectual e impraticável

dos salões de Hogwarts. Educação reflexiva, colaborativa, ligada à prática

16

O ―efeito da educação‖ atinge Mary Crawford e também seu irmão, de modo que Mary fala ―mal‖ da brincadeira (275), enquanto persegue riqueza e status social. Veja Kelly para uma visão geral da crítica de Austen dos preceitos educacionais contemporâneos.

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cotidiana e de finalidade moral, é valorizada em ambos os mundos ficcionais de

Austen e Rowling para o desenvolvimento moral do eu.

Fala, memória: a mente particular a serviço da educação pública

A reflexão, quer por conta própria ou em troca de colaboração, depende da

memória, uma faculdade da mente humana que Austen e Rowling

particularmente admiram. Uma das ferramentas mais poderosas para a

educação moral de Harry na série de Rowling é a Penseira, um objeto

maravilhoso que permite armazenar memórias para recuperação futura ou

consideração, para um desabafar da mente e avaliar uma experiência passada

de forma isolada ou juntamente com outras lembranças para análise

comparativa. Para uma série que faz parte do Bildungsroman, a criação de

Rowling da Penseira dá em primeiro plano a importância da memória - de uma

pessoa e de outras - para os crescimentos intelectual, social e moral. O

desenvolvimento moral de Harry, ao que parece, depende do acesso e da

reflexão sobre o passado.

A magia da série de Rowling permite a seus personagens compreender todas

as vantagens de memória para o desenvolvimento moral, enquanto levantam

algumas complicações éticas quanto à sua utilização. Um dos mais longos

discursos espontâneos de Fanny em Mansfield Park mostra como os

benefícios de sua experiência educacional dependem da potência da memória

humana. Falando a uma não receptiva Mary Crawford, Fanny maravilha-se da

experiência individual do, e no, tempo: "How wonderful, how very wonderful the

operations of time, and the changes of the human mind!‖ (222). Ela, então,

continua,

If any one faculty of our nature may be called more wonderful than the rest, I do think it is memory. There seems something more speakingly incomprehensible in the powers, the failures, the inequalities of memory, than in any other of our intelligences. The memory is sometimes so retentive, so serviceable, so obedient—at others, so bewildered and so weak—and at others again, so tyrannic, so beyond control!—We are to be sure a miracle every way—but our powers of recollecting and of forgetting, do seem peculiarly past finding out. (222)

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A criação de Rowling da Penseira alivia o lamento de Fanny sobre as falhas de

memória ("[that is] so bewildered and so weak") e, portanto, a Penseira permite

que aqueles que a utilizam se beneficiem das vantagens da memória – nas

palavras de Fanny, como a memória é "so retentive, so serviceable, so

obedient." No entanto, é aceitável romper os limites do eu particular, para

entrar a mente de outro? Quando é necessário fazê-lo? É possível manter

qualquer integridade do eu em um estado tão permeável de ser? É a

integridade do eu um ideal valioso? A magia no realismo social de Rowling

leva-nos a desenvolver estas questões éticas, se quisermos compreender o

que constitui a autoridade moral dentro da série, e o uso de feitiços bruxos de

modificação de memória, as habilidades complementares da Legilimência e da

Oclumência, e a Penseira nos ajuda a respondê-las. Em última análise,

Rowling defende-se exercendo tanto a imaginação como a varinha, a fim de

colher - eticamente – o conhecimento benéfico mantendo a própria integridade

do eu. Nos romances de Austen, assim como na série de Rowling, educação

moral e ação moral evoluem de um compromisso com o mundo bem-humorado

e imaginativo.

No mundo da série de Rowling, a mente particular torna-se freqüentemente

propriedade pública - não simplesmente através da penetração simpática mas

por transgressão literal. Os pensamentos da mente, especialmente as suas

memórias, são rotineiramente exploradas, modificadas, extraídas ou

erradicadas enquanto uma mente controla outra. Bruxos frequentemente

realizam feitiços de modificação de memória em trouxas, para que aqueles fora

da comunidade bruxa não sofram confusão ou curiosidade sobre pessoas

incomuns, lugares ou coisas. Na verdade, feitiços de memória são

Procedimentos de Operação Padrão para bruxos como Arthur Weasley e seus

colegas de Ministério. Esses feitiços são as institucionalmente aprovadas

reparações das conexões entre o mundo dos bruxos e dos trouxas. Como

podemos ver em toda a série, bruxos do Ministério são rápidos em apontar as

varinhas para trouxas e dizer "Obliviate" - na cena do crime (o "assassinato" de

Pedro Pettigrew), em um evento desportivo internacional (Copa Mundial de

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Quadribol), durante um encontro casual com um objeto mágico (uma privada

regurgitante, uma xícara de chá que morde o nariz), ou para evitar um

telefonema inconvenientemente cronometrado de um presidente dos trouxas

para o primeiro-ministro britânico dos trouxas. Quer como os primeiros a

perceberem ou como grupos de limpeza, bruxos de vários departamentos do

Ministério usam modificação de memória mais do que qualquer outro feitiço

quando trouxas estão envolvidos.

Implícitos em tais atos, é claro, é a crença dos bruxos em seu direito de, bem

como a necessidade de, fazer trouxas esquecerem. De acordo com os livros

escolares de Harry, o direito de remover memórias dos trouxas deriva de

séculos de perseguição bruxa nas mãos trouxas, e a posterior necessidade da

comunidade bruxa se proteger para sobreviver - portanto, a criação do Estatuto

Internacional de Sigilo em Magia de 1692 (Quidditch 16). No entanto, nos

quatro exemplos acima, a necessidade de remover essas memórias é

diferente, sugerindo que o direito não está sempre alinhado a necessidade.

Esse último exemplo da abertura de Half-Blood Prince - um Presidente dos

Trouxas "esquecendo" de avisar o Primeiro-Ministro Britânico para que o

Primeiro-Ministro possa ao invés conversar com o Ministro da Magia - modifica

a memória, a fim de reorganizar eventos para a conveniência dos bruxos.

Bruxos do Ministério, deste modo, percebem a memória dos trouxas como

dispensáveis e infinitamente maleáveis, se eles estão ajustando a memória de

um presidente ou adaptando e re-adaptando com frenética repetição as

memórias do Sr. Roberts, o gerente de área de camping na Copa Mundial de

Quadribol, ou outras mentes trouxas. Em suma, os funcionários do Ministério

podem usar seu poder para modificar a memória para atender a conveniência

pessoal bem como políticas públicas. Sua própria integridade do eu é mais

valioso que o de um trouxa, um exercício de privilégio que a série ainda tem

que explorar plenamente.

Enquanto a série de Rowling questiona apenas indiretamente esse privilégio

bruxo para modificar a memória dos trouxas, os romances são rápidos para

indiciar bruxos que realizam esses feitiços uns contra os outros, especialmente

para fins pessoais ao invés de bem público. Gilderoy Lockhart, por exemplo,

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procura a fama adquirindo as memórias daqueles melhores em Defesa Contra

as Trevas Artes e, em seguida, fazendo passar esses conhecimentos como

seus próprios; ele recebe o seu merecido castigo quando o seu próprio feitiço

sai pela culatra, apagando sua memória. Embora ele tenha posto em perigo

vidas através de suas habilidades educadas na modificação da memória,

Lockhart serve como uma ilustração humorística de quem abusa de tal magia -

pelo menos como pode ser visto através dos olhos de Harry na Chamber of

Secrets. Dois anos mais tarde, em The Goblet of Fire, as experiências de Barty

Crouch pai revelam os perigos de usar esses feitiços contra outros bruxos.

Crouch pai, aprendemos com Harry, modificou a memória do Ministro bruxo e

da fofoqueira Bertha Jorkins para que ela pudesse esquecer que tinha visto

viva uma pessoa que deveria estar morta: o filho adulto de Crouch, um

condenado Comensal da Morte. Embora Crouch sênior seja responsável por

remover esse conhecimento da circulação pública, ele também carrega a

responsabilidade de fazer de Bertha Jorkins uma verdadeira máquina de venda

automática de conhecimento para Voldemort. Feitiços de modificação de

memória, como o comando "Delete" no teclado do computador, pode deixar

vestígios da informações aparentemente desaparecidas; recuperar essas

informações é possível e pode causar danos permanentes na memória dessa

pessoa, se a recuperação acontece nas mãos de um bruxo como Voldemort,

que se preocupa com fins e não com meios. O feitiço egoísta de Crouch pai,

portanto, torna-o culpado por pelo menos duas razões: ele é responsável de

pôr em perigo o bem público, e, indiretamente, de acabar com a vida de Bertha

Jorkins.17 A perda pessoal de ação e subsequente morte de Crouch pai

enquanto sob a maldição Imperius de Voldemort pode ser visto como uma

punição justa, mas estamos longe das consequências bem-humoradas dos

motivos de engrandecimento de Lockhart e a justiça poética de seu errado

feitiço de memória.

17

A decisão de Slughorn de dar sua memória modificada com o objetivo de salvar sua pele oferece outro exemplo de modificação egoísta comprometendo o bem público (Prince 347-48). Somente os apelos de Harry a Slughorn pela estima a Lily Potter e ao desejo do não-sonserino para ser ―bravo e nobre‖ traz a memória alterada á luz.

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As memórias dos bruxos, então, podem ser tão vulneráveis a modificações

quanto as mentes dos trouxas, mas existem poucos exemplos aprovado pelo

Ministério de tal modificação. Apenas um exemplo é exibido até agora na série:

o auror Quim Shacklebolt modifica a memória da estudante Marietta Edgecome

quando ela está prestes a revelar aos funcionários do Ministério detalhes

incriminadores sobre as aulas suplementares de Defesa Contra as Artes das

Trevas que Harry tem ensinado aos seus colegas (Phoenix 548). Mesmo aqui,

porém, a "aprovação" depende de nós vendo Harry, Dumbledore e Shacklebolt

como estando do lado "certo" em duas guerras secretas: uma contra o inepto

Ministro Fudge, e outra contra Voldemort. Voltaremos a esse contexto de

guerra, mas por agora podemos concluir o seguinte sobre feitiços de memória:

Primeiro, que a modificação da memórias dos trouxas ou dos bruxos para o

bem de muitos é mais adequado do que fazê-lo para poucos ou para benefício

próprio. Em segundo lugar, independentemente do "direito" de realizar tais

manipulações de memória, podemos ter certeza de que a memória oferece

uma frágil, ou pelo menos incerta, fundação para a construção de uma

compreensão dos outros e de si mesmo, uma vez que podem ser modificadas

a qualquer momento. Um eu mais fluido, poroso, vulnerável é, portanto,

inevitável no mundo de Harry, a menos que bruxos defendam suas mentes e

memórias, e exercitem, nas palavras de Olho-Tonto Moody, "Vigilância

constante."

A prevalência de feitiços de memória contra trouxas e bruxos só começa a

sugerir o grau de permeabilidade entre o eu e o outro na série de Rowling, a

tensão entre um eu estável e fluido. Como aprendemos em Order of the

Phoenix, o ato de Legilimência também pode transformar uma mente particular

em propriedade pública. Legilimência (acesso a outra mente) e Oclumência

(resistência a intrusão do outro) são dois lados da mesma moeda: a questão de

cada habilidade é a integridade da mente, quer penetrando ou preservando-a.

Aqueles poucos bruxos qualificados para um tendem a ser qualificados para o

outro - Voldemort e Snape são bem sucedidos em ambos, como Dumbledore -

e seu sucesso está ligado a capacidade de controlar suas emoções e

concentrar o foco de suas mentes. Talvez porque a habilidade seja tão rara,

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Legilimência eatá sob o radar de fiscalização do Ministério. Os leitores

meticulosamente atentos do Harry Potter Lexicon especulam que Legilimência

pode ser regulada ou "restrita legalmente", como o uso de Veritaserum, a

poção da verdade ("Legilimência"), mas, até agora na série, só sabemos que

Voldemort, Snape e Dumbledore são todos Legilimens qualificados e que não

transmitem esse talento. O acesso a outros rendimentos mentais, nas palavras

de Snape, "access to memories [they] fear," que por sua vez, tornam-se

"weapons" (Phoenix 473). A capacidade de ver em outra mente, ganhando

acesso a memórias e emoções, juntamente com a capacidade de bloquear um

olhar intrusivo de outra pessoa, concede a esses três bruxos poderes incríveis

em um mundo que corre no conhecimento tático e emoção humana.

A emoção humana, porém, é o calcanhar de Aquiles do sucesso da

Legilimência e da Oclumência: como Snape diz a Harry, "Fools who wear their

hearts proudly on their sleeves, who cannot control their emotions" (Phoenix

473), deixam-se vulneráveis a invasões, um fácil alvo de Voldemort ou, no caso

de Harry, de Voldemort e Snape. Essa qualidade desejável da sensibilidade ou

da simpatia, como discutido anteriormente, pode ser uma suscetibilidade e não

uma habilidade. Durante as aulas particulares de Oclumência, as quais Harry

tem para que possa aprender a bloquear o acesso de Voldemort a sua mente,

Snape ganha acesso fácil às memórias de Harry, sabendo que Harry está com

angústia adolescente e raiva. Uma onda de emoção sem foco, uma perda de

controle, também pode inverter a corrente de poder e transformar os índices de

acesso, como Snape e Harry descobrem quando Harry ganho acesso às

memórias de infância de Snape (Phoenix 519-20). Quando Snape baixa a

guarda, as lembranças que Harry observa - "a hook-nosed man was shouting at

a cowering woman, while a small dark-haired boy cried in a corner," por

exemplo (521) - ilustram as "armas‖ que Harry agora tem à sua disposição

contra um professor odiado e ex-Comensal da Morte. Harry, sendo Harry, está

"nervoso" pelo que viu e responde com uma promessa simpática, mas em

outras mãos essas memórias poderiam ser munições prontas ao invés de uma

oportunidade para fazer uma pausa e reflexão. Para qualquer uso, as

lembranças não são mais somente de Snape: aquela parte do seu eu

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particular, contra a sua vontade, tornou-se pública para outra mente. As

habilidades duplas de Legilimência e Oclumência mostram-nos que a mente

individual pode ser tanto a mais permeável fronteira de defesa, uma vez que

pode ser penetrado, bem como a última linha de defesa contra tais intrusões,

se alguém pode empacotar as emoções e devolver o golpe, preservando a

memória e, portanto, a integridade do eu.

Através da Legilimência, as memórias particulares e emoções de uma pessoa

circulam diretamente à mente de outra pessoa; uma circulação maior depende

da vontade somente da segunda pessoa. A Penseira expande a circulação do

conhecimento consideravelmente, aumentando as apostas na privacidade

individual e as implicações éticas do conhecimento compartilhado dentro do

mundo bruxo. Com o formato de uma tigela e rodando com a névoa da

memória, a Penseira oferece uma forma de desafogar a mente e avaliar uma

experiência passada de forma isolada ou juntamente com outras lembranças

para análise comparativa. Estas memórias podem ser as próprias ou da mente

de outra pessoa, recuperada com a permissão ou pela força; uma vez na

Penseira, a memória está em exposição, realizada a partir do ponto de vista

original para quem entra nela. Como Rowling explicou em uma entrevista em

2005, "The Pensieve recreates a moment for you, so you could go into your

own memory and relive things that you didn‘t notice [at] the time" (Anelli e

Spartz). Quando as memórias são revistas apenas pelo seu criador, a interação

com a Penseira possibilita uma reflexão particular. Quando as lembranças são

revistas por outra pessoa, por acaso ou intencionalmente, a interação com a

Penseira oferece desempenho do conhecimento. A memória fala, e o privado

se torna espetáculo público.

Enquanto a Penseira fornece a Harry novos conhecimentos de como ser bom e

fazer o bem no mundo, graças aos seus benefícios de simpática "penetração" e

reflexão, levanta algumas questões difíceis sobre recuperar, armazenar e exibir

a experiência de outra mente. Por um lado, a Penseira certamente

desempenha um papel crucial na educação moral de Harry, concedendo-lhe a

possibilidade de experimentar outros pontos de vista e ampliando sua

capacidade de simpatia. É por meio da penseira, por exemplo, que Harry

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aprende sobre os limites do sistema democrático jurídico no mundo dos bruxos

quando acidentalmente atravessa uma das memórias de Dumbledore (Goblet

509-19). Através da penseira, ele também observa, por conta própria, a relação

entre seu pai e Snape, do ponto de vista de Snape - conhecimento que acaba

com a visão idealizada de Harry sobre o caráter de seu pai e lhe concede a

simpatia, até mesmo empatia, para com o professor que ele tanto despreza

(Phoenix 564-73). Mergulhado na recordação de Snape das provocações de

James enquanto ainda em si mesmo, Harry experimenta uma visão dupla de

consciência que produz um conhecimento doloroso de seu pai, de Snape, e de

si mesmo. Por outro lado, que direito Harry tem de ver as recordações de

Dumbledore e Snape sem a sua permissão? Por que a educação moral de

Harry deveria vir à custa da privacidade alheia? Harry Potter and the Half-Blood

Prince caminha ao lado desta questão ética fazendo da Penseira uma

ferramenta pedagógica sancionada na educação de Harry e na luta contra

Voldemort, enquanto Harry se encontra com Dumbledore para aulas

particulares. No entanto, as várias lembranças que Dumbledore e Harry

revisam juntos ao entrar, nas palavras de Dumbledore, ―the murky marshes of

memory" (Prince 187) levantam questões semelhantes, uma vez que algumas

dessas memórias foram recuperados através de "persuasão" e não dadas

livremente (188).

A Penseira, como uma ferramenta educacional para o desenvolvimento moral,

assim capta o cerne da questão a respeito da integridade da personalidade

individual e a integridade da personalidade dos outros: em busca de uma

moralidade própria, é oportuno invadir a privacidade de alguém? É melhor

manter a própria ligação intacta, ou dividir a personalidade com os outros? E se

você compartilhar, qual é o custo - para você e para os outros? Dado que

Dumbledore e Harry estão envolvidos em uma guerra contra um líder tirânico e

fascista, o controle imediato sobre o próprio eu particular pode precisar dar

forma a fim de evitar a perda total de si mesmo no futuro. No entanto, talvez

Rowling pretende fazer um ponto menos contextualizado sobre o eu e

privacidade para a educação moral, especialmente através das ações de

Dumbledore para compartilhar informações em contraste ao sufocamento da

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circulação do conhecimento de Voldemort.18 Se memórias particulares podem

ser recuperadas, circuladas e compartilhadas com respeito e cuidado, então as

forças potencialmente poderosas, como Harry, que poderiam agir sem

preocupação com os outros, podem adquirir simpatia e compaixão de

temperamento e canalizar o seu uso da força.

Adquirida neste processo é a persopectiva, que pode vir do envolvimento

imaginativo, bem como de um novo fato – na realidade, a imaginação

desempenhará um papel na transformação desse fato em um enigma existente

de experiência e desempenhará um papel na reflexão sobre seu significado. A

imaginação, portanto, oferece uma maneira de ganhar experiência que é não-

invasiva, que preserva a própria integridade, que não é uma ameaça para a

privacidade das mentes dos outros ou de si mesmo. Alguns momentos

históricos podem pedir o uso de feitiços de modificação de memória, para

Legilimência, para "persuadir" outros a produzir memórias para o consumo

público (ou o seu equivalente em nosso mundo), mas a imaginação, e por

extensão a arte, oferta uma forma ética e segura para manter a mente privada

interiormente - para ter fala de memória e para transformar a si mesmo.

O papel que a memória e a imaginação desempenham na educação moral,

certamente liga Rowling a Austen, que reúne a apresentação formal de seus

mundos fictícios e os temas apresentados ali. Nos romances de Austen,

personagens como Fanny, que pode reconhecer "how wonderful, how very

wonderful the operations of time, and the changes of the human mind‖ e ―[the]

faculty‖ da "memória‖ (222) são os personagens que pode ser "[the] moral

agents‖ dentro do mundo (De Rose 227). Para Austen e para Rowling, o

conhecimento do passado - suas próprias memórias e outras experiências -

podem criar indivíduos moralmente responsáveis no presente e no futuro. Ao

apresentar esses pontos de vista para seus leitores, Austen e Rowling

partilham o objectivo artístico de apresentar ―[a] picture of [their characters‘]

mind" (Mansfield Park 412) para retratar uma autoridade moral para o mundo

18

A questão aqui é a circulação de conhecimento em relação ao poder: a idéia de poder de Voldemort depende da consolidação do poder dentro de uma pessoa – uma teoria talvez em desacordo com sua decisão de fragmentar e dispersar sua alma – enquanto Dumbledore está disposto a dividir seu conhecimento e, por conseguinte, seu poder com os outros.

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social. Embora alguns críticos dos romances, como Philip Hensher, ainda

afirmarem que eles sejam apenas enredo - "And then, and then, and then‖ – o estilo da

narrativa de Rowling ainda nos lembra que personagem e ponto de vista, bem

como uma trama bem trabalhada, são os prazeres da série e parte de suas

forças. Se apreciamos a representação do mundo de Rowling através dos

olhos de um personagem, sua chamada para simpatia, e seu ponto de vista da

própria moralidade, então sua dívida narrativa para com Austen nos mostra o

caminho.

Trabalhos citados

Anelli, Melissa, and Emerson Spartz. ―The Leaky Cauldron and Mugglenet Interview with

Joanne Kathleen Rowling.‖ 16 July 2005. The Leaky Cauldron. 27 July 2005 <http://www.the-

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———. Jane Austen’s Letters. Ed. R. W. Chapman. 2nd ed. 1952. Oxford: Oxford UP, 1979.

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