diabetes mellitus

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EMV 1/23 Diabetes Mellitus Prof a . Adj a . Walkyria de Paula Pimenta Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP Definição “Diabetes Mellitus” (DM) compreende um grupo heterogêneo de distúrbios crônicos do metabolismo, devido à deficiência absoluta ou relativa de insulina. É caracterizado por hiperglicemia nos períodos pós-prandial e/ou de jejum que, em sua forma mais grave, se acompanha de cetose e proteólise. Quando presente por períodos prolongados, o diabetes é complicado pelo desenvolvimento de doença dos pequenos vasos (microangiopatia), envolvendo particularmente retina e glomérulo renal, além de neuropatia e aterosclerose acelerada. Prevalência A importância do conhecimento do DM está no fato de ser provavelmente a doença endócrino- metabólica mais importante no Brasil, com grande impacto na saúde pública do país. A prevalência de diabetes na população brasileira, urbana, adulta (30 a 69 anos) é de 7,6%, comparável à de vários outros países, incluindo aqueles mais desenvolvidos. A grande maioria dos pacientes diabéticos pertence a uma das duas classes etiopatogênicas: diabetes mellitus tipo 1 (DMT1) e diabetes mellitus tipo 2 (DMT2). No Brasil, como na maioria dos outros países, o DMT2 é o estado hiperglicêmico mais comum dessas duas classes, constituindo cerca de 90% dos diabéticos. Classificação I. Diabetes mellitus tipo 1 (destruição células β deficiência absoluta insulina) a) doença auto-imune (maioria) b) idiopático II. Diabetes mellitus tipo 2 (associação de vários graus de resistência à insulina e de deficiência insulínica) III. Outros tipos específicos a) Defeitos genéticos da função células β: Tipos de MODY; DNA mitocondrial; outros. b) Defeitos genéticos da ação insulina: Resistência insulínica tipo A; diabetes lipoatrófico; outros. c) Doenças do pâncreas exócrino: Pancreatites (alcoolismo); hemocromatose; fibrose cística; pancreatopatia fibrocalculosa; outras. d) Endocrinopatias: Síndrome Cushing; Acromegalia; Feocromocitoma; Hipertireoidismo; Outras. e) Induzido por drogas ou agentes químicos: Glicocorticóides; Agonistas β-adrenérgicos; tiazídicos; α-interferon; ácido nicotínico; difenilhidantoína; outros. f) Associado, às vezes, a síndromes genéticas: Síndrome Down; Síndrome Klinefelter; Síndrome Turner; Síndrome Laurence-Moon-Biedl; Síndrome Prader- Willi; outras. g) Outros IV. Diabetes mellitus gestacional (DMG) (intolerância à glicose cujo início ou reconhecimento é feito durante a gestação) * Obs.: Alguns grupos da classe III e o DMG exigem reclassificação do indivíduo cessada a situação específica em que se encontrava; mesmo passando para o estado de tolerância à glicose normal são indivíduos com risco aumentado para o desenvolvimento do DM e portanto necessitam de acompanhamento e de orientações. Etiopatogênese I. Diabetes mellitus tipo 1 (doença auto-imune): Está fortemente associado ao complexo HLA, desenvolvendo-se quase exclusivamente em indivíduos expressando as moléculas DR3 ou DR4 ou ambas. Susceptibilidade está intimamente ligada ao gene DQB. Os alelos DQB1*0302 e DQB1*0201 predispõem ao DMT1 enquanto o alelo DQB1*0602 é eminentemente protetor. A predisposição genética múltipla é necessária, mas não suficiente para causar a

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Diabetes Mellitus Profa. Adja. Walkyria de Paula Pimenta

Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP

Definição “Diabetes Mellitus” (DM) compreende um grupo heterogêneo de distúrbios crônicos do metabolismo, devido à deficiência absoluta ou relativa de insulina. É caracterizado por hiperglicemia nos períodos pós-prandial e/ou de jejum que, em sua forma mais grave, se acompanha de cetose e proteólise. Quando presente por períodos prolongados, o diabetes é complicado pelo desenvolvimento de doença dos pequenos vasos (microangiopatia), envolvendo particularmente retina e glomérulo renal, além de neuropatia e aterosclerose acelerada.

Prevalência A importância do conhecimento do DM está no fato de ser provavelmente a doença endócrino-metabólica mais importante no Brasil, com grande impacto na saúde pública do país. A prevalência de diabetes na população brasileira, urbana, adulta (30 a 69 anos) é de 7,6%, comparável à de vários outros países, incluindo aqueles mais desenvolvidos. A grande maioria dos pacientes diabéticos pertence a uma das duas classes etiopatogênicas: diabetes mellitus tipo 1 (DMT1) e diabetes mellitus tipo 2 (DMT2). No Brasil, como na maioria dos outros países, o DMT2 é o estado hiperglicêmico mais comum dessas duas classes, constituindo cerca de 90% dos diabéticos.

Classificação I. Diabetes mellitus tipo 1 (destruição células β → deficiência absoluta insulina)

a) doença auto-imune (maioria) b) idiopático

II. Diabetes mellitus tipo 2 (associação de vários graus de resistência à insulina e de deficiência insulínica) III. Outros tipos específicos

a) Defeitos genéticos da função células β: • Tipos de MODY; DNA mitocondrial; outros.

b) Defeitos genéticos da ação insulina: • Resistência insulínica tipo A; diabetes lipoatrófico; outros.

c) Doenças do pâncreas exócrino: • Pancreatites (alcoolismo); hemocromatose; fibrose cística; pancreatopatia fibrocalculosa; outras.

d) Endocrinopatias: • Síndrome Cushing; Acromegalia; Feocromocitoma; Hipertireoidismo; Outras.

e) Induzido por drogas ou agentes químicos: • Glicocorticóides; Agonistas β-adrenérgicos; tiazídicos; α-interferon; ácido nicotínico; difenilhidantoína; outros.

f) Associado, às vezes, a síndromes genéticas: • Síndrome Down; Síndrome Klinefelter; Síndrome Turner; Síndrome Laurence-Moon-Biedl; Síndrome Prader-

Willi; outras. g) Outros

IV. Diabetes mellitus gestacional (DMG) (intolerância à glicose cujo início ou reconhecimento é feito durante a gestação) * Obs.: Alguns grupos da classe III e o DMG exigem reclassificação do indivíduo cessada a situação específica em que se encontrava; mesmo passando para o estado de tolerância à glicose normal são indivíduos com risco aumentado para o desenvolvimento do DM e portanto necessitam de acompanhamento e de orientações. Etiopatogênese I. Diabetes mellitus tipo 1 (doença auto-imune): Está fortemente associado ao complexo HLA, desenvolvendo-se quase exclusivamente em indivíduos expressando as moléculas DR3 ou

DR4 ou ambas. Susceptibilidade está intimamente ligada ao gene DQB. Os alelos DQB1*0302 e DQB1*0201 predispõem ao DMT1 enquanto o alelo DQB1*0602 é eminentemente protetor. A predisposição genética múltipla é necessária, mas não suficiente para causar a

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doença. Fatores ambientais (ainda pouco definidos) devem dar início ao processo auto-imune nas células β. Vírus e substâncias tóxicas às células β podem iniciar uma insulite auto-imune progressiva que causa a destruição das células β. A intensidade da resposta imunológica seria determinada pelos genes HLA que conferem susceptibilidade ou proteção e pelo nível de resposta em citocinas, que também pode ser geneticamente determinada. O processo auto-imune é lentamente progressivo tornando-se o DMT1 clinicamente manifesto somente depois que mais de 90% das células β foram destruídas (geralmente após 3 anos). Anticorpos a várias proteínas podem ser demonstrados no citoplasma e na superfície das células β (geralmente são marcadores do processo destrutivo) antes da manifestação clínica do DMT1. A insulite que leva à destruição das células β envolve a imunidade celular. Linfócitos T (“helper”, citotóxico/supressor, células “natural killer – NK”) interagem com as células apresentadoras de antígeno (nas células β), o que culmina com a secreção de citolisinas e apoptose das células β. Adicionalmente, macrófagos produzem citocinas: interleucina-1 (IL-1) e fator de necrose tumoral α (TNFα), que têm efeitos destrutivos sobre as células β. Os efeitos lesivos da IL-1 sobre as células β podem ser mediados pelos radicais livres derivados do oxigênio. As células β são extremamente sensíveis (têm pouca defesa contra) a radicais livres, incluindo os ânions

superóxidos, o peróxido de hidrogênio e os radicais hidroxilas. As ações da IL-1 sobre as células β são muito potenciadas pelo TNFα e interferon γ (INF-γ) e pela estimulação da atividade secretória das células β. Indivíduos geneticamente susceptíveis iniciam suas vidas sem qualquer alteração detectável. Um evento precipitante (ex. infecção viral), que diretamente causa destruição mínima das células β, desencadeia o processo auto-imune. Tal processo é expresso pela detecção de anticorpos: contra as células β (ICA), contra a descarboxilase do ácido glutâmico (GAD) presente nas células β, contra a insulina (IAA). Embora a massa de células β diminua, a reserva funcional de células β é suficiente para a manutenção de níveis normais de glicemia. Continuado o processo auto-imune e lesivo às células β, a perda destas é agora de tal grandeza que causa diminuição de secreção de insulina ao estímulo com glicose e finalmente altera o teste oral de tolerância à glicose (TOTG). Como a destruição das células β continua, a glicemia de jejum se eleva e o diabetes se manifesta clinicamente. Os pacientes com DMT1 são vulneráveis a outras doenças auto-imunes tais como: Tireoidite de Hashimoto, Doença de Graves, Doença de Addison, vitiligo e anemia perniciosa.

Figura 1: Estágios do desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 1 autoimune (Adaptado de Williams Textbook of Endocrinology)

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II. Diabetes mellitus tipo 2: É uma doença ou síndrome freqüentemente associada a uma grande predisposição genética (maior que a que ocorre no DMT1), onde 38% dos irmãos e um terço dos filhos de diabéticos tipo 2 têm diabetes ou tolerância à glicose diminuída (TGD) e a concordância de DMT2 entre gêmeos univitelínicos é geralmente de 70 a 80%. Entretanto, a genética desta forma de diabetes é complexa, provavelmente poligênica e não está bem definida. O DMT2 envolve dois defeitos: resistência à insulina e deficiência de secreção de insulina para compensar a menor ação insulínica. Se um ou ambos os defeitos são primários, e, portanto, geneticamente herdados, permanece controverso. A manifestação do componente genético está sujeita a importante influência de fatores ambientais. Assim, o risco de desenvolver o DMT2 aumenta com a idade, obesidade (principalmente a do tipo abdominal) e sedentarismo. Ocorre mais freqüentemente em mulheres com passado de DMG e em associação à hipertensão arterial e dislipidemia e sua prevalência varia entre os diferentes grupos raciais/étnicos. Patologia do Pâncreas Endócrino (Ilhotas de Langerhans) O pâncreas é glândula mista, cuja porção exócrina constitui 98% de seu volume e envolve a porção endócrina. Além da proximidade anatômica das duas porções, há uma interação morfológica e funcional entre ambas. Assim, os elevados níveis e insulina que perfundem o tecido acinar por meio dos vasos pancreáticos exerceriam efeito trófico sobre os ácinos. Por outro lado, as enzimas digestivas pancreáticas fazem parte da incretina, que estimula a secreção de insulina após ingestão de alimentos. A porção endócrina ou ilhotas de Langerhans, que é a nossa glândula alvo, é, por sua vez, constituída por grupos celulares distintos: células β (61%), células α (16%), células δ (9%) e células produtoras do polipeptídeo pancreático (14%). As células β produzem insulina, as α, glucagon e as δ, somatostatina. Existe uma interação parácrina entre estas células: insulina inibe a secreção de glucagon e este estimula a de insulina; a somatostatina inibe ambas as secreções – de insulina e de glucagon. I. Diabetes Mellitus Tipo 1: Nos primeiros seis meses do início clínico do DMT1, estudos de autópsia observaram infiltração das ilhotas pancreáticas por linfócitos e macrófagos denominada insulite. Posteriormente, geralmente após cinco anos do início clínico do DMT1, há diminuição do

número e tamanho das ilhotas, constituindo em média um terço do volume do pâncreas endócrino de indivíduos controle, não-diabéticos. As células β tornam-se praticamente ausentes. Há atrofia do pâncreas exócrino, com diminuição do volume do pâncreas total, que pode ser visualizada à ultra-sonografia. II. Diabetes Mellitus Tipo 2: Após anos de doença há moderada redução da massa de células β em associação a depósito de fibrilas de amilina (processo degenerativo secundário). Com freqüência há infiltração gordurosa do pâncreas. Fisiopatologia Os níveis de glicose plasmática são normalmente mantidos numa faixa relativamente estreita, aproximadamente entre 70 e 150 mg/dL, apesar das grandes variações de entrada e saída de glicose como as que ocorrem após refeições e durante exercício físico. A manutenção dos níveis glicêmicos é crítica para a sobrevivência porque a glicose plasmática é o substrato energético principal utilizado pelo sistema nervoso central; a hiperglicemia crônica exerce efeitos degenerativos sobre os vasos que culminam com a morte dos tecidos e órgãos envolvidos. Para a manutenção da glicemia na faixa de normalidade é de fundamental importância o sistema hormonal, assim constituído: de um lado a insulina (hormônio hipoglicemiante) e do outro, o glucagon, as catecolaminas, o cortisol e o hormônio do crescimento - GH (hormônios hiperglicemiantes ou contra-reguladores). A insulina é liberada nos períodos pós-prandiais (após alimentação) e o glucagon nos períodos de jejum. As células β são estimuladas pela glicose, principalmente, mas também por aminoácidos, ácidos graxos livres e medicamentos como as sulfoniluréias e as glinidas (potenciam a ação da glicose). A glicose é transportada de forma eficaz para o interior das células β pelo GLUT2 e imediatamente fosforilada em glicose-6P pela glicokinase, que é considerada o sensor de glicose para as células β. A glicose-6P é oxidada aumentando a relação ATP/ADP com fechamento dos canais de K+ sensíveis ao ATP das células β. Há então desporalização da membrana destas células com abertura dos canais de Ca++, aumento da concentração do Ca++ citoplasmático, ativação provável de cinases, com extrusão dos grânulos secretores e liberação de insulina (pró-insulina → insulina + peptídeo C). Podemos observar os principais passos da secreção de insulina estimulada pela glicose, na figura abaixo:

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Figura 2 - Vias da secreção de insulina pela célula b estimulada pela glicose (Adaptado de Williams Textbook of Endocrinology) A secreção de insulina é bifásica. A 1a fase ocorre nos primeiros 10 minutos após o estímulo, sendo aguda e de curta duração. É constituída pela insulina pré-formada. É de fundamental importância para o controle dos níveis glicêmicos

pós-prandiais e é a primeira a ser alterada no DM (liberação lentificada e diminuída). Persistindo o estímulo glicêmico, ocorre a 2a fase, que é menos intensa e mais prolongada (figura 3).

Figura 3 - Secreção bifásica da insulina pelas células ß pancreáticas.

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A insulina liberada na circulação atinge seus receptores em seus órgãos-alvo sem necessitar de transportador. O receptor da insulina é um hétero-tetrâmero constituído de duas subunidades α, extracelulares e duas subunidades β, transmembrana celulares e intracelulares: β-α-α-β. A ação da insulina começa com sua ligação às

subunidades α, que muda de conformação e ativa a subunidade β, que é uma tirosina quinase. Assim, inicia-se a fosforilação em cascata de substratos e enzimas, que culmina com as ações da insulina: anabolismo, estímulo do transporte da glicose pelo GLUT4 (músculo, tecido adiposo), crescimento celular (fig. 4).

Figura 4 - Resposta dos tecidos periféricos à insulina após interação com seu receptor

As principais ações metabólicas da insulina são: estimular a captação de glicose e sua utilização produzindo energia (oxidação da glicose/glicólise) e/ou armazenando-a

(glicogênio/glicogênese e síntese de triglicerídeos/lipogênese); estimular o depósito de ácidos graxos livres (AGL) no tecido adiposo; estimular a captação de aminoácidos e a síntese protéica (tabela 1).

Tabela 1 - Ações metabólicas da insulina em seus principais órgãos-alvos Metabólitos Energéticos

Fígado Célula Adiposa Músculo

Carboidrato

↑ Glicólise ↑ Glicogênese ↓ Neoglicogênese ↓ Glicogenólise

↑ Transporte Glicose ↑ Glicólise ↑ Síntese Glicerol

↑ Transporte Glicose ↑ Glicólise ↑ Glicogênese

Gordura

↑ Lipogênese

↑ Entrada Agl ↑ Depósito Tg ↓ Lipólise

Proteína ↑ Síntese Protéica ↓ Proteólise

↑ Captação AA ↑ Síntese Protéica

As células α são estimuladas quando os níveis glicêmicos estão abaixo do limite inferior de normalidade (jejum), por aminoácidos (pós-prandial) e por vários hormônios: catecolaminas, cortisol, GH, β-endorfina, vasopressina (estresse). Lembramos que nas ilhotas de Langerhans, as células α (e células δ) localizadas na região cortical, recebem fluxo sangüíneo direto da região medular, rica em células β, com concentração de insulina a mais elevada do organismo. A insulina,

pelo contrário, exerce efeito inibitório sobre a secreção de glucagon. O glucagon é então liberado na circulação e, sem necessitar de transportador, atinge seus receptores nos órgãos-alvo. A ligação glucagon-receptor causa acúmulo citoplasmático de AMP cíclico (AMPc) e cálcio. Os efeitos do glucagon ocorrem principalmente no metabolismo intermediário hepático por meio dos segundos mensageiros antes citados, que ativam as proteínas quinases A (dependente do AMPc) e C

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(dependente de Ca++). Estas quinases, por sua vez, afetam um amplo espectro de processos enzimáticos, incluindo ativação da glicogenólise e da neoglicogênese com aumento da produção hepática de glicose, da oxidação de AGL com a produção de corpos cetônicos (cetogênese) pelo fígado e da síntese de uréia. Assim, no estado pós-prandial (alimentado) é importante que os alimentos sejam aproveitados seja para a produção de energia ou para seu armazenamento, seja para fins plásticos, o que ocorre sob as ações da insulina. Por outro lado, no estado pós-absortivo (jejum) é importante que o organismo produza glicose e que os tecidos periféricos utilizem AGL como principal fonte energética, poupando a glicose, como substrato energético, para o sistema nervoso central, o que é realizado pelas ações do glucagon. Temos então, os hormônios insulina e glucagon inteferindo nas vias metabólicas de formas opostas: a) por meio de controle rápido dos complexos enzimáticos por fosforilação-

desfosforilação; b) por meio de controle de longa duração por regular a síntese das várias enzimas. Os hormônios liberados em situações de estresse: catecolaminas, cortisol e GH atuam metabolicamente aumentando a lipólise e a produção hepática de glicose (ativação da glicogenólise e/ou neoglicogênese) e diminuindo a captação e a utilização periférica da glicose. Portanto, intensificam as ações metabólicas do glucagon. No Diabetes mellitus o mecanismo fisiopatológico fundamental é a diminuição da razão: insulina/glucagon, que é mais intensa no DMT1 que no DMT2. Tal ocorre por diminuição de secreção de insulina, que é grave no DMT1 e menos intensa e associada a resistência à insulina no DMT2, e por secreção aumentada de glucagon. Conseqüentemente, ocorrerão, em grau variável de intensidade, os distúrbios metabólicos apresentados na Tabela 2, que caracterizam um estado catabólico.

Tabela 2. Alterações metabólicas do diabetes descompensado pelo distúrbio bi-hormonal*.

Alterações Deficiência Insulina Excesso Glucagon ↓ utilização glicose ++++ O ↑ produção glicose: + ++++

↑ glicogenólise + ++++ ↑ neoglicogênese + ++++

↑ liberação aminoácidos ++++ O ↑ lipólise ++++ + (?) ↑ cetogênese hepática + (?) ++++ Obs.: As alterações metabólicas são intensificadas pela secreção dos hormônios de estresse *Magnitude do efeito em escala semiquantitativa: do menor (+) para o maior (++++); O: sem efeito; ?: efeito incerto.

Quadro Clínico I. Diabetes Mellitus Tipo 1:

O diagnóstico geralmente é feito por ocasião da puberdade, após curto período dos sintomas: poliúria (glicosúria e diurese osmótica), polidipsia (desidratação pela diurese osmótica), polifagia e emagrecimento (estado catabólico), que freqüentemente evoluem para a cetoacidose (descompensação metabólica máxima). É necessário o tratamento imediato com insulina para a sobrevida destes pacientes. II. Diabetes Mellitus Tipo 2:

A maioria dos pacientes com este tipo de diabetes tem mais de 40 anos de idade e são obesos ou têm aumento da gordura intra-abdominal. Freqüentemente o diagnóstico é feito após vários anos de doença porque a hiperglicemia desenvolve gradualmente e nos estágios iniciais geralmente não é intensa o suficiente para o paciente perceber qualquer dos sintomas clássicos do diabetes. No entanto, tais pacientes

têm risco aumentado para desenvolverem as complicações macro e microvasculares, que podem ser o quadro de apresentação da doença. O diagnóstico é muitas vezes feito por dosagem da glicemia em exames de rotina. Mais tarde, com a evolução da doença, os sintomas mais freqüentes são: poliúria, polidipsia, emagrecimento e micoses de pele ou do trato genital. Raramente, o início dos sintomas é agudo como no DMT1 (cetoacidose) ou com o estado hiperosmolar não-cetótico, ocorrendo na maioria das vezes como resultado do estresse por doença aguda intercorrente. Os antecedentes pessoais são importantes, como passado obstétrico sugestivo de DMG, diagnóstico prévio de DMG e de hiperglicemia diária gestacional, de hipertensão arterial e de dislipidemia. Com freqüência há presença de familiares com DMT2. Neste tipo de diabetes é de grande importância o diagnóstico precoce da doença.

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Diagnóstico (ADA, 2003) A presença dos sintomas clássicos do diabetes facilmente conduzem ao seu diagnóstico, que porém, pode ser tardio no DMT2. São 3 os critérios para o diagnóstico de diabetes mellitus: 1. Sintomas de diabetes-poliúria, polidipsia,

emagrecimento e glicemia de qualquer momento dia ≥ 200 mg/dL; ou

2. Glicemia de jejum (GJ) ≥ 126 mg/dL. Jejum é considerado como não ingestão calórica por pelo menos 8 hs; ou

3. Glicemia 2 h após carga oral de 75 g de glicose (anidra) ≥ 200 mg/dL. O TOTG só deve ser realizado quando há indicações bem precisas: GJ alterada (110-125 mg/dL), ou GJ normal (< 110 mg/dL) com indícios clínicos de diabetes. O TOTG quando realizado deve seguir as condições em que o teste foi padronizado: indivíduos saudáveis e ambulatoriais; com ingestão mínima de 250 g de carboidratos/dia, por pelo menos 3 dias que antecedem o teste; não fazendo uso de medicamentos que sabidamente interferem no metabolismo da glicose.

*Obs.: Na ausência de sintomas e hiperglicemia inequívoca, os critérios 2 e 3 devem ser confirmados por repetição do teste em dia subseqüente e próximo. O padrão-ouro para o diagnóstico de diabetes é a elevação dos níveis glicêmicos após o jejum noturno. A Associação Americana de Diabetes (ADA) tem recomendado o uso da GJ para o diagnóstico de diabetes preferencialmente ao TOTG, mas com tal medida há subdiagnóstico de DM. Os resíduos valina da região N-terminal da hemoglobina eritrocitária tornam-se irreversivelmente glicosilados na proporção das concentrações da glicose circulante e o produto resultante é denominado hemoglobina A1C (HbA1C). Devido à meia-vida do eritrócito, a

porcentagem de sua hemoglobina (HbA) representada pela HbA1C (normalmente, 4-6%) fornece um índice da concentração plasmática média da glicose durante os 2-3 meses precedentes. É ferramenta valiosa para o monitoramento das glicemias do paciente diabético, mas não é atualmente recomendada para o diagnóstico de diabetes. A presença de glicosúria geralmente é indicativa de glicemias acima da taxa máxima de reabsorção de glicose pelos túbulos renais (180-200 mg/dL). É assim, método diagnóstico pouco sensível. Na impossibilidade de se dispor de glicemias de ponta de dedo realizadas pelos pacientes no seu dia-a-dia, a glicosúria de 24 hs, fracionada, na avaliação do controle glicêmico do paciente é uma alternativa satisfatória. Atualmente, são considerados 2 estágios intermediários entre a tolerância à glicose normal e o diabetes: 1. Glicemia de jejum alterada – GJA (GJ: ≥ 110 e

< 126 mg/dL); 2. Tolerância à glicose diminuída – TGD (G 2hs

após 75 g glicose V.O.: ≥ 140 e < 200 mg/dL).

Ambos estágios são precursores do DMT2 e de doenças cardiovasculares (principalmente o de TGD) e resultam de graus variados de deficiência de secreção insulínica e resistência à insulina, de acordo com a população considerada. A Federação Internacional de Diabetes (IDF) recomenda que se a TGD não puder ser revertida por mudanças no estilo de vida, se considere a intervenção farmacológica. Os indivíduos em cada uma destas 2 classes de risco devem ser acompanhados e incentivados a diminuir os fatores de resistência à insulina (excesso de peso, sedentarismo, tabagismo, outros). Concluindo, com valores da glicemia de jejum e de 2 h após carga oral de 75 g de glicose (TOTG) fazemos o diagnóstico das classes de tolerância à glicose (quadro 1).

Quadro 1. Valores de glicose plasmática para diagnóstico de diabetes mellitus e seus estágios pré-clínicos

Classes de Tolerância à Glicose Glicemia de Jejum (mg/dL) Glicemia 2 h após 75 g Glicose VO (mg/dL)

Tolerância à Glicose Normal < 110 <140 Glicemia Jejum Alterada ≥110 e <126 <140 Tolerância à Glicose Diminuída <126 ≥140 e <200 Diabetes Mellitus ≥126 ≥200

Obs.: Para cada diagnóstico é necessário confirmação do resultado. Vimos que o DMT1 geralmente é uma doença auto-imune, caracterizada pela presença de uma variedade de auto-anticorpos contra proteínas de superfície ou do interior das células β do pâncreas. A presença de tais marcadores antes da manifestação clínica do DMT1 pode identificar pacientes de risco.

Todavia, na ausência de terapias eficazes e inócuas para prevenir ou postergar o DMT1, não há indicação de rastreamento de indivíduos, mesmo os com alto risco (ex. irmãos de diabéticos tipo 1), por meio da dosagem dos anticorpos anti-proteínas das células β. Tal medida é de valor, entretanto, para classificar um paciente diabético como tipo 1 ou tipo 2, nos

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casos que suscitam dúvidas, e para confirmar a etiologia auto-imune de um paciente com DMT1 (principalmente quando se dispuser de tratamento adequado que preserve a massa de células β). DMT2 não-diagnosticado é freqüente, como observado nos EUA e no Brasil, onde tal situação correspondeu a 50 e 46% dos diabéticos, respectivamente. O DMT2 não-diagnosticado é uma condição séria, pois a hiperglicemia vigente é causadora das micro e macroangiopatias. Assim, a detecção precoce e conseqüentemente o seu pronto tratamento devem diminuir os transtornos decorrentes do DMT2 e de suas complicações.

Está indicado testar indivíduos saudáveis, mas com risco aumentado para o DMT2 com medida da GJ e se necessário, com a realização do TOTG, conforme apresentado no Quadro 2. As recomendações contidas neste Quadro se baseiam em: 1) pico de incidência do DMT2 depois dos 45 anos, 2) probabilidade negligenciável de desenvolvimento de qualquer das complicações do diabetes num intervalo de 3 anos a partir de um teste negativo, 3) conhecimento dos fatores de risco, já bem documentados, para o DMT2.

Quadro 2. Critérios para o rastreamento de diabetes mellitus tipo 2 1. O rastreamento do DMT2 deve ser considerado em todos indivíduos com 45 ou mais anos de

idade e, se negativo, deve ser repetido a intervalos de 3 anos. 2. O rastreamento do DMT2 deve ser considerado em indivíduos com menos de 45 anos de idade e

se necessário, repetido mais freqüentemente, quando: • têm sobrepeso (Índice de Massa Corporal: ≥ 25 kg/m2); • têm parente em 1o grau com diabetes; • são membros de grupos étnicos com alto risco para o DMT2, como: origem africana, hispânica,

indígena ou asiática; habitantes das ilhas do Pacífico; índios Pima (Arizona); outros; • têm passado de DMG ou de terem dado à luz recém-nascido com mais de 4 kg; • têm hipertensão arterial (PA ≥ 140/90 mmHg); • têm níveis séricos de HDL baixos (≤ 35 mg/dL) e/ou de triglicérides elevados (≥250 mg/dL); • têm TGD ou GJA.

Tratamento • Diabetes Mellitus Tipo 1: Os principais objetivos do tratamento são: • promover o controle metabólico, incluindo

níveis euglicêmicos nos períodos pós-absortivos e pós-prandiais;

• permitir crescimento e desenvolvimento adequados;

• promover o bem-estar físico e psíquico; • evitar as complicações crônicas. O tratamento tem melhores resultados quando proporcionado por uma equipe multidisciplinar, da qual o paciente precisa ser membro ativo e principal. Desta equipe devem também fazer parte: o endocrinologista, a nutricionista, o psicoterapeuta, o educador físico, a enfermeira. 1. Terapia Médica Nutricional (TMN): O valor calórico total (VCT) da TMN deve ser apropriado para permitir estado nutricional, crescimento e desenvolvimento adequados. A ingestão alimentar diária deve ser feita em 3 refeições principais: café da manhã com 20% VCT, almoço com 20% VCT e jantar com 30% VCT, e preferencialmente 3 refeições complementares: meio da manhã e da tarde e antes de se deitar, com 10% VCT cada uma ou com 5, 10 e 15% VCT, respectivamente.

Cada uma das refeições principais devem conter os 3 macronutrientes: carboidratos, gordura e proteínas nas proporções recomendadas para a população em geral, além dos micronutrientes (minerais), vitaminas e fibras (cerca de 20 a 30 g/d). Assim, carboidratos e gordura monoinsaturada devem fornecer 60-70% do VCT (50 a 60% e 10 a 20%, respectivamente), gordura poliinsaturada e saturada devem fornecer 10 e <10% do VCT, respectivamente, proteína deve fornecer 15-20% do VCT (0,8 a 1,0 g proteína/kg peso/dia; as menores quantidades podem estar indicadas nos pacientes com insuficiência renal). Com relação aos efeitos glicêmicos dos carboidratos, a quantidade total dos mesmos nas refeições e lanches é mais importante que sua fonte ou tipo (açúcares, oligossacarídeos, polissacarídeos). Recomenda-se que as principais fontes de carboidratos sejam: os cereais, as frutas, os vegetais e o leite desnatado. Os pacientes sob a terapia insulínica intensiva devem ajustar as doses de insulina pré-refeição de acordo com a quantidade de carboidratos da refeição (contagem de carboidratos) e do nível glicêmico presente. 2. Atividade Física: Atividade física é desejada por seus vários efeitos benéficos, principalmente em relação ao sistema cardiovascular, mas deve ser regular,

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pois há consumo de glicose pelo músculo em exercício independentemente da insulina, devendo fazer parte do plano terapêutico. O alvo mínimo é de 150 minutos/semana (30 min – 5 d ou 50 min – 3 d, semanalmente). 3. Insulinoterapia: A insulina humana, isto é, insulina sintética com estrutura idêntica àquela do hormônio humano, tem em grande parte substituído as insulinas de origem animal (bovina + suína ou mista, geralmente). A insulina humana é produzida por síntese química ou por técnicas do DNA recombinante. Em busca de uma insulina com características de ação mais próximas da fisiológica, por meio da engenharia molecular, surgiram nos últimos anos os análogos da insulina humana: de curta e longa-ação.

O perfil de ação das insulinas depende de: a) composição do tampão, b) estrutura protéica (análogos), c) via de administração. a) Insulinas (análogos) de ação ultra-rápida: Podem ser aplicados nas vias: endovenosa, muscular e subcutânea. Aplicados no subcutâneo, em relação à insulina regular, têm absorção mais rápida, pico mais elevado e tempo de ação mais curto (3 a 4 horas). Assim, permite serem administrados logo antes das refeições, com melhor controle dos picos glicêmicos pós-prandiais, e com menor risco de hipoglicemia no período pós-prandial tardio. Todavia, exigem um maior suprimento de insulina basal (insulinas de longa ação) e são mais caras que a insulina regular. Atualmente, dispomos de 2 destes análogos: 1) a insulina lispro criada pela inversão na cadeia B da insulina dos aminoácidos prolina e lisina das posições B28 e B29 para as B29 e B28, respectivamente; 2) a insulina aspart que resulta da substituição do aminoácido prolina na posição 28 da cadeia B da molécula de insulina humana (B28) pelo ácido aspártico. b) Insulinas de ação rápida: Geralmente de origem humana, estão contidas em solução cristalina e são denominadas de insulina regular (R). Podem ser aplicadas pelas vias: endovenosa, muscular e subcutânea. As duas primeiras vias são utilizadas em situações de urgência (ex.: cetoacidose diabética), sendo necessário o uso de bomba de infusão para a administração endovenosa da insulina. Pela via endovenosa têm ação imediata e término de ação em 3 a 5 minutos. Pela via intramuscular têm início de ação em 20 minutos, pico de ação em 60 minutos e término de ação em 120 minutos. A insulina regular é administrada

no subcutâneo 30 minutos antes das refeições para o controle glicêmico pós-prandial, nas situações de instabilidade clínica e no período de 48 horas após a administração endovenosa da insulina e antes de se iniciar a administração de insulina de ação intermediária (ex.: NPH ou lenta). Pela via subcutânea a insulina R tem início de ação em 30 minutos, pico de ação em 120 minutos e término de ação em 4 a 6 horas. c) Insulinas de ação intermediária ou lenta: A adição de protamina e zinco ou de apenas zinco em maior quantidade ao tampão da insulina em solução resultou na insulina protamina neutra de Hagedorn (NPH;N) e na insulina lenta (L), respectivamente. Há a formação de cristais de insulina quando aplicada no subcutâneo, o que torna sua liberação mais lenta. Só admite a aplicação no subcutâneo que geralmente é feita 2 vezes ao dia, sendo a 1a dose 20 minutos antes do café da manhã (2/3 da dose diária) e a 2a dose 20 minutos antes do jantar ou antes de o paciente se deitar (1/3 da dose diária). Embora, tenham sido usadas comumente como substitutas da secreção basal endógena normal, apresentam pico de ação. Têm início de ação em 2-4 horas, pico de ação entre 6-12 horas e duração de ação de 16-20 horas (as de origem animal têm início de ação mais lento e duração de ação mais longa). d) Insulinas e análogos de ação prolongada ou

ultralenta: • Insulinas: Com adição ao tampão da solução de insulina de maiores quantidades de protamina e zinco que as das insulinas anteriores, obtêm-se cristais de insulina maiores, que do subcutâneo liberam a insulina mais lentamente, sendo denominadas insulinas protamina-zinco (PZI) e ultralenta (U), respectivamente. Obviamente, só admitem aplicação no subcutâneo. São pouco utilizadas, tendo indicação maior para os pacientes que metabolizam a insulina mais rapidamente. Têm início de ação em 6-10 horas, pico de ação em 10-16 horas e duração de ação de 20-24 horas (para as de origem animal, são válidas as observações feitas anteriormente).

• Análogos: A insulina glargina (recentemente disponível no Brasil) é produzida pela substituição da asparagina na posição A21 da molécula da insulina humana pela glicina e pela adição de 2 moléculas de arginina na posição B30. Estas modificações reduzem a solubilidade da insulina glargina ao pH do tecido subcutâneo, onde precipita lentificando sua absorção e resultando num suprimento basal constante. Assim, permite

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uma aplicação única em associação a insulina de ação rápida ou ultra-rápida pré-refeições. Difere das insulinas NPH ou L por não ter ação em pico, daí ser mais fisiológica no suprimento basal de insulina; provocar menos hipoglicemias noturnas; proporcionar melhor controle glicêmico e causar menor ganho de peso (vantagens). Como desvantagens, não permite a mistura na mesma seringa com outra insulina (alteração cinética) e é mais cara. e) Insulina do futuro próximo: Insulina inalatória Estudos têm mostrado que a insulina humana R, por meio de vários dispositivos, pode ser inalada e atingir o alvéolo, onde é absorvida. Em relação à via subcutânea, apresentou pico mais rápido e duração de ação pouco mais prolongada. Inalada antes de cada refeição tem a função de controlar os níveis glicêmicos pós-prandiais. Sua grande vantagem é evitar as picadas, todavia, pelos sistemas inalatórios disponíveis há perda de insulina no trajeto respiratório, exigindo maiores gastos da mesma. Ainda são necessários outros estudos que definitivamente garantam sua eficácia e segurança. Com a disponibilidade das insulinas humanas de ação rápida e lenta o paciente com DMT1 pode ser submetido ao tratamento convencional, ou melhor, ao tratamento intensivo. Insulinoterapia Convencional: Duas doses de insulina NPH ou L: maior dose antes do café da manhã e menor dose antes do jantar, ou antes de deitar, aplicadas no subcutâneo. Se há hiperglicemia isolada, após uma das 3 refeições principais, deve-se associar insulina R ou lispro/aspart antes da refeição. Controle glicêmico: glicemias de jejum e pré e pós-prandiais, as duas últimas, preferencialmente, por automonitoramento pelo paciente por meio do glicosímetro (HGT); HbA1C; glicosúria de 24 hs, fracionada (menos sensível). Insulinoterapia Intensiva: É o indicado para se obter o controle glicêmico necessário para se evitar as microangiopatias: glicemias de jejum e pré-prandial: 70-120 mg/dL, glicemias pós-prandiais: <180 mg/dL, HbA1C < 7,0%. Pode ser feita de algumas formas: a) Bomba de infusão contínua de insulina R ou

lispro/aspart no subcutâneo com controle constante da velocidade de infusão pelo paciente de acordo com a glicemia (HGT) e a atividade a ser desenvolvida.

b) Insulina glargina no subcutâneo antes de se deitar ou do jantar e insulina lispro/aspart no subcutâneo antes das 3 refeições básicas.

c) Insulina NPH ou L no subcutâneo antes de se deitar e em pequenas doses junto à insulina

lispro/aspart no subcutâneo antes das 3 refeições básicas.

d) Insulina NPH ou L no subcutâneo antes de se deitar e insulina R no subcutâneo antes das 3 refeições principais.

Nos esquemas b, c, d as doses de insulina rápida ou ultra-rápida são determinadas pelo nível glicêmico (HGT) e a quantidade de carboidratos (contagem de carboidratos) da dieta a ser consumida. A insulinoterapia intensiva é a ideal, mas exige que o paciente tenha dedicação e interesse em controlar seu diabetes, tenha condições psico e sócio-culturais adequadas. O principal efeito colateral da insulinoterapia, principalmente a intensiva, para o diabético tipo 1 é a hipoglicemia. Tal decorre dos níveis circulantes de insulina (dose exógena recebida) não poderem ser diminuídos com o exercício ou o jejum, o que causa: a) não diminuição da utilização de glicose pelos tecidos dependentes de insulina; b) não liberação de AGL do tecido adiposo; c) supressão da secreção de glucagon. Ainda, no paciente com DMT1 de duração de 2 anos ou mais a resposta do glucagon à hipoglicemia induzida pela insulina está reduzida, assim como a das catecolaminas, quando o diabetes tem cerca de 15 anos ou mais de duração. Ambos déficits tornam o combate e a recuperação de um episódio de hipoglicemia prejudicados. As hipoglicemias tornam-se mais perigosas quando acompanhadas da não percepção das mesmas, pela ausência dos sintomas de alarme, que possibilitam o paciente de se socorrer antes que ocorra disfunção do sistema nervoso central. Normalmente, os sintomas de hipoglicemia aparecem quando os níveis glicêmicos atingem aproximadamente o valor de 55 mg/dL, que é superior aos que causam disfunção do sistema nervoso central. Episódios repetidos de hipoglicemia, mais freqüentes na insulinoterapia intensiva, parecem estabelecer novo limiar de percepção de hipoglicemia, agora mais baixo, tal que a liberação dos hormônios contra-reguladores não ocorrem no nível glicêmico esperado. Conseqüentemente, na ausência dos sintomas de alarme o paciente corre sério risco de sofrer convulsões, coma e morte. Deve-se, assim, evitar episódios de hipoglicemia. 4. Transplante Tratamento mais eficaz para o diabetes seria o transplante do pâncreas ou das células β. O primeiro tem sido realizado junto ao transplante renal há mais tempo e mais freqüentemente, tendo havido consideráveis progressos na técnica e nos resultados. Todavia, devido à necessidade de imunossupressão prolongada, o transplante de pâncreas só está

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indicado numa fase tardia da microangiopatia, como a insuficiência renal crônica. O segundo envolve técnica cirúrgica bem mais simples e evitaria a terapia imunossupressora, mas, embora tenha havido progressos, ainda vários obstáculos técnicos, principalmente em relação ao número e preservação da vitalidade das células β, precisam ser vencidos. • Diabetes Mellitus Tipo 2: Os objetivos básicos do tratamento dos pacientes com DMT2 não diferem daqueles do DMT1: controle metabólico com a esperança de se promover a saúde e aumentar a expectativa de vida. Em contraste com o DMT1, a insulina não é componente obrigatório da terapia do DMT2, embora após vários anos de doença ela se torne necessária. Entre os diabéticos tipo 2 há um largo espectro clínico de: disfunção das células β, índice de massa corporal e resistência à insulina que requer uma escolha cuidadosa das várias opções terapêuticas. Os pacientes com DMT2 sendo mais velhos têm com maior freqüência associação com outros problemas clínicos, tais como: hipertensão arterial, dislipidemia e osteoporose, que precisam ser tratados concomitantemente. Como para os diabéticos tipo 1, o tratamento para os de tipo 2 é mais eficaz quando conduzido por uma equipe multidisciplinar, da qual o paciente precisa ser um participante ativo. Também, como para os pacientes com DMT1, para os com DMT2 a TMN e a atividade física são os fundamentos da terapêutica. Infelizmente, em geral a aderência a estas duas condutas, com redução de peso, é pequena. Assim, com freqüência é necessária a prescrição de antidiabéticos orais. Com a evolução da doença, freqüentemente há necessidade de associação dos medicamentos orais e por fim da administração de insulina, para o controle glicêmico. 1. Terapêutica médica nutricional:

Tudo o que foi escrito para o DMT1 é valido para o DMT2, exceto quanto à necessidade em geral da TMN ser hipocalórica para o controle glicêmico (principalmente nos períodos pós-prandiais) e redução do peso (geralmente trata-se de pacientes obesos). Com a diminuição de peso há diminuição da resistência à insulina com melhora metabólica. 2. Atividade Física: O que foi referido para o DMT1 também se aplica para o DMT2 com o benefício adicional de poder proporcionar perda de peso.

3. Antidiabéticos Orais: (ver Quadro 3) a) Medicamentos que diminuem a resistência à insulina:

a1) Metformina: É uma biguanida que tem menor risco de causar acidose lática se observadas suas contra-indicações. Age principalmente diminuindo a neoglicogênese hepática. Pode determinar perda de peso e reduz os níveis de triglicérides de 10 a 15% e do inibidor-1 do ativador do plasminogênio (PAI-1). Os efeitos colaterais mais freqüentes são distúrbios digestivos: mal estar gástrico, flatulência e diarréia. Está contra-indicada em: situações de hipóxia sistêmica (insuficiência cardíaca, insuficiência respiratória, aterosclerose avançada, etc), nas insuficiências renal e hepática. a2) Tiazolidinedionas ou Glitazonas: Incluem, atualmente, a rosiglitazona e a pioglitazona. Agem principalmente ativando o receptor de insulina nos tecidos adiposos, muscular e hepático com aumento da utilização de glicose pelos mesmos. As glitazonas ligam-se a um receptor nuclear proliferador ativado dos peroxisomas γ (PPAR-γ), levando a um aumento da expressão dos transportadores de membrana da glicose (GLUT 4). Corroborando com esta ação, agem também bloqueando as ações antiinsulinas do TNF-α e de outras citocinas. Como efeito colateral indesejado tem-se o ganho de peso (2-3 kg). Recomenda-se acompanhamento da função hepática. São bem mais caras que a metformina. b) Medicamentos que estimulam a secreção de insulina:

b1) Sulfoniluréias:

Junto com as biguanidas são os medicamentos mais antigos utilizados no tratamento do DMT2 e os mais prescritos. São hipoglicemiantes orais. Têm como principal mecanismo de ação estimular a secreção de insulina ligando-se ao seu receptor na superfície das células β, com fechamento dos canais de K+ dependentes de ATP, resultando em despolarização das células. As sulfoniluréias de 2a geração são mais eficazes e têm menos efeitos colaterais que as de 1a geração (clorpropamida). Quanto aos últimos, destaca-se o ganho ponderal e a possibilidade de hipoglicemia. Estão contra-indicadas nas insuficiências renal e hepática.

b2) Glinidas: Incluem, atualmente, a repaglinida (derivado do ácido benzóico) e a nateglinida (derivado da D-fenilalanina). Agem também nas células β

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estimulando a secreção de insulina à glicose. Diferente, porém, das sulfonilúreias, têm início de ação mais rápido e duração de ação menor, estando indicadas para o controle glicêmico pós-prandial. c) Medicamentos que diminui a absorção

intestinal de glicose:

Acarbose: É um inibidor das α-glicosidases intestinais bloqueando a entrada da glicose na circulação e controlando a glicemia pós-prandial, todavia, os dissacarídeos não absorvidos sofrem fermentação no interior das alças intestinais pela flora bacteriana causando os sintomas de: meteorismo, flatulência e diarréia. Estes efeitos adversos nem sempre são tolerados pelos

pacientes. Iniciando o tratamento com doses baixas de 25 mg nas refeições, ajuda a tornar tais efeitos menos intensos. A acarbose também diminui de modo consistente a trigliceridemia pós-prandial em cerca de 20%. d) Associações: Geralmente inicia-se o tratamento com antidiabético oral que diminua a resistência à insulina (ex.: metformina). Se não se conseguir o controle glicêmico desejado deve-se associar uma 2a classe de medicamento: glinida ou acarbose, para o controle das glicemias pós-prandiais ou sulfoniluréia, para o controle glicêmico nas 24 h. Se necessário, pode-se associar uma 3a classe de medicamento.

Quadro 3. Principais características dos antidiabéticos orais.

Medicamentos Estrutura Química*

Posologia (mg)

Min-Máx.

Nº Doses/ dia

Meia-Vida (h)

Metabolismo/ Excreção

Metformina

1000 – 2550 2 2-4 −/Renal

Roziglitazona

2 – 8 1 3-4 Hepático/Renal

Tiazolidinedionas Pioglitazona

15-45 1 3-7 Hepático/Renal

Glibenclamida

2,5 – 20 2 6-12 Hepático/Renal e Biliar

Gliclazida

80 – 320 2 12 Hepático/Renal e Biliar Sulfoniluréias

Glimepirida

1 – 8 1 Hepático/Renal e Biliar

Repaglinida 1 – 4 3 2 Hepático/ Biliar

Glinidas

Nateglinida 3 2 Hepático/ Biliar e 10%

Renal Acarbose 150 – 300 3 2 Intestino

4. Insulinoterapia A explanação feita para os DM tipo 1 aqui também é valida. Deve-se, entretanto, ressaltar que a maior aderência à introdução da insulinoterapia em diabéticos tipo 2 ocorre quando o fazemos prescrevendo uma dose pequena de insulina de ação intermediária antes do paciente se deitar (“bed-time insulin”), com

manutenção da posologia antidiabética oral durante o dia. Posteriormente, se necessário, acrescentamos a 2a dose, pela manhã e retiramos a sulfoniluréia (se for o caso), enquanto podemos manter a droga oral que diminui a resistência a insulina (ex.: metformina) e até mesmo as medicações que diminuem a glicemia pós-prandial.

CH3

CH3

N⎯C⎯NH⎯C⎯NH2

NH

N

N

O S

NH

O

O

N O S

NH

O

O

CONH (CH2)2

OCH3

SO2NHCONH

Cl

N

H3

S NH

O O O

NH

N

H3C

S NH

O O O

NH

O CH3

CH3

CH⎯CH2⎯CH⎯NH⎯C⎯CH2 CO2H

N

CH2

CH3

O

CH3

CH3

C⎯NH⎯CH⎯CH2

O

CO2H CH

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Figura 5 - Diretrizes para o Tratamento da Hiperglicemia no Diabetes Tipo 2

5. Tratamentos Associados (fundamentalmente

para os diabéticos tipo 2). Princípios Gerais: Mudanças do estilo de vida: Alimentação saudável; redução de peso; atividade física regular; abandono de vícios (fumo, álcool, etc.) Obesidade Pequenas reduções de peso (5 a 10%) se associam à melhora significativa nos níveis pressóricos e nos índices de controle metabólico e reduzem a mortalidade relacionada ao DM. O tratamento da obesidade deve iniciar com a prescrição de um plano alimentar hipocalórico e aumento da atividade física. Se o resultado for insatisfatório, pode-se empregar medicamentos como: noradrenérgicos, serotoninérgicos, associação de ambos, ou inibidores da absorção intestinal de gorduras, ou até a cirurgia bariátrica (IMC ≥40 kg/m2). Hipertensão Arterial Sistêmica Meta: <130x85 mmHg. Além das medidas gerais, freqüentemente, é necessário prescrever um ou uma associação de medicamentos anti-hipertensivos: 1) Inibidores da enzima conversora de angiotensina (1a escolha): bem tolerados, não afetam o metabolismo, associam-se à redução da hipertrofia de ventrículo esquerdo e à proteção renal ou antagonistas do receptor da angiotensina; 2) diuréticos: indapamida, clorotiazídico; 3) β-bloqueadores (cardioseletivos);

4) bloqueadores de canais de cálcio (não diidropiridínicos); 5) vasodilatadores diretos (associados a diuréticos e/ou β-bloqueadores). Dislipidemia Metas: Colesterol total: <160 mg/dL, LDL: <100 mg/dL, Colesterol não-HDL: <130 mg/dL; HDL: >45 mg/dL TG: <150 mg/dL. O tratamento da dislipidemia é extremamente importante em pacientes diabéticos, devido à elevada prevalência de doença coronariana. Assim, as metas são aquelas preconizadas como prevenção secundária em indivíduos não-diabéticos. O tratamento nutricional (↓ gordura saturada) é fundamental e deve-se estimular a atividade física (propicia ↓ triglicérides e ↑ HDL-C). Devemos lembrar a interferência de alguns medicamentos: a) insulina: ↓ TG e ↑ HDL-C; b) sulfoniluréias e metformina: melhoram o perfil lipídico em função do controle glicêmico; c) acarbose: ↓ TG; d) glitazonas: ↓ TG mas ↑ LDL-C; e) β-bloqueadores e diuréticos tiazídicos: ↑ colesterol e mais acentuadamente, ↑ TG. Recomenda-se aguardar por cerca de 2 a 3 meses o efeito das medidas gerais (reduzir e atingir o peso desejável pela adequação da alimentação combinada ao aumento da atividade física; normalização do nível glicêmico). Se o resultado é insatisfatório, introduz-se o tratamento medicamentoso.

Mudanças no estilo de vida

Glicemia de Jejum

≤110 mg/dL 110-140 mg/dL 141-270 mg/dL >271 mg/dL

Acarbose ou metformina

Metformina ou sulfoniluréiaHbA1C

Normal HbA1C

Aumentada

Manter conduta

Acarbose Resposta inadequada

Acrescentar 2o Agente

Resposta inadequada

Acrescentar 3o Agente

Insulina ao deitar

Insulinoterapia plena

Insulinoterapia

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São de primeira escolha, as estatinas e os fibratos. As estatinas reduzem a síntese do colesterol por inibição competitiva da enzima HMG CoA-redutase. Os derivados do ácido fíbrico diminuem a produção hepática de VLDL e ativam a enzima lípase-lipoprotéica localizada no leito capilar dos tecidos adiposo e muscular, diminuindo os níveis de triglicérides. Lembramos que estes medicamentos devem ser iniciados juntamente com as medidas alimentares quando ocorre: a) hipertrigliceridemia >700 mg/dL, com risco de pancreatite aguda, b) aumento isolado de LDL-C >200 mg/dL; c) doença cardiovascular. Aspirina A aspirina está indicada: 1) em dose baixa (75 a 325 mg/dia), nos diabéticos com complicações vasculares; 2) como estratégica de prevenção primária, quando há pelo menos um dos fatores: tabagismo, HAS, obesidade, micro e macroproteinúria e história familiar de coronariopatia; ou 3) como profilaxia auxiliar das doenças cardiovasculares, em todo diabético acima dos 30 anos de idade. Complicações Agudas As principais e por ordem de freqüência de ocorrência são: hipoglicemia, cetoacidose diabética e estado hiperosmolar não cetótico. 1. Hipoglicemia A hipoglicemia (<50 mg/dL) resulta de erro no tratamento, envolvendo na maioria das vezes a insulinoterapia e menos freqüentemente as sulfoniluréias. As manifestações clínicas da hipoglicemia são causadas pela liberação de adrenalina (manifestações neurogênicas) e por manifestações do sistema nervoso central (manifestações neuroglicopênicas). Os sintomas adrenérgicos: sudorese, taquicardia, tremor, palidez e sensação de mal-estar, ocorrem primeiramente, antes da hipoglicemia tornar-se profunda. É o momento em que o paciente pode se socorrer ingerindo uma fonte de açúcar, seguida pela realização de uma refeição (uma das 3 principais ou complementar). As manifestações do sistema nervoso central: mudanças de personalidade ou de comportamento, confusão, obnubilação, convulsões e coma, desenvolvem-se depois da glicemia arterial ter atingido valores muito baixos, incapaz de fornecer a energia necessária para as atividades cerebrais. Nesta fase o paciente necessita do auxílio de outra pessoa e freqüentemente de assistência médica em Pronto-Socorro, correndo risco de lesão cerebral definitiva ou até de morte.

Idealmente, antes de ser levado ao Pronto-Socorro para receber glicose hipertônica endovenosa (SG 50% - 20 a 40 mL EV), deveria ser aplicado 1 mg de glucagon IM. A hipoglicemia noturna pode ser manifestada por pesadelos, sudorese noturna e cefaléia ao levantar-se. Merece avaliação glicêmica e se confirmada, é necessária redução da 2a dose ou dose noturna da insulina de ação intermediária. Assim, todo paciente tratado com insulina e as pessoas que convivem com ele devem estar alertas para os sintomas e sinais de hipoglicemia e saber como proceder; o paciente deve ter consigo uma fonte de açúcar e cartão de identificação como diabético. No diabético tratado com insulina, principalmente o de tipo 1, os níveis de insulina (recebida exogenamente) não podem diminuir com o exercício ou jejum (não previstos). Assim, a utilização periférica de glicose não diminui ou até aumenta (músculo em exercício) e a liberação de AGL continua inibida. Mais, a produção hepática de glicose estimulada pelo glucagon é bloqueada pela ação insulínica. Além do diabético tipo 1 ser muitas vezes incapaz de impedir a ocorrência de hipoglicemia, sua defesa com a liberação dos hormônios contra-reguladores está prejudicada, principalmente após 15 anos de doença; Esta resposta deficitária torna o diabético tipo 1 vulnerável a hipoglicemias prolongadas, o que pode causar dano cerebral definitivo e morte. A terapia intensiva com insulina para o diabético tipo 1 é desejada pois é capaz de diminuir ou postergar o desenvolvimento das complicações vasculares, todavia, se associa, inevitavelmente, a maior número de episódios de hipoglicemia. Tal fato acarreta menor percepção da hipoglicemia pelo paciente (“hypoglycemia unawareness”) por liberação mais tardia (ou a níveis glicêmicos mais baixos) dos hormônios contra-reguladores, o que não é desejado e evitável por diminuição da ocorrência de hipoglicemias. Decorre de um rebaixamento do limiar de hipoglicemia, cujos mecanismos não estão bem esclarecidos. 2. Cetoacidose Diabética (CAD): Descompensação aguda do diabetes, geralmente de tipo 1, que pode ocorrer como forma de apresentação do DMT1, ou ser precipitada por estresse, transgressão alimentar ou omissão da insulina, ou resultar de período mais longo de mal controle metabólico. É estado catabólico caracterizado por deficiência grave de insulina associada à elevação do glucagon e demais hormônios contra-reguladores. Tal ambiente hormonal causa: - ↓ da utilização periférica de glicose e ↑ da sua

produção endógena (fígado) - ↑ da lipólise - ↑ da proteólise

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A história geralmente revela poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso por período de 3 a 7 dias. Tais sintomas são seguidos por náuseas e vômitos (cetogênese), respiração profunda ou de Kussmaul (compensação da acidose metabólica), hálito cetônico (acetona),

fraqueza e diferentes graus de obnubilação. O quadro clínico completa-se com diversos graus de desidratação e de acidose metabólica. O quadro é tanto mais grave quanto mais evoluído estiver e, portanto, próximo do choque hipovolêmico. Assim, a hipotensão arterial é um sinal de gravidade deste quadro.

Figura 6 - Conseqüências metabólicas da falta de insulina agravada por excesso de glucagon Os achados laboratoriais iniciais são: hiperglicemia (menor que no estado hiperosmolar), glicosúria, cetonemia, cetonúria e ↑ triglicérides plasmáticos. Apesar das perdas, os níveis plasmáticos de Na+ e K+ são geralmente normais, o Na+ na faixa limite inferior – normal e o

K+, normal – limite superior. Na gasometria arterial: pH baixo e bicarbonato diminuído; osmolaridade sangüínea aumentada (menor que no estado hiperosmolar). O hemograma é de estresse ou infeccioso (se processo infeccioso for a causa desencadeante).

Tabela 3. Dados laboratoriais iniciais nas descompensações mais graves do diabetes mellitus.

Plasma Cetoacidose Diabética Estado Hiperosmolar não cetótico

Glicose (mmol.L-1/mg.dL-1) 26/475 65/1166 Sódio (mmol/L) 132 144 Potássio (mmol/L) 4,8 5 Bicarbonato (mmol/L) <10,0 17 Uréia (mmol.L-1/mg.dL-1) 9/25 31/87 Acetoacetato (mmol/L) 4,8 ND β-Hidroxibutirato (mmol/L) 13,7 ND Ácidos graxos livres (mmol/L) 2,1 0,73 Lactato (mmol/L) 4,6 ND Osmolaridade (mmol/kg) 310 384 ND: não dosado

Uremia Perda N Fraqueza Muscular

↓ Utilização glicose pelos tecidos periféricos

Hemoconcentração

Hipotensão, Taquicardia

↑ Produção hepática glicose

↑ Lipólise ↑ Proteólise

Hiperglicemia Cetose

Glicosúria Desidratação intracelular

Diurese Osmótica ↓ Consciência

Perda água Perda de: Na, Cl, PO4, K, Ca, Mg, N

Desidratação

Choque

Acidose Vômitos Cetonúria

Hiperventilação(Kussmaul)

Perda de Água, Na, Cl, K, H

Desidratação

↓ Insulina

↑ Glucagon

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Aos quadros clínico e laboratorial associar-se-ão os dados da doença infecciosa ou não, quando esta for a causa desencadeante. O diagnóstico de CAD é de pouca complexidade. A diminuição da consciência e a presença de cetoacidose geralmente são de fácil diferenciação da hipoglicemia num paciente diabético em termos clínicos e laboratoriais (glicemia capilar e detecção de corpos cetônicos na urina). A CAD é uma acidose com “anion gap”, isto é, a fração aniônica não mensurável é maior que 16 mM/L (calculada pela fórmula: [Na+

pl + K+pl] – [Cl-pl

+ HCO3–pl]). As principais causas deste tipo de

acidose além da CAD, da qual se diferenciam em aspectos clínicos e laboratoriais são: cetoacidose alcoólica, acidose lática, insuficiência renal e alguns envenenamentos (por ex.: glicol etileno, álcool metílico). Apresentamos os princípios básicos do tratamento, sendo que a conduta em detalhe encontra-se disponível nos setores de atendimento de emergência de nosso hospital. a) Reposição de líquidos e eletrólitos A hipovolemia e o colapso vascular são causa de morte na cetoacidose não complicada, sendo a correção do déficit volêmico prioridade terapêutica. A reposição volêmica isoladamente (sem administração de insulina) pode diminuir os níveis glicêmicos e dos hormônios contra-reguladores, mas não reverte a acidose. A administração de insulina concomitantemente à hidratação é sempre necessária. A deficiência média de líquidos em adultos é de 3 a 5 L, que deve ser reposta em cerca de 12 horas em velocidade decrescente. Geralmente inicia-se com infusão de solução salina ou fisiológica (0,9%) na velocidade de 1 a 2 L em 2 h. Quando a glicemia atinge o valor ≤250 mg/dL a solução salina deve ser substituída por solução glicosada ou glicofisiológica a 5%. Os níveis plasmáticos de K+ diminuem com o início da ação insulínica, que estimula o retorno do K+ para o espaço intracelular. Assim, após a primeira hora de tratamento, tendo-se assegurada função renal adequada, infusão de K+ diluído em SF, em Y, deve ser iniciada. A velocidade de infusão (nunca rápida) é determinada pela concentração plasmática de K, que deve ser verificada a cada 2 horas. b) Terapia insulínica: Todos pacientes em cetoacidose diabética requerem insulina humana regular (ou análogo correspondente), administrada por via endovenosa preferencialmente, ou se não possível, por via intramuscular. Geralmente, administra-se uma dose inicial em bolo de 20 U seguida por 6 a 10 U/h EV por meio de bomba de infusão (ou 5 U/h IM). Este sistema de

administração de insulina deve ser mantido até não haver mais cetonúria. A partir daí passa-se ao esquema de insulina regular no SC a cada 4-6 h, quando o paciente já deve estar se alimentando por V.O. Após 48 h neste esquema, pode-se passar para o sistema de insulina humana de ação intermediária, associada ou não a de ação rápida, no SC. c) Administração de bicarbonato: Só está indicada em casos de acidose severa, ou seja, pH ≤7,0 ou ≤7,1, que prejudica a contratilidade miocárdica e esta, associada à depleção de volume, pode causar o choque. A infusão de bicarnonato de sódio deve ser feita concomitantemente ao início do tratamento, na metade da dose calculada, em cerca de meia hora. Após meia hora do término da infusão, deve-se repetir a gasometria, que geralmente está melhorada, não havendo necessidade de repetição da infusão. 3. Estado hiperosmolar não cetótico (EHNC): É a descompensação metabólica aguda do DM, principalmente do tipo 2. Este estado catabólico é caracterizado por hiperglicemia e desidratação extremas. Em comparação com a CAD temos maior grau de hiperglicemia e desidratação e ausência de cetoacidose. Estas diferenças têm como fator básico a maior produção de insulina pelas células β nos diabéticos tipo 2 em relação aos de tipo 1. A quantidade de insulina produzida seria suficiente para impedir a lipólise mas não para bloquear a produção endógena (hepática) de glicose e estimular a utilização periférica de glicose. O EHNC freqüentemente ocorre em pacientes mais idosos, quando uma doença intercorrente causando estresse eleva os níveis dos hormônios contra-reguladores, com aumento da produção endógena de glicose, e prejudica a capacidade de ingestão de fluidos. Com a diminuição da volemia extracelular, a capacidade de excreção urinária de glicose diminui, enquanto continua sendo lançada glicose pelo fígado num espaço circulatório diminuído. Temos então elevados níveis de glicemia e de osmolaridade plasmática, como mostrado na Tabela 2. Com o evoluir do quadro ocorre disfunção do sistema nervoso central (provavelmente por desidratação intracelular) com agravamento da disposição para ingerir água e conseqüentemente intensificação da hiperglicemia, hiperosmolaridade e desidratação. Acidose metabólica pode ocorrer que é decorrente do acúmulo de ácido láctico. A acidose lática então, ocorre no EHNC mais freqüentemente que na CAD e resulta da hipovolemia e hipoperfusão tecidual, que favorece a glicólise anaeróbica nos tecidos e dificulta a metabolização do ácido lático formado.

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O evento precipitante – por ex.: AVC, IAM, pneumonia – pode dominar o quadro metabólico ou vice-versa. O quadro clínico compõe-se principalmente de desidratação intensa e distúrbios neurológicos, que envolvem: diferentes graus de diminuição da consciência, convulsões focais ou generalizadas, hemiplegia rapidamente reversível. Não há a respiração de Kussmaul compensatória. Os principais dados laboratoriais são os elevados níveis glicêmicos e de osmolaridade plasmática Tabela 2. Os níveis de uréia e de creatinina se elevam devido à insuficiência pré-renal. Se a osmolaridade plasmática não pode ser medida diretamente podemos calculá-la com a fórmula:

Osm. plasm = 2 [Na+pl + K+

pl] + Glicosepl + Uréiapl O diagnóstico é feito de forma relativamente fácil diante de hiperglicemia extrema não acompanhada de cetonemia. Maior desafio diagnóstico é elucidar a causa precipitante e verificar se há lesão cerebral. Às vezes, o EHNC ocorre apenas por dose insuficiente de insulina ou de sulfonilúreias, principalmente se o paciente repõe a perda de fluidos com refrigerantes. Lembramos ainda, que o EHNC pode ser causado iatrogenicamente, quando num paciente diabético administramos algumas drogas (glicocorticóides, diuréticos), alimentação enteral ou parenteral hipercalóricas, infusão de solução glicosada hipertônica e diálise peritoneal com solução contendo glicose. O tratamento é semelhante ao da CAD, devendo-se destacar dois aspectos: há necessidade de maior reposição volêmica e menor de insulina. A reposição volêmica é o aspecto mais importante do tratamento. O déficit pode atingir 10 L ou mais, dos quais os primeiros 2 a 3 L devem ser infundidos rapidamente, com monitoramento da pressão venosa central, nos pacientes mais idosos. A metade da reposição de líquidos necessária deve ser feita nas primeiras 6 h. Geralmente é necessário iniciar com solução salina a 0,45%, depois passa-se para a 0,9% e finalmente, quando a glicemia atingiu 250 mg/dL ou menos, deve-se substituí-la por SG ou SGF a 5%. Com a reposição volêmica, há diminuição dos níveis circulantes dos hormônios contra-reguladores e é re-estabelecida a excreção renal de glicose, com diminuição dos níveis glicêmicos. Todavia, para normalização glicêmica é necessária a administração de insulina via endovenosa (preferencialmente) ou intramuscular nas doses: 10 U em bolus e 5 a 10 U/h. A reposição de potássio, após a primeira ou segunda hora de tratamento, é necessária. Se houver acidose lática deve-se corrigi-la com bicarbonato de sódio.

No paciente mais idoso no EHNC e também na CAD está indicada a prevenção da trombose vascular. O tratamento bem conduzido da CAD e do EHNC evita suas principais complicações: choque, edema cerebral, trombose venosa profunda, infecções, síndrome do desconforto respiratório. Complicações Crônicas Desde a disponibilidade da insulina e dos antibióticos, o número de mortes pelas complicações metabólicas agudas diminuiu, e a morbidade e a mortalidade no DM tipo 1 e tipo 2 resultam geralmente das complicações degenerativas da doença. Tradicionalmente, as complicações microvasculares compreendem a retinopatia, nefropatia e neuropatia, enquanto as complicações macrovasculares referem-se à aterosclerose e suas seqüelas (AVC, IAM, gangrena). A relação entre as complicações diabéticas e os distúrbios metabólicos do diabetes (principalmente a hiperglicemia) ficou estabelecida inequivocamente pelo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT). O “DCCT” é um estudo prospectivo, multicêntrico, norte-americano, designado para testar o efeito de um melhor controle glicêmico no desenvolvimento das complicações crônicas em diabéticos tipo 1. Um grupo destes pacientes passou a seguir o tratamento intensivo com insulina, e outro o tratamento convencional (geralmente 2 doses diárias de insulina de ação intermediária). Após um período médio de seguimento de 6,5 anos observou-se uma diminuição de 40 a 60% na ocorrência ou evolução das microangiopatias no grupo com o tratamento intensivo em relação ao com o tratamento convencional. Pouco depois, outro estudo multicêntrico e prospectivo no Reino Unido, envolvendo 5102 diabéticos tipo 2 por 10 anos (“UKPDS”), observou que a redução de 1% no valor da HbA1C e portanto a melhoria do controle glicêmico pelo tratamento com anti-diabéticos orais e/ou insulina causava redução de 35% das complicações microvasculares e de 18% do infarto agudo do miocárdio e que a diminuição da pressão arterial para valor médio de 144/82 mmHg proporcionou diminuição significativa da mortalidade e morbidades vasculares. Nas várias complicações diabéticas 3 mecanismos podem estar envolvidos: • ↑ glicação de proteínas • ↑ atividade da via do poliol • alterações hemodinâmicas

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Glicação de Proteínas: Na presença de hiperglicemia a glicose pode ser incorporada à proteína, sendo os resíduos lisina e valina os sítios primários, numa reação não enzimática. As proteínas assim glicadas têm sua estrutura alterada bem como distúrbios de suas funções. Todas as proteínas do organismo podem ser glicadas. Um exemplo é a hemoglobina (HbA), cuja glicação ocorre na valina terminal da cadeia β, com alteração de sua carga elétrica de superfície, que proporciona sua identificação como HbA1C, por métodos de eletroforese ou de cromatografia. Também sua função fica prejudicada, diminuindo sua capacidade de liberar O2 aos tecidos. A HbA1C, por suas características estruturais específicas, pode ser quantificada e fornece um índice do valor glicêmico integrado, correspondente ao período de vida da hemácia, que é normalmente de cerca de 100 a 120 dias. Outro exemplo é o da albumina glicada ou frutosamina, que também pode ser medida. Por ser metabolizada mais rapidamente que a HbA1C, reflete o controle glicêmico de período mais curto, isto é, de cerca de 10 a 15 dias. As proteínas glicadas não enzimaticamente lentamente formam complexos protéicos fluorescentes denominados “advanced glycation end products” ou “AGES”. Os “AGES” ligam-se a seus receptores nos tecidos causando danos. No endotélio a presença dos “AGES” causa ativação de macrófagos, liberação do TNF-α, citocinas e fatores de crescimento com espessamento de parede, diminuição de óxido nítrico (NO) com menor resposta vasodilatadora, aumento da permeabilidade. Temos assim, a importante conseqüência, da disfunção do endotélio em geral. Alguns outros exemplos de disfunções de proteínas glicadas: o colágeno glicado é mais insolúvel e mais resistente à digestão pela colagenase, podendo contribuir para o espessamento da membrana basal capilar; a glicação da parede da hemácia favorece a hemólise e diminui sua capacidade de se deformar e, portanto, seu transporte de oxigênio aos tecidos; a glicação da mielina contribui para a diminuição da condução nervosa; a glicação da parede dos leucócitos pode causar diminuição das funções dos granulócitos: quimiotaxia – diapedese – fagocitose – ativiade bactericida e dos linfócitos T e B; e a glicação do fator de von Willebrand contribui para a aumentada agregação plaquetária observada no diabético mal controlado. Ainda, as proteínas glicadas podem se tornar antigênicas desencadeando a formação de anticorpos e reação inflamatória. A aminoguanidina é agente antioxidante que bloqueia a glicação das proteínas (estudos experimentais).

Via do Poliol: Com a elevação dos níveis glicêmicos há aumento de atividade desta via. A aldose redutase está presente na retina, papilas renais, cristalino, células de Schwann e aorta. O acúmulo de sorbitol nos tecidos, principalmente naqueles cuja entrada de glicose é independente da insulina, provoca entrada de água nas células, uma vez que é molécula osmoticamente ativa. Há inibição da Na+/K+ ATPase e diminuição de mio-inositol. Observa-se então, diminuição da velocidade de condução nervosa seguida por degeneração da mielina da fibra nervosa. Ainda, a frutose também se liga não enzimaticamente às proteínas, com os mesmos danos causados pela glicose. Têm sido sintetizados inibidores da aldose redutase, que, se administrados no início da neuropatia, induzem melhora sintomática e da função da fibra nervosa. Distúrbios Hemodinâmicos: Por seu efeito osmótico, a hiperglicemia atrai água, aumentando a pressão hidrostática no leito dos capilares (principalmente dos glomérulos renais), o que por sua vez aumenta a filtração de proteínas e macromoléculas através da membrana basal capilar (e mesângio), com espessamento da mesma. Mais recentemente, foi proposta uma via comum para os mecanismos antes descritos, causadores das complicações crônicas do diabetes: a produção de superóxido (O2

-) pela célula endotelial. A hiperglicemia por meio do GLUT 1 (independente da insulina) na célula endotelial, eleva a concentração de glicose desta, com estimulação da glicólise e da cadeia de transporte de elétrons na mitocôndria, e produção aumentada de O2

-. Este, per se ou por indução de outras alterações como: formação do ânion peróxi-nitrito (ONOO-) e depleção do NO (fator de vasodilatação produzido no endotélio), causa ativação da via do poliol, da formação dos “AGES”, do fluxo da hexosamina e da reação inflamatória com liberação de citocinas e disfunção endotelial. Todos estes mecanismos, finalmente, causam as complicações crônicas do DM. Felizmente, medicamentos de que dispomos e que são utilizados no tratamento dos diabéticos atuam beneficamente também como antioxidantes: as tiazolinedionas (↓ resistência à insulina), diminuindo a formação do ONOO-; as estatinas (↓ síntese de colesterol), aumentando os níveis de NO e diminuindo os de O2

-; os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) e os bloqueadores dos receptores da

Aldose Sorbitol Glicose Sorbitol Frutose Redutase Desidrogenase

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angiotensina-1 (anti-hipertensivos). A vitamina E é também um anti-oxidante, atuando como inibidor da peroxidação dos lípides. Lembramos que todos estes medicamentos atuam numa determinada reação entre as múltiplas formadoras dos radicais livres oxidantes. Daí, contribuem para diminuir a evolução das complicações crônicas, mas não para impedir sua ocorrência. 1. Aterosclerose O DM é um fator de risco para a aterosclerose, particularmente na mulher. As complicações macrovasculares: infarto do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) e gangrena em membros inferiores, são responsáveis por 80% das mortes dos diabéticos tipo 2, 60% sendo atribuíveis a doença isquêmica do coração. As síndromes ateroscleróticas nos diabéticos não se distinguem clinicamente daquelas em não-diabéticos, todavia, ocorrem de forma mais precoce e intensa nos primeiros, além de ser mais elevada a incidência de IAM silencioso nos diabéticos. Mecanismos patogenéticos da aterosclerose: • Fatores genéticos predisponentes; • Dislipidemia: 1) ↑ triglicérides séricos por:

fatores genéticos, excesso de carboidratos na alimentação, deficiência de insulina; 2) ↑ colesterol total e da fração LDL séricos por: fatores genéticos, excesso de gordura saturada na alimentação, glicação e peroxidação da LDL que se acumula e se

torna aterogênica; 3) ↓ HDL colesterol sérico, por glicação que acelera seu catabolismo.

• Distúrbios da coagulação sangüínea: há ativação da mesma por aumento da agregação plaquetária, do fator de von Willebrand (ambos por efeito de sua glicação) e do inibidor do ativador do plasminogênio 1 (PAI-1) (liberado do tecido adiposo – DM tipo 2 obesos).

• Disfunção endotelial (radicais livres oxidantes). Está indicado o uso do ácido acetil-salicílico (AAS) na dose de 100 mg/dia nos diabéticos a partir dos 30 anos de idade; a dose diária é aumentada para 200 mg quando há macroangiopatia manifesta. * Recomenda-se leitura complementar em livros de Patologia e Medicina Interna. 2. Nefropatia A nefropatia diabética é responsável por porcentagem significativa de pacientes em regime de diálise renal crônica, sendo nos Estados Unidos de cerca de 50%. É a principal causa de morte dos diabéticos tipo 1. O quadro histopatológico é de glomeruloesclerose difusa ou nodular (Doença de Kimmelstiel-Wilson): espessamento de membrana basal dos capilares glomerulares, depósito de macromoléculas no mesângio, proliferação do mesângio, hialinose das arteríolas glomerulares aferente e eferente. A história natural da nefropatia diabética é resumida na Tabela 4.

Tabela 4. Curso clínico da nefropatia diabética. Anos após início

do diabetes Curso Clínico

0 Aumento de volume e função dos rins, microalbuminúria reversíveis pelo tratamento insulínico meticuloso

2 Espessamento da membrana basal glomerular e aumento da matriz mesangial

10-15 Período silencioso: sem proteinúria; microalbuminúria pode estar presente, especialmente após exercício físico (>30 µg/min)

10-20 Proteinúria intermitente inicialmente e depois, persistente (>0,5 g/24 h), indicativo de início do declínio contínuo da função glomerular

>15 20

Azotemia que tem início em média após 17 anos de diabetes Período urêmico: podem estar presentes retinopatia, hipertensão e síndrome nefrótica

Assim, clinicamente, a nefropatia diabética manifesta-se como: ↑ microalbuminúria → Síndrome Nefrótica → IRC, sendo os controles glicêmico e pressórico de fundamental importância para retardar o seu início e evolução. Os principais mecanismos patogenéticos são: hiperperfusão renal (inicial), glicação de proteínas no endotélio e mesângio glomerulares e fatores genéticos. A administração de um dos inibidores da ECA ou do receptor da angiotensina em diabéticos

normotensos e com aumento da microalbuminúria tem sido benéfica em lentificar a diminuição da função renal e em diminuir a excreção urinária de albumina. Estes medicamentos também são os de primeira escolha para o tratamento da hipertensão arterial; a pressão arterial não deve ultrapassar 130x85 mmHg. Quando o clearance de creatinina cai abaixo de 20 ml/min, deve-se iniciar o tratamento dialítico: via peritoneal, contínuo, ambulatorialmente, se não há perspectiva de transplante renal; ou hemodiálise pré-transplante

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renal. Alguns pacientes toleram bem o tratamento dialítico crônico, mas, para muitos a qualidade de vida fica prejudicada pelas complicações cardíacas, vasculares periféricas ou oftalmológicas. Em alguns Centros a taxa de sobrevida de 5 anos após o transplante renal é tão alta quanto 65% e a de 10 anos aproxima-se de 45%. * Recomenda-se leitura complementar em livros de Patologia e Medicina Interna. 3. Retinopatia Embora, o diabetes seja a principal causa de cegueira no adulto, nos Estados Unidos, o risco de cegueira num paciente diabético é pequeno, provavelmente menor que 10%. Quase todos diabéticos tipo 1 têm alguma manifestação de retinopatia após 15 anos de doença e 67% apresentam retinopatia proliferativa após 35 anos de diabetes. A retinopatia diabética é classificada em dois estágios evolutivos: a retinopatia não-proliferativa (também denominada de simples ou “background”) e a proliferativa, cujas lesões são apresentadas na Tabela 5. Tabela 5. Lesões de retinopatia diabética. Não Proliferativa Proliferativa ↑ Permeabilidade capilar Neovasos Dilatação e obstrução capilares

Cicatrizes (retinite proliferante)

Microaneurismas Hemorragia vítrea “Shunts” arteriovenosos Descolamento retina Veias dilatadas Hemorragias Exsudatos algodonosos Exsudatos duros

As lesões da retinopatia têm início e evoluem impulsionadas pelas tentativas do organismo suprir O2 necessário ao tecido retiniano. A retinopatia proliferativa é quadro grave, evoluindo para a cegueira dentro de 5 anos de sua instalação em 40% dos diabéticos tipo 1 e em 60% dos diabéticos tipo 2. Os principais mecanismos patogênicos envolvidos são: fatores genéticos, glicação de proteínas, ativação da via do poliol, liberação de fatores de crescimento e disfunção endotelial. O diagnóstico da retinopatia inicial (vasos dilatados e tortuosos, microaneurismas) é facilitado pela realização do exame fundoscópico acompanhado da angiografia com fluoresceína. Deve-se ter como objetivo um bom controle glicêmico para se retardar o início e a evolução da retinopatia. Uma vez diagnosticada, deve-se continuar buscando o melhor controle glicêmico possível, e o paciente deve ser também acompanhado pelo oftalmologista. O tratamento de fotocoagulação da retina com laser é atualmente preconizado já na fase de retinopatia pré-proliferativa. Com este tratamento há destruição da área hipóxica, deixando de haver

os estímulos para oxigenação da mesma e diminuindo as necessidades de O2 do tecido retiniano como um todo. Em caso de hemorragia vítrea está indicada a vitrectomia desde que não haja retinopatia proliferativa avançada. * Recomendamos leitura complementar em livros de Patologia e Medicina Interna. 4. Neuropatia Aproximadamente 7 ou 8% dos diabéticos tipo 2 apresentam neuropatia no momento do diagnóstico, o que aumenta para 50% após 25 anos de doença. A neuropatia autonômica, nas suas várias formas de expressão, é subdiagnosticada, sendo a impotência sexual a das mais freqüentes e de manifestação mais precoce nos diabéticos de tipo 1 e tipo 2. Deve-se ressaltar que nos diabéticos tipo 2 a impotência sexual resulta freqüentemente da neuropatia e aterosclerose (macroangiopatia). Consideram-se três formas estabelecidas de neuropatia diabética: a) Mononeuropatia b) Polineuropatia Periférica e Simétrica c) Neuropatia Autonômica a) A mononeuropatia diabética pode envolver nervos periféricos e cranianos, causando paralisia motora (exs.: mão e pé caídos, ptose palpebral) unilateral. O componente vascular do nervo parece ser o mais comprometido, causando hipóxia do tecido nervoso. Comumente as síndromes mononeuropáticas se resolvem espontaneamente após alguns dias a algumas semanas. Outras formas de manifestação: - A radiculopatia é uma forma rara de dor da

parede torácica ou abdominal que pode mimetizar herpes zoster ou abdômen agudo, respectivamente.

- A amiotrofia diabética é caracterizada por atrofia, dor e fasciculações dos músculos das cinturas escapular e pélvica. Mais freqüente mas, subdiagnosticada é a atrofia dos músculos interósseos e das eminências tenar e hipotenar das mãos e regiões correspondentes dos pés. Pacientes com esta forma de neuropatia geralmente têm DM tipo 1 ou tipo 2 há pelo menos 20 anos.

b) A polineuropatia periférica e simétrica é a manifestação mais comum de neuropatia diabética periférica, havendo perda sensorial ascendente nas extremidades: 1o) membros inferiores (em bota) e 2o) membros superiores (em luva). No início, o paciente é geralmente assintomático, apresentando diminuição da velocidade de condução nervosa e às vezes, também alterações ao exame neurológico (hiporreflexia profunda, diminuição de um ou mais tipos de sensibilidade). Os sintomas mais comuns são parestesias – dormência, formigamento e queimação – em

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membros inferiores, que pioram à noite. Dor pode estar associada ou desenvolver posteriormente, também se intensifica à noite (então ocorre em repouso, se diferenciando da claudicação intermitente), pode ser espontânea ou ser desencadeada por estímulos mínimos, como o toque do lençol. A dor pode ser muito intensa. Com a evolução da neuropatia há degeneração do nervo, com desaparecimento da dor. Nesta fase o paciente está sujeito a sofrer traumatismos em pele e articulações, principalmente em pés, sem perceber, causando calos, úlceras (MAL PERFURANTE PLANTAR) e artropatia neuropática (ARTICULAÇÕES DE CHARCOT). O principal mecanismo patogenético envolvido é o da ativação da via do poliol (hipótese metabólica). Síndrome do pé diabético: É conseqüência da insuficiência vascular (macro e microangiopatias) e neuropatia periférica e por sua freqüência e gravidade merece ser ressaltada. Devido à diminuição sensorial o pé sofre continuamente traumas – desde pressões em locais não habituais ao caminhar, sapatos não bem adaptados, até o pisar sobre objetos perfurantes. A pele mal irrigada facilmente se rompe aos traumas. Temos então a formação de úlcera, pouco dolorosa, mas que pela insuficiência vascular é de difícil cicatrização, evoluindo com freqüência para infecção, que pode chegar à osteomielite (recomenda-se avaliação por RX do pé diabético, principalmente se há dificuldade maior de cicatrização) e a gangrena, que necessita de amputação de extensão variável . O aspecto mais importante na conduta em relação ao pé diabético é a sua profilaxia. Os pés dos pacientes diabéticos devem ser observados com freqüência em busca de pontos que estejam sendo traumatizados, higienizados e hidratados. Os calos devem ser removidos com lixas suaves e as unhas cortadas em linha reta. Os sapatos devem ser adequados (com palmilhas ou ortopédicos). Deve-se proibir o andar descalço. Idealmente, o paciente deveria ser acompanhado por um podólogo. O pé diabético é talvez, das complicações diabéticas, a mais prevenível, usando medidas relativamente simples. c) As manifestações de neuropatia autonômica são várias, podendo resultar da desnervação simpática ou parassimpática de qualquer órgão. Diminuem muito a qualidade de vida do paciente. O seu diagnóstico é subestimado devido à falta de avaliação específica regularmente. Citaremos as mais freqüentes: Sistema genitourinário: • Disfunção sexual masculina: (ejaculação

retrógrada/impotência sexual)

No diabético tipo 2 resulta geralmente da neuropatia e vasculopatia. A neuropatia resulta da destruição nervosa e falência de geração de NO, fundamentalmente. Como tratamento, tem se dado preferência aos vasodilatadores locais (ex.: citrato de sildenafil) à prótese peniana. • Bexiga neurogênica Pode progredir sem sintomas outros além de intervalos crescentes entre duas micções e permanecer não-diagnosticada até ocorrer infecção urinária ou retenção urinária de repetição. O exame físico revela macicez suprapúbica à percussão e menos comumente, uma massa à palpação. O diagnóstico é firmado por exame de R-X ou de cistometria; o quadro é de uma bexiga de parede fina, distendida e atônica. O tratamento é insatisfatório. Inicialmente, pode-se estimular o esvaziamento vesical, com a manobra de “Crede”, a cada 3 horas. Nos casos mais graves pode ser necessária sondagem permanente. O risco de infecção urinária é grande, sendo necessária quimioterapia crônica. Ambos distúrbios do trato genitourinário ocorrem em até 75 a 80% dos pacientes diabéticos com maior duração da doença. Sistema gastrointestinal: Sintomas gastrointestinais podem ocorrer em 3/4 dos diabéticos e pode acometer qualquer porção do sistema. • Gastroparesia diabética: A desnervação vagal retarda o esvaziamento gástrico e prejudica a secreção gástrica de HCl causando empachamento pós-prandial, náuseas e vômitos. Há também perda das contrações, que propiciam a varredura de detritos e bactérias do estômago e intestino delgado superior, permitindo o crescimento bacteriano nestas regiões. Os níveis aumentados de somatostatina na deficiência de insulina podem ter implicação nesta alteração motora. A metoclopramida é o tratamento de escolha, aumentando o esvaziamento gástrico e tendo um efeito central antiemético. A cisaprida é uma terapia alternativa. • Distúrbios do hábito intestinal: Constipação ocorre em cerca de 2/3 dos diabéticos. É geralmente intermitente e pode alternar-se com diarréia. A diarréia é predominantemente noturna, pode-se acompanhar de incontinência fecal, por disfunção do esfíncter anal e a esteatorréia é componente menor. A diarréia pode ser desencadeada pelo ato de alimentar-se, devido à exacerbação do reflexo gastrocólico. Pode haver supercrescimento bacteriano no intestino delgado quando o tratamento com tetraciclina resulta eficaz. Lembramos que no paciente diabético ocorre com maior freqüência a diarréia pela enteropatia

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glúten-induzida e por insuficiência pancreática exócrina, sendo nesta última, componente de destaque, a esteatorréia. Para a constipação intestinal indica-se, inicialmente maior ingestão de fibras e água e atividade física e, posteriormente com a maior gravidade do quadro, laxantes e lavagem intestinal periódica. Comumente obtém-se boa resposta à diarréia com loperamida. Sistema cardiovascular: • Taquicardia crônica: A freqüência cardíaca se mantém elevada, mesmo ao repouso; resulta de disfunção parassimpática, que geralmente precede a simpática. • Hipotensão postural: Resulta da insuficiência dos barorreceptores (arco aórtico e seio carotídeo), da redução da secreção de catecolaminas e da incapacidade de aumentar a freqüência de pulso. É disfunção simpática, predominantemente. O tratamento envolve elevação da cabeceira da cama, uso de meias elásticas, aumento da ingestão de sal e, nos casos mais graves, prescrição de fluorohidrocortisona (mineralocorticóide). A disfunção cardíaca parassimpática pode ser demonstrada pela medida das variações do intervalo R-R ao ECG durante manobra de Valsalva, ou respiração profunda, ou à mudança brusca de posição: de decúbito dorsal para ortostática. A disfunção cardiovascular simpática pode ser avaliada pela medida da PA à mudança de decúbito: posição supina para ortostática (tem-se maior queda pressórica) ou a exercício isométrico (tem-se menor elevação pressórica). Diante da neuropatia diabética é fundamental a prevenção das complicações inerentes, como traumas em membros inferiores e infecções urinárias. O melhor controle glicêmico melhora a velocidade de condução nervosa. A neuropatia dolorosa deve ser tratada com antidepressivos tricíclicos (ex.: amitriptilina) ou carbamazepina, ou mesmo fenitoína. Os inibidores da aldose redutase parecem ser eficazes se introduzidos bem no início do quadro de neuropatia, prevenindo sua evolução. 5. Outras complicações: − Catarata: é do tipo senil, que ocorre mais precocemente e com maior freqüência nos diabéticos de tipo 2. Sua freqüência nos diabéticos tipo 1 tem sido relatada de 4 a 10%. − Glaucoma: é de ocorrência mais elevada nos diabéticos, principalmente de tipo 2. − Dermopatias: manchas hipercrômicas em pernas; “necrobiose lipoídica diabeticorum”; piodermites; micoses. − Miocardiopatia: há aumento do coração com hipofunção (ICC), resultante de lesão dos

capilares miocárdicos. É difícil de ser diferenciada de e muitas vezes se associa a outras causas comuns de miocardiopatia nos diabéticos como: aterosclerose e hipertensão arterial. − Infecção Urinária: Nos diabéticos acompanhados por nós e caracterizados por serem predominantemente do tipo 2, do sexo feminino e terem a doença de longa duração, observamos 24,7% de bacteriúria significativa, sendo 67,9% assintomáticas. − Tireopatias: Em nosso meio verificamos a elevada prevalência de 51,6% entre os diabéticos ambulatoriais (vs 38,7% em pacientes não-diabéticos). Houve predomínio dos bócios nodulares atóxicos, seguido por hipotireoidismo primário e menos vezes, hipertireoidismo. Prevenção Diabetes Mellitus Tipo 1: Sabemos que é doença auto-imune, cujo processo de destruição das células β completa-se anos após seu início, assim, fornecendo um período (janela) para se intervir. A identificação de pessoas de risco pode ser feita pela verificação de marcadores de susceptibilidade HLA e de auto-anticorpos. É essencial que a intervenção em crianças “pré-diabéticas”, de resto saudáveis, seja isenta de riscos e toxicidade consideráveis e simples o suficiente para evitar interferência significativa na qualidade de vida. Algumas estratégias adotadas, que aguardam conclusões finais são: antioxidantes: ex.: nicotinamida; insulinoterapia em pequenas doses (repouso das células β). Obs.: a imunossupressão com ciclosporina A foi abandonada (efeitos adversos significativos). Diabetes Mellitus Tipo 2: Embora, este tipo de diabetes tenha sua etiopatogenia menos conhecida que a do tipo 1, sua prevenção envolve medidas saudáveis e ao alcance de todos. Estudos prospectivos de diferentes populações demonstraram que a mudança para hábitos de vida recomendáveis: alimentação saudável com manutenção de peso normal, atividade física regular, ausência de vícios como: tabagismo, alcoolismo, etc, é a mais eficaz em reduzir a resistência à insulina e então o desenvolvimento do diabetes. Medicamentos que reduzem a resistência à insulina direta (ex.: metformina e glitazonas) ou indiretamente (acarbose) são auxiliares. Referências Bibliográficas 1. Ceriello A. New insights on oxidative stress

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