considerações sobre o populismo econômico: explicação ou

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Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008 ISBN - 978-85-61621-01-8 1 Considerações sobre o populismo econômico: explicação ou distorção histórica? Felipe Pereira Loureiro* Poucos foram os conceitos tão extensivamente utilizados por cientistas sociais para compreender as transformações históricas da América Latina no século XX quanto o de populismo. A partir dele, muitos interpretaram a crescente participação dos setores populares na política latino-americana à luz de uma perspectiva que contrapunha um Estado forte a uma fraca sociedade civil. A existência de lideranças carismáticas e com forte apelo ao povo, o fomento à criação de organizações sindicais de cunho corporativista e a concessão de benefícios aos trabalhadores sem modificar a estrutura socioeconômica vigente foram considerados como os principais mecanismos desse controle dos grupos populares pelo Estado 1 . A tentativa de abarcar as complexas e multifacetadas experiências sociais, econômicas e políticas da América Latina por meio desse conceito vem suscitando, no entanto, debates quanto às suas supostas insuficiências e, principalmente, quanto à validez da sua utilização 2 . Essas discussões se embasam em trabalhos cujas evidências empíricas estão demonstrando, entre outros aspectos, a necessidade de se relativizar a tese de que os movimentos dos trabalhadores teriam sido plenamente dominados pelos governos ditos populistas. Por meio de estudos monográficos sobre comissões de fábricas, greves e sindicatos regionais, percebeu-se, por exemplo, que a dominação governamental sobre as classes obreiras teria sido bem menor do que se imaginara 3 . Apesar de todas as críticas apresentadas por essa literatura, muitos têm sido os trabalhos que ainda se mantêm fiéis a uma conceituação genérica e, ao mesmo tempo, monolítica de populismo, principalmente no que se refere à sua variante mais recente: a econômica. Formulada de modo mais concreto por Dornbusch e Edwards (1992), esta se baseia na idéia de que governos populistas, para além de outras características comuns, apresentariam uma forte tendência para elaborar políticas macroeconômicas semelhantes. Tais políticas, segundo essa visão, valorizariam a redistribuição de renda *doutorando em História Econômica / FFLCH-USP / Bolsista CNPq 1 Um dos trabalhos que melhor exemplifica essa perspectiva é o de WEFFORT (1980). 2 Para uma boa discussão sobre as limitações e a pertinência da manutenção do uso da noção de populismo, ver FERREIRA (2001), KNIGHT (1998) e VIGUERA (1993). 3 Para exemplos de trabalhos nesse sentido, ver COLISTETE (2001), DANIEL (1978), FRENCH (1995), HOROWITZ (1983) e RANCAÑO (1992)

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Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008 ISBN - 978-85-61621-01-8   

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Considerações sobre o populismo econômico: explicação ou distorção histórica?

Felipe Pereira Loureiro*

Poucos foram os conceitos tão extensivamente utilizados por cientistas sociais

para compreender as transformações históricas da América Latina no século XX quanto

o de populismo. A partir dele, muitos interpretaram a crescente participação dos setores

populares na política latino-americana à luz de uma perspectiva que contrapunha um

Estado forte a uma fraca sociedade civil. A existência de lideranças carismáticas e com

forte apelo ao povo, o fomento à criação de organizações sindicais de cunho

corporativista e a concessão de benefícios aos trabalhadores sem modificar a estrutura

socioeconômica vigente foram considerados como os principais mecanismos desse

controle dos grupos populares pelo Estado1.

A tentativa de abarcar as complexas e multifacetadas experiências sociais,

econômicas e políticas da América Latina por meio desse conceito vem suscitando, no

entanto, debates quanto às suas supostas insuficiências e, principalmente, quanto à

validez da sua utilização2. Essas discussões se embasam em trabalhos cujas evidências

empíricas estão demonstrando, entre outros aspectos, a necessidade de se relativizar a

tese de que os movimentos dos trabalhadores teriam sido plenamente dominados pelos

governos ditos populistas. Por meio de estudos monográficos sobre comissões de

fábricas, greves e sindicatos regionais, percebeu-se, por exemplo, que a dominação

governamental sobre as classes obreiras teria sido bem menor do que se imaginara3.

Apesar de todas as críticas apresentadas por essa literatura, muitos têm sido os

trabalhos que ainda se mantêm fiéis a uma conceituação genérica e, ao mesmo tempo,

monolítica de populismo, principalmente no que se refere à sua variante mais recente: a

econômica. Formulada de modo mais concreto por Dornbusch e Edwards (1992), esta

se baseia na idéia de que governos populistas, para além de outras características

comuns, apresentariam uma forte tendência para elaborar políticas macroeconômicas

semelhantes. Tais políticas, segundo essa visão, valorizariam a redistribuição de renda

                                                             *doutorando em História Econômica / FFLCH-USP / Bolsista CNPq 1 Um dos trabalhos que melhor exemplifica essa perspectiva é o de WEFFORT (1980). 2 Para uma boa discussão sobre as limitações e a pertinência da manutenção do uso da noção de populismo, ver FERREIRA (2001), KNIGHT (1998) e VIGUERA (1993). 3 Para exemplos de trabalhos nesse sentido, ver COLISTETE (2001), DANIEL (1978), FRENCH (1995), HOROWITZ (1983) e RANCAÑO (1992)

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em prol dos grupos sociais mais pobres, sem terem, todavia, preocupações com seus

custos em termos de desequilíbrios fiscais, monetários e/ou externos.

É dentro desse contexto historiográfico que visa discutir a validade histórica do

conceito de populismo que este artigo se insere. Objetiva-se, aqui, considerar a

pertinência e a eficácia analíticas do uso da noção de populismo econômico para a

compreensão das políticas econômicas latino-americanas a partir da década de 1930.

Para tanto, escolheu-se como objeto de estudo as experiências históricas dos

governantes considerados pela literatura como os mais exemplificativos do chamado

Estado Populista: Juan Domingos Perón (Argentina, 1946-1955) e Getúlio Vargas

(Brasil, 1951-1954)4. Por meio da análise de dados macroeconômicos extraídos de

estatísticas oficiais desses países e de fontes secundárias diversas, argumentar-se-á que

o conceito apresenta pequeno alcance explicativo. Em alguns casos, nota-se certa

correspondência entre aquilo que fora estabelecido pelo modelo teórico e a experiência

histórica, mas, em muitos outros, percebeu-se que aquele mais distorcia do que

efetivamente explicava e clarificava o passado. No saldo final entre ganhos e perdas,

portanto, considerou-se mais interessante prescindir da utilização do conceito a fim de

não comprometer a fidedignidade histórica.

Para além desta introdução, dividiu-se o artigo em quatro seções: na primeira,

serão apresentadas as principais características do conceito de populismo econômico;

nas segunda e terceira, analisar-se-ão, respectivamente, os desempenhos das políticas

econômicas peronista e varguista; e, na última, sugerem-se algumas conclusões.

1. O Conceito de Populismo Econômico

Segundo a interpretação de Dornbusch e Edwards, o populismo apresenta um tipo

de governabilidade autodestrutiva. Esse seu caráter de auto-aniquilamento se deveria às

contradições existentes no arranjo de forças sociais que dão embasamento e

legitimidade a esse tipo de liderança. Na medida em que esta recebe apoios

significativos tanto de setores das elites como de grupos populares, ocorreriam,

inevitavelmente, sérios impedimentos para a efetivação de políticas públicas que

satisfizessem a todos esses atores sociais ao mesmo tempo. Disso resultaria, conforme

tais estudiosos, um conjunto de ações estatais pouco sustentáveis para serem mantidas

                                                             4 Apesar de as administrações de Perón e de Vargas não terem sido circunscritas aos intervalos acima citados, decidiu-se privilegiar apenas os períodos considerados “clássicos” de ambos os governos.

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no longo prazo, devido a essa vã tentativa de conjugar interesses díspares. No início,

estes até seriam compatibilizados; porém, depois, isso não se mostrava mais viável,

fazendo com que tais políticas fossem abandonadas (DORNBUSCH e EDWARDS, p.

15-6).

É dentro dessa perspectiva que os autores afirmam que as políticas econômicas

dos governos populistas apresentam muitas similaridades entre si e que, por isso, se

deveria pensar em uma verdadeira “macroeconomia do populismo na América Latina”.

Como elemento chave dessas políticas, destacar-se-ia o impulso dado por esses

governantes às medidas fomentadoras do crescimento econômico imediato e da

distribuição de renda, sem que fossem concedidas as atenções necessárias aos impactos

dessas ações em termos de riscos inflacionários, desequilíbrios internos e externos

(déficits público e da balança de pagamentos) e reação dos agentes econômicos diante

de ações que fossem por eles consideradas agressivas às liberdades de mercado.

Os autores vão além e chegam até a distinguir fases comuns na “grande maioria”

das experiências populistas latino-americanas no que condiz à evolução da política

econômica. Segundo tais estudiosos, na primeira etapa, o Estado aplicaria medidas

monetárias expansivas, patrocinaria significativos aumentos salariais para os

trabalhadores, permitiria a realização de importações para além das possibilidades

domésticas e aumentaria consideravelmente sua participação no produto nacional como

produtor de bens e serviços. Como conseqüência dessas ações, haveria elevação real dos

salários, forte crescimento econômico e melhora dos níveis de distribuição de renda.

Além disso, a grande disponibilidade da oferta de bens – seja devido às importações

ascendentes, seja em razão da existência de capacidade ociosa em certos setores da

economia – e os diversos mecanismos de controle de preços garantiriam baixas taxas

inflacionárias.

Na segunda fase, segundo os autores, essa “idade de ouro” do desempenho

macroeconômico populista chegaria ao fim. A significativa expansão da demanda,

inflada por políticas creditícias liberalizantes e aumentos reais de salários, geraria, em

poucos anos, diversos pontos de estrangulamento na economia. Não apenas a

capacidade ociosa por ventura existente em alguns setores seria exaurida, como também

a manutenção do fluxo vigente de importações se mostraria cada vez inviável devido

aos desequilíbrios do setor externo e ao rápido esgotamento das reservas internacionais.

Para piorar, a política indiscriminada de gastos públicos seria responsável por altos

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déficits governamentais. Como resultado, haveria diminuição dos ritmos de crescimento

do produto e dos salários reais, e aumento das taxas de inflação. A fim de controlar tais

efeitos, o Estado populista realizaria a primeira guinada em sua política econômica:

elevaria os controles de preços e estruturaria mecanismos de limitação à entrada de bens

importados (tais como sistemas múltiplos de câmbio, controles cambiais diretos e/ou

protecionismo alfandegário). Apesar disso, o radicalismo dessas mudanças ainda seria

reduzido. Exemplo disso estaria no fato, segundo os autores, de que não se alterariam

fundamentalmente as diretrizes das políticas monetária e fiscal, que se manteriam

expansivas.

Na terceira fase, a situação econômica do país pioraria significativamente. De um

lado, haveria estagnação do produto, bem como decréscimo dos salários reais e fuga de

capitais externos; do outro, a inflação, o déficit público e os desequilíbrios da balança

de pagamentos atingiriam níveis quase insuportáveis. A fim de retomar as rédeas da

situação, o líder populista tenderia, conforme os autores, a enveredar rumo a uma

política econômica mais conservadora, que priorizasse metas fiscais e monetárias

restritivas e que criasse mecanismos capazes de fomentar um melhor desempenho das

exportações (desvalorização cambial e/ou subsídios). A realização dessas mudanças

geraria consideráveis instabilidades políticas e oposições ao regime, esgarçando a já

frágil aliança de forças sociais que dava sustentação à governabilidade populista. Como

decorrência desses conflitos, e na tentativa de impedir a perda de seus apoiadores,

algumas das medidas dessa política de estabilização tenderiam a ser relaxadas, levando

a uma piora ainda maior do quadro econômico doméstico.

Por fim, a quarta fase, protagonizada comumente pela administração pós-

populista, se caracterizaria pela aplicação de uma política de estabilização ortodoxa.

Esta, porém, devido à profundidade dos desequilíbrios macroeconômicos acumulados,

não seria capaz de debelar a recessão rapidamente. Ao final de todo o processo, os

salários reais se encontrariam a níveis menores do que aqueles vigentes antes da

experiência política populista. Todo o esforço, portanto, não apenas teria sido em vão,

como também seria responsável pela piora das condições de vida dos trabalhadores.

Segundo as palavras dos próprios estudiosos: “o capital é móvel através das fronteiras,

porém a mão-de-obra não é. O capital pode fugir dos males políticos, porém os

trabalhadores estão presos” (DORNBUSCH e EDWARDS, 1992, p. 21).

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A receptividade do conceito de populismo econômico no meio acadêmico foi

bastante considerável. Os trabalhos de Bazdresch e Levy (1992), Pereira (1992) e

Cardoso (1993) foram alguns dos seus adeptos. Nos últimos anos, talvez inflado pela

onda de estudos referentes à emergência de governos “neopopulistas” na América

Latina, o conceito voltou a balizar as análises sobre a região – vide, por exemplo, os

textos de Hawkins (2003) e Carneiro (2005)5. Deve-se perguntar, no entanto, se esse

modelo teria condições, de fato, de examinar fidedignamente as políticas econômicas

das administrações latino-americanas. Para verificar isso, serão analisadas, nas próximas

seções, as medidas aplicadas por alguns dos governos mais tradicionalmente rotulados

como populistas (Juan Domingos Perón na Argentina e Getúlio Vargas no Brasil).

Como se trabalharão com administrações populistas interpretadas como “clássicas”, é

de se esperar que, ao menos nestas, o conceito consiga contemplá-las de maneira

satisfatória; caso contrário, tornar-se-á difícil defendê-lo.

2. A Política Econômica Peronista

De uma maneira geral, divide-se a política econômica peronista em quatro fases,

correspondentes aos seguintes períodos: (i) 1946-48, (ii) 1949-51, (iii) 1952, e (iv)

1953-556. Apresentam-se, a seguir, suas principais características.

A primeira dessas etapas foi simbolizada pelo lançamento do Primeiro Plano

Qüinqüenal (1946-1951), cuja principal meta fora a de incentivar o crescimento

industrial argentino mediante fomento do mercado doméstico. Entre as ações aplicadas

pelo governo nesse sentido, destacaram-se, por exemplo, as políticas de expansão

creditícia para setores considerados estratégicos (notadamente o fabril); a imposição de

significativas barreiras à entrada de bens estrangeiros concorrentes aos nacionais; o

deslocamento de renda dos setores de exportação para aqueles voltados para o mercado

local; a política de concessão de aumentos reais de salários para os trabalhadores; e a

crescente intervenção estatal na economia, seja via subsídios, seja por meio de inúmeros

investimentos diretos (RAPOPORT, 2005, p. 322-3). Em razão da importância dessas

medidas, é preciso se verticalizar um pouco mais em cada uma delas.

                                                             5 Para uma discussão sobre o conceito de “neopopulismo” quando da formulação original, ver VIGUERA (1993). 6 Para boas análises sobre a política econômica peronista, ver DE RIZ e TORRE (1993), GERCHUNOFF e LLACH (1998), RAPOPORT (2005) e ROMERO (2001). As informações relatadas a seguir foram extraídas essencialmente dessas obras.

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No que se refere à política creditícia, o governo se utilizou da nacionalização do

Banco Central da República Argentina – promovida pela administração Farrell (1944-

46) – para canalizar empréstimos dessa instituição para os setores por ele considerados

prioritários. Além disso, apertaram-se as condições de redesconto das entidades

bancárias privadas junto ao Banco Central. A lógica era a de permitir tais operações

apenas para os bancos que estivessem sintonizados com as metas de expansão creditícia

estipuladas pelo governo.

No que condiz à política comercial, além da transformação das tarifas

alfandegárias de absolutas em ad valorem, o governo aumentou as alíquotas para bens

estrangeiros, criou um sistema cambial múltiplo e estabeleceu controles diretos de

câmbio. Visava-se, com isso, dificultar a importação de bens que pudessem fazer

concorrência aqueles produzidos domesticamente e estimular a compra de produtos

essenciais para o crescimento da economia argentina. Além disso, monopolizaram-se as

operações de compra e venda de bens para o exterior por meio do Instituto Argentino de

Promoción del Intercambio (IAPI). Pagavam-se, assim, valores monetários fixos pelos

bens produzidos aos exportadores e vendiam-se tais produtos pelos seus preços

internacionais. Como no final dos anos 1940 os termos de intercâmbio externos se

encontravam absolutamente favoráveis à Argentina, o IAPI acabou concentrando um

considerável excedente de divisas em seu poder. Estas foram canalizadas, em sua maior

parte, para investimentos públicos diretos ou para setores privados locais mediante, por

exemplo, empréstimos às indústrias (DE RIZ e TORRE, 1993, p. 250).

Quanto à política salarial, destacaram-se a institucionalização dos contratos

coletivos de trabalho, das férias remuneradas, do salário mínimo e dos “salários anuais

complementares” (equivalentes ao 13° Salário no Brasil). Como resultado disso, houve

um aumento da participação da renda dos trabalhadores no produto agregado local

(Tabela 1).

Tabela 1 – Participação dos Assalariados na Renda Nacional Argentina como Porcentagem do Produto Interno Bruto, 1945‐1955 (%) 

  (1)  (2)  (3)  (4) 

1945  46,7  *  *  * 1946  46,8  *  40,1  * 1947  47,9  *  39,5  * 1948  52,4  *  43,5  * 1949  59,4  *  49,0  * 

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1950  60,9  51,9  49,6  47,5 1951  *  49,2  45,2  45,2 1952  *  51,8  50,5  47,8 1953  *  51,9  48,9  47,6 1954  *  53,2  49,9  49,0 1955  *  49,8  47,0  46,4 

Legenda: Base de dados conforme: (1) – Secretaria de Assuntos Econômicos (SAE); (2) – Banco Central da República Argentina (BCRA); (3) – Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL); e (4) – Héctor Diégues e Alberto Petrecolla. Fonte: 

RAPOPORT (2005, p. 348)   

Sobre a política de investimentos públicos, salientaram-se as nacionalizações das

empresas ferroviárias, telefônicas, navais e de gás, além da encampação de uma

pequena companhia aérea nacional - a qual, ampliada posteriormente, se transformaria

nas Aerolíneas Argentinas. O Estado começou também a subsidiar vários preços de

bens e de serviços de primeira necessidade, onerando ainda mais os cofres públicos,

porém garantindo, por outro lado, maior poder de compra aos assalariados

(RAPOPORT, 2005, p. 336-42).

Os resultados dessa primeira fase da política econômica peronista foram

impressionantes. O produto interno bruto cresceu, em média, 8,5% entre 1946 e 1948.

Deve-se destacar o desempenho do ano de 1947 (11,1%). A demanda por bens de

consumo e os investimentos públicos e privados foram os grandes carreadores dessa

ascensão. A industrialização substitutiva de importações, especialmente no que se refere

aos setores leves, se aprofundou com grande intensidade. Além disso, os salários reais

cresceram mais de 66% nesse mesmo período (RAPOPORT, 2005, p. 314 e 349).

Segundo cálculos da Secretaria de Assuntos Econômicos (SAE), os trabalhadores

aumentaram em mais de 30% sua participação na renda agregada nacional (Tabela 1).

Tabela 2 – Setor Público Consolidado Argentino – Milhões de Pesos de 1950 (1945‐1955) 

  Despesas  Receitas  Déficit  Déficit (% PIB)   

1945  12.494  9.171  3.323  7,23   1946  12.567  9.383  3.184  6,36   1947  17.047  13.376  3.671  6,60   1948  24.687  14.227  10.460  17,87   1949  17.002  14.224  2.778  4,76   1950  17.236  15.152  2.084  3,56   1951  17.424  16.028  1.396  2,31   1952  16.896  15.726  1.170  2,07   1953  18.363  16.848  1.515  2,55   1954  10.053  7.110  2.943  4,74   1955  18.234  15.648  2.586  4,00   

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Fonte: RAPOPORT (2005, p. 342) 

Por outro lado, os efeitos colaterais dessa política também já se mostravam

evidentes. Devido à grande expansão das importações e ao crescimento mais lento das

exportações – resultantes, em parte, da política comercial estabelecida pelo governo –,

os grandes superávits mercantis do final da II Guerra Mundial desapareceram. O maior

problema, no entanto, fora o fato de o país acumular déficits com os Estados Unidos e

superávits com nações cujas moedas não eram conversíveis em dólar. O resultado disso

foi o brusco decréscimo das reservas internacionais argentinas. Apenas entre 1946 a

1948, o país perdeu mais de U$S 1 bilhão – o que representava 60% das reservas

acumuladas ao longo do período da guerra (RAPOPORT, 2005, p. 360). Além disso, o

déficit público atingiu patamares significativos, especialmente em 1948, quando ele

ultrapassou mais de 17% do valor do produto doméstico (Tabela 2). Por fim, inflada

pela considerável expansão dos meios de pagamento (média de 30% ao ano no

interregno 1946-48) e pelos pontos de estrangulamento que foram surgindo na

economia ao longo desse surto de crescimento (tais como a da limitação da capacidade

de importação), o Índice Geral de Preços ascendeu de 3,6% para mais de 15% entre

1947 e 1948 (Tabela 3).

Tabela 3 – Taxas de Crescimento dos Meios de Pagamento, do Índice Geral de Preços e da Depreciação Cambial Dólar – Peso na Argentina, em % (1946‐1955) 

   Meios de Pagamento  Índice Geral de Preços  Depreciação Cambial (Peso‐Dólar) 

1946  32,1  15,9  1,5 1947  25,3  3,6  10,7 1948  30,2  15,3  54,1 1949  19,8  23,1  67,8 1950  20,3  20,4  36,5 1951  18,3  49,0  48,5 1952  11,6  31,2  ‐3,4 1953  22,9  11,6  ‐1,7 1954  20,0  3,1  12,1 1955  18,5  8,9  20,5 

Fonte: RAPOPORT (2005, p. 347 e 390) 

Em 1949, devido à crescente deterioração dos termos de troca no comércio

internacional e aos desequilíbrios externos e internos, o governo peronista decidiu

alterar algumas diretrizes da sua política econômica. Iniciava-se, assim, aquilo que se

denominou como a segunda fase dessa política. A partir de então, tentar-se-iam

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conciliar medidas de estabilização junto com ações que visavam garantir a continuidade

do crescimento. De um lado, realizou-se uma moderada desvalorização cambial,

diminuíram-se a expansão creditícia e as despesas públicas, e estabeleceram-se

controles quantitativos mais rígidos com relação às importações (Tabelas 2 a 4); do

outro, todavia, as taxas de juros para empréstimos ainda permaneceram negativas em

termos reais e se mantiveram políticas de altos reajustes salariais para os trabalhadores

(DE RIZ e TORRE, p. 258; Tabela 1).

Como resultado dessa política econômica ambígua e da mudança da situação

internacional no que tange aos termos de troca (Tabela 4), iniciou-se, em 1949, uma

recessão econômica no país. Entre 1949 e 1951, o PIB argentino cresceu, em média,

apenas 1,18%, sendo que, em 1949, o crescimento fora negativo (-1,4%; RAPOPORT,

2005, p. 314). Nesse mesmo ano, o Índice Geral de Preços ultrapassou a casa dos 20%.

A balança comercial, por sua vez, continuava apresentando desempenhos ruins, apesar

da contenção de importações feita pelo governo. Um dos poucos aspectos positivos

resultantes das ações governamentais foi o da significativa diminuição do desequilíbrio

financeiro do setor público entre 1948 e 1949 (Tabela 3).

Tabela 4 – Evolução da Balança Comercial Argentina (em milhões de dólares) e Índices dos Termos de Troca (1935‐1939 = 100), 1946‐1955 

  Milhões de Dólares  Índice (1935‐39 = 100) 

  Exportações (X)  Importações (I)  Saldo  Termos de Troca 1946  1.175  675  500  112,2 1947  1.614  1.585  30  134,1 1948  1.627  1.590  36  132,2 1949  934  1.073  ‐139  109,9 1950  1.168  1.045  122  93,3 1951  1.169  1.480  ‐311  102,1 1952  688  1.179  ‐492  81,9 1953  1.125  795  330  92,5 1954  1.027  979  48  86,2 1955  929  1.173  ‐244  88,3 

Fonte: RAPOPORT (2005, p. 357, 361 e 396) 

Tendo em vista a continuidade e até o agravamento de certos problemas

econômicos durante o interregno 1949-51, o governo decidiu intensificar as medidas

ortodoxas. O símbolo dessa terceira mudança da política econômica peronista foi o

Plano de Estabilização, apresentado em 1952. Neste, estabeleceu-se um congelamento

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de preços e de salários por dois anos. Os reajustes salariais só seriam concedidos, a

partir de então, de acordo com os acréscimos dos índices de produtividade do trabalho.

Além disso, foram retirados subsídios incidentes sobre inúmeros produtos de consumo

popular; reajustaram-se taxas de serviços públicos; e se extinguiu o congelamento dos

arrendamentos rurais.

Junto com o Plano de Estabilização, apresentou-se também o Segundo Plano

Qüinqüenal (1952-1957). Com este, inverteram-se as prioridades estabelecidas

inicialmente pela política econômica peronista: ao invés da indústria, privilegiar-se-ia a

agricultura; ao contrário do mercado interno, o externo; e, em detrimento do

investimento público, a inversão privada, inclusive a estrangeira. Entre as medidas mais

importantes previstas pelo plano, destacaram-se a utilização do IAPI como instrumento

garantidor de preços mínimos e de subsídios para os principais bens de exportação

argentina; a concessão de créditos ao setor agrário visando sua modernização e o

aumento de sua produtividade; a facilitação da importação de máquinas, tratores e

insumos agrícolas para os empresários rurais; e a concessão de benefícios aos

investimentos privados externos no país.

Quanto aos incentivos à entrada de investimentos estrangeiros, salienta-se a

aprovação da lei n° 14.222, em agosto de 1953, que liberalizou as normas referentes às

remessas de lucros e isentou de tarifas alfandegárias as máquinas e insumos importados

por esses empreendimentos. Não foi à toa que, entre 1953 e 1955, quatorze empresas

internacionais instalaram seus parques produtivos na Argentina, entre as quais a Fiat e a

Kaiser (RAPOPORT, 2005, p. 398-9). Até as relações com os Estados Unidos, que

foram caracterizadas por fortes tensões durante os primeiros anos da administração

peronista, melhoraram. Símbolo disso foi o fechamento de um contrato entre o governo

argentino e a Standard Oil Company, em 1954, autorizando essa empresa a explorar

uma área de 40 mil hectares na Província de Santa Cruz com finalidades de prospecção

petrolífera (ROMERO, 2001, p. 124). Além disso, na mesma época, aprovou-se um

crédito de U$S 60 milhões do Eximbank para financiar uma indústria siderúrgica na

Argentina, a qual só seria inaugurada, porém, após o golpe que derrubaria Perón em

setembro de 1955 (RAPOPORT, 2005, p. 371).

Os resultados das modificações realizadas na política econômica apareceram em

pouco tempo. Inflada por um crescimento de 63% no valor das exportações, a balança

comercial fechou o ano de 1953 com o maior superávit desde 1946 (Tabela 4). O Índice

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Geral de Preços caiu de 49% para 31% no intervalo 1951-52. O déficit público e a taxa

de expansão dos meios de pagamento alcançados em 1952 foram os menores do

decálogo peronista (Tabela 3). Por outro lado, essa rígida política de estabilização

proporcionou, nesse mesmo ano, uma queda considerável no PIB (-5,1%).

Em 1952, a explosão de greves e de outras tensões sociais – produtos, em grande

parte, da desaceleração econômica e do congelamento dos salários – talvez tenham

concedido uma indicação ao governo de que não haveria espaço para manter normas tão

draconianas de expansão creditícia e de contenção fiscal para os anos seguintes. Como

resultante, mantiveram-se as diretrizes de fomento às exportações agrícolas e de

incentivo ao capital estrangeiro estabelecidas no Segundo Plano Qüinqüenal, mas se

afrouxaram as metas financeiras ortodoxas existentes no Plano de Estabilização. A

expansão dos meios de pagamento entre 1953 e 1955 (média de 20,4%) e o

afrouxamento do controle sobre os déficits públicos (Tabela 3) comprovam que, pela

quarta vez, Perón modificaria as balizas de sua política econômica.

No geral, os resultados alcançados foram bastante positivos. A inflação atingiu,

em 1954, seu nível mais baixo durante todo governo peronista (apenas 3,1%). O

produto doméstico voltou a crescer a taxas razoáveis no interregno 1953-1955 (média

de 5,5%). Os investimentos estrangeiros estavam entrando no país como nunca o

fizeram desde a ascensão de Perón (DE RIZ e TORRE, 1993, p. 260). É nesse sentido

que se deve entender o razoável consenso existente na historiografia argentina quanto ao

fato de que teriam sido muito mais questões políticas do que econômicas as que teriam

levado ao golpe de setembro de 1955 contra Perón (RAPOPORT, 2005, p. 373-4).

Após toda essa apresentação da política econômica peronista, é de se perguntar se

ela corresponderia à conceituação formulada por Dornbusch e Edwards. As

características daquilo que esse modelo caracteriza como a “primeira fase da política

econômica populista” coincidem, de fato, salvo algumas pequenas modificações, com as

medidas iniciais aplicadas pelo governo Perón (redistribuição de renda em prol dos

trabalhadores, despreocupação para com os desequilíbrios gerados nos setores público e

externo, entre outros aspectos). No entanto, a política de estabilização ortodoxa aplicada

por Perón em 1952, que foi tão ou até mais rígida do que as que seriam realizadas por

administrações posteriores na Argentina, não é contemplada de modo satisfatória pelo

modelo. Além disso, diferentemente do que Dornbusch e Edwards assinalam, Perón foi

bem sucedido no controle da inflação e no dos desequilíbrios públicos ao final de seu

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governo. É de se reconhecer, também, que os déficits fiscais médios ocorridos durante o

decálogo peronista representaram 6,2% do PIB, enquanto os da década de 1930 e os do

interregno militar (1976-1983), mais de 10% (RAPOPORT, 2005, p. 342 e 665). Não se

poderia, portanto, atribuir somente aos governantes argentinos considerados como

“populistas” a responsabilidade por gastar dos cofres públicos mais do que neles se

arrecadaram. Outras administrações também o fizeram, e em níveis até mais altos. Em

suma: apesar de o conceito de populismo econômico ter conseguido explicar algumas

características da política econômica de Perón, ele não foi capaz, por outro lado, de

clarificá-la na sua totalidade. Com isso, um estudioso que utilizasse à risca essa noção

para compreender as medidas peronistas mais distorceria do que compreenderia, no

compito geral, tal realidade histórica.

3. A Política Econômica Varguista

Se o modelo formulado por Dornbusch e Edwards não se mostrou capaz de

contemplar a política econômica peronista em sua totalidade, pode-se dizer que ele o faz

de modo ainda mais insuficiente quando o objeto a ser analisado é o programa

econômico do segundo governo Vargas (1951-1954).

Apesar das inúmeras controvérsias referentes à natureza da política econômica

varguista, é fato que, em seus primeiros anos, o Estado buscou equilibrar o orçamento

do setor público, a fim de conter o processo inflacionário. Alguns interpretaram essa

meta como reflexo das incoerências e contradições latentes ao próprio arranjo de forças

que embasava o governo (ARAÚJO, 1982, p. 160); outros, por sua vez, viram-na

apenas como uma primeira fase da política econômica de Getúlio, cujo fim último seria

o de propiciar condições financeiras ao Estado e aos agentes privados para, no médio

prazo, realizarem investimentos de modo não-inflacionário (VIANNA, 1990, p. 123-4).

Há ainda alguns estudiosos que chegaram a negar tanto essa concepção de incoerência,

quanto a da suposta existência de “fases” no programa varguista, assinalando que o

projeto de se equilibrar o orçamento público correspondia a apenas uma dimensão da

política econômica do governo. O outro lado dessa política, de acordo com essa terceira

interpretação, estaria no incentivo à elevação da produtividade econômica nacional, que

se daria, principalmente, por meio de concessões creditícias aos setores considerados

estratégicos pelo Estado para estimular o crescimento (BASTOS, 2005, p. 6).

Tabela 5 – Receitas e Despesas da União – Brasil, milhares de Cr$ (1949‐55) 

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   Nominais  Reais Anos  Receitas  Despesas  Saldo  Receitas  Despesas  Saldo 1949  17.916.540  20.726.712  - 2.810.172 17.916.540  20.726.712  ‐2.810.172 1950  19.372.788  23.669.854  -4.297.066 17.740.648  21.675.690  ‐3.935.042 1951  27.428.004  24.609.329  2.818.675 21.759.654  19.523.494  2.236.160 1952  30.739.617  28.460.745  2.278.872 23.038.381  21.330.438  1.707.943 1953  37.057.229  39.925.491  -2.868.262 25.775.262  27.770.290  ‐1.995.028 1954  46.539.009  49.250.117  -2.711.108 28.618.256  30.285.399  ‐1.667.143 1955  55.670.936  63.286.949  -7.616.013 32.771.478  37.254.751  ‐4.483.273 

Fonte: IBGE. Estatísticas Econômicas do Século XX / * Deflacionados pelo deflator implícito do PIB, ABREU (1990, p. 403) 

Independentemente do viés que se considere mais apropriado, é quase que um

consenso entre os estudiosos o fato de o segundo governo Vargas ter aplicado, ao menos

no seu início, uma política orçamentária que visava o equilíbrio das contas públicas7. O

Plano Lafer (1951-1952), cujo nome faz menção ao Ministro da Fazenda que o

encabeçou, seria o meio pelo qual esse programa de austeridade financeira se

transformaria em realidade. Os dados apresentados na Tabela 5 ratificam que o governo

se esforçou em aplicá-lo. Vê-se que, de um déficit real superior a Cr$ 4 bilhões e 900

milhões no último ano da administração Dutra, passou-se, em 1951, para um superávit

de Cr$ 2 bilhões e 236 milhões. Apesar de o saldo real de 1952 não ter sido tão

considerável, obteve-se, porém, nesse ano, um superávit orçamentário global do setor

público, algo que não acontecia desde 1926 (VIANNA, 1990, p. 129)8. Na segunda

metade do mandato varguista, porém – quando, de acordo com o modelo de Dornbusch

e Edwards, se poderiam esperar medidas fiscais mais austeras –, deu-se exatamente o

contrário, vide os déficits apresentados em 1953 e 1954 (Tabela 5).

Tabela 6 – Balança de Pagamentos – Brasil, milhões de U$S (1949‐1955) 

  1949  1950  1951  1952  1953  1954  1955 Exportações  1.100  1.359  1.171  1.416  1.540  1.558  1.419 

Importações  947  934  1.703  1.702  1.116  1.410  1.099 

Balança Comercial  153  425  ‐532  ‐286  424  148  320 

Balança de Serviços  ‐232  ‐283  ‐469  ‐336  ‐355  ‐338  ‐308 

Conta de Capitais  ‐74  ‐65  ‐11  35  59  ‐18  3 

Superávit (+) ou Déficit  ‐74  52  ‐291  ‐615  16  ‐203  17 

                                                             7 Essa constatação pode ser verificada também nos trabalhos de JAGUARIBE (1953), SKIDMORE (1967) e LESSA e FIORI (1991). Uma das poucas exceções é a obra de DRAIBE (9999), que, ao ressaltar o caráter nacionalista e popular da administração varguista, quase não faz referências a tais metas orçamentárias. 8 O orçamento global agrega as contas da União com as de todos os Estados e municípios da Federação.

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(‐) 

Fonte: IBGE. Estatísticas Históricas do Século XX.

Vários aspectos contribuíram para essa alteração orçamentária. Em primeiro lugar,

o fato de a Guerra da Coréia não ter se transformado em um conflito mais longo e de

maior amplitude, tal como os membros do governo temeram inicialmente. A

significativa liberalidade concedida às importações de máquinas e insumos fabris entre

1951 e 1952 (Tabela 6), muito em razão desses temores, gerou déficits comerciais que

não poderiam ser facilmente compensados, a menos, talvez, que a guerra tivesse se

generalizado de fato. Em segundo, a queda dos preços dos principais bens de exportação

brasileiros, que agravou ainda mais os desequilíbrios do setor externo nacional no

intervalo 1951-53. O café, por exemplo, que apresentou uma elevação superior a 22%

no quantum exportado entre 1951 e 52, proporcionou, nesse período, apenas 5,9% de

divisas internacionais extras ao país. Não foi à toa que os termos de troca domésticos se

deterioraram em mais de 17% nesses anos (ABREU, 1990, p. 403-7). Em terceiro lugar,

a vitória dos republicanos nos Estados Unidos no final de 1952, que diminuiu

consideravelmente as chances de concessão de empréstimos oficiais norte-americanos

ao Brasil. As promessas do democrata Harry Truman, dirigidas nesse sentido, foram

substituídas pela retórica da administração Eisenhower, cujo foco residia no incentivo

ao fluxo de investimentos privados para a região (CERVO e BUENO, 1986, p. 75-6).

Em quarto, o acirramento das lutas sociais, simbolizada pela greve dos 300 mil,

ocorrida em março de 1953. Nesta, os trabalhadores paulistas reivindicaram, entre

outras medidas, maiores reajustes salariais, a fim de impedir a corrosão dos seus

ordenados pela inflação ascendente (DELGADO, 1989, p. 129-30). Por último,

menciona-se a pressão dos grupos empresariais junto ao Estado por maiores concessões

de créditos. A atuação dos representantes fabris via Comissão de Desenvolvimento

Industrial (CDI) teria sido, para alguns autores, muito importante nesse sentido

(LEOPOLDI, 2000, p. 221-35).

Todos esses fatores dificultaram sobremaneira as tentativas do governo em manter

o equilíbrio das contas públicas entre 1953 e 1954. É de se destacar, porém, a ocorrência

dessas tentativas. Em junho de 1953, quando Horácio Lafer deixou o Ministério da

Fazenda, o novo ocupante, Osvaldo Aranha, anunciou a aplicação de um plano que

previa a manutenção da política de equilíbrio orçamentário. O mesmo ministro

encabeçou a aplicação de uma reforma cambial em outubro, metaforizada pela

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publicação da Instrução nº 70 da SUMOC, que extinguiu o regime de controle

quantitativo de importações e criou o sistema de leilões cambiais. No geral, essa

reforma, que sinalizou para uma liberalização relativamente maior da taxa de câmbio,

tinha como uma das suas finalidades tornar o país mais atraente para investimentos

estrangeiros. A entrada de capitais externos no Brasil fora vista, por alguns técnicos do

governo, como uma das únicas saídas para equilibrar a balança de pagamentos, tendo

em vista os déficits comerciais e de serviços e a diminuta possibilidade de chegada de

investimentos oficiais estadunidenses no montante necessário para saldar os débitos

(VIANNA, 1990, p. 139-41). Apesar do esforço, o resultado foi pouco significativo: os

desequilíbrios dos setores público e externo permaneceram (com a exceção de um

modesto saldo da balança de pagamentos apresentado em 1953) e a inflação cresceu

ainda mais nos dois últimos anos do governo (Tabelas 5, 6 e 7).

Tabela 7 – Meios de Pagamento e Taxas de Inflação ‐ Brasil, crescimento em % (1950‐55) 

Anos  (1)  (2)  (3)  (4)  (5)  (6)  (7) 

1950  29,9  32,2  31,4  24,5  11,34  12,41  11,16 1951  12,7  18,4  16,4  14,1  17,44  12,34  10,81 1952  10,9  17,7  15,4  17,6  9,37  12,72  20,83 1953  20,3  18,9  19,3  16,7  25,00  20,51  16,75 1954  16,3  20,9  23,7  24,5  22,09  25,86  26,24 1955  23,8  16,3  16,4  15,8  16,31  12,15  19,07 

Legenda: (1) Papel moeda em poder do público; (2) Depósitos à vista; (3) Meios de Pagamento; (4) Base Monetária; (5) IPA-DI (FGV); (6) IGP-DI (FGV); (7) IPC – FGV / Fonte: ABREU (1990, p. 403-7)

A observação da evolução da oferta monetária durante a administração varguista

demonstra tendência semelhante a das finanças federais. No interregno 1951-52, os

meios de pagamento, a base monetária, o papel moeda em poder do público e os

depósitos à vista se expandiram de modo muito mais modesto do que no final do

governo Dutra (Tabela 7). Apesar dessa contração da oferta monetária feita por Vargas,

é de se notar a resistência à queda por parte da inflação. Entre 1950 e 1951, o Índice

Geral de Preços (IGP-DI) praticamente não apresentou descenso; o Índice de Preços ao

Consumidor (IPC-FGV), por sua vez, sofreu leve decréscimo (-3,1%); e o Índice de

Preços ao Atacado (IPA-DI), diferentemente, cresceu de modo significativo, talvez

motivado pelo encarecimento das importações decorrente do início da Guerra da Coréia.

A considerável elevação do IPC-FGV em 1952 (20,83%) demonstra que o crescimento

dos preços do atacado ocorrido no ano anterior fora repassado ao varejo. Assim, apesar

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de o IPA-DI ter caído nos anos de 1951 e 1952, o IGP-DI manteve-se, nesse período,

praticamente nos mesmos níveis que antes.

A partir de 1953, no entanto, tal como ocorrera com as finanças públicas, houve

uma mudança de tendência. A oferta de moeda doméstica passou a crescer a taxas mais

altas. Com exceção da base monetária agregada, todas as demais variáveis apresentaram

maiores elevações percentuais entre 1952 e 1953. Essa tendência ainda se manteria em

1954, salvo no que condizia à expansão do papel moeda, que apresentou leve retração.

Entende-se, assim, o porquê de a inflação ter crescido tanto em tal período. Ao final do

governo Vargas, todos os índices de preços situavam-se em patamares muito superiores

aos do último ano da administração Dutra (Tabela 7). Não foi à toa que, no mesmo

contexto, acirraram-se as tensões sociais e as reivindicações dos trabalhadores por

maiores reajustes salariais.

Pode-se argumentar, por outro lado, que, apesar de ter ocorrido uma queda do

crescimento da oferta monetária durante o início da administração varguista, essa

contração ainda teria sido muito pequena tendo em base o sucesso obtido na eliminação

do déficit público federal entre 1951 e 1952. Em outras palavras: como é que, com um

aumento nominal de arrecadação de Cr$ 8 bilhões em 1951, agregado a um crescimento

de apenas Cr$ 1 bilhão de despesas, a base monetária teria ainda crescido mais de 17%

nesse mesmo ano? A observação das Tabelas 8 e 9 talvez ajude a elucidar melhor esse

problema.

Tabela 8 – Empréstimos bancários reais e nominais, milhões de Cr$ (1949‐55)* 

   Nominais  Reais 

Anos  Bancos Comerciais  Banco do Brasil  Total  Bancos Comerciais  Banco do Brasil  Total 1949  68.644  39.981  108.625  68.644  39.981  108.625 1950  87.329  57.343  144.672  79.972  52.512  132.484 1951  104.787  83.372  188.159  81.046  64.483  145.529 1952  121.958  102.735  224.693  86.301  72.698  158.999 1953  142.038  139.054  281.092  88.322  86.466  174.788 1954  185.166  195.997  381.163  90.590  95.889  186.478 1955  404.799  458.204  863.003  177.139  200.509  377.649 

Fonte: IBGE. Estatísticas Históricas do Século XX / * Deflacionado pelo deflator implícito do PIB; ABREU (1990, p. 403‐7) 

Vê-se que, apesar da desaceleração de seu ritmo de crescimento entre 1950 e

1952, os empréstimos nominais continuaram se expandindo a taxas bastante

consideráveis nesse período, especialmente no ano de 1951 (30,1%). É de se salientar o

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aumento nominal da concessão de créditos por parte do Banco do Brasil, que chegou a

superar, em 1951, até a ascensão ocorrida no último ano da administração Dutra (45,4%

contra 43,4%, respectivamente).

Ao se deflacionar esses valores, percebe-se, porém, que a ascensão da oferta real

de moeda diminuiu durante o governo Vargas. Apesar disso, não se pode negligenciar a

vultuosidade da expansão nominal do crédito nesse período. Os embates que ocorreram

no intervalo 1951-53 entre o então Ministro da Fazenda, Horácio Lafer, defensor de

uma expansão mais seletiva e gradual dos empréstimos, e o Presidente do Banco do

Brasil, Ricardo Jafet, cuja política sinalizava para uma política creditícia bem mais

liberal, são exemplos do quanto essa questão fora importante (BASTOS, 2005, p. 08)9.  

Tabela 9 – Taxas de crescimento dos empréstimos bancários reais e nominais, % (1949‐55) 

  Nominais  Reais Anos  Bancos Comerciais  Banco do Brasil  Total  Bancos Comerciais  Banco do Brasil  Total 

1950  27,2  43,4  33,2  16,5  31,3  22,0 1951  20,0  45,4  30,1  1,3  22,8  9,8 1952  16,4  23,2  19,4  6,5  12,7  9,3 1953  16,5  35,4  25,1  2,3  18,9  9,9 1954  30,4  41,0  35,6  2,6  10,9  6,7 1955  118,6  133,8  126,4  95,5  109,1  102,5 

Fonte: Tabela 8 

Independentemente de a política creditícia do governo Vargas ter sido mais liberal

do que as diretrizes monetárias estipuladas pelo Ministério da Fazenda, o fato é que não

se pode afirmar que essa administração tenha realizado, como o modelo de Dornbusch e

Edwards assinala, um programa orçamentário deliberadamente deficitário. Mesmo nos

dois últimos anos do governo, quando não se conseguiu manter mais o equilíbrio das

contas públicas, houve políticas que visaram impedir a ocorrência desses desajustes, tais

como as medidas previstas no Plano Aranha.

É de se perguntar, por outro lado, se a política varguista buscou, ao menos,

redistribuir renda em prol dos trabalhadores – outra das características contidas em um

programa populista-econômico, tal como Dornbusch e Edwards o definiram.

                                                             9 É de se ressaltar que alguns estudiosos não compartilham dessa tese de Bastos. Para Vianna (1990) e Araújo (2007), por exemplo, o conflito Lafer-Jafet teria ocorrido não devido às suas incompatibilidades ideológicas concernentes ao modo de expansão do crédito, mas, sim, em razão da visão ortodoxa de política monetária advogada pelo Ministro da Fazenda.

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Vê-se, inicialmente, que o salário mínimo real apresentou grande instabilidade

durante o período varguista. Momentos de alta (1951 e 1953) oscilaram com anos de

forte baixa (1952 e 1954). Estes, porém, superaram os primeiros, vide o decréscimo real

do salário mínimo ao longo dos quatro anos da administração de Vargas (-56,7%).

Pode-se argumentar, no entanto, e com razão, que esse dado não deve ser interpretado

como um indicativo confiável para o estudo da evolução dos ordenados dos

trabalhadores nesse período, já que muitos destes, sejam formais ou não, obtinham

aumentos em seus ganhos por meio de outros tipos de mecanismos, tais como, no caso

dos profissionais com carteira assinada, via reajustes coletivos. Assim sendo, o

decréscimo dos níveis reais do salário mínimo, ocorrido durante o período do governo

getulista, não necessariamente indicaria uma piora na distribuição de renda para a

maioria dos trabalhadores.

Tabela 10 – Salário Mínimo Real (crescimento percentual) e Salários Reais do Setor Manufatureiro Doméstico (valores médios anuais em Cr$ 1.000), 1950‐55 

Salário Mínimo Real 

Salários (IPC ‐ Mtb)* 

Salários (IPC‐Sp)† 

Salários (IPA‐DI)†† 

Produtividade do Trabalho 

Anos 

(a)  (b)  (1)  (2)  (1)  (2)  (1)  (2)  (1)  (2) 1950  9,4  100,0  14.793  100,0  15.002  100,0  14.923  100,0  62.459  100,0 1951  12,8  112,8  15.785  106,7  15.896  106,0  15.854  106,2  63.798  102,1 1952  ‐63,0  41,7  16.843  113,9  16.843  112,3  16.843  112,9  65.165  104,3 1953  14,4  47,7  15.249  103,1  14.151  94,3  14.965  100,3  64.149  102,7 1954  ‐17,2  39,5  17.406  117,7  16.196  108,0  16.228  108,7  68.342  109,4 1955  ‐9,5  43,3  17.590  118,9  16.570  110,5  16.615  111,3  70.428  112,8 

Legendas: (a) Crescimento percentual; (b)  Índice do crescimento percentual; (1) Valor médio anual  (Cr$ 1.000,00); (2)  Índice de crescimento  do  valor  médio  anual;  *  Salários  do  setor  manufatureiro  deflacionados  pelo  IPC‐Mtb;  †  Salários  do  setor manufatureiro deflacionados pelo IPC‐Sp; e †† Salários do setor manufatureiro deflacionados pelo IPA‐DI / Fontes: Para coluna 1, ABREU (1990, p. 403‐7) e para colunas 2, 3 e 4, COLISTETE (2008, p. 25).  

A crítica se enfraquece, porém, quando se incorporam os trabalhadores do setor

manufatureiro na amostra. Apesar de estes estarem longe de abarcar o universo de

trabalhadores do país – já que a maioria da população brasileira nesse período ainda

vivia no campo –, eles representam um indício bem mais confiável para se observar a

distribuição de renda entre capital e trabalho durante o período getulista. Percebe-se, por

meio da Tabela 10, que nos dois primeiros anos do governo Vargas os salários reais não

apenas ascenderam, como também ficaram acima do índice de produtividade do

trabalho. Em outras palavras: o trabalho estava recebendo mais renda do que o capital

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entre 1951 e 1952. A partir de 1953, no entanto, a tendência se altera: os salários caem

bruscamente e a produtividade sobe. No ano seguinte, apesar de os salários terem se

recuperado significativamente, a diferença entre as variáveis, mesmo que menor, ainda

se manteve. Exceção apenas se deu com os salários deflacionados pelo Índice de Preços

ao Consumidor do Ministério do Trabalho (IPC-Mtb), os quais chegaram a ultrapassar

as taxas de crescimento da produtividade no interregno 1953-54. Como, porém, existem

muitos problemas metodológicos nesse índice, considera-se mais pertinente balizar as

conclusões por meio do Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo (IPC-Sp) apesar

de ser um indicador de cobertura regional10.

Assim, no que se refere à evolução dos salários manufatureiros, pode-se dizer que

o modelo de Dornbusch e Edwards se coaduna parcialmente com a realidade. Houve, de

fato, uma distribuição de renda favorável aos trabalhadores fabris no início do governo

de Vargas e, depois, um retrocesso. Do ponto de vista da distribuição funcional da

renda, portanto, o capital saiu favorecido ao final da administração varguista. O

problema é que os salários reais de 1954 estavam, em média, 3,74% maiores do que os

de 1950. Mesmo que estes tenham perdido espaço no produto doméstico em relação aos

lucros dos empresários industriais, não se pode dizer, como o modelo Dornbusch e

Edwards prevê, que a situação dos trabalhadores estava pior do que no início do

mandato getulista.

Alguns, porém, poderiam questionar: e se se tomasse como base para a

distribuição de renda na sociedade a evolução do salário mínimo, e não mais a dos

salários no setor manufatureiro? Seria possível dizer que a situação dos trabalhadores

que recebiam seus ordenados com base no mínimo era melhor em 1954 do que em

1950? Apesar dos problemas já discutidos com a adoção de tal hipótese, a resposta,

nesse caso, seria não. A utilização dessa premissa, todavia, invalida uma tese básica do

modelo de Dornbusch e Edwards: a de que o governante populista, nos primeiros anos

de sua administração, adotaria políticas fiscais e monetárias expansivas com o intuito de

redistribuir renda em favor dos trabalhadores. Não apenas Vargas aplicou um programa

econômico que visava o equilíbrio das contas públicas em seus dois anos iniciais na

presidência, como também não realizou, entre 1951 e 1952, reajustes períodos no

mínimo a fim de impedir que seu valor fosse corroído pela inflação. Em 1952, por                                                              10 Para uma discussão mais detalhada sobre as diferenças entre esses índices e os problemas metodológicos referentes às fontes de salários manufatureiros no Brasil, ver COLISTETE (2008, p. 05-10).

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exemplo, o salário mínimo real situava-se quase que a 70% abaixo dos níveis do de

1950 (Tabela 10). De uma maneira ou de outra, portanto, a evolução dos salários no

período varguista não consegue ser plenamente explicada pelo conceito de populismo

econômico.

Por fim, deve-se saber se, ao menos, a administração getulista pôs em prática um

programa que visava ao fortalecimento do Estado na economia, tal como uma típica

plataforma populista-econômica, na visão de Dornbusch e Edwards, o faria. Alguns

autores chegaram a dizer, sem o suficiente embasamento empírico para tanto, que

Vargas planejara criar um modelo de desenvolvimento econômico nacionalista e

popular, cujo foco seria o de garantir privilégios às empresas nacionais, notadamente

públicas, em detrimento das estrangeiras (DRAIBE, 1985, p. 179-191).

Trabalhos mais recentes, como Lessa e Fiori (1991) e Corsi (2007), vêm

contestando essa perspectiva. Segundo esses estudiosos, os grandes símbolos do suposto

nacionalismo estatizante de Vargas – os projetos da Petrobrás e da Eletrobrás,

elaborados pela Assessoria Econômica do Gabinete Civil da Presidência – não

dispensaram, originalmente, a participação do capital externo. A Petrobrás, por

exemplo, ganhou um viés mais nacionalista em razão dos problemas vinculados à

negativa de financiamentos oficiais estadunidenses, ao frenesi que o tema suscitou em

setores da sociedade civil e à modificação do projeto original por setores congressistas

que consideravam fundamental garantir à nação o monopólio petrolífero (LESSA, 1991,

p. 16). O Plano Nacional de Eletrificação, por sua vez, também não vetava a

participação de capitais estrangeiros na distribuição a varejo de energia – que era, por

sinal, o ramo mais lucrativo desse setor, diferentemente dos de geração e transmissão

energéticas. Além disso, segundo Lessa, a negação desse projeto pelo Congresso teria se

dado muito mais em razão das resistências dos governos paulista e mineiro, que não

queriam perder o controle das concessionárias estaduais de energia para a congênere

nacional a ser criada (Eletrobrás), do que por causa das empresas estrangeiras (LESSA,

1991, p. 14).

Da mesma maneira, portanto, que não há indícios incontestáveis quanto a

existência de uma política de redistribuição de renda feita por Vargas no início de seu

governo, não existe também fontes que corroborem a perspectiva de que Getúlio visava

fomentar um desenvolvimento econômico centrado em empresas nacionais,

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especialmente em públicas. Nesse caso, ao contrário, os indícios indicam muito mais

um nacionalismo pragmático, que teria fechado portas para o capital estrangeiro.

4. Conclusões

A análise das políticas econômicas de Perón e de Vargas realizada pelo artigo

mostrou que estas foram por demais ricas, do ponto de vista histórico, para se

enquadrarem no conceito de populismo econômico. Apesar de alguns de seus aspectos

terem sido contemplados pelo modelo de Dornbusch e Edwards, outras de suas

importantes características foram negligenciadas ou simplesmente distorcidas por ele.

Isso significa que uma utilização mecanicista e acrítica desse conceito pode levar a

inferências absolutamente dissonantes com os traços da realidade histórica latino-

americana.

Essa conclusão não pode ser interpretada, por outro lado, como uma apologia à

desconstrução de teorias ou de modelos em História. Ao contrário: hoje, o crescimento

exponencial da capacidade de armazenamento de informações sobre sociedades

pretéritas tornou requisito básico que o historiador tenha ferramentas e instrumentos

teóricos capazes de sistematizar e analisar as fontes por ele recolhidas. Sem isso, pode-

se ingressar em um verdadeiro “mar de dados”, sem que se consiga trabalhar de modo

coerente e substancial com os mesmos. Esse seria o modo sadio e necessário de

utilização de teorias em um trabalho científico sobre História. O problema, porém, é

quando se petrifica um determinado modelo, obrigando a realidade a se adequar a ele, e

não o contrário. Nesse caso, ao invés de o modelo ser uma ferramenta para a

compreensão do passado, ele se transforma na própria explicação desse passado,

moldando suas características conforme a necessidade, tal como na famosa cama de

Procusto. O trabalho junto às fontes, portanto, se converte apenas em uma maneira de

ilustrar concepções e teses já definidas previamente.

Para evitar isso, é preciso fazer que o modelo “navegue em águas empíricas”

constantemente, a fim de que ele possa ser retocado, aperfeiçoado e lapidado com

freqüência, de acordo com os indícios do passado (BRAUDEL, 1972, p. 52-3). Antes de

esse processo de ajuste ocorrer, no entanto, o modelo necessita ser testado nas

realidades históricas que ele se diz capaz de explicar. Caso não consiga suportar o teste,

tem-se que partir ou para construção de outros, mais aptos para suportar tal tarefa, ou

para a elaboração de estudos embasados em novas perspectivas, reconhecendo-se,

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assim, que o caminho originalmente traçado não se mostrou viável para atingir uma

compreensão mais fiel da realidade que se planejara estudar.

Assim, o que se tentou fazer neste artigo foi simplesmente testar a capacidade do

modelo de Dornbusch e Edwards de navegar em águas que, na teoria, seriam

genuinamente suas: as dos governos populistas de Perón e de Vargas. Caso ele se

mostrasse capaz de contemplar as políticas econômicas dessas duas administrações,

vistas com as mais representativas do chamado “Estado Populista” na América Latina,

poder-se-ia, então, partir para a análise de outros líderes também considerados como

tais, sejam “protopopulistas” ou até “neopopulistas” (VILLAS, 1988).

A conclusão que se sugere, no entanto, é a de que o conceito de Dornbusch e

Edwards não se mostrou capaz nem de clarificar, satisfatoriamente, as próprias políticas

econômicas peronista e varguista. Ao longo do artigo, argumentou-se que se, por um

lado, Perón aplicou, nos primeiros anos de sua administração, um programa que

privilegiava o crescimento econômico imediato e a redistribuição de renda em prol dos

trabalhadores, por outro, ele realizou, em 1952, uma das políticas ortodoxas mais

rígidas da história argentina, diminuindo significativamente os desequilíbrios do setor

público e a inflação ao final de seu governo. O primeiro conjunto de medidas peronistas

foi, de fato, contemplado pelo modelo de Dornbusch e Edwards, mas o segundo, tão

importante quanto, não o fora. Da mesma maneira, se durante o início do governo

varguista, houve melhora da situação econômica dos trabalhadores manufatureiros

(apesar de o salário mínimo real ter caído e de a produtividade do trabalho ter sido, no

geral, maior do que o crescimento dos salários entre 1950 e 1954), Getúlio implementou

uma política que visava o equilíbrio das contas públicas e a contenção inflacionária.

Como afirmar, portanto, tendo em vista esses indícios, que uma política econômica

populista seria incapaz de aplicar programas de estabilização ortodoxos, ou de atingir

um equilíbrio orçamentário público, como Dornbusch e Edwards o fizeram em seu

modelo? Um estudioso que siga à risca essa concepção, como Cardoso e Helwege

fizeram em seu trabalho, estaria não apenas negligenciando aspectos centrais dos

governos peronista e varguista, mas, também, distorcendo-os (CARDOSO e

HELWEGE, 1993, P. 223-4).

Além disso, da mesma maneira que não há condições de se enquadrar totalmente

as características das políticas econômicas de Perón e de Vargas no conceito de

populismo econômico, é de se perguntar se outros governantes, sejam latino-americanos

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ou não, vistos como antíteses desse tipo de liderança, não poderiam promover muitas

dessas medidas, especialmente durante períodos eleitorais. Em outras palavras: até que

ponto a realização de políticas que almejam a uma melhor distribuição de renda e ao

crescimento econômico imediato da sociedade, em detrimento de programas que

favoreçam a austeridade fiscal e monetária, seriam atributos exclusivos de líderes

populistas? Como bem assinala Alan Knight, a idéia de que políticas fomentadoras de

renda e de emprego na Europa após a Segunda Guerra seriam “keynesianas” e de que

políticas semelhantes aplicadas em alguns dos países latino-americanos seriam,

diferentemente, “populistas”, parece um argumento “perigosamente parcial” (KNIGHT,

1998, p. 243).

A elaboração de modelos capazes de auxiliar na organização e na análise de fontes

referentes à história latino-americana não é só uma tarefa necessária, mas também

difícil. No entanto, aceitar de maneira acrítica aqueles já existentes, como muitos

fizeram e ainda vêm fazendo com os conceitos de populismo e populismo econômico,

talvez seja até pior do que iniciar um trabalho de pesquisa sem qualquer tipo de apoio

teórico-metodológico.

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