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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado – 07/2019
(semana nº 04)
Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais
Mário Luiz Sarrubbo
Coordenador do CAO Criminal
Arthur Pinto Lemos Junior
Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado – Julho-2019
(semana nº 04)
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SUMÁRIO
SUMÁRIO --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
ESTUDOS DO CAOCRIM -------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
1-Tema: Competência para o processo e julgamento do crime de falsificação de documento público
emitido por órgão federal......................................................................................................................3
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ------------------------------ 7
DIREITO PROCESSUAL PENAL: ------------------------------------------------------------------------------------------ 7
1- Tema: Atos infracionais como justificativa para manutenção de prisão preventiva ------------------- 7
2- Tema: Execução Penal- Falta grave pelo preso provisório---------------------------------------------------- 9
DIREITO PENAL: ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 11
1-Tema: Corrupção passiva e causa de aumento de pena- art. 317, § 1º, do CP ------------------------- 11
2-Tema: Crime doloso contra a vida- Concurso material de crimes- inaplicabilidade do crime
continuado..........................................................................................................................................12
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: Competência para o processo e julgamento do crime de falsificação de documento público
emitido por órgão federal
A consumação do crime de falsificação de documentos ocorre no momento em que é praticada uma
das ações nucleares previstas no tipo (falsificação ou alteração), potencialmente lesiva. Desse modo,
é irrelevante que o agente faça uso do documento que produziu ou alterou. Se o fizer, tal conduta
(art. 304 CP) será considerada “post factum” impunível.
A competência para o processo e julgamento dos delitos de falso documental gera discussões.
Quanto ao local, prevalece que a competência territorial é a daquele em que se deu a falsificação
(art. 70 do CPP).
A maior contenda se concentra em torno da determinação da jurisdição competente, isto é, se da
justiça estadual ou da federal, e, excepcionalmente, se da justiça eleitoral ou militar.
A matéria vem regulada no inciso IV, do art. 109 da CF/88, que dispõe competir aos juízes federais
processar e julgar, em primeira instância, os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, ressalvada a
competência da justiça militar e da justiça eleitoral.
A questão foi analisada de forma ímpar por Frederico Marques que, apesar de referir-se ao extinto
Tribunal Federal de Recursos, mostra-se bastante atual:
“A regra constitucional qualifica os crimes da competência do Tribunal Federal de Recursos, não em
função do interesse penalmente tutelado, e sim do titular desse interesse. Isso significa que o sujeito
passivo do delito é que dá aos crimes em apreço o traço específico da qualificação constitucional, de
forma que se fixe a competência funcional do órgão judiciário, sempre que a infração penal atinja
‘bens, serviços ou interesses da União’. Não é objeto material do crime, mas o sujeito passivo da
infração que dá ao fato delituoso os traços característicos que o enquadram nas atribuições
jurisdicionais do Tribunal Federal de Recursos.”1.
Como se vê, a só circunstância de ser o documento falsificado emanado de órgão federal não é
bastante para determinar que a competência seja da justiça federal. A jurisprudência tem-nos dado
várias hipóteses em que, muito embora haja ocorrido falsificação de documento emitido por
1. Elementos de direito processual penal, v. 1, p. 250.
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autoridade federal, ou em que ela tenha interesse, não sendo atingidos seus bens, serviços ou
interesses, a competência é da justiça estadual. Nesse sentido, sumulou o STJ:
“A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da
entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do
órgão expedidor” (Súmula 545).
Em que pese fazer referência somente ao crime de uso de documento falso (art. 304 do CP), a novel
súmula confirma outras editadas pelo mesmo tribunal, tendo igual espírito:
a) compete à justiça estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e
Previdência Social, atribuído à empresa privada (Súmula 62 do STJ)2;
b) compete à justiça estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento
falso relativo a estabelecimento particular de ensino (Súmula 104 do STJ);
c) compete à justiça comum estadual processar e julgar crime de estelionato praticado mediante
falsificação de guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorrente lesão
à autarquia federal (Súmula 107 do STJ);
d) a falsificação de título de eleitor sem fins eleitorais não caracteriza crime eleitoral. Desse modo,
tratando-se de infração comum (e não especial), é competente a Justiça comum, mas federal
(RJTJSP 20/358). No mesmo sentido: RT 458/438;
2. Esta súmula foi editada em 1992, antes, portanto, da alteração promovida no art. 297 do Código Penal pela Lei 9.983/00,
introdutória dos parágrafos 3º e 4º, que tratam, na verdade, de falsos ideológicos relacionados a documentos previdenciários. Antes, portanto, não havia menção a documentos previdenciários. O tribunal, de qualquer maneira, fazia interpretação casuística a respeito da competência nesses crimes, a depender de quem poderia ser efetivamente considerado lesado pela conduta: a) nos casos de simples omissão de anotação e de anotação de período de tempo de contrato menor, considerava-se que apenas indiretamente a previdência era atingida, razão pela qual a competência era da justiça estadual; b) no caso de anotação falsa para fazer constar período de contrato de trabalho que nunca existiu, havia prejuízo direto à previdência, pois se tratava de conduta destinada à obtenção de benefício previdenciário indevido. Por isso, a competência era da justiça federal. O tribunal, no entanto, tem decidido que mesmo no caso de omissão de anotação, o sujeito passivo primário é o Estado (no caso, o órgão previdenciário), o que atrai a competência federal: “1. No julgamento do CC n. 127.706/RS (em 9/4/2014), da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, a Terceira Seção desta Corte, por maioria, firmou o entendimento de que, no delito tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal, o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, de forma secundária, o particular, terceiro prejudicado com a omissão das informações, circunstância que atrai a competência da Justiça Federal, conforme o disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Itapeva – SJ/SP, o suscitante” (CC 135.200/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, DJe 02/02/2015). No mesmo sentido: AgRg no CC 131.442/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 19/12/2014; CC 127.706/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 03/09/2014. Dessa forma, embora a súmula nº 62 ainda esteja em vigor, a tendência é de que, a prosperar a nova orientação, seja cancelada.
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e) a falsificação de documento militar sem atentar contra a ordem administrativa militar, é da
competência da Justiça Comum.
Para ilustrar nosso raciocínio, vejamos os dois julgados abaixo, ambos do STJ:
STJ- AgRg no CC 146.725/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
08/06/2016, DJe 17/06/2016
AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FALSIFICAÇÃO DE CPF. USO DE DOCUMENTO
PARA PRÁTICA DE GOLPES EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS.
INCIDÊNCIA DO MESMO RACIOCÍNIO EMPREGADO NO ENUNCIADO DA SÚMULA 107 DO STJ.
AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. É da competência da Justiça comum estadual o julgamento do crime de falsificação de documento
expedido por Órgão Federal (CPF) que resulta na prática de estelionato contra estabelecimento
comercial.
2. Raciocínio análogo ao que deu ensejo ao enunciado da Súmula 107 do STJ.
3. Agravo regimental não provido.
STJ- REsp 993.153/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe
15/09/2008
RECURSO ESPECIAL. FALSIFICAÇÃO DE CPF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Compete à Justiça Estadual processar e julgar o feito, quando ausente qualquer ofensa a
interesses, bens ou serviços da União, suas autarquias ou empresas públicas, nos termos do art. 109,
inciso IV, da Constituição Federal.
2. O simples fato do órgão expedidor do documento falsificado (CPF) ser federal não atrai a
competência para referida esfera, notadamente se aludido registro foi utilizado na abertura de conta
em Bancos privados, não havendo prejuízo à União.
NULIDADES. PREQUESTIONAMENTO. MATÉRIAS APRECIADAS PELO TRIBUNAL A QUO. VÍCIO NA
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. REEXAME DE PROVAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONHECIMENTO.
1. Estando a matéria relativa ao art. 564, inciso IV, do CPP, devidamente analisada pela Corte
Estadual, não há o que se falar em ausência de prequestionamento.
2. Se o recorrente não busca nova solução da lide em face da análise do conjunto probatório
constante da ação penal, mas apenas a declaração da nulidade do acórdão por inobservância do
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disposto no art. 564, inciso IV, da Lei Adjetiva Criminal, não há o que se falar em reexame de provas,
não incidindo no caso a vedação prevista na Súmula 7/STJ.
IRREGULARIDADES. FASE INQUISITORIAL (CONFISSÃO). SENTENÇA PROLATADA. NÃO OCORRÊNCIA
DE NULIDADE.
1. Eventuais vícios ocorridos no inquérito policial (confissão) restam sanados com a prolação da
sentença, a qual também foi fundamentada em outras provas colhidas durante a instrução
processual (autos de apreensão e exames de autenticidade documentais), consideradas suficientes,
de per si, para sustentar o decreto condenatório.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. ACÓRDÃO QUE ADOTA COMO RAZÕES DE DECIDIR MOTIVAÇÃO
CONTIDA EM SENTENÇA E MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE MÁCULA.
1. A adoção dos fundamentos utilizados em sentença pelo Juízo de Primeiro Grau, bem como das
alegações do Parquet, quanto à materialidade dos crimes de falsificação, uso de documento falso e
no tocante à tipicidade do delito de estelionato, não gera a nulidade do aresto por falta de motivação
(precedentes do STJ).
2. Recurso especial conhecido e improvido.
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1- Tema: Atos infracionais como justificativa para manutenção de prisão preventiva
STJ- HC 487.672/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe
06/03/2019
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO.
ROUBO MAJORADO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MODUS OPERANDI.
FUNDADO RECEIO DE REITERAÇÃO DELITIVA. INVIABILIDADE DE ANÁLISE DE POSSÍVEL PENA A SER
APLICADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório
Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição
ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos
excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja
possível a concessão da ordem de ofício.
II - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica
caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal
ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.
III - No caso, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos
extraídos dos autos, que evidenciam que a liberdade do ora paciente acarretaria risco à ordem
pública, notadamente se considerado o modus operandi da conduta, em tese, praticada, roubo
majorado pelo concurso de agentes, e uso de arma de fogo, sendo que o agente acompanhado de
comparsa mantiveram as vítimas "em um dos quartos sob ameaças de morte e exigência de
pertences de valor", o que revela a gravidade concreta da conduta e justifica a imposição da medida
extrema.
IV - Ademais, "esta Corte Superior de Justiça possui entendimento de que a prática de atos
infracionais, apesar de não poder ser considerada para fins de reincidência ou maus antecedentes,
serve para justificar a manutenção da prisão preventiva para a garantia da ordem pública" (RHC n.
60.213/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe de 3/9/2015). V - Revela-se inviável a análise
de eventual pena ou regime a serem aplicados em caso de condenação, a fim de determinar possível
desproporcionalidade da prisão cautelar, uma vez que tal exame deve ficar reservado ao Juízo de
origem, que realizará cognição exauriente dos fatos e provas apresentados no caso concreto.
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VI - Condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa, não têm
o condão de, por si sós, garantirem ao paciente a revogação da prisão preventiva se há nos autos
elementos hábeis a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar. Pela mesma razão, não há
que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, o que ocorre na
hipótese.
Habeas Corpus não conhecido.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A prisão preventiva se justifica como forma de preservação da ordem pública e econômica, por
conveniência (necessidade) da instrução criminal e como garantia da futura aplicação da lei penal. É
o que aparece estampado no art. 312 do CPP. Contudo, o fundamento da ordem pública desperta
indisfarçável controvérsia. Vejamos.
Ordem pública é a paz social, a tranquilidade no meio social cuja manutenção é um dos objetivos
principais do Estado. Quando tal tranquilidade se vê ameaçada, é possível a decretação da prisão
preventiva, a fim de evitar que o agente, solto, continue a delinquir. Assim, é possível a decretação
da medida quando se constata que o agente, dada à periculosidade que ostenta, sente-se incentivado
a prosseguir em suas práticas delituosas. Basileu Garcia aborda o tema da seguinte maneira, “para a
garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar a prisão preventiva, evitar que o
delinqüente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso a práticas delituosas,
ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida.
Trata-se, por vezes, de criminosos habituais, indivíduos cuja vida social é uma sucessão interminável
de ofensas à lei penal: contumazes assaltantes da propriedade, por exemplo. Quando outros motivos
não ocorressem, o intuito de impedir novas violações determinaria a providência” (Comentários ao
CPP, v. III, pág. 169).
Maus antecedentes e reincidência, por revelarem a probabilidade de que outros crimes sejam
praticados, autorizam a decretação de sua prisão preventiva. Nesse sentido a “Jurisprudência de
Teses”, n. 14, divulgada periodicamente pelo STJ, que, conquanto não possua o “status” de uma
súmula, representa o entendimento da Corte sobre determinada matéria, in verbis: “Inquéritos
policiais e processos em andamento, embora não tenham o condão de exasperar a pena-base no
momento da dosimetria da pena, são elementos aptos a demonstrar eventual reiteração delitiva,
fundamento suficiente para a decretação da prisão preventiva”.
Como ensina Hélio Tornaghi, “nem a gravidade do crime, em tese, nem o rigor da pena são suficientes
para autorizá-la [a prisão preventiva]. Os perigos que o réu poderia oferecer, para a ordem pública,
para o processo ou para a execução dependem muito mais de sua personalidade, de seu caráter, de
sua formação, que do crime. Em outras palavras: as condições subjetivas do agente e não a
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importância objetiva do crime é que permitem verificar ou até presumir a perigosidade do agente e
a necessidade de prendê-lo” (ob. cit., vol. 3, p. 328).
Necessário, portanto, que se demonstre o risco que correrá a sociedade, a intranquilidade por ela
vivenciada, na manutenção em liberdade de um pretenso criminoso ante a probabilidade de ele
voltar a delinquir.
Dentro desse espírito o STJ, copiosamente, vem decidindo que a prisão preventiva pode ser
decretada quando o agente possui registros anteriores na Vara da Infância e Juventude pela prática
de atos infracionais. Conquanto os atos infracionais não possam ser considerados para fins de
reincidência, ou mesmo como maus antecedentes, servem para evidenciar o risco concreto da
prática de novos delitos, uma vez que demonstram ser rotina na vida do agente o cometimento de
ilícitos.
2- Tema: Execução Penal- Falta grave pelo preso provisório
STJ- HC 390.340/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe
06/11/2017
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. RECONHECIMENTO DA PRÁTICA DE FALTA GRAVE DURANTE
PRISÃO PREVENTIVA. POSSIBILIDADE. NORMAS DA EXECUÇÃO IGUALMENTE APLICÁVEIS AOS
PRESOS PROVISÓRIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 2º DA LEI N. 7.210/84. ORDEM DENEGADA.
1. A teor do parágrafo único do art. 2º da Lei 7.210/84, as normas da execução penal devem ser
igualmente aplicadas ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando
recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.
2. Presos, provisório ou definitivo, estão sujeitos ao mesmo dever de cumprimento às regras
regulamentares, sob pena de caracterizar-se falta disciplinar, com correspondente sanção
administrativa e reflexos no cumprimento da pena, inclusive como modo de preservação da ordem
nos estabelecimentos prisionais.
3. O reconhecimento de falta grave é também relevante ao preso provisório, que possui direito à
progressão de regime antes do trânsito em julgado e à futura detração, assim gerando a falta
disciplinar reflexos no cumprimento da pena.
4. O art. 39 da Lei de Execução Penal elenca os deveres do condenado e, em complemento, o
parágrafo único prevê a aplicação do disposto no caput ao preso provisório, no que couber. Da
mesma forma, o art. 50 da LEP prevê os atos considerados como falta de natureza grave, e o
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parágrafo único dispõe sobre a aplicação do disposto no caput ao preso provisório, também no que
couber.
5. Ordem denegada.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Por força do art. 2º, parágrafo único, a LEP aplica-se também ao preso provisório, leia-se, preso em
razão de prisão em flagrante, preventiva ou temporária.
Dentre desse espírito, as regras disciplinares devem ser observadas pelo preso não definitivo, em
especial seus deveres (arts. 50 e ss) e sanções disciplinares (arts. 53 e ss).
O art. 52 da LEP, por exemplo, trata das hipóteses que autorizam a inclusão do preso faltoso no
regime disciplinar diferenciado (RDD), espécie mais drástica de sanção disciplinar.
Como o próprio nome já anuncia, a disciplina imposta com a medida é diferenciada, restringindo,
como nenhuma outra, a já limitada liberdade de locomoção do preso e alguns dos seus direitos.
O citado artigo expressamente anuncia que o preso provisório pode sofrer essa espécie de sanção
nas hipóteses cabíveis.
Nesse sentido, aliás, decidiu recentemente o TJ SP, reforçando a tese de que o preso provisório
também está submisso ao regime disciplinar, podendo, portanto, em tese, praticar falta grave e
suportar sanções correspondentes (TJ-SP - Agravo de Execução Penal EP 00042203620188260996 SP
0004220-36.2018.8.26.0996 - Data de publicação: 03/10/2018).
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DIREITO PENAL:
1-Tema: Corrupção passiva e causa de aumento de pena- art. 317, § 1º, do CP
STJ- AgRg no AREsp 1018814/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 21/03/2019, DJe 02/04/2019
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. CAUSA DE
AUMENTO DE PENA. ART. 317, § 1º, DO CP. FUNCIONÁRIO QUE DEIXOU DE PRATICAR ATO DE OFÍCIO.
INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O funcionário público que deixa de praticar ato de ofício que na hipótese dos autos
consubstanciado na não inclusão em procedimento fiscalizatório de empresa acusada de sonegação
fiscal comete o crime de corrupção passiva na sua forma majorada, nos termos do art. 317, § 1º, do
Código Penal: "A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o
funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever
funcional."
2. Demonstrado que efetivamente o agravante deixou de praticar ato de ofício, o recebimento da
vantagem é mero exaurimento do crime, não influindo na consumação.
3. Agravo regimental não provido.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
De acordo com o § 1º do art. 317 do CP, pune-se mais severamente o corrupto que retarda ou deixa
de praticar ato de ofício ou o pratica com infração do dever funcional.
O que seria mero exaurimento passou a ser considerado causa de aumento de pena (exaurimento
penalizado). Aqui, o agente cumpre o prometido, realizando a pretensão do corruptor.
Sabendo que a corrupção passiva pode ser própria (o ato comercializado pelo corrupto viola seu
dever funcional) ou imprópria (o ato comercializado pelo corrupto não viola seu dever funcional), a
referida causa de aumento só se aplica à primeira modalidade (corrupção passiva própria).
Por exemplo, se o oficial de Justiça solicita vantagem para concretizar uma citação, temos uma
corrupção imprópria, não incidindo o aumento se o oficial, pago indevidamente por uma das partes,
efetivamente realiza o ato citatório.
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Deve ser observado, ainda, que se a violação praticada pelo agente público constitui, por si só, um
novo crime, haverá concurso formal ou material (a depender do caso concreto) entre a corrupção
passiva e a infração dela resultante. Nessa hipótese, no entanto, a corrupção deixa de ser qualificada,
pois do contrário estaríamos no campo do “bis in idem”, considerando-se o mesmo fato duas vezes
em prejuízo do funcionário réu.
Por exemplo, agente penitenciário solicita vantagem para facilitar fuga de preso. Ao ser pago e
efetivamente facilitar a fuga, responde pelo delito do art. 351 do CP em concurso com a corrupção
passiva simples, sem a causa de aumento.
2- Tema: Crime doloso contra a vida- Concurso material de crimes- inaplicabilidade do crime
continuado
STJ- REsp 1588037/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
07/05/2019, DJe 14/05/2019
RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS. CONTINUIDADE DELITIVA AFASTADA.
AUSÊNCIA DE REQUISITO OBJETIVO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A súmula n. 605 do Supremo Tribunal Federal, que vedava a aplicação da continuidade delitiva aos
crimes dolosos contra a vida, não é mais aplicada, haja vista a incompatibilidade do enunciado com
a atual redação do art. 71, parágrafo único, do Código Penal, reformado pela Lei n. 7.209/1984.
2. O Código Penal adotou a Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva para a caracterização do crime
continuado, segundo a qual é necessário que estejam preenchidos, cumulativamente, requisitos de
ordem objetiva (pluralidade de ações, mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução) e de
ordem subjetiva, assim entendido como a unidade de desígnios havida entre os eventos delituosos.
3. O Magistrado aplicou, na sentença, o concurso material de crimes, visto que houve pluralidade de
condutas com modos distintos de execução - por atropelamento e por facadas.
4. A premissa da Corte de origem, de que houve conexão modal entre os delitos, mostra-se, portanto,
em descompasso com a denúncia, a decisão de pronúncia e a sentença. 5. Recurso especial provido
a fim de afastar a continuidade delitiva e restabelecer a pena e o regime inicial fixados em sentença.
Execução imediata da pena determinada.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
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Partindo-se da premissa de que a súmula n. 605 do Supremo Tribunal Federal, que vedava a aplicação
da continuidade delitiva aos crimes dolosos contra a vida, não é mais aplicada, haja vista a
incompatibilidade do enunciado com a atual redação do art. 71, parágrafo único, do Código Penal,
mostra-se de suma importância recordar os elementos do elo continuidade, um dos principais
requisitos da continuidade, sem o qual não se aplica o instituto do art. 71 do CP, mas o concurso
material de crimes.
Havendo pluralidade de crimes da mesma espécie, a continuidade delitiva pressupõe elo de
continuidade entre as condutas. Esse elo se revela através:
(1) Das mesmas condições de tempo: a lei não anuncia qual o hiato temporal máximo que deve existir
entre o primeiro e o último delito da cadeia, alertando a jurisprudência que não pode suplantar, em
regra, 30 (trinta) dias.
(2) Das mesmas condições de lugar: para a jurisprudência, haverá as mesmas condições de lugar
quando os crimes são praticados na mesma comarca (ou em comarcas vizinhas).
(3) Da mesma maneira de execução (modus operandi): a lei exige semelhança e não identidade. A
semelhança na maneira de execução se traduz no modus operandi de realizar a conduta delitiva.
Maneira de execução é o modo, a forma, o estilo de praticar o crime, que, na verdade, é apenas mais
um dos requisitos objetivos da continuação criminosa.
(4) Outras circunstâncias semelhantes: abrangendo quaisquer outras circunstâncias das quais se
possa concluir pela continuidade.
No crime continuado é indispensável a homogeneidade subjetiva?
Não sem razão, Juan Carlos Ferré Olivé, Miguel Ángel Núñez Paz, William Terra de Oliveira e Alexis
Couto de Brito ensinam ser imprescindível que os vários crimes resultem de plano previamente
elaborado pelo agente:
“Deve existir um dolo unitário ou global, que torne coesas todas as infrações cometidas, por meio da
execução de um plano preconcebido (que dá unidade ao dolo). Esta homogeneidade é fundamental
para a figura do crime continuado”3.
Os Tribunais Superiores têm adotado essa corrente. Nesse sentido decidiu o STJ:
3. Ob. cit., p. 614.
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“Para o reconhecimento do crime continuado, não basta a presença dos requisitos objetivos, sendo
indispensáveis, também, os pressupostos subjetivos. Precedentes desta Corte Superior”4.
Estudo enviado pelo Dr Rogerio Leão Zagallo
Clique aqui para ter acesso a sentença
4. STJ – REsp 1.501.855/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 30/05/2017. O STF possui o mesmo entendimento:
“Nos termos da jurisprudência desta Corte, abalizada por parcela da doutrina especializada, são requisitos necessários para caracterização da continuidade delitiva, à luz da teoria objetivo-subjetiva: (a) a pluralidade de condutas; (b) a pluralidade de crimes da mesma espécie; (c) que os crimes sejam praticados em continuação, tendo em vista as circunstâncias objetivas (mesmas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes); e, por fim, (d) a unidade de desígnios. 4. No caso, as instâncias ordinárias apresentaram fundamentação jurídica idônea no sentido de que ficou comprovado que o paciente agiu movido por desígnios diferentes. Sendo esse o quadro, é inviável proceder ao reexame do suporte probatório que fora levado em consideração para rejeitar a existência do elemento subjetivo. Precedentes” (HC 110.002/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki – DJe 19/12/2014).