base comum 2 - meio ambiente e interdisciplinaridade desafios ao mundo academico

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 Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 10, p. 67-76, jul./dez. 2004. Editora UFPR 67 BURSZTYN, M. Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundo acadêmico * Doutor em D esenvolvimento Econômico e Social, profess or da Universid ade de Brasília (Departamento de Sociologia e Centro de Desenvolvimento Sustentável). Foi presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal - FAPDF e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes/MEC. Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundo acadêmico The environment and interdisciplinarity: challenges to the academic world Marcel BURSZTYN * RESUMO A produção acadêmica do conhecimento nos dois últimos séculos foi marcada por uma clara tendência especializant e. A questão ambiental, vista pela ótica do desenvolvimento sustentável e que assume con- siderável relevância no presente, introduz mudanças significativas neste cenário e aponta para a neces- sária abordagem interdisciplinar ( des-especializaçã o). Utilizando exemplos da produção científica bra- sileira, a partir de dados do CNPq e Capes, o texto apresenta um perfil dos cursos de Pós-Graduação do  país voltados ao tratame nto da questão ambiental. Uma a nálise crítica do processo é e videnciada, bem como importantes limitações e desafios que se apresentam para a construção deste novo campo do conhecimento.  Palavras-chave : questão ambiental, desenvolvimento sustentável, interdisciplinaridade, formação aca- dêmica, Brasil. ABSTRACT Academic production of knowledge in the past two centuries was marked by a clear specialization trend. The environmental issue, seen through the lenses of sustainable development, having currently acquired a considerable importance, introduces significant changes in this scenario and points to the need for an interdisciplinary approach ( de-specialization). Using examples taken from the Brazilian scientific  production, based on data provided by CNPq and Capes, thi s text draws a profile of gra duate programs addressing the environmental issue, nationwide. A critical analysis of the process is highlighted, as well as the important limitations and challenges incurred in building this new field of knowledge.  Key-w ords : environmental issue, sustainable develo pment, interdisciplinarity, academic education, Brazil.

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Meio ambiente e interdisciplinaridade desafios ao mundo academico.

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  • Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 10, p. 67-76, jul./dez. 2004. Editora UFPR 67

    BURSZTYN, M. Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundo acadmico

    * Doutor em Desenvolvimento Econmico e Social, professor da Universidade de Braslia (Departamento de Sociologia e Centro de Desenvolvimento Sustentvel).Foi presidente da Fundao de Apoio Pesquisa do Distrito Federal - FAPDF e da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior Capes/MEC.

    Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundoacadmico

    The environment and interdisciplinarity: challenges to theacademic world

    Marcel BURSZTYN*

    RESUMO

    A produo acadmica do conhecimento nos dois ltimos sculos foi marcada por uma clara tendnciaespecializante. A questo ambiental, vista pela tica do desenvolvimento sustentvel e que assume con-sidervel relevncia no presente, introduz mudanas significativas neste cenrio e aponta para a neces-sria abordagem interdisciplinar (des-especializao). Utilizando exemplos da produo cientfica bra-sileira, a partir de dados do CNPq e Capes, o texto apresenta um perfil dos cursos de Ps-Graduao dopas voltados ao tratamento da questo ambiental. Uma anlise crtica do processo evidenciada, bemcomo importantes limitaes e desafios que se apresentam para a construo deste novo campo doconhecimento.Palavras-chave: questo ambiental, desenvolvimento sustentvel, interdisciplinaridade, formao aca-dmica, Brasil.

    ABSTRACTAcademic production of knowledge in the past two centuries was marked by a clear specialization trend.The environmental issue, seen through the lenses of sustainable development, having currently acquireda considerable importance, introduces significant changes in this scenario and points to the need for aninterdisciplinary approach (de-specialization). Using examples taken from the Brazilian scientificproduction, based on data provided by CNPq and Capes, this text draws a profile of graduate programsaddressing the environmental issue, nationwide. A critical analysis of the process is highlighted, as wellas the important limitations and challenges incurred in building this new field of knowledge.Key-words: environmental issue, sustainable development, interdisciplinarity, academic education, Brazil.

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    BURSZTYN, M. Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundo acadmico

    A institucionalizao do tema meio ambiente, vistapela tica do desenvolvimento sustentvel,1 como foco deformao especfica na Universidade bem recente. Trata-se de fenmeno que no est limitado ao Brasil: em todaparte o mesmo movimento se repete.

    O mundo universitrio reproduz uma tendncia se-melhante ao mundo das polticas pblicas: quando algonovo e relevante surge num determinado contexto, logo sepropaga, num movimento em onda. Assim, a Universida-de, que ao longo do sculo XX seguiu uma trajetriacrescentemente especializante, desperta, ao final do scu-lo, para a necessria reviso de sua trajetria, diante dodesafio de cumprir seu papel universalizante, de oferecernovas respostas s novas perguntas que o mundo real apre-senta.

    dentro dessa moldura que a questo ambientalemerge como foco de interesse no mundo acadmico. Quaseque simultaneamente, em vrias partes do Planeta surgi-ram espaos de pesquisa e formao voltados ao tema quese consagrara no calor dos alertas sobre explosodemogrfica, poluio industrial e estrangulamento da ofer-ta de energia. A pauta fora dada por uma combinao decircunstncias: balanos acadmicos catastrofistas; gran-des acidentes industriais; emergncia de um novo plo demovimentos sociais (o ambientalismo) centrados em tesespacifistas e em demandas por uma melhor qualidade devida; sucessivas mobilizaes em torno de debates promo-vidos por organismos multilaterais, com destaque para aConferncia de Estocolmo, de 1972.

    Como reflexo da demanda por solues cientficas etcnicas aos novos desafios identificados, alguns camposdas cincias se mobilizaram.

    A anlise da vinculao dos temas ambientais comofoco de interesse das pesquisas nas universidades e insti-tuies de pesquisa em geral, no Brasil, pode ser situadano universo temporal de duas dcadas. A base de dadosdisponvel mais antiga o Selap Sistema em Linha deAcompanhamento de Projetos, do CNPq, cuja ltima atua-lizao de 1985. Embora se trate de informaes a seremcitadas com certa precauo, por no englobarem a totali-dade de pesquisadores do Pas e por se valerem de meios

    de coleta de dados no totalmente confiveis, o sistemapode ser tomado como base de referncia. So 54 mil pes-quisadores cadastrados, vinculados a 36 mil projetos(BURSZTYN, 1990).

    De acordo com aquelas informaes, o total de pes-quisas que se identificavam como Meio ambiente e recur-sos naturais era de 580, distribudas nas seguintes catego-rias:

    Recursos naturais 139 Estudos integrados dos ecossistemas 51 Estado ambiental 87 reas protegidas 17 Poluentes 11 Disperso e circulao de poluentes 33 Poluio 123 Mtodos indiretos de controle da poluio 65 Direito ambiental e legislao 26 Educao ambiental e formao de recursos hu-

    manos 8 Sistemas de informao em meio ambiente e re-

    cursos naturais 20

    Os nmeros acima revelam que em 1985 havia umagrande concentrao da pesquisa ambiental em torno detrs disciplinas: engenharias (notadamente sanitria), bio-logia e qumica, com 95,9 % do total. As reas econmica,social e poltica, por exemplo, no aparecem nas estatsti-cas. Quanto participao relativa das pesquisas sobre meioambiente e recursos naturais no conjunto das pesquisasregistradas no Selap/CNPq, em 1985, tem-se um ndice deaproximadamente 1,6%. O percentual de pesquisadoresvinculados a tais pesquisas era de 3,78%.

    Em 2003, j com um quadro geral de referncia edemandas bem mais complexo, o panorama diferente.Dentre as mais de 180 mil teses disponveis em resumo nobanco de dados da Capes (fonte: www.capes.gov.br), osmais de 468 mil pesquisadores cadastrados na PlataformaLattes de curricula vitarum (http://lattes.cnpq.br, em 20/11/2004) e os cerca de 15 mil grupos de pesquisa inscritosno cadastro do CNPq, j se percebe uma partilha bem eqi-tativa, em termos de distribuio por reas do conhecimento,

    1 No se pretende aqui polemizar em torno da vinculao da temtica ambiental a campos disciplinares consagrados na academia. Arquitetos lidam com ambiente,como espao construdo; socilogos se interessam pelo ambiente social e cultural; bilogos trabalham com a noo de ecologia, ao tratar de ambientes onde se d ainterao natureza e alguma espcie em particular, seja ela da fauna ou da flora. Todas as contribuies das diferentes disciplinas com conhecimentos que convirjampara o trato da questo ambiental so condies necessrias, mas no suficientes, para o estudo do ambiente como espao de enfrentamento do desafio do desenvol-vimento sustentvel.

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    das vinculaes a temas ambientais. O conjunto das Hu-manidades, alis, comea a despontar como o mais presen-te.

    No h dvida quanto ao fato de que meio ambiente,biodiversidade, desenvolvimento sustentvel e recursosnaturais so questes que hoje se expressam em quase to-dos os campos do saber (ver quadro 1).

    No total, agregando-se as referncias s quatro pala-vras-chaves pesquisadas (meio ambiente, biodiversidade,desenvolvimento sustentvel e recursos naturais), tem-se:

    Cincias Agrrias - 13,7 %Cincias Biolgicas - 21,7 %Cincias da Sade - 2,4 %Cincias Exatas e da Terra - 15,8 %Cincias Humanas - 15,7 %Cincias Sociais Aplicadas - 20 %Engenharias - 11,6 %

    A Conferncia Rio-92 (Eco 92) e o clima demobilizao e esclarecimentos sobre a questo ambientalforam dinamizadores do interesse da sociedade em geral e da Universidade em particular em direo a tais temas.No caso da mdia, que tem papel crucial na formao e na

    mobilizao de opinio pblica, o perodo que antecedeaquele grande evento foi fortemente marcado pelo cresci-mento qualitativo e quantitativo do espao dedicado aosgrandes problemas ambientais do planeta, tanto no mbitodas diferentes formas de poluio industrial ou da degra-dao das florestas, quanto nos efeitos sobre o clima e osrecursos hdricos. Vale assinalar que, aps a Confernciado Rio, a mdia brasileira foi paulatinamente reduzindo oespao dedicado aos temas ambientais.

    No caso da Universidade, embora a questo ambientaltenha marcado fortemente os debates desde os anos 1960 seja pelos alertas neo-malthusianos, seja por propostas demudanas nos paradigmas industriais um duplo movi-mento passou a se dar na ltima dcada do sculo XX: aambientalizao das disciplinas e a interdisciplinarizaodo ambiente.

    Esse duplo movimento implica dois tipos de arran-jos institucionais sendo um bem mais simples que o ou-tro que tendem a ser complementares:

    O primeiro se d com a insero da questoambiental como foco de interesse, marcando no-vas linhas de pesquisa e reas de concentrao

    QUADRO 1- GRUPOS DE PESQUISA CNPQ - LINHA DE PESQUISA/PALAVRA-CHAVE DA LINHA DE PESQUISA, POR GRANDESREAS, EM 2002. CNPqs RESEARCH GROUPS - RESEARCH LINE / RESEARCH LINE KEY-WORD, PER LARGE AREAS,IN 2002.

    FONTE: WWW.CNPq.BR

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    BURSZTYN, M. Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundo acadmico

    (nos departamentos disciplinares): economiaambiental, sociologia ambiental, direitoambiental, geologia ambiental, engenhariaambiental, educao ambiental, qumicaambiental, histria ambiental, alm de uma mu-dana relativa no mbito de outras disciplinas,com a consagrao da ecologia na biologia ou daagroecologia na agronomia.

    O segundo consiste do surgimento de programasinterdisciplinares, particularmente em nvel dePs-Graduao.

    Esse segundo caso nos interessa, em particular, suaoriginalidade, pelos desafios que enfrenta e por seu papelcomo eventual modelo institucional.

    Originalidade

    Aps dcadas de especializao, fragmentao,compartimentalizao e auto-enclausuramento das cinci-as disciplinarizadas, a questo ambiental suscita um movi-mento reverso de des-especializao. A prpria natureza ecomplexidade dos problemas a serem tratados no universodos temas ambientais sinergias, objetos mutantes,abrangncias, interesses envolvidos, superposio de dife-rentes escalas, reviso de paradigmas consagrados etc. exige que as competncias a serem mobilizadas sejam am-plas.

    A originalidade se d tambm pelo fato de que os no-vos programas interdisciplinares surgem na contra-mo damar especializante, que marcou a pesquisa cientfica emgeral e a Universidade em particular, por muitas dcadas.

    Evidentemente, seria necessrio um aprendizadoinstitucional para que tal movimento se desse.

    No Brasil, o surgimento de programas de ps-gradu-ao interdisciplinares em meio ambiente coincide com amar de ateno que a questo ambiental passou a ter coma concluso do Relatrio Brundtland, que foi publicadoem 1998. O primeiro curso com tal carter surge na Uni-versidade de So Paulo o Procam, Programa de CinciasAmbientais por volta de 1990. Em 1994, inicia-se oprograma Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Uni-versidade Federal do Paran. O programa de Desenvolvi-mento Sustentvel da Universidade de Braslia foi criadoem 1995.

    Com cerca de 30 programas operando comcredenciamento junto Capes, em 2004, pode-se estabele-

    cer uma tipologia de processos de institucionalizao detais experincias, todas sui generis.

    Frmula bandeirante

    O modelo USP, pioneiro, representa uma tentativade estabelecimento de um ponto focal de interface de do-centes e pesquisadores atuantes em torno do tema, com acriao de um mestrado. Em se tratando de uma universi-dade de grande prestgio nacional, com tradio de implan-tao de cursos que dificilmente so desclassificados oumal classificados nos rankings acadmicos, a opo pare-ce ter sido a de criar o fato consumado, implantando o pro-grama para depois obter o credenciamento.

    A experincia levaria cerca de uma dcada para ob-ter o reconhecimento pela Capes, acumulando um signifi-cativo contingente de egressos diplomados sem a devidahomologao pelo Ministrio da Educao. Em termosoperacionais o Procam gravita em torno de um conjunto deprofessores, todos vinculados a outros departamentos, comuma coordenao que se alterna em termos de perfil: oradas humanas, ora das naturais ou biolgicas.

    Frmula na moita

    O modelo UFPR tem tambm uma caracterstica sin-gular. Surgiu como programa de doutorado, sem ter passa-do previamente pela experincia de mestrado. Valendo-sede docentes com dupla lotao, constituiu um espaointerdisciplinar quase marginal dentro de um complexoorganograma de cursos, tpico das grandes universidadesbrasileiras. O impacto, em termos de visibilidade, foi rela-tivamente pequeno, no curto prazo, fato que deve ter servi-do como anteparo a presses opositoras por parte dos de-partamentos institucionalizados a mais tempo.

    A arrancada inicial do programa foi facilitada tam-bm por uma providencial teia de cooperao internacio-nal, com a Frana, que serviu ao mesmo tempo comolegitimadora e provedora de meios (inclusive humanos). Aclassificao do Programa Meio Ambiente e Desenvolvi-mento MAD da UFPR como Ctedra de DesenvolvimentoSustentvel da Unesco foi um importante fator de apoio econsolidao. O fato de abrir turmas apenas a cada doisanos, em escala relativamente reduzida para ser notada noconjunto das aes da universidade, tambm contribuiu para

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    BURSZTYN, M. Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundo acadmico

    a afirmao do programa. Passados poucos anos, e apesardas dificuldades em se negociar a dupla lotao dos do-centes, o programa fincou razes. Nasceu e cresceu de for-ma discreta e irreversvel.

    Frmula decolagem sem retorno

    O programa de Desenvolvimento Sustentvel da UnBsurge inicialmente com um doutorado em moldes seme-lhantes ao da UFPR, embora com turmas anuais. Contrari-ando presses corporativas de foras departamentais dauniversidade, o programa foi criado graas a trs circuns-tncias: apoio da reitoria, reconhecimento prvio pela Ca-pes e obteno de apoio financeiro do programa PADCT,do CNPq.

    Em pouco tempo, surgiram oposies por parte dosdepartamentos de origem dos docentes, que no admitiama perda parcial de seus quadros, sem a devida substituiopor novos contratados, em momento de total fechamentoda oferta de vagas com concurso para professores. A op-o adotada foi a da fuga para frente, aumentando o in-gresso de alunos, a magnitude da comunidade envolvida eas aes visveis. Para se tornar vivel, o programa optoupor mostrar resultados notveis j no curto prazo e em vo-lume crescente, de forma a assegurar a sua irreversibilidade.

    Tendo iniciado apenas com o doutorado, logo o pro-grama criou mais trs cursos: mestrados acadmico eprofissionalizante em poltica e gesto ambiental e mestradoprofissionalizante em poltica e gesto de cincia etecnologia. A magnitude do programa, que cresceu rpidae audaciosamente, adquirindo visibilidade, um dos fato-res que explica sua legitimao.

    Frmula unidos venceremos

    Desde o incio da dcada de 1990, um conjunto deuniversidades da regio nordeste lutava para instituir umprograma em rede. um caso tpico de iniciativa avant lalettre, pois s mais tarde o conceito de rede se consagra-ria. Buscando uma unio que os tornasse suficientementefortes para o credenciamento na Capes e valendo-se dasvantagens comparativas de cada instituio participante,montou-se um programa de mestrado inter-universidades,o Prodema Programa de Desenvolvimento e Meio Ambi-ente: UFAL (Macei), UFSE (Aracaj), UERN (Mossor),

    UFPB (Joo Pessoa) , UFC (Fortaleza), UESC (Ilhus) eUFRPE (Recife).

    O grupo de universidades estabeleceu uma certa cul-tura coletiva, mas com vinculaes mais formais do queefetivas. Embora operando oficialmente em rede, usandotodas a mesma denominao, a prtica tem sido de relativaautonomia, em grande parte pelo fato de que ocredenciamento e a avaliao pela Capes dada de formaindividualizada.

    Frmula de transio

    o caso do Ncleo de Altos Estudos da Amaznia,da UFPA. Aps cerca de duas dcadas de funcionamento,estabelecendo-se como centro de referncia na regio, o pro-grama se desloca da subrea de Sociologia, na Capes, para aMultidisciplinar. Por ter tido uma construo institucionalsolidificada ao longo do tempo numa universidade em queas presses departamentais eram relativamente menoslimitantes, a transio do NAEA para a vinculaosocioambiental no pode ser qualificada como traumtica.

    Frmula parto natural

    Um conjunto crescente de programas foi surgindo, apartir do final da dcada de 1990, tanto em universidadespblicas como privadas, atendendo a um movimento natu-ral de atendimento a demandas. O notvel crescimento daprocura por formao em temas ambientais, por si s, ser-viu de estmulo a que universidades mais jovens e menosmarcadas por tenses corporativas internas fossem insti-tuindo os seus programas interdisciplinares. Tais cursos ge-ralmente obedecem a caractersticas locais e regionais, sin-tonizando em problemas mais especficos. Nesse caso oparto natural, sem traumas maiores, alm da dificuldadede credenciamento na Capes. Podem ser citados como exem-plo dessa frmula, cursos como o da UFPE e o da UFAM.

    Desafios

    O modus operandi dos programas de Ps-Gradua-o interdisciplinares em meio ambiente, qualquer que sejao modo de institucionalizao que seguiu, implica dificul-dades e obstculos, tanto em nvel da legitimao no mbi-

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    to da prpria universidade em que se situam, quanto emtermos de credenciamento e avaliao pela Capes. poss-vel classificar os desafios enfrentados nas tentativas de or-ganizar comunidades universitrias em torno da questoambiental como um conjunto de sndromes. So sndromes,pois alm de serem patologias, tm tipicidades e so recor-rentes.

    A sndrome da estigmatizao como generalidade

    As atividades desenvolvidas em programasinterdisciplinares, por reunir pesquisadores de diferentesformaes e habituados a manejar mtodos e jarges bemparticulares, geram prticas que permitem dilogo entrediferentes disciplinas. Para tanto, no se pode adotar lin-guagens e cdigos comunicao que sejam de difcil en-tendimento aos no-iniciados. Disso resulta que os produ-tos interdisciplinares tendem a ser de fcil entendimento.

    Como conseqncia, surge uma imagem de falta defoco, pouca profundidade, convivncia com diferentes, lin-guagem pouco hermtica, enfim, como cincia, algo a noser levado a srio (como se ser srio fosse resultado deser sisudo; e ser rigoroso fosse ser de difcil entendimen-to), uma cincia menor ou uma no-cincia.

    A sndrome da recusa da alteridade

    Esta se define pela metfora de muitos ratos em umespao limitado, como na psicologia comportamental.

    A crise financeira vivida pelas universidades provo-ca reaes corporativas e egostas, de defesa dos espaosocupados pelas atividades e unidades consolidadas. O es-pao para surgimento de novidades fica reduzido, em fun-o da falta de meios (recursos humanos e financeiros). Odebate nos colegiados acadmicos pende para uma rejei-o s propostas de criao de novos cursos, a menos quenovos recursos sejam adicionados aos oramentos, o queno vm ocorrendo.

    A tendncia que propostas de iniciativas inovadorasque resultem na institucionalizao de novas unidades aca-dmicas sejam objeto de uma dupla reao: a desqualificao(principalmente quando no h aporte direto de apoios fi-nanceiros) ou a tentativa de absoro e enquadramento emalguma unidade estabelecida (quando se trata de projetosdispondo de financiamento assegurado).

    A recusa do novo do reconhecimento do outro , nesse sentido, uma reao de defesa do velho.

    A sndrome da nobreza arruinada

    A Universidade pblica enfrenta vrias carncias, masno perde a pose e recusa o novo. Acostumada a ser mantidacom verbas pblicas, que sempre asseguraram a manuten-o de suas atividades e o pagamento de seu pessoal, aUniversidade brasileira cristalizou uma cultura de sempreesperar que o Estado seja o provedor de suas iniciativas aaes. Isso particularmente notvel em programas maisantigos e consolidados. Como o recrutamento dos mem-bros de colegiados decisores, tanto internamente a cadainstituio, quanto nas agncias de fomento, se d por cri-trios de reconhecimento e consagrao, evidente que osmembros de cursos mais antigos so sempre presena ma-joritria. Da, um crculo vicioso se forma: as refernciaspara anlise dos programas novos acabam sendo as do uni-verso daqueles mais antigos.

    Ora, os ltimos anos tm mostrado que a emergnciade novos cursos se d na contra-corrente do empobreci-mento da Universidade. Um confronto entre exignciasusuais e possibilidades efetivas se estabelece, ento: reza aprtica da avaliao que os programas devem dispor de umcerto nmero de docentes enquadrados na categoria NRD-6, ou seja, vinculados contratualmente e dedicados em tem-po majoritrio ao curso em questo. Mas se os quadros dasuniversidades pblicas no se reproduzem nem se reno-vam, ento a possibilidade de surgimento de novos cursosfica comprometida. A no ser que aumente a carga horriados docentes ou que os programas mais recentes utilizemexpedientes de aliciamento de seus membros, mediantefagocitose intra-institucional. Os mecanismos de acom-panhamento e avaliao parecem desconhecer tais limita-es, recomendando aos cursos que contratem novos do-centes. como a velha nobreza, que mesmo arruinada noperde a majestade. Marie Antoinette, quando informadade que o povo no tinha po, recomendou que ele comessebrioche!

    No contexto vigente, as exigncias feitas vo no sen-tido de se manter o modelo tradicional de engajamento dedocentes, mediante novos concursos que no acontecempor falta de oramento e de autorizao (no caso das uni-versidades federais). Desprezam-se, assim, frmulas ino-vadoras, como a agregao de colaboradores de longa du-

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    rao e em dedicao exclusiva, mas sem vnculo contratual(como bolsistas, aposentados, contratados por projetos oucooperantes internacionais). As instituies privadas, quetm maior flexibilidade para contratar (e tambm para de-mitir), sempre que seja conveniente, acabam desfrutandode situao de vantagem. Mas, ainda assim, na Ps-Gradua-o, as universidades pblicas so responsveis por 92%dos cursos de doutorado e 84% dos de mestrado.

    A sndrome do bastardo

    tpica da crise de identidade. Resulta do fato deque os programas interdisciplinares so formados por do-centes e pesquisadores de origens disciplinares variadas,com vinculaes funcionais a departamentos diversos e comdificuldades de enquadramento de seus trabalhos.2

    Como bastardos, surge a dvida: quem sou? Qual omeu endereo? Qual o meu sobrenome? A quem devo medirigir? Enfim, existo (porque penso) mas quem so meupai e minha me?

    A sndrome da avaliao pelos mpares

    Em 2004, a Capes avaliou a totalidade dos 2.861 cur-sos de mestrado e doutorado credenciados no Brasil. Des-se total, apenas 111 os que se enquadram na rea deno-minada multidisciplinar e ensino de cincias no foramanalisados por comisses de avaliao composta exclusi-vamente por pares.

    Em 1999, a Capes criou uma comisso especial paraavaliar cursos que no se enquadravam em nenhuma das 8grandes reas e 44 subreas do conhecimento que com-pem a estrutura do sistema de avaliao. A idia foi abrirum espao para o crescente nmero de programas que fu-giam diviso tradicional em compartimentos ou que noeram assimilados ou acolhidos pelas comisses para as quaiseram enviados. Ou seja, na avaliao pelos pares (peerevaluation), alguns cursos no eram identificados comopartes integrantes. A nova comisso de rea ento criadareuniria o conjunto de multidisciplinares e um grupo de

    cursos que, pela sua natureza, de enquadramento proble-mtico nos campos disciplinares: o ensino de cincias, queno trata de cincia pura nem apenas de educao.

    Entre 1999 e 2003, a evoluo do nmero de progra-mas avaliados pela rea multidisciplinar se deu em ritmointenso: 44 em 1999, 57 em 2000, 70 em 2001, 85 em 2002e 111 em 2003. O incremento no perodo foi, portanto, de152%, enquanto o aumento no nmero de programascredenciados pela Capes, em todas as reas, foi de 27% . Hque se salientar que o subgrupo de cursos que se enquadramna temtica ambiental (que classificada junto com os te-mas agrrios) teve crescimento mais que proporcional emrelao ao conjunto dos multidisciplinares: de 25% do total,na avaliao de 2001, passou para 35% em 2002.

    Algumas caractersticas operacionais da comisso queavalia tais cursos merecem ser aqui consideradas. Em pri-meiro lugar, sobressai a constatao de que a demanda porcredenciamento de programas tem sido intensa, seja pelaauto-identificao por parte das instituies envolvidas, sejapela deciso de outras comisses de rea, que avaliam amaior pertinncia de remeter alguns cursos para a reamultidisciplinar. Por conta disso, a comisso de avaliaoopera com sobrecarga de projetos analisados, nem sempreaceitando como de sua alada as propostas recebidas. As-sim, dos 140 novos pedidos de credenciamento at 2003,entre 30 e 40 foram enviados para outras reas, entre 60 e70 foram recusados e apenas 40 foram aprovados. Um n-dice de aceitao abaixo dos 30% reflete, sem dvida, umgargalo que no encontra paralelo em outras reas.

    Em segundo lugar, h uma identidade, por parte dosavaliadores de cursos submetidos rea multidisciplinar,de que sua funo de incubadora de cursos a seremdevidamente orientados, em seu nascimento, para depoisremeter a uma rea consolidada. Nesse sentido, a avalia-o seria tambm um processo de modelagem edirecionamento disciplinar. Isso fica definido no prprioDocumento da rea Multidisciplinar, de 2001(www.capes.gov.br): um substancial nmero de cursos sotransitrios no comit interdisciplinar, devendo ser incor-porados a outros comits (...) [sic].

    Vale aqui evocar Protgoras (filsofo grego do scu-lo V a.C.): o Homem a medida de todas as coisas. Por-

    2 Mesmo considerando que a Capes instituiu uma rea especfica para tratar dos programas multidisciplinares, os profissionais vinculados a tais prticas tmdificuldades em veicular suas atividades e produo enquanto tal. A Plataforma Lattes no prev esse tipo de vinculao, ficando a cargo de cada pesquisadoridentificar-se com alguma disciplina. Da mesma forma, os ritos de enquadramento no CNPq no consideram a interdisciplinaridade. A sada usual, para estes casos, o enquadramento na opo outros dentro de alguma disciplina.

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    tanto, conhecemos o mundo com nossos olhares, e aca-bamos avaliando eles como se fossem eu. Na avalia-o da interdisciplianridade, ainda no se formou um ns.

    A sndrome da tutela

    A idia de tratar os programas submetidos ao comitmultidisciplinar como iniciativas a serem incubadas se tra-duz inevitavelmente em ao de tutela. como se os cur-sos avaliados fossem infantes, merecedores de cuidadosespeciais. Nesse sentido, no so e no conseguem ser vis-tos como adultos, mesmo quando amadurecem.

    Por conta disso, a distribuio estatstica dos concei-tos atribudos aos mesmos, embora formem uma curvanormal, como a totalidade dos avaliados pela Capes, tmcomo patamar superior o conceito 5. O grupo dosmultidisiciplinares o nico, dentre as 44 subreas de ava-liao, que no registra cursos com conceitos 6 e 7. A modaestatstica, alis, ficou em 3, que o patamar mnimo parao credenciamento.

    Como infantes e incubados, so tutelados em estrei-ta vigilncia, por parte de um comit formado por mem-bros que, em seu conjunto, tm pouca vivncia em progra-mas que fogem ao carter disciplinar. Dos 23 membros dacomisso que avaliou os cursos multidisciplinares em 2004,apenas 8 eram docentes efetivamente vinculados a progra-mas avaliados na rea. Os demais, eram de cursos submeti-dos avaliao disciplinar em outros comits. Na avalia-o de 2001, o processo foi ainda mais marcadamente tu-telado: apenas 2, dos 17 membros, eram docentes (NRD-6) de cursos multidisciplinares.

    nesse contexto que a sndrome da avaliao pelosmpares deformao da consagrada avaliao pelos pa-res se expressa em tratamento diferenciado aos progra-mas que desviam da lgica tradicional do enquadramentodisciplinar.

    A sndrome do Narciso ou das mtricas externas

    Como corolrio da avaliao por mpares, os critri-os que instruem as medies de qualidade dos resultadosso fortemente influenciados pelas idiossincrasias das re-as de vinculao dos avaliadores.

    Mal entendida como uma rea que tenha suas pr-prias caractersticas e identidades, a interdisciplinaridade

    acaba sendo objeto de uma amlgama das expectativas dosdiferentes membros do comit. Isso se reflete tanto no pesorelativo atribudo aos veculos de divulgao dos resulta-dos, quanto na prpria anlise das grades curriculares.

    Como Narciso, que (parodiando o poeta) acha feiotudo o que no espelho, os avaliadores tendem a valori-zar mais as interfaces dos programas analisados com suasidentidades disciplinares, rechaando as outras dimensesabordadas. No caso das mtricas que instruem a pontuaoda produo acadmica, a avaliao por mpares resultaem subvalorao de resultados que podem ser notveis. Umexemplo a conhecida diferena entre as humanidades eas cincias naturais e exatas, quanto ao tipo de publicaovisada para difundir resultados. O primeiro grupo tendepara livros, enquanto o segundo procura mais as revistasespecializadas. Isso no implica, evidentemente, que umseja melhor ou pior que o outro; apenas, que so de nature-za diferenciada. Como cada uma dessas reas avaliadapelos seus prprios pares, a diferenciao no se traduz emestranhamento. Mas quando cursos interdisciplinares soavaliados por critrios e prticas tpicas de disciplinas es-pecficas, o resultado fatalmente injusto, com cobranasmuitas vezes indevidas e desconsiderao de resultadosrelevantes.

    A sndrome da gaiola das loucas

    O ambiente universitrio um territrio onde deveflorescer a criatividade, a imaginao e a ousadia. Inicia-tivas inovadoras so parte do quotidiano acadmico. En-tretanto, em meio criatividade h espao para que afloremcomportamentos e iniciativas excntricas ou que se de-senvolvam trabalhos de pouca relevncia. A instituiodo Prmio Ig-Nobel, uma bem humorada pardia ao consa-grado Nobel, promovida por pesquisadores da prestigio-sa Universidade de Harvard, um testemunho do grau deliberdade que a pesquisa acadmica tem, podendo centrar-se em focos duvidosos ou absolutamente inteis. A pu-blicao dos Anais da Pesquisa Improvvel (http://www.improb.com) um rico manancial de tais ativida-des.

    O surgimento de programas interdisciplinares, sobre-tudo quando visados por expectativas transdisciplinares,se converte em lcus de interesse e de identificao comopossibilidade de acolhimento das excentricidades queafloram na academia. Isso pode se dar tanto pela induo

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    BURSZTYN, M. Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundo acadmico

    por parte dos pares a que pesquisadores que no se ajus-tem a certo clima departamental sejam remetidos aos pro-gramas mais eclticos, quanto pela prpria iniciativa in-dividual.

    Vale assinalar, portanto, que relevante evitar a ima-gem de hospcio acadmico que resulta do estigma queassocia interdisciplinaridade a excentricidade.

    A sndrome NRA

    Como decorrncia do que foi apresentado acima,verifica-se tambm que h uma certa tendncia a que se-jam remetidos aos programas interdisciplinares os resdu-os dos enquadramentos nas reas de concentrao e linhasde pesquisa de departamentos. O desajuste de enquadramen-tos vem resultando em identificao dos cursos interdiscipli-nares como depositrios de objetos de interesse que fogems classificaes. como se fossem a opo nenhuma dasrespostas anteriores.

    Se tal sndrome persiste e ganha consistncia, o riscode crise de identidade dos programas em questo grande.

    Concluso: em busca de um modelo institucional

    A Universidade est em crise. Isso parece ser o pontoque rene maior grau de consenso entre os diferentesprotagonistas de sua misso. uma crise, pois no conse-gue mais ser como vinha sendo e no consegue tambmse tornar outra coisa. uma crise existencial que tambmse reflete no seu devir. Portanto, hora de buscar alterna-tivas.

    nesse sentido que os processos de institucionalizaoque vm sendo protagonizados pelos cursos que gravitamem torno da rea mutidisciplinar devem ser objeto de umaacurada avaliao: de trajetria, mas tambm enquanto mo-delos de implantao. Nascidos na adversidade (delegitimao institucional e de dotao de meios) so experi-ncias notveis de um metabolismo inovador. No s por

    inovarem em matria de modus operandi de lidar comdesafiantes e complexas questes da atualidade, so tam-bm estruturas criativas em sua organizao burocrtica.

    Os arranjos que vm sendo criados nas experinciasinterdisciplinares devem, portanto, ser avaliados como fr-mulas a serem exploradas.

    Alguns fatos podem ser norteadores, se se quer avan-ar na reflexo sobre o desenho possvel e desejvel, a serassumido pela Universidade ps-crise:

    A rea multidisciplinar na Capes a que maiscresce, mesmo em considerando-se que o siste-ma de Ps-Graduao brasileiro como um todovem crescendo em ritmo acelerado.

    As demandas por formao em programas de Ps-Graduao em meio ambiente no cessam de cres-cer.

    Alguns programas j se consolidaram aps 10anos.

    Surge uma cultura de campo, no sentido pro-posto por Bourdieu.3 Mas diferentemente de ou-tros campos, h amplo espao para solidarieda-de, com menos competio. A colaborao temsido um marco nas relaes entre os grupos queatuam na rea.

    H uma razovel auto-suficincia, por se tratarde programas nascidos na crise.

    O instituto da dupla-lotao propicia umaorganicidade, numa Universidade fragmentada. Omodelo em estrela (um ncleo com vrios sat-lites) se revela positivo, pois permite umamilitncia departamental a cada docente e pes-quisador, ao mesmo tempo em que abre espaopara uma convivncia interdisciplinar. Ao con-trrio do que podem se opor os departamentos deorigem, essa prtica resulta em importante aporteaos mesmos, pois traz insumos que instigam eenriquecem suas rotinas.

    H uma alta propenso a fazer ponte entre teoriae prtica e a resgatar o elo perdido da funo ex-tenso da Universidade.

    3 O campo o espao onde cada um dos agentes investe a fora (o capital) que adquiriu pelas lutas anteriores, em estratgias que dependem, quanto orientao,da posio desse agente nas relaes de fora, isto , do seu capital especfico (BOURDIEU,1990, p. 171-172). Nesse contexto vanguardas renascentes se opem avanguardas consagradas. Um campo se define atravs dos objetos de disputas e dos interesses especficos que so irredutveis aos objetos de disputas e aos interessesprprios de outros campos e que no so percebidos por quem no foi formado para entrar nesse campo (BOURDIEU, 1983, p. 90).

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    BURSZTYN, M. Meio ambiente e interdisciplinaridade: desafios ao mundo acadmico

    Enfim, valendo-se da imagem proposta por Castells(1999) para a estruturao do Estado na era ps-neoliberal oEstado-Rede a Universidade ps-crise pode vir a ser umaUniversidade-Rede. No lugar da compartimentalizao em de-partamentos estanques, que no se comunicam e perdem a ca-pacidade de lidar com alguns desafios da modernidade, que

    REFERNCIAS

    BOURDIEU, Pierre. O campo intelectual: um mundo parte.In: _____. (Org.). Coisas ditas. So Paulo: Brasiliense, 1990.

    _____. Algumas propriedades do campo. In: _____. (Org.).Questes de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

    BUARQUE, Cristovam. Universidade ligada. In: MORHY, L.(Org.). Universidade em questo. Braslia: UnB, 2004.

    BURSZTYN, Marcel. Cincia, tecnologia e pesquisa ambientalna Universidade Brasileira: dilemas e potencialidades. In:

    exigem solues complexas e interdisciplinares, a operao emrede pode tornar vivel um movimento no sentido da integrao.

    nesse sentido que, voltando aos dois movimentos(ambientalizao das disciplinas e interdisciplinarizao doambiente), preciso no sucumbir s presses para sedisciplinarizar o ambiente.

    SEMINRIO UNIVERSIDADE DE MEIO AMBIENTE -DOCUMENTOS BSICOS, 1990, Braslia, Ibama.

    _____. Introduo. In: _____. (Org.). Cincia, tica e susten-ta-bilidade desafios ao novo sculo. So Paulo: Cortez/Unesco, 2001.

    CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. So Paulo: Paz eTerra, 1999, v. 1.

    PASSET, Ren. LIllusion Neo-librale. Paris: Fayard, 2000.