artefato - 9-10/2011

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TERRA DE ARTILHEIRAS O campo sem um tufo de grama não importa. Um grupo de Ceilândia se reúne para mostrar que futebol também é coisa de mulher >> 16 e 17 Diários de bicicleta Repórter do Artefato pedala por Taguatinga e Ceilândia >> 9 e 10 Artefato Ano 12 Jornal-laboratótio do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília - Distribuição Gratuita Brasília, setembro/outubro de 2011 foto: Guilherme Assis e Tamires XX Culpado ou inocente? Como os júris dos tribunais são escolhidos? >> 6 e 7 Compras coletivas Cuidado para não ter problemas com esses sites >> 11 e 12 foto: Gabriela Costa

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Jornal laboratório da Universidade Católica de Brasília

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Page 1: Artefato - 9-10/2011

TERRA DE ARTILHEIRAS

O campo sem um tufo de grama não importa. Um grupo de Ceilândia se reúne para mostrar que futebol

também é coisa de mulher >> 16 e 17

Diários de bicicleta

Repórter do Artefato pedala por Taguatinga e Ceilândia >> 9 e 10

ArtefatoAno 12 Jornal-laboratótio do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília - Distribuição Gratuita Brasília, setembro/outubro de 2011

foto: Guilherme Assis e Tamires XX

Culpado ou inocente? Como os júris

dos tribunais são escolhidos? >> 6 e 7

Compras coletivas

Cuidado para não ter problemas com

esses sites >> 11 e 12

foto

: Gab

riela

Cos

ta

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O Artefato está novo, de novo.

A cara é nova, a diagramação também. Eu acho que isso é que dá vida a qual-quer coisa. Mudar é essencial para que as principais características de qual-quer coisa ou pessoa sejam mantidas.

Falando das pautas, eu sinceramente não gostava de pequi até ler a primei-ra edição do Artefato deste semestre. Nesta primeira edição, “Terapia que vem do cerrado” foi a mais interessan-te pauta produzida.

O perfil “Círculo Fechado” está bem escrito, bem narrado e bem con-textualizado. Conta a história de um morador de rua que pouco recebe atenção e que vive ao lado de uma cruz na entrada da cidade do Guará II.

Cresceu mesmo o número de es-tupros no DF ou “hoje, qualquer ato libidinoso se classifica como violência sexual”? Fiquei com essa dúvida ao ler a matéria “Aumentam estupros nas sa-télites” quando o delegado entrevista-

do pontuou: “De estupro, mesmo, são poucos casos”.

“Casa bonita, lixo na rua” foi além do conceito “laboratório” e apresen-ta texto objetivo, informações úteis e um explicativo sobre a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A matéria “Fim da linha: Estrutural” trouxe o impressionante salário de uma família que trabalha no lixão: R$ 1.000 por semana (R$ 4.000 por mês). Será?

“Delícias perigosas” diz que um pão de queijo é mais calórico no café da manhã, quando aparece com 675 kcal, do que no lanche da tarde, quan-do o mesmo pão de queijo tem 363 kcal. Já as imagens escolhidas para ilustrar os alimentos não encheram os olhos na matéria “Quanto custa uma alimentação saudável”?

Por fim, além das “rapidinhas” que demoraram durante a leitura das pá-ginas 3 e 4, tenho que admitir minha frustração com a serviço da gráfica

que imprimiu o jornal. É triste perce-ber que o trabalho dos meus colegas foi prejudicado por uma impressão de má qualidade.

* Estudante do 8o semestre de Jornalismo

ombudsman Análise da edição anterior do Artefato

Edmar Araújo*

Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social

da Universidade Católica de Brasília Ano 12 nº 4,

setembro/outubro de 2011

Reitor Dr. Cícero Ivan Ferreira Gontijo

Diretor do curso de Comunicação Social Prof. André Luís Carvalho

Editoras-chefes Gabrielle Santelli e Luísa Dantas

Editores de texto Flávio Brebis, Juliana Campêlo,

Leonardo Coelho, Marcele Degaspari, Péricles Lugos e Victória Camara

Editores de fotografia Carolina Nogueira, Layon Maciel, Natália Oliveira e Renata Ribas

Editores web Guilherme Carvalho e Laniér Rosa

Editores de arte Maria Clara Oliveira e Thamyres Ferreira

Projeto gráfico Layon Maciel, Matheus Martins,

Samira Pádua Reportagem

Alessandro Alves, Andressa Albuquerque, Bárbara Fragoso, Carolina Alves, Cássia Santos, Douglas Ramos,

Gabriela Costa, Jéssica dos Santos, Juciene de Souza, Karoline de Faria, Laís

Marinho, Laniér Rosa, Ludmila Rocha, Orlando Rodrigues,

Patrick Martin, Roberta Cristina, Samantha Freitas, Samira Pádua,

Stephany Cardoso e Wlissara BenvindoDiagramação

Andressa Albuquerque, Guilherme Guedes, Matheus Martins

e Karoline Soza Fotografia

Alexandre Magno, Aline Marcozzi, Bárbara Nascimento, Dayanne

Teixeira, Fernanda Xavier, Francisco Daniarle, Gabriela Costa, Giullia

Chaves, Guilherme Assis, Joyce Oliveira, Nayara Viana, Nilton Miranda, Renata

Anunciação e Tamires Moraes

Professoras responsáveis Karina Gomes Barbosa

Sofia Zanforlin Orientação gráfica

Prof. Dilson - DiOliveira Orientação de fotografia

Prof. Thiago Sabino

Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: F CÂMARA Gráfica

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIAEPCT QS 07 lote 1 Águas Claras - DF

CEP: 71966-700tel: 3356-9337 - [email protected]

Começa mais um semestre com um novo ex-pediente e muita ansiedade. A primeira

edição do Artefato superou as expectativas. O jornal foi o primei-ro a sair no prazo e procurou diversificar ao máximo os conteúdos das páginas. A união das turmas da manhã e noite possibilitou uma maior variedade de assuntos, de forma que tentamos atingir o nosso público alvo com as parcerias estabelecidas.

Para aqueles que desejam ter uma alimentação saudável e barata colocamos opções de pratos acessíveis. Também alertamos para os novos perigos que as cidades começam a trazer: assaltos de carros, estupro e poluição.

O Artefato também errou. O pão de queijo da página 14, ao contrário do que foi dito, tem apenas 363 calorias. Na infografia da página 16, o correto é trocar uma coxinha por um pão COM queijo, diferente do pão DE queijo utilizado anteriormente. Na cruzadinha da penúltima página, faltou um quadradinho na resposta do item 9.

Cada jornal-laboratório é diferente um do outro. Para a segunda edição, o Artefato vem com o conteúdo voltado para as regiões administrativas do DF, além de relembrar a história do vinil, o fa-moso “bolachão” da década de 80. Você também poderá conferir

uma entrevista com um dos personagens do documentário Lixo Extraordinário, Tião Santos.

Saiba mais sobre a febre das imitações de grifes, espalhadas pe-las maiores feiras de consumo de todo o DF. Para os viciados em compras onlines, confira os cuidados que devem ser tomados ao adquirir serviços e produtos desses sites. A equipe da Casa da Mão volta na segunda edição com O Noivo Ideal.

Se você nunca entendeu como funciona a escolha dos jurados do Tribunal do Júri, confira em nossas páginas como a seleção é feita. Acompanhe nossa repórter em sua pedalada nas avenidas do Distrito Federal, provando que é possível se locomover de forma barata, econômica e saudável. Se ainda tem gente que acredita que futebol é coisa só de homem, provamos em nossa matéria de capa que isso é coisa do passado.

O Artefato procura atender as necessidades do cidadão. Por meio de notícias leves, disponibilizamos serviços e dicas para aqueles que desejam saber mais sobre nossos assuntos e utilizar os projetos.

Boa leitura!

EXPEDIENTE

Balanço de errose acertos

Gabrielle Santelli e Luísa Dantas

Construí. E agora?

Da reforma para a rua, da rua para a Estrutural. Restos da construção civil se amontoam em locais inapropriados. Mas há soluções para o problema [8 a 11]

O custo de saber comer

Descubra o quanto é preciso gastar para ter

uma alimentação saudável [13 a 16]

Cara, cadê meu carro?

Moradores de Águas Claras sofrem com roubos de

automóveis [7]

Cabe no bolso

Nem só de eventos caros vive o DF. Tem cultura

boa e barata na capital [18]

ArtefatoJornal-laboratório da Universidade Católica de Brasília | Ano 12 | Setembro de 2011

foto: Everton Lagares

foto: Dayanne Teixeira

EDITORIAL2 setembro/outubro de 2011

Artefato

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foto: Aline Marcozzi

Após mais de uma década da instituição das faixas e

graças às campanhas educativas e fiscalização por parte das autoridades de trânsito houve uma redução significativa nos casos de morte por atropelamento. Mas por conta do descaso de alguns motoristas, ainda ocorrem acidentes fatais neste mecanismo de segurança, o que demonstra cada vez mais a importância da continuidade na execução de melhorias na fai-xa de pedestre.

De acordo com o Departamento de Trân-sito (Detran/DF), antes da implantação da fai-xa, em 1997, os pedestres representavam 44% das vítimas fatais. Em 2010, esse percentual caiu para 33,6%, o que mostra uma redução significativa. Neste período de 14 anos, 77 pes-soas morreram em 76 acidentes nas faixas. O pedestre foi a maior vítima 89,6% dos mor-tos. Em 2010 foram registrados sete acidentes com morte nas faixas de pedestres sem semá-foros, quatro a menos que no ano anterior.

Muitos pedestres que precisam passar pe-las faixas todos os dias revelam sentir medo e insegurança, principalmente por conta da má conservação. Em muitos locais do DF, elas es-tão apagadas ou em mau estado de conserva-ção, dificultando a visibilidade dos motoristas e deixando os pedestres em situação de risco.

No Pistão Sul, em Taguatinga, por exem-plo, várias faixas estão apagadas. Em pouco tempo se flagra atos de imprudência, notada-mente por parte dos condutores. Muitos mo-toristas ultrapassam veículos já parados, que geralmente aguardam a travessia de pedestres.

RAPIDINHAS 3setembro/outubro de 2011

Essa imprudência foi a que mais provocou acidentes: são 71% dos casos analisados após 2006.

O Artefato ouviu alguns usuários que fi-zeram várias reclamações sobre os problemas relacionados à faixa de segurança. O vendedor ambulante Valdecir Pereira, 41 anos, é um dos cidadãos insatisfeitos com o comportamento dos motoristas imprudentes. Ele demonstra insegurança: “Muitos motoristas não param nas faixas. Eles deveriam ter mais atenção com o pedestre”, adverte.

O estudante Jonathan da Silva, 22 anos, conta que sinalizou com o braço (sinal de vida) momentos antes de atravessar na faixa. Mas isso não impediu que fosse atropelado em se-tembro de 2008 em Ceilândia Norte. Jonathan conta que ficou em coma durante dois meses. Depois que saiu da UTI, fez fisioterapia e ain-da se recupera do trauma. Para ele, as faixas de pedestres deveriam ser revitalizadas, antes de ficarem totalmente apagadas.

De acordo com o Detran, 58% dos pedes-tres que atravessam na faixa em Brasília utili-zam o sinal de vida como forma de garantir uma travessia segura. E, dentre estes, as mu-lheres utilizam mais o gesto - 60,8% contra 55,5% dos homens.

Para alguns motoristas, a entrada inespera-da e a falta de atenção ao atravessar a faixa são fatores que contribuem para a ocorrência dos acidentes. O empresário Marcelo Teixeira, 38 anos, é uma das pessoas que acredita que os pedestres também são responsáveis por pro-blemas nas faixas. “Algumas pessoas se jogam na frente da faixa sem sinalizar, e arriscam suas vidas”, reclama.

Segundo informou a Diretoria de Educa-ção e Gerência de Fiscalização de Trânsito, até agora foram realizadas 90 palestras, 60 blitze educativas, 313 ações nos bares, 70 eventos e 260 peças teatrais. As ações têm o objetivo de conscientizar e orientar condutores e pedes-tres quanto à segurança e fluidez no trânsito.

Quem se arrisca a atravessar?

Cássia Santos

trânsito

Faixas de pedestre mal conservadas contribuem para acidentes de trânsito

Ser mãe não é tarefa fácil. Ter que conciliar isso com exercícios físicos para perder quilinhos ganhos durante a gra-videz pode ser ainda mais árduo. Mas afirmar que não há formas de cuidar do corpo porque a mãe não tem com quem deixar os filhos é coisa do passado.

Uma técnica americana pensada para as recentes mamães, chamada Canguru Gin, promete unir o útil ao agradável. Trazida para o Brasil pela profissional de educação física Andressa Mariz, for-mada em Weston, Flórida, nos Estados Unidos, a modalidade de exercícios in-clui corrida e fortalecimento muscular. Tudo com a participação dos bebês – e dos carrinhos. “Além de cuidar da saú-de, trocam experiências com seus filhos e aprendem umas com as outras. É esse o momento que elas encontram para ex-travasar”, afirma Andressa.

Segundo a profissional, o que chama a atenção de quem passa pela ginástica não são apenas os agachamentos feitos com o apoio dos car-rinhos de bebês, mas o com-partilhamento de vivências de mulheres que estão passando pelo mesmo processo de vida.

E para quem acha que os bebês podem atrapalhar na hora da malhação, a profes-sora Andressa explica que é totalmente ao contrário: “As mães acham incrível como elas se comportam nas aulas e não pedem pra sair do carri-nho. Acho que elas entendem que estão em aula”.

Amelie é uma das crianças que acompanha a mãe nos exercícios desde cedo. Com apenas cinco meses, se desta-ca pela animação. “Ela adora estar comigo, e acredito que é muito importante o contato dela com as outras crianças”, afirma Raissa Monteiro, mãe de Amelie. E completa: “Se eu não estivesse com ela do meu lado, eu não estaria aqui. Não teria coragem de deixá--la tão pequena em casa, e ainda mais com a amamen-tação. Nunca se sabe a hora que ela vai querer mamar”.

Maternidade e exercícios

combinam, simAndressa Albuquerque

saúde Assim como foi para Raissa, as outras mães veem nesse projeto a oportunidade de estar sempre ao lado dos filhos, sem se esquecer de cuidar da própria saúde. Muitas delas enxergam o resultado dos exercícios ao conseguirem vestir o mes-mo número de roupa que usavam antes da gestação. “A princípio, elas procuram a modalidade com o objetivo de voltar à forma. Mas os maiores benefícios vêm quando elas encontram outras mulheres que estão passando pela mesma experi-ência”, explica Andressa.

O custo da atividade varia de R$ 190 a 220 mensais. Os encontros aconte-cem pelo menos três vezes por semana, na praça do estacionamento 13, atrás da Casa do Saber no Parque da Cidade, per-to da administração do local.

Enquanto cuidam dos bebês, jovens mamães podem se exercitar

SERVIÇO:Para maiores informações

acesse o site: www.cangurugin.com

Ou contate Andressa Mariz pelo email:

[email protected] telefones:

8428 6173 / 8505 4545

foto: Renata Anunciação

Page 4: Artefato - 9-10/2011

CIDADES4 setembro/outubro de 2011

Comércio movimen-tado e di-

versificado. Do total, 20% das lojas são de casas de materiais para construção. Falamos da Avenida Águas Claras, rua principal da antiga Vila Areal e que existe há mais de duas décadas. Andando por ela, uma velha placa - que passa quase despercebida - diz: “Vendo doces caseiros”. Ao entrar na chá-cara indicada pelo anúncio, encontramos um senhor, morador da vila há 33 anos. Jo-aquim Moreira Duarte, 84 anos, conhecido como “seu” Joaquim. Além de doceiro há 53 anos, trabalhou na construção de Brasí-lia e é pioneiro na região, que hoje integra a cidade de Águas Claras.

Antes de se tornar a área comercial e residencial que é hoje, a Vila Areal era o lugar de onde se retirava areia para a cons-trução dos prédios da capital. “O governo contratou uma frota de caminhões, que re-tirava areia para levar a Brasília. O prédio 28 (atualmente o Congresso Nacional) foi feito com o material daqui”.

De acordo com a Companhia de De-senvolvimento do Planalto Central (Co-deplan), a região administrativa de Águas Claras foi criada em 1984, para suprir a procura de novas moradias. Somente cin-co anos depois a Vila Areal foi regulariza-da e formou as quadras pares da RA XX. Mediante a lei 3.153. Águas Claras, Arni-queiras e a Vila Areal faziam parte da Re-gião Administrativa III – Taguatinga.

Segundo o pioneiro Joaquim Moreira, a Vila Areal seria transferida para a Samam-baia; porém, os moradores se mobilizaram com um abaixo-assinado e marcaram audi-ência com Joaquim Roriz, governador do DF na época. “Fomos à audiência, às sete da noite. Passamos duas horas numa mesa redonda, tomando café e bebendo água com o Roriz. Esperávamos a assinatura para o Areal ficar aqui”.

O abaixo-assinado recebeu um reforço do deputa-do federal Augusto Carvalho, do PPS. “Governador, eu estou aqui para ajudar, se você não assinar esse documento, nós vamos amanhecer o dia aqui”, disse. Seu Joaquim trabalhava no Partido dos Trabalhadores (PT). Após a reunião com os moradores, foi cumpri-mentado e recebeu uma promessa: “Velho [forma como Roriz tratava o petista], quarta-feira, às quatro da tarde, eu estarei lá para dar o assentamento ao Are-al.” A regulamentação aconteceu no ano de 1989.

O amor de Joaquim pelo Areal chegou a outro go-vernador e levou à construção de uma nova via na rua mais famosa do local. O pioneiro constatou a ne-cessidade de uma duplicação após ele próprio contar até a quantidade de automóveis que transitavam pela pista. Foi conversar com o então candidato a gover-nador José Roberto Arruda. “Olha Arruda, aqui pas-sam 1.500 carros por hora com uma faixa só. Ele me abraçou e disse: ‘Velho, no meu governo, se eu ganhar e este asfalto não sair, o senhor está com a autorida-de de chegar a meu gabinete e me xingar de Arruda safado!’”, conta.

No dia 1o de janeiro de 2010, começou o asfalta-mento. Em outubro daquele ano já havia terminado. Graças a seu Joaquim, agora a Avenida Águas Claras possui duas ruas. A de cima (sentido albergue) tem 22 anos e a de baixo (sentido Águas Claras) é a que foi construída pelo ex-governador.

As duas vias que constituem a avenida tiveram a participação ativa do velho pioneiro durante a sua construção. A mais antiga teve de contar com o aval de Joaquim para ser asfaltada, já que um grupo de moradores de uma invasão próxima era contra. “Eles pegaram as pessoas mais velhas do Areal para decidir se passava ou não a pista. Eu e o senhor Geraldo, meu vizinho, éramos a favor e o governo mandou o trator passar”, relembra.

O trecho da Avenida Águas Claras que cruza o Areal tem 2,7km de extensão. Ou, para quem gosta de caminhar, aproximadamente 5.400 passos. E a his-tória do lugar, como diria “seu” Joaquim, “rende um dia de reportagem”. Afinal, são 22 anos de história de uma rua que só existe hoje graças ao trabalho desse velho pioneiro.

Pelo menos para um homem, que tem a história da cidade ligada à da própria vida

O Areal sempre será o Areal

perfil

Douglas Furtado e Guilherme Guedes

Joaquim Moreira, pioneiro do Areal: ele briga pela região e até ajudou a criar a rua principal, há mais de duas décadas

foto: Fernanda Xavier

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Como é feita a escalação de quem é intimado a compor um júri popular: situação que você pode vivenciar

A escolha dos que decidem

justiça

Culpado ou inocente. Proferir um

desses dois conceitos que podem mudar vidas inteiras é a missão que algumas pessoas têm por fazer parte de um Tribunal do Júri na função de “jurados”. A tarefa é um dever cívico como o de votar nas eleições e é considerada exercício de democracia e cidadania. Mas como essas pessoas acabam dando uma sentença? Quais as regras para compor um júri?

O atual Tribunal do Júri é um órgão do Judiciário brasileiro previsto na

Jéssica Santos e Juciene de Souza

Constituição de 1988 como cláusula pétrea, ou seja, não pode ser modificada. A missão é de julgar apenas os crimes dolosos contra a vida, aqueles em que há a intenção de matar. Atualmente, são: homicídio; induzir, instigar ou auxiliar alguém a suicidar-se; infanticídio; e aborto provocado pela gestante ou por outros com o consentimento da mesma, ou por outras pessoas sem o conhecimento da grávida.

Quando é constatada a ocorrência de algum desses crimes não se parte

CIDADES6 setembro/outubro de 2011

diretamente para a formação de um grupo de pessoas que irão julgar o acusado. Todo tribunal do júri tem duas fases, divididas em uma série de etapas obrigatórias e batizadas com estranhos nomes em latim. A primeira, judicium accusationes, grosso modo, inicia-se com o oferecimento de denúncia por parte de um promotor de justiça; segue-se com uma lista das testemunhas; o acusado é interrogado, na presença do advogado ou defensor público e do juiz; são ouvidas as testemunhas de acusação e defesa. Posteriormente há um

prazo para apresentação de todas as provas: exames, perícias, avaliação de documentos. Finalmente vêm as alegações finais de acusação e defesa. Ao final, as “conclusões” são enviadas ao juiz-presidente do tribunal do júri. Se ele decide que o caso é, de fato, um homicídio doloso, começa a segunda fase, judicium causae. Nela, o promotor e o defensor têm prazos para apresentar a acusação formal e a defesa. Só aí é marcada a data do julgamento. É quando são sorteadas as sete pessoas que irão compor o Conselho de Sentença.

Tribunal do júri do Fórum de Samambaia. Nessa e em outras salas do país, acusados de crimes contra a vida vão a julgamento popular

foto: Juciene de Souza

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CIDADES 7setembro/outubro de 2011

“Não tem muita complicação. Qualquer pessoa maior de 18 anos pode ser convocada a ser jurado.” É o que explica a oficiala de justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Corina Aguiar, 56 anos, dos quais 29 no tribunal. Só os maiores de 70 anos podem ser dispensados pela idade. “Não são proibidos, mas também não são obrigados a participar”, completa. Corina esclarece que há duas formas para chegar às pessoas que compõem um júri popular: por um alistamento voluntário, no qual o interessado levará a um fórum RG, CPF e certidões de “nada consta” e de “bons antecedentes” da Justiça. A outra forma é uma lista, com aproximadamente 300 pessoas. Ela é requisitada anualmente pelo juiz-presidente do Tribunal do Júri a empresas e instituições públicas e privadas, que enviam nomes de funcionários considerados de idoneidade moral e reputação ilibada, ou seja, pessoas consideradas honestas, de bom caráter, responsáveis, com bons antecedentes.

Dez ou quinze dias antes da data escolhida para a realização de cada sessão de julgamento do Júri, são escolhidos 21 potenciais jurados para acompanhar as sessões. No dia do julgamento, o promotor e o advogado alternadamente escolhem sete pessoas que comporão o conselho de sentença. Eles podem recusar três pessoas cada um.

“Aqui em Brasília, temos um grande número de funcionários públicos que são jurados. Talvez pelo perfil da cidade ou pelo fato também de receberem dispensa, sem prejuízo ao salário, dos dias em que

participarem de júri, situação que nem sempre é registrada em empresas privadas”, informa a oficiala Corina. “Qualquer um, atendendo as condições, pode ser chamado a compor o Conselho de Sentença”, ressalta.

Uma dessas pessoas é o servidor público Pedro Ivo de Macedo, 30 anos: “Fui convocado para participar do tribunal do júri em 2009. Em março, compareci a todos os dias em que houve sessão. Fui sorteado algumas vezes. Em uma delas fui recusado por um dos advogados, mas participei efetivamente do júri em dois julgamentos”. Mesmo sem poder falar dos casos específicos, Pedro declara: “É preciso encarar o processo com seriedade e respeito. Naquele momento cabe avaliar com cuidado as evidências, antes de decidir-se pela culpa ou não do acusado. Afinal, é o destino de uma pessoa que dependerá do nosso julgamento ali”.

Pedro Ivo avalia ainda que teve sorte em não participar de nenhum julgamento que durasse mais de um dia: além de ter de dormir no Tribunal, também permaneceria totalmente incomunicável. “A ausência de deliberação no sistema brasileiro, ao contrário do que a gente vê nos filmes, é talvez uma das principais falhas de todo o processo. Em minha opinião, a possibilidade de discutir com os demais jurados traria mais reflexão ao processo e melhor análise”, opina o servidor. Vale ressaltar que a função do jurado é ouvir as deliberações da acusação, da defesa e as testemunhas. Os jurados também podem lançar perguntas, inclusive ao acusado, com a ajuda de um oficial de justiça presente. Cada

>> No Brasil, o tribunal nasceu por meio de decreto imperial do príncipe regente D. Pedro I, no dia 18 de junho de 1822. A missão era julgar os crimes de imprensa, como forma de censura à comunicação no país.

>> O Júri mais longo da história do país ocorreu em 1998: o julgamento durou 34 dias. Era o caso que ficou conhecido como as “Bruxas de Guaratuba”, no Pará. A principal ré, Beatriz Abbage, foi acusada de comandar o assassinato do menino Evandro Ramos Caetano, 6 anos, em 1992, num ritual de magia negra com a participação de outras pessoas, inclusive sua mãe, Celina Abbage. A ré foi absolvida sob alegação de que o corpo encontrado não era o do menino. O Ministério Público consegui anular o julgamento e reabrir o caso. Beatriz foi condenada, este ano, a 21 anos e quatro meses de prisão em uma votação de 4X3 dos jurados.

>> Um dos maiores erros da história do júri brasileiro foi o dos irmãos Naves, que ganhou repercussão e virou até filme de Luís Sérgio Person. Ocorrido em Araguari (MG), em 1937, os irmãos Sebastião e Joaquim foram acusados de assassinar o sócio por dinheiro. Os irmãos foram absolvidos por 6x1. No entanto, devido à perseguição do delegado Francisco Vieira dos Santos, num período em que o júri popular não era soberano, os dois foram novamente julgados e condenados a 25 e seis meses de prisão. Em meados de 1953, os irmãos Naves foram inocentados.

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um dos sete jurados, ao final, decidirá com base na consciência, a absolvição ou condenação. Eles respondem a um questionário com perguntas formuladas pelo juiz. A intenção é instigá-los a refletir sobre o caso. Um oficial de justiça recolhe e conta os votos: a partir de quatro votos, o acusado é condenado ou absolvido. No caso de condenação, quem define os anos da sentença é o juiz presidente.

A oficiala de justiça Corina conta que os jurados têm a garantia de prisão especial caso sejam acusados de crime comum, e ainda ganham preferência, por exemplo, se estiverem empatados com alguém em uma vaga em concurso público. A pessoa que ignorar a convocação responde pelo crime de desobediência: as penas variam de 15 dias a seis meses, mais multa de um a dez salários mínimos. “São raros os casos em que o juiz concede dispensa. O convocado que não puder participar tem que apresentar uma justificativa bem convincente.”

A dona de casa Antônia Santana Pacheco, 42 anos, teve que recorrer à justificativa. “Fui convocada para participar durante 15 dias para o júri no fórum de Samambaia. Fiquei agoniada. Tenho três filhos pequenos e não tenho com quem deixá-los. Fui orientada por um amigo que essa justificativa não adiantaria, então apelei para um problema de saúde que tenho: as crises de labirintite. Apresentei a justificativa e me dispensaram.” Antônia conta que, se pudesse escolher, não participaria de nenhum: “Fico com medo, porque são criminosos aqui da região. Penso se algum deles ou a família não nos reconheceriam”.

Mas como são selecionadas essas pessoas?

A mulher vendada com duas balanças, símbolo da Justiça:

nas mãos de sete pessoas fica o destino dos réus. Essas pessoas

são escolhidas por meio de listas, e é difícil recusar a convocação

foto: Francisco Daniarle

Page 8: Artefato - 9-10/2011

CIDADES8 setembro/outubro de 2011

“PEGA LADRÃO”!Retrato falado: sai o lápis, entra o mouse

Orlando Rodrigues e Patrick Martin

polícia

Imagine a cena. FBI e

CIA procuram um criminoso al-tamente perigoso. Moreno, alto, olhos azuis, físico definido e capaz de qualquer coisa para destruir a cidade. Procurado há anos, as autoridades sabem que ele pode entrar em ação a qual-quer momento. Após muitos esforços, ele finalmente é preso. Mas estava gordo, careca, bar-budo e de olhos pretos. Como? Ainda hoje, criminosos tentam se disfarçar da polícia. Barbas, bigodes, cabelos raspados ou pintados, tudo é utilizado para não ser identificado. E as polí-cias civis e federal brasileiras es-tão preparadas para lidar com a criatividade dos bandidos.

O retrato falado é um dos recursos usados pela polícia para identificar acusados de diferentes delitos e crimes. Foi criado pelo francês Alphon-se Bertillon, um dos pais da identificação humana. Hoje, o método desenvolvido por Bertillon passou por algumas mudanças. A tecnologia, por exemplo, fez lápis e papel se aposentarem e trouxe consigo softwares para ajudar no reco-nhecimento do criminoso.

Um deles é usado pela Polí-cia Federal. O software Horus começou a ser desenvolvido em 2005 e foi lançado em 2009 por três policiais da PF. Com ele, foi possível realizar retratos falados a partir de um banco de cerca de quatro mil imagens digitais, em alta resolução, com característi-cas da população brasileira. A vítima, ao pedir o retrato falado, escolhe sexo, raça, cabelo, nariz, olhos e face. Detalhes como acessórios, cicatrizes, marcas e rugas de envelhecimento tam-bém são utilizados.

O Instituto Nacional de Identificação (INI) da Polícia Federal, em Brasília, é exemplo

na técnica. Lá, como em outras delegacias com o recurso, exis-te uma sala separada para exe-cutar a identificação.

“A pessoa tem que estar à vontade, não pode ser inter-rompida, tudo bem reserva-do”, afirma Cláudio Miranda de Andrade, papiloscopista da Polícia Federal.

Vale como prova?“O retrato falado tem

função primordial de excluir possibilidades, não de apon-tar determinado indivíduo”, explica o policial civil e pro-fessor Sérgio Lopes Reis. A técnica não é usada apenas para o processo de identifica-ção do criminoso por parte da vítima, mas também pode ser considerada prova caso o juiz decida – procedimento não re-comendado. “O retrato falado é aceito como meio de prova, desde que esteja em consonân-cia com o conjunto probante”, ressalta Sérgio na monografia

A natureza do retrato falado: mé-todo de investigação e meio de prova.

Atendimento especialExistem casos em que o

atendimento à vítima é diferen-ciado na hora de fazer o retrato falado. Além da sala reservada que todos recebem, as mulhe-res que sofreram estupros são atendidas por papiloscopistas mulheres, para não haver cons-trangimento, explica Cláudio. “Muitas vezes a mulher chega aqui completamente abalada, chorando. Temos que ter esse cuidado.

Ela começa a fazer o retrato falado e, no meio da conver-sa, começa a pensar no caso, chorar de novo e acaba fugin-do do processo do rosto do estuprador. Precisamos cuidar da parte psicológica também.” Atentado violento ao pudor e procedimentos sigilosos com autoridades ou celebridades também são realizados de ma-neira especial. Nesses casos, os

policiais podem ir até a casa da vítima.

Outra missão dos papilos-copistas é fazer simulações de um desaparecido. Com a proje-ção de envelhecimento é possí-vel ter uma ideia de como uma pessoa desaparecida há anos

estaria hoje, facilitando o trabalho da polí-cia. O laudo prosopográfico, por sua vez, completa o caso. Com ele, é possível com-parar duas fotos, geralmente uma antiga e outra atual, e comprovar se aquela pessoa é a desaparecida ou o criminoso procu-rado. Todas as características físicas são comparadas detalhadamente, com exames minuciosos e pontuais. Nariz, boca, olhos, tudo é comparado e encontrado seme-lhanças ou não.

Caminho difícilPapilo...o quê? Papiloscopista é o profis-

sional que trabalha com os vestígios huma-nos, ou seja, a parte que identifica o autor do crime, além de retratar a suposta face do suspeito. Para entrar na carreira, é preciso curso superior em qualquer graduação.

Virar papiloscopista é quase tão difícil quanto pronunciar a palavra. Primeiro, é preciso fazer um concurso. Depois, uma prova física, com corrida, salto, natação e barra. Como se não bastasse, ainda é necessário fazer uma prova psicológica e uma bateria de exames médicos.

O motivo? “Nós não trabalhamos ape-nas com impressões digitais e retratos fa-lados, participamos de operações, como grupos de bombas e também como segu-rança de eleições. Por esse aspecto policial é que são feitas essas exigências”, relata Cláudio Miranda, da PF.

Nas delegacias do DF, o serviço de identificação é feito de forma digital

Foto: Bárbara Nascimento

Modelo de retrato falado produzido pela Polícia Civil do DF

Instituto Nacional de Identificação

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SUSTENTABILIDADE 9setembro/outubro de 2011

Ônibus, caminhões, pessoas e carros. Milhares,

que transitam diariamente por todos os la-dos e podem ofuscar a visão de muitos de-satentos. Mas àqueles mais observadores, a bicicleta, muitas vezes pequena e desinte-ressante em meio ao trânsito, tem ocupado espaço especial. É sob esse olhar que às 10h de um domingo de sol, três amigos e uma repórter resolvem montar em suas magrelas e percorrer ruas de Ceilândia e Taguatinga para tentar entender quais são as dificulda-des, vantagens, desvantagens e prazeres de ser um ciclista urbano que opta por um veí-culo saudável e ecologicamente correto.

Quem são:Wanlesberg Lourenço, 22 anos, o mais

experiente do grupo. Treina em uma Spe-ed, bicicleta de velocidade, há mais de seis anos. A rotina é rigorosa: “Pedalo pelo me-nos três vezes por semana, percorrendo no mínimo 70km em cada viagem”. O proble-ma é que mora em Ceilândia e as ruas não são adequadas aos ciclistas, principalmente para esse tipo de magrela. Por isso, prefere treinar no Pistão Norte e Sul, em Taguatin-ga, onde “há um pouco mais de estrutura asfáltica”, explica.

Bruno Gomes, 23 anos, utiliza uma mountain bike para ir à universidade e ao es-tágio. Não sabe ao certo com quantos anos começou nem quantos quilômetros percor-re diariamente, mas diz que desde criança gostava de pedalar. “Além de não poluir o meio ambiente, não desperdiço tempo em engarrafamentos, pratico um esporte pra-zeroso e economizo uma boa grana para o final de semana”, conta.

Bruno Willie, 22 anos, é ciclista de pri-meira viagem: há menos de um mês ganhou a bicicleta e vai começar a utilizá-la para ir ao trabalho. “Vamos ver se consigo”, comenta. Não costuma pedalar longas distâncias, mas diz que adora desafios.

Por fim, eu, Laís Marinho, 23 anos, re-pórter corajosa, amiga do meio ambiente e ciclista praticante de passeio amador, a últi-

ma a embarcar na aventura.Da ciclovia ao viadutoA experiência arriscada começa no P Sul,

em Ceilândia, na ciclovia construída pró-xima à Via Estádio. A pista ainda está em obras, por isso Wanlesberg atenta para que todos tenham cuidado dobrado. Há lama e os meios fios ainda não implantados, ficam espalhados ao longo do asfalto. Além disso, por ser uma rua estreita, um e outro tran-seunte que passeiam pela via precisam se afastar quando passamos com as bikes.

A pista integra o Programa Cicloviário do Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal (DER/DF), cuja meta é construir 600km de vias e rotas cicláveis, e será considerada a maior malha da América Latina. Segundo representante da Secretaria de Estado de Transporte (STDF), também existe o Programa de Transporte Urbano do DF (PTU) que prevê a implantação de 70km de ciclovias em localidades como Brazlândia, Planaltina e São Sebastião.

Para o ciclista Bruno Gomes, as ciclovias, além de melhorarem os meios de locomo-ção, estimularão mais pessoas a adotarem as bikes pois, mesmo com uma em casa, muitos “acabam recorrendo ao veículo motorizado simplesmente por não existir um trajeto de-cente para ir de bicicleta ao trabalho, faculda-de ou onde quer que seja”, lamenta.

Por falar em carência de ruas adequadas, a ciclovia de Ceilândia acaba na Estação Me-tropolitana do Metrô, próxima ao Detran--DF, em Taguatinga. Diante da falta de op-ção, nosso trajeto prossegue entre as quadras da QNL. Entre um buraco ou outro nas ruas e motoristas que não sinalizam com setas, outro problema: um viaduto.

Situado entre Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, o viaduto da QNL foi cons-truído durante o governo de José Roberto Arruda para desafogar o trânsito. No en-tanto, as pistas são exclusivas para carros, caminhões, ônibus e motocicletas. Não há faixa de pedestres nem acostamento. O jei-to foi descer das bikes e atravessar as ruas a pé. No primeiro retorno, com uma folga

maior no trânsito, foi possível montá-las novamente para percorrer a calçada. Ainda assim, o perigo foi iminente, pois a rua é mínima, sem contar os buracos e as passa-gens de terra grossa.

Como medida de segurança, descemos toda a extensão da Via Estádio até o Centro de Taguatinga no mesmo sentido dos carros. Isso porque, segundo a Cartilha do Ciclista, ao “pedalar defronte ao fluxo, o ciclista sur-preende os motoristas, não haverá tempo de reação para escapar, e se bater, o choque será bem maior”. Além disso, é indicado peda-lar na faixa da direita, que é mais lenta. Mas também não precisa ficar muito colado na via, pois os carros podem passar muito pró-

ximos e desequilibrar a pessoa da bicicleta, fazendo-a cair com o susto. Porém, é inte-ressante saber que, de acordo com Código de Trânsito Brasileiro (CTB), os veículos são obrigados a passar a 1,5m do ciclista.

Mais carros, menos ruas A quantidade de automóveis tem aumen-

tado bastante. Segundo o Departamento de Trânsito do DF (Detran/DF), em dez anos o número de veículos registrados dobrou: em 2000 eram quase 600 mil, e em 2010 pas-saram de 1 milhão.

Mesmo com programas de criação e alar-gamentos de ruas, especialistas acreditam que a solução é passageira, pois o fluxo de

35 km de asfaltoQuatro ciclistas ganham

as avenidas do DF. Mas e as ruas?

Será que deram espaço a eles?

Laís Marinho

duas rodas

Foto: Laís Marinho

Magrela disputa espaço com os carros em avenida de Taguatinga

Page 10: Artefato - 9-10/2011

SUSTENTABILIDADE10 setembro/outubro de 2011

Verifique se as correntes estão secas.

Confira a pressão dos pneus e veja se não

estão rasgados

Sinta se a direção não está dura, presa ou barulhenta na hora de

manobrar

Aperte firme os freios para sentir se funcionam em

conjunto

Prenda a roda dianteira entre suas pernas e force o guidão para a direita e para a esquerda a fim de

verificar se há folga

Confira o estado das sapatas de freio. Caso uma

esteja menor do que a outra, troque-as

Verifique se os câmbios encaixam facilmente e

se trabalham silenciosos

Verifique se o selim está bem presoz

Infografia: Laís Marinho e Bruno Gomes

Como revisar sua bike

carros acompanha a demanda, fazendo com que “as novas vias” fiquem saturadas em pouco tempo. Segundo o professor do De-partamento de Projeto, Expressão e Repre-sentação (PRO) da Universidade de Brasília (UnB) Benny Schvarsberg, a solução possí-vel para esse problema “é a que as melho-res experiências de cidades no mundo vêm mostrando, ou seja: políticas de mobilidade totalmente focadas no transporte coletivo de massas (integrado com o uso do solo), no pedestre e no ciclista”.

Para que isso seja possível, o professor diz que é necessária uma política que de-sestimule o transporte por automóvel par-ticular. Isso pode ser feito com a cobrança de taxas de circulação e estacionamento e o oferecimento de transportes coletivos de alta qualidade, agregados ao investimento do espaço público ao pedestre e ao ciclista.

A bicicleta é como um sapatoO professor da pós-graduação de Edu-

cação Física da Universidade Católica de Brasília (UCB) Francisco Prada esclarece que as bicicletas devem servir como um sapato: “Você não compra nem pequeno e nem apertado demais. Tem que comprar a bicicleta adequada ao seu tipo e tamanho fí-

sico, pois é isso que implica no aparecimento de dores no joelho e na coluna”.

A bicicleta, assim como qualquer outro transporte, precisa de manutenção. É impor-tante verificar a pressão dos pneus, conferir o estado das correntes e câmbios e examinar o estado dos freios para sentir se funcionam em conjunto.

Outra recomendação é em relação ao uso dos equipamentos de segurança para evitar desastres: capacete, luvas, acessórios de ilumi-nação, roupas claras e buzina.

O ciclista Wanlesberg conta que certa vez por falta de espaço, colidiu com um carro e, “se não fosse o capacete, teria desmaiado em plena tarde a uma temperatura ambiente de 30ºC”. Também conta que se chocou na traseira de um caminhão numa velocidade de quase 30 km/h. “Sofri escoriações na mão esquerda e pernas, senti tontura e tremedeira devido à adrenalina. Por isso, o que não pode faltar num ciclista é o capacete. Ele realmente protege, e muito”, alerta.

Iniciantes devem priorizar áreas verdesO nosso passeio ciclístico completa 10km.

Com uma parada no parque de Águas Claras, aproveitamos para descansar e contemplar a área verde.

Para Wanlesberg, os parques são um dos melhores locais para ciclistas iniciantes. O espaço é propício para a prática do esporte e até para a troca de experiências. A maioria destina pistas exclusivas aos ciclistas, o que facilita o trajeto e diminui o risco de aciden-tes. O parque de Águas Claras também conta com desníveis na pista que podem auxiliar no condicionamento físico. A cada descida vem uma subida ainda maior, “o que é uma boa maneira para desafiar o ego e fortalecer as pernas”, arquiteta Bruno Willie.

Pedalar com responsabilidadeNossa pedalada prossegue pelo Pistão

Norte, em Taguatinga, até a avenida Hélio Prates, em Ceilândia. Já é noite e a iluminação nos capacetes é essencial para a pedalada se-gura, além de, é claro, indicações de manobras e respeito aos sinais de trânsito. O interessante é que as calçadas têm uma espécie de “ram-pinhas” que ajudam – e muito – na travessia entre os retornos. Em casa, verificamos o cyclocomputer (velocímetro): no total, foram pouco mais de 35 quilômetros de asfalto!

O maior prazer foi constatar que a bici-cleta pode ser um meio de locomoção muito vantajoso: além de econômico, não polui, não congestiona a cidade e dá sensação de liberda-

de. Claro, incentivos e infraestrutura adequada ajudam na disseminação da ideia da troca do carro pela bike. Mas isso envolve sociedade, governo e consciência socioambiental.

Ao mesmo tempo, a lição de toda essa aventura é que, além da importância dos equi-pamentos de segurança, o ciclista deve ser cordial no trânsito. Sinalizar manobras, não pedalar usando fones de ouvido, respeitar o espaço entre os veículos e transeuntes, des-cer da bike ao atravessar a faixa de pedestres e parar nos sinais vermelhos são algumas das recomendações para que o tráfego flua bem.

Bruno Gomes diz que um ciclista educado é mais bem recebido pelos motoristas. E isso é verdade: em nossa pedalada não passamos por nenhum problema grave, mas, em com-pensação, procuramos seguir à risca as nor-mas de segurança e regras de sobrevivência.

No entanto, não basta apenas a educação do ciclista. Todos no trânsito devem coope-rar. Vale lembrar que o CTB diz que “em or-dem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não mo-torizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”.

Por isso, #ficaadica: pedale com consciência!

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ECONOMIA 11setembro/outubro de 2011

Leonardo Coelho e Luísa Dantas

Os sites de compras coletivas se tor-naram um fenômeno nos últimos

anos. Por comercializar produtos e serviços em grandes quantidades por um preço mais em conta, a venda é lucrativa para as em-presas parceiras, que conseguem aumentar a visibilidade no mercado. Já o consumidor se beneficia com a facilidade de encontrar o que deseja por preços mais acessíveis, além da comodidade do comércio on-line.

Para quem ainda não conhece, os sites funcionam da seguinte maneira: uma oferta é colocada na rede com descontos variados, que podem chegar até 90%. Os serviços incluem gastronomia, beleza e entreteni-mento. Para fazer a compra, o consumidor preenche um cadastro, cujo e-mail será uti-lizado para recebimento diário de ofertas. As promoções geralmente ficam disponí-

veis de um a três dias e dificilmente voltam.Uma informação crucial: a oferta só

passa a funcionar quando se alcança um número mínimo de compradores, que é in-formado no próprio site. A maior parte das páginas coloca um contador à disposição, que mostra quantos já compraram e o tem-po que ainda resta para adquirir a oferta. Quando o número mínimo não é alcança-do, a promoção é cancelada.

De acordo com uma pesquisa divulgada pela ComScore, na América Latina, cerca de 12 milhões de usuários visitaram algum site que oferecesse cupons de desconto no mês de abril deste ano. O Brasil lidera o ranking com 16%, seguido pela Argentina e Chile, com 13% e 10% respectivamente.

Mas apesar da facilidade que os sites ofe-recem aos consumidores, algumas medidas

preventivas devem ser tomadas. De acordo com o portal Reclame Aqui, os maiores si-tes de compras coletivas foram os que mais registraram insatisfação sobre os serviços oferecidos. O Groupon, o mais procurado de acordo com pesquisa divulgada esse ano pelo Bolsa de Ofertas, teve 5.689 reclama-ções entre setembro de 2010 e agosto de 2011. O site Peixe Urbano lidera o ranking, com 5838 queixas.

Segundo o Reclame Aqui, a principal insatisfação se refere a empresas que ven-deram produtos ou serviços por meio de cupons mas não cumpriram sua parte do trato. Dificuldade para marcar passagens e hotéis, expiração do prazo de cupons e pro-dutos esgotados são algumas das queixas le-vantadas pelo site Reclame Aqui. Há proble-mas parecidos em todos os tipos de serviço,

serviços

Barato que custa CAROSites de compras coletivas são boas formas de economizar dinheiro,

mas é preciso ficar atento para não cair em uma roubada

de salões de beleza a viagens internacionais.Morador de São Paulo, o editor de TV

Fernando Cardoso foi uma das vítimas desses problemas. Ele conta que comprou um pacote com duas diárias em hotéis pelo Peixe Urbano, um em Monte Verde (MG) e outro em Campos do Jordão (SP). Quando decidiu agendar uma estadia, o atenden-te do hotel informou que não havia vagas disponíveis para os clientes que compraram via internet aos fins de semana. A mesma resposta se repetiu no outro hotel. “Resolvi entrar em contato com o site para ver o que podia ser feito por mim. Mas, para minha surpresa, o Peixe Urbano se mostrou indi-ferente à minha situação”, afirma.

Na lista do site Reclame Aqui, o Peixe Urbano tem 100% de solicitações atendidas e está classificado como “ótimo” pelos ava-

50%

70%30%

15%

Infografia: Matheus Martins e DiOliveira

Leia com muita atenção as “entrelinhas” de determinada oferta, como o prazo de validade do cupom e os períodos em que a promoção não é válida; Guarde todos os e-mails das negociações, desde as confirmações até as respostas dos sites de compras;

Cuidado para não adquirir algum produto no impulso. Às vezes, a quantidade de promoções compradas é tãogrande que os usuários não têm tempo de usufruir delas antes dos vencimentos

Leia os termos de uso todas as vezes. É fundamental saber o que você está comprando e as formas como vaipoder utilizá-lo; Verifique o histórico da empresa junto ao Procon e ao Reclame Aqui, além de descobrir se os parceiros possuemCNPJ, endereço, telefone ou outras formas de contato.

Page 12: Artefato - 9-10/2011

ECONOMIA12 setembro/outubro de 2011

liadores. O problema é que todas as respos-tas da empresa são automáticas, deixando os clientes muitas vezes sem um esclareci-mento de verdade.

A carioca Suely Costa, há alguns anos em Brasília, passou por constrangimento semelhante, ao adquirir dois pacotes via Peixe Urbano para Paris, com seis diárias para duas pessoas, em junho deste ano. A aposentada dividiu o valor em quatro vezes no cartão de crédito. Quando decidiu mar-car as datas, descobriu que havia problemas com a agência de viagens Tudo mais Vip. “Logo estranhei quando vi que o endereço constava em Maringá - RJ, sendo que esta cidade é no Paraná”, comenta.

Suely tentou entrar em contato por tele-fone com a empresa diversas vezes, entretan-to não obteve resposta pelo número gratuito disponível, apenas uma mensagem automá-tica em inglês, informando que o telefone chamado havia sido cancelado. “O contato com a agência foi impossível. Resolvi cance-lar a compra no Peixe Urbano, mas a respos-ta foi que agora meu problema era com o cartão de crédito, não com eles”, relembra.

No Reclame Aqui, há 107 reclama-ções contra a empresa Tudo mais Vip, sendo a maioria referente à venda de pacotes de viagem para Paris, o mesmo caso de Suely. No dia em que a oferta foi realizada pelo Peixe Urbano, 1562 paco-tes foram vendidos, todos cancelados no começo deste mês.

Em nota de esclarecimento divulgada no dia 1º de setembro, a Tudo mais Vip in-formou que o cancelamento se deu exclu-sivamente por culpa do site Peixe Urbano e que entrará com medidas judiciais para resguardar a situação. Já os consumidores devem procurar o site de compras coleti-vas e verificar se haverá reembolso.

A equipe do Artefato tentou entrar em contato diversas vezes por telefone com a agência Tudo mais Vip. Todas as ligações resultaram na mesma mensagem automá-tica, ora em inglês, ora em português. Foi verificada também a impossibilidade de se realizar compras de pacotes pelo site da agência. Além disso, a empresa não possui CNPJ e não pede dados importantes para entrega de serviços em seu cadastro, como endereço, CEP e telefone.

O assessor de imprensa do Peixe Urba-no, José Valentim, afirmou por e-mail que o site toma muito cuidado na seleção dos parceiros. “Um representante do Peixe Ur-bano sempre visita pessoalmente cada esta-belecimento para avaliá-lo. A oferta depois passa por diversas etapas de aprovação e verificação”, afirma. Para os consumidores que adquiriram o pacote não ficarem na mão, o site contratou outra agência para a viagem ser realizada e garante os mesmos ou melhores serviços incluídos no pacote. Caso o usuário prefira, o estorno do valor também poderá ser realizado.

DesilusãoEstudante de matemática da Universida-

de de Brasília, Andreia Luiza faz parte do grupo de usuários que não utiliza mais si-tes de compras coletivas. Ela conta que fez uma aquisição no dia 28 de junho deste ano, dia do aniversário do Groupon, com a qual não ficou satisfeita. Antes mesmo do fecha-mento da promoção, pediu o cancelamento. No entanto, Andreia alega que recebeu os cupons mesmo assim. Teve que pedir um segundo cancelamento, só que agora dos cupons. “Pedi o cancelamento da compra, mas o Groupon realizou a cobrança mes-mo assim. Fiz o estorno na mesma hora. Já enviei três e-mails exigindo meu dinheiro de volta, já que até cancelei o cartão com o qual realizei a compra. Mas até agora não obtive nenhum centavo de volta.”

Como explica o professor de Economia da Universidade Católica de Brasília Rogé-rio Lúcio da Silva Junior, problemas como esses, que envolvem consumidores e em-presas, podem ser resolvidos via Procon, por meio de acordos. Caso não haja con-senso, o comprador pode recorrer à Justiça, movendo ação para buscar reparação por danos morais e materiais. “Todas as vezes que o consumidor tiver um litígio, deve pro-

curar o órgão competente para ressarci-lo. Manter dados que comprovem a compra, como fotos e e-mails, ajudam a documentar a acusação contra a empresa prestadora de serviços”, afirma Rogério.

O professor reforça que, para não entrar em uma fria e ver o seu “barato” custando o dobro, vale verificar se o site de compra coletiva oferece dados importantes, como CNPJ, endereço e telefone, além de salvar a página da oferta e da confirmação da com-pra. É preciso ainda ficar atento aos termos das promoções e aos prazos dos cupons, uma vez que recuperar o dinheiro pode causar ainda mais irritação.

Impacto na economiaApesar das deficiências enfrentadas, os

sites de compras coletivas também têm um lado positivo. Ferramentas facilitadoras, servem para anunciar empresas e oferecer produtos com preços mais baixos, impac-tando de maneira afirmativa na economia.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Comune, empresa agregadora de ofer-tas, o mercado de compras coletivas mo-vimentou cerca de R$ 136,85 milhões no primeiro bimestre de 2011. Observou-se ainda que 2,83 milhões de cupons de des-contos foram comercializados em janeiro e

fevereiro deste ano.

Insatisfação com a entregaCompras on-line podem gerar abor-

recimentos em diferentes escalas. Doutor em Comunicação e Semiótica, Luiz Car-los Iasbeck sempre comprou pela internet. Consumista nato, considera a rede mundial de computadores facilitadora do consumo. Contudo, a entrega dos produtos adquiridos não seria tão eficiente quanto o processo de compra. “Hoje em dia as coisas são muito mais práticas e você resolve tudo em um cli-que. Por outro lado, a entrega é caótica, dei-xando por vezes o cliente na mão”, observa.

Em uma de suas aquisições, Iasbeck comprou camisetas da marca Osklen pela página do Brandsclub, primeiro outlet on--line do Brasil. Segundo ele, a entrega, que era para ser efetivada em dez dias úteis, levou mais de três meses para acontecer. “Tive que recorrer até ao Reclame Aqui para receber informações sobre minha compra. Mas, na verdade, esse portal fun-ciona como uma ouvidoria pública, onde eles distribuem mensagens automáticas, ao invés de apresentar soluções”, expõe.

Para o professor Rogério, a maior ques-tão das compras coletivas é a falta de com-prometimento de alguns parceiros, que agem de má fé para se promoverem, sem cumprirem sua parte do acordo. Uma das soluções sugeridas por ele é que os sites de compra coletiva façam uma melhor seleção das parceiras. Além disso, medidas como entrar em contato com o responsável pela empresa, verificar se ela está em dia com a Receita e se há alguma reclamação contra a prestadora de serviço no Procon ou na internet são ferramentas que dão mais con-fiança ao consumidor.

Previsto por leiO Conselho Federal de Fisioterapia e Te-

rapia Ocupacional (Coffito) proíbe a venda de pacotes de serviços fisioterapêuticos em sites de compras coletivas. A Resolução N° 391, de 18 de agosto de 2011, alerta que ao adquirir essas ofertas é necessário realizar uma avaliação física antes do procedimen-to. O não cumprimento dessa etapa pode acarretar problemas de saúde dos consumi-dores. De acordo com o presidente do Co-ffito, Roberto Cepeda, este tipo de medida é preventiva. “O profissional deve fazer primeiro uma avaliação e, só depois, indicar o tratamento mais adequado”, explica.

Massagens, drenagem linfática, radiofre-quência, aplicação de Manthus e outros pa-cotes de serviços similares de Fisioterapia e Terapia Ocupacional foram vetados pelo Coffito. A punição para quem não obede-cer à resolução vai de advertência até a sus-pensão do exercício profissional. O órgão não registrou nenhuma morte ou problema de saúde grave devido aos pacotes vendi-dos nos sites.Os consumidores precisam ficar atentos nas entrelinhas de cada promoção

Foto: Joyce Oliveira

Page 13: Artefato - 9-10/2011

ECONOMIA 13setembro/outubro de 2011

O preço barato e a variedade de modelos atraem consumidores que

preferem ficar na moda sem gastar muito

Marcas da falsificação

consumo

A combinação de uma bolsa Victor Hugo, sapatilhas Christian Lou-

boutin, camiseta Lacoste, calça jeans Co-ca-Cola e óculos Louis Vuitton pode ser o sonho de consumo de muitas mulheres, mas um sonho nada barato. Como nem todos têm a média salarial de um brasi-lense, que chega aos R$ 3.445,06, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho, produ-tos falsificados e similares acabam sendo a solução para quem quer andar na moda sem ir à falência.

Quando rou-pas e acessórios pertencem a grifes famosas, os preços são automaticamen-te mais altos. Uma bolsa Vic-tor Hugo, por exemplo, custa R$ 1.958 – mais que o salário de várias mulheres. Diante de preços como esse, as consumi-doras têm três opções: comprometer o orçamento e comprar a bolsa, esperar uma liquidação ou pagar por uma falsificação – recurso oferecido em feiras e banquinhas de camelôs por um valor consideravelmen-te mais baixo.

A pesquisa mais recente sobre

Gabrielle Santelli, Maria Clara Oliveira e Samira Pádua

“O consumo de produtos piratas no Brasil”, feita pela Ipsos a pedido da Fe-comércio do Rio de Janeiro, em 2010, mostra que mais de 70 milhões de brasi-leiros compram objetos piratas. Os pro-dutos mais consumidos são CDs (83%) e DVDs (56%). Calçados, bolsas e tênis, relógios e roupas têm o mesmo percen-tual de compra: 6%. Ainda segundo a pesquisa, os consumidores preferem as falsificações pois o preço é mais em conta, são mais fáceis de encontrar e,

várias vezes, o pirata está disponível antes do original.

A conscientização dos brasileiros em relação aos danos causados pela pirataria diminuiu entre 2006 e 2010. Naquele ano, 30% dos entre-vistados acreditavam que a pirataria não causava danos.

Em 2010, o resultado subiu para 37%. Porém, a Lei 10.695 do Código de Processo Penal - conheci-da como Lei Antipirataria

- pode punir os responsáveis por repro-duzir, distribuir, vender, alugar e com-prar produtos falsificados. A pena pode chegar de três meses até quatro anos de cadeia e multa.

O importante é gostar “Não precisa ser a bolsa da moda. Não

gosto de usar a bolsa que todo mundo usa”,

diz a consumidora Cristiane Alves. Isso não significa que ela não goste de algum pro-duto “de grife”, mas, sim, que não consi-dera as marcas dos produtos importantes na hora das compras. Entrevistada na Feira dos Importados, no Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA), Cristiane havia com-prado uma bolsa totalmente estampada com a logomarca da Louis Vuitton, embo-ra não fosse um artigo original e estivesse em uma sacola plástica branca, enquanto a marca possui sacolas personalizadas.

Quando questionada sobre a escolha por uma falsificação, Cristiane sabe exata-mente o que responder. O preço de uma bolsa original é alto. Ela não gasta mais de R$ 300 nesse tipo de produto, embora ache que o ideal seria comprar apenas as legítimas: “De preferência, lógico, a ori-ginal; mas como eu não tenho o dinheiro para pagar R$ 10.000 e também acho um absurdo, uma falta de respeito, vou com-prando a falsificada”, afirma.

Vendedora de calçados na Feira dos Importados, Vanessa da Silva também acredita que os preços pouco acessíveis são um problema para quem deseja com-prar produtos de grife. Sobre o hábito de comprar roupa falsificada, ela diz que “er-rado é, mas não é todo mundo que pode comprar uma de marca”. Se achar que vale a pena, a vendedora paga o preço sem re-clamar. Vanessa leva em consideração o produto, de maneira geral, e não a marca

impressa na etiqueta. “Compro porque gosto. Já dei R$ 300 em uma calça, mas porque gostei, não porque era de marca. Quando eu gosto, eu compro”.

Funcionário terceirizado do GDF, Fi-lipe Morais, 21, gosta de fazer compras, “sempre de olho para não estourar o sa-lário”. Ele compra roupas e até celulares falsificados, quando sente necessidade, mas reconhece que o hábito pode ser ar-riscado. “É meio que uma roleta russa: você compra um genérico sem saber da procedência e pode sair ganhando ou per-dendo.” Para ele, “quem perde mesmo são os fabricantes originais, pelo fato de esta-rem fazendo algo de qualidade e o público estar se voltando para uma coisa com qua-lidade inferior”.

A bolsa da modaNa Feira dos Importados e na Feira dos

Goianos, em Taguatinga, as lojas de bol-sas são cheias, quase sempre, de produtos que estampam os nomes Victor Hugo, Ki-pling e Louis Vuitton. Nos últimos meses, marcas menos conhecidas surgiram nesses centros comerciais. Entre elas, Tommy Hil-figer. As bolsas de sarja, com uma abertura na parte de cima, bolso lateral e a marca impressa em tamanho grande se tornaram populares de repente. Alguns feirantes já enxergam nelas o carro-chefe de suas lo-jas, chegando a vender entre 10 e 15 bol-sas por dia. Cada uma é vendida por R$

“Não tenho dinheiro

para pagar R$ 10.000 e

também acho um absurdo”

CRISTIANE ALVES

Fotos: Giullia Chaves

Bastante parecidos com os originais, produtos falsificados atraem pelo preço baixo

Page 14: Artefato - 9-10/2011

ECONOMIA14 setembro/outubro de 2011

130 e as maiores chegam custar R$ 150. No site oficial da marca, o mesmo modelo custa US$ 49, aproximadamente R$ 80,85.

A loja oficial da grife não vende esse mo-delo de bolsa e não há chances de ele ser comercializado no Brasil. Segundo Andréa Queiroz, gerente da loja Tommy Hilfiger do shopping Iguatemi, “essas bolsas não vieram para as lojas. Somente são comercializadas em algumas lojas dos EUA.Já tentamos com-prá-las, mas infelizmente, alguns produtos não são fabricados para alguns países.”

Como a bolsa não é vendida nas lojas bra-sileiras da Tommy Hilfiger (se fosse o preço provavelmente não seria acessível à maior parte da população), é um dos produtos que mais sofrem falsificação, junto com as cami-sas pólo da grife (a original tem valor origi-nal superior a R$ 145, enquanto uma similar custa R$ 30). Para descobrir a procedência das camisas existem dois recursos: além da barra das blusas serem costuradas de maneira especial, a etiqueta das peças originais traz o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do fabricante. Ainda assim, existem casos de imitações que chegam à loja. “Outro dia uma pessoa foi trocar uma peça na nossa loja e, no ato, identificamos que era falsificado, por ser uma qualidade inferior ao nosso tecido e ainda a etiqueta, que não possuía o nosso CNPJ”, conta a gerente.

Básico, mas falsificadoAs calças jeans, peça fundamental no ar-

mário, também são comuns nas bancas de roupas. Há uma variedade de modelos, mar-cas e detalhes, mas ao serem questionados so-bre os modelos mais vendidos, a resposta dos vendedores é a mesma: calças skinny (perna justa) e com elásticos no cós. As falsificações mais encontradas são das marcas Dzarm, Morena Rosa, Coca Cola, Colcci e Pit Bull, e todas custam R$ 70, em média. Segundo a vendedora Íris Guimarães, as calças que mais saem são “as básicas, sem muitos detalhes, de todas as marcas”.

Saúde prejudicadaBastante populares entre adolescentes,

os tênis Nike são vendidos em praticamente todas as lojas da Feira dos Importados. Um modelo bastante popular é o colorido Nike Dunk High Old School, que custa R$ 55 em uma das bancas. O preço original é de R$ 269,90. O vendedor, sem se identificar, avisa: “Nenhum é original. Todos são fabricados aqui mesmo”.

A compra de tênis falsificados não traz

prejuízos apenas para o fabricante, que deixa de vender, ou para o governo, que deixa de arrecadar impostos. O consumidor, ao usar esse tipo de calçado, pode prejudicar a pró-pria saúde. De acordo com o professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) e or-topedista João Vicente Silva, “os danos quan-do se utiliza um tênis mal feito, mal acabado e sem o apoio de uma palmilha ortopédica são severos. Este hábito pode provocar desvios de coluna, como escoliose e cifose, lombal-gias e lesões degenerativas se forem usados por longo tempo”. Além disso, se a pessoa já apresenta um problema ortopédico, os tênis falsificados podem agravar a situação.

Quando o sapato comprado é um mode-lo com salto alto, corre-se o risco de sofrer fraturas. Podem surgir deformidades nos pés, como joanetes. Em crianças, eles criam defei-tos de crescimento, “sendo totalmente proi-bidos”, de acordo com o professor.

“Vem que tá barato, freguês!”Conhecida pelos baixos preços, a Feira

dos Goianos surgiu em 1998, após um grupo de feirantes ter a ideia de alugar e, posterior-mente, comprar um galpão para comércio. Eles vinham de Goiânia para vender mer-cadorias no DF, mas não tinham lugar fixo. Com o galpão, o negócio cresceu. Hoje são 3.400 bancas, que juntas geram cerca de 15 a 20 mil empregos diretos e indiretos.

Nas calçadas, as barracas dobráveis de ma-deira dividem o espaço com as pessoas que ali circulam. Dentro e fora da feira, produtos que ostentam marcas famosas como Victor Hugo, Louis Vuitton e Lacoste são comercia-lizados com preços abaixo do encontrado em lojas que vendem o produto original. Uma pólo feminina da Lacoste custa, na loja, R$ 259. Já na feira é possível comprar uma simi-lar com até R$ 35. “Mas só tem preta, viu? As outras acabaram”, avisa a vendedora da ban-ca. A versão masculina do mesmo produto na loja da grife custa R$ 245, enquanto “no monte” é encontrada por apenas R$ 9,90. Uma economia de mais de R$ 235.

Segundo o ortopedista João Vicente Sil-va, “quando uma pessoa adquire um produto sem origem comprovada, além de colocar em risco sua saúde, está colaborando com o crime organizado, pois essas mercadorias são contrabandos ilegais, vendidos muitas vezes por criminosos, e às vezes provenientes de roubos ou furtos”.

“O noivo ideal”: Casa da Mão

Foto: Giullia Chaves

Grifes falsificadas são encontradas com facilidade em feiras do DF

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COMPORTAMENTO 15setembro/outubro de 2011

Pesquisa realizada por site de relacionamento revela o comportamento dos solteiros em relação ao casamento

Os novos “homens para casar”

Véu, grinalda, vestido branco, bem-casado, champanha, alianças...

Tudo isso faz parte de um tradicional casamento. Willyam de Assis Junior, 21 anos, tem o sonho de casar, mas não se apega aos detalhes da festa. Nem ele, nem sua noiva.

Desde que começou a namorar Cinthia Cortes,19 anos, no início deste ano, já se imaginava casado com a moça. Ela, pelo contrário, nem pensava nisso. “Eu sempre quis casar, constituir uma família. Sempre foi meu principal sonho. Emprego e outras conquistas são secundários”, declara Willyam.

Ele é uma exceção? Não. É o que revela uma pesquisa feita com quase 20 mil usuários do site de relacionamentos Par Perfeito. De acordo com o estudo, não é tão raro achar homens para casar. Pelo contrário, eles estão mais dispostos a firmar compromisso e a ter filhos do que as mulheres.

O resultado da pesquisa informa que 35% das mulheres estão dispostas a abdicar das atividades individuais, enquanto 46% dos homens afirmam abrir mão do tempo para si para ficar com a amada.

“Historicamente o ser humano sempre buscou estabilidade nos relacionamentos. Antes havia um abismo entre homens e mulheres, mas essa realidade está mudando”. É o que afirma Giovana Perlin, doutora em psicologia e pesquisadora sobre casamento da Universidade de Brasília (UnB). “É o que chamamos de tendência andrógina. Os dois estão experimentando funções e papeis que antes não podiam. As identidades estão se aproximando. O homem está aprendendo a ser mais feminino e a mulher está aprendendo a ser mais masculina.”

André de Souza, 28 anos, se encaixa no perfil da pesquisa. Ele é um homem que pretende casar e ter filhos. “Eu acho que ser casado é muito bom. É a maneira certa

Carolina Alves e Lanier Rosa

de se relacionar. Envelhecer junto com a pessoa escolhida.” Para ele, hoje em dia está mais difícil encontrar uma esposa, pois as mulheres estariam priorizando as realizações profissionais. Em sua opinião, a quantidade de homens que deseja casar continua a mesma, mas a visão das mulheres sobre o matrimônio foi modificada.

O presidente do ParPerfeito, Claudio Gandelman, defende que a mudança de comportamento parte dos dois lados. “Não acredito que o mundo esteja caminhando para uma radical inversão de papeis, mas, sem dúvida está havendo, cada vez mais, uma equiparação de valores e posturas”, declara.

Mulheres modernasHoje, muitas mulheres ficam indecisas entre

filhos, curso, concurso, mestrado, carreira. Segundo a psicóloga Perlin, A maternidade exige mais das mulheres e elas nem sempre estão dispostas a se submeter às limitações que a gravidez traz. “Elas sabem que vão modificar o corpo e que vão ficar fora do mercado de trabalho e, por isso, postergam cada vez mais a maternidade”, explica. A pesquisa do site mostra que, quando o assunto é ter filhos, cerca de 66% dos homens querem ser pais, enquanto 43% das mulheres afirmaram ter o desejo de ser mães.

Segundo Gandelman, do Par Perfeito, o homem “avalia o lado mais emocional, como brincar com os filhos, levá-los à escola, jogar bola, dar continuidade genética. Já as mulheres são mais racionais nesse aspecto e avaliam as mudanças que um filho trará para suas vidas, por isso preferem adiar mais a decisão”. Isso explica porque 36% das mulheres que utilizam o site deixam claro que não querem ter filhos sob nenhuma circunstância, enquanto só 16% deles afirmam o mesmo.

De acordo com a psicóloga Giovana Perlin, o casamento era o grande momento na vida de uma mulher, a forma que ela tinha de mudar a vida. Agora, elas são independentes e podem escolher seus próprios destinos. “As mulheres deram o passo inicial e forçaram toda a sociedade a se modificar. Os homens descobriram o quanto é gratificante cuidar dos filhos e as mulheres começaram a experimentar uma vida sexual ativa e relacionamentos efêmeros”, afirma.

Para o presidente do site de relacionamentos, a sociedade já vinha sentindo que as mulheres estão mais “liberais” e nem todos os homens desejam ficar só na “farra”. E a pesquisa veio para comprovar essa mudança. “O que mudou é que as mulheres estão mais independentes financeiramente, estão ganhando mais, trabalhando, e não precisam dos homens para sustentá-las. Querem alguém que dê carinho e as complete”, afirma.

casamento

Aos 21 anos, Willyam de Assis está noivo: a proposta partiu dele

Foto: Nayara Viana e Dayanne Teixeira

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ESPORTE16 setembro/outubro de 2011

Mulheres na área, sem impedimento

Grupo de donas de casa de Ceilândia é o exemplo de que a prática do futebol feminino cresce no DF, apesar das dificuldades

Guilherme Carvalho e Matheus Martins

Elas são árbitras. Bandeirinhas. Pre-sidentes de clube. Torcedoras.

E jogam bola, sim senhor. Uma delas, bra-sileiríssima, é a melhor do mundo. Foi-se o tempo em que mulher não sabia nem o que era impedimento. Hoje, o que se vê é um número crescente de mulheres que co-nhecem as regras do futebol. E um núme-ro também crescente de mulheres que dri-blam, chutam, cruzam, passam, fazem gol.

Um grupo de donas de casa de Cei-lândia é uma das provas de que lugar de mulher é no campo de futebol. O esporte se tornou um meio de distração para elas. Em um campo de terra batida na quadra 8 de Ceilândia Sul, acontece aos sábados, às 16h, a pelada do fim de semana. O fu-tebol feminino é liderado por Francinete Moura Lima, 33 anos, moradora da região. “Ninguém aqui é atleta, eu mesma nem assisto a futebol. É só pela diversão das meninas”, afirma.

A ideia de jogar surgiu quando Franci-nete percebeu que as mulheres não tinham nenhum momento de lazer. Enquanto os maridos saíam nos fins de semana para jo-gar futebol e conversar em bares, elas fi-cavam presas aos afazeres de casa. Mesmo não entendendo do esporte, saiu convidan-do mulheres para participarem do time. “Quando eu resolvi montar o futebol foi para quebrar a rotina das donas de casa” conta.

Francinete é uma daquelas mulheres que costuma-se chamar de “baixinha in-vocada”. Trabalha de copeira dietética e também como uma espécie de líder comu-nitária. O futebol foi a saída para aplicar os projetos que tinha em mente. “Eu sempre tive vontade de ajudar as pessoas daqui. O trabalho que faço é função do administra-dor. Como eles não estão nem aí, eu corro atrás. Como goleira e capitã da equipe.”

pelada

No início, os familiares não acreditavam na pelada das mu-lheres. Mas a vontade e a dis-posição das donas de casa foi tão grande que conquistaram os maridos e até os comercian-tes, que ajudam a patrocinar o esporte. Apesar de contar com incentivos e doações de arti-gos esportivos, como chutei-ras, meiões e cal (para marcar o campo), as condições para a prática não são as melhores. A região não conta com o apoio do governo. A falta de estrutura do campo é só um dos graves problemas enfrentados. “O campo assusta. É de terra e, para jogar, precisa molhar, mas nem sempre temos dinheiro para pagar um caminhão pipa”, conta Francinete.

Mesmo aos trancos e bar-rancos, os jogos logo trouxe-ram benefícios para as mulhe-res. “Tem mulher de 50 anos que corre mais do que muito homem”, conta Marinete Mou-ra Lima, irmã de Francinete. Outro fruto de orgulho do time é a zagueira Maria Celina, 53 anos. “É uma das melhores jogadoras. Complicado passar por ela”, conta Marinete, que rasga elogios à companheira de time. Além de barreira para as atacantes adversárias, Maria Celina supera problemas psico-lógicos que enfrenta há mais de sete anos. “Ela toma remédio controlado. Quase não saía de casa. Agora com futebol é outra pessoa”, afirma Francinete.

O futebol organizado pelas donas de casa também funcio-na como forma de ajuda por meio de ações sociais. São fei-tas palestras de conscientização para as mulheres com temas

O campo, todo feito de terra, e a trave em péssimas condições não são empecilho para os jogos femininosFoto: Alexandre Magno

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atuais, como violência doméstica e câncer de mama. A organizadora do futebol traba-lha em campo os assuntos que estão mais frequentes no dia-a-dia delas. “É importan-te passar essas informações para elas. Tudo que é dito em campo é passado para dentro de casa”, completa Francinete.

História de altos e baixosNo Brasil, existem registros do futebol

feminino desde 1921: um amistoso entre as senhoritas catarinenses e as tremembe-enses. Em 2003, o ouro no pan-americano de Santo Domingo conquistado pela Se-leção Brasileira de futebol feminino mos-trou a força do esporte no Brasil. Segundo Arnaldo Freire, presidente da Associação Atlética, Esportiva e Recreativa dos Coo-perados e Funcionários das Cooperativas do DF (Ascoop), “o futebol feminino tem crescido muito. Existem clubes que brigam para entrar na Copa do Brasil, que tem 32 times”. Para Arnaldo, o bom momento é evidente.

Em Brasília, a prática está bastante adiantada: é o estado com mais edições se-guidas de campeonato brasiliense de fute-bol feminino (15). A capital já possui uma boa quantidade de times (quantos? Tem es-timativa?). Prova disso são os clubes man-dados para campeonatos de outros estados. “A Ascoop está participando do campeo-nato de Minas Gerais. Lá não tem tantos times como aqui”, comenta Arnaldo.

A política de bolsas para atletas e de in-centivo ao estudo dada às meninas pode ser um dos fatores que explicam o bom cenário da capital. “Muitas vêm para Brasília para estudar e jogar”, afirma Liomar Arantes, responsável pelo futebol amador de Brasí-lia. Os benefícios são oferecidos por insti-tuições como a Ascoop (em parceria com o Unicesp) e a Universidade Católica de Brasília (UCB).

Mesmo com esse incentivo, as dificulda-des ainda são notórias. O coordenador de Esportes da UCB e técnico do time, Paulo Mariano, afirma que, mesmo com bolsas de até 80%, a condição carente das jogadoras dificulta. “Mesmo com a bolsa, tem me-ninas que dão muito duro para conseguir pagar os 20%. Quando falta o dinheiro da passagem, tiro do meu bolso para algumas atletas poderem treinar”. Ele ressalta o valor da bolsa para manter essas jovens na universidade. “Sem a bolsa elas não teriam como estudar, por se tratar de atletas bas-tante carentes”, reforça.

A falta de condições das jogadoras ainda é somada ao problema da falta de patrocí-nio. “Tem times, como o do Minas Tênis Clube, que não existem mais por falta de patrocínio. O (clube) Cota Mil também tentou montar uma equipe, mas não con-seguiu. É complicado, tem gasto, e sem re-torno financeiro fica difícil manter” explica Liomar Arantes.

Com a falta de patrocínio, a consequên-

cia é uma estrutura frágil. Materiais de trei-no e incentivo para a prática do esporte são outras dificuldades enfrentadas pelas atle-tas, como confirma Renata Poncio, jogado-ra do time da Católica. “Uma das maiores dificuldades que vejo aqui em Brasília é a falta de estrutura. Não tem muito horário certo, nem muita dedicação das meninas. A maioria dos times só treina quando tem campeonato.”

Além dessas dificuldades, o futebol fe-minino ainda luta contra o preconceito machista. A ideia de o futebol ser pratica-do por mulheres foi seriamente combatida em 1964, quando o Conselho Nacional de Desportos (CND) proibiu a prática do fu-tebol feminino no Brasil. Renata e as outras jogadoras sentem na pele a discriminação que, ainda hoje, ocorre contra elas. “Aqui no Brasil os homens se acham superiores em relação ao futebol. Tem aquele estereótipo de que futebol é coisa de homem. Isso di-ficulta o crescimento do futebol feminino”.

ESPORTE 17setembro/outubro de 2011

Apesar do problema de patrocínio, Brasília começa a apresentar melho-rias. “O patrocínio para o futebol fe-minino sempre foi um problema. Mas já foi pior, hoje já começam a apare-cer algumas parcerias. A tendência é só melhorar” torce Arnaldo Freire, da Ascoop.

Do lado de láA situação do futebol no Brasil co-

meça a aflorar, mas ainda não é sombra da realidade de outros países, como os Estados Unidos. Símbolo dessa hege-

monia, o país é o recordista histórico de medalhas olímpicas: das quatro edições de jogos com a presença do futebol femini-no, são três medalhas de ouro e uma prata. Liomar explica uma das razões pelo bom desempenho do país nessa categoria. “Nos EUA, o futebol é mais visto como feminino do que masculino. As meninas começam a praticar desde cedo. É obrigatório fazer algum esporte nas escolas e o futebol é o escolhido por muitas.”

O alto desenvolvimento do futebol feminino no país é confirmando pela jo-gadora Renata Poncio. Um dos destaques do time da Católica, já atuou em times uni-versitários dos Estados Unidos e confirma que a diferença entre os dois países é gran-de. “Nos EUA futebol é coisa de mulher, bem diferente daqui. A organização é fora do normal, como se fosse profissional. É muito bem valorizado, dá muito mais moti-vação para as atletas”, reforça.

>> São cerca de 40 atletas donas de casa. Os dois times são divididos por sorteio toda semana. Quebrando a rotina e Ninguém é de ninguém são os nomes das equipes, voltados às ações sociais promovidas por Francinete. “A sua vida começa quando a violência termina” é o lema de um dos times;

>> A avaliação para se tornar jogadora de futebol feminino pode ser feita a partir dos 13 anos;

>> 80 reais é o custo para o caminhão pipa molhar o campo de terra batida de Ceilândia;

>> O último campeonato de futebol feminino de Brasília foi vencido pela equipe do Cresspom por saldo de gols. O time da Católica ficou em segundo lugar;

>> Marta Vieira da Silva já foi escolhida como melhor jogadora do mundo por cinco vezes consecutivas, um recorde entre mulheres e homens.

PRORROGAÇÃO“O campo assusta.

É de terra e, para jogar, precisa

molhar, mas nem sempre temos

dinheiro para pagar um caminhão pipa.”

FRANCINETE LIMA

À esquerda, o tima feminino da Católica treina à noite: apesar da qualidade do campo, ainda há dificuldades. À direita, Francinete Lima faz embaixadinha no campo de terra de Ceilândia.

Fotos: Tamiris Moraes (esq.) / Guilherme Assis (dir.)

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CULTURA18

Final dos anos 70 e início dos anos 80: jovens de

roupas cítricas, franjas repicadas e topetes com gel organizavam festas à americana que incluíam escutar e dançar ao som dos LongPlays (LPs). Além da divisão das bebidas e comidas, cada um escolhia um vinil para tocar. Influenciados por John Travolta no filme “Os Embalos de Sába-do à Noite”, artistas como Michael Jack-son, Bee Gees, Cyndi Lauper, Madonna e até trilhas sonoras de novelas, as músicas eram o auge das reuniões.

Nos anos 90, a cultura do vinil sofreu um baque. O lançamento do CD com a nova tecnologia excluía todos os cuidados que o LP exigia para ser escutado. Não havia mais o cuidado de pegar o disco pe-las bordas e colocar suavemente a agulha para não arranhar. Era a morte do vinil para muitos.

De uns anos para cá, os CDs vivem uma crise de vendas com a concorrên-cia dos downloads gratuitos disponíveis na internet e a pirataria de camelôs. No Brasil, o desempenho das vendas de CDs sofreu queda de 9,32% entre 2008 e 2009, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD). Em ou-tras praças, a queda nas vendas caiu 13% em 2011, segundo a Nielsen SoundScan. Muitos, desta vez, previram a morte de qualquer suporte físico para as músicas: viria o apogeu do arquivo eletrônico.

Contrariando as expectativas do setor fonográfico mundial da década, pesquisas recentes realizadas em países como Esta-dos Unidos e Inglaterra revelaram cres-cimento expressivo do comércio não de CDs, mas dos bons e velhos LPs. Dados divulgados em agosto deste ano na Ingla-terra mostram que a alta foi de 55% no primeiro semestre, em relação ao mesmo período de 2010. No total, foram 168 mil vinis vendidos. Já nos Estados Unidos, a Nielsen apontou crescimento nas vendas: de 900 mil unidades em 2005 para 2,8

milhões em 2010, aumento de 14% em relação ao ano anterior. A previsão é de 3,6 milhões em 2011. Mas não fique mui-to animado: o faturamento dos LPs não chega a 1% das vendas de CDs.

Em alguns casos, os jovens da geração Y, os bebês nascidos até meados de 90, estão herdando os vinis e toca-discos dos pais. Ao mesmo tempo, os mais velhos”, aqueles adolescentes da época de 70 e iní-cio dos 80, não pararam de escutar e hoje se tornaram colecionadores. Os motivos para essa volta do vinil em plena era digi-tal são quase unânimes: a qualidade sono-ra e uma relação quase religiosa com o ato de ouvir música.

É o exemplo do servidor público Fa-brício Resende, 27 anos, que cresceu ou-vindo vinil em casa e hoje possui cerca de 600 em sua “modesta coleção”, segundo ele. “Escuto MP3 no carro porque não tem como escutar vinil, mas para ouvir música mesmo, o vinil é a melhor mídia que já existiu. O som continua sendo o melhor, mesmo depois de todas essas no-vas mídias aparecerem”, declara.

A paixão pela música fez com o que professor de comunicação social Alex Vi-digal, 30 anos, possuísse a coleção com-pleta de LPs dos Beatles com apenas 15 anos de idade. “Além do som, o vinil tem o que chamo de tempo da música. Um momento que estou ali para viver a músi-ca. Não faço mais nada, só fico escutan-do. É como ler um livro, você não con-segue fazer nada, apenas lê-lo.” Apesar de ter herdado a vitrola da família, Alex Vidigal tem três, além de uma agulha que o acompanha há mais de dez anos e não sabe quantos vinis tem. Apenas o número de “caixas de verduras” em que os guar-da: ao todo são oito caixotes empilhados de LPs.

Fundada há 21 anos, a loja Musical Center é negócio da família Moreira. Pau-lo Moreira, 27 anos, tinha apenas cinco anos quando o pai, em parceira com o tio,

abriu o comércio na Asa Norte. Hoje, é comandada por ele e a irmã Josiele Moreira, 31 anos. O sebo passou a fase do CD, mas Paulo conta que seu pai nunca pensou em fechar. “Foi a melhor época da loja, muitas pessoas vende-ram as coleções de LPs para comprar CDs. Tinha muita coisa boa e não fal-tava vinil. Alguns falavam para o meu pai que os vinis iriam acabar, mas ele sempre dizia que o CD acabaria antes. E isso está acontecendo agora. O MP3 afetou o CD, mas o LP só está crescen-do.” Paulo percebeu que nos últimos anos o comércio teve um crescimento de novos clientes entre 18 e 30 anos. O estilo mais procurado é o rock nacional antigo. “Eles entram e nem olham os CDs, vão direto aos LPs”. Atualmen-te, o sebo compra, vende, e troca CDs, LPs e DVDs.

No BrasilNão há nenhuma estatística oficial

feita no Brasil, mas as gravadoras brasi-leiras estão de olho no crescimento do formato no exterior. No final do ano passado, a Som Livre começou investir em LPs de Maria Gadú, Barão Verme-lho, Djavan e Orquestra Contemporâ-nea de Olinda. Mas a Deckdisck foi a primeira que apostou alto no setor. Em 2009, comprou a única fábrica de vinis da América Latina, a Polysom, desati-vada em 2007. Após algumas instala-ções, maquinário revestido e medidas de proteção ambiental, a fábrica voltou produzir a todo vapor no começo de 2010. As cantoras Pitty e Fernanda Takai e as bandas Nação Zumbi e Ca-chorro Grande foram a primeira leva da retomada.

Por telefone, o vocalista da banda gaúcha Cachorro Grande, Beto Bruno, 37 anos, comentou a opção em lançar o álbum “Cinema” também em vinil. “As músicas desse CD pediam por um

Qualidade do som e nostalgia fazem bolachões voltarem ao cenário, mesmo com a facilidade de encontrar discos pela internet

A volta do vinilmúsica

Thamyres Ferreira

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CULTURA 19setembro/outubro de 2011

som analógico e então, quando vimos a oportunidade de gravar em LP, não pensamos duas vezes.”

Quando não está em turnê ou em gravações, o vo-calista adora ficar em casa escutando LPs o dia todo. Beto Bruno não sabe o número exato de quantos tem, mas acredita que são aproximadamente 10 mil. Ape-sar da quantidade, ele não gosta de se autodenominar “um colecionador”. Para ele, o culto aos vinis não é apenas questão de qualidade do áudio, mas também uma questão de gosto e cuidado. “Não existe mais aquele valor de procurar, por exemplo, um disco do Bob Dylan. Hoje qualquer um pode baixar a disco-grafia em minutos pela internet. Muitos esqueceram o valor da procura”.

Para o proprietário da DeckDisck e Polysom, João Augusto, a era digital foi uma das causas do crescente público que está interessado em vinis novamente. “O digital é uma radicalização muito grande dos formatos musicais. Os mais velhos sentiram saudades de lidar com o disco físico e a capa, e os consumidores mais novos querem conhecer como eram aqueles old ti-mes”, comenta. Para ele, “o vinil é a antítese do CD e do MP3 no quesito qualidade sonora. Quem gosta dessa distinção está ávido por novos lançamentos no formato. E um pouco de romance, tradição, saudosis-mo, sempre faz bem”.

João Augusto explica por que a qualidade de som do vinil é superior. “Um vinil que teve o acetato bem cortado, as partes metálicas bem produzidas e a pren-sagem feita dentro dos padrões básicos tem o som infinitamente melhor do que qualquer MP3. O vinil conserva uma profundidade do som que se perde cla-ramente nos formatos digitais”, finaliza.

O problema é o preçoAtualmente, as opções de compra de discos são va-

riadas. O vinil está de volta às prateleiras das livrarias, além das lojas virtuais e sebos. Mas o público brasilei-ro precisa enfrentar os preços salgados na aquisição. Enquanto nos Estados Unidos o campeão de vendas com mais de 20 mil cópias, o disco King of Limbs, do Radiohead, custa em média de U$ 15 (R$ 30) na livraria americana Barnes & Noble, no Brasil, o álbum é vendi-do por R$ 74.40 (mais do dobro), na Livraria Cultura.

Os preços dos vinis dos artistas nacionais são ain-da mais elevados. A loja virtual da Som Livre oferece um LP do Barão Vermelho lançado em 1982 custan-do em média de R$ 140. Lançamentos como de Maria Gadú são vendidos por mais de R$ 200. Os menores valores são da Polysom, em média de R$ 75 a R$ 90.

O proprietário da Polysom, João Augusto, confessa que o governo não incentiva o setor e os vinis brasilei-ros são caros em razão dos impostos: “O custo para o consumidor final é prerrogativa do produtor fonográ-fico e dos pontos de venda, mas estamos trabalhando arduamente para baixar o custo de fabricação e assim criar uma corrente de preços mais em conta. Temos no Brasil uma verdadeira cascata de custos que não deveriam existir e que, na maioria das vezes, sequer financiam a melhor qualidade de vida do brasileiro”.

Segundo ele, o preço final do disco é 66% de im-postos, causados por uma cadeia tributária “absurda” que começa na aquisição das matérias primas. Os im-postos incidentes são Pis-Cofins, ICMS (substituição tributária) e IPI. “Pedimos que tirassem pelo menos o IPI, que é um imposto nacional. Não tivemos nenhu-ma resposta”, lamenta.

* Colaborou Leonardo Coelho

Alex Vidigal é um dos clientes assíduos da Musical Center

Fotos: Nilton Miranda

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Horizontal1. Mês em que se comemora o dia do vinil no Brasil8. País que apontou um crescimento de 55% de vendas de vinil no primeiro semestre de 20119.Apelido dado ao vinil pelos admiradores10. O formato musical possível de reunir todas as músicas dentro bolso da calça11. Qualidade de uma reprodução em áudio muito próxima da original12. Equipamento para reprodução do vinil. Também conhecido como eletrola, vitrola e pick-up15. Gênero de música mais procurado pelos adeptos do vinil

Vertical2. Artista brasileiro que mais vendeu discos no país3. Banda campeã de vendas de vinis nos Estados Unidos4. A única fábrica de vinil ativa na América Latina5. O álbum mais vendido da história, segundo o livro Guinness dos Recordes6. Corrigir eventuais defeitos ou alcançar um som desejado7. Inventor do primeiro aparelho musical registrado na história 13. A extremidade que precisa ser manuseada suavemente pelos ouvintes do vinil14. A fissura entalhada no disco, em formato espiral, que permite a reprodução do som pelo atrito com a agulha

RESULTADO DA CRUZADINHA DA EDIÇÃO ANTERIOR: HORIZONTAL: 7-ARATICUM; 8-AUTOIMUNE; 11-RADICAISLIVRES; 13-ALOPATICO; 14-LUPUS; 15-ANVISA; 17-MACAUBA; 18-CERRADO; 19-ANTIOXIDANTE; 20-FITOTERAPICO VERTICAL: 1-BACUPARI; 2-BURITI; 3-BARU; 4-BIODIVERSIDADE; 5-PEQUI; 6-EMBRAPA; 9-NUTRACEUTICO; 10-LADYGAGA; 12-CAGAITA; 15- AMAZONIA; 16-EXOTICO

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ponto & vírgula “Não tem beleza na pobreza. Pobreza é linda pra intelectual, pra rico

intelectual que tá bem de vida.” Assim Sebastião Carlos dos Santos, o Tião, presidente da Asso-ciação dos Catadores de Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, defende que tratar de pobreza na arte deve ser para levantar a questão social, não para embelezá-la. Personagem central em “Lixo Extraordinário” - documentário de Vik Muniz vencedor de vários prêmios e indicado ao Oscar deste ano - Tião tem andado pelo país discutindo a questão da reciclagem e do trabalho dos cata-dores. Em Brasília, ele participou de reuniões políticas e comemorou as 59 toneladas de ma-terial reciclável recolhidas pelos voluntários do “Limpa Brasília”, em agosto. Entre a crítica e a descontração, Tião falou ao Artefato sobre as mudanças na vida dos catadores do aterro carioca depois do trabalho do artista plástico Vik Mu-niz, reciclagem e consciência ambiental no Brasil, acesso à cultura e exclusão social.

Quais são as principais mudanças com o trabalho de Vik Muniz para os catadores de Jardim Gramacho?Se eu dissesse que mudou a vida de todas as pes-soas, seria totalmente demagogo. As condições da Associação dos Catadores de Jardim Gra-macho melhoraram muito, principalmente os projetos sociais dentro da comunidade. Porém, ainda existem muitos problemas, que estão em discussão. Reurbanização do bairro, engenharia de habitação, que é muito premente, educação, saúde, etc. Acho que o principal ganho do filme é a visibilidade que a comunidade ganhou, e prin-cipalmente, a situação de nós, catadores.

Como é essa coisa de “conhecer as pessoas através do lixo”, e agora poder mostrar a elas um pouco de quem são as pessoas que lidam com ele?Primeiro: a gente tem que mudar esse conceito de “lixo”. Lixo é aquilo que não tem reaprovei-tamento. Quanto às pessoas que trabalham com isso, elas devem ser reconhecidas e valorizadas pelo seu trabalho. São poucas pessoas que têm a visão do trabalho do catador como um trabalho. Tá muito ligado à desocupação, o “cara que não quis nada na vida, um desocupado”. O que elas não percebem é que o catador de material reci-clável, por mais que viva em uma sociedade total-mente excludente, conseguiu de forma criativa e honesta construir seu próprio trabalho. Não vou dizer que as condições de trabalho hoje são dig-nas, porque não há dignidade na pobreza. Têm muita situação que tem que ser mudada. Mas acho que a visão da sociedade em relação ao trabalho dos catadores vem mudando, mas tem que me-lhorar muito.

Você falou que a arte só precisa ser entendi-da para que a pessoa goste. Acha mais im-portante que as pessoas tenham acesso e en-tendam a arte “clássica” ou que sejam mais produtoras de arte que reflete sua realidade? Ou as duas coisas?Acho que a pessoa que não conhece a si própria não vai entender o próximo. Então acho que co-

meça por aquilo que tá mais próximo, né? Pela nossa realidade. Aí você vai automaticamente se sentir curioso para entender de gótico, se você achar interessante. É uma questão de experimen-tar. Você não pode dizer se uma coisa é boa ou não antes de experimentar. Desde que faça algu-ma coisa, o bom é ser criativo, né? Acho que é isso, botar a mente para funcionar!

Como está a transição dos catadores de Jar-dim Gramacho, com o fim do aterro em 2012?Estamos discutindo um plano de encerramen-to. Aí tem a questão da urbanização, e envolve também diretamente a questão de trabalho e ren-da, que é o maior impacto. Mas a gente tem um fórum comunitário que já era atuante dentro do bairro, desde 2005. A gente tá acompanhando de muito próximo essa questão. Na verdade, ne-nhum aterro pode ter catador, né? Isso aconteceu porque na época ninguém discutia. A reciclagem no Brasil não se dá pela educação ambiental ou pela consciência ambiental do brasileiro. É mais pela questão da exclusão social e da pobreza. A gente tem uma política pública aprovada no ano passado, tão lá os benefícios para os catadores, agora tem que fazer valer. Para isso tem que ter mais campanha dessa para conscientizar o cida-dão, mas também para ter a discussão e a implan-tação da coleta seletiva como uma política públi-ca. A gente tem dezenas de motivos para ter um sistema de reciclagem.

Jardim Gramacho tem projetos de educação ambiental?Talvez mais para frente a gente discuta a educa-ção ambiental no bairro, porque Gramacho é um bairro que é reciclagem. Tem lá trocentas mil pes-soas que vivem disso. Acho que a educação ali é mais na questão de você entender o seu trabalho. Entender o processo do seu trabalho dentro da Educação Ambiental, porque já nasci desse jeito, na veia. É mais a questão da valorização da tua identidade, do teu respeito, auto estima, valoriza-ção e reconhecimento.

Como foi estar no Oscar, mas, infelizmente, não ganhar?Minha maior emoção foi quando pude ver minha comunidade. Quando abriu e vi aquela multidão fui à loucura. Eu chorei muito quan-do vi que eles choraram porque perderam. O único momento que os vi foi na entrevista no Fantástico. Abriu a tela e mostrou a praça lotada. E depois que vi que todo mundo chorou, eles disseram que até Deus chorou porque depois caiu um pé d’água. Foi muito além do Oscar. Se basear na estatueta, num prêmio só? Seria muito bom ganhar, seria o primeiro do Brasil e não seria esquecido. Mas basear tudo aquilo que a gente fez só na estatueta do Oscar seria não respeitar nosso próprio trabalho.

Ainda quer comprar seu quadro de volta?Olha, por tudo que já aconteceu o preço dele deve estar muito grande agora (risos). Mas pô, se um dia eu tiver dinheiro para isso, né? Acho que nunca vou conseguir comprar meu qua-dro de volta.

Lixo, Oscar e

arteStephany Cardoso

Entrevista: Tião dos Santos

foto: Divulgação

Tião transformado em Marat, revolucionário francês que serviu de inspiração para Vik Muniz

@ Leia a entrevista completa no blog do Artefato:http://[email protected]