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w Ano 14, Nº 8 Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Distribuição Gratuita Brasília, dezembro de 2013 Artefato Foto: Ana Paz Feiras de rua Mesmo com o crescimento dos supermercados, elas continuam a conquistar fregueses em todo o DF Páginas 6 e 7 Internet Projeto de lei é prioridade após espionagem Página 24 Vinho em Goiás A terra do pequi também produz a bebida dos deuses Páginas 16 e 17 Ao ar livre Com a correria do dia a dia, lanches rápidos e baratos são tentadores, mas podem trazer riscos à saúde Página 3 Profissão baleiro Vendedores de doces em ônibus faturam até R$ 2 mil por mês. Próximo passo é a sindicalização Página 11 Foto: Renata Ribas De um lado, pais exigem demais no ensino de crianças. De outro, legião de brasileiros chega à faculdade sem saber ler Páginas 12, 13 e 14 Duas faces da educação 4aedicao Artefato 22013.indd 1 27/11/13 17:13

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Jornal-Laboratório da Universidade Católica de Brasília, ano 14, n. 8

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Foto: Ana Paz

Feiras de ruaMesmo com o crescimento dos supermercados, elas continuam a conquistar fregueses em todo o DF

Páginas 6 e 7

InternetProjeto de lei é prioridade após espionagem Página 24

Vinho em GoiásA terra do pequi também produz a bebida dos deuses Páginas 16 e 17

Ao ar livre Com a correria do dia a dia, lanches rápidos e baratos são tentadores, mas podem trazer riscos à saúde Página 3

Profissão baleiro Vendedores de doces em ônibus faturam até R$ 2 mil por mês. Próximo passo é a sindicalização Página 11

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De um lado, pais exigem demais no ensino de crianças. De outro, legião de brasileiros chega à faculdade sem saber ler Páginas 12, 13 e 14

Duas faces da educação

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RENATA RIBAS THALYNE CARNEIRO

UM JORNAL- laboratório é só um ensaio daquilo que desde o início do curso estamos a aprender, mas que le-varemos a vida inteira para aprimorar. Aprendemos a correr contra o tempo, a lidar com a falta de fotos, a fazer mi-lagres nas diagramações, a editar tex-tos, a aceitar correções e sugestões dos colegas e , acima de qualquer problema, a fechar o jornal. Durante quatro edi-ções experimentamos o gosto de ser jornalista e aprendemos que ter ou não ter o jornal na rua no outro dia depen-de não só de você, mas de uma equipe inteira de trabalho. Cada aluno é peça fundamental nesse esforço conjunto de fazer d o Artefato, a cada semestre, um jornal melhor.

Aprendemos durante o curso que jornalismo é coisa séria, mas no Arte-fato o nosso compromisso ético se in-tensif ica. Você é responsável pela pauta que sugere, pelo conteúdo que produz, pelas fotos da sua matéria, pelas falas do seu entrevistado e principalmente pela veracidade das informações que publica. Ser jornalista é se preocupar com cada vírgula do seu texto, não só a forma como ele será interpretado pelo leitor, mas também com o impacto que um dado não checado ou uma fonte não contestada pode causar. Oportunidades como a da nossa disciplina de exerci-tar essa prática podem ser o diferencial entre um profissional formado e mais uma pessoa com diploma.

Durante os últimos meses, vivemos aqui o que muitos de nós irão viven-ciar no mercado. Respeitar a hierarquia das funções talvez seja o maior desafio. Encarar como chefe aquele colega que frequenta as mesmas aulas que você não é tão fácil quanto parece. Alguns f icaram pelo caminho, desistiram. Ou-tros continuaram, mas sem entender que aqui não somos concorrentes. Os que persistiram e aprenderam o que signif ica fazer um jornal - laboratório já não são mais os mesmos. Saímos daqui com a certeza de que f izemos o melhor. A tal “capa rosa” não agradou a todos, mas marcou pelo layout e, acima de tudo , pelo companheirismo e tranquili-dade das duas turmas. A última edição não é o f im. Nas palavras de Renato Russo, “o mundo começa agora. Ape-nas começamos”.

opinião

Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de BrasíliaAno 14, n. 8, dezembro de 2013

Reitor: Prof. Dr. Afonso Tanus GalvãoDiretora do Curso: Profa. Me. Angélica Córdova Machado MilettoProfessoras responsáveis: Me. Karina Gomes Barbosa e Me. Fernanda VasquesOrientação de fotografia: Me. Bernadete Brasiliense

Editoras-chefes: : Renata Ribas e Thalyne CarneiroEditores de arte: Lucimar Bento e Renato GomesEditoras de fotografia: Anna Mizzu e Gledstiane Laíssia

Subeditores de fotografia: Eduarda Lewicz, Quéssia Fernanda, Wahby KhalilEditores web: Amanda Vilas Boas e Shizuo AlvesEditoras de texto: Anna Lourenço, Júlia Amarante, Jusciane Matos, Marcela Luiza, Nayane Gama, Rayanne LarissaDiagramadores: Alana Letícia, Alessandra Modzeleski, Ana Paz, Evely Leão, Jussara Rodrigues, Murilo LinsRepórteres: Adriele Vieira, Alessandro Alves, Carolline Paixão, Christian Kely Soares, Filipe Rocha, Karinne Rodrigues, Luiz Fernando Souza, Narla Bianca, Paula Morais, Renata de Paula, Rhayne Ravanne, Ricardo Felizola, Stefany SalesChecadores: Adriele Vieira, Carolline Paixão, Christian Kely Soares, Narla Bianca, Rhayne Ravanne, Ricardo Felizola

Fotógrafos: Amanda Bartolomeu, Amanda Costa, Ana Beatriz, Bianca Amaral, Carolina Vajas, Débora Vieira, Eduarda Lewicz, Eduardo Kirst, Enoque Aguiar, Fernanda Pinheiro, Gustavo Goés, Jéssica Duarte, Jéssica Eufrásio, Jhonatan Vieira, Juliana Macêdo, Letícia Sousa, Rafaela Brito, Ramila Moura, Rayssa Oliveira, Rosi Araújo, Yago AlvesTiragem: 2 mil exemplaresImpressão: Gráfica Saturno

Universidade Católica de BrasíliaEPCT QS 7, Lote 1 - Bloco K, sala 212 Águas Claras, DFFone: 3356-9098/9237Email: [email protected]: pulsatil.com.brFacebook: facebook.com/artefato.ucbEdições anteriores: isssuu.com/jornalartefato

Artefato

EDITORIAL

ALESSANDRA MODZELESKI

Em pé, não!CRÔNICA

EITA, lá vem o homem com pressa, pensei eu. De segunda a sexta, às 18h30, é caso certo ver Batista andando em passos acelerados até passar a catraca da estação Central, Rodoviária do Plano Piloto. O som do trem chegando anuncia que é pre-ciso esticar o narigão sobre o muro do se-gundo andar para ver qual carro está esta-cionado, na plataforma inferior, e decidir se corre ou não. Corre quando é Samam-baia. Não sei onde mora, quem é, o que faz. Sei que sempre desce na estação Ta-guatinga Sul. Se é lá que reside, ou se pega um ônibus para o Gama, Riacho Fundo ou outro lugar, aí são outros quinhentos.

Batista se destaca nos milhares de usu-ários que embarcam na Central pela sua vontade incessante de ir embora sempre sentado. A fila pra entrar no vagão é dele. Com dois metros de altura fica fácil parar atrás da faixa amarela e ficar imóvel para ser o primeiro a entrar.

Certa vez, o metrô entrou em greve e o número de trens foi reduzido à meta-de, logo, a quantidade de pessoas estava duas, três vezes maior. O engraçadinho do Batista chegou correndo e parou na fila desconcertada e sem forma que estava feita. O próximo trem era Ceilândia, mas ele permaneceu. O trem chegou e as pes-soas entraram. Ele ficou, se tornando um dos primeiros a poder entrar no próximo. Dez, quinze minutos depois o Samambaia chegou. Batista foi aproximando a barriga saliente da linha amarela até a ultrapassar e ficar com o umbigo quente de tão colado ao vagão. Uma senhora tentou disputar com o rei quem entraria primeiro. Batista amou a disputa. Sem dó nem piedade em-purrou a dona e entrou gritando um longo “UUUUUUUUIIIIII”, com um sorriso e ar de vitorioso. Conseguiu lugar na ja-nela, localização privilegiada. A mulher,

ele não fez nem questão de saber se entrou ou não. Sentou, colocou o fone de ouvido, fechou os olhou, mas nem dormiu. Cruz credo apreciar quem entrava e saía daque-le vagão e logo ter que segurar a bolsa de alguma dona, ou pior, ter de ceder lugar para um idoso ou grávida.

Diante desse desrespeito às boas ma-neiras estabelecidas pela sociedade, e que devem ser honradas entre os homens – pelo menos na teoria –, os usuários se sensibilizaram com o drama vivido pela mulher, que acabou ficando em pé. A mas-sa, naquele momento, compartilhou do mesmo sentimento, solidariedade, que foi demonstrada por meio de comentários em tons que até o maquinista conseguia ou-vir. Os olhares lançados a Batista eram os piores. Há quem inclusive jurou que ficou com dó do homem.

Uma senhora que estava sentada ao lado do dito cujo, incrédula por ele ter ignora-do tudo e continuado firme e forte como o dono da verdade, resolveu tomar uma ati-tude. Respirou fundo e enquanto cutucava o ombro de Batista soltou as palavras sem nem digerir:

— Meu filho, não está ouvindo não? Ele tirou o fone e antes de falar foi inter-

rompido por uma voz feminina e robotizada:— Estação Taguatinga Sul. Uma peque-

na pausa e novamente: — Taguatinga Sul station.

Batista pausou a música, tirou os dois fo-nes e guardou na mochila enquanto se levan-tava. E soltou por entre os dentes palavras apressadas:

— Obrigado, minha senhora. Ia passar da estação e não ia ouvir.

E saiu.

Ilustração: Shizuo AlvesA turma do rosa

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cidades

Eles são rápidos e cabem no bolsoALIMENTAÇÃO

Lanches de rua oferecem praticidade, preços baixos e sabores tentadores. Mas as lanchonetes espalhadas pela cidade podem oferecer riscos à saúde

EM FRENTE às escolas, universidades, feiras e terminais e paradas de ônibus. Atrás dos ministérios, na Praça do Relógio, nos setores comerciais Sul e Norte, próximo às estações de metrô. As lanchonetes ao ar livre tomaram a paisagem do Distrito Fe-deral. Em pontos estratégicos e movimen-tados, os donos das barracas aproveitam da correria do dia a dia para oferecerem aos clientes lanches rápidos e com preços que cabem no bolso.

O brasiliense já tem o hábito de comer o famoso “churrasquinho de gato” nas ruas. Os espetinhos de carne, frango e linguiça são encontrados nos mais variados locais do DF, assim como o pastel “da Rodô”, os x-bombas, o cachorro quente e até cal-dos. Há ambulantes vendendo sanduíches, bolos, sucos e café em barraquinhas espa-lhadas pela cidade, em meio a um cenário insalubre, com pombos ao redor em busca de alguma migalha de comida.

O centro de Taguatinga e a Rodoviária do Plano Piloto são exemplos de locais to-mados por lanchonetes. Para a secretária Priscilla Rodrigues da Cruz, o principal motivo de lanchar na rua é a falta de tem-po. “Saio muito cedo de casa e não tenho tempo para tomar café da manhã, então todo dia eu lancho no centro, é rápido e barato,” revela.

Em Brasília, onde o custo de vida é alto, as pessoas chegam a trocar as principais re-feições do dia por lanches. De acordo com pesquisa feita pelo Datafolha, em 2012, Bra-sília é a terceira capital brasileira mais cara para almoçar fora de casa, com o custo mé-dio de R$ 31,77 por refeição. O preço médio de um lanche não costuma passar de R$ 5.

Pós-balada

Além de aliviarem a fome na correria di-ária, as lanchonetes também fazem sucesso durante a noite. Depois de uma festa, elas se tornam a última parada para fechar bem a balada. Os lanches são variados, de macar-rão a hambúrgueres de três andares.

Para a estudante de Direito Ellen Vilela, passar num lugar desses depois da balada é obrigatório. “Depois de horas em pé, dan-çando e bebendo, é mais que necessário repor as energias antes de terminar o dia, e nesses locais é tudo mais prático. Não preci-sa preparar lanche em casa”, conta.

Perigos

Comer lanchinhos na rua pode adiantar a vida de muita gente, mas é preciso ter cuidado. Os erros dos vendedores variam do simples ao mais grotesco. Entre os mais comuns estão a falta de refrigeração dos alimentos; a não utilização de equipamentos como luvas, más-

caras, toucas para a queda de cabelos; a não higienização nas chapas e recipientes onde os salgados são armazenados; o uso – proibido – de molhos dentro de tubos de plástico; e a manipulação indevida do dinheiro.

A Agência Nacional de Vigilância Sani-tária (Anvisa) coordena o controle sanitário de alimentos. As atividades são realizadas pelo Sistema Nacional de Vigilância Sani-tária (Visa). Segundo o órgão, quando são identificadas irregularidades sanitárias, as vigilâncias adotam as sanções previstas na lei 6.437/77, com o objetivo de prevenir ris-cos à saúde da população e impedir a fabri-cação e comercialização do produto até que a irregularidade seja sanada.

As penas para quem descumpre a legisla-ção dependem da gravidade da manipulação e preparo de alimentos, podendo variar en-tre advertência, apreensão e inutilização do produto, interdição do local, cancelamento do registro ou multa. O valor da punição pode oscilar de R$ 2 mil no caso de infra-ções leves até R$ 1,5 milhão para infrações gravíssimas.

As inspeções de alimentos e estabeleci-mentos são realizadas rotineiramente. Os vigilantes levam em consideração a partici-pação dos consumidores por meio de denún-cias e reclamações, ou estabelecidas pelos órgãos de vigilância sanitária.

FILIPE ROCHARICARDO FELIZOLA

Lanchonetes de rua são uma das opções de lanches rápidos e baratos no DF; churrasquinhos estão entre os mais populares

A ingestão de comidas e líquidos contamina-dos e mal preparados pode provocar diver-sos tipos de doenças:

- Cólera: causada principalmente por água contaminada. Provoca diarreia intensa;

- Hepatite viral tipo A: a infecção deixa a pele e olhos amarelados, além de causar febre, dor abdominal, náuseas e vômito, falta de apetite e cansaço;

- Doença de chagas: causada pela contami-nação de vegetais, que pode ocorrer durante a colheita, armazenamento, transporte ou mesmo durante a preparação do alimento. Provoca febre prolongada, manchas na pele, aumento do fígado ou baço e cardiopatia aguda. Não tem cura;

- Botulismo: transmitida por uma bactéria, os sintomas da doença, considerada grave, são paralisia muscular, visão dupla, dificuldade motora e de respiração;

- Salmonela: provoca diarreia, náuseas e do-res abdominais como cólica e cefaleias.

Fonte: Anvisa e Ministério da Saúde

DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS

Foto: Quéssia Fernanda

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cidades

Asfalto novo, velhos problemasEspecialista afirma que transtornos são necessários para garantir o bem-estar da população; motoristas reclamam da qualidade do serviço

RECAPEAMENTO

ANA PAZANNA MIZZU

APESAR de importantes, as obras de recapeamento das vias públicas do DF vêm causando transtornos à população. A demora para a conclusão dos serviços, os constantes reparos, os horários em que os serviços são prestados, a falta de sinalização nos locais das obras e a bai-

xa qualidade dos materiais usados são as principais reclamações de motoristas, pedestres e especialistas. Isso sem falar que o período escolhido – das chuvas – causa estranhamento nos brasilienses.

No Parque da Cidade, os comercian-tes alegam que as obras estão sendo re-

feitas o tempo todo. “A impressão que eu tenho é que começam, não terminam e voltam para fazer. Com isso, a gente não sabe quando vai terminar e nosso movimento fica prejudicado”, afirma Geovani Reis, funcionário de uma lan-chonete do local.

Fotos: Eduardo Kirst

Há, ainda, o problema da sinaliza-ção, uma vez que as pistas só podem ser pintadas depois do trabalho finalizado. Já houve pelo menos um acidente por causa disso: recentemente, dois carros bateram de frente no Parque da Cidade. Nas asas Sul e Norte, o problema é nas

Cerca de R$770 milhões serão gastos para recuperar mais de 50% da malha viária do DF

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travessias de pedestres, nos balões de acesso às quadras residenciais e na di-visão das pistas, que ainda estão sem a sinalização horizontal – que são as faixas brancas e amarelas.

Moradores e comerciantes do Plano Piloto tiveram de enfrentar transtornos em horário de pico. O engenheiro Dayal Machado, morador da Asa Sul, diz não ter muito do que reclamar, já que a úl-tima vez em que o asfalto da cidade foi recuperado em grande escala foi no go-verno Cristovam (1994-1998). Isso não quer dizer, porém, que não ocorram transtornos. “Tenho dois caminhos pos-síveis até meu trabalho. Um dia, os dois estavam engarrafados em razão de inter-venções do GDF no asfalto e eram 8 da manhã.” Dayal enfatiza, porém, que o essencial é que se leve em consideração a durabilidade dos materiais utilizados, caso contrário há desperdício de recur-sos e de esforços. “Há sempre o receio de que o asfalto novo seja uma medida meramente eleitoreira, como é de praxe no Brasil, com revestimento “programa-do” para ter vida curta.”

Quanto a isso, o engenheiro Ismael Rodrigues explica: “É comum, nas cida-des brasileiras, a utilização de asfalto de baixa qualidade e usinado a frio, quan-do o ideal é que o asfalto seja usinado a quente, tecnicamente conhecido como CBUQ – Concreto Betuminoso Usinado a Quente.” O resultado dessa escolha é a durabilidade curta e o custo elevado da manutenção das vias.

Joaquim Carlos Soutinho Neto, en-genheiro civil e mestre em Transporte Urbano pela Universidade de Brasília, ensina que os pavimentos têm uma vida útil que depende da quantidade e do tipo de veículo que os utiliza. De tempos em tempos, é necessário fazer serviços de manutenção, e a população acaba enfren-tando problemas por causa disso. “Em geral, não é possível executar os servi-ços nos horários de menor movimento e os congestionamentos são inevitáveis. Por outro lado, quando os serviços são executados no período noturno, acabam por causar transtornos para os morado-res das áreas lindeiras, em decorrência do barulho provocado pela circulação das máquinas e equipamentos”, pondera Joaquim. Mas o engenheiro ressalta: “É inegável que os serviços de recapeamen-to trarão grandes benefícios para a po-pulação, que poderá transitar com pistas livres de buracos e imperfeições e rea-lizar seus deslocamentos em condições muito mais seguras.”.

O programaAsfalto Novo foi lançado em junho

deste ano e integra os Projetos Estru-turantes do DF, coordenados pela Casa Civil em parceria com a Secretaria de Obras e com a Novacap. O GDF vai investir, inicialmente, R$ 770 milhões até o final de 2014 nas obras de recapea-mento de mais de 50% – cerca de seis mil quilômetros – dos 11 mil de extensão total das vias do Plano Piloto e de todas as Regiões Administrativas (RA’s).

Para realizá-lo, a Diretoria de Urba-nização da Novacap fez um mapeamen-to durante dois anos, com mais de 81 mil documentos, sobre a situação das vias urbanas das cidades do DF. Segundo Nilson Martorelli, presidente da compa-nhia, as obras começaram por Brasília e

serão estendidas para as demais regiões. O programa foi dividido em três

etapas: a primeira está em execução e custou R$ 154 milhões. Contemplou a região central do Plano Piloto, com início em junho de 2013 e previsão de finalização em dezembro deste ano. Vai recuperar 720 Km de vias. A segunda etapa tem o valor previsto de R$ 283,2 milhões e vai atender as avenidas prin-cipais das RAs. As obras começaram em outubro e têm previsão de término em dezembro de 2014. Serão recupera-dos mais de 1.600 Km.

A terceira etapa depende da publica-ção de um edital. O valor previsto é de R$ 300 milhões para consertar as vias locais das RAs. As obras terão início assim que o GDF assinar contrato com

a empresa responsável pelo serviço. A conclusão está prevista para dezembro de 2014.

O GDF informou que, para não atra-palhar o tráfego, as obras são feitas sempre partir de 21h e se estendem pela madrugada, até no máximo 6h. Mas es-ses horários foram implantados apenas nos primeiros meses de obras. Agora, muitos moradores reclamam dos trans-tornos causados nos horários de pico, principalmente pela manhã, até o meio--dia, das obras de recapeamento.

Segundo o diretor de Urbanização da Novacap, Erinaldo Pereira Sales, a duração de cada etapa varia de 60 a 150 dias, dependendo das condições do trecho e do tipo de serviço que será realizado.

cidades

As duas primeiras etapas das obras têm previsão de término para o final de 2014

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TRADIÇÃO

cidades

É dia de feira!De geração em geração, feirantes oferecem produtos saudáveis a preços justos

GLEDSTIANA LAÍSSIAADRIELE VIEIRA

NAS RUAS de todo o Distrito Federal as feiras livres são uma tradição. A movimen-tação começa cedo, por volta das 4 da manhã os feirantes já dão início à montagem de suas bancas. As maiores, com muitos produtos, iniciam a instalação no dia anterior. Basta o sol começar a nascer para os clientes chega-rem, e em pouco tempo a feira já está lotada. Apesar do crescimento dos supermercados, e da exposição freqüente a sol forte e chuva, as feiras não desaparecem e parte da popu-lação ainda prefere freqüentá-las em busca de alimentos mais frescos e preços menores.

A feira livre de Taguatinga existe há mais de 30 anos e funciona quatro dias da sema-

na. Quarta-feira na CSB 07, em Taguatinga Sul, quinta-feira na Vila Mathias, sábado na QND 08, em Taguatinga Norte, e domingo na Praça do Bicalho, sempre nos mesmos horários, das 6h até às 13h. Dona Maria da Conceição tem seu ponto garantido há mais de 17 anos. Ela e a família tiram o sustento somente de lá, vendendo verduras e legu-mes. Na banca trabalham ela, o marido e o filho, que pretende seguir o mesmo rumo.

Uma das principais vantagens ao se falar em feiras livres é a forma como o feirante ajuda na escolha do melhor produto: eles fazem questão de indicar ao cliente as horta-liças mais frescas. Para isso, o vendedor pre-

cisa entender tudo sobre os alimentos e estar atualizado sobre os preços nas outras bancas e também nos supermercados. Feirante há 35 anos, Carlos Alberto é bem ser sincero com a clientela: se o cliente quer levar uma fruta que já está meio batida ou sobrou de outro dia, ele mesmo avisa que existe outra caixa com frutas mais frescas. Para não des-perdiçar o que sobra, o feirante faz doações a creches do Distrito Federal.

Carlos também afirma que todos os seus produtos são livres de agrotóxicos e produ-zidos em câmara fria, um tipo de refrigera-ção que acelera artificialmente o amadure cimento de frutas. A vantagem dessa forma

é que é possível fornecer a quantidade de fru-tas maduras e que durem mais tempo para o cliente sem que tenha qualquer alteração de gosto, textura e aparência.

Trabalho em famíliaEm muitas barracas é possível observar

que as pessoas que estão trabalhando são to-das de uma mesma família. A feira de Tagua-tinga é um cenário cheio de histórias de fei-rantes que seguem os trabalhos de seus pais. Por trás de uma barraca repleta de farinhas, castanhas e feijões dos mais variados tipos está Aldo Araújo, um feirante que transborda bom humor e trabalha na feira há 20 anos. Em

A variedade de alimentos na feira livre de Taguatinga é grande e chama a atenção pela qualidade. Feirantes garantem que os produtos são frescos e sem agrotóxicos

Foto: Jéssica Duarte

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cidades

Motivos para ir às feiras!As feiras, independente das

cidades que se localizam, possuem algumas características comuns: são movimentadas, com vários sons e muitas cores. Trazem sempre um grande pedaço de regionalismo em um só lugar. E, diferente dos mercados, possuem alguns motivos especiais que as tornam atrativas:

· Mercadoria de boa qualidade: nos mercados às vezes não se encontra frutas e verduras tão frescas como nas feiras;

· Os feirantes acordam cedo para ir ao Ceasa adquirirem os melhores produtos, e os fornecedores de mercados vão mais tarde. Então já não pegam a qualidade como os feirantes;

· Há maior interação entre as pessoas. Uma manhã na feira pode ser bem divertida;

· Existe a chance de negociar, ou melhor, “pechinchar” os preços;

· Colaboram com o crescimento de pequenos produtores e comerciantes;

· Os valores podem chegar a ser 50% mais baixos do que nos mercados.

1982, quando tinha 15 anos, veio do Nordes-te a Brasília para trabalhar na feira com seu pai e irmãos. Atualmente, Aldo e mais dois irmãos continuam trabalhando como feiran-tes. As duas irmãs estudaram e seguiram em outras profissões.

Aldo até tentou trabalhar em outros lu-gares, como mercados e padarias, mas o que o fez voltar às feiras foram as folgas. “Eu trabalhei um bom tempo em mercado, mas é muito puxado. Tinha dias em que eu passava a madrugada buscando os alimentos, e logo de manhã tinha que estar no mercado para expor. Sem contar que trabalhava todos os dias da semana. Na feira, não. Aqui tenho dois dias de folga e trabalho meio período, podendo fazer algo de útil no resto do dia, como passeios ou caminhadas.” Com o di-nheiro obtido na feira, Aldo comprou um lote onde construiu uma casa e um aparta-mento em Samambaia. Hoje recebe paga-mento de alugueis dos estabelecimentos, e comprou outra casa na Colônia Agrícola, onde mora atualmente.

Na banca da dona Zenaide de Rocha, é possível ver grande parte da família traba-lhando junta. Ela começou a trabalhar com o pai, quando tinha apenas nove anos, e enten-de que ver a família unida é motivo de orgu-lho, mas deixa claro que, sabendo como é um trabalho puxado e nada fácil, gostaria que os

Além de maior interação entre as pessoas, ainda é possível provar os alimentos e receber ajuda dos feirantes na escolha do que compra

Foto: Rayssa Oliveira

filhos conseguissem um emprego melhor.

DesvantagemDona Zenaide já trabalha na feira há 27

anos, e para ela o emprego é bom e dá para pagar as contas. Mas a falta de melhorias na estrutura torna o trabalho bem desconfor-tável. Trabalhar diante de chuva e sol forte durante grande parte do dia é só um dos pro-blemas que o governo não pensa em melho-rar. “A classe dos feirantes deveria atingir os políticos. Eles nos procuram apenas em época de eleições e depois não dão nenhuma estrutura”, diz a feirante.

Ela reclama da estrutura, como a falta de tendas de melhor qualidade oferecidas pelo próprio governo e banheiros químicos, já que cada ponto paga um imposto mensal que pode chegar a R$ 300. A situação dos traba-lhadores não é nada agradável; eles preci-sam ir ao carro para fazer suas necessidades. Se fizerem na rua pode gerar mau cheiro e afastar clientes. Os feirantes reclamam que sempre foi assim.

As feiras livres de Brasília são totalmente diferentes de outras cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, onde há uma estrutura co-berta com banheiros e bebedouros. As feiras fazem parte da tradição das cidades e vira-ram até ponto turístico, algo que está longe de acontecer aqui na capital.

Infográfico: Henrique Carmo

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AMANDA VILAS BOAS CHRISTIAN KELY SOARES

PROTEGER animais de rua vítimas de maus-tratos e abandono. Essa foi a motiva-ção que levou a atendente de caixa Daiane Ribeiro, 30 anos, a se tornar uma protetora independente e acolher bichos abandona-dos para oferecer cuidados básicos, como higiene e alimentação.

Atualmente, ela convive com três gatos e três cães. Em um ano, cuidou de 15 animais. Apesar da disposição, Daiane conta que a maior dificuldade dos protetores indepen-dentes é não receber nenhuma contribui-ção. “Temos que correr atrás de descontos, fazer rifas e negociar preços mais acessíveis com veterinários”, pondera.

Para ela, um caso marcante foi o do ca-chorro Snoopy, um filhote que estava muito debilitado na parada de ônibus: “As pessoas passavam, chutavam e ele nem se movia. Se

eu tentasse colocar o animal em pé ele aca-bava caindo”. Daiane só foi descobrir que o cão tinha doença altamente contagiosa – a cinomose, causada por um vírus que sobre-vive por muito tempo no ambiente – quan-do levou o cão ao especialista. Ela sofreu bastante com o estado de saúde do animal. E foi assim que ela se tornou protetora in-dependente e voluntária de um abrigo do Gama, chamado Flora e Fauna, que acolhe cães e gatos em situação de risco, vítimas de abandono e maus-tratos. No local, vi-vem cerca de 500 animais, mais ou menos 300 cães e 200 gatos, que recebem cuidados diários.

Orcileni Carvalho, protetora dos ani-mais, é fundadora do abrigo, criado em maio de 2005. Desde criança Orcileni cuida de bichos. Ela chegou a ter 50 animais. Foi

então que optou por morar em uma cháca-ra onde hoje funciona o abrigo para cães e gatos.

Prevenção

Gabriella Terra, 34 anos, veterinária vo-luntária há nove, começou a ajudar devido ao amor que tem pelos bichos. Seu maior sonho é ter uma casa de resgate de animais. Ela destaca que os protetores dos animais devem ter cuidados para evitar doenças: “Muitas doenças podem ser transmitidas do animal para o homem, como a raiva, vermi-noses, sarnas, micose, salmonela, por mor-didas ou arranhões”, declara.

Para evitar problemas, a veterinária in-dica cuidados básicos de higiene: “Utilizar toalha, luva, não se aproximar da boca do animal, evitar o contato direto, manter o

Todo primeiro sábado do mês, os animais do abrigo Fauna e Flora são doados na feira da 108 Sul

ACOLHIMENTO

Protetores e voluntários pegam animais nas ruas, oferecem cuidado e dão uma chance de vida para que possam encontrar um lar

animal fora de casa e evitar a saliva dos bi-chos são precauções importantes”,.

Entre os locais que cuidam de animais está a Associação Protetora dos Animais do Distrito Federal (ProAnima) que surgiu em 2003. O foco é conscientizar as pessoas so-bre a importância de respeitar cães e gatos. Eles lutam para que as leis de proteção se-jam aplicadas. A ProAnima conta com pro-fissionais com experiência em diversas áreas e que acreditam no trabalho voluntário.

Eutanásia

Esse trabalho é feito pelo centro de con-trole de Zoonose do DF, que tem por fina-lidade a prevenção e o controle de vírus, com o objetivo de diminuir a transmissão de doenças aos humanos. A zoonose faz o serviço da “carrocinha”, que são viaturas que recolhem cães e gatos que oferecem riscos à saúde da sociedade. Quando o ani-mal oferece perigo à população, pratica-se a eutanásia humanitária, que é permitida de acordo com a Resolução N° 100 do Conse-lho Federal de Medicina Veterinária.

O médico veterinário Emanuel Rocha Fernandes, 29 anos, explica que para se fazer ou não a eutanásia, deve se levar em consideração a condição de saúde do pa-ciente. “Antes de decidir essa prática temos que levar em conta o quadro da doença”, explica.

Mas para a protetora Orcilene Carva-lho do abrigo Fauna e Flora, a eutanásia só deve ser praticada quando o animal não tem chances de se recuperar. “Eu sou a favor da eutanásia humanitária, quando o animal trava o maxilar e não consegue mais se ali-mentar e nem andar, ou seja sempre em úl-timo caso”, finaliza.

Endereço: Núcleo Rural Ponte Alta - Gama DF, Chácara 20.Telefone para contato: (61) 9842-5461 ·Doe rações para cães e gatos adultos e filhotes;·Doe medicamentos na validade, como: doxiclina, vermífugos, mata bicheira, e re-pelentes tipo: bactrovet prata, karflae citro-nela – pomada;·Doe jornal velho;·Doe toalhas e cobertores usados para aquecer os animais;·Doe comedouros e bebedouros;·Doe casinhas para cães de médio e grande porte.

COMO AJUDAR

Foto: Rafaela Brito

Eles ajudam por amor

cidades

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ANNA LOURENÇO JÚLIA AMARANTE

A CIDADE Estrutural está em pro-cesso de desenvolvimento. Prova disso é a criação do banco comunitário. Esse modelo de banco surgiu em 1998 com o Palmas, no Conjunto Palmeira, bairro da periferia de Fortaleza (CE).Depois do Palmas, surgiram mais de 80 bancos comunitários no país. Um desses bancos é justamente o da Estrutural, que surgiu no ano de 2012 e tem como moeda so-cial a Conquista, nome escolhido pela comunidade por meio de votação feita com mil moradores. A cédula é pro-duzida pelo Banco Central, em papel--moeda e é estampada com imagens da cidade. O banco funciona assim: a cada Cq 1 – uma Conquista – circulando é necessário R$ 1 guardado no banco. É o chamado lastro.

A economia solidária, usada nos ban-cos comunitários, é uma forma diferente de economia baseada nos valores de soli-dariedade, cooperação, democracia, dig-nidade, respeito à natureza e valorização do trabalho humano. “As pessoas que procuram o banco solidário não podem ser tratadas da mesma forma que são tra-tadas nos bancos tradicionais. Se ela fala que vai poder pagar eu tenho que acre-ditar. Isso é ser solidário. É muito dife-rente do capitalismo”, explica Abadia Texeira, líder comunitária e responsável pelo banco.

Esse tipo de economia tem como ob-jetivo fornecer serviços bancários para os moradores de comunidades em desen-volvimento, como empréstimos a juros mínimos e sem a necessidade de compro-vante de renda ou fiador, o que não se-ria possível nos bancos tradicionais, que exigem garantia financeira. Nos bancos comunitários quem garante a confiabili-dade são os próprios vizinhos.

Para utilizar a moeda, o morador troca um real por uma conquista. Esse dinheiro tem de ser gasto na própria ci-dade, e os comerciantes devem oferecer descontos diferenciados para o paga-mento com a moeda social. É dessa for-ma que a comunidade se sente motivada a usar a Conquista. Porém, na prática o

banco está encontrando difi-culdades diante dos comer-ciantes, que são resistentes ao aceitar a Conquista e oferecer vantagens.

Com uma carteira de R$ 25 mil para empréstimos, o banco possui também R$ 4.800 para serem usados só em Conquis-ta, mas apenas 800 conquistas circulam na comunidade. “Po-deria ter muito mais conquis-tas circulando, mas falta uma ajuda do comércio, de oferecer um desconto diferenciado. Es-tamos passando por esse pro-cesso de incentivo da moeda”, afirma Abadia.

A comerciante Francineide Galvão mora na Cidade Es-trutural há 20 anos e já fez três empréstimos no banco comu-

Estrutural tem banco e moeda própria

cidadesDINHEIRO

Economia solidária é esperança para o desenvolvimento da comunidade

A experiência pioneira do Palmas, no Ceará, surgiu porque a população sentiu a necessidade de desenvolver e aumentar a comunidade. Para colocar a ideia em prática foi criada uma moeda que deveria circular somente por lá e assim fazer com que os moradores não gastassem o dinheiro em comércios de fora. Após uma pesquisa feita na região, produziram a moeda social “Palma”, que integra o banco comunitário do bairro.

HISTÓRIA

Conquista, moeda exclusiva da comunidade, é estampada com imagens da cidade e produzida pelo Banco Central

Foto: Amanda Costa

nitário. Existem três linhas de acesso ao crédito: de consumo, que é feito em conquista e tem prazo de 30 dias para pagar; de crédito produtivo, para quem produz ou tem um comércio pequeno; e o habitacional que é um valor maior, para construir uma moradia.

Francineide solicitou o crédito produtivo e elogia a experiência. “O primeiro em-préstimo foi de R$ 500. Serviu demais, estava precisando para colocar a laje da minha loja de móveis usados. O dinheiro deu para comprar o material que precisava e pagar o pe-dreiro. Comprei tudo à vista e saiu bem mais barato. Esse banco chegou em boa hora”, comemora.

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Todo cuidado é necessário ao receber uma nota de dinheiro. A atenção maior é para a autenticidade da cédula em relação aos elementos de segurança

economia

FALSIFICAÇÃO

Prejuízo com dinheiro falsoApesar de alteração de cédulas, a Nova Família do Real ainda é alvo de criminosos. Comerciantes questionam fiscalização

LUIZ FERNANDO SOUZA

INFORME-SE:Dúvidas sobre a segunda família do Real:http://www.bcb.gov.br/?MECIRDUVIDASCEDFAMDOIS

Casos de invalidez (ou não) da nota:http://www.bcb.gov.br/htms/mecir/inadequadas/c2.asp?idpai=cedinadeq#c25

Elementos de segurança nas cédulas da segunda família do Real:http://www.bcb.gov.br/novasnotas/index.html

Para mais informações, acesse: www.pulsatil.com.br

“Nestes mais de 20 anos recebemos notas falsas por dez vezes, pois não há mais hora nem lugar para acontecer. O impacto que é gerado para nós, comerciantes, é de prejuízo.” Reginaldo José Biângulo, comerciante

Foto: Eduarda Lewicz e Rosi Araújo

FALSIFICAÇÃO de dinheiro. Esse é um problema que chama a atenção de empresários dos mais variados setores da economia brasileira. Para comer-ciantes, a falsif icação é uma dura reali-dade. O proprietário de uma padaria em Taguatinga Norte, Reginaldo José Bi-ângulo, 40 anos já recebeu muitas notas falsas: “Nestes mais de 20 anos recebe-mos notas falsas por dez vezes, pois não há mais hora nem lugar para acontecer. O prejuízo é impactante.” Reginaldo conta ainda que os funcionários já estão atentos aos golpes. “Verificamos sem-pre as notas que recebemos no ato do pagamento, mesmo com grande movi-mento na padaria e estamos preparados para receber e lidar com pessoas de má--fé que pagam suas compras com nota falsa, olhando as cédulas contra a luz”, explica.

O comerciante Gemerson Felix, 32 anos, gerente da panificadora integran-te de uma rede de padarias de Águas Claras, declara que em sete meses rece-beu cédulas falsas por três vezes e cha-ma atenção para a questão do movimen-to financeiro e também da fiscalização. “Sinto falta de uma fiscalização maior do governo em relação à falsif icação.

Tanto é que os falsários costumam agir quando se tem grande movimento. No meu pouco tempo de gerência considero como raro receber uma nota falsa.”

Orientação O Banco Central do Brasil (BCB)

aconselha a verificação dos elementos de segurança da nota. Segundo o BCB, as pessoas devem recusar notas que apresentem diferença na autenticida-de em relação à outra (nota) legítima. Neste caso, as notas poderão ser enca-minhadas para o Banco Central para se-rem submetidas à análise, determinando se a nota suspeita é verdadeira ou não.Mesmo com a comunicação imediata, as notas não são trocadas.

A troca ocorre apenas em casos de notas muito desgastadas, dilaceradas (com mais da metade de seu tamanho original) e mutiladas (quando não apre-sentam nenhum fragmento com mais da metade de seu tamanho original), tais como cédulas rabiscadas, rasgadas, danificadas pelo fogo, traça ou algum agente químico, formadas por fragmen-tos de outra cédula e de papel comum.

Neste ano, todas as cédulas que até integram a “Família do Real brasilei-ro” receberam novo visual na chamada “Segunda Família do Real Brasileiro”. São elas: R$ 2, 5, 10, 20, 50 e 100. O tamanho diferenciado entre as notas e a nova tecnologia de segurança, com as tradicionais marca d ’água, o alto-rele-vo e o número escondido contarão com mais duas: a cédula com número que muda de cor, nas notas de 10 e 20 reais e a faixa holográfica, com o número da nota e a palavra “REAIS”, nas notas de 50 e 100 reais. Apesar das mudanças, se-gundo o Banco Central, a transição da primeira para a segunda família do real não reduziu a demanda de apreensões de notas falsas.

Para evitar as fraudes, as apreensões

de notas falsas são realizadas pelo Ban-co Central do Brasil. No último levan-tamento, o Distrito Federal aumentou o número de retenções de notas faltas. Em setembro, foram 6.725 notas e em ou-tubro 7.621, revelando um aumento de 8,96 % em relação a setembro. No ano passado, foram retidas 18.074 cédulas. Isso significa que a retenção de notas acumulada até o mês de outubro de 2013 representa, aproximadamente, 42% do total retido em 2012.

CrimeO Banco Central adverte que a fal-

sif icação de dinheiro é crime previsto pelo artigo 289 do Código Penal, com pena prevista de 3 a 12 anos de prisão. Quem tentar colocar uma cédula falsa em circulação depois de tomar conhe-cimento de sua falsidade, mesmo que a tenha recebido de boa fé, pode ser con-denado a uma pena de 6 meses a 2 anos de detenção.

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economiaÔNIBUS

Baleiros faturam no mercado informalRenda de vendedores pode chegar a R$ 2 mil por mêsJUSCIANE MATOSSTEFANY SALES

Foto: Stefany Sales

EM UMA tarde quente de sábado, nós, repórteres do Artefato, resolvemos conhe-cer os baleiros do cento de Taguatinga. Isso mesmo. Baleiro é o nome dado àquelas pes-soas que entram nos ônibus com uma cesti-nha de doces para vender. Ao chegar ao local por volta das 13h não encontramos ninguém. Demos uma volta e aos poucos eles começa-ram a aparecer. É assim mesmo: itinerante. O local de trabalho dessas pessoas é dentro dos ônibus vendendo quitutes como juju-bas, pipocas, salgadinhos e amendoins. De acordo com os próprios baleiros, cerca de quinze vendedores têm o centro de Tagua-tinga como ponto preferencial de venda. Para organizar os trabalhos e ninguém sair prejudicado, eles fazem revezamento para entrar nos ônibus. E as regras são cumpridas: poucos ficam parados na Praça do Relógio.

Falta de emprego, doença e melhoria na renda familiar são alguns motivos que levam essas pessoas a buscarem a atividade como alternativa. Um brasileiro assalariado recebe pelo menos R$ 678 por mês para uma jorna-da de trabalho de 8 horas diárias. No entan-to, um baleiro consegue gerar uma renda que pode chegar a R$ 2 mil/mês com a mesma carga horária.

Ser baleiro não agrada a todos que fazem dessa a profissão de suas vidas. Em alguns, o olhar é carregado de cansaço, marcado pelas subidas e descidas dos ônibus com as mãos ocupadas pela mercadoria, durante várias horas. Alguns deles relatam não ter outra opção. Mas existem outros vendedores que amam o que fazem e não deixam de demons-trar satisfação pelo trabalho.

Por ser uma espécie de empreendedoris-mo não regulamentado, a vendedora Luci-mar Silva, que está no ramo há mais de dez anos, resolveu pagar o INSS para ter direito à aposentadoria. Moradora de Águas Lin-das de Goiás, anteriormente empregada doméstica, conta que hoje ganha mais como baleira: “Melhor emprego que encontrei”. É Lucimar quem faz o próprio horário de tra-balho e só pega a cestinha de doces no do-mingo quando precisa de mais dinheiro.

O piauiense Deusdete Alves Gomes, pai

de três filhos, ficou afastado do trabalho por dez anos devido a problemas na coluna. Há 1 ano e meio perdeu o benefício do INSS e precisou encontrar outras maneiras de sus-tentar a família. Vender doces não é uma atividade que lhe dê muito prazer, é quase um mal necessário. Uma das coisas que mais causa desconforto é o peso da cesta de doces. Por não ter forças suficientes e sentir dores nas costas, sua cestinha tem poucas opções e quantidade. Isso faz com que a renda de Deusdete diminua. “Devido à situação da minha saúde, isso aqui prejudica mais ainda. No entanto, por causa das necessidades te-mos que enfrentar qualquer coisa.”

Mercado de trabalho

Para o coordenador do curso de economia da Universidade Católica de Brasília (UCB), George Henrique, o empreendedorismo no Brasil é basicamente motivado pela sobrevi-vência, não pelo interesse em investimento empresarial – como nos EUA, por exemplo.

Segundo George os vendedores de doce, assim como outras atividades empreendedo-ras informais, podem representar problema futuro para o país em relação à aposentado-ria. “No Brasil, quem tem baixa renda e está em situação de risco se aposenta aos 65 anos por faixa de renda”, explica.

A questão da aposentadoria por renda, em termos sociais, é muito importante. Mas George adverte que a aplicação dessa lei pode representar um grande prejuízo para as contas públicas, pois quem financia esse benefício é a Previdência que, por sua vez, é sustentada pelos trabalhadores. Se, no futu-ro, essas pessoas receberem sem ter contribu-ído, quem paga é o governo, aumentando o já existente rombo nas contas do INSS.

LegalizaçãoAtualmente os vendedores de doces dos

ônibus lutam pela legalização do Sindicato dos Baleiros de Brasília e Entorno (Sindba-be). Os vendedores vinculados ao sindica-to trabalham com camisetas e crachá, para ajudar os motoristas na identificação. Com a validação do sindicato, os baleiros pode-

rão ter convênios para comprar mercadorias com preços mais baixos nas distribuidoras, desconto em farmácias, cabeleireiros e asso-ciação a clubes.

Porém, de acordo com a Associação dos Auditores Fiscais de Transportes do Distri-to Federal (Assefit), é considerado infração permitir que pessoas façam qualquer tipo de comércio ambulante ou pratiquem mendi-cância nos veículos que circulam no DF. A permissão para o ato, por parte dos motoris-tas, pode implicar em advertência às empresa de ônibus.

O DFTrans informa que os motoristas são orientados a não permitir que ambulan-tes entrem nos ônibus, mas diz que nunca

aconteceu nenhuma apreensão de produtos, nem penalidade para os vendedores.

Matando a fomeOs vendedores de doce são uma “mão na

roda” para quem está com fome e não tem alternativa. Com suas cestinhas eles entram nos ônibus, lugar onde ninguém tem mais opção de comprar nada, e oferecem uma so-lução para ajudar a segurar a fome até chegar em casa.

A doméstica Evanilza Lima gosta muito da facilidade e diz que “é tão bom quando esse pessoal entra nos ônibus, porque muitas vezes estamos com fome e ainda vai demorar a chegar em casa”, explica.

Com horários variados trabalhadores informais ganham a vida vendendo doces dentro de ônibus

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EXCESSO de deveres, horários a cum-prir, responsabilidades e cobranças parecem caracterizar a vida adulta, mas têm feito parte da rotina de muitas crianças, ainda na educação infantil. Empenhados em fazer do filho um aluno exemplar e com futuro pro-fissional de sucesso, pais e escolas cobram cada vez mais metas e resultados dos estu-dantes ainda na Educação Infantil.

De acordo com a publicação “Indicado-res da Qualidade na Educação Infantil”, elaborada em 2009 sob a coordenação con-junta do Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria da Educação Básica, da Ação Educativa, da Fundação Orsa, da Undime e do Unicef, os professores devem organizar o tempo e as atividades de modo a permitir que as crianças brinquem todos os dias, na maior parte do tempo.

No Distrito Federal, as escolas particu-lares investem, cada vez mais, no ensino da Educação Infantil. O Artefato pesquisou o projeto pedagógico aplicado às crian-

ças de até 6 anos dos colégios privados e constatou que há uma preocupação das instituições de ensino em garantir um aprendizado, ainda na infância, carregado de conteúdos como matemática, artes, lin-guagem e musicalização.

Uma rede de ensino, por exemplo, come-çará a oferecer, em 2014, o ensino da Edu-cação Infantil em uma unidade em Águas Claras. A proposta pedagógica do colégio para os pequenos engloba uma carga horá-ria de cinco horas de atividades, divididas em linguagem, matemática, artes, natureza e sociedade, movimento/psicomotricidade e musicalização, além da introdução de uma segunda língua. Isso tudo antes dos 7 anos.

Apesar da grande quantidade de tarefas, a diretora pedagógica da escola infantil, Ju-liana Miranda, explica que o conteúdo pro-gramado não prejudicará o tempo destina-do a brincar, pois “os momentos de estudos também são brincadeiras, mas com objeti-vos pedagógicos específicos”. O aprendi-

zado transmitido no colégio está baseado nas teorias do psicólogo Lev Vygotsky. “Ele defende que brincar é uma atividade huma-na criadora, na qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expres-são e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos”, acrescenta.

Opiniões cruzadasA servidora pública Aline Fernandes, 30

anos, mãe de Mariana Fernandes, 6 anos, do 2º período da Educação Infantil, acredita que o plano pedagógico atual das escolas está melhor do que em outros tempos. Ela relata que quando estudava, a educação era muito pautada no conhecimento, e hoje as escolas já conseguem agregar outros valo-res. “Acho que está mais legal e divertida. Eu vejo minha filha indo e voltando da es-cola sempre alegre e esse é o principal ter-mômetro para mim: vê-la feliz.”

Mariana estuda desde o ano passado em uma escola canadense bilíngue localizada no Sudoeste. Aline conta que a escolha ocorreu pela proposta pedagógica, que prioriza o desenvolvimento de habilidades e valores importantes como solidariedade, responsabilidade e respeito, além do bilin-guismo, o que ela acha fundamental. Além da escola, que Mariana frequenta de 8h às 12h30, ela faz natação duas vezes por se-mana e música uma vez por semana. Para reforçar o aprendizado da escola, a estu-dante recebe deveres de casa semanais e lê um livro por semana junto com os pais.

Aline explica que a escola trabalha por meio de unidades temáticas como conto de fadas, sistema solar, dragões e dinossauros. E a partir dos temas, disciplinas como ma-temática e ciências são ensinadas, de forma lúdica e natural. “Ela teve que estudar um dinossauro, produzir um material visual e fazer apresentação em inglês. Foi a primei-ra vez que ela precisou falar em público e

Crianças nota 10Escolas particulares do DF exigem cada vez mais dos estudantes da pré-escola e brincadeiras, típicas da infância, são esquecidas

RENATA DE PAULAMARCELA LUIZA

ENSINO INFANTIL

“Tempo dedicado aos deveres de casa não deve ultrapassar 20 minutos por dia”, diz especialista

Foto: Ana Paz

educação

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foi bom saber que ela foi pra frente de uma sala de aula, se apresentou e foi aplaudida.” Para Aline, esse tipo de atividade cria na criança uma segurança, de ver que ela pode apresentar um conteúdo em público.

Diferente de Aline, a pedagoga Ellen Cristina Moraes Gonçalves, mãe de uma menina de três anos e de um menino de cin-co anos, que está no Jardim I, acredita em um ensino construtivista, em que a criança adquira conhecimento e construa a apren-dizagem aos poucos e que, ao contrário da educação conteudista, não impõe o dever de casa como obrigação.

Como pedagoga, Ellen explica que a pró-pria lei já exige o cumprimento de tarefas dentro dos parâmetros curriculares, mas a quantidade excessiva que muitos pais exi-gem dos filhos, de maneira precoce, faz com que a criança deixe de ser crianaça e pule algumas fases que fazem parte do desenvol-vimento humano.

O professor do curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Joadir Foresti tem uma filha de três anos e este ano teve a missão de escolher uma es-cola para ela, que vai deixar a creche no fim de 2013. Sem experiência, ele e a mulher fi-caram em dúvida entre dois colégios da rede privada de ensino do DF e fizeram a escolha a partir dos valores humanísticos oferecidos pelas instituições.

“Uma das escolas trabalha com uma educação mais tradicional de ensino e a outra [a escolhida] já tem uma proposta mais particularizada, com projetos que envolvem questões sobre a natureza, ou

Território do BrincarO Projeto Território de Brincar é um trabalho interessado em ouvir as crianças e aprender com a escuta. Desde abril de 2012, a equipe percorre o Brasil por comunidades rurais, indígenas, quilombolas, grandes metrópoles, sertão e litoral para revelar o país pelos olhos das crianças.Os registros em filmes, fotos, textos e áudios são disponibilizados no site http://www.territoriodobrincar.com.br conforme o decorrer do trajeto, e em futuras publicações e documentários, criando um diálogo sobre as nuances da infância brasileira.

SAIBA MAIS

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional de 1996 definiram a Educação Infantil no Brasil como primeira etapa de educação básica, antecedendo o ensino fundamental e o ensino médio.

LEI

seja, tem um pouco mais de humanismo na proposta”, explica Joadir.

Estudar ou brincarA psicóloga escolar Kennia Cristina Ma-

cedo esclarece que as crianças na pré-escola devem brincar a maior parte do tempo, mas reitera que toda brincadeira deve ter um ob-jetivo didático. “A criança deve ser autora do próprio desenvolvimento. Ela tem que pegar, sentir, experimentar e se relacionar para o aprendizado fazer sentido.”

Segundo ela, os deveres de casa nesta fase não podem ocupar mais do que 20 minu-tos por dia do tempo da criança, de modo que a atividade não se torne cansativa e es-tressante para ela e para os pais, pois essas sensações, se cultivadas na infância, podem perdurar por todo período escolar. “Uma atividade deixa de ser saudável a partir do momento que se torna algo punitivo para criança.”

Na pré-escola, as responsabilidades tam-bém devem começar a aparecer, mas em pe-quenos atos, como guardar o material após a brincadeira. As crianças são avaliadas pelos professores, a cada final de bimestre a partir de um relatório sobre o desenvolvimento social, afetivo e o aprendizado, além de en-caminhamentos em que a professora suge-re o que deve ser trabalhado em casa para a criança atingir os objetivos daquela série. Kennia alerta que a criança deve ser cobrada com bom senso, tranquilidade, e principal-mente afetividade para se sentir segura. “Es-cola e família são uma parceria: se as regras em casa são diferentes da escola, a criança

não sabe o que deve, de fato, seguir e o pro-fessor começa a perder a autoridade.”

Formada em Pedagogia, a analista edu-cacional Elaine Cristina Sampaio não vê problema na aplicação de disciplinas como português e matemática na educação infan-til, pois considera que “os conhecimentos de qualquer área estão no mundo, e tratando-os ou não no contexto escolar, as crianças pe-quenas estão expostas a eles e precisam lidar com isso”.

Contudo, Elaine alerta para a necessida-de de se tomar “cuidado para não se dele-gar à educação infantil a função de atender à ansiedade pela produtividade e pelo sur-gimento de gênios precoces”. A pedagoga acredita que a grande quantidade de ativi-dades prejudica os momentos de brincadeira das crianças, mas lembra que não são todas as escolas que adotam essas práticas. “Várias escolas enviam como ‘dever de casa’ brin-cadeiras totalmente despretensiosas em re-lação à aprendizagem formal”, acrescenta.

Elaine acredita ainda que a rede de es-colas que atendem a educação infantil no Distrito Federal é bem diversificada. “Uni-dades públicas ou particulares podem ser centros de excelência, ou resumirem-se a espaços onde ainda não há maiores recursos de infraestrutura, equipes bem formadas ou práticas pedagógicas adequadas. Como o atendimento na rede pública ainda é muito restrito diante da demanda, as escolas parti-culares é que o fazem de forma mais ampla, o que acaba fazendo com que a educação infantil seja ainda um artigo de luxo em ma-téria de educação”, conclui.

educação

Infográfico: Shizuo Alves

Fonte: psicóloga da educação Kennia Macedo

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ESCREVER sem pontuação, cometer erros gravíssimos de português, não perce-ber a falta de coerência e coesão e não ter noções de interpretação textual são proble-mas típicos de alunos que ainda estão no início do ensino fundamental. Esse perfil, ao longo de cada ano letivo, vai sendo aper-feiçoado, e a percepção de erros gramati-cais fica mais ativa. Mas para uma boa ca-mada adulta da sociedade essas técnicas não estão tão desenvolvidas como deveriam.

Analfabetos funcionais. Assim são cha-madas as pessoas que têm essa dificuldade com a Língua Portuguesa. Eles até conse-guem ler textos simples, mas são ineficazes

de interpretar e associar infor-mações. Também não conse-guem analisar tabelas, mapas e gráficos ou mesmo fazer contas um pouco mais complexas. Se-gundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (Ibope) em 2012, cer-ca de 67% da população sofrem de analfabetismo funcional. En-tre os universitários, o número chega a 38%, o que significa que a cada 10, 4 pertencem ao grupo. Números preocupantes, já que os brasileiros ficam em média 11 anos na escola antes de chega-rem à universidade.

A costureira Fátima Maria dos Santos Silva, 45 anos, não consegue escrever de forma cla-ra, não compreende textos sim-ples de literatura e raramente acerta operações de matemática. Essas características não seriam tão preocupantes se ela não ti-vesse o ensino médio completo. Por muitas dificuldades não só com a língua portuguesa ou ma-temática, Fátima teve que parar de estudar por um longo perí-odo na juventude e só retornou ao ensino médio na vida adul-ta, com a Educação de Jovens e

Adultos (EJA), programa promovido pelo Ministério da Educação.

Ela não fez nenhum acompanhamento com especialistas para tratar da dificuldade ou tentou resolver o problema de outra for-ma. “Consegui o meu diploma do Ensino Médio, mas tenho consciência de que não aprendi tudo o que foi aplicado em sala de aula”, explica. “Tive que recorrer ao EJA por causa da minha idade e eu também pre-cisava de um diploma o mais rápido pos-sível para conseguir um emprego melhor”, acrescenta.

Segundo a pedagoga e orientadora edu-cacional Elen Morais, essa dificuldade vem

desde o Ensino Fundamental e Médio, quando o aluno está aprendendo a ler e a interpretar textos, mas se não for percebida logo, se tornará um problema muito maior no futuro. “Quando chegam àfaculdade, eles encontram diversas dificuldades. Uma delas é a linguagem rebuscada dos textos acadêmicos, que exigem mais do aluno, mais da interpretação textual. Mesmo que o aluno “deixe passar”, mais cedo ou mais tarde será impossível que essa dificuldade não o atrapalhe, principalmente na hora da execução do Trabalho de Conclusão de Curso.”

Formação

A maior preocupação de especialistas e educadores é que muitos sequer se interes-sam em resolver a questão. Sabem da difi-culdade, mas em busca da qualificação, que muitas vezes não é feita de forma correta ou com a cobrança adequada, ignoram o problema e concluem o ensino superior com sérias falhas em tarefas simples como a interpretação. A situação tem se tornado tão comum entre os brasileiros que alguns especialistas já se referem aos estudantes como “geração do diploma”, em que o importante é o certificado e não o conhe-cimento adquirido. O resultado é que essas pessoas chegam ao mercado de trabalho despreparadas para interpretar dados, ler cenários, fazer relatórios.

Segundo Lucilia Garcez, professora aposentada do Instituto de Letras da Uni-versidade de Brasília, a falta de interesse manifestada nos alunos pela aprendizagem não é de inteira responsabilidade do aluno. “Falta dedicação e interesse de ambas as partes. Há uma recusa do aluno em apren-der mais e muitas vezes o professor não tem uma qualificação adequada, também não lê ou escreve com frequência, não vê importância nesses hábitos”, explica.

Ela acredita que a reversão do quadro é possível, mas é preciso haver um trabalho em conjunto. “O governo tem que investir na educação dos professores, para que eles

percebam a importância do seu papel. Eles precisam dominar a linguagem, melhorar a técnica em sala de aula. Mas a sociedade de forma geral precisa também valorizar mais o aprendizado da linguagem. O hábito de ler entre os brasileiros é quase inexistente.”

Ellen também esclarece que a falta de leitura e estímulo adequado para que haja essa vontade de ler é um dos princi-pais fatores nesse déficit de aprendizado. Segundo a orientadora, o gosto pela lei-tura tem que começar desde a infância, quando o aluno ainda está aprendendo a ler. ”Na educação básica tem que haver mais estímulo dos professores e do pró-prio aluno, que não se interessa por ler um livro. Com a era digital, em vez de procurar o livro, eles lêem o resumo do resumo na internet. Não trabalham a in-terpretação por conta própria”, diz.

Infância

Além dos fatores pertinentes à formação acadêmica, alguns casos precisam de ainda mais atenção. A dificuldade de ler pode es-tar associada a outros tipos de problemas, que, se os professores ou pais não estive-rem atentos, não serão percebidos a tem-po. Quando detectada ainda na infância, a dificuldade de aprender a ler ou interpretar é resolvida mais facilmente e evita futuras preocupações. Às vezes a solução é bem mais fácil do que se imagina.

É o caso de Victor Hugo, hoje com 7 anos. Quando chegou no 1º ano do Ensi-no Fundamental, a mãe dele, Ana Barros, 40 anos, foi alertada pela professora que o filho tinha problemas com a dicção. Ele trocava o R pelo L, o que o impedia de ler corretamente as palavras. “A professora nos encaminhou para uma fonoaudióloga quando percebeu a dificuldade dele com as palavras. Ela nos explicou que se espera até os 4 anos que as crianças comecem a falar corretamente. Se isso não acontece, é pre-ciso acompanhar de perto para não influen-ciar na aprendizagem”, conta.

A administradora Aline Alarcão, 39 anos, também viveu essa experiência com a filha Laura, hoje com 12 anos. “Quando ela chegou na 4ª série, descobrimos que tinha dificuldade para interpretar textos porque não entendia o que lia ou ouvia.” A dificul-dade da menina a afetava em todas as disci-plinas e só depois de muita leitura e muitos exercícios houve uma melhora. “Se a pro-fessora não tivesse nos alertado a tempo e não tivéssemos a estimulado mais a ler ou procurado ajuda, provavelmente ela teria reprovado, ou pior: não aprenderia direi-to”, finaliza.

A geração do diplomaBrasileiros formados no ensino médio não dominam a escrita e interpretação textual; dificuldades podem ser detectadas na infância

NARLA BIANCA THALYNE CARNEIRO

O analfabetismo funcional atinge 67% da população. Recomenda-se a leitura para resolver o problema

na web

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educaçãoANALFABETISMO

Foto: Amanda Bartolomeu

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DADOS levantados pelo Ministério da Saúde por meio de uma pesquisa realizada no último ano, alertam que mais de meio milhão de pessoas vivem com HIV no Brasil. Desse total, um terço desconhece a situação e cerca de 30% dos pacientes ainda chegam tarde ao serviço de saúde. Por isso é muito importante a realização do teste. Ele é recomendado para todos, independente da orientação sexual, gê-nero, comportamento ou outros contextos. A pesquisa também garante que a taxa de inci-dência da doença tem se mantido nos mesmos índices nos últimos anos, com o maior núme-ro de casos concentrados nas metrópoles. Os números do preconceito e da invisibilidade, porém, são imensuráveis.

A falta de conhecimento, mitos e medos são os principais causadores de tratamentos dife-rentes com os portadores do vírus HIV. O mé-dico Oliveira Neto, representante do Ministé-rio da Saúde, garante que “em toda campanha que fazemos, o principal objetivo é prevenir,

reduzir e eliminar o preconceito associado à doença”, garante.

Helena Pereira, 46 anos, mora no Cruzei-ro e trabalha em um shopping próximo - mas prefere o cargo de “mãe de família”. Ela des-cobriu que era portadora do vírus há uma dé-cada. “Foi difícil, mas tive que superar. Eu já tinha um filho e depois quis ter outro; hoje os dois estão grandes e com saúde”, conta. Sobre ser marginalizada pela sociedade e esquecida pela mídia, que hoje em dia aborda menos as histórias dos soropositivos, ela conta que o dia a dia dela é mais importante do que o que os outros pensam. “Hoje sou protagonista da mi-nha história”, fala feliz. E acrescenta: “O que me motiva são as amizades e meus familiares. Mesmo com todas dificuldades, estou viva e luto todo dia por uma vida melhor”.

Marcela Pontes, 56 anos, professora apo-sentada, foi infectada há 20 anos pelo noivo, que já morreu. “Na época não existia trata-mento. Quando descobri, é claro, fiquei assus-

Desde outubro 1987, o dia 1º de dezembro se tornou o Dia Mundial de Luta Contra a Aids. Essa data foi uma decisão tomada pela Assembléia Mundial de Saúde, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, a data só foi comemorada a partir do ano seguinte. Valores como amor, compaixão, compreensão e respeito são lembrados no dia.

cidadania

Viver com aidsPRECONCEITO

Portadores do vírus contam suas histórias e lembram que a síndrome há muito não é uma sentença de morteCAROLLINE PAIXÃO

tada. Ou melhor, eu era totalmente ignorante sobre o assunto”, relata. Depois de se infor-mar e saber que era possível conviver com a síndrome, Marcela voltou a viver normal-mente. “Dali para frente realmente não tive dúvidas de como conviver com o HIV: fui em frente. Continuei trabalhando, estudan-do, terminei a faculdade e me casei de novo”, lembra. Ainda deixou claro que antes de qual-quer um falar do vírus, deve “despir-se do preconceito”. Hoje em dia ela gosta de ir ao cinema e jantar fora. Também usa o tempo livre para viajar e conhecer novas culturas. Uma vida absolutamente normal.

Edimar Santos, 42 anos, foi dispensado do trabalho quando descobriu que era soro-positivo, há quatro anos. O preconceito foi o bilhete azul. Ele era frentista e conta que no começo ficou triste com a demissão. Mas a tristeza só serviu para impulsionar uma for-ça que está viva até hoje e o faz lutar à fren-te de movimentos sociais. Revolucionário,

usa o Facebook como o principal meio para lutar por seus direitos. “Hoje falo por mim, por aqueles que já não podem falar, pelos que ainda não conseguem e por aqueles que nem sabem que têm voz”, garante. Edimar é mo-rador da Cidade Estrutural e recebe o apoio da comunidade. Ele é conhecido e respeitado na região.

Desde a década de 80, quando os casos de aids emergiram no Brasil, medicamentos foram criados para tentar combater o vírus. Ainda não encontraram a cura para doença, mas antirretrovirais conseguem aumentar, consideravelmente, os anos de vida do pa-ciente. Eles fortalecem o sistema imunológico e diminuem a carga viral. Essa foi a solução que os três personagens encontraram. Edimar demorou a começar o tratamento porque não sabia que era feito gratuitamente pelo SUS. Desde então, sentiu alguns enjôos e mal es-tar, mas conta que a cada dose de coquetel o impacto dos efeitos colaterais diminuem. Marcela e Helena sofriam mais no começo. Marcela tinha perda de fome e alterações na pele, enquanto Helena perdeu gordura em todo corpo. Hoje em dia, os problemas estão superados.

Doença

A aids é uma deficiência no sistema imuno-lógico, causada pelo vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).Como o vírus afeta as células de defesa do organismo, a pessoa infectada fica mais propensa a doenças como câncer, pneu-monia e infecções. A transmissão do vírus ocorre por meio do contato com sangue, sê-men, secreção vaginal ou leite materno conta-minado. Entretanto, com o reforço de uma sé-rie de atitudes, como boa higiene, alimentação balanceada e exercícios físicos regulares, uma pessoa com aids pode ter uma vida como a de qualquer não portador do vírus.

Muitos grupos são formados apenas com o intuito de ajudar quem vive com aids. Eles promovem ações para o fortalecimento das pessoas infectadas e seus parceiros, buscan-do melhorar a qualidade de vida. O objetivo principal é a inclusão e participação social.

Um exemplo é a Associação Brasiliense de Combate à aids, mais conhecida como Grupo Arco-Íris, que fica na área comercial do Cru-zeiro Velho. Essa foi a primeira Organização não-governamental criada no Distrito Federal para atender esse público. Há 23 anos o grupo presta apoio aos portadores e familiares por meio de prevenções e assistências. A ONG conta com palestras, oficinas educativas e de sexo seguro, aconselhamento, distribuição de preservativos e campanhas e ações educativas.

Amigos da Vida é outra ONG do DF, lo-calizada no Sudoeste. O fundador é Cristiano Ramos, que desde os anos 2000 trabalha para promover os direitos humanos dos portadores do vírus no Brasil por meio de assistências ju-rídicas e orientação de cidadãos carentes.

O número de soropositivos no Brasil têm se mantido, enquanto o preconceito é incalculável

Foto: Letícia Sousa

DIA MUNDIAL

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QUANDO plantou as primeiras parrei-ras em 2005, o médico Marcelo de Souza, 43 anos, não imaginava que sete anos depois já teria o seu vinho reconhecido por publica-ções especializadas como um dos melhores do país. Com uma visão empreendedora e muito estudo, Marcelo identificou em Co-calzinho de Goiás (a 110km de Brasília) uma região com aptidão natural para se tornar um polo vinícola.

De acordo com o médico e produtor, o clima do Cerrado é o fator determinan-te para a qualidade do vinho produzido. “Temos um período de 4 a 5 meses por ano de dias quentes, noites frias e sem chuvas, então é quase um clima desértico. Esse é o momento perfeito para a produção de uva.” Ele esclarece ainda que, como a re-gião tem muito sol, a uva cultivada ali ama-durece mais e tem mais açúcar, o que eleva o teor alcoólico da bebida. Já as noites frias, segundo Marcelo, garantem excelente aci-dez e boa cor aos vinhos.

A enóloga e professora do curso de gas-tronomia da Universidade Católica de Bra-sília (UCB) Luli Neri explica que o vinho é uma bebida fermentada, o que significa, grosso modo, que o açúcar da fruta é trans-formado em álcool. Ela aponta que “quan-to mais açúcar tiver a uva, mais álcool a bebida terá, e maior será a probabilidade de você ter uma bebida boa”.

Luli deixa claro, contudo, que o tipo de uva é um fator mais determinante do que o álcool para qualificar a excelência de um vinho. Isso por causa de uma substância en-contrada na casca da uva – o tanino, que é o conservante natural da fruta, além de ser o responsável pela pigmentação da bebida e sensação gustativa. A enóloga ressalta que nem toda uva é própria para vinho. A Vitis vinifera é a espécie de videira que deu ori-gem a diversas linhagens de uvas adequa-das para produzir a bebida.

É o que afirma também Celito Guerra, pesquisador em Enologia da unidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa Uva e Vinho). “Um vinho com teor alcoólico elevado é certamente originado de uvas supermaduras, mas não é necessariamente de melhor qualidade. A legislação brasileira define como vinho fino aquele elaborado com uvas da espécie Vitis vinifera, com graduação de 8,6% a 14% de álcool em volume”, observa.

Nos quatro hectares de terra da Serra dos Pirineus pertencentes ao médico – área que equivale a quatro campos de fu-tebol –, três tipos de uva da espécie Vitis vinifera podem ser encontradas: Syrah, Tempranillo e Barbera, variedades trazidas da Itália. Marcelo explica que as três têm se adaptado bem ao clima e demonstrado elevado potencial para gerar produtos de grande qualidade.

Atualmente são comercializados dois rótulos: Intrépido (com a uva Syrah majo-ritária) e Bandeiras (com predominância da uva Barbera). A espécie Tempranillo entra na composição dos dois vinhos. O viticul-tor afirma que o Syrah produzido na região de Goiás tem aspectos bem semelhantes ao que é feito na Europa. Ele destaca, en-tretanto, que a uva Barbera cultivada no Cerrado tem apresentado características únicas.

“Nosso Barbera apresenta aromas de frutas escuras assim como na Itália, mas como nós temos mais sol, ele tem mais teor alcoólico, fica mais potente e como a uva amadurece mais do que na Itália, ele tem acidez mais baixa. Outra característica fan-

tástica é que ele tem aromas de chocolate e café. Isso não existe em nenhum outro Bar-bera”, complementa o produtor.

A enóloga Luli Neri explica que cada fa-mília de uva produz um tipo de vinho. “A Syrah, por exemplo, vai gerar um vinho mais encorpado, a Trempanillo já produ-zirá um vinho mais suave.” Além disso, Luli acrescenta que a classificação do vinho como suave, doce ou seco é proveniente da fermentação e do nível de açúcar con-

tido na uva. Já o aroma do vinho, segundo a especialista, pode variar de pessoa para pessoa.

Produção

Até chegar à garrafa, os vinhos passam por um ciclo que dura quase dois anos. Marcelo conta que colhe a uva no máxi-mo do amadurecimento – entre os meses de julho e setembro. Depois disso, há um processo de fermentação que dura de 40 a

Tem vinho fino no CerradoCaracterísticas do clima potencializam a produção de uvas sofisticadas em Goiás

VITICULTURA

gastronomia

LUCIMAR BENTORENATA RIBAS

Uvas Syrah , Barbera e Tempranillo são a matéria prima do vinho produzido por Marcelo de Souza

“Temos um período de 4 a 5 meses por ano de dias quentes, noites frias e sem chuvas, então é quase um clima desértico. Esse é o momento perfeito para a produção de uva.”Marcelo de Souza, médico e produtor de vinhos em Goiás

Foto: Jéssica Eufrásio

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gastronomia

60 dias. Em seguida, é dado início ao pro-cesso de arredondamento, no qual o vinho fica em barricas de carvalho, pelo período 12 a 15 meses. Ainda é preciso aguardar mais dois meses com o vinho na garrafa, antes de iniciar a comercialização.

“Nossa região tem potencial para pro-duzir vinho encorpado (com maior teor alcoólico), e por isso é necessário um ama-durecimento mais intenso da uva. Nossos vinhos estão ficando cada vez mais tempo na barrica. O que a gente produziu em 2012 só vai sair em 2014”, explica o produtor. A produção anual do vinho Intrépido é de 2.500 garrafas. Já o rótulo Bandeiras tem comercialização ainda mais restrita: cerca de 1.000 garrafas por ano. A meta de Mar-celo para 2015 é ampliar a produção total de 3.500 para 12.000 garrafas por ano.

Desenvolvimento econômico

Apesar de ser o único produtor de vinhos finos em Goiás (nas cidades de Paraúna, Ita-beraí e Santa Helena de Goiás são cultivadas uvas americanas, não pertencentes à espécie Vitis vinifera), Marcelo acredita que tanto a região de Cocalzinho, quanto Brasília e as cidades do entorno do Distrito Federal, têm muito potencial para se tornarem grandes produtoras de vinho.

Na opinião dele, transformar a região em um polo vinícola seria fundamental para a geração de renda e avanço econômico. “Po-demos produzir os melhores vinhos do Bra-sil, o que pode gerar renda direta e indireta por meio do turismo e exploração da gastro-nomia”, aposta.

Segundo Marcelo, os investidores já es-

A convite do Artefato o servidor público Paulo Burnier da Silveira, 31 anos, experimentou o vinho Bandeiras (2011) para partilhar as impressões com nosso leitor. Paulo se considera “um curioso” e o gosto pela bebida surgiu durante o período em que morou na França, de 2007 a 2011. “Lá eles têm o hábito de tomar uma taça de vinho para acompanhar as refeições, seja no almoço ou jantar, e acabei adquirindo esse costume”, conta.

Ao degustar o Bandeiras, Paulo se surpreendeu com a cor e o elevado nível de álcool. “É um bom vinho, mas a cor forte, com um vermelho bem escuro, e o teor alcoólico de 15% impressionam. Não é o meu estilo porque gosto de vinhos mais

DEGUSTAÇÃO

suaves, mas ele tem personalidade, com características próprias.”

Paulo ressalta, no entanto, que o Bandeiras pode restringir as opções de pratos que combinem com ele. “Acho que por ser muito forte esse vinho vai bem com comidas mais pesadas, como uma carne vermelha com molho de mostarda por exemplo. Já não daria para ele acompanhar um peixe, que pede vinhos mais suaves”, explica.

Na opinião de Paulo, o vinho do cerrado atende um nicho de mercado bem específico, mas tem potencial para atender quem gosta de bebidas mais fortes. “Acredito que ele pode ter muita saída porque é um vinho diferenciado e é gostoso”, finaliza.

SERVIÇO

Onde Comprar

Enoteca Decanter

SCLS 208 Sul, Bloco A, loja 16/20 (61) 3274-4472.Intrépido 2010 e 2011 (R$ 75); Bandeiras 2011 (R$85)

Adega Baco

CLSW 101, Bloco A, loja 16, Sudoeste, (61) 3344-3309.Intrépido 2011 (R$ 67).

tão começando a aparecer, mas o governo precisa incentivar quem deseja produzir na região com políticas públicas adequadas. “Em Brasília, por exemplo, o imposto do vinho é 28% enquanto no Rio Grande do Sul é 7%. Para ser uma região produtora e

competir com outros polos, o Estado vai ter que se manifestar, senão fica difícil de-senvolver a atividade”. O viticultor tam-bém destaca que faltam centros de estudos na região, mas que o governo poderia criar na Universidade de Brasília (UnB) um se-tor de pesquisas voltado para a área.

Marcelo critica ainda a falta de apoio da Embrapa ao desenvolvimento da vitivini-cultura no estado de Goiás. “É claro que muitos dos meus conhecimentos começa-ram com o que já existia na Embrapa. Eu tive ajuda, mas não foi assistência técnica, isso não existiu. Até porque na Embrapa do Rio Grande do Sul eles não têm muita experiência em lidar com uva que tem um vinho mais encorpado”, ressalta.

Procurada pelo Artefato a Embrapa Sede, em Brasília, alegou que a prestação de assistência técnica não é competência da empresa. Já a Embrapa Uva e Vinho, no Rio Grande do Sul, afirmou que pesqui-sadores de várias áreas “dedicaram muitas horas em consultas técnicas gratuitas por e-mail, telefone ou presencialmente ao pro-dutor”. Segundo a instituição, Marcelo fez também um treinamento básico, gratuito, em vinificação e controle de qualidade no centro de pesquisa.

A Embrapa Uva e Vinho informa ain-da que já prestou extenso apoio técnico às regiões produtoras de Paraúna, Itaberaí e

Santa Helena de Goiás. Em 2010 e 2011, mais de 40 técnicos foram capacitados para estimular empreendimentos vitivinícolas no estado. A empresa garante que dará apoio tecnológico a produtores de vinho que empreenderem em Goiás.

Funcionário da vinícola, localizada em Cocalzinho de Goiás, explica como é o ciclo de plantio da videira

na web

www.pulsatil.com.br

Foto: Jéssica Eufrásio

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OS CINEMAS de rua que foram tão populares no passado, aos poucos dei-xam de fazer parte da vida cultural e da paisagem de grandes cidades como Brasília. Ir a pé ou apenas atravessar a rua para ver um filme perto de casa é algo que poucos ainda têm o privilégio de fazer, pois a maioria das salas está concentrada nos grandes centros de compras que f icam, muitas vezes, fora das cidades.

Depois que os Cines Atlântida e Ka-rim foram fechados e passaram a ser

locais de cultos de igrejas evangélicas, o Cine Brasília, localizado na entrequa-dra da 106/107 sul é o último cinema de rua em funcionamento no Distrito Federal.

Projetado Pelo arquiteto Oscar Nie-mayer na época da construção da Ca-pital Federal e inaugurado em 1960, o Cine Brasília foi construído para fazer parte do Complexo Unidade de Vizi-nhança.

Fechado em 2011 para mais uma re-forma, o prédio - que é tombado - pas-

Cinema na ruaA última sala de filmes fora de shopping de Brasília resiste ao tempo, e apesar de atrair poucos espectadores, ainda mantém o glamour do passado

SÉTIMA ARTE

cultura

Foto: Jhonathan Vieira

Recém-reformada, maior sala de cinema da capital abriga festival importante do país

sou por uma restauração e reparo das estruturas. Foram trocados os antigos sistemas elétricos, hidráulicos, os re-vestimentos das paredes, pisos, poltro-nas, projetores, sistema de som, além de uma modernização para melhorar o acesso das pessoas com deficiência. “Todo o cinema foi adaptado em ques-tão de acessibilidade, tanto para defi-cientes visuais, quanto para cadeirantes que ganharam elevadores e rampas de acesso,” explica o gerente do estabele-cimento, Marcos Santos.

Em setembro de 2013 o Cine Brasília foi reaberta ao público com a Mostra Ci-nematográfica do II Festival do Fundo de Apoio à Cultura (FestFac), que foi considerado um festival modelo para a volta do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Para o professor de Cinema Brasileiro da Universidade de Brasília (UnB) Marcos Mendes, o retorno do Festival de Brasília ao cinema de rua no DF é uma forma de valorizar um tipo de espaço público que esta sumindo no regime capitalista “O Festival de Brasí-lia do Cinema Brasileiro em um cinema

de rua tradicional como é este do DF, confirma o papel social do cinema. Pois o cinema não tem só uma função lucra-tiva. E o cinema de rua vai contra esta grande força do processo capitalista de exibição de f ilmes ”, af irma.

O Festival O Festival de cinema de Brasília tem

origem com a primeira semana do Ci-nema Brasileiro, em 1965, por iniciativa da Fundação Cultural do Distrito Fede-ral. Em 1967, passa a se chamar Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Nos anos 1972, 1973 e 1974, o festival foi interrompido por causa da forte di-tadura militar pela qual o país passava. Por isso, neste ano de 2013 foi realizado a 46ª edição do festival. Durante os dias do festival, o público ali presente exer-ce o direito de aplaudir ou vaiar, con-forme o mérito que se atribui ao f ilme exibido.

O professor de História Adilson da Silva, 42 anos, apesar de gostar mais de f ilmes de ação e documentários, já es-teve em quase todas as edições do fes-tival de cinema aqui do DF. “Gosto dos f ilmes que passam aqui, pois são mais de arte. Tem mais informação do que atração.”, diz.

O piloto de avião Geraldo Medeiros, 42 anos, mora há sete anos na mesma quadra em que está situado o Cine Bra-sília. “A programação diferenciada do Cine Brasília, principalmente , quando ocorrem as mostras internacionais, é o que mais me atende. Além disso, eu só preciso descer do bloco e já estou praticamente dentro do cinema”, con-ta. Para Geraldo, a tecnologia superior que as outras salas têm em relação ao Cine Brasília é algo irrelevante, já que o conteúdo é mais importante do que cadeiras confortáveis, por exemplo.

A escola vai ao cinemaPara criar desde cedo o gosto pelo

cinema nas crianças, o projeto a Escola vai o Cinema, leva alunos das escolas públicas do DF ao Cine Brasília. Mui-tos desses alunos vão pela primeira vez a um cinema. O professor de cinema da UnB, Marcos Mendes, acha que este projeto pode criar um novo público para o cinema brasileiro “Este projeto com as crianças pode formar um pú-blico mais esclarecido, menos precon-ceituoso, menos viciado pelos f ilmes estrangeiros, resgatando a consciência dos jovens para que eles possam com-preender o fenômeno cinematográfico com profundidade”, conclui.

ALESSANDRO ALVES

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comportamento

SAIR da casa dos pais e ter um lugar para chamar de lar. Esse é o sonho de jo-vens que buscam a independência, que procuram oportunidades em outras cida-des ou que até mesmo se cansaram da fa-mília. “Muitos jovens querem seu espaço, sua privacidade e por conta disso acabam saindo de casa. Problemas de relaciona-mento com os pais e irmãos também po-dem chegar a um ponto em que a relação fica muito difícil, levando o jovem a querer sair de casa”, afirma o psicólogo e mestran-do de psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) Vladimir de Araújo Albuquerque. O estudante de engenharia da Universidade de Brasília (UnB) Eduar-do Leite, 23 anos, se mudou de Maceió e veio para Brasília em busca de melhores oportunidades. “O que me levou a morar sozinho foi a busca por um estudo melhor, tendo em vista que na minha cidade não há grandes opções de curso”, conta.

O primeiro passo é pensar no fator mais importante, o financeiro. Ter um trabalho fixo já faz muita diferença. Existem aque-les que, quando resolveram largar a barra da saia da mãe, receberam ou recebem uma ajudinha dos “coroas” para pagar as contas. “Recebo ajuda da minha família para man-ter o local onde moro e nos gastos como ali-mentação, transporte e higiene. O curso em período integral sem dúvida dificulta muito conciliar o trabalho com a faculdade e esse é um dos motivos por que meus pais precisam me ajudar”, revela Eduardo.

Há jovens que resolvem morar sozinhos mas que não querem mais depender dos pais. Querem ter seu próprio dinheiro sem ter de dar satisfação. Então, é importante que antes de sair de casa o jovem faça um orçamento dos gastos que terá. “Antes de comprar alguma coisa, faço um breve es-tudo se aquilo é realmente necessário na minha vida. Se não for, simplesmente não compro. Essa dinâmica minimiza proble-mas relacionados a gastos desnecessários”, conta o estudante de engenharia de softwa-re da UnB Cleiton da Silva Gomes.

Para o psicólogo Vladimir Albuquer-que, além de uma boa renda, o autoconhe-cimento também é um fator necessário que o jovem precisa para ter uma vida saudá-vel. “O autoconhecimento pode ajudar os jovens a lidar melhor com as próprias

dificuldades, ajuda a enxergar alguns limi-tes que normalmente a pessoa não enxerga quando está com os pais e a encontrar seus próprios caminhos”, declara.

Claro que morar sozinho não é um bi-cho de sete cabeças, afinal tudo tem seu lado positivo e negativo. A confirmação vem da estudante de educação física da UCB Ivana Santos, 20 anos: “O ruim é a saudade dos familiares e amigos e ter que fazer tudo sozinha como comida, lavar e passar roupa e não poder comprar o que dá vontade. O lado bom é que você tem mais privacidade, pode fazer o que quiser. Não tem pai e nem mãe falando o que fazer ou deixar de fazer”.

A dor e o amadurecimentoA vida solitária pode trazer inúmeros

problemas ou transtornos psicológicos. Saber controlar as emoções e aguentar a saudade pode ser difícil quando se mora sozinho. “Os mais frequentes em geral são os transtornos de humor, sobretudo a de-pressão, transtornos de ansiedade, fobias, síndrome do pânico e transtornos gerais. Existem também transtornos anti-sociais”, explica Vladimir.

Muitos sentem falta do carinho e do conforto que os pais oferecem e, acostu-mados a sempre estar por perto deles, sen-tem um vazio. “As vezes é bom morar só, mas às vezes não, morar sozinha dá muita sensação de solidão”, declara a estudante de odontologia da UCB Natália Ferreira, 18 anos. “Apesar de todas as dificuldades de morar sozinha, isso é muito importante e necessário, porque faz com que eu crie muito mais responsabilidade e que a cada dia eu me torne mais adulta”, completa.

Independência, maturidade e atitude são três palavras que podem se resumir na vida de jovens que crescem sozinhos e aprendem a enfrentar e resolver seus problemas quando passam a morar sozi-nhos e a responderem por si próprios. “É uma experiência que todo mundo deveria viver em algum momento. Você amadure-ce muito, aprende a ser mais responsável, mais independente e organizado. Apren-de que se não fizer as coisas ninguém vai fazer pra você”, afirma a estudante de publicidade e propaganda da UCB Lau-riana Vinha, 22 anos.

Foto: Yago Alves

Jovens se concentram em momento de louvor/adoração no culto

Para os jovens, sair da casa dos pais é o caminho para a liberdadeSozinhos e independentesINDEPENDÊNCIA

RHAYNE RAVANNEKARINNE RODRIGUES

“O autoconhecimento pode ajudar os jovens a lidar melhor com as próprias dificuldades, ajuda a enxergar alguns limites que normalmente a pessoa não enxerga quando está com os pais e a encontrar seus próprios caminhos.” Vladimir de Araújo Albuquerque, psicólogo

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Jovens se dedicam à religião em busca de respostas, renovação de valores e salvação divina

ALANA LETÍCIA JUSSARA RODRIGUES PAULA MORAIS

INDEPENDENTE da orientação re-ligiosa, o que se tem notado é a grande quantidade de jovens e adolescentes par-ticipando de atividades relacionadas à re-ligião, em eventos como cultos, missas e retiros. Uma das características da religião é promover a integração social. Os jovens vão à igreja, conhecem pessoas que são

geralmente da mesma faixa etária, com as mesmas ideologias, e formam grupos. As religiões, por sua vez, preocupadas com perda de fieis, têm buscado métodos de fazer com que o jovem se sinta atraído pela igreja, e para isso, organizam shows de música gospel, acampamentos, viagens e até mesmo o carnaval religioso. Com um

comportamento distante de baladas, bares e shows, esses jovens buscam as igrejas e eventos religiosos à procura de experiên-cias diferentes das que encontram na so-ciedade em geral. As igrejas, por sua vez, preparam missas e cultos especiais para atrair e garantir conforto àqueles que bus-cam essa mudança espiritual.

Renata Sousa é missionária da igreja católica e desde pequena participa das missas e dos eventos promovidos pela igreja

Minha escolha, minha fé

A religiosidade no Brasil tem crescido em participação, seja na igreja católica, em outras denominações cristãs, como evan-gélicas ou pentecostais, ou nas religiões afro-brasileiras. Segundo pesquisa realiza-da em 21 países pelo Instituto Alemão Ber-telsmann Stiftung, e divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo em 2012, o Brasil possui

comportamentoRELIGIÃO

Foto: Ramila Moura

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comportamento

a terceira população jovem mais religio-sa do mundo. O levantamento aponta que 65% dos jovens brasileiros são considerados “profundamente religiosos”. Os dados re-velam também que 30% dos jovens se dizem religiosos e apenas 4% afirmam não ter re-ligião.

O teólogo e professor da Universidade Católica de Brasília José Lisboa explica que a igreja se apresenta como elemento agre-gador. Para Lisboa, o jovem precisa de um referencial, pessoas, lugares e instâncias que se tornem ponto de apoio. “Os jovens es-tão em processo de busca, de crescimento e descobertas e, por natureza, eles precisam de referenciais para pautar suas próprias vi-das”, aponta o teólogo.

Liberdade e autenticidadeNo artigo “Entre tensões e escolhas,

um olhar sociológico sobre jovens na vida religiosa”, publicado em julho de 2011, a

doutora em Sociologia e Antropologia Síl-via Regina Alves Fernandes elucida que os temas trabalho e educação são pilares das aspirações juvenis e podem se configurar como aspectos da realidade social que ca-talisam a opção pela vida religiosa, princi-palmente para os jovens de camada social menos favorecida socioeconomicamente.

Aos 23 anos e católica, Renata Sousa re-presenta boa parte dos jovens que vivem essa realidade. Frequentadora de missas e outros eventos da igreja desde pequena, ela não esconde e satisfação de ser o que é e de viver um acolhimento que ela considera especial. Renata é missionária da Paróquia São Pedro, em Taguatinga Sul, e passa boa parte dos dias dentro da igreja.

Hoje, a jovem considera um comporta-mento de grande valor na sua vida. “Acho 100 % importante e considero a base de tudo na minha vida. Se eu não tivesse a vivência da Igreja e da palavra de Deus, poderia ter

Foto: Glauco Heitor/Arquivo pessoal

Dados apontam que 65% dos jovens brasileiros são profundamente religiosos. Aqui, jovens em momento de adoração em culto na Comunidade Cristã Ministério da Fé

buscado outras coisas que com certeza te-riam me machucado”, declara Renata.

Ela conta que nunca foi adepta de bares, festas, shows ou qualquer outro evento do tipo. A missionária vive uma rotina de total dedicação e garante não sentir falta das ba-ladas. Entre suas atividades estão a evange-lização, prestação de serviços voluntários, participação em seminários de vida. Ela ain-da frequenta as Santas Missas diariamente. O sentimento de Renata em relação à igreja ecoa a avaliação de José Lisboa. “Na igreja me sinto completa, algo que, muitas vezes, procuramos para nos preencher no mundo e em tantos lugares e não encontramos.”

Para o frei Fabrício Nogueira, líder da

comunidade Paróquia São Marcos e São Lucas, situada no Setor P Norte (Ceilân-dia), a juventude adere a uma religião, primeiramente, por encontrar ali um gru-po social com o qual se relaciona bem e

se identifica. Nesse caso, os jovens podem encontrar naquele ambiente outras pessoas com os mesmos propósitos de vida.

Em seguida, ele relaciona o movimento como uma experiência divina, o que forta-lece a fé em Jesus Cristo. “Por meio da con-vivência na igreja os jovens encontram res-postas para as indagações do dia a dia, que não conseguem obter na escola e até mesmo na família”, argumenta o frei.

Uma questão de escolha

Eu saí do mundo porque percebi que tudo aquilo era apenas passageiro e mo-mentâneo. Nada daquilo que eu fazia e o que as pessoas me ofereciam me dava prazer e paz. Eu vivi apenas ilusão do momento.

O depoimento é de um jovem que deci-diu mudar de vida e hoje faz parte de uma comunidade evangélica que concentra cada vez mais um grande número de jovens em seus cultos semanais.

Gillyano Lima tem 28 anos e, há três, tomou a decisão de mudar de vida. Ele faz parte da Comunidade Evangélica Ministé-rio da Fé, na QNL, em Taguatinga Norte. Ele frequenta os cultos todos os sábados e sempre que pode vai à igreja durante a se-mana. O jovem afirma ter se afastado das festas e das farras com os amigos porque estava insatisfeito com tudo que viveu fora da igreja.

O pastor Bruno Anderson, líder dos jo-vens da comunidade, comenta que as igre-jas têm se renovado com o passar do tempo e utilizam estratégias que visam chamar a atenção dos jovens, com o objetivo de arrancá-los do mundo de festas em que en-contram bebidas e drogas. Nos cultos de jo-vens que acontecem aos sábados, ele diz que cerca de 40 pessoas aceitam a Jesus e passam a frequentar as reuniões. “Nós temos cres-cido e hoje somos referência. Percebemos que as pessoas diariamente estão mais aber-tas para ouvir a palavra de Deus, então isso tem facilitado”, observa.

Segundo o pastor, essa geração é forte em ideologias. Sendo assim, as igrejas per-cebem a necessidade de acompanhar o pro-cesso de transformação e amadurecimento deles. Na opinião do líder, o período con-figura uma boa oportunidade para investir no jovem, já que, de acordo com Anderson, muitos jovens estão desiludidos com o que estão vivenciando fora da igreja.

Esse foi justamente o motivo pelo qual Gillyano foi aos cultos da igreja. Hoje ele se sente renovado e contente com a mudança. “Sou totalmente realizado, avivado e tudo me supre, desde o dia que resolvi a viver na presença de Deus e me envolver com a obra dele dentro da igreja”, complementa.

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TATUAGEM

Mudanças radicais nos olhos não têm voltaNova prática de modificação corporal está na moda, mas preocupa oftalmologistas, pois é irreversível

EVELY LEÃONAYANE GAMA

TATUAGENS, piercing e alargadores são algo comum entre os adeptos à modi-ficação corporal. Hoje, além de pintar o corpo como uma forma de arte e prazer no ato de sentir dor, não satisfeitos em estampar desenhos na pele, admiradores da modificação aderiram à eyeball tattoo, técnica que consiste em colorir a esclera (parte branca dos olhos).

Para a fotógrafa Jeniffer Cristine, que recentemente realizou um ensaio com adeptos do body modification, a tatua-gem nos olhos é a modificação que mais chama atenção, afinal “os olhos são a alma das pessoas”. A técnica divide opi-niões. Para especialistas trata-se de uma decisão arriscada, porque o procedimen-to é irreversível – não sendo possível uti-lizar laser de remoção, como ocorre nos desenhos na pele – e envolve uma das partes mais sensíveis do corpo humano.

Fernando Mello, 36 anos, é body piercer há 11 anos e tem 97 tatuagens. De acordo com ele, tatuar os olhos é um método que o assusta, pois não tem volta. “Meu corpo é uma tela de arte, meus olhos são meus guias, não posso arriscá-los”, explica.

ProcedimentoA técnica e os instrumentos utiliza-

dos na eyeball tattoo são diferentes da tatuagem corporal, pois os olhos exigem cuidados específicos. A agulha é pareci-da com uma seringa e a tinta não contém chumbo. Segundo o tatuador Jefferson Souza, durante o processo são feitas quatro aplicações, duas de cada lado. O procedimento é rápido e dura cerca de 15 minutos.

Antônio Alessandro, 24 anos, tatuou os olhos no início deste ano. Desde a pri-meira vez que viu, teve vontade de fazer. Ele explica que no momento da aplicação sentiu um leve desconforto, ardor e quei-mação. Já no período de recuperação sen-tiu apenas dor de cabeça e dor atrás dos olhos. “As pessoas me param na rua, nas festas e pedem para tirar fotos. As críticas maiores recebo pela internet, me chamam

de capeta e coisas desse tipo”, revela.Jefferson esteve em Brasília no início

de 2012 e realizou o procedimento em três pessoas, que encomendaram o servi-ço por meio de conversas na internet. O trabalho custa R$ 1.000 nos dois olhos e no Distrito Federal não há nenhum pro-fissional que o faça. Após a aplicação o tatuador recomenda o uso de colírio, re-pouso e a não exposição ao sol.

Wildson Santos, 32 anos, body piercer, se diz adepto da modificação corporal, pois gosta de se sentir diferente e cha-mar atenção. Ele também resolveu ade-rir à moda: “Escolhi a cor preta porque é mais diabólica e causa medo”, brinca. Conhecido como “Meia Noite”, Wildson conta que as pessoas fazem o sinal da cruz quando o veem, mas isso não o incomo-da, apenas quando grupos se juntam para ofendê-lo.

Para a especialista em imagem corporal Bernadete Brasiliense quem vai atrás da modificação corporal busca se sentir me-lhor. “Somos ligados a normas e regras de comportamentos – mas se uma mudança dessas acontece, vamos ver a pessoa como ‘o outro’, o diferente”, ressalta.

RiscosO presidente da Sociedade Brasiliense

de Oftalmologia, André Rolim, explica que esse tipo de procedimento envolve sé-rios riscos, pois a estrutura ocular é extre-mamente sensível e a tinta nos olhos pode causar infecções e impedir diagnósticos. “Eu não aconselho esse tipo de aborda-gem, pois se houver lesão abaixo da escle-ra, à gente não consegue ver”, explica.

Por ser uma técnica recente, os efei-tos ainda são desconhecidos, mas é pre-ciso orientação quanto aos métodos e principalmente aos materiais utilizados. “Por se tratar de uma estrutura sensível, a contraindicação é grande entre os of-talmologistas. Eu não descarto o risco de cegueira”, ressalta André. Apesar da re-provação, tatuar os olhos não é proibido nem no Brasil nem no exterior.

Fotos: Débora Vieira

Wildson Santos, adepto da eyeball tattoo, gosta de se sentir diferente e de chamar atenção

comportamento

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LANÇADO em 1990, o Photoshop é hoje um dos softwares mais populares em todo mundo e está disponível em mais de 20 idiomas. Usado por leigos e profissionais, o programa foi desenvolvido para facilitar a edição e o tratamento de imagens, mas, na tentativa de deixar a foto com um aspecto “perfeito”, algumas pessoas exageram ao usá-lo.

O fotógrafo Athos Souza diz que usa o software para editar e tratar as fotografias que tira. “O Photoshop é um programa es-sencial para o meu trabalho”, conta. “Mui-tas meninas me procuram para fazer book de 15 anos, e é óbvio que elas não querem aparecer cheias de espinhas nas fotos”, di-verte-se.

Apesar de trabalhar com o programa, Athos critica o uso exagerado. “Há um li-mite. Não dá pra modificar a aparência toda da pessoa ou fazê-la parecer de plástico, como algumas publicidades fazem”, diz.

Já Waldyr Lantyer, que também é fotó-grafo, diz que o uso do Photoshop é im-prescindível. “Deve existir sim. Hoje em dia todos os fotógrafos usam”, conta. “Mas eu não gosto de transformar a pessoa, tento ao máximo deixar a foto bonita e original na hora do clique, após isso somente correção de cores”, completa.

De acordo com a psicóloga Viviane Queiroz, o retoque exagerado em imagens pode causar um impacto negativo em quem os vê. “A autoestima é uma imagem positi-va que criamos de nós mesmos. Quando a imagem que temos de nós não é a que gos-taríamos, nossa autoestima cai, o que pode levar à depressão em casos mais graves”, explica. “As pessoas se perguntam ‘por que eu não tenho uma pele perfeita igual a mo-

delo da capa?, mas a modelo também tem estrias, celulites, manchas na pele, só que esses ‘defeitos’ são escondidos pelo Pho-toshop”, diz.

A cabeleireira Adriana Costa, que deu à luz gêmeos há pouco mais de dois meses diz que hoje em dia não tem problemas com seu corpo pós-parto, mas nem sempre foi assim. “Me lembro de folhear uma revista há seis anos, quando tive meu primeiro filho, e ver uma atriz que teve filho na mesma época que eu totalmente em forma. Aquilo me deixou deprimida”, conta.

Doenças da beleza

O termo “doenças da beleza” foi criado pela doutora em psicologia clínica Joana de Vilhena Novaes para designar as doenças causadas por problemas em relação à ima-gem corporal, como bulimia e anorexia. De acordo com a pesquisadora, quem tem problemas de imagem corporal busca se encaixar em um padrão de beleza usando métodos extremos e dolorosos.

Pessoas com transtorno dismórfico cor-poral (TDC), nome dado à doença, têm uma imagem distorcida de si mesmas e encontram defeitos que não existem ou au-mentam pequenas imperfeições. Por isso, se privam de muitas coisas. Não saem de casa, não vão a festas, não namoram, não vão à praia, não usam a roupa que querem. Se tornam reféns do corpo.

Mas o problema não está relacionado so-mente à autoestima. Nossa sociedade cobra a todo tempo um padrão de beleza e quem não faz parte dele é excluído. O resultado dessa cobrança pode ser visto no aumento de cirurgias plásticas em adolescentes, mui-tas vezes em busca dos traços das estrelas,

retocados, afinados e suavizados pela edi-ção de imagens. Um levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plás-tica mostra que entre 2008 e 2012 o aumento foi de 141%.

Pesquisa realizada no Reino Unido mos-tra outro índice preocupante: metade das meninas de até 6 anos está insatisfeita com o corpo. Segundo o estudo, publicado no Bri-tish Journal of Developmental Psychology, esse índice se deve à exposição das crianças a imagens de revistas e a programas de TV que mostram mulheres magras, com pele e cabelos perfeitos. Ainda de acordo com o estudo, a superexposição das crianças a esse tipo de imagem, de certa forma, as influen-cia a achar que há algo errado com a apa-rência delas.

Bem na fotoMas não é só nas capas de revistas e

anúncios publicitários que o Photoshop aparece. Muitos usuários de redes sociais usam o artifício para “ficar bem na foto”, como é o caso da estudante Bárbara Nasci-mento. “Gosto para tirar as manchas da mi-nha pele”, diz. Mas garante que não exagera na hora do retoque.

Já o estudante Carlos Lourenço confessa que quase todas as fotos que posta nas redes sociais têm alguma edição. “Agora com os smartphones ficou bem mais fácil editar as fotos. Posso tirar uma foto agora, jogar um efeito bacana e voilà! Está pronta para ser postada”, brinca.

Se por um lado há pessoas que exageram o uso do Photoshop, outras tentam mostrar a beleza natural. O Batalha dos corpos foi criado por quatro amigas depois de terem cursado Antropologia Visual na faculdade.

O deputado Wladimir Costa (PMDB – PA) criou o projeto de lei 6853/10, que obriga que todas as imagens vinculadas em meios de comunicação e que tenham sofrido modificações com o intuito de alterar a aparência física, tragam o seguinte alerta: “Atenção: imagem retocada para alterar a aparência física da pessoa retratada“. Quem desobedecer a lei terá que desembolsar R$ 50 mil de multa. Atualmente o projeto de lei está em análise na Câmara dos Deputados.

A mágica do Photoshop vale a pena?

tecnologiaMANIPULAÇÃO

Manipulação digital causa polêmicas e traz discussão sobre o limite do uso de softwares de edição

RAYANNE LARISSA

Foto: Ana Beatriz

O projeto, que conta com uma página no Tumblr, reúne fotos enviadas por mulheres das partes do corpo que as incomodam. O objetivo é que elas se libertem dos padrões de beleza impostos pela mídia e pela socie-dade.

Piadas

Muitas capas de revistas foram vítimas do uso exagerado do Photoshop e acabaram virando piada na internet. A cantora Preta Gil, por exemplo, surgiu sem pescoço em uma foto para divulgar a linha plus size de uma famosa loja de departamento. O site Photoshop Disasters (http://www.psdi-sasters.com/) reúne centenas de retoques que acabaram dando errado.

Vendas do software são responsáveis por 80% do mercado de edição de imagens

LEI DO PHOTOSHOP

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tecnologia

REDES

Brasil tenta aprovar regulação da internet

MURILO LINS RENATO GOMES

O MARCO Civil da Internet (PL 2126/2011) é um projeto de lei que estabe-lece princípios, garantias, direitos e deve-res dos usuários da Internet. É uma espécie de “Constituição da Internet”. É necessá-rio porque, após dezoito anos de uso da Internet no Brasil, não há qualquer lei que estabeleça diretrizes para proteger os seus direitos – atualmente ameaçados por uma série de práticas do mercado. Esta é a defi-nição dada pela Assessoria de imprensa do relator do Marco Civil da Internet, Depu-tado Alessandro Molon.

Segundo a Assessoria de imprensa do Deputado Alessandro Molon, ele foi de-signado relator em 2012. Para elaborar o relatório e aperfeiçoar ainda mais o proje-to, Molon viajou o país em sete audiências públicas, nas quais ouviu representantes de 60 instituições, dos mais diversos seto-res, como acadêmicos, ativistas, órgãos de governo, operadoras telefônicas, artistas e empresas de tecnologia. Ele ainda colocou o Marco Civil da Internet em nova consul-ta pública, por meio do portal da Câmara dos Deputados e-Democracia, onde o tex-to teve 45 mil visitas, 2.215 comentários e 374 propostas. E pela primeira vez na Câ-mara dos Deputados um relatório utilizou sugestões enviadas até mesmo via Twitter.

Os principais pontos do Marco Civil da Internet são a liberdade de expressão, neu-tralidade da rede e a privacidade dos usuá-rios. Recebeu o apoio público do “pai” da internet, o físico britânico Tim Berners-Lee, e da pessoa que cunhou o conceito de neutralidade de rede, Tim Wu, professor da Columbia University.

A votação estava prevista para acontecer na semana de 17 a 23 de novembro de 2013, mas foi adiada. Até o fechamento desta edi-ção, a votação ainda não havia acontecido, embora estivesse em regime de urgência constitucional. O que mais chama a atenção é que o processo de votação só foi posto em regime de urgência pela Presidenta Dilma Rousseff depois que as denúncias de espio-nagem norte-americana apareceram. As de-núncias foram feitas pelo ex-agente da Cia Edward Snowden, que revelou que os Esta-dos Unidos espionaram vários países, entre eles o Brasil, através da internet.

O advogado Marcos Antônio Ramos de Sousa Oliveira, 28 anos, enxerga problemas na constitucionalidade do projeto de lei. “O Marco Civil da Internet padece de inúmeras inconstitucionalidades, violando, principal-mente, direitos e garantias fundamentais.”

PrivacidadeEnquanto ainda não existiam leis que cui-

dassem do mundo virtual no país, a União Europeia já se preocupava com os crimes de computador desde 1989. Ano em que todos os países membros da União foram convi-dados a criar leis para crimes relacionados à informática. A Itália, em 1993, foi o pri-meiro país a introduzir no seu Código Pe-nal, leis para crimes realizados por meio do computador.

Mas antes do Marco Civil da Internet, já está em vigor no país desde 2 de abril de 2012, a Lei de Crimes Cibernéticos, mais conhecida como Lei Carolina Dieckman, em referência ao caso sofrido pela atriz, que teve fotos intimas divulgadas na rede. A lei

reforça o combate ao racismo na web, tipifi-ca crimes de falsificação de cartão de crédito e estelionato. Também prevê como crime a violação de computadores conectados ou não a internet e ainda a difusão de vírus.

Dois casos recentes que envolvem inter-net e crime foram noticiados pela imprensa. Um aconteceu com Thamiris Sato, 21 anos, estudante de letras na Universidade de São Paulo. A jovem teve fotos íntimas postadas no Facebook e sofreu ameaças pelo seu ex-namorado, o búlgaro Kristian Krastanov, que também era estudante do mesmo cur-so, e não aceitou o fim do relacionamento. Como forma de protesto e desabafo, ela usou seu perfil do Facebook para escrever sobre as ameaças de seu namorado e contar sobre seus sentimentos, chegando até a re-latar que pensou muito na sua família para não se matar devido às consequências da exposição indesejada. Se Thamiris não se suicidou por pouco, a piauiense Júlia Rebe-ca, 17 anos, não teve o mesmo controle.

Após ter vídeos íntimos divulgados no Whatsapp, aplicativo de mensagens grátis, a jovem usou o Twitter para postar mensa-gens horas antes de cometer suicídio. Ela foi encontrada pela sua tia em seu quarto com o fio da chapinha enrolado em seu pescoço. No dia 23 de outubro, o deputado federal Romário apresentou um projeto de lei que pretende tornar crime a divulgação indevi-da de fotos e vídeos íntimos. Em entrevista a revista Marie Claire, Romário diz que a lei propõe criar uma pena específica, com três anos de prisão para o infrator e indenização da vítima pelo prejuízo profissional pessoal causado pela exposição.

Em 2001, o Conselho da Europa criou a Convenção de Budapeste, que teve o propósito de definir os crimes da internet, desenvolver as técnicas de investigação e aumentar a cooperação entre as nações que participaram. Uma segunda convenção foi realizada em Londres, em 2011, e a terceira acon-teceu no mês passado em Seul, capital da Coreia do Sul. Entre os países da América do Sul, apenas o Chile a a Co-lômbia aderiram a convenção. O Brasil ainda não.

Um dos casos de crimes ciberné-ticos mais famosos está retratado no documentário TPB AFK: The Pirate Bay Away From Keyboard. O filme retrata os quatro anos de processo que os criado-res do site foram indiciados. Em 2008, grandes empresas de entretenimento, como Sony e Warner se juntaram para indiciá-los criminalmente por violação de direitos autorais. A pena determi-nada pela justiça da Suécia (país de origem do Pirate Bay) foi de um ano de prisão e o pagamento equivalente a R$ 8 milhões a essas empresas.

Para se tornar lei, o Marco Civil da In-ternet precisa ser aprovado na Câmara e no Senado Federal. Sendo aprovado no Congresso Nacional, vai para a fase de sancionamento que é feito pela Pre-sidenta Dilma Rousseff.

Para ler na íntegra o Projeto de Lei do Marco Civil da Internet e assistir ao documentário TPB AFK: The Pirate Bay Away From Keyboard, acesse o portal do Artefato na internet e confira.

Endereço: www.pulsatil.com.br

SAIBA MAIS

Fotos: Fernanda Pinheiro

Usuários da internet estão na expectativa pela aprovação do Marco Civil

Denúncias de espionagem norte- americana pautaram o debate. Projetos de Lei também discutem violação de privacidade

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