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Jornal-laboratório da Universidade Católica de Brasília, ano 12, número 1 abril de 2011 a rte f ato Pela primeira vez quis fechar os olhos e morrer também Essa mulher perdeu os três filhos. A história dela engrossa as estatísticas que colocam o DF quase no topo do ranking de homicídios de jovens 410 e 11 Mariana Santiago Um raio-X dos problemas da Estrada Parque Taguatinga Guará (EPTG) 48 e 9 Como informar corretamente o endereço na cidade que não tem bairros44 Estudantes relatam experiências de intercâmbio em outros países412 e 13 Pela primeira vez quis fechar os olhos e morrer também

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Jornal laboratório da Universidade Católica de Brasília

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Jornal-laboratório da Universidade Católica de Brasília, ano 12, número 1 abril de 2011

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“Pela primeira vez quis fechar os olhos e morrer também”

Essa mulher perdeu os três filhos. A história dela engrossa as estatísticas que colocam o DF quase no topo do ranking de homicídios de jovens 410 e 11

Mariana Santiago

Um raio-X dos problemas da Estrada Parque Taguatinga Guará (EPTG) 48 e 9

Como informar corretamente o endereço na cidade que não tem bairros44

Estudantes relatam experiências de intercâmbio em outros países412 e 13

“Pela primeira vez quis fechar os olhos e morrer também”

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opin

inão

ExpedienteArtefatoJornal-jaboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de BrasíliaAno 12, nº 1, abril de 2011

Reitor: Pe. José Romualdo Degasperi

Direção do Curso de Comunicação Social: Prof. André Luís Carvalho

Disciplina: Produção e Edição de Impressos

Editores-chefe: André de Castro e Amanda Perissê

Projeto gráfico: Eduardo Pessoa

Repórteres: Amandda Souza, Cleicilene Lobato, Gabriela Lobato, Gilmar Satão, Haiany Melo, Kellen Karina, Lilian Alves, Mariana Santiago, Paulo Freire e Renata Bittes

Fotógrafos: Gabriela Melo, Jônathas Oliveira, Nilson Carvalho e Rick Astley

Editor de fotografia: Nilson Carvalho

Editora de texto: Narlla Salles

Professores responsáveis: Gustavo Cunha e Karina Gomes Barbosa

Orientação gráfica: Profs. Amaro Jr. e Thiago Sabino

Orientação de fotografia: Prof. Thiago Sabino

Estágio docente: Vânia Gurgel

Tiragem: 2 mil exemplaresImpressão: F Câmara Gráfica

Universidade Católica de BrasíliaEPCT QS 07 lote 1 Águas Claras - DFCEP: 71966-700Telefone: [email protected]

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D e cara nova e equipe estreante, o Artefato chega à primeira edição de sua 12ª tempo-rada. A opção decidida em consenso pelas

turmas (manhã e noite) foi por dar mais atenção à parte gráfica. Tanto na diagramação, com apos-ta em cores leves e imagens abertas, quanto no espaço fixo dedicado a infográficos, uma forma de mostrar que boa apuração e reportagem rigo-rosa combinam com um visual atraente.

A manchete traz um dado vergonhoso para a capital. Um estudo chamado Mapa da Violên-cia indica que o DF é a quarta pior unidade da Federação nos índices de homicídios entre jo-vens. Uma equipe de repórteres colheu depoi-

as mulheres enfrentam para conquistar espaço no mercado de trabalho. As venturas e desven-turas de quem embarca em intercâmbios, uma análise do crescimento do número de bares em Águas Claras e uma incursão nos conceitos da nutrição funcional ajudam a dar o ar de diversi-dade a que o jornal se propõe.

Para completar, uma contribuição que es-pelha o espírito do Artefato, de abertura às contribuições dos alunos de jornalismo da UCB. Uma estudante do sexto semestre ofe-receu à redação um olhar diferenciado sobre um encontro cheio de cartas marcadas com Michelle Obama. Boa leitura!

Amanda Perissê

Editorial

Mais um ciclo do Artefato é finalizado. Um jornal que no semestre passado evoluiu na estética e no modo de fa-

zer jornalismo do grupo que o idealizou. Grupo este que enfrentou problemas graves como o plágio, mas se superou na qualidade das maté-rias em cada edição publicada.

Nesta última, a preocupação com a saúde e o trânsito trouxe os temas mais tratados em to-das as edições. Temas pertinentes que sempre vão fazer parte da nossa agenda jornalística.

Retomar uma ferida do início do semestre foi crucial para o jornal. A equipe do Artefato provou com a matéria “Cópia” que repudia o ato praticado pelo estudante e de certa forma pede desculpa ao leitor trazendo a fala arrependida do plagiador. Algo inesperado que ajudou a edição a fechar com chave de ouro.

Em todas as edições, a cada texto lido e ana-lisado, pude perceber falhas e acertos que eu mesma canso de cometer, como estudante de jornalismo que sou. Fecho esse ciclo e passo o aprendizado, então, à próxima Ombuskvinna, Nathália Coelho.

Análise da edição anterior do Artefato

mentos e transformou os números em tristes histórias de quem vive sob influência da violên-cia e do tráfico.

Outro assunto importante são os transtornos causados pela obra inacabada na EPTG. Depois de dias de apuração, a reportagem gráfica iden-tifica os pontos mais críticos da via, como falta iluminação, pontos de alagamento e sinalização deficiente. Um chamado aos responsáveis por políticas públicas.

Os recorrentes apagões e os problemas que eles trazem a quem depende de energia 24h como condição de sobrevivência também mere-ceram destaque, assim como as dificuldades que

No tema saúde, destaque para a matéria “Di-nheiro não falta, mas o paciente não vê” que mos-trou com dados específicos aquilo que o senso comum já suspeitava: a falta de administração do dinheiro público que é investido na saúde.

Já no tema trânsito o uso da primeira pessoa foi muito comum para descrever experiências diante das peripécias do trânsito do DF. Algo que precisa ser mais aperfeiçoado para o jornal nas próximas edições é a melhor descrição dos fatos acontecidos e acompanhados pelos repórteres de forma que os leitoresnos se sintam dentro do metrô ou do ônibus lotado, principalmente para quem não costuma passar por esse tipo de situação no seu dia-a-dia.

Ombudskvinna

Ane Gottlieb

Primeira etapa vencida

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cidades

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va com o irmão caçula, Adailson, de correr atrás de pipas. Subiu no telhado da casa da avó, em Ta-guatinga, e não reparou num fio que estava perto. O choque nas costas foi tão grande que ele teve uma parada respiratória de 13 minutos.

O diagnóstico foi tetraplegia. Hoje, aos 22 anos, Adailton não fala nem se mo-vimenta, e depende de equipamentos para limpar as secre-ções e os restos de comida acumulados da tra-queostomia. No quarto da casa onde mora com a mãe, Maria de Lourdes, 49, a televisão fica ligada no mesmo canal, quase o dia todo. Parece que ninguém assiste, mas Adailton observa tudo, os olhos arregalados. “São quase quatro anos deita--do em cima da cama”, conta a mãe, que já não consegue carregar o filho, sozinha, para colocá-lo na cadeira de rodas.

A rotina de Adailton depende completamen-te da mesma energia elétrica que o colocou na condição atual. “Meu filho tem que se alimentar seis vezes ao dia, fazer ne-bulização quatro ve-zes e usar o aspirador para limpar a região por onde a comida passa, no pescoço”, relata Maria de Loudes. A alimentação, especial, é toda batida no liquidificador, para passar na sonda. A nebuli-zação o ajuda a respirar direito. A drenagem im-pede que Adailton engasgue.

Para ajudar nos cuidados com o irmão mais velho, Adailson instalou um sistema de monito-

ramento com câmeras e uma tevê. Da cozinha, a mãe via o filhe na cama. Desde a última que-da de energia, Maria de Lourdes mal consegue dormir. O motivo? O apagão queimou todos os equipamentos.

“Teve um dia que acabou a luz aqui em casa. Quando voltou, o sistema de monitoramento queimou. Foram duas tevês e um computador. Comprei apenas outra televisão porque é a única coisa que o Adailton gosta. O resto está lá, quei-mado”, lamenta a dona de casa.

Histórico de problemasAtualmente, a Companhia Energética de Bra-

sília (CEB) acumula dívida de R$ 800 milhões. Só de multas aplicadas pela Aneel foram R$ 31 milhões em 2010. Das 27 multas que a CEB to-mou nos últimos 10 anos, oito foram por conta de apagões. A agência realiza periodicamente fisca-lizações em concessionárias e transmissoras em todo o Brasil.

Quando ocorrem apagões, a empresa é noti-ficada. Se for constatada falta de planejamento, operação ou manutenção, as penalidades vão de advertência à multa de 1% do faturamento anu-al. Um dos resultados do serviço ruim é a queda da satisfação do brasiliense com a empresa em 2010. Procurada pelo Artefato, a CEB não quis se manifestar.

Quem anda por Brasília à noite consegue contemplar, de alguns pontos, a cidade toda iluminada – desde a pensada por

Lúcio Costa até as estradas-parque que rasgam a cidade ao meio. Mas, de vez em quando – e cada vez mais – quem anda pela capital vê uma cena muito diferente: Brasília às escuras. Os apagões atrapalham o cotidiano dos brasilienses, sem es-colher classe social: do Lago Norte à Samambaia, passando por Ceilândia, Águas Claras e Brazlân-dia, todos estão na mesma situação.

“A falta de energia é constante. Isso causa problemas domésticos sempre. O microondas, as lâmpadas, foram alvo da ultima falta de energia. Teve um dia que a energia faltou e ficamos mais ou menos 17 horas sem energia. Os alimentos da geladeira estragaram”, conta Maria Vaneide dos Santos, 52 moradora de Águas claras. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Brazlândia foi a cidade mais afetada: foram 29,3 horas de escuridão em 2010. O máximo aceito pelo órgão são 16 horas.

Enquanto muitos brasilienses enfrentam pre-juízos com os apagões, o resultado da falta de luz pode ser muito pior para gente como Adailton Alves de Carvalho, que precisa de energia elétrica para continuar vivo. Aos 18 anos, o jovem brinca-

Energiavital

Os apagões no DF colocam em risco a vida de gente como Adailton Alves

Gilmar Satão

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Bairros, RAs, cidades-satélites? Falta consenso e sobra confusão sobre a divisão do DF

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Gabriela Lobato

Apesar de parecer uma cidade independente, Taguatinga é uma das 30 regiões administrativas do DF

Planalto”, lembra. Ele foi levado à Praça dos Três Poderes para ter uma noção da divisão territorial da capital.

Cidade, simMarisol Carvalho prefere definir para as

pessoas de fora Brasília como uma “cidade única”. Já o morador do Gama Joel Ribeiro, 41, discorda de Marisol. Ele afirma com toda certeza que o Gama é uma cidade independente.

Para o arquiteto Júlio Lobato, as opiniões diferentes são resultado de falta de informação. “O leigo aceita isso naturalmente.” Segundo ele, essa falta de entendimento sobre as RAs está ligada às questões que nasceram com a criação das ocupações não planejadas. São questões históricas.

O arquiteto explica que Brasília era uma cidade planejada para fugir do convencional. “Não há avenidas nem outras características de cidade grande. Era só o Plano Piloto. Para dar moradia aos operários das construtoras, houve a necessidade de se criar os núcleos habitacionais – as atuais regiões administrativas.” Ele reforça o pensamento de Marisol Carvalho: “Quando vou para fora do DF, prefiro dizer que moro em Brasília, que é o Plano Piloto, e que as cidades-satélites se equiparam aos bairros tradicionais das cidades brasileiras”.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contribui para o desencontro geral. O órgão considera o quadrilátero do Distrito Federal como um único município e as 29 RAs, exceto o Plano, como setores habitacionais. Assim, os dados estatísticos do DF apurados nacionalmente não são divididos internamente, o que dificulta ao brasiliense – e ao brasileiro – ter uma clara noção das diferenças econômicas e sociais da capital.

A ausência de nomenclatura uniformizada sobre o DF deixa dúvidas e abre discussões. Na internet o debate é dominado sobre o fato de os Correios adotarem as RAs como bairros e não municípios. Em janeiro, o órgão soltou uma norma ensinando os brasilienses a preencherem endereços em cartas e formulários. A idéia é que cada RA seja um bairro. No campo “Cidade” se escreve sempre Brasília. DF fica sendo o estado. Se a região administrativa tiver uma divisão interna, esse é o bairro. Entre parênteses vem o nome da RA.

De acordo com os Correios, a normatização é para facilitar o sistema de endereçamento de correspondência e formulários. A empresa aconselha, contudo, que o mais importante é não errar o CEP, talvez prevendo ainda mais confusão pela frente.

P ara quem não conhece o Distrito Federal, entender o padrão de endereços da capital pode ser complicado. SQN, SQS, SAAN,

SAIN, QSA, CSA, “M” Norte, QE, QI. Essas são apenas algumas das siglas, espalhadas por todas as regiões do DF, que dão nó na cabeça de turistas, moradores, atendentes de telemarketing... Ainda por cima, não existem bairros como no resto do país. Mas há outra questão que confunde: a falta de um posicionamento único sobre as divisões da capital.

O artigo 10 da Lei Orgânica do DF deixa clara a organização em regiões administrativas, com a proposta de descentralização. Mas isso não responde a questão. Marisol Carvalho da Silva, 38, se mudou para Ceilândia há dois anos e ainda tem dúvidas. Ao procurar assistência social, o atendente preencheu o campo “Cidade” como “Brasília” e, no bairro, “Ceilândia. Mas as duas não são regiões administrativas diferentes? E nenhuma das duas é bairro ou cidade.

Nem estado nem municípioO Distrito Federal não é município nem

estado. Como entidade federativa única no país, é regido por lei orgânica, típica de municípios. Como os estados, tem apenas governador. As RAs não têm autonomia – são comandadas por administradores submetidos ao GDF.

A Constituição proíbe a divisão do DF em municípios, mas afirma que o distrito tem algumas competências comuns a eles e outras atribuídas a estados. Ou seja, é um misto de ambos sem ser nenhum dos dois. As regiões administrativas parecem, sim, os bairros das outras cidades do país, só que mais independentes.

A autonomia é superior à dos bairros, mas menor que a das cidades que orbitam à volta das capitais estaduais. Não são cidades, mas também não são “cidades-satélites”, como era comum dizer antigamente. Um decreto de 1998 do GDF proibiu o uso da expressão em documentos oficiais, já que a idéia de “satélite” é meio pejorativa. Mas diante das diferenças, como explicar o DF a quem é de fora?

O jornalista Rafael Barifouse, 28, se aventurou em terras candangas pela primeira vez em 2008. “Visitar Brasília pela primeira vez é uma experiência quase extraterrena para um carioca”, brinca. “Por mais que a gente tenha na mente o Plano Piloto, no já manjado formato de avião, para entender como isso se distribui no espaço, só mesmo com a maquete próxima ao Palácio do

Nilson Carvalho

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política

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Observo a imprensa entrevistando ilustres jo-vens embaixadores, “íntimos” de Michelle, pois a visitaram na Casa Branca em 2010. O atraso da comitiva nos mantém sob sol forte, já que a plateia precisa manter em ordem o cenário “tropical”.

CoroAliviada a irritação em tweets, me ajeito com o

anúncio da chegada célebre. Após os demorados aplausos (de pé, como rezava o figurino), ouvimos o relato da universitária e jovem embaixadora Raquel Silva. Os olhares de todos percorrem Michelle, sua mãe, as filhas Malia e Sasha e a madrinha de uma das meninas. A curiosidade é mútua: Malia analisa a todos da cabeça aos pés. Raquel conta sua história de superação, de quem não tinha nada e conseguiu circular entre os grandes. Sua voz não faz coro com os estudantes que não têm sua sorte ou sua aspira-ção. Mas, da primeira-dama, ganha um sorriso.

Quando se levanta, Michelle desfila o terceiro modelito do dia: vestido nude, de corte que evi-dencia as longas pernas e o porte quase encolhi-do, tornando menos impositivos seus 1,82m. Cada detalhe de seu badalado estilo fala mais que pala-vras, como as pulseiras tribais em contraste com o tecido nobre. Leva a presença altiva e o sorriso simpático ao microfone. “Bom dia”, diz, e arranca aplausos agradecidos pelo esforço em “falar” nos-so idioma. Está agora “em nossa vizinhança”.

Em seguida, nos aproxima de sua trajetória: sua família não era rica, nem a do presidente. Am-bos ascenderam pelos estudos. Saca o discurso da

Desencontro com Michelle

“Convidada” a evento com a primeira-dama dos EUA, repórter da UCB revela jogo de cartas marcadas

Stephany Cardoso*

Quando se é convidado a almoçar com al-guém, a socialização é implícita. Mas, e se o convite é da primeira-dama dos EUA, Mi-

chelle Obama? Dos 70 estudantes escolhidos para o evento, 31 eram do Centro Interescolar de Línguas. Depois do êxtase com a notícia, a dúvida: como aproveitar a oportunidade e fazê-la sair, ainda que pouco, do discurso pronto repetido à imprensa? De-pois de nomes e documentos checados, e de seguir a recomendação prévia de usarmos roupas infor-mais, embora arrumadas, o embarque nos ônibus com funcionários da Embaixada dos EUA.

No caminho até a Oca da Tribo, instruções: nada de levantar cartazes. Nas mãos, só celu-lares. Ir ao banheiro, só antes. Depois de sen-tados, ninguém levantaria. Nada de presen-tinhos à primeira-dama: uma funcionária da embaixada guardaria tudo. Fotos, só depois do evento. Quando Michelle chegasse, os aplau-sos deveriam ser de pé. Nas apresentações dos grupos Raízes do Brasil e Batalá, era até per-mitido levantar e dançar, mas só no espaço em torno da cadeira.

À entrada do restaurante, revista pelos agentes do serviço secreto. Já dentro, café da manhã à base de pão de queijo e suco de caju servido em taças de vinho. Com o informe de que a primeira-dama chegaria a qualquer momento, nos avisam para “co-mer tudo em cinco minutos”. A funcionária que nos trouxe me acomoda de frente para o púlpito.

superação individual, e, por um instante, baixa o olhar das câmeras e o direciona a mim: “Nunca imaginei ser primeira-dama e estou aqui. Se con-segui, para vocês também é possível, não importa de onde vieram, desde que sonhem grande e tra-balhem arduamente”. O inesperado contato me faz consentir, desconfortavelmente.

Não falou muito. Pediu para mostrarmos “o que temos”. Durante a roda de capoeira, agentes vigiam sérios os pés que voam próximos a Michelle. En-quanto me empolgo cantando, percebo palmas des-ritmadas ao lado. As mulheres do Batalá derramam sua beleza às câmeras e a percussão tira caretas de Malia e balanço da cadeira de Michelle. Ao fim, as Obamas saem, deixando os participantes entre elo-gios e murmúrios por não terem conseguido fotos. Da ausência de debate, nem um pio.

Se a intenção era um simulacro, uma aura de proximidade para nos distrair do abismo que nos separa, foi excelente. Da encenação com estudan-tes ao descontraído discurso de Barack Obama no Theatro Municipal do Rio, a sensação de apro-ximação emana da tela da TV e das páginas dos jornais. Mas, à nossa “nação soberana”, que pede apoio para ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, resta o “apreço”. À demanda de que nossos produtos entrem livres no mercado deles, esquivas. E, enquanto exalta as belezas de uma democracia viva, “exemplo ao Oriente Mé-dio”, aproveita o intervalo das batucadas para dar um telefonema que detona a guerra contra Mua-mar Kadafi, na Líbia.

*Sexto semestre de jornalismo da UCB, especial para o Artefato

“Nada de levantar cartazes. Nas mãos, só celulares. Quando

Michelle chegar, aplausos de pé”

Elza Fiúza/ABr

Apresentação do Batalá sob palmas de Michelle: espontaneidade cerceada

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econ

omia

camente, com isso, há poucas que se dispõem a serem candidatas”. Eliana afirma que entre ho-mens e mulheres ocorre uma disputa desigual com o poder econômico e político, porque os ho-mens controlam a máquina partidária. Por isso mesmo, uma das lutas dos movimentos feminis-tas é a inserção da mulher na política, afirma.

Outro fator desestimulante apontado por Eliana é a “avaliação negativa que hoje a maio-ria da população faz da política”. Para ela, as mulheres ficam receosas de entrarem nessa are-na, preferencialmente dominada pelo homem.

No Distrito Federal, apenas cinco mulheres aparecem à frente das administrações regio-nais, enquanto os ho-mens são 25. Apenas quatro mulheres co-mandam secretarias de Estado, enquanto os homens, 31. E en-tre os 24 deputados distritais apenas qua-tro são mulheres.

As dificuldades para a mulher chegar ao poder são muitas.

Geralda Godinho Sales começou sua atuação política em 1985. Estava à frente da primeira greve ocorrida em shoppings no Distrito Fe-deral. Passou pelo movimento sindical e foi da diretoria da Central Única dos Trabalhadores (CUT). É a atual Secretária Geral do Sindicato dos Comerciários, cargo do qual deverá renun-ciar por ter sido nomeada administradora do Riacho Fundo II em 2011.

Quando assumiu o Sindicato dos Comerciá-rios no DF, Geralda sentiu a discriminação na pele. “E na administração do Riacho Fundo II não é diferente”. Ela coordena a região admi-nistrativa há dois meses e afirma que as pesso-as sentem insegurança em ter uma mu-lher na chefia. “Eu sinto isso. Quando a coisa ‘pega’, a concepção que a maioria tem de nós [mulhe-

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Mulheres estão distantes da igualdade na política

Tão perto, tão longe

Na Grécia antiga já se discutia a inserção da mulher em cargos de poder. Platão, por exemplo, foi um dos grandes de-

fensores da mulher. Dados do Dicionário En-ciclopédico ilustrado SAV (Sexo amor e vida) de 1968, obra originada do trabalho de diver-sos especialistas e médicos, diz que o filósofo pregava a abertura de todas as carreiras e opor-tunidades para todos os sexos. Aristóteles, ao contrário, influenciado pelos preconceitos da época, caracterizou a mulher como “um de-senvolvimento interrompido”. E foi mais além: “quando a natureza erra na fabricação de um homem, sai uma mulher”.

Um salto no tempo: da Grécia Antiga para o Brasil do século XX. Em 1933, a médica pe-dagoga Carlota Prereira de Queirós se tornou a primeira mulher a assumir o cargo de deputa-da federal. Depois disso, se passaram longos 77 anos até que uma mulher conseguisse chegar ao cargo de presidente.

Mas o fato de hoje uma mulher estar à frente do Poder Executivo não significa que elas con-seguiram igualdade na participação política. Eliana Magalhães Graça, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômico (INESC) e ex-integrante do Centro Feminista de Estu-dos e Assessoria (CFEMEA), afirma que a baixa participação da mulher nessa área não se deve à falta de interesse. De acordo com ela, o fator primordial é “o embarreiramento”.

Segundo a especialista, “hoje temos uma es-trutura de poder machista e patrimonialista”. As barreiras começam na organização política. Os partidos, em geral, não têm uma política de inclusão das mulheres na vida partidária. “Logi-

André de Castro

Geralda Godinho é uma das cinco administradoras regionais do DF

“Temos uma estrutura de poder machista”Eliana Magalhães

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Dos 37 ministros brasileiros só

9 são do sexo feminino

Entre os 513 deputados federais

34 são mulheres

Dos 81 senadores em exercício

apenas 10 são mulheres

Nas capitais brasileiras apenas 2 mulheres são prefeitas:

Luizianne Lins (Fortaleza) e Micarla de Souza (Natal).

Nos estados do Brasil apenas 2 mulheres ocupam as cadeiras de governadora.

Os homens estão à frente dos governos dos outros 25 estados

2010Dilma Rouseff é a primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil

1933Carlota Prereira de Queirós se torna a primeira deputada federal do país

1979Eunice Michiles é a primeira senadora, suplente. Só em 1990 duas senadoras foram eleitas

1982Esther de Figueiredo Ferraz assume o cargo de ministra no Brasil, na pasta da Educação

1989Lívia Maria Ledo Pio de Abreu Se candidata à Presidência da República pelo PN

1995Roseana Sarney torna-se a primeira governadora brasileira, no Maranhão

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res] é que vamos chorar, nos descabelar. Preci-samos provar nossa força nas tomadas de deci-sões, e estamos provando.”

Maioria silenciosaDe acordo com a Pesquisa de Emprego e

Desemprego (PED), realizada no Distrito Fe--deral entre 2000 e 2010 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioe-conômicos (DIEESE), em parceira com a Se--cretaria de Estado de Trabalho (SETRAB), as mulheres estão melhores qualificadas para o mercado de trabalho do que os homens.

Elas são maioria nos cursos superiores e nos cargos de gerência. Porém, os salários são me-nores, comparados aos de homens com o mes-mo nível profissional. Isso significa que “ainda temos muito a caminhar, muitas barreiras a romper, muita discriminação e preconceito a combater”, afirma Eliana Magalhães.

Tanto a especialista quanto a administrado-ra acreditam que Dilma Rousseff na Presidên-cia é uma quebra de paradigmas. Geralda se diz otimista quanto à participação da mulher nas próximas eleições: “Se a mu-lher chegou à Pre-sidência, pode chegar a assumir qualquer outro cargo”, conclui. Eliana ressalta a importância

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de se ter uma mulher à frente do Palácio do Planalto. Ela acredita que “influencia o ima-ginário da população feminina como possi-bilidade ao alcance de todas”. Mas é preciso ir além do simbólico, reforça: “Há que ter políticas públicas concre-tas de estímulo e de combate à discriminação contra as mulheres”.

Quando se trata de mulheres no poder nos deparamos com um fator mais agravante, se-gundo observação de Eliana: “Com certeza não estamos falando de mulheres pobres e negras”. Essas mulheres, em especial, recebem os pio-res salários, são excluídas do acesso aos servi-ços públicos básicos e não chegam aos cargos de direção. “Quando isso acontece, é uma exce-ção que confirma a regra”, afirma.

As cotasGeralda declara que destinar um determina-

do número de vagas para as mulheres em todas as esferas de poder e nos cargos comissionados “não resolve o problema, mas ajuda”. Eliana

tem a opinião de que as cotas como medi-das de ação afirmati-va para diminuir de-sigualdades são uma boa alternativa, ainda que por determinado período de tempo. “Se deixarmos pelo fluxo

natural a igualdade não será atingida nem no próximo século”, sustenta a especialista. Ga-rantir esse espaço de participação para as mu-lheres é uma forma de acelerar o processo de obtenção da igualdade, completa.

Longa trajetóriaFoi em 1932, no governo de Getúlio Vargas,

que as mulheres adquiriram o direito de voto e de candidatura. Pouco antes da década de 1970 a mulher não podia nem ter negócio pró-prio sem autorização do marido, previamente autenticada e registrada em cartório. Da mes-ma forma era o voto: sem autorização não se podia exercer o direito. Agora, já são chefes de estado, deputadas, gerentes, chefes de polí-cia e até ‘presidentas’, como gosta de ressaltar Dilma Rousseff.

“Precisamos provar nossa força nas tomadas de decisões”

Geralda Godinho

Dos 37 ministros brasileiros só

9 são do sexo feminino

Entre os 513 deputados federais

34 são mulheres

Dos 81 senadores em exercício

apenas 10 são mulheres

Nas capitais brasileiras apenas 2 mulheres são prefeitas:

Luizianne Lins (Fortaleza) e Micarla de Souza (Natal).

Nos estados do Brasil apenas 2 mulheres ocupam as cadeiras de governadora.

Os homens estão à frente dos governos dos outros 25 estados

2010Dilma Rouseff é a primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil

1933Carlota Prereira de Queirós se torna a primeira deputada federal do país

1979Eunice Michiles é a primeira senadora, suplente. Só em 1990 duas senadoras foram eleitas

1982Esther de Figueiredo Ferraz assume o cargo de ministra no Brasil, na pasta da Educação

1989Lívia Maria Ledo Pio de Abreu Se candidata à Presidência da República pelo PN

1995Roseana Sarney torna-se a primeira governadora brasileira, no Maranhão

Dos 37 ministros brasileiros só

9 são do sexo feminino

Entre os 513 deputados federais

34 são mulheres

Dos 81 senadores em exercício

apenas 10 são mulheres

Nas capitais brasileiras apenas 2 mulheres são prefeitas:

Luizianne Lins (Fortaleza) e Micarla de Souza (Natal).

Nos estados do Brasil apenas 2 mulheres ocupam as cadeiras de governadora.

Os homens estão à frente dos governos dos outros 25 estados

2010Dilma Rouseff é a primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil

1933Carlota Prereira de Queirós se torna a primeira deputada federal do país

1979Eunice Michiles é a primeira senadora, suplente. Só em 1990 duas senadoras foram eleitas

1982Esther de Figueiredo Ferraz assume o cargo de ministra no Brasil, na pasta da Educação

1989Lívia Maria Ledo Pio de Abreu Se candidata à Presidência da República pelo PN

1995Roseana Sarney torna-se a primeira governadora brasileira, no Maranhão

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Infográfico: Thiago Sabino

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Maria*, que perdeu três filhos para o tráfico

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Lilian AlvesHaiany MeloAmanda PerissêKellen KarinaMariana Santiago

Parecia que eu não estava ali, que não era uma coisa que estava acontecendo. Novamente um filho meu deitado no chão, sem vida. Eu pela

primeira vez quis fechar os olhos e morrer também”. As frases são de Maria* , mãe solteira de 41 anos que perdeu três dos sete filhos em crimes ligados ao tráfico e à violência na periferia do Plano Piloto. “Eu vi esses meninos crescerem juntos, ficavam a tarde toda na minha casa, eu fazia lanche e tudo pra eles. Olha só o que fizeram com a minha vida e com a dos meus filhos?”, desabafa, às lágrimas.

Maria é um triste retrato real de números apon-tados pelo estudo Mapa a Violência 2011 – os jovens do Brasil. A pesquisa revela que os jovens brasileiros, sobretudo os que moram na periferia dos grandes centros urbanos, são as principais vítimas de homicí-dios. E o Distrito Federal ocupa um lugar de destaque às avessas na lista. Em dez anos, saiu do 6º lugar no ranking nacional em números de homicídios entre jovens de 15 a 24 anos para a 4ª posição, atrás ap-enas de Alagoas, Espírito Santo e Pernambuco. O DF pulou de 75,6 mortes a cada grupo de 100 mil habit-antes, em 1998, para 77,2 em 2008.

Uma característica dos números é que eles re-tratam uma exclusão geográfica. Quando a análise leva em conta apenas capitais, Brasília aparece em 18º. Há dez anos, estava em 12º. Ou seja, enquanto no centro do poder aquisitivo a situação melhora, na periferia o problema ganha contornos de gravi-dade extrema.

Uma pesquisa do DataFolha, também realizada em fevereiro, revela que dos 5.185 jovens entrevista-dos em 31 municípios de 18 estados e do DF, 30,3% estão submetidos a alguma exposição ou risco de violência. Entre os mais expostos, 44,5% afirmaram ter visto pessoas serem mortas por armas de fogo.

Segundo delegados consultados pela reporta-gem, o tráfico, um dos potencializadores do proble-ma, ganha espaço entre os jovens tanto como alter-nativa de fuga da realidade como de sobrevivência.

“De um certo tempo pra cá houve um aumento assustador do tráfico de drogas. Isso impulsionou um boom na violência e, por sua vez, os casos de homicídios”, explica Josué Ribeiro da Silva, titular da 17ª DP, em Taguatinga Norte.

Há 12 anos na profissão, Josué afirma que os homicídios entre jovens decorrem, em considerável número, da luta pelo poder do tráfico. “Eles querem disputar território a qualquer custo. É também uma questão de auto-afirmação. Além da realidade de exclusão em que vive, o jovem é mais suscetível a entrar nesse caminho para mostrar que tem força, em uma falsa expectativa de poder”, afirma.

Perto do topo no ranking

Estudo indica que as políticas de segurança são ativas apenas no Plano Piloto. Na periferia, o DF só perde, nos índices de homicídio na faixa entre 15 e 24 anos, para Alagoas, Espírito Santo e Pernambuco

30%Dos jovens entrevistados em pesquisa do Datafolha dizem estar submetidos

a risco de violência

da violência contra jovens

A família de Maria ilustra o cenário. Moradora de uma região administrativa carente e violenta, ela trabalhava o dia todo e não tinha como cuidar dos filhos. Com o tempo, mesmo com a rotina puxada, viu que algo estava errado. “Fui ao colégio conversar com as professoras e descobri que meu mais velho aparecia. Começou a andar com trafi-cantes”, conta. Na tentativa de evitar a permanên-cia do filho no mundo das drogas, a mãe discutiu, castigou e chegou a bater, mas nada foi suficiente pra convencê-lo. O primogênito saiu de casa e vol-tou, anos depois, com uma companheira, um filho e um posto de destaque no tráfico. Três meses de-pois, foi morto.

Os outros dois filhos mortos formavam um casal de gêmeos. A menina se envolveu em um relacionamento amoroso com um traficante, que logo acabou. O traficante quis reatar. A jovem, não. A mãe proibiu o relacionamento. Foi ameaça-da e levou dois tiros, um em cada pé, do traficante. O filho gêmeo quis se vingar. Acabou morto com quatro tiros. Dias depois, foi a vez da irmã, seques-trada e morta num acidente automobilístico.

“Olha só o que fizeram com a minha vida e com a dos meus meninos?”

“Olha só o que fizeram com a minha vida e com a dos meus meninos?”Maria*, que perdeu três filhos para o tráfico

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“Eu só tenho paz quando me ligam avisando que meu filho está pre-so”. A frase, em tom de decepção, é de Alves Rabelo, ex- militar e bar-beiro de um salão no Senado. Alves e sua mulher criaram os filhos com rigidez. Mas, trabalhando o dia inteiro, não conseguiam dar a atenção que os mesmos necessitavam.

O drama familiar teve início quando ele saiu de um apartamento funcional no Cruzeiro e se viu obrigado morar em um barraco nos fun-dos da casa da mãe, em Samambaia. Ricardo, o filho mais velho, aos 14 anos começou a se envolver com drogas. Aos 24, acabou assassinado com quatro tiros no Riacho Fundo em dezembro de 2007. “Fiz de tudo para ele ter uma vida digna. Consegui emprego na Câmara para ele, mas ele dizia que o salário era pouco, que traficando ganhava mais.”

John, o filho do meio, morreu por engano, no lugar do caçula. Foi atingido por dois tiros enquanto trabalhava na instalação de portões eletrônicos no Recanto das Emas. Charles, o mais novo, estava jurado de morte por dívida de drogas. Ele chegou a roubar uma bicicleta para saldar o compromisso, mas não houve tempo para conversa. Os trafi-cantes não acharam Charles e mataram John.

Hoje, Charles, o filho citado no primeiro parágrafo, mora na rua e é viciado em crack. “Certa vez encontramos uma arma embaixo da cama dele. Ligamos para a polícia, eles foram lá, pegaram a arma e foram embora. Não tomaram atitude em relação ao meu filho. Ele já assaltou ônibus, levou tiro, quase ficou paraplégico. Eu sempre mostrei o lado certo, mas eles preferiram o outro”, desabafa Alves. Charles tem dois filhos. Ambos são portadores de HIV.

Além da exclusão social, a falta de qualificação é apontada como uma das razões pelas quais os jovens da periferia se veem distante do mercado de traba-lho e, não raro, encontram opções no tráfico. Para o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), o problema está na falta de infraestrutura social. “É preciso que o governo invista em qualificação profissional nas ci-dades satélites. Hoje esses investimentos estão muito concentrados no Plano Piloto”, diz.

Dois estudos divulgados no início do ano aju-dam a pontuar o caso. O primeiro, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para Crianças (Unicef), relata que 38% dos 21 milhões de adolescentes bra-sileiros vivem na linha da pobreza. Já o segundo, do

Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), mostra que 54% dos desempregados no Bra-sil são jovens entre 18 e 29 anos.

Diante do diagnóstico, o Ministério da Jus-tiça reuniu especialistas em tornodo seminário Juventude, Prevenção da Violência e Territórios da Paz. O objetivo é induzir ações públicas com-partilhadas. “Temos de criar políticas eficazes envolvendo todos os órgãos de segurança, fede-rais, estaduais e municipais. Só assim teremos ações preventivas e repressivas eficazes na área da violência”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em entrevista para a Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Depoimento

Clara diferença de oportunidades “É preciso que o governo invista em qualificação profissional nas cidades satélites”Rodrigo Rollemberg, senador (PSB-DF)

O cabeleireiro Alves Rabelo viu a família desfeita pela violência na periferia do DF

Taxas de homicídio (%) em grupos de 100 mil habitantes. Faixa de 15 a 24 anos

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Taxas de homicídio (%) em grupos de 100 mil habitantes. Faixa de 15 a 24 anos

UF1998 2008

TAXA POS. TAXA POS.

Alagoas 30,6 13º 125,3 1ºEspírito Santo 102,2 3º 120,0 2ºPernambuco 115,7 1º 106,1 3º

Distrito Federal 75,6 6º 77,2 4ºRio de Janeiro 110,7 2º 76,9 5ºParaná 28,5 14º 73,3 6ºAmapá 75,5 7º 72,5 7ºPará 24,1 16º 71,3 8ºBahia 16,5 22º 70.7 9ºGoiás 19,6 19º 57,7 10ºMato Grosso do Sul 50,8 9º 55,9 11ºParaíba 21,9 18º 49,8 12ºSergipe 14,9 23º 47,2 13ºMato Grosso 46,9 10º 47,0 14ºAmazonas 46,4 11º 46,0 15ºRio Grande do Norte 17,0 20º 46,0 16ºCeará 22,5 17º 45,5 17ºRondônia 53,7 8º 45,5 18ºMinas Gerais 13,4 24º 41,6 19ºRio Grande do Sul 26,9 15º 40,4 20ºMaranhão 6,6 27º 33,6 21ºTocantins 16,9 21º 31,7 22ºAcre 45,3 12º 31,7 23ºSanta Catarina 11,3 25º 25,4 24ºSão Paulo 79,2 5º 25,3 25ºPiauí 9,4 26º 19,5 26ºRoraima 82,5 4º 18,1 27º

Fonte: Mapa da Violência 2011, pesquisa do Instituto Sangari e do Ministério da Justiça

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Estudar e trabalhar em outro país pode trazer contratempos, mas é uma boa forma de aprimorar o currículo

Renata Bittes

Vida de intercambista

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Estudar no exterior é o sonho de muitos alunos brasileiros. Prova disso é que, só em 2009, 140 mil estudantes viajaram

para fora do país com esse objetivo*. De olho no mercado promissor, cerca de 30 empresas participaram da 20ª edição da Expo Estude no Exterior, realizada em março, em Brasília. Mas, além das agências privadas, mais conhecidas, or-ganizações não governamentais e universidades também oferecem bolsas e programas de inter-câmbio cultural.

Na Universidade Católica de Brasília (UCB), os aspirantes a intercambistas podem se candi-datar ao Programa de Mobilidade. O candidato deve ser estudante da instituição, cursar entre o segundo e o penúltimo semestre e ter índice-vi-da (média das notas finais das disciplinas cur-sadas) de, no mínimo, sete. O custo da mensali-dade da universidade do exterior é o mesmo da UCB e o aluno arca com alimentação, passagem e hospedagem. Em 2010, 15 estudantes partici-param do programa. Neste ano, outros 12 estão fora do país.

Juliana Campelo, estudante de jornalismo, foi uma das interessadas em 2010 e a experiência dela em Braga, Portugal, reuniu alguns contra-tempos. No primeiro contato com a assessoria de Relações Interinstitucionais da Católica, ela e Estela Monteiro, outra estudante de jornalis-mo, receberam a informação de que o visto era a

Documentação Alguns países, como os da União Europeia, não pedem visto para turistas. Mas, quando se é intercambista, é diferente. Antes de ir à embaixada, verifique a validade do passaporte. Caso o perca, procure o consulado mais próximo.

Cultura Viaje com a mente aberta e conviva com a cultura do país de destino. É normal haver dificuldades de adaptação, mas não seja resistente.

Clima Lembre-se de que o frio e o calor oferecem vantagens e desvantagens. Assim que chegar ao país, mesmo que ainda não seja inverno, prepare-se para a estação.Ki

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última coisa com a qual precisavam se preocu-par. Em julho, foram comprar passagens em uma agência de intercâmbio. “O atendente nos per-guntou sobre o visto e nos aconselhou a ver isso antes, porque, se não tivéssemos, provavelmen-te teríamos que trocar a data da viagem e pagar uma multa”, recorda Juliana. Alertadas, foram à Embaixada de Portugal e souberam que era pre-ciso marcar entrevista, entregar uma série de do-cumentos e dar entrada no visto. E só havia vaga em setembro. As aulas em Braga começariam em 20 de setembro.

“Corremos na assessoria e perguntamos por que ninguém tinha nos falado disso antes.

Ficamos perdidas”, diz Campelo. Segundo ela, só através de contatos na embaixada conseguiram o documento a tempo. Além disso, as alunas recla-mam da qualidade do ensino encontrado d´além mar. Apesar da possibilidade de aproveitarem as disciplinas cursadas em Braga, as alunas preferi-ram repeti-las na Católica por conta da qualidade aquém do que elas esperavam.

Segundo Fernanda Torres, analista de re-lações interinstitucionais da UCB, o programa se pauta por buscar um padrão de excelência e o feedback dos alunos é indispensável. Ela res-salta que a avaliação da qualidade do ensino em outros países leva em conta, também, aspectos

Estela e Juliana: bons momentos e dificuldades em Portugal

12Número de estudantes da

Católica que estão em intercâmbio em 2011

140 mil

Número de estudantes brasileiros que viajaram para es-

tudar no exterior em 2009

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Ivan Kimura (D) pesca com um amigo na Noruega: hoje, ele hospeda estrangeiros

Comida Tente experimentar o que o cardápio do país oferece. A comida também faz parte da cultura. Comer é uma maneira de entender o modo de vida de um povo. Não se assuste se engordar um pouquinho. É normal ganhar uns quilos, já que você vive outra rotina e come outros nutrientes.

Escola ou faculdade Não espere o mesmo ensino oferecido no Brasil. As disciplinas podem ser diferentes. Se for aproveitar o ano escolar ou aproveitar matérias na faculdade, saiba qual o processo antes de viajar.

Amizades Há casos em que fazer amigos é fácil e outros em que é extremamente difícil. Muitas vezes é necessário se apresentar e até forçar conversa. Algumas culturas não recebem o estrangeiro de forma tão receptiva. Viaje preparado para exercitar o jogo de cintura.

culturais. “Para os portugueses, a universidade é ótima, mas talvez poderíamos repensar o envio de estudantes de comunicação para lá”, diz.

Quanto ao apoio durante a experiência, Fer-nanda diz que a universidade está sempre à dis-posição, via e-mail, mas, de acordo com ela, nem sempre os estudantes respondem. Também é fornecido ao intercambista o contato de outros alunos no país de destino. Ainda segundo a ana-lista, é natural haver um choque de cultura, o que pode dificultar a adaptação.

Sobre a documentação, ela informa que uma providência adicional foi tomada. “Agora em 2011 é passada uma lista com toda a documenta-ção necessária para a retirada do visto e o aluno corre atrás”, conta.

Rafael Sandoval é aluno de Filosofia da UCB e também foi intercambista em Portugal. Diferen-temente das estudantes de jornalismo, ele teve uma experiência positiva. “O curso da universi-dade portuguesa era um dos mais prestigiados e tem a maior biblioteca com livros de filosofia da Península Ibérica”, relata. O estudante esteve em constante comunicação com a Assessoria de Re-lações Interinstitucionais e, dessa maneira, disse ter tido o apoio necessário. Entretanto, também encontrou dificuldades quanto ao visto. “Houve inexperiência no que concerne à organização da viagem, com a burocracia de tirar o visto e, quanto à chegada em Portugal, no que diz respeito ao pro-cesso do título de residência temporária”. Apesar de alguns problemas, Rafael afirma que a oportu-nidade é única, uma vez que enriquece o currículo.

VoluntariadoAlém de grupos privados e da universidade,

há experiências de intercâmbio oferecidas por en-tidades mais ligadas à área social. A organização não governamental AFS Intercutural Programs é uma das opções. Sem fins lucrativos, é promotora da paz e tem foco voltado para programas de ensi-no médio, trabalho voluntário e professores.

Ivan Kimura foi intercambista na Noruega em 2004, já hospedou estudantes estrangeiros em casa e atualmente é voluntário. Seu “pai hospedeiro” era o presidente do comitê e devido à falta de famílias voluntárias, abriu sua casa para outros dois estu-dantes, um japonês e outro chinês.

Como família hospedeira, Ivan diz que a opor-tunidade de fazer parte de uma grande mudança na vida de uma pessoa é impressionante. Houve fatos que o marcaram, como um alemão que ti-nha interesse em fazer ‘musculização’e a teimosia de uma intercambista da Nova Zelândia ao con-

firmar que entendeu inúmeras explicações sobre o cuidado que precisava ter para comer pequi, sendo que, na primeira mordida, encheu a língua de espinhos”, conta.

Hoje, Ivan é presidente do comitê Brasília. De acordo com ele, ser voluntário é retribuir o que fi-zeram por ele. “Além disso, é indescritível a sensa-ção de preparar adolescentes para o intercâmbio e após um ano conhecê-los como homens e mulhe-res mais prontos para o mundo”, afirma.

* Segundo a Brazilian Educational & Language Travel Association

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Thadeu Soares

Nutrição funcional analisa sintomas e características genéticas em busca de cardápios individualizados. Mas há ressalvas

Cada corpo, uma dieta

Problemas respiratórios, alergia e enxaqueca intermináveis. Sintomas como esses eram comuns na vida da consultora de tecnologia

da informação Mannuela Cruz (foto) desde os dois anos. Agora, aos 30, ela conheceu uma área da saú-de que minimizou consideravelmente o problema. “Os procedimentos da nutrição funcional melhora-ram muito minha saúde. Se sigo a dieta, não tenho crises e evito tomar medicamentos”, contwa.

A diferença entre a nutrição funcional e os tra-tamentos mais convencionais está numa individu-alização rigorosa das dietas. “Cada pessoa tem um metabolismo, um perfil bioquímico, uma interação da genética com o meio que devem ser avaliados. O nutricionista fará a adequação da dieta para que o corpo funcione em perfeitas condições”, explica Daiane Sousa, pós-graduanda em Nutrição Clínica Funcional pelo Instituto UnicSul, de São Paulo.

Ao recomendar a dieta, o nutricionista identifica sintomas e características do paciente e os relaciona com a ingestão ou restrição de nutrientes. O con-ceito é simples: o que é saudável para uma pessoa pode causar doença a outra. “Assim como um corte de cabelo não serve para todo mundo, a individuali-dade é uma característica básica da nutrição funcio-nal. Por isso, em todos os pacientes deve-se avaliar o que é ingerido, se é digerido, absorvido, metaboli-zado e como está sendo excretado”, detalha Daiane.

Na etapa de detectar os alimentos indicados, é ne-cessário analisar a história de vida do paciente, como gestação, alimentação da mãe, tipo de parto, uso de medicamentos, traumas, doenças e tratamentos. Só depois o paciente recebe o cardápio.

Segundo os especialistas da área, seguir o car-dápio definido pode ter consequências benéficas, como evitar obesidade, depressão, artrite, Síndro-me do Pânico, diabetes, distúrbios de comporta-mento e hiperatividade infantil. Além disso, desta-cam melhorias na pele, cabelo e sono.

A dieta de Mannuela inclui restrições a vários alimentos. Cedinho, come tapioca e toma suco ver-de, com frutas e couve. No meio da manhã, uma fruta com amaranto ou quinoa. No almoço, comida tradicional: arroz, feijão, carne e salada. Já à tarde, inclui uma barra de gergelim ou uma salada de fru-tas e, à noite, salada ou omelete. “É uma dieta onde se trata o indivíduo e não a doença. Busco entender como o corpo funciona nos detalhes”, explica Ga-briela Calsing, nutricionista de Mannuela, pós-gra-duada em Nutrição Clínica Funcional.

Embora o cardápio seja individualizado, Ga-briela procura associar alimentos antiinflamató-rios, como frutas, verdu-ras, castanhas, cereais, peixes marinhos, azeite e chá verde. De acordo com o perfil do pacien-te, frutas vermelhas são incluídas. Evitam-se ex-cesso de carne vermelha, doces, gordura trans e carboidratos de alto índice gli-cêmico, ou seja, que aumentam o açúcar no sangue e a gordura saturada.

Benefício x curaDiretor do curso de Nutrição da UCB e nutri-

cionista há 12 anos, o professor Marcos Cerqueira ressalva que não se pode confundir nutrição fun-cional com medicina. Segundo ele, o termo vem da nutracêutica,w linha de pensamento japonesa que tenta associar e igualar alimentos a remédios. “Se-gundo a legislação da Agência Nacional de Vigilân-cia Sanitária (Anvisa), é preciso estabelecer critérios para a avaliação de riscos e segurança de alimentos baseados em estudos e evidências científicas. Os be-nefícios devem ser comprovados e é vedada a alega-ção de cura de enfermidades”, explica ele.

Para ele, a dieta é um instrumento, que, em con-

junto com outros, pode prevenir doenças e ameni-zar sintomas. Mas a concentração de ingredientes para que um alimento faça o efeito desejado tem de ser enorme, e, às vezes, só pode ser encontrada em remédios.

Segundo ele, o alimento é estudado como fun-cional enquanto ingrediente, mas há vários fatores que podem interferir e alterar o resultado, como calor, exposição ao sol, ar-condicionado, temperatu-ras. “Há que levar em conta a exposição, o preparo, como você cozinha, guarda e consome. O alimento

no laboratório é distinto do encontrado na feira. E uma caixa de tomate pode ser equivalente a uma cápsula”, compa-ra. O professor afirma, ainda, que uma dieta só previne doenças crôni-cas se for acompanhada de qualidade de vida. “Os alimentos são só uma parte do processo.

É necessário ter saúde, praticar esportes, relacionar--se bem com as pessoas e, até mesmo, trabalhar em um bom ambiente”, esclarece.

ContraindicaçãoDe acordo com o clínico geral Clayton Franco

Moraes, professor da UCB, em algumas situações uma mudança no estilo de vida pode reduzir o nú-mero de remédios na vida de um paciente . “Um exemplo é um paciente obeso e sedentário com hi-pertensão. A ingestão de alimentos indicados por um especialista, aliada a exercícios, pode ajudar na redução de peso e fazer com que ele deixe de usar hipotensores”, diz. Mas há contraindicações. Pesso-as que tenham disfunção hepática, problemas gas-trointestinais e relativos à diminuição do apetite, insônia, além de hiperatividade, nervosismo e irri-tação gástrica devem procurar orientação médica.

“Os benefícios devem ser comprovados e é vedada

a alegação de cura de enfermidade”

Marcos Cerqueira, diretor do curso de nutrição da UCB

Amandda Souza

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cotidianoJunto ao crescimento populacional de Águas Claras (cidade a 20km do Plano Piloto, com aproximadamente 60 mil habitantes apenas

na região central), aumentam também as opções de lazer, especialmente quando o assunto é a vida noturna. “Está ficando divertido sair à noite por aqui. Os bares estão bombando e têm surgido ca-sas noturnas legais”, declara o estudante de Di-reito Lucas Olic.

Cerveja à vontade, bebidas quentes e drinks para todos os gostos regam a noite dos morado-res das proximidades. Em busca de comodidade, facilidade de acesso e um lugar confortável, esse publico lota as calçadas de Águas Claras. A es-tudante Chris Moreira, 21 anos, mora em Águas Claras há um ano. Ela não sente falta de sair pe-los bares do Plano. Para ela, o local atende todas as necessidades. “Tenho saído bastante por aqui, é tão divertido quantos os bares do Plano, além de ser bem mais perto de casa.”

O Sindicato de Bares e Restaurantes de Bra-sília (Sindhobar) não tem o número exato de quantos bares e restaurantes existem em Águas Claras, mas o que muitos moradores relatam é que opções não faltam. “Cada dia surge alguma coisa nova, seja bar ou restaurante. Deve ser pelo crescimento da cidade”, especula a mora-dora Nágila Mariana.

Os empresários estão atentos a esse cresci-mento em ritmo acelerado, diz uma das sócias do bar Piratas, Mônica Moura. Segundo clientes, é o point do momento, frequentado por “gente interessante”, de diferentes idades. “Sempre ve-nho com os meus amigos, o lugar é muito bom e tem muita mulher bonita”, afirma o estudante Gabriel Meireles.

O bar é cheio de detalhes, bem decorado e tem atendimento especializado – além de pre-ços salgados. Talvez aí esteja o motivo de ser mais selecionado. “Nosso publico é muito exi-gente, quer um atendimento perfeito. Temos garçons preparados para atender qualquer tipo de gente que frequente nosso bar”, diz Mônica.

Atendimento e competição “Por noite vendemos cerca de 100 litros

de chope, mas o lucro maior vem das bebidas quentes, como vodcas, whisky e drinks” diz Israel Lopes, gerente do Poizé. A casa notur-na vende, além de bebidas, comidas típicas de boteco e conta com uma área reservada para quem gosta de jogar sinuca. “Tentamos atender todos os públicos. Por isso, temos uma agenda diferente toda semana, que varia de sertanejo a DJ tocando os maiores sucessos do momento”, explica Israel.

Atentos às inaugurações que ampliam a competição, o público sabe os melhores dias de cada bar. “Agora que o Piratas inaugurou o Poizé está um pouco mais vazio, mas final de semana sempre lota. Ai é diversão garantida”, garante o bancário Jorge Luiz.

Os dois estabelecimentos estão localizados em um comércio que conta, ainda, com pada-ria, restaurantes e lojas de roupas. A movimen-tação por ali é grande, uma vez que o espaço conta com muitas opções em um único lugar, avalia o funcionário público Marcus Fábio. “Tudo que preciso tem aqui. É muito mais cô-modo para mim”.

No mesmo complexo, existem opções de ba-res diferentes. De acordo com o gerente do bar Barbagatto, Walter Gomes, os dias de maior movimento são quinta e sexta-feira, quando os clientes querem relaxar e conversar com os amigos. “As pessoas que vêm aqui são mais ma-duras, querem um ambiente mais calmo para tomar sua cerveja em paz”, diz.

De açougue a barO comércio ainda tem o bar Ossobuco, um an-

tigo açougue que vendia churrasquinho e cerveja gelada à noite. Hoje, funciona apenas como bar. O proprietário Daniel Borges conta que, para aumentar o lucro, mantinha o bar paralelo ao açougue. A crescente demanda impossibilitou o pleno atendimento dos dois comércios.

De olho no mercado e com a grande pro-cura, Daniel resolveu abandonar o ramo das carnes e focar somen-te no público noturno. “Vendemos cerveja barata e churrasco, os clientes gostam dessa combinação.”

VIDA NOTURNAEM ÁGUAS CLARAS

Moradores já não precisam ir ao Plano para se divertir

Paulo Freire

Fotos: Rick Astley

Ao lado, clientes tomam a calçada.

Acima, um dos points de Águas

Claras, lotado

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interesse em escrever uma história de criação original, para de participar de um concurso que premiaria as melhores histórias criadas por alu-nos de Ceilândia. Núbia aceitou escrever e com o apoio da professora e sua dedicação, finalizou a história. Para a decepção das duas, o concurso foi cancelado.

Mas nem por isso a criação ficou de lado. Sur-giu um evento literário e a professora-tutora pro-pôs outro desafio: que Núbia apresentasse o livro, narrando-o espontaneamente no auditório do SESC de Ceilândia. Núbia topou. “Lembro que, nesse dia, o auditório estava cheio e tinha alguns empresários de Brasília”, recorda a professora.

A partir daí tudo se transformaria para Núbia. Após a apresentação do livro, um dos executivos teve interesse em publicar a obra. “Depois de al-guns minutos da apresentação vi a Núbia choran-do e fiquei sem entender o porquê, achei que era pelo nervosismo de ela ter falado em público, mas depois outra professora veio até mim e disse que um empresário resolveu publicar a obra dela. O choro era emoção mesmo”, conta Maria Cláudia.

Jônathas Oliveira

Núbia contou com o apoio de empresário para publicar seu primeiro livro

Uma flor de menina

Luta diáriaQuem admira Núbia e o seu talento sequer

imagina os desafios que ela enfrenta para dar conta de todas as obrigações. A rotina come-ça cedo e inclui superar obstáculos do caminho que faz até o ponto de ônibus, além de conviver com o lixo e o esgoto a céu aberto do trajeto. Tudo isso, segundo ela, não tem força para de-sanimá-la na hora de ir para a escola. “Meus pais não me deixam matar aula, nem quando estou doente. Eles dizem que não posso perder uma oportunidade destas”, explica.

Diante da falta de estrutura, a perseveran-ça faz de Núbia um talento em destaque. Ela tem mais uma obra para ser publicada e outra em fase de andamento. “Depois que publiquei meu livro passei a ser reconhecida na escola e os outros alunos me apontam como a ‘Núbia do livro’”. Sem titubear, a menina delicada afirma que quer continuar escrevendo.

Mentes evoluídasAlunos com habilidades como a de Núbia pre-

cisam de atendimento diferenciado na escola, para adquirirem experiências que o ensino re-

gular, e até mesmo os pais, não conseguem suprir. Por essa e ou-tras razões, a Secreta-ria de Estado de Edu-cação do DF oferece

atendimento especializado para estudantes da rede pública e particular, em 43 Salas de Recur-sos, distribuídas entre 15 unidades escolares, de nove Diretorias Regionais de Ensino em Brasília.

Mas como distinguir se uma pessoa é ou não superdotada? A pedagoga Gizelle Pires Fer-reira, 32, conta que as crianças na escola dão sinais de comportamento diferenciados. “Ge-ralmente elas gostam de fazer perguntas muito intelectuais”, diz.

Segundo Gizelle Pires, o pensamento popu-lar ainda tem uma porção de conceitos errados sobre a superdotação. A pedagoga ressalta ain-da que as pessoas acham que o fator genético influencia sobre a capacidade intelectual da criança. “Ate ajuda, mas não é um fator deter-minante”, declara.

Para ser atendido em uma das salas de Re-cursos, o aluno tem de ser indicado pela esco-la, professor, profissionais de saúde, família ou ainda por colegas de turma. Depois o estudan-te recebe um atendimento avaliativo feito por um psicólogo, professor itinerante e professor tutor. Tudo isso acontece em 16 encontros pre-senciais, de frequência obrigatória. Em seguida a família é chamada para saber quais foram os resultados da avaliação.

perfil

Estudante superdotada de Ceilândia enfrenta falta de estrutura para escreverCleicilene Lobato

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@Veja fotos do trajeto de Núbia até a escola em

http://migre.me/470zR

SERVIÇO: Para doar materiais como lápis de cor, pa-péis canson, argila, livros de arte, telas de pintura e computador pode ligar para a professora Cláudia: (61) 9842-3380.

Em meio às cores, pinturas e desenhos de uma sala de aula, é possível encontrar es-tudantes com idades entre seis e 13 anos,

na Escola Classe 64 de Ceilândia, com capacida-de intelectual superior à média normal, co-nhe-cidos como superdotados. Em locais chamados Salas de Recursos, esses alunos recebem atendi-mento especializado.

Em uma dessas salas encontramos uma me-nina de olhos esverdeados, batom rosa, adereços de miçanga. Na Sala de Recursos da Ceilândia, Núbia Nathália Bertoldo Luiz da Silva, 13 anos, desenvolve o dom de criação e ilustração de his-tórias. A estudante fala com muito orgulho do trabalho, um livro. A florzinha Delicada, escrito quando tinha 11 anos, relata a amizade de uma menina por uma flor.

Quando a professora-tutora, Maria Cláudia Maciel, 43, propôs o desafio, ela não imaginava que algo tão intenso e gratificante aconteceria. Maria Cláudia, então, perguntou se Núbia tinha

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