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Ano 14, Nº 6 Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Distribuição Gratuita Brasília, outubro de 2013 Ar efato t Foto: Anna Mizzu Dura realidade Dura realidade: 100% dos jovens assassinados em Águas Lindas são negros. No primeiro semestre em Águas Lindas aconteceram 27 mortes Páginas 10 e 11 Jovem usa crack na Rodoviária do Plano Polícia suspeita de tráfico internacional nas proximidades do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek; PF apreende 4kg de droga População ainda pede por Três Meninas Parque em Samambaia ganha reforma, mas ainda traz insegurança para a comunidade local Página 7 Previsão do futuro Búzios, tarô, astrologia, leitura de mão e até borra de café são métodos para desvendar o destino Página 22 Muito caro Brasil paga os preços mais altos pelas tecnologias importadas Página 19 Ficção ou realidade Adeptos dos jogos literários usam a imaginação para criar campeonatos Página 20 e 21 As áreas de educação e saúde padecem com os problemas da gestão Páginas 12, 13 e 14 Plano de governo de Agnelo falha Foto: Bianca Amaral Artefato_OUTUBRO2013_FINAL.indd 1 03/10/13 18:51

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Jornal-Laboratório da Universidade Católica de Brasília, ano 14, n. 6

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Ano 14, Nº 6 Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Distribuição Gratuita Brasília, outubro de 2013

Ar efatotFoto: Anna Mizzu

Dura realidadeDura realidade: 100% dos jovens assassinados em Águas Lindas são negros. No primeiro semestre em Águas Lindas aconteceram 27 mortes Páginas 10 e 11

Jovem usa crack na Rodoviária do PlanoPolícia suspeita de tráfico internacional nas proximidades do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek; PF apreende 4kg de droga

População ainda pede por Três MeninasParque em Samambaia ganha reforma, mas ainda traz insegurança para a comunidade local Página 7

Previsão do futuroBúzios, tarô, astrologia, leitura de mão e até borra de café são métodos para desvendar o destino Página 22

Muito caro Brasil paga os preços mais altos pelas tecnologias importadas Página 19

Ficção ou realidadeAdeptos dos jogos literários usam a imaginação para criar campeonatos Página 20 e 21

As áreas de educação e saúde padecem com os problemas da gestão Páginas 12, 13 e 14

Plano de governo de Agnelo falha

Foto: Bianca Amaral

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proibida. E a pistola do Batman? A do Homem-Aranha? Do Ben 10? Também.

Vetar a venda de armas de brinquedo é fácil, afinal as crianças usam as armas, es-padas, flechas para combater os vilões, os

EM pesquisa realizada pelo site de bus-ca por emprego Adzuna.com, o jornalismo foi listado como a 4º pior profissão do país. Isso pode nos causar no mínimo curiosida-de em saber por que a atividade que esco-lhemos é tão desvalorizada.

Não sabemos se essa desvalorização se dá pela banalização da comunicação ou pela facilidade em obter informações. O fato é que qualquer pessoa pode exercer o ofício, fazendo muitas vezes um jornalismo de má qualidade, sem apuração e responsabilida-de com a notícia. Enquanto isso, nós insis-timos em passar pela cadeira da universi-dade, indo a lugares que até Deus duvida para dar a notícia da melhor e mais impar-cial maneira possível. Por que e para quê? Talvez por falta de “informação” antes de fazer o vestibular ou pela necessidade de uma reflexão profunda sobre a sociedade, do fazer jornalístico e do papel comunitário que o profissional tem.

O jornalismo exerce sob nós, aspirantes a repórteres, um fascínio que nos faz pen-sar já ter nascido com um bloquinho e um gravador em mãos. Prontos para registrar qualquer fato que seja de interesse relevan-te ao leitor, ouvinte, telespectador e outros, se existirem. Muitos acreditam que, mesmo sendo desvalorizados, xingados e vistos como uma profissão desmerecida, o que fazemos tem o poder de mover o mundo.

O Artefato é o local de reflexão e de aprendizado. As pautas mostram exata-mente esse lugar social do jornalista. Mos-tram os espaços a que nosso público não pode, ou não quer chegar, e que nós ten-tamos assumir a responsabilidade por abrir alguns horizontes.

A segunda edição chega às mãos do leitor cumprindo, ou tentando cumprir, o papel que nos propomos a fazer: infor-mar, abrir caminhos e revelar o que não se vê! E essa informação chega tanto em um balanço do plano do governo Agnelo quanto pela denúncia de um Conselho do Transporte Público Coletivo do DF em que os representantes da comunidade não andam de ônibus.

Ser jornalista pode não oferecer a melhor remuneração, nem as melhores condições de trabalho. Porém, a satisfa-ção de prestar um serviço de interesse público é impagável.

opinião

Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de BrasíliaAno 14, n. 5, setembro de 2013

Reitor: Prof. Dr. Afonso Tanus GalvãoDiretora do Curso: Profa. Me. Angélica Córdova Machado MilettoProfessoras responsáveis: Me. Karina Gomes Barbosa e Me. Fernanda VasquesOrientação de fotografia: Me. Bernadete BrasilienseMonitores: Anna Cléa Maduro e Henrique Carmo

Editores-chefes: Ana Paz e Jusciane MatosEditores de arte: Lucimar Bento e Renato GomesEditores de fotografia: Jussara Rodrigues e Rhayne RavanneSubeditores de fotografia: Carolina Vajas, Daniel Mangueira, Jéssica Eufrásio e Rafaela Brito

Editoras web: Júlia Amarante e Nayara de AndradeEditoras de texto: Anna Mizzu, Caroline Paixão, Jéssica Paulino, Marcela Luiza, Ricardo Felizola, Thalyne CarneiroProjeto gráfico: Alessandra Modzeleski, Ana Paz, Igor Bruno, Nayara de Andrade, Renato Gomes, Shizuo AlvesDiagramadores: Alessandra Modzeleski, Bruno Santos, Evely Leão, Karinne RodriguesRepórteres: Nayane Gama, Renata Laurindo, Paula Morais, Christian Kely, Amanda Vilas Boas, Filipe Rocha, Nikelly Moura, Renata Ribas, Stefany Sales, Gledstiane Laíssia, Caroline Coêlho, Alessandro Alves, Narla Bianca, Shizuo Alves, Anna Karlla, Igor Bruno, Adriele Vieira, Joe Fonseca, Murilo Lins, Luiz Fernando Souza, Rayanne LarissaChecadores: Anna Karlla, Narla Bianca, Rayanne Larissa, Amanda Vilas Boas, Filipe Rocha, Nayane Gama

Fotógrafos: Anna Mizu, Amanda Bartolomeu, Amanda Costa, Anna Mizzu, Bianca Amaral, Débora Vieira, Eduardo Santos, Enoque Aguiar, Guilherme Rocha, Gustavo Goes, Jusciane Matos, Karinne Rodrigues, Leandro Viana, Michele Mendes, Nayane Gama, Ramila Moura e Renata de PaulaTiragem: 2 mil exemplaresImpressão: Gráfica Saturno

Universidade Católica de BrasíliaEPCT QS 7, Lote 1 - Bloco K, sala 212 Águas Claras, DFFone: 3356-9098/9237

Email: [email protected]: pulsatil.com.brFacebook: facebook.com/artefato.ucbEdições anteriores: isssuu.com/jornalartefato

Artefato

EDITORIAL

JULIA AMARANTE

Manhê, sabe o que me aconteceu?CRÔNICA

NO dia 23 de setembro, foi publicada no Diário Oficial a lei distrital que pro-íbe a fabricação, distribuição e venda de armas de brinquedo no DF. E a inofensi-va arminha que atira água? Também foi

monstros dos desenhos animados, para brincar de policial correndo atrás do la-drão no quintal de casa e para atirar água na piscina do clube. O difícil é combater o que acontece todos os dias nas ruas, combater o tráfico, a criminalidade, o alto número de assaltos, e as armas de verdade. Pra isso é preciso coragem.

A justificativa do governo para a lei é criar uma cultura de não violência. Concordo que existem brinquedos mais didáticos para presentear um filho, mas não se combate violência dessa forma, proibindo uma arma colorida com cara de brinquedo que atira água, luzes, bolinhas. Onde está o mal nisso? Eu não vejo.

Seguindo esse pensamento, qual vai ser o próximo passo do nosso governo? Quem sabe proibir a venda de carrinhos de brinquedo, já que os acidentes de trânsito são os que mais matam. Chega a ser engraçada essa lei.

É grande a quantidade de crianças nas ruas sem direito a educação, a moradia, convivendo com drogas e com a margi-nalidade de perto, sendo vítimas de abu-so e exploração. É assim que a violência começa na infância e é nisso que nossos representantes deveriam interferir.

Com tantas medidas maiores a se-rem tomadas, decidem por tirar o doce da mão da criança, ops, o brinquedo da mão da criança.

Ser jornalista

Ilustração: Shizuo Alves

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IRREGULARIDADE

Será que não vai ter fim?As faixas irregulares poluem Águas Claras; dificuldades na fiscalização deixam o caminho livre para a instalação de novos anúncios

NARLA BIANCA THALYNE CARNEIRO

ELAS tomam as ruas e atrapalham a visão dos motoristas e pedestres que passam por ali diariamente. Ainda ocupam espaço e deixam a cidade cada vez mais feia e suja. As faixas de anún-cio estão espalhadas irregularmente pelas ruas de Águas Claras, com avisos de vendas e aluguéis de apartamentos e casas. A cor amarela (a mais usada) chama a atenção da população, o que é bastante vantajoso para quem está que-rendo negociar, mas os locais escolhi-dos para a permanência deixam pedes-tres sem ter onde passar e os motoristas completamente desatentos no trânsito.

Quem tem o costume de passar por essa região reclama do excesso de propagandas e das dificuldades que esse material traz para os mora-dores. O estudante Hélio Ferro, 19 anos, sabe bem o que é isso e explica o transtorno de quem passa pelas calça-das tomadas por faixas: “É perigoso quando elas estão no meio da calçada, porque a gente tem que desviar pela rua e corre o risco de ser atropelado se o motorista estiver distraído”. Ele ainda completa que “alguém tem de tomar uma providência. Isso é muito perigoso para pedestres e motoristas”.

A Administração de Águas Claras recebe diariamente denúncias de faixas irregulares e todos os dias faz um “arrastão” para recolhê-las. Mas ainda assim não é suficiente. Mesmo multados, os anunciantes continuam colocando as propagandas. “As faixas pequenas nem atrapalham tanto, só deixam a cidade mais suja mesmo”, conta Daniel Borges, morador de Águas Claras. “As que mais atrapalham são as móveis, pois são grandes. Algumas chegam a ter mais de um metro de altura”, pontua.

Segundo o administrador da cidade Carlos Sidney de Oliveira, essa é a maior reclamação dos moradores: a lo-calização dos anúncios. Principalmente em curvas fechadas, onde tapam a visão total ou parcial da pista e, por isso, oca-sionam risco de acidentes e se tornam um perigo para quem dirige. Ainda, de

acordo com a assessoria de comunica-ção da administração, extinguir de vez essas faixas é quase impossível, pois, ao mesmo tempo em que a ação de re-tirada é diária, a colocação também é, sem falar na dificuldade dos fiscais em localizar o responsável. “Nas faixas, só vem o número de telefone. Quando falamos que somos da administração, as pessoas não se identificam.”

PuniçãoA instalação desses letreiros sem

autorização, qualquer que seja o conteúdo, é estritamente proibida, justamente por trazer grandes riscos à população. De acordo com a Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) – órgão responsável por promover a proteção e a preservação da qualidade de vida da população do Distrito Federal –, quem comete esse tipo de irregularidade está sujeito a multas que vão de R$ 800 a R$ 1.300,

dependendo do local onde forem colocadas.

A superintendente de Fiscalização de Atividades de Limpeza Urbana (de-partamento da Agefis responsável por punir os donos das faixas), Cláudia Vir-gínia Pereira, explica o procedimento para recolhimento e punição para quem desobedece a lei. “A administração da cidade e nós da Agefis trabalhamos sepa-radamente para localizar essas faixas. Quando encontradas, são fotografadas, recolhidas e é aberto um processo para descobrir os culpados, já que esses não se identificam na maioria das faixas.” Ainda, segundo ela, apesar de estarem errados, os donos das faixas não acei-tam muito bem a retirada: “Quando o dono vê algum fiscal fotografando a faixa, muitas vezes faz reclamações e até mesmo ameaças. Nesses casos, temos de voltar acompanhados da Polícia Militar, que nos ajuda na retirada”, completa.

Mesmo com esse procedimento,

os anúncios ainda são colocadas em grande número pela cidade. Só até julho deste ano, foram apreendidas e multadas 36.761 faixas irregulares no Distrito Federal, número bem superior ao do ano passado – apenas 637. Segundo Cláudia, isso só foi possível graças às denúncias dos moradores das regiões administrativas do DF. “É difícil estarmos em todos os lugares ao mesmo tempo, por isso precisamos da ajuda da população. Se alguém vir alguma, é só ligar que iremos retirá-las imediatamente”, finaliza.

Viu alguma faixa irregular?Ligue para a administração de sua região ou para a ouvidoria do DF pelo 162 e denuncie.Administração de Águas Claras: (61)3383-8901

DENUNCIE

Foto: Amanda Costa

Moradores de Água Claras reclamam de faixas e placas colocadas sem autorização pela cidade. Os anúncios atrapalham motoristas e pedestres

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História do shopping sempre esteve atrelada a polêmicas. Atualmente, o centro comercial ainda está interditado

“É decepcionante ver muitas famílias sem emprego e perder toda a renda que era faturada ali” Jéssica Rodrigues

O abre e fecha do Top Mall

LUIZ FERNANDO SOUZA

PROBLEMAS

O TOP Mall é um shopping localizado na área comercial de Taguatinga Norte, por onde circulam milhares de pessoas, lojas de roupa e calçados, agências bancá-rias, uma lotérica e o posto do Na Hora. O prédio foi inaugurado em outubro de 1997 para abrigar empresas de diversos ramos, além de um cinema, aberto dois anos de-pois. Na época, o shopping tinha grande visibilidade, mas, com o passar do tempo, várias lojas transferiram as atividades para o recém-inaugurado Taguatinga Shop-ping, fazendo do cinema uma “galeria” deserta, e do espaço, abrigo a pequenos comércios. Por conta disso, ao longo dos anos, o espaço vem enfrentando uma série de problemas, além da perda de público.

No dia 12 de agosto, após 16 anos, o sho-pping enfrentou um novo problema. Um curto-circuito dentro da agência da Caixa Econômica Federal provocou um incêndio e a dilatação de parte das vigas que susten-tam o prédio. Segundo a Administração de Taguatinga, o centro comercial estava fun-cionando regularmente e tinha vistoria rea-lizada pelo Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) com aprovação do projeto de proteção contra incêndio e Alvará de Construção e Carta de Habite--se, ambos emitidos pela administração. O Corpo de Bombeiros alegou que uma nova vistoria também foi feita após o incêndio, mas ressaltou que o resultado é sigiloso. O local está interditado até que seja concluída a perícia do Corpo de Bombeiros e o térmi-no das obras de recuperação da estrutura.

A aposentada Anaires Santos Carlos, 52 anos, é uma das pessoas que vivem pró-ximo ao shopping. Moradora da quadra QNA desde 2002, conta que sempre fre-quentou o Top Mall e lamenta o fechamen-

Depois de incêndio, centro comercial ainda está interditado e passa por reforma

Foto: Michele Mendes

to do prédio: “Sinto falta da praticidade e comodidade que ele me dava. Seja a lotéri-ca, as lojas de celulares, roupas e sapatos. Minha agência bancária era no shopping.”

Mas o incêndio não foi novidade. Em ju-nho, um princípio de fogo ocorreu no local após um problema em um caixa eletrônico no posto do Na Hora. Após o incidente, o Top Mall foi vistoriado pela Defesa Civil do Distrito Federal no dia 29 de junho e a fiscalização constatou que não houve danos estruturais. O local não foi interditado.

O Artefato entrou em contato com a Defesa Civil do DF, mas não obteve retor-no até o fechamento da reportagem. Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que faz vistorias de roti-na no local, sem um período de tempo es-pecífico e ressalta que o órgão trabalha no atendimento de reclamações que chegam à ouvidoria. Dias antes do incêndio, uma das vistorias realizadas pelo órgão apontou irregularidades na lanchonete Bolo do Fá-bio, que não apresentava pia para higieni-zação das mãos.

Além disso, em abril do ano passado, foi constatado que a água do shopping estava imprópria para consumo humano e higie-nização das mãos. Uma amostra coletada pela Companhia de Saneamento Ambien-tal do DF (Caesb) apresentava coliformes fecais. O Top Mall foi interditado pela An-visa, mas reaberto após a limpeza na caixa d’água do edifício e de uma nova vistoria da Caesb.

Novos rumos?Depois do fechamento do shopping, al-

guns serviços mudaram temporariamente de endereço. O posto do Na Hora de Ta-guatinga transferiu suas atividades para o

Riacho Fundo e para a Rodoviária do Pla-no Piloto. Já a Caixa Econômica Federal foi transferida para as agências da quadra CNB 9 e da C-3 de Taguatinga Centro. O Banco do Brasil está atendendo nas agên-cias da QNE 17, ao lado da loja Jotaká, e na QSA 02 de Taguatinga Sul.

Além disso, as lojas começaram a se reestruturar, como a Via Teck Celulares, que provisoriamente está em um ponto na Galeria Comercial Norte, antiga Gale-ria Vasp (ao lado do prédio). A atendente Jéssica Rodrigues, 21 anos, explica que a loja está em outro local “para respaldar os clientes que não puderam ser atendidos nas duas lojas no Top Mall”. Ela afirma que não houve queda na movimentação. “As atividades na galeria estão em torno de 20%, em relação às duas lojas do Top

Mall. Os clientes usam o shopping como ponto de referência.”

Ela conta ainda que a empresa aguarda para retomar as atividades no prédio origi-nal. “É decepcionante ver muitas famílias sem emprego e perder toda a renda que era faturada ali”. Para Jéssica, a movimentação no shopping era mais familiar.

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Representantes só no papelIntegrantes do Conselho de Transporte Público Coletivo do DF, que deveriam ser a voz da população, desconhecem os problemas enfrentados por passageiros do transporte rodoviário

cidades

MARCELA LUIZARENATA DE PAULA

TRANSPORTE PÚBLICO

Empreendimentos previstos no governo Agnelo

Corredor de Ônibus - Brasília/DF - Eixo Oeste Ceilândia, Expansão do Metrô-DF, ampliação da DF-047 e a reestruturação do Sistema de Transporte de Passageiros Gama/ Santa Maria/ Plano Piloto - Eixo Sul e a VLT: Linha 1 / Trecho 1 (aeroporto / Terminal Asa Sul). Destes projetos, apenas os dois últimos estão em fase de execução de obras, orçadas em R$ 103.100 e R$ 785.340, respectivamente. Os outros projetos ainda estão em fase de ação preparatória e os valores ainda não chegaram a ser orçados.

SAIBA MAIS

“Duvido que o representante da comunidade do CTPC pegue ônibus”Paulo César Marques da Silva

EM meio à crise do transporte público no Distrito Federal e Entorno, marcada por inúmeras reclamações sobre ônibus que-brados e em péssima qualidade, paradas e coletivos lotados, esperas prolongadas e protestos, o Artefato descobriu que as reu-niões do Conselho do Transporte Público Coletivo do DF (CTPC), encarregado de aprovar todas as decisões pertinentes ao transporte público, de fato, ocorrem desde 1986. Apesar de não serem restritas à po-pulação, não  são divulgadas. Além disso, a escolha dos integrantes do conselho, espe-cialmente dos representantes da população, levanta dúvidas.

“Eu duvido que o representante da co-munidade do CTPC pegue ônibus”. A fala é de um dos integrantes designados do con-selho, o engenheiro e coordenador do Pro-grama de Pós-Graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques da Silva, e faz referência ao órgão que, segundo ele, não cumpre o papel para o qual foi destinado: formular políticas e aprovar medidas para os proble-mas do transporte público do DF e Entorno com a participação da população.

Instituído pela Secretaria de Transpor-

te, por meio do Decreto nº 9.269, o CTPC prevê a «formulação de políticas e tomada de decisão sobre questões institucionais, operacionais, econômico-financeiras, tari-fárias, administrativas e de planejamento relativas ao Sistema de Transporte Públi-co Coletivo do Distrito Federal». Entre as principais funções estão a de estabele-cer estratégias, emitir parecer conclusivo, aprovar planos e programas, opinar sobre a legislação e julgar recursos.

De acordo com a secretária do CTPC, Patrícia Ribeiro, as decisões relacionadas ao transporte devem ser aprovadas pelo conselho, inclusive o Plano de Mobilidade Urbana do DF, que prevê inovações ao sis-tema de transporte público e que já rendeu R$ 2,2 bilhões de recursos do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC) Mobili-dade para a execução de obras.

Para o cumprimento do objetivo, o con-selho é formado por integrantes de órgãos ligados ao transporte, além de representan-tes da UnB, da comunidade, dos idosos e de pessoas com deficiência. Todos eles são escolhidos pelo governador e as reuniões ocorrem pelo menos uma vez por mês na Secretaria de Transportes.

O Artefato constatou que a realidade dos dois integrantes que representam a co-munidade no conselho está bem distante dos problemas enfrentados pelos usuários que dependem do transporte público ur-bano diariamente. O servidor da Secre-taria de Saúde Marcos da Silva Amaro, 41 anos, é um dos que representa a população no CTCP. Ele não anda de ônibus regu-larmente, nunca fez parte de associações relacionadas ao tema e confessa: “é lógico que hoje uso meu carro, até pelo transporte público que se apresenta”. Marcos foi no-meado pelo governador Agnelo Queiroz e recebe R$ 1.800 para ocupar o cargo dentro do conselho. Ele acredita que, por ser mo-rador de Sobradinho, conhece de perto os anseios da população para melhorar a qua-lidade do transporte rodoviário.  

A segunda representante da comunida-de no CTCP é a socióloga e funcionária da Agência Nacional de Transporte (ANTT) Nara Kohlsdorf, 37 anos. Ela admite ter

carro, mas conta que faz uso do transporte coletivo quando pode. Nara aprova o mo-delo das reuniões do conselho que restringe a participação popular. Segundo ela, se os encontros fossem abertos haveria o risco de virarem “audiências públicas”. A soci-óloga explica que há outros canais para a população participar das decisões sobre o transporte público, como os seminários promovidos pelo governo.

Para o engenheiro Paulo César Marques, o conselho de mobilidade deveria ter a re-presentação da população por integrantes que fossem, de fato, usuários do transpor-te público urbano. Segundo ele, as pessoas deveriam cobrar esse assento, mas a maio-ria nem sabe da existência do conselho, por isso, costuma recorrer à imprensa quando está diante de um problema, porque os pró-prios órgãos não têm legitimidade.

Para o eletricista automotivo Marllos Rodrigues, 32 anos, a população acaba se calando sobre os problemas do transpor-te por não ter a quem recorrer. “As recla-mações feitas para a ouvidoria nunca são resolvidas”, alega. Como a atuação da comunidade não existe, as ações para in-tegrar os planos de mobilidade urbana fi-cam apenas  a cargo das autoridades locais. Plano de mobilidade

Em resposta à Lei nº 10.257 de 2001, que exige a elaboração de um plano de trans-porte urbano a todas as cidades com mais de 500 mil habitantes para concorrer aos recursos federais, o Governo do Distrito Federal (GDF) criou em 2011 o Plano de Mobilidade Urbana do DF.

Após dois anos, ainda há muitas promes-

sas a serem cumpridas. De acordo com a coordenadora de Políticas de Transportes, Elaine Freitas, várias ações precisam ser implementadas, entre elas, a alteração do modelo de delegação, que antes trabalhava por frota e agora vai ser por área de opera-ção – as chamadas bacias. “Para colocar em prática as ações pretendidas, será criado um sistema inteligente de transporte, dividido em vários subsistemas, como o de infor-mação ao público, de GPS e de controle”, explica Elaine.

Mesmo com a proposta pronta, muitas ações ainda não foram colocadas em práti-ca. De acordo com Elaine, a principal difi-culdade para a execução das novas políticas de transporte é o tempo para a liberação de recursos. “A gente queria que tudo aconte-cesse o mais rápido possível, mas o tempo da população é diferente do tempo de quem está no poder público.”

Elaine acredita que até o ano que vem a população tenha ao menos um corredor sendo operado. Segundo ela, também há 32 terminais rodoviários   em construção ou em reforma e um projeto para imple-mentação de   ciclovias urbanas que está para ser liberado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Cartaz em parada no centro de Taguatinga ilustra situação do transporte no DF

Foto: Renata de Paula

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DISPUTA

Vence o que cantar maisCompetição de canto de pássaros agita o Distrito Federal

EVELY LEÃONAYANE GAMA

CRIAR pássaros em cativeiro é algo comum na cultura brasileira. O hábito, impulsionado pelo prazer do canto dos animais, incentivou os criadores a colocarem as aves para competir entre si. O hobby virou coisa séria e atualmente são realizadas 25 competições regionais por ano no Distrito Federal. “A sensação é algo inexplicável, é o mesmo que a mulher sente ao ir ao cabeleireiro”, conta o criador Valmir Cazuza.

Com o surgimento das disputas, foram criadas associações para auxiliar e reunir os criadores. No DF existem dois lo-cais para a prática, em Sobradinho e no Guará, onde está localizada a Associa-ção de Criadores de Pássaros de Brasília (ACPB), a única que tem permissão para realizar competições. A instituição não tem fins lucrativos e existe desde 1988. O local tem o objetivo de reunir criadores para troca de conhecimentos, treinamen-to das aves e torneios locais e nacionais.

Segundo o presidente da ACPB, Ro-berto Guimarães, os associados têm em média 60 anos e fazem do hábito uma terapia. Os encontros ocorrem todas as terças, quintas e sábados, quando os competidores treinam as suas aves, preparando-as para as competições que ocorrem aos domingos. Os prêmios são troféus e a valorização do animal, que pode chegar a R$ 40 mil. Existem donos que criam aves por interesse comercial e outros apenas por gosto.

Em 2007 no DF, foi criado o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) – órgão que, entre outras atribuições, fiscaliza as com-petições. A instituição também existe em outros estados e um dos objetivos é a proteção da fauna e flora brasileira e dos recursos hídricos. O Ibram esteve há dois meses na ACPB e não encontrou nenhu-ma irregularidade. De acordo com o téc-nico Marcos Parede, a associação segue a lei e a competição é legal.

No gogóA disputa consiste na medição de

tempo em que o pássaro canta de forma contínua. Cada pássaro tem um marca-dor próprio. Na primeira rodada, a ave deve atingir 10 minutos frequentes, e na segunda, 15 minutos. Vence o animal que cantar por mais tempo.

Os pássaros competem entre espé-cies iguais, que são: trinca-ferro, curió, bicudo, coleiro, canário e azulão. Apenas os machos participam, pois é da natureza deles cantar para seduzir a fêmea. Eles permanecem dentro de gaiolas que for-mam um circulo em um ginásio, com 20 centímetros de distância entre um e outro. Os donos observam ao redor e um vet-erinário acompanha toda competição. O criador de aves Aécio Ferreira relata que é um sofrimento quando o pássaro que ele treinou não ganha, pois “se criam ex-pectativas e, na hora ‘H’, ele não canta”.

O veterinário Jônatas Diego Pinho – médico que acompanha as disputas realizadas na ACPB – conta que os cria-dores são orientados quanto ao manejo, sanidade, nutrição e bem-estar dos ani-mais, para evitar omissões, abusos e a permanência de pássaros doentes no am-biente de torneio.

O representante da ACPB comenta

que criar pássaros é três vezes mais caro que criar um cachorro. Os custos para ter uma ave são altos e vão desde a compra do filhote, que pode custar até mil reais, à compra de ração, medicamentos e produ-tos que promovem o bem-estar do ani-mal, como uma bolsa que cobre a gaiola, que custa em torno de cem reais e serve para manter uma média de 28 ºC, temper-atura ideal para as aves, que são sensíveis às mudanças climáticas. Os bichos vivem cerca de 45 anos e competem até os 25.

Esses animais são territorialistas e as fêmeas são o principal estímulo que os faz cantar, porém os donos criaram estratégias para essa estimulação. Uma delas é a caixa acústica, que consiste em colocar a ave para ouvir o canto da mesma espécie. Isso é feito com CD composto por gravações ou pela in-fluência de pássaros mais velhos e ex-perientes que ensinam os mais jovens a cantar. O treinamento é permitido legalmente e dura 8 horas por dia, com intervalo de 10 a 15 minutos.

Atitude ambientalista

Os pássaros bicudo e curió não po-dem mais ser encontrados no habitat brasileiro. O desaparecimento dessas espécies pode ser justificado por quei-

madas, uso de agrotóxico nas plantações e caça intensificada na década de 1970 por serem fáceis de criar e terem um belo canto. “Eles me alegram, é bonito e eu estou preservando”, declara o professor de Artes Manoel Tonhá, dono do Faraó, pássaro da espécie curió.

Dessa forma, os cuidadores são importantes na preservação dessas espécies, que graças a eles nascem em cativeiro e se reproduzem com bastante facilidade. Cada fêmea coloca de dois a três ovos, que são chocados por 15 dias. No sétimo dia, os filhotes são licenciados pelo Ibram, que cobra uma taxa anual dos criadores, além de taxa de transporte, que deve ser paga caso o dono tenha o desejo de sair do seu estado com o seu animal. “Os criadores são conscientes e trabalham de forma legal. O problema são os que estão à margem da associação, facilitando o tráfico de animais”, alega o técnico do Ibram Marcos Parede.

Mesmo com todo o trabalho susten-tável, há quem não goste desse hábito. Alguns criadores relataram que os pás-saros, às vezes, são motivos de separa-ção, pois as mulheres acabam não su-portando o barulho e a fascinação que os donos têm por aves.

Foto: Nayane Gama

Torneios acontecem aos domingos, no Guará. Nas competições e nos treinos, apenas o macho canta

“Eles me alegram, é bonito e eu estou preservando”Manoel Tonhá, criador de pássaros

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O esquecido Três Meninas tem primeira etapa de revitalização concluída

RENATO GOMESSHIZUO ALVES

ABANDONO completo. Essas pala-vras definiram o histórico Parque Três Meninas, em Samambaia, por quase 20 anos. Falta de iluminação, estrutura pre-cária, sujeira, ausência de banheiros e quiosques eram problemas óbvios para quem ia visitar o local. Os frequentado-res deveriam ser os moradores em busca de entretenimento, distração e lazer, mas, em vez disso, quem frequentava o local eram usuários de drogas.

O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, juntamente com a Se-cretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos e o Instituto Brasília Ambien-tal (Ibram), criou, em 2011, o programa “Brasília, Cidade Parque”. O objetivo é implementar e revitalizar 71 dos 72 par-ques espalhados pelas regiões adminis-trativas do DF. E um dos contemplados foi o Parque Três Meninas, onde foram gastos R$ 3,5 milhões para a realização da obra.

A revitalização do espaço começou em março deste ano e, como previsto, a pri-meira parte foi entregue. O evento ofi-cial de reinauguração da área vivencial aconteceu no último dia 21 de setembro e contou com a presença do governador, da primeira-dama, Ilza Queiroz, do secretá-rio de Meio Ambiente e Recursos Hídri-cos, Eduardo Brandão, e do presidente do Ibram, Nilton Reis.

Na primeira etapa, uma ciclovia foi construída, assim como coopervia, ba-nheiros, quiosque, quadra de areia e pista de skate. Além disso, também foram fei-tas reformas na quadra poliesportiva e no playground. Na segunda parte, que está prevista para ser finalizada no início de 2014, será feita a recuperação do Casa-rão, que deve ser utilizado como espaço cultural e educacional no período notur-no. Já o monumento Casinhas de bone-ca, restaurado em 2011 pelo artista Élton Skartazini, foi encontrado pichado e des-truído e será reparado novamente.

20 anos depoisNo evento de reinauguração do espa-

ço, a líder do Movimento de Defesa do

Parque Três Meninas, Iolanda Rocha, foi uma das primeiras a discursar. Ela rela-tou que, na audiência pública da Admi-nistração de Samambaia, a intenção foi devolver o Três Meninas para a comu-nidade no ano em que ele comemora 20 anos. Iolanda ainda anunciou a campanha “Parque Três Meninas. Vamos cuidar, é nosso”, que tem o objetivo de preservar o local.

Em entrevista ao Artefato, o gover-nador Agnelo Queiroz relatou a falta de compromisso dos governos anteriores com o lugar. “Não acho que foi má-fé. Isso aqui é tão importante quanto cons-truir um hospital. Isso é saúde e qualida-de de vida”, afirmou Agnelo.

Existem problemasApesar da diferença que já se nota, o

espaço ainda sofre com falta de ilumina-ção na pista de skate, na quadra de areia e em alguns pontos da ciclovia. Também não há bebedouros. Morador de Samam-baia há 18 anos, Luiz Roberto Rodrigues,

51 anos, disse que antigamente havia mais atividade no local e que ainda há coisas a melhorar. “Aqui, você faz uma caminhada e vai embora. É necessário ter mais opção para a gente ficar o dia todo. Desestressar de casa.” O morador tam-bém ressalta que, durante o período em que o Três Meninas passou abandonado, não havia fiscalização da polícia.

Nilton Reis, presidente do Ibram, la-mentou que, por ter se tornado um terre-no baldio, o lugar tenha se transformado em ponto de usuários de drogas. Ainda hoje, viciados ocupam a área próxima ao Casarão. Nas paredes do monumento Casinhas de Boneca, há pichações com símbolos referentes a uso de maconha. Com a conclusão da primeira etapa da obra, Reis destacou que a presença da Polícia Ambiental e de seguranças será reforçada.

HistóriaO Parque Três Meninas era uma chá-

cara com cerca de 70 hectares pertencen-

cidades

te à família Penna Marinho, que tinha três filhas – daí o nome do parque. Nos anos de 1960 e 1970, serviu à produção de suínos, aves e ovos, além de hospe-dar e receber visitantes ilustres e artis-tas. Há boatos de que até Che Guevara ficou hospedado no local, quando veio ao Brasil para ser condecorado pelo en-tão presidente Jânio Quadros. Em 1988, a chácara passou a sediar a Administração Regional de Samambaia e, em 1993, foi transformada em parque.

Samambaia tem um parqueREFORMA

Foto: Amanda Bartolomeu

Parque Tês Meninas teve sua primeira etapa entregue no dia 21 de setembro

“Vamos fazer do casarão um local também noturno, com oficinas e aulas para a população” Nilton Reis

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cidades

LUCIMAR BENTO RENATA RIBAS

BICICLETAS

ENGARRAFAMENTOS, trânsito caó-tico, ônibus lotados, falta de estacionamen-tos. A rotina de quem se desloca diaria-mente pelas vias do Distrito Federal é cada vez mais complicada. O número de carros nas ruas do DF já ultrapassa 1,4 milhão, se-gundo dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran). Diante disso, o uso da bicicleta surge como solução para melhorar a mobilidade urbana da capital federal. Para incentivar esse meio de trans-porte, contudo, é necessário que políticas públicas garantam a segurança e a viabili-dade nos trajetos dos usuários.

Com o objetivo de promover infraestru-tura e serviços necessários para a constitui-ção de um modelo eficiente de transporte cicloviário no DF, o Governo do Distrito Federal (GDF) elaborou, em 2011, o Plano de Mobilidade Urbana por Bicicleta, que prevê, entre outras medidas, a construção de 600 quilômetros de ciclovias até o fim de 2014. Para atingir a meta, entretanto, o GDF inclui nos cálculos obras feitas pelos governos passados.

A Secretaria de Estado de Obras do DF informou ao Artefato que 159 quilômetros de ciclovias já estão prontos. Do total, 98 quilômetros foram de responsabilidade dela e da Novacap, que concluíram as obras em Ceilândia (39 km), Sudoeste (8 km), Recanto das Emas (33 km) e Santa Maria (18 km). Em relação às ciclovias prontas, a secretaria confirmou que somente os 20 quilômetros em Ceilândia foram construí-dos no atual governo – o restante foi reali-zado por gestões anteriores.

De acordo com a secretaria, o Depar-tamento de Estradas e Rodagens (DER) foi responsável pela execução de outros 61 quilômetros de ciclovias. É aí que os

dados divergem. O DER afirma que fo-ram concluídos 49 quilômetros em Itapoã (4 km), São Sebastião (10 km), Varjão (10 km), Park Way/Águas Claras (8 km), Condomínio RK (2 km), Taguatinga/Sa-mambaia (3 km), Gama (4 km) e Samam-baia (8 km). O DER informou também que as obras foram realizadas nos gover-nos Roriz, Arruda e Agnelo.

Segundo o coordenador de planejamen-to e gestão da Casa Civil do GDF, Paulo Passos, é possível verificar no plano quais ciclovias já foram entregues e quais estão previstas para serem construídas este ano e em 2014 (veja no mapa na página 9). Con-tudo, questionado sobre as reclamações dos cidadãos a respeito da qualidade das vias para bicicletas que já estão em uso pela po-pulação, Paulo afirma que o governo Ag-nelo não entregou oficialmente nenhuma

ciclovia – apesar de o GDF informar que entregou, pelo menos, 20 km. E comple-menta: “As pessoas estão reclamando, mas essas ciclovias não estão prontas. Existem, sim, alguns problemas, mas eles serão cor-rigidos antes da entrega para a população”.

Balanço

Conforme informado pela Secretaria de Obras, estão em fase de construção 194 quilômetros de ciclovias nas seguintes ci-dades: Guará, Paranoá, Gama, ParkWay, Lago Sul, Riacho Fundo II, Eixo Monu-mental, Samambaia, Asas Sul e Norte e na Universidade de Brasília (UnB). O secre-

tário-adjunto de obras do GDF, Maurício Canovas, garante que todos esses trechos já foram licitados e estão em execução.

Segundo Maurício, o valor das obras, orçado em aproximadamente R$ 48 mi-lhões, “está 100% empenhado”, ou seja, o governo já tem verbas públicas reservadas, mas nenhum serviço foi efetivamente pago. Todavia, no Portal da Transparência do GDF, o documento que traz a execução das despesas por ação mostra que não há recur-sos empenhados em 2013 para a implanta ção de ciclovias.

O secretário-adjunto assegura que a cons-trução das ciclovias na Octogonal e no Setor

Ciclista em uma das oito ciclovias entregues pelo GDF; nem todas construídas na gestão petista

Mobilidade sobre duas rodasPlano prevê a construção de 600 km de ciclovias até o fim de 2014. Para cumprir promessa, Agnelo “pega carona” em gestões anteriores

Foto: Debora Vieira

Infográfico: Henrique Carmo

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Ciclista em uma das oito ciclovias entregues pelo GDF; nem todas construídas na gestão petista

cidades

Militar Urbano (SMU) começará ainda este ano e também serão realizadas as licitações para novos trechos em Samambaia, Lago Norte e Água Quente – área rural no Recanto das Emas. As obras em Águas Claras e Ta-guatinga não serão iniciadas agora – os pro-jetos das duas cidades terão que ser revistos.

Já as ciclovias da Estrada Parque Ta-guatinga-Guará – EPTG deverão ser im-plementadas juntamente com a construção do corredor exclusivo para ônibus. A obra é de responsabilidade do DER e não tem previsão de início. A construção de ciclo-vias em Brazlândia também segue sem data definida. As obras em Planaltina e São Se-bastião devem começar no ano que vem. Para alcançar os 600 quilômetros previstos no plano, o GDF terá que construir 247 quilômetros de novas pistas exclusivas para bicicletas nos próximos 15 meses.

PlanoO coordenador de planejamento e ges-

tão da Casa Civil do GDF, Paulo Passos, esclarece que o Plano de Mobilidade Ur-bana Por Bicicletas é a junção de quatro programas: Caminhos da Escola, Educação para os diversos atores do Sistema Viário, Rotas Cicláveis e Rotas Integradas.

De acordo com Paulo, o programa Cami-nhos da Escola pretende levar para o dia a dia da sala de aula a questão da mobilidade urbana. Por meio do incentivo ao uso do transporte escolar com bicicletas adaptadas e da conscientização dos alunos, o projeto busca “quebrar desde a escola o paradigma do transporte individual por carro”. Já o programa Educação para os diversos atores do Sistema Viário objetiva sensibilizar tanto os novos motoristas quanto os condutores mais antigos sobre a importância do respeito ao ciclista e do papel de cada um no trânsito.

O coordenador esclarece ainda que den-tro do programa Rotas Cicláveis estão os projetos de definição de ciclorrotas de mo-bilidade e turísticas, além da construção de ciclovias e ciclofaixas (veja o significado dos termos no glossário). As iniciativas ne-cessárias à integração da malha cicloviária ao transporte público (como o embarque de bicicleta no metrô), a criação de estações para aluguel de bicicletas públicas, além da construção de estacionamentos adequados para as bikes fazem parte do Programa Ro-tas Integradas.

Paulo ressalta que o incentivo ao uso das bicicletas precisa ser articulado em várias frentes: “Entendemos que a mobilidade por bicicletas não é só construção de ciclovias, porque é preciso ter uma série de outras po-

líticas para que esse meio de transporte se torne real. Nossa meta é construir até o fim de 2014 uma malha cicloviária interligada e integrada ao transporte público coletivo”.

Participação popular

O Governo do Distrito Federal elabo-rou o Plano de Mobilidade Urbana por Bi-cicletas por meio de um comitê instituído em agosto de 2011. Participavam do grupo entidades da sociedade civil e 12 órgãos do governo – secretarias de Educação, Espor-te, Governo, Habitação, Meio Ambiente, Obras, Segurança Pública, Transporte e Turismo, além de Novacap, Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e Departa-mento de Trânsito (Detran).

Em julho de 2013, o GDF extinguiu o comitê por meio do Decreto nº 34.350 e instituiu o Fórum de Mobilidade Urbana do Distrito Federal. De acordo com Paulo Passos, do GDF, “esse fórum terá a função de acompanhar e fiscalizar a implantação da política para o uso de bicicletas elaborado pelo comitê”. Para ele, esta é a segunda etapa da política, quando os projetos pla-nejados pelo comitê são postos em prática.

A ONG Rodas da Paz questiona o alcan-ce do fórum, já que a participação popular passou a ser considerada extraordinária nas discussões, e propõe a criação de um con-selho de mobilidade que vá além da ques-tão do uso da bicicleta. Para o presidente da organização, Jonas Bertucci, “o objetivo do planejamento cicloviário não pode ser quilometragem de ciclovias simplesmente. As metas devem estabelecer uma cultura de convivência, respeito e compartilhamento dos espaços”.

Jonas lembra que no comitê várias ques-tões relevantes apresentadas pela Rodas da Paz e por outras entidades não foram con-sideradas. “A participação da sociedade era frágil. Por isso, deve haver maior flexibilida-de para adequação de metas e prioridades do plano de mobilidade por bicicleta”, aponta.

Sem exclusividade

O autônomo Hélio da Silva Coutinho, 56 anos, conta que a construção das ciclovias em Ceilândia facilitou a vida de quem, assim como ele, usa a bicicleta todos os dias. Ele reclama, contudo, que os pedestres que uti-lizam essas vias para caminhar atrapalham o deslocamento de quem está sobre duas ro-das, o que aumenta o risco de acidentes.

Para Jonas Bertucci, da Rodas da Paz, as ciclovias podem ser utilizadas como pontos de lazer, porém, o objetivo princi-pal deve ser o deslocamento como trans-

porte cotidiano da população. Segundo Jonas, a falta de campanhas educativas e de planejamento que priorizem quem se desloca a pé tem gerado conflitos entre ciclistas e pedestres. “O tratamento ina-dequado dos pontos de conflito e cruza-mentos, além da má qualidade de parte das obras, também gera situações de ris-co”, acrescenta.

O secretário-adjunto de obras do GDF, Maurício Canovas, também reconhece o

problema e afirma que a população ain-da não tem o hábito de distinguir que o trecho de ciclovia é exclusivo para bi-cicletas. Ele admite que o governo tem consciência da necessidade de recuperar as calçadas. “As ciclovias estão em me-lhores condições do que as calçadas. O que acontece é muito natural, a popula-ção vai ver uma ciclovia de concreto ao lado do local em que costuma caminhar e vai optar por andar lá”, finaliza.

Ilustração: Henrique Carmo

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JUSCIANE MATOSSTEFANY SALES

No Entorno, jovens negros morrem maisVIOLÊNCIA

Desestruturação familiar e falta de assistência do governo são algumas das causas para o índice

“EU não rezava mais.” Esse é o de-sabafo de Larissa*, que, apesar de não orar, seguia diariamente com o apelo por uma vida melhor. Durante algum tempo, só havia uma forma que ela usava para se dirigir a Deus: “Não aguento mais, Senhor”. Depois que Alan*, com quem teve uma filha, passou a usar drogas, ela diz que a vida não foi a mesma. Antes do vício, ele era tranquilo, depois ficou agressivo. Larissa lembra que o casal não vivia bem, se agredia verbalmente. Ela não queria mais manter o relacionamen-to, por isso sofria ameaças de morte.

Depois de quatro anos juntos e com uma filha de dois anos, Larissa recebeu em casa a notícia de que mataram Alan. Na época, foi um choque, mas hoje ela não chora, nem sofre. Acredita que, se ele estivesse vivo, estaria vivendo em um inferno até hoje. Ela sente apenas por se

tratar do pai de sua filha e por sempre ter tido o desejo de vê-lo mudar.

Ela assegura que ninguém da família de Alan tinha envolvimento com crime ou drogas, antes de ele e o irmão mais velho resolverem trilhar esse caminho. Larissa acredita que os dois entraram no mundo do crime pela necessidade da mãe, viúva, de sair para trabalhar e deixá-los sozinhos. Como a escola não funciona da maneira que deveria e não existem, na cidade, políticas para os jo-vens, procuraram diversão em atividades alternativas.

Jovens negrosEx-morador de Águas Lindas de Goi-

ás, Alan faz parte de uma realidade: jo-vens negros assassinados com muita fre-quência. O Mapa da Violência no Brasil de 2013 traz dados de pesquisa realizada

em 2011 e revela números preocupantes para o país em relação ao homicídio de jovens. O ranking dos cem municípios brasileiros com mais de 10 mil jovens assassinados precocemente tem forte participação de cidades do Entorno do Distrito Federal. São dez os municípios goianos entre os mais violentos do país.

Segundo dados de 2010 do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Sistema Único de Saúde (SUS), a região do Entorno registra casos preocupantes que ultrapassam o assassinato e passam a fazer parte de um contexto social grave. A região de Águas Lindas de Goiás re-gistra a juventude como vítima em 69% dos crimes. Mais grave: todas as vítimas são negras.

Para tentar combater ou diminuir o alto número de mortalidade entre a po-pulação negra, o Governo do Distrito

Federal (GDF) aderiu ao programa fe-deral “Juventude Viva”, que visa ofere-cer políticas públicas de assistência a essa esfera da sociedade.

De acordo com dados do programa, a necessidade da construção de um plano de combate à marginalização do jovem negro se dá pelo fato de as estatísticas apontarem para grande parte das mor-tes violentas no Brasil serem contra eles. Dos 49.932 assassinatos, 53,3% estão en-tre essa população. É como se três jovens fossem assassinados a cada hora. Desses, 70,6% são negros.

Fernanda Papa, coordenadora nacio-nal do plano, explica que a taxa de mor-talidade tem várias causas. Porém, um dos motivos para tal índice está ligado a grupos de extermínio, milícias, crime or-ganizado, uso indiscriminado das armas de fogo e violência policial. “É um pro-

Em Águas Lindas, a falta de políticas públicas é u dos motivos para a violência contra o jovem. Governo federal tenta conter índices com o programa Juventude Viva

Foto: Jusciane Matos

cidadania

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Infográfico: Henrique Carmoblema da sociedade brasileira que afeta, principalmente, o negro no papel de víti-ma, pois é o principal alvo”, reflete.

Fernanda destaca que os negros, histo-ricamente, sofreram violência no Brasil desde o momento em que foram trazidos, escravizados, para o país de forma ins-titucionalizada. As consequências desse processo podem ser constatadas até hoje.

Ela explica que essas mortes afetam a economia do país, porque o Brasil perde 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e R$ 79 bilhões por ano com elas. Incluem, além do homicídio, as mortes no trânsito, pois impactam, entre outras coisas, o sis-tema de saúde e o mercado de trabalho, que perde força.

De acordo com o plano, serão inves-tidos R$ 90,3 milhões para as regiões do DF e cinco municípios do Entorno: Águas Lindas de Goiás, Formosa, Luzi-ânia, Novo Gama e Valparaíso de Goiás. A verba será dividida de acordo com a apresentação dos projetos de cada loca-lidade.

Águas Lindas ocupa a terceira posi-ção entre os municípios do Entorno com alto índice de homicídios. Recebeu nova pesquisa com dados de 2012/2013, enco-mendada pela Secretaria de Assistência Social da cidade, para conseguir integrar o programa “Juventude Viva”. Confor-me o documento, entre janeiro e dezem-bro de 2012, foram 40 mortes violentas entre jovens negros de 18 a 29 anos. Este ano, até o mês de agosto, 27 homicídios foram contabilizados na cidade com pes-soas da mesma faixa. Entre esses, apenas uma morte feminina.

A coordenadora de projetos da Secre-taria de Assistência Social de Águas Lin-das, Alessandra de Sousa, informou ao Artefato que, na noite anterior à entre-vista, outros três casos ocorreram na rua onde mora. Para Alessandra, as mortes no município estão relacionadas à deses-truturação e à perda de valores familiares em conjunto com a falta de políticas pú-blicas acessíveis a esses grupos de risco.

Segundo ela, a cidade não mantém programas que auxiliem as mães a deixa-rem os filhos em locais públicos e segu-ros. “Assim, elas ficam expostas às maze-las da sociedade, pois não existem praças, quadras esportivas, nem programas que atendam esses jovens”, reflete.

Alessandra explica que esses fatores de exposição interferem na educação, atingem a qualificação profissional e os levam ao envolvimento com o crime e as drogas, fator determinante nos assas-sinatos. O levantamento feito junto à 1ª Delegacia Distrital de Polícia Civil de Águas Lindas aponta o tráfico e a disputa por territórios como causas das mortes.

De acordo com Alessandra, o número pode ser ainda maior porque, em alguns casos, as pessoas são feridas na cidade, mas só conseguem atendimento em hos-pitais do DF, e esses dados não retornam para Águas Lindas. Em outras ocasiões, o problema se dá por causa da falta de denúncia dos homicídios.

A Secretaria Especial da Igualdade Racial (Sepir) atua no plano de comba-te à violência juvenil como coordena-dora das demais secretarias do GDF. O

secretário especial, Viridiano Custódio, concorda com Fernanda Papa quanto à marginalização do negro no período da escravidão e confirma que esse fator ain-da afeta a situação até hoje pela falta de políticas públicas que funcionem em fa-vor dessa população.

Viridiano explica que o plano é uma tentativa de resgate da juventude negra para o espaço igualitário na sociedade (veja detalhes no quadro). A meta do plano, segundo o secretário, é diminuir

a morte de jovens em geral. “São 27 mil jovens que morrem em nosso país por ano. Nenhum país que está em guerra perde tanta gente assim”, contabiliza. Ele completa que “o Brasil coloca todos em estado de igualdade perante a lei. No en-tanto, todos seriam iguais se tivessem o mesmo tratamento desde o início do Bra-sil”, desabafa.

*Larissa e Alan são nomes fictícios para

preservar a identidade dos personagens

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descobriu que estava com a pressão alta. Na mesma tarde, tinha uma reunião de trabalho na Cidade Estrutural, numa associação. “A reunião terminou às 17h e eu resolvi entrar no posto e aferir a pressão. A médica não atendeu, apesar de estar com o consultório vazio e ter um estetoscópio em volta do pescoço à espera de ser usado. A enfermei-ra também não, alegando que eu não tinha carteirinha de usuária do posto”, conta a professora. Já decidida a ir embora sem me-dir a pressão, acabou sendo atendida por um agente de saúde, que aproveitou para fazer recomendações religiosas de como criar uma criança no mundo de hoje.

A dona de casa Djalmira Moreira aguar-da há sete anos por uma cirurgia para se curar de uma doença crônica nas artérias que tem piorado a cada dia. A safena, veia principal da perna e da coxa, vive inflama-da, o que a obriga a tomar remédios que aliviam o sofrimento, mas não curam a doença. Em 2006, quando a situação ficou complicada, Djalmira foi ao posto de saú-de de Santa Maria, onde recebeu orientação para ir ao Hospital de Base marcar uma ci-

rurgia. Ela foi, fez um cadastro e até hoje aguarda ser chamada.

Se, por um lado, a população sofre com a desassistência, há quem veja o problema por outro ângulo. A médica Júlia Torres de-fende: “É um desafio enorme criar um sis-tema público de saúde que, em menos de 30 anos, tem que atender satisfatoriamente 200 milhões de pessoas em um país do tamanho do nosso”. Ao mesmo tempo, admite: “Te-ria sido mais rápido se tivessem sido boas as gestões da saúde nos estados e municípios”.

No Distrito Federal, as gestões têm fa-lhado sistematicamente. O governador Ag-nelo Queiroz, por exemplo, em seu Plano de Governo, prometeu ampliar para 400 o número de equipes do Programa Saúde da Família (PSF). Até agora, faltando um ano para o término do mandato, constituiu 190 equipes. Também garantiu que seriam construídas 14 UPAs, mas só existem qua-tro. Essas são falhas que comprometem o projeto do SUS e deixam em colapso a saú-de pública da capital da República. Sem o atendimento primário – que é o que fazem as equipes do PSF – e sem o atendimento A UPA do Recanto das Emas alcançou todos os indicadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde

Fotos: Anna Mizzu

À espera do que virá A população do DF tem muitos motivos para reclamar dos serviços prestados em áreas como saúde e educação

SAÚDE E EDUCAÇÃO NO GOVERNO AGNELO

ALESSANDRA MODZELESKIANA PAZANNA MIZZU

EM junho de 2013, São Sebastião feste-jou seu 20º aniversário sem ter motivos re-ais de comemoração. Com uma população de cerca de 130 mil habitantes, conforme dados do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu/192), hoje, serviços públicos como saúde, educação, transporte e segurança tornaram-se insuficientes para atender aos moradores. A cidade é o retra-to do descaso. E não é um caso isolado no DF. De maneira geral, a população das 31 Regiões Administrativas (RAs) tem muitos motivos para reclamar dos serviços presta-dos em áreas típicas de responsabilidade do governo: a saúde e a educação.

Na saúde, a situação é crítica: a cidade não tem hospital e só conta com um centro de saúde, um posto de saúde rural e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). A população é atendida pelo Programa Saúde da Família (PSF), mas cada equipe atende 15 mil pacientes, quando deveria atender três mil.

“O hospital de referência para São Se-bastião é o do Paranoá, que nunca fun-cionou plenamente. Para complicar, na-quela região, existe uma dificuldade de transporte. É uma coisa absurda!” Quem faz a afirmação é o assessor de comunica-ção do Sindicato dos Médicos do DF, Nico-las Bonvakiades. Ele explica que o paciente que sai de São Sebastião e vai para o Pa-ranoá, durante a semana, gasta 40 minutos.

No fim de semana e à noite, ou o pessoal arranja uma carona ou não vai. Ele vem acompanhando cada movimento do atual governo na realização de sua política de saúde pública.

Na educação, a precariedade é semelhan-te. De acordo com dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Code-plan), São Sebastião conta com apenas 23 escolas públicas, enquanto no Plano Piloto são 106. Esse dado reflete uma realidade ainda mais negativa quando associado a ou-tro: número de alunos por turma. Na região central de Brasília, são cerca de 25 e, em São Sebastião, 33. Quanto mais cheias as salas de aula, menores as chances de os alunos terem bom aproveitamento.

A saúde pede socorroEm 1988, quando foi promulgada a

Constituição Federal, nascia junto o Siste-ma Único de Saúde (SUS). O SUS é um dos maiores sistemas de saúde do mundo. Ele foi implantado para fazer desde o simples atendimento ambulatorial até transplante de órgãos, garantindo acesso integral, uni-versal e gratuito para todos os brasileiros. Nesses 25 anos, porém, não há um cidadão que se sinta assistido em suas necessidades de atenção à saúde, e as reclamações são constantes.

A professora universitária Luíza Mônica Assis conta que, no sexto mês de gravidez,

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políticapolítica

intermediário – que é o que as UPAs garan-tem –, as emergências dos hospitais regio-nais lotam. Esse é o dia a dia do Hospital de Base e do Hospital Regional de Taguatinga. O SindMédicos defende qualquer mecanis-mo que se adote para desviar os pacientes das emergências dos hospitais, que, segun-do a assessoria de comunicação do sindica-to, estão em “estado de calamidade”. Em outras palavras, nesses hospitais, há super-lotação de pacientes e falta de pessoal.

Os últimos três anos não foram, porém, só uma sucessão de erros. Segundo a Se-cretaria de Saúde do DF, o atual governo criou um programa de assistência integral à saúde da mulher. O principal eixo desse programa é a implantação de três Carretas da Mulher, que já realizaram 82 mil exa-mes de mamografia e ecografia em um ano e meio. Além disso, estão em andamento as licitações do Hospital do Trauma, do novo Hospital do Gama, além do Hospital

do Câncer e do Hospital dos Transplantes. Para a médica Júlia Torres, “a saúde públi-ca no Brasil ainda é feita tendo o hospital como o equipamento mais importante da rede. Isso é um erro. A população precisa é de atenção básica, de saúde da família, que faça prevenção de doenças, para assim adoecer menos e não precisar de interna-ção”. Mas ela reconhece que essa é uma forma de fazer política pública de saúde que só mudará se houver uma revisão da formação dos médicos brasileiros.

UPAsEm 2003, o Ministério da Saúde criou a

Política Nacional de Urgência e Emergên-cia. Daí, nasceram as UPAs, que têm por objetivo diminuir as filas nos prontos-so-corros dos hospitais. Elas funcionam 24 ho-ras por dia, sete dias por semana, e podem resolver grande parte das urgências e emer-gências, como pressão e febre alta, aciden-tes, infarto e derrame. Quando o paciente chega às unidades, os médicos prestam so-corro, controlam o problema e decidem se é necessário encaminhar o paciente a um hos-pital ou mantê-lo em observação por 24h.

São apenas quatro as UPAs do Distrito Federal: Núcleo Bandeirante, Recanto das Emas, Samambaia e São Sebastião. Cada uma custou R$ 4 milhões aos cofres públi-cos e, antes de entrar em funcionamento, todas passaram por reformas que custaram mais R$ 2,3 milhões. O valor adicional da-ria para construir mais uma unidade.

A primeira UPA inaugurada, a de Sa-mambaia, enfrentou problemas para con-tinuar funcionando por falta de médicos. Segundo Nicolas Bonvakiades, desde o começo do atual governo, a Secretaria de Saúde teve que fazer contratações tempo-rárias para o preenchimento de vagas nos serviços de atendimento de emergência. E até hoje o governo não preencheu essas vagas com servidores efetivos. “As UPAs são administradas pelo GDF. No entanto, os médicos são contratados para apenas seis meses e sem concurso público. No final desse período, o médico para de tra-balhar e o atendimento é interrompido”, detalha Bonvakiades.

O resultado disso é que as UPAs acabam atendendo um número menor de pacientes do que a estimativa. A UPA do Recanto da Emas, de acordo com cartaz do GDF afixado num de seus corredores, em seis meses de funcionamento, fez 64 mil aten-dimentos, ou seja, uma média de 355 por dia – cerca de 30% menos do que os 500 estimados. A expectativa do SindMédicos, no entanto, é positiva. Segundo o presi-dente do sindicato, Gutemberg Fialho, no dia 19 de setembro o governador Agnelo assinou o novo plano de cargos e salários dos médicos e anunciou a realização de

concurso para o preenchimento das vagas hoje ocupadas por contratos temporários.

A coordenadora geral das UPAs do DF, Christiane Aguiar, informa que serão construídas mais dez UPAs até o final de 2014. Elas serão instaladas em Taguatinga, Ceilândia, Planaltina, Sobradinho, Santa Maria, Gama, Paranoá e SIA. A de Ceilân-dia já está encaminhada e será inaugurada em dezembro deste ano. As outras ainda não têm previsão de início das obras.

Na UPA do Recanto das Emas , tudo funciona conforme o protocolo. Lá, não faltam recursos humanos (320 profissio-nais trabalham em turnos, cobrindo as 24 horas do dia), medicamentos, equipamen-tos, nem mesmo documentação. Como defende Christiane. “Essa UPA alcançou todos os indicadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Por isso tem sido visitada até por observadores internacio-nais”, destaca.

Brazlândia: 28 Escolas – 11 Rurais – 17 Urbanas;Ceilândia: 92 Escolas – 4 Rurais – 88 Urbanas;Gama: 48 Escolas – Seis rurais – 42 Urbanas;Santa Maria: 27 escolas urbanas;Recanto das Emas: Uma escola rural – 24 Urbanas;Guará: 20 Escolas urbanas;SCIA: 3 escolas urbanas;Núcleo Bandeirante: 8 escolas urbanas;Águas Claras: 4 escolas urbanas;Riacho Fundo: 10 Escolas – 3 Rurais – 7 Urbanas;Candangolândia: 5 escolas urbanas;Paranoá: 26 Escolas -12 Rurais – 14 Urbanas;Sobradinho: 47 Escolas – 12 rurais – 35 urbanas;Itapuã: 3 escolas urbanas;Planaltina: 64 Escolas – 23 Rurais – 41 Urbanas;Brasília: 83 escolas urbanas;SIA: Uma escola urbana;Cruzeiro: 8 escolas urbanas;Lago Sul: 4 escolas urbanas;Lago Norte: 3 escolas urbanas;Sudoeste/Octogonal: Uma escola urbana;Varjão: Uma escola urbana;Samambaia: 40 Escolas urbanas;São Sebastião: 22 Escolas – 4 Rurais – 18 Urbanas;Taguatinga: 55 escolas urbanas;Vicente Pires: 2 escolas urbanas;

Escolas Técnicas:Centro de Educação Profissional de CeilândiaCentro de Educação Profissional – Escola Técnica de BrasíliaCentro de Educação Profissional de Saúde de PlanaltinaCentro de Educação Profissional – Escola de Música de BrasíliaEscolas Vinculadas à Subgpie: sete escolas.

ESCOLAS NO DF

70% das escolas públicas do DF não têm condições estruturais de manter seus alunos

Fotos: Anna Mizzu

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política

O governador Agnelo prometeu construir 14 UPAs até dezembero de 2014. Só quatro estão prontas

Fotos: Amanda Bartolomeu

O sucesso da unidade do Recanto das Emas se deve ao esforço da própria co-ordenadora, que é médica concursada da Secretaria de Saúde há sete anos e atual-mente faz especialização em gestão pública na Fundação Getulio Vargas. A doutora explica: “A UPA nasce com o propósito de retaguarda da atenção básica, estimulando o vínculo do paciente com sua equipe de saúde da família de forma a prevenir in-ternações”. Segundo ela, “cuidar da saúde é tarefa da atenção básica. Não é correndo para o hospital, porque lá o atendimento também será pontual”.

EducaçãoA educação no Brasil sempre foi alvo

de duras críticas. No DF, não é diferente. Falta de investimento, de professores, má distribuição de verbas, estruturas despedaçadas, falhas na gestão e descaso são só algumas das reclamações. E os cerca de 600 mil alunos matriculados nas escolas públicas da capital ainda convivem com grandes problemas ocasionados pela falta de cumprimento do Plano de Governo de Agnelo.

Uma das maiores dificuldades da ges-tão atual é a falta de planejamento. Os problemas são resolvidos apenas pontu-almente, ou seja, só é solucionado aquilo que chega até a Secretaria de Educação. Uma “política de varejo”, como é nome-ada a situação pelo professor e coorde-nador de comunicação do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro/DF) Cláudio Antunes.

Os professores da rede pública também sofrem com a falta de um projeto pedagógi-co, ou seja, pontos que definem a identidade da escola e indicam caminhos para um ensi-no de qualidade. Essa carência é resultado do caos em que se encontra a Secretaria de Educação (SEDF). Em três anos do go-verno atual, Marcelo Aguiar já é o terceiro secretário de educação. Essa desordem é o principal fator de desequilíbrio na rede. Isso reflete diretamente na qualidade do en-sino, como comenta Cláudio Antunes: “A categoria adoece com essa situação”.

Escolas despedaçadasEm 2010, o Tribunal de Contas do DF

(TCDF) realizou uma auditoria em 45 es-colas públicas e mostrou que 70% delas não tinham condições estruturais para manter os alunos. No primeiro semestre de 2013, o TCDF notificou a Secretaria de Educa-ção para tentar acelerar a construção e as reformas de escolas previstas no Plano de Governo. Até agora, tudo indica que, mais uma vez, a população vai ter de enfrentar outra longa espera.

Liza Silveira Campos, professora de in-glês do Centro Educacional (CED) 104,

do Recanto das Emas, explica que a escola onde trabalha conta com uma estrutura an-tiga, mas foram feitas algumas adaptações na biblioteca, na quadra de esportes e na sala de vídeo. Ela esclarece que “devido à falta de planejamento, não há espaço sufi-ciente para melhorias. A escola foi constru-ída entre as casas”.

Até o momento, o governo Agnelo cons-truiu dez escolas de Educação Infantil (cre-ches e pré-escola) e tem previsão de entre-ga, até o final de 2014, de mais de 110 escolas (a maioria já em construção ou em processo de licitação). Para isso, o GDF conta com dinheiro do governo federal, o que pode significar uma previsão real de conclusão das obras. A parte ruim é que, ainda que 30 mil alunos possam estudar nessas escolas, o atendimento não será universalizado, por-que não existe capacidade estrutural para todas as crianças. Precisa-se de mais escolas nas áreas carentes do DF. O Plano Piloto (onde existe a maior concentração de esco-las) não supre a demanda.

O estudante Luis Felipe de Oliveira, do 3o ano do Centro de Ensino Médio Ele-fante Branco (Cemeb), na 907 Sul, mostra que não são apenas as escolas das regiões administrativas periféricas que enfrentam problemas. O Cemeb foi criado em 1960 para ser modelo. Foi a primeira instituição de ensino médio de Brasília. O estudan-te avalia que a escola necessitaria de uma repaginada geral: “Uma reforma desde a pintura até a parte elétrica. Fora isso, o in-teresse dos alunos e de alguns funcionários precisaria ser despertado”. Ele explica que os professores não costumam faltar com frequência, mas muitos não têm interesse em ensinar. Luis confessa que não apren-deu o suficiente para se sentir preparado para o vestibular.

Segundo o Portal da Transparência do DF, os recursos destinados à educação, prati-camente, se limitam ao Fundo Constitucional (dinheiro repassado pelo governo federal). Esses recursos são usados para pagamento de salários, na alimentação, no transporte e na construção de escolas de Educação Infantil. Ou seja, os investimentos na pasta estão mui-to distantes dos 10% do PIB do DF previstos no Plano de Governo.

Escola IntegralUm dos pontos do Plano de Governo de

Agnelo Queiroz é a implantação da Escola Integral em todo o DF. Aqui, a maior difi-culdade é a padronização do serviço. Exis-tem duas modalidades em funcionamento: a primeira contempla mais de 15 escolas que atendem todos os alunos na Educação In-tegral. Nesse modelo, as crianças ficam dez horas em atividade escolar. Além de moni-tores e bolsistas, há professores e pedago-gos que trabalham com as crianças no turno

contrário ao das aulas regulares.Já a segunda acontece em mais de 80 cen-

tros educacionais do programa, onde cerca de sete mil estudantes são atendidos (1,5% do total de alunos na rede pública do DF). As crianças vão para a aula pela manhã e só permanecem à tarde aquelas que querem. Esses alunos ficam entre duas e três horas a mais na escola e de três a cinco dias por se-mana. E é nesse ponto que o projeto começa a desandar, como comenta a professora de Educação Ambiental que trabalha no Pro-jeto Horta da Escola Classe 114 sul, Tha-ís Marra: “Acham que a escola é de tempo integral, mas não sabem o que é Educação Integral”. Nesse modelo, os principais res-ponsáveis pelos alunos são os monitores e bolsistas, que muitas vezes não estão prepa-rados para fazer um trabalho de educação com as crianças.

O professor Cláudio Antunes, do Sin-pro, explica que a Escola Integral foi con-cebida para seguir o modelo que hoje a Escola Parque oferece para as crianças. “Era para ter as aulas que os alunos, mui-tas vezes, não têm na grade, por exemplo, artes, educação física e música”. O Sinpro defende que, na Escola Integral, professo-res dessas disciplinas sejam concursados para trabalhar com as crianças. Não que qualquer pessoa que saiba tocar violão, por exemplo, entre no projeto, como mui-tas vezes acontece.

Falta de professoresNo final do ano passado, o Sinpro denun-

ciou a falta de professores para o começo do ano letivo de 2013. Entre 2011 e 2012, 1.470 professores se aposentaram e 1.045 foram nomeados. Depois da denúncia, cerca de 1.600 professores foram convocados, dos quais 1.300 tomaram posse. Aproximada-mente 200 foram convocados novamente para atingir 1.600 contratações. Esse número “ajudou, mas não resolveu”, como confessa o professor Cláudio. “A falta de professores ainda existe, porque muitos se aposentam durante todo o ano e não tem um número se-guro para suprir essa perda”, completa.

O Sinpro realiza, anualmente, um con-curso de remanejamento de professores que acontece em quatro etapas, ao longo do ano. Ao final, o sindicato tem o resultado do número de professores que ainda estão em falta no DF. Esse ano, o concurso caminha para a segunda etapa, então esse número ainda não é conclusivo. Mas com base no desenvolvimento do processo, o Sinpro es-timou em aproximadamente 1.800 o déficit de professores, hoje, na rede[t11] .

Em outubro deste ano, a SEDF reali-zará concurso para contratação de pro-fessores para a Educação Básica do DF. Serão oferecidas 804 vagas para a car-reira de magistério. Os salários são: R$ 4.343,18 para carga horária de 40 horas e R$ 1.764,42 para 20 horas.

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O que se esconde atrás do anonimato? Especialistas debatem vantagens e desvantagens de exintinguir o voto secreto no Legislativo

CONGRESSO NACIONAL

política

A ABSOLVIÇÃO do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO) do processo de cassação de mandato, dia 28 de agosto de 2013, reabriu as discussões sobre o fim do voto secreto na Câmara, no Senado Federal, nas assembleias e câmaras municipais. Após a repercussão na mídia – na ressaca das manifestações – e depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a sessão que inocentava Donadon, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, em 3 de setembro, aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 349/01 que acaba com o voto secreto em todos os tipos de votação no Legislativo. Atualmente, a PEC tramita no plenário do Senado. Diante da possível decisão, o que se debate é: por que o voto é secreto? Por que deveria deixar de ser? E o que aconteceria se os parlamentares declarassem as escolhas?

A discussão sobre o fim do voto secreto parlamentar não é de hoje. A violação do painel eletrônico do Senado Federal no episódio de cassação do senador Luís Estevão, em 2006, retomou a discussão sobre o tema, adormecida desde 2001, quando a PEC foi proposta. Após sete anos de engavetamento, o caso Donadon reacende a discussão. Em votação aberta, o Conselho de Ética tem indicado a perda de mandado nos casos de cassação de deputados da Câmara, mas em contrapartida, o plenário, com o dispositivo do voto fechado, absolve os colegas. Foi o caso de Jaqueline Roriz, condenada pelo conselho e salva pelo plenário.

Para alguns deputados a aprovação do

voto aberto em todas as deliberações no Parlamento significa prestação de contas de suas posições e atos aos eleitores, já que os representam. Chico Leite, deputado distrital (PT-DF), acredita que o uso do voto secreto está muitas vezes ligado aos interesses pessoais: “Quem defende o voto secreto, de duas, uma: ou está com medo ou está escondendo interesses inconfessáveis, como fazer do mandato balcão de negócios, instrumento de barganhas ilícitas”. Chico também afirma que “aquele que não tem coragem de assumir suas posições não tem moral para representar ninguém”.

Já para a deputada distrital Arlete Sampaio (PT-DF), o fim do voto secreto facilitará o monitoramento do parlamentar: “A conquista de que todas as votações nas câmaras legislativas sejam abertas é fundamental, porque permite ao cidadão acompanhar a postura do seu parlamentar”, sublinha.

HistóriaDe acordo com o consultor legislativo

Roberto Carlos Martins Pontes, o voto secreto surgiu em 1856 na Austrália e por isso também é chamado de voto australiano. Para ele, a existência do mecanismo é justificada com a proposta de evitar intimidações, chantagens e subornos. Na pesquisa “Voto Secreto nos Parlamentos”, de 2006, Roberto enumera as possíveis ameaças ao fim do voto secreto: maior controle das lideranças partidárias sobre a atuação parlamentar; maior controle da mídia em casos de grande repercussão popular, pressionando assim os

parlamentares; e maior controle do Poder Executivo sobre o Congresso Nacional.

Para o consultor legislativo, abolir integralmente o voto secreto respingaria na democracia do Estado brasileiro. Ele pondera algumas razões em favor do voto secreto: uma delas é a de que regimes ditatoriais têm se utilizado de votação aberta para policiar o representante popular. Nesse sentido, o voto secreto pode ser uma salvaguarda da democracia. “O voto secreto é usado em países com sólida estabilidade política institucional”, garante.

Ainda segundo o consultor, a tradição brasileira é, em regra, pelo uso do voto aberto, admitindo voto secreto somente em casos excepcionais. A Constituição de 1988 trata como regra o voto aberto e como exceção o voto secreto. Até mesmo em deliberações de impeachements de presidentes da República, a votação é aberta. Nos casos de cassação de mandatos, Roberto Carlos Martins Pontes argumenta que os parlamentares atuam como jurados e o voto secreto nessa situação pode ser visto como direito dos réus a um julgamento imparcial.

Apesar desses argumentos favoráveis, a manutenção do mecanismo está em desacordo com a maioria das democracias ocidentais estáveis: num breve levantamento, encontramos Brasil e Portugal como exceções neste cenário. Reino Unido, Canadá, Suécia, Alemanha, França e Finlândia são democracias onde os debates e votações nos parlamentos são abertos e só há sigilo na eleição dos comandos das casas. Em alguns países, como a Bélgica e a Itália, o sigilo

é mantido quando deputados deliberam sobre nomeações e indicações. Nos Estados Unidos e na Dinamarca, mesmo quando ocorrem sessões fechadas, no momento da deliberação, é divulgada a posição tomada pelos políticos.

Contraponto

Em contrapartida ao consultor legislativo, as opiniões a favor do fim do voto secreto parecem ganhar mais espaço e beneficiarem de fato a sociedade brasileira. Em entrevista ao Artefato o professor e cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), falou sobre os aspectos favoráveis à votação aberta no Congresso. Para ele, a grande justificativa para o exercício desse tipo de votação e que a faz efetiva há tanto tempo são ainda as supostas ameaças e intimidações: “A justificativa usada é para evitar “pressões” em cima do deputado ou senador – pressões principalmente do Poder Executivo e dos partidos (o líder não fica sabendo como seus liderados votaram, traições, etc.). Também há pressões de quem financiou a eleição”, enumera.

Diante provável maior transparência nas votações do Congresso Nacional, Fleischer acredita que a maior mudança é para o cidadão: “Ele pode melhor acompanhar e cobrar o comportamento do ‘seu’ parlamentar”. O professor ressalta que transparência vem com responsabilização: “Seria uma maneira de o eleitor acompanhar o comportamento do ‘seu’ deputado ou senador. Transparência é responsabilização. Eles foram eleitos para ‘representar’ – como podem representar alguém com voto secreto?”, questiona.

O mestre em Ciência Política Francisco Lima Junior completa que o debate tem sido pautado por escândalos, que impulsionam questionamentos sobre a manutenção e legitimidade do tema. O voto no Congresso Nacional fere princípios de direito. Além disso, repousa sobre o corporativismo dos grupos dominantes da Casa. Ele ainda vê falta de interesse dos eleitores em fiscalizar de fato o que ocorre e como ocorre no Congresso Nacional.

Francisco acredita que a repercussão de polêmicas similares à de Natan Donadon será cada vez maior. “Os tempos mudaram muito, e muito rapidamente. A internet e as redes sociais nos lançaram em uma nova realidade”, afirma. O professor defende que essas transformações vão mexer no jogo político. “O mundo está em rápida transformação. Isso vai obrigar nossa classe política fazer o mesmo, para não perder o famoso bonde da história”, explica.

BRUNO DE OLIVEIRANAYARA DE ANDRADE

Resultado polêmico da votação parlamentar levanta questionamento no Congresso Nacional sobre a legitimidade do voto secreto

Fotos: Guilherme Rocha

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Derrube o inimigo A arte marcial Arnis, trazida das Filipinas, conquista os brasilienses

DEFESA

esporte

KALI kali, maharlika, eskrima, kalis de manos. Esses são alguns dos nomes usados para chamar a luta filipina Arnis Kali. A atividade surgiu há séculos como forma de combate aos colonizadores espanhóis. Havia uma tradição para os meninos: ao comple-tarem nove anos, receberiam uma faca para defender a família e a tribo dos ataques dos saqueadores de suas terras.

Com o passar do tempo, o Arnis Kali co-meçou a ser considerado uma arte marcial de combate aos inimigos interiores como se-dentarismo, preguiça, angústia, rancor, entre outros. Em 1976 o Mestre Herbert Inocalla (Dada) trouxe com seu irmão a luta para o país. O objetivo era suprir a necessidade das pessoas se defenderem e também para difun-dir o esporte e fazer com que não seja esque-cido, como a capoeira por muitos anos aqui no Brasil. Não houve resistência para os bra-sileiros se adequarem, muito pelo contrário, até mesmo o público feminino passou a usu-fruir dos benefícios do esporte. “Hoje em dia a autodefesa não é luxo, é uma necessidade. É uma forma de sobrevivência e as pessoas têm procurado bastante”, explica o Mestre Dada.

No esporte, principalmente durante as au-las na academia, são utilizados objetos como bastões, facas, facões e até mesmo outros

itens cotidianos, como chaves, cartão telefô-nico, bisnaga de creme, caneta, entre outros. A recomendação para a prática do esporte é que cada pessoa tenha seu próprio equipa-mento, principalmente as proteções para as competições, que são o capacete (acolchoa-do e com uma parte metálica na frente), as luvas (também acolchoadas e que evitam machucados nos pulsos) e os coletes proteto-res (revestidos com espuma para proteger do impacto dos golpes do adversário).

Krav-magá?

O Arnis Kali, assim como outras artes marciais, visa trabalhar o equilíbrio entre corpo e espírito, buscando a sobrevivên-cia. É uma arte marcial antiga que mescla as culturas indígenas, indiana, chinesa, europeia, árabe, americana. O krav-magá é uma luta semelhante ao Arnis Kali, mas ainda é recente. Além disso, não tem os elementos que definem uma luta marcial como esporte, como regras, treinamento e uniformes. O Mestre Herbert Inocalla explica uma outra diferença entre as lu-tas. “No Arnis Kali começamos com bas-tões, facas e armas improvisadas que são objetos usados no dia a dia. E no Krav--Magá eles começam com mãos vazias.”

PúblicoDesde quando foi trazido para o Bra-

sil, o esporte conquistou vários adeptos, de diversas idades e gêneros. Luciana Miranda é a mulher mais graduada na América Latina, ou seja, é faixa marrom, que equivale ao grau de instrutor. Seu interesse pelo esporte começou após um convite feito pelo pai. Ficou três meses apenas assistindo às aulas para depois co-meçar a treinar.

O Arnis Kali é uma luta que pode ser praticada por pessoas de diversas idades, mas o Mestre Dada restringe a uma idade específica, 10 anos, pois é uma faixa etá-ria em que as crianças já têm instinto para saber se defender. Mesmo assim o esporte tem conquistado as famílias por sua sim-plicidade, o que faz com que todos pos-sam praticar.

O ex-praticante Augusto Dauster fez o esporte por pouco mais de dois meses. Mas nesse pouco tempo ele afirma que a filosofia da luta proporcionou uma segurança maior para a vida, inclusive de utilizar um bastão para se defender. “A proposta é de uma arte fluida, em que você trabalha com o movimento do seu adversário em sua defesa”, relata.

CompetiçõesEm 2010, após a entrega de uma carta para

o presidente das Filipinas, a luta foi declarada esporte nacional. Com isso, assim como judô, karatê e o próprio krav–magá, também é con-siderado modalidade para competição.

Em novembro deste ano, acontecerão os Jogos Pan-americanos em Brasília e os alu-nos da academia do Mestre Dada e de outros estados se preparam para competir. A última participação foi nos Jogos Asiáticos. Realiza-dos de quatro em quatro anos, a última edição foi em 2010, na China, quando o esporte co-meçou a ser mais difundido e a ganhar mais adeptos, além, claro, das premiações.

JÉSSICA PAULINO

Equipe de Brasília durante treinamento de esporte filipino; capital federal sediará campeonato ainda este anos

Fotos: Gustavo Goes

Academia Magka Isa: 704 Norte Bloco F Loja 6, ao lado da Cultura Inglesa.Telefone: 3326-1132

Você também pode ver alguns vídeos no canal do Youtube ou no site www.arnis.com.br, além de encontrar artigos sobre os outros esportes da academia.

SERVIÇO

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FEBRE, dor no corpo, moleza e fraque-za. Esses sintomas poderiam ser facilmente confundidos com gripe ou resfriado. Em algumas situações, até podem ser doenças simples, mas, em outras, o diagnóstico pode ser bem mais sério, como meningite. Doen-ça considerada grave pelos especialistas da saúde, ela atinge principalmente as crianças e, na falta de tratamento, pode gerar danos graves à saúde ou matar.

O Ministério da Saúde promove campa-nhas de vacinação contra a doença e, devido às vacinas, os casos de meningites bacteria-nas em crianças de até dois anos têm dimi-nuído no país. Apesar da disponibilidade de prevenção, ainda são registrados casos da doença. Na primeira semana de setembro, um bebê de cinco meses foi internado no Hospital Regional de Santa Maria com me-ningite do tipo meningocócica, não resistiu e morreu. Dados da Secretaria de Saúde do DF apontam que, em 2012, foram registra-dos 60 casos. Já no primeiro semestre deste

ano, foram contabilizados 36. O maior nú-mero de óbitos no Brasil foi observado em 1975, quando foram registrados 411, média de 1,15/dia.

Segundo o médico infectologista Felipe Teixeira de Mello Freitas, chefe do Núcleo de Controle de Infecção Hospitalar do Hos-pital Materno Infantil de Brasília (HMIB), meningite é a inflamação das meninges, que envolvem e protegem nosso sistema nervoso central (cérebro e medula). Essa inflamação pode ter vários fatores como câncer, toxina e infecção, a mais corriqueira. Bactérias e vírus são os agentes mais comuns para que ocorram as infecções.

Contágio e sintomas

Existem dois tipos da doença: a viral e a bacteriana. A meningite viral pode levar a febre, convulsões no período agudo da doença, mas tem evolução mais favorável. O tratamento é de suporte clínico e geralmente o paciente se recupera gradualmente sem

tratamento específico. Já a bacteriana é muito grave: o paciente apresenta febre e quadro grave de infecção, com evolução muito rápida, que, se não tratada, leva à morte. “O tratamento específico com antibióticos deve ser iniciado assim que há o diagnóstico de meningite. Se iniciado precocemente, geralmente a evolução do paciente é boa,” destaca o médico.

A transmissão das meningites acontece pelo ar, já que as bactérias podem ser encon-tradas na garganta e, mesmo sem sintomas, o contágio pode se dar pelo contato próxi-mo, pela fala, tosse ou espirro. Segundo o especialista, é difícil prevenir a doença, pois é complicado detectar quem carrega a bac-téria. Uma medida é o uso de antibióticos, somente nos casos de meningite meningo-cócica, para pessoas que têm contato íntimo com o doente.

“A doença pode atingir qualquer pessoa, porém o grupo de maior risco de infecção são as crianças de até cinco anos, porque não estão com o sistema imunológico consoli-dado. É preciso ficar atento. Indivíduos de qualquer idade são suscetíveis às meningi-tes”, observa Cleidiane Rodrigues de Car-valho, enfermeira e responsável técnica pelo Programa de Controle das Meningites do Distrito Federal.

Ela explica que os principais sintomas são febre, dor de cabeça, vômito e rigidez de nuca, podendo aparecer também convul-sões, desorientação e manchas arroxeadas na pele. Em crianças menores de nove meses, esses sinais podem não ser muito bem de-finidos, devendo-se observar irritabilidade, choro persistente e alteração das moleiras. As manchas no corpo vistas em casos de me-ningite ocorrem por meio do contato com a bactéria meningococo. As manchas são sinais de infecção, pois a bactéria percorre e interrompe a corrente sanguínea e leva à necrose da pele.

Sequelas

A surdez é apenas uma das sequelas que podem ser deixadas pela doença. Segundo o especialista Felipe Teixeira, esses casos po-dem acontecer com frequência se a detecção e tratamento da meningite forem tardios.

“As meningites por Streptococcus pneu-

saúde

ALANA LETÍCIA PAULA MORAIS

CRIANÇAS

PREVENÇÃOA enfermeira Cleidiane Rodrigues lembra que é muito importante os pais levarem seus filhos às campanhas de vacinação, já que a melhor forma de prevenção da meningite é a manutenção do cartão de vacina atualizado. As vacinas disponíveis no calendário básico de imunizações que protegem contra algumas formas de meningite bacteriana são: Meningococo C: A vacina conjugada contra o Meningococo sorogrupo C protege contra a forma mais grave. Está disponível para a população menor de dois anos. O número de doses varia de acordo com a idade da criança. Pentavalente: protege contra doença invasiva causada pelo Haemophilus influenzae tipo b e também contra os agentes causadores de coqueluche, difteria e tétano, e hepatite B, disponível para população menor de dois anos. 1 dose aos 2 meses, 1 dose aos 4 meses, 1 dose aos 6 meses e dois reforços, um aos 15 meses e outro aos 4 anos de idade. Pneumocócica: A vacina Pneumocócica 10 valente conjugada protege contra doenças pneumocócicas invasivas como as pneumonias, meningite e artrite, e não-invasivas como sinusite, otite médica aguda, conjuntivite e bronquite; está disponível para a população menor de dois anos. O número de doses varia com a idade da criança. BCG: protege contra as formas graves de tuberculose, incluindo a meningite tuberculosa. Deve ser tomada logo após o nascimento.

moniae são as que mais deixam complica-ções ao paciente, mas podem ocorrer com qualquer meningite bacteriana”, acrescenta. Além da perda de audição, podem ocorrer cegueira, retardo no desenvolvimento físico e cognitivo, com limitações motoras e men-tais, como atraso intelectual.

Por ser alvo da meningite quando crian-ça, o professor de Língua Brasileira de Si-nais (Libras) Falk Soares R. Moreira não teve tempo de se curar da doença. Mesmo as doses altas de antibióticos não foram suficientes para evitar a perda de audição. Com surdez profunda e bilateral (nos dois ouvidos), o professor conta que ficou com a sequela porque na época não havia infor-mação e tratamento adequado para prevenir ou combater a meningite. Ele explica que a falta de informação como a obrigatoriedade das vacinas e outros cuidados colaboraram para a sequela. “Foi difícil fazer o diagnósti-co e conseguir o tratamento porque tinha fila nos hospitais e demora no atendimento. Eu sei que meningite pode deixar sequelas mais graves. Graças a Deus fiquei apenas surdo.”

*Colaborou como intérprete a professora Valícia Ferreira Gomes

Comum na infância, quando a meningite não é tratada adequadamente, pode matar ou deixar sequelas

Tem que vacinar

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educaçãoDESENVOLVIMENTO

Reféns das inovaçõesO uso excessivo de tecnologias já na infância pode prejudicar o aprendizado das crianças

AMARELINHA, pique-esconde, bete, queimada. Brincadeiras de rua que faziam a alegria da criançada aos poucos estão sumindo e sendo trocadas por equipamentos tecnológicos. A nova geração já nasce em uma sociedade em que o contato com a tecnologia se tornou inevitável.

Entre os “brinquedos” do momento estão o tablet, o smartpho-ne e o computador. Apesar de serem úteis para o desenvolvimento cognitivo das crianças, é preciso ter cuidado quanto ao uso des-controlado desses aparelhos. Eles não devem tomar o espaço das relações de convívio, seja em casa ou na escola. Esses laços são necessários ao desenvolvimento intelectual. “Os pais primeiro precisam se apropriar das ferramentas, só proibir não vale, eles devem organizar os horários de seus filhos, devem saber o que a criança vai utilizar, os sites que ela vai acessar. Também é interes-sante quando os pais conseguem reverter de forma educativa a utilização das ferramentas, propondo jogos de raciocínio lógico e leitura, por exemplo”, explica a pedagoga e diretora de programas de extensão da Universidade Católica de Brasília, Janete Cardoso.

Os joguinhos mais desenvolvidos e as redes sociais são, na maiorias das vezes, os motivos que levam as crianças a se atrela-rem às novas tecnologias. Conectado à internet e com a TV ligada ao mesmo tempo, Enrico Túlio, 9 anos, conta que por muitas vezes deixou de cumprir tarefas da escola. “Uma vez esqueci de fazer o trabalho de filosofia porque “tava” jogando no iPad. A minha mãe me colocou de castigo!”

Em frente à telaSegundo dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil, feita entre

abril e julho de 2012 pelo Centro de Estudos sobre as Tecnolo-gias da Informação e da Comunicação (Cetic.br), em média, os usuários de internet entre 9 e 16 anos tiveram contato com a rede pela primeira vez entre 9 e 10. O fator socioeconômico também influencia nesse aspecto: quanto mais alta a classe social, mais cedo a criança ou adolescente começa a usar internet.

O celular, que antes pertencia apenas aos mais velhos, hoje está nas mãos dos mais novos. Enquanto crianças já nascem inseridas no meio tecnológico e vêm aprendendo a lidar com as ferramentas desde cedo, as pessoas mais velhas acostumadas com os equipa-mentos mais antigos sentem dificuldade para aprender a manusear as novas tecnologias. “Sempre tive problema com computador, é uma ferramenta muito complicada, tenho muita dificuldade para aprender a manuseá-lo”, relata Niltom Santos, 74 anos. “Já meus sobrinhos mexem em tudo, usam computador e celular. Isso come-çou foi desde cedo”, completa o aposentado.

Isso pode ser um ponto positivo: as crianças aprendem desde cedo o que vão precisar usar futuramente no mercado de trabalho, mas o que atrapalha é o excesso. “As crianças estão com dificuldades de sair, caminhar e brincar, porque querem ficar todo dia em frente à televisão ou computador, sentadas de maneira incorreta no sofá. Elas estão em fase de crescimento e os pais não devem deixar, eles precisam dosar isso”, relata a pedagoga Janete Cardoso.

É importante que os pais tenham estratégias para chamar a aten-

ção de seus filhos para outras atividades, como um pas-seio no parque ou no zoológico. Atividades ao ar livre são essenciais para as crianças, pois proporcionam a socialização e um crescimento saudável. A mãe de En-rico Túlio, Kelly Viana, 32 anos, ligada nos problemas de saúde que o uso descontrolado de aparelhos eletrô-

KARINNE RODRIGUESRHAYNE RAVANNE

Foto: Karinne Rodrigues e Rhayne Ravanne

Preocupado em passar de fase em um jogo, Enrico Túlio não “desgruda”os olhos do tablet

nicos pode causar, conta: “Procuro ensinar pra ele a importância dos momentos em família, com os amigos. Estabeleço horários para que ele não fique envolvido somente com eletrônicos, pois há uma grande diver-sidade de brincadeiras que podem ser até mais interes-santes quando se interage com outras crianças”.

49%das crianças usam a internet uma ou duas vezes na semana para trabalhos escolares

47%dos usuários de internet de 9 a 13 anos acessam a rede todos os dias

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Consoles de videogame pagam mais impostos do que armas de fogo. Lucro e Custo Brasil contribuem para os altos valores

PREÇOS

economia

UM Macbook Air, notebook da Apple, custa nos Estados Unidos US$ 999, mas o mesmo produto custa R$ 4.199 no Brasil, na loja on-line da empresa no país, um valor quase duas vezes maior. Pela cotação do dólar no dia 25 de setembro de 2013, esse mesmo produto deveria custar R$ 2.197,80, sem impostos ou qualquer outra taxa. Por que esses preços tão altos aqui no Brasil?

Os altos valores dos produtos de tecnologia no Brasil não são determinados só pelos impostos, mas também pelos chamados Lucro e Custo Brasil. O Lucro Brasil é uma expressão criada pelo jornalista Joel Leite em julho de 2011 para se referir às altas taxas de lucro obtidas pelos comerciantes no país. O Custo Brasil é um conceito criado pelos empresários brasileiros para apontar o conjunto de problemas que emperram a economia do país.

Segundo relatório divulgado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) em 2013, 72,18% do valor dos consoles de video game no Brasil correspondem a taxas como ICMS (Imposto sobre Mercadorias e Serviços), PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Esse valor é mais alto que para armas de fogo, por exemplo, que têm 71,58% do seu valor em impostos. Isso explica, mas não justifica, por que o país terá os consoles de próxima geração (Xbox One e Playstation 4) mais caros do mundo. Ainda segundo esse relatório, somente caipirinha (76,66%), cigarro (80,42%), vodca (81,52%), casaco de pele (81,86%) e cachaça (81,87%) têm cargas mais pesadas que os video games.

O Xbox One custará US$ 499 nos Estados Unidos, mas chegará ao Brasil custando R$ 2.200, um valor duas vezes maior. Sem impostos, custaria R$ 1.097, 80. O Playstation 4 terá preço de US$ 399 nos Estados Unidos, mas ainda não teve o custo divulgado oficialmente no Brasil. Rumores que circulam na internet apostam que ele terá o mesmo valor do Xbox One por aqui. Sem a carga tributária, sairia por R$ 877, 80. Os valores dos produtos só em impostos será de R$ 1.587,96.

O engenheiro e economista Mauro Lins Faustino, 53 anos, explica: “No

Brasil, a elevada carga tributária encarece todo e qualquer produto. No caso de tecnologia, ainda pagamos royalties a outros países, o que encarece mais um pouco.” Consumidores reclamam

O analista de sistemas Erivaldo Ramos e Sousa, 55 anos, acredita que “se as cargas tributárias fossem mais adequadas, os preços seriam consequentemente mais justos”. Ele avalia ser um absurdo pagar mais pelo mesmo produto que é vendido lá fora até pela metade do preço.

O servidor público Marcelo Lins Faustino, 48 anos, afirma que os produtos e componentes, na maioria importados, acabam chegando a preços inacessíveis para a maior parcela da população brasileira. Isso se deve ao fato de vivermos em um dos países mais tarifados e burocratizados do mundo, apesar de sermos a sexta economia mundial. Ele sugere algumas ações para baratear custos: abertura de mercado com estímulos fiscais e desburocratização para atrair indústrias estrangeiras ao país, equilíbrio do câmbio (dólar/real), avanço tecnológico da indústria nacional e reforma tributária.

Segundo o site da Receita Federal, não há previsão para que haja redução dos valores dos impostos cobrados dos produtos de tecnologia no país. Os preços não vão cair

enquanto os comerciantes não abrirem mão dos seus lucros, o governo não melhorar a infraestrutura do país e a Receita não reduzir os impostos e tarifas.

Os consumidores também reclamam da demora de lançamento dos produtos no

Brasil, que às vezes levam de três a cinco meses depois de lançados lá fora. A culpa desse problema é de novo das tarifações brasileiras, do Lucro e Custo Brasil. Por conta desses fatores, as empresas estrangeiras não dão prioridade ao país.

MURILO LINS

Macbook, notebook da Apple, é um sonho de consumo de muitos, mas é realidade para poucos

Fotos: Eduardo Santos

ENTENDA OS IMPOSTOS

Royalties são pagos para os detentores de patentes, que seguem o padrão dos acordos assinados na Organização Mundial do Comércio (OMC). Marcas e tecnologias também estão sujeitas a legislações específicas para o pagamento de royalties ao proprietário do bem em questão.

A Receita Federal do Brasil informa em seu site que todo e qualquer produto importado, como é o caso da maioria dos produtos de tecnologia, deve pagar o imposto de importação.

O IPI deve ser pago pelos produtos industrializados nacionais e estrangeiros.

O ICMS é um imposto estadual, sendo o seu valor definido pelo estado onde a mercadoria é vendida.

O PIS é uma contribuição social de natureza tributária, devidas pelas pessoas jurídicas, com objetivo de financiar o pagamento do seguro-desemprego, abono e participação na receita dos órgãos e entidades para os trabalhadores públicos e privados.

O Cofins é uma contribuição federal brasileira, de natureza tributária, incidente sobre a receita bruta das empresas em geral, destinada a financiar a seguridade social, a qual abrange a previdência social, a saúde e a assistência social.

Brasil tem os produtos de tecnologia mais caros do mundo

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comportamento

Fãs se inspiram na magia das páginas de literatura para tentar fugir da rotina do dia a diaADRIELE VIEIRA GLEDSTIANE LAÍSSIA

IMAGINAÇÃO

Dos livros para o mundo real

“O JOGO de hoje acontece no campo de Quadribol em Hogwarts, onde jogadores da Grifinória enfrentam o time da Sonseri-na. A partida começa com o árbitro liberan-do o pomo de ouro, enquanto um jogador da Grifinória carrega a goles. O artilheiro adversário parte para cima, quase derruban-do o jogador, que se equilibra na vassoura, toma a bola e em seguida corre na direção dos aros para marcar um gol. O jogo fica emocionante e a plateia vibra de expecta-tiva. Enquanto isso, o pomo de ouro voa rapidamente pelo campo, e os apanhadores o seguem na tentativa de capturar a tão de-sejada bola com asas que concederáa maior pontuação e finalizará o jogo.”

Se você já leu os livros ou assistiu à sé-rie Harry Potter, sabe que estamos falando do esporte fictício mais famoso do “mun-do bruxo”, o Quadribol. Nas páginas dos livros, é mais ou menos assim que aconte-cem os campeonatos da modalidade, mas a adoração não atinge apenas os personagens literários. O jogo se tornou um objeto de desejo também para os fãs do jovem bruxo, e foi adaptado para ser praticado no mundo real em 2005.

Levado a sério

Se para alguns parece apenas diversão, para os admiradores do mundo criado por J.K. Rowling, o Quadribol terrestre é le-vado a sério. A Associação Internacional de Quadribol (IQA) surgiu em 2007, na Universidade de Middlebury, em Vermont, EUA. É responsável por regras e campeo-natos que atraem adeptos do mundo inteiro. Atualmente, existem mais de mil times em 13 países. No Brasil, apenas uma equipe é registrada na IQA, a Rio Ravens, do Rio de Janeiro, criada em 2010.

Em Brasília, mesmo sem participarem de nenhuma associação, integrantes do Clube do Livro (CdL) montaram seus times e têm o próprio campeonato, que a cada ano acontece em três fins de semana do mês de julho, na Esplanada dos Minis-térios. Para eles, o objetivo da competição é se divertirem. Todos jogam contra todos e o maior pontuador é campeão, mas re-cebem apenas o título, sem nenhum tro-féu. Os times têm os nomes das casas que

JOGADORESEQUIPAMENTOS

55m comprimento

52m

larg

ura

VASSOURA

Em respeito à tradição dos livros e filmes, todos os jogadores

devem segurar uma vassoura entre as pernas. Eles devem

permanecer com o objeto durante toda a partida.

GOLE

Um tipo de bola, semelhante a de vôlei, achatada nos lados, que ajuda ter uma aderência

mais fácil quando segurada, e para cair lentamente quando derrubada,

como se afundasse em água. É feita de couro e usada murcha. Balaços não podem ser chutados várias vezes em sequência,

como no futebol. Apenas um chute por vez é legal.

Aros: São os “gols” do quadribol. Alguns times usam bambolês, alguns fazem os

aros entortando barras de ferro, outros aros de bicicleta; cada um monta como pode,

normalmente são fixados em um cano PVC.

AROS

APANHADORES

ARTILHEIROS

BATEDORES

GOLEIRO

Trata-se uma pessoa vestida de amarelo, com uma bola de tênis amarrada na parte

de trás da cintura. O “pomo” tem permissão para fazer o que for necessário para evitar que seja

capturado pelos apanhadores. (Em Brasília, os jogadores optaram por

dois pomos de ouro, um para cada time, assim a partida dura mais tempo).

POMO DE OURO

São usadas três bolas de queimada para substituir os balanços. Elas servem

para ser arremessadas contra os jogadores do time adversário.

BALANÇOS

• • • • •••• • • • • • • • • • •Diferente da versão literária, os batedores trouxas não usam bastões. Eles carregam os balaços e os arremessam. Ao ser atingido, um jogador deve voltar aos gols do seu lado do campo e tocar em um aro ou mastro. Só então está liberado para voltar ao jogo.

Tem a função de “capturar” o “pomo de ouro”. Feito isso, o jogo termina e o time cujo apanhador teve sucesso ganha 30 pontos. É muito incomum um time capturar o Pomo e não vencer a partida.

São três em campo. O dever dos artilheiros é passar o Gole pelos aros do gol do time

oponente, que o goleiro defende.

Tem a mesma função de um goleiro numa partida de futebol, mas no caso do quadribol

dos trouxas, ele tem que proteger os três aros.

2 m

altu

ra

Infográfico: Fernando Veras

abrigam os alunos na escola de Hogwarts: Grifinória, Lufa-lufa, Sonserina e Corvi-nal. A. Grifinória ganhou no ano passado e Corvinal ganhou este ano. O idealizador do clube, Diego Batista, 23 anos, conta que a ideia do esporte surgiu ao ver que na in-ternet algumas pessoas haviam modificado as regras do jogo: “Nós tínhamos a inten-ção de adaptar o máximo de coisas possí-veis para a vida real, Torneio Tribruxo, Baile de Inverno e, é claro, o Quadribol”.

Regulamento

Para a adaptação, foram feitos muitos testes até que o jogo se torne o que é atu-almente. Batizado como “Quadribol dos trouxas” – nos livros o termo “trouxa” é usado para se referir a quem não nasceu bruxo – a partida funciona da seguinte forma (segundo as regras da IQA): dois

times de sete jogadores cada tentam “fazer gols” em aros no campo adversário (para representar os aros, são usados bambolês ou aros de bicicleta, pendurados em um cano de PVC). Os batedores têm como objetivo atrapalhar os oponentes com os balaços, feitos com bolas de queimada. Quem for acertado com o balaço deve ir até o seu aro, tocá-lo e voltar à disputa. O goleiro precisa defender os três aros de sua equipe. Os três artilheiros são respon-sáveis por fazer o gol com a goles, que é representada por uma bola de vôlei vazia. Cada gol vale 10 pontos. E o apanhador deve pegar o pomo de ouro, bola de tênis amarrada na cintura um corredor vestido de amarelo. A captura do pomo marca 30 pontos e, normalmente, finaliza a parti-da. Caso o placar fique empatado, o jogo é prorrogado. Para complicar um pouco

e em respeito à tradição dos livros, os jo-gadores devem permanecer com uma vas-soura entre as pernas todo o tempo. Como no futebol, as faltas são representadas por cartões amarelos e vermelhos: o amarelo tira o jogador de campo por um minuto, o vermelho expulsa o jogador até o final da partida.

O que muda nas regras do CdL é que existem dois pomos de ouro, um para cada time, que só entram em ação quando o juiz do jogo grita: “Apareceram os pomos”. Eles também não usam as vassouras, já que o gru-po tem crianças, que podem se machucar. O Clube também realiza outros eventos, como a Arena da trilogia de Jogos Vorazes, o Tor-neio de Game of Thrones, o piquenique de Alice no País das Maravilhas e a caça-ban-deira da série Percy Jackson. Essa última é a atividade mais tradicional praticada pelo

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comportamento

SAIBA MAIS

grupo. Assim como no livro, os semideuses se dividem em dois grupos e têm como objetivo capturar a bandeira do time adversário. “Nós adaptamos com armas de bata-lhas campais”, conta Diego. Os instrumentos são feitos de material que não machuca, como espaguetes de pisci-na cortadas e isoladas com fita silver tape, no formato de espadas. Se alguém é atingido por uma arma inimiga, fica “congelado”, até que alguém do próprio time o venha “descongelar”.

Para praticarem a Arena de Jogos Vorazes, eles utilizam as mesmas armas e, como no livro, apenas o último sobrevivente (aquele que não for atingido por arma de adversário nenhum e ficar sem adversários) é o grande vencedor. O Torneio de Espadas de Westeros retrata uma competição do livro “As Crônicas de Gelo e Fogo”, também conhecido como Game of Thrones, pela série de TV da HBO. As batalhas são de 1x1, com juízes observando e julgando os combates. Em mata--mata, aquele que vencer todas as suas partidas é o campeão do torneio.

Alienação?A estudante de publicidade e fã assumida de Harry

Potter Márcia Thiara, 23 anos, joga como batedora no time de Quadribol da Grifinória e diz que o interesse surgiu durante as férias, quando os amigos queriam fa-zer algo diferente: “Como estávamos muito envolvidos com Harry Potter, pensamos na possibilidade de jogar o Quadribol. Acabamos descobrindo que é tão diverti-do como no livro”. Para ela, a prática é uma importante forma de aproximar os fãs, os velhos e novos amigos, fortalecendo a união.

Márcia acredita que acaba fugindo um pouco da re-alidade quando joga, pois o envolvimento é grande, chegando às vezes até a gritar com os juízes e criar rixas bobas com o time adversário. Mas entende que é preciso ter equilíbrio. “Nos envolvemos muito, mas percebemos que precisamos interligar os mundos. Sabemos que não dá para viver jogando 24 horas por dia. Mas acho que o prazer que a gente consegue ter nessa fuga da realidade compensa os problemas que temos no dia a dia.”

A psicóloga Simone Ribeiro explica que a prática das atividades é saudável, desde que feita por diversão ou competição moderada. Porém, o vício pode levar a certa alienação. “Quando lemos um livro, é normal en-trarmos em outro mundo’ por alguns instantes, porém, se a pessoa cria uma dependência em tentar transfor-mar o mundo real em um mundo fictício, isso pode se tornar um problema”, explica a psicóloga.

O CdL é uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo aumentar a relação entre os leitores, com encontros que acontecem uma vez por mês para encenar e debater partes de histórias de algum livro escolhido, normalmente no Parque da Cidade ou na Livraria Cultura do Shopping Casa Park, além de haver premiações e sorteios para os participantes.

Foto: Gustavo Goes

“Acho que esse amor pelo quadribol terrestre é praticamente o futebol brasileiro para quem é fã de Harry Potter”, diz Márcia Thiara, jogadora e fã da saga

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comportamento

De previsões do futuro a amarrações do amorCartazes com propaganda de cartomantes espalhadas pela cidade “convidam” a população a conhecer o mundo místico

ESOTÉRICO

EM um passeio pelas ruas do Distri-to Federal, é possível ver cartazes colados em postes, paradas de ônibus, outdoors e até banners expostos como publicidade em coletivos. A propaganda faz promessas que vão desde a curiosidade para saber o futuro até amarrações de amor. Para algumas pes-soas, descobrir o destino a partir de astrolo-gia, tarô e oráculo é uma ideia absurda, em contrapartida, para outras, é questão de fé. O esoterismo busca desvendar algo supos-tamente oculto que liga as leis que regem o universo com o sobrenatural.

As pessoas que procuram as cartoman-tes, por exemplo, buscam algum sentido na vida, seja pessoal, social ou profissional. As sessões de previsões do futuro, que podem trazer notícias boas ou ruins, parecem servir de consolo para as pessoas que acreditam no esoterismo.

Leitura da mãoFormada em artes plásticas, a quiromante

Maria Eunice Gomes de Araújo vive de in-terpretar as linhas das mãos há 30 anos. Ela alerta aos clientes de que não faz previsões para o futuro, pois a técnica que usa “não é divinatória”. “As linhas têm mais de 500 mil significados. Dá para ver predisposições de acontecimentos, mas eu me fundamento mais na questão da parte psicanalítica”, ex-plica Eunice.

A quiromante conheceu a quirosofia (ci-ência da mão) a partir de revistas durante a adolescência. Nos anos 1980 ela fez uma

FILIPE ROCHA RICARDO FELIZOLA

apresentação vestida de cigana para uma trupe de circo e ganhou um livro sobre a o assunto. Segundo Eunice, a ciência uti-liza a palma da mão como ponto reflexo, pois cada região está relacionada a um sis-tema orgânico. “Dá para fazer diagnósti-cos extremamente precisos. A linha é uma expressão gráfica mais profunda, como a alma”, completa.

Eunice realiza os atendimentos em casa e ganha, em média, R$ 1.500/mês. Ela conta que não atende pessoas com menos de 28 anos, porque parte do cérebro que comanda a mão direita não está pronta e a pessoa não tem muita história de vida que possa ajudar na hora da consulta. Durante o atendimento, que dura até duas horas e meia, a quiromante deixa o cliente registrar a sessão com gravação para constatar que as predisposições podem realmente se realizar.

Por indicação de amigos, a designer Dé-bora dos Santos Medeiros, 33 anos, fez uma visita, em março deste ano, a Eunice. “Ela anotava tudo o que via em um papel e fa-zia o cálculo de quando poderia acontecer. Eunice também me explicava o significado dos traços e pediu para eu ligar para ela à medida que as coisas acontecessem, mas até agora nada se realizou”, relata Débora. Cafeomancia

Não foi a primeira vez que Débora pro-curou o esoterismo. A designer já havia se encontrado com a sérvia Lidija Milovic, mais conhecida como Linda, que afirma prever o futuro a partir da borra de café. No entanto, Débora confirma que nada que ela previu se concretizou. “A moça disse que eu barrava as coisas que pode-riam acontecer”. Mesmo sem as realiza-

ções, Débora indicou a leitura de borra de café para amigos e familiares.

“Linda disse a minha mãe que teria cinco pessoas na casa dela, algo impossível porque minha mãe só morava com minha

irmã mais nova. Mas na semana seguinte, chegaram os três que falta-

vam: minha outra irmã que estava fora de Brasília voltou para a casa da minha mãe

com o marido e grávida, ou seja, cinco pessoas”, descreve.

Linda é natural de Belgrado, na antiga Iugoslávia (atual Sérvia), e naturalizou--se brasileira durante o período de guerra civil, entre 1991 e 2001. Ela conta que é tradição no país dela ler o futuro a partir da borra de café, técnica chamada de cafe-omancia. “Era uma forma de iniciar uma conversa, puxar assunto. Em casa todos nós tomávamos e víamos o futuro, por-que o café atrai sentimento”. Linda expli-ca que, segundo a tradição, na leitura são capturados aspectos do momento da vida de quem toma o café. A previsão é de curto prazo, de três a cinco meses.

Por necessidade, Linda abriu um café na Asa Norte, onde realiza as sessões. De acordo com ela, a bebida – de custo de R$ 40 – é produzida com café comum, mas a moagem é diferente e Linda acrescenta uma mistura especial. O tarô também ser-ve como apoio durante as sessões. As car-tas são usadas quando Linda não consegue decifrar as previsões da borra de café.

A professora de serviço social da Uni-versidade de Brasília (UnB) Fabiana Boa-ventura conheceu o café de Linda em 2004, quando ainda era estudante universitária. “É incrível. Primeiro porque, o café é gos-toso e, quando a gente bebe nos sentimos mais calmos. Quando ela chama a gente para ver a xícara formam-se desenhos com a borra de café. É surreal”, destaca. Para Fa-biana, a cafeomancia é interessante porque é tradicional de culturas diferentes. “É co-mum a humanidade procurar um oráculo,. Quem nunca viu seu horóscopo?”, indaga. Sessões de tarô

A dona de casa Beatriz Benedita Rodri-gues, 65 anos, frequenta sessões de tarô há mais de 20 anos. ‘’Eu comecei por curiosi-dade, uma amiga da igreja ia e resolvi tes-tar. Há coisas que realmente acontecem, porém outras não, como por exemplo, até hoje não tive um novo grande amor’’, brinca. Para Beatriz cada um tem fé no que quer, e muitas vezes vão às sessões quando precisa buscar sentido em fatos que ocor-rem em sua vida e que não há uma explica-

ção racional. “Lembro-me quando era mais nova e ocorreu uma série de fatos ruins em minha família, que eu não sabia explicar. Ao ir a uma cartomante, me senti conforta-da por alguém”, completa.

Experiência do repórter Ao chegar ao Café da Linda, fui rece-

bido pela própria cafeomante com uma xícara de café. Linda me direcionou para uma das duas mesas colocadas no lado de fora do estabelecimento, localizado em uma rua comercial da Asa Norte. Não existe nenhuma preparação inicial. Apenas precisei sentar e beber o café. No entanto, tive que seguir algumas orientações escritas em um papel plas-tificado em cima das mesas.

Após sentar-me na cadeira bebi o café em dez minutos. Segui as regras adequadamente: levar a xícara à boca e depois descansá-la no pires, sem segu-rar ou “brincar” com o recipiente.

Quando percebi que o café estava mais grosso e amargo interrompi a de-gustação e levei a xícara até Linda, que balançou e virou o recipiente de cabeça para baixo em cima de um guardanapo. Depois de cinco minutos, Linda desvirou a xícara e começou a analisá-la.

A cafeomante viu os desenhos e me mostrou. A primeira vista ela observou um homem de cabeça baixa. “Possi-velmente uma chateação”, explicou. Depois viu um desenho de uma girafa. “Isso que dizer que você sonha alto”. Em meio a outras formas, Linda disse que em até cinco meses eu passaria por uma mudança na vida profissional, que realizaria uma viagem e sairia da casa dos pais. Além disso, ela informou que viu as letras G e L na borra de café. “Provavelmente estão ligadas a relacio-namentos”, finalizou Linda.

Foto: Leandro Viana

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cultura

Projetos promovem ressocialização por meio da música e do artesanato como instrumentos de inclusão social

Talentos escondidos na Estrutural

NA Cidade Estrutural, existem vários pro-jetos, institutos e associações ligados à cultura. Um desses programas é o Instituto Reciclan-do Sons, que surgiu há 12 anos. O projeto reúne moradores de baixa renda e promove a integração social por meio da música.

O instituto nasceu da discordância da musicista Rejane Pacheco com a elitização da música clássica. Isso dificulta o contato das classes menos favorecidas com a músi-ca erudita, que exige muitos anos de estudo para a formação do aluno, além de os ins-trumentos musicais terem altos preços. O nome Reciclando Sons surgiu do trocadilho que remete à principal atividade econômica que deu origem à Estrutural, quando ela era apenas uma favela em torno do Lixão.Rejane decidiu tirar o projeto do papel depois que se sensibilizou ao assistir ao filme “Música do Coração”, história de uma professora mora-dora de um bairro pobre dos Estados Unidos que fez um trabalho de música com crianças.

Para manter o aluguel, os integrantes do projeto fazem campanhas na internet pedindo auxilio para arrecadar fundos. O instituto é sustentado ainda por doações de empresas privadas. Atualmente, a entidade tem 160 estudantes nos três turnos. Todos maiores de nove anos. Os alunos são sele-cionados pela renda e começam as aulas do zero, o que desenvolve tanto o lado intelec-tual quanto o musical.

Lília Késia, 22 anos, já foi aluna e traba-lha como monitora em educação musical no Reciclando Sons na Estrutural. Aos 12 anos se integrou ao instituto após participar de louvores na igreja e despertar interesse pela música.  No local, estudou canto e teve au-las de instrumentos de corda.  

Nos últimos quatro anos, Lília integra o quadro de funcionários da instituição e ensi-na crianças e adolescentes com aulas de vio-lino. Ela explica que a música trouxe bastante aprendizado. “Com essa experiência, posso

ver um futuro. Antes, eu era muito retraída e esse conhecimento veio para tirar minha timidez e me dar mais autoestima.”

ArtesãsAlém do instituto, a cidade também tem

a associação Estrutural Arte Bordando a Vida, que trabalha com bordado, tricô, cos-tura, pintura, biscuit, crochê e reciclagem. Essa associação foi criada por mulheres que se reúnem para fazer artesanato. A as-sociação já tem cinco anos e atualmente é composta por 11 integrantes, que produzem seus trabalhos para comercializar.

Com as atividades, nem sempre as arte-sãs conseguem manter suas famílias. Um exemplo disso é Sandra Fernandes, 59 anos. “Não podemos viver apenas do artesanato, temos que ter outra profissão”, diz. Isso porque a renda gerada com a atividade é baixa e elas ainda precisam usar dinheiro dos maridos e filhos para comprar materiais.

“Com essa experiência, posso ver um futuro. Esse conhecimento veio para tirar minha timidez e me dar mais autoestima”Lília Késia, professora de Música

AMANDA VILAS BOASCHRISTIAN KELY SOARES

Todos os trabalhos são realizados por encomendas. As artesãs procuram os mate-riais necessários no aterro sanitário ou pelas ruas da cidade. Elas usam papelão, garrafas de plástico, pneus e bolas de gude, entre outros. Uma vez por mês, elas expõem o trabalho no Espaço Cultural da Estrutural.

Uma das dificuldades da associação é conseguir espaço fixo para construir uma sede. O trabalho é feito cada dia em um local diferente. Os principais objetivos são receber patrocínio para maior visibilida-de do trabalho, conseguir salário fixo para cada integrante e a locomoção das peças. No ano passado, elas receberam o convite para participar de uma feira em Santa Ma-ria, no Rio Grande do Sul, e não foram por falta de verbas.

A Estrutural Arte Bordando a Vida não recebe patrocínio, mas está inscrita no pro-grama Pet Coca-Cola, que tem por finali-dade enfeitar a cidade no fim do ano.  Estão inscritos também no projeto do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).

De acordo com a administração da ci-dade, valorizar o artista é um ponto pri-mordial, de forma que atenda à cultura da cidade. O governo do DF, em parceria com as administrações regionais, abriu inscri-ções no site da Secretaria de Cultura para as entidades e artistas locais se cadastrarem. A ideia é formar um banco para que os ar-tistas recebam pelos trabalhos quando par-ticiparem de eventos locais.

O coordenador de Cultura da adminis-tração da cidade, José Freitas, 35 anos, afir-ma que o objetivo da administração é que a cultura aconteça no local. “Queremos ver os artistas locais se desenvolvendo, trazendo cursos, palestras e oficinas para que novos artistas apareçam em nossa cidade”, conclui.

ARTES

Foto: Ramila Moura

Ao fundo, de pé, Lília Késia ensina violino para as crianças carentes. Ela já foi atendida pelo mesmo projeto onde hoje trabalha

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O QUE antes demorava dias para ser produzido e gravado em rolos e mais rolos de fita, hoje pode acontecer num clique em um equipamento menor do que a palma da mão. A evolução da tecnologia ajudou o tra-balho do cinema a ser produzido com cada vez mais economia de tempo e dinheiro. Na capital federal, não é diferente. Os baixos custos de produção no DF surpreendem. Há curtas-metragens de apenas R$150. E concorrendo a prêmios.

Antes de pensar nos gastos, o cineasta deve ter uma boa ideia. Quanto mais bem desenvolvidos ideia, argumento, roteiro e plano de produção, menores são os gastos. Bons diálogos, muitas vezes, dispensam efeitos especiais e grandes produções. É preciso escrever o roteiro antes de come-çar os takes. Os melhores filmes vêm de roteiros detalhados, pois a previsão facili-ta a organização das gravações. Para quem tem amigos, atores não são problemas. Para economizar o dinheiro dos cachês, conhe-cidos bons de interpretação entram na fita. Luzes caras podem ser substituídas por lan-ternas e velas sem perder o clima da cena.

Quanto à montagem, programas de computador são de fácil acesso e manuseio. Independentemente da quantidade de capi-tal disponível, é possível produzir um filme da mesma qualidade daqueles que saem de um grande estúdio. Além de tudo, na era em que vivemos, a divulgação é bem mais fácil. Uns minutinhos na frente de um computa-dor ou com o celular em mãos e pronto, o mundo inteiro já pode ver a sua pequena grande produção.

PizzaViu como não é impossível? O percur-

so acima foi o do cineasta Alex Vidigal na

produção do curta-metragem “De Bom Tamanho”, o tão falado filme que custou apenas R$150. Dinheiro que nem foi gasto com produção, mas com pizza para a equipe após as gravações – detalhe que ele mesmo fez questão de ressaltar. Vidigal faz mestra-do na Universidade de Brasília e cursa uma matéria chamada “Comunicação e Estéti-ca”, em que teria de produzir um curta com pouco dinheiro. Ele uniu o útil ao agradá-vel. Apaixonado por faroeste italiano e com um roteiro em mente, o cineasta aproveitou a oportunidade de produção para selecionar profissionais para seu próximo trabalho – esse sim, com grande orçamento.

Porém o “teste” deu mais certo que o esperado. “De Bom Tamanho” foi indica-do para o Troféu Câmara Legislativa no Festival de Brasília de Cinema Brasileiro. “Eu não queria ficar rico com esse filme. A intenção era fazer rir, e fez. Mas quando vi, estava ao lado de caras que gastaram R$40 mil em filmes, concorrendo ao mesmo prê-mio”, lembra Vidigal. Entre os segredos da produção baratíssima, ele conta que optou por diálogos em vez de imagens. Desenvol-veu bem o roteiro, explorando o ator, enri-quecendo as falas de detalhes e sem mudar a cena de lugar. “Convencer na lábia” foi a habilidade que o cineasta agregou à de ro-teirista sem dinheiro.

Alex Vidigal ficou conhecido com o cur-ta “O Filho Do Vizinho” e, por isso, não foi difícil atrair olhares para o seu trabalho. Visto como uma grande aposta, ele contou com colaboração de atores, cinegrafistas, produtores de imagens e alguns outros que acreditavam na sua proposta. A instituição de ensino em que ele trabalha como pro-fessor, a Universidade Católica de Brasília, forneceu equipamentos para as gravações.

Produção de filmes independentes no DF surpreende com orçamentos de baixo custo

Mas isso ainda não era suficiente. Além de bom de papo, o roteirista precisa entender de marketing.

ApelaçãoNas aulas de mestrado, o entrevistado

contou que estuda o gênero exploitation, o marketing usado para levar o público ao filme barato. Como a produção não conta com grandes efeitos, o jeito é usar temas apelativos. No curta que concorreu ao prê-mio, ele começa com o apelo à violência, já que o plano inicial dos personagens era matar dois senadores. O que era bom ficou ainda melhor quando ele envolveu a trama com sexo – que atrai o público, porque nun-ca deixou de ser um assunto proibido – re-cheando com frases de duplos sentidos.

Sua participação no Festival de Cinema o incentivou a continuar a trilogia, que envol-ve fragilidades humanas de cada gênero. O primeiro foi de homens e ainda vêm por aí de mulheres e gays. A boa resposta do pú-blico confirmou sua teoria de que um bom profissional precisa, apenas, ser bem articu-lado. “Se a pena é mais forte que a espada, o roteiro pode ser mais forte que o dinheiro.”

CAROLLINE PAIXÃO

TRUQUES CASEIROS PARA PRODUZIR EFEITOS ESPECIAIS NO SEU FILME:

Sangue: Misture xarope de milho, água, corante alimentício vermelho com um pouco de xarope de chocolate, que garante a consistência real.

Vidro: Misture água, açúcar e xarope de milho, leve ao fogo e depois coloque esse caldo num recipiente com o formato que desejar e deixe até secar. Quebrar “vidros” se torna barato sem perigo.

Membros decepados: Que tal enrolar espuma ao redor de canos finos de pvc e depois tingir com spray? O resultado é ótimo e garante o terror que você procura!

Cicatrizes: Feitas de látex e encontradas facilmente em casa de festas, ou feitas de argila. O material não importa! A qualidade do produto vai depender do capricho na maquiagem para parecer real.

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Curta com grana curta

Alex Vidigal concorreu a prêmio com filme feito sem orçamento; ele só gastou com pizza

Foto: Enoque Aguiar

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