arrocha deficientes 5 dezembro

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Arrocha DEZEMBRO DE 2013. ANO IV. NÚMERO 23 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA Jornal JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ Mundo Especial NATALIA CATHERINE D eficientes físicos e pessoas com transtornos mentais e suas lições de vida

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Page 1: Arrocha deficientes 5 dezembro

Arrocha DEZEMBRO DE 2013. ANO IV. NÚMERO 23 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA

Jorn

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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ

MundoEspecial

NATALIA CATHERINE

Deficientes físicos e pessoas com transtornos mentais e

suas lições de vida

Page 2: Arrocha deficientes 5 dezembro

Para tratar de temas tão com-plexos como o da deficiência física e do transtorno mental o melhor ca-minho para um jornalista é procurar ouvir, com atenção, histórias de vida. Elas são muito mais reveladoras, em vários casos, do que números, estatís-ticas e dados, algumas vezes impreci-sos que cercam esse universo que cha-mamos, nesta edição do Arrocha, de Mundo Especial.

Se o mais indicado é humani-zar, esse foi o grande norte desta edi-ção. Após dividirem os temas, os aca-dêmicos de Jornalismo do campus da UFMA de Imperatriz foram encontrar relatos emocionantes e, em muitos casos, verdadeiras lições de superação na vida. O leitor vai se deparar neste jornal com queixas sobre dificuldade de mobilidade, sentimentos de inade-

quação e denúncias de preconceito. Mas, também, histórias de amor e de dedicação ao próximo que inspiram.

Elaborar um jornal com boa carga de humanização não é tarefa fá-cil. Os futuros repórteres botaram em prática todo seu conhecimento para se aproximar com carinho dos seus personagens e interpretar depoimen-tos que muitas vezes os entrevistados têm dificuldade de compartilhar. Bom percurso por esse universo e uma boa leitura.

Arrocha: É uma expressão tí-pica da região tocantina e também é um ritmo musical do Nordeste Signi-fica algo próximo ao popular desem-bucha. Mas lembra também “a rocha”, algo inabalável como o propósito éti-co desta publicação.

EDITORIAL - Histórias de Superação

Ensaio Fotográfico

CHARGE

2 ArrochaJorn

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ANO IV. NÚMERO 23 IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2013

EXPEDIENTE Fotografia: Adaylma Rocha, Ananda Portilho, Angra Nascimento, Beatriz Karine, Brenda Herênio, Daniela Souza, Diego Sousa, Isabel Delice, Laís Ferreira, Lawson Almeida, Lanna Luiza, Leticia Sekitani, Lineker Costa, Natalia Catherine, Raônni Veloso, Rhaysa Novakoski, Samia Mulky, Silvanete Gomes e Vanessa De Paula.Reportagem: Adaylma Rocha, Ananda Portilho, Angra

Nascimento, Beatriz Karine, Brenda Herênio, Daniela Souza, Diego Sousa, Isabel Delice, Laís Ferreira, Lawson Almeida, Leticia Sekitani, Lineker Costa, Raônni Veloso, Rhaysa Novakoski, Samia Mulky, Silvanete Gomes e Vanessa De Paula.

Professores: Diagramação: Aleilton dos Santos Silva, Ana Lourdes Sousa Pereira, Arnoldo Araujo dos Reis, Caroline Duarte Nepomuceno Marinho, Dina Marcia Marinho Giannotti, Dioned de Araujo Campos, Edmara Silva da Silva, Guilherme Miranda Silva, Irisvania Pinheiro da Silva, Jaysa Karla Silva Gomes, John Erik Sousa Silva, Kelver Pereira Padilha, Leiliane de Araujo dos Santos, Leonan Alves de Sousa Moraes, Lorrane Maria Clemente de Araujo Alvarenga, Lucas Jhonata Andrade da Silva, Luis Fernando França da Cunha, Marcos Tand Ferreira da Silva Gomes, Margaret Valente Pereira, Maria do Socorro Oliveira Pereira, Monica Dias Monteiro da Silva, Romulo da Silva Costa e Stephanne Rufino Menezes

Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da universidade.

Jornal Arrocha. Ano IV. Número 23. Dezembro de 2013

Reitor - Prof. Dr. Natalino Salgado Filho | Diretor do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Marcos Fábio Belo Matos | Coordenadora do Curso de Jornalismo - Profa. M. Marcelli Alves da Silva.

M. Alexandre Maciel (Jornalismo Impresso), M. Marco Antônio Gehlen (Programação Visual), M. Marcus Túlio Lavarda (Fotojornalismo).

www.imperatriznoticias.com.br | Fone: (99) 3221-7625 Email: [email protected]

Contatos:

Estagiários: Sararuth Andrade Chagas Abreu, Tayã Santana da Silva e Valdiane Costa de Santana

LETICIA SEKITANI

ANDRÉ NETO

VANESSA DE PAULARHAYSA NOVAKOSKI

ISABEL DELICE

RAONNI VELOSO

RHAYSA NOVAKOSKI

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INCLUSÃOSala de Recurso garante apoio educacional e pedagógico a alunos portadores de deficiência ou com qualquer tipo de déficit de aprendizagem na escola

Educação inclusiva já é uma realidade localLINEKER COSTA

Em uma sala ampla, com poucas carteiras, uma mesa grande, vários armários, lousa, espelho e muitos cartazes lúdicos. Esse é o cenário da Sala de Recursos Multifuncionais para Deficientes Auditivos da Escola Governador Archer, a única da rede estadual de ensino, em Imperatriz, que possui esse tipo de sistema de assistência educacional e pedagógica para pessoas com deficiência.

São 13h45 e os alunos aos pou-cos vão chegando, seis no total, to-dos surdos. A professora Adriana Oliveira, também deficiente auditiva, já está na sala e os recebe se comuni-cando em sua própria língua, a Lín-gua Brasileira de Sinais – Libras. Eles interagem entre si, e mesmo falando por meio dos sinais, o que parecia ser algo silencioso, torna-se uma “alga-zarra”. Por não ouvirem, eles não têm noção da altura dos sons que emitem.

Outra diferença nessa unidade de ensino foi a criação de uma segunda sala de recursos, uma para deficien-tes visuais e outra para deficientes auditivos. Devido a determinações do MEC, cada escola deve ter uma sala desse tipo para que haja um trabalho multifuncional com assistências a alunos com deficiências distintas.

Em gestões anteriores a direção da escola decidiu criar a segunda sala para que o rendimento escolar fos-se potencializado, já que no quadro discente do Governador Archer 48 alunos possuem deficiência, seja au-ditiva, intelectual, visual total, baixa visão, entre outras. Na rede estadual

em Imperatriz, são 68 o total de alu-nos com alguma deficiência matricu-lados no ensino regular nível funda-mental e médio, dados cedidos pela Supervisão de Educação Especial da Unidade Regional de Ensino de Impe-ratriz (UREI).

Adriana Oliveira Santos Matias, 33 anos, é professora de Libras, gra-duada em Terapia Ocupacional pela Cest-SLZ (Faculdade criada pela Apae--SLZ para assistência educacional para pessoas com deficiências) e em Letras/Libras pela UFSC - Santa Cata-rina. Hoje ela é funcionária pública do governo estadual e atua na Sala de

Recursos da Escola Governador Ar-cher. Trabalha ainda no Instituto Fe-deral do Maranhão como professora de Libras no ensino superior.

Às 14 horas todos já receberam orientação da professora. Ela auxilia os alunos a realizarem as atividades que os professores do ensino regular passaram, como os deveres de casa. Enquanto eles produzem, nós con-versamos e ela vai contando como é a sua rotina. Ela mora com o marido e o filho de um ano, dois cachorros, dois gatos e quatro galinhas. Adriana faz questão de dizer que ela mesmo é quem cuida do seu filho e dos ser-

viços de casa. Até que somos inter-rompidos por Géssica Bezerra, 20 anos, estudante da 6ª série que, com semblante preocupado solicita à pro-fessora que a explique melhor como fazer a atividade.

Com a pausa, todos param e co-meçam a conversar, em Libras, sobre a presença de um repórter na sala. Perguntam meu nome, meu sinal em Libras e a professora logo intervém como nossa intérprete. “Eles ficam felizes em perceber que você compre-ende um pouco da língua deles e logo querem interagir contigo. Ter um si-nal em Libras para eles representa o

teu interesse no mundo deles”. Rhuan Filipe, 17 anos, é surdo

e veio visitar a antiga escola. Quan-do estudou no Governador Archer, Rhuan morava em Governador Edi-son Lobão, município vizinho à Im-peratriz e percorria 12 quilômetros de ônibus todos os dias para assistir às aulas. Hoje, está matriculado em uma escola da rede municipal, a Castro Al-ves, no bairro Vila Lobão.

O município conta com 20 salas de recursos que são distribuídas geo-graficamente pelos bairros da cidade. Foi assim que Rhuan, hoje morando em Imperatriz com os tios, conseguiu estudar em uma escola do ensino re-gular, próxima da casa onde mora e continua sendo assistido pelo siste-ma de salas multifuncionais.

Siadi - Em Imperatriz, a Secretaria Municipal de Educação criou o Setor de Inclusão e Atenção a Diversidade (Siadi), que é responsável por garan-tir a inclusão no sistema regular de ensino e proporcionar assistência educacional e pedagógica aos alunos com necessidades especiais. Desde 2009, a Secretaria de Educação do Município iniciou a sensibilização e adaptação nas escolas para receber os alunos com deficiência. A partir de então iniciou um processo de per-manente formação continuada com professores do ensino regular e com aqueles responsáveis pelas Salas de Recursos Multifuncionais do Mu-nicípio. Para a assistente técnica de Planejamento, Leila Lopes, esse é o caminho, mas ainda falta muito para um sistema educacional perfeito.

DIEGO SOUSA

LINEKER COSTA

Adriana Oliveira, professora, interprete e deficiente auditiva, utiliza material lúdico e pedagógico para revisar a Língua Brasileira de Sinais - Libras

Menos de 20% das vagas reservadas pela Lei de Cotas são preenchidasDIEGO SOUSA

Com seu jeito tímido, ela chega, fala com os amigos de trabalho e já vai logo limpando as mesas, varrendo o pátio, dando um trato nos bebedou-ros e armários da secretaria. Depois toma o café e descansa. Espera o lan-che das crianças no intervalo e volta a limpar tudo, inclusive os banheiros. Descansa novamente até o fim da aula e, em seguida, varre todas as salas, pas-sa um pano aqui, outro ali, e finalmen-te vai para casa, já por volta do meio dia.

A rotina de Thaís Albuquerque Carvalho, 28 anos, na Escola Munici-pal Juracy Conceição, onde trabalha há nove anos como auxiliar de ser-viços gerais, seria bem mais fácil se não fosse sua deficiência física: “Nasci com uma má formação no membro inferior esquerdo, e desde os seis anos de idade eu venho me adaptando com uma prótese que consegui de uma instituição filantrópica lá em Brasí-lia”. Acadêmica do quarto período de Administração em uma faculdade particular da cidade, Thaís conta que chegou a chorar quando sofreu pre-conceito na escola onde trabalha. Mas seus olhos brilham quando fala que seu maior sonho é se formar e passar em um concurso público federal. Ela toma como exemplo o irmão, que tra-balha na Infraero.

“O esforço dos deficientes no lo-cal de trabalho estimula nas pessoas o espírito de solidariedade”, argumenta

Samuel Ricardo Gomes, chefe do setor de inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ele explica que as empresas da região sempre oferecem vagas para pessoas com deficiência, no entanto, a baixa qualificação des-ses profissionais tem dificultado o acesso aos postos de trabalho.

Lei das Cotas – De acordo com dados do MTE, Imperatriz possui hoje mais de 24 mil empregos formais, dos quais pouco acima de 160 estão preenchi-dos por pessoas com algum tipo defi-ciência. Isto representa apenas 16,5% do total de vagas garantidas pela Re-serva Legal de Cargos ou Lei de Cotas (8.213/91), que abrange ainda trabalha-dores em processo de reabilitação pro-fissional.

Em seu artigo 93, a Lei de Cotas estabelece proporções de 2% a 5% no número de contratações exigidas para pessoas com deficiência ou em reabili-tação. As empresas com quadro total a partir de 100 trabalhadores devem se adequar à lei federal, caso contrá-rio, estão sujeitas a multas que podem chegar a mais de R$ 110 mil .

A operadora de telemarketing Ca-mila Sousa, 22 anos, estava há um ano e meio na função quando começou a apresentar os primeiros sintomas de uma lesão devido ao esforço repetiti-vo na digitação. “No início, eram leves incômodos. Com o tempo, foram se agravando e causando fortes dores e inchaço”. Estes foram os primeiros es-tágios da doença que atingiu o braço

direito de Camila. Ela afirma que caso não tivesse conseguido o afastamento do emprego, poderia ter perdido os movimentos do membro atingido.

Após várias sessões de fisiotera-pia, Camila entrou no programa de re-abilitação profissional da Previdência Social. “Fui treinada para a nova fun-ção de auxiliar administrativo, onde faço movimentos que não interferem a integridade física do meu braço. Só assim, me mantive empregada”.

O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) também garante benefí-

cio aos deficientes de baixa renda com incapacidade para a vida independen-te e para o trabalho. Eles recebem o valor referente a um salário mínimo, mas ainda é possível encontrar de-ficientes no trabalho informal para complementar a renda.

A psicopedagoga do Centro de Referência da Pessoa com Deficiência (CRPD), Adelcirene Brito, diz que al-guns fatores influenciam muito para essa informalidade: “Quando come-çam a trabalhar, eles perdem o benefí-cio do governo. Alguns têm medo por

causa da rotatividade no trabalho. Em outros casos, é a própria família que não acredita no potencial do deficien-te”.

O CRPD desenvolve oficinas de arte e cursos profissionalizantes e também possui um banco de currícu-los. Em média, seis a oito profissionais são encaminhados às empresas todo mês. Quando elas procuram o centro, quase sempre têm a mesma exigência: não contratam deficientes intelectu-ais, nem com deficiência física muito notável.

Thaís Alburquerque Carvalho, auxiliar de serviços gerais, realiza sua rotina na escola onde trabalha usando uma prótese na perna esquerda

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ANO IV. NÚMERO 23 IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2013

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Relacionamentos entre pessoas com deficiência podem despertar a curiosidade e estranhamento nos indivíduos, mas o coração não aceita preconceitos

RHAYSA NOVAKOSKI

No festival de sorvete organiza-do pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), um grupo de mulheres começa a se aglomerar, muitas com o celular na mão. Tem início a sessão de fotografias. O re-lacionamento entre pessoas com de-ficiência pode causar estranheza ou admiração em muitos indivíduos. No entanto, o amor não conhece limita-ções, sejam elas físicas ou mentais.

Janaína dos Santos e José Ma-nuel Filho, ambos com 21 anos, são estudantes da Apae. Ela possui se-quelas de uma hipóxia cerebral (pro-blema causado pela falta de oxigena-ção no cérebro) e ele, atraso mental.

Mas não é isso que une a vida desses dois jovens. Eles namoram há três meses e falam constantemente em se casar, inclusive já usam alian-ça de compromisso. “Foi amor à pri-meira vista”, afirma Janaína, com os olhos muito bem maquiados e cheios de felicidade. José concorda, fitando o chão com um sorriso acanhado.

“Dá um beijo nele, Janaína”, diz uma das professoras ao tirar a foto. Não precisaria nem pedir, já que a moça enche o namorado de carinho e atenção. “Eles são um sucesso aqui”, co-menta a fisioterapeuta Natália Barros.

Já para Aricélia Damasceno, 30, essas demonstrações de carinho em público não são tão bem vindas. Ela namora com Thiago Pimentel, 24, há três anos e diz que não gos-ta de beijar em público. “Mas já ‘tô’ tirando essa mania dela”, protesta

Thiago. Os dois possuem deficiên-cia física: ela tem a perna direita com má formação e ele é cadeirante.

O ritmo desse namoro é de dar inveja. Eles saem quase todo final de semana, vão a festas, shows e acampamentos. “O povo chama, a gente monta na motinha (adapta-da) e se manda”, diz Thiago, acres-centando que a única real limita-ção deles é a financeira. “Se tiver dinheiro a gente vai”, brinca Aricélia.

Thiago lembra que a primeira relação sexual do casal aconteceu

em uma de suas viagens, na praia. “Tá bom de memória”, admira a na-morada. Eles enfatizam o respeito um pelo outro e a prevenção. Ele sempre acompanha Aricélia nas idas ao ginecologista. “A gente é muito compreensivo nessa parte”.

Francisco Cabral, 39, e Iolanda Emídio, 34, estão casados há sete anos e lembram da frequência de suas saí-das. Como ele é cadeirante, a mulher, também deficiente física, sentava em suas pernas nos shows, atraindo olhares curiosos. Ao contar, ele imita

a reação das pessoas, que chegavam até a tropeçar. “Deixa olhar, pode ser inveja”, era o que Cabral falava.

No namoro e no começo do casamento era assim, mas hoje em dia, os encontros se tornaram praticamente extintos. “Agora a Ana Vitória não deixa”, explica Ca-bral, com um sorriso emocionado, olhando para a barriga da mulher.

Iolanda, que já tem um menino de outra relação, está grávida de sete meses do primeiro filho do casal, Ana Vitória. “Já tá mandando a mulher. Tô

dormindo num quarto rosa”, protes-ta Cabral, num falso tom de indigna-ção, ao revelar que, além de ter que dormir e acordar olhando para pa-redes cor de rosa, divide seu espaço na cama com bonecas e ursos de pe-lúcia. “É pra ele ir se habituando ao novo espaço”, argumenta a esposa.

Ana Vitória só veio depois que Cabral cumpriu todas as condições impostas por Iolanda: passar em um concurso para professor – ele passou em dois – e comprar uma casa. Como a gravidez é de risco, quem assumiu todas as tarefas domésticas foi ele. “Jurava que ia botar fogo na casa”, brinca a mulher depois de admitir que o marido está se saindo bem.

Iolanda diz que as dificuldades da vida de casada são as mesmas que a de pessoas sem deficiência. Conví-vio, dificuldade financeira, discus-sões e responsabilidade são palavras presentes no vocabulário de qualquer casal. “Acho que a maior limitação da pessoa é aquela que você impõe a você mesmo”, acrescenta Cabral.

Declarações de amor – Peço uma declaração de amor e Janaína se ajeita na cadeira. Olha para José, concentrada. Quando ela fala, não consigo entender muito bem. Além da voz mais baixa, possui uma cer-ta dificuldade em se expressar.

Mas isso não é problema para seu amado, que ouve com atenção. Quando ela termina, ele simplesmen-te ri. “Você é o amor da minha vida também”, diz José, fazendo com que a namorada dê gritinhos de satisfação.

Interação e acolhimento estão presentes na vida familiar dos especiais

O que o amor une, limitações não separam

DANIELA SOUZA

LAÇOS

Janaína dos Santos e José Manuel possuem transtornos mentais, namoram há três meses e vivem trocando carinhos e declarações de amor

Tiba (Walmir) possui deficiência visual, ao lado sua mãe, Maria, que o adotou quando criança

ISABEL DELICE

LANNA LUIZA

DANIELA SOUZA

Muros azuis. Portões brancos. Casas iniciando com os mesmos nú-meros: Dois e três. Eles são cuidado-sos, responsáveis e tímidos. A prin-cípio calados, só escutam. Ao lado deles, as mãos familiares que lhes acariciam os cabelos, demonstram ca-rinho e proteção. Moram em bairros distantes, mas sob o mesmo mundo.

Aos 12 anos de idade, Sydney saiu de casa para jogar futebol e durante o jogo a bola atingiu sua cabeça. Na hora ninguém percebeu o que podia acon-tecer. Mas, “com o tempo o Sydney ficou sem coordenação motora, difi-culdade em se equilibrar, porém não afetou em nada o seu aprendizado”,

relembra tia Eva, explicando o que causou a doença mental no sobrinho.

Há quatro anos, o jovem Sydney Sousa Lima, agora com 24, mudou-se para Imperatriz na intenção de estudar o ensino médio. Na casa, que fica nos fundos de outra residência, mora com a tia Eva, João, o marido dela, o tio Francisco e os primos Jullyanna, Daniel e Jonas.

Nos olhares e conversas com a tia, encontra-se todo o carinho e de-dicação. “Não deixo ele fazer nada de casa, fico aqui e vez ou outra eu falo: ‘Sidney, tu não tomou água hoje, vai tomar água! Vai no banhei-ro!’. Tenho que ficar atenta porque se não ele passa o dia sentado nes-se sofá com os olhos na televisão”.

Em uma conversa com a vizinha, que tem uma neta deficiente, a tia sou-be do Centro de Referência da Pessoa com Deficiência (CRPD), onde havia fisioterapia e atividades físicas. “Levei os papeis do Sydney, fiz tudo direito e graças a Deus ele está se dando bem”.

Dia a dia - A rotina de Sydney é o seu maior prazer atualmente: du-rante as manhãs, de segunda à quinta-feira vai para o CRPD, onde desenvolve atividades de pintura, curso de informática, almoça, bate papo com os amigos e, a partir das 14h, faz fisioterapia. Às 15h30, vol-ta para casa, sozinho e a pé. TV até o final da tarde, depois academia.

Quando criança, Sydney gostava de pescar sem rede e subia em árvo-res, “porque isso tinha emoção”. Nas horas vagas aprecia assistir desenhos animados e novelas, mas o tio Fran-cisco alerta: “Sydney, você não está mentindo, não? Eu te vejo assistindo direto o Bob Esponja e indo dormir três da manhã”. Sydney ri, mas não concorda com as afirmações do tio.

Ele quer fazer o curso de Conta-bilidade, habilidade oposta à vida de artista plástico que vive atualmente.

Na casa de Walmir Cordeiro da Silva, apelidado pela família de Tiba, 45, a rotina não é muito diferente. Ele aparenta ter 20 anos a menos e mesmo com o jeito esperto de ser a sua mãe, Maria, 74, não dispen-sa os velhos e necessários cuidados. O olhar da mãe é desconfiado. Ao

lado do filho adotivo, cego desde os dois anos, ela conta com a fala sus-surrada. “Quando bebê a mãe bio-lógica alimentou ele com carne de porco e peixe e eu recebi ele assim, sem enxergar, não vendo nada”.

A voz de Tiba é calma, mansa, em casa ele veste bermuda e cami-seta. Gosta de passear e se diverte imitando a voz do Tio Patinhas, Ca-tatau e Mandachuva, além de can-tar músicas gospel. A mãe zelosa, tece elogios ao filho. “Ele é um filho bom, não me dá trabalho nenhum, eu tenho cuidado porque ele não en-xerga. As pessoas que enxerga já vive do jeito que é, imagine as que não?”.

Boas lembranças da infância vêm à cabeça de Tiba. “Lembro que eu brincava com as outras crianças sem problemas, porque criança é as-sim: não tem preconceito com nada”. Na fase da adolescência, Tiba sentia vontade de se matar e hoje se vê aben-çoado por Deus. “Vou para a igreja, eu canto, eu sou uma pessoa feliz”.

Tiba ensaia todos os dias para can-tar na igreja nas terças e quartas-feiras, e com isso, sonha em viver da música gospel. Apesar da deficiência visual de Tiba e da doença mental de Sydney, ambos são tratados com respeito. Por vezes até acham um exagero de seus familiares lhes darem tanta atenção.

Sydney Sousa, no meio, e ao lado, seus primos, Jullyanna e Daniel estão assistindo televisão

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ANO IV. NÚMERO 23 IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2013

Page 5: Arrocha deficientes 5 dezembro

ANGRA NASCIMENTO

Vilmar Leite Pereira, 32 anos, cadeirante, artesão, ex-jogador de basquete, ficou paraplégico há cin-co anos, ao ser atingido por uma bala perdida. Deise Cortez, 43 anos, professora, é deficiente visual desde 2005 em decorrência de toxoplas-mose. Jéssica Bezerra Barbosa, 20 anos, estudante, é deficiente auditi-va desde que nasceu. Essas pessoas estão entre os 58.126 mil imperatri-zenses que têm algum tipo de defi-ciência. Esse número equivale a 23% da população de Imperatriz, que é de 247.505 mil, segundo dados do IBGE.

São pessoas que trabalham, es-tudam, namoram, vão ao cinema, te-atro e fazem compras. No entanto, elas precisam vencer uma série de dificuldades. Calçadas sem acessi-bilidade, ônibus lotados, táxis sem adaptação e falta de intérpretes.

Apesar dos avanços, Imperatriz é considerada uma cidade sem aces-sibilidade. “Inacessibilidade não é só uma barreira arquitetônica, é a bar-reira da atitude humana”, afirma a coordenadora do Fórum Regional das Entidades de Pessoas com Deficiência e Patologia, Maria da Conceição Silva

Cardoso. Para ela, falta compreensão e respeito às pessoas com deficiên-cia. “Todos os direitos assegurados por lei, são violados, de certa forma”.

O martírio de Valmir Leite começa em sua residência, uma casa simples

localizada no centro da cidade. De fa-mília humilde, ele conta que não rece-be benefício social do governo fede-ral e por essa razão só pôde construir duas rampas: uma na entrada da casa e outra que dá acesso ao quarto. “Des-

de que fiquei paraplégico nunca rece-bi nenhum benefício. Com a ajuda de familiares, foram feitas duas rampas, mas ainda falta adaptar o banheiro”.

Vilmar conta que era estivador de carros antes da tragédia. Agora se vira como artesão e vive muito tempo em casa, onde produz suas criações. Quando precisa pegar um ônibus para ir a algum lugar, sente na pele a falta de acessibilidade. “Se estou sozinho ninguém ajuda. Além disso, é impossível andar pelas cal-çadas”, diz, enquanto segue em sua cadeira de rodas em meio aos carros.

Em Imperatriz falta acessibilida-de para que cadeirantes, deficientes visuais e auditivos possam usar o sis-tema de transporte coletivo, circular por calçadas, estudar em qualquer es-cola ou até mesmo escolher em que fileira do cinema preferem se sentar.

Para assistir um filme, Valmir en-frentou várias barreiras. Foram mais de 40 minutos em um ônibus, que apesar de adaptado para cadeirante, estava superlotado. Na parada, ele encontrou mais um obstáculo: para atravessar a pista, Valmir precisou da ajuda de um estranho para poder su-bir na passarela, que não é adaptada.

No cinema, que fica localizado

no segundo piso do Imperial Sho-pping, existem várias adaptações, como elevadores e rampas. A sala três, por exemplo, é toda sinaliza-da e conta com três lugares para cadeirantes. Apesar disso, Valmir reclama. “Eu acho injusto o cadei-rante não poder escolher um lugar, é ruim ficar na primeira fila”, diz enquanto procura o melhor ângulo.

A maioria das reclamações de pessoas com deficiência física e vi-sual é com as calçadas que não dis-põem de acessibilidade. E outros problemas que dificultam circulação de pessoas com mobilidade reduzida.

Para o secretário municipal de Meio Ambiente, Cleto Vasconcelos, as rampas de rebaixamento devem ficar justas às faixas de travessia de pedes-tres para facilitar a passagem. No pri-meiro contato, ele disse que havia um projeto de padronização das calçadas já elaborado pela prefeitura, infor-mação que corrigiu dois dias depois, informando que o projeto havia sido apenas idealizado. “Sabemos dessa ne-cessidade, no entanto, faltam recur-sos. Mas o prefeito já disse que ano que vem esse projeto, idealizado, será colocado em prática e todas as calça-das da cidade serão padronizadas”.

ACESSIBILIDADE

Moradores reclamam de inacessibilidadeProblemas de mobilidade dificultam o dia a dia das pessoas que possuem algum tipo de deficiência física. Só em Imperatriz existem 58.126, segundo o IBGE

Vilmar Leite Pereira, que ficou paraplégico em decorrência de um tiro sofrido há cinco anos

NATALIA CATHERINE

ANGRA NASCIMENTO

Jéssica Bezerra é surda e tenta levar uma vida normal, mas reclama que sente falta de ser compreendida como gostaria. Aluna do sexto ano do ensino fundamental, em uma ba-rulhenta sala de 32 alunos do Centro Educacional Governador Archer, ela é uma dos cinco alunos que têm de-ficiência.

A escola recebe 24 estudantes especiais no ensino fundamental no período da manhã, os quais são dis-tribuídos pelas salas que possuem intérprete. Mesmo assim, Jéssica afirma por meio da tradutora, que os educadores não estão preparados para lidar com alunos deficientes.

“Falta acessibilidade. Os profes-sores não sabem traduzir o que eu preciso aprender”, conta, expressan-do com as mãos por meio da intér-prete, a professora Márcia Moreira.

Jéssica tem dificuldades em Ma-temática e ressalta que além da limi-tação dos professores, estudar junto com alunos do ciclo regular é um obstáculo. “É ruim estudar no meio de pessoas que não têm deficiência porque mesmo eu não ouvindo con-sigo sentir as vibrações”.

Dos 23% da população de Impe-

ratriz que tem algum tipo de defici-ência, a maioria é deficiente visual, conforme o IBGE. A professora Dei-se Cortez é uma delas. Com apenas 20% da visão do olho direito, a do-cente, que está fora da sala de aula, é presidente da Associação de Pessoas com Deficiência Visual.

Ela conta que enfrenta muitas dificuldades e acredita que a cidade pouco tem avançado em termos de acessibilidade. “As dificuldades vão do transporte público à falta de ni-velação das calçadas”. Deise comple-ta dizendo que “falta, também, piso tátil em lugares que deveriam ter, como bancos, escolas e supermerca-dos”.

Mostrando uma cicatriz na per-na esquerda em decorrência de um tombo que levou ao tentar andar por uma calçada, Deise sugere ações educativas para pessoas com pouca mobilidade. “É preciso campanhas educativas e um processo contínuo de mudanças. Por exemplo, em esco-las que têm pessoas com deficiência auditiva é preciso ter sinais lumino-sos para indicar que a aula termi-nou, não apenas o sinal sonoro. Nos semáforos, deveria ser o contrário: além dos sinais luminosos, poderia ter, também, sinal sonoro”.

Acessibilidade: um dilema na vida dos deficientes

NATALIA CATHERINE

Jéssica Bezerra é um dos 24 alunos com deficiência da escola municipal Governador Archer

ANGRA NASCIMENTO

Em Imperatriz, a maioria dos ôni-bus de transporte público coletivo é adaptada para cadeirantes. A empresa Viação Branca do Leste (VBL), disponi-biliza 84 veículos circulando nas ruas de Imperatriz, todos adaptados, aten-dendo ao decreto 5.296/04, da Lei da Acessibilidade.

Durante o percurso para o cinema, onde o cadeirante Vilmar Pereira esco-lheu assistir o filme “Dose Dupla”, ele denuncia: “Hoje, que estou acompanha-do, o cobrador logo me ajudou a subir. Porém, se estivesse sozinho, certamente ele ia fingir que não tinha me visto”.

Deise Cortez, que é cega, reivindica mais sinalização no transporte público. “Quando pego um ônibus fico contan-do pontos de referência. Isso dificulta a trafegabilidade e tira a autonomia”.

Mas as dificuldades vão além do transporte público coletivo. A frota de táxis que circula diariamente na cidade

é de aproximadamente 500 veículos. Destes, não existe nenhum adaptado para cadeirante.

Valmir Leite sabe bem a falta que um táxi adaptado faz. Na volta do ci-

nema, ele levou mais de uma hora para chegar à sua casa empurrando sua ca-deira de rodas. O ônibus daria uma vol-ta por pelo menos três bairros distantes para poder pegar a rota que passa pelo centro. Se tivessem um táxi adaptado o tempo de deslocamento reduziria para menos da metade.

O Imperial Shopping e o Mateus

Supermercados, da Bernardo Sayão são alguns dos estabelecimentos que pos-suem vagas de estacionamento para deficientes exigidas pelo Conselho Na-cional de Trânsito.

No shopping, a sinalização da par-te interna é apenas no chão, o que faz com que muitas pessoas estacionem nas vagas especiais alegando não visu-alizar as placas.

Foi o caso de Gilson Sousa, que estacionou na vaga para cadeirante. Questionado, ele disse que não viu a sinalização. “Essa é a primeira vez que estaciono numa vaga especial, mas aqui no shopping pode, ninguém multa”. Já no supermercado, as vagas especiais são bem sinalizas. Mesmo assim, algu-mas pessoas estacionam indevidamen-te.

De acordo com o artigo 181 do Código de Trânsito Brasileiro, quem desrespeitar as vagas especiais está sujeito à multa de R$ 53, mais três pontos na carteira.

Estacionamentos e locais adaptados auxiliam as pessoas com deficiência

“Essa é a primeira vez que estaciono numa vaga especial, mas

aqui no shopping pode, ninguém multa”

Flagrante mostra desrespeito às vagas destinadas a pessoas com deficiência no estacionamento de um dos maiores supermercados da cidade

SILVANETE GOMES

5ArrochaJorn

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ANO IV. NÚMERO 23 IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2013

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Falta de equipamento provoca acidente

BEATRIZ MACHADO

O dia 2 de janeiro de 2013

significou para muitos, mudança. Para Glelson Queiroz de Souza, 23 anos, também. Ao meio dia desta data o “Manim”, como é mais co-nhecido, sofreu um choque de três mil volts e foi arremessado de uma altura de três metros, enquanto fazia uma manutenção elétrica no telhado de uma residência.

Ele ainda não sabia, mas na-quele instante tinha acabado de adquirir uma deficiência física. Glelson passou a ser cadeirante.

“Era um dia normal. Depois do ano novo fui trabalhar, mas, não estava com vontade. Parece que eu estava sentindo”. Ele ti-nha subido em uma escada, es-tava com luvas e botas de bor-racha, porém, faltava um ítem essencial na lista de seus equi-pamentos de proteção individu-al (EPI): o cinto de segurança.

De acordo com estatísticas

do Ministério da Previdência So-cial, o número de acidentados no trabalho em 2011 era de 711.164 mil. A região Nordeste ocupa o segundo lugar nesta estatística, com 16%, perdendo apenas para o Sudeste, com 69% dos casos.

Manim comenta que apenas naquele dia não havia colocado o cinto. Quando ele caiu, não sentiu mais as pernas. Quem o socorreu foi o proprietário da casa onde ele estava trabalhan-do, pois ele estava com muitas dores e a ambulância demora-ria para chegar ao local.

O esquecimento do EPI lhe custou uma fratura na coluna, o dedo amputado, um dia em coma, dez na Unidade de Trata-mento Intensivo (UTI), 15 de re-cuperação no Hospital Municipal de Imperatriz (HMI), ou Socor-rão, e um mês deitado em cima de uma cama, sem poder sair.

“Na verdade o meu aciden-te foi um milagre. Se o choque não tivesse sido tão forte eu te-

ria ficado ‘pregado’ nas insta-lações, e assim meus órgãos in-ternos teriam sido queimados, e não apenas meu dedo”, con-ta, em tom de agradecimento.

Apesar de tudo, Glelson é bem humorado e transmite feli-cidade. “Nós, cadeirantes, apren-demos muitas coisas bacanas, como por exemplo, empinar a ca-deira”, afirma, ao mostrar o mo-vimento na calçada de sua rua.

No início ele sentiu dificul-dades para sair na cadeira, por conta da força nos braços. Agora consegue se movimentar e só re-clama da falta de rampas nas ruas.

Hoje é evangélico da Igreja Adventista do Sétimo Dia, inte-gra o grupo de basquete de Im-peratriz e recentemente casou-se com Vanessa Ferreira Lima, que já conhecia antes do acidente. O casal alugou uma casa e fazem planos para o futuro: querem comprar uma moto e adaptá--la para facilitar a locomoção.

Glelson Queiroz de Souza, vítima de acidente de trabalho pelo não uso do equipamento de proteção individual Empinar a cadeira de rodas é uma das saídas encontradas por cadeirantes para facilitar o acesso à rampas, degraus e calçadas

Perda de braço não impede avanço nos estudos e motiva superaçãoBEATRIZ MACHADO

Marcus Vinnícius Borges da Sil-veira, 21 anos, é aluno do 1° período de Direito na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) de Imperatriz. Muito simpático, brinca quando perguntado como perdeu o braço esquerdo: “Geralmente pensam que foi acidente de moto ou algo assim”.

Vinnícius perdeu o braço aos 17 anos. O motivo foi um tumor benigno, porém, “agressivo”. Ele acredita que o adquiriu durante uma partida de futebol no colé-gio como goleiro. “Depois de um tempo não conseguia mais virar a palma da mão esquerda e per-cebi que algo não estava certo”.

O tumor já havia atingido os ossos do braço. Então, ele e a mãe Sônia, viajaram para Teresina em busca do tratamento. A solução se-ria uma cirurgia de retirada do tu-mor e dos ossos afetados. “Eu entrei na sala de cirurgia bem confiante, tinha chances de sair de lá com o braço, eu e minha família nos agar-

ramos a ela. E foi o que aconteceu”.Sua primeira cirurgia du-

rou sete horas. Os médicos reti-raram inicialmente o tumor e os ossos afetados. Depois, de uma de suas pernas, pegaram um pe-daço de osso e realizaram um en-xerto, com a ajuda de duas placas de platina e 11 parafusos.

Seis meses após a cirurgia, um resquício do tumor foi detectado e os médicos constataram que ele teria que amputar o braço. Para Vinícius, a vida não parou, ele apenas teve que se adaptar à sua nova condição.

Conta que no início sentiu a síndrome do membro fantas-ma, que ocorre quando a pes-soa, mesmo sem o membro, sente “dores”, como, por exem-plo, de picadas de inseto.

Ele diz que ainda sente, só que bem pouco. Os amigos fazem per-guntas como: “Como faz para lavar o braço que ainda tem?”. E pra amarrar o cadarço do tênis?”. Vinnícius diz que tudo é questão de jeito, mas que consegue fazer. Tudo é adaptado.

CUIDADOSEstatísticas do Ministério da Previdência Social apontam o Nordeste como segundo lugar no ranking de acidentes no trabalho, com 16% dos casos em todo o país

Glelson se adaptou a usar a força dos braços para entrar na sua casa, superando a deficiência

FOTOS: VANESSA DE PAULA

Marcus Vinnícius aproveita o intervalo da Universidade Federal do Maranhão para aprofundar o conteúdo exposto nas aulas de Direito

6ArrochaJorn

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ANO IV. NÚMERO 23 IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2013

VANESSA DE PAULA

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Apae assume funções do poder públicoANGRA NASCIMENTO

LAWSON ALMEIDA

Eles acordam bem cedinho e 6 horas da manhã já estão na parada de ônibus de Governador Edison Lobão para, às 7 horas, chegarem à escola. Maria Aparecida é mãe de Gabriel da Silva, 8 anos, que é sur-do. De segunda a sexta ela acom-panha o filho e fica esperando até 11h15, quando a aula de Gabriel termina na escola bilíngue. A Es-

cola Municipal de Educação Bilín-gue para Surdos Professor Telasco Pereira Filho nasceu do anseio da comunidade e foi implementada pela Associação dos Surdos de Im-peratriz (Assim). A instituição pre-para os surdos para adentrar no ensino regular e ajuda a inserí-los no mercado de trabalho. No local, a Língua Brasileira de Sinais (Li-bras) é a primeira língua e o por-tuguês a segunda.

Atualmente, trabalham oito professores e cinco intérpretes, dentre eles a professora Sara Lo-pes, formada em Pedagogia e es-pecializada em Libras e Educação Inclusiva. Para ela, a unidade de ensino é como todas as outras. “A rotina é normal, a diferença é a adaptação do português para o Libras”.

Gabriel começou a estudar com 5 anos em uma escola regu-

lar, para não surdos, em Gover-nador Edison Lobão. Nela, não ti-nha nenhum preparo para atender uma pessoa com alguma deficiên-cia, ele aprendeu pouco. Segundo Maria, o seu filho era excluído. “Ele sofria preconceito por parte dos outros alunos e até da própria diretora, que não aceitou ele na escola”.

Em 2010, Gabriel foi matri-culado na escola inclusiva Go-vernador Archer e desde então, a rotina de Maria é feita de muita paciência. Em 2012, quando a Es-cola Bilíngue foi criada, Gabriel foi transferido. “Antes era muito difícil. Como eu não sabia Libras, nem ele, a gente fazia os gestos in-formais. Depois que ele começou a estudar, tudo ficou bem melhor”, relata Maria, sobre a mudança ocorrida na vida do filho.

Maria se mostra satisfeita com o trabalho e tem boas pers-pectivas para o futuro. “Eu acredi-to que meu filho vai fazer uma fa-culdade. Trago ele pra cá, para se espelhar nos exemplos e ver que pode chegar lá”.

Nesse período de espera pelo filho, Maria já fez cursos como o de Libras, de informática e o de corte e costura que são ofere-cidos pelos sócios da escola para os familiares. Maria também faz o curso de Pedagogia e deseja ser professora de Libras.

Sala de recursos - O Atendimento Educacional Especializado (AEE), conhecido como sala de recursos,

é um trabalho realizado na escola bilíngue. São desenvolvidas ativi-dades especiais, como jogos, brin-cadeiras lúdicas, teatros e outras tarefas, além de atendimento com fonoaudióloga. Eles atendem alu-nos de outras escolas.

Em uma manhã ensolarada, na véspera do Dia das Crianças, o ambiente está em festa. O silêncio toma conta da escola, mas o que os ouvidos não escutam, os olhos se encarregam do trabalho. Todos estão conversando em Libras. Os alunos estão ensaiando a peça tea-tral “Chapeuzinho Vermelho”.

Emerson Mateuhs, 15 anos, é o lobo mau da peça. Antes de es-tudar na Escola Bilíngue, esteve em outra escola do município de Buritirana. Mas, como não apren-dia muita coisa, a sua família se mudou para Imperatriz. Ele conta que a matéria preferida é a mate-mática e no futuro deseja estudar bastante, pois pretende ser poli-cial. Quando perguntado sobre a estrutura da escola ele demonstra consciência: “A escola é boa, mas quero que seja melhor, com mais estrutura, para aprender mais”.

Chega o momento da apresen-tação, os olhos dos pais e profes-sores na plateia refletem o orgulho pelo trabalho realizado. Durante a encenação, todos dão boas garga-lhadas. Maria é uma delas. Gabriel não está participando dessa vez, mas ela está lá fotografando tudo, cada cena. Enquanto isso, Emer-son, ou melhor, o lobo mau, corre atrás da Chapeuzinho Vermelho.

Escola Bilíngue renova perspectiva para alunos surdos na cidadeRAONNI VELOSO

ENSINO ESPECIALIZADOPessoas que estão inseridas no ensino regular melhoram o desempenho escolar frequentando as atividades educativas do centro especializado da Apae

SILVANETE GOMES

Às 9 horas da manhã o ônibus escolar da cidade de Campestre já estava estacionando em frente ao prédio da Associação de Pais e Ami-gos dos Excepcionais (Apae). Todas as segundas e terças-feiras o moto-rista Antonio Sousa faz o percur-so de Campestre a Imperatriz. Ele transporta de forma alternada, nos dois dias, 50 crianças com necessi-dades educacionais especiais.

A coordenadora de Educação Especial do município, Carmem Vieira Duarte, acompanha as crian-ças nos dois dias. Ela diz que mui-tos estão matriculados na rede de ensino regular, mas melhoraram o desempenho frequentando as ati-vidades do centro de atendimento especializado. Além de Campestre, outros municípios da região sul do Maranhão e do estado do Tocantins procuram a instituição. O poder público acaba transferindo para a Apae o serviço de atendimento es-pecial nas áreas da saúde e da edu-cação.

Segundo dados da Federação Nacional das Apaes (Fenapaes), 54,8% das pessoas atendidas pela entidade apresentam deficiência intelectual. outras 22,8% deficiên-cias múltiplas e 13,8% têm alguma síndrome.

A unidade de Imperatriz é uma das duas mil Apaes instaladas no país. É uma organização não gover-namental que funciona com recur-sos oriundos de doações e repasses

públicos. Uma parte do dinheiro para custeio das despesas é desti-nado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em função dos serviços pres-tados na área. Para manutenção dos gastos com a educação, o centro educacional especializado elabora projetos para captação de recursos junto ao Ministério da Educação

(MEC). Além da parte educativa a instituição realiza também assis-tência social, principalmente para as famílias dos usuários, com o di-nheiro das doações.

Os serviços na área da educa-ção ficaram suspensos por dois anos, mas foram retomados em 2012, após alterações na lei de in-

clusão que mantém as escolas es-peciais para aqueles usuários que não conseguem se adequar ao ensi-no regular. Eles alegam que a rede pública de ensino regular não está preparada para atender todas as pessoas com necessidades espe-ciais. Os professores não foram treinados e as salas de aula não

estão preparadas para atender pes-soas com ritmos de aprendizagem diferentes.

O mecânico Júlio Farias fala do alívio que sentiu quando a Apae re-tomou as atividades educativas. Pai dos gêmeos Rafael e Ricardo, que nasceram com paralisia cerebral, ele conta que os filhos não se adap-taram ao ensino regular. Quem vê os gêmeos hoje, tão comunicativos, não imagina que antes eles não fa-lavam. Eles estão na Apae desde os 6 anos e conseguiram desenvolver a fala e a coordenação motora. O pai conta que é uma alegria eles co-merem com as próprias mãos.

Os gêmeos perderam a mãe muito cedo e Júlio cuida sozinho dos filhos. De acordo com infor-mações da Fenapaes, apenas 6,9% dos usuários têm o pai como único responsável. A maioria dos alunos atendidos pela entidade têm a mãe como única responsável, represen-tando 55,2%. A responsabilidade com os usuários é compartilhada entre pais e mães em apenas 26,7% dos casos que chegam à institui-ção.

A diretora Juracy Eloi de Sou-sa Nascimento, fundadora da Apae em Imperatriz há 34 anos, fala com entusiasmo do novo proje-to de construção da Casa Lar para abrigar os usuários que não têm família. Na sala, ela mostra com orgulho a estante cheia de troféus conquistados pelos alunos. “Vitó-rias é só o que temos alcançado até hoje. Vamos conseguir mais uma”.

Atividades realizadas na sala de recursos Frei Manoel Procópio para melhorar o desenvolvimento psicomotor dos usuários de diferentes faixas etárias

Estudante surdo e professora conversam em Libras no atendimento educacional especializado oferecido pela Escola Bilíngue de Imperatriz

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Silêncio. Ouve-se de vez em quando a voz da intérprete Júlia Aquino traduzindo o que a pro-fessora Gabriela Tavares fala. Com movimentos rápidos e expressão facial destacada, Gabriela ensina de forma bem humorada. Cerca de dez alunos, todos ouvintes, ocupam o auditório do Centro de Ensino Governador Archer toda terça-feira das 19h às 22h, em um curso de Lín-gua Brasileira de Sinais (Libras).

Gabriela se formou em Nu-trição em 2005, é concursada pela prefeitura de Imperatriz e trabalha no Setor de Inclusão e Atenção à Diversidade (Siadi). Também é pro-fessora de Libras em uma faculdade particular nos cursos de Pedagogia

e Direito e na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) no curso de Pedagogia.

Ela utiliza a língua dos sur-dos é também a língua oral para se comunicar, fazendo leitura labial, ou seja, é surda oralizada.

Em sua casa, em um condo-mínio, ao lado de sua irmã Isabela Crema, que faz a tradução quando necessário, ela diz que aprendeu Libras há apenas cinco anos. Ao se mudar para a casa atual, a vizinha ficou animada, pois tem um neto surdo, por isso, pediu para que ela conversasse com o garoto na língua dos sinais e Gabriela lhe disse que não sabia o que era. Acabou se inte-ressando e foi fazer o curso.

Gabriela conheceu seu mari-do na igreja. “Começou com troca de olhares, depois conversamos or-

ralizando. Ele entendia tudo que eu falava sem dificuldade.” Hoje, eles têm dois filhos e estão casados há 11 anos. Na sua primeira gravidez, as pessoas lhe diziam que seu filho não iria entender o que ela falava. “Fiquei muito confusa”, conta, com uma expressão triste. “Meus filhos me entendem melhor do que eu en-tendo eles”.

Aos 25 anos de idade, ela ga-nhou um aparelho auditivo. “Ima-ginei que iria ouvir meu filho dizer mamãe, mas nada, só ouvia baru-lho”. Todo som a irritava. Não podia ouvir o ruído de água caindo ou de ventilador. “Sou acostumada com o silêncio”.

Gabriela perdeu a audição na infância, no primeiro ano de idade após ter adoecido de meningite. “O médico disse que corria o risco de

ficar cega ou surda”. Ela conta que a maior limitação é sair de casa, porque sempre tem que ser acom-panhada. “Nos locais públicos de-veria ter um intérprete que pudesse nos atender.”

Atendimento - Na cidade, algu-mas organizações atendem pessoas com deficiência com o objetivo de socializá-las. Uma delas é o Centro de Referência da Pessoa com Defici-ência (CRPD), que trabalha com 40 alunos.

Everiano Carvalho Junior, conhecido como Junior, é um dos alunos atendidos pelo CRPD. Aos 20 anos, ele faz a 7ª série. “Me atra-sei porque as escolas não queriam me aceitar”. Ele nasceu com a rara Síndrome de Crouzon, resultado de uma alteração genética, por isso

tem baixa visão, enxerga apenas 10%.

Da infância, se recorda da dis-criminação que sofreu nas escolas que frequentou. “Já tentaram até furar meu olho”. Um dos sintomas da síndrome é ter o olho protube-rante. Everiano já quis desistir de estudar. “A diretora de uma escola disse pra minha mãe: tire seu filho daqui senão vão matar ele!”. Junior fugia das escolas por não aguentar o preconceito.

Com bom humor, ele diz que gosta de se exercitar. “Faço caratê e natação. Sou invocado com es-porte”. Além disso, toca violão, faz aulas de computação e até anda de bicicleta. “Só em lugar que eu co-nheço”. Seu sonho é se formar em Direito. “Quero defender as pessoas que sofrem com discriminação”.

VANESSA DE PAULA

A partir do momento que fa-lamos da roupa, da forma como se fala, ou do estilo de vida de alguém sem o conhecer com profundidade já estamos exercendo o preconcei-to. São 12h55 e Vanderlan já está pronto para ir ao ponto de ônibus, que fica a cinco quadras de sua casa. Com passos rápidos e sem a ajuda de bengala, vai andando ora pela rua, ora pela calçada, por se-rem irregulares. ‘‘Não uso bengala para não sofrer mais preconceito’’.

Ele já memorizou por onde deve andar, mas, uma vez ou outra esbarra em alguém. Na correria do dia a dia das pessoas ele sempre ouve as mesmas coisas: ‘‘Parece que é cego! Tá doido!’’. E Vander-lan nem consegue falar de sua de-ficiência.

No ponto de ônibus, alguns motoristas que percebem que Van-derlan é deficiente visual não pa-ram, pois sabem que ele possui o beneficio da passagem gratuita.

Vanderlan Viana Lima, 37 anos, nasceu com catarata congê-nita – doença que causa a cegueira infantil. Ele enxerga apenas vul-tos. Filho de primos legítimos, tem dez irmãos, dos quais quatro pos-suem alguma deficiência.

Cursa o 3º ano do Ensino Mé-dio, na Escola Governador Archer. Autodidata, aprendeu a escrever sozinho na infância. ‘‘Fazia letras grandes no chão e assim aprendi o alfabeto’’, lembra Vanderlan.

Pedinte - Você já deve ter ouvido falar de Manoel Lopes de Souza. Não? Então já deve ter visto o Ma-

noel, um pedinte que está sempre na calçada do Armazém Paraíba. Com seu coador de café preto, ele passa o dia esperando alguém lhe ver e dar algum dinheiro.

Ele é bem conhecido entre os lojistas do centro, porém, Ma-noel é praticamente invisível para a maioria das pessoas que passam por ali. Quando me aproximei de

Manoel, que estava sujo e sem to-mar banho há alguns dias, percebi o quanto um olhar pode ser pre-conceituoso. ‘‘Tem gente que quer ser mais que a gente’’, conta Mano-el após um senhor de idade o olhar com repúdio.

Ele chega para pedir às 9 horas e fica até as 17 horas. Algu-mas vezes, chega um morador de

rua ou um lojista para falar com Manoel, mas na maioria das vezes ele não passa muito tempo sem ter alguém para conversar.

Manoel tem 41 anos e mora com a mãe. Pega ônibus todos os dias e não pode andar. Ele se ar-rasta pelo chão quando se loco-move. Há vezes que conta com a ajuda de moradores de rua que o carregam até a parada de ônibus.

O pedinte não tem perspec-tiva nenhuma de mudar de vida, e está conformado com sua situa-ção. ‘‘Acho bom o que faço, o me-lhor dia da minha vida foi a pri-meira vez que pedi, foi bom!’’.

Outro Olhar – Thiago Pimentel tem 24 anos e faz parte do time de basquete dos cadeirantes. Ele teve que usar cadeiras de rodas após cair de uma árvore aos 13 anos de idade. ‘‘A maior causa do precon-ceito é a falta de conscientização das pessoas’’, explica Thiago.

Ele conta que não ficou re-voltado e muito menos deprimido após o acidente. Quando percebe que tem alguém que está olhando diferente ou dizendo algo depre-ciativo para outro que tenha de-ficiência, ele se aproxima e tenta conscientizar a pessoa que aquilo é errado.

Percebe-se um olhar diferenciado em um dos momentos raros que o pedinte Manoel Lopes é visto pelas pessoas que andam no centro da cidade

LAÍS FERREIRA

SUPERAÇÃOPessoas com deficiência contam como vencem diariamente suas limitações, superam dificuldades e conseguem ter uma rotina produtiva fazendo o que gostam

Desafio de romper as próprias limitaçõesBEATRIZ MACHADO BEATRIZ KARINE

Gabriela Tavares é surda oralizada e dá aula de Libras em escolas e faculdades. Ela é formada, concursada e casada Everiano Carvalho Junior, mais conhecido como Junior, tem Síndrome de Crouzon. Ele nada, toca violão e até anda de bicicleta

Sociedade de Imperatriz está cega ou não quer mesmo enxergar?ADAYLMA ROCHA

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ANANDA PORTILHO

Em Imperatriz, são cerca de 37 mil pessoas com algum tipo de deficiência. A falta de acessibillidade nas ruas, es-colas e estabelecimentos impede uma maior autonomia dos deficientes. A psicopedagoga do Centro de Referên-cia à Pessoa com Deficiência (CRPD), Alcirene Brito, fala sobre as problemá-ticas e os avanços nesse campo.

No Centro são oferecidas várias ofi-cinas, como música, artes, esportes e informática. Como essas oficinas contribuem para o desenvolvimento dos usuários? Elas contribuem porque eles conse-guem aprender e desenvolver a coor-denação motora. Além disso, porque eleva a autoestima deles quando per-cebem que são realmente capazes de desenvolver as atividades e isso me-lhora a qualidade de vida deles.

Quais as dificuldades de aprendiza-gem que os usuários mais apresen-

tam?As maiores dificuldades são dos de-ficientes intelectuais, porque não es-tiveram na escola desde cedo tendo acompanhamento de especialistas para trabalharem as dificuldades em sala de aula. Os deficientes físicos qua-

se não têm limitações no cognitivo e os surdos se comunicam muito bem por meio de Libras.

No plano político pedagógico do Centro uma das metas é propiciar a autonomia dos deficientes. Como a autonomia interfere no desenvolvi-mento deles?É indispensável essa autonomia. Antes

eles não tinham condição de andar a sós. Então, os pais tinham que trazer e nem sempre conseguiam. Hoje eles já têm até um grupo que vem e vão sozinhos. A autonomia no trabalho também. Muitos deles ficavam em casa isolados, hoje estão no mercado de trabalho.

A falta de acessibilidade é um fator que os impede de adquirir essa au-tonomia?Sim. Porque limita a possibilidade de desenvolverem uma autonomia maior. Se eles não têm acessibilidade como poderão andar sozinhos, por exemplo? A falta de acessibilidade pre-judica muito os avanços deles.

Em relação à educação inclusiva como você avalia a atual situação? A inclusão é nova e ainda está em pro-cesso de implantação. Estamos tentan-do mudar essa visão de que eles não aprendem. Mas a inclusão ainda não foi alcançada. Digo isso porque sou professora e na escola eu vejo a difi-culdade.

Psicopedagoga do Centro de Referência à Pessoa com Deficiência falando sobre autonomia

BRENDA HERÊNIO

Pamylla Lima é terapeuta ocupacio-nal no Centro de Referência da Pes-soa com Deficiência em Imperatriz (CRPD) há três meses. O Centro é um programa assistencial mantido pela Prefeitura Municipal de Imperatriz por meio da Secretaria de Desenvol-vimento Social (Sedes). Em entrevis-ta, ela afirma acreditar que o acom-panhamento individual tem que acontecer em paralelo à escola. E que as cotas para pessoas com defi-ciência precisam ser mais incremen-tadas para que elas sejam incluídas no mercado de trabalho.

Na sua opinião, a lei que tem obri-gado de certa forma a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, diminui ou aumenta o preconceito? O deficiente é empre-gado pela existência dessa lei e não pelos seu atributos intelectuais?Na minha opinião, essa lei inclui o deficiente por diversas razões. O de-ficiente tem algumas limitações, mas isso não impede que a empresa exija competência, habilidade e agilidade, e nem sempre o portador vai ter. Quan-do o deficiente vai entrar no mercado de trabalho sabendo que vai ter uma vaga pra ele, ele fica um pouquinho mais animado, até porque a quantida-de de pessoas com deficiência é menor do que a quantidade de pessoas que não tem deficiência, então a concor-rência pra ele é menor. Sou a favor, pelo que eu acompanho e pelo que eu escuto deles também, acredito que ti-nham que haver até mais vagas. Mas é a minha opinião, pode ser que a socie-dade não pense assim.

Você afirmou que a famÍlia tem um grande peso na reabilitação da pes-soa com deficiência. Por que você acha que muitas mães tem mantido seus filhos deficientes em casa? Pre-

conceito ou cuidado excessivo?Os dois, na verdade acho que mais preconceito. Medo do que outros vão dizer. Quando a mãe gera um bebê, ela gera pensando que ele vai sair per-feito, que ele vai se formar e ter uma grande profissão. Então, quando ela deixa seu filho em casa é porque tem medo do que os outros vão pensar. Segundo: tem medo de pegar alguma doença quando é bebezinho, quando tem o sistema de defesa baixo, e por último, tem medo de que os outros possam machucá-lo. Esse último acon-tece principalmente quando chega na idade escolar, 4 ou 5 anos e a mãe diz: “Eu acho que não tá na hora, porque ele vai cair, não sabe falar, escutar e a professora não vai cuidar dele direito”. Claro que depende muito da fase, mas

a mãe também tem essa dificuldade de mostrar o filho pra sociedade. Por mais que ela não fale isso, as ações de-monstram.

Muitas pessoas acreditam que a melhor escolha para uma pessoa com deficiência é um acompanha-mento individual. Elas creem que numa escola de ensino regular esse tipo de pessoa com deficiên-cia não rende o bastante ou não acompanha os outros alunos. O que você acha desse pensamento?Eu acho que o acompanhamento in-dividual tem que acontecer paralelo à escola, porque a escola é um local

onde há, além da questão da educa-ção, a inclusão. Por mais que ele não desenvolva como uma outra criança, ou como a professora gostaria que ele desenvolvesse, o mínimo possível ele vai conseguir, alguma capacidade será desenvolvida. O que é melhor do que se ele fosse atendido somente in-dividualmente. Acredito que a melhor

opção é a paralela: frequentar a esco-la e ter aula de reforço. Tem alguns municípios que já estão trabalhando assim, quando a professora identifica o problema intelectual ou de aprendi-zado, já encaminha pra psicopedagoga do município e ela já atende a criança. Tira ele de sala alguns minutos, uma hora em média, e faz uma sessão de

atendimento na própria escola, indivi-dualizado.

No Centro, você acompanha muitas pessoas com deficiência. Existe algu-ma história de superação que você destacaria?Existem várias. Na verdade, eu estou a pouco tempo aqui no Centro. Já per-cebi avanços na área de conhecimento e de aprendizado. Os alunos que fa-zem Braile, são comprometidos com o horário e em aprender, tem aquela vontade e compromisso. Na parte de computação eles têm aprendido muito também, alguns têm um limite e o pro-fessor sabe disso. É muito gratificante ver pessoas com grandes limitações, às vezes até na área mental, conseguirem ligar o computador, fazer uma ativida-de que a gente faz no dia a dia. A pin-tura também é outra atividade que eles fazem aqui. A gente observa o jogo de cores que eles fazem, a melhora na coordenação motora para os que têm paralisia cerebral. Então, essa é a supe-ração, eles conseguirem fazer algo que eles não conseguiam fazer antes de vir pra cá.

Você acha que atualmente o centro recebe os recursos financeiros neces-sários para os trabalhos oferecidos?Não. Inclusive a verba daqui é muito pouca, o centro recebe R$ 3 mil por mês. É muito pouco, porque a gen-te precisa de material adaptado e de equipamentos. Precisamos de recur-sos, não pra reabilitação física, mas pra reabilitação social. Precisa de in-vestimento na questão da capacitação dos profissionais, como, por exemplo, na informática. Nós precisamos de dispositivos de acessibilidade que os programas de informática dispo-nibilizam. Se nós recebessemos mais recursos, daria para atender melhor e bem mais a população. Por enquanto o centro só atende a região também por questões financeiras.

“Ensino regular contribui para inclusão”

ENTREVISTATerapeuta ocupacional Pamylla Lima fala sobre cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho e a importância da assistência familiar

Terapauta ocupacional Pamylla Lima fala sobre inclusão de deficiente no mercado de trabalho

“Acredito que a melhor opção é a paralela:

frequentar a escola e ter aula de reforço”

BRENDA HERÊNIO

“Falta de acessibilidade impede maior autonomia de deficientes”

“É indispensável essa autonomia. Antes eles

não tinham condição de andar a sós. Então os pais tinham que trazer e nem

sempre conseguiam”.

ANANDA PORTILHO

ENTREVISTAAlcirene Brito, psicopedagoga do Centro de Referência à Pessoa com Deficiência, discorre sobre as problemáticas desse universo em Imperatriz

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AÇÃO

Atletas (re)nascendo por meio do esporteRHAYSA NOVAKOSKI

Antônio Alves da Silva, mais conhecido como PVC, em umas de suas pedaladas costumeiras

SAMIA MULKY

No final da tarde, o Parque de Exposição Lourenço Vieira da Silva, localizado a cinco quilômetros do perímetro urbano de Imperatriz, recebe aproximadamente 16 pessoas especiais para realizar a equoterapia. O tratamento é responsável pelo desenvolvimento dos aspectos cognitivos dos seus pacientes.

Lucas Eduardo Gomes tem 16 anos e é um adolescente esguio, pequeno, com um olhar bastante expressivo “Ele fala muito com os olhos”, diz a cuidadora e amiga da família, Gildeane Ribeiro. As sequelas da paralisia infantil não permitem que ele fale ou ande. Mas é notório que o tratamento semanal já ajudou muito. “Percebi com o tempo que ele entende todas as coisas e a coordenação motora também melhorou. Nós desconfiamos até que ele sabe ler, porque quando estou no Facebook e ele está atrás, começa a rir das conversas”.

O paciente Gleison da Rocha Lopes é simpático. Cumprimenta nossa equipe de reportagem com um aperto de mão. A deficiência mental faz com que ele se esqueça de coisas simples, como por exemplo, quanto tempo faz o tratamento. “Eu faço há alguns dias aí”. A mãe não confirma sua versão e diz que Gleison cumpre o tratamento há cinco anos.

Gleison precisa de ajuda para subir no cavalo, mas cavalga sozinho enquanto o fisioterapeuta observa de perto. Lucas Eduardo é mais dependente. Ele aguarda em um grande colchonete preto no chão. Quando chega sua vez, ele é levado nos braços para montar no cavalo e três pessoas o acompanham no trajeto de 20 minutos.

A equoterapia é um tratamento com cavalos praticado no Brasil desde os anos 1980, quando foi criada a Associação Nacional de Equoterapia. Imperatriz ganhou sua sede no Parque de Exposições em julho de 2007, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), e atualmente, mantida pelo Ministério da Saúde. Contando com dez funcionários, observa-se uma variedade de profissões, atendendo às necessidades de cada paciente.

Os animais usados na terapia são emprestados para o programa. O espaço é cedido pela administração do parque de exposições, que incentiva o projeto. A van da prefeitura passa todo dia para transportar os pacientes que necessitam de ajuda para ir até o local.

A equoterapia, que antes abria apenas dez vagas pela pequena quantidade de funcionários, cresceu esse número no último ano devido à nova administração, que solicitou ao governo federal mais vagas em benefício dos pacientes da CAPS e da Apae.

Na cidade, o tratamento tem seis anos e já beneficiou dezenas de crianças, jovens e adultos com deficiências físicas ou mentais. O fisioterapeuta Sinval Damasceno é coordenador do projeto há cinco anos. Ele destaca que a iniciativa não é tão comum no Brasil. “Há uma fila de espera de quase 300 pessoas”. Sinval também mensura os benefícios para os praticantes. “Para quem ganhou alta é notório a melhora. Tivemos pacientes com danos leves que já andam com firmeza e habilidade”.

O auxiliar técnico e funcionário da equoterapia, Iones Batista, explica, com um grande sorriso no rosto, o quanto o local é harmonioso e

feliz. “Aqui a gente cria afinidade com as famílias, sempre ajudando e principalmente sendo educado”. Batista, que trabalha na iniciativa há três anos, mesmo sem formação superior, entende as necessidades dos pacientes e os trata com proximidade. As mães que frequentam o local já criam certa amizade umas com as outras enquanto esperam seus filhos.

Lucas não tem previsão de alta. Mas a acompanhante fala otimista da sua melhora. “Espero que ele continue o tratamento porque ele evoluiu muito. Ele é muito ‘sabido’ e feliz”.

A equoterapia acontece de terça à sexta, no Parque de Exposição Lorenço Vieira da Silva. O programa é gratuito e para se inscrever é só ir até o local. O horário de funcionamento do programa é das 17h até as 21h.

Cavalos ajudam na recuperação de pacientes pela equoterapia

LETICIA SEKITANI

Lucas, com um grande sorriso no rosto, enquanto faz a terapia acompanhado por um guia e pelos médicos que cuidam de seu tratamento

Histórias de esportistas que possuem algum tipo de deficiência demonstram como o esporte pode ajudar a superar obstáculos e realizar grandes feitos

ISABEL DELICE

São dez pessoas em quadra. Cin-co para cada lado. A bola é arremes-sada. É cesta e todos comemoram. Os elementos são de um jogo de bas-quete e a disputa é acirrada. A única diferença é que os jogadores estão sobre cadeira de rodas. Na quadra e em outras modalidades esportivas a superação é a palavra de ordem e de orgulho para deficientes físicos. Eles se organizam em associações para motivar outras pessoas com defici-ência.

Antônio Alves da Silva, 42 anos, é apaixonado por bicicletas desde os 12. O atleta, também conhecido como PVC, sofreu um acidente que o deixou sem uma das pernas. Foi o começo de um novo estilo de vida. “Costumo dizer que por conta de uma bicicleta me tornei um especial, e por ela voltei à vida”.

O acidente aconteceu em uma segunda-feira habitual. Ele saiu com sua moto, para pegar sua bicicleta em um povoado vizinho. No cami-nho de volta, passando por uma ponte, se deparou com um carro em alta velocidade no sentido contrário. O automóvel o atingiu. Seu corpo foi arremessado e, com o choque, uma de suas pernas foi praticamente de-cepada.

PVC conseguiu superar todas as dificuldades e dedicou todo esforço e amor ao esporte, tornando-se as-

sim, um destaque no ciclismo. Um dos desejos do atleta é par-

ticipar das próximas paraolimpíadas, no ano de 2016. “O primeiro passo é a profissionalização”. Em Imperatriz, existem apenas dois ciclistas com deficiência física. Nenhum é profis-sional.

O Centro de Assistência Profis-sionalizante ao Amputado e Defi-ciente de Imperatriz (Cenapa), possui hoje 18 atletas. O projeto existe há 14 anos.

Com suas motos adaptadas e ou-tros transportes, os atletas do time de basquete chegam por volta de 19 horas de uma noite de terça-feira. O time inicia seus trabalhos. As cadei-ras apropriadas vão sendo montadas por eles mesmos, e cada um vai se acomodando na sua.

Para começar, uma série de alon-gamentos. Quem os auxilia nessa atividade é a fisioterapeuta do time, Daniele de Carvalho Lima. “Os alon-gamentos são realizados priorizando os membros superiores”, conta.

Todos os semblantes refletem entusiasmo. Edilson Vieira de Sou-sa, 31 anos, chega ao treino pontu-almente. Ele está sempre com um ar descontraído e conversando com to-dos os colegas.

Quando tinha 20 anos, Edilson sofreu um acidente de moto, que o deixou sem uma das pernas. Joga no time há cerca de sete anos e diz que antes de praticar basquete sobre

rodas, fazia parte de uma equipe de futebol para amputados na cidade de Goiânia. ‘‘Era apaixonado por fu-tebol antes do acidente, e isso não mudou’’.

Por motivos pessoais, o cadei-rante teve que retornar para Impe-ratriz. Assim que chegou surgiu um convite para jogar basquete, ativida-de que até hoje pratica. “O esporte veio pra quebrar a barreira do pre-conceito e até mesmo mostrar supe-ração. Quando você adquire uma de-ficiência, vai ter que aprender a lidar com ela. A tendência é no primeiro momento ter preconceito consigo”, conta Vieira.

O professor de Educação Física, Eriverto Conceição Silva, 34 anos, afirma que o esporte é de extrema importância, principalmente para a coordenação motora. “A prática de atividade física é fundamental em todos os sentidos para as pessoas que têm síndromes ou alguma defi-ciência. Ajuda inclusive na questão emocional”.

Tanto no ciclismo, quanto no basquete sobre rodas, os investi-mentos por parte do poder público são poucos. De acordo com os joga-dores do time do Cenapa, a prefeitu-ra municipal apoia, mas não como deveria. Todos os recursos são obti-dos por meio de doação. “Não temos apoio do poder público e a cidade não possui nenhuma infraestrutu-ra”, protesta Antônio.

LETICIA SEKITANI

Gleison, mais independente. mostra os avanços que teve junto à equoterapia nos últimos cinco anos

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RAONNI VELOSO

Às oito horas da manhã, fa-miliares e paciente dão risadas en-quanto se alongam. Alguns estão tímidos e outros já parecem saber o que deve ser feito, enquanto uma professora de educação física apon-ta os comandos. Essa realidade é parte do tratamento oferecido por um dos Centros de Atenção Psicos-social (CAPS) em Imperatriz, que nada se assemelha ao que ocorria no antigo hospital psiquiátrico.

Devido a uma determinação do Ministério Público em novembro de 2011, a cidade garantiu uma refor-mulação no tratamento de transtor-nos mentais, na tentativa de torná--lo mais humanizado. Quando o hospital psiquiátrico foi fechado, contava com cerca de 300 pacientes internados.

“Eles viviam como em uma prisão”, explica a cuidadora social Evanilde Lima, antiga funcionária do Hospital Psiquiátrico. Hoje a estrutura de atendimento aos por-

tadores de transtornos mentais funciona integrando o trabalho do Caps AD, o CAPS Infantil, o CAPS II e o CAPS III.

A dona de casa Raimunda No-nata fala com entusiasmo sobre o tratamento oferecido a sua filha no CAPS. “Hoje já posso dizer que mi-nha filha está quase boa”. Há sete

anos a filha teve que ser internada no hospital psiquiátrico por meses, porém não obteve nenhuma melho-ra.

Jackson Silva, 13 anos, é pacien-te do CAPS há um ano, e relata em um dos ambientes, em meio a inú-meros brinquedos espalhados pela brinquedoteca, que conta os dias para a próxima visita, pois já tem inúmeros amigos que conheceu ao longo do tratamento.

No lugar de internações e tra-

Vida e dificuldades das mentes inquietas SAÚDETranstorno de déficit de atenção com hiperatividade pode afetar o aprendizado e a socialização destes portadores e trazer prejuízos para a vida adulta

Pacientes e familiares participando de atividades recreativas no CAPS Infantil no início da manhã

ADAYLMA ROCHA

*O nome foi trocado a pedido dos pais para proteger a imagem da criança.

São 11h27, *Lucas de seis anos, chega da escola com seu pai. Enquanto corre pela casa, começa a tirar o uni-forme escolar. Ele não para de correr. Agora, percorre um corredor que sepa-ra a sala e a cozinha, imitando seus su-per-heróis favoritos. Lucas é portador do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), um pro-blema que aparece na infância e acom-panha a pessoa durante toda sua vida.

Finalmente senta-se em uma ca-deira na sala em frente à televisão para assistir, mas logo se levanta, vai ao corredor procurar um brinquedo que não encontra, se zanga por não ter en-contrado. Volta à sala, para em frente ao ventilador e corre novamente para cozinha. São 11h32, se passaram ape-nas cinco minutos do contato inicial.

Segundo a Organização Mun-dial de Saúde (OMS), entre 3% a 6% das crianças são diagnosticadas com TDAH. “Geralmente quem observa os sintomas é o pediatra ou a escola”, conta a psicóloga Júnia Alves. Entre os

principais sintomas estão: fácil distra-ção, ansiedade, dificuldade em manter concentração, perda de objetos e mo-vimentação constante.

Lucas é uma criança inteligente, aprendeu a ler aos três anos como a maioria dos colegas. Mas diferente, de seus companheiros, não conseguia parar sentado para assistir a aula. Sua professora da segunda série infantil, o colocava em suas pernas até ele termi-nar a sua atividade para não prejudi-car o seu aprendizado.

Hoje em Imperatriz, não há um local que atenda crianças com TDAH. Nossa equipe de reportagem foi à Secretaria Municipal de Edu-cação (Semed), que nos encaminhou para o Centro de Atenção Psicosso-cial Infantil (CAPS Infantil). Lá, nos informaram que devido à grande demanda, só atendem crianças com transtorno mental. O Setor de Inclu-são e Atenção à Diversidade (Siadi) nos encaminhou para o Centro de Re-ferência de Assistência Social (CRAS), que por sua vez nos informou que só fazem acompanhamento familiar e tornou a nos encaminhar ao Siadi.

David América Viana, 12 anos, foi diagnosticado com TDAH pelo

Siadi esse ano. “A psicóloga que veio na escola (Moreira Neto) e diagnosti-cou”, conta Joana América, sua avó. Ela complementa cogitando: “Acho que desde a barriga da mãe ele já era agitado”.

As crianças com TDAH têm mui-ta dificuldade em manter atenção em uma atividade específica. “Eu não consigo me concentrar mesmo”, afir-ma David.

Interação - Para essas crianças, além das problemáticas que envolvem essa doença, se relacionar com ou-tras pessoas também se torna um de-safio. “O prejuízo para a vida adulta são diversos, eles são mal interpreta-dos pelos colegas”, conta Júnia.

David já sofre com a falta de conhecimento das pessoas. “Por en-quanto ele não tem amigos. As ou-tras mães não deixam muito. Acho que é porque as brincadeiras dele são mais pesadas”, conta, emociona-da, a avó de David. Ela entende que ele tenta mudar, embora não consiga sem antes começar o tratamento que a mãe dele procura e completa: “No interior as pessoas não entendem, dizem que é só sem-vergonhice”.

Decisão garante reformulação no tratamento de transtornos mentais LAWSON ALMEIDA

*Lucas é hiperativo e não consegue parar quieto. Ele é uma criança com TDAH e tem dificuldade em manter a concentração em uma atividade por vez

David é uma criança portadora do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)

LAÍS FERREIRA LAÍS FERREIRA

“Eles viviam como em uma prisão”

tamentos que se baseavam quase que completamente em medicações, hoje os pacientes contam com ofici-nas, aulas de canto, teatro, música, além de visitas periódicas a familia-res.

Em círculo, em um tom infor-mal, alguns familiares conversam com profissionais da saúde mental, expõem suas dificuldades, compar-tilham emoções, contam piadas e falam sobre o andamento dos tra-tamentos. Reuniões com os fami-liares são frequentes e encaradas como parte essencial do tratamen-to. “A família é uma peça importan-tíssima para a eficiência do trata-mento”, confirma a assistente social Marlene Alves.

A auxiliar administrativa Eri-vania Santos, que hoje trabalha no CAPS Infantil, conta que na época do hospital psiquiátrico não havia ligação nenhuma entre o paciente e a família, e que, em alguns casos, a família “esquecia” o paciente e não voltava para buscá-lo. “O tratamen-to não envolvia a família, não era humanizado”.

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TRANSTORNO MENTAL

Edla Paula Brilhante é uma adulta de 24 anos conhecida tam-bém como “Nega”. Foi encontrada quatro horas após seu nascimento em frente a uma loja de confecção no Mercadinho, próximo à antiga rodoviária de Imperatriz. Ela foi diagnosticada com retardo mental moderado na infância. Após inter-nações, acolhimentos, agressões à família, e outras histórias, Edla acompanha cronologicamente o sistema psiquiátrico de Imperatriz e suas mudanças.

Em 2001, o Brasil aprovou mudanças estratégicas para o tra-tamento das pessoas portadoras de transtor-nos mentais. O modelo de interna-ção em casas ou hospitais psiquiátricos foi substitu-ído por um sistema que permite o paciente in-teragir com a família. As longas inter-nações caíram em desuso. O novo tratamento usa como base o aco-lhimento, já que o paciente passa um tempo reduzido nas unidades de saúde. Há uma equipe multipro-fissional que participa de todo o processo. Psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, discutem junto às fa-

mílias a melhor forma de recupera-ção do paciente.

A enfermeira Gleiciane Ma-deira trabalha com saúde mental há seis anos e elenca as transfor-mações que a reforma psiquiátri-ca trouxe para o tratamento das doenças mentais. “Eu tive a opor-tunidade de trabalhar em uma clí-nica psiquiátrica e no Centro de Atenção Psicossocial de Imperatriz (CAPS). Os pacientes eram tratados de maneira desumana antes da re-forma. O CAPS é acolhedor e acon-chegante no trato com eles, devol-ve a dignidade a esses usuários”.

Denise Ayres, professora do curso de Comunicação Social - Jor-nalismo, estuda a reforma psiquiá-

trica no Brasil. Sobre o assun-to, a estudiosa faz um pano-rama levando em conside-ração a atual situação das clínicas. “Es-tamos em um processo. Há críticos da reforma psi-quiátrica que dizem que os

pacientes estão desamparados. Por outro lado, os reformistas dizem que as pessoas com deficiência intelectual precisam de uma assis-tência descentralizada e multidis-ciplinar, que foi um ganho para o tratamento das doenças mentais”.

O CAPS recebe, segundo o pa-

drão de atendimento da reforma psiquiátrica, pessoas que apresen-tam transtorno mental grave ou gravíssimo. O Centro acolhe os pa-cientes e os trata até receber a alta do médico responsável. Nas sema-nas que Edla recebe o documento que libera sua ida para casa o des-gosto arrebata sua família. “Todas as vezes que ela vem para casa, ela bate na mãe”, afirma a irmã Edla.

Chegamos a uma casa pequena, escura, sem ventilação. Começamos a entrevista com a irmã de Edla. Ela tem três filhos, dois estão à espreita, enquanto amamenta a caçula. Edla conta que se preoucupa com o comportamento da irmã: “Eu tenho medo dela matar a mãe, você vai se assustar quando ela sair do quarto.” Erismar Brilhante sai do quarto. Tem a voz baixa, embargada, o rosto cheio de linhas expressivas. Seu olhar é triste. As marcas estão por todo o corpo. Conta-nos sobre a diária rotina de agressões que sofre. “Ela quer dinheiro, quando não tem, me bate, rouba os vizinhos. Ela quer comprar biscoito, refrigerante e cigarro. Dos cigarros, fuma dois, rasga os outros com as mãos e joga na calçada. Os biscoitos e refrigerante ela compra e divide com as crianças ou pessoas que ela gosta”.

“Essa aqui é uma ferida, que ela fez, me batendo”, afirma, apon-

tando para a perna com um grande machucado.

A mãe conta que na noite an-terior, Nega procurou dinheiro em todas as roupas de cama que estavam em uma mala dentro do guarda roupa. “Ela bagunçou tudo, deixou tudo jogado. Depois saiu para a rua”. Erismar ultimamente convive com a angústia durante as noites mal dormidas. “Eu fico espe-rando a notícia da morte dela. Ela já roubou R$ 3,5 mil. Já atirou pe-dra nas janelas de moradores. Che-

ga nos bares e rouba cerveja dos clientes. Apesar de tudo, eu tenho medo de matarem ela”.

Em Imperatriz, a situação da reforma precisa ser mais bem es-truturada. Faltam médicos psi-quiatras, psicólogos, enfermeiros e terapeutas para melhorar o aco-lhimento dos seus pacientes. En-quanto isso, Edla vive a mercê dos dois tratamentos. Na infância e adolescência ficou reclusa na an-tiga clínica Naise que internava os pacientes com transtornos mentais em Imperatriz. Pessoas que pedi-

ram para não serem identificadas na reportagem, afirmaram que sua agressividade é resultado de um tratamento ineficaz recebido nesse local.

O perfil agressivo, violento e intimidador, não foi constatado em nenhum dos nossos dois encontros. Pelo contrário, quando soube que iríamos visita-la, ficou bastante feliz. “Vocês vão lá mesmo, né?”, confirmou.

Para a professora Denise Ayres, o comportamento agressivo

de pessoas com transtornos mentais não é reflexo de sua deficiência. “As pesquisas provam que qualquer pessoa que tem transtorno mental, não é mais violenta que outra pessoa dita normal. Isso é um mito que precisa ser desfeito na nossa sociedade”. No meio da entrevista com a enfermeira, entra na sala Edla Paula Brilhante. Sua aparência

é masculina, cabelo raspado, roupas largas e sujas. O receio de um ataque tomou conta da equipe de reportagem. Já tínhamos sido informados que ela era agressiva. Ela observa as pessoas estranhas, mas age com carinho e nos recebe com um abraço. Pega o celular que estávamos usando para gravar a entrevista, mas é advertida para devolver o aparelho pela enfermeira.

Ainda assim, a família pede a internação e o CAPS, dentro de suas limitações, oferece um tratamento que, segundo a mãe, não é suficiente.

Brilhante: lágrimas e conflitos familiaresSAMIA MULKY

Erismar Brilhante, mãe adotiva de Edla Brilhante, se recorda da história da filha com um tom enorme de emoção e sensibilidade

“As pesquisas provam que qualquer pessoa que tem transtorno mental,

não é mais violenta que outra pessoa dita normal. Isso é um mito que precisa ser desfeito na nossa

sociedade”.

SAMIA MULKY

Edla Paula Brilhante do lado de fora do Caps, esperando o transporte para ir para casa

Os reflexos da reforma psiquiátrica vividos por Edla Brilhante e contados por pessoas que têm relações próximas com a saúde mental de Imperatriz

“Ela quer dinheiro, quando não tem, me bate,

rouba os vizinhos. Ela quer comprar biscoito, refrigerante e cigarro.

Dos cigarros, fuma dois, rasga os outros com as

mãos e joga na calçada.”

LETÍCIA SEKITANI

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