jornal arrocha - edição 15 - trabalhadores noturnos

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Arrocha OUTUBRO DE 2012. ANO III. NÚMERO 15 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA Jornal JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ Enquanto a cidade dorme MARIO ALVES A rotina e as histórias de quem trabalha à noite em Imperatriz

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Jornal Arrocha - Edição 15 - Trabalhadores Noturnos. Produzido pelos acadêmicos de Jornalismo da UFMA de Imperatriz

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ArrochaOUTUBRO DE 2012. ANO III. NÚMERO 15 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA

Jorn

al

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ

Enquanto a cidade dorme

MARIO ALVES

A rotina e as histórias de quem trabalha

à noite em Imperatriz

Enquanto você dorme ou se di-verte na balada noturna, eles estão trabalhando. Nesta edição do Jornal Arrocha os acadêmicos de jornalis-mo decidiram fazer serão em busca de personagens que cumprem o seu ofício no período da noite.

Aquele dono de bar de bairro e o músico que tenta viver da renda de seus shows. Taxistas, que encon-tram e transportam tantas outras histórias noturnas. A morte evita-da por pouco por paramédicos. O medo de lidar com a segurança nas vielas do Mercadinho ou como po-licial militar.

Outros tantos que garantem a sua alimentação, do espetinho à panelada. E o combustível para o carro, no mesmo posto em que o cliente pode comprar uma cerveja na conveniência. Os futuros jorna-listas tinham por missão garantir visibilidade para profissionais que,

muitas vezes, passam despercebi-dos. Como a linda história da gari que trabalha com limpeza pública e é chamada de “Margarida”.

Humanizar uma reportagem sig-nifica entender o que fica marcado como humano em uma situação, mesmo as mais banais do cotidia-no. Compreender o outro a partir de uma alteração do próprio olhar. Só a convivência com outros coti-dianos é capaz de revelar para os jornalistas detalhes antes muitas vezes ocultos dos seus persona-gens. Ainda mais quando se trata de trabalhadores noturnos. Boa lei-tura.

Arrocha: É uma expressão típi-ca da região tocantina e também é um ritmo musical do Nordeste. Significa algo próximo ao popular desembucha. Mas lembra também “a rocha”, algo inabalável como o propósito ético desta publicação.

EDITORIAL - Trabalho na calada da noite

Ensaio Fotográfico

TIRINHA

2 ArrochaJorn

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ANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

KELLY SARAIVA

MARIO ALVES MARIO ALVES

MARIO ALVES

MARIO ALVES

EXPEDIENTE

Fotografia: Adriano Ferreira, Amanda Oliveira, Antônio Carlos Freitas, Caroline Mateus, Dayane Sousa, Hêider Menezes, Hilton Marcos Ferreira, Janyana Franco, Jefferson de Sousa, Keylla Nazaré, Mônica Brandão, Millena Marinho, Rebeca Avelar, Rômulo Fernandes, e Karla Carvalho (Tratamento de imagens).

Reportagem: Amanda Oliveira, Adriano Ferreira, Ana Carla Rio, Antônio Carlos Freitas, Caroline Mateus, Edynara Vieira, Hêider Menezes, Hilton Marcos Ferreira, Janyana Franco, Jany Sousa, Jefferson de Sousa, Keylla Nazaré, Millena Marinho, Mônica Brandão, Pedro Barjonas, Rebeca Avelar, Raynan Pinheiro.

Professores: Diagramação: Adriana Dias da Silva, Andre Ricardo Guimaraes Cadete, Andreza Vital da Silva Pinto, Angela Maria Laurindo da Silva, Aurikelly Renata Saraiva, Breno Rafael Alves Franco, Camila de Sousa Silva, Cicero Fernando Pereira Alves, Diego da Silva Carreiro, Dionnatha da Conceicao Silva, Erica Fernanda Silva Ferreira, Flavia Brito Silva, Flavia Luciana Magalhaes Novais, Francisca Sheila Rodrigues da Costa, Giovana Cordeiro Cardoso, Israel Shamir Mendes Chaves, Jhonatha Pereira dos Santos, Jorzennilio Alves Junior, Lanna Luiza Silva Bezerra, Luanda Vieira de Oliveira, Maria Rhemylla Oliveira, Marina Pereira Cardoso, Railson de Andrade Carvalho, Railson Silva Lima,

Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da Universidade.

Jornal Arrocha. Ano III. Número 15. Outubro de 2012

Reitor - Prof. Dr. Natalino Salgado Filho | Diretor Pró-tempore do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Marcelo Soares | Coordenadora Pró-tempore do Curso de Jornalismo - Profa. M. Marcelli Alves.

M. Alexandre Maciel (Jornalismo Impresso),M. Marco Antônio Gehlen (Programação Visual), M. Li Chang Shuen Cristina (Fotojornalismo). Revisão: Dr. Marcos Fábio Belo Matos.

Fan Page: www.facebook.com/JornalArrochawww.imperatriznoticias.com.br | Fone: (99) 3221-7625Email: [email protected]

Contatos:

Samia Said Mulky, Samoel Pereira de Freitas, Sueda Marilia Silva Borges, Yanny Dorea Moscovits.

Acadêmicos: André Wallyson, Fernando Costa e Paula de Társsia.

Tiriha: Kelly Saraiva

3ArrochaJorn

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ANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

CULTURA

Arte como trabalho movimenta as noites imperatrizences com música dançante e que garante opção diferenciada de entretenimento na cidade

Swingueira marca as noites de Imperatriz

HÊIDER MENEZES

O contrabaixo é ligado à cai-xa de som. Uma sessão ritmada de compassos apressados e escalas mu-sicais dá início ao show da banda Tadim de Nóis. O baixista é Temís-

tocles da Silva Jr., que desde 2008 tira das noites o dinheiro para o pão comprado de manhã.

O tipo de música que o grupo faz fica em algum lugar entre o pa-gode e o axé. Mas Temístocles garan-te que o nome oficial é swingueira.

“Na Bahia chama-se pagodeira. No carnaval de lá é assim. Mas aqui é swingueira mesmo”.

A denominação do estilo é o que menos importa na hora que o groove começa. As músicas têm le-tras com fortes insinuações sexuais

e cada uma conta com sua própria coreografia. E o público conhece to-das de cor. “Minha prima trabalhava numa firma chamada Voceta/ não era carteira assinada/ o bagulho era tudo na treta”, cantou em uníssono a plateia no começo do show.

Mas não é fácil esse tipo de tra-balho. Não se trata apenas de swin-gueira e ferormônios. Temístocles lembra, por exemplo, que logo na sua primeira noite como músico profissional foi vítima da truculên-cia policial.

Ele conta que os policiais que-riam abrir a passagem da rua, que naquela hora já estava tomada pe-las pessoas que queriam assistir ao show. “O jeito que eles acharam foi jogar spray de pimenta nos ventila-dores e expulsar todo mundo”.

Mas não é só esse tipo de pro-blema que esses trabalhadores en-frentam. Kelvin Andrew, 22 anos, é tecladista free lancer, e entende bem as dificuldades dos músicos na re-gião. “Uma vez um cara chamado ‘Bigodinho’ me passou a perna numa tocada lá em Açailândia”.

Ele ri da história, mas sabe que isso é comum e trágico. Kelvin já tentou por duas vezes se profissio-nalizar com uma banda. Na última e mais promissora tentativa, no gru-po Sr. Nietzsche, chegou até a gravar algumas músicas e aparecer na TV para divulgar o seu trabalho.

A falta de curso superior de mú-sica ou um conservatório em Impe-ratriz torna difícil a profissionaliza-ção nesse ramo. Além disso, poucos estabelecimentos estão dispostos a pagar por esse tipo de serviço.

Temístocles e Kelvin tem o mes-mo ritual após o show: guardar os instrumentos com um cuidado reli-gioso, receber o pagamento e tomar o rumo de casa. Nesse caminho, em ruas vazias e escuras, ambos só que-rem dormir as quatro horas de sono a que tem direito e tirar forças para pegar no batente novamente ao le-vantar do sol.

Quais são as vantagens e desvantagens de ser um dono de bar?CAROLINE MATEUS

“De janeiro pra fevereiro do ano que vem quero vender meu bar e voltar pra minha terra”. José Go-mes de Oliveira, 69 anos, nascido no Rio Grande do Norte, vestindo blusa listrada, bermuda e chinelo nos pés, muito carismático, con-ta que há 20 anos está no mesmo ponto comercial. “Aqui já foi saco-lão, açougue e há 15 anos é bar”.

O Bar do Café (apelido dado ao dono por ter trabalhado no Centro do Café em São Domingos) é de uma estrutura simples, pintada de amarelo ouro e vinho. No ambien-te interno também possui uma si-nuca. “O bar é de gente pobre, tem cachaça, cerveja e sinuca”.

José conta que mesmo gos-tando de atender os clientes, quer voltar para o seu estado, pois está muito cansado de ser dono de bar e trabalhar bastante. “Tem que ter paciência de cozinhar pedra, pra mexer com bar”.

Surdez - De blusa branca, ber-muda, chinelos nos pés, óculos, e cabelos penteados para trás, esse

é João Mariano Sobrinho, de 60 anos. “Já fui açougueiro por uns 23 anos, no supermercado Real e no Variedades. Em 2000 montei um

bar porque fiquei surdo”.Sua surdez foi causada pela

diabetes e, desde então, trabalha com bar e afirma que gosta mui-

to dessa profissão. “Gosto muito, tem muita pessoa. Minha vida foi só atendendo o pessoal”.

Perigos- José afirma que não

existe perigo em trabalhar a noite, pois a polícia sempre passa na rua onde fica o bar. “Sempre que eles passam por aqui dou um refrige-rante, bato um papo, depois eles seguem”.

João, por sua vez, relata que aconteceu uma morte na calçada de seu bar, quando alguns mora-dores do bairro Nova Imperatriz vendiam drogas nas proximidades do estabelecimento. “Fiquei muito assustado, mas depois desse tem-po não teve mais confusão”.

Em dias de jogos de futebol, João liga quatro televisores no bar, dois dentro e dois fora. No peque-no ambiente, pintado de amarelo ouro e vinho, alguns frízeres en-costados nas paredes dividem es-paço com os muitos torcedores e consumidores.

“Ligo muitas sim, pra chamar clientes. Eles ficam animados e consomem mais”. João, apesar de surdo, entende por leitura labial, palavras escritas no papel, e al-guns gestos, mas nunca fez um curso de Libras. Em seu bar todos o entendem muito bem.

CAROLINE MATEUS

HÊIDER MENEZES

José Gomes de Oliveira, entre noites, risos e muita dedicação pela trabalho que faz, explica que é preciso ter muita paciência para ser dono de bar

Temístocles, baixista da banda Tadim de Nóis e jiu-jiteiro nas horas vagas, trabalha há quatro anos na noite de Imperatriz. Das noitadas, sai o auxílio para melhorar sua qualidade de vida

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al ANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

TAXISTASMotoristas que se arriscam na madrugada de Imperatriz relatam suas rotinas e destacam as diferenças entre o passageiro do dia e da noite

Corrida diária dos volantes noturnos

Assim como Daniel Mendes e Luís Carlos (a esquerda e direita respectivamente) os taxistas procuram trabalhar segundo os conformes,isto é, bem apessoados, para transmitirem aos passageiros uma imagem de maior credibilidade

JANYANA FRANCO

Baiano Adão Sousa, em momento de descontração busca em sua “caixa“ de memórias as experiências e recordações do passado vivido em família

JANYANA FRANCO

“Trim! Trim!” O telefone toca insis-tentemente. “Alô! Pois não?... Ok. Da-qui a alguns minutinhos já estou aí”. É assim que começa mais uma noite para Djalma Rodrigues da Silva, “o Djalmi-nha”. O apelido carinhoso foi dado pelos colegas de profissão do posto de táxi Castelo Branco. Sua rotina não é diferente dos outros tantos taxistas que se aventuram na penumbra da noite enquanto Imperatriz dorme.

Já no ponto de Nossa Senhora de Fátima, um dos mais conhecidos, filei-ras de carros lotam o quarteirão com taxistas à espera de passageiros. Os motoristas aguardam o chamado dos clientes tentando se distrair para que o tédio não os incomode tanto. Alguns ficam em frente à TV colocada em um apoio na parede dentro do posto, de olho nas notícias do canal 10. Outros permanecem sentados na praça em frente à banca de jornal, que ainda está aberta, batendo papo com os colegas.

Os chamados começam. A noite promete, seja no telefone central ou celulares de motoristas. “Quem liga no celular são os passageiros fixos”, conta Luis Carlos, 36 anos, que há quatro tra-balha como taxista. Antes de ser mo-torista morava na Europa. Passou dois anos em Valência na promessa de subir de vida, mas o futuro foi traiçoeiro e Luis acabou retornando a Imperatriz. Com o pouco dinheiro que conseguiu, comprou um taxi.

O taxista procura trabalhar segun-

do os conformes. Sempre bem apesso-ado, usa farda (camiseta azul, calça e sapatos pretos) para transmitir aos passageiros uma imagem de credibili-dade.

Quando perguntado qual a di-ferença entre o passageiro do dia e o noturno, a resposta foi quase sempre a mesma. Segundo eles, o do dia é mais imprevisível e geralmente pega o táxi para fazer viagens curtas, enquanto que o passageiro da noite é aquele dos bares e baladas.

Daniel destaca que os dias mais lucrativos para os taxistas são os sá-bados e domingos, já que muitos saem para se divertir e, também, nos perío-dos chuvosos.

Enquanto isso, no ponto da Praça de Fátima os taxistas aos poucos vão se dispersando e o local, que antes es-tava lotado de táxis vai se esvaziando no decorrer da noite. Levando esses motoristas a novas aventuras até o amanhecer, quando finalmente encer-ram o expediente.

JANYANA FRANCO

Vida de taxista noturno não é fácil. Além do perigo rotineiro, os motoristas ainda têm que lidar com situações inusitadas e às ve-zes constrangedoras, como já pas-sou Daniel Mendes dos Santos, 57 anos. “Peguei quatro passageiros na Beira Rio e levei eles na Vila Nova. Ao chegar na Vila, os ca-bras abriram a porta de uma vez e saíram correndo sem pagarem a conta. E eu fiquei só olhando, não tive reação”, conta, rindo muito ao lembrar da cena.

Bêbados também dão o ar da graça nessas situações. “Eles gri-tam muito”, revela Daniel. “Mu-

lher? Aí nem se fala. Teve uma que esqueceu até a blusa”, lembra o ta-xista Luis Carlos.

Outras histórias um tanto curiosas não são privilégio só de taxistas. Um mototaxista como Francisco Gonçalves está repleto de aventuras. Ele parou de traba-lhar na madrugada há quatro me-ses, mas não se esquece da vez que carregou um passageiro bêbado, que nem o capacete sabia colo-car e que acabou indo com ele ao contrário. “Quando chegamos ao destino desejado, o amigo do cara perguntou como tinha sido a via-gem e ele meio que cambaleando respondeu: Olha, a viagem foi boa, o único problema é que eu não en-xerguei nada”.

Casos e acasos dos taxistas que se aventuram na corriqueira e inusitada madrugada de Imperatriz

Histórias incomuns e inusitadas são frequentes para os que se arriscam na noite de Imperatriz, principalmente quem trabalha atrás do volante

JANYANA FRANCO

5ArrochaJorn

alANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

MILLENA MARINHO

Vigilantes enfrentam o temor e a solidão na calada de cada noite

RONDARotina de policiais militares e bombeiros nas noites de Imperatriz é tensa. A cada minuto os centros de operações registram dezenas de ligações

Para garantir segurança, eles não dormem

ANTÔNIO CARLOS FREITAS

“Boa noite senhora... diga senho-ra... me dê o endereço senhora... Rua Santiago do Chile, qual o bairro?... Aí tem ponto de referência?...Tá ok mais tarde chegaremos aí”. O sol-dado Françueldo Félix de Oliveira só precisa fazer essas básicas per-guntas para que um caso se torne policial.

Ele trabalha no Centro de Ope-rações (Copom) do 3º Batalhão de Polícia Militar do Maranhão, em Imperatriz. Na ocasião em que foi feita esta entrevista, sua rotina era

atender ligações realizadas via 190. Ele trabalha 24 horas e folga 48. “Na Polícia Militar existe uma coisa cha-mada instabilidade. Eu trabalhava na portaria e hoje estou aqui, ama-nhã eu não sei, só o comandante sabe. O que me resta é virar a noite cumprindo o que me foi dado”.

Engana-se quem pensa que Fran-çueldo tem vida mansa. A expressão que mais se pronuncia no Copom é “Polícia Militar de Imperatriz, boa noite”. O telefone não dá trégua, é colocar no gancho e ele toca de novo. Entretanto, isso não signifi-ca dizer que cada ligação seja uma

ocorrência. “De 30 ligações 31 são trotes”, brinca Françueldo.

Não existe um levantamento de quantos trotes a polícia recebe por dia, mas nos primeiros cinco minu-tos de entrevista para esta reporta-gem, o telefone tocou 15 vezes. Ape-nas uma ligação era de uma pessoa que realmente precisava do auxílio da polícia.

O Copom de Imperatriz é uma sala não muito grande, mas também não tão pequena. Conta com três linhas telefônicas e um rádio que serve para a comunicação entre as viaturas. As informações repassadas

a cada patrulha permitem que os policiais cheguem rápido até o local da ocorrência.

As noites no 3º Grupamento de Bombeiros Militar são menos turbu-lentas que na PM. Geralmente sete homens são escalados para ficarem de plantão, caso ocorram imprevis-tos. Em 15 maio de 2010, o plantão do cabo Hazan Campos já estava terminando. O dia estava nascendo, quando pelo 193 chegou a informa-ção que um acidente com ônibus ti-nha vitimado dez pessoas na “curva da morte” na BR-222, entre os muni-cípios de Açailândia e Bom Jesus das

Selvas. “Aqui você tem que esperar por qualquer coisa do mais simples até o mais grave”, enfatiza Hazan.

Hazan Campos é bombeiro há 16 anos. Antes era professor, mas viu na profissão atual uma oportuni-dade financeira. Hoje se considera apaixonado pelo trabalho. “Não foi aquele sonho, pois não queria ser bombeiro não, mas com o tempo você acaba gostando do faz”. A pro-va desse gostar está, segundo ele, em situações que crianças necessi-tam de socorro. “Fico com o cora-ção na mão! Só penso que são meus filhos”.

Viaturas que fazem ronda durante a noite recebem informações por meio de rádio. Os dados repassados a cada patrulha permitem que os agentes cheguem rápido até ao local da ocorrência e realizem todos os procedimentos recomendados

MILLENA MARINHO

São 22h e lá está o vigilante de 52 anos em mais uma longa e noturna jornada de trabalho. Seu olhar é cal-mo e cansado, acompanhado de va-garosas gesticulações.

Manoel Ramos faz parte da em-presa de segurança Vip e presta servi-ços à Receita Estadual do Maranhão, em Imperatriz. Seu expediente é das 19h às 7h. Ele diz que gosta de sua profissão, porém sente dificuldades a partir das 5h, pois tem medo da vio-lência, principalmente no percurso de casa. “Ando armado, mas o medo continua. Também teve uma vez que tentaram quebrar o vidro daqui”.

Antes de fazer parte da Vip, Ma-noel trabalhou em uma metalúrgica no estado de São Paulo e também como cobrador de ônibus, em Im-peratriz. “Foi por meio de um amigo, que na época era inspetor dessa Vip, que eu fiz um curso e consegui o em-prego”. Apesar dos atritos, ele diz que a noite é melhor para trabalhar. “Eu

penso em me aposentar daqui a cin-co anos”, conta, mostrando seu sorri-so envergonhado.

Assim como Manoel Ramos, há também inúmeros pais de família

que trocam o dia pela noite, espalha-dos região afora. É o caso do jovem de 28 anos, que trabalha há quatro como vigilante do Camelódromo. .

Manoel da Silva, que a noite guar-

da um dos centros comerciais mais conhecidos de Imperatriz, trabalha das 17h às 6h, sendo que durante o dia ainda é vendedor ambulante.

Em meio à solidão e vazio daquele

lugar, o caminho que o ponteiro do relógio percorre até as seis da mati-na parece que chega com dificuldade, fazendo com que a madrugada per-maneça longa.

Apesar disso, Manoel da Silva diz que está satisfeito com o seu traba-lho e não pensa em sair dali tão cedo. “Consegui esse emprego através de uma amiga, que me chamou pra fi-car aqui, e tô gostando. Só que tenho muito medo de vagabundos. O local aqui é aberto e eu não ando armado”.

Manoel permanece circulando por entre as vielas do Camelódromo durante toda a noite. “Um dia vi uma pessoa tentando roubar uma das bar-racas. A gente conta com o apoio da polícia, mas na hora ela falha”.

O vigilante tenta receber o seu salário dos proprietários de cada es-tabelecimento comercial que atuam no Camelódromo. No final do expe-diente, sai arrecadando em cada bar-raca. Uns pagam R$ 15, R$ 20, R$ 30, porém não são todos que concordam em colaborar.

Manoel da Silva caminha durante toda a sua jornada de trabalho, permanecendo sempre atento a cada detalhe que ocorre no Camelódromo

ANTÔNIO CARLOS FREITAS

6 ArrochaJorn

al ANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

FARMÁCIASEnxaqueca, reação alérgica ou um mal-estar repentino. Motivações para se procurar uma farmácia de plantão podem ser as mais variadas

JANY SOUSA

“Uma senhora aparentemente normal entrou na farmácia. Ao se deparar com a vitrine de perfumes parou em frente e ficou estática du-rante um tempo considerável. Ela parecia hipnotizada. Era como se o

mundo à sua volta tivesse deixado de existir. A princípio ficamos sem ação. Preocupados com aquela situ-ação, chamamos o Samu, que a le-vou para o hospital”.

Cristina Corrêa, gerente da far-mácia Big Ben, disse que nos seis anos de trabalho nesta empresa,

este episódio marcou sua memória. “Nós, seres humanos, somos uma caixinha de surpresas”.

Rose Pinheiro, gerente e pro-prietária da Farmasul, está nesta profissão há 11 anos. Ela adverte que esta atividade requer grande responsabilidade.

“Fiz uma injeção numa cliente e logo em seguida ela desmaiou. Fe-lizmente, pouco tempo depois ela retornou do desmaio para a minha tranquilidade. Todo cuidado é pou-co.

Precisamos ser éticos. Um pe-queno erro ou uma medicação mal

administrada pode trazer grandes consequências”.

O ritmo de trabalho na farmá-cia Pague Menos é frenético. A todo instante uma receita, e meia dú-zia de palavras entre atendentes e clientes sobre os medicamentos. Dâmires Lima, entre um atendimen-to ou uma arrumação de prateleiras me concedeu alguns minutos de sua atenção. Ela não para. Quando lhe perguntei qual o maior desafio de sua profissão, revelou: “Atende-mos a todos os tipos de pessoas. Há clientes que querem comprar medicamentos controlados sem re-ceitas médicas, o que não é permiti-do. Diante de nossa recusa, muitos não compreendem, chegando a nos ofender com palavras”.

O balconista Reginaldo Cardo-so, também funcionário desta mes-ma instituição, compartilhou um pouco de suas experiências. Está há dez nesta profissão. Sobre os inconvenientes dos plantões de tra-balho, destacou: “As horas durante o plantão demoram a passar, o mo-vimento é muito pouco. Há pouca divulgação dos plantões. Então ‘ma-tamos’ o tempo conversando, assis-tindo televisão, comendo. Quando há mercadorias para arrumar, apro-veitamos esse tempo ‘ocioso’ para limpar e organizar as prateleiras. Por plantão, somos dois, um vende-dor e um caixa”.

Na farmácia Extrafarma, o atendente Wellington Carvalho, há 23 anos nesta profissão, se diz sa-tisfeito com o seu trabalho. Ao fa-lar sobre os plantões, disse que os executa sem grandes esforços. “Já estou acostumado. Como somos muitos vendedores, somente a cada três meses é que cada vendedor está de plantão. Um cafezinho, conver-sas e a TV ajudam a passar o tempo. Quando chegam mercadorias apro-veitamos esse tempo para organizá--las nas prateleiras”.

Funcionários da farmácia Big Ben em mais uma noite de plantão. Esses “corujões” da emergência demonstram dedicação e empenho no atendimento durante sua extenuante jornada de trabalho

Histórias de quem passa noites de plantão

JANY SOUSA

Enxaqueca, reação alérgi-ca ou um mal-estar repentino.As motivações para se procu-rar uma farmácia de plantão são variadas. Afinal, a doença não escolhe dia, nem horário. Daí, a necessidade desse serviço 24 horas.

A Lei Federal nº. 5.991/73 em seu artigo 56 e a portaria es-tadual de nº. 07/87 dispõem so-bre os plantões de farmácias de Imperatriz. Esta Lei estabelece às farmácias registradas a reali-zação de um plantão de 24h uma vez por mês, que inicia às 22h e encerra às 7h30.

O calendário dos plantões é elaborado pela Divisão de Vigi-lância Sanitária do município. Luíz Ricardo, farmacêutico e fiscal do Conselho Regional de Farmácia, salientou que em

Imperatriz há 116 delas regis-tradas e 266 farmacêuticos cre-denciados. Este órgão fiscaliza a presença do farmacêutico nos estabelecimentos durante o ex-pediente de funcionamento e verifica se a documentação ne-cessária está em ordem.

Valdenira Nunes, lotada no setor de atendimento da Divisão de Vigilância Sanitária, decla-rou que a elaboração do calen-dário dos plantões de farmácias do ano subsequente é realizada todos os anos, durante o mês de dezembro. Esta instituição fis-caliza os plantões aleatoriamen-te. Se descumpridas, as sanções variam de multas ao fechamento do estabelecimento. “O calen-dário é pensado a partir de três grandes bairros: Centro, Vila Lobão e Bom Sucesso. Neles, diariamente, deve haver uma farmácia de plantão”.

Vigilância Sanitária elabora calendário de plantões das farmácias

JANY SOUSA

JANY SOUSA

A agenda de plantões das farmácias de Imperatriz é pensada a partir de três bairros polarizadores: Vila Lobão, Bom Sucesso e Centro

REBECA AVELAR

Gente por toda parte. Alguns es-corados nas paredes desgastadas pelo tempo, outros sentados à espera de assistência. Os mais combalidos des-confortavelmente se acomodam em macas que já carregaram outras doen-ças. Eis que aparece, então, a presen-ça mais aguardada da noite: o médico.

Mas, diferente dos abatidos ali presentes, o doutor boa praça circula por entre as pessoas com sorriso no rosto. Acena para um, conversa com outro adiante e segue para mais um plantão na emergência do Hospital Municipal de Imperatriz.

“Sábado é dia de bebinho!”, ante-cipa a técnica de enfermagem na en-trada da sala do pronto-socorro. De fato. Havia um homem visivelmente alcoolizado, exigindo o atendimen-to. A balbúrdia criada pelo indivíduo não causa espanto ao cirurgião geral Edson Santos, que entra na sala sem preocupação.

Segundo o médico, que há seis anos atende no Socorrão, a maioria dos pacientes que chegam à emer-gência está alcoolizada. Muitos deles envolvidos também em acidentes de trânsito. O setor administrativo do hospital mensura que cerca de 70% dos casos atendidos por dia pelo pronto-socorro seja desta natureza.

As horas avançam, e a madrugada traz consigo mais feridos. Os esfa-queados e baleados não surpreendem mais a experiente equipe, formada por dois técnicos de enfermagem e pelo médico. As mãos manuseiam com precisão os instrumentos de me-tal. Com olhos atentos, Edson não perde de vista o paciente, que urra de dor, ao sentir sua pele sendo literal-mente costurada.

Dilemas - Quando o entra e sai de pessoas parece cessar, surge pelo cor-redor adentro um homem desacorda-do sobre a maca trazida pelo Samu.

Rapidamente o cirurgião convoca reforços de outros setores. Os técni-cos a postos organizam o material ne-cessário para o procedimento que irá definir o destino daquela vida.

Por vezes desorientada, a equipe teme o óbito do paciente, que chega

à emergência com o corpo completa-mente ensanguentado, as mãos que-bradas, a cabeça esfaqueada e o crâ-nio parcialmente fragmentado.

Para enfermeira Poliana Natália, que há nove anos está na profissão, “é um impacto ver o sofrimento da famí-

lia, do paciente.” E confessa: “Meu co-ração ainda é mole para essas coisas”.

Natália nos conta sobre a rotina estressante da maratona noturna. “Se eu fosse casada não trabalharia a noite. Daqui um tempo quero deixar esse horário. Imagina acordar de noi-

te com este barulho?”. A enfermeira aponta para sirene, que toca ao avisar sobre uma nova ocorrência.

O médico Edson Santos, que desde as 19h do dia anterior estava de plan-tão, às 5 h é um homem exausto, que anseia por boas horas de sono.

7ArrochaJorn

alANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

Trabalho em pronto-socorro exige dedicação

SAÚDEPrincipalmente nos finais de semana, quando aumenta o número de vítimas alcoolizadas, rotina de médicos e enfermeiros depende de paciência e atenção

Funerárias lidam com dorJEFFERSON DE SOUSA

Irene Maria Martins, 59 anos, conta que nos seus mais de 20 comandando uma funerária, já presenciou inúme-ras histórias inusitadas. “Não é um dos melhores trabalhos do mundo. É um caminho de pedras e espinhos para tri-lhar, compartilhamos da dor e da soli-dariedade humana. A única coisa que não conseguimos desviar é da malvada morte”, constata, com um olhar triste e uma voz trêmula de quem já pre-senciou inúmeras perdas. O que mais deixou dona Irene chocada em todos esses anos foi o caso de uma criança que foi morta por um tipo de verme. “Criança e morte violenta dói mais no ser humano”.

Cercada de caixões, em um lugar pouco iluminado, Irene comenta que é difícil lidar com a perda de um ente querido. “Eu não quero e nunca vou me acostumar com a morte. Já perdi pai, mãe, marido. É uma dor que a gen-te não suporta”.

Como também trabalha em turnos noturnos, uma das poucas mulheres nesse ramo funerário diz que por mais que essas variadas situações aconte-çam, ela tenta passar para seus “clien-tes” o sentimento de compaixão para

tentar aproximar-se deles. “Nos mais diversos tipos de acontecimentos, se-jam eles brutais ou não, temos que ter coragem e não engravatar um sangue frio dentro de nós, tentar passar con-forto e carinho a quem precisa”.

Economia - Ganhar a vida com o falecimento de outras pessoas na ci-dade tornou-se uma forma sustentável de conseguir manter a casa. Irene foi umas das primeiras pessoas que abriu uma agência funerária em Imperatriz e hoje é presidente do Sindicato das Funerárias da cidade (Asefimp). “Com a fundação do sindicato, os associa-dos tiraram esse digladiamento entre vivos e mortos que aconteciam nos hospitais”.

Os profissionais que trabalham em agências fúnebres (tanatopraxistas), geralmente são estereotipados de frios e até “açougueiros” por exercerem uma profissão pouco conhecida pela popu-lação.

O que Irene tenta afirmar é que são seres humanos assim como nós, capazes de chorar e de sentir a perda de uma pessoa: “Eu já vi muitas coisas nesse ramo, pessoas de todas as ma-neiras, mas mesmo assim, não perco a minha sensibilidade diante de tais acontecimentos”.

Acostumados a lidar com os casos mais difíceis, trabalhadores do campo da saúde, principalmente a do pronto-atedimento, tem que estar preparados para conviver com diversos tipos de emoções

REBECA AVELAR

JEFFERSON DE SOUSA

Presentes em um momento complicado para as famílias, profissionais de agências funerárias precisam garantir a paz nestes lugares para confortá-las

8 ArrochaJorn

al ANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

MOTÉIS Funcionária que trabalha há cinco anos no local é responsável pela parte interna do motel e diz que sempre ouve vários gritos e barulho nos quartos

Prazer e trabalho depois da meia-noite

KEYLLA NAZARÉ

Um lugar de passagem que proporciona às pessoas prazeres, emoções e momentos inesquecí-veis., Os motéis são considerados locais de encontros secretos para uns e fetiches para outros. Nesse ambiente passam diversas pessoas para ficar algumas horas ou per-manecer uma noite.

“Temos 62 quartos, com 75 fun-cionários, é aberto 24 horas e nos-so diferencial é a limpeza, o bom atendimento e as inovações que temos nos quartos. Nosso cliente pode encontrar do mais simples com preços acessíveis e conforto, até o mais luxuoso”, anuncia a ad-ministradora do estabelecimento, que preferiu não se identificar.

Regiane, uma funcionária que

trabalha há seis anos no local, é responsável pela parte interna do motel. Atende os clientes dire-tamente no interfone, anotando seus pedidos e às vezes “salvan-do algumas mulheres de apanhar mais”, conforme brinca.

Ela relata que já acontece-ram vários episódios engraçados. Como fica circulando nos corre-dores, Regiane escuta muitos gri-

tos e gemidos. Em uma noite teve que intervir

dentro do quarto, pois o compa-nheiro de uma cliente estava ba-tendo nela e, para não chamar a polícia, teve que interfonar para o quarto pedindo para ele se acal-mar.

“Alguns clientes do motel en-tram e na hora de pagar a conta, deixam alguns objetos de valor

empenhados”. Esses tipos de casos acontecem

constantemente, segundo a fun-cionária. Quando o objeto ofere-cido não é suficiente, a policia é chamada e os clientes são levados para a delegacia até que a conta seja quitada.

“Com isso, o motel nunca tem prejuízo”, explica Regiane, com sorriso no rosto.

Luxo e emoção são combinações perfeitas para momentos intensos KEYLLA NAZARÉ

Zena é uma funcionária que já tem uma longa vivência no motel, pois trabalha como recepcionis-ta desde que este foi construído, há 25 anos. Pergunto quais são as vantagens que ela vê em trabalhar nesse lugar.

Ela me confirma que gosta, porque os horários são bons, os turnos são de folgas alternadas e tem salário fixo com carteira assi-nada. Seu turno é de 12h e a folga é 36h, o que faz com que ela possa ter tempo suficiente para realizar outras atividades em sua casa.

Pelo menos uma história foi inesquecível para ela nesses 25 anos de serviço. “Parecia mais uma noite normal de trampo. Uma se-nhora chegou em um carro, pediu a chave de um quarto, entrou e, minutos depois, o segurança que estava de plantão na noite foi na recepção perguntar que barulho era aquele que vinha de um dos quartos”.

Zena conta que foi verificar o que estava acontecendo. A senho-ra do carro estava gritando, total-mente nua, em frente da porta do quarto que o marido estava com outra mulher.

“Imagine! O barraco foi grande.

Eu e os meus colegas tivemos que tirar a amante do cliente por den-tro do motel enquanto ele tentava

acalmar sua esposa”.Zena confessa que, na hora,

“bateu” um desespero, “Naquele

momento me coloquei no lugar da esposa traída. Afinal de con-tas ninguém gosta de uma traição.

Mas agora eu conto como uma história muita engraçada de todas que já presenciei”.

Muitos funcionários preferem trabalhar nos motéis, pois a jornada de trabalho é de 12 horas trabalhadas e 36 de folga. Assim, relatam eles que têm um tempo livre para realizar outras atividades no seu dia-a-dia, sem atrapalhar o trabalho no estabelecimento

KEYLLA NAZARÉ

KEYLLA NAZARÉ

Motéis da cidade de Imperatriz têm um grande investimento para satisfazer seus clientes e lhes proporcionar momentos de prazer e conforto com preços variados, desde o mais simples até o luxuoso

PEDRO BARJONAS

EDYNARA VIEIRA

O que é jornada de trabalho e qual o seu objetivo?

É o tempo em que o emprega-do se coloca à disposição do em-pregador em virtude de um con-trato de trabalho que os vincula. A fixação da jornada de trabalho revela-se de suma importância por vários aspectos. Em primeiro lugar, por meio dela pode ser afe-rido o salário do trabalhador. Em segundo lugar é essencial para preservar a saúde do trabalha-dor, pois o trabalho excessivo é gerador de doenças profissionais e acidentes de trabalho.

Quanto à duração, como se classifica essa jornada e por quê ela é dividida?

A Constituição Federal fixou a jornada diária em 8 horas, e a semanal em 44, facultando a compensação de horários ou a redução mediante acordo ou convenção coletiva. Divide-se para evitar trabalhos excessivos em cargas horárias que extrapo-lem a legal.

Quanto ao período do dia em que é prestado o serviço, existe uma diferenciação aos que tra-balham durante o dia e à noite?

A Constituição Federal fixa em seu art. 7º, IX um adicional, denominado adicional noturno para pessoas que laboram a noi-te.

No campo as pessoas costu-mam acordar mais cedo para sua jornada de trabalho, dife-rente de quem trabalha na área urbana. Como a justiça do tra-balho vê isso?

Com relação aos trabalha-dores rurais, a legislação traba-lhista, bem com a Carta Magna protege. O art. 7º, caput da Cons-tituição Federal e parágrafo úni-co da Lei 5.889/73, fixam um adi-cional noturno ao trabalhador rural de 25%, sendo que o traba-lhador urbano é de apenas 20%. É considerada hora noturna ao trabalhador da lavoura das 21h às 5h e a hora do trabalhador ru-ral de pecuária das 20h às 4h.

O trabalhador noturno tem di-reito ao intervalo para o des-canso como trabalhador diur-no? A mesma regra se aplica aos dois?

Embora a hora noturna seja reduzida, o intervalo intrajorna-da realizado durante o trabalho noturno não sofre qualquer alte-ração. Ou seja, se a jornada for superior a seis horas, o interva-lo para o repouso e alimentação

será de, no mínimo, uma hora.

O que se deve entender como adicional noturno?

Adicional noturno é a impor-tância que se acresce à remune-ração do empregado que realiza trabalho noturno. A razão deste adicional é compensar o natural desgaste físico maior do traba-lhador, em horário normalmente destinado ao repouso.

Os trabalhadores noturnos são regidos por lei especial?

São regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e pela Constituição Federal.

O que é adicional de insalubri-dade?

É uma importância que se acresce à remuneração de traba-lhadores que laboram em ativi-dades ou operações insalubres. As atividades insalubres são aquelas que, por sua natureza,

condições ou métodos de traba-lho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da inten-sidade do agente e do tempo de exposição a seus efeitos.

Quem trabalha à noite tem o direito a esse adicional? Em que situação o trabalhador no-turno tem direito a esse adi-cional de insalubridade?

Todos os trabalhadores que laboram em atividades ou ope-rações insalubres tem direito. No entanto, a insalubridade

será eliminada ou neutralizada com a adoção de medidas que conservem o ambiente de traba-lho dentro dos limites de tole-rância e o fornecimento de equi-pamento de proteção individual.

O trabalhador noturno pode fazer hora extra?

A hora normal tem a dura-ção de 60 (sessenta) minutos e a hora noturna, por disposição legal, nas atividades urbanas, é computada como sendo de 52 minutos e 30 segundos. Ou seja, cada hora noturna sofre a redução de 7 minutos e 30 se-gundos ou ainda 12,5% sobre o valor da hora diurna. Sendo as-sim, jornadas superiores a esta, são computadas como hora ex-tra.

O adicional noturno integra a base de calculo das horas extras prestadas no período noturno?

Conforme estabelece a orien-

tação Jurisprudencial-97- SDI1 - o adicional noturno integra a base de cálculo das horas extras prestadas no período noturno.

A idade minima de admis-são para prestação de trabalho é com 16 anos desde que siga algumas condições especiais. Existe a possibilidade deste maior de 16 e menor de 18 se tornar um trabalhador notur-no nessa idade?

A idade mínima de admissão para prestação de trabalho é com 16 anos, desde de que siga algu-mas condições especiais.

Quanto à empregada noturna gestante, seu horário de traba-lho continua o mesmo?

O trabalho noturno da gestan-te é regido pela regra geral da jor-nada noturna.

Se a jornada de trabalho ha-bitual for diurna, mas excep-cionalmente ele foi convocado para exercer o trabalho no pe-ríodo noturno, ele recebe o adi-cional referente a todo período trabalhado?

Recebe normalmente e pelo período laborado no período no-turno.

Qual o período máximo inin-terrupto que um trabalhador noturno pode trabalhar legal-mente falando?

Conforme preceitua o art. 7, XIV da Constituição Federal uma jornada de 6 horas para o traba-lho realizado em turnos ininter-ruptos de revezamento, salvo ne-gociação coletiva.

Como a Justiça do Trabalho vê a necessidade de sono e as neces-sidades humanas básicas do tra-balhador noturno?

O trabalho noturno é fruto da necessidade de produção e funcio-namento contínuo de nossa socie-dade. O turno de trabalho noturno de 8 ou 12 horas é aceito legalmen-te e ocorre em todo o mundo in-dustrializado.

E para senhora qual impacto esse trabalho noturno pode causar na vida social e familiar do empregado?

É inquestionável que o trabalho noturno traz danos ao trabalha-dor, seja na esfera familiar, social, como na sua própria saúde. No entanto, nos dias atuais, ele torna--se inevitável. Necessário é que se conceda um mínimo de condições para que este trabalhador tenha um ambiente saudável e que o em-pregador respeite a jornada pre-ceituada na legislação, evitando jornadas extraordinárias.

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alANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

ENTREVISTAAdvogada e professora Anne Harlle Lima da Silva

Trabalho noturno pode ocasionar danosQuando se fala em Direito Traba-

lhista logo associamos ao salário, décimo terceiro e férias mas poucos procuram saber de fato seus reais benfícios.

Principalmente para quem tra-balha à noite, questões como o adi-cional noturno, insalubridade, hora extra, entre outros, interessam bas-tante.

Com o objetivo de esclarecer algumas de nossas dúvidas mais frequentes convidamos a advoga-da e professora Anne Harlle Lima da Silva, especialista em Direito do

Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade para Desenvolvimento da Região do Pan-tanal – (Uniderp, Rede de Ensino Luis Flavio Gomes).

Nesta entrevista ela explica os principais direitos e deveres dos tra-balhadores que, por trabalharem à noite, contam com diferenciais no mecanismo legal.

DAYANE SOUSA

“É inquestionável que o trabalho noturno traz danos ao trabalhador,

seja na esfera familiar, social, como na sua

própria saúde”

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ANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

BATALHAFrancisco Jonas enfrenta, toda noite, os perigos das ruas da cidade. Ele é responsável pela publicidade, por meio de faixas, de mais de 70 empresas

Ofício de colocar faixas veio de famíliaMÔNICA BRANDÃO

Quarta-feira chuvosa. A semana toda foi assim. O administrador de empresas Jan Ricardo está impacien-te na frente do computador. “Essa arte está demorando muito pra ficar pronta. Temos pressa! Ainda tere-mos que esperar a gráfica, a chuva passar e o Jonas ter tempo para co-locar as faixas”.

De fato foi um desafio. Três dias tentando. “Alô! Jonas, devo pegar o material hoje. Você pode vir buscar? Ok, ok, eu espero, mas faça um es-forço. Precisamos delas nas ruas o mais rápido possível. Aguardo!” É o fim de mais uma tentativa frustrada de conseguir a valiosa prestação de serviço.

Mas, no dia seguinte, eis que vem a oportunidade. O homem super tí-mido, jovem, mas com algumas mar-cas no rosto deixadas pelas noites sem dormir, chega. Vestido em uma camisa laranja, um short azul, que estavam encharcados pela chuva que ainda caía, e calçado em um chi-nelo, com um capacete na mão.

“Seu Jean está aí?”, procurou por Jan Ricardo. “Oi, Jonas, as faixas es-tão aqui. Coloque todas nos locais habituais e o mais rápido possível!”. O colocador de faixas e o adminis-trador fecharam mais um acordo.

E lá foi Francisco Jonas Ribeiro de Menezes iniciar mais uma noite de trabalho. O serviço é complica-do. Sobe no poste, tira a faixa anti-ga, desce, pega a nova e coloca no lugar. A mesma atividade é feita em média 20 vezes por noite.

História – O colocador de faixas

tem 35 anos e há 21 presta o serviço. O trabalho vem de berço, o pai de Jonas sustentou a família durante muitos anos com o dinheiro conse-guido com colocação de faixas pu-blicitárias. O filho logo entrou no ramo. Os estudos ficaram de lado, mas, disto, ele prefere não comentar muito. “Eu comecei com as faixas do Paraíba, aí depois peguei mais em-

presas”. Agora já são mais de 70, dos mais variados ramos, desde publici-dade para casas de shows ao anún-cio de cultos evangélicos.

Jonas é casado e tem três filhos. “Tem noite que eu saio e só volto no outro dia. Minha mulher já acostu-mou. Às vezes levo os minino, mas é difícil porque eles estuda”. Ele incen-tiva a educação dos filhos.

Mesmo dormindo pouco, o ser-viço continua durante o dia. Jonas paga as taxas municipais, cobra-das para a colocação dos anúncios, e verifica se está tudo certo com a estrutura das faixas. Isso é feito de manhã e à tarde. “Se o cliente quiser, ele me dá o dinheiro e eu pago tudo. Não gosto de ficar dormindo o dia todo”.

E Jonas é mesmo de confiança “Faz tempo que conheço o trabalho dele. Sempre foi honesto”, elogia Jan Ricardo que, há pelo menos 12 anos conhece o serviço de Jonas.

“Eu gosto do meu trabalho. É o que sei fazer”, confessou, com voz e cabeça baixas, não por vergonha, mas pela timidez, que é uma das suas características.

Ser frentista a noite em Imperatriz é mais confortável pelo climaANA CARLA RIO

Estava frio, o vento começa-va soprar. Decerto, uma mudança no tempo. O frio passava por eles agora. Olhou para o lado surpreso, poucas estrelas no céu, que naque-le instante tinha outra coloração: estava vermelho, sinal de muita chuva. O frentista Claudemir Ro-drigues, casado, dois filhos, 39 anos, é um dos trabalhadores no-turnos do Posto Avenida.

“Essa é uma profissão tranquila a noite, pois é mais frio. De dia o sol castiga demais. Não acho peri-goso, nunca aconteceu nada comi-go. Aqui me sinto como se estivesse na festa. Tem a loja de conveniên-cia e fica bastante gente bebendo uma cervejinha, ouvindo música”.

O ambiente mais parece uma loja de conveniência que tem um posto de gasolina. As luzes são in-tensas, coloridas. Ao longe se avis-tam as bebidas. Elas também tem cores vibrantes, chamam atenção de quem passa. Em dias de chuva tem whisky na promoção.“Vejo de tudo, de mulher nua a cara mos-trando as partes. Penso ser o efei-to da bebida. Muitas vezes o som é alto demais. Depois que tudo quan-to é festa acaba, todos os bêbados da cidade resolvem perturbar nosso sossego”, conta o frentista Pedro Je-fferson Gomes de Oliveira, 30 anos, que está na profissão há oito anos.

“Boa noite. Irmãozinho, abre aí meu peixe. E aí, como que é? 20 re-ais aí, o de sempre pô”. Manoel Ro-berto Cardoso, 34 anos, trabalha há seis anos como frentista e comenta que gosta da profissão, pois, traba-

lha um dia sim e outro não. Acres-centa que a quantidade de clientes diminui a noite.

Ele sente falta da presença de uma loja de conveniência, pois tudo fica muito deserto e as chan-

ces de assalto são maiores. “O cha-to de trabalhar a noite é que, quan-do você está quase descansando, chega um cliente e diz: Coloca dois reais, e ainda reclama do preço. Às vezes tô cochilando e acordo pra

colocar um real, já aconteceu vá-rias vezes. E o medo de passar os centavos? Quando é pouco sempre passa”, conta, com uma risada lar-ga.

“Quem trabalha de dia tem que estar aqui todos os dias. De noite não, é um dia sim e outro não”, in-forma o frentista Josiel Pereira da Silva Roma, 29 anos, casado. Ele conta que gosta de trabalhar a noi-te porque ganha mais.

A Constituição Federal, no seu artigo 7º, inciso IX, estabelece que são direitos dos trabalhadores, além de outros, remuneração do trabalho noturno superior à do diurno. A hora normal tem a dura-ção de 60 minutos e a hora notur-na, por disposição legal, nas ativi-dades urbanas, é computada como sendo de 52 minutos e 30 segun-dos. Ou seja, cada hora noturna sofre a redução de sete minutos e 30 segundos. Jornadas de trabalho excedentes a seis horas tem que ser intercaladas por intervalos de, no mínimo, uma hora e, no máximo, duas horas.

“Trabalhamos 12 horas direto, não temos intervalo não. O único companheiro é o cafezinho. E ou-tra, se faltar no caixa o patrão des-conta”. Os frentistas não sabem ao certo seus direitos, apenas obser-vam que ganham um pouco mais que os trabalhadores diurnos, e sentem-se honrados por isso.

Muitos trabalhadores noturnos dos postos ultrapassam os limites de horário permitido por lei e desconhecem os seus direitos trabalhistas

Em uma noite chuvosa, ele recolheu o material de trabalho e partiu para as ruas de Imperatriz. Jonas quer dar uma boa vida aos filhos. “Eu gosto do meu trabalho. É o que eu sei fazer”, diz

MÔNICA BRANDÃO

RÔMULO FERNANDES

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ANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

ADRIANO FERREIRA

Margaridas são flores delicadas

que geralmente abrem seus sorrisos sob a luz do sol durante todo o dia e se deliciam com o orvalho da noite. Roseana Sampaio é de uma espécie mais resistente e de hábitos notur-nos, isso porque as mulheres garis são chamadas carinhosamente de “margaridas”.

A rotina de trabalho de Roseana inclui sábados, domingos e dias san-tos. Os horários se estendem de 19h às 2h de uma fria e calada noite em que a “margarida” dança lentamente com suas ferramentas de trabalho: vassoura, lixeira, coturnos, e uma sacolinha que utiliza como guarda

mantimentos, seu lanche. Atrás dela um rastro de limpeza vai ficando. “Faz um ano que estou na empresa. Desde que comecei escolhi o turno da noite. É mais frio e tranquilo”.

Fome ela diz que não passa, pois os vigilantes noturnos, donos de lan-chonetes e restaurantes sempre dão algo para comer. Antes de iniciar os trabalhos a empresa também dispo-nibiliza uma singela refeição a todos que trabalham à noite.

Roseana tem 31 anos e veio morar em Imperatriz por volta dos cinco, quando sua mãe adotiva se mudou de Barra do Corda. Com certa natu-ralidade e com ar de quem não viveu as doçuras de infância, a flor diz que não conheceu seus pais biológicos, pois muito cedo ela foi entregue aos

cuidados de Valdenice Sampaio, que “fez o que podia para criá-la.”

O jardim da “margarida” fica a aproximadamente 20 quilômetros do seu local de trabalho, Parque Senha-rol, e depois de uma rotina de “bicos” – pequenas faxinas que faz durante o dia – ela pedala até a garagem da empresa para de lá ser levada ao tra-balho. “Os filhos (três) ficam em casa com uma menina que cuida deles pra mim. Durante o dia eles tem escola”.

Roseana é mãe solteira, mas tem namorado e faz questão de avisar logo para os colegas que não gosta de desrespeito: “Quando eu cheguei na firma eu já disse logo que não era mulher de brincadeira. Tem que res-peitar!”

A “margarida” sonha em ter “uma

casa boa e montar um restaurante”. A coisa que mais gosta de fazer “e faz bem feito”, segundo ela, é comida, “principalmente se tiver companhia”.

Apesar da necessidade que gerou a motivação para trabalhar como gari, Roseana diz que é uma rotina dura que prejudica seu corpo, pois “com chuva, com frio, perigoso ou não”, ela tem que deixar limpa uma área cheia de becos e ruelas som-brias, como o Mercadinho, de aproxi-madamente 2 mil metros quadrados, em quatro horas de trabalho.

Correria - Da mesma forma que Roseana, Jonas Pereira já trabalha há quatro anos como gari, “sempre à noite, todos os dias, geralmente até quatro horas da manhã, com folga aos domingos”. Ele diz que o mais di-

fícil “é sair correndo atrás do carro com os sacos de lixo na mão”.

Jonas tem 31 anos e gosta de tra-balhar como gari. Por causa da pres-sa do trabalho as respostas curtas e secas vão se apressando mais ainda com a iminência da chuva. “Temos capa de proteção, não podemos pa-rar”.

Ele conta também que come na rua quando alguém lhe dá e quando o trabalho acaba. Apesar de não ter físico de atleta, tem fôlego de aço pra suportar a maratona noturna por dentro do bairro Bacuri. Uma distân-cia que vai desde a feirinha do Bacuri até as proximidades do bairro da Ca-ema, sentido rio Tocantins e, sentido Brasília, até as proximidades da saída de Imperatriz.

LIMPEZAMulheres e homens que trabalham como garis nas noites imperatrizenses contam como é a rotina e a “maratona” de quem limpa as ruas da cidade

“Turno da noite é mais frio e tranquilo”ADRIANO FERREIRA

Além de trabalhar como gari, Roseaana faz bicos como faxineira durante o dia todo para sustentar os filhos

RAYNAN PINHEIRO

Eram cerca de 22h quando um homem me chamou a atenção. Ele tinha uma expressão forte, meio ranzinza, mas um olhar que muito me cativou. Em uma das inúmeras casas de shows de Imperatriz, surge o flanelinha Wellyton da Silva, 32 anos, mais conhecido como Scoob – apelido dado pelos amigos de ser-viço pelo jeito desajeitado como ele anda.

“Boa noite, dotôr, pode deixar com nóis que eu olho o carro”, pro-

pôs, apontando para um automóvel modelo New City na cor preta, de onde saiu um jovem “mauricinho” com um ar de arrogância cuja face era claramente refletida no brilho do seu possante recém-lavado e po-lido. “Eles são sempre assim”, afir-mou Scoob, se referindo ao jovem que saiu sem dizer uma única pa-lavra.

“Eu sempre quis estudar, sempre tentei dar o melhor para os meus fi-lhos e sei que o melhor que eu pos-so deixar pra eles é o estudo”. O ho-mem a minha frente, que até agora

pouco parecia ser o ser humano mais ranzinza da Terra, mudou to-talmente sua expressão, assumindo uma posição mais desarmada.

“Fui obrigado pela minha mãe a largar os estudos e ter que traba-lhar no garimpo. Olha que eu só ti-nha 11 anos e era responsável por uma família, já que fui criado sem um pai”. Scoob trabalha como fla-nelinha há mais de sete anos e já passou por muitas situações, desde ser assaltado até ser confundido com um bandido.

“Foi com o dinheiro que ganho

sendo flanelinha que comprei o pri-meiro buquê de rosas para minha esposa no dia do nosso aniversário de casamento”. Wellyton muda de assunto como se as situações e os perigos que está sujeito todas as noites não o preocupassem.

Tento voltar ao assunto sobre o assalto que ele sofreu e sou inter-rompido rapidamente: “Prefiro sair de casa com a sensação de que pela manhã eu ainda possa beijar e dizer bom dia para minha esposa e meus filhos”. Agora sei por que os olhos daquele humilde flanelinha me cha-

maram tanta atenção: por fora um homem rígido e firme, enquanto seus olhos, cuja infância foi rouba-da pela responsabilidade de man-ter uma família, ainda conservam os mesmos medos e inocência de quando tinha 11 anos.

“Eu gosto do que faço”, diz com firmeza, caminhando em direção a outro carro que estacionava. “Va-leu, dotôr”, encerra nossa conversa, me fazendo pensar que enquanto metade da cidade dorme ainda tem muita gente lutando pelo pão de cada dia.

“Valeu, dotôr“: flanelinha Scoob vive rotina atribulada nas noites

Gari Jonas Pereira trabalha de segunda à sábado fazendo uma verdadeira “maratona” para poder dar conta da limpeza

ADRIANO FERREIRA

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ANO III. NÚMERO 15 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

ALIMENTAÇÃO

AMANDA OLIVEIRA

O relógio marca 19h. Pontual, João Marcos Silva Sousa, 29 anos, chega para iniciar seu turno, que só terminará às 7h do dia seguinte, em um bar no centro da cidade.

“Com o fim de semana se apro-ximando a noite promete”, anuncia, com um largo sorriso. Próximo dali, em um restaurante na rua Barão do Rio Branco, Artur Carlos Santos, 22 anos, já iniciara há duas horas seu expediente, que seguirá até 1 hora da madrugada.

“Eu gosto de ser garçom, pois o serviço não é pesado. Eu já atuei em outros ramos, como vendedor ex-terno e secretário, mas o salário era muito baixo”, conta Artur, que está no ramo há quatro anos.

“Eu trabalhava como segurança pessoal e patrimonial, é a área que sou capacitado. Trabalho como gar-çom há pouco tempo. Estou tendo essa experiência por questões finan-ceiras. Fui obrigado”, desabafa João Marcos, agora, sem o sorriso no ros-to. O telefone toca. Muito educado, ele dá informações para o cliente do outro lado da linha.

Durante a conversa, pessoas en-travam e saíam do bar. Uns pegavam uma cerveja e sentavam, outros par-tiam rapidamente, sem nada consu-mir. O olhar do ex-segurança não parava quieto, parecia procurar algo.

Talvez uma mão estendida em algu-ma mesa ou será mesmo a força do hábito adquirido em sua antiga pro-fissão?

Mas é Artur que explica o motivo de tanta atenção. “Se acontece algo que é de minha responsabilidade, como por exemplo, calcular a conta do cliente errada, eu tenho que arcar com o prejuízo. Descontam do meu bolso”.

João Marcos conta que em uma noite de bastante movimento, ele chega a atender 500 pessoas. “Por ser apenas um garçom por turno, eu pre-ciso ser bastante dedicado para dar conta do serviço”. Já Artur atende, em média, 150 clientes em noites de muito movimento no restaurante.

Apesar de ter expectativas de vol-tar a trabalhar como segurança, João Marcos garante que o salário de gar-çom é suficiente para sustentar a es-posa e suas duas filhas. “Aqui não é carteira assinada, mas o proprietário é muito gente boa. Sempre que pre-ciso, ele me dá alguma gratificação”.

Artur mora com os pais, mas tra-balha para ter sua independência fi-nanceira. Ele conta, orgulhoso, que trabalhando como garçom já com-prou sua moto e está fazendo suas economias para pagar o tão sonhado curso de psicologia, que ele espera ser ofertado em breve por alguma das faculdades existentes em Impe-ratriz. Em Imperatriz, trabalho de garçom consiste em servir os clientes, fazer cálculos, fechar a conta e ouvir atentamente as suas aventuras e desventuras

Dedicação à arte de servir caracteriza vida de garçom em Imperatriz AMANDA OLIVEIRA

De domingo à domingo, os churrasqueiros da noite seguem sua rotina “religiosa” para oferecer ao imperatrizense o espetinho que complementa o jantar

Espetinho vira “pão nosso” de cada noite

HILTON MARCOS FERREIRA

Quando cai a noite em Impera-triz, os Dog’s da Praça de Fátima e a panelada das Quatro Bocas levam vantagem na atenção das pessoas no quesito alimentação. Afinal, to-dos sabem que poderão encontrar esses estabelecimentos abertos até o raiar do dia.

Mas, nas horas pioneiras da noite é o vendedor de espetinho

que faz a diferença. Presentes em quase todos os bairros, esses trabalhadores possuem o perfil de Maria do Socorro Barbosa, 58 anos. Cinco deles dedicado à arte de assar churrasquinhos e ofere-cer como acompanhamento um prato com arroz, um “punhado” de farinha amarela, dois pedaços de macaxeira cozida, salada de to-mate e pepino e a metade de um limão.

Os churrasqueiros aten-dem uma clientela que é ba-sicamente formada pelos mo-radores vizinhos, estudantes universitários e trabalhadores li-vres, de passagem por Imperatriz.

Dona Socorro conhece essa re-alidade: “Meu filho também vive assim, ele trabalha em uma fir-ma e mora atualmente em Cam-po Grande (MS). Come todos os dias fora, num espetinho lá per-

to da casa dele”. José Silva, 54 anos, também compartilha esse modo de vida. Vizinho de Socor-ro, todas as noites está por lá.

A rotina de Socorro começa às 10h, quando começa a cortar e a temperar as carnes e, pouco antes das 19 horas, pré-assar os espe-tos para deixar todos “no ponto”.

Depois de postos na churras-queira, demora no máximo dez minutos para servir. O prato cus-

ta em média de R$ 7. “O bom do espetinho é que ele é barato, rá-pido e sempre tem um perto de casa”, afirma Alan Ribeiro, 17 anos, um dos fregueses que re-correm aos serviços de Socorro.

Todos os dias, de domingo a domingo, Socorro e outras de-zenas de vendedores de espe-to seguem a sua rotina religiosa para oferecer ao povo de Impera-triz o “pão” nosso de cada noite.

HILTON MARCOS FERREIRA

Vendedores de espetinho estão presentes em todos os bairros de Imperatriz, oferecendo um cardápio composto por carne bovina, suína, aves e linguiça. Vizinhos e universitários formam a clientela fiel desses trabalhadores noturnos