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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo: 0879/14 Data do Acordão: 22-04-2015 Tribunal: 2 SECÇÃO Relator: ARAGÃO SEIA Descritores: IVA FACTO TRIBUTÁRIO Sumário: No imposto do IVA, tanto a possibilidade de cobrança do imposto, como a possibilidade de dedução do imposto apurado, está intimamente conexionada com a existência de uma concreta transacção comercial, transmissão de bens ou prestação de serviços, relativamente à qual se possa fazer o cálculo concreto do imposto exacto que deve incidir sobre essa mesma transacção. Nº Convencional: JSTA000P18869 Nº do Documento: SA2201504220879 Data de Entrada: 11-07-2014 Recorrente: A............ Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICA Votação: UNANIMIDADE Aditamento: Texto Integral Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A…………, inconformado, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (TAF de Penafiel) datada de 27 de Março de 2014, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IVA nº 07065554, no valor de € 40.662,03, relativa a 2007. Alegou, tendo concluído como se segue: 1-A liquidação de IVA impugnada foi emitida na sequência do envio, pela devedora originária da declaração periódica do IVA sem meio de pagamento, declaração onde foi inscrito o montante de € 42.269,85 relativo à factura nº 243. 2-Como resulta dos factos provados, os trabalhos “extra” de construção civil a que se refere a dita factura não foram efectuados. 3-E, por isso, não foram pagos pela sociedade utilizadora da factura que também não deduziu nem compensou o respectivo IVA. 4-Por se tratar de imposto indevidamente liquidado, foi lançado a crédito na conta corrente da devedora originária a quantia de € 43.362,26. 5-Não se aceita que as liquidações só possam ser Página 1 de 10 Acordão do Supremo Tribunal Administrativo 11-05-2015 http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3d44c58f373b3947...

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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal AdministrativoProcesso: 0879/14Data do Acordão: 22-04-2015Tribunal: 2 SECÇÃORelator: ARAGÃO SEIADescritores: IVA

FACTO TRIBUTÁRIOSumário: No imposto do IVA, tanto a possibilidade de cobrança do

imposto, como a possibilidade de dedução do imposto apurado, está intimamente conexionada com a existência de uma concreta transacção comercial, transmissão de bens ou prestação de serviços, relativamente à qual se possa fazer o cálculo concreto do imposto exacto que deve incidir sobre essa mesma transacção.

Nº Convencional: JSTA000P18869Nº do Documento: SA2201504220879Data de Entrada: 11-07-2014Recorrente: A............Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICAVotação: UNANIMIDADE

Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, inconformado, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (TAF de Penafiel) datada de 27 de Março de 2014, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IVA nº 07065554, no valor de € 40.662,03, relativa a 2007.

Alegou, tendo concluído como se segue:1-A liquidação de IVA impugnada foi emitida na sequência do envio, pela devedora originária da declaração periódica do IVA sem meio de pagamento, declaração onde foi inscrito o montante de € 42.269,85 relativo à factura nº 243.2-Como resulta dos factos provados, os trabalhos “extra” de construção civil a que se refere a dita factura não foram efectuados.3-E, por isso, não foram pagos pela sociedade utilizadora da factura que também não deduziu nem compensou o respectivo IVA.4-Por se tratar de imposto indevidamente liquidado, foi lançado a crédito na conta corrente da devedora originária a quantia de € 43.362,26.5-Não se aceita que as liquidações só possam ser

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anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na factura ou documento equivalente.6-No caso, mais do que isso, provou-se que a prestação de serviços não ocorreu e que, por isso, o imposto foi indevidamente liquidado.7-Nos termos do disposto no artigo 1º, nº 1 do CIVA, o facto tributário é a transmissão de bens ou a prestação de serviços.8-Na situação dos autos, como foi dado como provado, a prestação de serviços não ocorreu, inexistindo, por isso, facto tributário, o que não pode deixar de ser atendido. 9-Independentemente de a devedora originária poder deduzir o imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificam as circunstâncias que dão origem a tal regularização e independentemente de poder recuperar através do pedido de reembolso do crédito apurado, certo é que sempre a inexistência de facto tributário fundamentaria a anulação da liquidação.10-Para o Recorrente, enquanto responsável subsidiário, importa, não a dedução do imposto através do pedido de reembolso, mas o reconhecimento dos factos que alegou e que determinam a inexistência do facto tributário.11-E, tendo sido feita prova da inexistência do facto tributário, a impugnação só poderia proceder.12-A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1º, nº 1, 8º nº 1 a), 78° do CIVA e artigo 99° do CPPT.Termos em que, revogando a decisão recorrida e julgando procedente a impugnação, se fará JUSTIÇA.Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela procedência do recurso, nos seguintes termos:“1.O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 147 e seguintes do TAF de Penafiel, que julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação impugnada. O Recorrente invoca erro de julgamento, considerando que não tendo sido realizada a operação subjacente à liquidação do imposto, este não é devido e nessa medida deve ser anulada a liquidação. 2. Na sentença recorrida deu-se como provado que o Recorrente foi citado na qualidade de responsável subsidiário para efectuar o pagamento da quantia de € 40.662,03 euros, relativa a liquidação de IVA do mês de Janeiro de 2007, resultante de declaração apresentada pela sociedade "B…………, Lda." em 09/03/2009 sem meio de pagamento. O referido imposto foi objecto de

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liquidação na factura nº 243 por serviços prestados à sociedade "C…………, Lda .. Os referidos serviços não foram prestados e a factura em causa não foi paga pela "C…………". No âmbito do processo nº 1141/08.1TBSTS, que correu termos no Tribunal Judicial de Santo Tirso e no qual figura como ré a sociedade "C…………, LDA." e com Autor o aqui Recorrente, este reconheceu não ter executado os serviços que constam da factura nº 243 emitida àquela sociedade. Mais foi dado como assente que em 09/09/2011 a devedora originária entregou a declaração periódica referente ao mês de Maio de 2011, na qual inscreveu a título de regularizações e ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 78º do CIVA, o valor de € 43.362,26 euros, que inclui o valor de € 42.269,85 euros, respeitante ao IVA liquidado na factura nº 243. E em 24/09/2011 a referida quantia de € 43.362,26 euros foi lançada a crédito na conta corrente da devedora originária, a qual declarou cessada a sua actividade para efeitos de IVA em 31/08/2011. 3.1 Para se decidir pela improcedência da acção de impugnação o Mmo. Juiz "a quo" considerou que "as correcções ao IVA liquidado na fatura em causa só podem ocorrer através de regularizações pelas formas previstas no art. 78º do CIVA". Por isso, concluiu, "não se pode dizer que exista qualquer ilegalidade quanto à liquidação reclamada, porquanto não se verifica a inexistência do facto tributário alegada pelo impugnante, tendo em conta que, para efeitos de IVA, ocorre o facto tributário no momento da emissão da fatura ou documento equivalente, independentemente de se concluir à posteriori não se ter realizado a operação titulada por tais documentos, tal como na situação em apreço, sendo desde logo exigível o imposto, de acordo com o disposto no art. 8º do CIVA". 3.2 Contra o assim decidido insurge-se o Recorrente, o qual alega que o facto tributário é a transmissão de bens ou a prestação de serviços, pelo que tendo ficado provado que a prestação de serviços não ocorreu, há que concluir pela inexistência do facto tributário. E afigura-se-nos que lhe assiste razão. Com efeito e como alega o Recorrente, há que distinguir entre exigibilidade do imposto, o qual ocorre com a emissão da factura, e a inexistência do facto tributário, a qual ocorre sempre que se concluir que não houve lugar à prestação de serviços ou transmissão de bens subjacente à liquidação do imposto. E a inexistência do facto tributário configura vício invalidante da liquidação e fundamento da impugnação

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judicial. Na verdade, a exigibilidade do IVA após a emissão da factura assenta no facto de o adquirente dos bens ou da prestação dos serviços passar a ter o direito de deduzi-lo, de modo que o sistema só funciona se os sujeitos passivos respeitarem as regras, sob pena de se frustrar o objectivo de neutralidade do imposto e de dar azo a fraude e evasão fiscal. Refere a este propósito XAVIER DE BASTO (in "A harmonização Fiscal na CEE", Ciência e Técnica Fiscal, nº 362, p. 44.), «cada factura com menção de imposto, constitui "um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, (...) a simples menção do IVA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um "devedor de imposto". Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados". Contudo, naqueles casos em que a operação sujeita a imposto for anulada ou o seu valor for alterado há lugar à retificação do imposto, nos termos do artigo 78º do CIVA (e art. 90º, nº 1, da Directiva 2006/112/CEE do conselho relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado). E essa regularização pode ser efectuada desde que o adquirente dos bens ou dos serviços prestados tome conhecimento da retificação e seja reembolsado do imposto suportado e proceda por seu lado à correcção do imposto que deduziu – nºs 4 e 5 do artigo 78º do CIVA. No caso concreto dos autos resulta assente que pese embora a factura com o IVA liquidado tenha sido emitida pela executada originária, o seu valor não foi pago, nem o imposto foi deduzido pela empresa adquirente dos serviços (que não foram prestados), como se infere do acordo que pôs termo à acção judicial intentada para resolução do diferendo entre a pretensa prestadora dos serviços e a adquirente (pese embora não tenha sido dado como assente o teor do documento junto autos e emitido em cumprimento do acordo homologado na referida acção judicial, afigura-se-nos que os termos de tal acordo se mostra suficiente para concluir dessa forma). Tanto basta

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para se concluir que não há motivos, nem fundamento legal para a administração tributária exigir o pagamento do imposto liquidado, uma vez que este não foi suportado pelo adquirente dos serviços, nem por este foi deduzido. Decorre da jurisprudência do TJUE que as medidas para evitar fraudes ou evasões fiscais apenas devem afectar o menos possível os objectivos e os princípios da directiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma que ponham em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União na matéria, de acordo com o qual o valor tributável é constituído pela contrapartida efectivamente recebida, que tem por corolário que a Administração Fiscal não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (cfr., neste sentido, acórdãos Goldsmiths, C-330/95, Stadeco, C-566/07, Vandoome, C-489/09, e Kraft Foods Polska, C-588/10). E estando assente que a operação sobre a qual incidiu o imposto não foi realizada, ou seja, os serviços não foram prestados, então estamos perante a inexistência de facto tributário, o que inquina de invalidade a liquidação do imposto e constitui fundamento para a sua anulação, como pretende o impugnante e aqui recorrente. Entendemos, assim, que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado pelo recorrente, pelo que deve ser revogada, julgando-se procedente o recurso e a acção de impugnação da liquidação e determinando-se a anulação do IVA que deu lugar à quantia exequenda objecto de cobrança na execução fiscal.».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:1.º - O ora impugnante por requerimento apresentado no serviço de finanças da Trofa em 25.07.2011 deduziu reclamação graciosa, nos termos do art.70°, do CPPT, na qualidade de responsável subsidiário, no âmbito da reversão operada no processo executivo 4219200701010263, o qual foi apenso ao processo executivo 4219200601039024, instaurado em nome de B…………, LDA., no valor de € 40.662,03, da liquidação nº 07065554, referente ao IVA do mês de Janeiro/07, com base na declaração periódica enviada via internet em 09.03.2007 – cf. teor do Parecer da Direção de Finanças

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do Porto a fls. 66 do Processo de Reclamação Graciosa (PRG), apenso a este processo.2.º - Em 09.03.2009, a B…………, LDA., entregou via internet a declaração prevista na alínea c) do n.º 1 do art.29° e art.41° do CIVA, relativa ao mês de Janeiro de 2007 - cf. doc. de fls.56 do PRG apenso a este processo.3.º - No campo 3 do quadro 6, indicou como base tributável, o valor de € 201.285,00, relativo à fatura 243, emitida a favor da C…………, LDA.4.º - O ora impugnante não procedeu ao pagamento do imposto apurado.5.º - Foi emitida a certidão de dívida nº 70117393, da liquidação nº 07065554, no valor de € 40.662,03 - cf. doc. de fls.55 do PRG apenso a este processo.6.º - Em 27.04.2007 foi instaurado contra o ora impugnante o processo executivo n.º 4219200701010263.7.º - Em 12.04.2011 foi efetuada a citação do ora impugnante, na pessoa da sua Ilustre Mandatária, na qualidade de responsável subsidiário – cf. doc. de fls.9 do PRG apenso a este processo.8.º - Em 25.07.2011, o ora impugnante deduziu reclamação graciosa - processo nº 4219201104000552 - cf. doc. de fls.2 a 5 do PRG e informação ínsita no Processo Administrativo (PA), apensos a este processo.9.º - A reclamação graciosa foi deduzida na sequência de citação por reversão no âmbito do processo executivo nº 4219200601039024 e apensos, em 12.04.2011, na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas tributárias da empresa B………… LDA., NIPC: ………, do qual era sócio gerente o outra impugnante – cf. doc. de fls. 37 a 41 do PRG apenso a este processo.10.º - Os fundamentos de facto e de direito, aduzidos pela administração tributária para indeferir a reclamação graciosa constam de fls.65 a 71 do PRG apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.11.º - A resposta à audição prévia consta de fls.79 do PRG apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.12.° - Em 2008 o impugnante intentou ação de processo ordinário contra a C………… LDA., que correu termos no Tribunal Judicial de Santo Tirso, 1° Juízo Cível, sob o n.º 1141/08.1TBSTS – cf. docs. de fls. 20 a 29 e 47 a 48 do PRG apenso a este processo e depoimento da testemunha D………….13.º - Por sentença homologatória transitada em julgado em 05.11.2010, as partes chegaram a acordo, reconhecendo o ora impugnante, não ter executado os

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serviços que originaram a emissão da fatura 243 – cf. doc. de fls. 47 a 48 do PRG apenso a este processo e depoimento da testemunha D………….14.º - No âmbito do referido acordo, comprometeu-se o ora impugnante a emitir nota de crédito no valor de €250.396,80, com IVA incluído, a devolver pela ré em 26.05.2011, aí declarando não ter deduzido nem compensado, o respetivo IVA, no valor de € 42.269,85 – cf. doc. de fls.50 do PRG apenso a este processo e depoimento da testemunha D………….15.º - Em 09.09.2011, a devedora originária entregou via internet, a declaração periódica referente ao mês de Maio de 2011, indicando no campo 40 do quadro 6 (regularizações), o valor de € 43.362,26, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.78° do CIVA, que inclui o valor de € 42.269,85, respeitante ao IVA liquidado na fatura n.º 243 - cf. doc. de fls.60 do PRG apenso a este processo.16.º - Em 24.09.2011, a quantia de € 43.362,26 foi lançada a crédito na conta corrente da devedora originária – cf. doc. de fls.63 do PRG apenso a este processo.17.º - A devedora originária cessou a atividade para efeitos de IVA em 31.08.2011.18.º - Na declaração periódica relativa a Agosto de 2011 (última declaração periódica entregue), não foi solicitado o reembolso do crédito apurado, mas preenchido o campo 96 (excesso a reportar) – cf. doc. de fls.58 do PRG apenso a este processo.19.º - O ora impugnante fazia parte na qualidade de sócio da sociedade C…………, LDA. – cf. depoimento de D………….20.º - Como tinha uma empresa de construção civil — B…………, LDA., à qual foi adjudicada a obra da C…………, LDA., – cf. depoimento de D………….21.º - A fatura em causa nos autos não foi paga pela C…………, LDA., à B…………, LDA., pois os trabalhos não foram efetuados – cf. depoimento de D………….22.° - O ora impugnante não fez os trabalhos que estavam determinados no contrato da obra, muito menos trabalhos extra – cf. depoimento de D………….Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.A questão que se coloca no presente recurso, cujo caso concreto tem contornos específicos, tal como consta da matéria de facto, passa por saber se o recorrente pode ser obrigado a proceder à entrega do IVA constante de determinada factura, emitida pela devedora originária e

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incluída na respectiva declaração, quando se encontra documentalmente e testemunhalmente provado que essa mesma factura não tem como suporte, não titula, qualquer relação jurídico-económica subjacente; ou seja, dito de outro modo, se o contribuinte está obrigado à entrega do imposto do IVA incluído em determinada factura, respeitante a serviço ou bem que não chegou a transacionar.O TJUE tem entendido, no tocante à cobrança do IVA, que “…resulta dos artigos 1.º, n.º 2, e 73.º da diretiva IVA que o princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço desses bens e serviços e que o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação às operações visadas por parte do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.Em especial, em caso de redução do preço depois de efetuada a operação, o artigo 90.º, n.º 1, da diretiva IVA dispõe que «o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros».…deve recordar-se que o artigo 90.º, n.ºs 1, da diretiva IVA obriga os Estados-Membros a reduzir o valor tributável e, em consequência, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo, sempre que este não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida (v. acórdão de 3 de julho de 1997, Goldsmiths, C-330/95, Colet., p. I-3801, n.º 6).Esta disposição constitui a expressão de um princípio fundamental da diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contrapartida efetivamente recebida, que tem por corolário que a Administração Fiscal não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão Goldsmiths, já referido, n.º 15)., cfr. entre outros, o acórdão proferido no processo n.º C-588/10, datado de 26/01/2012.Também este Supremo Tribunal, tem reafirmado, e no que toca à dedução do imposto constante das facturas qualificadas como “falsas”, que não é possível a dedução do IVA quando a essas mesmas facturas não corresponda uma operação económica concreta, cfr. artigo 19º, n.º 3 do CIVA, cfr., entre outros, o acórdão datado de 07/12/2011, recurso n.º 0241/11.Ou seja, tanto a possibilidade de cobrança, como a

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possibilidade de dedução do imposto apurado, está intimamente conexionada com a existência de uma concreta transacção comercial, transmissão de bens ou prestação de serviços, relativamente à qual se possa fazer o cálculo concreto do imposto exacto que deve incidir sobre essa mesma transacção.E, esse cálculo, como bem refere o TJUE, é feito por referência ao concreto valor tributável que compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação às operações visadas por parte do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, cfr. artigo 1º, n.º 1, al. a) do CIVA, sendo certo que a Administração Fiscal não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo, cfr. artigo 2º, n.º 1, al. a) do CIVA.Não há dúvida que no caso dos autos a devedora originária não recebeu o valor -preço- inserto na factura em questão, e não o recebeu porque não prestou os correspondentes serviços que constituíam a contrapartida de tal valor, inexistindo, por isso, o facto tributário que autorizaria a liquidação do imposto, cfr. entre outros, o acórdão datado de 10/04/2013, recurso n.º 01135/12, isto é, a factura onde foram insertos tais valores não titula qualquer relação jurídico/material que lhe seja subjacente.E como não recebeu tal valor, onde se encontrava incluído o valor do IVA constante da liquidação agora impugnada, também não tem a obrigação de o entregar à AT, sob pena de se incorrer na violação dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, que enformam a directiva IVA. Ou seja, o facto de não terem sido estritamente cumpridos os formalismos legalmente previstos para a resolução da questão em discussão nos autos, na perspectiva da AT, isso não a autoriza a manter uma liquidação e a proceder à cobrança coerciva de um imposto que se sabe não ser devido, por não se ter realizado qualquer transacção comercial sobre a qual o mesmo IVA deva incidir – inexistência de facto tributário.

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:- conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;- julgar procedente a impugnação, anulando a liquidação do IVA impugnada.Custas pela recorrida, na primeira instância.

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D.n.Lisboa, 22 de Abril de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.

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