a teoria psicogenética de piaget

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1 A Teoria Psicogenética de Piaget Lúcia Helena Cavasin Zabotto Pulino A teoria psicogenética de Jean Piaget Quem foi Piaget, este teórico tão estudado nos meios educacionais? Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchâtel, Suiça e morreu em 1980, em Genebra. Aos 10 anos, já mostrava sua vocação para a pesquisa: dedicou-se à observação de um pardal em um jardim público, escreveu uma descrição do comportamento do passarinho e esse seu trabalho foi publicado. Aos 16 anos, realizou estudos sobre Zoologia. Aos 21, licenciou-se e no ano seguinte doutorou-se em Ciências Naturais, com tese sobre o desenvolvimento e a adaptação de moluscos a novos ambientes. Aos 25 anos, já havia publicado 25 trabalhos científicos, em que mostrava que o desenvolvimento biológico não era devido apenas à maturação e hereditariedade, mas também a variáveis do ambiente. Piaget era muito dedicado ao estudo da Filosofia e da Psicologia. No período de transição entre os estudos biológicos e os filosóficos, escreveu “Biologia e Guerra”, em que examinou e rejeitou as posições Darwinianas e Lamarckianas de que, por razões biológicas, as guerras são inevitáveis. Contra isso, argumenta que o desenvolvimento humano e o esforço em direção ao conhecimento movem o homem no sentido da cooperação e do altruísmo e o afasta da guerra. Este otimismo em relação à espécie humana se revela em seu trabalho filosófico e psicológico. Acreditando que o homem é movido pelo uso da razão, Piaget interessou-se em compreender o processo de construção do conhecimento na história da humanidade e em cada indivíduo, e criou a disciplina Epistemologia Genética, que estuda as raízes, a gênese (daí o termo „genética‟) das várias formas de conhecimento, desde suas formas mais elementares, até o pensamento científico. Piaget partiu da concepção de que o conhecimento nem está pré- determinado nas estruturas internas do indivíduo (concepção inatista), nem dado nos caracteres pré-existentes no objeto a ser conhecido (concepção empirista), mas é construído na interação do indivíduo com o meio. Sua teoria é, portanto, interacionista. Do ponto de vista do desenvolvimento da espécie humana a filogênese - e de cada indivíduo a ontogênese o conhecimento é uma construção solidária, uma relação entre as condições cognitivas de quem conhece e as condições ambientais. Aqui, vamos nos dedicar a compreender as idéias de Piaget referentes ao desenvolvimento do indivíduo, do sujeito que conhece. Você, educador, que se dedica a alfabetizar jovens e adultos, imagina a importância de estudar a respeito de como as pessoas conhecem, não é? Você já ouviu falar ou leu sobre as idéias de Piaget?

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1

A Teoria Psicogenética de Piaget Lúcia Helena Cavasin Zabotto Pulino

A teoria psicogenética de Jean

Piaget

Quem foi Piaget, este teórico

tão estudado nos meios

educacionais?

Jean Piaget nasceu em 1896, em

Neuchâtel, Suiça e morreu em 1980,

em Genebra. Aos 10 anos, já

mostrava sua vocação para a

pesquisa: dedicou-se à observação de

um pardal em um jardim público,

escreveu uma descrição do

comportamento do passarinho e esse

seu trabalho foi publicado. Aos 16

anos, realizou estudos sobre

Zoologia. Aos 21, licenciou-se e no

ano seguinte doutorou-se em

Ciências Naturais, com tese sobre o

desenvolvimento e a adaptação de

moluscos a novos ambientes. Aos 25

anos, já havia publicado 25 trabalhos

científicos, em que mostrava que o

desenvolvimento biológico não era

devido apenas à maturação e

hereditariedade, mas também a

variáveis do ambiente.

Piaget era muito dedicado ao estudo

da Filosofia e da Psicologia. No

período de transição entre os estudos

biológicos e os filosóficos, escreveu

“Biologia e Guerra”, em que

examinou e rejeitou as posições

Darwinianas e Lamarckianas de que,

por razões biológicas, as guerras são

inevitáveis. Contra isso, argumenta

que o desenvolvimento humano e o

esforço em direção ao conhecimento

movem o homem no sentido da

cooperação e do altruísmo e o afasta

da guerra. Este otimismo em relação

à espécie humana se revela em seu

trabalho filosófico e psicológico.

Acreditando que o homem é

movido pelo uso da razão, Piaget

interessou-se em compreender o

processo de construção do

conhecimento na história da

humanidade e em cada indivíduo,

e criou a disciplina Epistemologia

Genética, que estuda as raízes, a

gênese (daí o termo „genética‟)

das várias formas de

conhecimento, desde suas formas

mais elementares, até o

pensamento científico.

Piaget partiu da concepção de que

o conhecimento nem está pré-

determinado nas estruturas

internas do indivíduo (concepção

inatista), nem dado nos caracteres

pré-existentes no objeto a ser

conhecido (concepção empirista),

mas é construído na interação do

indivíduo com o meio. Sua teoria

é, portanto, interacionista.

Do ponto de vista do

desenvolvimento da espécie

humana – a filogênese - e de

cada indivíduo – a ontogênese – o

conhecimento é uma construção

solidária, uma relação entre as

condições cognitivas de quem

conhece e as condições

ambientais.

Aqui, vamos nos dedicar a

compreender as idéias de Piaget

referentes ao desenvolvimento do

indivíduo, do sujeito que conhece.

Você, educador, que se dedica

a alfabetizar jovens e adultos,

imagina a importância de estudar

a respeito de como as pessoas

conhecem, não é? Você já ouviu

falar ou leu sobre as idéias de

Piaget?

2

Você se lembrou dos estágios de

desenvolvimento da Teoria de

Piaget?

Realmente, nos cursos de

Licenciatura, nas revistas sobre

educação e em palestras e

entrevistas nos meios de

comunicação, é muito comum as

pessoas tratarem do

desenvolvimento psicológico

segundo a concepção piagetiana,

abordando os vários estágios de

desenvolvimento.

E o que são esses chamados

estágios de desenvolvimento? Ou,

antes, o que é desenvolvimento

psicológico para Piaget?

Para Piaget, o desenvolvimento

psicológico é um processo de

equilibração progressiva, uma

passagem contínua de um estado

de menor equilíbrio para um

estado de equilíbrio superior. O

desenvolvimento psicológico,

especialmente as funções

superiores da inteligência e da

afetividade, diferentemente do

desenvolvimento biológico, que

decai com a idade, tendem a um

equilíbrio móvel, ou a terem mais

mobilidade, ou capacidade de

adaptação, conforme o indivíduo

avança na idade.A maneira como

o conhecimento é construído,

para Piaget, depende do momento

de desenvolvimento psicológico

do sujeito, que se inicia com o

nascimento e continua até a idade

adulta.

Sustentando que toda ação

supõe um interesse que a

desencadeia, isto é, que o

indivíduo age de acordo com

necessidades fisiológicas, afetivas

ou intelectuais, seja ele um

adulto, um jovem, uma criança ou

um idoso, Piaget considera que

esse interesse, entretanto, varia de

acordo com o nível de

desenvolvimento do indivíduo.

Assim, a construção do

conhecimento pressupõe que a

pessoa esteja motivada para

conhecer e, em cada um dos

diferentes níveis de

desenvolvimento, essa motivação

tem características específicas.

Esses diferentes níveis de

desenvolvimento são o que Piaget

chama de estágios do

desenvolvimento psicológico. Em todos os estágios de

desenvolvimento, é o surgimento

de necessidades – internas ou

externas – que provoca um

desequilíbrio no funcionamento

mental e desencadeia ações do

indivíduo, visando restabelecer o

equilíbrio. Só que em cada

estágio, o sujeito apresenta

necessidades e interesses típicos e

modos específicos de superar o

desequilíbrio.

Como se dá o processo de

equilibração ou adaptação? Por

meio de processos de assimilação

e acomodação, segundo Piaget.

O indivíduo, motivado por

necessidades ou interesses,

assimila ou incorpora o mundo

exterior às suas estruturas mentais

já construídas, ou, falando de

outro modo, a assimilação é o

processo mental pelo qual uma

pessoa integra um novo dado

perceptual, motor ou conceitual

aos esquemas ou padrões de

comportamento já existentes.

3

É como se a pessoa

„encaixasse‟ os elementos novos

do que percebe, sente ou pensa

numa estrutura já previamente

existente e interpretasse o novo

pelo esquema já conhecido.

Como se ela tivesse uma fôrma

mental que desse forma ao

mundo.

Por exemplo, quando uma

criança vê um cavalo e o chama

de au au, ela está assimilando a

percepção do cavalo ao esquema

já adquirido de cachorro.

Na assimilação, o indivíduo

amplia suas estruturas cognitivas.

A transformação ou criação de

esquemas ou estruturas,

entretanto, dá-se pelo processo de

acomodação.

A acomodação consiste em

criar ou transformar esquemas ou

estruturas mentais, através do

reajuste das ações e pensamentos,

com vistas ao contato com os

dados de realidade assimilados. A

apreensão do mundo assimilada é

como o sujeito a pode captar,

mas, graças à acomodação, ela se

torna compatível com o mundo

objetivo.

Depois de acomodado, o

estímulo é novamente assimilado

às estruturas mentais, agora já

acomodadas.

Você vê que interessante?

Para Piaget, o sujeito conhece

promovendo o encontro de sua

estrutura mental com a estrutura

do mundo e desse encontro o

resultado é uma transformação

mútua: mudam as estruturas

internas e mudam as estruturas do

ambiente, já que para conhecer o

sujeito age no mundo. É isso que

Piaget entende por interação.

Nesse processo, o importante

a se compreender é que sempre a

mente do indivíduo está

estruturada, sempre há uma

estrutura prévia a ser ampliada ou

transformada ou totalmente

substituída por outra. Quando

nasce o bebê, essas estruturas são

de caráter hereditário e genético

e, na medida em que ele entra no

mundo das relações humanas,

suas estruturas vão sendo

modificadas, visando sua

adaptação.

Para Piaget, portanto,

adaptação é o processo resultante

do equilíbrio entre as

assimilações e as acomodações

processadas em seu psiquismo, o

que inclui o desenvolvimento de

estruturas nos níveis perceptivo,

motor, afetivo, intelectual e

social, sempre com vistas a ações.

O indivíduo, portanto, está

constantemente vivendo um

processo de modificação –

ampliação, transformação ou

criação de estruturas mentais, ou

formas de compreender e agir em

relação ao mundo, às pessoas e a

si mesmo.

Então, caro professor, o

psiquismo não está dado

internamente no indivíduo, nem

no mundo externo: ele se forma

nesse encontro dentro/fora, ele se

constrói e se reconstrói a todo

momento.

Adaptação, na psicogenética

piagetiana, não se relaciona a

conformismo, a ser como o

mundo exige que sejamos, mas a

um entrosamento com o mundo,

Piaget acredita

que o sujeito é

agente de seu

desenvolvimen

to. Criando o

mundo, o

sujeito se cria,

ao mesmo

tempo, em sua

relação com o

mundo.

4

em que sujeito e elementos

externos a ele se combinam e

promovem mudanças mútuas,

podendo resultar, até mesmo,

numa transformação radical de

um ou de outro.

De fato, Piaget sustenta que

há momentos em que essa

transformação radical ocorre e

que podem ser previstos: são as

mudanças de estágios de

desenvolvimento.

Como você pode depreender

de tudo isso, a psicogenética não

é apenas uma psicologia

evolutiva, pois não se resume a

uma seqüência cronológica. O

pesquisador da psicogênese

identifica a seqüência evolutiva,

mas além disso, tenta reconstruir

os laços de filiação entre os níveis

que identifica, perguntando-se

“Como se passa desse estado de

conhecimento para outro estado

de conhecimento? O que, no

estado anterior Y, tornou possível

que a seguir aparecesse aquilo

que observamos no estado

posterior Z? O que existia em um

nível anterior X que tornou

possível o nível Y?” (Ferreiro,

2001:93)

Durante cada estágio vigora

um modo de apreensão de mundo,

de comportamento, de

afetividade, de relacionamento

social. O sujeito atua de acordo

com um estágio, até o momento

em que os recursos típicos deste

estágio não são suficientes para

que ele se adapte ao ambiente, ou

para reconstituir seu estado de

equilíbrio mental. Aí se dá a

mudança de estrutura mental e de

estágio.

Piaget acredita que há uma

seqüência lógica na sucessão dos

estágios, que o mais básico é o

alicerce para todos os outros, que

o segundo mantém o que é

essencial do primeiro, o terceiro o

que é importante no segundo, e

assim por diante, cada novo

estágio promovendo uma re-

constituição do anterior e se re-

estruturando como

qualitativamente distinto dele.

Assim, um se desenvolvendo a

partir de outro, a estrutura mental

seria como uma cebola, cujas

camadas se sobrepõem, formando

um todo.

O estágio é, então, um tipo de

organização do psiquismo, que

caracteriza o desenvolvimento

motor, perceptivo, cognitivo e

afetivo-social dos indivíduos.

Para Piaget, ocorre uma

evolução mental na sucessão dos

vários estágios. O

desenvolvimento progride num

movimento que vai do

conhecimento concreto ao

abstrato, do egocentrismo à

descentração e socialização, do

próximo ao distante, do

incoerente ao sistemático, da

dependência à autonomia. O

padrão adulto de apreensão de

mundo, de relação sócio-afetiva e

de compreensão de si mesmo,

para Piaget, é mais desenvolvido

do que o do jovem ou o da

criança.

Embora Piaget sugira idades

para o início e o final de cada

estágio, ele reconhece que essa

faixa etária é variável,

dependendo das condições

internas do indivíduo e das do

ambiente em que ele vive,, já que,

5

como vimos, o desenvolvimento

não depende apenas da maturação

biológica (embora esta seja

essencial) do indivíduo, mas da

relação entre as suas estruturas

psíquicas (com o potencial de que

são dotadas) e o mundo externo.

São quatro os estágios de

desenvolvimento propostos por

Piaget:

1º.) Estágio da Inteligência

Senso-Motora

Este estágio corresponde ao

desenvolvimento a partir do

nascimento da criança, até

aproximadamente os 2 anos de

vida. É decisivo para todo o curso

da evolução psíquica.

Compreende 3 subestágios:

a) Estágio dos reflexos, ou

mecanismos hereditários;

b) Estágio dos primeiros hábitos

motores, das primeiras

percepções organizadas e dos

primeiros sentimentos

diferenciados;

c) Estágio da inteligência senso-

motora, ou prática, e das

regulações afetivas elementares.

a) Subestágio dos reflexos, ou

mecanismos hereditários

No início da vida mental não

existe nenhuma distinção entre o

eu e o mundo exterior. Portanto,

as percepções e impressões

vividas não se relacionam nem à

consciência pessoal sentida como

um “eu”, nem a objetos

concebidos como exteriores.

Ambos fazem parte de um bloco

indissociado, que não é nem

interno nem externo. À medida

em que o bebê vive experiências,

os dois pólos vão se opondo um

ao outro.

O que existe nesse momento é

a ação, ou aquilo que se dá no

encontro interno/externo,

incipiente ainda. O eu, no início

inconsciente de si mesmo, vai se

constituindo como uma realidade

interna, na medida em que o

mundo externo vai se

objetivando. Do egocentrismo

inconsciente e integral, vai se

desenhando a distinção

eu/mundo, por atos de

inteligência.

Neste primeiro subestágio, os

reflexos ou mecanismos

hereditários caracterizam a

estrutura mental primordial e

potencialmente garantem que se

desenvolvam esquemas

relacionados a tendências

instintivas como a nutrição, de

que a sucção é a primeira

expressão comportamental.

Para a mãe que amamenta seu

bebê, é evidente que a sucção é

uma ação que demonstra a

participação ativa do pequeno, já

que a cada dia ele „mama

melhor‟. Na verdade, ocorrem as

primeiras ações de assimilação e

1º) Estágio da Inteligência Senso-

Motora ou Prática (ou Senso Motor)

4º) Estágio das Operações

Intelectuais Abstratas (ou

Operatório Formal)

3º) Estágio da Operações

Intelectuais Concretas (ou

Operatório Concreto)

2º) Estágio da Inteligência

Intuitiva (ou Pré-Operatório)

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acomodação, já que o bebê, ao

primeiro contato com o peito da

mãe, mama como seu esquema

hereditário lhe permite (assimila a

este esquema os elementos

externos), e vai acomodando sua

estrutura mental às informações

vindas do corpo da mãe,

aprimorando a forma como chupa

o bico do seio, buscando a melhor

forma de se aninhar no colo da

mãe, adaptando-se à situação.

Bebê e mãe, juntos, adaptam-se

um ao outro na ação do

amamentar. A mãe também está

se adaptando, naturalmente,

assimilando as percepções e

movimentos do primeiro contato

com o bebê e acomodando suas

estruturas mentais às ações do

bebê.

Está claro o processo de

adaptação? Pois isso ocorre

continuamente desde o início da

vida do bebê, em relação a seu

bem-estar, como sensações de

frio e calor, fome e dor, expressas

por gritos, choro ou movimentos.

Nesse subestágio, o bebê

apresenta, no nível afetivo,

impulsos instintivos, ligados à

alimentação, e reações reflexas e

emoções primárias, ligadas a

sensações repentinas, como a

perda de equilíbrio.

b) Subestágio dos primeiros

hábitos motores, das primeiras

percepções organizadas e dos

primeiros sentimentos

diferenciados

Em constante processo de

adaptação, com assimilações e

acomodações, o bebê generaliza o

ato de sucção do peito a outros

objetos, sugando primeiramente

no vazio, depois os próprios

dedos, ou qualquer outro objeto,

fortuitamente, ampliando o

esquema de sucção. Quando

consegue coordenar o movimento

dos braços com a sucção (já no

segundo mês), leva o polegar à

boca.

O desenvolvimento de novos

esquemas de sucção a partir de

assimilações e de leves

acomodações, imprime uma nova

maneira de o bebê experienciar o

mundo. Para ele, agora, o mundo

é uma realidade a sugar. Coloca

tudo na boca. Sua experiência em

relação ao mundo, então, se dá

pelo contato da boca com tudo o

que pode sugar.

Além de sugar, ele olha, ouve,

toca o mundo. Desenvolve

esquemas que lhe permitem virar

a cabeça na direção de um ruído,

ou seguir um objeto em

movimento.

Do ponto de vista sócio-

afetivo, começa a reconhecer

pessoas, a sorrir (no final do 1º.

mês ou no início do segundo),

embora as distinga à sua maneira,

como aparições sensíveis e

animadas.

Com o desenvolvimento da

capacidade de preensão, ou de

segurar objetos, o bebê (por volta

dos 4 meses e meio) passa a

manipulá-los e forma hábitos

novos, que vão se acomodar aos

esquemas já desenvolvidos,

perceptivos e motores. Esses

hábitos são ações que, se

eficientes para alcançar um

objetivo – relacionado à

7

satisfação de uma necessidade

fisiológica, afetiva ou social – são

assimiláveis à estrutura psíquica,

processo que recebeu o nome de

„reação circular‟.

Assim, o bebê vai

desenvolvendo novas maneiras de

estar no mundo e de lidar com

ele, ou uma inteligência sensório-

motora, como diz Piaget.

Afetivamente, Piaget sustenta

que nesse subestágio surgem as

sensações básicas de prazer e

desprazer, agradável e

desagradável, ligadas a ações. As

pessoas ainda não são muito

distintas para o bebê, o que o

mantém indiferenciado em

relação aos outros. Interessa-se,

sim, neste momento, pelo próprio

corpo, num padrão narcisista,

embora sem ter consciência de si.

c) Subestágio da inteligência

senso-motora, ou prática, e das

regulações afetivas elementares.

Para Piaget, antes mesmo que

a criança tenha a linguagem como

forma principal de construção do

conhecimento do mundo e de

comunicação, ela constrói, desde

o nascimento, uma inteligência

prática nesse subestágio do

desenvolvimento.

A forma de inteligência

desenvolvida nesse estágio é

totalmente prática; refere-se à

manipulação de objetos e utiliza

percepções e movimentos,

organizados em “esquemas de

ação”, em lugar de palavras e

conceitos. A criança usa objetos

como ferramentas, como puxar o

lençol da cama para aproximar

um brinquedo de si, o que faz

perto do final do primeiro ano.

Esses esquemas de ação que

resultam em atos inteligentes

observáveis são construídos pela

criança por um processo de

experienciar o mundo: nas

„reações circulares‟ o bebê não se

contenta mais apenas em

reproduzir os movimentos e

gestos que conduziram a um

efeito interessante, mas os varia

intencionalmente, ficando atento

aos resultados dessas variações,

entregando-se a verdadeiras

explorações..

Você já deve ter visto um

bebê jogar um brinquedo no chão,

a mãe devolvê-lo a ele, pensando

que foi sem querer, e ele jogá-lo

novamente, não? Pode mesmo ter

sido uma queda casual da

primeira vez, mas as seguintes

são visivelmente propositais,

como se ele estivesse pesquisando

os sons, a velocidade e as

características do objeto.

Também, quando pega um objeto,

o bebê pode lambê-lo, chacoalhá-

lo, esfregá-lo, além de jogá-lo,

incorporando o novo objeto a

seus antigos esquemas de ação já

assimilados, como se ele

explorasse as possibilidades

daquele objeto, como se o

conhecesse na prática.

Os diversos esquemas de ação

são assimilados entre si,

coordenados mentalmente, como

se a criança estivesse construindo

uma noção prática dos objetos

explorados. Por esta coordenação

se inicia a formação da

inteligência senso-motora.

8

Leia e reflita:

Imagine a seguinte situação: A mãe, atendendo ao choro do bebê,

aproxima-se dele, anunciando em voz alta que

está chegando, e lhe dá o peito.

Pensemos a situação,

considerando, com Piaget, que o bebê

constrói, ao longo dos dois primeiros

anos, as categorias práticas de objeto,

do espaço, da causalidade e do tempo.

Categoria de objeto: Num

primeiro momento, o bebê não tem

desenvolvido o esquema de

permanência substancial do objeto,

isto é, algo só „existe‟ para ele se

estiver a seu alcance perceptivo.

Categoria de espaço: No início

da vida, o bebê sente cada espaço

(boca por onde é alimentado, barriga

que dói, o espaço que vê e o que

manipula) separadamente, sem

articulá-los.

Categoria de causalidade: No

início, o bebê não relaciona ações

como causa e efeito. As ocorrências

são fortuitas.

Categoria de tempo: O bebê

não percebe as ações em uma

seqüência temporal. Cada uma é uma,

sem conexão com as demais.

Ele reconhece a presença da

mãe, mas esta só „existe‟, como

presença, para ele, enquanto estiver em

seu campo perceptivo. Em seguida,

experienciando novas situações,

assimila fatos novos e os acomoda, e

percebe que gritando, sua mãe aparece,

mas não imagina que ela tenha vida

própria, nem imagina um outro espaço

em que ela estivesse antes de chamá-

la. em um espaço novo, onde nunca a

tinha visto.

Depois, é capaz de procurar a

mãe no lugar em que ela apareceu

quando a chamou, mas não em um

novo lugar. Ao final do primeiro ano,

ele é capaz de procurar a mãe fora de

seu campo de visão, em um lugar

desconhecido. Todo este processo se

dá por assimilação e acomodação.

Observe que ele “constrói” a

noção de objeto substancial, que existe

por si só (aqui, a mãe),

gradativamente, em consonância com

a noção de espaço. No início, há

muitos espaços, não articulados e o

bebê os vai assimilando conforme os

relaciona à presença da mãe, neste

caso. Articulando-os uns aos outros,

constrói a categoria de espaço,

caracterizando as relações dos objetos

entre si e incluindo aí seu próprio

corpo.

Quanto às categorias práticas

de causalidade e de tempo, constróem-

se solidariamente. Inicialmente, o bebê

não relaciona o resultado empírico e

uma ação sua (causa e efeito) – a mãe

vir por ele chamá-la. Da mesma forma,

no início não sequencia no tempo o ato

de ele chamar e o ato de a mãe

aparecer depois disso. A categoria

antes/depois e de causa/efeito.

É importante considerarmos

que a criança começa a se movimentar

no espaço, a explorá-lo, arrastando-se,

engatinhando e andando, o que

possibilita que desenvolva esquemas

motores que se articulam com as

categorias de objeto, espaço

causalidade e tempo.

O desenvolvimento de

esquemas percepto-motores

relacionados à fala, e da

linguagem como representação do

mundo vão se articulando com os

esquemas senso-motores e

possibilitando a adaptação do

bebê, até o ponto em que esse tipo

de apreensão de mundo e de si

mesmo não dá mais conta de

9

equilibrar as suas estruturas

mentais e adaptá-lo ao meio.

Piaget afirma que neste

primeiro estágio ocorre uma

“revolução copernicana” no

psiquismo: o universo psíquico da

criança, que se inicia como

indiferenciado, passa a se centrar

nela, em seu corpo, para, depois,

ir se descentrando e a criança

passar a se colocar como uma

dentre muitos seres.

Afetivamente, com o

desenvolvimento da categoria

prática de objeto, o bebê se

destaca do mundo exterior, e

começa a objetivar seus

sentimentos em atividades e

pessoas: prefere uma a outra

atividade, desinteressa-se de umas

coisas, dedica-se a outras, sente-

se fracassado ou bem sucedido no

que realiza e isso lhe causa

tristeza ou alegria.

A consciência do “eu”

começa a se afirmar como pólo

interior da realidade, em oposição

ao pólo externo objetivo.

Gradativamente, a criança

começa a ter seus sentimentos de

alegria e tristeza relacionados não

só às atividades, mas a objetos

concretos e às pessoas,

originando-se os sentimentos

interindividuais. A pessoa que é o

primeiro alvo do afeto da criança

é a mãe, depois o pai, e as pessoas

que cuidam dela e fazem parte da

família. Esta é a fonte dos

sentimentos de simpatia e

antipatia que vão se desenvolver

na etapa seguinte.

Convido você, então, a

continuar a trajetória que estou

lhe propondo, para que, juntos,

você e eu delineemos o conceito

de aprendizagem na psicogenética

piagetiana.

Você pode estar se

perguntando sobre a importância

de conhecer como o bebê constrói

a representação mental (ainda

prática) do mundo e de si mesmo.

Tem toda a importância,

quando se trata da teoria de

Piaget, em que conhecer a gênese

do pensamento, da ação e dos

afetos é fundamental para se

compreender como o indivíduo se

desenvolve e, o que interessa

muito a você, como ele aprende.

Mas, ainda não falamos de

aprendizagem, não é?

Realmente, Piaget não fala

diretamente de aprendizagem,

mas, com o estudo do

desenvolvimento ao longo do

ciclo vital, vamos compreendendo

o que é aprendizagem para ele.

Vamos ao 2º. estágio.

2º. estágio: Estágio da

Inteligência Intuitiva, ou Pré-

Operatório

Este estágio abrange o

período de desenvolvimento dos 2

aos 7 anos, aproximadamente.

Registre em seu caderno as

impressões que tem sobre uma sala de

Maternal, com crianças de 2 anos de idade. Se

já tiver conhecido uma turma de Maternal,

escreva sobre suas lembranças. Se não tiver

10

tido nenhum contato com uma escola

maternal, lembre-se de como se comportam

crianças de 2 anos com quem você já tenha

tido contato, mais ou menos próximo.

Você se lembrou de como

essas crianças caminham? De

como se comunicam entre si e

com os adultos? De como

articulam as palavras e

manipulam os objetos do

ambiente?

O que chama nossa atenção é

a intensa exploração dos objetos,

a brincadeira solitária de cada

uma, em meio ao grupo de

crianças, que só se dá conta da

presença do colega quando tem

interesse em usar algum objeto

que este segura. Enquanto brinca,

faz sons típicos dos brinquedos,

como caminhõezinhos,

cachorrinhos, bumbos, bonecas.

Se o período ou estágio

anterior se organiza em torno da

percepção e da motricidade,

construindo a inteligência senso-

motora, por volta dos 2 anos se

consolida um outro elemento

organizador: a linguagem.

Isso não significa que os

gestos, gritos, sons, da criança

desde bem pequena não sejam já

a entrada no mundo da

linguagem, mas, sim, que a

linguagem, o uso de símbolos

para se referir ao mundo, além de

poder lidar diretamente com

objetos concretos, começam a se

tornar mais significativos. Ao

invés de só pegar um carrinho, a

criança anuncia que quer fazê-lo,

ou acompanha seu ato

pronunciando o nome do

brinquedo. Ela começa a

representar a realidade para si

mesmas através do uso de

símbolos incluindo imagens

mentais, palavras e gestos. Os

objetos e os eventos não precisam

mais estar presentes para serem

considerados.

Com a introdução efetiva no

mundo simbólico do jogo, do

desenho e sobretudo da

linguagem, as condutas da criança

se modificam profundamente,

tanto do ponto de vista cognitivo

como sócio-afetivo. Ela é capaz

de, além de agir, fazer narrativas,

reconstituindo suas ações

passadas e antecipando suas ações

futuras, pela representação verbal.

Pela linguagem, a criança

se liberta, gradativamente, das

amarras do aqui-e-agora,

colocando sua experiência na

dimensão do tempo. “Nenê

caiu!” “Nenê qué papá” O

bebê começa a relatar o que

viveu, e o que deseja no

futuro, ainda se referindo a si

mesmo na 3ª. pessoa do

singular, ocupando o lugar dos

pais no discurso, já que o “eu”

é insipiente, ainda.

É como se a criança se

introduzisse num outro

mundo, como se começasse a

viver em outra dimensão: a da

linguagem, a do pensamento.

Dominando cada vez

melhor a linguagem, ainda no

primeiro ano, imitando os

adultos em seus gestos, sons e

na articulação das palavras,

associando-as a ações e

objetos, a criança começa, no

segundo ano de vida, a

11

efetivamente se relacionar

com as outras pessoas,

consigo mesmo e com o

mundo, num padrão distinto

do anterior, o que denuncia

uma reestruturação de seu

psiquismo.

A ação se socializa por

meio do uso da linguagem, já

que a criança consegue

participar de trocas com as

outras pessoas: pede algo e

recebe, dá algo a alguém

quando isso lhe é pedido,

disputa, não só com ações,

mas com palavras, um

brinquedo com outra criança:

“É meu!”

“É meu!” Este é o grito da

criança que, na ânsia de se

distinguir do outro, demarca

seu espaço, seus direitos, os

objetos que estão em seu

poder. O “meu” é dito antes

do “eu”.

Os pais e professores que

cuidam da criança deixam de

ser apenas figuras percebidas,

vozes, provedores de afeto,

para serem pessoas que têm

um nome, que sentem algo,

que querem algo, que dão

ordens à criança, que preferem

que ela aja de uma maneira

em detrimento da outra.

As relações da criança vão

se configurando na dimensão

de uma ética. Ela respeita os

pais, de quem depende, e

assume a moral deles. Piaget

diz que do ponto de vista da

criança, esta é uma moral

heterônoma, em que a regra, a

lei (nomos) é dada pelo outro

(hetero).

Nesse sentido, a criança

desenvolve a noção de “eu

ideal”, ou seja, desenha-se em

sua mente a representação do

tipo de criança que seus pais

desejariam que ela fosse; o

que é certo ou errado é

representado mentalmente

pela criança, que leva em

consideração a atuação e as

opiniões externadas pelos pais

e professores para tentar

pautar suas ações por esse

modelo.

Você vê que a moralidade,

em Piaget, tem suas bases na

capacidade cognitiva da

criança de compreender e usar

a linguagem e dos vínculos

afetivos já construídos, que

garantem que ela tenha

confiança e respeito em

relação aos pais.

Isso não significa que a

criança obedeça aos ditames

da moral dos pais, mas que

começa a saber “como deveria

agir”.

Como a criança começa a

“conversar” com o adulto,

colocando em palavras seus

desejos, necessidades e

interesses, além de disputar,

pela linguagem, um espaço

existencial entre seus iguais,

ela se introduz em discussões,

opondo-se ao outro, a favor de

suas próprias idéias,

inicialmente ligadas a fortes

desejos.

Essa oposição de idéias,

muitas vezes acompanhada

das chamadas “birras”, são o

prenúncio das discussões

12

acaloradas típicos de outros

estágios de desenvolvimento.

O pensamento verbal da

criança se mostra egocêntrico:

ela não consegue se colocar

no lugar do outro e

compreender seu ponto de

vista.

No segundo e terceiro

anos, as crianças já têm uma

linguagem mais aprimorada,

ou diferente daquela ligada a

seus desejos, diretamente.

Geralmente a partir de um

ano, desenvolve-se um tipo de

ação – o jogo simbólico – que

é a conhecida brincadeira de

faz-de-conta: o jogo de

casinha, de boneca, de

carrinho, que é uma atividade

espontânea da criança, e não

ensinada a ela pelo adulto.

“João e Maria”, de Sivuca e Chico

Buarque, é uma música cuja letra

descreve esse jogo infantil.

13

Este jogo é importante para Piaget porque ele é o início do pensamento, sua

forma mais egocêntrica, que vai dar origem a outras formas mais descentradas e

mais socializáveis. O presente e o passado usados na mesma frase, mostram

como ela altera a lógica do pensamento adulto.

O pensamento da criança vai se desenvolvendo, por assimilações e

acomodações e ela começa a interiorizar a palavra e desenvolver um

pensamento verbal que busca compreender o real.

Este pensamento se inicia quando a criança começa a querer saber os

“porquês” de tudo o que percebe e experiencia, além das perguntas anteriores

sobre “onde” estão as coisas e pessoas e “o que” são elas.

Os “porquês” da criança são difíceis de se responder, já que o adulto não

consegue compreender o sentido desta pergunta para ela. O que ela realmente

quer saber, se depois de o adulto responder, fornecendo a causa e a finalidade

dos fatos, ela continua a perguntar sobre o “porquê” daquela causa ou daquele

fim, e assim indefinidamente, mesmo em relação a fatos que não comportam

“porquês”, porque ocorrem ao acaso?

Piaget formulou a uma criança a pergunta de outra: “ Por que o lago de

Genebra não vai até Berna?” a outra criança (de 6 anos) respondeu: “O lago de

Genebra não vai até Berna porque cada cidade deve ter o seu lago”.

Piaget compreendeu, com suas investigações, que para o pensamento da

criança não há acaso na natureza: tudo tem uma razão de ser.

Este pensamento apresenta as seguintes características: animismo, finalismo

e artificialismo.

O animismo é a tendência de a criança conceber as coisas como vivas e

dotadas de intenção. O finalismo, inclui a consciência e a intencionalidade: a

lâmpada acende (animismo) para iluminar o ambiente para o homem

(finalismo); ou as nuvens sabem que se deslocam para levar a chuva e a noite é

uma grande nuvem negra que sabe que cobre o céu na hora de dormir. Da

mesma forma, o pensamento para a criança “é uma voz, uma pequena voz que

está por trás, a voz do vento”. O animismo provém de uma assimilação das

coisas à própria atividade, por parte da criança.

Outra característica é o artificialismo, ou a crença de que tudo foi construído

pelo homem ou por divindades, do mesmo modo que se dá o processo de

fabricação na sociedade.”Os bebês são ao mesmo tempo fabricados e vivos”,

“as montanhas crescem porque se plantaram pedrinhas depois de tê-las

fabricado”, “os lagos foram escavados”.

Este pensamento animista, finalista e artificialista é regido por leis causais

que se confundem com leis morais: os barcos flutuam “porque devem flutuar” e

a lua ilumina somente à noite “porque não é ela que manda”.

Isso, para nós educadores, é importante, pois nos mostra que para a criança

errar uma tarefa cognitiva tem o mesmo caráter de errar moralmente, com toda a

carga afetiva que acompanha a falha moral.

Segundo Piaget, no

jogo simbólico, a

criança transforma o

real em função de

seus desejos, revive

seus prazeres e

conflitos, como se

completasse a

realidade através da

ficção que cria. Ela é

a autora do script e a

diretora da “peça”

que executa, com

objetos vários, que

muitas vezes nem

exibem semelhanças

com o “papel” que

representam.. O

verbo no pretérito

imperfeito, denuncia

a consciência que a

criança tem de que

se trata de um jogo,

que ela, envolvida

afetivamente, leva

tão a sério.

14

Assimilações e acomodações resultantes das trocas entre essas crianças e

adultos e de suas experiências com a natureza e o meio físico, vão tornando este

pensamento cada vez mais articulado, já que ele, espontaneamente, é pouco

capaz de prover a adaptação do indivíduo.

Desenvolve-se, então, o pensamento intuitivo que é a estrutura que a criança

constroi mais avançada de pensamento deste estágio de desenvolvimento.

No início, é um tipo de pensamento marcado pela certeza: a criança não tem

dúvidas em relação à maneira como vê o mundo e discursa sobre ele. Não tem a

necessidade de provar, demonstrar o que diz.

O mundo da criança, então, deixa de ser apenas aquele mundo da concretude

dos objetos que ela explora, e começa a se configurar como representação

mental, das possibilidades do pensamento e da imaginação, e o mundo do

dever-ser, construído a partir da compreensão ética das relações humanas.

Por meio de experimentos, Piaget (1964/1994:34, 35 e 36) pôde

compreender as características do pensamento intuitivo.

Mostrou a crianças dois corpos que se deslocam, seguindo o mesmo trajeto

na mesma direção, um ultrapassando o outro. A criança intuitiva avaliou que

aquele que ultrapassou o outro “vai mais depressa”. Mas, se o primeiro

percorresse, no mesmo período de tempo, um caminho mais longo sem alcançar

o segundo, ou se andassem em sentidos inversos, ou em pistas circularem

concêntricas, ela não compreendia esta desigualdade de rapidez, o que mostrou

que sua intuição de rapidez se reduz à de ultrapassagem, sem fazer relações

entre o tempo gasto e o espaço percorrido.

Em outro experimento, Piaget apresentou aos sujeitos seis a oito fichas azuis

enfileiradas com pequenos intervalos, e lhes pediu para “pegarem outras fichas

vermelhas que poderiam tirar de um monte à disposição e fazer com elas uma

fileira igual à apresentada.”

Acompanhe a maneira como as crianças, em diferentes períodos deste

estágio, resolvem este problema, de acordo com o experimento:

“Por volta de 4 a 5 anos em média, as crianças constituirão uma fileira de fichas vermelha

do mesmo tamanho que a das azuis, mas sem se preocuparem com o número de

elementos, nem com a correspondência termo a termo de cada ficha vermelha com a

azul.”

Piaget avalia que aí se vê uma forma primitiva de intuição: a criança avalia a igualdade

apenas pelo espaço ocupado, ou pelas qualidades perceptivas globais da coleção, sem

fazer a análise das relações.

“Por volta de 5 a 6 anos, a criança coloca uma ficha vermelha em frente a cada ficha

azul, concluindo, desta correspondência termo a termo, uma igualdade das duas

coleções”.

Piaget complementou que embora já se observe um trabalho mais racional e

menos perceptivo, intuitivo, se se afastam um pouco as fichas extremas da

fileira das vermelhas, a criança, que viu que não se tirou nem se acrescentou

nada, avalia que as duas coleções não são iguais e afirma que a mais longa

contém “mais fichas”.

:

A criança

reconstrói o

mundo construído

por suas

explorações senso-

motoras, agora

num formato

representacional:

pode antecipar

ações, e as

configurações e

relações entre os

objetos.

15

Se uma das fileiras é desmanchada e se colocam as fichas dela numa caixa

antes vazia, a criança tem dificuldade em avaliar sua equivalência. Seu critério é

dado pelas informações visuais ou óticas.: há equivalência quando existe

correspondência visual. A igualdade não se conserva por correspondência

lógica, não havendo, portanto, uma operação racional.

Essas intuições, que são esquemas motores e perceptivos interiorizados

como representações, para se tornarem operações racionais, precisam ser

articuladas para se tornarem móveis e reversíveis.

Em que consiste a reversibilidade?

Reversibilidade é a possibilidade de reverter uma ação mentalmente,

desfazê-la. Se o pensamento é reversível, ele pode seguir a linha de raciocínio

de volta ao ponto de partida.

A reversibilidade é uma construção mental da criança, a partir de seu

contato com o mundo, por meio de assimilações e acomodações.

No exemplo acima, se as moedas são afastadas, a criança, rigidamente,

acredita que mudou a relação de igualdade de quantidade de moedas entre as

fileiras. Se conseguisse reverter mentalmente a ação, como mais tarde vai

conseguir, ela conseguiria refazer mentalmente a fileira alterada e avaliar,

racionalmente, que a quantidade de fichas não mudou.

Enquanto o pensamento é intuitivo, quer dizer, não operatório, ou não

racional, a criança não constrói o esquema de conservação, isto é, ela não avalia

que a quantidade de uma matéria permanece a mesma, independentemente de

quaisquer mudanças em uma dimensão irrelevante. O exemplo da conservação

da noção de número está dado no experimento citado das duas fileiras de fichas.

Veja bem que a Piaget interessava mais conhecer os considerados “erros”

das crianças, do que submetê-las a testes de medida de QI. Ele verificou que os

“erros” não passam das formas próprias a cada estágio de a criança apreender o

mundo, que são, na verdade, características, e não erros. Aliás, o conhecimento

desses “erros” é o que nos possibilita conhecer como a criança constrói o

conhecimento e se desenvolve psicologicamente.

A criança começa a ver suas teorias intuitivas serem desafiadas pelo

discurso das pessoas mais velhas e pela forma como os fatos transcorrem em

seu cotidiano. Os tais “erros”, em contato com o mundo exterior e as outras

pessoas provocam um desequilíbrio mental, são a alavanca para o

desenvolvimento de novas estruturas mentais que capacitam a criança a tornar

seu pensamento lógico.

Quanto ao desenvolvimento da sociabilidade e da moralidade, neste estágio,

a criança desenvolve sentimentos de afeição, simpatia e antipatia, ligados à

socialização das ações, interesses e valores e sentimentos morais intuitivos.

Os interesses das crianças podem ser notados através de seus desenhos, de

expressões verbais, das brincadeiras, da forma como se aplicam nas várias

atividades, do ritmo no desenvolvimento de atividades físicas e mentais.

A reversibilidade

não é ensinada à

criança, nem

observada por ela, já

que “a maior parte

das ações sensório-

motoras são

irreversíveis por

definição: a água

que sai da torneira

não pode voltar a

ela. Uma bola

atirada não pode

voltar à mão do

atirador em sentido

“reverso”. Algumas

ações são reversíveis

ou quase. Uma porta

ou um portão pode

ser aberto e fechado.

Um objeto (como um

bloco) pode ser

virado e revirado

novamente.”

(Wadasworth,

1993:95).

Embora o

pensamento

intuitivo possa

parecer um

obstáculo ao

pensamento lógico,

ele é, segundo

Piaget, necessário

para o

desenvolvimento do

pensamento

operatório, lógico,

racional.

16

De acordo com a forma como os adultos valorizam suas atitudes e ações e

com o sucesso ou fracasso, real ou imaginário, que tenha em seus

empreendimentos, a criança desenvolve um julgamento de si mesma.

De acordo com a valorização mútua entre a criança e as outras pessoas,

baseada em valores e preferências comuns, a criança vai criando laços afetivos

em seu ambiente: o adulto que compreende e apóia suas necessidades, o colega

que brinca do que ele gosta, o ambiente que lhe permite fazer explorações e

experimentações.

O sentimento de respeito para com os pais, um misto de afeto e temor, é o

alicerce dos primeiros sentimentos morais, que geram a noção de dever e

possibilitam à criança começar a julgar o que é certo e o que é errado. A moral é

heterônoma, como vimos, e vai sustentar o desenvolvimento de valores morais e

afetivos posteriores.

Nesse estágio do desenvolvimento, as crianças freqüentam as escolas de

educação infantil, em que são introduzidas em ambiente propício para a sua

socialização, o desenvolvimento de habilidades lingüísticas e de raciocínio, e

em situações de jogo, espontâneo e de regras.

As intuições da criança, nos campos cognitivo, afetivo e social, vão se

articulando e se tornando mais propriamente racionais, por meio de assimilações

e acomodações, e a criança muda qualitativamente sua forma de ver o mundo. É

o que Piaget analisa no 3º. Estágio do desenvolvimento.

3º. estágio: Estágio das Operações Intelectuais Concretas

Neste estágio há mudanças radicais na estrutura psíquica da criança e no seu

comportamento.

Aos sete anos, idade aproximada em que ele se inicia, a criança é capaz de

se concentrar em trabalhos individuais e de ter um comportamento cooperativo

em relação a seus colegas.

Seu pensamento não se centra mais em aspectos perceptuais do estímulo,

mas se descentra, permitindo a compreensão dos passos sucessivos de

transformações concretas ocorridas no ambiente e a construção de operações

lógicas.

Ela distingue seu pensamento do de outra pessoa e é levada a justificar suas

idéias socialmente. Assim, a linguagem deixa de ser egocêntrica. É capaz, então

de se envolver em discussões argumentativas, e de fazer reflexões, coordenando

os diversos pontos de vista a que tem acesso, até chegar a uma construção

lógica, por assimilações e acomodações.

Os jogos de regra iniciados no período anterior se tornam mais complexos, o

que promove assimilações e acomodações de estruturas cognitivas, sócio-

afetivas e morais. A criança pensa antes de agir, planeja suas atividades, e pode

seguir regras socialmente colocadas.

17

Afetivamente, desenvolve sentimentos calcados em valores racionais, e uma

moral, que, embora heterônoma ainda, não é intuitiva, mas leva em conta

valores como justiça, contrapondo a razão aos desejos.

Piaget mostra que antes de se tornar operacional, o pensamento intuitivo se

articula, por assimilações e acomodações, e a criança apresenta algumas formas

de explicação para fenômenos naturais, que o epistemólogo suiço constata

serem semelhantes às concepções que os gregos tinham do universo.

A criança explica a origem dos astros não mais por uma fabricação

(artificialismo) humana, como anteriormente, mas por geração natural: o sol e a

lua nasceram das nuvens, as nuvens, da fumaça do ar. As pedras são formadas

de terra e esta da água, por transmutação, de modo semelhante aos filósofos

cosmologistas gregos a que nos referimos anteriormente..

Sobre a origem e formação de elementos mais próximos da criança, ela

desenvolve uma teoria atomista, aproximadamente aos 7 anos, que, embora não

constituindo um sistema de explicação, se assemelha à escola atomística grega.

Ela acredita que tudo se compõe de pequeníssimas partículas.

Assim, os objetos, compreendidos como a união de elementos menores,

pode ser composto e recomposto mentalmente, o que denota um processo

racional, independentemente da aparência concreta.

Piaget confirma, por experiências, que a criança de aproximadamente 7 anos

é capaz de raciocinar segundo o princípio de conservação ou permanência.

Leia o experimento piagetiano abaixo:

Apresenta-se à criança dois copos de água de formas semelhantes e dimensões iguais, cheios até

uns três quartos. Em um deles jogamos dois pedaços de açúcar, perguntando, antes, se a água

vai subir. Uma vez imerso o açúcar, constata-se o novo nível e pesam-se os dois copos, de

modo a realçar que a água contendo o açúcar pesa mais que a outra. Pergunta-se, então,

enquanto o açúcar se dissolve: 1º., se uma vez dissolvido, ainda ficará alguma coisa na água; 2º.

Se o peso ficará maior ou igual ao da água clara e pura; 3º. Se o nível da água açucarada

abaixará até se igualar com o do outro copo, ou se permanecerá como está. Pergunta-se o

porquê de todas as afirmações da criança e, depois de terminada a dissolução, retoma-se a

conversa, após constatar a permanência do peso e volume (do nível) da água açucarada. As

reações foram claras e a ordem de sucessão foi tão regular, que se pode extrair destas perguntas

considerações diagnósticas para o estudo dos atrasos mentais.

Crianças menores de 7 anos: negam, em geral, qualquer conservação do açúcar dissolvido

e, portanto, do peso e do volume. Para elas, o açúcar derreter implica sua total exterminação

ou desaparição da realidade. Quando perguntadas sobre porque o gosto do açúcar

permanece, as crianças dizem que ele vai aos poucos desaparecer, como um odor;

Crianças de aproximadamente 7 anos: para estas, o açúcar permanece, transformado em

água, ou num xarope que se mistura à água; as mais adiantadas, nessa fase, sustentam que o

pedaço de açúcar se desfaz em pedacinhos, que se tornam cada vez menores, até ficarem

bolinhas invisíveis, que dão o gosto açucarado à água. Quando desaparecer o gosto, vai

abaixar o nível da água, porque desapareceu o açúcar;

Crianças de 9 anos, aproximadamente: a criança acrescenta a esse raciocínio a noção de que

cada bolinha terá seu peso e, somando todos esses pesos parciais vai-se encontrar o peso

dos dois pedaços imersos inicialmente. Entretanto, nesta idade elas ainda não

desenvolveram a noção de conservação de volume;

18

Crianças de 11, 12 anos, generalizam seu esquema explicativo para o próprio volume,

declarando que as bolinhas ocupam cada uma um lugar, sendo a soma dos espaços igual à

dos pedaços imersos, de maneira que o nível da água permanece o mesmo.

Essa experiência mostra que a criança aos 7 anos é capaz de compreender

racionalmente que a substância permanece, apesar de mudanças observáveis. O

processo é equivalente àquele que ocorre quando o bebê consegue compreender

que um objeto existe, mesmo que não esteja em seu campo perceptivo.

A noção de permanência ou conservação obedece a uma seqüência:

primeiro a criança reconhece a permanência da substância (o açúcar continua

existindo na água), depois a de peso (o peso da água permanece, mesmo depois

que o açúcar se dissolve) e de volume (o nível da água não se altera depois que

o açúcar se dissolve).

Essa noção de conservação é condição para o desenvolvimento do

pensamento operacional-concreto, a primeira lógica que o indivíduo

desenvolve.

E a noção de conservação ocorre quando o pensamento se torna reversível,

pelo processo de articulação entre as estruturas intuitivas internas e a

organização do mundo objetivo.

Há dois tipos de reversibilidade: a inversão e a reciprocidade.

Inversão é a capacidade de a criança reverter mentalmente uma ação.

Reciprocidade ou compensação, é a capacidade de a criança raciocinar e

deduzir que a mudança na relação entre as várias dimensões de um corpo, não

altera sua área, peso ou volume, se não forem alteradas uma dessas dimensões.

Este tipo de reciprocidade é requerida para resolver problemas de conservação.

Apresentamos alguns exemplos de experimentos que exigem a capacidade

de reciprocidade, nos exemplos abaixo:

Inversão: Apresenta-se a uma criança 3 bolas A, B, e C, do mesmo tamanho, mas de cores

diferentes. As bolas são colocadas num cilindro na ordem CBA. As crianças, ao final do

estágio anterior, prevêm, corretamente, que elas aparecerão nessa mesma ordem. Mas, se se

gira em 180 graus o tubo, elas continuam predizendo a mesma ordem, e se espantam de ver

que saem na ordem ABC. A criança operacional concreta pode inverter mentalmente a

ação, ou realizar uma inversão mentalmente e deduzir, racionalmente, a ordem correta,

ABC, das bolas, depois da rotação do tubo em 180 graus.

Reciprocidade ou compensação: Apresentam-se à criança dois copos iguais com o mesmo

nível de água e 1) se pergunta a ela qual dos dois têm mais água ou se os dois têm a mesma

quantidade, ela reconhece a igualdade e, 2) na sua frente, coloca-se a água de um deles num

copo mais alto, refazendo-se a pergunta: então, a criança intuitiva, com menos de 7 anos,

não vê a equivalência entre eles e afirma que um ou outro (geralmente o mais fino e alto)

tem mais água. Aproximadamente aos 8 anos, a criança é capaz de desenvolver a noção de

conservação de volume referente a líquidos. A conservação para volumes sólidos costuma

se desenvolver aos 11, 12 anos.

É importante que compreendamos o sentido dessas conclusões de Piaget:

19

esses esquemas de conservação não se desenvolvem da noite para o dia, mas

após muita experiência do sujeito em que ocorrem assimilações e

acomodações, com reorganizações dos esquemas construídos mentalmente;

ocorrem numa seqüência invariável: conservação de número (5-6 anos), de

substância (7-8 anos), de área (7-8 anos) de volume líquido (7-8 anos), de

peso (9-10 anos) de volume sólido (11-12 anos);

os esquemas de conservação não são ensinados à criança, nem brotam

independentemente das experiências do sujeito – resultam da relação entre

as estruturas mentais prévias e os elementos presentes em situações

concretas que o sujeito vivencia.

Você deve estar imaginando as mudanças que ocorrem nos esquemas

afetivos da criança neste período.

Assim como no nível cognitivo a criança desenvolve a reversibilidade, no

nível afetivo Os sentimentos por determinadas pessoas passam a ganhar

permanência ou conservação (no período anterior, a criança gostava de um

objeto ou uma pessoa hoje e amanhã já não gostava mais, dependendo da

situação experienciada). A criança consegue resgatar os sentimentos passados

no momento presente e reconhecer o que sentiu antes, levando isso em conta no

desenvolvimento dos sentimentos atuais.

Além disso, os sentimentos ganham reciprocidade: a criança resgata os

sentimentos que os adultos expressaram em relação a ela no passado, e passam a

interagir afetivamente, levando em conta o que o outro sente por ela no

momento. Os sentimentos dela em relação aos outros e dos outros em relação a

ela são construídos em interação.

No nível do desenvolvimento moral, o sentimento de respeito, que antes era

unidirecional – da criança para com o adulto – passa a ser recíproco.

O adulto começa a ouvir mais e a compreender o que a criança tem a dizer e

o que ela sente e deseja e o respeito mútuo embasa um novo tipo de moralidade,

menos heterônoma, caminhando progressivamente para um nível maior de

autonomia.

Nesse estágio de desenvolvimento as crianças freqüentam as séries iniciais

do ensino fundamental e consolidam suas aquisições do código lingüístico

escrito e das representações matemáticas, sendo introduzidas formalmente no

estudo de disciplinas que os atualizam em relação às conquistas do pensamento

científico.

Vimos como se inicia o desenvolvimento do pensamento racional, ou das

operações lógicas, no estágio das operações lógicas concretas: pela construção

da reversibilidade do pensamento.

As operações concretas deste estágio são as primeiras que se tornam

verdadeiramente lógicas. As intuitivas são pré-lógicas.

O que são operações lógicas? Por que as chamamos de operações lógicas

concretas?

20

São ações que se dão no nível da representação mental, controladas pela

atividade cognitiva e não pelas percepções; são construídas a partir de estruturas

anteriores, como uma função de assimilação e acomodação, como todas as

estruturas cognitivas; são meios de organizar a experiências em esquemas

mentais que são superiores a organizações prévias.

As operações são o resultado do processo de constituição de sistemas de

conjuntos de ações passíveis, ao mesmo tempo, de composição e revisão;

supõem algum nível de conservação; relacionam-se a sistemas de operações;

são reversíveis; apresentam duas estruturas centrais: a seriação e a

classificação.

A seriação consiste na capacidade de organizar mentalmente um conjunto

de elementos, em ordem crescente ou decrescente de tamanho, peso ou volume.

Por meio dela, se ordenam objetos de acordo com diferenças.

Leia a descrição de um experimento de seriação realizado com crianças:

Apresenta-se à criança um conjunto de aproximadamente 10 varetas com variações

pequenas mas perceptíveis. Solicita-se que ela ordene as varetas da menor para a maior. O

examinador pode mostrar uma ordenação já pronta à criança antes de pedir que ela construa

a sua. As pesquisas de Piaget distinguiram cinco níveis no desenvolvimento da seriação do

comprimento:

Aos 4 anos: as crianças colocam as varetas em uma disposição sem ordem aparente;

Entre 4 e 5 anos: as crianças constroem pares, contendo cada um uma vareta maior e outra

menor, sem relações entre os pares; começam a formar grupos de 3 varetas, sem nenhuma

ordem regular entre eles.

De 5 a 7 anos: as crianças ordenam as varetas de modo a se observarem coordenações

parciais: podem alinhá-las pela extremidade superior, sem levar em conta o alinhamento da

base , ou conseguem ordenar corretamente 4 ou 5 varetas, mas não todas.

Aos 7/8 anos, as crianças: a) primeiramente seriam todas as varetas, empiricamente,

corrigindo os erros no processo; b) as crianças empregam uma estratégia para resolver o

problema, como escolher a maior vareta primeiramente e depois buscar a segunda maior, a

terceira maior, e assim por diante. Elas podem, até resolver o problema com anteparo

visual, sem verem o que fazem.

O processo de seriação se dá, como todos os outros, numa seqüência

previsível, embora não em idades fixas, por meio de assimilações e

acomodações.

A criança de 8 anos consegue fazer a seriação racionalmente, porque já

desenvolveu a compreensão da relação (propriedade) de transitividade: se A é

menor que B e B menor que C, então A é necessariamente menor que C. Assim,

toma decisões não por testes empíricos, mas por compreensão das relações entre

as varetas.

A classificação, que é outra operação lógica desenvolvida neste estágio, é a

capacidade de agrupar mentalmente objetos, de acordo com as semelhanças.

Leia este outro experimento:

21

Apresentam-se às crianças conjuntos de objetos (como formas geométricas, variando em

tamanho e cor) e se solicita a elas que coloquem juntos os objetos que são semelhantes.

Piaget reconheceu três níveis de desenvolvimento da capacidade de classificação:

Crianças de 4 ou 5 anos: tendem a selecionar objetos por semelhanças em um aspecto

ocasional (ex.: círculo preto com círculo branco; ou triângulo branco e círculo branco);

Crianças de 7 anos: formam coleções de objetos semelhantes em torno de uma dimensão:

classificam pela forma, ou pela cor, sem, entretanto fazer relações entre as coleções, sem

compreender a relação entre uma classe e uma subclasse.

Se nesse nível se lhes apresentam 20 contas de madeira marrom e 2 contas de madeira

branca.

Depois de concordarem que todas as contas são de madeira, se lhes perguntamos “Há mais

contas de madeira, ou mais contas marrons?” , elas respondem que há mais marrons,

incapazes de comparar a subclasse de contas marrons à classe maior de contas de madeira.

Não compreendem o conceito de inclusão de classe.

Crianças em torno de 8 anos: Já construíram o princípio da inclusão de classe e respondem

que há mais contas de madeira. Então, podem classificar objetos considerando não as

propriedades empiricamente percebidas, mas aquelas racionalmente concebidas.

As crianças capazes de operar classificações racionalmente, são capazes de

desenvolver o conceito de número, pois este resulta da síntese das operações

lógicas de seriação e inclusão. Envolve a noção de ordem (seriação) e de

pertencimento a uma classe (inclusão). O número 5 representa uma posição

numa série (depois do 4 e antes do 6) e é parte de um conjunto que inclui 1, 2, 3

e 4.

Neste estágio do desenvolvimento, o conceito de causalidade se desenvolve

também numa seqüência fixa, como os outros. Um exemplo é a explicação da

criança de 7 a 12 anos sobre o que ocorre com o açúcar dissolvido no copo de

água, como vimos anteriormente.

Os conceitos racionais de tempo e velocidade também seguem uma

seqüência, sendo que começam a se desenvolver por volta dos 8 anos de idade.

Em termos de sociabilidade, as crianças deste estágio, que, como vimos,

desenvolvem a conservação de sentimentos e valores e uma moral de

reciprocidade, são capazes de se relacionar com outras crianças e com o adulto

em regime de cooperação.

O desenvolvimento de sua autonomia progride, ela é capaz de argumentar

sobre suas idéias e preferências afetivas e de começar a controlar seus impulsos

por decisão racional, graças ao sentimento racional da vontade, que corresponde

a decidir racionalmente e não agir guiado pelas paixões. Começa a se

estabelecer, então, um equilíbrio paixão/razão.

O importante é que você se lembre de que todo este processo que vai do

pensamento intuitivo às operações racionais ocorre na relação da criança em

contato com objetos e pessoas em sua concretude. Daí se denominar este estágio

Operatório Concreto.

4º. estágio: Estágio das Operações Formais

22

A partir dos 12 anos, aproximadamente, o pensamento começa a se libertar

da experiência direta e as estruturas cognitivas se organizam de modo que o

raciocínio se torna lógico e formal, isto é, não depende de processos empíricos,

mas de relações racionais, operadas mentalmente.

De concreto, o pensamento passa a ser abstrato, e esta mudança é

desencadeada por desequilíbrios causados por desafios a que o sujeito se

submete em suas relações com o mundo físico e social.

A criança, ou jovem adolescente, torna-se capaz de raciocinar de forma

efetiva sobre o presente, o passado e o futuro, assim como sobre questões

hipotéticas e problemas proposicionais verbais.

O sujeito se torna capaz de introspecção, consegue pensar sobre seu próprio

pensamento e sentimentos, como se fossem objetos.

A criança operacional concreta só pode raciocinar sobre e resolver cada

problema isoladamente, sem articulá-lo a outros. O adolescente que desenvolve

as operações formais desenvolve a capacidade de empregar teorias e hipóteses

na solução de problemas, usando várias operações intelectuais simultaneamente.

Embora, então, as estruturas formais lógicas do pensamento emerjam das

estruturas concretas, por assimilações e acomodações, são qualitativamente

diferentes dessas, podendo ser de tipo hipotético-dedutivo, científico-indutivo e

reflexivo-abstrato.

Para você ter uma idéia do que caracteriza o pensamento abstrato, passamos

a relacionar abaixo as estruturas desenvolvidas no estágio operacional formal.

As estruturas de raciocínio desenvolvidas no estágio das operações formais

são:

Como podemos definir esses tipos de raciocínio?

Raciocínio hipotético-dedutivo

Hipotético: raciocínio que transcende a percepção e a memória e lida com

objetos dos quais não temos conhecimento direto, ou objetos hipotéticos;

Dedutivo: raciocínio que vai das premissas à conclusão, ou do geral para o

específico.

Exs.: se A é menor que B, e B é menor que C; então A é menor que C ou se

(A<B e B<C) então (A<C)

Se Artur é mais novo que Paulo; e Paulo é mais novo que José; então Artur é

mais novo que José.

Pensamento

abstrato é aquele

coordenado por

princípios gerais,

possibilitados pelo

desenvolvimento

das operações

formais.

As operações

formais diferem

das concretas, na

medida em que

estas abrangem a

solução de

problemas

palpáveis, vividos

no presente e

aquelas podem se

aplicar a problemas

hipotéticos, quer

eles possam vir a

ocorrer ou não. As

operações formais

caracterizam-se

pelo raciocínio

científico,

funcionando pela

elaboração de

hipóteses e teses.

raciocínio

hipotético-dedutivo

raciocínio

científico-indutivo

raciocínio

reflexivo-abstrato

23

O indivíduo no estágio operacional formal consegue raciocinar sobre

hipóteses, como diante da instrução “Suponha que a neve é preta”, enquanto

que a operacional concreta se recusará a raciocinar, porque isso é falso.

O raciocínio hipotético-dedutivo não tem compromisso com o mundo empírico

e é possível se ter um raciocínio lógico correto, independentemente da verdade

ou falsidade de seu conteúdo.

Raciocínio científico-indutivo

É o raciocínio que vai de fatos específicos às conclusões

Em ciência se usa este raciocínio para se construírem generalizações ou leis

científicas.

Os indivíduos neste estágio são capazes de raciocinar sobre problemas de

maneira muito semelhante à dos cientistas: formulam hipóteses, experimentam,

controlam variáveis, registram efeitos e extraem conclusões sistemáticas dos

resultados.

Neste estágio, o sujeito realiza o raciocínio combinatório, coordenando seu

pensamento relativo a diversas variáveis ao mesmo tempo. Ele não baseia seu

raciocínio na observação, mas vai além dela e constrói variáveis mentalmente e

as verifica por experimentação sistemática. Quanto mais o sujeito se desenvolve

nesse estágio, mais ele é capaz de testar as variáveis sistematicamente na análise

combinatória: ele isola uma variável e a testa, para depois passar a testar cada

uma das outras.

Raciocínio reflexivo-abstrato ou abstração reflexiva:

É o mecanismo mental utilizado na construção do conhecimento lógico-

matemático. É um pensamento interno ou reflexão baseada no conhecimento

disponível, que pode resultar em conhecimento novo. As analogias são

abstrações reflexivas.

Ex.: “Cachorro está para pêlo assim como pato está para penas” é um raciocínio

por analogia.

O raciocínio analógico é construído quase que exclusivamente independente

do conteúdo. Comparam-se relações entre pares. E relações não são

observáveis.

Embora o raciocínio abstrato formal não seja atrelado a dados empíricos há,

segundo Piaget, alguns conteúdos que só podem ser manipulados racionalmente

por indivíduos que estejam no estágio operacional formal.

O adolescente, graças ao pensamento formal, desenvolve mecanismos

metacognitivos, ou seja, pode refletir a respeito dos próprios processos de

pensamento, recuperando os passos seguidos para a solução de problemas. O

24

conhecimento do processo de resolução de problemas o capacita a desenvolver

estratégias mais eficientes diante de novos problemas.

Acompanhando o desenvolvimento do longo processo de construção da

cognição, desde os primeiros movimentos e as primeiras percepções do bebê até

o pensamento lógico abstrato do jovem adulto, compreendemos, por meio do

trabalho de Piaget, como se desenvolvem as estruturas cognitivas, habilitando o

indivíduo a pensar o mundo em consonância com o estado mais avançado do

pensamento científico e formal alcançado pela humanidade.

Da mesma forma, desenvolve-se o psiquismo do ponto de vista afetivo,

social e moral.

Tendo construído as estruturas psíquicas que o habilitam a compreender o

mundo tal como é, e a construir mentalmente um mundo ideal, habitam este

“seu mundo” com sua utopia que orientam, também, as construções no nível da

afetividade. Os adolescentes se identificam com seu grupo etário, contrapõem-

se aos adultos e aos parâmetros que organizam o funcionamento social e

político.

Um novo mundo, que inclua novos elementos propostos pelos jovens, mais

humanitários, mais justos, mais voltados para o amor e a busca da igualdade, é

buscado por eles como a forma “mais logicamente correta” para se viver. Eles

fazem poucas concessões ao mundo dos pais e autoridades e defendem

propostas revolucionárias.

O adolescente se sente em pé de igualdade com o adulto, mas diferente dele,

menos conformista, não submisso às determinações dos poderes sociais e

políticos. Defende a felicidade individual e a social como uma extensão desta.

A personalidade se consolida na adolescência, orientando-se para o mundo

social, nas relações do jovem com as outras pessoas, na escola, no trabalho, em

seu relacionamento afetivo com o/a parceiro/a, visando a futura construção de

uma família.

A moralidade do adolescente conquista um alto nível de autonomia,

contrapondo-se, inicialmente, à do adulto.

Nas relações afetivas e morais, o jovem leva em conta as intenções das

pessoas e não só suas ações, compreende que é importante ser fiel nas amizades

e não mentir para as pessoas, ser justo, desenvolvendo uma moral de

cooperação, buscando a igualdade.

25

Você considera que o adulto é mais sociável, mais ajustado socialmente, que

vive respeitando as leis sociais, mesmo que eventualmente as critique e

proponha mudanças na ordem estabelecida?

O adulto critica a sociedade de dentro dela, quer transformá-la para que ela

melhore, e o adolescente, no início, ainda egocêntrico, fica “com um pé fora”,

tentando reformar a sociedade para ela caber em seu projeto pessoal.

Na medida em que o jovem se exercita no padrão do pensamento formal e

abstrato, em contato com a sociedade já estabelecida, ele vai sofrendo a

resistência do sistema social diante de suas propostas e vai negociando com as

pessoas as possibilidades de se adaptar socialmente.

Por meio de assimilações e acomodações, o adolescente começa um

processo de ajuste entre suas utopias e as possibilidades de se inserir no mundo

adulto de uma maneira não submissa, mas propondo modificações.

Ele, agora, sendo capaz de visualizar várias possibilidades de estar no

mundo, pode até ser um adulto revolucionário,, afiliar-se a partidos, assumindo

doutrinas políticas e traçando estratégias revolucionárias.

Pode-se considerar que esta é a marca do desenvolvimento adulto para

Piaget: inserir-se no mundo da cultura e da sociedade, fazer trocas cognitivas e

afetivas, construindo coletivamente o conhecimento e relações afetivo-sociais

sólidas, tudo isso se consolidando por meio do trabalho.

Piaget fala do sujeito ideal, constrói um modelo teórico de indivíduo, a

partir de suas experiências com amostras de sujeitos. Sua teoria, portanto, é um

modelo científico, baseado numa concepção de ciência construtivista, que não é

o retrato do mundo empírico, nem uma construção descolada do mundo

concreto.

Sua teoria guarda relações com o mundo concreto, mas não é o mundo.

Fala de um sujeito construído a partir de pessoas concretas, mas seu sujeito não

é o ser humano concreto. O modelo ideal de desenvolvimento psíquico do

sujeito do conhecimento é, para Piaget, o do cientista, já que este não só é capaz

de construir um sistema de teorias explicativas e compreensivas da realidade,

mas torna possível a aplicação de suas descobertas para o aprimoramento e o

progresso da vida humana.

Assim Piaget concebe o desenvolvimento dos processos psíquicos ligados à

cognição, à construção do conhecimento. O desenvolvimento cognitivo é

acompanhado pelo sócio-afetivo e pelo moral: o indivíduo, na medida em que

constrói o mundo mentalmente e age nele objetivamente, constrói a si mesmo,

inserido neste mundo, e desenvolve maneiras de se ligar afetivamente aos

outros, de agir segundo sua compreensão do que é certo ou errado, justo ou

injusto, que são (formas) compatíveis com os modos de compreensão intelectual

por ele construídos.

O ideal de indivíduo para Piaget não se resume à forma mais avançada de

desenvolvimento, mas a cada estágio corresponde um ideal de desenvolvimento:

o bebê ideal, a criança ideal, o adolescente e jovem ideais, o adulto ideal.

Podemos acompanhar uma trajetória ideal do desenvolvimento na psicogenética

:

O desenvolvimento

do adulto não

consiste em

mudarem as

estruturas típicas de

apreensão cognitiva

ou de relação

afetiva – o estágio

das operações

intelectuais formais

e do pensamento

abstrato alcançado

na adolescência é o

mais alto nível de

desenvolvimento do

indivíduo, segundo

Piaget.

O que muda na

idade adulta são as

formas de lidar com

o mundo,

articulando seu

pensamento e sua

afetividade, de

modo a

compartilhar com os

outros maneiras de

agir no mundo –

especialmente no

trabalho – e de

relacionar-se

afetivamente –

especialmente na

família e nas

relações de

amizade.

26

de Piaget, que privilegia a construção cognitiva como o motor, como o carro-

chefe do desenvolvimento global, dela dependendo o desenvolvimento sócio-

afetivo e moral.

Piaget fala, então, de um sujeito ideal, do sujeito construtor do

conhecimento, e não de pessoas concretas, que lidam com situações

contraditórias, com conflitos. Ele apresenta um modelo, uma proposta de

estruturação do psiquismo. Em cada estágio, entretanto, as formas de

pensamento que correspondem aos estágios anteriores não desaparecem, mas

são reintegradas em sistemas estruturados e lógicos de pensamento. Em

determinadas situações, o sujeito pode recorrer àquelas formas arcaicas de

resolver problemas, mas as estratégias mais evoluídas tendem a predominar por

serem mais adaptativas, ou seja, promoverem maiores condições de ajuste

sujeito/realidade que as anteriores.

O sujeito piagetiano é, em seu nível mais avançado de desenvolvimento,

autônomo. Autônomo cognitivamente, na medida em que é capaz de pensar o

mundo criticamente, atingindo um nível de conhecimento compatível com as

teorias científicas contemporâneas; autônomo afetivamente, pois consegue

escolher as pessoas com quem se relacionar socialmente e amorosamente;

autônomo social e politicamente, pois consegue participar da organização

social, trabalhar e agir como cidadão; autônomo moralmente, pois pauta suas

ações pela consideração do dever e do bem comum e da felicidade pessoal.

O que realmente é importante na teoria de Piaget é a concepção de que o

estar-no-mundo e conhecê-lo apresenta variações que são típicas de momentos

específicos da vida. O desenvolvimento, entretanto, dá-se numa seqüência pré-

determinada, com uma valorização da dimensão cognitiva, graças à qual as

estruturas psíquicas relacionadas às relações sócio-afetivas e morais se

desenvolvem.

Para Piaget, não se ensina uma pessoa, tenha ela qualquer idade, a ser

inteligente, a amar e respeitar os outros, e a viver em sociedade. Cada indivíduo

se desenvolve neste sentido, a partir de potencialidades típicas do humano,

enraizadas nas suas estruturas biológicas básicas, que se atualizam ou realizam

nas suas relações com seus semelhantes.