capitulo 6 - a teoria do desenvolvimento cognitivo de piaget - teorias de aprendizagem, moreira, m....

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I3RUNER,1. S. AClulIll11inds, possible\l'orlds. Cambridge, MA. Harvard University Press, 1986. UI<UNER, J.S. 0 processo da educ{{(;iio.Sao Paulo, Nacional, 1973. 11RUNER, 1.S. Villa nova leoria de aprendi:agelll. Rio, Bloch, 1969 (I' ed.), 1976 (2" ed.). II R N ER, 1.S. Theprocess of education revisited. Phi Della Kappan, September, 1971. pp. 18-21. IJ~I'I AN<;OIS, G. R. Psychologicallheories and hUlllanleaming. Monterey, Ca!., Brooks/ Cole Publishing Co., 1982 (2"" ed.). OI,IVEIRA, J.B.A. Tecnologia edncacional. Rio, Vozes, 1973(2' ed.), 1975(3" ed.). OLS N, D. R. The mind according to Bruner. Educational ResearclJel; 2/(4): 29-31. Capitulo 6 A teoria do desenvolvimento cognitivo de Pia get I Este capitulo pretende apenas dar uma visao geral, e certamente incompleta,da teoria de Jean Piaget (1896-1980). E importante que 0 leitor tenha sempre preser,te 0 escopo dessa pretensao. A obra de Piaget e vastissima e em um texto tao simples como este naoe possi- vel fazer mais do que focalizar alguns aspectos dessa obra. Para aprofundamento, recomenda-se recorrer a bibliografia indicada. A posi9ao filosofica de que 0 conhecimento humanoe uma cons- tru9ao do proprio homem, tanto coletiva como individual, e bastante antiga.Mas neste seculo, Piaget e, sem duvida, 0 pioneiro doenfoque construtivista a cogni9ao humana. Suas propostas configuram uma teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo humano. Alguns de seus importantes trabalhos datam da decada de 20, mas apenas recentemente, na decada de 70, digamos, Piaget foi "redescoberto". Come9atalvez ai a ascensao docognitivismo e 0 declinio do beha- viorismo, emtermos de influencia no ensino/aprendizagem e na pes- quisa nessa area. Hoje, essa influencia e tao acentuadamente piagetiana que se chega aconfundir const:rutivismo com Piaget. Quer dizer, che- ga-se a pensar,com certa naturalidade, que ateoria de Piaget e, par IMoreira, M.A.(1995). Monografia n" 6 da Serie Enfoques Te6ricos. Porto Alegre, Ins- tituto de Ffsica da UFRGS. Original mente divulgada, em 1980, na serie"Melhoria do Ensin ", do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino Superior (PADES)/ UI,'R S, N" 14.Publicada, em1985, no livro "Ensino e aprendizagem: enfoques te6ricos", :), () I Hulo, Editora Moraes, p. 49-59. Revisada em1995.

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  • I3RUNER,1. S. AClulIll11inds,possible \l'orlds. Cambridge, MA. Harvard University Press,1986.

    UI

  • defini~ao, a teoria construtivista. Nao e bem assim, existem outrasvis6es construtivistas, mas 0 enfoque piagetiano e indubitavelmente, 0mais conhecido e influente.

    Como ja foi dito, a obra de Piaget e muito ampla e nao e possivelaborda-la toda em uma pequena monografia. Em fun~ao disso, seraodestacados apenas os perfodos de desenvolvimento mental por elepropostos e alguns conceitos-chave de sua teoria, tais como assimila-rrao, acomodac;ao e equilibrac;iio. Provavelmente, entre nao-especia-Ii, tas, Piagete mais conhecido pelos quatro perfodos de desenvolvi-mento cognitivo do que por tais conceitos, mas e exatamente nessesonceitos que esta 0 seu construtivismo. 0 "nucleo duro" da teoria dePiaget esta na assimila~ao, na acomoda~ao e na equilibra~ao, nao nosramosos periodos de desenvolvimento mental. Espera-se que isso fi-quc claro nas proximas se~6es.

    Apos, serao discutidas algumas implica~6es da teoria de Piagetpara 0 ensino e a aprendizagem.

    tisfazer fome ou curiosidade e e capaz de imitar varios comportamen-tos adultos. E tambem capaz de lidar com deslocamentos invisfveisde objetos externos, representando-os mentalmente, ou seja, e capazde responder a objetos que nao esta venda diretamente, 0 que signi-fica que, para ela, os objetos ja tern uma realidade cognitiva alem darealidade ffsica.

    o perfodo seguinte e 0pre-operacional, que vai dos dois aos seisou sete anos. Com 0 usa da linguagem, dos sfmbolos e imagens men-tais, inicia-se uma nova etapa do desenvolvimento mental da crian~a.Seu pensamento comec;a a se organizar, mas nao e ainda reversivel,isto e, nao e capaz de percorrer urn caminho cognitivo e, apos,percorre-lo mental mente em sentido inverso, de modo a reencontrar 0ponto de partida nao modificado. Sua aten~ao volta-se para os aspec-tos mais atraentes dos acontecimentos e suas conclus6es saD tambemas mais atraentes perceptualmente. Pode, portanto, facilmente cair emcontradi~ao. A crianc;a continua em uma perspectiva egocentrica, ven-do a realidade principalmente como ela a afeta. Suas explica~6es saDdadas em func;ao de suas experiencias, podendo, ou nao, ser coerentescom a realidade.

    Urn exemplo interessante disso e aquele no qual a crianc;a geral-mente cai em contradic;ao ao se defrontar, alternadamente, com urnrecipiente alto e fino e outro baixo e largo contendo a mesma quanti-dade de agua. Como a atenc;ao da crianc;a volta-se ora para a alturaora para a largura (aspectos mais atraentes), porem nao simultanea-mente para as duas, compensando-as, a crianc;a podera dizer que 0recipiente alto e fino con tern mais agua porque e mais alto ou contemmenos agua porque e mais fino. Ao passar-se a agua de urn para outrorecipiente, ao inves de prestar atenc;ao na transformac;ao (passagem daagua), a crian~a detem-se em estados momentaneos do sistema, emaspectos atraentes dos objetos.

    Ante a falta de reversibilidade, a crianc;a, durante este perfodo dedesenvolvimento mental, nao tern ainda compreensao da transitividade(A < C, se A < Be B < C) nem da conservac;ao do todo (alterando aforma, altera tambem a quantidade, 0 peso etc., como no caso da aguapassada de urn recipiente para outro).

    A idade de 7 a 8 anos assinala, em geral, 0 infcio do perfodooperacional-concreto, que se estende ate 11 ou 12 anos. Nesse perf-odo, verifica-se uma descentrac;ao progressiva em relac;ao a perspec-liva gocentrica que caracterizava a crianc;a ate entao. Ela entra, pro-)1' ssivamente, em urn mundo de varias perspectivas. 0 pensamentoIrl 'ri~n~a, agora mais organizado, possui caracterfsticas de uma logi-

    Piaget distingue quatro perfodos gerais de desenvolvimento'0 ynitivo: sensorio-motor, pre-operacional, operacional-concreto,op racional-formal. Cada urn desses periodos, por sua vez, subdivi-d -,'e em estagios ou nfveis.

    o perfodo sensorio-motor vai do nascimento ate cerca de doisan de idade. Logo apos 0 nascimento, a crianc;a apresenta uns pou-os comportamentos do tipo reflexo, tais como suc~ao, preensao,'hora e atividade corporal indiferenciada. A crianc;a, neste estagio,lIao diferencia 0 seu eu do meio que a rodeia: ela e 0 centro e osobjetos existem em fun~ao dela. Suas a~6es nao saDcoordenadas, cadauma delas e ainda algo isolado e a unica referencia comum e con stanteo proprio corpo da crian~a, decorrendo dai urn egocentrismo prati-amente total. Tudo 0 que a crianc;a ve e uma extensao do seu proprioorpo. Entretanto, ela nao se percebe como urn eu possuidor de dese-

    jos e vontades que seriam as causas de suas a~6es.Deste estagio, caracterfstico do recem-nascido, a crianc;a evolui

    cognitivamente, passando por outros estagios, ate que, no fim do pe-rfodo sensorio-motor, comec;a a descentralizar as ac;6es em rela~ao aoproprio corpo e a considera-lo como urn objeto entre os demais. Osobjetos existem independentemente do eu. A coordena~ao das a~6esevidencia urn sujeito que come~a a se perceber como fonte de seusmovimentos. A crianc;a pode manipular objetos em seu meio para sa-

  • ca de opera~6es reversfveis. Ela pode, por exemplo, combinar classesclementares para formar uma classe superior (A + A' = B) e dad a aclasse superior, diferenciar suas classes componentes (B - A = A' ou B- A' = A). Isto e, ha urn equilIbrio reversfvel entre classes e subclasses(/\ + A'= B). Ela e capaz de pensar no todo e nas partes simultanea-mcnte. Adquire a no~ao de reversibilidade por inversao e nega~ao,'ujo produto e uma anula~ao (e.g., +A - A = 0), e a de reversibilidadep r reciprocidade (e.g., se A =B, B =A ou se A esta a esquerda de B,13csta a direita de A).

    Durante este perfodo, a crian~a ganha precisao no contraste e com-piIr~l~aode objetos reais e toma-se capaz, por exemplo, de predizer qualo I' 'cipiente que contem mais agua. Entretanto, embora suas explica-'0 s e previs6es nao sejam mais baseadas em uma perspectiva'1'( cntrica, seu pensar esta ainda grandemente limitado: as opera~6essun, Ie fato, concretas, isto e, incidentes diretamente sobre objetos re-lIis. ~la nao e ainda capaz de operar com hip6teses, com as quais pode-!'illI'il 'iocinar independentemente de saber se sac falsas ou verdadeiras.1\ 'ri'ln~a recorre a objetos e acontecimentos conCI'etos, presentes no1110111 nto. Somente de maneira limitada e que seu sistema operacional-'()11 '1' Loa leva em dire~ao ao ausente. Para antecipar 0 ausente ela tern

    {J\I pal'Lirdo concreto, contrariamente ao que ocorre no perfodo se-I'llilli " quando 0 real e percebido como um caso particular do possfvel.

    P I' volta dos onze ou doze anos, inicia-se 0 quarto e ultimo pe-I 0

  • Os esquemas de assimilac;ao representam, portanto, a forma de agirdo organismo (mente) frente a realidade (podendo inclusive deformara realidade, como quando a crianc;a brinca com urn pedac;o de pau di-zendo que e urn cavalo). Em urn alto nivel de desenvolvimentocognitivo, urn esquema de assimilac;ao pode ser, por exemplo, uma te-aria, mas para chegar ate Hiurn longo caminho deve, sem duvida, serpercorrido, passando pelos esquemas de assimilac;ao caracterfsticos dosperfodos de desenvolvimento mental. 0 desenvolvimento da crianc;a euma "construc;ao" por reequilibrac;6es e reestruturaC;6es sucessivas.

    A partir desses conceitos poder-se-ia chegar a uma ideia de "es-trutura cognitiva" dentro da teoria piagetiana (embora Piaget nao useessa terminologia): para ele a mente e urn conjunto de esquemas quese aplicam a realidade. Estes esquemas tendem a incorporar os ele-mentos que lhes sao exteriores e compativeis com sua natureza. 0esquema de classificac;ao, por exemplo, tende a classificar tudo 0 quee classificavel; as teorias explicativas sao tambem esquemas de assimi-lac;ao da realidade. Tais esquemas, no entanto, tendem a assimilar-semutuamente em estruturas cada vez mais amplas, moveis e estaveis,ate aIcanc;arem 0 poder "manipular" todos os "possiveis". Quando urnesquema se reestrutura e adota urn modele mais eficiente de ac;ao,diz-se que houve acomodac;ao do esquema.

    A "estrutura cognitiva" de urn individuo e, pois, urn complexo deesquemas de assimilac;ao que, segundo Piaget, tendem a organizar-sesegundo os modelos matematicos de grupo e rule. (Piaget chama de"grupamentos" os grupos e redes que nao atingiram ainda 0 nfveloperatorio.)

    Segundo Piaget, 0 crescimento cognitivo da crianc;a se da porassimilar;Cio3 e acomodar;Cio. A assimilac;ao designa 0 fato de que ainiciativa na interac;ao do sujeito com 0 objeto e do organismo. 0individuo constroi esquemas de assimilac;ao mentais para abordar arealidade. Todo esquema de assimilac;ao e construido e toda aborda-gem a realidade sup6e urn esquema de assimilac;ao. Quando 0 organis-mo (a mente) assimila, ele incorpora a realidade a seus esquemas deac;ao, impondo-se ao meio. Por exemplo, quando se diz que uma gran-deza fisica e vetorial, incorpora-se esta grandeza ao esquema "vetor".Outra exemplo: quando se mede uma distancia, usa-se 0 esquema de"medir" para assimilar a situac;ao. Observe-se, no entanto, que emambos os casos 0 organismo nao se modifica, isto e, no pracesso deassimilac;ao a mente nao se modifica, 0 conhecimento que se tern darealidade nao e modificado (nos exemplos dados, os esquemas de"vetor" e "medir" nao foram modificados).

    Obviamente, muitas vezes os esquemas de ac;ao da crianc;a (oumesmo de urn adulto) nao conseguem assimilar determinada situac;ao.Neste caso, 0 organismo (mente) desiste ou se modifica. No caso demodificac;ao, ocone 0 que Piaget chama de "acomodar;Cio". E atravesclas acomodac;6es (que, par sua vez, lev am a construc;ao de novosc quemas de assimilac;ao) que se da 0 desenvolvimento cognitivo. Seo meio nao apresenta problemas, dificuldades, a atividade da mente e,apenas, de assimilac;ao, pOl'em, diante deles, ela se reestrutura (aco-moclac;ao) e se desenvolve.

    Nao ha acomodac;ao sem assimilac;ao, pois acomodac;ao ercestruturac;ao da assimilac;ao. 0 equilibrio entre assimilac;ao e aco-moclac;ao e a adaptar;Cio a situac;ao. Experiencias acomodadas daorigem, posteriormente, a novos esquemas de assimilac;ao e urn novostaclo de equilibrio e atingido. Novas experiencias, nao assimilaveis,Icvarao a novas acomodac;6es e a novos equilfurios (adaptac;6es)cognitivos. Este processo de equilibrar;Cio prossegue ate 0 periodoc1asoperac;6es formais e continua, na idade aduIta, em algumas areascl experiencia do individuo.

    Pia get considera as ac;6es humanas (e nao as sensac;6es) como abase do comportamento humano. Tudo no comportamento parte daac;ao. Ate mesmo a percepc;ao e, para ele, uma atividade e a imagemmental e uma imitac;ao interior do objeto. "0 comportamento (motor,verbal e mental) e, simplesmente, a estruturac;ao dos movimentos doorganismo em esquemas que evoluem para os modelos matemaricosde grupo ou de rede (passando, em seu processo genetico, pelos'grupamentos')." (Oliveira Lima, 1980, p. 33).

    Pode-se falar emar;Cio sensorio-motora, ar;Cioverbal e ar;Ciomen-tal. 0 pensamento e, simplesmente, a interiorizac;ao da ac;ao (embora,geralmente, acompanhada de atividade motora residual, como, porexemplo, gestos e movimento dos olhos).

    Esta se~ao foi escrita a partir de defini~6es encontradas no trabalho "Collceitos JUllda-/IIell/ais de Piaget (vocabulftrio)", de Lauro de Oliveira Lima, apresentado no I" Con-resso Brasileiro Piagetiano Educa~ao pel a Inteligencia, Rio, Setembro de 1980.o mesmo termo e usado pOI'Ausllbel (Capitulo n" 10 clesta serie) com outro signifi-

    cado.

  • Ate agora nao se falou em aprendizagem, embora isso fosse pos-slve\' Ocon'e que a teoria de Piaget nao e propriamente uma teoria dea~rendiza.gem e sim .uma teoria de desenvolvimento mental. Piagetnao enfattza 0 concelto de aprendizagem, talvez por nao concordar'om a defini~ao usual de "modifica~ao do comportamento resultantela e~perienci~". Esta. defini~ao traz consigo uma ideia de dependenciapaSSlva do mew amblente, enquanto que, segundo Piaget, na assimila-~ao, 0 organismo se imp6e ao meio (na acomoda~ao, a mente sereestrutura para adaptar-se ao meio). Piaget prefere, entao, falar em"aumento do conhecimento", analisando como isto ocorre: so haIII rendizagem (aumento de conhecimento) quando 0 esquema de as-sill1ila~ao sofre acomoda~ao.

    Tenta.ndo.resumir, de uma maneira geral, 0 que foi dito ate agora,I ocler-se-la dlzer que, segundo Piaget, 0 desenvolvimento mental dacri~ll~.a pode ser descrito tomando como referencia os esquemas deasslll1lla~ao que ela utiliza. Tais esquemas caracterizam 0 desenvolvi-mento !ntelectual c~mo constitufdo de perfodos (sensorio-motor, pre-operaclOnal, operaclOnal-concreto e operacional-formal), que, por suavez, podem ser subdivididos em estagios, isto e, a crian~a constroi'.'quemas de assimila~ao com os quais aborda a realidade, pOl'emestese. quemas vao evoluindo a medida que a crian~a se desenvolve men-talmente. Os esquemas de assimila~ao de uma crian~a de dois anos saoc1iferentes dos de uma de quatro anos que, por sua vez, sao diferenteslos de uma de sete ou oito, e assim por diante.

    Por outt'o lado, de acordo com Piaget, so ha aprendizagem quandoha acomoda~ao, ou seja, uma reestrutura~ao da estrutura cognitiva (es-quemas de assimila~ao existentes) do indivfduo, que resulta em novosesqucmas de assimila~ao. A mente, sendo uma estrutura (cognitiva)tenclea funcionar em equilibIio, aumentando, pennanentemente, seu graude ~rga~iza~ao interna e de adapta~ao ao meio. Entretanto, quando esteeqmlfbno e rompido pOl' experiencias nao-assimilaveis, 0 organismo(mente) se reestrutura (acomoda~ao), a fim de construir novos esque-mas d.e.assimila~ao e atingir novo equilfbrio. Para Piaget, este processoreeqlllhbrador, que ele chama de equilibrafao majorante, eo fator pre-ponderante na evolu~ao, no desenvolvim~nto mental, na aprendizagem(aumento de conhecImento) da crian~a. E no processo de equilibra~ao

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    majorante que 0 comportamento humano e, totalmente, "construfdo emintera~ao com 0 meio ffsico e socio-cultural"; 0 compOltamento huma-no (motor, verbal e mental) nao tem, portanto, segundo Piaget, padroesprevios hereditarios. A crian~a nasce com apenas uns poucos esquemassensorio-motores tais como chupar, olhar, ten tar alcan~ar coisas e pe-gar, os quais servem para suas intera~6es iniciais com 0 ambiente, mas,a partir daf, a equilibra~ao e a grande for~a impulsionadora de seu de-senvolvimento intelectual. A equilibra~ao esta presente em todos os pe-rfodos e estagios do desenvolvimento cognitivo e e, na verdade, respon-savel por ele.

    As implica~6es dessas proposi90es para 0 ensino (e para a educa-~ao, de um modo geral) sao obvias e de grande importancia: ensinar(ou, em um sentido mais amplo, educar) significa, pois, provocar 0desequilibrio no organismo (mente) da crian~a para que ela, procuran-do 0 reequillbrio (equilibra~ao majorante), se reestruture cogniti-vamente e aprenda. 0 mecanismo de aprender da crian~a e sua capa-cidade de reestruturar-se mentalmente buscando um novo equillbrio(novos esquemas de assimila~ao para adaptar-se a nova situa~ao). 0ensino deve, pOltanto, ativar este mecanismo.

    Observe-se, porem, que esta ativa~ao deve ser compatfvel com 0nfvel de desenvolvimento mental (perfodo) em que esta a crian~a. Ensi-nar (educar) "seria criar situa~6es (seriadas e graduadas, compatfveiscom 0 nfvel de desenvolvimento da crian9a) que 'forcem' a crian~a areestruturar-se (equilibrac;ao majorante)" (Oliveira Lima, 1980, p. 72).

    Na escola, esta necessidade de compatibilizar 0 ensino com 0nfvel de desenvolvimento mental da crian9a, e, muitas vezes, ignora-da: tenta-se, por exemplo, ensinar conteudos que pressup6em conser-vac;ao e reversibilidade para crianc;as que, pelo perfodo de desenvol-vimento em que estao, nao tem ainda estas no~6es. Outro erro muitocomum, principal mente nos ultimos anos da escola secundaria e mes-mo nos primeiros da universidade, e ensinar em um nfve1 puramenteformal (supondo, portanto, que esse nfvel tenha ja sido plenamenteatingido) para alunos que estao ainda, em muitas areas, em uma fasede raciocfnio operacional-concreto.

    Em termos de esquemas de assimilac;ao, a questao do ensino en-volve tres aspectos: os esquemas de assimilac;ao do a1uno, aqueles quee quer ensinar, e os do professor. Relativamente a esses tres aspectos,um conceito interessante e 0 de ensino reversfvel (Kubli, 1979):

    " m um dialogo reversfvel, a distribui~ao dos esquemas de assi-milac;ao deve ser tao equilibrada quanto possfvel. (Em um sentido

  • c;6es devem estar sempre integradas a argumentac;ao, ao discurso, doprofessor. Seria uma ilusao acreditar que a
  • Hipida da estrutura qualitativa dos problemas (raciocfnios l6gicos sem aintrodw;ao de fOlmalismo matematico) para a esquematizac;ao quantita-tiva ou matematica (no senti do de equa90es ja elaboradas). Esta passa-gem demasiadamente rapida provoca um desequilfbrio tao grande que,para muitos alunos, nao leva a equilibrac;ao majorante. (A ideia de "en-sino reversivel" e util aqui como meio de atenuar esse desequilfbrio eevitar 0 insucesso na aprendizagem.)

    Tal como ja foi dito no infcio, 0 objetivo deste texto e 0 de dar aoleitor uma visao geral da te0l1ade Piaget e suas implicac;oes para 0 ensinoe aprendizagem. Para isso, focalizaram-se apenas os perfodos de desen-volvimento mental (a teoria de Piaget e uma teoria de desenvolvimentomental e nao de aprendizagem) e alguns conceitos basicos como assimi-lac;ao,acomodac;ao, adaptac;ao e equilibrac;ao.A teoria, no entanto, e muitomais rica, tanto no que concerne a descric;ao e detalhamento dos periodos,como em termos conceituais. Isso significa que este capitulo nao tempretensoes de completeza. Ao contrario, certamente contem omissoes ecorre 0 risco de ter distorcido, ou simplificado em demasia, a teoria dePiaget. E sob esta 6tica que esta pequena monografia, que constitui estecapitulo, deve ser vista. Para aprofundamento, ou pelo menos para teruma ideia dos escritos de Piaget, sugere-se recorrer a bibliografia citada aseguir. Esta, no entanto, representa apenas uma parcela de tudo 0 quePiaget escreveu; diferentemente de outros autores, sua teoria nao se en-contra em urn ou dois livros, mas espalhada em muitas obras.

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