piaget e o desenvolvimento cognitivo

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2. Jean Piaget: Nascemos programados para aprender na interação com o meio Para Piaget, o objeto da psicologia não se reduz ao simples estudo dos processos mentais nem se limita ao estudo do comportamento observável. Para Piaget, o nosso desenvolvimento intelectual não depende exclusivamente do meio. Nega-se assim a conceção behaviorista que redu- A Jean Piaget, de nacionalidade suíça, devemos uma obra pioneira no âmbito do desenvolvimento cognitivo. Formado em Biologia e publicando o seu primeiro tra- balho científico (sobre moluscos) pouco depois dos 10 anos de idade, Piaget co- meçou a trabalhar no laboratório de Al- fred Binet, inventor do primeiro teste de inteligência, em 1918. Durante a tarefa ro- tineira de medir os resultados dos testes, Piaget detectou uma certa uniformidade no modo como crianças pertencentes a diversas faixas etárias “passavam” ou “falhavam” em várias secções dos testes. As crianças da mesma idade tendiam a cometer o mesmo tipo de erros. Pensou que na resolução dos testes as crianças mais jovens – já todas em idade escolar – poderiam estar a seguir um modo de pensar distinto do das crianças mais ve- lhas. A hipótese de que o pensamento das crianças muda qualitativamente de certos períodos do desenvolvimento para outros está na origem da ideia de estádios do desenvolvimento cognitivo. Piaget aprofundou o seu estudo sobre o desenvolvimento intelectual das crian- ças, observando-as e entrevistando-as (praticou o método clínico e a observa- ção naturalista), fazendo incidir a sua atenção nos próprios filhos – desde o momento em que nasceram foram pacientemente observados. Piaget dava à sua teoria o nome de epistemologia genética porque procura compreender a génese das estruturas cog- nitivas que nos permitem compreender o mundo e realizar a adaptação à realidade. A sua obra inovadora alterou a forma de ver o desenvolvimento intelectual des- de a infância até à adolescência. Hoje em dia, ou se refuta ou se aprofunda parte do seu legado. Este foi muito influente no campo da pedagogia e da elaboração dos currículos escolares. Jean Piaget (1896-1980).

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2. Jean Piaget: Nascemos programadospara aprender na interaçãocom o meio

Para Piaget, o objeto da psicologia não se reduz ao simples estudo dosprocessos mentais nem se limita ao estudo do comportamento observável.

Para Piaget, o nosso desenvolvimento intelectual não dependeexclusivamente do meio. Nega-se assim a conceção behaviorista que redu-

A Jean Piaget, de nacionalidade suíça,devemos uma obra pioneira no âmbito dodesenvolvimento cognitivo. Formado emBiologia e publicando o seu primeiro tra-balho científico (sobre moluscos) poucodepois dos 10 anos de idade, Piaget co-meçou a trabalhar no laboratório de Al-fred Binet, inventor do primeiro teste deinteligência, em 1918. Durante a tarefa ro-tineira de medir os resultados dos testes,Piaget detectou uma certa uniformidadeno modo como crianças pertencentes adiversas faixas etárias “passavam” ou“falhavam” em várias secções dos testes.As crianças da mesma idade tendiam acometer o mesmo tipo de erros. Pensouque na resolução dos testes as criançasmais jovens – já todas em idade escolar– poderiam estar a seguir um modo depensar distinto do das crianças mais ve-lhas. A hipótese de que o pensamentodas crianças muda qualitativamente decer tos períodos do desenvolvimentopara outros está na origem da ideia deestádios do desenvolvimento cognitivo.

Piaget aprofundou o seu estudo sobreo desenvolvimento intelectual das crian-ças, observando-as e entrevistando-as(praticou o método clínico e a observa-ção naturalista), fazendo incidir a suaatenção nos próprios filhos – desde omomento em que nasceram forampacientemente observados.

Piaget dava à sua teoria o nome deepistemologia genética porque procuracompreender a génese das estruturas cog-nitivas que nos permitem compreender omundo e realizar a adaptação à realidade.

A sua obra inovadora alterou a formade ver o desenvolvimento intelectual des-de a infância até à adolescência. Hoje emdia, ou se refuta ou se aprofunda partedo seu legado. Este foi muito influenteno campo da pedagogia e da elaboraçãodos currículos escolares.

Jean Piaget (1896-1980).

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zia o ser humano a um organismo relativamente passivo que respondia aomeio quando deste provinha o estímulo apropriado. Nega-se também a con-ceção inatista porque esta dá muito pouca importância ao papel do meio (oinatismo defende que a nossa relação com o meio é determinada por estru-turas inatas ou potencialidades genéticas e não pela interação entre essasestruturas e o meio). Este psicólogo suíço não é nem partidário do empiris-mo nem do inatismo. Definindo o conhecimento como processo de adap-tação ao meio, Piaget entendê-lo-á como um comportamento que resultada interação organismo-meio.

Não somos, portanto, simples produtos do meio (temos um papel ati-vo na construção dos esquemas ou estruturas que nos permitem conhecer einterpretar a realidade para resolver os problemas que ela nos coloca) nemdo nosso programa genético. O indivíduo, mediante as suas ações sobre omeio, tem um papel na construção do conhecimento e da sua personalidade.

Um dos grandes contributos de Piaget é precisamente o de ter cha-mado a atenção para a interação, para a ação recíproca entre fatores endó-genos (do sujeito) e exógenos (do meio).

2.1. O conceito de comportamentosegundo Piaget

Devemos a Piaget (em colaboração com outro psicólogo chamadoFraisse) uma fórmula inovadora de explicar o comportamento humano.

Estudando o desenvolvimento da inteligência, Piaget chegou à conclu-são de que a nossa evolução intelectual é um processo em que os esquemas eestruturas mentais se alteram e modificam no contacto com o mundo (os obje-tos) e o contacto com o mundo se modifica de acordo com os esquemas quevamos construindo na relação com o meio. Tendo em conta essa conclusão,Piaget apresentou a seguinte fórmula explicativa do comportamento:

R = f (s ↔ p).

Esta fórmula traduz-se do seguinte modo:

O comportamento (R) é uma resposta que varia em função da inter-ação entre a personalidade do sujeito (P) e a situação (S). Assim, paracompreendermos o comportamento de um indivíduo em determinadocaso, temos de considerar dois fatores:

• A influência da personalidade na situação (P -> S).

• A influência das situações anteriormente vividas por alguém na for-mação da sua personalidade (S -> P).

ConstrutivismoO Construtivismo defende aideia de que o comporta-mento e o desenvolvimentoda inteligência resultam deuma construção progressivado sujeito em interação como meio físico e social. Por isso,esta doutrina também tem onome de interacionismo.

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InteracionismoModelo teórico que considerao desenvolvimento como umprocesso dinâmico em que,ao longo dos diferentes está-dios, se dá a interação de fato-res biológicos (genético-matu-racionais) e ambientais. A opo-sição hereditariedade-meioou maturação-aprendizagemé superada. Piaget é o psicó-logo mais representativodeste modelo interpretativodo desenvolvimento.

z Influenciado pela suaformação de biólogo, Piagetconsiderava que possuíamosduas tendências inatas: atendência para combinar eelaborar as nossas aquisiçõescognitivas integrando-as emsistemas coerentes e a ten-dência para dar sentido e res-ponder à realidade envol-vente de forma adequada àgarantia da nossa sobrevi-vência. À primeira tendênciadeu o nome de organização;à segunda o nome de adap-tação. Estas duas tendênciassão funções que asseguram odesenvolvimento cognitivo.O conhecimento cumpreuma função de adaptação aomeio. O conhecimento temuma base biológica, atin-gin-do no ser humano a suaexpressão superior. É igual-mente considerada estruturale construtivista porque o su-jeito tem um papel ativo naconstituição do conhecimen-to, construindo, mediante asua atividade sobre o mundodos objetos, estruturas ouesquemas cada vez mais orga-nizados e mais apropriadospara a adaptação ao meio.

Os fatores S e P agem um sobre o outro, isto é, interagem, não podemser considerados isoladamente.

Uma mesma situação pode motivar reações (respostas ou comporta-mentos) diferentes. Deve dizer-se que uma situação pode motivar diversasrespostas e que diversas situações podem originar um mesmo tipo de res-posta ou comportamento: assim, alguém pode manifestar alegria porqueingressou no ensino superior, outra pessoa porque recebeu uma notícia agra-dável no plano financeiro, outra porque “deu à luz” e outra pessoa porque asanálises estavam negativas. Isso significa, para Piaget, que o comportamentonão é um mero reflexo automático, ou seja, não é uma resposta absoluta-mente condicionada por um conjunto de estímulos externos.

Sendo assim, a fórmula proposta por John Watson, R = f (s), revela-sesimplista: reduz o comportamento à condição de variável apenas dependen-te da situação. Há que ter em conta outros fatores, já não meramente exter-nos (os sentimentos do sujeito, o seu temperamento, o seu desenvolvimentointelectual e moral, o modo como assimilou as experiências vividas na infân-cia, a forma como decorreu a sua educação e socialização).

O construtivismo é uma abordagem psicogenética e interacionistado comportamento. Mostra como as estruturas que nos permitem conhecer eagir sobre a realidade se formam e desenvolvem na interação com o meio. Ocomportamento humano não é algo determinado pelo meio, mas construídoao longo de um desenvolvimento em que interagem predisposições biológi-cas do sujeito (potencialidades genéticas), a aprendizagem efetuada com osoutros e a nossa atividade sobre o meio. O meio, ao contrário do que pensa-va o behaviorismo, não é um conjunto de situações independentes do sujeitoque o determinam a agir deste ou daquele modo. O meio é um “cenário” nãoabsolutamente objetivo porque nele, de algum modo, está incorporada a ati-vidade humana que o configura. Neste sentido, o homem é produto e produ-tor do meio. Por outro lado, para compreender o meio e entender como elepode influenciar o sujeito, é necessário dar atenção ao sujeito, conhecercomo, por exemplo, se processa o seu desenvolvimento intelectual e moral.Assim, ao contrário do que pensava Watson, Piaget entende que a compreen-são dos processos mentais (pensamento, raciocínio) e do seu grau de desen-volvimento é necessária para integralmente esclarecer o comportamento.

Já demos a entender que foi sobretudo o desenvolvimento cogni-tivo (da inteligência) que ocupou lugar de destaque na reflexão de Piaget.Passemos à exposição da teoria a que deve renome assinalável.

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2.2. O desenvolvimento cognitivosegundo Jean Piaget

2.2.1. Os três princípios em que se baseia a teoria

A teoria de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo ou intelectualbaseia-se em três princípios gerais:

1. O desenvolvimento intelectual implica mudanças qualitativas. Acriança não é um adulto em miniatura, dotado do mesmo equipa-mento básico, mas com menos aptidões ou com aptidões menosdesenvolvidas. Para Piaget, há uma diferença qualitativa entre oadulto e a criança quanto ao modo de funcionamento intelec-tual.

2. O conhecimento é uma construção ativa do sujeito. O desenvol-vimento cognitivo não consiste na receção passiva da informa-ção proveniente do meio nem na pura e simples atualização deum potencial genético e na aplicação de estruturas e esquemasdados a priori. O construtivismo de Piaget supera quer o empirismoquer o inatismo. Excetuando alguns esquemas reflexos simples, oque há de inato em nós? A necessidade de conhecer, ou seja, deadaptação ao meio. Conhecer é construir estruturas que possibili-tem tal adaptação. Como se formam essas estruturas? Mediante aatividade do sujeito no confronto com o meio. Construtivismo signi-fica assim que, tendo em conta o processo de maturação, construímosa nossa compreensão da realidade.

3. O desenvolvimento cognitivo é descontínuo, qualitativamentediferenciado, processando-se ao longo de momentos distintosdenominados estádios.

Segundo Piaget, pensamos e raciocinamos de forma qualitativamentediferente em diferentes fases do desenvolvimento intelectual. Todos percor-remos uma sequência estruturalmente invariante de quatro períodos qualita-tivamente distintos, ou seja, não podemos saltar estádios nem passar por elesnuma ordem diferente. Não obstante, pode variar a idade em que atingimoscada estádio.

A organização do desenvolvimento segundo estádios significa que aordem da progressão não varia e que todos os seres humanos seguem umaprevisível série de transformações.

EstádioFase do desenvolvimento quese distingue qualitativamentede fases anteriores e posterio-res. A sucessão dos estádiosobedece a uma sequênciauniforme (não se apreende afalar antes de aprender a an-dar, nem a escrever antes deaprender a falar), emboracada indivíduo tenha o seuritmo próprio. Corresponde aosurgimento de novos padrõescomportamentais. Cada está-dio integra as aquisições doestádio anterior.

zVer o vídeo do You Tube:Piaget – A tendência cogni-tiva in

http://www.youtube.com/watch?v=_CGu08gXTC4

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2.2.2. Os fatores que condicionam o desenvolvimento cognitivo

O desenvolvimento cognitivo, processando-se através de estádios cujaordem de sucessão é invariante e cujas aquisições são progressivamente maiscomplexas (incorporando enquanto transformadas as aquisições prévias), éinfluenciado pela ação combinada dos seguintes fatores:

1. A hereditariedade e a maturação física – Piaget refere-se a mudan-ças biologicamente determinadas no desenvolvimento físico e neu-rológico que ocorrem de forma relativamente independente emrelação às experiências.

2. A experiência – Por ela entende Piaget, não o simples registo pas-sivo dos dados da experiência, mas a atividade do sujeito sobre osobjetos – física e mental – que permite distingui-los e organizá-los.Através dessa atividade, dá-se a formação de estruturas ou deesquemas que possibilitam a ação e a compreensão da realidade.

3. A transmissão social – Piaget refere-se ao processo através do qualsomos influenciados, não pela nossa atividade própria, mas pelocontexto social, pela observação dos outros e pela educação.

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4. A equilibração – Cada novo estádio define-se pelo surgimento de no-vos esquemas e estruturas ou de estruturas e esquemas mais comple-xos. A equilibração – conceito a explicitar no próximo ponto – asse-gura formas de equilíbrio cada vez mais estáveis na adaptação ao meio.

Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo implica que a atividade dosujeito na interação com o meio responda aos desequilíbrios cognitivos, pro-curando atingir um estado de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação,mecanismos de adaptação ao meio. É o que tentaremos explicar.

2.2.3. Como se processa o desenvolvimento cognitivo?Os instrumentos e os processos fundamentais

Piaget, influenciado pela sua formação em Biologia, via o desenvolvi-mento cognitivo à imagem dos processos biológicos. A necessidade de co-nhecer é um impulso inato, uma manifestação particular da necessidadede sobrevivência. Como só sobrevivemos adaptando-nos ao meio, o desen-volvimento cognitivo é uma forma de adaptação ao meio. A adaptação cog-nitiva ao meio implica mudanças estruturais e funcionais que aumentem asprobabilidades de sobrevivência do organismo individual. Para compreenderesse processo adaptativo é necessário compreender três conceitos funda-mentais da teoria de Piaget: os conceitos de esquema, de assimilação e deacomodação.

■ O que são esquemas?Os esquemas são padrões de comportamento e de pensamento que

organizam a nossa interação com o meio. São padrões de ação e estrutu-ras mentais que, organizando a nossa experiência, estão envolvidas naaquisição de conhecimentos.

Durante os primeiros meses de vida, os esquemas baseiam-se emações. Os objetos são agrupados conforme as ações que as crianças realizam.Assim, chupando e agarrando, as crianças criam categorias de objetos quepodem ser chupados e agarrados. Estes esquemas são a forma de as crianças“marcarem mentalmente os objetos com os quais se relacionaram”.

Os primeiros esquemas estão imediatamente ligados a ações que ‘aquie agora’ a criança realiza. Assim, um bebé pode ter um esquema – o de sucção –,na maior parte dos casos aplicado a mamilos, o esquema ‘agarrar e abanar’ apli-cado à manipulação de rocas e o esquema ‘sorriso’ aplicável a rostos humanos.À medida que a criança cresce e se dá o desenvolvimento intelectual, novos emais sofisticados esquemas surgem cada vez menos ligados a objetos queestejam presentes no meio imediatamente envolvente e a ações atuais.

MaturaçãoA sequência ordenada de mu-danças determinada pelo pro-grama genético de um indi-víduo. O termo refere-se aocrescimento sistemático dosistema nervoso e de outrasestruturas do organismo.

EsquemasPadrões de ação e categoriasou estruturas mentais queorganizam a interação dosujeito com o meio. A adap-tação envolve a construçãode esquemas através da inte-ração com o meio, sendopossível devido a duas ativi-dades complementares: aassimilação e a acomodação.

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zA partir de um determi-nado estádio do desenvolvi-mento, os esquemas consti-tuem-se baseando-se mais emrelações funcionais e conce-tuais do que em ações. Assim,as crianças em idade pré-esco-lar aprendem que garfos, facase colheres formam um esque-ma ou categoria funcionaldenominado ‘coisas que usopara comer’. Ou aprendem quegatos e cães constituem umacategoria mental ou esquemadenominado ‘animais domés-ticos’.Tal como as crianças em ida-de pré-escolar, outras criançase adolescentes usam esque-mas baseados em relaçõesfuncionais e concetuais. Osadolescentes constroem tam-bém esquemas baseados empropriedades abstratas. Porexemplo, um adolescenteconstituirá o esquema ou ca-tegoria mental ‘ideologiasque desprezo’, aí integrando ofascismo, o nazismo, o racis-mo e o sexismo.

AssimilaçãoProcesso adaptativo queconsiste em incorporar novasinformações nos esquemasexistentes.

AcomodaçãoProcesso adaptativo queconsiste em ajustar os es-quemas existentes às novasinformações e experiências,modificando-os. O processode assimilação implica sempreum mínimo de acomodação,não é pura e simples receti-vidade.

EquilibraçãoO processo que consiste emprocurar estabelecer umequilíbrio entre assimilação eacomodação.

■ Mecanismos de adaptação ao meio:assimilação, acomodação e equilibração

A assimilação é o mecanismo que integra ou incorpora novas infor-mações e experiências em esquemas já existentes.

A assimilação verifica-se quando usamos esquemas existentes para darsentido aos novos acontecimentos e experiências. Mediante a assimilação,respondemos a uma nova situação de modo semelhante ao que adotámosnuma situação familiar, sem necessidade de modificar os esquemas existen-tes. Há assimilação quando um novo objeto ou situação suscita uma atividadeque já faz parte do nosso repertório. Por exemplo, os bebés usam o esquemada sucção não só para se alimentarem, mas também para chuchar no dedo. Acriança que aprendeu a segurar num garfo demonstra assimilação ao segurarnuma colher. O esquema do agarrar funciona não só com bonecos, mas tam-bém com blocos de Lego e diversos objetos de pequena dimensão.

A acomodação é o mecanismo de ajustamento dos esquemas exis-tentes (ou de criação de novos) quando as novas informações e experi-ências não podem ser assimiladas.

Se os dados não podem ser incorporados nos esquemas existentes, énecessário o desenvolvimento de esquemas ou estruturas mais apropriados.

Por exemplo, a criança que aprendeu a agarrar diversos objetos de pe-quena dimensão com uma mão bem cedo se apercebe de que outros objetossó podem ser agarrados e erguidos com duas mãos e de que muitos outros nãopodem ser levantados. Qualquer progenitor atento sabe que as primeiras vezesque se dá de comer a uma criança com uma colher são uma experiência des-concertante para aquela: a criança tenta absorver o conteúdo da colher uti-lizando um esquema (o da sucção) até aí bem sucedido. Os efeitos são bemconhecidos. Contudo, em breve a criança aprenderá a adaptar a boca e a lín-gua ao novo meio de alimentação. Realiza então uma alteração do esquemaque possuía para conseguir responder a uma nova situação; aprender umalíngua estrangeira é igualmente uma boa ilustração do que se entende poracomodação.

A equilibração consiste em procurar estabelecer um equilíbrio entreassimilação e acomodação.

As pessoas, periodicamente, atingem um ponto em que os seus esque-mas já não funcionam adequadamente na resolução de um problema ou nacompreensão de uma situação. Torna-se então necessário construir novosesquemas – baseados em esquemas anteriores – que sejam mais adaptativosna relação com o mundo físico e social.

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Periodicamente, o equilíbrio entre assimilação e acomodação é pertur-bado, daí resultando um estado de desequilíbrio. Há consciência desse dese-quilíbrio quando nos apercebemos de que os nossos atuais esquemas já nãosão adequados porque passamos muito mais tempo a acomodar do que a assi-milar. Quando o desequilíbrio ocorre, o sujeito que procura dar sentido às suasexperiências reorganiza os seus esquemas, melhor dizendo, cria novos esque-mas que lhe permitam responder às novas situações e aos novos desafios darealidade a que deve adaptar-se. Procura assim um novo estado de equilíbrio.A este processo deu Piaget o nome de equilibração. Para restaurar o equilí-brio, os esquemas anteriormente utilizados e agora desadequados são substi-tuídos por esquemas qualitativamente diferentes, mais avançados e eficazesna adaptação ao meio.

Uma forma de compreender o processo de equilibração consistirá emadotar a metáfora da criança como cientista, algo que Piaget também faz. Osesquemas ou teorias que as crianças constroem permitem-lhes compreenderdiversas experiências recorrendo, por exemplo, à predição do que acontecerá(‘São sete e meia da manhã, está quase na hora do pequeno-almoço’) ou dequem fará algo. Neste caso, imaginemos que a criança interpreta certos acon-tecimentos usando este esquema: ‘A mãe foi para o emprego, logo, é o paique me vai levar à escola’. Esse esquema (ou teoria) terá de ser modificado esubstituído quando a previsão for desmentida por uma nova situação. ‘O paipensa que já tenho idade suficiente para ir sozinho para a escola, por issonão me vai levar’ será o novo esquema.

Vários cientistas ao longo da história consideraram que deter-minadas teorias continham várias anomalias, isto é, não encontravam apartir de um dado momento correspondência com os factos. Estes nãose deixavam assimilar por tais esquemas teóricos e as revisões e modi-ficações efetuadas revelavam-se insuficientes para dar sentido a novosfactos e descobertas que os punham em causa. Por exemplo, quandoCopérnico se apercebeu de que o modelo geocêntrico (a Terra comocentro do universo e das órbitas planetárias) era um esquema manifes-tamente desadequado para compreender os fenómenos naturais, rete-ve o conceito de objeto central ou de centro, mas apresentou comohipótese explicativa a ideia de que o Sol era o centro e não a Terra(heliocentrismo). Foi uma mudança fundamental na teoria astronómicaaté então vigente. De tal modo que não é uma simples alteração ouaperfeiçoamento (acomodação) do anterior modelo, mas um modelonovo, um novo esquema interpretativo. “Revolução” é o termo apro-priado.

zExcessiva assimilação eexcessiva acomodação impe-dem ou perturbam o desenvol-vimento cognitivo. Periodica-mente, somente novos esque-mas ou estruturas permitemque assimilemos e acomode-mos de modo relativamenteequilibrado. O desejo de equilí-brio move o desenvolvimentoporque nos conduz a patama-res superiores de equilíbrio epor isso de adaptação ao real.O equilíbrio entre assimilaçãoe acomodação nunca é abso-luto.

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D E S E N V O L V I M E N T O E A D A P T A Ç Ã O

O desenvolvimento intelectual ocorremediante a interação ativa com o mun-do.

As crianças são seres curiosos e automo-tivados para a exploração e descobertados objetos, aprendem interagindo comestes.

São estruturas mentais de tipoqualitativamente superior quepermitem a compreensão de re-gras complexas acerca do modocomo o meio funciona. As opera-ções são capacidades lógicas quese referem a relações ou concre-tas ou abstratas entre esquemas.

O desenvolvimento intelectual é umprocesso.

A inteligência desenvolve-se através deestádios, não nascemos com conhecimen-tos, mas com a necessidade de conhecer.A inteligência modifica-se qualitativa-mente de um estádio para outro.

O bebé utiliza o esquemainato da sucção para retiraro leite da tetina do biberãoou do seio materno.

O bebé está adaptado aomeio.

O bebé encontra um pe-queno copo com leite pelaprimeira vez.

O esquema da sucção nãofunciona, não se revela apro-priado.

O bebé tem de modificar oesquema da sucção de formasignificativa para se alimen-tar.

Adaptado de Grahame Hill, AS Psychology through diagramsOxford University Press, 2.ª edição, 2001, p. 34

desequilíbrio

nova situação

equilíbrio

ASSIMILAÇÃO

ACOMODAÇÃO

OPERAÇÕES

Um esquema é uma representa-ção interna de uma ação físicaou mental.

É uma unidade básica do com-portamento inteligente, tornandopossível a interação com a rea-lidade e a sua compreensão.

Nascemos com alguns esquemasde ações reflexas como sugar ouagarrar e mais tarde desenvolve-mos esquemas mentais simbóli-cos. O desenvolvimento dos es-quemas implica tornarem-semais complexos e versáteis demodo que a nossa adaptação àrealidade seja cada vez maisbem sucedida.

ESQUEMAS

Mecanismo que permi-te a compreensão denovos objetos, situa-ções e ideias medianteesquemas que já pos-suímos sem que sejanecessário modificá--los significamente.

ASSIMILAÇÃO

Mecanismo que per-mite a compreensão denovos objetos, situa-ções e ideias mediantea modificação e ajusta-mento significativosdos esquemas que pos-suímos.

ACOMODAÇÃO

Que estruturas construímos?

Como as construímos?

Cada indivíduo constrói por necessidade e curiosidade a sua compreensão da realidade.

Mediante a interação com o mundo dos objetos, construímos as estruturas mentais quetornam possível a resolução de problemas e as respostas aos desafios que o meio coloca.

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AT IV IDADE 2I

Copie as atividades seguintes e preencha cada um dos espaços em falta:

1. Segundo Piaget, os fatores que condicionam o desenvolvimento cog-nitivo são: ... .

2. A assimilação e a acomodação são formas de ... da inteligência àrealidade.

3. O processo que consiste em captar dados novos integrando-os nosconhecimentos que já possuímos tem o nome de ... .

4. O processo mediante o qual modificamos os nossos esquemas emfunção das novidades e problemas que encontramos tem o nome de... .

5. O processo interno que regula a relação entre assimilação e acomo-dação tem o nome de ... .

6. O desenvolvimento cognitivo é uma ... sempre mais precisa à reali-dade, desde que haja equilíbrio da assimilação e da acomodação.

II

Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).Justifique a sua opção.

1. A acomodação assegura a flexibilidade e transformação da inteli-gência.

2. A assimilação dá à inteligência consistência e continuidade.

3. Assimilação e acomodação são mecanismos de adaptação que fun-cionam separadamente.

4. A equilibração condiciona todo o processo do desenvolvimento.

5. A equilibração é uma tendência natural da mente para romper oequilíbrio entre assimilação e acomodação, impedindo que qualquerdelas prevaleça ou predomine.

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6. A inteligência humana parte do zero porque à nascença nada temospara interagir com o meio.

7. O interacionismo de Piaget significa que o sujeito age sobre o meio eo meio sobre o sujeito.

8. A equilibração corresponde à procura de um equilíbrio entre osesquemas cognitivos e a informação proveniente do meio.

9. Em várias situações, não há nem acomodação nem assimilação.

10. Piaget concebe o ser humano como construtor ativo do seu própriodesenvolvimento e conhecimento na interação com o meio.

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2.3. Os estádios do desenvolvimento cognitivo

Piaget dividiu o desenvolvimento cognitivo em quatro grandes estádios,caraterizados por níveis de adaptação qualitativamente distintos que sãopossíveis devido ao progressivo surgimento de novos esquemas, construídosa partir das experiências do sujeito em estádios precedentes. Os estádios sãoos seguintes:

1. Estádio da inteligência sensório-motora (do nascimento aos 2anos).

2. Estádio da inteligência pré-operatória (dos 2 aos 7 anos).

3. Estádio das operações concretas (dos 7 aos 11 anos).

4. Estádio das operações formais ou abstratas (dos 11 anos emdiante).

■ Estádio da inteligência sensório-motora(do nascimento aos 2 anos)

O primeiro estádio do desenvolvimento cognitivo é assim denominadoporque a inteligência da criança desenvolve-se através de ações motoras ede atividades percetivas (baseadas nos sentidos) que captam impressõessensoriais. Piaget considerava que este período, em que ocorre um extraordi-nário desenvolvimento intelectual, “era decisivo para todo o seguimento daevolução psíquica”.

O estádio sensório-motor é o período em que a inteligência é total-mente prática.

O desenvolvimento cognitivo inicia-se com esquemas de ação reflexa,tais como agarrar e chuchar. Contudo, progressivamente, e sempre baseada naação, numa coordenação motora cada vez maior e na curiosidade que alevam a querer descobrir o mundo, a criança vai desenvolvendo formas decomportamento mais complexas. Devemos destacar as seguintes:

1. Comportamentos intencionais

Entre os 8 e os 12 meses, se os pais colocarem um boneco em frenteda criança, esta moverá a mão para o agarrar e brincar com ele. O esquema“mover a mão” é um meio para atingir o objeto, “agarrar o boneco”; “abrir aboca” um meio para obter comida (o que nem sempre resulta) e chorar umaforma de chamar a atenção. Em vez de um simples prolongamento de ativi-dades interessantes, trata-se de um uso intencional dos esquemas para atingirum objetivo. Mediante uma assimilação generalizada, um comportamentoaprendido numa determinada circunstância é utilizado numa nova situação,diferente, mas suficientemente semelhante para que o comportamento apren-

zAs idades são aproximati-vas porque pode haver dife-rença quanto à altura em quecada criança muda de um es-tádio para o outro. Contudo,as diferenças cronológicasnão significam que não hajauma sequência ordenada econstante. Se aos 20 mesesse pode estar no estádio pré--operatório, a ordem de su-cessão é igual para todos osindivíduos (1, 2, 3 e 4).

zAssistir ao vídeo Piaget´sStages of Cognitive Deve-lopment in

http://www.youtube.com/watch?v=LqnnqrCvPTc

Estádio sensório-motor ou da inteligência sensório-motoraEstádio em que a inteligênciase adapta ao meio essencial-mente através de esquemassensório-motores (atividadepercetiva e atos motores). Éo estádio da inteligência prá-tica.

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Inteligência práticaCapacidade de organizar asperceções e os movimentosem “esquemas de ação” quenão integram ainda concei-tos ou palavras. Vigora du-rante quase todo o estádiosensório-motor, é a sua cara-terística distintiva. SegundoPiaget, a inteligência é, assim,anterior ao pensamento e àlinguagem. O estádio sensó-rio-motor é, enquanto tal, oestádio da inteligência prá-tica anterior ao pensamentoe à linguagem.

dido seja apropriado aos interesses da criança (imaginemos que puxar umatoalha se revelou um bom meio de alcançar um brinquedo que estava emcima da mesa, trazendo-o para o chão. Esse comportamento poderá ser utili-zado para alcançar um pedaço de pão que está na mesa de jantar… junta-mente com pratos, copos e talheres).

2. Comportamentos experimentais

Dos 12 aos 18 meses, desponta o comportamento de tipo experimental.Previamente, a criança era capaz de combinar esquemas intencional-

mente (“abrir a boca” e “apontar” para um alimento), mas somente conseguiacombinar um par de cada vez e unicamente quando ocorria uma situaçãopropícia ao uso dessa combinação. Agora, e como resultado do desenvolvi-mento da capacidade de coordenação dos esquemas, já não se trata de repe-tição de antigos esquemas com novos objectos. Se uma ação produz oresultado desejado, não será simplesmente repetida, mas modificada demodo a verificar que outros efeitos dela podem resultar. Assim, a criançapode querer verificar que tipo de sons resultam do facto de agitar, deixar caire bater com diferentes objetos (é a aprendizagem por ensaio e erro, fazerpara ver o que acontece – a criança ainda não possui estruturas cognitivasque tornem possível a previsão ou antecipação dos resultados de uma ação:tem de experimentar). Com a planificação que minimamente é necessária aestes comportamentos experimentais, é também exigida uma crescenteaptidão para representar objetos e situações.

A aquisição da noção de permanência do objeto

Que acontecimento marca o fim do estádio sensório-motor? Aaquisição (ou melhor, desenvolvimento completo) da noção de permanênciado objeto (também designada “objeto permanente”).

Até aos 8 meses aproximadamente, a criança não tem a noção deque um objeto continue a existir independentemente da sua ação e dasua perceção. Fora de vista significa literalmente, segundo Piaget, fora daexistência. Quando um brinquedo desaparece do campo de visão da criança,é como se tivesse deixado de existir. Quando reaparece, é como se tivessesido recriado. O conceito de permanência do objeto – a crença na existênciaindependente e estável de um mundo de objetos e pessoas – é lentamenteconstruído a partir dos 8 meses como resultado da crescente interaçãomotora, percetiva e sensorial da criança com o meio (e também devido àmaturação do sistema nervoso). Por volta dos 18 meses, estará plenamenteadquirida a convicção de que fora do alcance da visão não significa fora daexistência nem fora do pensamento. Por isso mesmo, nesta fase, as criançaslembram-se do que, por exemplo, deixaram numa visita a casa da avó eserão capazes de antecipar mentalmente os resultados de uma ação semrecorrer à experimentação ou manipulação material dos objetos.

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Qual o significado desta aquisição? O que está nela implícito? Onascimento da capacidade de representação simbólica que torna possível pen-sar e falar de objetos que estão fora do campo da perceção imediata. A capa-cidade de representação simbólica permite formar imagens mentais de objetose ações quando aqueles não estão presentes e estas não ocorrem efetiva-mente. A capacidade de simbolização é um “acontecimento notável” porquecom ela surgem e desenvolver-se-ão o pensamento e a linguagem (a criançaaprende a usar palavras e expressões quando são apropriadas e não só quan-do as ouve serem proferidas). Além disso, possibilitando a ultrapassagem doegocentrismo sensório-motor, isto é, a crença ilusória de que a existênciados objetos depende das ações do sujeito, abre o caminho à formação de umautoconceito: a criança apercebe-se de que a existência estável, relativamentepermanente, não é simples atributo dos objetos e das outras pessoas, mastambém seu.

Noção de permanênciado objetoConsciência de que os obje-tos continuam a existir inde-pendentemente de os ver-mos, ouvirmos e sentirmos.Esta aquisição intelectual su-põe que somos já capazes derepresentação simbólica, denos referirmos a objetos quenão estão presentes no nossocampo percetivo.

CARATERÍSTICAS

Ao longo de seis subestádios, a criança progride de sim-ples atos reflexos para comportamentos sensório-motoresmais complexos.

No início, as respostas do bebé são essencialmente refle-xas, automáticas. A criança repete ações não aprendidas emvirtude do resultado satisfatório que as acompanha. É umaevolução relativa porque já não se trata de um mecanismopuramente reflexo.

O nível seguinte da evolução da inteligência prática con-sistirá em repetir ações aprendidas. Repetem-se ações comobjetos explorando as suas propriedades, como o som e adureza. Surgem os primeiros indícios de comportamentointencional (utilizar uma ação como meio para um fim).

Progressivamente, o comportamento torna-se menosrepetitivo. Entre os 12 e os 18 meses, surge o comportamentoexperimental: adaptação do comportamento a situaçõesespecíficas de forma intencional e mediante o método do“ensaio e erro”.

Há, portanto, uma inteligência anterior ao pensamento eà linguagem: a inteligência prática, baseada nas consequênciasdas ações.

A grande aquisição do estádio sensório-motor é o conceitode objeto permanente ou de permanência do objeto, sinal daemergência da capacidade de representação simbólica. Comtal aquisição termina o estádio sensório-motor, a inteligên-cia prática dá lugar à inteligência representativa (interioriza-ção simbólica das ações, isto é, capacidade de resolver men-talmente problemas e de usar a linguagem), iniciando-se oestádio pré-operatório.

O D E S E N V O L V I M E N T O C O G N I T I V O

• Estádio sensório-motor ou dainteligência sensório-motora

ESTÁDIO EM QUE A INTELIGÊNCIA SE ADAPTA AO MEIO ESSENCIALMENTE

ATRAVÉS DE ESQUEMAS SENSÓRIO--MOTORES (ATIVIDADE PERCETIVA

E ATOS MOTORES). É O ESTÁDIO DA INTELIGÊNCIA PRÁTICA.

Estádio pré-operatório ou do pensamento pré-lógico

Estádio das operações concretas ou do pensamento lógico-concreto

Estádio das operações formais ou do pensamento lógico-abstrato

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AT IV IDADE 3Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).

Justifique a sua opção.

1. A primeira forma de conhecimento é a ação.

2. O conceito de objeto permanente significa neste estádio que consti-tuímos a memória de um objeto quando ele não está pre-sente.

3. O conhecimento é uma cópia passiva da realidade.

4. A inteligência prática é a capacidade de organizar as perceções e osmovimentos em “esquemas de ação” que não integram ainda con-ceitos ou palavras. Vigora durante quase todo o estádio sensório--motor, é a sua caraterística distintiva. Segundo Piaget, a inteligên-cia é, assim, anterior ao pensamento e à linguagem.

5. Uma aquisição decisiva que se vai desenvolvendo ao longo desteestádio inicial é a noção de permanência do objeto.

6. A inteligência é anterior ao pensamento e torna-se mais complexaquando este surge e começa a desenvolver-se.

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Estádio pré-operatórioEstádio do desenvolvimentocognitivo caraterizado pelocrescente uso do pensamentosimbólico e da linguagem,mas ainda de forma pré-lógica.

SímboloPalavra, gesto ou objeto quesubstitui algo, representan-do-o.

Centração ou pensa-mento egocêntricoUma forma de funcionamen-to mental que consiste numaversão unilateral e superficialda realidade. É a caraterísticatípica e a limitação funda-mental do pensamento pré--operatório. A centração nãoé uma caraterística da per-sonalidade – por isso não ésinónimo de egoísmo –, masum comportamento cognitivo.

zO pensamento mágicotransforma os objetos emrealidades imaginadas deacordo com o desejo infantil.Mediante o jogo simbólico, arealidade perde a sua densi-dade objetiva.

■ O estádio pré-operatório

A capacidade de representação simbólica, dita função simbólica ou se-miótica, assinala o termo do estádio sensório-motor e o começo do estádiopré-operatório. Este “acontecimento notável” marca o início do pensamento.A criança (aproximadamente aos 2 anos) começa a desenvolver a capacidadede representar mentalmente objetos ausentes. Não se limita a agir sobre osobjetos (como antes), mas representa-os, isto é, substitui-os por símbolosque valem por esses objetos e assim pode pensar sobre eles, desenhá-los, etc.Da inteligência prática passamos à inteligência representativa ou pensamento.

Piaget considera que o estádio pré-operatório é constituído por doisperíodos distintos:

1. A fase do pensamento pré-concetual, centrada na imaginação epor ela dominada (dura dos 2 aos 4 anos).

2. A fase do pensamento intuitivo, centrada na perceção dos dadossensoriais e a ela submetida (prolonga-se dos 4 aos 7 anos).

A caraterística geral do pensamento pré-operatório e a razão de ser dassuas limitações é a centração ou egocentrismo (centração em si mesmo). Acentração ou egocentrismo pode ser entendida de dois modos:

a) o sujeito é incapaz de compreender que há várias perspetivasacerca da realidade e dos objetos, considerando somente o seuponto de vista;

b) o sujeito concentra-se num aspeto de um problema ou de umasituação, ignorando outros aspetos igualmente relevantes.

Ao longo deste estádio, o pensamento egocêntrico vai-se atenuando, masnão o suficiente para que dê lugar ao pensamento lógico. O pensamento ego-cêntrico limita a capacidade de raciocínio da criança, a sua compreensão darealidade e a comunicação com os outros. Vejamos quais as suas manifesta-ções ou efeitos nos dois subestádios referidos.

O pensamento pré-concetual

Nesta fase, as crianças parecem pouco preocupadas com a realidade(os seus desenhos mostram-nos o Sol com cor azul, céus amarelos, carrosflutuando nas nuvens), sendo o seu mundo bastante imaginativo. O pensa-mento é dominado pela imaginação, isto é, a relação da criança com a reali-dade centra-se na sua imaginação. O pensamento pré-concetual vive deimagens e não de conceitos. É um pensamento mágico, que transforma oimaginário em realidade.

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zA criança que, ao telefo-ne, abana a cabeça para dar aentender à avó que foi aojardim zoológico manifestaegocentrismo, tal como acriança que, sentada emfrente ao televisor, impedindoum bom visionamento aospais, julga que não há proble-ma algum porque conseguever o programa televisivoperfeitamente. Centradas emsi mesmas, as crianças,enquanto brincam umas comas outras, comunicam maisconsigo próprias do que en-tre si, sobrepondo-se o monó-logo coletivo ao diálogo.

Isto significa que há uma incapacidade em distinguir claramente acon-tecimentos psicológicos de acontecimentos físicos ou externos. Várias cara-terísticas mentais resultam do predomínio do pensamento mágico:

a) O animismo – tendência para atribuir aos objetos físicos e aosfenómenos naturais qualidades psicológicas (sentimentos, vontade,pensamentos e emoções).

O animismo exprime-se em frases como “O Sol está a deitar-se porqueestá com sono” e “A minha boneca está doente” e na ideia de que as estrelas quese veem no céu à noite iluminam-no para o Sol dormir sem medo da escuridão.

b) O realismo – tendência para atribuir a realidades psicológicas(desejos, medos, fantasias) uma existência física. Assim, a fada ma-drinha, o Lobo Mau e o Pai Natal não são ficções.

c) O artificialismo – tendência para acreditar que os objetos físicos eacontecimentos naturais são produzidos por pessoas: “O céu foi pin-tado por um grande artista”.

d) O finalismo – tendência para acreditar que nada acontece por aci-dente e, sobretudo, que tudo tem uma justificação finalista, isto é,existe em função do fim que cumpre. Assim, as nuvens movimentam--se para encobrirem o Sol, este existe para que não vivamos semprede noite, as educadoras do infantário estão lá de manhã, vivem lá,esperando por mim todos os dias da semana. É típico da criança nes-ta fase pensar que as pessoas e os objetos existem em função de si.

No plano das relações interpessoais, o egocentrismo – modo defuncionamento mental pelo qual todos passamos – tem efeitos relati-vamente desconcertantes:

A criança é incapaz de ver e compreender as coisas admitindo que sãopossíveis diferentes pontos de vista.

Não compreende que os outros tenham diferentes ideias e sentimen-tos – julga que o seu ponto de vista é o único possível.

O pensamento intuitivo

Neste período do estádio pré-operatório, há uma redução do egocen-trismo porque o pensamento já não é dominado pela imaginação, mas simpela perceção. Contudo, a centração ou o egocentrismo continuam a condi-cionar o funcionamento intelectual. Dessa continuidade há várias evidências:

a) O raciocínio pré-causal – Traduz a dificuldade de entendimento dasrelações causa-efeito. Por exemplo, uma criança pode pensar queum túmulo é a causa da morte porque as pessoas mortas estão láenterradas; outra poderá pensar que, estando frio em casa e havendolá aranhas, são estas a causa do frio.

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Pensamento intuitivoTipo de pensamento centra-do nos aspetos particularesdos objetos, ainda incapaz degeneralização propriamentedita, pouco flexível e contra-ditório. Não sendo já influen-ciada, como era, pelas suasfantasias, a criança é excessi-vamente influenciada pelasua perceção das proprieda-des dos objetos físicos.

zAssistir ao vídeo Piaget –Davidson Films – Não Conser-vação de líquidos in

http://www.youtube.com/watch?v=i48A2shRzSI

b) Dificuldade em distinguir uma classe de objetos de um único objeto.Confunde o todo com uma das suas partes, o geral com o particular,identificando todos com alguns. Prevalece o raciocínio transdutivo.Mais uma vez, fazem-se sentir os efeitos da centração. Com efeito, acriança baseia a maioria das suas inferências num acontecimentoparticular ou num simples atributo de um objeto. Assim, poderáconcluir que, por todos terem volantes, camiões, autocarros e auto-móveis, são objetos idênticos. Dada a imprecisão da generalização, oraciocínio não é indutivo, mas transdutivo, isto é, não abandona oplano do particular, não atinge o conceito geral (“meio de transporterodoviário”). Uma criança consegue no jardim zoológico identificare nomear um elefante, dado que reconhece caraterísticas como aenorme dimensão, a tromba, as grandes orelhas e a cor cinzenta dapele. Contudo, se mais tarde vir um elefante no circo, julgará que é omesmo animal. Pensa que se trata sempre do mesmo animal e nãode dois animais da mesma espécie.

Piaget afirmava que antes dos 7 anos a classificação de objetos em ter-mos de múltiplos aspetos (forma e cor, por exemplo) e a compreensão dasrelações entre classes ultrapassavam a competência das crianças. Noutrostermos, o pensamento pré-concetual somente será superado quando surgir opensamento lógico.

c) O pensamento pré-operatório é caraterizado pela irreversibilidade,isto é, pela incapacidade de mentalmente inverter uma sequênciade factos e de operações regressando ao ponto de partida. Por isso,há dificuldades evidentes em compreender conceitos como a con-servação da quantidade, do volume ou do número.

Imaginemos a seguinte situação: mostramos a uma criança de 6 anosdois copos idênticos e com a mesma quantidade de líquido, algo que a criançaobviamente sabe. Vertamos o líquido de um dos copos para um terceiro copodiferente, alto e estreito.

Perguntemos à criança qual dos copos tem maior quantidade de líqui-do. A resposta será: o copo alto e estreito.

A criança observa dois coposidênticos (com o mesmo diâ-metro e a mesma altura) quecontêm igual quantidade delíquido.

Observa que o líquido de um doscopos passa para um copo maisalto e menos largo.

Interrogada sobre qual dos co-pos contém maior quantidadede líquido, a sua resposta será:“O copo mais alto!”. Confundiua aparência com a realidade.

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Ausência de conserva-çãoCaraterística própria de umpensamento que, baseado naintuição e não na lógica, nãocompreende que há perma-nência na mudança, confun-dindo aparência e realidade.

IrreversibilidadeCaraterística do pensamentopré-operatório que, decor-rendo do seu egocentrismo,não consegue retornar aoponto de partida e coordenarmentalmente o estado finale o estado inicial de um pro-cesso.

zNo estádio pré-operató-rio, não se consegue perceberque há transformações rever-síveis. O sujeito centra-se noestado final ou no estado ini-cial de uma transformação,representa o real de formafragmentária, não entendeque há uma continuidade nasdiferenças de estados. Nãopossui ainda pensamento re-versível, isto é, ações interio-rizadas reversíveis. Contudo,os sucessivos desmentidosque a realidade inflige à suaconfiança na perceção redu-zem progressivamente o po-der das aparências.

A criança do nosso exemplo centra a sua atenção num aspeto do pro-blema – a altura do copo, ou seja, o nível da água –, ignorando completa-mente outros aspetos igualmente relevantes. Apesar de já ter uma compre-ensão básica do conceito de identidade que será desenvolvida no estádioseguinte, não se apercebe de que uma alteração em dado aspeto pode sercompensada por uma mudança quanto a outro aspeto. O que realmenteacontece no exemplo apresentado é que uma alteração quanto à altura(aumenta) do recipiente foi compensada por outra, a diminuição do diâmetro.A criança notaria que não houve aumento da quantidade de líquido se fizesseregressar este ao recipiente original (um dos copos baixos e largos), isto é, seinvertesse a operação efetuada. Contudo, o seu pensamento é marcado pelairreversibilidade, pela incapacidade de mentalmente inverter uma sequênciade factos ou de operações regressando ao ponto de partida. A ausência danoção de conservação significa incapacidade de reconhecer que certas pro-priedades das coisas permanecem constantes, apesar da mudança na forma ouna aparência. Esta limitação do pensamento pré-operatório (apesar de algumastarefas respeitantes à conservação serem resolvidas entre os 6 e os 7 anos)deriva, mais uma vez, da tendência para a centração. Com efeito, a criança donosso exemplo centra a sua atenção num aspeto do problema – a altura docopo, ou seja, o nível da água –, ignorando completamente outros aspetosigualmente relevantes.

Os erros que a criança comete devem-se ao facto de, por enquanto, aintuição ou o pensamento intuitivo ser o único instrumento de compreensãoda realidade. O pensamento intuitivo é dominado pelas pretensas evidênciasdos sentidos, depende excessivamente da perceção (é elucidativo o exem-plo que demos acerca do problema da conservação).

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CARATERÍSTICAS

Estádio em que não apenas se age (como antes), mas serepresenta a realidade mediante o pensamento e a lingua-gem. O estádio pré-operatório (pré-lógico) divide-se em duasetapas:

1. O pensamento pré-concetual, cujo conteúdo são imagensmentais e não conceitos. Nesta fase – dos dois aos quatroanos –, o pensamento é dominado pela imaginação e pelafantasia.

2. O pensamento intuitivo, centrado na perceção e não naimaginação – logo, menos egocêntrico –, mas pouco flexí-vel, preso aos acontecimentos particulares, às impressõessensíveis. Impõe-se dos 4 aos 7 anos.

Mais importante do que esta divisão é a compreensão deque, neste estádio, o pensamento é dominado por um com-portamento cognitivo chamado centração ou egocentrismo,que o torna logicamente inconsistente (ausência de proces-sos mentais reversíveis), incapaz de distinguir claramenteeventos psicológicos de eventos físicos ou externos e confun-dindo a aparência com a realidade. Se anteriormente a crian-ça manifestava um egocentrismo sensório-motor, agora oque deve ultrapassar é a tendência para não diferenciar arealidade da sua imaginação e da sua perceção (egocentrismorepresentativo ou pré-operatório).

A centração é a principal caraterística deste estádio. Deladerivam a predominância do monólogo coletivo sobre o diá-logo, a constituição, num primeiro momento, da imaginaçãocomo quadro de referência da realidade [com as caraterísti-cas mentais correspondentes (realismo, animismo, finalismoe artificialismo, que se poderiam reduzir a uma só: antropo-morfismo)] e, num segundo momento, da perceção ou intui-ção como juiz da realidade (daí decorrendo a incapacidadeem compreender o fenómeno da conservação, a confusãoentre causa e efeito, a dificuldade em distinguir o todo daspartes (uma classe de objetos de um objeto).

Mas, apesar de Piaget insistir sobretudo nas limitações,ao longo deste estádio há um crescente domínio da lingua-gem que facilita o uso do pensamento e uma progressivadescentração.

O D E S E N V O L V I M E N T O C O G N I T I V O

Estádio das operações concretasou do pensamento lógico-

-concreto

Estádio das operações formais ou do pensamento lógico-

-abstrato

Estádio sensório-motor ou da inteligência sensório-motora

Estádio em que a inteligência se adaptaao meio envolvente através de esquemassensório-motores (atividade percetiva eatos motores). É o estádio da inteligênciaprática.

Estádio pré-operatório ou do pensamento pré-lógico

ESTÁDIO DO DESENVOLVIMENTO COGNITI-VO QUE É MARCADO

PELO SURGIMENTO E CRESCENTE USO DA FUNÇÃO SIMBÓLICA OU SEMIÓTICA

E DO PENSAMENTO. O PENSAMENTO É UM CONJUNTO

DE AÇÕES INTERIORIZADAS QUE REPRESENTAM A REALIDADE

DE FORMA SUPERFICIALOU PRÉ-LÓGICA.

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AT IV IDADE 4Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).

Justifique a sua opção.

1. O pensamento intuitivo distingue-se do pensamento pré-concetualporque o primeiro é dominado pela fantasia e imaginação e o segun-do submete-se à perceção.

2. O pensamento típico da fase inicial do estádio pré-operatório diz-sepré-concetual porque os seus esquemas, desprovidos de generalidade,são mais imagens mentais do que conceitos. Diz-se mágico porquetransforma o imaginário em realidade.

3. O segundo estádio do desenvolvimento cognitivo diz-se pré-opera-tório porque não há ainda a capacidade de pensar logicamente, ouseja, de realizar operações sujeitas a princípios e regras lógicas. Pré--operatório significa pré-lógico. O pensamento é um conjunto deações interiorizadas que representam a realidade de forma superfi-cial ou pré-lógica.

4. Neste estádio, o pensamento é dominado por um comportamentocognitivo chamado centração ou egocentrismo, que o torna logica-mente inconsistente (ausência de processos mentais reversíveis),incapaz de distinguir claramente eventos psicológicos de eventosfísicos ou externos e confundindo a aparência com a realidade.

5. A limitação básica e geral do estádio pré-operatório é a centração oupensamento egocêntrico. Não é uma caraterística da personali-dade, mas um comportamento cognitivo.

6. A ausência do conceito de conservação é a caraterística própria deum pensamento que, baseado na intuição e não na lógica, não com-preende que há permanência na mudança, confundindo aparência erealidade.

7. A irreversibilidade é uma caraterística do pensamento pré-operató-rio que, dado o seu egocentrismo, não consegue retornar ao pontode partida e coordenar mentalmente o estado final e o estado inicialde um processo.

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Estádio das operaçõesconcretasEstádio cognitivo em que,devido à progressiva des-centração, se desenvolve acapacidade de pensar logica-mente, mas não de formaabstrata.

Operações concretasAções mentais, atividades in-teriorizadas, submetidas a re-gras lógicas, que incidem emsituações presentes ou reais(efetivas).

zVer o vídeo O Desenvol-vimento Cognitivo da Criançados 7 aos 11 anos (em espa-nhol) in

http://www.youtube.com/watch?v=5JjlXo0On7A&feature=related

■ O estádio das operações concretas

Caraterística geral mais importante deste estádio: o pensamento eo raciocínio ultrapassam a fase pré-lógica. Surge uma forma de pensarqualitativamente distinta porque a atividade intelectual já não se submeteaos dados da intuição, mas a regras lógicas progressivamente compreendi-das e interiorizadas. Contudo, se não é a perceção que comanda o funciona-mento intelectual (as operações lógicas), esta ainda é um ponto de referên-cia indispensável. O pensamento lógico ainda não se emancipou da realidadeconcreta (daí o nome de estádio das operações concretas). No estádio dasoperações concretas, as operações lógicas efetuam-se sobre objetos e even-tos presentes ou, pelo menos, dos quais já se teve experiência (nesta fase, opensamento enquanto atividade simbólica utiliza representações mentaisdos objetos ainda ligadas à imagem mental da atividade percetiva realizada:assim se alguém diz a palavra carro a uma criança entre os 8 e os 10 anos,ela não pensará propriamente nas propriedades que constituem a essênciadesse objeto, mas em algum momento – exterior à atual experiência percetiva– em que viu um carro).

A aquisição do conceito de conservação – a capacidade de mental-mente representar a estabilidade no seio da mudança – é o sinal de que afase pré-operatória foi ultrapassada. Compreende-se que vazar líquido deum copo largo e baixo para outro estreito e alto não produz qualqueraumento do seu volume e que uma bola de plasticina pode ser transformadanuma “salsicha” sem que nenhuma mudança quantitativa se verifique real-mente. Utilizam-se esquemas de pensamento lógico, ultrapassando o pensa-mento intuitivo. Note-se que, contudo, o conceito de conservação é compre-endido enquanto aplicado a um determinado objeto concreto e não comoaplicação de uma regra geral, aplicável a qualquer objeto conhecido ou não,que enunciaria: “Somente a adição ou a subtração de uma porção de umobjeto altera a sua quantidade”. Teremos de aguardar pelo desenvolvimentodo raciocínio dedutivo próprio do estádio seguinte.

Segundo Piaget, as aquisições do estádio das operações concretasderivam de uma transformação estrutural no modo de pensar denomi-nada descentração. A descentração significa que se é capaz de, ao mesmotempo, considerar mais do que um atributo de um objeto e de formar con-ceitos segundo vários critérios. Não se centrando numa única propriedade deum objeto, a criança adquire a noção de conservação, isto é, compreende quealterações em dada dimensão podem ser anuladas, ou melhor, compensadasem outra dimensão.

Assim, a quantidade de líquido, no exemplo dado, mantém-se cons-tante porque a alteração na altura do copo foi compensada por uma mudançano seu diâmetro. Esta capacidade de mentalmente anular uma mudança

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ConservaçãoCapacidade de reconhecerque determinadas proprie-dades das coisas (quantidade,peso, volume) permanecemconstantes independente-mente de alterações de forma,comprimento ou posição.

DescentraçãoCapacidade de pensar emmais do que um atributo deum dado objeto ao mesmotempo (não se centra emuma dimensão de cada vez).

ClassificaçãoOrganizar objetos em deter-minadas categorias segundocritérios lógicos.

SeriaçãoProcesso que consiste em or-ganizar os objetos segundouma ordem sequencial e de-terminado aspeto (dimensão,peso ou volume).

Raciocínio indutivoTipo de raciocínio que, ba-seado na experiência, atingeprincípios gerais.

aparente significa que o pensamento se tornou reversível. A reversibilidadeé um esquema que permite compreender que, se A é maior do que B, então Bé menor do que A. Tal esquema torna relativamente fácil a uma criança rever-ter uma operação efetuada (7 + 2 = 9) retornando ao ponto inicial (9 – 2 = 7).A reversibilidade, manifestação do poder de descentração, é o pré-requisitobásico do raciocínio lógico (transformar e manipular mentalmente objetos,situações e problemas, não perdendo de vista a sua forma original). A reversi-bilidade dos esquemas mentais possibilita também a compreensão do con-ceito de causa e o raciocínio causal: a criança capaz de representar mental-mente que desligar o interruptor faz com que a sala de aulas retorne às suascondições naturais de iluminação adquire as bases do entendimento da rela-ção causa-efeito entre interruptor e luz.

A classificação é outra operação dominada durante este estádio.Organizar a coleção de selos por país ou por tema (e não só de um modo,como é próprio do estádio anterior) e compreender que uma pessoa pode serao mesmo tempo pai, irmão e avô são exemplos dessa aquisição. Note-se quea criança não só distingue classes e subclasses de objetos como também asua inter-relação. Entende que as rosas são uma subclasse das flores e que porisso não pode haver mais rosas do que flores. Hierarquiza as classes, ou seja,consegue perceber o diferente grau de extensão dos conceitos (Bobby, cão eanimal são termos dispostos por ordem crescente: há mais animais do que cãese mais cães do que Bobbies). A reversibilidade mental é a condição essencialdesta evolução cognitiva particular – não se centrando num aspeto, a criançadotada de pensamento lógico sabe que há várias formas válidas de classifica-ção de um grupo de objetos (os botões podem ser classificados segundo acor, a dimensão ou o número de buracos).

A seriação é outra das aquisições do estádio das operações concre-tas e corresponde à ordenação sequencial de objetos segundo um critério(ordenar objetos do mais largo para o menos largo ou vice-versa). Ascrianças do estádio pré-operatório até aos 5 anos conseguem, por exemplo,dispor um conjunto de tacos de bilhar do mais curto para o mais longo, masfazem-no após muitos erros e correções; as crianças entre os 6 e os 7 anosobtêm uma solução correta do problema, dispondo os objetos em pequenasséries, segundo um plano ordenado. Dos 7 aos 8 anos, a seriação torna-seuma inferência transitiva: da observação de que o taco A é mais comprido doque o taco B e de que o B é mais comprido do que C, é possível inferir que Aé mais comprido do que C.

Durante este período do desenvolvimento cognitivo, começa a for-mar-se e desenvolver-se o raciocínio lógico indutivo, o processo cognitivoque consiste em atingir um princípio geral a partir dos dados empíricosparticulares. A partir da observação de que acrescentar uma moeda a um

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grupo de moedas aumenta o seu número, constrói-se, por indução, o princí-pio geral de que adicionar é aumentar o número ou a quantidade de deter-minados objetos.

Contudo, o pensamento lógico, neste estádio, ainda está demasiadopreso à realidade concreta e física. É um tipo de pensamento cujo funcio-namento lógico se baseia em situações e objetos concretos que podem sermanipulados, classificados e organizados. O pensamento lógico-abstrato,hipotético-dedutivo, baseado em hipóteses, possibilidades e princípios gerais,ainda está a caminho.

CARATERÍSTICAS

No estádio das operações concretas, a inteligência repre-sentativa dá lugar à inteligência operatória, isto é, lógica. Assimples representações mentais, predominantes no estádioanterior, dão lugar a operações mentais. As operações mentaisserão ações interiorizadas que obedecem a regras lógicas.

O pensamento, nesta fase, é incapaz de resolver problemassem pontos de referência concretos, mas torna-se reversível emuito mais descentrado do que anteriormente. A aquisiçãoda noção de conservação ou de identidade é sinal de que sedistingue o real do aparente.

No entanto, não sendo presa fácil das aparências, o pen-samento ainda está preso à realidade concreta, não se dá apassagem do real ao possível.

O pensamento, neste estádio, deixa de ser simplesmenteintuitivo, inflexível ou rígido e contraditório. Torna-se flexívele lógico. Que tipo de lógica carateriza o pensamento lógico--concreto? A lógica indutiva, a capacidade de a criança, a par-tir das suas experiências concretas e particulares, atingirprincípios gerais.

Adquire-se a capacidade de compreender a inclusão declasses – a capacidade de pensar que os objetos podem per-tencer simultaneamente a diferentes classes.

A classificação, a seriação, o desenvolvimento do raciocíniocausal, a aquisição das noções de espaço, tempo e velocidade sãoaquisições marcantes desta fase do desenvolvimento cognitivo.

A criança no estádio das operações concretas raciocinalogicamente acerca de coisas que conhece ou que pode ver emanipular, mas tem grande dificuldade e é mal sucedida noque respeita ao raciocínio sobre ideias, possibilidades, situa-ções hipotéticas e princípios abstratos.

Para Piaget, só a partir dos 11 anos se desenvolve o racio-cínio dedutivo, o pensamento lógico-abstrato.

O D E S E N V O L V I M E N T O C O G N I T I V O

Estádio das operações formais ou do pensamento lógico-

-abstrato

Estádio sensório-motor ou da inteligência sensório-motora

Estádio em que a inteligência se adaptaao meio envolvente através de esquemassensório-motores (atividade percetiva eatos motores). É o estádio da inteligênciaprática.

Estádio pré-operatório ou do pensamento pré-lógicoEstádio do desenvolvimento cognitivoque é marcado pelo surgimento e cres-cente uso da função simbólica ou se-miótica e do pensamento. O pensamentoé um conjunto de ações interiorizadasque representam a realidade de formasuperficial ou pré-lógica.

Estádio das operações concretasou do pensamento lógico-

-concreto

FASE DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVOEM QUE O PENSAMENTO

SE TORNA FLEXÍVEL E LÓGICO, MAS NÃO CONSEGUE LIBERTAR-SE

DA REALIDADE CONCRETA (IDENTIFICA O REAL COM O POSSÍVEL,

REDUZ ESTE ÀQUELE).

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Raciocínio hipotético--dedutivoTipo de raciocínio que, par-tindo de uma hipótese, delaretira sistematicamente con-clusões ou implicações. Éessencial no caminho para asdescobertas científicas e paraa fundamentação e explica-ção destas mesmas.

Estádio das operaçõesformaisFase da evolução intelectualem que se forma e desenvolvea capacidade de usar concei-tos abstratos, de pensar apartir de situações hipotéti-cas ou possíveis. Predominao raciocínio hipotético-dedu-tivo e a resolução lógica esistemática de problemas.

Estádio do pensamentológico-abstratoEstádio do desenvolvimentocognitivo em que o pensa-mento distingue o real dopossível e se torna lógico-de-dutivo, isto é, capaz de derivarconclusões lógicas formal-mente válidas de hipótesesou premissas hipotéticas.

zNo estádio pré-operatório,a aparência é a realidade; noestádio das operações con-cretas, distingue-se a aparên-cia da realidade (o que pare-ce real muitas vezes não o é);no estádio do pensamentoformal, a distinção dominanteé entre o real e o possível.Pode dizer-se que o real éapenas uma hipótese entrevárias possíveis.

■ O estádio das operações-formais

A caraterística distintiva deste estádio é o pensamento formal, hipo-tético-dedutivo. O indivíduo passa a deduzir conclusões a partir de hipótesese já não apenas da realidade concreta. Pode agora considerar estados hipoté-ticos, que podem ser ou não reais, e pensar de forma dedutiva o que acontece-ria se fossem verdadeiros, como seriam as coisas se certas possibilidades setornassem realidade. Situando-se no plano do possível ou do hipotético, opensamento da criança ou do adolescente resolverá facilmente problemascomo estes:

1. “Se João tem mais maçãs do que José e menos maçãs do que Joa-quim, qual deles tem mais maçãs?”;

2. “Se A é mais alto do que B e C mais alto do que A, qual deles é maisalto?”.

Quem não atingiu o estádio das operações formais terá dificuldades sig-nificativas (e referimo-nos, como é óbvio, às crianças entre os 7 e os 10 anos),dada a sua formulação abstrata, afastada da perceção concreta. Só resolveráo problema, segundo Piaget, se lhe apresentarem objetos concretos, produ-zindo-se a partir deles as suas inferências.

A abertura do pensamento ao possível amplia as suas próprias possibi-lidades de exercício. Um adolescente, uma pessoa no estádio das operaçõesformais, seria capaz, a partir da possibilidade abstrata “E se os dinossáuriosfossem ainda vivos?”, de elaborar um raciocínio logicamente organizado so-bre essa hipotética situação. A criança no estádio das operações concretas –que utiliza o raciocínio indutivo – teria enorme dificuldade em atribuir sentidoa tal questão e em imaginar cenários possíveis a partir da hipotética existên-cia dos dinossáurios. A sua resposta, típica de quem está preso ao real no seumodo de pensar e só distingue entre realidade e aparência, seria: “Nãopodem, já morreram há muito”.

A aptidão para aplicar operações mentais a situações hipotéticasdesenvolve o pensamento abstrato e conduz o adolescente a elaborar teo-rias, mais ou menos sistematizadas, sobre entidades abstratas como a justi-ça, a liberdade, a felicidade, a moralidade, o amor, etc. A distinção entre oreal e o possível dá origem a debates sobre questões morais e filosóficas, aimaginar mundos diferentes e diferentes ocupações na vida e a questionar arealidade, sob múltiplos aspetos, tal como ela é.

A diferença em relação ao pensamento lógico-concreto reside no factode lidar com hipóteses, possibilidades e conceitos abstratos. Não se exercesimplesmente sobre o que é (factos concretos), mas especialmente sobre oque pode ser (hipóteses, possibilidades). As situações não têm de ser experien-ciadas para poderem ser imaginadas. Perguntem a uma criança, no estádio dasoperações concretas, como seria a vida das pessoas se elas não dormissem.Com certeza diria ‘as pessoas têm de dormir!’. Em contraste, o adolescente,que domina (nem todos o conseguem) as operações formais tem a capacidade

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CARATERÍSTICAS

No estádio das operações formais, o pensamento deixade estar limitado pela experiência de cada sujeito, ou seja,não se limita ao presente nem ao que é.

Um adolescente – um jovem no estádio das operações for-mais – é capaz de raciocinar com sentido acerca de situaçõeshipotéticas (que nunca viveu ou das quais nunca teve experi-ência). Pode pensar acerca de coisas que imagina, de possibi-lidades e não só acerca de coisas que viu ou conhece.

As três aquisições fundamentais do estádio das opera-ções formais são:

a) A distinção entre o real e o possível – amplia o campodos objetos do pesamento.

b) A capacidade de pensar e de raciocinar de forma hipoté-tica-dedutiva, de pensar logicamente acerca de abstra-ções e de possibilidades (a justiça, a verdade, a naturezada existência, o bem e o mal, a beleza, etc.). O adoles-cente confronta o real com o possível, o que é com oque pode ser e o que é com o que deve ser e assim clari-fica os seus valores e atitudes, componentes impor-tantes do processo de formação da sua identidade.

c) A forma sistemática de resolução de problemas – Oadolescente procura sistemática e metodicamente aresposta a uma questão. Coloca hipóteses e testa-as,não omitindo possíveis soluções, recorrendo ao raciocí-nio lógico. A combinação da forma sistemática de resol-ver problemas e do raciocínio lógico-dedutivo é neces-sária para que haja raciocínio científico.

Note-se que a “revolução intelectual” da adolescência épossibilitada pela integração de competências que começa-ram a desenvolver-se em fases anteriores. Em segundo lugar,essa revolução não tem efeitos simplesmente cognitivos.Quando muda a relação cognitiva com a realidade, mudatambém a relação sócio-afetiva com os outros, os juízos devalor sobre a sociedade e o modo como nos vemos a nós pró-prios.

O D E S E N V O L V I M E N T O C O G N I T I V O

Estádio sensório-motor ou da inteligência sensório-motora

Estádio em que a inteligência se adaptaao meio envolvente através de esquemassensório-motores (atividade percetiva eatos motores). É o estádio da inteligênciaprática.

Estádio pré-operatório ou do pensamento pré-lógicoEstádio do desenvolvimento cognitivoque é marcado pelo surgimento e cres-cente uso da função simbólica ou se-miótica e do pensamento. O pensamentoé um conjunto de ações interiorizadasque representam a realidade de formasuperficial ou pré-lógica.

Estádio das operaçõesconcretas ou do pensamento

lógico-concretoFase do desenvolvimento cognitivo emque o pensamento se torna flexível elógico, mas não consegue libertar-se darealidade concreta (identifica o real como possível, reduz este àquele).

Estádio das operações formais ou do pensamento lógico-

-abstrato

ESTÁDIO DO DESENVOLVIMENTO COGNITI-VO EM QUE O PENSAMENTO DISTINGUE OREAL DO POSSÍVEL E SE TORNA LÓGICO-DEDUTIVO, ISTO É, CAPAZ DE DERIVARCONCLUSÕES LÓGICAS FORMALMENTEVÁLIDAS DE HIPÓTESES OU PREMISSAS

HIPOTÉTICAS.

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zPara uma perspetiva crí-tica da teoria de Piaget sobreo desenvolvimento cognitivoelaborada por um teóricoque se interessou tambémpelo desenvolvimento cogni-tivo, será útil consultar o dos-siê A teoria de Lev Vigotskysobre o desenvolvimento cog-nitivo.

de pensar a partir de hipóteses, exibindo uma aptidão típica do seu estádio:o raciocínio hipotético-dedutivo. A partir da situação hipotética (as pessoasnão dormem), irá raciocinar dedutivamente (da premissa geral de quenenhuma pessoa dorme para implicações específicas como horários de tra-balho mais longos, maior consumo de energia elétrica, novas indústrias doentretenimento, o fim dos despertadores e das músicas de embalar).

A aptidão para encarar possibilidades abstratas é decisiva para quehaja pensamento matemático e conhecimento científico. Depois do 1.° Ciclo,grande parte da Matemática refere-se a situações hipotéticas e postulados:

Admitamos que:

‘X = 10’ ou ‘Suponha que x2 + y2 = 22’ ou ‘Dados dois lados de um ângulo adjacente…’

As crianças do 1. ° Ciclo não conseguem raciocinar com base em sím-bolos abstratos, mas espera-se esse tipo de raciocínio mais tarde.

O estudo das Humanidades também exige o pensamento abstrato.Bastará ter em conta uma questão como esta: ‘Quais as metáforas que sim-bolizam o amor, o desespero e a esperança nos sonetos de Camões?’

1. Qual o objeto de estudo da psicologia para Piaget?O objeto da psicologia é, para Piaget, o estudo da interação

entre os processos mentais, o comportamento e o meio. A nossaação sobre o meio e do meio sobre nós tem como resultado o reforçoe a sofisticação dos esquemas cognitivos e a construção de outros.Para Piaget, o objeto da psicologia não se reduz ao simples estudodos processos mentais nem se limita ao estudo do comportamentoobservável. Definindo o conhecimento como processo de adaptaçãoao meio, Piaget entendê-lo-á como um comportamento que resultada interação organismo-meio.

2. Que conceção de ser humano está presente nesta teoria?Concebeu o ser humano como indivíduo que nasce programado

para aprender, mas que não é o simples resultado de processosde aprendizagem. O ser humano é um ser ativo, curioso, que pro-cura explorar o seu meio para melhor o conhecer e nele se orientar.Carateriza-o a necessidade inata de conhecer. Não é o resultadoexclusivo de capacidades geneticamente transmitidas nem somenteda influência de fatores sociais e educativos.

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3. Qual a posição do autor desta teoria acerca dos seguintesconceitos dicotómicos (Inato/Adquirido; Continuidade//Descontinuidade; Estabilidade/Mudança; Interno/Ex-terno; Individual/Social)?

A dicotomia inato/adquirido

O construtivismo de Piaget considera que as estruturas quenos permitem conhecer e agir sobre o mundo se desenvolvem me-diante a maturação biológica e o intercâmbio sujeito-meio. O nossodesenvolvimento intelectual consiste numa série de modificações eadaptações que visam resolver os problemas levantados pelo meio.Supera assim as perspetivas ambientalistas e inatistas. É evidenteque todos nós temos um património genético, mas, excetuandoalguns esquemas reflexos, nascemos unicamente com a necessidadede conhecer e de aprender para nos adaptarmos ao meio. Os pró-prios mecanismos de adaptação vão sendo aperfeiçoados em virtudedas nossas necessidades, da nossa natural curiosidade e dos desafiosque enfrentamos na relação com o meio. Considera que as estruturasque nos permitem conhecer e interpretar o mundo são retiradas daexperiência e da ação sobre o meio, rejeitando assim a perspetivapuramente ambientalista dos behavioristas. Contra a perspetiva ina-tista, considera que as estruturas e esquemas que organizam a expe-riência do meio não estão à partida completamente pré-formadas.Não há uma dicotomia entre o inato e o adquirido, mas interaçãodinâmica.

A dicotomia continuidade/descontinuidade

Segundo Piaget, o desenvolvimento é descontínuo, isto é, o desen-volvimento dá-se ao longo de estádios (fases do desenvolvimentoque se distinguem qualitativamente de fases anteriores e posteriores).A sucessão dos estádios obedece a uma sequência uniforme (não seaprende a falar antes de se aprender a andar nem a escrever antes dese aprender a falar), embora cada indivíduo tenha o seu ritmo próprio.Corresponde ao surgimento de novos padrões comportamentais. Cadaestádio integra as aquisições do estádio anterior. Ou seja, no seio dadescontinuidade há uma certa continuidade.

A dicotomia estabilidade/mudança

Seguindo, na sua teoria, um modelo de inspiração biológica, pro-curou compreender como se dá a evolução da inteligência prática oupré-concetual (sensório-motora) para a inteligência abstrata (for-mal, hipotético-dedutiva). Para Piaget, a inteligência era o conjuntode estruturas de que o organismo dispunha numa dada fase do seudesenvolvimento. O desenvolvimento cognitivo é um processoadaptativo em que se procura a equilibração entre dois mecanismos

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fundamentais (a assimilação e a adaptação). Piaget reconhece que,além da maturação, a aprendizagem é um fator de desenvolvimentoimportante. O desenvolvimento cognitivo é um processo em que oequilíbrio das estruturas cognitivas é cada vez mais estável. Ora,esta progressiva equilibração e estabilização intelectual resulta deuma “aprendizagem na ação” (física e mental) sobre objetos e situa-ções. Cada estádio coloca novos problemas e desafios às estruturascognitivas que o sujeito construiu, isto é, implica um desequilíbrio.O que significa alcançar um novo equilíbrio? Significa que se ultra-passaram as insuficiências anteriores, que se formaram estruturasque já permitem respostas adequadas aos desafios e que, a partir doque se aprendeu, há uma reorganização e reestruturação mentalque nos adapta a novos desafios.

A dicotomia interno/externo

Como já dissemos, Piaget não é nem partidário do empirismonem do inatismo. É construtivista porque afirma que o indivíduo,mediante as suas ações sobre o meio, tem um papel na construçãodo conhecimento e da sua personalidade. É interacionista porquedefende que o desenvolvimento intelectual e moral é obra do sujeitonas suas interações com o meio físico e social. Um dos grandes con-tributos de Piaget é precisamente o de ter chamado a atenção paraa interação, para a ação recíproca entre fatores endógenos (dosujeito) e exógenos (do meio). Devemos-lhe também um novo con-ceito de comportamento que é hoje em dia amplamente partilhado.A fórmula R = f (s) que Watson utilizava para definir o comporta-mento é, em Piaget, substituída pela fórmula R = f (s «-» p). O com-portamento é uma resposta que varia em função da interação entrea personalidade do sujeito e a situação (o meio). A relação sujeito--meio tem um caráter dinâmico (o sujeito não é passivo, não é sim-ples produto do meio). A situação não pode ser encarada indepen-dentemente da personalidade nem a personalidade independente-mente da situação.

A dicotomia individual/social

Para Piaget, a transmissão social é um dos fatores do desenvol-vimento cognitivo. Contudo, no parecer de alguns dos seus críticos,Piaget não dá a devida ênfase à natureza social do desenvolvimento.Fica a ideia de que a criança e o jovem são exploradores relativa-mente solitários da realidade, aventurando-se no seu conhecimentoe desenvolvendo as estruturas e esquemas adaptativos. Esta críticatem os seus limites porque Piaget nunca negou (nem podia fazê-lo)que o desenvolvimento cognitivo era influenciado pelo apoio eorientação que as crianças recebem dos pais, de outros adultos e deoutras crianças.

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AT IV IDADE 5Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).

Justifique a sua opção.

1. Segundo Piaget, o desenvolvimento cognitivo corresponde à evo-lução da inteligência prática para a inteligência abstrata.

2. Segundo Piaget, ocorre uma mudança cognitiva significativa quandoa criança começa a dominar o conceito de conservação.

3. No estádio das operações concretas, as crianças mostram uma formade inteligência lógica que se exerce independentemente de os obje-tos serem vistos ou manipulados.

4. No estádio final do desenvolvimento intelectual, o adolescente re-vela a capacidade de raciocinar dedutivamente a partir de situaçõeshipotéticas, bem como a aptidão para formular hipóteses com vistaà resolução de problemas.

5. Se perguntarmos a uma criança no estádio das operações concretas sehá mais cães do que animais, ela responderá que há mais cães do queanimais.

6. O pensamento típico da adolescência é o pensamento puro, indepen-dente das situações concretas e da ação concreta.

7. Júlia não gosta de cenouras. Ao jantar, a mãe corta duas cenouras emvários pedaços. Júlia protesta e chora dizendo que antes tinha duascenouras e agora tem um monte delas. A reação de Júlia revela umainteligência lógico-concreta.

8. João tinha quatro cartas e trocou-as por uma com o Miguel. Con-cluiu que ficou com menos cartas do que antes. A sua forma depensar é própria do estádio das operações concretas.

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A caraterística distintiva deste estádio é a emancipação do pensamento lógicoa respeito do que é ou foi objecto de experiência. O pensamento exerce-se logica-mente sobre ideias, possibilidades e situações hipotéticas: já não se pensa somentesobre coisas reais ou sobre ocorrências factuais.

• Transposição do real para o possível: a reflexão lógica antecipa as eventuaisconsequências de uma ação e especula sobre cenários hipotéticos ou possíveis.

• Capacidade de pensar de forma hipotético-dedutiva: pensamento formal,lógico-dedutivo.

• Resolução sistemática e metódica de problemas.

A capacidade de considerar hipóteses ou premissas hipotéticas delas derivandoresultados ou conclusões logicamente válidas é a base da construção da personali-dade moral e social ativa, crítica e interveniente.

Estádioda inteligência

abstrata, do pensamento

capaz de operaçõeslógico-formaisE

ST

ÁD

IO D

AS

OP

ER

ÕE

S F

OR

MA

IS

O S E S T Á D I O S D O D E S E N V O L V I M E N T OC O G N I T I V O E M P I A G E T

As representações mentais dão lugar a esquemas mais complexos, isto é, a ope-rações mentais. O pensamento adquire caraterísticas lógicas, liberta-se das aparên-cias, mas não consegue libertar-se da realidade concreta.

• Pensamento lógico: reversibilidade e descentração.

• Operações mentais: contar, classificar, seriar e medir.

• Aquisição da noção de conservação e dos conceitos de causa, tempo, espaço evelocidade.

Nesta fase do desenvolvimento cognitivo, predomina a lógica indutiva, que sebaseia na observação e na experiência. A compreensão de situações hipotéticas enão simplesmente factuais, isto é, de algo de que não temos experiência, exigiráoutro tipo de procedimento cognitivo: a lógica dedutiva.

Estádio da inteligência opera-

tiva, do pensamento lógico-concretoE

ST

ÁD

IO D

AS

OP

ER

ÕE

S C

ON

CR

ET

AS

Crescente uso de símbolos para representar objetos e acontecimentos. Desen-volve-se o pensamento representativo que, contudo, é muito pouco flexível, contra-ditório e presa das aparências sensíveis.

• Centração ou egocentrismo do pensamento.• Função simbólica: linguagem, jogo simbólico.• Pensamento dominado pela imaginação e pela intuição sensível.• Pensamento mágico ou pré-concetual: animismo, realismo, finalismo e artifi-

cialismo.• Pensamento intuitivo: incapacidade de compreensão dos aspetos reversíveis

da conservação; grande dificuldade no entendimento da inclusão de classes;confusão entre aparência e realidade.

Para passar de pré-lógico a lógico, o pensamento terá de adquirir reversibili-dade, isto é, de descentrar-se.

Estádio da inteligência repre-

sentativa e simbólica,

em que se desenvolvem o pensamentoe a linguagem

ES

DIO

PR

É-O

PE

RA

RIO

O conhecimento do mundo e a adaptação à realidade efetuam-se através daação, da exploração do meio externo, emergindo progressivamente a capacidade derepresentação simbólica.

• Desponta e consolida-se o comportamento intencional (a coordenação demeios e fins).

• Desenvolve-se o comportamento experimental.

• Adquire-se progressivamente a noção de permanência do objeto ou de objetopermanente que assinala o nascimento da linguagem, do pensamento e aultrapassagem do egocentrismo sensório-motor.

Estádio da inteligência

prática, anterior

ao pensamento e à linguagem

ES

DIO

SE

NS

ÓR

IO-M

OT

OR

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