a ‘rochela’ das minas do ouro? paulistas na vila de...

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Vagner da Silva Cunha A ‘Rochela’ das Minas do Ouro? Paulistas na Vila de Pitangui (1709-1721) Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em História Dezembro de 2009

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Vagner da Silva Cunha

A ‘Rochela’ das Minas do Ouro?

Paulistas na Vila de Pitangui (1709-1721)

Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em História

Dezembro de 2009

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Vagner da Silva Cunha

A ‘Rochela’ das Minas do Ouro?

Paulistas na Vila de Pitangui (1709-1721)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História.

Linha de Pesquisa: História Social da Cultura

Orientadora: Profª. Drª. Júnia Ferreira Furtado Agência Financiadora: CNPq.

Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em História

Dezembro de 2009

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA Prof. Antônio Luiz Paixão (FAFICH-UFMG)

981.51 Cunha, Vagner da Silva C972r A ‘Rochela’ das Minas do Ouro? [manuscrito]: paulistas na 2009 Vila de Pitangui (1709-1721) / Vagner da Silva Cunha. – 2009.

186. f. Orientadora: Júnia Ferreira Furtado. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

. 1. História - Teses. 2. Pitangui (MG) – História – Séc. XVIII - Teses 3. Minas Gerais – História –Teses I. Furtado, Júnia Ferreira. III. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título

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FOLHA DE APROVAÇÃO

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Para Alessandra Aguiar Vieira,

Namorada, amiga e companheira que vivenciou

comigo todas as etapas de elaboração deste

trabalho – seus bons e maus momentos –, desde o

primeiro “pré-projeto” de Bacharelado até a

redação final desta Dissertação. A ela este trabalho

é dedicado.

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“(...) a colonização [do Brasil] foi

aventura em que as regras se

afrouxavam”.

Francisco Iglésias

“O indivíduo na infância é ver um,

ver todos. Os povos nascentes,

assim como as crianças, não diferem

entre si. As Minas, porém, não

tiveram infância. Nasceram como a

deusa de Atenas, já feitas e

armadas”.

Diogo de Vasconcelos

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AGRADECIMENTOS

Ao longo dos anos de estudo e pesquisa dedicados à conformação deste projeto,

muitos foram aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram para que o mesmo se

concretizasse. De resto, a elaboração de uma Dissertação de Mestrado é quase sempre

um processo dificultoso, sofrido (...); o que também não torna a minha situação

diferente da de tantos outros colegas. Ao abrir esta seção, no entanto, vale aqui registrar

alguns agradecimentos especiais.

Primeiramente, agradeço ao CNPq pelo tempo que pude contar com o

financiamento para a pesquisa, sem o qual a mesma estaria impossibilitada. À minha

orientadora, Prof. Dra Júnia Ferreira Furtado, pelas críticas e sugestões, mas sobretudo

pela confiança depositada em meu trabalho. Aos professores Luiz Carlos Villalta e

Carla Maria Junho Anastasia, primeiros interlocutores, agradeço as críticas, sugestões e

incentivo. Agradecimento especial também devo à Prof. Dra Adriana Romeiro, com

quem particularmente contraí uma “enorme dívida” ao longo da elaboração deste

trabalho. Privilegiadamente, em diversas ocasiões pude contar com sua leitura atenta,

observações e sugestões, apontando-me caminhos em momentos decisivos. Com seu

convívio, igualmente pude descobrir uma pessoa simples, atenciosa e de generosidade

sem igual; valores estes, infelizmente, tão raros em nosso meio acadêmico.

Em segundo plano, mas nem por isso menos importante, agradeço também a

todos os meus familiares e amigos que vivenciaram comigo as diversas etapas desta

trajetória. Em especial, agradeço a Dalton Gregório da Silva – tio, padrinho, quem sabe

até mesmo segundo pai – que, conjuntamente com sua esposa e filhas, tão bem me

acolheram em Belo Horizonte. Sem o saber, com ele aprendi – e continuo aprendendo –

o sentido das palavras simplicidade, honestidade, solidariedade e generosidade,

ensinamentos para toda uma vida. Agradecimento especial também consagro à minha

mãe, Emilce, exemplo de mulher batalhadora e guerreira que não obstante as

dificuldades impostas pela vida, nunca deixou que a seus filhos faltassem cadernos,

lápis e livros. Por seu espírito de luta e apoio incondicionais, a ela este trabalho também

é dedicado.

Por fim, com tantas pessoas contribuindo para que acertasse sempre, sou,

obviamente, o único responsável pelas inconsistências, incongruências e erros

eventualmente presentes neste trabalho.

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar os primeiros anos de povoamento e ocupação da

região de Pitangui, Minas Gerais, enfocando os diversos motins e sublevações populares

ali ocorridos na segunda década do século XVIII. Território ocupado originalmente por

grupos de sertanistas oriundos de São Paulo e “Serra Acima” – alguns inclusive com

notável participação na chamada “Guerra dos Emboabas” (1708-1709) – Pitangui

tornou-se, desde seus primórdios, palco de graves conflitos, sendo apontada nos escritos

das autoridades régias da época como uma das regiões mais insubordinadas e rebeldes

de toda a Capitania. Na contramão do discurso oficial das fontes documentais

disponíveis, no entanto, neste trabalho buscamos atentar para a própria lógica da

atuação política dos sublevados de Pitangui, enquadrando-a em uma tradição mais

abrangente de conflitos historicamente estabelecidos entre os sertanistas e seus demais

contemporâneos. Nessa medida, pudemos observar que as ações implementadas em

Pitangui faziam parte de uma tradição insurgente típica dos homens de São Paulo,

tradição esta orientada por práticas e concepções políticas bastante específicas.

Palavras-chave: Motins, Pitangui do século XVIII, Imaginário e Práticas Políticas.

ABSTRACT

This work aims to analyze the early years of settlement and occupation of the region of

Pitangui, Minas Gerais, focusing on the various riots and popular incitation that

occurred in this place during the second decade of the 18th Century. Territory occupied

originally by groups of backwoodsmen from São Paulo and “Serra Acima” – including

some with notorious participation in the so called “War of the Emboabas” (1708-1709)

– Pitangui became, since its early days, scenario for grave conflicts, being pointed in

writings of royal authorities of the time as one of the most insubordinate and rebellious

regions of all the Captaincy. Going against the official discourse of the documentary

sources available, however, this work considers the logic of the political actions of the

insurgents of Pitangui, based on a broader tradition of conflicts historically established

between the backwoodsmen and their contemporaries. Therefore, we observed that the

actions implemented in Pitangui were part of a typical insurgent tradition of men from

São Paulo. This tradition was oriented by specific practices and political beliefs.

Key-words: Riots, Pitangui in the 18th Century, Imaginary and Political Practices.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABN/RJ: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

AHEx: Arquivo Histórico do Exército

APM: Arquivo Público Mineiro

CCM: Códice Costa Matoso

Doc.: Documento

DHBN/RJ: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

DIHCSP: Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo

RAPM: Revista do Arquivo Público Mineiro

RIHGB: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

RIHGSP: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo

RSPHAN: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SC: Seção Colonial / Governo da Capitania de Minas Gerais (códice)

fl.: folha

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................11

CAPÍTULO 1: Paulistas no “sertão” das Gerais: os primeiros anos de povoamento de

Pitangui.........................................................................................................................45

1.1 – Andanças paulistas pelo interior das Minas e o “descobrimento” de

Pitangui..........................................................................................................45

1.2 – Epílogo da “Guerra” dos Emboabas: os primeiros conflitos em

Pitangui..........................................................................................................56

1.3 – D. Brás Baltazar da Silveira: “contemporizar é preciso (...)”.....................67

CAPÍTULO 2: As Minas “em chamas”: o governo de D. Pedro Miguel de Almeida e

Portugal, Conde de Assumar.......................................................................................88

2.1 – O enredo de um conflito.............................................................................88

2.2 – “Tumba da paz, berço da rebelião (...)”....................................................102

2.3 – O destino de um governador.....................................................................127

CAPÍTULO 3: Imaginário e práticas políticas: o repertório de ação paulista.........132

3.1 – A construção de uma tradição: da “legenda negra” paulista ao “direito de

conquista”..........................................................................................................137

3.2 – As Minas entre “paulistas e emboabas”.................................................151

3.3 – Pitangui, palco para um [novo] repertório de ação paulista?.................159

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Pitangui, a “Rochela” das Minas do Ouro?...........169

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................171

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INTRODUÇÃO

I

Ao final do mês de janeiro de 1720, o então governador da Capitania de São

Paulo e Minas do Ouro D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, o Conde de Assumar,

recebeu as primeiras notícias acerca dos sucessos da expedição militar que enviara à

Vila de Pitangui para devassar os diversos assassinatos e crimes de sedição ali ocorridos

nos anos precedentes. Vila situada em pleno “sertão” da Comarca do Rio das Velhas –

região relativamente distante dos centros tradicionais de poder metropolitano instalado

nas Minas à época – a operação militar idealizada por Assumar para pacificar o local

não transcorrera, porém, sem percalços. De fato, na ocasião o governador mal podia

esconder o seu descontentamento com o fato de não ter sido possível concretizar a tão

almejada prisão de Domingos Rodrigues do Prado, o principal líder dos amotinados da

região, uma vez que seu desejo era, segundo suas próprias palavras, “a de mandar

enforcá-lo” para que servisse de exemplo aos demais moradores das Minas.1

Na verdade, o Conde mostrava-se mesmo perplexo diante da ousadia deste

potentado que, numa demonstração de suas próprias forças, armara trincheiras e

fortificações nas proximidades da dita Vila “com uma multidão de gente junta, uns

vagabundos, outros carijós do gentio da terra, e outros constrangidos que se tinham

convocados sob pena de morte” para dar combate às tropas oficiais chefiadas pelo

Capitão de Dragões Joseph Rodrigues de Oliveira e pelo Ouvidor Geral da Comarca do

Rio das Velhas, o Dr. Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha.2 Visivelmente, a

intenção dos sublevados de Pitangui era impedir que tais agentes coloniais, sob as

ordens de Assumar, passassem à Vila e realizassem os procedimentos judiciais cabíveis

1 APM, SC 11, fls. 193-193v. “Para Joseph Rodrigues de Oliveira”. Vila do Carmo, 29 de janeiro de 1720. 2 APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720.

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ao caso. Segundo as palavras do governador, tal crime era “não só grave, mas da

primeira cabeça, e a de Domingos Rodrigues do Prado merecia [ser] logo cortada por

estar incurso na pena de rebelde facinoroso e régulo, cometendo lesa-majestade por lhe

negar o seu domínio, e por pegar em armas contra as suas tropas, fazendo hostilidades

aos vassalos de Sua Majestade, e negando obediência ao seu governador e às suas

justiças”.3

Nessa medida, para Assumar ficava evidente a gravidade dos eventos ocorridos

em Pitangui naqueles anos e da urgente necessidade de se tomarem medidas drásticas na

punição de seus revoltosos. Assim como outros demais potentados de seu tempo – aqui

vale destacar Manuel Nunes Viana, seu primo Manuel Rodrigues Soares e Paschoal da

Silva Guimarães – Domingos Rodrigues do Prado tornara-se, por sua vez, um dos

principais inimigos do Conde governador. Poucos dias após tais acontecimentos, em

carta ao Desembargador Bartolomeu de Souza Mexia, Assumar caracterizava-o

inclusive como “homem revoltoso, régulo, e por natureza matador, insigne e motor

principal das repetidas revoluções que sempre houve naquele distrito”.4 Natural da Vila

de Taubaté, Domingos Rodrigues do Prado havia se destacado como um dos primeiros

povoadores de Pitangui, estabelecendo num curto espaço de tempo uma complexa rede

de influência e de “mando” na área.

Da mesma maneira como ocorrera com Assumar, as relações entre os

governadores da Capitania e esse potentado haviam sido marcadas por tensões e

conflitos. Fato ilustrativo desses embates ocorrera anos antes, mais precisamente em

1716, quando em conjunto com seus comparsas e apaniguados, Domingos Rodrigues do

Prado publicou uma série de “bandos” na região de Pitangui, ameaçando de morte quem

simplesmente “falasse” na localidade em pagamento à Sua Majestade dos quintos 3 APM, SC 11, fls. 192-193. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 29 de janeiro de 1720. 4 APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720.

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relativos à extração aurífera do lugar.5 Como se sabe, a palavra bando referia-se a uma

ordem emitida pelos governadores da Capitania e, ao agir dessa forma, o régulo se

apropriava não só da jurisdição dos mesmos, mas da própria “etimologia” inerente a

eles. Como resultado de suas determinações, no ano seguinte – quando de fato ocorreu a

tentativa das autoridades camerárias de cobrarem na Vila os impostos devidos – várias

pessoas foram assassinadas na região, ao que tudo indica sob as ordens de Domingos

Rodrigues do Prado.6

A esse respeito, o que se percebe é que, além de usurpar uma prerrogativa

exclusiva dos agentes do Rei, ou seja, a publicação de bandos, Rodrigues do Prado o

fazia para proibir a arrecadação do imposto sobre a produção aurífera da Vila,

colocando explicitamente em xeque a própria legitimidade da autoridade régia sobre o

local. Sobre este aspecto, não é demasiado lembrar ainda que no contexto político de

Antigo Regime o pagamento dos quintos possuía um significado não apenas de cunho

econômico, mas também simbólico, sendo uma das expressões da relação de

vassalagem que, por suposto, deveria reger as atitudes dos súditos coloniais com El-Rei.

Na opinião de Assumar, o maior perigo, no entanto, era Pitangui tornar-se à

época um modelo de rebeldia para as outras Vilas, uma vez que estas poderiam ficar

“com a mão ateada para fazerem o mesmo”, sendo “incobráveis os quintos” caso não se

procedesse a um castigo “exemplaríssimo” [sic] naqueles moradores.7 Conforme sugere

a documentação, àquela altura Assumar já se mostrava bastante descrente com a

possibilidade de trazer a região para a órbita de domínio da Coroa portuguesa sem usar

de meios que não a força. Referindo-se a tais eventos em carta ao Marquês de Angeja, 5 APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717. 6 APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717. De acordo com este documento, uma carta do Conde de Assumar ao vice-rei Marquês de Angeja, na ocasião foram assassinados Valentim Pedroso de Barros, paulista a quem havia sido encarregada a cobrança dos quintos na Vila, seu sogro e seus cunhados. Jerônimo Pedroso de Barros, então juiz ordinário da Vila e irmão de Valentim Pedroso, saíra gravemente ferido do atentado, mas conseguiu sobreviver. Tal episódio, por sua importância, será retomado e analisado mais cuidadosamente em outra seção deste trabalho. 7 APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717.

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datada de 30 de dezembro de 1717, argumentava que “quando as cousas chegam a este

termo, bem reconhecerá Vossa Excelência que o jeito não pode tanto como pode a força

e que há casos como estes que se não deve buscar temperamentos suaves,

particularmente quando com estes se descobre a fraqueza de quem os executa; mas eu

determino neste caso fazer o que puder, já que não posso o que desejo (...)”.8

De fato, naqueles tempos, uma das queixas recorrentes do Conde de Assumar às

demais autoridades e inclusive ao Rei provinha da própria falta de uma maior

organização do aparato militar da Capitania, pois, segundo ele, nas Minas “está armado

o atrevimento, e os direitos, quase sempre desarmados”, advindo daí a abundância de

criminosos e malfeitores na região.9 Contudo, o que se observa é que a relutância de

alguns moradores de Pitangui em acatar as determinações dos governadores da

Capitania, seja no que se refere ao pagamento de impostos, seja no que se refere à

própria aceitação de agentes externos para administrar a justiça na região era já antiga,

remontando aos primeiros anos de povoamento da área.

Assim, percebe-se que os episódios acima referidos constituíam apenas algumas

das faces de uma série de conflitos estabelecidos entre as autoridades metropolitanas

sediadas nas Minas e os moradores de Pitangui, situação que o Conde de Assumar

herdara de seus antecessores no que tange ao governo da Capitania. Fato significativo,

em abril de 1715 o próprio D. Brás Baltazar da Silveira afirmava em carta a Sua

Majestade, o rei D. João V, que, à época, conservar tais moradores em paz dava-lhe

mais trabalho “que todas as Vilas [daquelas] Minas”.10

8 APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717. 9 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza. Citação à pagina 68. 10 APM, SC 04, fl. 187v. “Sobre as Minas de Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 24 de abril de 1715.

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Como não poderia deixar de ser, por esses e outros eventos a fama de Pitangui

como região “rebelde, insubordinada e turbulenta” logo se difundiu, tanto nos escritos

das autoridades régias da época quanto nos relatos coevos, perpassando inclusive toda a

primeira metade do século XVIII, mesmo a despeito de terem sido os primeiros anos de

efetiva ocupação da área os mais tumultuados. Sobre este aspecto, um dos testemunhos

mais interessantes é, sem sombra de dúvida, o do agente comercial da região de Sabará,

Francisco da Cruz, personagem analisado por Júnia Ferreira Furtado quando em estudo

baseado na correspondência entre Francisco Pinheiro, grande “homem de negócios

português”, e seus representantes nas Minas.11

Francisco da Cruz era compadre de Francisco Pinheiro e havia se estabelecido

em Sabará ao final do ano de 1724, onde realizaria inúmeros negócios para o grande

comerciante, servindo inclusive no cargo de escrivão da Ouvidoria daquela Comarca,

posto arrematado para o mesmo por Francisco Pinheiro. Como escrivão da Ouvidoria,

entre as funções de Francisco da Cruz constava realizar visitas periódicas a diversas

Vilas e arraiais nas regiões das Comarcas do Rio das Velhas e Serro Frio,

acompanhando o Ouvidor em suas diligências e, eventualmente, aproveitando-se para

transportar mercadorias e cobrar dívidas em atraso com o referido comerciante.12

Curiosamente, em 1726, por conseguinte, Cruz informou a Francisco Pinheiro

que estava prestes a partir em diligência à região do Rio de São Francisco para fazer

uma correição em Papagaio e na Vila de Pitangui. “Viagem de grande perigo”,

explicava Cruz, pois “estamos com a gente da Vila de Pitangui, cuja esta está alevantada

[sic], que dizem não querem lá justiças, que eles por si só se governam”.13 Muito

provavelmente temendo por sua própria vida, pedia ainda a Pinheiro “me encomendar a

11 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio. A interiorização da metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. 2ª ed. São Paulo: HUCITEC, 2006. 12 Ibidem, p. 23. 13 Testamentária de Francisco Pinheiro, fundo do Hospital de São José (TFP. HSJ) Carta 161. Maço 29. fl. 194. Apud FURTADO. Homens de negócio, p. 173.

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Deus e à Sua Santíssima Mãe, para que me livre destes perigos e de outros

semelhantes”.14 Segundo análises de Júnia Furtado, tudo isso se devia “à péssima

reputação dos moradores da região, insubmissos à Coroa, cuja ordem da metrópole

dificilmente chegava e onde abundavam os poderosos e os potentados locais, que

aplicavam eles mesmos a ordem e a lei”.15

Da mesma maneira, outras impressões de Francisco da Cruz acerca da região e

de seus moradores captadas de sua correspondência pessoal com Pinheiro ainda

revelariam outros interessantes aspectos acerca da circulação da fama de Pitangui como

Vila rebelde e turbulenta à época. Ainda de acordo com Júnia Furtado, em uma dada

oportunidade comentou Cruz que era notório que “a luta dos moradores de Pitangui para

não se renderem frente às determinações dos governadores da Capitania já era antiga”.16

Certamente fazendo referência aos eventos ocorridos logo no início do ano de 1720

referidos anteriormente, quando os moradores impuseram resistência armada à

passagem do Ouvidor e suas tropas à dita Vila, relatou Francisco da Cruz que, ao

ouvirem o anúncio de sua chegada [do Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão e sua

comitiva] “a resposta que lhe davam era atirar dizendo: morra o Ouvidor e todos os que

o acompanham; e, com efeito, houveram [sic] bastantes de parte a parte e vários feridos,

até que não houve outro remédio senão voltarem”.17

Mesmo nos primeiros anos da década de 1750, a opinião das autoridades acerca

do caráter rebelde e insubmisso dos habitantes de Pitangui ainda não havia sofrido

14 TFP. HSJ, Carta 161. Maço 29. fl. 194. Apud FURTADO. Homens de negócio, p. 173. 15 Ibidem, p. 173. 16 Ibidem, p. 173. 17 TFP. HSJ. Carta 161. Maço 29. fl. 194. Apud FURTADO. Homens de negócio, p. 174. Nesse aspecto, contudo, vale esclarecer que, ao contrário do que afirmara Cruz, o Ouvidor Dr. Bernardo Pereira de Gusmão, juntamente com a tropa de Dragões e demais paisanos conseguiu adentrar-se em Pitangui, onde, após a pacificação momentânea da área, concretizou a devassa dos crimes de sedição ali ocorridos. Com tal procedimento, foram declarados os nomes dos culpados, os quais tiveram suas propriedades e bens confiscados. Cf. AUTOS de Seqüestro, Doc. 70 – “Certidão de haverem sido arrasadas e queimadas as casas de Domingos Rodrigues do Prado e seqüestro e arrematação de bens dos chefes do movimento de Pitangui”. ABN/RJ, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, vol. LXV, pp. 134-142.

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alterações substanciais, embora já estivessem longe os anos iniciais de ocupação da

área, quando se esboçaram os primeiros conflitos pela posse das catas auríferas da

região. Assim, em 1752, o então governador das Minas Gomes Freire de Andrade, o

Conde de Bobadella, em instrução dada a seu irmão José Freire de Andrade para

substituí-lo temporariamente no governo da Capitania, afirmou inclusive que Pitangui

era “Vila aonde [sic] há alguma sombra da forma antiga das Minas”; estando “pela

vizinhança do sertão”, ainda guardava potentados e “malfeitores de que usa, se bem que

já atira a pedra, esconde a mão”. Dessa forma, “e como as partidas cruzam para aquela

parte”, recomendava a José Freire dissipar “esta congregação de pés rapados, caribocas

e mulatos que hoje são os executores das insolências”.18

Contudo, nenhum preposto régio havia sido mais eloqüente que D. Pedro de

Almeida na construção de uma imagem altamente negativa da região e de seus

moradores. Nesse aspecto, às voltas com a população amotinada ao final da segunda

década dos setecentos, em uma dada ocasião ameaçou mesmo “colocar-se em marcha

àquela Vila”, prometendo pôr fogo à mesma “para que não [houvesse] mais memória

dela”, caso seus moradores não se dispusessem a acatar suas determinações. Em sua

opinião, a Câmara de Pitangui – comumente caracterizada por ele como “o flagelo de

seu governo” – “sempre fora a mais rebelde e renitente” daquelas Minas, sendo mesmo

melhor que nem tivesse chegado a existir.19

Por conseguinte, do que se depreende da documentação oficial relativa aos anos

iniciais de estabelecimento da localidade, a principal justificativa ensejada pelas

autoridades para tal comportamento dos habitantes de Pitangui referia-se – ainda que de

forma velada e subjacente em algumas ocasiões, noutras nem tanto – à própria “má

18 INSTRUÇÃO e norma que deu o Ilmo. E Exmo. Sr. Conde de Bobadella a seu irmão o preclaríssimo Sr. José Antônio Freire de Andrade para o governo de Minas, a quem veio suceder pela ausência de seu irmão, quando passou ao sul. RAPM, Belo Horizonte, vol. IV, pp. 727-735, 1899. Trechos extraídos à página 733. 19 APM, SC 11, fls. 47-47v. “Para a Câmara de Pitangui”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718.

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qualidade” dos mesmos. Neste aspecto, o grande porta-voz de tal versão seria mais uma

vez o próprio D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar. Segundo ele, os habitantes de

Pitangui eram, em sua maioria, compostos por homens “bárbaros” e “feros”, mais

próximos aos animais do que da natureza humana. Em suma, um bando de criminosos

que somente a força das armas poderia domar, já que o apelo à razão no trato com tais

“onças” mostrava-se, de acordo com a experiência vivenciada até ali, totalmente inútil.20

Conforme já foi salientado, situada em uma região relativamente distante dos

centros tradicionais de ocupação da Capitania e povoada por grupos de sertanistas

oriundos de São Paulo e “Serra Acima”, alguns inclusive com notável participação na

chamada “Guerra dos Emboabas”, de fato, desde seus primórdios Pitangui tornou-se um

pólo de poder privado. O principal atrativo da região eram os depósitos auríferos ali

revelados por volta do ano de 1709 e que alguns acreditavam renderiam fabulosas

riquezas. No entanto, uma vez ocupada a área, parte de seus moradores adotou uma

postura de isolamento da região e de enfrentamento direto com as autoridades

metropolitanas sediadas nas Minas, situação que compreenderia praticamente todo o

período que vai de 1709 a 1720, não obstante tenham ocorrido momentos de maior ou

menor recrudescimento das tensões.

À margem do discurso oficial coevo, porém, ao nos depararmos com esse

contexto de conflitos latentes na região, algumas questões se colocaram. O discurso das

autoridades captado pela leitura de parte da documentação administrativa da Capitania

relativa ao tema, com sua constante reiteração de uma imagem altamente detratora dos

20 É o que se depreende da fala de Assumar em diferentes oportunidades, como no trecho destacado a seguir, retirado de uma carta por ele escrita e endereçada a Bernardo Pereira de Gusmão, Ouvidor Geral do Rio das Velhas: “como naquela vila não há ordem a que obedeça sem réplica, a tem feito hábito das muitas sublevações pelos mais leves casos, suposto que até agora usei com eles de toda a moderação, para ver se com esta, com a brandura podia domar aquelas feras, mostra a experiência que isto para eles não vale coisa alguma, é necessário agora procurar o do rigor (...)”. APM, SC 11, fls. 48v-49. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718.

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habitantes de Pitangui, inquietou-nos.21 De fato, os eventos ocorridos em Pitangui nos

anos acima referidos em muito extrapolavam a lógica “respeitosa” e “polida” que, por

suposto, deveria reger as relações entre os colonos e o Rei de Portugal, este último

representado nas Minas por seus oficiais e agentes nomeados, tendo por ápice o

governador da Capitania. Como poucas vezes se viu até então em terras coloniais,

diversas prerrogativas régias chegaram a ser frontalmente questionadas em Pitangui no

período recortado, sobretudo no que se refere ao pagamento dos quintos e à

“intervenção de autoridades externas” na localidade.

Nesse ponto em específico, cabe destacar que, conforme recentes estudos têm

demonstrado, grande parte dos motins e sublevações ocorridos na segunda metade do

século XVII e mesmo nos anos iniciais dos setecentos possuía um escopo geralmente

restrito de reivindicações, embora houvesse uma noção mais ou menos bem esclarecida

e difundida entre os súditos coloniais acerca de seus “direitos” tradicionais e

costumeiros, assim como da legitimidade em defendê-los, ainda que por meios

violentos.22 Geralmente associados a questões relativas a mudanças na forma de

cobrança de impostos (ou ao aumento de taxas e/ou criação de novos tributos);

estabelecimento de contratos; problemas no abastecimento de gêneros de primeira

necessidade ou o não pagamento dos soldos dos militares, tais motins caracterizavam-

se, conseqüentemente, por seus aspectos apenas “reativos”, sendo muito comum

inclusive a utilização de lemas como “Viva o Rei e Morte ao Mau Governo!”, ou ainda

“Viva o Rei e morram os traidores!”. Porém, já no alvorecer do século XVIII, sobretudo 21 Neste ponto, fazemos referência mais diretamente aos primeiros vinte e um Códices da Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro, que cobrem o período enfocado por nossa pesquisa. 22 Sobre o assunto ver, dentre outros estudos, FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O Império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no Império colonial português, séculos XVII e XVIII. In: FURTADO, Júnia F. (org). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. pp. 197-254; ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos rebeldes. Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998; ANASTASIA, Carla Maria Junho & SILVA, Flávio Marcus da. Levantamentos setecentistas mineiros: violência coletiva e acomodação. In: FURTADO, J. (org). Diálogos oceânicos, p. 307-332.

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na região das Minas, algumas situações parecem ganhar novos contornos e o caso de

Pitangui se destacaria como um bom exemplo de clara contestação das prerrogativas

régias em terras americanas, embora ainda não houvesse um “projeto político”

alternativo estrategicamente orientado e arquitetado para a região, conforme veremos

mais adiante.23

Nessa medida, ao retomarmos os eventos ocorridos em Pitangui na segunda

década dos setecentos e sua evidente trajetória de conturbações sociais que muito

marcaram o início desta centúria, algumas questões ainda permaneceram sem resposta:

afinal, o que teria motivado tais homens a agirem daquela determinada maneira em

Pitangui? A trajetória de relações historicamente estabelecidas entre os homens do

Planalto de Piratininga e seus demais contemporâneos teria algo a nos dizer acerca dos

tumultos ocorridos em Pitangui já nos primeiros anos de estabelecimento da localidade?

Mais do que isto, tal postura de enfrentamento dos paulistas ali situados diante das

determinações dos governadores da Capitania poderia ser mesmo explicada

simplesmente por uma rebeldia “inata” dos mesmos, conforme supunha o discurso das

autoridades captado na leitura das fontes documentais pertinentes?

Em outras palavras, seriam mesmo os paulistas naturalmente rebeldes e

insubordinados como diziam seus opositores, ou tratava-se de uma “outra concepção e

ética política”? Enfim, seria Pitangui simplesmente o espaço da “desordem” – a

concretização final do temível espectro da “Rochela paulista”,24 uma “República”

23 Sobre o tema, ver as análises desenvolvidas por ANASTASIA, Carla Maria Junho. A lei da boa razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 28, pp. 29-38, dez. 2002. 24 Conforme afirma Rodrigo Bentes Monteiro, desde o início do século XVII a região que dera origem à cidade de São Paulo – seja “pela sua localização geográfica inexpugnável”, seja “pela fama rebelde de seus habitantes” – ganhara o epíteto de ‘a Rochela do Brasil’ ou ‘a Rochela do Sul’, “em alusão clara à cidade francesa de La Rochele”. Segundo nos explica Monteiro, essa região, situada no sudoeste da França e de maioria calvinista na segunda metade do século XVI, “ficou conhecida após ‘o cerco de La Rochele’, 1573, quando, após o massacre da noite de São Bartolomeu no reinado de Carlos IX, as tropas reais comandadas pelos duques d’Anjou e de Guise não conseguiram entrar na cidade, que passou assim a ter sua liberdade religiosa tolerada, somente submetida à monarquia católica no reinado de Luís XIII em

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independente e inexpugnável comandada por grupos de “degenerados” e “facínoras”, só

que agora em pleno coração das Minas – ou ali se buscavam constituir “ordens” de

outra natureza?

Por conseguinte e à medida que nossa pesquisa bibliográfica caminhava, ficava

cada vez mais evidente o “vazio historiográfico” acerca do tema, não obstante os

avanços nos estudos históricos atuais, sobretudo no que se refere às Minas setecentistas.

Deste modo, muito citados por diversos autores – sobretudo no que se refere aos

acontecimentos que tiveram lugar entre os anos de 1717 e 1720 – os chamados “motins

de Pitangui” permaneciam ainda pouco estudados, salvo as raras exceções. Do mesmo

modo e a despeito da prevalência de algumas obras mais antigas sobre o tema, mesmo

nos estudos mais recentes o que se observa são apenas referências esparsas nas quais

Pitangui ainda não assumira o foco central das análises.25

Nessa medida, pesquisadores que ao longo do tempo se debruçavam sobre as

fontes documentais e acervos relativos ao passado colonial mineiro, sobretudo no que se

refere aos anos iniciais de estabelecimento do aparato administrativo metropolitano nas

Minas, vez ou outra se depararam com indícios de tal trajetória insurgente de Pitangui.

1628, em pleno processo de afirmação do Estado absolutista francês”. Por conseguinte, cercada por densas florestas e montanhas e tida como um local inacessível onde a ordem vigente era impossível devido ao próprio caráter insubordinado de seus habitantes, assim tal analogia foi sendo construída entre a região do Planalto de Piratininga e sua “similar” francesa, principalmente pelos padres jesuítas espanhóis engalfinhados com os paulistas no que se refere às lutas contra a escravização indígena. Cf. MONTEIRO, Rodrigo Bentes. O Rei no espelho. A monarquia portuguesa e a colonização da América 1640-1720. São Paulo: HUCITEC, 2002. Citações à página 60. Tal tema é também abordado por Laura de Mello e Souza e Adriana Romeiro, em, respectivamente, SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006; e ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas – idéias, práticas e imaginário político no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008. 25 Dentre as obras mais antigas que se referem mais detidamente a Pitangui, cito os escritos de Sílvio Gabriel Diniz: Pesquisando a história de Pitangui. Belo Horizonte, 1965; Capítulos da história de Pitangui. Belo Horizonte: Edição do Autor, 1966; além dos livros A história de Pitangui. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1972, de Vicente Soares e Ocorrências em Pitangui (1713-1721). História da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. São Paulo: Imprensa Oficial, 1931, de Theophilo Feu de Carvalho. Análises mais recentes sobre a região podem ser encontradas em ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos rebeldes. Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998 e em CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros – de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado – 1693 a 1737. Tese de doutorado, Departamento de História, FFLCH-USP, 2002.

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No entanto, verdade seja dita, tais pesquisas documentais não se fizeram acompanhar de

uma produção historiográfica “satisfatória” acerca da trajetória política e social da

região e nem de entusiastas interessados em dar contribuições mais significativas nesse

campo de investigação.

II

Apesar do pouco que se escreveu acerca da história de Pitangui, alguns estudos,

contudo, merecem uma atenção especial, seja porque se tornaram referência obrigatória

aos estudiosos das Minas do século XVIII, seja pelo próprio trabalho teórico-

metodológico adotado por seus autores no trato com as fontes documentais pertinentes.

Como não poderia deixar de ser, nestas análises partiremos da obra de Diogo de

Vasconcelos, História antiga das Minas Gerais, por muitos considerado o livro

inaugural da historiografia mineira. Publicado pela primeira vez em 1901, foi Francisco

Iglésias quem o designou inclusive como “uma tentativa pioneira de estudo de conjunto

dos primeiros anos das Minas”, com seu autor valendo-se do que “andava disperso em

livros, crônicas ou memórias e nas tradições populares”.26

De família ilustre – era bisneto por parte de pai do Dr. Diogo Pereira Ribeiro de

Vasconcelos e de José Joaquim da Rocha pelo lado materno – Diogo de Vasconcelos

bacharelou-se em Direito. Em suma, não era historiador de profissão e nem possuía

formação para tal, fato, aliás, muito comum entre os autores de sua época. De uma

riqueza inestimável, História antiga das Minas Gerais recebeu e ainda recebe inúmeras

críticas, embora esteja longe de ser superada, como sugere a sua larga utilização como

obra de referência em diversos trabalhos acadêmicos. Apesar de fundamentada em

extensa pesquisa realizada inclusive em diversos Arquivos e fundos documentais

diferentes, a principal restrição recebida pela obra ao longo do tempo referia-se ao fato

26 Cf. VASCONCELOS, Diogo de. História antiga das Minas Gerais. Prefácio de Francisco Iglésias. 3ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. v. 01. Citações presentes à página 12.

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de não “comprovar aquilo que afirmava”, pois – como era costume na época – Diogo de

Vasconcelos não citava as fontes que utilizava.

Nessa medida, sua obra ganhou adjetivos pouco decorosos como a de

“impressionista”, “romântica”, cujo estilo narrativo do autor abeirava-a da ficção, fruto

de uma mente inventiva e fantasiosa. Contudo, conforme ressalta Adriana Romeiro e

Marco Antônio Silveira, se algumas de suas afirmações prescindem de rigorosa

avaliação crítica – como qualquer obra de recobrado valor historiográfico – é em

consonância com a época em que foi escrito que o livro de Vasconcelos deve ser lido e

interpretado.27

Apesar de se mostrar um apaixonado pela temática das revoltas populares e das

lutas entre os súditos coloniais e os agentes metropolitanos nos primórdios das Minas,

Diogo de Vasconcelos dedicou, no entanto, poucas páginas de sua volumosa obra aos

eventos ocorridos em Pitangui. De fato, neste seu empreendimento suas atenções

estiveram excessivamente voltadas para eventos considerados “basilares” da história

mineira, como “a Guerra dos Emboabas” e “a Revolta de Vila Rica”, temas que, por sua

vez, conheceriam duradoura fortuna nos escritos dos historiadores que lhe sucederam.

Nessa medida, diversos movimentos de sedição que ocorreram concomitantemente a

essa época – com lutas e reivindicações tão ou mais graves que as acima citadas, como

em Pitangui, Catas Altas e Barra do Rio das Velhas – foram praticamente relegados a

segundo plano.28

Deste modo, fazendo apenas breves considerações acerca dos motins ocorridos

em Pitangui a partir do final da década de 1710, afirma Vasconcelos que o estopim para 27 Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 16-19 e SILVEIRA, Marco Antônio. A historiografia da fundação: breves considerações sobre a história da formação das Minas Gerais. Cronos: Revista de História, Pedro Leopoldo, n. 09, pp. 100-112, dez. de 2005. 28 De fato, Vasconcelos pode ser considerado o primeiro historiador de destaque das revoltas ocorridas em solo mineiro, ao passo que a segunda obra relevante em sua produção, História média de Minas Gerais, é praticamente toda dedicada à análise das sedições ocorridas no sertão do São Francisco no ano de 1736. Cf. VASCONCELOS, Diogo de. História média de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.

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a deflagração dos desentendimentos entre os moradores da região e as autoridades

coloniais decorreu da proposta da Câmara em fixar um contrato para reger o comércio

de aguardente da Vila, no que não consentiu o povo. Segundo suas palavras, “em

janeiro daquele mesmo ano de 1720, o mais atormentado que ainda houve nas Minas,

um outro motim de graves proporções rebentou na Vila do Pitangui. Ali estando no

juizado da Vila o Brigadeiro João Lobo de Macedo quis pôr em estanco, ou em contrato

o comércio da aguardente de cana, e por isso levantou-se o povo em motim sob o

comando de Domingos Rodrigues do Prado, paulista poderoso e caudilho terrível”.29

Apesar de não citar suas fontes, é perceptível que Vasconcelos se valeu nesse ponto dos

escritos de José Joaquim da Rocha.30

De fato, o estabelecimento de um estanco para reger o comércio de aguardente

de cana da região havia sido proposto em outubro de 1719 pelos próprios camaristas da

Vila, sob a alegação de que os rendimentos de tal contrato serviriam para a construção

de uma nova Casa de Câmara; uma igreja e uma casa para eventuais visitas dos

governadores da Capitania à Vila.31 Tal proposta, no entanto, não chegou a ser

concretizada, dada a resistência dos moradores locais frente a esse tipo de monopólio

comercial.32 Conforme se discutirá mais à frente, contudo, essa interpretação dada por

Diogo de Vasconcelos para explicar as sublevações de Pitangui de 1720 peca pelo

29 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 170, v. 02. 30 ROCHA, José Joaquim da. Geografia histórica da capitania de Minas Gerais: descrição geográfica, topográfica, histórica e política da capitania de Minas Gerais. Memória histórica da capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1995. Estudo crítico de Maria Efigênia Lage de Resende. p. 138. 31 APM, SC 11, fls. 157-159v. “Para o Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 23 de outubro de 1719. 32 Na verdade, esta era a segunda vez que o Senado da Câmara da Vila propunha a celebração de tal contrato. Por outro lado, é interessante considerar que historicamente os habitantes do Planalto de Piratininga possuíam uma completa aversão à celebração de monopólios comerciais, identificando tal prática aos reinóis, tidos como aproveitadores que se enriqueciam a expensas da pobreza e miséria dos demais colonos. Sobre este aspecto, afirma ainda Adriana Romeiro que tal situação ensejou inclusive uma tradição política de insurgência contra atravessadores, contratadores e açambarcadores na Vila de São Paulo durante todo o século XVII, tradição esta com características bastante semelhantes aos motins de fome do Antigo Regime ocorridos na Europa à época. A esse respeito ver ROMEIRO. Paulistas e Emboabas no coração das Minas, p. 145 e ss.

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excesso de simplificação, uma vez que apenas um dos fatores – a efetivação do

monopólio comercial sobre a aguardente de cana da Vila – entre os que deflagraram o

motim, é, isoladamente, alçado à categoria de “causa” dos tumultos ocorridos na região

à época. Do mesmo modo, vale mais uma vez reforçar que as contendas envolvendo os

moradores de Pitangui e as autoridades sediadas nas Minas em muito antecediam a esse

episódio, remontando aos primeiros tempos de ocupação da região.

De qualquer forma, embora não tenha se debruçado de forma mais detida sobre

o tema e nem ensejado reflexões mais aprofundadas sobre a própria natureza dos

eventos ali ocorridos, sabia Vasconcelos que a animosidade dos moradores de Pitangui

frente às determinações das autoridades régias guardava suas especificidades, possuindo

inclusive intrínsecas relações com o próprio desfecho dado ao levante dos Emboabas em

1709. Segundo ele, e tendo por base as próprias palavras do governador D. Brás

Baltazar da Silveira dirigidas ao Rei em carta de primeiro de setembro de 1713, os

paulistas estabelecidos em Pitangui, “lembrados, porém, do que haviam sofrido [no

episódio de luta contra os forasteiros], publicaram bandos proibindo aos reinóis

entrarem nos seus recentes descobertos”. D. Brás Baltazar, “receando conflitos”, anos

antes pedira inclusive ajuda aos principais de São Paulo “a efeito de sossegar aquela

gente”; “os de Pitangui, porém, surdos a conselhos e advertências, proibiram que lá

penetrassem mesmo as justiças de Sua Majestade”.33

Ao final da década de 1920, Teófilo Feu de Carvalho, por sua vez, lançaria um

estudo que durante os anos subseqüentes tornar-se-ia referência acerca da história dos

primeiros tempos de povoamento de Pitangui, sobretudo para os historiadores de sua

33 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais. Citações à página 129, v. 02. APM, SC 04, fls. 170-170v. “Carta do governador D. Brás Baltazar da Silveira ao rei de Portugal”. São Paulo, primeiro de setembro de 1713.

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época. Intitulado Ocorrências em Pitangui,34 tal trabalho foi inicialmente publicado nos

Anais do Museu Paulista em 1929, recebendo a tiragem de livro dois anos depois.

Assim como José Pedro Xavier da Veiga, Feu de Carvalho foi um dos primeiros

diretores do Arquivo Público Mineiro, adquirindo, portanto, um extenso conhecimento

acerca da documentação que compunham seus acervos. É dele, aliás, a autoria de grande

parte dos índices dos primeiros livros da Seção Colonial deste arquivo, à época

denominada Secretaria de Governo (SG).

Como um autor em diálogo com as questões de seu tempo, sua concepção de

história alinhava-se à busca da “prova empírica”, ao passo que a “verdade dos fatos” só

poderia ser alcançada através dos documentos. Conseqüentemente, observa-se que seu

estudo sobre Pitangui apoiou-se excessivamente no “discurso” presente nas fontes por

ele selecionadas, em contraposição ao pouco espaço dado à análise das mesmas. Ora

transcrevendo extensas passagens dos documentos, ora simplesmente parafraseando-os,

Feu de Carvalho, por conseguinte, compôs seu trabalho seguindo a ordem cronológica

dos acontecimentos sugeridos pelas fontes, atendo-se aos fatos “mais significativos”

ocorridos em Pitangui entre os anos de 1713 e 1721.

Dessa forma e de acordo com sua interpretação, teriam ocorrido três motins em

Pitangui no período: “um no seu descobrimento, impedindo a entrada de reinóis e das

justiças; outro impondo a pena de morte a quem pagasse os quintos, sendo ferido

Jerônimo Pedroso e morto seu irmão Valentim Pedroso, e o terceiro com a expulsão de

João Lobo de Macedo, impedindo que o Ouvidor tomasse conhecimento do delito”.35

Ponto curioso é que, assim como Diogo de Vasconcelos, Feu de Carvalho também

percebia certas “afinidades” entre os acontecimentos ocorridos em Pitangui e a própria

“história de São Paulo”, sobretudo no que se refere aos litígios antecedentes envolvendo 34 CARVALHO, Teófilo Feu de. Ocorrências em Pitangui (1713-1721). História da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. São Paulo: Imprensa Oficial, 1931. 35 CARVALHO. Ocorrências em Pitangui (1713-1721), p. 36.

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paulistas e forasteiros.36 Contudo, tais aspectos também não foram suficientemente

explorados pelo autor e as sublevações ocorridas em Pitangui acabaram sendo

enquadradas como fenômenos isolados no tempo e no espaço, resultado de conflitos e

contendas que se esboçavam – mas também se esgotavam – apenas no âmbito local.

Nessa perspectiva, as “causas” dos motins de Pitangui foram facilmente

identificadas por Feu de Carvalho: disputas pelas catas auríferas num primeiro momento

de ocupação dos novos descobertos; resistência ao pagamento dos quintos “devido ao

rápido malogro da exploração das minas da região” e, finalmente, a recusa dos

moradores em acatar as medidas então propostas por João Lobo de Macedo, autoridade

reinol enviada à Vila por Assumar para aplacar os ânimos locais. Da mesma forma que

para Diogo de Vasconcelos, em nenhum momento a tradição política insurgente da

gente do Planalto acumulada em décadas de negociações e disputas com os agentes

metropolitanos foi levada em consideração por Feu de Carvalho, assim como as

próprias regularidades na ação desses homens expressa em outros contextos

semelhantes.

Assim, do que se depreende deste estudo de Feu de Carvalho é que, em linhas

gerais, a razão última para a deflagração dos conflitos em Pitangui envolvendo os

moradores da Vila e os agentes régios nas Minas decorreu do próprio fracasso do

rendimento dos descobertos de ouro da região, aliado ao natural “espírito

insubordinado” dos paulistas; opiniões estas, aliás, largamente encontradas na

documentação oficial relativa ao tema consultada pelo autor.37

36 CARVALHO. Ocorrências em Pitangui (1713-1721), p. 03. 37 De acordo com as próprias palavras do autor, no contexto de repartição das trinta arrobas de ouro entre os moradores da Capitania referentes aos quintos reais ao final do ano de 1715, “tocara a Pitangui pagar três arrobas, mas devido ao fracasso da mineração ali, o povo não pode pagá-las e aos poucos foi abandonando aquele distrito (...)”; “por esse motivo, é que aquele pagamento não se efetuou, ficando reduzido a uma arroba de ouro”. Cf. CARVALHO. Ocorrências em Pitangui (1713-1721), p. 32-33.

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Anos mais tarde, mais precisamente em 1965, Sílvio Gabriel Diniz lançaria sua

obra intitulada Pesquisando a História de Pitangui, em edição comemorativa do 250º

aniversário de criação da municipalidade. Membro do Instituto Histórico e Geográfico

de Minas Gerais, Gabriel Diniz foi um dos poucos historiadores de sua geração a se

dedicar a pesquisas relativas ao tema, muito inspirado inclusive pela própria obra de

Teófilo Feu de Carvalho acima analisada.38 Mesmo apresentando pretensões mais

alargadas – a sua intenção era a de abarcar a história de Pitangui do século XVIII ao

XIX – percebe-se, contudo, que suas atenções estiveram mais voltadas para os anos

iniciais de povoamento da região, não por acaso o período de maior turbulência da Vila

e também o mais bem documentado.

As fontes pesquisadas por Gabriel Diniz, assim como o tratamento metodológico

dado às mesmas, não diferiram muito da abordagem apresentada por Teófilo Feu de

Carvalho, ao passo que, por apresentar um marco temporal muito abrangente,

descontinuidades e lacunas intransponíveis surgiram, reflexo da própria exigüidade das

fontes documentais disponíveis. Assim, o mesmo padrão de produção historiográfica

corrente à época se repetiu em sua obra: busca da “verdade” dos fatos através da

“comprovação empírica”, descrição e narração dos grandes feitos dos personagens

principais, transcrição de extensas passagens dos documentos e pouco espaço dado à

análise crítica dos mesmos.

Da mesma forma que para Feu de Carvalho, Gabriel Diniz também era da

opinião de que os primeiros anos de ocupação da região mineradora de Pitangui haviam

sido de extrema violência e conflitos. Segundo ele, tais eventos resultaram de vários

fatores como o descontentamento dos paulistas com a posição adotada pelas autoridades

38 Além do livro Pesquisando a História de Pitangui. Belo Horizonte, 1965, são também de sua autoria Capítulos da História de Pitangui. Belo Horizonte: Edição do Autor, 1966; Aspectos da Economia Colonial da Vila de Pitangui. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. IX, 1962. pp. 97-130 e Pitangui, a sétima Vila das “Minas do Ouro”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. XII, 1955, pp. 119-133.

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das Minas ao término do conflito dos emboabas, assim como pelo fracasso da

exploração aurífera da região.39 Neste aspecto e ainda que veladamente, observa-se que

o autor assume inclusive uma postura favorável à “causa” dos paulistas situados em

Pitangui, uma vez que a reação violenta dos mesmos era explicada pela própria “miséria

da região”, ao passo que as medidas tributárias adotadas pela Coroa, sobretudo no

período de governança de Assumar, tornavam-se cada vez mais extorsivas e

escorchantes.

Segundo suas palavras, “confirmada fica a notícia de que, no primeiro decênio

de seu descobrimento, as minas de Pitangui não deram a ‘grandeza’ que se supunha. Por

isso houve discórdias, motins, lutas armadas, derramamento de sangue e mortes”.40

Curiosamente, contudo, mais à frente o autor não deixaria de se contradizer,

demonstrando as dificuldades por ele enfrentadas no enquadramento dos eventos ali

ocorridos no período referido: “não só por motivo da miséria do país, mas, sobretudo

por causa do espírito revoltoso, eles [os paulistas] negavam cumprir as obrigações de

vassalos. Era a Vila, por isso mesmo, amotinada”.41 De qualquer forma, mais uma vez o

mesmo padrão explicativo se repetia: paulistas como signos da rebeldia situados em

uma região de baixa produção aurífera; carga tributária excessiva e cada vez mais

intolerável, o que por sua vez geravam descontentamentos e desordens.

Longos anos se passaram e a temática caiu em verdadeiro esquecimento. De

fato, somente a partir do final da década de 80 e início dos anos 90 o tema das revoltas

coloniais – sejam os motins, sejam os movimentos de maior envergadura, como as

“inconfidências” – ganhou novo fôlego, sobretudo com o impulso revisionista de nossa

historiografia. Dessa forma e superando antigas concepções, como a do “conceito de

39 Sobre este aspecto, afirma Diniz que “vinha o governador Dom Brás Baltasar da Silveira manobrando os paulistas com tato e habilidade, pois sentia sangrar neles a ferida proveniente da luta contra os emboabas”. Cf. DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 128. 40 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 20. 41 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 131.

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nativismo” para explicar a eclosão dos movimentos sediciosos tanto na América

portuguesa quanto no Império colonial luso como um todo, diversos autores se

depararam com a necessidade de redimensionarem as análises até então vigentes acerca

do universo da violência coletiva em contextos políticos de Antigo Regime.42

Nessa medida, aspectos antes negligenciados, como a própria ritualística dos

movimentos de revolta; a noção de “direitos costumeiros”, nomeadamente difundida

entre os súditos; as similitudes e dissonâncias entre diversos motins espalhados no

tempo e no espaço, tanto na Europa quanto no mundo colonial; assim como o campo

mais íntimo do imaginário e das práticas políticas a orientar e influir – ainda que de

forma subjacente – os comportamentos, assumiram posição de destaque nas pesquisas

de diversos autores.43

Por conseguinte e no que se refere às Minas setecentistas em específico, o que se

viu foi o início de um intenso movimento de produção historiográfica em que antigas

balizas não eram mais o fundamento das abordagens, sobretudo aquelas que teimavam

em dissociar “motins” e “inconfidências”, como se as idéias “ilustradas” eminentemente

européias simplesmente tivessem aportado na América e “conscientizado” corações e

mentes acerca da exploração colonial na qual os súditos estavam inseridos. Ao

contrário, recentes estudos apontaram justamente as continuidades entre os motins e as

inconfidências, principalmente no que diz respeito ao acúmulo de experiências e à

própria construção de uma tradição política em terras coloniais segundo a qual o

42 Uma revisão acerca dos usos do conceito de nativismo pela historiografia é encontrada em SILVA, Rogério Forastieri da. Colônia e nativismo. A História como “Biografia da Nação”. São Paulo: HUCITEC, 1997, sobretudo o Capítulo III – “Sobre movimentos nativistas”, pp. 63-87. 43 Neste ponto, vale destacar a grande influência em nossa historiografia de estudos clássicos como os de George Rudé, A multidão na história: estudos dos movimentos populares na França e na Inglaterra – 1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991 e os de Edward P. Thompson, sobretudo o livro Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, além da vasta obra de António Manuel Hespanha, principalmente suas análises presentes em As vésperas do Leviathan. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.

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respeito aos direitos costumeiros da população seria imprescindível à manutenção da

paz e das boas relações entre soberanos e vassalos.44

Nessa medida, deste movimento emergiu certo consenso na historiografia acerca

da existência de uma “cultura política” bastante específica no mundo luso-brasileiro

setecentista, cultura esta pautada principalmente nas concepções corporativas de poder

advindas da Segunda Escolástica.45 Bem entendida, tal tradição político-filosófica

considerava o Estado como fruto de um pacto social tacitamente estabelecido – às vezes

nem tanto – entre o soberano e o povo: o dever principal do soberano seria a defesa do

“bem comum” e o respeito aos direitos naturais e costumeiros de seus vassalos; caso

contrário, poderia ser considerado tirânico e a rebelião seria legítima. Nesse sentido e

não por acaso, em diversas oportunidades a prática governativa luso-brasileira se

coadunava à contemporização de conflitos, não obstante as demonstrações exemplares

do poder repressivo das instituições oficiais.46

Como aponta Luiz Carlos Villalta, dentre outros autores, tais concepções

derivaram em parte da reinterpretação das teorias de São Tomás de Aquino, assim como

do estudo dos escritos políticos de Aristóteles que muito influenciaram os colégios

jesuítas e a própria Universidade de Coimbra em Portugal, à época em clara luta contra

o avanço do luteranismo e das concepções políticas de Maquiavel. Segundo Villalta,

para São Tomás de Aquino, seria Deus a fonte do direito e do Estado: quando o

soberano violava os direitos naturais de seus vassalos, estaria também violando um

44 Sobre este aspecto, ver, dentre outros estudos ANASTASIA. Vassalos rebeldes, sobretudo a Introdução – “Um mundo às avessas em um tempo europeu?”, pp. 9-29 e FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Práticas políticas e idéias ilustradas na América portuguesa (Quando os motins tornam-se inconfidências – 1640-1817). In.: 10th International Congress on the Enlightenment, Dublin, July 25-31, 1999, Session “At the margins of enlightenment : Brazil and Portugal during the second half of the 18 th and early 19 th century”. 45 Segundo Jorge Borges de Macedo, as concepções corporativas de poder predominaram desde o século XVII no mundo ibérico, constituindo-se como as premissas do pensamento político luso-brasileiro e hispano-americano. Cf. MACEDO, Jorge Borges de. Formas e premissas do pensamento luso-brasileiro do século XVIII. Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1 (1): 74-84, 1981. 46 Ver, sobretudo, MONTEIRO. O rei no espelho, 2002.

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direito divino, incitando, portanto, a sua deposição. Assim, a política seria vista como

indissociável da moral cristã e do direito natural.47

Rodrigo Bentes Monteiro, por sua vez, acrescenta ainda que a própria

Restauração Portuguesa sob a dinastia dos Bragança em 1640 buscou na “tirania

espanhola” a sua principal justificativa, sobretudo quando o pacto que resguardava os

direitos e privilégios lusitanos selado em Tomar deixou de ser respeitado pelos

castelhanos. Por conseguinte, os ideais de luta contra a “tirania” e o “mau governo”

passaram a orientar grande parte dos movimentos de insubordinação dos colonos ao

final do século XVII e início do XVIII, dando forma a uma tradição política que seria a

base para movimentos mais radicais na América, como as inconfidências.48

Como não poderia deixar de ser, as Minas do século XVIII tornaram-se um

campo privilegiado para tais abordagens, dado o grande número de revoltas e

sublevações ocorridas na região durante toda esta centúria. Desta maneira e não

obstante as discordâncias existentes entre os estudiosos, não raro de tais pesquisas

emergiu um universo marcado pela violência e pelo desregramento, no qual a

imprevisibilidade da ordem social foi a tônica de todo o período.49

No entanto, mesmo com a retomada dos estudos acerca das revoltas coloniais em

terras mineiras, alguns casos – como o da Vila de Pitangui – ainda permaneceram pouco

explorados por parte dos pesquisadores, sendo raras as exceções. Dentre tais exceções,

contudo, vale destacar os estudos de Carla Anastasia, sobretudo as análises presentes

47 VILLALTA, Luiz Carlos. El-Rei, os vassalos e os impostos: concepção corporativa de poder e método tópico num parecer do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, p. 222-236, jul. 1999. 48 MONTEIRO. O rei no espelho, p. 261. passim. 49 Dentre estes trabalhos, vale destacar SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro – a pobreza mineira no século XVIII. 4ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2004; ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos Rebeldes. Violência Coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998; ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005; e SILVA, Célia Nonata da. Territórios de mando: banditismo em Minas Gerais, século XVIII. Belo Horizonte: Crisálida, 2007.

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em sua obra Vassalos rebeldes, sem dúvida alguma ainda hoje uma das maiores

referências historiográficas acerca do tema.50

Segundo o esquema de análise proposto por Anastasia na obra acima referida, as

revoltas da primeira metade do século XVIII em Minas poderiam ser divididas em dois

conjuntos principais: aquelas que ocorreram dentro das regras tacitamente estabelecidas

para arbitrar o “jogo colonial”, ou seja, os motins de caráter apenas reativo, e aquelas

que chegaram a contestar a soberania portuguesa, sem, no entanto, serem dotadas de um

projeto político autônomo para a agenda pública, caracterizando, conforme defende, os

chamados “contextos de soberania fragmentada”.51

Nessa perspectiva, para Anastasia os motins de 1717-1720 em Pitangui

representariam um típico caso de “soberania fragmentada”, uma vez que os potentados

da região de alguma forma acumularam recursos de poder suficientes para afrontar com

relativa eficácia a ordem instituída, “fragmentando”, por conseguinte, a soberania

portuguesa sobre a área. Assim e de acordo com suas próprias palavras, os motins de

Pitangui teriam se diferenciado “dos levantes contra o estabelecimento de contratos,

distribuição de terras, carência de alimentos e questões eminentemente fiscais. Na

medida em que a própria cobrança do tributo foi posta em xeque, dificilmente estes

levantes poderiam ser aproximados daqueles que apresentaram comportamentos dos

atores claramente definidos dentro das regras do jogo colonial”.52

Contudo e apesar da originalidade e rigor de suas análises, é perceptível que

Carla Anastasia focou seu estudo apenas no desencadear dos fatos mais significativos

em Pitangui – da eclosão das contendas no ano de 1717 à pacificação da área em 1720 –

sem dar a devida atenção aos antecedentes de conflitos entre paulistas, forasteiros e

Coroa; antecedentes estes que, conforme defendemos, seriam fundamentais para se 50 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, 1998. 51 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 23-24. 52 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 89.

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compreender a própria natureza dos acontecimentos nessa região no período recortado.

Da mesma forma, sua interpretação acerca dos fatos ali ocorridos parece também estar

demasiadamente influenciada pelo “discurso” das autoridades presente na

documentação oficial relativa ao tema, emergindo daí uma visão segundo a qual

Pitangui seria uma terra “sem lei”, povoada por “gente intratável”,53 quase sinônimo de

“paulista” à época segundo determinado acervo de representações.

De qualquer modo, tal situação parece-nos bastante compreensível, pois um dos

objetivos centrais de Carla Anastasia neste seu trabalho era justamente demonstrar as

dificuldades enfrentadas pela Coroa portuguesa para se fazer valer, ainda que

minimamente, nas regiões mais distantes dos centros tradicionais de poder

metropolitano na Capitania. Porém, conforme veremos mais adiante, as interpretações

que vêem os paulistas como “insubordinados por natureza” merecem ser matizadas e

problematizadas, pois tal imagem – não fortuitamente – foi gestada

contemporaneamente aos primeiros conflitos envolvendo os homens do Planalto,

agentes metropolitanos e os demais colonos; conflitos estes, inclusive, que remontam ao

século XVII. Posteriormente e sobretudo após o levante dos emboabas, tal

representação detratora dos paulistas seria apropriada pelas autoridades régias, fazendo

parte de uma verdadeira “guerra discursiva”54 com cada grupo em litígio buscando

legitimar suas ações.55

Curiosamente, Luciano Figueiredo e Laura de Mello e Souza, ao tangenciarem

rapidamente o tema em suas análises, apontaram para uma possível aproximação entre

53 Aqui fazemos referência direta ao título dado por Anastasia ao seu capítulo sobre as sublevações de Pitangui – “Gente intratável”: os motins de Pitangui – provavelmente influenciado pela opinião de D. Pedro de Almeida que considerava a região “a mais rebelde e renitente” de todas as Minas. Cf. ANASTASIA. Vassalos rebeldes, pp. 87-98. 54 FURTADO, Júnia Ferreira. As índias do conhecimento ou a geografia imaginária da conquista do ouro. Anais de História de Além-mar, Lisboa, vol.4, p.155-212, 2003. Nesse artigo, Júnia Furtado analisa a formação de uma imagem edênica das Minas de natureza emboaba, altamente detratora dos paulistas. 55 Excelente revisão acerca da chamada “Guerra dos Emboabas” é encontrada em ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008.

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tais sublevações em Pitangui e a Revolta de Vila Rica ocorrida em 1720. Segundo

Figueiredo, a partir de fevereiro de 1719 teria havido uma primeira ofensiva de peso da

administração metropolitana nas Minas, quando se anunciou o projeto de instalação de

uma Casa de Fundição e Moeda na Capitania. Conseqüentemente, conforme afirma,

“em Pitangui as instâncias judiciárias – como o juiz ordinário – e militares – como o

capitão-mor – [foram] atacadas por grupos liderados por Domingos Rodrigues do Prado

‘costumado a seduzir os povos para não pagarem o quinto’. O levante se espalh[ou]

mais tarde para Ouro Podre em Vila Rica, onde ‘se confedera[ra]m alguns homens

livres’ invadindo a Casa do Ouvidor”.56

Laura de Mello e Souza, por sua vez, relatando o clima de tensão social nas

Minas à época da lei de implantação das Casas de Fundição na Capitania destaca que

“previam-se descontentamentos e em 1719 a situação se agravou bastante na Vila de

Nossa Senhora da Piedade do Pitangui, onde, sob o comando de Domingos Rodrigues

do Prado, os poderosos se opuseram vivamente ao pagamento de tributos”. Mais à

frente, conclui ainda que “Pitangui foi um ensaio da ocorrência mais grave de 1720 em

Vila Rica”.57

Conjuntamente com Carla Anastasia, refutamos tal tese, acreditando que as

movimentações em Pitangui guardam especificidades próprias, mesmo porque são bem

anteriores à referida ordem de fevereiro de 1719 que anunciou a implantação das Casas

de Fundição nas Minas.58 É bastante provável que o desencadear das medidas tomadas

pelo então governador D. Pedro de Almeida no sentido de aumentar a arrecadação dos

impostos e desarticular as redes privadas de poder há muito enraizadas na região tenha

56 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Tributação, sociedade e administração fazendária em Minas Gerais no século XVIII. IX Anuário do Museu da Inconfidência. Ouro Preto, p. 96-110, 1993. Citação à página 107. 57 SOUZA, Laura de Mello e & BICALHO, Maria Fernanda Baptista. 1680-1720: o império deste mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 78-79. Citações nas páginas 78 e 79, respectivamente. 58 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 87. Ver nota 186.

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refletido no clima de descontentamento geral da população da Capitania. Entretanto, a

documentação consultada não permite fazermos maiores aproximações entre os motins

de Pitangui e a Revolta de Vila Rica – ainda que estas tenham ocorrido em períodos

muito próximos – mesmo por que nesses dois eventos estavam envolvidos grupos de

potentados bastante diferentes e mesmo antagônicos entre si.59 Por outro lado, quando

da eclosão dos eventos mais graves em Vila Rica , o que se deu ao final de junho de

1720, a região de Pitangui já estava ocupada e relativamente pacificada pelos militares e

magistrados fiéis ao governador.

Em recente e vasto estudo acerca do processo de estabelecimento do aparato

administrativo nas Minas em seus primeiros anos de povoamento, Maria Verônica

Campos retomou o caso da Vila de Pitangui.60 Entre outros aspectos, tal autora nos

chama a atenção não apenas para os graves conflitos ali ocorridos na segunda década

dos setecentos, mas também para a linha de continuidade entre os eventos ocorridos em

Pitangui e as contendas envolvendo paulistas e forasteiros; contendas estas inclusive já

presentes de forma clara no contexto do levante dos emboabas. Dessa forma, embora

também não se aprofunde muito na temática em suas análises, Maria Verônica Campos

se recusou a abordar o caso de Pitangui de forma isolada, ao passo que também refutou

as explicações meramente “funcionalistas” e “mecanicistas” para justificar as sedições

ali ocorridas; explicações estas presentes em boa parte da documentação disponível,

assim como nas obras de Diogo de Vasconcelos, Teófilo Feu de Carvalho e Sílvio

Gabriel Diniz anteriormente analisadas.

59 A esse respeito, Adriana Romeiro é contundente ao afirmar que a Revolta de Vila Rica foi liderada majoritariamente por antigos emboabas e que por ocasião dessa sublevação, alguns paulistas, “temerosos de um novo governo ilegítimo, aliaram-se ao Conde e não mediram esforços para malograr os planos dos amotinados”. ROMEIRO, Adriana. Um visionário na corte de D. João V. Revolta e milenarismo nas Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001, p. 201. 60 CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros – de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado – 1693 a 1737. Tese de doutorado, Departamento de História, FFLCH-USP, 2002.

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Em realidade, para esta autora as razões da eclosão de grande parte dos motins

nas Minas da primeira metade dos setecentos eram, em última instância, os choques

entre pólos de poder concorrentes.61 Nesse sentido e tomando por base as análises

segundo as quais todos os motins que ocorreram na América portuguesa resultaram da

crise das “formas acomodativas”,62 parece-nos bastante claro que o desfecho tomado

pelo conflito dos emboabas trouxe um novo desequilíbrio de poder para as Minas,

situação esta que de forma alguma poderia agradar aos paulistas. Derrotados na guerra e

banidos das regiões mais ricas e dos cargos de prestígio, a esses homens não restaram

muitas opções: de seu “passado heróico” de serviços prestados, conforme alegavam,

nem mesmo a honra de bravos sertanistas permaneceria ilesa à época.

Por conseguinte, à luz destes questionamentos e tomando como referência os

eventos ocorridos em Pitangui entre os anos de 1709 e 1721, o que se propõe, em linhas

gerais, é entender as especificidades dos movimentos de confrontação da autoridade

metropolitana nessa região sob uma chave de leitura que, por seu turno, leve em

consideração o próprio universo do imaginário e das práticas políticas dos agentes neles

envolvidos.63 Nessa medida, ao invés de reiterarmos a imagem de Pitangui como “terra

de bandidos” e “sem lei” à época, interessa-nos mais buscar compreender quais foram

as idéias, valores e concepções que, ainda que de forma subjacente, deram organicidade

e legitimidade à ação desses homens.

61 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 252. passim. 62 Em sintonia com Carla Anastasia, entendemos por “formas acomodativas” a resolução temporária dos conflitos presentes na relação entre vassalos e administradores régios. Cf. ANASTASIA & SILVA. Levantamentos setecentistas mineiros: violência coletiva e acomodação. In: FURTADO, J. (org). Diálogos oceânicos, p. 307-332. 63 Em conformidade com Evaldo Cabral de Mello, dentre outros autores, utilizamos o conceito de imaginário não como uma acepção vaga, mas no sentido de “imaginário social”. Dessa forma, o imaginário é entendido não como uma superestrutura ideológica, mas como uma dimensão constitutiva e reprodutiva das próprias relações sociais. A este respeito, ver MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro veio: o imaginário da Restauração pernambucana. 3ª ed. São Paulo: Alameda, 2008 e BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi (Anthropos-Homem). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, v.5, pp. 296-332, [s.d.].

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Sobre este aspecto, cabe destacar que praticamente inexistem fontes

documentais que expressem claramente e de forma direta “a perspectiva dos

sublevados” com relação aos acontecimentos; contudo, aqui partiremos da hipótese de

que, se os povos no mais das vezes poucos registros deixaram acerca de suas idéias e

concepções sobre o mundo em que viviam, é através da análise de suas próprias formas

de ação que talvez pudéssemos identificar e reconstituir, com relativa segurança, a sua

linguagem política. Por outro lado, a recente abordagem cultural dos fenômenos sociais

e políticos tem demonstrado com bastante propriedade que não faz o menor sentido

dissociar práticas e representações, comportamentos e imaginário.64

III

Conforme já foi delineado, um dos cernes de nossa argumentação é que os

eventos ocorridos em Pitangui no período recortado não podem ser bem compreendidos

se dissociados da própria experiência política dos homens do Planalto de Piratininga,

experiência esta adquirida e acumulada numa longa tradição de negociações e conflitos

entre a gente de São Paulo e as autoridades coloniais e metropolitanas. Assim, nessa

perspectiva o caso de Pitangui não seria encarado apenas como uma página isolada, mas

como a seqüência de um enredo marcado por tensões e embates “históricos” envolvendo

os homens de São Paulo e seus demais contemporâneos, conflitos estes inclusive

orientados por concepções políticas bastante específicas. Conseqüentemente, os eventos

em Pitangui ocorridos nos anos de 1710, 1716 e 1717-1720 também não seriam vistos

como separados entre si, mas interligados pelas mesmas razões acima expostas.

Da mesma forma, e mesmo que nossos objetivos não incluam a realização de um

estudo comparativo, há também a pretensão de não apenas analisar um caso isolado,

64 Além do já citado trabalho de Adriana Romeiro, Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008, outro excelente estudo que abarca tais concepções teóricas é o de MELLO. Rubro veio: o imaginário da Restauração pernambucana, 2008.

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mas de enquadrá-lo em um contexto mais amplo, pautado por sucessivos movimentos

de revolta popular que eclodiram nas mais diversas partes do Império lusitano,

sobretudo a partir da Restauração dos Bragança em 1640. De fato, conforme foi dito, o

processo de restauração do reino lusitano frente aos castelhanos deu origem à

conformação, reinterpretação e instituição de novos ritos e atos políticos por parte dos

súditos portugueses de além-mar, constituindo a base ideológica para diversos

movimentos de sedição popular que ocorreram nos anos posteriores.65

Como marco temporal inicial, utilizado ainda que não de forma rígida,66 o ano

de 1709 remonta o desfecho do conflito dos emboabas e a possível data da fixação dos

primeiros paulistas na área, iniciando-se assim o povoamento da então incipiente região

mineradora de Pitangui. Como baliza final, o ano de 1721 remete ao período

imediatamente posterior à pacificação do mais célebre motim ali ocorrido, quando parte

dos principais potentados paulistas deixou a Vila e dirigiu-se a novas empreitadas de

descobrimento, notadamente nas regiões de Cuiabá, Mato Grosso e Goiás. Ademais, tal

data também marca o término do governo de D. Pedro de Almeida, época em que houve

a separação da Capitania de Minas da de São Paulo e uma relativa pacificação dos

conflitos anteriores. Assim, bem entendido, privilegiaremos o período de ocupação

paulista da região de Pitangui.

Da mesma maneira, nosso marco espacial estará restrito apenas à Vila de

Pitangui e seu entorno mais imediato, palco privilegiado dos conflitos por nós

abordados, ainda que referências a eventos ocorridos em outras regiões possam ser

feitas. Nesse sentido e também devido à própria carência de maiores fontes documentais 65 Dentre outros estudos, ver: FIGUEIREDO. O Império em apuros... In: FURTADO (org). Diálogos Oceânicos, pp. 197-254; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, passim; MONTEIRO. O rei no espelho, sobretudo o capítulo 2 – “Contra a Tirania” – pp. 73-106. 66 Dadas as nossas escolhas teórico-metodológicas para o tratamento do tema em questão, fica evidente que nosso marco temporal não pode ser abordado de forma rígida, uma vez que conceitos como o de imaginário, tradição e práticas políticas exigem um enquadramento na longa duração. Contudo e de acordo com as próprias limitações deste trabalho, houve a necessidade de um recorte temporal mais objetivo e preciso.

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que cubram o período recortado, não trabalharemos com o termo da vila de Pitangui

como um todo, aliás, um dos mais extensos da Capitania de Minas à época.67

Com relação às fontes documentais e ao tratamento metodológico dado às

mesmas, algumas considerações ainda merecem ser apontadas. Em realidade, a

garimpagem das fontes não se mostrou tão profícua como havíamos planejado de início.

A princípio, as maiores expectativas advinham da abertura do Arquivo Judicial da

cidade de Pitangui, arquivo que já vinha sendo organizado desde o ano de 2001 e que

guarda em seus acervos um grande volume de documentação inédita.68 Arquivo de

natureza cartorial, notadamente composto por ações cíveis, ações de alma e alguns

inventários e testamentos, tal documentação, no entanto, cobre em sua maior parte

apenas a segunda metade do século XVIII e o século XIX. Assim, nas oportunidades

que pudemos realizar pesquisas neste arquivo, não nos foi possível encontrar nenhuma

fonte que jogasse novas luzes sobre o período estudado. Do Arquivo Histórico

Ultramarino (documentação esta disponibilizada em meio digital pelo Projeto Resgate),

nada encontramos de significativo acerca da história de Pitangui, a não ser a

documentação já bastante conhecida acerca dos primeiros conflitos nas Minas

envolvendo paulistas, forasteiros e autoridades.

Nessa medida, os documentos mais elucidativos que conseguimos reunir são, em

sua maioria, as mesmas fontes utilizadas e exploradas pelos antigos historiadores de

Pitangui, sobretudo os vinte e um primeiros códices da Seção Colonial do Arquivo

Público Mineiro, documentação esta composta tanto pela correspondência oficial entre 67 De acordo com Waldemar de Almeida Barbosa, ao longo do século XVIII o termo de Pitangui constituía-se das seguintes freguesias: Onça, Abadia (Martinho Campos), Buriti da Estrada (Pompéu), Maravilhas, Saúde (Perdigão), Bom Despacho, Pequi, Patafufo (Pará de Minas), Mateus Leme, Cajuru (Carmo do Cajuru), Sant’Ana do São João Acima (Itaúna), São Gonçalo do Pará, Espírito Santo do Itapecerica (Divinópolis), Santo Antônio do São João Acima (Igaratinga), Confusão (São Gotardo), Tiros, Morada Nova de Minas, Marmelada (Abaeté) e Dores do Indaiá. Cf. BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995, p. 257. 68 O processo de organização e catalogação do acervo do Arquivo Judicial da cidade de Pitangui iniciou-se por uma equipe coordenada pelo Prof. Dr. Francisco Eduardo de Andrade. Atualmente, o arquivo está sob direção do Prof. Dr. Leandro Pena Catão (FUNEDI-UEMG, Divinópolis).

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as autoridades das Minas, quanto por alvarás, ordens, cartas patentes, cartas de

sesmarias, bandos e instruções, dentre outras. Da mesma forma, nos foi também de

grande valia as coleções de documentos impressos, sobretudo as séries Anais da

Biblioteca Nacional, Documentos Históricos e Documentos Interessantes para a

história e costumes de São Paulo, embora as referências acerca de Pitangui também não

fossem muitas. Outras fontes complementares que versavam sobre os primeiros anos de

ocupação das Minas também foram, na medida do possível, utilizadas, como as

memórias, crônicas, informações e notícias, além dos importantes e interessantes

documentos compilados no Códice Costa Matoso. Fontes cartográficas também foram

utilizadas na medida em que contribuíam para elucidar as questões propostas.69

No que se refere ao tratamento metodológico dado às fontes e de acordo com

nossas orientações teóricas até aqui discutidas, uma de nossas grandes preocupações foi

a de situar os documentos – principalmente os de natureza oficial, mas não

exclusivamente – no próprio debate político e social no qual os mesmos estavam

inseridos. Numa leitura “a contrapelo” das fontes, como geralmente se diz em História,

tal estratégia tornou-se uma necessidade imperiosa, pois recusávamos a enquadrar os

eventos ocorridos em Pitangui no período recortado sem problematizar a “ótica” das

autoridades presente nos documentos, sobretudo os de caráter oficial.

No mais, como nos ensina Roger Chartier, dentre outros, o historiador precisa

sempre abordar os vestígios do passado como representações, assim como estar atento

para as próprias práticas que constroem tais objetos ou o seu referente externo. Em suas

palavras, “o texto, literário ou documental, não pode nunca anular-se como texto, ou

seja, como um sistema construído consoante categorias, esquemas de percepção e de

69 Todas as referências das fontes utilizadas neste trabalho estão especificadas na seção intitulada “Fontes e Bibliografia” ao final do texto.

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apreciação, regras de funcionamento que remetem para as suas próprias condições de

produção”.70

Desta feita, o presente trabalho foi organizado em três capítulos. O primeiro

deles – “Paulistas no sertão das Gerais: os primeiros anos de povoamento de Pitangui” –

como o próprio título sugere, aborda os anos iniciais de estabelecimento efetivo da

localidade, assim como os primeiros conflitos ocorridos na região nos períodos de

governança de D. Antônio de Albuquerque (1709-1713) e de D. Brás Baltazar da

Silveira (1713-1717). Nessa medida, em linhas gerais o que se pretendeu demonstrar é o

quão os paulistas já conheciam o “sertão” das Minas nos primeiros anos da exploração

aurífera; como os grupos de poderes privados foram se estruturando em Pitangui e como

os conflitos e contendas envolvendo os moradores da região e as autoridades régias logo

se fizeram presentes. Nesse ponto, foi interessante observar as próprias estratégias

adotadas pelos sucessivos governadores da Capitania no trato com os paulistas situados

no local, pois, num primeiro momento, as atitudes foram no sentido de se buscar a

contemporização dos litígios, ao passo que nos anos sucessivos a situação tornou-se

irremediavelmente conflituosa.

O capítulo de número dois – “As Minas em chamas: o governo de D. Pedro

Miguel de Almeida e Portugal, Conde de Assumar” – procurou dar conta de uma das

épocas mais conturbadas da história mineira, reconstruindo a trama dos conflitos mais

graves ocorridos em Pitangui entre os anos de 1717 e 1720. Dessa forma, pretendeu-se

analisar tais eventos em consonância com este próprio contexto. Sem sombra de dúvida,

D. Pedro de Almeida foi um dos personagens mais instigantes dos setecentos mineiro.

Seu período de governo, portanto, mereceu um tratamento mais detalhado, ao passo que

representou também um marco no recrudescimento das tensões e conflitos em diversas

70 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1998, citação à página 63.

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regiões das Minas, das quais Pitangui fora um exemplo destacado. De fato, de

negociador nos anos iniciais, Assumar transformou-se num ferrenho perseguidor dos

“paulistas” – sobretudo dos “taubateanos”: apropriando-se do “discurso emboaba”

acerca dos homens do Planalto, conforme veremos, não raro o Conde direcionou aos

mesmos adjetivos nada decorosos.

O terceiro e último capítulo – “Imaginário e práticas políticas: o repertório de

ação paulista” – é, por assim dizer, o âmago da dissertação. Nele estão presentes as

principais questões e discussões que orientaram toda a construção de nosso argumento.

Nessa medida e numa perspectiva de longa duração, procuramos abordar nesta parte do

trabalho o universo mais íntimo das idéias e das práticas políticas dos homens de São

Paulo, fruto de uma tradição de negociações bastante peculiares envolvendo tais

elementos e os prepostos da Coroa portuguesa na América, tradição esta que remonta

inclusive ao século XVII. Dessa forma, veremos como a noção de “direito de conquista”

– mesmo não sendo uma criação original dos paulistas – foi levada a extremo por esses

homens, sobretudo no contexto da revelação dos descobrimentos auríferos das Minas.

Não por acaso, tal situação causou intensos debates entre as autoridades

coloniais e entre os próprios conselheiros do Rei acerca do que fazer com os paulistas.

Nessa medida, torna-se patente como a própria imagem dos sertanistas de São Paulo

oscilou ao longo dos setecentos aos olhos de seus contemporâneos: ora vistos como

leais vassalos que haviam prestado importantíssimos serviços a Sua Majestade, sendo,

portanto, merecedores das mais diversas recompensas; ora tidos como “feros” e

“bárbaros”, verdadeiros inimigos internos cujo modo de vida era a antítese da

civilização então apregoada para o Novo Mundo, tanto pela Igreja católica quanto pela

Coroa portuguesa.

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Por fim, como último esclarecimento de ordem formal vale destacar que no

trabalho de transcrição paleográfica optamos por efetuar a modernização da grafia dos

documentos coevos, ao passo que a pontuação foi também transposta para a norma

moderna da língua sempre que necessário à melhor compreensão dos mesmos.

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CAPÍTULO 1 – PAULISTAS NO “SERTÃO” DAS GERAIS: OS PRIMEIROS

ANOS DE POVOAMENTO DE PITANGUI

1.1 – Andanças paulistas pelo interior das Minas e o “descobrimento” de Pitangui

Como se sabe, a exploração do território das Minas iniciou-se muito antes da

efetiva revelação dos primeiros descobertos de ouro da região, o que aconteceu por

volta da última década do século XVII. De fato, desde tempos imemoriais, antigas

lendas – tanto as de origem européia quanto as decorrentes das próprias tradições

indígenas – entrecruzaram-se na América portuguesa, criando enormes expectativas nos

europeus acerca da provável existência de fabulosas riquezas naquelas terras, sobretudo

em prata e esmeraldas.71 Na realidade, como parte herdada do próprio imaginário cristão

medieval, não raro o Novo Mundo foi alçado à categoria de verdadeiro “Paraíso

Terrestre”, seja por sua natureza exuberante e grandiosa aos olhos do conquistador

europeu, seja pela própria expectativa de se encontrarem enormes riquezas escondidas

em seu subsolo.72

Nessa perspectiva, crenças como a da “Ilha Brasil” – segundo a qual o novo

território descoberto possuiria um formato de ilha, resultado da junção das bacias dos

Rios Amazonas e da Prata – foram muito difundidas. De acordo com essa lenda, no

interior de tal ilha estaria conservado o “paraíso terreal”, cercado por barreiras naturais,

lagoas cristalinas, sumidouros, montanhas e serras intransponíveis, além dos animais

ferozes. Em suma, um lugar de extrema beleza, encantos e riquezas minerais. Por outro

71 BOXER, Charles Ralph. A idade de ouro do Brasil. Dores de crescimento de uma sociedade colonial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 57 e ss. 72 Interessantes construções teóricas ainda no século XVIII acerca da América portuguesa – sobretudo a região das Minas – como a materialização do “Paraíso Terreal” podem ser encontradas nas obras do médico naturalista José Rodrigues Abreu, assim como nos depoimentos dados por Pedro de Rates Henequim quando da sua prisão pelo Tribunal do Santo Ofício português. A este respeito ver, respectivamente, FURTADO, Júnia Ferreira. José Rodrigues Abreu e a geografia imaginária emboaba da conquista do ouro. In: BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia Amaral (orgs). Modos de governar: idéias e práticas políticas no Império português (séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005. pp. 277-295 e ROMEIRO. Um visionário na Corte de D. João V, 2001.

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lado, a existência de rios caudalosos, de uma fauna e flora até então em grande parte

desconhecidas por aqueles homens, assim como a suposta “proximidade” do famoso

Cerro de Potosí peruano em muito renovavam a esperança dos mesmos de alcançarem

os tão almejados minerais; esperança esta que já se fazia presente desde os primeiros

contatos entre os europeus e os ameríndios no alvorecer do século XVI.

De fato, desde os primórdios da colonização surgiu mesmo uma grande

expectativa entre os exploradores lusitanos acerca da existência de tribos milenares no

interior do território que – assim como os Incas, Maias e Astecas das terras sob domínio

de Castela – poderiam possuir grandes riquezas minerais acumuladas. Neste ponto,

conforme ficava evidente, o grande interesse dos lusitanos era saber se tais supostas

tribos conheciam os metais e as pedras preciosas, o que favoreceria enormemente a

faina colonizadora dos portugueses no Novo Mundo.

Assim, compreende-se o universo mental no qual se propagaram as lendas que

por sua vez conheceriam duradoura fortuna no imaginário social da época, como a da

“Lagoa Dourada”, da “Serra das Esmeraldas” ou “Serra Resplandecente” –

respectivamente conhecidas como Vupabuçu e Sabarabuçu (sendo esta última uma

corruptela de Itaberabuçu, conforme defendem alguns autores) na língua indígena. Tais

construções mitológicas, além de perdurarem por longos anos, ultrapassando mesmo os

limites do século XVIII, impulsionariam diversas expedições ao interior da América,

fazendo com que homens não raro empregassem todas as suas forças e riquezas no

enfrentamento das agruras do sertão em busca do tão sonhado Eldorado.73

No entanto, ao contrário do que geralmente se imagina, a rápida circulação da

notícia da descoberta dos metais no Novo Mundo a partir da segunda metade da década

73 A este respeito, ver, dentre outros, os estudos de HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense: Publifolha, 2000; KOK, Maria da Glória Porto. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2004.

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de 1690 não encontrou grandes entusiastas entre os administradores e oficiais régios,

tanto em Portugal quanto na própria América. De fato, no início dos setecentos a

revelação dos depósitos auríferos no interior do território colonial americano alcançara

os lusitanos de surpresa: naqueles tempos, a situação política, social e econômica do

reino era extremamente desfavorável, o que por sinal colocava em risco todas as

possessões portuguesas de além-mar. Às voltas com as guerras européias incitadas pela

disputa pelo trono espanhol (1701-1713), o grande temor entre os portugueses era que a

notícia dos novos achados logo se espalhasse pelo Velho Mundo, atraindo a cobiça das

nações inimigas de Portugal, sobretudo franceses e holandeses, notadamente superiores

tanto no plano militar terrestre quanto naval.74

Naquele contexto, a Coroa portuguesa não dispunha de recursos financeiros

suficientes para garantir a proteção dos principais portos americanos, o que os deixava

amplamente susceptíveis a ataques de corsários e piratas estrangeiros. Da mesma forma,

o ouro encontrado nos primeiros tempos era apenas o de aluvião, retirado no leito dos

rios e nas encostas das montanhas, o que não justificava pesados investimentos na

proteção militar do território, dadas as próprias incertezas acerca do real rendimento

daquelas jazidas. Em suma, pela circulação da notícia das supostas riquezas

encontradas, colocava-se em risco o domínio lusitano sobre vastas terras.

Por conseguinte, havia ainda os questionamentos de cunho moral e religioso

acerca da verdadeira “natureza” dos trabalhos na mineração, assim como dos prováveis

benefícios e inconvenientes advindos desta atividade. Nesse sentido, um

questionamento comum entre os homens da época era o seguinte: se Deus, por sua

divina sabedoria, havia “escondido” os metais e as pedras preciosas nos locais mais

inacessíveis, era justamente para os mesmos não serem encontrados e explorados pelos

74 Acerca deste contexto, consultar, sobretudo, ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, pp. 35 e ss.

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homens. Nesta perspectiva, era corrente inclusive a idéia de que o enriquecimento

trazido pela mineração era falso e amaldiçoado, uma vez que não era fruto do trabalho

humano, mas sim dos caprichos da “fortuna”. Conseqüentemente, ficariam explicadas

as inúmeras contendas, fomes, mortes e misérias sofridas pelos sertanistas, uma vez que

movidos principalmente pela ganância e pela cobiça, estavam os mesmos a contrariar a

ordem natural das coisas.75

Conforme se sabe, entre os ilustres defensores de tal argumento constava o padre

jesuíta italiano André João Antonil (Giovanni Andreoni ou João Antônio Andreoni)

segundo o qual as verdadeiras riquezas do Brasil estavam no cultivo da cana-de-açúcar

e nas lavouras de fumo. Em sua opinião, a corrida às Minas do Ouro, além de provocar

a aglomeração de pessoas indesejáveis no território, como aventureiros, criminosos e

degenerados de toda espécie, ainda causava o grande desserviço de desestruturar a

economia açucareira e o cultivo do fumo no nordeste, sobretudo pela maciça demanda

de escravos africanos para trabalhar na extração dos metais. Assim, conforme advogava

Antonil, a mineração, ao invés de beneficiar a Coroa portuguesa, em pouco tempo

levaria a Colônia à sua “última ruína”.76

Tais questões à parte, contudo, vale ressaltar que a efetiva revelação dos

descobertos auríferos das Minas foi fruto de um longo e penoso processo de exploração

do território, processo este inclusive iniciado em épocas bem anteriores. Conforme já foi

75 Dentre outros trabalhos, ver SOUZA. Desclassificados do ouro, p. 63 e ss. 76 Em uma passagem sugestiva, afirmava Antonil que “O irem também às Minas os melhores gêneros de tudo o que se pode desejar foi causa que crescessem de tal sorte os preços de tudo o que se vende, que os senhores de engenho e os lavradores se achem grandemente empenhados, e que por falta de negros não possam tratar do açúcar nem do tabaco como faziam folgadamente nos tempos passados que eram as verdadeiras Minas do Brasil e de Portugal. E o pior é que a maior parte do ouro que se tira das minas passa em pó e em moedas para os reinos estranhos, e a menor é a que fica em Portugal e nas cidades do Brasil, salvo o que se gasta em cordões, arrecadas e outros brincos, dos quais se vêem hoje carregadas as mulatas de mau viver e as negras muito mais do que as senhoras. Nem há pessoa prudente que não confesse haver Deus permitido que se descubra nas Minas tanto ouro para castigar com ele ao Brasil, como está castigando, no mesmo tempo tão abundante de guerras, aos Europeus com o ferro”. Cf. ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e Minas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [s.d.], p. 304.

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notadamente debatido pelos antigos historiadores do fenômeno do bandeirantismo –

com destaque para os estudos de Orville Derby, Afonso de Taunay, Alfredo Ellis

Júnior, Basílio de Magalhães e Salomão de Vasconcelos,77 dentre tantos outros – as

primeiras entradas ao território da futura Minas Gerais situaram-se em sua maior parte

entre a segunda metade do século XVI e inícios do XVII.78

Tais empreendimentos, no entanto, apesar de bastante diversificados no tempo e

no espaço – assim como no próprio grau de organização dos grupos de entrantes –

foram comumente marcados pelo fracasso na busca das tão sonhadas esmeraldas e

minas de prata, mesmo a despeito do pioneirismo de tais expedições.79 Assim, após

anos a fio de peregrinações por regiões insalubres, sob constantes ameaças de ataques

do gentio bravio da terra e de animais silvestres de toda sorte, não foram poucos os que

terminaram seus dias na mais extrema miséria, vendo naufragar o sonho de encontrar as

tão almejadas riquezas.

Contudo e a despeito do próprio fracasso destas expedições no que se refere à

descoberta dos metais e das pedras preciosas, tais empreendimentos em muito

colaboraram para um preliminar conhecimento do território, assim como para o

77 A produção historiográfica destes autores acerca do tema das “entradas e bandeiras” foi particularmente fecunda, sobretudo nas três primeiras décadas do século XX. Uma revisão crítica das principais obras deste período pode ser encontrada em ABUD, Kátia Maria. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições – a construção de um símbolo paulista: o bandeirante. Tese de Doutorado, Departamento de História, FFLCH – USP, 1985. 78 De fato, após a primeira expedição ao interior da América portuguesa comandada por Martim Afonso de Souza em 1531, a mais consistente entrada ao sertão foi a de Francisco Bruza Spinoza, empreendimento este organizado sob ordens do primeiro Governador-Geral do Brasil, Tomé de Souza (1549-1553). Conforme nos explica Friedrich Renger, dentre outros, esta expedição percorreu grande parte do norte da Capitania entre os anos de 1554 e 1555, sobretudo no que se refere às faixas de terras entrecortadas pelo Rio de São Francisco. Por conseguinte, a esta expedição logo se seguiram outras, como as comandadas por Martim de Carvalho (1567), Sebastião Fernandes Tourinho (1573), Antônio Dias Adorno (1574) e Gabriel Soares de Souza, sendo estas apenas as mais conhecidas entre as que ocorreram no período. A este respeito, ver RENGER, Friedrich E. Primórdios da cartografia das Minas Gerais (1585-1735): dos mitos aos fatos. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de & VILLALTA, Luiz Carlos (orgs.). História de Minas Gerais. As minas setecentistas, v. 1. Belo Horizonte: Companhia do Tempo/ Autêntica, 2007, pp. 103-126 e DERBY, Orville A. Os primeiros descobrimentos de ouro em Minas Gerais. RIHGSP, São Paulo, v. 5, 1901, pp. 240-278. 79 Análises destas expedições são encontradas em VASCONCELOS, Salomão de. Bandeirismo. Belo Horizonte: Biblioteca Mineira de Cultura, 1944, pp. 25-30 e em DERBY, Orville A. Os primeiros descobrimentos de ouro em Minas Gerais. RIHGSP, São Paulo, v. 5, 1901, pp. 240-278.

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estabelecimento dos primeiros núcleos populacionais, estes ainda que bastante

precários. Neste ponto, vale destacar o próprio papel desempenhado pelas expedições

paulistas contratadas para combater os negros quilombolas e os índios bravios do

nordeste do Brasil a partir de meados dos seiscentos, com tais homens sendo impelidos

a percorrerem grandes extensões de terras até então pouco conhecidas e exploradas.80

De fato, conforme recentes estudos têm demonstrado, muitos ex-combatentes

das guerras tanto contra os negros de Palmares, quanto contra os índios “bárbaros” do

Açu e Recôncavo baiano tornaram-se posteriormente grandes proprietários de terras e

fazendas, sobretudo nas regiões banhadas pelos rios São Francisco e Verde Grande.81

Como se sabe, as características climáticas da região eram extremamente favoráveis à

forma de criação de gado bovino vigente à época, com a grande disponibilidade de

terras para a constituição das pastagens. Da mesma forma, situada em uma área

estrategicamente posicionada entre a futura Capitania de Minas e o sertão da Bahia,

desde cedo a localidade se tornou um ponto comercial altamente lucrativo, dado o

grande trânsito de mercadores e comboieiros pela região.82

No que tange à área que posteriormente daria lugar à Vila de Pitangui, por seu

turno, não se sabe ao certo a data da passagem dos primeiros sertanistas pelo local. A

80 O melhor estudo acerca das expedições de extermínio dos índios tapuias do nordeste é o realizado por PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil (1650-1720). São Paulo: Hucitec, 2002. 81 Cf. PUNTONI. A Guerra dos bárbaros, 2002 e SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco e do Verde Grande. Dissertação de mestrado, Departamento de História, FAFICH – UFMG, 2004. A este respeito, destaca ainda Márcio Roberto Alves dos Santos que, em sua maior parte, foram os paulistas e seus descendentes diretos que inclusive promoveram a povoação e dinamização econômica de extensas faixas de terras da região do São Francisco, sobretudo a partir das fazendas criadoras de gado fundadas por Matias Cardoso e Antônio Gonçalves Figueira. Por conseguinte, deste processo resultaram as primeiras povoações permanentes naquelas porções de terra. 82 De acordo com as análises de Márcio Roberto Alves dos Santos, durante as três primeiras décadas do século XVIII, o caminho da Bahia ou “do sertão”, como era comumente conhecido, alcançara os maiores preços na arrematação dos contratos, pois fazia parte de uma rota comercial extremamente importante, ligando várias regiões da colônia e abastecendo-as de escravos africanos, gado vacum, couro e sal. Em realidade, nos anos posteriores o controle fiscal sobre os caminhos que ligavam as Minas ao interior baiano tornar-se-ia uma das grandes preocupações dos sucessivos governadores da Capitania da Repartição Sul, dado o intenso volume de comércio ilegal praticado nas imediações. Cf. SANTOS. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco e do Verde Grande, p. 154 e ss. e ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 61-68.

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circulação da notícia dos primeiros descobertos auríferos realizados em Pitangui remete

ao ano de 1709, embora haja fortes indícios de que a região já fosse conhecida por

diversos bandeirantes em épocas bem anteriores. Geograficamente falando, a região

situa-se entre os rios Pará e Paraopeba, ambos afluentes do São Francisco, território,

como se sabe, há muito percorrido por viajantes. Autores como Orville Derby, Basílio

de Magalhães e Alfredo Ellis Júnior, todos baseados sobretudo no roteiro deixado pelo

holandês Guilherme Glimer, afirmam que tais terras possivelmente já haviam sido

atingidas no ano de 1601 pela bandeira chefiada por André de Leão, embora na ocasião

tal empreendimento não tivesse encontrado riquezas auríferas.83

Segundo Basílio de Magalhães, tal bandeira [a de André de Leão] “foi ter às

cabeceiras do São Francisco, identificando como o Sabarabuçu uma serra que é

provavelmente a de Pitangui”. Ellis Júnior, por sua vez, relata que “teria tomado essa

‘entrada’ o rumo norte do Paraíba, cujas águas teriam acompanhado, penetrando pelo

Embaú nas Gerais, aonde afinal chegaria ao curso do São Francisco, estacando em

Pitangui, para depois voltar atrás na caminhada e chegar a São Paulo com nove meses

de ausência”.84 Por conseguinte, Orville Derby assevera que “sabe-se pelo roteiro de

Glimer que havia um caminho para o São Francisco em rumo de noroeste e

provavelmente pelo espigão entre os rios Pará e Paraopeba, e que este cruzava um outro

‘largo e trilhado’ que devia ir para o norte”.85

No entanto, sabemos o quanto a identificação de tais roteiros pode conter erros e

imprecisões, trazendo dúvidas ao pesquisador. Deste modo, um documento bastante

83 Tal bandeira foi organizada por D. Francisco de Souza, Governador-Geral do Brasil entre os anos de 1591 e 1601. De acordo com Márcio Santos, D. Francisco ainda subsidiaria a expedição de Nicolau Barreto (1602-1604), ambas com a pretensão de descobrir os metais e as pedras preciosas. Cf. SANTOS. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco e do Verde Grande, pp. 58-62. 84 Respectivamente, MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do Brasil colonial. 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935, p. 87 e ELLIS JÚNIOR, Alfredo. O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano. 3ª ed. São Paulo: Editora Nacional, 1938, p. 76. Tais trechos foram originalmente citados por DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 07. 85 DERBY. Os primeiros descobrimentos de ouro em Minas Gerais, p. 261.

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elucidativo acerca do possível conhecimento prévio da região de Pitangui por sertanistas

é a carta geográfica intitulada Mapa da maior parte da costa, e sertão do Brazil,

extrahido do original do Padre Cocleo, atualmente sob a guarda do Arquivo do

Exército.86 Como o próprio nome da carta geográfica sugere, trata-se de uma cópia

coeva. Este mapa não está datado, mas de acordo com as análises correntes, seu original

foi produzido entre os anos de 1699 e 1702.87

Segundo afirma Friedrich Renger, o original do mapa é certamente posterior a

1699, pois nele constam as Minas achadas em 1699, junto ao Rio Paraigpeba

(Paraopeba), ao passo que também estão representados o Caminho Novo, inicialmente

aberto por Garcia Rodrigues Pais por volta do ano de 1700 e o caminho de Parati

(Caminho Velho). Por conseguinte, argumenta que também deve ser anterior a 1702,

pois em carta datada de 29 de julho de 1704 ao rei de Portugal, D. Rodrigo da Costa

(governador da Bahia entre os anos de 1702 e 1708) mencionava que seu antecessor, D.

João de Lencastre (1690-1702), possuía tal mapa.88

Seu autor, o padre jesuíta francês Jacobo Cocleo (Jaques Cocle), havia

desembarcado no Brasil no ano de 1660 para missionar no Ceará: na década de 1680,

tornar-se-ia reitor do colégio do Rio de Janeiro; posteriormente, passou à Bahia, onde

faleceu em 1710. De acordo com as análises de Renger, o mapa acima referido cobre

grande parte do interior do Brasil, com destaque para a bacia do Rio de São Francisco

que inclusive ocupa a parte central do documento. Suas dimensões são de 225 x 120 cm

86 Mapa da maior parte da costa, e sertão do Brazil, extrahido do original do Padre Cocleo. ca. 1699; 224x120,5cm; Manuscrito e aquarela. AHEx (n 23-24. 2798; CEH 1530). 87 Análises desse mapa podem ser encontradas em: COSTA, Antonio Gilberto. Cartografia da conquista do território das Minas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004; COSTA, Antônio Gilberto; RENGER, Friedrich Ewald; FURTADO, Júnia Ferreira; SOUZA, Tatiana Aparecida Rodrigues de. Cartografia das Minas Gerais: da capitania à província. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002 e RENGER. Primórdios da cartografia das Minas Gerais (1585-1735): dos mitos aos fatos. In: RESENDE & VILLALTA (orgs.). História de Minas Gerais, pp. 103-126. 88 RENGER. Primórdios da cartografia das Minas Gerais (1585-1735): dos mitos aos fatos. In: RESENDE & VILLALTA (orgs.). História de Minas Gerais, p. 111. Cf. CARTA sobre quais são as Capitanias sujeitas à jurisdição e demarcação deste Governo-Geral, e as que pertencem ao do Rio de Janeiro. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 34, p. 255-257, 1936.

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e sua escala é de aproximadamente 1: 1.480.000. Os nomes dos rios e dos montes foram

mantidos na língua nativa, ao passo que também estão representados algumas fazendas

e caminhos que cortavam toda a região.

Segundo as palavras de Renger, “as informações geográficas contidas no mapa

do padre Cocleo representam uma síntese dos conhecimentos acumulados pelas entradas

e bandeiras durante os séculos XVI e XVII, assinalando ainda muitas das fabulosas

serras, tais como Itapuca, Pedra q’estara [sic], Iuituberaba, Mte. q’ resplandece [ou

ainda] Morro q’ vai ao Sol, junto ao qual aparece uma lagoa sem nome (será a Lagoa do

Vapabussu?)”.89 Ponto de maior interessante, contudo, é que nesta carta geográfica já

consta um rio de nome Pitanguy situado em pleno sertão da América portuguesa,

posteriormente denominado rio Pará.90 Pela manutenção da nomenclatura do rio na

língua indígena, deduz-se que o mesmo foi assim batizado por paulistas, situação, aliás,

muito corrente à época.91

Na verdade, segundo determinada tradição, o nome “Pitangui” teria sido dado à

área pelos primeiros desbravadores paulistas que passaram pelo território, designação

que significaria “rio das crianças” ou “criança pequena” na língua tupi. De acordo com

essa mesma tradição, o nome derivaria do fato de que quando tais paulistas chegaram à

região, avistaram mulheres e crianças indígenas que se banhavam em um rio;

apavoradas ao perceberem os invasores, tais mulheres teriam saído correndo pelos

matos, deixando as crianças para trás.92 De toda forma e mesmo a despeito do

conhecimento prévio da região por parte dos sertanistas, parece certa a proposição de

89 RENGER. Primórdios da cartografia das Minas Gerais (1585-1735): dos mitos aos fatos. In: RESENDE & VILLALTA (orgs.). História de Minas Gerais, pp. 112-114. Citação à página 113. 90 Na verdade, durante algum tempo houve certa confusão entre os antigos historiadores acerca de qual a localização exata do Rio Pitanguy: se seria o Rio Pará ou se seria o Rio São João, nas proximidades da Vila. Outras representações, contudo, davam conta da existência dos três rios: Pitanguy, Pará e São João. 91 Conforme se sabe, na maior parte das vezes a língua utilizada nas expedições de São Paulo era a nativa ou a língua brasílica. Cf. HOLANDA. Caminhos e fronteiras; KOK. O sertão itinerante, p. 67-68, dentre outros estudos. 92 SOARES, Vicente. A história de Pitangui. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1972, pp. 15-17.

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que o povoamento efetivo da área apenas ganhou força a partir de 1709, quando

circulou a notícia dos primeiros achados auríferos na localidade. No entanto, a primazia

destes descobrimentos também está pautada por divergências entre diversos autores.

Segundo Diogo de Vasconcelos, a descoberta das minas de Pitangui foi fruto de

uma bandeira chefiada por Bartolomeu Bueno da Siqueira, que partira de Taubaté no

ano de 1694. De acordo com este autor, associado a Carlos Pedroso da Silveira, tal

expedição esteve à procura da Casa da Casca, conforme o roteiro que lhe entregara

Antônio Rodrigues Arzão. No entanto, descoberto o ouro de Itaverava, a bandeira teria

se dividido: Bartolomeu Bueno teria seguido viagem no rumo noroeste, onde, a partir do

arraial de Santana tivera notícia de um ribeiro “que fornecia aos pedaços o ouro de suas

areias; e pedaços ele os viu em ornato das índias. Feitas as indagações, o ribeiro ficava

ao norte, quatro jornadas além do arraial. (...) Posto em marcha, guiado pelos índios de

Sant’ana, quando foi se aproximando ao ribeiro, as indígenas que se banhavam

pressentiram o tropel, e, pensando serem traficantes, fugiram aterradas, deixando

algumas crianças de peito na margem. O rio tomou por isso o nome de Pitang-i, rio das

crianças (1696)”.93

Sílvio Gabriel Diniz discorda de tal versão, alegando que não há nenhum indício

de que Bartolomeu Bueno de Siqueira tenha partido do Rio das Velhas e chegado à

posterior região de Pitangui.94 Debates à parte, de fato tal bandeirante, conjuntamente

com Carlos Pedroso da Silveira, foi um dos primeiros descobridores do ouro na região

do Rio das Velhas, sobretudo em Itaverava. Deste lugar, consta inclusive que enviaram

amostras do ouro ali recolhido para o Governador da Repartição Sul, Sebastião de

Castro e Caldas (1695-1697), tendo ambos angariado como recompensa pelos serviços

prestados os cargos de guarda-mor para Carlos Pedroso e o de escrivão das minas para

93 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 155, v. 01. 94 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 10.

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Bartolomeu Bueno.95 Entretanto, Francisco de Assis Carvalho Franco, em análise dos

inventários e testamentos dos antigos bandeirantes, revela que Bartolomeu de Siqueira

já havia falecido antes de dezembro de 1695, inviabilizando, portanto, a afirmação de

Diogo de Vasconcelos em relação à data dos acontecimentos.96

Outra interessante versão para o evento, por conseguinte, é a que consta na

Coleção das memórias arquivadas pela Câmara da Vila de Pitangui, segundo a qual os

primeiros descobrimentos de ouro da região ocorreram por volta do ano de 1709, fruto

de uma bandeira chefiada pelos paulistas Domingos Rodrigues do Prado e Bartolomeu

Bueno da Silva, o segundo Anhangüera.97 Segundo tal relato, esta bandeira teria partido

das regiões de Sabará e Caeté em demanda das minas supostamente existentes no sertão

do São Francisco. Na ocasião, o guia da expedição, já bastante velho e enfermo devido a

uma “mordedura de cobra”, era levado em uma rede, uma vez que era o único que sabia

o roteiro para tais minas. No entanto, arranchando a comitiva ao pé do rio Careru,

faleceu o guia, deixando as minas encobertas. Estando a bandeira prestes a retroceder,

por acaso descobriram no local areias auríferas, revelando-se, deste modo, as minas de

ouro da região de Pitangui.98 Assim, tal versão ficaria conhecida como “a lenda do

Velho do Careru”.

Salomão de Vasconcelos, assim como Sílvio Gabriel Diniz, reafirmam o caráter

lendário de tal versão, ao passo que este último autor defende mesmo que a descoberta

de ouro na região não foi fruto de uma bandeira.99 Segundo sua interpretação, após o

95 FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil – séculos XVI-XVII-XVIII. São Paulo: s/ed., 1953, pp. 384-385. 96 Ibidem, pp. 384-385. 97 COLEÇÃO das memórias arquivadas pela Câmara da Vila de Pitangui, e resumidas por Manuel José Pires da Silva Pontes (...). RIHGB, Rio de Janeiro, v. 6, pp. 284-291, 1844. Segundo Sílvio Gabriel Diniz, tais relatos foram compiladas pelo primeiro vereador da Câmara da Vila de Pitangui em virtude de uma ordem régia de 1782 para que se escrevessem as memórias históricas da Vila. Cf. DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 12. 98 Tal versão está também reproduzida em FRANCO. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, p. 309. 99 Cf. VASCONCELOS. Bandeirismo, p. 65 e DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 70.

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conflito com os emboabas, alguns paulistas partiram para a região do rio Paraopeba:

descendo sua margem e “derivando para o Rio de São João, vieram descobrir e apossar-

se das minas de Pitangui”.100 Curiosamente, tal versão é análoga à presente num relato

recolhido pelo Ouvidor da Comarca de Ouro Preto Caetano da Costa Matoso, por volta

do ano de 1750. De acordo com tal documento cuja autoria não é conhecida, na

tentativa de aplacar os ânimos ainda exaltados pelas lutas armadas entre paulistas e

forasteiros no contexto da “Guerra dos Emboabas”, Antônio de Albuquerque teria

ordenado que nas Câmaras “servissem em igual número reinóis e paulistas, o que assim

se observava; porém não durou muitos anos que, como os paulistas eram poucos os que

ficaram, e ainda estes estranhavam a vizinhança daqueles, em que achavam diferentes

costumes e desconfiavam que se rissem dos seus, foram desertando, de que se descobriu

Pitangui, com tão grande fama no princípio de muito ouro que entenderam lho iam os

reinóis tomar (...)”.101

Assim, somente a partir dessa época a notícia acerca dos novos descobrimentos

de Pitangui começou a circular, não obstante as poucas informações existentes acerca da

real potencialidade das minas auríferas ali encontradas. No entanto, em pouco tempo

graves conflitos logo se fizeram notar, dando início a um período altamente conturbado

na história da região.

1.2 – Epílogo da “Guerra” dos Emboabas: os primeiros conflitos em Pitangui

Após a primeira década de experiência colonizadora no território das Minas, a

situação política, social e econômica da região configurara-se de tal forma que passou a

exigir novas atitudes por parte dos administradores e conselheiros régios no que tange

às demandas colocadas pela nova conjuntura que então se anunciava. De fato, nesta

100 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 10. 101 “Relação de um morador de Mariana e de algumas coisas mais memoráveis sucedidas”. CCM, p. 207.

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época já estavam esvanecidas as previsões pessimistas acerca da real potencialidade

aurífera da região que tanto marcaram os discursos oficiais nos primeiros anos de

exploração dos metais. Com a descoberta das primeiras minas de beta – o que se deu

por volta de 1705, sobretudo nas regiões do Ribeirão do Carmo e Ouro Preto – as Minas

adquiriram um novo status na conjuntura política e econômica do Império ultramarino

lusitano, passando, portanto, de um lugar marginal a centro das atenções da Coroa

portuguesa.

Segundo Maria Verônica Campos, à época delineou-se mesmo um impasse para

a administração metropolitana: para melhorar a arrecadação dos impostos provenientes

da atividade mineradora era preciso aumentar o número de representantes régios na

região; mas, para mantê-los nas Minas, seriam também necessários recursos financeiros

provenientes dos próprios impostos.102 Por outro lado, conforme já apontara Carla

Anastasia, havia a consciência por parte dos agentes régios de que a incorporação eficaz

do território das Minas à órbita de domínio da Coroa portuguesa só se daria pelo

controle político-administrativo da região. Sendo o ouro equivalente universal, ou seja,

moeda, sua extração, beneficiamento e taxação deveriam, necessariamente, se coadunar

com a implantação de um rigoroso aparato de fiscalização nas Minas, ao contrário do

que ocorria no nordeste açucareiro, onde apenas o relativo controle sobre o comércio do

produto final dos engenhos garantia os lucros desejados.103 Portanto, a criação do

governo civil e militar para a região tornava-se uma necessidade urgente e

imprescindível, sem o qual os rendimentos prometidos não passariam de uma miragem.

Da mesma maneira, outras questões fulcrais ainda permaneciam latentes nas

Minas. Como exemplo destacado, as disputas intestinas entre paulistas e forasteiros que

muito marcaram tal década estavam longe de se esgotar no desfecho do levante

102 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 105 e ss. 103 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 11.

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emboaba, espalhando um rastro de dificuldades com as quais os sucessivos

governadores da Capitania tiveram que se haver. Neste ponto, um dos grandes mitos

construídos pela historiografia mineira – a imagem do governador D. Antônio de

Albuquerque Coelho de Carvalho (1709-1713) como o “pacificador” das Minas –

merece ser revisitado, uma vez que os conflitos evidenciados no contexto do levante

emboaba ainda repercutiriam por longos anos, conforme recentes pesquisas têm

demonstrado com bastante solidez.104

Na verdade, de uma forma geral durante muito tempo a historiografia

supervalorizou o fato de Albuquerque ter criado as primeiras municipalidades em

Minas, como se a medida então adotada – a elevação dos antigos arraiais em Vilas – por

si só, tivesse garantido o eficaz controle político-administrativo da metrópole sobre a

região mineradora.105 De fato, a ação de Albuquerque, inclusive dando seqüência às

medidas já esboçadas por seus antecessores, em muito contribuiu para forjar uma

primeira feição administrativa para o território; contudo, a tão almejada previsibilidade

da ordem social para as Minas estava longe de se tornar uma realidade, dadas as

próprias dificuldades enfrentadas pelos representantes régios no trato com as redes

privadas de poderes há muito já estabelecidas na região.

Por outro lado, conforme tem sido freqüentemente debatido nos últimos anos, os

principais cargos criados nos Senados das Câmaras das Vilas não raro se tornaram

valiosos instrumentos nas mãos dos próprios poderosos locais, surtindo um efeito

inverso em relação às pretensões iniciais da Coroa. Nesta medida, mais um impasse de 104 A este respeito, ver os estudos de ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008 e CAMPOS. Governo de mineiros, sobretudo as páginas 120-130. 105 Sem dúvida, um dos estudos mais influentes nesse sentido foi o de Raymundo Faoro, sobretudo no capítulo 05 – “A obra de centralização colonial” – de seu clássico Os donos do poder. Segundo este autor, a criação das vilas fora um “instrumento eficaz e vigoroso” no combate aos excessos locais, além de possibilitar a arrecadação de tributos e rendas. Assim, sua organização administrativa fora suficiente para conter as insubordinações e os abusos dos poderosos locais. O pelourinho exerceria, dessa forma, grande poder simbólico: mesmo nos confins do sertão, “o Rei estava presente”. Cf. FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Editora Globo, 1976, vol. 1, p. 147 e ss.

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difícil solução se formava: não estabelecer um aparato administrativo para reger o vasto

território das Minas era disponibilizar vácuos de poder que logo seriam incorporados

aos “territórios de mando” dos potentados locais; por sua vez, criar cargos a serem

preenchidos pelas elites de cada Vila era o mesmo que possibilitar a tais homens a

própria institucionalização de seus poderes particulares.106 Neste ponto em específico, é

Carla Anastasia quem defende inclusive a tese de que a “autonomização” da “burocracia

colonial” tornou-se uma prática comum à época, constituindo o que chamou de “perigos

imprevisíveis”; os perigos previsíveis seriam os atos violentos cotidianamente

praticados por escravos, forros, mestiços e brancos pobres.107

De toda forma, evidencia-se que embora as autoridades metropolitanas

buscassem fincar seu domínio com as elites locais através da concretização de alianças,

em última instância a Coroa não dispunha de expedientes realmente eficazes para o

controle daqueles que ocupavam os cargos diretivos na estrutura administrativa então

implantada na Colônia, caracterizando, portanto, um contexto de incertezas.108 Ao fazer

tal afirmação, contudo, não estamos aqui a defender o caráter inadaptado, caótico e

ineficaz do Estado português instalado em terras americanas, tese inclusive que teve

como seu maior expoente as análises veiculadas por Caio Prado Júnior em sua obra

106 A este respeito, ver o interessante artigo de SILVEIRA, Marco Antônio da. Guerra de usurpação, guerra de guerrilhas – Conquista e soberania nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 25, pp. 123-143, jul. 2001. Ainda sobre este aspecto e conforme apontam os próprios estudos de Cláudia Damasceno Fonseca, é interessante observar que no período compreendido entre os anos de 1730 e 1789 não houve a fundação de mais nenhuma Vila na Capitania, mesmo a despeito das solicitações dos moradores de diversos arraiais mineiros. De acordo com as palavras de Damasceno, “a correspondência oficial que circulou entre Minas e Lisboa indica que as rebeliões fiscais e a insubordinação geral da população levaram os governadores a considerar que as Vilas – isto é, as Câmaras – eram mais nocivas do que úteis aos interesses reais, e que, portanto, não valia a pena multiplicá-las”. Cf. FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos: a concessão de títulos de vila e cidade na capitania de Minas Gerais. Varia História, Belo Horizonte, n. 29, pp. 39-51, jan. 2003. Citação à página 42. 107 ANASTASIA. A geografia do crime, pp. 15-18. 108 Para análises mais abrangentes acerca do universo político, social e cultural das Minas do século XVIII, ver os estudos de SILVEIRA, Marco Antônio. O universo do indistinto – Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec, 1997, e Fama pública – poder e costume nas Minas setecentista. Tese de doutorado, Departamento de História, FFLCH-USP, 2000.

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Formação do Brasil contemporâneo.109 Conforme diversos estudos apontaram, é

preciso analisar o funcionamento do aparato administrativo da época do Antigo Regime

em sintonia com seus próprios determinantes e referenciais, sob pena de se cometerem

grosseiros anacronismos.110

Por outro lado, cabe ressaltar ainda que também não endossamos algumas

recentes interpretações historiográficas que, sem maiores restrições, têm apregoado a

“funcionalidade” de mecanismos informais de poder pautados nas “redes clientelares” e

na chamada “economia do dom” como fator de garantia da governabilidade do império

ultramarino lusitano como um todo.111 Conforme destaca Laura de Mello e Souza,

dentre outros autores, tais estudos, ao supervalorizar as negociações e “trocas de

favores” entre vassalos e soberano, não raro incorreram no equívoco de subestimar os

conflitos inerentes àquela sociedade, ao passo que igualmente transformaram aquilo que

era “teoria e estratégia política” em “realidade histórica”.112

Por conseguinte e voltando às Minas em sua primeira década de existência, se D.

Antônio de Albuquerque alcançara relativo sucesso em suas negociações com Manuel

Nunes Viana e seus homens no contexto do levante emboaba, dissuadindo-os inclusive

a deixarem temporariamente os focos principais do conflito, o mesmo não se pode dizer

acerca das relações estabelecidas entre tal governador e os paulistas. Nesse aspecto, são

elucidativas as versões que dão conta do fatídico encontro entre tal governador e as

109 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1996. 110 A este respeito, ver as análises desenvolvidas por FURTADO. Homens de negócio, 2006. 111 Nesse ponto, fazemos referência direta às análises presentes em FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima. Uma leitura do Brasil colonial: bases da materialidade e da governabilidade no Império. Penélope, Lisboa, n. 23, pp. 67-88, 2000; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 285-315. Sobre o conceito de “economia do dom”, ver o excelente artigo XAVIER, Ângela Barreto & HESPANHA, António Manuel. As redes clientelares. In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal (O Antigo Regime). Lisboa: Editorial Estampa, 1993. v.4. pp. 381-393. 112 Cf. SOUZA. O sol e a sombra, 2006, sobretudo “Parte I – Enquadramentos: 1. Política e administração colonial: problemas e perspectivas”, pp. 27-78. .

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tropas paulistas chefiadas por Amador Bueno da Veiga em outubro de 1709, nas

proximidades da Vila de Guaratinguetá.113

Na ocasião, quando o conflito armado com os forasteiros ainda vicejava nas

mentes e recrudesciam-se os ódios mútuos, os paulistas organizaram uma tropa com

cerca de “dois mil homens pretos, índios da terra, mamelucos e muitos poucos brancos

com seus capitães e oficiais”, para darem um derradeiro assalto à região do Rio das

Mortes, então sob domínio dos emboabas. Logo tal notícia circulou entre os moradores

e Albuquerque se apressou ao encontro dos paulistas, pretendendo convencê-los a não

retomarem o conflito armado.

Contudo, sua missão fracassou e Albuquerque teve que retornar às pressas ao

Rio de Janeiro, inclusive bastante enfermo devido aos achaques contraídos em sua

estada nas Minas. Segundo um relato anônimo presente no Códice Costa Matoso,

consta inclusive que os principais comandantes das tropas paulistas teriam bradado

diante do governador a seguinte frase na língua indígena: “Mandemos matar este puto

emboaba!” Sendo um conhecedor da “língua da terra” devido à sua própria experiência

anterior como governador do Grão-Pará (1685-1690) e Maranhão (1690-1701),

Albuquerque teria logo se retirado, temendo tanto por sua vida quanto pela de sua

pequena comitiva.114

De acordo com as análises de Adriana Romeiro acerca destes eventos, na

ocasião os paulistas não chegaram a contestar a autoridade do governador sobre as

Minas, pois haviam inclusive insistido para que o mesmo retornasse com eles à região e

efetuasse a punição dos “crimes” cometidos pelos emboabas. Entretanto, a forma como

Albuquerque conduziu o caso despertou a ira dos paulistas que, como conquistadores da

113 Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, pp. 299-302. 114 “Relação do princípio descoberto destas Minas Gerais e os sucessos de algumas coisas mais memoráveis que sucederam de seu princípio até o tempo que as veio governar o Excelentíssimo Senhor D. Brás Baltazar da Silveira”. CCM, p. 200. Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 301.

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região, julgavam-se merecedores de um tratamento mais justo, isto é, “o castigo dos

cabeças [emboabas]; a prisão dos criminosos; a expulsão dos forasteiros e a garantia de

que pudessem retornar às lavras e minas, com a restituição das datas e sesmarias”.115

Assim, àquela altura ficava claro para os paulistas que a vingança frente aos

emboabas tornara-se uma questão de honra: “ultrajados e com os brios feridos,

consideravam a repressão aos forasteiros a única saída honrosa para a situação em que

se encontravam”.116 Como se sabe, o último embate armado entre as duas facções, não

podendo ser evitado, selou a derradeira derrota dos paulistas na região do Rio das

Mortes: com a circulação da notícia de que extensas tropas eram mobilizadas para

socorrerem os forasteiros da localidade, aos paulistas não restou outra saída a não ser

partirem em debandada fuga.117

Com relação a este contexto, Maria Verônica Campos, por sua vez, reitera ainda

que, ao contrário do que é geralmente privilegiado na historiografia acerca do período,

os anos que se seguiram estiveram longe de transcorrer em clima de paz e harmonia.

Na realidade, conforme destaca tal autora, D. Antônio de Albuquerque logo teve que se

haver com diversas crises e motins que se desencadearam quase que ao mesmo tempo

em diferentes regiões das Minas, como em Pitangui, Serro do Frio e Ribeirão do Carmo,

relativizando mais uma vez a imagem deste governador como aquele que efetivamente

“pacificou o território”.118

Ao analisarmos os primeiros anos de efetiva ocupação de Pitangui, supostamente

iniciado em 1709 ou 1710, observamos, contudo, que este é um dos períodos mais

opacos e obscuros da história da região. As fontes disponíveis que cobrem o período

dão poucas referências acerca do que se passou em Pitangui nesses anos iniciais, ao

115 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 301. 116 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 301. 117 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, pp. 83-87, v. 02. 118 CAMPOS. Governo de mineiros, pp. 120-130.

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passo que tal silêncio da documentação pode também sugerir que os primeiros

exploradores da área efetivamente intentaram manter em segredo as minas auríferas ali

descobertas. Sobre este aspecto, um instigante relato anônimo dá conta inclusive de que

a notícia dos novos descobertos logo atraíra a atenção dos forasteiros; os paulistas, por

seu turno, incomodados ante a possibilidade de uma nova invasão às suas minas,

trataram rapidamente de impedir a entrada de elementos “estranhos” à região “e assim

se quiseram tapar com trincheiras e fazer corpo de guarda que até ele chegassem

carregações e o guarda desse para as virem comprar”.119

De toda forma e a despeito das poucas referências documentais existentes, há

certo consenso entre os historiadores que abordaram o tema de que esses anos iniciais

foram marcados por intensos conflitos e disputas entre os pioneiros acerca da divisão

das catas auríferas da localidade, do que resultara inclusive num motim ocorrido na

região entre os anos de 1710 e 1711.120 De acordo com as análises desenvolvidas por

Sílvio Gabriel Diniz, nestes primeiros tempos o Regimento das Minas, re-elaborado e

teoricamente em vigor desde o ano de 1702, não chegou a ser respeitado em Pitangui,

não havendo divisão das datas minerais e nem a designação de Guarda-mor,

prevalecendo “a lei do mais forte”. Segundo suas palavras, nestes anos iniciais era

“notadamente sabido que os moradores das minas de Pitangui viviam tumultuados, de

armas nas mãos, prontos para se baterem uns contra os outros pela posse das catas

auríferas”.121

119 “Relação de um morador de Mariana e de algumas coisas mais memoráveis sucedidas”. CCM, p. 207. 120 Segundo nos aponta Maria Verônica Campos, há algumas divergências em relação à data mais provável do motim: Manuel Eufrásio de Azevedo Marques situa-o no ano de 1712 (MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos, e noticiosos da Província de São Paulo. São Paulo: Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, 1953. t. I, pp. 234-235), enquanto José João Teixeira Coelho, por sua vez, menciona-o no ano de 1711 (COELHO, José João Teixeira. Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais (1780). Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Introdução de Francisco Iglesias). Contudo, de acordo com tal autora, 1710/1711 deve ser a data mais correta. Cf. CAMPOS. Governo de mineiros, p. 122, nota 63. 121 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 120.

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Através de uma das poucas fontes documentais disponíveis, sabe-se, por

conseguinte, que em setembro de 1711 D. Antônio de Albuquerque expediu uma ordem

endereçada ao Tenente-general Manuel da Borba Gato para que este partisse de

imediato para Pitangui a fim de dirimir as contendas ali então ocorridas. Neste

documento, Albuquerque afirmava que, “por ter notícia de que nos distritos de Pitangui

e Paraopeba se vão situando muitos moradores, e neles estão lavrando, e se tem

descoberto vários ribeiros de ouro, e ainda nas margens dos rios principais, de que se

não tem dado parte como dispõe o Regimento e ordens de Sua Majestade, e tenho

disposto depois que cheguei a estas Minas, e, outrossim, me noticiou que entre os tais

moradores começa a haver algumas dissensões, de que podem nascer muitas desordens

por falta de quem o possa evitar, e dar-me parte do que necessita remédio, ordeno ao

Tenente-general Manuel de Borba Gato (...) que logo passe ao distrito de Pitangui, e

faça diligência por saber, e falar com todos os moradores que ali se acharem, ajuntando-

os e sabendo deles como estão situados e o número deles, para se lhe dar aquela boa

forma com que se devem conservar pacíficos, e com união e bom regime (...)”.122

Conforme se evidencia, à época o governador da Capitania possuía apenas

informações esparsas acerca da região e de seus moradores, ao passo que, sendo a área

de exploração aurífera, era notório que seus moradores ainda não haviam tomado as

medidas legais cabíveis, e nem oficializado o novo descobrimento junto às autoridades

competentes. Infelizmente, as fontes consultadas não nos permitiram reconstruir o

desfecho de tal evento e nem sequer sabemos se Borba Gato efetivamente adentrou a

região de Pitangui para cumprir as determinações que recebera do governador.

Sobre este aspecto, Manuel Eufrásio de Azevedo Marques afirma ainda que na

ocasião desse primeiro motim ocorrido em Pitangui alguns líderes do movimento

122 ORDEM para o tenente-general Manuel da Borda Gato ir aos distritos de Pitangui e Paraopeba às diligências que nela se contém. RAPM, Ouro Preto, v. 2, fasc. 04, pp. 796-797, 1897.

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chegaram a ser supliciados, embora o chefe principal do levante, Domingos Rodrigues

do Prado, tenha sido perdoado sob a promessa de descobrir os metais de Minas Novas.

No entanto, percebe-se que tal autor não citou as fontes de onde teria retirado tais

informações, ao passo que, ao que tudo indica, também incorrera no equívoco de

confundir tal evento com outros motins ocorridos na localidade em períodos

posteriores.123

De toda forma, há vários indícios de que, temerosos ante a possibilidade de

serem punidos pelos crimes ali cometidos, alguns paulistas fugiram do local, dando

espaço inclusive para que alguns forasteiros passassem à região. Conforme ressalta

Maria Verônica Campos, é interessante notar que os paulistas recorrentemente

adotavam a prática de ameaçar e efetivamente abandonar as lavras auríferas sempre que

se sentiam desrespeitados em suas prerrogativas de descobridores das mesmas:

“taubateanos já haviam abandonado por duas vezes o Ribeirão do Carmo em função de

conflitos pela partilha das lavras”. Contudo, naquele contexto, segunda destaca a autora

acima referida, tal prática não mais parecia alcançar os resultados desejados: “num

primeiro momento, o conhecimento de roteiros para veios ainda inexplorados colocava-

os em posição de superioridade diante da Coroa (...), mas, à medida que sua localização

se divulgava, não podiam mais instrumentalizar tal arma. Foi o que ocorreu em Pitangui

em 1711”.124

No entanto, conforme destacou Sílvio Gabriel Diniz, estas primeiras minas

descobertas em Pitangui logo se esgotaram, não correspondendo às expectativas dos

moradores.125 Do mesmo modo, é interessante ressaltar que não há referências

documentais mais consistentes acerca do real rendimento de tais minas, pois, como já

123 MARQUES. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos, e noticiosos da Província de São Paulo, p. 235. 124 CAMPOS. Governo de mineiros, citações à página 122. 125 DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 24-25.

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destacamos, nesse período não houve a repartição das datas auríferas e nem a

designação de guarda-mor para efetivar a cobrança dos impostos na região,

determinações estas inclusive presentes na própria legislação que regulamentava a

atividade mineradora. Por outro lado, mesmo com o envio de autoridades e a posterior

instalação da guarda-moria na Vila, não é possível ao pesquisador coligir maiores

informações documentais, uma vez que os primeiros livros de registros acerca da

atividade mineradora da região simplesmente desapareceram com o passar dos anos.126

Desta feita e após este suposto fracasso das primeiras explorações auríferas na

localidade, por volta do ano de 1713 foram descobertas novas minas nas proximidades

de Pitangui na região que posteriormente ficaria conhecida como o “Morro do

Batatal”.127 Reputado por alguns como promissora mina de beta, logo este novo

descobrimento atraiu as atenções para Pitangui não apenas dos habitantes do entorno do

arraial, mas também de várias autoridades régias, tanto as sediadas nas Minas quanto no

ultramar.

Sobre este aspecto, é interessante observar inclusive que por reiteradas vezes o

próprio rei de Portugal, D. João V, enviou cartas aos governadores da Capitania

exigindo dos mesmos maiores informações acerca do provável rendimento destas novas

minas de Pitangui, embora, à época, tais notícias fossem ainda muito esparsas. Em uma

dessas cartas, datada de 15 de novembro de 1714 e endereçada a D. Brás Baltazar da

Silveira, D. João alegou possuir informações de que “os de Pitangui tinham descoberto

uma mina mais rica que se entendia ser de beta, e que suposto os paulistas não queriam

que minerassem mais que eles, e não entrassem nas conveniências dela os reinóis, tinha-

se acomodado tudo de maneira que se acharam todos conformes (...)”. Contudo, ao final

126 DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 25. 127 Conforme explica Sílvio Diniz, o ouro apresentou-se na forma de faisqueiras, taboleiros e grupiaras. Foi achado à superfície, à forma de “reboleiras de batatas”; daí o nome Morro do Batatal. Cf. DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 25.

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de sua carta solicitava que “como neste ano se não viu aviso algum sobre esta matéria

sendo de tanta importância, passo recomendar-vos deis conta do que nisto há, e do que

renderão os quintos, e se continua ainda a mesma mina, e que arrecadação fizestes ter

neste particular, para que conforme a notícia que deveis se lhe possa dar a providência

necessária”.128

Por outro lado e neste contexto de indefinição para a metrópole no que se refere

ao próprio estabelecimento da ordem pública na Capitania, mais uma vez os sertanistas

de São Paulo e “Serra Acima” viram renascer seu antigo sonho de conquistarem

enriquecimento e prestígio nas Minas, seja através da posse e monopólio das catas

auríferas por eles mesmos descobertas, seja através do controle dos principais cargos de

mando locais.

Paralelamente, ao final de agosto de 1713 o período de governança de D.

Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho chegou ao fim. Em suma, se nos anos

posteriores a memória histórica o elevou à categoria dos “grandes negociadores e

pacificadores de conflitos”, sobretudo no que se refere ao período em que esteve à

frente da Capitania das Minas, não há como negar, contudo, que seu governo relegou a

D. Brás Baltazar da Silveira, seu sucessor imediato, problemas de difícil solução.

1.3 – D. Brás Baltazar da Silveira: “contemporizar é preciso (...)”

A 31 de agosto de 1713, D. Brás Baltazar da Silveira assumiu o comando da

Capitania de São Paulo e Minas do Ouro em substituição ao governador D. Antônio de

Albuquerque Coelho de Carvalho. Militar de larga experiência, com destacadas

atuações em campos de batalha europeus, sua escolha por parte de Sua Majestade para

ocupar o cargo máximo de direção da Capitania fora bastante criteriosa, superando

128 APM, SC 04, fls. 27-27v. “Sobre as minas de Pitangui”. Lisboa, 15 de novembro de 1714.

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inclusive pretendentes de peso no alto escalão nobiliárquico lusitano.129 Tendo tomado

posse do governo das Minas na cidade de São Paulo na data acima referida, por

conseguinte, logo D. Brás Baltazar teve notícias acerca do clima tumultuoso vivido por

Pitangui naqueles anos; sua política, no entanto, se caracterizaria mais pela via da

negociação e tentativa de cooptação dos poderosos locais, evitando-se, assim, um

possível enfrentamento militar contra tais homens.

Sugestivamente e como preâmbulo dos conflitos vindouros, já nos primeiros dias

de setembro deste mesmo ano D. Brás recebeu informações acerca de algumas

desordens ocorridas em Pitangui. Na ocasião, Joseph Borges Pinto, paulista de grande

prestígio junto aos homens do Planalto, iniciara a organização das companhias militares

do arraial de Pitangui, embora não tivesse recebido ordens ou jurisdição para tal. Em

carta datada de 03 de setembro e endereçada a tal potentado, afirmava o governador que

“aqui me mostrou a Câmara desta cidade [de São Paulo] a cópia de uma carta que Vossa

mercê escreveu aos de Pitangui, dizendo nela que Sua Majestade que Deus guarde o

havia feito coronel daquele distrito com ordem de fazer regimento com todos os oficiais

de sargento mor para baixo; e como o dito Senhor não sabe ainda deste descobrimento,

mal podia mandar-lhe a Vossa mercê tal patente, e menos dar-lhe ordem que pudesse

levantar oficiais, quando se acha governando este Estado um homem como eu (...)”. Por

conseguinte e num tom de censura, reiterava o governador que “(...) a Pitangui escrevi

não recebessem a Vossa mercê, e como brevemente parto para as Minas Gerais, verei as

ordens que lhe dão a Vossa mercê tanta jurisdição”.130

129 Neste particular, vale destaque a concorrência estabelecida entre Sebastião da Veiga Cabral, autoridade reinol então preterida, e D. Brás Baltazar. De fato, não desistindo de seu intento, Sebastião da Veiga Cabral posteriormente entraria também em litígio com D. Pedro de Almeida Portugal, o Conde de Assumar, no que se refere à sucessão de D. Brás Baltazar da Silveira. Novamente preterido e muito provavelmente ressentido com Sua Majestade, posteriormente assumiria papel de destaque no próprio desenrolar da Revolta de Vila Rica ocorrida em junho de 1720. A esse respeito, ver SOUZA. O sol e a sombra, 2006, sobretudo o capítulo 6. “Os motivos escusos: Sebastião da Veiga Cabral”, pp. 253-283. 130 APM, SC 09, fl. 01v. “Para Joseph Borges Pinto. São Paulo, 03 de setembro de 1713.

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De maneira semelhante e para igual desassossego de D. Brás, nesse mesmo

período uma série de medidas foi intentada por parte dos moradores de Pitangui a fim

de vincularem a região à jurisdição da cidade de São Paulo e vila de São Vicente. De

fato, nos meses anteriores Amador Bueno da Veiga – famoso potentado que inclusive

liderara o último assalto paulista contra os emboabas no Rio das Mortes, conflito que

selara o desfecho da revolta armada entre os dois partidos – havia iniciado a abertura de

um caminho que ligaria a região de Pitangui diretamente ao Planalto de Piratininga, não

obstante as repreensões por parte do governador.131

Sobre este aspecto e em claro tom de ameaça, em carta de 10 de setembro de

1713 D. Brás Baltazar da Silveira dirigiu-se a Amador Bueno com os seguintes dizeres:

“tenho notícia de que Vossa mercê passara para esta parte com intenção de principiar

uma picada para o descobrimento de Pitangui, e por que a abertura deste caminho pende

da resolução de Sua Majestade, que Deus guarde, a quem dou conta deste particular,

que ele só deve resolver; ordeno a Vossa mercê que se abstenha na fatura deste

caminho, e fio da atenção de Vossa mercê não inovará cousa alguma até segunda ordem

minha, e assim lho hei a Vossa mercê por muito recomendado para que do contrário não

veja Vossa mercê executado na sua pessoa o maior castigo (...)”.132

Estando ainda na cidade de São Paulo e provavelmente em atenção aos apelos de

grupos de potentados locais, através de uma ordem de 09 de setembro deste mesmo ano

D. Brás Baltazar da Silveira autorizou que se realizasse a arrematação dos contratos dos

dízimos de Pitangui pela Provedoria da vila de Santos. Contudo e ao que parece tendo

se inteirado acerca da complexidade da situação, poucos dias depois o governador

arrependeu-se da medida então adotada e revogou tal ordem, alegando que “[era]

131 FRANCO. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, p. 421. 132 APM, SC 09, fl. 03. “Para Amador Bueno assistente”. São Paulo, 10 de setembro de 1713. Ao que parece e tendo em vista as repreensões por parte do governador, a fatura de tal caminho não chegou a ser concluída.

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preciso que [ele mesmo] pa[ssa]sse primeiro às Minas Gerais, e [se] inform[asse] de

alguns particulares que tocam à mesma arrematação”.133

A fim de dirimir o impasse, em abril do ano seguinte o próprio Rei emitiu

parecer a D. Brás referente ao caso, afirmando que “se viu a conta que me destes em

carta de vinte de setembro do ano passado sobre a dúvida que achastes a arrematação

que se intentava fazer nessa cidade dos dízimos do novo descobrimento de Pitangui e a

resolução que tomastes em mandar suspender com o tal contrato até passardes às Minas,

assim por entender que seria mais conveniente à Fazenda Real o fazer-se nelas o tal

arrendamento (...); e como por especial, e nova ordem minha, tenho determinado que os

dízimos destas minas se arrematem nas mesmas Minas, poderão então seguir-se nestas

arrematações o que se tiver por mais útil à minha Fazenda”.134

Os moradores de Pitangui, porém, não desistiriam de seus intentos: não

reconhecendo as autoridades instituídas nas Minas, anos depois – mais precisamente em

1715 – dirigiram-se ao Vice-rei Pedro Antônio de Noronha, o Marquês de Angeja,

solicitando mais uma vez que a jurisdição sobre a região ficasse a cargo da Ouvidoria da

Comarca de São Paulo e São Vicente.135 Fato significativo, nesta ocasião os próprios

camaristas da cidade de São Paulo tornaram-se procuradores dos potentados

pitanguienses, o que por sua vez denuncia as redes particulares de poder e comunicação

133 Respectivamente, APM, SC 09, fl. 01v. “Para o Provedor da Fazenda”. São Paulo, 09 de setembro de 1713 e APM, SC 09, fl. 03v. “Sobre os dízimos das novas minas de Pitangui”. São Paulo, 18 de setembro de 1713. 134 APM, SC 04, fl. 24. “Sobre os dízimos de Pitangui”. Lisboa, 18 de abril de 1714. 135 Cf. “Carta que se escreveu ao Provedor da Fazenda Real das Capitanias de São Vicente, Santos e São Paulo”. Bahia, 05 de setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 234-235, 1945; “Carta que se escreveu ao Ouvidor da cidade de São Paulo”. Bahia, 05 de setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 235, 1945; “Provisão que acusa a carta acima sobre pertencer à Provedoria da Fazenda Real de Santos, São Vicente e São Paulo os dízimos dos distritos do Pará e Pitangui na forma que nela se declara”. Bahia, 05 de setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 236-240, 1945; “Provisão que acusa a carta acima sobre os dízimos do Pitangui e Pará pertencerem à Provedoria de Santos, São Vicente e São Paulo, e outrossim que todas as mais causas cíveis e crimes que não pertencerem aos ditos dízimos e Fazenda Real tenham o seu recurso na Ouvidoria de São Paulo”. Bahia, 05 de setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 240-243, 1945.

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então estabelecidas entre a gente do Planalto a fim de defenderem seus interesses de

grupo.

Em carta à Câmara da cidade de São Paulo, por conseguinte, afirmou Pedro

Antônio de Noronha que “para mostrar quanto da minha parte concorro para todos os

seus aumentos e conveniências [dos paulistas], mandei passar duas Provisões para que

os dízimos das novas minas de Pitangui e Pará pertençam à Provedoria da Fazenda de

Santos e São Vicente e São Paulo e nela sejam sentenciadas as causas pertencentes à

mesma Fazenda Real, e outra para que os pleitos ordinários, crimes e cíveis que à dita

Provedoria não tocarem tenham seu recurso perante o Ouvidor-Geral desta cidade de

São Paulo, cujas Provisões remeto ao Senhor Governador e Capitão-Geral D. Brás

Baltazar da Silveira as mande cumprir e fazer guardar (...)”.136

Segundo análise de Maria Verônica Campos acerca desses fatos, “os paulistas

residentes em Pitangui não tinham nenhuma ilusão sobre o papel que ocupariam se

vinculados à Comarca do Rio das Velhas. O pedido foi deferido, embora o Vice-rei não

tivesse alçada para tanto. Alegava estar atendendo à representação pela menor distância

entre Pitangui e São Paulo, afirmação absurda”.137 Obviamente, tais determinações do

Vice-rei não foram cumpridas por D. Brás Baltazar da Silveira, pois os moradores de

Pitangui pretendiam claramente vincular os dízimos dessa localidade à Provedoria de

Santos, São Vicente e São Paulo, ao passo que todos os pleitos judiciais teriam recurso

apenas junto ao Ouvidor de São Paulo.138 De toda forma, conforme ainda destaca Maria

136 “Carta que se escreveu aos oficiais da Câmara da cidade de São Paulo sobre as Provisões que se remetem ao Governador-Geral D. Brás”. Bahia, setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 233-234, 1945. Neste ponto, vale destacar que nesta versão impressa tal documento aparece com a data de setembro de 1713; contudo, como faz referência às Provisões enviadas ao Governador D. Brás Baltazar em setembro de 1715, esta deve ser muito provavelmente a data correta. Por outro lado e em confirmação a esta hipótese, há de se ressaltar também que D. Pedro Antônio de Noronha assumiu o posto de Vice-rei na Bahia apenas em outubro de 1714. 137 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 144. 138 Ainda sobre este aspecto, em carta de 20 de março de 1716 dirigida a D. Brás Baltazar da Silveira, afirmou o vice-rei Marquês de Angeja ter recebido notícias de que o referido governador não dera cumprimento às suas Provisões, o que particularmente lhe parecia acertado, “(...) visto os inconvenientes

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Verônica, “digno de nota é o fato de os potentados de Pitangui terem se valido de um

conflito aberto entre as autoridades nomeadas pela Coroa, da crise entre os dois pólos de

poder – Salvador e Ribeirão do Carmo – para a obtenção de maior autonomia”.139

Com efeito, e ciente das prováveis dificuldades que encontraria nos meses

subseqüentes, D. Brás Baltazar da Silveira tratou logo de estabelecer laços com os

principais potentados de Pitangui. Assim, dentro da lógica administrativa lusitana

corrente à época e na falta de meios mais eficazes para trazer a região para a órbita de

domínio da Coroa, apelava-se mais uma vez para a negociação e contemporização dos

conflitos: sem o aparato militar necessário – queixa, aliás, que se tornaria comum entre

os sucessivos governadores da Capitania de Minas – novamente ganhava força entre os

agentes metropolitanos a máxima de se “tentar fazer do bandido vassalo fiel”. Conforme

a opinião de Sílvio Gabriel Diniz, “vinha o governador D. Brás Baltazar da Silveira

manobrando os paulistas com tato e habilidade, pois sentia sangrar neles ‘a ferida’

proveniente da luta contra os emboabas”.140

Nessa medida, a 05 de abril de 1714 D. Brás Baltazar enviou cartas a diversos

moradores de Pitangui, ressaltando sua “sincera” pretensão de agir apenas em favor do

engrandecimento e sossego daquela região, ao passo que também afirmava se fiar da

“prudência”, “obediência” e “bom procedimento” de tão “leais vassalos de Sua

Majestade”.141 Do mesmo modo e aproveitando-se da ocasião, noticiou ainda aos

que se lhe ofereceram e as ordens que tem de Sua Majestade; e também vejo que pelas mesmas criou Vossa Excelência a Vila de Pitangui, e arrematou os dízimos reais nessas Minas e, como Vossa Excelência obrou em tudo segundo as ordens que tinha, não tenho nesse particular que lhe dizer, senão que siga em tudo as ordens que tem do dito Senhor (...); mas eu sempre aprovarei tudo o que Vossa Excelência obrar, e confessarei por mais acertado as suas disposições”. “Carta para o Governador das Minas o Senhor D. Brás Baltazar da Silveira”. Bahia, 20 de março de 1716. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 329-330, 1945. 139 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 145. 140 DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 128. 141 APM, SC 09, fl. 18v. “Para Francisco Jorge da Silva”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714; APM, SC 09, fls. 18v-19. “Para Domingos Dias da Silva”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714; APM, SC 09, fl. 19. “Para Maximiano de Góis, e mais moradores”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714; APM, SC 09, fl. 19-19v. “Para Bartolomeu Bueno da Silva”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714.

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mesmos moradores sua intenção de enviar ao arraial o Sargento-mor e engenheiro Pedro

Gomes Chaves a fim de pôr em boa forma “todas as dependências [sic]; tanto pelo que

toca aos descobrimentos como ao mais que se lhe oferecer, para que o mesmo Sargento

mor descida e resolva o que lhe parecer mais acertado (...)”.142

Conforme se observa e talvez já prevendo resistências por parte dos principais

de Pitangui, é interessante notar que D. Brás Baltazar procurou primeiramente notificar

tais moradores acerca de tais medidas antes mesmo das mesmas serem efetivamente

adotadas, ao passo que ressaltou também suas pretensões de não desrespeitar os direitos

e privilégios daqueles que já estivessem estabelecidos na região com suas famílias e

fazendas.

Em carta endereçada ao Sargento-mor Pedro Gomes Chaves, por conseguinte,

afirmou D. Brás Baltazar que “(...) pelas notícias que ultimamente recebi de Pitangui se

me fez presente que naquela paragem se acharam novos descobrimentos, os quais

prometem grandes interesses; (...) e desejando passar àquela parte para as remediar [sic],

e sendo-me impossível pelos importantes negócios do Real serviço de que a feliz

conclusão depende da minha assistência nestas Minas, me pareceu suspender por hora a

minha jornada e assim tenho resoluto que Vossa mercê vá àquela paragem, fiando da

sua grande capacidade e prudência, acomodar aqueles moradores, evitando todas as

inquietações que possam alterar o sossego de que necessitam para o seu aumento, e

conseqüentemente de todo este Estado pelas utilidades que lhe resultarão de que tenham

efeito estes e os mais descobrimentos e de que neles se aproveitem os vassalos de Sua

Majestade”.143

142 Trecho extraído de APM, SC 09, fl. 18v. “Para Francisco Jorge da Silva”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714. 143 APM, SC 09, fls. 20-22v. “Instrução de que há de usar o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, que ora é mandado a Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de abril de 1714.

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Nas “instruções” que levava Pedro Gomes Chaves, por sua vez, constavam sete

capítulos que detalhavam minuciosamente como tal autoridade deveria pautar suas

ações em Pitangui, sobretudo no que se refere à pacificação dos conflitos locais acerca

da divisão das datas auríferas recentemente descobertas. Nessa medida, em primeiro

lugar D. Brás Baltazar da Silveira ordenou que, tão logo chegasse a Pitangui, Pedro

Gomes Chaves usasse “de todos os meios que lhe dita[sse] a sua prudência para

conseguir a quietação daqueles moradores, procurando acomodá-los uns com os outros

[e] fazendo [-os] desvanecer [de] todas as parcialidades que são as que perturbam as

Repúblicas; e que a não haja alguma pessoa que seja mais teimosa em se acomodar,

Vossa mercê me dará parte dela para exterminá-la como inimiga do bem comum; e

também dos bem procedidos para premiá-los com as honras de que forem dignos

(...)”.144

Neste trecho, conforme se observa, um dos pontos passíveis de destaque é o

próprio pragmatismo das políticas ensejadas por D. Brás Baltazar da Silveira para a

região, aqui expresso na prática comum à sua época de prometer castigos severos aos

vassalos mal-procedidos e, em contrapartida, premiar aqueles que agissem segundo os

interesses de Sua Majestade. Por conseguinte e no que se refere à distribuição das datas

minerais, exigiu D. Brás Baltazar que o Sargento-mor desse correto cumprimento às

disposições do Regimento das Minas em Pitangui, embora ele próprio tenha “inovado”

alguns aspectos, sobretudo quando, por exemplo, determinou que “depois da data de

Sua Majestade se tira[sse] a dos governadores (...)”.145

144 APM, SC 09, fls. 20-22v. “Instrução de que há de usar o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, que ora é mandado a Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de abril de 1714. Capítulo 01. 145 Sobre este aspecto, vale ressaltar que o Regimento das Minas editado em 1702 e ainda em vigor àquela época não fazia qualquer alusão à retirada de datas minerais para os governadores. Cf. APM, SC 01, fls. 33v-43 e APM, SC 02, fls. 46v-82. “Regimento original do Superintendente, guardas-mores e mais oficiais deputados para as minas de ouro que há nos sertões do Estado do Brasil”. Lisboa, 19 de abril de 1702.

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Do mesmo modo e de forma não menos sugestiva, pediu o governador que se

tirasse também “uma data para as obras públicas da cidade de São Paulo cuja Câmara se

acha[va] com poucos meios, sendo aquela povoação a capital de todo este Estado e os

seus habitadores aqueles a quem ele [era] devedor da sua grandeza”. Não satisfeito,

relatou ainda que “atendendo ao grande procedimento e exemplar desinteresse com que

Manuel de Afonseca serv[ia] a ocupação de Secretário [daquele] governo, hei por bem

que depois de repartidas as datas do Regimento, se retir[asse] uma para ele, não

o[b]stante o dito Regimento (...)”. Neste ponto, ciente da prática que inaugurava e já

provavelmente prevendo iguais reivindicações futuras, tal governador não deixou de

ressaltar, contudo, que “esta concessão não servirá de exemplo aos mais secretários,

nem outros quaisquer oficiais daqueles a quem Sua Majestade no Regimento não

permite dá-las; e ao mesmo Senhor faço presente os justos motivos que tenho para a

referida concessão (...)”.146

Ainda no que se refere à organização da atividade mineradora em Pitangui,

ordenou também D. Brás Baltazar que “nos mais descobrimentos que houver, se

informará Vossa mercê [o Sargento-mor Pedro Gomes Chaves] com toda a certeza de

quem forem os descobridores; e depois de vir no conhecimento deles, lhes ordenará

sirvam de Guarda mores dos seus descobrimentos e que nomeiem escrivães que devem

ser aprovados por Vossa mercê (...)”. Por fim, nos demais capítulos do referido

documento sugeria ainda que o Sargento-mor, na condição de autoridade máxima da

região, orientasse seus moradores no sentido de retirarem cartas de sesmarias das terras

por eles ocupadas, ao passo que tal autoridade deveria também remeter à Secretaria

daquele governo uma lista com o nome de todos os moradores do povoado: “porque

146 Todas as citações foram retiradas do Capítulo 02, APM, SC 09, fls. 20-22v. “Instrução de que há de usar o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, que ora é mandado a Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de abril de 1714.

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convém que eu [o governador] saiba o número de gente que se acha nessa paragem

(...)”.147

Contudo e não obstante tamanho rol de recomendações, D. Brás Baltazar da

Silveira não logrou sucesso de imediato. Fato elucidativo, passados apenas dois meses

do envio do Sargento-mor Pedro Gomes Chaves a Pitangui, o governador já estava a

enviar-lhe uma carta com os seguintes dizeres: “estranho muito a Vossa mercê não me

haver dado conta assim da sua chegada a essa paragem, como [também] da forma em

que se acharam os moradores dela, pois bem sabia Vossa mercê que me devia dar logo

conta de tudo (...); e isto se faz mais reparável em Vossa mercê que mostra desejar fazer

a sua obrigação; e advirto a Vossa mercê cuide mais nela porque sentirei perder o

conceito que até agora tive de Vossa mercê”.

Desconfiado de que o Regimento das minas ainda não havia sido cumprido em

Pitangui no que se refere à repartição das datas auríferas do novo descobrimento, D.

Brás Baltazar ordenou ainda a Pedro Gomes Chaves “lançar um bando da minha parte

para que todos os que se achem lavrando no novo descobrimento dentro de vinte e

quatro horas se retirem dele com os seus escravos; e retirados que forem todos irá Vossa

mercê com o guarda-mor Francisco Jorge [da Silva] fazer repartição do descobrimento

na forma do dito capítulo quinto [do Regimento]”.

Em conclusão à sua carta, exigiu ainda D. Brás uma resposta imediata por parte

de Pedro Gomes Chaves, ao passo que este estaria também obrigado a remeter-lhe um

histórico de todas as medidas até então adotadas em Pitangui, “(...) tendo Vossa mercê

[o Sargento-mor] entendido que os homens a quem se dão semelhantes comissões

devem haver-se com mais atividade, e obrar livremente sem receio de pessoa alguma,

147 Trechos retirados dos Capítulos 03 a 07, APM, SC 09, fls. 20-22v. “Instrução de que há de usar o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, que ora é mandado a Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de abril de 1714.

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porque havendo-o, não se pode dar a cada um o que lhe toca, nem fazer-se como é razão

do serviço de Sua Majestade.”148

Fracassando em diversos aspectos segundo a avaliação do governador, a estadia

de Pedro Gomes Chaves em Pitangui, no entanto, seria bastante curta, uma vez que em

14 de julho deste mesmo ano de 1714 recebeu ordens expressas para deixar a região.

Como nova incumbência, ficaria sobre sua responsabilidade a consecução de um mapa

da Capitania das Minas, que deveria ser feito “com a maior clareza possível”.149 De fato

e muito provavelmente descontente com o desempenho de Pedro Gomes Chaves, dias

antes D. Brás Baltazar da Silveira já havia nomeado novas autoridades para reger o

arraial de Pitangui. Assim, Antônio Pires de Ávila, que inclusive já ocupava o posto de

Sargento-mor do corpo de auxiliares da região desde dezembro de 1713, foi provido no

cargo de Superintendente das minas de Pitangui por carta de 18 de junho de 1714, ao

passo que neste mesmo documento foram igualmente encarregados da “regência e

governo daqueles moradores” Jerônimo Pedroso de Barros; Francisco Jorge da Silva;

Bartolomeu Bueno da Silva e Domingos Rodrigues do Prado.150

Neste ponto, conforme destaca Carla Anastasia, é interessante observar que

Pitangui ainda não havia recebido as insígnias de Vila, mas passou a ser governada

como tal por essa nascente elite formada por potentados e ricos proprietários locais.151

Dentre tais indivíduos, por conseguinte, merece particular destaque as figuras de

148 Trechos presentes em APM, SC 09, fls. 26-26v. “Para Pedro Gomes Chaves”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 07 de junho de 1714. 149 APM, SC 09, fl. 30v. “Ordem ao Sargento-mor Pedro Gomes Chaves”. Vila do Carmo, 14 de julho de 1714. 150 Respectivamente APM, SC 09, fls. 69-69v. “Carta patente passada a Antônio Pires de Ávila”. Vila Rica, 27 de dezembro de 1713; APM, SC 09, fl. 130v. “Provisão passada ao Sargento-mor Antônio Pires de Ávila. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 18 de junho de 1714. Sobre este aspecto, vale destacar que em sua correspondência D. Brás Baltazar da Silveira referia-se a tais homens como os “governadores” de Pitangui. De acordo com Raphael Bluteau, a expressão governador à época era entendida como “aquele que manda com supremo poder e autoridade”. Cf. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino. Coimbra: Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1713-1725. 151 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 88.

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Jerônimo Pedroso de Barros, Bartolomeu Bueno da Silva e Domingos Rodrigues do

Prado, todos velhos conhecidos das autoridades metropolitanas sediadas nas Minas.

Conforme se sabe, anos antes Jerônimo Pedroso e Bartolomeu Bueno tiveram

singular participação na revolta contra os emboabas, tendo o primeiro deles inclusive

atuado como uns dos principais líderes paulistas no contexto da deflagração do conflito

armado em 1708. Na verdade, Jerônimo Pedroso, à época conhecido como Jerônimo

“Poderoso”, celebrizara-se por seus litígios com Manuel Nunes Viana em Caeté às

vésperas da deflagração da guerra contra os forasteiros, episódio comumente referido na

historiografia como o “caso da espingarda” ou “o caso da arma de fogo”.152 Bartolomeu

Bueno da Silva, por sua vez – bandeirante de grande prestígio, cognominado “o

segundo Anhanguera” e também líder paulista na revolta armada de 1709 –, tornara-se,

conjuntamente com seu genro Domingos Rodrigues do Prado, um dos primeiros

povoadores de Pitangui.

Contudo, conforme já destacamos na introdução deste trabalho, nenhum

potentado da região se destacaria mais que Domingos Rodrigues do Prado. Natural da

Vila de Taubaté, ao longo do tempo Rodrigues do Prado construiu um verdadeiro

“território de mando”153 em Pitangui, agregando um extenso séquito de homens

armados a seu dispor. Sobre este aspecto, há inclusive um interessante relato no Códice

Costa Matoso acerca da “fama” alcançada por tal personagem na região: de acordo com 152 Embora não haja um consenso na historiografia e nem mesmo nas fontes referentes ao caso, tal episódio teria ocorrido no arraial de Caeté por volta do ano de 1709, quando um paulista emprestou uma arma de fogo de sua coleção – uma espingarda – a um forasteiro. Pretendo reaver sua arma, tal paulista não logrou sucesso, recorrendo então a Jerônimo Pedroso para que interviesse no caso; o forasteiro, tomando conhecimento do fato, tratou logo de pedir socorro a Manuel Nunes Viana. Como tais potentados não chegavam a um acordo, surgiu então a proposta de travarem um duelo, o que, ao que parece, não aconteceu. De qualquer forma, digno de nota é o fato de um conflito aparentemente banal ter se tornado uma questão de honra para ambos os partidos a ponto de atingir suas respectivas lideranças superiores e desencadear uma guerra entre os mesmos. A respeito deste contexto, o documento mais conhecido é a “Relação do princípio descoberto destas Minas Gerais e os sucessos de algumas coisas mais memoráveis que sucederam de seu princípio até o tempo que as veio governar o Excelentíssimo Senhor D. Brás Baltazar da Silveira”. CCM, p. 194-202, sobretudo as páginas 197-198. 153 Uma excelente discussão acerca do processo de formação de “territórios de mando” nas Minas setecentistas é encontrada em SILVA, Célia Nonata da. Territórios de mando: banditismo em Minas Gerais, século XVIII. Belo Horizonte: Crisálida, 2007.

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tal relato cuja autoria não é conhecida, em uma dada ocasião Domingos Rodrigues do

Prado teria descoberto uma enorme pedra crivada em ouro finíssimo. Atraindo a atenção

de seus correligionários, por conseguinte, Rodrigues do Prado resolveu então instalá-la

em um rancho com uma cortina na porta: quem quisesse apreciá-la, deveria dirigir-se a

ele e dizer “que queria ver a púrpura”. No rancho, servia-se “congonha, pito e

catimpuera” – iguarias tipicamente indígenas; agradecidos e impressionados ante tal

demonstração de prestígio e poder, Domingos Rodrigues do Prado era, por seu turno,

aclamado como “o monarca” de Pitangui.154

Segundo opinião de Maria Verônica Campos acerca de tais fatos, “nenhuma

narrativa poderia ser mais metafórica”, uma vez que “há uma associação entre a riqueza

obtida na mineração e os exercícios de poder: se a púrpura era o distintivo do soberano,

o ouro era o distintivo do potentado”.155 Por conseguinte e envolvendo-se

posteriormente em diversos crimes e assassinatos na região, conforme veremos mais

adiante, Domingos Rodrigues do Prado tornar-se-ia aos olhos da Coroa o principal

amotinador e líder rebelde da Vila, inimigo ferrenho dos sucessivos governadores das

Minas.

Todavia, verdade seja dita, nem sempre fora assim, uma vez que, além de já ter

anteriormente obtido a patente de Capitão-mor do povoado, em 09 de março de 1718 o

mesmo Domingos do Prado recebeu carta de nomeação como Provedor dos quintos da

freguesia de Pitangui, sendo a mesma registrada nos livros da secretaria daquele

governo.156 Assim como em outros casos semelhantes, falhou mais uma vez a estratégia

154 “Relação de um morador de Mariana e de algumas coisas mais memoráveis sucedidas”. CCM, p. 207-208. 155 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 210. 156 APM, SC 12, fl. 37v. “Provisão passada a Domingos Rodrigues do Prado e Suplício Pedroso Xavier”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de março de 1718. Neste ponto, vale destacar que, assim como Domingos Rodrigues do Prado, Suplício Pedroso Xavier foi considerado por Assumar como um dos principais “cabeças” dos motins de Pitangui.

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de cooptação dos poderosos locais empreendida pelos sucessivos governadores das

Minas.

Desta feita e uma vez estabelecidas as novas autoridades para administrar a

região, D. Brás Baltazar da Silveira tratou logo de dar seqüência à sua faina de

regularizar e legalizar a exploração aurífera do novo descobrimento do morro do

Batatal. Contudo e não obstante suas ordens, curiosamente, no mês seguinte D. Brás

Baltazar registrou o recebimento de informações referentes a Pitangui, dizendo-se

perplexo ante a disposição dos mineradores da região em expulsar Antônio Pires de

Ávila do arraial caso este interviesse na distribuição das datas auríferas locais.

Em resposta ao Superintendente, afirmou D. Brás que “(...) quanto à expulsão de

Vossa mercê ninguém se atreva, porque não duvidarão do grande procedimento que

terei contra eles se a tal se atreverem, e sempre Vossa mercê tirará a devassa deste caso

com grande segredo, e ma remeterá com toda a segurança”. Por conseguinte, ordenou

ainda a Antônio Pires de Ávila efetuar a arrematação da passagem sobre o rio Paraopeba

– passagem esta que dava acesso ao arraial –, ao passo que deveria também buscar

maiores informações acerca de “um caminho novo” que tais moradores da região teriam

supostamente construído, atrelando Pitangui ao sertão dos currais baianos.157

Com relação a este último aspecto e dada a gravidade da situação, na mesma

data o governador também escreveu aos principais moradores de Pitangui, exigindo dos

mesmos “as razões que tiveram para a abertura do novo caminho dos currais, e as

conveniências que disso se receberam para ver se se deve ou não conservar o dito

caminho de que Vossa mercês me deviam ter já dado parte por ser esta matéria grave e

não poderem Vossa mercês obrar nela sem resolução minha”. Ao final de tal carta e

valendo-se mais uma vez de sua peculiar retórica – àquela altura pouco eficaz, conforme

157 APM, SC 09, fls. 33v-34. “Para Antônio Pires de Ávila, Superintendente do distrito de Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 10 de agosto de 1714.

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se observa – ressaltou ainda D. Brás Baltazar fiar-se “de Vossa mercês e da fidelidade

que devem ao Real serviço; e a confiança que fiz de Vossa mercês para encarregá-los do

governo deste distrito obrarão de sorte que eu tenha lugar de fazer presente a Sua

Majestade o seu merecimento, e procurar pela minha parte os aumentos de Vossa

mercês e de todos esses moradores, a quem desejo toda a quietação e sossego, como

Vossa mercês da minha parte lhes podem significar”.158

Paralelamente, na junta celebrada em julho de 1714 em Ribeirão do Carmo para

decidir acerca da repartição das trinta arrobas de ouro entre as Comarcas da Capitania

referentes aos quintos daquele ano, exigiu-se que Pitangui concorresse com a quantia de

uma arroba de sua produção mineral. De fato, segundo informam os próprios registros

de D. Brás Baltazar da Silveira, nesta assembléia decidiu-se que a Comarca do Rio das

Velhas deveria contribuir com a soma de doze arrobas e vinte e duas libras de ouro,

cobrança esta que seria distribuída entre suas regiões mineradoras. No entanto, em carta

a Luis Botelho de Queirós, Ouvidor da referida Comarca em exercício à época,

confessou o governador lhe parecer totalmente “impraticável” a efetivação de tal

cobrança em Pitangui, “atendendo à miséria em que se achavam [esses moradores] sem

ter onde lavrarem ouro por se haver desvanecido o primeiro descobrimento (...)”.159 De

qualquer forma e não obstante os contratempos, tal cobrança foi efetivamente realizada

em Pitangui.

A este respeito, há inclusive um sugestivo documento datado de 28 de setembro

de 1714: na ocasião, o Desembargador André Leitão de Melo intentava proceder contra

alguns criminosos foragidos que, após assassinarem Antônio da Cunha Souto Maior,

teriam se escondido na região. Em carta ao Desembargador, D. Brás Baltazar, por sua

158 Trechos extraídos de APM, SC 09, fls. 34v-35. “Para os Governadores de Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 10 de agosto de 1714. 159 APM, SC 09, fls. 27v-28. “Para Luis Botelho de Queirós”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 10 [?] de junho de 1714.

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vez, sugeria cautela, ressaltando o quanto lhe havia custado “conservar os moradores de

Pitangui em sossego pelas inimizades que havia entre eles (...)”.

Assim, segundo as próprias palavras do governador, André de Melo deveria

considerar acima de tudo “o particular estudo que foi na sua quietação [de Pitangui]

pelas utilidades que dela tem resultado à Fazenda Real e ao aumento deste governo;

porque já para os quintos deste ano concorreram com uma arroba de ouro e a passagem

da Paraopeba e datas de Sua Majestade se arrematou tudo por mais de mil e quinhentas

oitavas; o que nada se conseguiria se eu os afugentasse; e para segurá-los me foi

necessária toda a persuasão porque como todos desta ou daquela sorte são criminosos,

queriam abandonar Pitangui, entendendo que Vossa mercê vinha proceder contra todos;

mas depois que lhe segurei que era somente contra os delinqüentes no caso de Antonio

da Cunha Souto Maior se aquietaram (...)”.160

Conforme se observa, ao se dirigir a uma autoridade externa à região, o

governador parecia se sentir bem mais à vontade para expressar “sua verdadeira

opinião” acerca dos moradores de Pitangui; nessa medida, de “leais vassalos de Sua

Majestade”, passavam a “bando de criminosos”. Desta feita, em princípios de fevereiro

de 1715 D. Brás Baltazar da Silveira finalmente optou por elevar o arraial à categoria de

Vila, a sétima criada em Minas. Segundo suas próprias palavras, “representando-me

segunda vez os paulistas a necessidade que tinham de que o arraial de Pitangui fosse

erigido em Vila, não só para o bom regime daqueles moradores, mas para melhor

expedição da cobrança dos reais quintos (...), parece conveniente que Vossa mercê [o

Ouvidor] vá fazer a dita ereção, pois só com as suas direções poderá ter excelente

forma, e ficarem satisfeitos aqueles povos (..)”.161

160 APM, SC 09, fls. 35v-36. “Para o Desembargador André Leitão de Melo”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 28 de setembro de 1714. Itálicos meus. 161 APM, SC 09, fls. 38v-39. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas e Sabará”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 06 de fevereiro de 1715.

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No entanto, na impossibilidade de efetuar tal viagem para dar cumprimento às

ordens que recebera do governador, a criação da municipalidade ficou a cargo do

próprio Superintendente de Pitangui, Antônio Pires de Ávila, evento que finalmente

realizou-se em 09 de junho de 1715.162 Desta forma e uma vez estabelecido o Senado da

Câmara da Vila, os principais moradores da região trataram logo de ocupar seus

principais cargos. Com relação a este contexto, é bastante sugestivo observarmos que,

conforme relatou o próprio governador, por duas vezes os potentados de Pitangui

pediram a D. Brás que elevasse o arraial à categoria de Vila, situação que relativiza

mais uma vez a arraigada concepção historiográfica segundo a qual as municipalidades

teriam sido “os olhos e ouvidos do rei” em terras de além-mar ao longo do período

colonial.

De fato, como já ressaltamos anteriormente, desde o século XVII os paulistas já

haviam concretizado a prática de fazerem da Câmara de São Paulo um instrumento

privilegiado para expressarem suas demandas e reivindicações, institucionalizando-as

junto às autoridades superiores e inclusive junto ao Rei.163 Assim, Pitangui não fugiria à

regra: novamente um artifício utilizado pela metrópole para estabelecer o controle

político-administrativo sobre regiões longínquas – ou seja, a elevação de arraiais em

Vilas – surtia efeito contrário, uma vez que os cargos criados passavam a agregar mais

poder e prestígio junto aos potentados locais.

162 A referência a tais fatos está expressa na carta-patente de Mestre de Campo passada a Antônio Pires de Ávila pelo então governador de São Paulo D. Rodrigo César de Menezes a 21 de outubro de 1721. Cf. Criação de Vilas no período colonial: Vila do Pitangui, RAPM, volume II, fascículo I, p. 90-92, 1897. 163 Análises mais abrangentes acerca do funcionamento das Câmaras municipais mineiras são encontradas nos estudos de RUSSEL-WOOD, A.J.R. O governo local na América portuguesa: um estudo de divergência cultural. Revista de História – USP, ano 25, v. 55, pp. 25-80, 1977 e de GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Dos Poderes de Vila Rica de Ouro Preto: Notas preliminares sobre a organização político-administrativa na primeira metade do século XVIII. Varia História, Belo Horizonte, n. 31, pp. 120-140, jan. 2004. Com relação às práticas políticas empregadas especificamente pelos paulistas, ver, sobretudo, MONTEIRO. O rei no espelho, p. 55 e ss. e ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008, com destaque para o Capítulo de número 05: “Idéias e práticas políticas”, pp. 225-275.

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Segundo a opinião de Diogo de Vasconcelos acerca destes fatos, D. Brás

Baltazar não teria percebido que “se os paulistas lhe pediram a criação da Vila, [é

porque] tinham em mente evitar que [lhes] atingisse a justiça da Vila Real [do Sabará],

onde os reinóis já tinham ganho terreno e dominavam”.164 De qualquer forma, se a

criação da Vila justificava-se pela necessidade de uma melhor “expedição na cobrança

dos reais quintos” conforme alegou D. Brás, este logo viu naufragar suas pretensões. De

acordo com Sílvio Gabriel Diniz, tais moradores, dando prosseguimento a práticas

anteriores, simplesmente “não mandaram Procuradores às Juntas de 04 de fevereiro, 13

e 18 de maio de 1715; 22 de julho de 1716; 16 de junho de 1718 e 24 de outubro de

1720, todas sobre a forma de pagamento dos reais quintos”.165

Da mesma forma, nos meses que se seguiram à criação da municipalidade a

situação em Pitangui tornou-se particularmente grave, sobretudo quando, devido à

tentativa de se realizar a cobrança do imposto, várias autoridades camerárias foram

assassinadas na região a mando de Domingos Rodrigues do Prado, à época Capitão-mor

da Vila. Infelizmente, as fontes documentais que cobrem esse período são bastante

escassas em informações mais precisas acerca deste fato, mas sabe-se que nos meses

que antecederam o ocorrido Domingos Rodrigues do Prado ordenara a publicação de

editais na Vila ameaçando de morte quem simplesmente “falasse” em pagamento de

quintos a Sua Majestade. Assim e em confirmação às suas ameaças, quando de fato

iniciou-se a arrecadação dos quintos na Vila, foram assassinados Valentim Pedroso de

Barros – a quem havia sido encarregada a cobrança do tributo – seu sogro e seus

164 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 129-130, v. 02. Ainda no que se refere ao processo de criação da municipalidade em Pitangui, afirma Sílvio Gabriel Diniz haver inclusive tradição segundo a qual os paulistas da região teriam erigido a Vila à revelia do governador, com a denominação de “Vila Nova do Infante das Minas de Pitangui”. Contudo, não há maiores referências documentais para sustentar tal hipótese, ao passo que, conforme defende o próprio autor, “se os paulistas pediram-lhe [ao Governador], por duas vezes, a criação [da Vila], é porque não haviam criado Vila”. A este respeito, ver, DINIZ, Sílvio Gabriel. Capítulos da história de Pitangui. Belo Horizonte: Edição do Autor, 1966, p. 13-14. 165 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 130.

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cunhados; Jerônimo Pedroso de Barros, irmão de Valentim e à época Juiz ordinário da

Vila foi ferido, mas sobreviveu ao atentado.166

Além da gravidade de tais eventos, digno de nota neste episódio é o fato dos

irmãos Pedroso acima referidos – potentados paulistas que tiveram significativa

participação na luta contra os forasteiros em 1709, conforme vimos – estarem, nesse

novo contexto, atuando em favor das determinações do governador em Pitangui. Assim,

ao entrarem em conflito com o taubateano Domingos Rodrigues do Prado e seu séqüito

no que se refere a disputas por interesses locais, tais paulistas acabaram tendo um triste

fim.

Analisar esses eventos, contudo, requer certos cuidados, sobretudo quando se

tem em mente o próprio contexto de litígios historicamente estabelecidos entre os

homens do Planalto de Piratininga à época da revelação dos primeiros descobertos

auríferos nas Minas na última década do século XVII. Como se sabe, com o alvorecer

da mineração na Capitania surgiram intensas rivalidades entre os sertanistas, sobretudo

no que se refere à disputa pela primazia nos descobertos: naqueles tempos, figurar entre

os pioneiros nos novos descobrimentos era condição fundamental para se pleitear

retribuições e privilégios junto ao Rei, situação que provocou uma verdadeira corrida

entre os bandeirantes no sentido de oficializarem seus achados.167

Como não poderia deixar de ser, logo surgiram clivagens, principalmente entre

paulistas e taubateanos, conjuntura que muito provavelmente reverberou nestes conflitos

166 Conforme já destacado, não há maiores informações documentais acerca deste episódio e nem sequer sabemos a data correta dos acontecimentos, uma vez que as únicas referências disponíveis são os comentários presentes na correspondência administrativa de D. Pedro de Almeida, o sucessor de D. Brás Baltazar da Silveira no governo da Capitania. Contudo, é mais provável que tais eventos tenham ocorrido entre 1716 e 1717, pois foi nesse período que Jerônimo Pedroso ocupou o cargo de Juiz ordinário da Vila. Cf. APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717. 167 Sobre este aspecto, ver o interessante estudo de ANDRADE, Francisco Eduardo de. A invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nos sertões do ouro (1680-1822). Tese de Doutorado, Departamento de História, FFLCH – USP, 2002.

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em Pitangui.168 Sobre este aspecto, nos anos posteriores o próprio D. Pedro de Almeida

deu mostras de conhecer bem tal situação, mostrando-se esperançoso frente a

possibilidade de desbancar o poderio de Domingos Rodrigues do Prado na região, “(...)

sendo ele de Taubaté, com quem os paulistas não fazem muita liga (...)”.169 Assim,

segundo sua opinião, não seria inclusive de se estranhar caso algum paulista de Pitangui

intentasse remetê-lo preso à sede daquele governo em troca do perdão de algum crime

anteriormente cometido, tamanha a dissensão entre ambas as facções.

Neste contexto de conflitos de difícil solução e já no avançar do ano de 1717, D.

Brás Baltazar, por conseguinte, deu claros sinais de sua completa descrença frente a

possibilidade de alcançar êxito em suas relações com os potentados de Pitangui. De fato

e estando prestes a encerrar seu período de governo da Capitania, em uma de suas

últimas cartas enviadas àquela Câmara datada de 02 de maio do referido ano, expôs D.

Brás todo o seu descontentamento frente à postura adotada por tais moradores nos anos

anteriores. Assim e sem maiores delongas, dirigiu-se o governador aos camaristas de

Pitangui com os seguintes dizeres:

“Entendia-se que Vossa mercês como bons vassalos de Sua Majestade que Deus

guarde sediam da sua teima mandando Procurador ao ajuste dos reais quintos que se fez

em Vila Rica, e a sua repartição que se ordenar nesta, e vendo a sua obstinação não

posso deixar de dizer a Vossa mercês que cada vez reconheço com maior evidência que

são filhos da rebeldia, pois não bastam os exemplos dos leais vassalos que se acham

nestas Minas para Vossa mercês pagarem a Sua Majestade o que lhe é devido dos reais

quintos, sendo certo que o dito Senhor de nenhuma sorte os há de perder pois devem, e 168 A respeito dos conflitos envolvendo paulistas e taubateanos no alvorecer das Minas, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 45-55 e 200; ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, p. 258 e ss.; além das análises presentes em MONTEIRO, John Manuel. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 86-99, jul. 1999 & RUSSEL-WOOD, A.J.R. Identidade, etnia e autoridade nas Minas Gerais do século XVIII: leituras do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 100-118, jul. 1999. 169 APM, SC 11, fls. 198v-199v. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 04 de fevereiro de 1720.

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pode pagar-se do que é seu e castigar com rigorosa mão quem como Vossa mercês o

desconhece por seu soberano faltando-lhe com o pagamento que por direito lhe é

devido”.

Em claro tom de repreensão, finalizava D. Brás a sua carta, relembrando que

“Vossa mercês já devem ao dito Senhor cinco arrobas de ouro, três do ano antecedente e

duas do que corre na forma do termo que lhes remeto, e assim podem tomar as medidas

convenientes desenganado-se de que Sua Majestade nas fazendas de Vossa mercês há

de fazer o seu embolso; e não queiram Vossa mercês que o dito Senhor a respeito do seu

procedimento faça a função de Rei e não de Pai como até agora tem feito com Vossa

mercês perdoando-lhe os repetidos insultos que tem obrado, o que agora não

sucederá”.170 Sob tais ameaças e impossibilitado de dar cumprimento às ordens de

cobrança dos quintos na Vila, D. Brás Baltazar da Silveira logo encerrou seu período de

governança da Capitania.

Como balanço preliminar, após cerca de duas décadas de efetiva ocupação das

Minas, não há como negar os avanços alcançados pela administração metropolitana em

tais terras, não obstante os percalços. Embora muitas questões ainda aguardassem

soluções efetivas, foi ao longo desse período que a Capitania ganhou sua primeira feição

administrativa, seja no que se refere ao governo político, militar e religioso de sua

incipiente população, seja na própria efetivação da cobrança dos quintos régios,

recursos estes que, por sinal, não poderiam alcançar o reino em melhor hora. Contudo,

estando ou não satisfeito com o desempenho de seus agentes nas Minas até aquele

momento, o fato é que nos anos subseqüentes Sua Majestade veria profundas mudanças

nas diretrizes superiores da Capitania: iniciava-se, por conseguinte, a “era” Conde de

Assumar.

170 Trechos retirados de APM, SC 09, fl. 49v. “Para os oficiais da Câmara de Pitangui”. Vila Real de Nossa Senhora da Conceição 02 de maio de 1717.

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CAPÍTULO 2 – “AS MINAS EM CHAMAS”: O GOVERNO DE D. PEDRO

MIGUEL DE ALMEIDA E PORTUGAL, CONDE DE ASSUMAR

2.1 – O enredo de um conflito

Aos 24 de julho de 1717, D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal deixou o Rio

de Janeiro em direção à cidade de São Paulo onde, seguindo a prática inaugurada por

seus dois antecessores imediatos – D. Antônio de Albuquerque e D. Brás Baltazar da

Silveira – tomaria posse do governo da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro.

Nomeado por Sua Majestade como novo governador da região em consulta ao Conselho

Ultramarino realizada em 22 de dezembro de 1716, D. Pedro de Almeida – futuro

Conde de Assumar e Marquês de Castelo Novo e Alorna – aportara em terras

americanas a 17 de julho de 1717. A viagem do Rio de Janeiro às Minas, porém, seria

extremamente penosa para um homem como ele: apesar de formado nos campos de

batalha da Europa, inclusive com destacada participação na Guerra de Sucessão

Espanhola (1701-1713), ainda não possuía nenhuma experiência no ultramar. De

imediato, estranharia o clima, as gentes, os costumes; sem o saber, daria início a um dos

governos mais conturbados da história de Minas colonial, tendo que lidar com diversos

potentados sertanejos e seus séquitos a amotinar os povos; clérigos e militares

insubmissos; autoridades metropolitanas em constantes conflitos de jurisdição; além das

recorrentes ameaças de revoltas e rebeliões escravas.171

A respeito de seus primeiros dias na América portuguesa, assim como de suas

impressões iniciais acerca dos habitantes do “Novo Mundo” temos interessante e

conhecido documento, o “Diário da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o

171 Interessantes análises acerca da biografia de D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, assim como do tempo em que esteve a serviço do rei – tanto na Europa, quanto na América e Ásia – são encontradas em SOUZA, Laura de Mello e. Estudo crítico. In: DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994, pp. 13-59 & em SOUZA. O sol e a sombra, pp. 185-252.

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Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717”.172

Conforme se sabe, tal relato foi escrito por um acompanhante anônimo da comitiva de

D. Pedro que por sua vez descreveu detalhadamente o cotidiano da viagem então

realizada entre a cidade do Rio de Janeiro e Vila Rica, sobretudo no que se refere aos

percalços enfrentados pelas autoridades no trato com uma natureza e clima hostis. De

acordo com a opinião de Laura de Mello e Souza, nesta viagem “entre uma e outra

estadia urbana, o Conde dormiu em rede, viu-se na iminência de comer macaco e içá,

teve de suspender a jornada devido ao mau tempo, ou de enfrentar ‘marcha tirana’ e

‘lameiros’ para vencer a serra de Paranapiacaba”.173

Fato elucidativo do primeiro contato entre tais oficiais régios recém-chegados da

Europa e as autoridades militares locais se deu quando um corpo formado por 150

cavaleiros recebeu a comitiva do mais novo governador da Capitania a uma légua de

distância da cidade de São Paulo. Na ocasião, segundo relata o autor do diário da

viagem, os componentes da tropa paulista “vinham tão ridículos cada um por seu modo

que era gosto ver a diversidade das modas e das cores tão esquisitas, porque havia

casacas verdes com botões encarnados, outras azuis agaloadas por uma forma nunca

vista; e finalmente todas extravagantes: vinham alguns com as cabeleiras tão em cima

dos olhos que se podia duvidar se tinham frente; traziam então o chapéu caído para trás

172 DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. RSPHAN, no 03, 1939, pp. 283-316. 173 DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 31. De acordo com um trecho do relato de viagem, a 04 de outubro “continuou Sua Ex.ª a jornada, e chegando a um sítio chamado Iatevotiva [sic], no qual somente havia uma má casinha de palha, aí passou a noite bem perseguido de baratas, que eram em abundância praga tão grande neste país, como em Europa os percevejos. O dono do rancho era paulista o qual com generoso ânimo ofereceu a Sua Ex.ª para cear meio macaco, e umas poucas de formigas, que era com tudo quanto se achava. Agradeceu-lhe Sua Ex.ª a oferta, e perguntando-se-lhe [sic] a que sabiam aquelas iguarias, respondeu-o que o macaco era a caça mais delicada que havia naqueles matos circunvizinhos, e que as formigas eram tão saborosas depois de cozidas que nem a melhor manteiga de Flandres lhe igualava”. Cf. DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. RSPHAN, no 03, 1939, p. 307-308.

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que faziam umas formosas figuras, principalmente aqueles que abotoavam as casacas

muito acima”.174 Acerca deste episódio, conforme bem destacou Laura de Mello e

Souza, “se nas duas cidades [São Paulo e Rio de Janeiro] adotava-se, talvez às vezes na

forma de um arremedo grotesco, o padrão europeu de comportamento, o sertão era o

império do imprevisto e o espaço da diferença”.175

O percurso do Rio de Janeiro a São Paulo, por conseguinte, foi vencido pela

comitiva do governador num período de cerca de um mês e uma semana: chegando a

esta cidade no dia 31 de agosto de 1717, D. Pedro de Almeida tomou posse a 04 de

setembro na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, diante dos principais da Câmara e

demais “notáveis” da região.176 Como parte integrante da cerimônia de sua posse e de

acordo com o referido relato, nesta ocasião D. Pedro proferiu um discurso “com tanta

eficácia e com tanta propriedade, que todos ficaram admirados (...)”.177

Deste seu discurso em particular e ainda segundo análises de Laura de Mello e

Souza, digno de nota foi o apelo do governador aos paulistas para que os mesmos

dessem prosseguimento às suas atividades de prospecção pelo sertão da América

portuguesa. Assim, após ressaltar seus próprios serviços anteriormente prestados à

Coroa, D. Pedro de Almeida fez questão de destacar em sua fala a grande importância

dos homens do Planalto de Piratininga no desbravamento das regiões interioranas do

174 DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. RSPHAN, no 03, 1939, p. 302. 175 DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 31. 176 Segundo o relato, a cerimônia teve que ser celebrada no templo, uma vez que a “pequenez” da Casa da Câmara não o permitia. Cf. DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. RSPHAN, no 03, 1939, p. 303. 177 Documento publicado e analisado de forma pioneira por Laura de Mello e Souza, tal discurso é, sem dúvida alguma – conforme ressalta esta mesma autora – bastante elucidativo no que se refere ao próprio encaminhamento das políticas metropolitanas para a América portuguesa neste período ainda notadamente marcado por incertezas e instabilidades. Cf. DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

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território, seja no combate aos quilombolas e ao gentio bravio – verdadeiros entraves ao

avanço da colonização – seja na descoberta dos metais e das pedras preciosas.

Segundo suas próprias palavras, notória era a “heroicidade” e “intrepidez”

daqueles homens que, ao acometerem “serras asperíssimas e espessos bosques nunca

penetrados”, combatendo “ora com feras inumanas, ora com feras racionais”, agiram

sem maiores pretensões do que bem servir a Sua Majestade. Enfrentando “fomes, sedes,

inclemências e solidões – perigos tantas vezes experimentados”, deram a “El Rei nosso

Senhor vários países tão ricos e tão opulentos, que hoje são as pedras que com mais

esplendor adornam a sua real diadema”.178

Ainda segundo o documento acima referido, ao término de sua audiência com

“as gentes do Planalto”, mais uma vez o governador exortou os paulistas a darem

prosseguimento aos seus empreendimentos de busca de novos descobertos auríferos,

prometendo-lhes, por conseguinte, pomposas retribuições. De acordo com D. Pedro de

Almeida, tanto nesta quanto em outras atribuições semelhantes a obediência às

determinações de Sua Majestade deveria ser o princípio supremo ao qual todos

deveriam se curvar e aquiescer: fonte de inspiração aos demais vassalos, ele próprio – o

governador – pretendia ser o “vivo exemplo da obediência que ao soberano se lhe

deve”.179

Nessa medida e talvez ignorando a própria experiência administrativa adquirida

por seus dois antecessores no governo da Capitania até aquele momento, mal sabia o

Conde que reger as Minas exigiria grande flexibilidade e poder de negociação, a ponto 178 DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 35. 179 Segundo suas palavras, caso os paulistas agissem em favor do engrandecimento da Fazenda Real promovendo novas descobertas de metais e pedras preciosas, poder-se-iam ficar “todos certos que choverão em número as graças e as honras de Sua Majestade, e abrir-se-ão os seus copiosos tesouros para remunerar tais serviços”. Cf. DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 40.

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até mesmo de não se dar cumprimento a determinadas ordens régias que ocasionalmente

poderiam colocar em risco a paz e a ordem pública na região.180

Em dezembro de 1717, por conseguinte, D. Pedro de Almeida já se encontrava

na Vila de Ribeirão do Carmo. Oportunamente, durante todo este mês o governador

participou de vários “jantares” e reuniões com D. Brás Baltazar da Silveira, tendo muito

provavelmente se inteirado de todos os assuntos referentes às Minas. Já nos primeiros

meses de sua administração, contudo, tratou logo de esboçar as novas diretrizes que a

partir de então orientariam o governo político, militar e financeiro da Capitania.

Na verdade, conforme destacam diversos autores e estudiosos do período em

questão, D. Pedro de Almeida fora enviado às Minas com a iminente incumbência de

aumentar o rendimento dos reais quintos, ao passo que deveria também desarticular as

redes locais de poderosos e contrabandistas que igualmente abundavam em todo o

território.181 Assim, como parte inicial de suas atribuições, caberia ao novo governador

efetivar uma nova forma de arrecadação dos reais quintos, proceder à arrematação das

passagens dos Caminhos do Sertão e Novo, além de efetuar o reordenamento das

milícias e criar a tropa paga.182

De acordo com as análises de Maria Verônica Campos acerca deste contexto,

observa-se que desde o primeiro momento D. Pedro de Almeida buscou implementar

medidas que minimizassem a participação das Câmaras na cobrança dos quintos, assim 180 Sobre este aspecto, é bastante ilustrativo o conhecido episódio no qual o rei de Portugal D. João V ordenara ao governador D. Brás Baltazar da Silveira efetuar a cobrança dos quintos das Minas por bateias a partir de novembro de 1714. Na impossibilidade de dar cumprimento a tal determinação e temendo colocar em risco o próprio controle político sobre a região em decorrência da eclosão de motins no arraial de Morro Vermelho e Caeté, D. Brás Baltazar logo descartou tal ordem, recebendo posteriormente vários elogios por parte de Sua Majestade. Cf. APM, SC 04, fl. 189v. “Carta de D. Brás Baltazar da Silveira ao rei”. Vila do Carmo, 28 de março de 1715. Tais fatos foram analisados por VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 125-129, v. 02 e por CAMPOS. Governo de mineiros, p. 148-152. 181 A este respeito, ver, dentre outros CAMPOS. Governo de mineiros, p. 254-255; ANASTASIA, Carla Maria Junho. Entre Cila e Caribde: as desventuras tributárias dos vassalos de Sua Majestade. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 237-246, jul. 1999. 182 Curiosamente, a determinação para se efetivar a criação de uma tropa paga na região das Minas já havia sido passada a D. Antônio de Albuquerque quando este ocupava o cargo de governador da Capitania; contudo, por falta de homens de confiança e/ou recursos disponíveis, tal medida não chegou a ser implementada. A este respeito, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 115.

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como arrematar os contratos de passagem dos “Caminhos do Sertão” sem a interferência

dos potentados locais, sobretudo de Manuel Nunes Viana e seus sequazes.183

No que se refere aos impostos relativos à extração aurífera, àquela época ainda

vigorava a quota de trinta arrobas anuais, ao passo que os direitos de entradas e demais

impostos cobrados nos registros eram todos revertidos para as Câmaras municipais.

Nessa medida, em junta realizada a 01º de março de 1718 na Vila de Ribeirão do

Carmo, decidiu-se que os quintos seriam cobrados no valor de 25 arrobas de ouro

anuais, montante ao qual seriam acrescidos os rendimentos dos registros. Deste modo,

conforme se observa, as Câmaras deixariam de ser responsáveis pela cobrança dos

quintos, ao passo que seriam criados os cargos de Provedores paroquiais, sujeitos aos

Provedores Gerais das Comarcas. Como resultado parcial de tais medidas, logo se

verificou um relativo aumento nas arrecadações dos tributos, além da conseqüente

diminuição das prerrogativas camerárias.184

Entretanto, como era de se esperar, tais mudanças não ocorreriam sem percalços

e resistências por parte dos moradores das Minas. De imediato, D. Pedro de Almeida

encontrou grandes dificuldades para estabelecer o contrato dos registros de Barra do Rio

das Velhas, região altamente estratégica para as Minas, sobretudo no que se refere ao

comércio de gado, escravos e demais mercadorias provenientes da Bahia. Manuel

Nunes Viana, agindo em conluio com o Padre Antônio Curvelo de Ávila – mais

conhecido à época como o Pe. Curvelo – logo embargou todas as medidas propostas

pelo governador para a região, ameaçando inclusive restringir a passagem de gado

183 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 172 e ss. 184 Acerca deste contexto, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 168-178 e VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 149-150, v. 02. Sobre tais mudanças na forma de cobrança dos reais quintos, em uma de suas diversas cartas enviadas ao Ouvidor-Geral da Comarca do Rio das Velhas, o Dr. Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha, afirmou o governador que o seu ânimo era que “os quintos entr[asse]m em direitura na mão dos assessores da Fazenda Real sem pararem pelo conduto das Câmaras, onde se esperam então tantos descaminhos (...)”. Cf. APM, SC 11, fl. 27. “Para Bernardo Pereira de Gusmão”. Vila do Carmo, 04 de abril de 1718.

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bovino às Minas, o que ocasionalmente poderia gerar crises de abastecimento e

instabilidades na Capitania.185

Para igual desassossego do Conde governador, poucos meses após tais episódios

– comumente tratados pela historiografia como os Motins de Barra do Rio das Velhas

(1718) – Manuel Nunes Viana também se envolveria nos conflitos de distribuição de

terras minerais ocorridos na região de Catas Altas em 1719. Como não poderia deixar

de ser, tal situação exigiu medidas rigorosas por parte do governador a fim de se evitar

um novo motim de grandes proporções nas Minas.186

No que se refere à região de Pitangui em específico, a essa época – conforme já

destacamos anteriormente – a Câmara da Vila acumulara uma dívida de 05 arrobas de

ouro junto ao fisco referentes aos quintos dos dois anos antecedentes. Por conseguinte,

em uma de suas primeiras cartas endereçada aos camaristas de Pitangui datada em 25 de

abril de 1718, D. Pedro de Almeida se dizia perplexo diante da displicência dos

moradores da região, uma vez que estes pretendiam satisfazer a referida cobrança com o

envio de apenas 1600 oitavas de ouro à Secretaria daquele governo. Da mesma forma,

estranhava ainda o governador o fato de nenhuma autoridade da Vila ter requerido até

aquele momento a renovação de suas provisões e cartas patentes, situação que

deslegitimava todos os atos até então por eles praticados.187

Com efeito, em carta similar à enviada aos camaristas de Pitangui e num tom

veladamente ameaçador, na mesma data o Conde escreveu as seguintes linhas a

185 Curiosamente, a princípio o governador das Minas pretendeu estabelecer o contrato do registro de Barra do Rio das Velhas sob o apoio de Manuel Nunes Viana. Contudo, meses depois logo percebeu os perigos que tal aliança poderia proporcionar. A este respeito, ver APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717 e APM, SC 11, fls. 55-56. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 27 de setembro de 1718. 186 A respeito dos Motins de Barra do Rio das Velhas e Catas Altas, consultar ANASTASIA. Vassalos rebeldes, pp. 99-112. 187 APM, SC 11, fl. 30. “Para a Câmara de Pitangui”. Vila do Carmo, 25 de abril de 1718. Curiosamente e não obstante seu descontentamento frente a atuação dos camaristas de Pitangui, nesta mesma carta D. Pedro de Almeida fez questão de noticiar aos mesmos que Sua Majestade havia lhe concedido o título de Conde de Assumar, o terceiro de sua linhagem. Assim, conforme suas palavras, D. Pedro achou por bem divulgar tal informação “porque entendo [Vossa mercês] se hão alegrar com todas as minhas fortunas”.

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Domingos Rodrigues do Prado, à época Capitão-mor da Vila: “não posso deixar de

admirar-me de que a Câmara dessa Vila entenda satisfazer com 1600 oitavas de ouro

aos quintos de dois anos, fazendo-se mais merecedora da minha estranheza que de

agradecimento algum, pois me faz persuadir da minha comiseração a fez abusar daquele

termo que antes a devia obrigar a fazer todos os esforços possíveis para que a Fazenda

de Sua Majestade não fique tão prejudicada, e assim como eu entendo que era grande

carga para esse povo a de cinco arrobas que se lhe lançaram, também (...) hei de

estranhar que a Câmara a queira reduzir a tão pouca quantidade, como a que agora

remeteram, e assim hei a Vossa mercê por muito recomendado este negócio para que

concorra da sua parte com toda a diligência para que se faça esta com o cuidado que se

requer e não fique El Rei por sorte entendendo que eu faltei [no que lhe devo] (...)”.188

Significativamente, por essa época – conforme se depreende da documentação –

a situação política de Pitangui era de grande instabilidade. Seus moradores, temerosos

ante a possibilidade de uma ação rigorosa por parte do governador, ameaçavam

abandonar a região, estratégia inclusive comumente empregada pelos paulistas em

situações desfavoráveis ou de risco iminente.189 Tomando conhecimento de tais

circunstâncias, o Conde de Assumar, por sua vez, resolveu mudar de estratégia,

expedindo ordens para que se publicasse o perdão e “indulto geral” a todos os

moradores da Vila e seu distrito que por ventura estivessem incursos nos crimes de

sublevação anteriormente ocorridos. Como justificativa para as medidas então adotadas,

Assumar destacou a importância e as “grandíssimas” utilidades que poderiam advir à

Fazenda Real caso a exploração das minas da região permanecesse em plena atividade,

188 APM, SC 11, fls. 30-30v. “Para Domingos Rodrigues do Prado, Capitão-mor do Pitangui”. Vila do Carmo, 25 de abril de 1718. 189 A este respeito, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 122 e ss.

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situação que se encontrava sob ameaça dada a tendência de despovoamento da Vila

naquela ocasião.190

Documento bastante interessante, o indulto publicado por Assumar, contudo,

não era um mero perdão aos amotinados de Pitangui. Agindo com claras intenções de

cooptar os poderosos locais e manter o controle sobre a região, D. Pedro de Almeida

afirmava, no entanto, que a sua “real” pretensão era a de repovoar a Vila “não [apenas]

com os moradores que antes tinha, mas com todos os que da Comarca de São Paulo se

quiserem ali estabelecer (...)”. Assim, conforme suas próprias palavras, tal medida

“mostraria aos paulistas o eficaz ânimo com que desej[ava] protegê-los em virtude das

ordens de Sua Majestade, nas quais assim mo manda praticar em remuneração do

incomparável serviço que os mesmos paulistas lhe fizeram no descobrimento destas

minas de que tem resultado acrescentar-se ao seu Real domínio esta nova e tão

considerável conquista, e a Sua Real Fazenda grandíssimas conveniências, e assim

mesmo aos seus vassalos (...)”.191

Como condição para a efetivação do dito perdão, exigia o governador que os

antigos moradores se recolhessem no prazo de um ano à Vila e seu distrito, assim como

“todos os paulistas que da Comarca de São Paulo se quiserem de novo estabelecer, o

que todos farão vindo com suas mulheres e famílias, e com todo o estabelecimento de

negros e carijós que antes tinham, como também os que sem serem casados tiverem esta

mesma fábrica, para que conste que vem com ânimo de permanecer e existir na dita

paragem (...)”. “E como se não deve fazer diferença entre os vassalos de Sua Majestade

190 APM, SC 11, fls. 272-273. “Sobre o perdão e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito”. Vila Real, 30 de maio de 1718. 191 Todos os trechos citados foram extraídos de APM, SC 11, fls. 272-273. “Sobre o perdão e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito”. Vila Real, 30 de maio de 1718.

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de qualquer dos seus domínios, tanto de Portugal, América e Ilhas, [continuava o

Conde], o dito perdão e indulto concedo a todos geralmente na forma sobredita”.192

Dando prosseguimento ao seu plano de pacificação da região, no mesmo

documento prometeu ainda o governador que dali por diante os quintos seriam cobrados

na Vila “com toda a suavidade”, ao passo que os novos moradores que ali se

estabelecessem nos dois anos subseqüentes – sendo possuidores de dez ou mais negros

ou carijós – estariam todos obrigados a pagarem apenas a metade do valor estabelecido

para o imposto. Do mesmo modo, sesmarias seriam doadas para que tais homens

pudessem, em conjunto com suas famílias, plantarem lavouras e estabelecerem

moradias fixas.

A medida mais impactante, no entanto, ainda estava por vir: não satisfeito com

as concessões feitas até o momento, Assumar prometeu também o foro de “Cavalheiro”

a todos os indivíduos que servissem nos cargos de Juízes, Vereadores e Procuradores da

Vila de Pitangui, privilégio idêntico ao que já havia sido concedido nos anos anteriores

aos camaristas da Cidade de São Paulo.193 Curiosamente, ao que parece, tamanha

liberalidade por parte de Assumar causou grande estranhamento nos membros do

Conselho Ultramarino, o que por sua vez rendeu ao governador severas críticas e

reprimendas por parte de Sua Majestade. De acordo com as análises de Francisco

Eduardo de Andrade, o Conselho Ultramarino reprovou a concessão do perdão aos

criminosos de Pitangui, assim como do privilégio de “Cavaleiro” dado aos oficiais da

Câmara da Vila, avaliando que o governador exorbitara de sua função, usando de um

192 Todos os trechos acima citados foram extraídos de APM, SC 11, fls. 272-273. “Sobre o perdão e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito”. Vila Real, 30 de maio de 1718. 193 APM, SC 11, fls. 272-273. “Sobre o perdão e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito”. Vila Real, 30 de maio de 1718.

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direito privativo do Rei. O Conde, por seu turno, concordou com o parecer do

Conselho.194

Neste meio tempo, por conseguinte, D. Pedro de Almeida recebeu uma

auspiciosa notícia: segundo rumores, Domingos Rodrigues do Prado estava prestes a

deixar temporariamente a Vila de Pitangui a fim de cuidar de seus assuntos pessoais no

Planalto paulista.195 Sugestivamente, em carta ao Desembargador Bartolomeu de Souza

Mexia, anos depois o próprio Conde de Assumar registraria suas impressões acerca do

referido episódio. De acordo com seu relato, naquela ocasião Domingos Rodrigues do

Prado partira para o recôncavo de São Paulo por suas próprias conveniências; “(...) e eu

que não desejava outra coisa dei graças a Deus da sua resolução, porque enquanto ali

estava aquele homem não havia forma de executar em cousa alguma o serviço de Sua

Majestade; nem cobrar quintos como era razão, porque até ali cada um pagava o que

queria, e ele que sempre [dizia] às gentes daquela Vila a que os não pagassem; e, além

disto, era aquele distrito um dos coutos de todos os criminosos deste governo (...)”.196

Ciente da resolução de Domingos Rodrigues do Prado, o governador tratou de

agir com presteza: de imediato, expediu ordem aos camaristas de Pitangui para que

nomeassem um novo Provedor dos quintos para a Vila, o qual deveria ser oficial “de

conhecido zelo e atividade no serviço de Sua Majestade”.197 Da mesma forma, a 28 de

julho deste mesmo ano enviou minuciosas instruções ao Brigadeiro João Lobo de

Macedo que a partir de então estaria encarregado da regência e governo dos moradores

194 CONSULTAS do Conselho Ultramarino (1680-1718). RIHGB, Rio de Janeiro, v. 1, tomo especial, 1956, pp. 124-126. Apud ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, p. 276, nota 67. 195 APM, SC 11, fl. 34-34v. “Para os juízes e oficiais da Câmara de Pitangui”. Vila Real, 28 de maio de 1718. 196 APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu Bueno de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720. 197 APM, SC 11, fls. 34-34v. “Para os juízes e oficiais da Câmara de Pitangui”. Vila Real, 28 de maio de 1718.

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de Pitangui.198 Neste sentido, utilizando-se da mesma estratégia já adotada anos antes

por D. Brás Baltazar da Silveira, Assumar pretendia estabelecer o controle sobre a

região através do envio de uma autoridade externa com plenos poderes para administrar

a Vila, o que ocasionalmente poderia ofuscar a predominância dos potentados locais.

Conforme se observa em sua carta patente, João Lobo de Macedo era um

experiente oficial português: nascido na província do Minho, possuía extenso rol de

serviços anteriormente prestados à Coroa, tanto no reino quanto na América, galgando

em sua trajetória os mais diversos postos na hierarquia militar. De acordo com o próprio

Conde de Assumar, João Lobo estava a serviço de Sua Majestade desde o ano de 1682:

ora em Portugal, ora no ultramar, ocupara os postos de Soldado, Cabo de Esquadra,

Sargento, Alferes, Capitão de Infantaria (no Rio de Janeiro e em Nova Colônia) e

Ajudante de Tenente (em Pernambuco), com exercício de Tenente General. De seu

passado em armas, constavam atuações no combate a diversos quilombos e tribos

indígenas bravias nas Minas, ao passo que também compusera as tropas que

acompanharam D. Antônio de Albuquerque ao Rio de Janeiro quando da invasão

francesa em 1711-1712. Como parte da retribuição a tais serviços prestados, em abril de

1714 D. Brás Baltazar da Silveira o nomeara inclusive Brigadeiro de Infantaria daquele

governo, com preeminência sobre todos os demais militares (Mestres de Campo,

Coronéis, Capitães-mores e demais oficiais).199

Dessa forma e dotado de tal “currículo”, João Lobo de Macedo parecia aos olhos

de Assumar como o homem ideal para a regência de Pitangui naquele momento. No que

se refere às “instruções” que recebera para o cargo, por conseguinte, – assim como

acontecera com Pedro Gomes Chaves quando de seu envio por D. Brás Baltazar para

198 APM, SC 11, fls. 40-41v. “Instrução que leva o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 28 de julho de 1718. 199 APM, SC 12, fls. 59v-60v. “Carta patente passada a João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 30 de julho de 1718.

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reger a Vila anos antes – a missão de João Lobo resumia-se a aquietar os ânimos dos

moradores da região e dirimir todas as divergências pré-existentes. Para alcançar tal

objetivo, segundo a opinião de Assumar, João Lobo de Macedo teria que se valer de

toda a prudência e moderação possível, pois caso contrário não lograria nenhum sucesso

no trato com tais homens.200

Dos treze capítulos que compunham as “instruções” que levava o Brigadeiro,

alguns merecem particular destaque. De início, afirmava o governador que o seu grande

desejo era “ver povoadas aquelas minas”, ao passo que o perdão que mandara publicar

absolvendo todos os moradores de Pitangui dos crimes anteriormente cometidos

demonstraria o quanto “[era] inclinado aos paulistas para favorecê-los em todos os

negócios que tiverem justiça (...)”. Revelando sua opinião acerca dos costumes da gente

de São Paulo, sugeria o Conde que João Lobo os assentasse em partes estáveis e

duradouras “[para] que não andem vagabundos como é costume nos paulistas (...)”; de

qualquer forma, era preciso “usar com eles de afabilidade, e bom modo, e tratá-los em

todas as matérias mais com brandura que com rigor, porque sendo os paulistas

naturalmente temerosos e que facilmente se receiam de qualquer coisa, (...) é necessário

[fazer o] que for possível [para] desassombrá-los”.

No que se refere à distribuição dos cargos do Senado da Câmara, ordenava ainda

o governador que os mesmos fossem repartidos em igual número entre reinóis e

paulistas – “havendo-os capazes” – advertindo que “sobre isto há ordem expressa de

Sua Majestade”. Na verdade, segundo a opinião do Conde, era preciso associar os

paulistas aos reinóis “para desfazer a oposição que há entre uns e outros”, “porque das

desuniões entre os vassalos se seguem conseqüências mui perniciosas à República”. Por

fim, dispunha Assumar que às pessoas que “de novo” quisessem se estabelecer na Vila

200 Cf. APM, SC 11, fls. 40-41v. “Instrução que leva o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 28 de julho de 1718.

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com suas famílias e agregados fossem-lhes dadas cartas de sesmarias que por sua vez

deveriam ser devidamente registradas; com relação aos religiosos das diversas ordens

existentes nas Minas à época, era preciso vedar a passagem dos mesmos à Vila a fim de

se evitarem novos tumultos e contendas.201

Todavia, e para novo desassossego de D. Pedro de Almeida, mais uma vez a

prática administrativa em terras coloniais denotava a lacuna existente entre a teoria

política e a realidade vivenciada, apartando-se esta última das determinações presentes

nas leis, ordens e alvarás. Nesse sentido, pouco mais de um mês após repassar tais

instruções ao Brigadeiro João Lobo de Macedo, Assumar recebeu informações de que

os moradores de Pitangui, sob armas, intentavam proibir a entrada de tal autoridade na

Vila. Nessa medida, a 05 de setembro de 1718 – cerca de apenas três meses após ter

publicado o perdão a todos os amotinados da região – o governador dirigiu-se aos

camaristas de Pitangui nos seguintes termos:

“As desobedientes resoluções dessa Câmara e desses moradores, e o mau

costume em que estão de repugnarem a todas as ordens dos seus superiores, tem

apurado tanto a minha paciência e a minha moderação, que determinando eu até agora

usar desta apesar dos atrozes delitos que neste distrito se cometem, como a emenda

deles é aumentar delito a outro delito, já me vou desenganado de que visse o remédio

que há para que esses moradores vivam na mesma sujeição dos outros deste Governo é

obrigá-los pela força, e com asperezas do castigo; e para isto, não espero mais que ver

verificadas as notícias que aqui correm de que nessa Vila se não queria aceitar ao

Brigadeiro João Lobo que mandei para governar esse distrito e que com insolência

inaudita pretendiam Vossa mercês levantar por ali um Capitão-mor (...)”.

201 Todas as referências e trechos citados nos parágrafos acima foram retirados do documento APM, SC 11, fls. 40-41v. “Instrução que leva o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 28 de julho de 1718.

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“E podem estar certos Vossa mercês, [concluía o Conde], que se uma vez

desembainhar a espada, chamarei à memória todos os delitos passados, e não entendam

Vossa mercês que a distância dos matos me há de servir de embaraço para deixar de

colher os delinqüentes, pois já a experiência lhe pode ter mostrado o modo porque me

custa fazer estas diligências, mas se assentassem Vossa mercês consigo o viver na

obediência que devem como leais vassalos, nada disso será necessário; mas receio que o

mau hábito em que Vossa mercês estão os faça reincidir muitas vezes nos seus

desacertos, e ficando por este respeito menos acreditada a fé que de antes tinha em

Vossa mercês, me resolvo a ir eu a ser testemunha dos seus procedimentos, e assim

Vossa mercês me mandem preparar uma Casa nessa Vila e concertar os caminhos para

estarem prontos sempre que me parecer partir para essa Vila”.202

2.2 – “Tumba da paz, berço da rebelião (...)”

Na realidade, conforme se observa nas próprias cartas trocadas entre as diversas

autoridades da Capitania, o mês de setembro de 1718 foi determinante no que se refere

ao recrudescimento das tensões entre o governador e os potentados locais de Pitangui.

Pretendendo cercear a entrada de João Lobo de Macedo na Vila, semanas antes os

moradores da região nomearam a Manuel Dias da Silva como novo Capitão-mor do

local, atitude que causou fortes reprimendas por parte do Conde de Assumar.

Significativamente, a 08 de setembro deste mesmo ano o governador escreveu

duas cartas, uma endereçada a Manuel Dias da Silva e outra aos camaristas de Pitangui.

Às autoridades camerárias da Vila, afirmava o Conde ter informações precisas acerca de

todos os acontecimentos passados, estranhando o fato de tais homens, “esquecendo-se

da obrigação de leais vassalos, [estarem obrando] mais como bandidos e ferozes, 202 APM, SC 11, fl. 47. “Para os oficiais da Câmara da Vila de Pitangui”. Vila do Carmo, 05 de setembro de 1718.

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[envolvendo] o povo em tal desatino (...)”. Assim, exigia que tais autoridades logo

dessem posse ao Brigadeiro João Lobo de Macedo, “sob pena de mandar pôr fogo a

essa Vila para que não haja mais memória dela (...)”.203

A Manuel Dias da Silva, por conseguinte, escreveu o Conde as seguintes linhas:

“Recebi a carta de Vossa mercê e se algumas pessoas me não tiveram segurado que

Vossa mercê aceitará a nomeação do povo para fazer com mais brevidade aceitar o

Brigadeiro João Lobo conforme as minhas ordens, certamente contra Vossa mercê se

converteria toda a minha indignação, porque me não posso persuadir que um homem

seja branco e seja honrado e falte as obrigações de leal vassalo e a submissão que deve

ao seu príncipe, fazendo-se cabeça de um povo amotinado; e ainda mais me espanta

[continuava o Conde] pretendendo ser Vossa mercê os principais desta Vila, e achando-

se nela com amigos e parentes, não tivesse valor para reprimir o atrevimento desse

povo; mas veres o que Vossa mercê obra na aceitação do Brigadeiro João Lobo para

então acabar de conhecer o fim deste negócio (...)”.204

Contudo, o mais grave ainda estava por vir, uma vez que João Lobo de Macedo

– mesmo a despeito das ordens e orientações expressas que recebera do governador –

atrasara clamorosamente a sua partida para Pitangui. Indignado, também a 08 de

setembro o Conde enviou uma carta ao Brigadeiro e num tom de desabafo, afirmou:

“Confesso a Vossa mercê que já vou desconfiado de não saber governar este governo,

porque me não vale o prevenir os sucessos e dispor as cousas para ele, pois aqueles que

deviam observar as minhas ordens as executam como melhor lhes parece; (...) e agora

203 APM, SC 11, fls. 47-47v. “Para a Câmara de Pitangui”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718. Sobre este aspecto, é interessante notar que neste documento os camaristas de Pitangui alegaram que poderosos da região os obrigaram a dar posse a Manuel Dias da Silva como Capitão-mor da região. Assumar, por sua vez, não deu crédito a tal versão, afirmando que “(...) essa Câmara, com alguns particulares, ou conspirou neste caso para que o povo se levantasse, ou são tão indignos e tão pusilânimes que não tiveram valor para mostrar a cara e reprimir a insolência de quatro atrevidos (...)”. 204 APM, SC 11, fl. 47v. “Para Manuel Dias da Silva”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718.

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que o caso está sucedido, quero ter o gosto de me pôr como expectador [para ver] como

Vossa mercê o remedia”.205

Na realidade, segundo versão presente nas fontes oficiais, o Brigadeiro João

Lobo de Macedo estava à época em fragorosa desavença com Suplício Pedroso Xavier,

antigo Provedor dos quintos de Pitangui e um dos principais potentados da região. Tal

litígio decorria da disputa pela posse de um escravo que se encontrava na casa de João

Lobo, situação que, de acordo com os documentos e registros do governador, justificaria

o temor deste em ocupar a regência da Vila conforme as ordens de Assumar.206

Diante de tal impasse, a solução engendrada por Assumar foi apelar para alguns

moradores da região considerados “mais confiáveis e afeitos à ordem pública” a fim de

facilitarem a entrada do Brigadeiro na Vila. Ao que parece, sua estratégia logo surtiu

efeito, pois a 22 do referido mês de setembro o governador recebeu a notícia de que

João Lobo de Macedo já havia tomado posse do cargo na Câmara de Pitangui.207

Significativamente, nesta data o governador enviou várias cartas de agradecimentos a

diversos moradores da Vila, elogiando o fato de todos terem igualmente colaborado

para que o Brigadeiro entrasse em Pitangui e ocupasse o cargo para o qual havia sido

designado.208

Sobre este aspecto, conforme se pode supor, é provável que Assumar tenha se

valido inclusive das próprias divisões internas entre os potentados de Pitangui a fim de 205 APM, SC 11, fls. 47v-48. “Para o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718. 206 A este respeito, ver APM, SC 11, fls. 47v-48. “Para o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718; APM, SC 11, fl. 48v. “Para Suplício Pedroso”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718. 207 APM, SC 11, fl. 48. “Para Diogo da Costa da Fonseca”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718; APM, SC 11, fls. 49-49v. “Para Joseph Rodrigues Betim”. Vila do Carmo, 10 de setembro de 1718; APM, SC 11, fls. 53-53v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 18 de setembro de 1718; APM, SC 11, fls. 53v-54. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 22 de setembro de 1718. 208 Na extensa lista de colaboradores composta por Assumar constavam os nomes de Gaspar Barreto; José Ferraz; Francisco Bueno de Camargo; Lourenço do Prado; Luis Calassa; Antônio Rodrigues Velho – juiz ordinário de Pitangui; Antônio Ribeiro da Silva; Manuel Preto; Antônio Leme do Prado; Diogo da Costa da Fonseca; Miguel de Faria Sodré; Júlio César Moreira; José de Campos Bicudo e José Rodrigues Betim. Cf. APM, SC 11, fl. 54v. “Para Gaspar Barreto”. Vila do Carmo, 22 de setembro de 1718.

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alcançar seus objetivos, sobretudo no que se refere às clivagens pré-existentes

envolvendo paulistas e taubateanos e entre os mesmos e os reinóis. Fato elucidativo,

entre os colaboradores do governador listados no documento anteriormente destacado

(nota de rodapé nº 208), quase todos eram paulistas, alguns de reconhecida inimizade

com Suplício Pedroso Xavier, Domingos Rodrigues do Prado e seu séquito.

A entrada de João Lobo de Macedo na Vila, contudo, estaria longe de

representar a vitória de Assumar frente aos interesses e pretensões autonomistas dos

potentados de Pitangui. De imediato e como reflexo de acordos firmados à revelia das

ordens do governador, uma das primeiras medidas administrativas tomadas pelo

Brigadeiro foi publicar um novo perdão a todos os indivíduos envolvidos nos crimes e

motins anteriormente cometidos na região. Tal procedimento, como não poderia deixar

de ser, causou grande indignação em Assumar, uma vez que no capítulo 07 das

instruções que remetera a João Lobo constava que este não deveria prometer “nada de

positivo” aos moradores da Vila, ao passo que ele – o governador – deveria ser

previamente consultado antes da adoção de qualquer medida que não constasse em suas

ordens.209

Como reprimenda ao Brigadeiro, a 22 de setembro de 1718 Assumar lhe enviou

uma carta, dizendo não consentir de forma alguma na publicação do novo perdão aos

amotinados de Pitangui. De acordo com suas próprias palavras, parecia-lhe “muito mal

estar cada dia ridicularizando o respeito e autoridade de El Rey (...) pelas culpas desse

povo, e pelo respeito com que se atreve a cometer todo gênero de delitos, talvez fiados

na facilidade com que se lhe perdoam, porque não é este o caminho por onde se devem

estabelecer as Colônias; e estas só se fazem perpétuas e duráveis na boa administração

da Justiça, que em faltando tem certa a sua destruição (...)”. Da mesma forma, afirmava

209 APM, SC 11, fls. 53v-54. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 22 de setembro de 1718.

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ainda que “nem eu sei que El Rey, nem o público tenham conveniência em que essa

Vila esteja povoada de tais vassalos que cada dia estejam levantando-se e faltando a

obediência que devem, nem são estes os que desejo que a povoem, e virá a importar

muito pouco que os desta casta desamparem o seu domicílio; antes pelo contrário, só

assim fica lugar para sair estabelecendo a quietação com que eu procuro vivam os que

vierem de novo a fazer aí a [sua] subsistência”.210

A esta altura, segundo se observa, “a opinião” do governador acerca do caráter

dos moradores de Pitangui já havia sofrido mudanças substanciais, sobretudo quando se

compara o conteúdo do trecho acima destacado com o tom ameno das primeiras cartas

do governador enviadas aos camaristas da Vila. Conforme as próprias palavras de

Assumar deixam entrever, de fato, neste novo contexto a pretensão do Conde era punir

exemplarmente os principais líderes dos motins de Pitangui, uma vez que a omissão do

castigo em semelhantes casos poderia trazer conseqüências “mais perigosas e de maior

pendor” para as Minas, pois serviam de [mau] exemplo às demais regiões.

Desta forma e sem maiores perdas de tempo, o governador logo iniciou a

organização e mobilização de tropas militares para um eventual assalto à Vila de

Pitangui. Em carta ao Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas datada de 09 de

setembro, afirmava o Conde que “(...) suposto que até agora usei com eles [os

moradores de Pitangui] de toda a moderação, para ver se com esta, com a brandura

podia domar aquelas feras, mostra a experiência que isto para eles não vale cousa

alguma; é necessário agora procurar o do rigor, e assim Vossa mercê logo que esta lhe

chegar passe à dita Vila de Pitangui a tomar conhecimento deste caso, (...) porque para

210 Todos os trechos citados estão presentes em APM, SC 11, fls. 54-54v. “Para o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 22 de setembro de 1718.

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Sua Majestade mais conveniente lhes será que a não haja que ter ali um contínuo

fermento de rebelião (...)”.211

No entanto e dadas as próprias limitações do aparato militar da Capitania, mais

uma vez o Conde de Assumar teve que solicitar a colaboração e o apoio de diversas

autoridades das Minas para compor a tropa, sobretudo no que se refere ao envio de

escravos, cavalos, armas e mantimentos.212 Contudo e não obstante a gravidade da

situação, o governador ainda titubeava no que diz respeito à melhor maneira de

enquadrar os delinqüentes de Pitangui, pois, conforme ele mesmo afirmara em diversas

oportunidades, conhecendo “o caráter dos paulistas” e seus “labirintos antigos”, o mais

provável era que, ao primeiro rumor de castigo, tais homens debandassem em

precipitada fuga, malogrando o empreendimento. Por outro lado, havia também dúvidas

de qual seria o melhor momento para agir, sobretudo naquela ocasião em que o

Brigadeiro João Lobo de Macedo já se encontrava na Vila.213

Neste impasse, a 27 de setembro deste mesmo ano de 1718 o governador enviou

uma carta ao Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas, o Dr. Bernardo Pereira de

Gusmão e Noronha, pedindo-lhe que “dilatasse” por alguns meses a sua viagem a

Pitangui – incumbência esta que deveria ser executada posteriormente na forma de uma

“correição”.214 Na realidade, neste período D. Pedro de Almeida ainda estava às voltas

211 APM, SC 11, fls. 48v-49. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718. 212 Sobre este aspecto, em uma de suas diversas ordens publicadas solicitava o Conde que “A todo Mestre-de-Campo, ou Coronel, e daí para baixo qualquer oficial de qualquer grau ou qualidade que seja que for notificado por esta minha ordem, se ponha logo pronto com as pessoas armadas de seus Regimentos no número que o Dr. Ouvidor Geral Bernardo Pereira de Gusmão lhe determinar; e seguirão em tudo a ordem que da minha parte lhe der nas diligências do serviço de Sua Majestade aonde o mandar, advertindo que a gente que levarem há de se pagar pelo preço que o dito Dr. Ouvidor lhe arbitrar; e assim lhe ordeno a todos os que forem a esta diligência façam (...) à gente que consigo levarem toda boa ordem e disciplina, sem consentir em roubos nem inquietações aos paisanos nas suas roças e fazendas”. APM, SC 11, fl. 53v. “Ordem”. Vila do Carmo, 18 de setembro de 1718. 213 APM, SC 11, fls. 53-53v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 18 de setembro de 1718. 214 APM, SC 11, fls. 55-56. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 27 de setembro de 1718. Conforme se sabe, era prática comum à época os Ouvidores Gerais das Comarcas realizarem visitas

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com a chegada de uma nova frota portuguesa ao Rio de Janeiro, o que lhe obrigava a

ajustar todas as contas fiscais da Capitania com grande urgência a fim de remeter os

impostos arrecadados ao reino sem maiores problemas.215

Envolto em tais atividades, porém, meses depois Assumar recebeu a informação

de que alguns religiosos “mal procedidos” estavam a insuflar os moradores de Pitangui

a rebelarem-se novamente contra todas as ordens que partissem de Ribeirão do Carmo.

A 04 de novembro de 1718, por conseguinte, o Conde enviou nova carta ao Brigadeiro

João Lobo de Macedo, exigindo a prisão imediata de tais religiosos e o envio dos

mesmos à sede daquele governo. Segundo as palavras do governador, era inaceitável o

clima de rebeldia vivenciado pelos habitantes de Pitangui, “pois quando esses

moradores se sossegam por uma parte, pela outra os de fora os querem envolver em

inquietações”.216

Curiosamente, um dos personagens arrolados no episódio – o padre Miguel

Mascarenhas – era irmão do jesuíta Joseph Mascarenhas, homem de estrita confiança de

Assumar. Joseph Mascarenhas, tendo atuado como conselheiro pessoal do governador

durante sua estadia nas Minas, foi provavelmente também um de seus colaboradores na

elaboração do Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no

ano de 1720, obra que justificava as ações implementadas pelo Conde na ocasião da

Revolta de Vila Rica.217 Por conseguinte, em carta a Miguel Mascarenhas, Assumar

dizia-se admirado diante do fato de um irmão do padre Joseph Mascarenhas – “de quem

periódicas aos povoados e Vilas de sua jurisdição para resolverem litígios e processos em atraso; eram as chamadas “correições”. 215 Sobre este aspecto, conforme bem destacou Júnia Ferreira Furtado, sempre que se espalhava a notícia de que uma nova frota portuguesa se aproximava do Rio de Janeiro, a população da Capitania entrava em reboliço: com os navios, chegavam também novas mercadorias, encomendas, cartas particulares e ordens régias, ao passo que o fisco igualmente apertava suas rédeas no que se refere às dívidas em atraso. A este respeito, ver FURTADO. Homens de negócio, 2006. 216 APM, SC 11, fl. 68v. “Para o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 04 de novembro de 1718. 217 A este respeito, ver SOUZA. Estudo crítico. In: DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994, pp. 13-59.

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era tão amigo” – andar “por este País envolvendo os povos em perturbações, e

escandalizando a todos com um procedimento muito alheio a um eclesiástico (...)”.

Porém, continuava o Conde “(...) como não posso me persuadir de todas as notícias que

me chegam, logo que Vossa mercê [o padre Miguel Mascarenhas] receber a presente,

venha a esta Vila a representar-me a razão que o acompanha para um tal procedimento,

e lhe advirto que assim convém muito ao serviço de Sua Majestade; e fio de Vossa

mercê o dê logo execução sem demora alguma”.218

Na realidade, desde os primórdios de seu governo Assumar travou uma

verdadeira guerra contra os religiosos mal procedidos nas Minas, campanha esta, aliás,

já esboçada por seus antecessores no governo da Capitania. Sobre os padres,

recorrentemente recaíam críticas de que, valendo-se dos privilégios de sua condição,

não raro vários deles infiltravam-se em redes de contrabandos e tratos ilícitos, além de

instilarem os povos ao não pagamento dos impostos devidos. No que se refere à atuação

dos frades em Pitangui, na ocasião Assumar recorreu ao Vigário da vara de Sabará – a

quem os religiosos da região estavam submetidos – e inclusive ao Bispo do Rio de

Janeiro, denunciando as irregularidades cometidas e exigindo providências.219

Em carta datada de 28 de novembro de 1718 endereçada ao Padre João Vaz

Ferreira, Vigário da vara de Sabará, afirmava o Conde não saber “em que se fundava a

política dos Senhores eclesiásticos destas Minas; e menos a de Vossa mercê, em nunca

medirem as suas resoluções com o tempo em que as tomam, pois vendo Vossa mercê

quão Pitangui estava melindroso com um levantamento público ainda mal concluído, e 218 APM, SC 11, fls. 68v-69. “Para o Padre Miguel Mascarenhas”. Vila do Carmo, 04 de novembro de 1718. Outro religioso envolvido no episódio foi o padre Domingos Marques Cabral. A este, Assumar escreveu as seguintes linhas: “Por justos motivos do serviço de Sua Majestade, é muito conveniente que Vossa mercê se abstenha de entrar na Vila de Pitangui e seu distrito, o que aviso a Vossa mercê advertindo-lhe que ao Brigadeiro João Lobo de Macedo tenho dado ordem o não consinta ali, e fio de Vossa mercê usará nesta matéria com tal prudência que não seja necessária segunda advertência”. Cf. APM, SC 11, fl. 69. “Para o Padre Domingos Marques Cabral”. Vila do Carmo, 04 de novembro de 1718. 219 APM, SC 11, fl. 80. “Para o Padre João Vaz Ferreira, Vigário da vara do Sabará”. Vila do Carmo, 28 de novembro de 1718; APM, SC 11, fls. 81v-82v. “Para o Bispo do Rio de Janeiro”. Vila do Carmo, 30 de novembro de 1718.

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quando a prudência requeria deixar algum tempo serenar a tempestade, vai Vossa mercê

introduzir-lhe uma guerra a mais intestina que se pode imaginar; e o padre [Manuel]

Mascarenhas, [continuava o Conde], é tão bom executor que não há doidice que sobre

esta matéria não tenha inventado, ora com piedade afeitada [sic], ora com bravuras e

bravatas como as de um Rodamonte [sic] (...)”. Nessa medida, ordenava o governador

que o referido Vigário desse “pronto remédio” a tal caso e “atalhasse todas as desordens

cometidas”, pois caso contrário utilizaria ele de todas as prerrogativas que o rigor da lei

permitia em semelhantes situações.220

Ao Bispo do Rio de Janeiro, por sua vez, alertava o Conde que “todas as coisas

sobreditas confirmarão a Vossa Ilustríssima na opinião que já alguns têm neste Governo

de que eu me intrometo muito com os eclesiásticos; mas oxalá que eles não me deram

motivo nenhum para eu me meter com eles, porque não ando na verdade tão ocioso,

nem tão pouco ocupado com os negócios próprios que vá buscar os alheios; mas não

permite Deus que haja estas cousas para minha tentação e queira a sua Divina

misericórdia que eu não caia nela, nem no mau exemplo que estes me dão com os seus

ódios; com as suas cizânias; com as suas teimas; com os seus concubinatos; com as suas

valentias; e com a vida licenciosa com que aqui pretendem viver, servindo-se só da

santa imunidade do seu caráter para ficarem impunes nos seus delitos e para entenderem

que para eles não há lei, nem Rei, nem bons costumes, nem freio que modere as suas

condutas, sendo para eles muito pequeno o céu, o inferno, e o escândalo dos homens

(...)”.221

Nos meses que se seguiram, no entanto, não só Pitangui mas as Minas como um

todo vivenciariam um novo clima de recrudescimento das tensões. Em fevereiro de

220 APM, SC 11, fl. 80. “Para o Padre João Vaz Ferreira, Vigário da vara do Sabará”. Vila do Carmo, 28 de novembro de 1718. 221 Trechos extraídos de APM, SC 11, fls. 81v-82v. “Para o Bispo do Rio de Janeiro”. Vila do Carmo, 30 de novembro de 1718.

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1719 – no mesmo período em que Sua Majestade, o Rei de Portugal, expedia as ordens

para a ereção das Casas de Fundição na Capitania – Assumar recebeu a informação de

que Diogo da Costa da Fonseca, um dos colaboradores do governador em Pitangui,

havia sido brutalmente assassinado na região. A essa época, Diogo da Costa ocupava

um dos cargos de Provedor dos quintos da Vila e, ao que sugerem as fontes, Domingos

Rodrigues do Prado, já tendo provavelmente retornado a Pitangui, estava indiretamente

envolvido em sua morte.222

Indignado perante tal situação, em carta ao Ouvidor do Rio das Velhas datada de

02 de março deste mesmo ano, afirmava o Conde que “(...) não sendo eu muito amigo

de sangue, nestes casos desejaria matar os matadores se são aqueles que eu cuido (...), e

tomara que se [averigúe] bem esta matéria que os [hei] de perseguir até o último”.223

Curiosamente, contudo, neste período há uma relativa lacuna nas fontes documentais

acerca de Pitangui e, ao que tudo indica, a morte de Diogo da Costa da Fonseca não foi

apurada nesta ocasião.

Nesse sentido, apenas em outubro de 1719 temos novas referências acerca de

Pitangui: em carta ao Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha datada em 23 do

referido mês, relatou o Conde ter notícias de que dias antes os camaristas da Vila, com a

anuência de João Lobo de Macedo, intentaram estabelecer um contrato para reger o

comércio da aguardente de cana da região. Segundo o relato do governador, na proposta

de implantação do contrato estava previsto que os rendimentos auferidos seriam

empregados na construção de uma nova Casa de Câmara, uma igreja e um sobrado para

eventuais visitas dos governadores à Vila. Tal medida, contudo, não agradou aos

potentados de Pitangui que, sob a liderança de Domingos Rodrigues do Prado,

222 Acerca deste episódio, ver APM, SC 11, fls. 109v-110. “Para o Mestre de Campo Nicolau de Souza (...)”. Vila do Carmo, 05 de fevereiro de 1719 e APM, SC 11, fls. 114-115. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 02 de março de 1719. 223 APM, SC 11, fls. 114-115. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 02 de março de 1719.

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expulsaram o Brigadeiro João Lobo de Macedo da região. Deste modo, estava mais uma

vez amotinada a Vila.224

João Lobo de Macedo, por sua vez, na ocasião taxado de insubmisso e mau

servidor por parte de Assumar, acabou sendo preso apenas em junho de 1720 em uma

das fazendas de Paschoal da Silva Guimarães, um dos principais adversários do

governador à época e a quem João Lobo havia pedido asilo. Neste ponto, conforme se

observa, não é difícil supor que há muito João Lobo de Macedo já fora cooptado pela

rede de apaniguados de poderosos locais cujo líder supremo era Manuel Nunes Viana, o

maior inimigo do Conde governador.225 Assim, curiosamente, João Lobo de Macedo,

antes aclamado como o mais fiel dos oficiais de Sua Majestade na América portuguesa,

agora se transmutara em rebelde e traidor.226

Em carta aos camaristas de Pitangui datada em 13 de novembro de 1719,

Assumar, por seu turno, afirmava estranhar o fato de tal Câmara, “com as pessoas

principais que antecedentemente se viram nela e outros que pela sua obrigação deviam

atender a de vassalos leais a Sua Majestade, se não resolvessem em rebater as

insolências do povo, mas deixá-lo cometer um atentado semelhante (...)”. Da mesma

forma e em tom de reprovação no que se refere às atitudes então tomadas pela

população contra João Lobo, reiterava o Conde que em semelhantes situações “não

224 APM, SC 11, fls. 157-159v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 23 de outubro de 1719. 225 Paschoal da Silva Guimarães – um dos principais líderes da Revolta de Vila Rica iniciada em meados de 1720 – sempre fora um grande aliado de Manuel Nunes Viana e seu séquito. Da mesma forma, mesmo se situando nos sertões da Capitania ao final da Guerra dos Emboabas em 1709, Nunes Viana também nunca perdera seu poder de influência sobre as populações locais, concretizando alianças inclusive com os sucessivos Vice-reis baianos a fim de desestabilizar o governo das Minas. A este respeito, ver, dentre outros CAMPOS. Governo de mineiros, p. 82 e 141. 226 A prisão de João Lobo de Macedo foi efetivada pelo Tenente-General do Sabará Joseph de Moraes Cabral. A respeito deste episódio, ver DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994, p. 77-80. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza; APM, SC 11, fls. 239-239v. “Para Joseph de Moraes Cabral”. Vila do Carmo, 25 de junho de 1720; APM, SC 11, fls. 240-240v. “Para João da Silva Guimarães”. Vila do Carmo, 25 de junho de 1720; APM, SC 11, fls. 240v-241. “Para o Ouvidor desta Comarca”. Vila do Carmo, 25 de junho de 1720; APM, SC 11, fl. 241. “Para Joseph Moraes Cabral”. Vila do Carmo, 26 de junho de 1720; APM, SC 11, fls. 241-241v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 26 de junho de 1720.

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tocava a ninguém senão a mim castigá-lo, porque já não estamos no tempo antigo em

que cada um fazia justiça pela sua mão (...)”. Contudo, continuava o governador, “como

me não quero parecer com os paulistas na pouca moderação, e não desejo outra coisa

mais que a paz e o sossego em atenção ao dessa Vila, ordeno a Vossa mercês me

proponham logo três sujeitos paulistas dos mais capazes e beneméritos para Capitão-

mor dessa Vila; e nomear-me-ão ao mesmo tempo três sujeitos reinóis com as mesmas

circunstâncias, para que destas seis escolha eu o que me parecer mais acertado, para

cujo efeito ouvirão Vossa mercês aos homens principais desta terra”.227

Ao propor tais medidas, porém, ao que parece o governador procurava ganhar

um pouco mais de tempo, uma vez que, conjuntamente com as demais autoridades da

Capitania, simultaneamente arquitetava uma forma de punição aos potentados rebeldes

de Pitangui – punição esta, aliás, já prevista fazia doze meses. Nesse sentido, dias antes,

em carta endereçada ao Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas, explicava o Conde que

“enquanto os quintos não chega[sse]m de Pitangui, não [seria] conveniente fazer-se lá

diligência nenhuma; mas depois deles chegados, será muito conveniente que vejam a

cara a um Ministro que ainda não viram, para que não vá criando raízes muito fortes as

suas insolências com os contínuos disfarces das suas repetidas sublevações, servindo

estas de escândalo e de mau exemplo aos demais povos (...)”.228

No entanto, tal estratégia traçada pelo governador logo traria novos agravantes

para o clima de rebeldia vivenciado pela Vila naqueles tempos, uma vez que Domingos

Rodrigues do Prado, desconfiado das atitudes tomadas por Manuel de Figueiredo

Mascarenhas – à época um dos juízes ordinários de Pitangui – ordenou que o mesmo

fosse assassinado. De fato, ao que parece Manuel de Figueiredo Mascarenhas era um

227 APM, SC 11, fls. 167v-168. “Para os oficiais da Câmara da Vila de Pitangui”. Vila do Carmo, 13 de novembro de 1719. 228 APM, SC 11, fls. 163-164. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 02 de novembro de 1719.

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dos informantes do Conde no que se refere às atitudes tomadas pelos potentados locais,

o que provavelmente despertou a ira de Rodrigues do Prado e seu bando. Por outro lado,

coagidos – ou mesmo num tom de desafio à autoridade do governador – os camaristas

de Pitangui indicaram o próprio Domingos Rodrigues do Prado como principal nome

para ocupar o cargo de Capitão-mor da Vila.229

Neste contexto, em longa porém sugestiva carta a Bernardo Pereira de Gusmão e

Noronha datada em 05 de dezembro de 1719, mais uma vez Assumar pôde desferir todo

o seu furor e indignação perante o ocorrido.230 Com a retórica que lhe era peculiar,

assim D. Pedro de Almeida relatou o episódio ao Ouvidor: “Agora chegou aqui um

próprio de Pitangui que me deixa com a maior lástima, e com a maior impaciência que é

possível, porque depois de serem tão velhacos aqueles rebeldes de cometerem o

atentado a João Lobo, me escreveram a carta e informação que remeti a Vossa mercê”.

“Depois de muitos dias, [continuava o Conde], o portador que a trouxe, ou não chegou a

esta Vila, ou com medo se escondeu, e por isso tardou tanto em chegar à minha mão,

sem nunca mais aparecer para levar a resposta; pelo sargento-mor Francisco Negreiro

(?) lhe respondi a carta de que remeto a cópia, com mais moderação do que merecia a

sua insolência, mas como esta se dilatou no caminho, ou seja, pela impaciência que lhe

causaria os remorsos da consciência, entenderam [os de Pitangui] que a dilação era

premeditar o castigo e que Vossa mercê prevenia a ir com quatrocentas armas, e que eu

fora ao Ouro Preto fazer outras tantas para assolar aquele povo, que assaz o tem

merecido; e dizem que um mulato que fugira de uma destas Comarcas, assim lho

229 Em posterior relato ao Desembargador Bartolomeu de Souza Mexia acerca do episódio, afirmou o Conde que na ocasião a Câmara de Pitangui “(...) igualmente receosa que o povo não tomava resolução nenhuma sem a conferir com o dito Prado, nomeou-o a ele em primeiro lugar [para Capitão-mor da Vila]; em segundo, a um irmão seu que pouco havia tinha morto em Taubaté a Carlos Pedroso, homem de muito propósito e que tinha servido a Sua Majestade na casa dos quintos que houve naquela Vila; e em terceiro lugar a um fulano Calhamares do seu séqüito”. Cf. APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720. 230 APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719.

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segurara, que é o que basta para que brutos tais como os paulistas dessem inteiro crédito

a semelhantes cousas, e enchendo-se de suas peitas mandaram pôr vigias em todas as

passagens, e botaram espias por todo o Governo; uma das guias parece que colheu um

negro de Manuel de Figueiredo Mascarenhas com uma carta, não sei se para mim, se

para Vossa mercê, em que parece avisava a parte por onde se podia entrar para sujeitar

aquelas onças, e isto dizem os alterou tanto que lhe assaltaram a casa e o assassinaram;

outros dizem que Suplício Pedroso, com quem tinha uma contenda muito renhida de

uma água, se valeria desta ocasião para matá-lo”.

“Confesso [continuava o Conde] que com esta notícia saí fora de mim, por ser

[Manuel de Figueiredo] um dos homens honrados e quietos e mais bem nascidos da

Bahia e também por ser pai do Padre André Figueiredo Mascarenhas a quem estimo

muito pelas suas virtudes; e desejei ser-me lícito usar dos mesmos meios dos paulistas

para assassiná-los a todos nesta ocasião, porque são a mais vil canalha de vassalos que

El Rei tem. Este caso agrava ainda mais o antecedente, não só por ser uma pessoa

principal e juiz ordinário naquela Vila, como por interceptarem cartas para

Governadores e Ministros, que é crime grave, e ainda mais porque aqueles rebeldes,

para fazerem os seus malefícios, se estão valendo a cada passo do nome do povo, sendo

eles e não o povo quem os comete”.231

Conforme se observa claramente nos trechos acima destacados, nessa ocasião

Assumar já não mais fazia questão de esconder seu ódio e indignação frente às atitudes

dos potentados de Pitangui, chegando mesmo a ameaçá-los diretamente com extrema

virulência. Declarando guerra a estes paulistas – agora tratados como a “mais vil

canalha de vassalos que Sua Majestade possui” –, aparentemente ao Conde não mais

incomodava a “má fama” que seu governo poderia adquirir, não apenas junto à opinião

231 Todos os trechos em destaque foram retirados de APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719.

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dos demais povos das Minas, mas também perante o Rei e o Conselho Ultramarino. Da

mesma forma, sabia o Conde que os revoltosos de Pitangui constituíam um grupo

limitado de poderosos locais que, sob ameaças, instilavam o povo a tomarem parte na

rebelião.

Sugestivamente e em conclusão à sua carta ao Ouvidor, mais uma vez D. Pedro

de Almeida destacava que seu maior desejo era fazer de Pitangui “o exemplo vivo a

estas Minas de como se castigam semelhantes desordens (...)”. Contudo, o que mais

incomodava o governador – segundo suas próprias palavras – “não [era] o modo de

atacá-los, se não o de surpreendê-los, que vejo ser quase impossível”, sendo os paulistas

“bichos do mato que estão agora com o faro acesso e que qualquer folha de árvore que

bulhar os fará meter nos matos e pelo Rio do Pará acima que têm navegações para São

Paulo, malogrando-se toda a nossa diligência, fugindo os malfeitores para partes onde

se não podem colher”.

De toda forma, segundo asseverava o Conde, “como o castigo é indispensável e

parece preciso que a Justiça mostre nesta ocasião que nenhuma matéria a detém para

mostrar o rigor que merecem aqueles rebeldes”, ordenava D. Pedro que as tropas fossem

organizadas com presteza e que logo partissem para Pitangui. Entretanto, alertava ainda

o governador, “será preciso que a matéria esteja em segredo, e advirto a Vossa mercê [o

Ouvidor] que para esta expedição não convém que João Lobo tenha parte nela, quando

todo este Governo está persuadido que se não fora a sua altiveza e os despropósitos que

fez em Pitangui, nunca chegaria a ver-se tão revolto (...); e pareceria cousa escandalosa

se ele [atuasse] nesta ocasião, porque entenderiam todos que mais se fomentava a

vingança do que se procurava a Justiça”.232

232 Todos os trechos em destaque foram retirados de APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719.

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Enfim, conforme se observa, mesmo tomado por seu furor disciplinar e

ordenador típico de um governante formado nos campos de batalha, Assumar pretendeu

– mesmo que minimamente – atrelar suas ações junto à lógica política de Antigo

Regime, ainda que para eventualmente justificar perante seus superiores as medidas

então adotadas por ele em Pitangui. Nessa perspectiva, a busca da justiça e do bem

comum – e não a da vingança – seriam os ideais que, segundo o Conde, moviam e

legitimavam suas ações no trato com os revoltosos da região.

Nas semanas que se seguiram, por conseguinte, D. Pedro de Almeida concentrou

todos os seus esforços na organização das tropas militares para um posterior ataque à

Vila de Pitangui. Após intensa troca de cartas com diversas autoridades da Capitania,

finalmente o governador traçou seu plano de ação para tentar surpreender os potentados

de Pitangui, evitando-se, assim, uma eventual fuga dos mesmos. Nesse sentido, a

primeira medida tomada pelo governador foi ordenar que alguns militares residentes na

Vila de São João D’el Rei partissem logo para a região de Pitangui a fim de bloquearem

todos os caminhos de acesso à Vila – sobretudo a estrada que interligava Pitangui a São

Paulo – não permitindo a passagem de nenhum transeunte pelos mesmos. Na opinião de

Assumar, tal atitude era de suma importância, pois evitaria a circulação da notícia de

que ele organizava uma expedição punitiva aos potentados de Pitangui, rumores estes

que poderiam malograr o empreendimento.233

Da mesma forma, aos Capitães-mores da Cidade de São Paulo e Vilas de

Guaratinguetá e Taubaté escreveu o Conde diversas cartas, alertando-os acerca das

medidas que estavam sendo adotadas nas Minas. Assim, prevenia o Conde que se algum

morador de Pitangui buscasse refúgio em tais localidades, os mesmos deveriam ser

233 Tal ordem foi remetida aos Sargentos-mores Silvestre Marques, Estevão Rodrigues e João Francisco dos Santos que, em conjunto com suas tropas e agregados, deveriam partir de imediato para a região. APM, SC 11, fls. 181-181v. “Ordem”. Vila do Carmo, 21 de dezembro de 1719.

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presos e remetidos imediatamente à Vila de Ribeirão do Carmo, sob pena de severas

punições caso obrassem em contrário.234

Em seqüência a seu projeto de pacificação de Pitangui, ordenou ainda o

governador que fossem formados dois corpos militares principais na Vila Real do

Sabará, um sob a liderança do Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas, o Dr.

Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha, e outro sob a responsabilidade do Capitão-mor

desta mesma Vila, o oficial Lucas Ribeiro de Almeida. Em reforço à expedição, de

Ribeirão do Carmo seria remetida a Companhia de Dragões – a tropa de linha paga

recém chegada do Rio de Janeiro e à época comandada pelo Capitão-mor Joseph

Rodrigues de Oliveira – ao passo que diversos outros Capitães-mores e Tenentes-

coronéis também tomariam parte no empreendimento, seja atuando diretamente na

marcha a Pitangui, seja no envio de suas armas, soldados e escravos.235

De acordo com as previsões de Assumar, estando tudo acertado, as tropas

deveriam partir de Vila Real na primeira semana de janeiro de 1720. No trajeto até a

Vila de Pitangui, uma atenção especial deveria ser dada às passagens dos rios que

davam acesso à região – sobretudo as passagens de José Vieira, do Cego e da Paraopeba

– trechos estes que deveriam ser vigiados e patrulhados 24h por dia, tanto antes quanto

depois da passagem das tropas à Vila. Esta missão estaria particularmente sob a

responsabilidade dos Ajudantes de Tenente Manuel da Costa Pinheiro e Manuel da 234 APM, SC 11, fl. 181v. “Para o Capitão-mor da Vila de Guaratinguetá”. Vila do Carmo, 21 de dezembro de 1719. Sugestivamente, tanto neste quanto no documento citado na nota anterior estavam presentes os nomes dos principais envolvidos nos motins de Pitangui. Segundo informação do governador D. Pedro de Almeida, eram eles: Gaspar de Godói Moreira; Pedro de Morais da Cunha; Francisco Pedroso Xavier; Francisco Rego Barros, natural de Pernambuco; Manuel de Freitas, natural da mesma parte; Gaspar Gutierrez da Silveira; Bento Paes da Silva; Plácido de Moraes; Joseph Tavares e Roque de Faria, sendo seus líderes Suplício Pedroso Xavier; Domingos Rodrigues do Prado; Alexandre Rodrigues do Prado; Estevão Furquim; Luiz Furquim e Antônio Rodrigues Mendes. 235 Conforme se depreende da leitura do Códice 11 da Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro, às vésperas da partida das tropas para Pitangui a correspondência trocada entre as autoridades da Capitania foi bastante intensa. A este respeito, ver APM, SC 11, fls. 181v-183. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 22 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fl. 183v. “Ordem”. Vila do Carmo, 22 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fl. 183v. “Para o Capitão-mor Lucas Ribeiro de Almeida”. Vila do Carmo, 22 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fls. 184v-185. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 28 de dezembro de 1719 e ss.

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Costa Fragoso. Da mesma forma, exigia ainda o governador que a marcha dos soldados

a Pitangui se fizesse sob estrita disciplina e “boa ordem militar”, ao passo que nenhum

membro da tropa deveria cometer “vexações”, “roubos” e “violências” aos paisanos e

moradores locais, matéria que, segundo sua opinião, era de suma importância.236

Ao Capitão da Companhia de Dragões Joseph Rodrigues de Oliveira, em última

instância o responsável supremo por todas as operações militares a serem realizadas em

Pitangui, remeteu o Conde “instruções” especiais. Destas instruções, duas nos são de

particular interesse: de acordo com o governador, logo que chegasse a Pitangui o dito

Capitão deveria tomar “todas as informações necessárias daquele país”, “as quais trará

por escrito para eu ter conhecimento dele, principalmente do morro do Batatal, o qual

fará visitar com toda atenção, fazendo moer algumas pedras dele para se saber a quantia

de ouro que se tira comumente respectiva ao peso da pedra, para o que a pesará antes de

moída, e pesará também o ouro que dela se extrair, e das melhores trará amostras; e esta

averiguação de todo o morro do Batatal se deve fazer com toda a exatidão por ser mui

conveniente ao serviço de Sua Majestade”.

Do mesmo modo, sugeria ainda o Conde que “se lhe for possível ao dito

Capitão-mor fazer um mapa desde o Rio Paraopeba para a parte de Pitangui, será mui

conveniente, porque se não tem senão notícia mui confusa daquele país, observando o

rumo a que correm os rios e a verdadeira situação da Vila”.237 Obviamente, conforme se

observa, Assumar aproveitava-se da ocasião para desvanecer qualquer dúvida referente

à exploração aurífera de Pitangui, ao passo que buscava também maiores informações

236 Acerca destes aspectos, ver APM, SC 11, fls. 187-187v. “Ordem”. Vila do Carmo, 01º de janeiro de 1720; APM, SC 11, fls. 194v-195. “Ordem”. Vila do Carmo, 28 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fls. 195-195v. “Para o Coronel Sebastião Carlos Leitão”. Vila do Carmo, 28 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fl. 195v-196. “Ordem”. Vila do Carmo, 28 de dezembro de 1719 e ss. 237 APM, SC 11, fls. 186v-187. “Instrução particular para o Capitão Joseph Rodrigues de Oliveira”. Vila do Carmo, 31 de dezembro de 1719.

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acerca de um território ainda pouco conhecido; daí a necessidade de se fazer um mapa

de toda a região.

No que se refere às ações militares propriamente ditas e do que se depreende da

correspondência oficial do governador, observa-se que Assumar acreditava piamente

que as suas tropas enviadas a Pitangui encontrariam a Vila completamente abandonada.

Nessa medida, em carta ao governador do Rio de Janeiro Ayres de Saldanha, datada de

07 de janeiro de 1720, relatou o Conde que “o Capitão-mor Joseph Rodrigues já começa

a ter exercício, porque agora partiu daqui para Pitangui com a sua Companhia para dar

ajuda e favor ao Ouvidor do Rio das Velhas que vai lá a tirar devassas de umas mortes e

desordens que fizeram uns paulistas régulos, que é sempre o seu costume onde estão

juntos e distantes (...)”. “Mas esta matéria não é de grande cuidado”, afirmava o Conde,

“e o maior que pode haver será se os delinqüentes fugirem para os matos, como tenho

por infalível”.238

Contudo, se Assumar estava tão confiante em uma debandada geral por parte dos

paulistas situados em Pitangui, o que justificaria a organização de tamanho

empreendimento militar? Seria uma mera questão de ostentação de suas próprias forças

a fim de resgatar sua imagem e autoridade perante os demais vassalos? De qualquer

forma, mais uma vez o Conde veria suas expectativas naufragarem nas Minas. Cientes

da organização e movimentação das tropas por parte do governador, os potentados de

Pitangui, sob a liderança de Domingos Rodrigues do Prado, armaram uma Casa Forte,

trincheiras e paliçadas nas proximidades do Rio São João, a duas léguas da Vila, a fim

de impedirem a passagem dos expedicionários.

Segundo os relatos existentes na documentação, chegando as tropas a tal

localidade e não havendo qualquer possibilidade de negociação, o que se viu foi um

238 APM, SC 11, fl. 189. “Para Ayres Saldanha”. Vila do Carmo, 07 de janeiro de 1720.

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fragoroso combate armado, com algumas perdas de ambos os lados. Ao final da refrega,

porém, e estando os de Pitangui em menor número, não restou outra alternativa aos

seguidores de Domingos Rodrigues do Prado do que fugirem às pressas para os matos

circunvizinhos.239

Passando à Vila, por conseguinte, o Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão e

Noronha, apoiado pelas tropas militares e demais paulistas contrários a Domingos

Rodrigues do Prado e seu bando, iniciou os processos judiciais cabíveis a fim de apurar

as responsabilidades, tudo segundo as ordens recebidas por parte do Conde governador.

Todavia e de acordo com as fontes documentais disponíveis, foragidos da justiça, na

ocasião nenhum líder do movimento foi preso, o que causou grande descontentamento

em Assumar.240 Neste ponto, em carta ao Capitão da Companhia de Dragões Joseph

Rodrigues de Oliveira datada de 29 de janeiro de 1720, afirmou o Conde “sentir muito o

fato que se não pudesse agarrar a Domingos Rodrigues do Prado para mandá-lo enforcar

e servir de exemplo a estas Minas (...)”.241

Nos atos judiciais realizados pelo Ouvidor em Pitangui nos meses subseqüentes,

Suplício Pedroso Xavier e Domingos Rodrigues do Prado foram julgados à revelia e

pronunciados como os principais responsáveis pelos crimes, assassinatos e sublevações

ocorridos na Vila, tendo seus bens seqüestrados. Da mesma forma, foram confiscados

os bens de Pedro Morais da Cunha (roças e casas de vivenda); de Bento Pais da Silva

(lavras no rio da Onça, quatrocentas mãos de milho, casas de vivenda e uma balança de

pesar ouro); de Antônio Rodrigues de Andrade (cata de vinte braças de terra adquirida 239 De acordo com diversos relatos registrados pelo próprio governador D. Pedro de Almeida, na ocasião Domingos Rodrigues do Prado liderara uma tropa com cerca de quatrocentos homens armados, entre negros e carijós, estimativa muito provavelmente exagerada para o próprio engrandecimento das ações dos expedicionários. Cf. APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720; APM, SC 11, fls. 244v-247v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 01º de junho de 1720. 240 APM, SC 11, fls. 192-193. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 29 de janeiro de 1720. 241 APM, SC 11, fls. 193-193v. “Para Joseph Rodrigues de Oliveira”. Vila do Carmo, 29 de janeiro de 1720.

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anteriormente em sociedade com o Brigadeiro João Lobo de Macedo, casas de telha

com suas senzalas, quintal e bananal); de Manoel Fernandes Preto (roças de milho e

casas de vivenda); de Gaspar Gutierrez (escravos); de Joseph Rodrigues Lima (sítio,

lavras e escravos); de Francisco Rodrigues Almeiro (lavras, casas, escravos e serviço de

escravo no rio da Onça); e de Francisco Pedroso de Almeida (sítios na Ponte Alta, casas

de vivenda e escravos). Por fim, sob ordens do Ouvidor, as casas de Domingos

Rodrigues do Prado ainda existentes na Vila foram todas igualmente queimadas,

arrasadas e salgadas.242

Porém, sem citar suas referências e fontes documentais, Diogo de Vasconcelos é

quem nos dá conta de um curioso episódio ocorrido em Pitangui naqueles dias. Segundo

o autor, após instituir a devassa na qual Domingos Rodrigues do Prado fora apontado

como o principal líder da sedição, mandou o Ouvidor “levantar no lugar mais público

uma forca, e nela fez executar em efígie o dito rebelde. Este, porém, ao ter notícia de tal

‘comédia’, mandou fazer também outra forca em um alto de seu campo e nela pendurou

o Ouvidor mascarado na mesma figuração picaresca, isto no meio de estrondosas

gargalhadas e apupos dos companheiros”.243

Teófilo Feu de Carvalho, por seu turno, questiona ferrenhamente a veracidade de

tal relato, alegando não haver nenhuma alusão a tais fatos nos relatórios e cartas

enviadas pelo governador ao Rei e demais autoridades.244 Da mesma forma, segundo

suas palavras, “para efetuar-se aquela execução, deveriam [as autoridades] proceder

como se o réu estivesse presente a todas as diligências e formalidades prescritas pelas

leis para uma execução ordinária, e estas não foram cumpridas e nem satisfeitas. Se não 242 AUTOS de Seqüestro, Doc. 70 – “Certidão de haverem sido arrasadas e queimadas as casas de Domingos Rodrigues do Prado e seqüestro e arrematação de bens dos chefes do movimento de Pitangui”. ABN/RJ, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, vol. LXV, pp. 134-142. 243 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 171, v. 02. 244 Pelo contrário, em carta ao Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão datada em 04 de fevereiro de 1720 referente às penas a serem aplicadas aos rebeldes de Pitangui, afirmou o Conde que quanto “a enforcá-lo em estátua [a Domingos Rodrigues do Prado], parece-me que não havia de produzir grande efeito”. APM, SC 11, fls. 198v-199v. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 04 de fevereiro de 1720.

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foram satisfeitas e nem cumpridas, a morte em efígie não poderia ter todas as

conseqüências jurídicas daquele tempo, como tinham da natural: seria uma inutilidade

sem que pudesse utilizar-se dos efeitos que acarretaria se legalmente executada”.245

De acordo com singular documento citado por Carla Anastasia em sua obra

Vassalos rebeldes, em outubro de 1720 um parecer do Conselho Ultramarino

recomendou ao Rei de Portugal D. João V ordenar ao governador das Minas a

publicação de um bando oferecendo recompensa a quem “prendesse ou matasse”

Domingos Rodrigues do Prado. Segundo tal fonte, “(...) quem o [prendesse] [seria]

premiado com a mercê do hábito de Cristo com 30$000 réis de tença efetivos, sendo

pessoa em que assente bem a dita mercê; e no caso em que o não possa prender,

trazendo-lhe a cabeça, terá a mesma mercê do hábito de Cristo com 12$000 réis de

tença efetivos; e que sendo feita a dita prisão ou morte por algum escravo, ficará forro,

pagando-se o seu valor da Fazenda de Vossa Majestade a seu senhor, e sendo negro ou

mulato forro se lhe fará a graça de 100$000 réis e de uma ajuda de custo competente, e

matando-o se lhe dará 100$000 réis; tendo-se por certo que este prêmio incitará na

cobiça de muitos empreenderem a dita diligência: e para que a este régulo o desampare

a maior parte das pessoas que o seguem, que no mesmo bando se exprima, que todo o

que o seguir e o não deixar logo, o haverão por banidos, para se executar neles a pena da

lei”.246

Entretanto, mesmo diante de tal campanha promovida contra Domingos

Rodrigues do Prado, ao que parece este potentado jamais caiu nas malhas da Justiça. As

referências documentais existentes e até o momento conhecidas acerca da trajetória

desse homem são bastante esparsas, mas há fortes indícios de que nos anos

245 CARVALHO. Ocorrências em Pitangui, p. 103-104. 246 “SOBRE desordens em Pitangui cometidas por Domingos Rodrigues do Prado”. Lisboa, 26 de outubro de 1720. DIHCSP. São Paulo: Imprensa Oficial, 1931, v. LII, p. 202. Apud ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 97, nota 219.

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subseqüentes Rodrigues do Prado tomou parte no empreendimento de descoberta das

minas de ouro das regiões de Goiás e Cuiabá; empreendimento este organizado por seu

sogro Bartolomeu Bueno da Silva, o segundo Anhangüera, e seu cunhado João Leite da

Silva Ortiz. Embora não tenha citado a referência completa das fontes que consultou,

Teófilo Feu de Carvalho afirma inclusive que tal potentado recebeu um Alvará de

licença régia para participar desta expedição a 14 de fevereiro de 1721, mesmo que a

contragosto do governador de São Paulo D. Rodrigo César de Menezes.247

De acordo com Diogo de Vasconcelos, a expedição liderada por Bartolomeu

Bueno da Silva partiu rumo a Goiás em junho de 1722. Bartolomeu Pais de Abreu –

irmão de João Leite da Silva Ortiz – estabeleceu-se em São Paulo como sócio-

procurador e correspondente da empresa, ao passo que Domingos Rodrigues do Prado

se juntou à comitiva muito provavelmente partindo de suas fazendas nas proximidades

da Vila de Taubaté. Após três anos de agruras pelo sertão, em outubro de 1725

Bartolomeu Bueno da Silva retornou a São Paulo, dando conta a D. Rodrigo César de

Menezes dos descobrimentos realizados em Rio Vermelho, região onde fundou o arraial

de Sant’ana, posteriormente Vila Boa.248

Como recompensa a tais serviços prestados, ainda segundo Vasconcelos,

Rodrigo César nomeou a Bartolomeu Bueno como Capitão-mor da região, Regente e

Superintendente de suas minas com jurisdição no cível e no crime e a Ortiz como

Capitão-mor e administrador das datas minerais então descobertas. Da mesma forma,

receberam ainda os direitos sobre as passagens dos rios que cortavam o caminho para

Goiás por três gerações. Domingos Rodrigues do Prado, por sua vez, anos mais tarde

pretendendo regressar a São Paulo e já se encontrando bastante enfermo e em idade

247 Cf. CARVALHO. Ocorrências em Pitangui, p. 103. Ainda sobre este contexto, ver ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 97, nota 219 e VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 258-264, v. 02. 248 Cf. VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 258-264, v. 02.

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avançada, não sobreviveu à viagem, falecendo em local ignorado.249 De acordo com

Maria Verônica Campos, entretanto, Rodrigues do Prado distinguira-se em Goiás pela

descoberta das minas de Crixás em 1733. Um ano depois, na qualidade de descobridor

das lavras e por fazer a partilha das datas minerais “como bem entendia” – segundo as

palavras de Maria Verônica – tal potentado entrou em fragoroso conflito com Gregório

Dias da Silva, à época Superintendente das minas auríferas da região. Nessa medida,

para tal autora “talvez tenha sido nesse momento que se deu o embate entre os dois,

com a fuga do sertanista, ferido, o qual faleceu quando se dirigia a São Paulo”.250

Nos dias que se seguiram à expulsão dos “paulistas régulos” de Pitangui, por

conseguinte, a grande preocupação do governador das Minas D. Pedro de Almeida foi

manter a Vila sob ocupação militar, ao passo que a migração de “paisanos reinóis” para

a região era incentivada, desde que estes ali quisessem se estabelecer “harmoniosamente

com suas famílias, fazendas e escravos”. Nesta medida, em fevereiro de 1720, da

Comarca do Rio das Mortes e da Vila Real do Sabará partiram grupos de reinóis sob a

liderança do Sargento-mor Antônio Martins Lessa e de Francisco Duarte de Meireles,

respectivamente, a fim de repovoarem a Vila. Todavia, a possibilidade de um súbito

aumento no número de pessoas em Pitangui trouxe novas preocupações ao governador,

sobretudo no que se refere ao abastecimento da Vila, o que poderia resultar em

eventuais conflitos entre os militares e a população local.251

Nomeado regente de Pitangui ainda que provisoriamente, ao final de fevereiro

daquele mesmo ano de 1720 Francisco Duarte de Meireles informou ao governador o

249 Cf. VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 172, nota 24., v. 02. 250 CAMPOS, Maria Verônica. Goiás na década de 1730: pioneiros, elites locais, motins e fronteira. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 341-359. Citação à página 348. 251 APM, SC 11, fl. 196v. “Para Francisco Duarte de Meireles”. Vila do Carmo, 28 de janeiro de 1720; APM, SC 11, fls. 197-198. “Para o mesmo” (Capitão dos Dragões Joseph Rodrigues de Oliveira). Vila do Carmo, 03 de fevereiro de 1720. Ainda sobre este aspecto, em carta ao Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão ordenou o Conde que logo se providenciasse a feitura de novas roças e fazendas na região “para que aquilo que eu procuro para a conservação dessa Vila não venha a ser a sua destruição”. Cf. APM, SC 11, fls. 198v-199v. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 04 de fevereiro de 1720.

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clima ainda pouco estável da Vila, uma vez que seus antigos moradores, “com desígnios

de vingança”, intentavam retornar à região a fim de recuperarem seus escravos e demais

pertences. Diante de tal situação, por conseguinte, Assumar reforçou as ordens a seus

comandados, determinando que os militares somente deveriam abandonar a Vila quando

esta estivesse totalmente segura e pacificada.252

Curiosamente, porém, Francisco Duarte de Meireles logo solicitou ao

governador que lhe mandasse um substituto, fato que gerou certo estranhamento em

Assumar. Em longa e sugestiva carta a Duarte de Meireles datada em 22 de março de

1720, dizia o Conde: “Tenho bastantemente [sic] ponderado as resoluções que Vossa

mercê me aponta do descômodo que padece na ausência da sua casa, e ainda mais com a

doença de sua mulher; mas como reconheço a Vossa mercê por um dos mais leais e fiéis

vassalos de Sua Majestade, não duvido que Vossa mercê pese nesta ocasião na balança

da prudência, qual pesa mais: se o sossego que procuro dar a esse país por meio de

Vossa mercê, se o seu descômodo, do qual não deixo de compadecer-me muito como

quem o experimenta em si mesmo; e sei o que isso custa; e para Vossa mercê se inteirar

bem desta verdade, julgue qual de nós estará mais desacomodado, se Vossa mercê em

Pitangui donde todos os três dias pode ter novas de sua casa, se eu longe da minha

tantas mil léguas com a incerteza de saber dela apenas uma vez no ano”.253

Sob tais alegações, somente a 18 de maio de 1721 o governador das Minas

finalmente resolveu exonerar a Francisco Duarte de Meireles da regência de Pitangui,

nomeando a Fernando Dias Paes, filho de Garcia Rodrigues Paes, como seu

substituto.254 Neste meio tempo, contudo, como bem destacou Carla Anastasia, D.

Pedro de Almeida mal pôde refazer suas próprias forças para retornar à sua rotina

252 APM, SC 11, fls. 212-212v. “Para Francisco Duarte de Meireles”. Vila do Carmo, 05 de março de 1720. 253 Trechos retirados de APM, SC 11, fls. 218-219v. “Para Francisco Duarte de Meireles”. Vila do Carmo, 22 de março de 1720. 254 APM, SC 13, fl. 32. “Para Fernando Dias Paes”. Vila do Carmo, 18 de maio de 1721.

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administrativa, uma vez que em junho de 1720, poucos meses após os últimos tumultos

em Pitangui, eclodiu nova e grave rebelião nas Minas, agora em Vila Rica.255

2.3 – O destino de um governador

Sem sombra de dúvida, D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal foi um dos

grandes personagens do século XVIII mineiro, seja pelo seu envolvimento no fatídico

episódio da execução sumária de Filipe dos Santos no contexto da Revolta de Vila Rica

em 1720, seja pelo próprio momento histórico, político e social pela qual passava a

Capitania à época de seu governo. Efetivamente, com seu linguajar e erudição

característicos, tal governador eternizou diversos potentados e poderosos locais das

Minas, ainda que os difamando. De sua pena, por conseguinte, surgiu a imagem final de

um território povoado por bárbaros, rebeldes e facínoras que igualmente teimavam em

inviabilizar o estabelecimento da paz e do sossego público na região: antítese do

“projeto” colonial português para as Minas, a licenciosidade cotidiana dos vassalos de

El Rei fazia do governo da Capitania um desafio de grandes proporções para os agentes

metropolitanos.

Desta feita, é nesse contexto que se insere o famoso quadro minuciosamente

pintado por Assumar em seu Discurso histórico e político (...) acerca das

“peculiaridades” das Minas. Em sua opinião, a região era igualmente “(...) habitada de

gente intratável, sem domicílio, e ainda que está em contínuo movimento, é menos

inconstante que os seus costumes: os dias nunca amanhecem serenos; o ar é um nublado

perpétuo; tudo é frio naquele país, menos o vício que está ardendo sempre. Eu [o

governador], contudo, reparando com mais atenção na antiga e continuada sucessão de

perturbações que nela se vêem, acrescentarei que a terra parece que evapora tumultos; a

255 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 98.

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água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam

insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da

rebelião; a natureza anda inquieta consigo, e amotinada lá por dentro, é como no

inferno”.256

No que se refere à atuação de D. Pedro de Almeida como governador da

Capitania, por sua vez, a opinião dos historiadores quase sempre tendeu à discordância.

Ora visto como grande administrador – aquele que de fato completara o ciclo de

pacificação das Minas iniciado anos antes –, ora tido como cruel e repulsivo tirano,

desde os setecentos Assumar angariou apologistas e opositores. Segundo as análises de

Diogo de Vasconcelos, por seu turno, o Conde, “homem de temperamento de aço”,

“austero e de vontade inflexível”, incorrera no equívoco de pretender nas Minas

“moldar a arte política pelo tipo da militar”.257

Maria Verônica Campos, por sua vez, defende que “não se deve atribuir as

atitudes do Conde de Assumar a seu espírito belicoso, autoritarismo, formação militar

ou falta de experiência administrativa”, pois aportara em terras americanas “com ordens

para processar o novo arranjo das forças em Minas”. Não por acaso, reitera ainda a

autora, foram o Conde de Assumar e Luís da Cunha Menezes os governadores mais

impopulares da Capitania – o primeiro como tirano e o segundo como “fanfarrão” –

uma vez que alijaram do poder redes clientelares potencialmente concorrentes com a

Coroa portuguesa em suas prerrogativas e funções.258

Em contraste com tal interpretação e apenas para ficarmos em poucos exemplos

dentre muitos possíveis, Célia Nonata da Silva, por conseguinte, destaca que D. Pedro

de Almeida “além de invejoso da fama que possuía [Manuel] Nunes Viana, fazendo

256 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza. Trecho extraído à página 59. 257 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 144-149, v. 02. 258 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 254-258.

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intrigas e armadilhas para destruir sua memória rebelde, gerenciou as Minas com altas

taxas e pesados tributos, causando danos à população”. Em conclusão, mais à frente

afirma Nonata que “(...) a inveja delineou seu governo, reduzindo-o a um estado de

incompetência hilariante”.259

Polêmicas historiográficas à parte, contudo, logo após seu retorno ao reino

Assumar teve que enfrentar quase uma década de semi-ostracismo na Corte régia,

devido sobretudo à repercussão dos acontecimentos que tiveram lugar em Vila Rica no

ano de 1720. Assim, conforme bem destacou a historiadora Laura de Mello e Souza,

apenas em 1733 D. Pedro de Almeida recuperou parte de seu antigo prestígio junto ao

Rei, ingressando na Academia Real de História e se tornando parecerista do Conselho

Ultramarino no que se refere à viabilidade da implantação da capitação nas Minas como

nova forma de cobrança dos reais quintos. Em 1744, por conseguinte, D. Pedro obteve

nova indicação para um cargo de prestígio no Império ultramarino português, sendo

nomeado Vice-rei da Índia. Junto com tal nomeação, Assumar recebeu também o título

de Marquês de Castelo Novo.260

Uma vez em terras asiáticas, em 1746 o mais novo Vice-rei conquistou a praça

de Alorna para a Coroa portuguesa, sendo dois anos depois agraciado com o título de

primeiro Marquês de Alorna. No entanto e ainda segundo as análises de Laura de Mello

e Souza, sua estada em terras tão longínquas acabou se tornando desastrosa para a sua

família, à época às voltas com sérias dificuldades financeiras, problemas, aliás,

recorrentes a partir de então. D. João, seu filho mais velho e herdeiro imediato, após

algumas tentativas de concretizar um casamento bem sucedido na Corte, uniu-se

finalmente a D. Leonor de Távora; teria, contudo, um futuro trágico: anos mais tarde,

com o envolvimento da família Távora na tentativa de assassinato do Rei D. José I

259 SILVA. Territórios de mando, p. 215-216. 260 SOUZA. O sol e a sombra, p. 205-208.

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(1750-1777) em um atentado, acabou sendo preso em 1758 junto com seu sogro e

cunhados, amargando dezessete anos no cárcere da Junqueira.

D. Pedro de Almeida, por seu turno, substituído no governo da Índia em 1751

por Francisco Xavier de Távora, sogro de seu filho D. João, retornou ao reino em

1752.261 Dessa forma, novamente de volta a Portugal D. Pedro de Almeida sofreu ainda

um segundo ostracismo na Corte lusitana: acusado em 1746 de cometer atos ilícitos no

governo da Índia, até sua morte em 1756 não conseguiu defender-se e readquirir

novamente a confiança régia. Do mesmo modo, com a prisão de seu herdeiro e sucessor,

teve sua família e linhagem irreversivelmente desonradas.262

De qualquer maneira – e sem sombra de dúvida –, podemos finalmente

conjecturar que a passagem de Assumar pelo governo das Minas na segunda década dos

setecentos marcou indelevelmente toda a sua trajetória político-administrativa posterior,

sobretudo no que se refere à sua experiência adquirida no trato com os vassalos em

momentos de rebelião. No que se refere a Pitangui em específico, não há como negar

que os litígios ali vivenciados pelo governador moldaram a sua própria visão a respeito

dos súditos de além-mar, particularmente os oriundos de São Paulo. Segundo sua

opinião, eram eles homens instáveis, sem civilização; rebeldes por excelência que

precisavam ser domados com severidade e mesmo com violência.

Essa imagem, por conseguinte – e conforme procuraremos discutir no próximo

capítulo –, acabou sendo depois estendida para as Minas como um todo, como revela o

próprio Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano

261 Em 1758, sete anos após assumir o Vice-reino da Índia, Francisco Xavier de Távora foi executado publicamente em Portugal por cometer crime de conspiração e tentativa de lesa-majestade. A este respeito, ver SOUZA. O sol e a sombra, pp. 185-252. 262 Todas as referências biográficas acerca de D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal foram retiradas de SOUZA. Teoria e prática do governo colonial: D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar. In: SOUZA. O sol e a sombra, pp. 185-252.

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de 1720, dentre outras fontes coevas.263 Em suma, se em Pitangui Assumar não pôde

concretizar o seu maior desejo tantas vezes decantado – qual seja, o de promover a

execução pública e exemplar de Domingos Rodrigues do Prado – coube a Filipe dos

Santos Freire, distinto e quase anônimo tropeiro minhoto, a “glória” de fazer de D.

Pedro de Almeida um dos grandes “vilões” do século XVIII mineiro.

263 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza.

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CAPÍTULO 3 – IMAGINÁRIO E PRÁTICAS POLÍTICAS: O REPERTÓRIO

DE AÇÃO PAULISTA

Conforme já asseverava George Rudé em sua obra A multidão na história,264

analisar o vasto universo da sedição e da revolta popular sempre constituiu árdua tarefa

para o historiador, sobretudo em se tratando de movimentos mais afastados tanto no

tempo quanto no espaço. Em primeiro lugar, como é notadamente sabido, geralmente há

poucos registros documentais acerca das trajetórias de vida dos elementos populares que

efetivamente participaram dos movimentos sediciosos, especialmente em sociedades

como as de Antigo Regime, caracteristicamente excludentes e hierarquizadas e nas

quais a cultura iletrada predominava. Assim, se por um lado encontrar “os rostos na

multidão” – conforme famosa expressão cunhada por Rudé – já representa uma

encruzilhada para o pesquisador, reconstituir as formas de pensar, ver e sentir o mundo

de tais indivíduos torna-se uma tarefa ainda mais difícil.265

Nessa medida e no que pese o caráter comumente fragmentário, incompleto e

lacunar das fontes que têm como objeto as sedições e revoltas populares ocorridas tanto

na América portuguesa quanto no Império ultramarino lusitano como um todo, não raro

os documentos e relatos coevos existentes estão eivados de parcialidades, apresentando

os acontecimentos mais significativos apenas sob um único ponto de vista; no geral, o

ponto de vista das autoridades oficiais constituídas.266 Desta maneira, conforme nos

informa Rudé, não é estranha a imagem comumente depreciativa que se construiu

acerca da “multidão em ação” ao longo da história, geralmente apresentada como uma

264 RUDÉ, George. A multidão na história: estudos dos movimentos populares na França e na Inglaterra – 1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991. 265 RUDÉ. A multidão na história, p. 10-13. 266 Para uma revisão historiográfica acerca de diversos movimentos de revolta popular ocorridas no Império ultramarino português da Restauração Brigantina em 1640 até 1720, ver FIGUEIREDO. O Império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no Império colonial português, séculos XVII e XVIII. In: FURTADO (org). Diálogos Oceânicos, pp. 197-254.

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“turba” de elementos degenerados e facinorosos, não raro propensos a atos de extrema

crueldade, violência e destruição, sobretudo em momentos de grande crise. Por não

serem supostamente dotadas de aspirações “próprias” e “dignas”, por conseguinte,

durante longo tempo a historiografia aliou as motivações da multidão sublevada a

razões meramente venais, situando-as como o reflexo de manipulações ou maquinações

de elementos externos ao grupo, os “conspiradores”.267

A princípio, no entanto, a constatação desse caráter parcial das fontes

documentais acerca do tema em questão poderia até mesmo soar como um truísmo, uma

verdade trivial. Contudo, uma análise cuidadosa da literatura referente às sublevações

ocorridas nas Minas da primeira metade dos setecentos, por sua vez, pode

surpreendentemente demonstrar que nem sempre tais alertas foram respeitados e não

poucos autores comprometeram suas análises ao filiarem-se demasiadamente àquilo que

poderíamos chamar de “discurso oficial” das fontes.

Nessa perspectiva, cumpriria então questionar se seria possível ao historiador se

desvencilhar ou pelo menos se precaver perante as armadilhas presentes nessas fontes

documentais: estaria nossa historiografia fadada a interpretar os movimentos de sedição

e revoltas populares mineiras apenas sob a ótica das autoridades metropolitanas como

reflexo da própria exigüidade das fontes existentes? Em outras palavras, como o

pesquisador poderia adentrar-se no universo mais íntimo da multidão sublevada e

desvelar as crenças, idéias e concepções que, ainda que de forma subjacente, deram

sentido, organicidade e legitimidade a suas ações?

Obviamente, tais questões não são novas e diversos autores já se depararam com

as mesmas em suas pesquisas. Contudo, se alguns caminhos já foram apontados pela

267 RUDÉ, George. A multidão na história, p. 215-232. Não obstante o rigor e a originalidade de suas análises, um dos pontos criticáveis dessa obra surge quando Rudé sugere o caráter “apolítico” de alguns motins rituais ocorridos tanto na França quanto na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX; situação que, dentre outros aspectos, denuncia uma visão pouco aprofundada do universo da política à época por parte do autor acima referido.

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historiografia, aqui partiremos da concepção teórica de que se os povos no geral poucos

registros deixaram acerca de suas idéias e concepções sobre o momento histórico no

qual viviam, é através da análise de suas próprias formas de organização, ação e

protesto que talvez pudéssemos identificar e reconstituir, com relativa segurança, a sua

linguagem política.268

De fato, ao se analisar o conjunto das revoltas populares ocorridas em solo

mineiro ao longo da primeira metade do século XVIII percebe-se que raros foram os

movimentos nos quais os sublevados puderam – ou mesmo pretenderam – registrar os

ideais que embasavam suas reivindicações, embora houvesse sempre a preocupação de

preservarem – ainda que no âmbito do discurso – a legitimidade de suas ações junto ao

aparato administrativo lusitano. Nessa medida, mesmo na análise daqueles movimentos

em que houve a publicação de “Capítulos”, “Termos”, “Bandos” ou “Requerimentos”,

ações que materializavam a pauta de reivindicações, há sempre que se atentar para a

possibilidade de existência de outras motivações subjacentes àquelas apregoadas pela

multidão sublevada, sobretudo em se tratando de movimentos de amplo espectro

social.269

Sobre este aspecto e apenas para ilustrar o que foi acima exposto, poderíamos

citar inclusive alguns eventos ocorridos na ocasião da Revolta de Vila Rica em 1720.

Conforme nos informa Carla Anastasia, dentre outros autores, a 02 de julho deste

mesmo ano os sublevados, encontrando-se na Vila de Ribeirão do Carmo, forçaram a

aceitação por parte do governador D. Pedro de Almeida de um “termo” com todas as

reivindicações do movimento. Dentre tais reivindicações – eram 14 ao todo – a principal 268 Em passagem bastante sugestiva presente em uma de suas obras, o ilustre historiador francês Georges Duby afirmou inclusive que “as formações ideológicas se revelam ao olhar do historiador nos períodos de mutação tumultuosa. Nestes momentos graves, os detentores da palavra não param de falar (...)”. DUBY, Georges. Les trois ordres ou l’imaginaire du féodalisme. Paris: s/ed, 1979, p. 151. Tal trecho foi originalmente citado por MELLO. Rubro veio, p. 91. Itálicos meus. 269 Ainda de acordo com George Rudé, se “as razões óbvias” para a deflagração dos motins não devem ser negligenciadas, é igualmente necessário aprofundar as análises das “motivações subjacentes”. Cf. RUDÉ. A multidão na história, p. 232 e ss.

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referia-se à não aceitação da cobrança dos quintos régios nas Casas de Fundição.

Contudo, conforme se sabe, as pretensões dos líderes dos amotinados de Vila Rica iam

muito além da proposta de simplesmente embargarem as novas medidas tributárias

então em curso, situação que exigiu medidas enérgicas por parte de Assumar.270

No que se refere a Pitangui em específico – vale relembrar –, há basicamente

duas justificativas nas fontes coevas disponíveis para as sublevações ocorridas na região

na segunda década dos setecentos: a primeira delas, veiculada em grande medida por D.

Brás Baltazar da Silveira, defendia que os motins de Pitangui mantinham estreitas

relações com a própria pobreza das minas auríferas da localidade.271 Assim e de acordo

com tal versão, malogrado o empreendimento minerador da região, seus moradores

passaram então a questionar a contribuição à qual estariam obrigados na distribuição da

quota de trinta arrobas anuais de ouro referente aos quintos das Minas.

Conforme podemos inferir, muito provavelmente tal alegação foi formulada

pelos próprios sublevados de Pitangui, situação que, posteriormente, reverberou nos

registros do governador D. Brás. Contudo, segundo defendemos, os fundamentos de tal

proposição não seriam suficientes para explicar a gravidade e os desdobramentos

assumidos pelos eventos ocorridos na região no período em destaque, mesmo a despeito

de tal versão ter marcado significativamente as interpretações historiográficas que se

270 De acordo com Carla Anastasia, os principais líderes do movimento como Paschoal da Silva Guimarães, Sebastião da Veiga Cabral e Manoel Mosqueira da Rosa pretenderam mesmo expulsar D. Pedro de Almeida do cargo de governador das Minas, posto que seria então provisoriamente ocupado por Sebastião da Veiga Cabral. Manoel Mosqueira da Rosa, por seu turno, aspirava ao posto de Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, ofício à época exercido por Martinho Vieira. A este respeito, ver ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 45-58. 271 APM, SC 09, fls. 27v-28. “Para Luis Botelho de Queirós”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 10 [?] de junho de 1714. Neste documento – uma carta enviada por D. Brás Baltazar da Silveira ao então Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas Luis Botelho de Queirós – afirmava o governador que na ocasião os moradores de Pitangui não poderiam arcar com suas respectivas parcelas referentes aos quintos devido “à miséria em que se achavam, sem ter onde lavrarem ouro por se haver desvanecido o primeiro descobrimento (...)”.

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seguiram, sobretudo as de autores como Sílvio Gabriel Diniz e Teófilo Feu de

Carvalho.272

A segunda variante para os acontecimentos presentes nas fontes – versão esta

não por acaso amplamente difundida pelo próprio D. Pedro de Almeida – via na própria

“má qualidade” dos habitantes da região a razão última para todas as violências e

“barbaridades” por eles mesmos cometidas. Conforme já expusemos anteriormente,

para Assumar algumas “castas” de paulistas que habitavam a Vila de Pitangui à época

constituíam a “mais vil canalha de vassalos” que Sua Majestade poderia possuir, sendo

mesmo inútil tratá-los segundo qualquer lógica racional, uma vez que aparentavam mais

“feras selvagens” do que homens.273 Em contrapartida, no conjunto das demais fontes

coevas conhecidas e disponíveis não há – além das referências acima destacadas –

qualquer registro documental de autoria dos sublevados de Pitangui que dêem outras

pistas acerca da natureza mais íntima de suas reivindicações ou motivações.

Cientes de tal contexto e à luz dos questionamentos até aqui desenvolvidos,

acreditamos, contudo, que as análises acerca dos motins ocorridos em Pitangui no

período em destaque têm muito a ganhar se aproximarmos tais movimentos do quadro

mais compreensivo das próprias relações historicamente estabelecidas entre a gente do

Planalto de Piratininga e seus demais contemporâneos; relações estas, conforme

sabemos, quase sempre marcadas por tensões e conflitos e que remontam aos

primórdios do século XVII. Por conseguinte, tal trajetória vivenciada por esses homens,

rica em acúmulo de experiências políticas paulatinamente gestadas e apropriadas –

272 A este respeito, ver, respectivamente, DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 20 e CARVALHO. Ocorrências em Pitangui (1713-1721), p. 32 e ss. 273 Acerca deste aspecto – conforme já destacamos ao longo deste trabalho – inúmeras foram as ocasiões em que D. Pedro de Almeida assim se referiu aos habitantes de Pitangui, tanto às demais autoridades da Capitania quanto à Corte portuguesa, sobretudo naqueles momentos de maior recrudescimento das tensões na Vila. A este respeito, ver, dentre outros, APM, SC 11, fls. 48v-49. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718; APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu Bueno de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720.

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conforme procuraremos debater nas páginas que se seguem – reverberaria não apenas

nos acontecimentos sediciosos de Pitangui, mas também na própria “opinião” das

autoridades metropolitanas acerca “do que de fato se passou na região”. Obviamente,

não caberá aqui tentar reconstituir em sua integridade todas as vicissitudes que

demarcaram o passado colonial paulista; porém, igualmente acreditamos que alguns

pontos merecem particular destaque a fim de elucidarem, se não todas, pelo menos parte

das questões anteriormente propostas.

3.1 – A construção de uma tradição: da “legenda negra” paulista ao “direito de

conquista”

Conforme recentes estudos têm demonstrado no âmbito da historiografia, a

conformação histórica, social, cultural e política das populações que habitavam a região

do Planalto de Piratininga fora bastante peculiar no que se refere às outras localidades

da América portuguesa, seja pela própria localização geográfica das vilas que

compunham a São Paulo quinhentista, seja pelo elevado grau de miscigenação

alcançado por aquela sociedade, fruto das estreitas relações envolvendo ameríndios e

adventícios. Nessa medida, segundo apontam diversos autores, em contraposição ao

litoral, lócus privilegiado pelos lusitanos para iniciarem a empreitada de colonização do

Novo Mundo, a fundação dos primeiros núcleos populacionais “sertão adentro” forjou a

“predisposição” dos habitantes do Planalto à autonomia e ao isolamento frente às

demais regiões da América portuguesa, ainda que parcialmente.274

274 A respeito deste contexto, ver, dentre outros estudos MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas: idéias, práticas e imaginário político no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008, p. 225 e ss.; RUSSEL-WOOD, A.J.R. Identidade, etnia e autoridade nas Minas Gerais do século XVIII: leituras do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 100-118, jul. 1999; MONTEIRO, Rodrigo Bentes. O rei no espelho: a monarquia portuguesa e a colonização da América. São Paulo: Hucitec, 2002; MONTEIRO, Rodrigo Bentes. A

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De acordo com Rodrigo Bentes Monteiro, fundado em meados do século XVI,

“o principal núcleo urbano da região, a Vila de São Paulo de Piratininga, situava-se no

planalto e era alcançada da costa por meio de difícil caminho pela Serra do Mar”. Nessa

região, praticamente não havia plantações de cana-de-açúcar em seus primeiros anos de

povoamento e a mão-de-obra indígena logo se tornara predominante, sendo os africanos

a exceção.275 Território ocupado majoritariamente por tribos tupiniquins, sobretudo nas

serras que margeavam o Rio Tietê, de fato, desde seus primórdios o uso intensivo do

trabalho indígena nas mais diversas atividades produtivas da região – principalmente no

cultivo de trigo para abastecer tanto os mercados litorâneos quanto as praças européias –

marcou indelevelmente todas as características da sociedade paulista que então se

formava. Assim, segundo nos informa John Manuel Monteiro, o processo de integração,

escravização e mesmo dizimação das populações indígenas locais estaria intimamente

ligada à própria constituição de São Paulo colonial, com o trabalho indígena não se

limitando a uma mera lógica comercial.276

Por conseguinte, capturados em grande medida para serem empregados como

mão-de-obra no próprio Planalto, já nas últimas décadas do século XVI os indígenas

tornaram-se um importante elemento constitutivo da sociedade paulista, situação que

prevaleceria por toda a centúria seguinte e propulsionaria, em escalas cada vez mais

abrangentes, o sertanismo preador.277 Em suma, como resultado do elevado grau de

Rochela do Brasil: São Paulo e a aclamação de Amador Bueno como espelho da realeza portuguesa. Revista de História – USP, São Paulo, n. 141, pp. 21-44, 1999. 275 MONTEIRO. O rei no espelho, p. 44. 276 De fato – e esta é uma das teses centrais deste estudo de John Manuel Monteiro –, os plantéis de índios capturados pelos sertanistas de São Paulo não abasteciam apenas os mercados de mão-de-obra litorâneos; pelo contrário, as inúmeras expedições organizadas pelos paulistas para a caça ao índio ao longo dos séculos XVI e XVII tinham a finalidade última de cobrirem as demandas do próprio Planalto, sendo o braço escravo indígena fundamental na própria estruturação da sociedade paulista da época. Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 08-09; 57-58; 99-100; passim. 277 Ainda de acordo John Manuel Monteiro, os indígenas eram utilizados nas mais diversificadas atividades produtivas do Planalto, seja na agricultura, com o cultivo de trigo e alimentos para a subsistência local (milho, feijão, mandioca, carnes e legumes); seja no transporte de mercadorias ao longo das trilhas até o litoral ou mesmo nas próprias expedições apresadoras – atividades nas quais a presença

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miscigenação – tanto sexual, mas sobretudo cultural – entre ameríndios e europeus,

surgiram padrões de comportamento, valores, costumes e modos de vida bastante

específicos no Planalto de Piratininga, situação que colocava os paulistas em um

patamar distinto no que se refere aos colonos das outras regiões da América

portuguesa.278

De fato, no mais das vezes tidos por meros mamelucos ou “mamalucos” –

designação quase sempre arraigada a conotações depreciativas –, os paulistas tornaram-

se ao longo do tempo depositários de importantes conhecimentos acerca dos hábitos e

modos de vida indígena, sobretudo no que se refere à sobrevivência nos sertões

inóspitos. Assim, da caça de alimentos, água e plantas medicinais até a melhor forma de

se orientarem geograficamente em regiões ignotas, diversas práticas empregadas pelos

sertanistas de São Paulo estiveram intimamente atreladas à cultura indígena, forjando a

sedimentação de conhecimentos tipicamente sertanejos entre a “gente” do Planalto.279

Conforme destaca Adriana Romeiro, contudo, nenhum aprendizado seria mais

importante para os paulistas do que o relacionado às artes da guerra brasílica,

conhecimentos estes que seriam amplamente empregadas por tais homens nos anos

vindouros.280

do elemento indígena era de fundamental importância. A este respeito, ver MONTEIRO. Negros da terra, p. 113-114; 124-128; passim. 278 Sobre este ponto, para Russell-Wood os paulistas chegaram mesmo a constituir um grupo étnico com características bastante peculiares no contexto de colonização da América portuguesa. Segundo Russell-Wood, os paulistas dotaram-se de uma identidade coletiva, baseada em critérios como ascendência, características culturais, valores e comportamentos comuns. Da mesma forma e ainda de acordo com este autor, para se caracterizar um grupo étnico “de grande importância é o fato de que os membros de tal grupo [percebam] e [identifiquem] a si mesmos como pertencentes ao grupo, e por isso distintos dos outros, e que os outros [identifiquem] este grupo como distinto”. Cf. RUSSEL-WOOD, A.J.R. Identidade, etnia e autoridade nas Minas Gerais do século XVIII: leituras do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 100-118, jul. 1999. Citação à página 113. Recentemente e na esteira das análises inauguradas por Wood, Adriana Romeiro retomou o tema à luz das teorias da etnicidade propostas por Fredrik Barth. Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 232-235. 279 A este respeito, ver, dentre outros estudos HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994 e KOK, Maria da Glória Porto. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2004. 280 Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008, sobretudo o 4º Capítulo, “As artes da guerra”, pp. 179-224. Ainda de acordo com tal autora, “incorporada ao patrimônio luso-brasileiro, a

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Já no alvorecer dos seiscentos, por sua vez, surgiriam os primeiros conflitos

envolvendo os sertanistas de São Paulo e “Serra Acima” – todos ávidos em adquirir

novos plantéis de índios para serem escravizados – e os religiosos da Companhia de

Jesus; conflitos estes que se tornariam cada vez mais graves com o passar dos anos. As

políticas do reino, por seu turno, permaneciam ambíguas com relação à legitimidade da

escravidão indígena, divididas entre as pressões religiosas e os interesses econômicos

dos colonos de São Paulo.281 Como agravante da situação, vale destacar que os padres

inacianos haviam sido grandes aliados da Corte Brigantina no contexto da Restauração

do reino lusitano frente aos Castelhanos em 1640, o que aumentava o impasse para a

Coroa portuguesa.282

Neste contexto, angariando poder e prestígio junto à Corte lusitana, por

conseguinte, os jesuítas iniciaram uma grande campanha a favor da preservação de suas

atividades missioneiras no Novo Mundo, dando origem a litígios que marcariam toda

esta centúria, embora houvesse momentos de maior ou menor recrudescimento das

tensões. Nessa medida e uma vez engastados no processo de catequização e

evangelização das comunidades indígenas locais, os jesuítas tornaram-se ao longo dos

anos os mais ferrenhos adversários dos sertanistas de São Paulo: segundo John

Monteiro, partindo para a contra-ofensiva e aproveitando-se do prestígio da Companhia,

tais religiosos recorreram ao governador-geral do Brasil, ao Rei de Portugal e até

guerra brasílica – ou volante – era basicamente um guerra de posições e guerrilhas, feita nos matos com emboscadas”; bastante distinta, portanto, das estratégias e táticas utilizadas pelas Companhias regulares européias, geralmente dispostas em Cavalaria e Infantaria. Citação à página 201. 281 Segundo John Monteiro, a questão da legitimidade ou não da escravidão indígena não era consensual nem mesmo entre os jesuítas. Contudo – segundo nos informa o autor acima referido –, ainda que tacitamente havia a noção de que a escravidão era uma forma de sujeitar e integrar os indígenas, além de fazer prosperar economicamente a colônia. Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 40-41. 282 De acordo com Rodrigo Bentes Monteiro, “por motivos ainda incertos, talvez pelo regalismo crescente do governo castelhano contra as ordens regulares, o fato é que os jesuítas, seja em Lisboa, seja em Madri, seja em Roma, foram os mais ferozes adversários dos Habsburgos”. Cf. MONTEIRO. O rei no espelho, p. 78.

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mesmo ao Sumo Pontífice a fim de aplacarem a escravidão indígena nas Américas

portuguesa e espanhola.283

Desta feita, um dos ápices desses conflitos se deu por volta do ano de 1639,

quando os inacianos angariaram junto à Santa Sé a publicação de um breve papal

proibindo terminante a escravização dos ameríndios. De acordo com tal documento,

seriam condenados à excomunhão todos aqueles “que cativassem, vendessem ou

fizessem uso do serviço dos índios”, situação que, como não poderia deixar de ser,

causou grande revolta nos habitantes do Planalto. Tal clima de tensão, por conseguinte,

reverberou de forma mais intensa nas regiões de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro,

culminando na expulsão dos inacianos do Planalto de Piratininga pelos paulistas em

1640.284

Na verdade, desde o início do século XVII, com o natural declínio das tribos

existentes nas proximidades do Planalto, delineou-se para os sertanistas de São Paulo a

necessidade de organizarem expedições de maior fôlego ao longo dos rios Paraguai e

Uruguai, o que, por sua vez, rendeu ao conflito proporções internacionais à medida que

as missões jesuíticas da América espanhola eram atingidas pela avidez bandeirante. Tais

religiosos, por seu turno, indignados frente ao avanço paulista em seus aldeamentos, em

alguns momentos chegaram mesmo a armar suas comunidades indígenas para a guerra

franca frente aos invasores.285

Contudo, conforme destaca Adriana Romeiro, seria no campo do discurso

político e das formulações ideológicas que a principal batalha envolvendo os jesuítas e 283 Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 75 e ss. 284 Conforme aponta Bentes Monteiro, o breve papal fora publicado inicialmente no Rio de Janeiro, contando inclusive com a aquiescência do governador desta Capitania. Tal documento reeditava o conteúdo de uma antiga bula papal de 1537, firmada ainda sob o pontificado de Paulo III e agora ratificada pelo Papa Urbano VIII. Cf. MONTEIRO. O rei no espelho, p. 72. 285 De acordo com John Manuel Monteiro, nesta época havia uma grande disputa pelos índios da região Sul, envolvendo grupos de castelhanos oriundos do Paraguai, paulistas e jesuítas. Na verdade, os ataques às reduções e aldeamentos decorriam da grande concentração de índios nesses lugares, ao passo que era sabido que os guaranis praticavam habitualmente a agricultura. Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 68-72.

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os sertanistas de São Paulo seria travada.286 Nesta perspectiva, apoiados por seus

correligionários do Rio de Janeiro e Salvador, vários jesuítas espanhóis – como os

padres Montoya, Mazetta, Mansilla e Díaz Taño, dentre outros – conduziriam uma

campanha impressionante contra as ações predatórias dos bandeirantes paulistas,

divulgando a imagem destes – “nem sempre exagerada”, conforme as palavras de John

Monteiro – “como de um temível bando de desordeiros e foras-da-lei”.287 Segundo

ressalta Romeiro, “é na pena desses jesuítas que se firmará o imaginário do paulista

como vassalo indômito e rebelde, cioso de sua autonomia e avesso às normas da vida

política do Antigo Regime”.288

De acordo com as análises empreendidas por Kátia Maria Abud, os escritos de

autoria do jesuíta espanhol Antonio Ruiz de Montoya – Conquista Espiritual hecha por

los religiosos de la Compania de Jesus, en las Províncias del Paraguay, Paraná,

Uruguay e Tape, obra editada em Madri no ano de 1639 – alcançariam inclusive grande

repercussão em sua época, sobretudo nos círculos letrados europeus. “Apaixonado

libelo contra as incursões paulistas” de acordo com as palavras de Kátia Abud, tal livro

fora escrito com o claro objetivo de convencer as autoridades espanholas a defenderem

os aldeamentos indígenas frente às investidas dos bandeirantes, o que igualmente

contribuiu para a difusão de uma imagem altamente detratora acerca dos habitantes do

Planalto nos mais diversos recantos do Império português.289

Tendo ocupado o cargo de Superior Geral das Missões jesuíticas dos Guaranis

no Paraguai entre os anos de 1620 e 1637, de fato Montoya fora um dos mais ativos na

condenação das ações devastadoras dos paulistas frente aos aldeamentos indígenas.

Indício da grande repercussão alcançada por sua obra na Europa, suas idéias e

286 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 225-231. 287 Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 144. 288 ROMEIRO, Adriana. Revisitando a guerra dos emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, p. 388. 289 Cf. ABUD. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições, 1985. Citação à página 91.

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concepções tornaram-se a base para o lançamento de diversos escritos posteriores, como

os do padre Nicolau del Techo (Historia de la Provincia del Paraguay de la Compañia

de Jesus, 1663); do jesuíta francês Pierre François Xavier de Charlevoix (Histoire du

Paraguay, obra publicada em Paris em 1757); e do beneditino francês Joseph Vaissette,

historiador da Ordem de São Marcos (Histoire geographique, ecclesiastique et

civile).290

Na verdade, conforme destaca Adriana Romeiro, como traço em comum tais

religiosos forjaram em seus escritos a imagem dos paulistas sob o signo da barbárie e da

selvageria, representações estas que conheceriam duradoura fortuna na memória

histórica e no próprio imaginário social da época acerca dos homens de São Paulo. No

mais das vezes tidos por verdadeiros inimigos internos, as práticas e os costumes dos

paulistas – muito próximos, aliás, das próprias formas de vida dos indígenas, conforme

aludimos mais acima – não raro causavam grande estranhamento em seus

contemporâneos, reafirmando as representações negativas e depreciativas acerca dos

mesmos.

No entanto, não seriam apenas os padres jesuítas os únicos responsáveis pela

consecução e disseminação dessa chamada “legenda negra” paulista: ainda de acordo

com Adriana Romeiro, “também a perambulação característica dos homens que

compunham a elite administrativa na América portuguesa” em muito contribuiu na

circulação de tais concepções e valores, sedimentando nos quatro cantos do Império o

imaginário acerca dos paulistas como “bárbaros rebeldes e desalmados”.291

Nessa medida, seja pela liberdade e desprendimento com que viviam à caça do

gentio bravio pelos sertões inóspitos, seja pelo próprio apelo às artes guerreiras, não

290 Ainda segundo Kátia Abud, para Charlevoix seria a mestiçagem o principal fator responsável pela “barbárie” impressa no gênio dos paulistas, fonte primeira da formação de uma “geração perversa”. Cf. ABUD. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições, p. 91-92. 291 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 225-231.

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raro a região habitada pelos paulistas ganhou ao longo dos seiscentos codinomes como a

“Rochela do Brasil” ou a “Rochela do Sul” – epítetos de um território inexpugnável e

habitado por facínoras igualmente refratários às ordens de Sua Majestade e da Igreja.

Verdadeiro espectro de uma “República” rebelde e independente incrustada em pleno

sertão da América portuguesa, povoada por gente aguerrida e insubmissa, manter a

região de São Paulo sob a órbita de domínio da Coroa portuguesa, por conseguinte,

configurava-se como um desafio de grandes proporções para os agentes metropolitanos.

Para Adriana Romeiro, por sua vez, o tema da “Rochela paulista” – ao evocar a

imagem da terrível cidadela protestante européia que durante anos manteve sua

independência pelo poder de suas armas frente às tropas reais francesas – constituiu

mesmo o cerne da “legenda negra” acerca dos homens do Planalto, “conferindo-lhes

uma conotação política radical”.292 Sugestivamente, em meados de 1695 o viajante

francês François Froger, então em passagem pelo Rio de Janeiro, sintetizaria como

ninguém este imaginário acerca da região e de seus habitantes. Conforme suas

anotações e registros deixam entrever, era notoriamente sabido que “(...) a cidade de

São Paulo, localizada a dez léguas do litoral, [fora] formada a partir da união de

salteadores de todas as nações, os quais, pouco a pouco, formaram uma espécie de

República, onde, por lei, não se reconhece um governador. Nessa República, circundada

por altas montanhas, não se pode entrar nem sair senão por um pequeno desfiladeiro.

Tal passagem é fortemente guardada, pois os paulistas além de temerem os ataques dos

índios, com os quais estão constantemente em guerra, receiam que seus escravos fujam 292 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 226-227. Sugestivamente, conforme apontam os estudos de Rodrigo Bentes Monteiro, a temática da Rochela não foi empregada apenas para designar a região de São Paulo seiscentista: tornando-se uma tópica dos discursos políticos da época, passou também a caracterizar os quilombos de Palmares e mesmo o Maranhão do século XVII, onde igualmente havia disputas envolvendo jesuítas e colonos no que se refere à escravidão indígena. A este respeito, ver MONTEIRO. A Rochela do Brasil: São Paulo e a aclamação de Amador Bueno como espelho da realeza portuguesa. Revista de História – USP, São Paulo, n. 141, pp. 21-44, 1999, nota nº 11. O tema da ‘Rochela paulista’ foi também abordado por MONTEIRO. Negros da terra, p. 216; MONTEIRO. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 86-99, jul. 1999 e por SOUZA. O sol e a sombra, p. 153-154, dentre outros.

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(...). Segundo dizem os habitantes locais, eles [os paulistas] não são súditos do rei, mas

sim tributários; situação que lhes permite livrarem-se desse jugo quando a ocasião for

propícia”.293

Não obstante tais características pouco abonadoras, conforme relatara François

Froger, sabiam as autoridades, contudo, que os conhecimentos acumulados pelos

sertanistas de São Paulo no trato com os diversos grupos indígenas poderiam ser úteis

em diversas circunstâncias, sobretudo no que se refere às guerras contra o gentio bravio

e contra os quilombolas que igualmente infestavam as regiões interioranas da América

portuguesa. De fato, em meados do século XVII as autoridades coloniais e

metropolitanas estavam às voltas com as investidas dos índios tapuias tanto no

recôncavo baiano quanto em outras frentes de povoamento nordestinas, problemas aos

quais se aliavam a nefanda existência do quilombo de Palmares e a própria presença

holandesa em Pernambuco.294

Desta maneira, versados nos assuntos do sertão e nas artes da “guerra brasílica”

como nenhuma outra milícia existente – contextos nos quais as táticas bélicas

empregadas pelas tropas regulares e de ordenança mostravam-se totalmente obsoletas –,

a atuação dos combatentes oriundos de São Paulo nestes conflitos passou a ser cada vez

mais requisitada, mesmo a despeito dos inconvenientes que a presença de tais homens

na região poderia incitar. Neste ponto, conforme bem destacou Adriana Romeiro, foram

os sertanistas bastante argutos na tentativa de reverterem os valores que compunham a

293 FROGER, François. Relation d’un voyage fait en 1695, 1696 e 1697 aux côtes d’Afrique, détroit de Magellan, Brésil, Cayenne et Isles Antilles. Amsterdam: Chez les Héritiers, D’Antoine Schelte, 1699, p. 54. Citado por ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 225-226. 294 Conforme se sabe, a designação “tapuia” referia-se de forma genérica aos índios que habitavam as regiões interioranas da América portuguesa. Em contraposição à linhagem tupi, os tapuias eram vistos como “bárbaros sanguinários”, verdadeiras “feras” que atravancavam o avanço da colonização no Nordeste do Brasil, espalhando o medo e o terror nas povoações locais. Nesse sentido, à medida que os conflitos tornavam-se latentes ao longo da segunda metade dos seiscentos, diversas autoridades promoveram verdadeiras guerras de extermínio frente a tais comunidades indígenas com o uso intensivo de tropas paulistas, contexto que ficaria conhecido como “A guerra dos Bárbaros”. A este respeito, ver PUNTONI. A Guerra dos bárbaros, 2002.

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chamada “legenda negra paulista”: assim, de “feros” e “rebeldes insubmissos”, tais

homens buscaram forjar a imagem de si próprios como “valorosos, intrépidos e

valentes”, os únicos que, por suas características inatas, poderiam derrotar inimigos tão

formidáveis como os negros de Palmares e os tapuias nordestinos “comedores de carne

humana”.295

Nessa perspectiva, não foram poucas as autoridades que, no calor das contendas,

abraçaram a concepção de que o emprego da “máquina de guerra paulista” na região

seria a única opção possível para conter o ímpeto dos inimigos locais, aplacando-os de

uma vez por todas. Na opinião de D. frei Manuel da Ressurreição, por exemplo,

religioso que ocupara o cargo de governador-geral do Brasil entre os anos de 1688 e

1690, os paulistas eram “gente acostumada a penetrar sertões e tolerar as fomes, sedes e

inclemências dos climas e dos tempos, de que não têm uso algum os infantes, nem os

milicianos a que falta aquela disciplina e constância”.296 De maneira similar, outro

contemporâneo ainda registraria: “por várias vezes tenho dito que os paulistas são a

melhor, ou a única defensa, que tem os povos do Brasil contra os inimigos do sertão”.297

Contudo, cientes do poderio militar que representavam, sobretudo naquele

momento de grande crise, os sertanistas de São Paulo passaram a negociar abertamente

a prestação de “seus serviços” junto às autoridades coloniais e ao Conselho

Ultramarino, exigindo como espólio de guerra pesadas retribuições em soldos, peças do

gentio da terra, sesmarias, patentes militares, honras e mercês. Como se sabe, a

prestação de serviços por parte dos vassalos em troca da “esperança” por futuras

retribuições régias – tanto em bens materiais quanto em bens simbólicos – não era

295 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 241. 296 Citado por TAUNAY, Affonso de E. História das bandeiras paulistas. São Paulo: Melhoramentos, 1975, t. 01, p. 157 e por ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 241. 297 PARECER do Procurador da Fazenda sobre as queixas e requerimentos dos paulistas. Documento citado por ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares: subsídios para a sua história. Prefácio de Affonso de E. Taunay. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p. 311 e por ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 243.

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nenhuma novidade à época, fazendo mesmo parte das condutas típicas da cultura

política do Antigo Regime.298

No entanto, neste novo contexto inaugurado pelas guerras do nordeste

seiscentista, os homens do Planalto de Piratininga levaram tais concepções ao extremo,

a ponto de fazerem das autoridades e do próprio Rei de Portugal meros contratadores de

seus serviços, estando a fidelidade dos mesmos diretamente vinculada ao recebimento

das benesses prometidas, o que nem sempre ocorria. Conforme bem ressaltou Adriana

Romeiro, para os sertanistas de São Paulo, “a retribuição régia pouco tinha a ver com a

magnanimidade, excluindo, assim, o caráter de graça de que se revestiam as mercês

régias; ao contrário, a retribuição adquiria um sentido de obrigatoriedade, muito

semelhante à noção de contrato, em que os serviços e as recompensas eram

primeiramente negociados por meio de procuradores enviados diretamente a Lisboa”.

Nessa perspectiva, “e em razão da qualidade de serviço regido por um contrato formal”,

concluiu Adriana, “eles [os paulistas] mostravam-se dispostos a abandoná-lo quando

uma ou outra cláusula era modificada ou descumprida, fosse pelo rei, fosse pelos seus

representantes”.299

Como não poderia deixar de ser, tais atitudes dos paulistas – longe de se

enquadrarem na lógica respeitosa e polida que, por suposto, deveria reger as relações

entre os súditos e a Coroa – em muito reforçava a imagem dos habitantes de São Paulo

como rudes, arrogantes e prepotentes, mais próximos a mercenários e aliados do que a

fiéis vassalos. Pouco afeitos às normas e etiquetas palacianas que comumente pautavam 298 A este respeito, ver XAVIER & HESPANHA. As redes clientelares. In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal (O Antigo Regime). Lisboa: Editorial Estampa, 1993. v.4. pp. 381-393. De acordo com tais autores, à época de vigência do Antigo Regime na Europa as relações de natureza institucional ou jurídica tinham tendência a coexistirem com outras relações paralelas, tão ou mais importantes que as primeiras, baseadas em critérios de amizade, parentesco, honra, fidelidade e serviço. Assim, na chamada “economia do dom” as negociações envolvendo soberano e vassalos, patrão e empregado, “senhor e clientes” eram extremamente comuns, cimentando a própria natureza das relações sociais e políticas. Outro interessante estudo que também aborda tais concepções teóricas é o de FURTADO. Homens de negócio, 2006. 299 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008. Citações à página 239.

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as reivindicações dos súditos junto às instâncias administrativas superiores, ao que

parece os homens do Planalto de Piratininga simplesmente negligenciavam a assimetria

existente entre soberano e vassalos, enquadrando suas exigências e imposições nos

moldes de uma relação entre pólos iguais de poder. Conseqüentemente, entre as

autoridades coloniais e metropolitanas pairaria sempre a sensação de que a qualquer

momento tais homens pudessem firmar acordos com os inimigos externos de Portugal,

bastando para isso que as condições lhes fossem favoráveis.300

Dessa forma, não raro tidos como um mal necessário no combate a adversários

contra os quais as tropas regulares nada poderiam fazer, sabiam também os agentes

metropolitanos que o aliciamento das tropas paulistas para participarem desses conflitos

no nordeste da América exigia cautela. De fato, escandalizados com a forma acintosa e

explícita com que os paulistas “vendiam” os seus serviços e impunham suas condições

para ingressarem nas contendas, algumas autoridades locais chegaram mesmo a

reconsiderar suas decisões; como no caso de governador de Pernambuco, Caetano de

Melo de Castro, para quem a presença dos sertanistas na região – “gente bárbara,

indômita e que vive do que rouba” – causaria “maior dano em seus gados e fazendas

que aquele que lhe faziam os mesmos negros levantados”.301

De qualquer forma, seja no combate ao gentio bravio das regiões interioranas da

América no contexto da “Guerra dos Bárbaros”, seja no combate aos quilombolas de 300 Sem sombra de dúvida, os episódios mais conhecidos e emblemáticos acerca das formas como os paulistas negociavam seus serviços junto aos agentes da Coroa portuguesa foram os que tiveram como protagonista o bandeirante Domingos Jorge Velho no contexto de combate aos quilombolas de Palmares. Assim, conforme destaca Adriana Romeiro, em diversas cartas dirigidas tanto ao Rei quanto a seus Ministros, Jorge Velho expôs como ninguém a lógica que pautava a ação paulista, “deixando claro que a sua fidelidade estava a serviço daquele que melhor pudesse remunerá-la, independentemente da causa em questão”. A este respeito, ver ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 244 e ss. e ENNES. As guerras nos Palmares, p. 205. 301 CARTA de Caetano de Melo de Castro, datada de Pernambuco de 04 de agosto de 1694, em que dá notícia do feliz sucesso que teve nos Palmares. Documento citado por ENNES. As guerras nos Palmares, p. 198 e por ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 246. De modo semelhante – conforme ressalta Pedro Puntoni – também as elites locais buscavam evitar a resolução de se enviar mais tropas paulistas ao sertão nordestino, uma vez que ambos os grupos tinham interesses convergentes, sobretudo no que se refere à posse de sesmarias e de cargos de mando na região. Cf. PUNTONI. A guerra dos bárbaros, p. 172-177.

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Palmares, durante toda a segunda metade do século XVII os sertanistas de São Paulo

acumularam uma série de malogros em suas negociações com a Coroa portuguesa,

mesmo a despeito de terem finalmente conquistado significativas vitórias frente a tais

“ameaças internas”. Sintomaticamente, nos anos que se seguiram a estes conflitos foi

inclusive muito comum a circulação de queixas por parte dos paulistas acerca do não

cumprimento dos contratos anteriormente firmados junto às autoridades, ao passo que o

volume de cartas e requerimentos enviados ao Conselho Ultramarino crescia em ritmo

exponencial.302

Como resultado imediato, por conseguinte, tal contexto de insatisfação geral

trouxe novos agravantes para as relações envolvendo paulistas e agentes metropolitanos,

relações estas já há anos bastante desgastadas. Por outro lado, com a prevalência da

imagem do paulista como súdito pouco confiável e de fidelidade duvidosa na memória

administrativa oficial lusitana – situação que os afastava momentaneamente do rol dos

prováveis merecedores imediatos das benesses régias – a circulação da idéia do vassalo

traído entre os homens do Planalto de Piratininga também ganhou novo ímpeto,

recrudescendo ainda mais as desconfianças mútuas. Nessa medida, não raro a imagem

do súdito enganado por autoridades venais e corruptas foi acionada pelos paulistas,

quadro este perfeitamente representado pelo sertanista que, por “atuar apenas em favor

dos interesses de Sua Majestade e à custa de suas próprias vidas e fazendas”, conforme

formulação comum à época, teria levado sua família e agregados à completa ruína.

Ainda sobre este aspecto, mais uma vez a correspondência trocada entre o

famoso líder paulista Domingos Jorge Velho e os agentes da Coroa portuguesa no

contexto das guerras de Palmares seria o mais expressivo indício do clima de tensão

302 Em determinadas ocasiões, alguns sertanistas optaram inclusive por remeter procuradores a Lisboa a fim de pleitearem o cumprimento de suas reivindicações junto ao Rei, embora poucos tenham alcançado o êxito esperado. A este respeito ver, dentre outros estudos, ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 245-249 e PUNTONI. A guerra dos bárbaros, p. 109-113. passim.

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então vivido no período: em uma de suas cartas ao Rei D. João V, por conseguinte,

afirmara Jorge Velho que por não ver cumpridas as promessas anteriormente acordadas

com as autoridades metropolitanas, ficaria sua linhagem reduzida “à miséria suma”, ao

passo que tais fatos ficariam “em perpétua memória da gente São Paulista [sic] que isto

sucedeu a Domingos Jorge Velho e à sua gente por haver atropelado todas suas

conveniências para virem servir (...)”.303

Em suma, mesmo os paulistas vendo naufragar parte de suas esperanças de

retribuição por seus “serviços” prestados nas guerras nordestinas, conforme bem

ressaltou Adriana Romeiro, este longo e arrastado processo de negociações com as

instâncias superiores de poder fora de suma importância para os sertanistas de São

Paulo, sobretudo no que se refere ao acúmulo de experiências e formulações políticas;

concepções estas que seriam amplamente evocadas a partir de então pela gente do

Planalto. Com efeito, digno de destaque foi a força assumida pela noção de “direito de

conquista” no imaginário e nas formulações políticas dos paulistas tanto no que se

refere aos indígenas derrotados em guerra quanto aos territórios conquistados, mesmo a

despeito de nem sempre serem atendidos em suas reivindicações. Nessa medida,

aferrados a tal discurso, por conseguinte, as práticas políticas inauguradas pelas gentes

do Planalto ganhariam novos contornos no contexto da revelação dos metais e veios

auríferos das Minas a partir do último decênio dos seiscentos, demarcando um período

de tensões, rivalidades e conflitos.304

303 REQUERIMENTO que aos pés de Vossa Majestade humildemente prostrado faz em seu nome, e em aquele de todos os oficiais e soldados do terço de infantaria São Paulista de que é Mestre de Campo Domingos Jorge Velho, que atualmente serve a Vossa Majestade na Guerra dos Palmares, contra os negros rebelados nas Capitanias de Pernambuco. Apud ENNES. As guerras nos Palmares, p. 344 e ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 248. 304 A este respeito, ver ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 248 e ss. & ROMEIRO. Revisitando a guerra dos emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 387-401.

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3.2 – As Minas entre “paulistas e emboabas”

Conforme analisamos brevemente nas páginas precedentes, se o ocaso do século

XVII fora marcado por uma explosão de discursos acerca das características das gentes

do Planalto de Piratininga e pelo próprio recrudescimento das tensões envolvendo os

sertanistas de São Paulo, colonos, poderosos locais, religiosos, agentes metropolitanos e

Coroa portuguesa, o alvorecer dos setecentos também não fugiria à regra. De fato,

novidade sem precedentes no conjunto do Império ultramarino lusitano, a revelação dos

descobertos auríferos das Minas e a rápida colonização de um território antes inculto

por grupos de colonos tão heterogêneos compôs um cenário de euforia, mas ao mesmo

tempo de preocupações para as autoridades régias, nomeadamente pela sensação de

iminência dos conflitos.305 Obviamente, não caberá aqui retomar em detalhes todas as

vicissitudes e minudências destes primeiros anos de estabelecimento das Minas.

Contudo, importa-nos avaliar, ainda que parcialmente, o conjunto dos discursos, das

práticas e das representações acionados pelos protagonistas desta nova conjuntura

insurgente – contexto este que reverberou não apenas nos episódios mais graves que

compuseram a chamada “Guerra dos Emboabas”, mas também em diversas situações

conflituosas nas quais os paulistas tomaram parte nos anos subseqüentes e das quais

Pitangui fora um exemplo destacado.

Como se sabe, fruto da ação pioneira dos bandeirantes paulistas, a revelação dos

primeiros veios auríferos na região da futura Capitania de Minas Gerais a partir de

meados da década de 1690 novamente alçou os sertanistas do Planalto a uma condição

supostamente privilegiada frentes aos demais colonos da América portuguesa. Na

verdade, se durante grande parte do século XVII os paulistas foram “louvados” por suas 305 Tema caro à historiografia, interessantes análises acerca deste período foram realizadas por SOUZA. Desclassificados do ouro, 2004 (4ª edição); CAMPOS. Governo de mineiros, 2002; ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, 2002; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008, dentre tantos outros.

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façanhas e capacidades guerreiras, agora dentre tais atributos emergia a fama do

sertanista como “verdadeiro descobridor” dos ricos metais; em suma, os únicos colonos

capazes de esquadrinhar os sertões e desvendar-lhes as riquezas em prol do

engrandecimento da Fazenda de Sua Majestade.

Pragmaticamente, no entanto, a revelação dos descobertos auríferos das Minas e

a subseqüente corrida empreendida pelos pioneiros a fim de oficializarem seus feitos

junto às instâncias de poder esteve longe de representar uma obra do acaso, como

durante longo tempo supôs a historiografia. Conforme recentes estudos têm apontado, a

mineração do ouro já ocorria de forma clandestina nas regiões interioranas da América

portuguesa desde a segunda metade dos seiscentos, como sugere o próprio famigerado

episódio do assassinato do enviado régio ao sertão do Rio das Velhas D. Rodrigo

Castello Branco por volta do ano de 1681.306 Na verdade, conforme ressaltam Maria

Verônica Campos e Adriana Romeiro, a revelação dos descobertos auríferos por parte

dos sertanistas de São Paulo e “Serra Acima” apenas se concretizou efetivamente

quando houve promessas por parte da Coroa de que ao descobridor seriam dados

privilégios, honras e mercês; contexto muito próximo ao que já havia demarcado as

negociações entre os paulistas e as autoridades régias em decorrência das guerras

nordestinas.307

Nessa medida, quando se fala em “descoberta” dos metais na última década dos

seiscentos, talvez seja mais apropriado falar em revelação dos descobrimentos, pois,

conforme afirma Campos, “há vários indícios de extração sigilosa de ouro durante a

segunda metade do século XVII, especialmente a partir da década de 1670, não só no 306 Episódio eivado de obscuridade pela própria insuficiência e escassez das fontes documentais pertinentes, sabe-se, contudo, que o sertanista e líder paulista Manuel da Borba Gato – genro e herdeiro da expedição de Fernão Dias Paes Leme – esteve envolvido no assassinato de D. Rodrigo, muito provavelmente para garantir o próprio monopólio sobre as possíveis regiões auríferas então descobertas na região do Rio das Velhas. A este respeito ver, dentre outros estudos, CAMPOS. Governo de mineiros, p. 38-41. 307 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 33 e ss; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 249 e ss.

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território da futura Minas Gerais, como também em terras do atual Estado do

Tocantins”.308 Nesse particular e como fundamento de sua argumentação, Maria

Verônica defende ainda que houve um significativo crescimento do volume de ouro

circulante nas praças portuguesas e européias nesse período; ao passo que é bastante

suspeitoso o fato de, logo após se tornarem públicas as promessas de recompensas pela

revelação das datas minerais, ter havido uma verdadeira corrida e disputa pela “primazia

dos descobertos” entre os sertanistas nos registros oficiais.309 Como não poderia deixar

de ser, tamanha disputa por retribuições entre os supostos pioneiros resultou inclusive

em intensas rivalidades entre os próprios bandeirantes, nomeadamente entre os paulistas

do vale do Rio Tietê e os taubateanos, uma vez que estes últimos anteciparam-se na

manifestação dos novos achados.310

Para Adriana Romeiro, por conseguinte, quando da revelação das datas minerais,

os paulistas passaram a exigir de forma taxativa o direito à posse das mesmas junto à

Coroa e demais autoridades locais. Segundo tal autora, a principal alegação dos

bandeirantes era que na carta régia de 18 de fevereiro de 1694, o Rei D. Pedro II

308 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 33. Sobre este ponto, também John Manuel Monteiro reafirma a hipótese da ocorrência de extração sigilosa de metais por parte dos sertanistas de São Paulo ao longo do último quartel do século XVII. De acordo com suas palavras, “no que diz respeito ao ouro, contudo, é difícil acreditar que as várias expedições que varriam esses sertões ao longo das décadas de 1640 a 1690 não tivessem reparado na sua existência. Um indício da sua circulação em São Paulo antes do descobrimento formal – isto é, quando Carlos Pedroso da Silveira avisou ao governador Castro Caldas em 1694 – está no inventário do comerciante português Gonçalo Lopes, falecido em 1689, deixando um espólio superior a 12 contos de réis, incluindo mais de 6 contos em dinheiro amoedado e 207 oitavas de ouro em pó. Poucos anos antes, num atestado passado pela Câmara Municipal de Parnaíba, este mesmo comerciante figurava entre os principais credores de Fernão Dias Pais”. Cf. MONTEIRO. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 86-99, jul. 1999. Citação às páginas 89-90. 309 Sobre as disputas envolvendo os diversos grupos de aventureiros acerca da primazia na descoberta das minas, além da própria guerra de representações envolvendo os sertanistas de São Paulo, ver o interessante artigo RESENDE, Maria Efigênia Lage de. A disputa pela história – traços inscritos na memorialística histórica mineira dos finais do setecentismo. Varia História, Belo Horizonte, n. 20, pp. 60-77, mar. 1999. 310 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 45-55; 200. Sugestivamente, Diogo de Vasconcelos foi quem primeiro percebeu as dissidências e clivagens envolvendo “paulistas” e “taubateanos”. Segundo suas análises, tamanha era a disputa por terrenos auríferos entre as duas facções nos anos iniciais de estabelecimento das Minas que se não irrompesse o conflito entre paulistas e forasteiros, certamente a guerra se daria entre os primeiros e os taubateanos. Cf. VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 13-15, v. 01.

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prometia aos descobridores das minas, “para além do foro de fidalgo e o hábito de

qualquer das suas três ordens militares, as propriedades das minas, obrigadas apenas ao

pagamento do quinto para a Real Fazenda”. Nessa medida, buscando aproximarem-se

da imagem de fiéis vassalos que prestavam valiosos serviços a Sua Majestade, mais

uma vez os homens do Planalto de Piratininga valiam-se do “direito de conquista” para

reivindicarem as tão sonhadas retribuições em terras minerais, patentes militares e

cargos de mando.311 Não raro acompanhando o curso dos principais rios, assim como as

antigas trilhas indígenas que cortavam o território, com efeito, não foram poucos os que

se aventuraram mata adentro, empregando enormes somas de dinheiro no enfrentamento

das “feras”, “febres” e “fomes” dos sertões. Em suma, além do apresamento indígena,

sem o qual as próprias expedições ficariam impossibilitadas, era preciso concretizar e

materializar os descobrimentos dos minerais, o que supostamente angariaria ao

aventureiro enriquecimento, honras e prestígio junto à Coroa portuguesa.312

Na verdade, conforme bem ressaltou Maria Verônica Campos, neste primeiro

momento o que estava em jogo para os descobridores das minas não era meramente a

imposição dos quintos sobre a produção aurífera – tributo a priori tido por legítimo –,

mas sobretudo o controle a ser implementado sobre a arrecadação deste imposto, além

das próprias prerrogativas de nomearem os principais cargos de poder, tanto civis

quanto militares; privilégios os quais os sertanistas não estavam dispostos a abrirem

mão.313 De qualquer forma, se os primeiros anos de estabelecimento das Minas foram

marcados por certo predomínio dos “taubateanos” e “paulistas” na ocupação dos

principais cargos diretivos – nomeadamente aqueles que estavam diretamente ligados à

311 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 249-250; ROMEIRO. Revisitando a Guerra dos Emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de Governar, pp. 387-401, citação à página 397. 312 Um exemplar estudo acerca das empresas de descobrimentos das Minas pode ser encontrado em ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, 2002. 313 A este respeito, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 252 e ss. passim.

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mineração – em pouco tempo o perfil populacional da Capitania não mais

corresponderia às pretensões paulistas.

De fato, é interessante notar que paulatinamente os sucessivos governadores da

Capitania da Repartição Sul foram implementando medidas que, em última instância,

cerceavam o poderio e a autonomia inicialmente concedidos aos sertanistas

descobridores dos veios auríferos. Assim, se no alvorecer da mineração houve um

predomínio dos taubateanos na ocupação dos primeiros cargos administrativos das

Minas, privilégios concedidos aos mesmos pelo então governador Sebastião de Castro e

Caldas (1695-1697), com a ascensão de Arthur de Sá e Menezes ao governo da

Capitania (1697-1702), estes seriam majoritariamente suplantados pelos paulistas

advindos do Vale do Rio Tietê.

Sintomaticamente, no entanto, tal preeminência paulista não chegaria a fincar

sólidas raízes em território mineiro, sobretudo com os rearranjos de poder e a rápida

ascensão dos forasteiros tanto política quanto economicamente. Conforme bem destacou

Maria Verônica Campos e Adriana Romeiro, dentre outros autores, utilizando-se de sua

habilidade e perspicácia no trato com os paulistas, por conseguinte, Arthur de Sá e

Menezes editou um novo Regimento para as minas em 1700 no qual constava o

rompimento formal com a promessa de mercês feitas aos descobridores pela Coroa

portuguesa anos antes.314 Desta feita, com este novo documento os pioneiros perderiam

o domínio sobre as lavras, “ficando apenas com o privilégio de duas datas, escolhida a

primeira antes de todas e a segunda após a determinação da pertencente à Fazenda

Real”.315

314 Cf. CAMPOS. Governo de mineiros, p. 50-72; VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 158-195, v. 01; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 250 e ss. 315 De acordo com as análises de Friedrich Renger, até esta época ainda vigorava – pelo menos no âmbito da legislação – a Carta régia de 1603 assinada por D. Filipe II, mesmo a despeito de ter sido passada especificamente para as regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, sendo registrada na América portuguesa apenas em 1652. Cf. RENGER, Friedrich E. Direito mineral e mineração no Códice Costa Matoso

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As maiores alterações, entretanto, seriam implementadas à época de D. Álvaro

da Silveira e Albuquerque (1702-1705), substituto de Arthur de Sá e Menezes no

governo da Capitania: retificando o Regimento acima referido após apenas dois anos de

sua implantação (1702), a Coroa portuguesa ensejou a criação do cargo de

Superintendente das Minas, posto que retirava grande parte das prerrogativas e

privilégios dos Guardas-mores no tocante à administração das lavras.316 Conforme

prática corrente à época, o cargo de Guarda-mor era geralmente reservado àquele

sertanista que revelara o novo descoberto, ou que pelo menos mais colaborara para a sua

efetivação. Com as novas medidas implementadas pelo Regimento de 1702, por

conseguinte, o provimento do posto de Superintendente das Minas ficou a critério dos

governadores da Capitania que, no mais das vezes, escolhiam autoridades externas ao

grupo de descobridores para ocuparem o cargo; tudo com claras intenções de atenuarem

o poderio destes últimos sobre a região.

De acordo com Maria Verônica Campos, neste novo contexto “o

Superintendente recebeu as mais importantes funções concedidas aos Guardas-mores

em 1700 e tornou-se a principal autoridade da burocracia mineira. Aplacaria todos os

conflitos no tocante à repartição das lavras, com a prerrogativa de nomear os guardas-

menores. Além disso, detinha jurisdição no cível e no crime, a mesma dos Juízes de fora

e Ouvidores-gerais”.317 Desta feita, com o passar dos anos a preponderância pretendida

pelos paulistas sobre as principais regiões de exploração mineral da Capitania de Minas

foi se tornado cada vez mais distante, ao passo que o partido dos forasteiros se fortalecia

gradativamente. Nessa medida, num contexto de intensas disputas por recursos

materiais escassos e ampla concorrência por cargos de mando, bastou alguns incidentes

(1752). Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 156-170, jul. 1999. Acerca deste contexto, ver CAMPOS. Governo de mineiros, 2002. Citação à página 52. 316 Cf. CAMPOS. Governo de mineiros, p. 64 e ss. 317 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 64.

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envolvendo paulistas e adventícios para se acender o “rastilho de pólvora” que

deflagraria a chamada “Guerra dos Emboabas”. Similarmente ao que já ocorrera na

ocasião da participação paulista nas guerras tanto contra os Tapuias nordestinos quanto

contra os negros quilombolas de Palmares, por conseguinte, mais uma vez seria no

campo dos discursos e das formulações ideológicas a instância principal de batalha

envolvendo os sertanistas de São Paulo e seus demais contemporâneos.318

Neste novo contexto, no entanto, se os povos advindos do Planalto de

Piratininga ainda eram considerados “a maior máquina de guerra” existente à época por

empregarem táticas bélicas bem adaptadas às condições climáticas e geológicas da

região, os “emboabas”, por seu turno, já constituíam ampla maioria nas Minas, o que

lhes proporcionariam uma esmagadora vitória sobre os primeiros. Sagazes na tentativa

de se firmarem junto às instâncias de poder instaladas na Capitania, por conseguinte, os

forasteiros souberam como ninguém revitalizar a já famosa “legenda negra” paulista,

alçando seus adversários à condição de verdadeiros tiranos que, como “feras selvagens”,

pretendiam monopolizar o acesso às riquezas minerais da região. Os paulistas, por seu

turno, apegados à noção de “direito de conquista” – nas Minas transmutado em um

“direito de descobridor” – e às concepções contratualistas de poder anteriormente

estabelecidas, defendiam que os forasteiros – estes sim ardilosos, aproveitadores e

monopolistas – estavam a usurpar-lhes as prerrogativas e privilégios; benesses estas

duramente conquistadas em longos anos de agruras pelos sertões.319

318 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 248 e ss. 319 Sobre este aspecto – conforme bem destacou John Manuel Monteiro, dentre outros autores – o conjunto de relatos compilados na segunda metade do século XVIII pelo Ouvidor Geral de Ouro Preto Caetano da Costa Matoso constitui um dos maiores repositórios dessa “guerra discursiva” envolvendo paulistas e emboabas. Assim, composto por documentos de orientação ora pró-paulista, ora pró-emboaba, o chamado Códice Costa Matoso reflete de forma clara o universo das representações conflitantes acionadas tanto pelos sertanistas de São Paulo quanto pelos forasteiros às vésperas do levante armado. Bento Fernandes Furtado, por exemplo, paulista contemporâneo ao conflito e inclinado à sua gente, relatou que a guerra resumia-se a um “(...) pernicioso levantamento (...) dos ingratos filhos da Europa contra os famosos descobridores destes haveres para remédio de tantos desvalidos europeus”. Em contraste a tais idéias, por conseguinte, o narrador da “História do distrito do Rio das Mortes (...)” José

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De qualquer forma, seja pelo passado pouco edificante das práticas e ações

empregadas pelos sertanistas na resolução de seus litígios – situação que cristalizara um

imaginário altamente negativo acerca dos mesmos, conforme vimos anteriormente –,

seja pelas próprias circunstâncias de momento, o fato é que a imagem do paulista como

vassalo indômito e de fidelidade duvidosa acabou prevalecendo, sacramentando mais

uma derrota paulista; agora nas Minas. Significativamente, para Júnia Ferreira Furtado

“as razões do conflito [envolvendo paulistas e forasteiros] foram várias e se revelam na

própria etimologia da palavra [emboaba] que é incerta e cujo significado é flexível”.320

Adriana Romeiro, por sua vez, é taxativa ao afirmar que Manuel Nunes Viana e seus

seguidores inclusive apropriaram-se do epíteto “emboaba” pra realçar o caráter bárbaro

e anti-lusitano dos paulistas: tirando proveito da origem tupi do vocábulo, o que

igualmente denunciava a fluência paulista na língua da terra, “a cisão entre os que

falavam a língua portuguesa – pura e autêntica – e os que falavam a língua indígena – a

do aborígine e do inimigo” – era transplantada para o próprio domínio das palavras.321

Álvares de Oliveira pintou a imagem do paulista aliando-a à tirania e ao desmando. Segundo suas palavras, “(...) fiquem também como em esquecimento as repetidas assuadas que pela menor desconfiança vinham dar à povoação [os paulistas], entrando por ela com gente armigerada; e o senhor na fronte de pé descalço em ceroulas de algodão arregaçadas ao cós, catana talingada, patrona cingida, pistolas no cinto, faca no peito, clavina sobraçada; e na cabeça, ou carapuça de rebuço ou chapéu de aba caída, ao som de caixa e clangor de trombeta, vozeando ‘Morram Emboabas’!. E não só com estas tumultuosas amotinações mas com as bravezas de um taubateano cognominado Jaguara, que pela língua da terra é o mesmo que cachorro bravo, o qual quando se embriagava, tomava por empresa o fazer-se pôr a cavalo e, armado com os seus escravos, encaminhar-se por distância de mais de uma légua para este arraial, e entrava por ele dando mostras de sua bebacidade pelas bocas de suas espingardas, semeando as ruas de chumbo (...)”. Respectivamente, “Notícias dos primerios descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios”. CCM, pp. 166-193. Citação à página 177; e “História do distrito do Rio das Mortes, sua descrição, descobrimento das suas minas, casos nele acontecidos entre paulistas e emboabas e ereção das suas vilas”, CCM, pp. 270-293. Trecho destacado às páginas 278-279. Cf. MONTEIRO. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 86-99, jul. 1999; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 255-275. 320 FURTADO. José Rodrigues Abreu e a geografia imaginária emboaba da conquista do ouro. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 277-295. Citação à página 278. 321 Conforme sugerem os estudos de Adriana Romeiro e Russell-Wood, a designação emboaba estava longe de se restringir aos nascidos no reino: assentado em diferenças culturais, tal termo referia-se aos “não-paulistas”, abarcando portugueses, baianos, cariocas e pernambucanos, dentre outros. A este respeito, ver RUSSEL-WOOD, A.J.R. Identidade, etnia e autoridade nas Minas Gerais do século XVIII: leituras do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 100-118, jul. 1999 e ROMEIRO. Um visionário na corte de D. João V, 2001. Citação à página 236.

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Curiosamente e na esteira das formulações que embasaram a independência do

reino lusitano frente aos espanhóis em 1640 – conforme destaca Romeiro –, digno de

nota é o fato dos forasteiros terem se lançado à categoria de verdadeiros “restauradores”

das Minas frente à tirania paulista; situação que reverberou de forma intensa na própria

opinião das autoridades acerca das características e hábitos das gentes do Planalto de

Piratininga.322 Desta feita, derrotados no campo das formulações políticas e banidos dos

principais cargos de poder das Minas ao final da primeira década dos setecentos, vale

finalmente analisar os próprios comportamentos assumidos pelos homens do Planalto de

Piratininga a partir de então, tanto no que se refere às suas relações com os demais

colonos da América portuguesa quanto com as autoridades régias ali constituídas.

3.3 – Pitangui, palco para um [novo] repertório de ação paulista?

Conforme já delineamos sumariamente nas seções anteriores, um dos pontos

mais instigantes acerca da participação dos sertanistas de São Paulo tanto nas

expedições guerreiras do nordeste ao final do século XVII quanto nos empreendimentos

de descoberta e revelação dos metais das Minas no alvorecer dos setecentos refere-se ao

próprio repertório de ação então encetado por tais homens nestes contextos. Com efeito,

322 Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 261-275. Mesmo a despeito da predominância do imaginário negativo acerca dos paulistas nestes primeiros anos de ocupação das Minas, conforme ressaltamos mais acima, há de se destacar que contemporaneamente as empresas sertanistas também encetaram seus defensores, contexto que compôs as “matrizes interpretativas” não apenas para a “Guerra dos emboabas”, mas também para o próprio fenômeno do bandeirantismo. Nessa medida, entre os escritos setecentistas favoráveis aos paulistas, podemos citar as obras de frei Gaspar da Madre de Deus, Memórias para a história da Capitania de São Vicente; de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, sobretudo sua extensa Nobiliarquia paulistana histórica e genealógica; e de Cláudio Manuel da Costa, Fundamento histórico ao poema Vila Rica. Em contraposição a tais autores coevos, Sebastião da Rocha Pita, em História da América portuguesa [1730], seria um dos expoentes na condenação das práticas acionadas pelos paulistas nas Minas, responsabilizando-os inclusive pela deflagração dos confrontos armados. Conforme alguns estudos já demonstraram, tais “matrizes interpretativas”, sendo forjadas ainda no século XVIII, foram retomadas em diferentes épocas pela historiografia, ora reafirmando a “legenda negra” paulista, ora alçando os habitantes do Planalto à categoria de verdadeiros “heróis nacionais” – os “gigantes descobridores e desbravadores do Brasil”. Cf. ABUD. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições, 1985 e ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 14-16. passim.

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se a guerra que dividiu em lados opostos paulistas e forasteiros nos primórdios das

Minas pode ser encarada como um desdobramento de concepções e práticas políticas já

preliminarmente demarcadas nos séculos antecedentes, os reflexos desse conflito

também não se restringiriam a uma temporalidade eminentemente curta, desaguando de

forma intensa nos motins e sublevações que compuseram o restante do setecentos

mineiro.323 Revelador de certo modus operandi paulista, por conseguinte, não raro a

regularidade nas formas de atuação dos habitantes do Planalto em todas as questões nas

quais se imiscuíam trouxe não apenas estranhamento, mas também preocupação para as

autoridades contemporâneas, sobretudo nos momentos de maior radicalismo político.

Conceito em grande medida desenvolvido pelo sociólogo inglês Charles Tilly ao

estudar as sublevações e motins europeus e originalmente empregado por Carla

Anastasia para o contexto insurgente das Minas setecentistas, o repertório de ação

coletiva, por seu turno, é por nós entendido como o conjunto de condutas comumente

acionadas pelos vassalos na defesa de seus interesses compartilhados. Em suma,

fazendo parte de um processo de escolha relativamente deliberado, conforme destaca

Carla Anastasia, o repertório de ações emergiria “da luta cotidiana dos atores”,

constituindo uma tendência à “repetição das estratégias bem sucedidas e restringindo o

escopo de alternativas para a ação coletiva”. Nessa medida, segundo se observa, a idéia

de repertório implicaria “na escolha de um número restrito de performances com as

quais um determinado grupo está familiarizado”: suas opções para a ação, por

323 De fato, para Adriana Romeiro foram os paulistas que, mesmo derrotados no conflito frente aos forasteiros em 1709, contribuíram de forma decisiva na construção de uma tradição política nas Minas do século XVIII fundamentalmente assentada na concepção contratualista de poder em relação à Coroa portuguesa. Cf. ROMEIRO. Revisitando a Guerra dos Emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de Governar, p. 387 e ss.

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conseguinte, seriam “circunscritas tanto pela experiência anterior quanto pelos recursos

materiais, organizacionais e conceituais que o grupo [teria] à disposição”.324

Conforme nos explica Anastasia, embora a idéia de repertório seja

suficientemente flexível a ponto de suportar a agregação de novas formas de ação às já

tradicionalmente estabelecidas, as primeiras não poderiam jamais suplantar as segundas,

sob pena da perda de sua “comunicabilidade” entre seus pares. Assim, a rigor o padrão

distintivo de um dado repertório de ação seria a sua contínua influência sobre os

próprios participantes da ação coletiva, assim como sua “estabilidade” percebida no

decorrer de períodos relativamente longos.325 Ponto que nos interessa mais de perto, por

conseguinte, e na trilha das próprias análises desenvolvidas por Carla Anastasia, é

interessante observar que Tilly aponta inclusive para a possibilidade de se isolar o

momento em que um padrão anterior de protesto se torna claramente ineficaz, não

obstante o tempo geralmente decorrido neste processo de transição. Em suma, a questão

se resumiria à emergência de uma nova conjuntura social e política que, por tornar os

estilos de reivindicação até então conhecidos e empregados totalmente obsoletos,

forçaria o rompimento do repertório de ação antes comumente aceito, dando espaço à

inovação.326

À luz destes esclarecimentos, no entanto, urgiria então questionar: o desrespeito

“aos direitos de descobridores” dos paulistas nas Minas pelas autoridades e demais

colonos – conforme alegavam os primeiros – e o próprio desfecho assumido pela

“Guerra dos Emboabas” teriam provocado mudanças significativas no repertório de

324 A este respeito, ver TILLY, Charles. Contentions repertoires in Great Britain. In: TRAUGOTT, Mark. Repertoires & Cycles of collective action. London: Duke University Press, 1995 e ANASTASIA. A lei da boa razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 28, pp. 29-38, dez. 2002. Trechos à página 32. 325 Cf. ANASTASIA. A lei da boa razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 28, pp. 29-38, dez. 2002. 326 Cf. ANASTASIA. A lei da boa razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 28, pp. 29-38, dez. 2002, sobretudo as análises desenvolvidas nas páginas 32-33.

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ação coletiva empregado pelos sertanistas de São Paulo, sobretudo em Pitangui? Em

outras palavras, as estratégias adotadas pelo grupo de seguidores de Domingos

Rodrigues do Prado em Pitangui indicariam o esgotamento das possibilidades de

negociação entre sertanistas e autoridades, ou mesmo o descrédito final dos prepostos

régios em suas tentativas de cooptarem os homens do Planalto de Piratininga?

A solução para este impasse, segundo acreditamos, contudo, só pode ser dada

ainda muito parcialmente. De acordo com Maria Verônica Campos, após serem

expulsos das principais zonas de mineração ao término da luta contra os forasteiros, aos

paulistas restaram apenas três opções: “permanecer em território paulista; retornar e

apoiar-se no governador para reconquistar posições; ou partir para novas áreas em busca

de novos descobrimentos”. No entanto, conforme defende a autora, aos renitentes que

não tinham dúvidas quanto ao significado do desfecho desse conflito, não restou outra

via a não ser partir para regiões mais distantes; assim, “Pitangui tornou-se o reduto de

inconformados e revoltosos, dos sem-ilusões quanto a um reconhecimento régio dos

descobrimentos”.327 Adriana Romeiro, por sua vez, parece também compartilhar de tal

interpretação, pois afirma que, constituindo um “verdadeiro enclave paulista, a Vila [de

Pitangui] permaneceria a evidência mais cabal da força e persistência do ódio da gente

do Planalto aos emboabas e refletiria por muito tempo os ressentimentos gestados ao

longo do frágil plano de pacificação encetado por Albuquerque”.328

Conforme analisamos detidamente nos dois primeiros capítulos deste trabalho,

por conseguinte, em seu conjunto as atitudes implementadas pelos primeiros

povoadores da região de Pitangui ao longo do período em destaque apontam ora para

formas de ação já bastante tradicionais entre os sertanistas de São Paulo, ora para

situações e aspectos totalmente inovadores. Nesta perspectiva, padrões de

327 CAMPOS. Governo de mineiros, 2002. Citações às páginas 103 e 104, respectivamente. 328 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 314.

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comportamento presentes em Pitangui como a resistência frente ao envio de autoridades

externas para reger as novas povoações por eles fundadas ou mesmo a exigência do

predomínio de “paulistas” na ocupação dos principais cargos de poder locais não

representaram nenhuma novidade entre os homens do Planalto.

Com efeito, se o Brigadeiro João Lobo de Macedo foi expulso de Pitangui no

contexto de recrudescimento das tensões locais, após sucessivos fracassos de todas as

autoridades externas enviadas à Vila para aplacarem o ânimo revoltoso de seus

moradores, os jesuítas já haviam sido escorraçados de São Paulo em 1640, reflexo das

discordâncias envolvendo os sertanistas e os padres inacianos. Por outro lado, D.

Rodrigo Castello Branco, enviado régio aos sertões da América portuguesa para

verificar o potencial aurífero das prováveis minas ali existentes, ao entrar em confronto

com os remanescentes da bandeira de Fernão Dias Paes Leme, acabou sendo morto em

1681, muito provavelmente a mando de Manuel da Borba Gato.329

Outro fato curioso, José Vaz Pinto, primeiro Superintendente enviado à região

do Rio das Velhas após a implantação do novo Regimento mineral de 1702, também foi

expulso das Minas em 1704, ao que tudo indica sob ordens de Garcia Rodrigues Paes e

Jerônimo Pedroso de Barros; este último paulista de grande cabedal e futuro morador de

Pitangui, mais conhecido à época como “Jerônimo Poderoso”.330 Nessa vertente,

conforme se observa, a prática seguida de expulsão de autoridades externas ao grupo de

poderosos locais aponta para o fato de que os paulistas possuíam uma noção muito clara

329 A este respeito, ver nota 308. 330 De acordo com Adriana Romeiro, José Vaz Pinto, magistrado de carreira com ampla experiência administrativa tanto em Portugal quanto na América portuguesa, fora nomeado para o cargo de Superintendente das minas da região do Rio das Velhas em 1702. Contudo, envolvendo-se em fragorosas discórdias com D. Álvaro da Silveira de Albuquerque, à época governador da Capitania e seu futuro arqui-inimigo, Vaz Pinto assumiu seu posto nas Minas apenas em meados de 1703. Sua estadia na região, por conseguinte – “um ano, três meses e três dias” –, fora bem mais breve do que o esperado: ameaçado de morte por grupos de paulistas capitaneados por Garcia Rodrigues Paes e Jerônimo Pedroso de Barros, Vaz Pinto logo retornou ao Rio de Janeiro em precipitada fuga, passando posteriormente ao reino. A este respeito, ver ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 68-80.

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do território a que deveriam ter direito de jurisdição, refletindo um entendimento

bastante pragmático e objetivo acerca dos contratos antes firmados.

De forma semelhante, a estratégia encetada pelos sertanistas de manterem seus

novos descobertos em sigilo – seja para barganharem retribuições junto às autoridades

superiores, seja para não verem suas minas invadidas por elementos externos ao grupo

dos descobridores – também demarcou toda a segunda metade do século XVII,

sobretudo a partir da década de 1670.331 Em Pitangui, contudo, segundo sugerem as

fontes documentais e referências historiográficas pertinentes, o saldo da guerra frente

aos forasteiros também em muito colaborara para a relutância de seus primeiros

moradores no que se refere à revelação de seus achados auríferos, incitando-os inclusive

a guardarem seus novos descobertos a mão armada ante qualquer ameaça externa,

conforme observamos. Nos momentos de maior perigo ou de risco iminente, por sua

vez, o recurso à fuga para os sertões distantes; a expulsão de autoridades externas

indesejáveis; a divulgação de boatos para incitarem seus correligionários à luta armada

ou mesmo a estratégia de montarem trincheiras e emboscadas para surpreenderem seus

inimigos também estiveram presentes na região, compondo um repertório de ação bem

delimitado.332

Neste ponto em específico, por conseguinte, digno de nota foi o fato de alguns

sertanistas de Pitangui – leia-se Domingos Rodrigues do Prado e seu séquito – terem se

alçado à categoria de “verdadeiros donos” das minas então descobertas na região,

chegando ao extremo de ameaçarem – e efetivamente assassinarem – quem

desrespeitasse suas ordens publicamente anunciadas e “se atrevesse” a cobrar os 331 A este respeito, ver, dentre outros estudos CAMPOS. Governo de mineiros, p. 122 e ss. e ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, 2002. 332 Ainda sobre este aspecto – conforme ressaltamos no Capítulo 02 deste trabalho – é interessante observarmos que em diversas ocasiões o próprio governador D. Pedro de Almeida queixara-se do fato dos paulistas de Pitangui valerem-se de falsas notícias a fim de amotinarem a população local, como o suposto aumento súbito dos impostos na Capitania ou mesmo o envio de tropas à Vila para persegui-los. Conferir, dentre outros documentos, APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719.

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impostos na Vila. Afronta cabal não apenas aos sucessivos governadores das Minas que

igualmente fracassaram na tentativa de cooptação dos potentados locais, mas também à

própria autoridade da Coroa portuguesa sobre a região, não por acaso Rodrigues do

Prado fora cognominado “o monarca de Pitangui”.333

Ao apoderarem-se dos principais cargos diretivos locais – sobretudo com a

elevação do arraial à condição de Vila em junho de 1715 – e ao pretenderem interligar a

região à jurisdição de São Paulo – conforme ressaltamos no Capítulo primeiro deste

trabalho –, é difícil não associarmos tais atitudes desses moradores de Pitangui ao

conjunto de pretensões formuladas pelos paulistas no contexto de enfrentamentos ante

os “emboabas”. Por outro lado, e à medida que os conflitos da região de Pitangui

ganhavam em radicalismo, mais uma vez prevalecia a imagem do paulista como vassalo

indômito, rebelde e insubmisso, representações estas já bastante sedimentadas nas

Minas e que, não fortuitamente, acabaram por dar o tom dos registros oficiais das

autoridades acerca dos eventos ocorridos na região.

Em Pitangui, por exemplo, e valendo-se de representações muito comuns à

época, em uma dada ocasião o próprio D. Pedro de Almeida defendera a substituição

dos paulistas por forasteiros na ocupação da região, uma vez que “sendo aquela Vila

toda composta de paulistas, cujas habitações sempre têm pouca forma, (...) e a sua vida

é a natural propensão de andarem pelos matos”, dificilmente os empreendimentos por

eles liderados resultariam em povoações permanentes. “E aquela [Vila de Pitangui]” –

concluía o Conde – “merecia toda a atenção por ser umas minas de muito rendimento,

ainda que dificultosas, e só os reinóis como mais ativos podiam animar-se a empreender

trabalhos grandes na esperança das conveniências que prometem (...)”.334 Nessa

333 A respeito deste contexto, consultar o Capítulo primeiro deste trabalho, sobretudo a seção 1.3 – “D. Brás Baltazar da Silveira, contemporizar é preciso (...)”. 334 APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720.

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perspectiva, conforme se observa, mais uma vez prevalecia a imagem do paulista útil

nos descobrimentos, mas inadaptado – e mesmo indesejável – no estabelecimento de

povoados estáveis e duradouros; valores estes que, não por acaso, compuseram um dos

cernes do “discurso emboaba” tantas vezes acionado no confronto entre as duas facções.

Por fim, ao que parece, a constatação das próprias divergências existentes entre

as diversas facções que compunham o grupo dos sertanistas no contexto pós-guerra dos

emboabas não permite, contudo, maiores generalizações no que se refere à aludida

hipótese de que a partir de 1709 surgira um novo repertório de ação coletiva entre os

paulistas, sobretudo nas novas regiões de mineração. De fato, se na primeira década dos

setecentos a existência de um inimigo comum nas Minas – o forasteiro – uniu os

homens do Planalto em prol de interesses comuns, o término do conflito com os

emboabas novamente recolocou as clivagens já manifestadas entre os sertanistas à

época da revelação dos metais, nomeadamente entre taubateanos e paulistas do Vale do

Tietê. Tal situação, como é possível supor, passara então a influenciar as medidas

tomadas pelos respectivos grupos de “paulistas” nos anos subseqüentes, num misto de

“tradição” e “radicalismo político”.

Curiosamente, por conseguinte, e tendo em Pitangui um cenário privilegiado

para suas ações, foram justamente os sequazes do taubateano Domingos Rodrigues do

Prado que mais afrontaram as prerrogativas régias na região, situação que, conforme

vimos, não angariou o apoio de todos os paulistas moradores da Vila. Para Maria

Verônica Campos, aliás, tais dissidências em Pitangui ensejaram inclusive uma cisão

entre os grupos liderados por Bartolomeu Bueno da Silva e a facção de Rodrigues do

Prado, fato que provavelmente estimulara o primeiro destes a deixar a região em

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meados de 1717, justamente no momento de maior recrudescimento das tensões

envolvendo os potentados locais e o governo da Capitania.335

De qualquer forma, e embora as investigações acerca da trajetória de vida desses

sertanistas no pós-guerra dos emboabas sejam ainda pouco concludentes e bastante

esparsas na historiografia – sobretudo no que se refere às novas frentes de povoamento

abertas com a descoberta de ouro em Goiás e Mato Grosso – há, em seu conjunto, fortes

indícios da prevalência entre tais homens das mesmas práticas já empregadas nas Minas

em seus primórdios. Nessa medida, atitudes como a prestação de serviços sob a

promessa de retribuições ou mesmo o recurso à violência sumária diante de uma

eventual quebra de contratos por parte das autoridades constituídas também se fizeram

notar nestes novos contextos, mesmo a despeito da fatídica experiência adquirida pelos

paulistas em terras mineiras.336

De todo modo, se deste longo passado de negociações e confrontos com seus

mais diversos opositores o “direito de conquista” emergiu como a maior herança para os

homens do Planalto de Piratininga – legado este ainda que circunscrito ao âmbito das

formulações e práticas políticas –, os eventos mais graves ocorridos em Pitangui

evidenciariam que as relações entre tais súditos e a Coroa portuguesa não mais seriam

as mesmas; nomeadamente a partir da guerra que tão bem distinguiu paulistas e

forasteiros no alvorecer daquela nova centúria. Divisor de águas na história da

Capitania, por conseguinte, as concepções acionadas e sedimentadas naquele contexto

insurgente comporiam um rico manancial no qual as gerações futuras adquiririam

grande parte dos pressupostos para o encaminhamento de suas reivindicações, 335 CAMPOS. Goiás na década de 1730: pioneiros, elites locais, motins e fronteira. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 341-359. De todo modo, se o clima de radicalismo político vivenciado em Pitangui a essa época dividiu os grupos liderados por Bartolomeu Bueno da Silva e Domingos Rodrigues do Prado, com o desfecho dos motins de Pitangui em 1720 e a fuga de Rodrigues do Prado da região, logo em seguida tais bandeirantes uniram-se no empreendimento de busca dos metais nos territórios de Goiás e Cuiabá. 336 Cf. CAMPOS. Goiás na década de 1730: pioneiros, elites locais, motins e fronteira. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 341-359.

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novamente reafirmando a imagem das Minas como uma terra de rebeldes e

insubordinados, sobretudo a partir de 1789.

Enfim, embora seja absolutamente possível esboçarmos as linhas de

continuidade entre os motins de início dos setecentos e os movimentos mais radicais

que demarcaram o desfecho deste século, sobretudo no que se refere ao acúmulo de

experiências e práticas políticas por seus agentes, esta é, entretanto, uma “outra

história”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: PITANGUI, A “ROCHELA” DAS MINAS DO

OURO?

Com a argúcia que sempre caracterizou sua produção intelectual, em uma dada

oportunidade Laura de Mello e Souza afirmou que “não se pode entender o século

XVIII luso-brasileiro sem ter clareza sobre o que então se passou nas Minas Gerais”.337

Hoje, amparados nas mais recentes contribuições historiográficas e nas trilhas então

esboçadas por diversos autores, poderíamos igualmente emendar que não se pode

dissociar o passado colonial mineiro – principalmente no que se refere às suas primeiras

décadas de existência – da própria história das “gentes” do Planalto de Piratininga, os

primeiros povoadores da região.

Verdadeiros repositórios de práticas e experiências políticas gestadas em uma

tradição de longa data, conforme pudemos observar, a presença paulista em solo

mineiro, por conseguinte, marcou indelevelmente toda a trajetória política, social e

cultural das Minas do século XVIII, não obstante o discurso difamador a eles

direcionado por parte das autoridades. Nessa perspectiva, não é estranho o fascínio

comumente exercido pela história de tais homens nas sucessivas gerações de

pesquisadores que se seguiram, ainda hoje dividindo opiniões de acordo com o

movimento pendular das fontes e registros coevos existentes.

Ao chegarmos ao final deste trabalho, no entanto, acreditamos que algumas

questões ainda merecem ser apontadas, mesmo que superficialmente. A primeira delas,

de imediato, refere-se ao pouco conhecimento disponível acerca das próprias trajetórias

de vida de sertanistas que, como Domingos Rodrigues do Prado, abalaram a

tranqüilidade e as “certezas” de diversos agentes metropolitanos nas terras de além-mar.

Seja pelo caráter itinerante de tais homens, seja pela própria ação inescrupulosa de 337 SOUZA, Laura de Mello e Souza. Prefácio. In: SILVEIRA. O universo do indistinto, p. 13.

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colecionadores e “genealogistas” regionais, o fato é que grande parte dos registros

documentais acerca destes sertanistas – sobretudo os inventários e testamentos daqueles

que passaram por Pitangui – ou se perderam (se é que chegaram a existir), ou

simplesmente passaram a compor acervos particulares, naturalmente inacessíveis ao

historiador. Como não poderia deixar de ser, pouco ou quase nada sabemos acerca dos

indivíduos que objetivamente participaram dos levantes de Pitangui, a não ser pelo que

as fontes oficiais deixam entrever, ainda que de forma bastante esparsa.338

Um segundo ponto merecedor de particular destaque, por sua vez, é o que se

refere ao próprio repertório de ação comumente adotado pelos paulistas em terras

americanas e privilegiadamente vislumbrados em Pitangui no período em questão.

Mesmo que tributária de uma matriz ideológica eminentemente européia, sobretudo em

relação às suas concepções contratualistas de poder, em que medida as práticas políticas

encetadas pelos homens do Planalto de Piratininga nas Minas poderiam ser aproximadas

ou dissociadas daquelas tipicamente enquadradas como de Antigo Regime? Haveria

indícios de situações análogas ocorridas em outras regiões do vasto Império ultramarino

lusitano ou seriam práticas políticas “tipicamente paulistas”?

Enfim, são questões que apenas pesquisas mais alentadas poderão responder,

escapando às modestas pretensões de nosso trabalho. De qualquer forma, vale

finalmente perguntar “seria a Vila de Pitangui a ‘Rochela’ das Minas do Ouro”? Para as

autoridades e agentes metropolitanos contemporâneos, não resta a menor dúvida; para

os paulistas descobridores da região, no entanto (...).

338 Sobre este ponto, cabe ressaltar que em nossas pesquisas realizadas junto às listas de testamentos e inventários existentes tanto no Arquivo Judicial da Câmara de Pitangui (Pitangui-MG) quanto na Casa Borba Gato (Museu do Ouro de Sabará-MG), não pudemos encontrar nenhuma referência documental acerca dos principais protagonistas dos motins de Pitangui.

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FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(A) Memórias, diários, notícias, catálogos e coleções: ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [s.d.]. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino. Coimbra: Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1713-1725. BOSCH COLLECTION, FRANKFURT. Notícia das Minas da América chamadas Gerais, pertencentes ao Rei de Portugal, relatada pelos três irmãos chamados Nunes, os quais estiveram muitos anos por estas partes. CÓDICE COSTA MATOSO; FIGUEIREDO, Luciano; CAMPOS, Maria Verônica. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. 2 v. COELHO, José João Teixeira. Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais (1780). Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Introdução de Francisco Iglésias. COLEÇÃO das memórias arquivadas pela Câmara da Vila de Pitangui, e resumidas por Manuel José Pires da Silva Pontes (...). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 6, pp. 284-291, 1844. COSTA, Cláudio Manuel da. “Fundamento histórico ao poema Vila Rica”. In: Obras completas. Edição de João Ribeiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1903, pp. 145-179, vol. II. DEUS, Frei Gaspar da Madre de. Memórias para a História da Capitania de São Vicente. São Paulo-Belo Horizonte: Edusp-Itatiaia, 1975. DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no 03, 1939, pp. 283-316. DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. pp. 34-40. DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza. INFORMAÇÃO da Capitania de Minas Gerais dada em 1805 por Basílio Teixeira de Saavedra. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto, v. 2, 1897.

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INFORMAÇÃO do Estado do Brasil e de suas necessidades. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 25, 1862. INFORMAÇÃO sobre as minas de São Paulo e dos sertões da sua Capitania desde o ano de 1597 até o presente 1772. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 64, v. 103, 1901. INFORMAÇÃO sobre as Minas do Brasil. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 57, 1935. INSTRUÇÃO e norma que deu o Ilmo. E Exmo. Sr. Conde de Bobadela a seu irmão o preclaríssimo Sr. José Antônio Freire de Andrade para o governo de Minas, a quem veio suceder pela ausência de seu irmão, quando passou ao sul. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, vol. IV, pp. 727-735, 1899. LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Notícias das minas de São Paulo e dos sertões da mesma capitania. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980. ________. Nobiliarquia paulistana histórica e genealógica. 5. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980. 3v. PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa [1730]. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1976. ROCHA, José Joaquim da. Geografia histórica da capitania de Minas Gerais: descrição geográfica, topográfica, histórica e política da capitania de Minas Gerais. Memória histórica da capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1995. Estudo crítico de Maria Efigênia Lage de Resende. TAUNAY, Affonso d'Escragnolle. Relatos sertanistas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981. VASCONCELOS, Diogo P. R. de. Breve descrição geográfica, física e política da capitania de Minas Gerais (1807). Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Estudo crítico de Carla Maria Junho Anastasia. ________. Minas e Quinto do Ouro. Revista do Arquivo Público Mineiro. 6 (1901): 855-965. (B) Documentação Impressa: AUTOS de Seqüestro, Doc. 70: “Certidão de haverem sido arrasadas e queimadas as casas de Domingos Rodrigues do Prado e seqüestro e arrematação de bens dos chefes do movimento de Pitangui”. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. LXV, p. 134-142, 1945.

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CARTA sobre quais são as Capitanias sujeitas à jurisdição e demarcação deste Governo-Geral, e as que pertencem ao do Rio de Janeiro. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 34, p. 255-257, 1936. CARTA que se escreveu a D. Brás Baltasar da Silveira, governador da capitania de São Paulo e Minas, sobre a arrecadação [...] e remeter uma relação e mapa do que nela se declara. Bahia, 07 de setembro de 1714. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 186-188, 1945. CARTA que se escreveu ao governador-geral das Minas do Ouro, D. Brás Baltasar da Silveira, por mão do tenente-coronel Manuel Ferreira Vicente. Bahia, 16 de fevereiro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 215-220, 1945. CARTA que se escreveu ao governador de São Paulo e Minas, D. Brás Baltasar da Silveira. Bahia, 27 de abril de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 225-228, 1945. CARTA que se escreveu aos oficiais da Câmara da cidade de São Paulo sobre as Provisões que se remetem ao Governador-Geral D. Brás. Bahia, setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 233-234, 1945. CARTA que se escreveu ao Provedor da Fazenda Real das Capitanias de São Vicente, Santos e São Paulo. Bahia, 05 de setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 234-235, 1945. CARTA que se escreveu ao Ouvidor da cidade de São Paulo. Bahia, 05 de setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 235, 1945. CARTA que se escreveu ao excelentíssimo senhor D. Brás Baltasar da Silveira. Bahia, 06 de setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 235-236, 1945. CARTA que se escreveu ao senhor D. Brás Baltasar da Silveira, governador das Minas. Bahia, 05 de setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 255-256, 1945. CARTA para o governador das Minas, o senhor D. Brás Baltasar da Silveira. Bahia, 20 de março de 1716. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 329-330, 1945. CARTA para o governador das Minas, o senhor D. Brás Baltasar da Silveira. Bahia, 20 de março de 1716. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 332-335, 1945. CARTA para o governador das Minas, o senhor D. Brás Baltasar da Silveira. Bahia, 20 de março de 1716. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 19-20, 1945.

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CARTA que se escreveu ao Conde de Assumar, governador das Minas. Bahia, 22 de março de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 52-55, 1945. CARTA para o Conde de Assumar, governador das Minas. Bahia, 02 de abril de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 57-59, 1945. CARTA para o excelentíssimo senhor Conde de Assumar. Bahia, 22 de abril de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 63-66, 1945. CARTA para o senhor Conde de Assumar. Bahia, 31 de maio de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 72-73, 1945. CARTA para o excelentíssimo senhor Conde de Assumar. Bahia, 26 de julho de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 74-79, 1945. CARTA para o excelentíssimo senhor Conde de Assumar. Bahia, 16 de abril de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 73, p. 85-86, 1946. CARTA para os moradores do distrito do Rio das Velhas. Bahia, 26 de abril de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 73, p. 86-87, 1946. CARTA do Marquês de Angeja, vice-rei e capitão-general de mar e terra do Estado do Brasil, expondo a Vossa Majestade que alguns moradores do Rio das Velhas se sublevaram, para expulsar das Minas o governador e Justiça; refere-se também a retirada dos frades e clérigos que não estivessem exercendo sua profissão. Lisboa, 08 de dezembro de 1716. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 97, p. 05-26, 1952. CARTA régia criando a capitania de São Paulo e Minas do Ouro e nomeando governador da mesma a Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho. Lisboa, 09 de novembro de 1709. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, São Paulo, v. 49, p.65-68, 1929. CARTA de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho a D. João V sobre o governo de São Paulo e Minas do Ouro. Rio de Janeiro, 03 de abril de 1710. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, São Paulo, v. 49, p. 68-70, 1929. CARTA de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho a D. João V sobre o requerimento da Câmara de São Paulo para que fossem restituídas aos paulistas as terras das minas de que haviam sido expulsos pelos emboabas. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, São Paulo, v. 49, p. 80-82, 1929.

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CARTA régia ao superintendente das minas de São Paulo proibindo a assistência de religiosos nos distritos auríferos. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, São Paulo, v. 51, p. 308, 1930. CARTA régia dando poder ao governador do Rio de Janeiro para conceder honras e mercês aos moradores de São Paulo e mais capitanias que empregassem no descobrimento de minas de ouro e prata. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 18, p. 277-278, 1926. CARTA régia proibindo a ida de religiosos e clérigos às Minas e a assistência de ourives ali, em razão dos descaminhos do ouro por eles realizados. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 18, p. 278, 1926. CARTAS do Conde de Assumar ao Rei de Portugal. Revista do Arquivo Público Mineiro. 3 (1898): 261-266. CONSULTAS do Conselho Ultramarino (1680-1718). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 1, tomo especial, pp. 124-126, 1956. CORRESPONDÊNCIA do Conde de Assumar depois da Revolta de 1720. Revista do Arquivo Público Mineiro. 6 (1901): 203-211. MAGALHÃES, Basílio de. Documentos relativos ao “Bandeirismo” paulista e questões conexas, no período de 1664-1700 – peças históricas todas existentes no Arquivo Nacional, e copiadas, coordenadas e anotadas de ordem do governo do Estado de São Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 18, p. 259-406, 1926. ORDEM para o tenente-general Manuel da Borda Gato ir aos distritos de Pitangui e Paraopeba às diligências que nela se contém. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto, v. 2, fascículo 04, p. 796-797, 1897. PERDÃO geral dado pelo Conde de Assumar aos moradores de Pitangui em 30 de maio de 1718. Anais da Biblioteca Nacional, 1943, v. LXV. p. 142-144. PROVISÃO que acusa a carta acima sobre pertencer à Provedoria da Fazenda Real de Santos, São Vicente e São Paulo os dízimos dos distritos do Pará e Pitangui na forma que nela se declara. Bahia, 05 de setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 237-240, 1945. PROVISÃO que acusa a carta acima sobre os dízimos do Pitangui e Pará pertencerem à Provedoria de Santos, São Vicente e São Paulo, e outrossim que todas as mais causas cíveis e crimes que não pertencerem aos ditos dízimos e Fazenda Real tenham o seu recurso na Ouvidoria de São Paulo. Bahia, 05 de setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 240-243, 1945. REGIMENTO de que há de usar nas Minas de São Paulo e São Vicente do Estado do Brasil Salvador Correia de Sá e Benevides (1644). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 69, p. 199-216, 1908.

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SOBRE a carta que escreveu Domingos Duarte do Rio de Janeiro a esta corte a Manuel Mendes Pereira e o capítulo de outra carta para outra pessoa, nas quais se trata das diferenças que se acham nos paulistas com os reinóis deste reino, e vão os papéis que se acusam. Lisboa, 03 de agosto de 1709. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 90, p. 242-245, 1951. SOBRE desordens em Pitangui cometidas por Domingos Rodrigues do Prado. Lisboa, 26 de outubro de 1720. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, v. LII, p. 202, 1931. SOBRE o que escrevem os oficiais da Câmara de São Paulo acerca de se darem as datas das terras dos Campos Gerais dos Cataguases aos paulistas, como conquistadores e descobridores delas. Lisboa, 02 de março de 1702. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 93, p. 132-135, 1951. SOBRE o que escreve o superintendente das Minas do sul acerca de se mandar considerar se será conveniente que aos descobridores delas se permita maior liberdade; e vai a carta que se acusa. Lisboa, 20 de setembro de 1704. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 93, p. 180-181, 1951. (C) Documentação Manuscrita: Arquivo Público Mineiro Avulsos – Seção de Governo, caixa nº. 1, doc. nº. 4. Fundo Casa dos Contos: -CC – 1001, microfilme 001 (1/7), (1700-1721). -CC – 1038, microfilmes 006 (5/5) e 007 (1/10), (1718-1724). Seção Colonial (Secretaria de Governo): -Códice 01 – Registro de Alvarás, Regimentos, Cartas, Ordens Régias, Cartas Patentes, provisões, Confirmações de Cartas Patentes, Sesmarias e Doações (1702-1740). -Códice 02 – Registro de Alvarás, Regimentos, Cartas, Ordens Régias, Cartas Patentes, provisões, Confirmações de Cartas Patentes, Sesmarias e Doações (1702-1751). -Códice 03 – Coleção sumária e sistemática de Leis, Ordens, Cartas e demais atos régios (1708-1788). -Códice 04 – Registro de Alvarás, Ordens, Cartas Régias e Ofícios dos Governadores ao Rei (1709-1722). -Códice 05 – Registro de Alvarás, Ordens, Decretos e Cartas Régias (1709-1735).

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-Códice 06 – Registro de Regimentos, Ordens, Cartas Régias, Resoluções e Termos (1709-1754). -Códice 07 – Registro de Resoluções, Bandos, Cartas Patentes, Provisões, Patentes e Sesmarias (1710-1713). -Códice 09 – Registro de Cartas, Ordens, Despachos, Instruções, Bandos, Cartas Patentes, Provisões e Sesmarias (1713-1717). - Códice 11 – Registro de Cartas do Governador a diversas autoridades, Ordens, Instruções e Bandos (1713-1737). -Códice 12 – Registro de Provisões, Patentes e Sesmarias (1717-1721). -Códice 13 – Registro de Avisos, Cartas, Ordens, Instruções e Provisões (1717-1721). -Códice 14 – Registro de Regimentos, Despachos e Autos de Assistência (1719-1723). -Códice 17 – Registro de Cartas, Provisões e Patentes Régias (1720-1731). -Códice 19 – Originais de Ordens e Provisões Régias (1720-1797). -Códice 20 – Originais de Alvarás, Cartas e Ordens Régias (1721-1725). -Códice 21 – Registro de Cartas, Ordens, Bandos, Instruções, Patentes, Provisões e Sesmarias (1721-1725). (D) Cartografia: Arquivo Histórico do Exército - Mapa da maior parte da costa, e sertão do Brazil, extrahido do original do Padre Cocleo. ca. 1699; 224x120,5cm; Manuscrito e aquarela. AHEx (n 23-24. 2798; CEH 1530). (E) Bibliografia: Livros, Capítulos de Livros, Artigos, Teses e Dissertações: ABUD, Kátia Maria. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições – a construção de um símbolo paulista: o bandeirante. Tese de Doutorado, Departamento de História, FFLCH – USP, 1985. AMANTINO, Márcia. O sertão oeste em Minas Gerais: um espaço rebelde. Varia História, Belo Horizonte, n. 29, pp.79-97, jan. 2003.

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