a ‘rochela’ das minas do ouro? paulistas na vila de...
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Vagner da Silva Cunha
A ‘Rochela’ das Minas do Ouro?
Paulistas na Vila de Pitangui (1709-1721)
Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em História
Dezembro de 2009
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Vagner da Silva Cunha
A ‘Rochela’ das Minas do Ouro?
Paulistas na Vila de Pitangui (1709-1721)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História.
Linha de Pesquisa: História Social da Cultura
Orientadora: Profª. Drª. Júnia Ferreira Furtado Agência Financiadora: CNPq.
Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em História
Dezembro de 2009
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA Prof. Antônio Luiz Paixão (FAFICH-UFMG)
981.51 Cunha, Vagner da Silva C972r A ‘Rochela’ das Minas do Ouro? [manuscrito]: paulistas na 2009 Vila de Pitangui (1709-1721) / Vagner da Silva Cunha. – 2009.
186. f. Orientadora: Júnia Ferreira Furtado. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
. 1. História - Teses. 2. Pitangui (MG) – História – Séc. XVIII - Teses 3. Minas Gerais – História –Teses I. Furtado, Júnia Ferreira. III. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título
FOLHA DE APROVAÇÃO
Para Alessandra Aguiar Vieira,
Namorada, amiga e companheira que vivenciou
comigo todas as etapas de elaboração deste
trabalho – seus bons e maus momentos –, desde o
primeiro “pré-projeto” de Bacharelado até a
redação final desta Dissertação. A ela este trabalho
é dedicado.
“(...) a colonização [do Brasil] foi
aventura em que as regras se
afrouxavam”.
Francisco Iglésias
“O indivíduo na infância é ver um,
ver todos. Os povos nascentes,
assim como as crianças, não diferem
entre si. As Minas, porém, não
tiveram infância. Nasceram como a
deusa de Atenas, já feitas e
armadas”.
Diogo de Vasconcelos
AGRADECIMENTOS
Ao longo dos anos de estudo e pesquisa dedicados à conformação deste projeto,
muitos foram aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram para que o mesmo se
concretizasse. De resto, a elaboração de uma Dissertação de Mestrado é quase sempre
um processo dificultoso, sofrido (...); o que também não torna a minha situação
diferente da de tantos outros colegas. Ao abrir esta seção, no entanto, vale aqui registrar
alguns agradecimentos especiais.
Primeiramente, agradeço ao CNPq pelo tempo que pude contar com o
financiamento para a pesquisa, sem o qual a mesma estaria impossibilitada. À minha
orientadora, Prof. Dra Júnia Ferreira Furtado, pelas críticas e sugestões, mas sobretudo
pela confiança depositada em meu trabalho. Aos professores Luiz Carlos Villalta e
Carla Maria Junho Anastasia, primeiros interlocutores, agradeço as críticas, sugestões e
incentivo. Agradecimento especial também devo à Prof. Dra Adriana Romeiro, com
quem particularmente contraí uma “enorme dívida” ao longo da elaboração deste
trabalho. Privilegiadamente, em diversas ocasiões pude contar com sua leitura atenta,
observações e sugestões, apontando-me caminhos em momentos decisivos. Com seu
convívio, igualmente pude descobrir uma pessoa simples, atenciosa e de generosidade
sem igual; valores estes, infelizmente, tão raros em nosso meio acadêmico.
Em segundo plano, mas nem por isso menos importante, agradeço também a
todos os meus familiares e amigos que vivenciaram comigo as diversas etapas desta
trajetória. Em especial, agradeço a Dalton Gregório da Silva – tio, padrinho, quem sabe
até mesmo segundo pai – que, conjuntamente com sua esposa e filhas, tão bem me
acolheram em Belo Horizonte. Sem o saber, com ele aprendi – e continuo aprendendo –
o sentido das palavras simplicidade, honestidade, solidariedade e generosidade,
ensinamentos para toda uma vida. Agradecimento especial também consagro à minha
mãe, Emilce, exemplo de mulher batalhadora e guerreira que não obstante as
dificuldades impostas pela vida, nunca deixou que a seus filhos faltassem cadernos,
lápis e livros. Por seu espírito de luta e apoio incondicionais, a ela este trabalho também
é dedicado.
Por fim, com tantas pessoas contribuindo para que acertasse sempre, sou,
obviamente, o único responsável pelas inconsistências, incongruências e erros
eventualmente presentes neste trabalho.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar os primeiros anos de povoamento e ocupação da
região de Pitangui, Minas Gerais, enfocando os diversos motins e sublevações populares
ali ocorridos na segunda década do século XVIII. Território ocupado originalmente por
grupos de sertanistas oriundos de São Paulo e “Serra Acima” – alguns inclusive com
notável participação na chamada “Guerra dos Emboabas” (1708-1709) – Pitangui
tornou-se, desde seus primórdios, palco de graves conflitos, sendo apontada nos escritos
das autoridades régias da época como uma das regiões mais insubordinadas e rebeldes
de toda a Capitania. Na contramão do discurso oficial das fontes documentais
disponíveis, no entanto, neste trabalho buscamos atentar para a própria lógica da
atuação política dos sublevados de Pitangui, enquadrando-a em uma tradição mais
abrangente de conflitos historicamente estabelecidos entre os sertanistas e seus demais
contemporâneos. Nessa medida, pudemos observar que as ações implementadas em
Pitangui faziam parte de uma tradição insurgente típica dos homens de São Paulo,
tradição esta orientada por práticas e concepções políticas bastante específicas.
Palavras-chave: Motins, Pitangui do século XVIII, Imaginário e Práticas Políticas.
ABSTRACT
This work aims to analyze the early years of settlement and occupation of the region of
Pitangui, Minas Gerais, focusing on the various riots and popular incitation that
occurred in this place during the second decade of the 18th Century. Territory occupied
originally by groups of backwoodsmen from São Paulo and “Serra Acima” – including
some with notorious participation in the so called “War of the Emboabas” (1708-1709)
– Pitangui became, since its early days, scenario for grave conflicts, being pointed in
writings of royal authorities of the time as one of the most insubordinate and rebellious
regions of all the Captaincy. Going against the official discourse of the documentary
sources available, however, this work considers the logic of the political actions of the
insurgents of Pitangui, based on a broader tradition of conflicts historically established
between the backwoodsmen and their contemporaries. Therefore, we observed that the
actions implemented in Pitangui were part of a typical insurgent tradition of men from
São Paulo. This tradition was oriented by specific practices and political beliefs.
Key-words: Riots, Pitangui in the 18th Century, Imaginary and Political Practices.
LISTA DE ABREVIATURAS
ABN/RJ: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
AHEx: Arquivo Histórico do Exército
APM: Arquivo Público Mineiro
CCM: Códice Costa Matoso
Doc.: Documento
DHBN/RJ: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
DIHCSP: Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo
RAPM: Revista do Arquivo Público Mineiro
RIHGB: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
RIHGSP: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
RSPHAN: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SC: Seção Colonial / Governo da Capitania de Minas Gerais (códice)
fl.: folha
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................11
CAPÍTULO 1: Paulistas no “sertão” das Gerais: os primeiros anos de povoamento de
Pitangui.........................................................................................................................45
1.1 – Andanças paulistas pelo interior das Minas e o “descobrimento” de
Pitangui..........................................................................................................45
1.2 – Epílogo da “Guerra” dos Emboabas: os primeiros conflitos em
Pitangui..........................................................................................................56
1.3 – D. Brás Baltazar da Silveira: “contemporizar é preciso (...)”.....................67
CAPÍTULO 2: As Minas “em chamas”: o governo de D. Pedro Miguel de Almeida e
Portugal, Conde de Assumar.......................................................................................88
2.1 – O enredo de um conflito.............................................................................88
2.2 – “Tumba da paz, berço da rebelião (...)”....................................................102
2.3 – O destino de um governador.....................................................................127
CAPÍTULO 3: Imaginário e práticas políticas: o repertório de ação paulista.........132
3.1 – A construção de uma tradição: da “legenda negra” paulista ao “direito de
conquista”..........................................................................................................137
3.2 – As Minas entre “paulistas e emboabas”.................................................151
3.3 – Pitangui, palco para um [novo] repertório de ação paulista?.................159
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Pitangui, a “Rochela” das Minas do Ouro?...........169
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................171
11
INTRODUÇÃO
I
Ao final do mês de janeiro de 1720, o então governador da Capitania de São
Paulo e Minas do Ouro D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, o Conde de Assumar,
recebeu as primeiras notícias acerca dos sucessos da expedição militar que enviara à
Vila de Pitangui para devassar os diversos assassinatos e crimes de sedição ali ocorridos
nos anos precedentes. Vila situada em pleno “sertão” da Comarca do Rio das Velhas –
região relativamente distante dos centros tradicionais de poder metropolitano instalado
nas Minas à época – a operação militar idealizada por Assumar para pacificar o local
não transcorrera, porém, sem percalços. De fato, na ocasião o governador mal podia
esconder o seu descontentamento com o fato de não ter sido possível concretizar a tão
almejada prisão de Domingos Rodrigues do Prado, o principal líder dos amotinados da
região, uma vez que seu desejo era, segundo suas próprias palavras, “a de mandar
enforcá-lo” para que servisse de exemplo aos demais moradores das Minas.1
Na verdade, o Conde mostrava-se mesmo perplexo diante da ousadia deste
potentado que, numa demonstração de suas próprias forças, armara trincheiras e
fortificações nas proximidades da dita Vila “com uma multidão de gente junta, uns
vagabundos, outros carijós do gentio da terra, e outros constrangidos que se tinham
convocados sob pena de morte” para dar combate às tropas oficiais chefiadas pelo
Capitão de Dragões Joseph Rodrigues de Oliveira e pelo Ouvidor Geral da Comarca do
Rio das Velhas, o Dr. Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha.2 Visivelmente, a
intenção dos sublevados de Pitangui era impedir que tais agentes coloniais, sob as
ordens de Assumar, passassem à Vila e realizassem os procedimentos judiciais cabíveis
1 APM, SC 11, fls. 193-193v. “Para Joseph Rodrigues de Oliveira”. Vila do Carmo, 29 de janeiro de 1720. 2 APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720.
12
ao caso. Segundo as palavras do governador, tal crime era “não só grave, mas da
primeira cabeça, e a de Domingos Rodrigues do Prado merecia [ser] logo cortada por
estar incurso na pena de rebelde facinoroso e régulo, cometendo lesa-majestade por lhe
negar o seu domínio, e por pegar em armas contra as suas tropas, fazendo hostilidades
aos vassalos de Sua Majestade, e negando obediência ao seu governador e às suas
justiças”.3
Nessa medida, para Assumar ficava evidente a gravidade dos eventos ocorridos
em Pitangui naqueles anos e da urgente necessidade de se tomarem medidas drásticas na
punição de seus revoltosos. Assim como outros demais potentados de seu tempo – aqui
vale destacar Manuel Nunes Viana, seu primo Manuel Rodrigues Soares e Paschoal da
Silva Guimarães – Domingos Rodrigues do Prado tornara-se, por sua vez, um dos
principais inimigos do Conde governador. Poucos dias após tais acontecimentos, em
carta ao Desembargador Bartolomeu de Souza Mexia, Assumar caracterizava-o
inclusive como “homem revoltoso, régulo, e por natureza matador, insigne e motor
principal das repetidas revoluções que sempre houve naquele distrito”.4 Natural da Vila
de Taubaté, Domingos Rodrigues do Prado havia se destacado como um dos primeiros
povoadores de Pitangui, estabelecendo num curto espaço de tempo uma complexa rede
de influência e de “mando” na área.
Da mesma maneira como ocorrera com Assumar, as relações entre os
governadores da Capitania e esse potentado haviam sido marcadas por tensões e
conflitos. Fato ilustrativo desses embates ocorrera anos antes, mais precisamente em
1716, quando em conjunto com seus comparsas e apaniguados, Domingos Rodrigues do
Prado publicou uma série de “bandos” na região de Pitangui, ameaçando de morte quem
simplesmente “falasse” na localidade em pagamento à Sua Majestade dos quintos 3 APM, SC 11, fls. 192-193. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 29 de janeiro de 1720. 4 APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720.
13
relativos à extração aurífera do lugar.5 Como se sabe, a palavra bando referia-se a uma
ordem emitida pelos governadores da Capitania e, ao agir dessa forma, o régulo se
apropriava não só da jurisdição dos mesmos, mas da própria “etimologia” inerente a
eles. Como resultado de suas determinações, no ano seguinte – quando de fato ocorreu a
tentativa das autoridades camerárias de cobrarem na Vila os impostos devidos – várias
pessoas foram assassinadas na região, ao que tudo indica sob as ordens de Domingos
Rodrigues do Prado.6
A esse respeito, o que se percebe é que, além de usurpar uma prerrogativa
exclusiva dos agentes do Rei, ou seja, a publicação de bandos, Rodrigues do Prado o
fazia para proibir a arrecadação do imposto sobre a produção aurífera da Vila,
colocando explicitamente em xeque a própria legitimidade da autoridade régia sobre o
local. Sobre este aspecto, não é demasiado lembrar ainda que no contexto político de
Antigo Regime o pagamento dos quintos possuía um significado não apenas de cunho
econômico, mas também simbólico, sendo uma das expressões da relação de
vassalagem que, por suposto, deveria reger as atitudes dos súditos coloniais com El-Rei.
Na opinião de Assumar, o maior perigo, no entanto, era Pitangui tornar-se à
época um modelo de rebeldia para as outras Vilas, uma vez que estas poderiam ficar
“com a mão ateada para fazerem o mesmo”, sendo “incobráveis os quintos” caso não se
procedesse a um castigo “exemplaríssimo” [sic] naqueles moradores.7 Conforme sugere
a documentação, àquela altura Assumar já se mostrava bastante descrente com a
possibilidade de trazer a região para a órbita de domínio da Coroa portuguesa sem usar
de meios que não a força. Referindo-se a tais eventos em carta ao Marquês de Angeja, 5 APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717. 6 APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717. De acordo com este documento, uma carta do Conde de Assumar ao vice-rei Marquês de Angeja, na ocasião foram assassinados Valentim Pedroso de Barros, paulista a quem havia sido encarregada a cobrança dos quintos na Vila, seu sogro e seus cunhados. Jerônimo Pedroso de Barros, então juiz ordinário da Vila e irmão de Valentim Pedroso, saíra gravemente ferido do atentado, mas conseguiu sobreviver. Tal episódio, por sua importância, será retomado e analisado mais cuidadosamente em outra seção deste trabalho. 7 APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717.
14
datada de 30 de dezembro de 1717, argumentava que “quando as cousas chegam a este
termo, bem reconhecerá Vossa Excelência que o jeito não pode tanto como pode a força
e que há casos como estes que se não deve buscar temperamentos suaves,
particularmente quando com estes se descobre a fraqueza de quem os executa; mas eu
determino neste caso fazer o que puder, já que não posso o que desejo (...)”.8
De fato, naqueles tempos, uma das queixas recorrentes do Conde de Assumar às
demais autoridades e inclusive ao Rei provinha da própria falta de uma maior
organização do aparato militar da Capitania, pois, segundo ele, nas Minas “está armado
o atrevimento, e os direitos, quase sempre desarmados”, advindo daí a abundância de
criminosos e malfeitores na região.9 Contudo, o que se observa é que a relutância de
alguns moradores de Pitangui em acatar as determinações dos governadores da
Capitania, seja no que se refere ao pagamento de impostos, seja no que se refere à
própria aceitação de agentes externos para administrar a justiça na região era já antiga,
remontando aos primeiros anos de povoamento da área.
Assim, percebe-se que os episódios acima referidos constituíam apenas algumas
das faces de uma série de conflitos estabelecidos entre as autoridades metropolitanas
sediadas nas Minas e os moradores de Pitangui, situação que o Conde de Assumar
herdara de seus antecessores no que tange ao governo da Capitania. Fato significativo,
em abril de 1715 o próprio D. Brás Baltazar da Silveira afirmava em carta a Sua
Majestade, o rei D. João V, que, à época, conservar tais moradores em paz dava-lhe
mais trabalho “que todas as Vilas [daquelas] Minas”.10
8 APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717. 9 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza. Citação à pagina 68. 10 APM, SC 04, fl. 187v. “Sobre as Minas de Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 24 de abril de 1715.
15
Como não poderia deixar de ser, por esses e outros eventos a fama de Pitangui
como região “rebelde, insubordinada e turbulenta” logo se difundiu, tanto nos escritos
das autoridades régias da época quanto nos relatos coevos, perpassando inclusive toda a
primeira metade do século XVIII, mesmo a despeito de terem sido os primeiros anos de
efetiva ocupação da área os mais tumultuados. Sobre este aspecto, um dos testemunhos
mais interessantes é, sem sombra de dúvida, o do agente comercial da região de Sabará,
Francisco da Cruz, personagem analisado por Júnia Ferreira Furtado quando em estudo
baseado na correspondência entre Francisco Pinheiro, grande “homem de negócios
português”, e seus representantes nas Minas.11
Francisco da Cruz era compadre de Francisco Pinheiro e havia se estabelecido
em Sabará ao final do ano de 1724, onde realizaria inúmeros negócios para o grande
comerciante, servindo inclusive no cargo de escrivão da Ouvidoria daquela Comarca,
posto arrematado para o mesmo por Francisco Pinheiro. Como escrivão da Ouvidoria,
entre as funções de Francisco da Cruz constava realizar visitas periódicas a diversas
Vilas e arraiais nas regiões das Comarcas do Rio das Velhas e Serro Frio,
acompanhando o Ouvidor em suas diligências e, eventualmente, aproveitando-se para
transportar mercadorias e cobrar dívidas em atraso com o referido comerciante.12
Curiosamente, em 1726, por conseguinte, Cruz informou a Francisco Pinheiro
que estava prestes a partir em diligência à região do Rio de São Francisco para fazer
uma correição em Papagaio e na Vila de Pitangui. “Viagem de grande perigo”,
explicava Cruz, pois “estamos com a gente da Vila de Pitangui, cuja esta está alevantada
[sic], que dizem não querem lá justiças, que eles por si só se governam”.13 Muito
provavelmente temendo por sua própria vida, pedia ainda a Pinheiro “me encomendar a
11 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio. A interiorização da metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. 2ª ed. São Paulo: HUCITEC, 2006. 12 Ibidem, p. 23. 13 Testamentária de Francisco Pinheiro, fundo do Hospital de São José (TFP. HSJ) Carta 161. Maço 29. fl. 194. Apud FURTADO. Homens de negócio, p. 173.
16
Deus e à Sua Santíssima Mãe, para que me livre destes perigos e de outros
semelhantes”.14 Segundo análises de Júnia Furtado, tudo isso se devia “à péssima
reputação dos moradores da região, insubmissos à Coroa, cuja ordem da metrópole
dificilmente chegava e onde abundavam os poderosos e os potentados locais, que
aplicavam eles mesmos a ordem e a lei”.15
Da mesma maneira, outras impressões de Francisco da Cruz acerca da região e
de seus moradores captadas de sua correspondência pessoal com Pinheiro ainda
revelariam outros interessantes aspectos acerca da circulação da fama de Pitangui como
Vila rebelde e turbulenta à época. Ainda de acordo com Júnia Furtado, em uma dada
oportunidade comentou Cruz que era notório que “a luta dos moradores de Pitangui para
não se renderem frente às determinações dos governadores da Capitania já era antiga”.16
Certamente fazendo referência aos eventos ocorridos logo no início do ano de 1720
referidos anteriormente, quando os moradores impuseram resistência armada à
passagem do Ouvidor e suas tropas à dita Vila, relatou Francisco da Cruz que, ao
ouvirem o anúncio de sua chegada [do Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão e sua
comitiva] “a resposta que lhe davam era atirar dizendo: morra o Ouvidor e todos os que
o acompanham; e, com efeito, houveram [sic] bastantes de parte a parte e vários feridos,
até que não houve outro remédio senão voltarem”.17
Mesmo nos primeiros anos da década de 1750, a opinião das autoridades acerca
do caráter rebelde e insubmisso dos habitantes de Pitangui ainda não havia sofrido
14 TFP. HSJ, Carta 161. Maço 29. fl. 194. Apud FURTADO. Homens de negócio, p. 173. 15 Ibidem, p. 173. 16 Ibidem, p. 173. 17 TFP. HSJ. Carta 161. Maço 29. fl. 194. Apud FURTADO. Homens de negócio, p. 174. Nesse aspecto, contudo, vale esclarecer que, ao contrário do que afirmara Cruz, o Ouvidor Dr. Bernardo Pereira de Gusmão, juntamente com a tropa de Dragões e demais paisanos conseguiu adentrar-se em Pitangui, onde, após a pacificação momentânea da área, concretizou a devassa dos crimes de sedição ali ocorridos. Com tal procedimento, foram declarados os nomes dos culpados, os quais tiveram suas propriedades e bens confiscados. Cf. AUTOS de Seqüestro, Doc. 70 – “Certidão de haverem sido arrasadas e queimadas as casas de Domingos Rodrigues do Prado e seqüestro e arrematação de bens dos chefes do movimento de Pitangui”. ABN/RJ, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, vol. LXV, pp. 134-142.
17
alterações substanciais, embora já estivessem longe os anos iniciais de ocupação da
área, quando se esboçaram os primeiros conflitos pela posse das catas auríferas da
região. Assim, em 1752, o então governador das Minas Gomes Freire de Andrade, o
Conde de Bobadella, em instrução dada a seu irmão José Freire de Andrade para
substituí-lo temporariamente no governo da Capitania, afirmou inclusive que Pitangui
era “Vila aonde [sic] há alguma sombra da forma antiga das Minas”; estando “pela
vizinhança do sertão”, ainda guardava potentados e “malfeitores de que usa, se bem que
já atira a pedra, esconde a mão”. Dessa forma, “e como as partidas cruzam para aquela
parte”, recomendava a José Freire dissipar “esta congregação de pés rapados, caribocas
e mulatos que hoje são os executores das insolências”.18
Contudo, nenhum preposto régio havia sido mais eloqüente que D. Pedro de
Almeida na construção de uma imagem altamente negativa da região e de seus
moradores. Nesse aspecto, às voltas com a população amotinada ao final da segunda
década dos setecentos, em uma dada ocasião ameaçou mesmo “colocar-se em marcha
àquela Vila”, prometendo pôr fogo à mesma “para que não [houvesse] mais memória
dela”, caso seus moradores não se dispusessem a acatar suas determinações. Em sua
opinião, a Câmara de Pitangui – comumente caracterizada por ele como “o flagelo de
seu governo” – “sempre fora a mais rebelde e renitente” daquelas Minas, sendo mesmo
melhor que nem tivesse chegado a existir.19
Por conseguinte, do que se depreende da documentação oficial relativa aos anos
iniciais de estabelecimento da localidade, a principal justificativa ensejada pelas
autoridades para tal comportamento dos habitantes de Pitangui referia-se – ainda que de
forma velada e subjacente em algumas ocasiões, noutras nem tanto – à própria “má
18 INSTRUÇÃO e norma que deu o Ilmo. E Exmo. Sr. Conde de Bobadella a seu irmão o preclaríssimo Sr. José Antônio Freire de Andrade para o governo de Minas, a quem veio suceder pela ausência de seu irmão, quando passou ao sul. RAPM, Belo Horizonte, vol. IV, pp. 727-735, 1899. Trechos extraídos à página 733. 19 APM, SC 11, fls. 47-47v. “Para a Câmara de Pitangui”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718.
18
qualidade” dos mesmos. Neste aspecto, o grande porta-voz de tal versão seria mais uma
vez o próprio D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar. Segundo ele, os habitantes de
Pitangui eram, em sua maioria, compostos por homens “bárbaros” e “feros”, mais
próximos aos animais do que da natureza humana. Em suma, um bando de criminosos
que somente a força das armas poderia domar, já que o apelo à razão no trato com tais
“onças” mostrava-se, de acordo com a experiência vivenciada até ali, totalmente inútil.20
Conforme já foi salientado, situada em uma região relativamente distante dos
centros tradicionais de ocupação da Capitania e povoada por grupos de sertanistas
oriundos de São Paulo e “Serra Acima”, alguns inclusive com notável participação na
chamada “Guerra dos Emboabas”, de fato, desde seus primórdios Pitangui tornou-se um
pólo de poder privado. O principal atrativo da região eram os depósitos auríferos ali
revelados por volta do ano de 1709 e que alguns acreditavam renderiam fabulosas
riquezas. No entanto, uma vez ocupada a área, parte de seus moradores adotou uma
postura de isolamento da região e de enfrentamento direto com as autoridades
metropolitanas sediadas nas Minas, situação que compreenderia praticamente todo o
período que vai de 1709 a 1720, não obstante tenham ocorrido momentos de maior ou
menor recrudescimento das tensões.
À margem do discurso oficial coevo, porém, ao nos depararmos com esse
contexto de conflitos latentes na região, algumas questões se colocaram. O discurso das
autoridades captado pela leitura de parte da documentação administrativa da Capitania
relativa ao tema, com sua constante reiteração de uma imagem altamente detratora dos
20 É o que se depreende da fala de Assumar em diferentes oportunidades, como no trecho destacado a seguir, retirado de uma carta por ele escrita e endereçada a Bernardo Pereira de Gusmão, Ouvidor Geral do Rio das Velhas: “como naquela vila não há ordem a que obedeça sem réplica, a tem feito hábito das muitas sublevações pelos mais leves casos, suposto que até agora usei com eles de toda a moderação, para ver se com esta, com a brandura podia domar aquelas feras, mostra a experiência que isto para eles não vale coisa alguma, é necessário agora procurar o do rigor (...)”. APM, SC 11, fls. 48v-49. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718.
19
habitantes de Pitangui, inquietou-nos.21 De fato, os eventos ocorridos em Pitangui nos
anos acima referidos em muito extrapolavam a lógica “respeitosa” e “polida” que, por
suposto, deveria reger as relações entre os colonos e o Rei de Portugal, este último
representado nas Minas por seus oficiais e agentes nomeados, tendo por ápice o
governador da Capitania. Como poucas vezes se viu até então em terras coloniais,
diversas prerrogativas régias chegaram a ser frontalmente questionadas em Pitangui no
período recortado, sobretudo no que se refere ao pagamento dos quintos e à
“intervenção de autoridades externas” na localidade.
Nesse ponto em específico, cabe destacar que, conforme recentes estudos têm
demonstrado, grande parte dos motins e sublevações ocorridos na segunda metade do
século XVII e mesmo nos anos iniciais dos setecentos possuía um escopo geralmente
restrito de reivindicações, embora houvesse uma noção mais ou menos bem esclarecida
e difundida entre os súditos coloniais acerca de seus “direitos” tradicionais e
costumeiros, assim como da legitimidade em defendê-los, ainda que por meios
violentos.22 Geralmente associados a questões relativas a mudanças na forma de
cobrança de impostos (ou ao aumento de taxas e/ou criação de novos tributos);
estabelecimento de contratos; problemas no abastecimento de gêneros de primeira
necessidade ou o não pagamento dos soldos dos militares, tais motins caracterizavam-
se, conseqüentemente, por seus aspectos apenas “reativos”, sendo muito comum
inclusive a utilização de lemas como “Viva o Rei e Morte ao Mau Governo!”, ou ainda
“Viva o Rei e morram os traidores!”. Porém, já no alvorecer do século XVIII, sobretudo 21 Neste ponto, fazemos referência mais diretamente aos primeiros vinte e um Códices da Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro, que cobrem o período enfocado por nossa pesquisa. 22 Sobre o assunto ver, dentre outros estudos, FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O Império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no Império colonial português, séculos XVII e XVIII. In: FURTADO, Júnia F. (org). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. pp. 197-254; ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos rebeldes. Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998; ANASTASIA, Carla Maria Junho & SILVA, Flávio Marcus da. Levantamentos setecentistas mineiros: violência coletiva e acomodação. In: FURTADO, J. (org). Diálogos oceânicos, p. 307-332.
20
na região das Minas, algumas situações parecem ganhar novos contornos e o caso de
Pitangui se destacaria como um bom exemplo de clara contestação das prerrogativas
régias em terras americanas, embora ainda não houvesse um “projeto político”
alternativo estrategicamente orientado e arquitetado para a região, conforme veremos
mais adiante.23
Nessa medida, ao retomarmos os eventos ocorridos em Pitangui na segunda
década dos setecentos e sua evidente trajetória de conturbações sociais que muito
marcaram o início desta centúria, algumas questões ainda permaneceram sem resposta:
afinal, o que teria motivado tais homens a agirem daquela determinada maneira em
Pitangui? A trajetória de relações historicamente estabelecidas entre os homens do
Planalto de Piratininga e seus demais contemporâneos teria algo a nos dizer acerca dos
tumultos ocorridos em Pitangui já nos primeiros anos de estabelecimento da localidade?
Mais do que isto, tal postura de enfrentamento dos paulistas ali situados diante das
determinações dos governadores da Capitania poderia ser mesmo explicada
simplesmente por uma rebeldia “inata” dos mesmos, conforme supunha o discurso das
autoridades captado na leitura das fontes documentais pertinentes?
Em outras palavras, seriam mesmo os paulistas naturalmente rebeldes e
insubordinados como diziam seus opositores, ou tratava-se de uma “outra concepção e
ética política”? Enfim, seria Pitangui simplesmente o espaço da “desordem” – a
concretização final do temível espectro da “Rochela paulista”,24 uma “República”
23 Sobre o tema, ver as análises desenvolvidas por ANASTASIA, Carla Maria Junho. A lei da boa razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 28, pp. 29-38, dez. 2002. 24 Conforme afirma Rodrigo Bentes Monteiro, desde o início do século XVII a região que dera origem à cidade de São Paulo – seja “pela sua localização geográfica inexpugnável”, seja “pela fama rebelde de seus habitantes” – ganhara o epíteto de ‘a Rochela do Brasil’ ou ‘a Rochela do Sul’, “em alusão clara à cidade francesa de La Rochele”. Segundo nos explica Monteiro, essa região, situada no sudoeste da França e de maioria calvinista na segunda metade do século XVI, “ficou conhecida após ‘o cerco de La Rochele’, 1573, quando, após o massacre da noite de São Bartolomeu no reinado de Carlos IX, as tropas reais comandadas pelos duques d’Anjou e de Guise não conseguiram entrar na cidade, que passou assim a ter sua liberdade religiosa tolerada, somente submetida à monarquia católica no reinado de Luís XIII em
21
independente e inexpugnável comandada por grupos de “degenerados” e “facínoras”, só
que agora em pleno coração das Minas – ou ali se buscavam constituir “ordens” de
outra natureza?
Por conseguinte e à medida que nossa pesquisa bibliográfica caminhava, ficava
cada vez mais evidente o “vazio historiográfico” acerca do tema, não obstante os
avanços nos estudos históricos atuais, sobretudo no que se refere às Minas setecentistas.
Deste modo, muito citados por diversos autores – sobretudo no que se refere aos
acontecimentos que tiveram lugar entre os anos de 1717 e 1720 – os chamados “motins
de Pitangui” permaneciam ainda pouco estudados, salvo as raras exceções. Do mesmo
modo e a despeito da prevalência de algumas obras mais antigas sobre o tema, mesmo
nos estudos mais recentes o que se observa são apenas referências esparsas nas quais
Pitangui ainda não assumira o foco central das análises.25
Nessa medida, pesquisadores que ao longo do tempo se debruçavam sobre as
fontes documentais e acervos relativos ao passado colonial mineiro, sobretudo no que se
refere aos anos iniciais de estabelecimento do aparato administrativo metropolitano nas
Minas, vez ou outra se depararam com indícios de tal trajetória insurgente de Pitangui.
1628, em pleno processo de afirmação do Estado absolutista francês”. Por conseguinte, cercada por densas florestas e montanhas e tida como um local inacessível onde a ordem vigente era impossível devido ao próprio caráter insubordinado de seus habitantes, assim tal analogia foi sendo construída entre a região do Planalto de Piratininga e sua “similar” francesa, principalmente pelos padres jesuítas espanhóis engalfinhados com os paulistas no que se refere às lutas contra a escravização indígena. Cf. MONTEIRO, Rodrigo Bentes. O Rei no espelho. A monarquia portuguesa e a colonização da América 1640-1720. São Paulo: HUCITEC, 2002. Citações à página 60. Tal tema é também abordado por Laura de Mello e Souza e Adriana Romeiro, em, respectivamente, SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006; e ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas – idéias, práticas e imaginário político no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008. 25 Dentre as obras mais antigas que se referem mais detidamente a Pitangui, cito os escritos de Sílvio Gabriel Diniz: Pesquisando a história de Pitangui. Belo Horizonte, 1965; Capítulos da história de Pitangui. Belo Horizonte: Edição do Autor, 1966; além dos livros A história de Pitangui. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1972, de Vicente Soares e Ocorrências em Pitangui (1713-1721). História da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. São Paulo: Imprensa Oficial, 1931, de Theophilo Feu de Carvalho. Análises mais recentes sobre a região podem ser encontradas em ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos rebeldes. Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998 e em CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros – de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado – 1693 a 1737. Tese de doutorado, Departamento de História, FFLCH-USP, 2002.
22
No entanto, verdade seja dita, tais pesquisas documentais não se fizeram acompanhar de
uma produção historiográfica “satisfatória” acerca da trajetória política e social da
região e nem de entusiastas interessados em dar contribuições mais significativas nesse
campo de investigação.
II
Apesar do pouco que se escreveu acerca da história de Pitangui, alguns estudos,
contudo, merecem uma atenção especial, seja porque se tornaram referência obrigatória
aos estudiosos das Minas do século XVIII, seja pelo próprio trabalho teórico-
metodológico adotado por seus autores no trato com as fontes documentais pertinentes.
Como não poderia deixar de ser, nestas análises partiremos da obra de Diogo de
Vasconcelos, História antiga das Minas Gerais, por muitos considerado o livro
inaugural da historiografia mineira. Publicado pela primeira vez em 1901, foi Francisco
Iglésias quem o designou inclusive como “uma tentativa pioneira de estudo de conjunto
dos primeiros anos das Minas”, com seu autor valendo-se do que “andava disperso em
livros, crônicas ou memórias e nas tradições populares”.26
De família ilustre – era bisneto por parte de pai do Dr. Diogo Pereira Ribeiro de
Vasconcelos e de José Joaquim da Rocha pelo lado materno – Diogo de Vasconcelos
bacharelou-se em Direito. Em suma, não era historiador de profissão e nem possuía
formação para tal, fato, aliás, muito comum entre os autores de sua época. De uma
riqueza inestimável, História antiga das Minas Gerais recebeu e ainda recebe inúmeras
críticas, embora esteja longe de ser superada, como sugere a sua larga utilização como
obra de referência em diversos trabalhos acadêmicos. Apesar de fundamentada em
extensa pesquisa realizada inclusive em diversos Arquivos e fundos documentais
diferentes, a principal restrição recebida pela obra ao longo do tempo referia-se ao fato
26 Cf. VASCONCELOS, Diogo de. História antiga das Minas Gerais. Prefácio de Francisco Iglésias. 3ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. v. 01. Citações presentes à página 12.
23
de não “comprovar aquilo que afirmava”, pois – como era costume na época – Diogo de
Vasconcelos não citava as fontes que utilizava.
Nessa medida, sua obra ganhou adjetivos pouco decorosos como a de
“impressionista”, “romântica”, cujo estilo narrativo do autor abeirava-a da ficção, fruto
de uma mente inventiva e fantasiosa. Contudo, conforme ressalta Adriana Romeiro e
Marco Antônio Silveira, se algumas de suas afirmações prescindem de rigorosa
avaliação crítica – como qualquer obra de recobrado valor historiográfico – é em
consonância com a época em que foi escrito que o livro de Vasconcelos deve ser lido e
interpretado.27
Apesar de se mostrar um apaixonado pela temática das revoltas populares e das
lutas entre os súditos coloniais e os agentes metropolitanos nos primórdios das Minas,
Diogo de Vasconcelos dedicou, no entanto, poucas páginas de sua volumosa obra aos
eventos ocorridos em Pitangui. De fato, neste seu empreendimento suas atenções
estiveram excessivamente voltadas para eventos considerados “basilares” da história
mineira, como “a Guerra dos Emboabas” e “a Revolta de Vila Rica”, temas que, por sua
vez, conheceriam duradoura fortuna nos escritos dos historiadores que lhe sucederam.
Nessa medida, diversos movimentos de sedição que ocorreram concomitantemente a
essa época – com lutas e reivindicações tão ou mais graves que as acima citadas, como
em Pitangui, Catas Altas e Barra do Rio das Velhas – foram praticamente relegados a
segundo plano.28
Deste modo, fazendo apenas breves considerações acerca dos motins ocorridos
em Pitangui a partir do final da década de 1710, afirma Vasconcelos que o estopim para 27 Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 16-19 e SILVEIRA, Marco Antônio. A historiografia da fundação: breves considerações sobre a história da formação das Minas Gerais. Cronos: Revista de História, Pedro Leopoldo, n. 09, pp. 100-112, dez. de 2005. 28 De fato, Vasconcelos pode ser considerado o primeiro historiador de destaque das revoltas ocorridas em solo mineiro, ao passo que a segunda obra relevante em sua produção, História média de Minas Gerais, é praticamente toda dedicada à análise das sedições ocorridas no sertão do São Francisco no ano de 1736. Cf. VASCONCELOS, Diogo de. História média de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.
24
a deflagração dos desentendimentos entre os moradores da região e as autoridades
coloniais decorreu da proposta da Câmara em fixar um contrato para reger o comércio
de aguardente da Vila, no que não consentiu o povo. Segundo suas palavras, “em
janeiro daquele mesmo ano de 1720, o mais atormentado que ainda houve nas Minas,
um outro motim de graves proporções rebentou na Vila do Pitangui. Ali estando no
juizado da Vila o Brigadeiro João Lobo de Macedo quis pôr em estanco, ou em contrato
o comércio da aguardente de cana, e por isso levantou-se o povo em motim sob o
comando de Domingos Rodrigues do Prado, paulista poderoso e caudilho terrível”.29
Apesar de não citar suas fontes, é perceptível que Vasconcelos se valeu nesse ponto dos
escritos de José Joaquim da Rocha.30
De fato, o estabelecimento de um estanco para reger o comércio de aguardente
de cana da região havia sido proposto em outubro de 1719 pelos próprios camaristas da
Vila, sob a alegação de que os rendimentos de tal contrato serviriam para a construção
de uma nova Casa de Câmara; uma igreja e uma casa para eventuais visitas dos
governadores da Capitania à Vila.31 Tal proposta, no entanto, não chegou a ser
concretizada, dada a resistência dos moradores locais frente a esse tipo de monopólio
comercial.32 Conforme se discutirá mais à frente, contudo, essa interpretação dada por
Diogo de Vasconcelos para explicar as sublevações de Pitangui de 1720 peca pelo
29 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 170, v. 02. 30 ROCHA, José Joaquim da. Geografia histórica da capitania de Minas Gerais: descrição geográfica, topográfica, histórica e política da capitania de Minas Gerais. Memória histórica da capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1995. Estudo crítico de Maria Efigênia Lage de Resende. p. 138. 31 APM, SC 11, fls. 157-159v. “Para o Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 23 de outubro de 1719. 32 Na verdade, esta era a segunda vez que o Senado da Câmara da Vila propunha a celebração de tal contrato. Por outro lado, é interessante considerar que historicamente os habitantes do Planalto de Piratininga possuíam uma completa aversão à celebração de monopólios comerciais, identificando tal prática aos reinóis, tidos como aproveitadores que se enriqueciam a expensas da pobreza e miséria dos demais colonos. Sobre este aspecto, afirma ainda Adriana Romeiro que tal situação ensejou inclusive uma tradição política de insurgência contra atravessadores, contratadores e açambarcadores na Vila de São Paulo durante todo o século XVII, tradição esta com características bastante semelhantes aos motins de fome do Antigo Regime ocorridos na Europa à época. A esse respeito ver ROMEIRO. Paulistas e Emboabas no coração das Minas, p. 145 e ss.
25
excesso de simplificação, uma vez que apenas um dos fatores – a efetivação do
monopólio comercial sobre a aguardente de cana da Vila – entre os que deflagraram o
motim, é, isoladamente, alçado à categoria de “causa” dos tumultos ocorridos na região
à época. Do mesmo modo, vale mais uma vez reforçar que as contendas envolvendo os
moradores de Pitangui e as autoridades sediadas nas Minas em muito antecediam a esse
episódio, remontando aos primeiros tempos de ocupação da região.
De qualquer forma, embora não tenha se debruçado de forma mais detida sobre
o tema e nem ensejado reflexões mais aprofundadas sobre a própria natureza dos
eventos ali ocorridos, sabia Vasconcelos que a animosidade dos moradores de Pitangui
frente às determinações das autoridades régias guardava suas especificidades, possuindo
inclusive intrínsecas relações com o próprio desfecho dado ao levante dos Emboabas em
1709. Segundo ele, e tendo por base as próprias palavras do governador D. Brás
Baltazar da Silveira dirigidas ao Rei em carta de primeiro de setembro de 1713, os
paulistas estabelecidos em Pitangui, “lembrados, porém, do que haviam sofrido [no
episódio de luta contra os forasteiros], publicaram bandos proibindo aos reinóis
entrarem nos seus recentes descobertos”. D. Brás Baltazar, “receando conflitos”, anos
antes pedira inclusive ajuda aos principais de São Paulo “a efeito de sossegar aquela
gente”; “os de Pitangui, porém, surdos a conselhos e advertências, proibiram que lá
penetrassem mesmo as justiças de Sua Majestade”.33
Ao final da década de 1920, Teófilo Feu de Carvalho, por sua vez, lançaria um
estudo que durante os anos subseqüentes tornar-se-ia referência acerca da história dos
primeiros tempos de povoamento de Pitangui, sobretudo para os historiadores de sua
33 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais. Citações à página 129, v. 02. APM, SC 04, fls. 170-170v. “Carta do governador D. Brás Baltazar da Silveira ao rei de Portugal”. São Paulo, primeiro de setembro de 1713.
26
época. Intitulado Ocorrências em Pitangui,34 tal trabalho foi inicialmente publicado nos
Anais do Museu Paulista em 1929, recebendo a tiragem de livro dois anos depois.
Assim como José Pedro Xavier da Veiga, Feu de Carvalho foi um dos primeiros
diretores do Arquivo Público Mineiro, adquirindo, portanto, um extenso conhecimento
acerca da documentação que compunham seus acervos. É dele, aliás, a autoria de grande
parte dos índices dos primeiros livros da Seção Colonial deste arquivo, à época
denominada Secretaria de Governo (SG).
Como um autor em diálogo com as questões de seu tempo, sua concepção de
história alinhava-se à busca da “prova empírica”, ao passo que a “verdade dos fatos” só
poderia ser alcançada através dos documentos. Conseqüentemente, observa-se que seu
estudo sobre Pitangui apoiou-se excessivamente no “discurso” presente nas fontes por
ele selecionadas, em contraposição ao pouco espaço dado à análise das mesmas. Ora
transcrevendo extensas passagens dos documentos, ora simplesmente parafraseando-os,
Feu de Carvalho, por conseguinte, compôs seu trabalho seguindo a ordem cronológica
dos acontecimentos sugeridos pelas fontes, atendo-se aos fatos “mais significativos”
ocorridos em Pitangui entre os anos de 1713 e 1721.
Dessa forma e de acordo com sua interpretação, teriam ocorrido três motins em
Pitangui no período: “um no seu descobrimento, impedindo a entrada de reinóis e das
justiças; outro impondo a pena de morte a quem pagasse os quintos, sendo ferido
Jerônimo Pedroso e morto seu irmão Valentim Pedroso, e o terceiro com a expulsão de
João Lobo de Macedo, impedindo que o Ouvidor tomasse conhecimento do delito”.35
Ponto curioso é que, assim como Diogo de Vasconcelos, Feu de Carvalho também
percebia certas “afinidades” entre os acontecimentos ocorridos em Pitangui e a própria
“história de São Paulo”, sobretudo no que se refere aos litígios antecedentes envolvendo 34 CARVALHO, Teófilo Feu de. Ocorrências em Pitangui (1713-1721). História da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. São Paulo: Imprensa Oficial, 1931. 35 CARVALHO. Ocorrências em Pitangui (1713-1721), p. 36.
27
paulistas e forasteiros.36 Contudo, tais aspectos também não foram suficientemente
explorados pelo autor e as sublevações ocorridas em Pitangui acabaram sendo
enquadradas como fenômenos isolados no tempo e no espaço, resultado de conflitos e
contendas que se esboçavam – mas também se esgotavam – apenas no âmbito local.
Nessa perspectiva, as “causas” dos motins de Pitangui foram facilmente
identificadas por Feu de Carvalho: disputas pelas catas auríferas num primeiro momento
de ocupação dos novos descobertos; resistência ao pagamento dos quintos “devido ao
rápido malogro da exploração das minas da região” e, finalmente, a recusa dos
moradores em acatar as medidas então propostas por João Lobo de Macedo, autoridade
reinol enviada à Vila por Assumar para aplacar os ânimos locais. Da mesma forma que
para Diogo de Vasconcelos, em nenhum momento a tradição política insurgente da
gente do Planalto acumulada em décadas de negociações e disputas com os agentes
metropolitanos foi levada em consideração por Feu de Carvalho, assim como as
próprias regularidades na ação desses homens expressa em outros contextos
semelhantes.
Assim, do que se depreende deste estudo de Feu de Carvalho é que, em linhas
gerais, a razão última para a deflagração dos conflitos em Pitangui envolvendo os
moradores da Vila e os agentes régios nas Minas decorreu do próprio fracasso do
rendimento dos descobertos de ouro da região, aliado ao natural “espírito
insubordinado” dos paulistas; opiniões estas, aliás, largamente encontradas na
documentação oficial relativa ao tema consultada pelo autor.37
36 CARVALHO. Ocorrências em Pitangui (1713-1721), p. 03. 37 De acordo com as próprias palavras do autor, no contexto de repartição das trinta arrobas de ouro entre os moradores da Capitania referentes aos quintos reais ao final do ano de 1715, “tocara a Pitangui pagar três arrobas, mas devido ao fracasso da mineração ali, o povo não pode pagá-las e aos poucos foi abandonando aquele distrito (...)”; “por esse motivo, é que aquele pagamento não se efetuou, ficando reduzido a uma arroba de ouro”. Cf. CARVALHO. Ocorrências em Pitangui (1713-1721), p. 32-33.
28
Anos mais tarde, mais precisamente em 1965, Sílvio Gabriel Diniz lançaria sua
obra intitulada Pesquisando a História de Pitangui, em edição comemorativa do 250º
aniversário de criação da municipalidade. Membro do Instituto Histórico e Geográfico
de Minas Gerais, Gabriel Diniz foi um dos poucos historiadores de sua geração a se
dedicar a pesquisas relativas ao tema, muito inspirado inclusive pela própria obra de
Teófilo Feu de Carvalho acima analisada.38 Mesmo apresentando pretensões mais
alargadas – a sua intenção era a de abarcar a história de Pitangui do século XVIII ao
XIX – percebe-se, contudo, que suas atenções estiveram mais voltadas para os anos
iniciais de povoamento da região, não por acaso o período de maior turbulência da Vila
e também o mais bem documentado.
As fontes pesquisadas por Gabriel Diniz, assim como o tratamento metodológico
dado às mesmas, não diferiram muito da abordagem apresentada por Teófilo Feu de
Carvalho, ao passo que, por apresentar um marco temporal muito abrangente,
descontinuidades e lacunas intransponíveis surgiram, reflexo da própria exigüidade das
fontes documentais disponíveis. Assim, o mesmo padrão de produção historiográfica
corrente à época se repetiu em sua obra: busca da “verdade” dos fatos através da
“comprovação empírica”, descrição e narração dos grandes feitos dos personagens
principais, transcrição de extensas passagens dos documentos e pouco espaço dado à
análise crítica dos mesmos.
Da mesma forma que para Feu de Carvalho, Gabriel Diniz também era da
opinião de que os primeiros anos de ocupação da região mineradora de Pitangui haviam
sido de extrema violência e conflitos. Segundo ele, tais eventos resultaram de vários
fatores como o descontentamento dos paulistas com a posição adotada pelas autoridades
38 Além do livro Pesquisando a História de Pitangui. Belo Horizonte, 1965, são também de sua autoria Capítulos da História de Pitangui. Belo Horizonte: Edição do Autor, 1966; Aspectos da Economia Colonial da Vila de Pitangui. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. IX, 1962. pp. 97-130 e Pitangui, a sétima Vila das “Minas do Ouro”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. XII, 1955, pp. 119-133.
29
das Minas ao término do conflito dos emboabas, assim como pelo fracasso da
exploração aurífera da região.39 Neste aspecto e ainda que veladamente, observa-se que
o autor assume inclusive uma postura favorável à “causa” dos paulistas situados em
Pitangui, uma vez que a reação violenta dos mesmos era explicada pela própria “miséria
da região”, ao passo que as medidas tributárias adotadas pela Coroa, sobretudo no
período de governança de Assumar, tornavam-se cada vez mais extorsivas e
escorchantes.
Segundo suas palavras, “confirmada fica a notícia de que, no primeiro decênio
de seu descobrimento, as minas de Pitangui não deram a ‘grandeza’ que se supunha. Por
isso houve discórdias, motins, lutas armadas, derramamento de sangue e mortes”.40
Curiosamente, contudo, mais à frente o autor não deixaria de se contradizer,
demonstrando as dificuldades por ele enfrentadas no enquadramento dos eventos ali
ocorridos no período referido: “não só por motivo da miséria do país, mas, sobretudo
por causa do espírito revoltoso, eles [os paulistas] negavam cumprir as obrigações de
vassalos. Era a Vila, por isso mesmo, amotinada”.41 De qualquer forma, mais uma vez o
mesmo padrão explicativo se repetia: paulistas como signos da rebeldia situados em
uma região de baixa produção aurífera; carga tributária excessiva e cada vez mais
intolerável, o que por sua vez geravam descontentamentos e desordens.
Longos anos se passaram e a temática caiu em verdadeiro esquecimento. De
fato, somente a partir do final da década de 80 e início dos anos 90 o tema das revoltas
coloniais – sejam os motins, sejam os movimentos de maior envergadura, como as
“inconfidências” – ganhou novo fôlego, sobretudo com o impulso revisionista de nossa
historiografia. Dessa forma e superando antigas concepções, como a do “conceito de
39 Sobre este aspecto, afirma Diniz que “vinha o governador Dom Brás Baltasar da Silveira manobrando os paulistas com tato e habilidade, pois sentia sangrar neles a ferida proveniente da luta contra os emboabas”. Cf. DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 128. 40 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 20. 41 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 131.
30
nativismo” para explicar a eclosão dos movimentos sediciosos tanto na América
portuguesa quanto no Império colonial luso como um todo, diversos autores se
depararam com a necessidade de redimensionarem as análises até então vigentes acerca
do universo da violência coletiva em contextos políticos de Antigo Regime.42
Nessa medida, aspectos antes negligenciados, como a própria ritualística dos
movimentos de revolta; a noção de “direitos costumeiros”, nomeadamente difundida
entre os súditos; as similitudes e dissonâncias entre diversos motins espalhados no
tempo e no espaço, tanto na Europa quanto no mundo colonial; assim como o campo
mais íntimo do imaginário e das práticas políticas a orientar e influir – ainda que de
forma subjacente – os comportamentos, assumiram posição de destaque nas pesquisas
de diversos autores.43
Por conseguinte e no que se refere às Minas setecentistas em específico, o que se
viu foi o início de um intenso movimento de produção historiográfica em que antigas
balizas não eram mais o fundamento das abordagens, sobretudo aquelas que teimavam
em dissociar “motins” e “inconfidências”, como se as idéias “ilustradas” eminentemente
européias simplesmente tivessem aportado na América e “conscientizado” corações e
mentes acerca da exploração colonial na qual os súditos estavam inseridos. Ao
contrário, recentes estudos apontaram justamente as continuidades entre os motins e as
inconfidências, principalmente no que diz respeito ao acúmulo de experiências e à
própria construção de uma tradição política em terras coloniais segundo a qual o
42 Uma revisão acerca dos usos do conceito de nativismo pela historiografia é encontrada em SILVA, Rogério Forastieri da. Colônia e nativismo. A História como “Biografia da Nação”. São Paulo: HUCITEC, 1997, sobretudo o Capítulo III – “Sobre movimentos nativistas”, pp. 63-87. 43 Neste ponto, vale destacar a grande influência em nossa historiografia de estudos clássicos como os de George Rudé, A multidão na história: estudos dos movimentos populares na França e na Inglaterra – 1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991 e os de Edward P. Thompson, sobretudo o livro Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, além da vasta obra de António Manuel Hespanha, principalmente suas análises presentes em As vésperas do Leviathan. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.
31
respeito aos direitos costumeiros da população seria imprescindível à manutenção da
paz e das boas relações entre soberanos e vassalos.44
Nessa medida, deste movimento emergiu certo consenso na historiografia acerca
da existência de uma “cultura política” bastante específica no mundo luso-brasileiro
setecentista, cultura esta pautada principalmente nas concepções corporativas de poder
advindas da Segunda Escolástica.45 Bem entendida, tal tradição político-filosófica
considerava o Estado como fruto de um pacto social tacitamente estabelecido – às vezes
nem tanto – entre o soberano e o povo: o dever principal do soberano seria a defesa do
“bem comum” e o respeito aos direitos naturais e costumeiros de seus vassalos; caso
contrário, poderia ser considerado tirânico e a rebelião seria legítima. Nesse sentido e
não por acaso, em diversas oportunidades a prática governativa luso-brasileira se
coadunava à contemporização de conflitos, não obstante as demonstrações exemplares
do poder repressivo das instituições oficiais.46
Como aponta Luiz Carlos Villalta, dentre outros autores, tais concepções
derivaram em parte da reinterpretação das teorias de São Tomás de Aquino, assim como
do estudo dos escritos políticos de Aristóteles que muito influenciaram os colégios
jesuítas e a própria Universidade de Coimbra em Portugal, à época em clara luta contra
o avanço do luteranismo e das concepções políticas de Maquiavel. Segundo Villalta,
para São Tomás de Aquino, seria Deus a fonte do direito e do Estado: quando o
soberano violava os direitos naturais de seus vassalos, estaria também violando um
44 Sobre este aspecto, ver, dentre outros estudos ANASTASIA. Vassalos rebeldes, sobretudo a Introdução – “Um mundo às avessas em um tempo europeu?”, pp. 9-29 e FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Práticas políticas e idéias ilustradas na América portuguesa (Quando os motins tornam-se inconfidências – 1640-1817). In.: 10th International Congress on the Enlightenment, Dublin, July 25-31, 1999, Session “At the margins of enlightenment : Brazil and Portugal during the second half of the 18 th and early 19 th century”. 45 Segundo Jorge Borges de Macedo, as concepções corporativas de poder predominaram desde o século XVII no mundo ibérico, constituindo-se como as premissas do pensamento político luso-brasileiro e hispano-americano. Cf. MACEDO, Jorge Borges de. Formas e premissas do pensamento luso-brasileiro do século XVIII. Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1 (1): 74-84, 1981. 46 Ver, sobretudo, MONTEIRO. O rei no espelho, 2002.
32
direito divino, incitando, portanto, a sua deposição. Assim, a política seria vista como
indissociável da moral cristã e do direito natural.47
Rodrigo Bentes Monteiro, por sua vez, acrescenta ainda que a própria
Restauração Portuguesa sob a dinastia dos Bragança em 1640 buscou na “tirania
espanhola” a sua principal justificativa, sobretudo quando o pacto que resguardava os
direitos e privilégios lusitanos selado em Tomar deixou de ser respeitado pelos
castelhanos. Por conseguinte, os ideais de luta contra a “tirania” e o “mau governo”
passaram a orientar grande parte dos movimentos de insubordinação dos colonos ao
final do século XVII e início do XVIII, dando forma a uma tradição política que seria a
base para movimentos mais radicais na América, como as inconfidências.48
Como não poderia deixar de ser, as Minas do século XVIII tornaram-se um
campo privilegiado para tais abordagens, dado o grande número de revoltas e
sublevações ocorridas na região durante toda esta centúria. Desta maneira e não
obstante as discordâncias existentes entre os estudiosos, não raro de tais pesquisas
emergiu um universo marcado pela violência e pelo desregramento, no qual a
imprevisibilidade da ordem social foi a tônica de todo o período.49
No entanto, mesmo com a retomada dos estudos acerca das revoltas coloniais em
terras mineiras, alguns casos – como o da Vila de Pitangui – ainda permaneceram pouco
explorados por parte dos pesquisadores, sendo raras as exceções. Dentre tais exceções,
contudo, vale destacar os estudos de Carla Anastasia, sobretudo as análises presentes
47 VILLALTA, Luiz Carlos. El-Rei, os vassalos e os impostos: concepção corporativa de poder e método tópico num parecer do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, p. 222-236, jul. 1999. 48 MONTEIRO. O rei no espelho, p. 261. passim. 49 Dentre estes trabalhos, vale destacar SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro – a pobreza mineira no século XVIII. 4ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2004; ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos Rebeldes. Violência Coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998; ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005; e SILVA, Célia Nonata da. Territórios de mando: banditismo em Minas Gerais, século XVIII. Belo Horizonte: Crisálida, 2007.
33
em sua obra Vassalos rebeldes, sem dúvida alguma ainda hoje uma das maiores
referências historiográficas acerca do tema.50
Segundo o esquema de análise proposto por Anastasia na obra acima referida, as
revoltas da primeira metade do século XVIII em Minas poderiam ser divididas em dois
conjuntos principais: aquelas que ocorreram dentro das regras tacitamente estabelecidas
para arbitrar o “jogo colonial”, ou seja, os motins de caráter apenas reativo, e aquelas
que chegaram a contestar a soberania portuguesa, sem, no entanto, serem dotadas de um
projeto político autônomo para a agenda pública, caracterizando, conforme defende, os
chamados “contextos de soberania fragmentada”.51
Nessa perspectiva, para Anastasia os motins de 1717-1720 em Pitangui
representariam um típico caso de “soberania fragmentada”, uma vez que os potentados
da região de alguma forma acumularam recursos de poder suficientes para afrontar com
relativa eficácia a ordem instituída, “fragmentando”, por conseguinte, a soberania
portuguesa sobre a área. Assim e de acordo com suas próprias palavras, os motins de
Pitangui teriam se diferenciado “dos levantes contra o estabelecimento de contratos,
distribuição de terras, carência de alimentos e questões eminentemente fiscais. Na
medida em que a própria cobrança do tributo foi posta em xeque, dificilmente estes
levantes poderiam ser aproximados daqueles que apresentaram comportamentos dos
atores claramente definidos dentro das regras do jogo colonial”.52
Contudo e apesar da originalidade e rigor de suas análises, é perceptível que
Carla Anastasia focou seu estudo apenas no desencadear dos fatos mais significativos
em Pitangui – da eclosão das contendas no ano de 1717 à pacificação da área em 1720 –
sem dar a devida atenção aos antecedentes de conflitos entre paulistas, forasteiros e
Coroa; antecedentes estes que, conforme defendemos, seriam fundamentais para se 50 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, 1998. 51 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 23-24. 52 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 89.
34
compreender a própria natureza dos acontecimentos nessa região no período recortado.
Da mesma forma, sua interpretação acerca dos fatos ali ocorridos parece também estar
demasiadamente influenciada pelo “discurso” das autoridades presente na
documentação oficial relativa ao tema, emergindo daí uma visão segundo a qual
Pitangui seria uma terra “sem lei”, povoada por “gente intratável”,53 quase sinônimo de
“paulista” à época segundo determinado acervo de representações.
De qualquer modo, tal situação parece-nos bastante compreensível, pois um dos
objetivos centrais de Carla Anastasia neste seu trabalho era justamente demonstrar as
dificuldades enfrentadas pela Coroa portuguesa para se fazer valer, ainda que
minimamente, nas regiões mais distantes dos centros tradicionais de poder
metropolitano na Capitania. Porém, conforme veremos mais adiante, as interpretações
que vêem os paulistas como “insubordinados por natureza” merecem ser matizadas e
problematizadas, pois tal imagem – não fortuitamente – foi gestada
contemporaneamente aos primeiros conflitos envolvendo os homens do Planalto,
agentes metropolitanos e os demais colonos; conflitos estes, inclusive, que remontam ao
século XVII. Posteriormente e sobretudo após o levante dos emboabas, tal
representação detratora dos paulistas seria apropriada pelas autoridades régias, fazendo
parte de uma verdadeira “guerra discursiva”54 com cada grupo em litígio buscando
legitimar suas ações.55
Curiosamente, Luciano Figueiredo e Laura de Mello e Souza, ao tangenciarem
rapidamente o tema em suas análises, apontaram para uma possível aproximação entre
53 Aqui fazemos referência direta ao título dado por Anastasia ao seu capítulo sobre as sublevações de Pitangui – “Gente intratável”: os motins de Pitangui – provavelmente influenciado pela opinião de D. Pedro de Almeida que considerava a região “a mais rebelde e renitente” de todas as Minas. Cf. ANASTASIA. Vassalos rebeldes, pp. 87-98. 54 FURTADO, Júnia Ferreira. As índias do conhecimento ou a geografia imaginária da conquista do ouro. Anais de História de Além-mar, Lisboa, vol.4, p.155-212, 2003. Nesse artigo, Júnia Furtado analisa a formação de uma imagem edênica das Minas de natureza emboaba, altamente detratora dos paulistas. 55 Excelente revisão acerca da chamada “Guerra dos Emboabas” é encontrada em ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008.
35
tais sublevações em Pitangui e a Revolta de Vila Rica ocorrida em 1720. Segundo
Figueiredo, a partir de fevereiro de 1719 teria havido uma primeira ofensiva de peso da
administração metropolitana nas Minas, quando se anunciou o projeto de instalação de
uma Casa de Fundição e Moeda na Capitania. Conseqüentemente, conforme afirma,
“em Pitangui as instâncias judiciárias – como o juiz ordinário – e militares – como o
capitão-mor – [foram] atacadas por grupos liderados por Domingos Rodrigues do Prado
‘costumado a seduzir os povos para não pagarem o quinto’. O levante se espalh[ou]
mais tarde para Ouro Podre em Vila Rica, onde ‘se confedera[ra]m alguns homens
livres’ invadindo a Casa do Ouvidor”.56
Laura de Mello e Souza, por sua vez, relatando o clima de tensão social nas
Minas à época da lei de implantação das Casas de Fundição na Capitania destaca que
“previam-se descontentamentos e em 1719 a situação se agravou bastante na Vila de
Nossa Senhora da Piedade do Pitangui, onde, sob o comando de Domingos Rodrigues
do Prado, os poderosos se opuseram vivamente ao pagamento de tributos”. Mais à
frente, conclui ainda que “Pitangui foi um ensaio da ocorrência mais grave de 1720 em
Vila Rica”.57
Conjuntamente com Carla Anastasia, refutamos tal tese, acreditando que as
movimentações em Pitangui guardam especificidades próprias, mesmo porque são bem
anteriores à referida ordem de fevereiro de 1719 que anunciou a implantação das Casas
de Fundição nas Minas.58 É bastante provável que o desencadear das medidas tomadas
pelo então governador D. Pedro de Almeida no sentido de aumentar a arrecadação dos
impostos e desarticular as redes privadas de poder há muito enraizadas na região tenha
56 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Tributação, sociedade e administração fazendária em Minas Gerais no século XVIII. IX Anuário do Museu da Inconfidência. Ouro Preto, p. 96-110, 1993. Citação à página 107. 57 SOUZA, Laura de Mello e & BICALHO, Maria Fernanda Baptista. 1680-1720: o império deste mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 78-79. Citações nas páginas 78 e 79, respectivamente. 58 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 87. Ver nota 186.
36
refletido no clima de descontentamento geral da população da Capitania. Entretanto, a
documentação consultada não permite fazermos maiores aproximações entre os motins
de Pitangui e a Revolta de Vila Rica – ainda que estas tenham ocorrido em períodos
muito próximos – mesmo por que nesses dois eventos estavam envolvidos grupos de
potentados bastante diferentes e mesmo antagônicos entre si.59 Por outro lado, quando
da eclosão dos eventos mais graves em Vila Rica , o que se deu ao final de junho de
1720, a região de Pitangui já estava ocupada e relativamente pacificada pelos militares e
magistrados fiéis ao governador.
Em recente e vasto estudo acerca do processo de estabelecimento do aparato
administrativo nas Minas em seus primeiros anos de povoamento, Maria Verônica
Campos retomou o caso da Vila de Pitangui.60 Entre outros aspectos, tal autora nos
chama a atenção não apenas para os graves conflitos ali ocorridos na segunda década
dos setecentos, mas também para a linha de continuidade entre os eventos ocorridos em
Pitangui e as contendas envolvendo paulistas e forasteiros; contendas estas inclusive já
presentes de forma clara no contexto do levante dos emboabas. Dessa forma, embora
também não se aprofunde muito na temática em suas análises, Maria Verônica Campos
se recusou a abordar o caso de Pitangui de forma isolada, ao passo que também refutou
as explicações meramente “funcionalistas” e “mecanicistas” para justificar as sedições
ali ocorridas; explicações estas presentes em boa parte da documentação disponível,
assim como nas obras de Diogo de Vasconcelos, Teófilo Feu de Carvalho e Sílvio
Gabriel Diniz anteriormente analisadas.
59 A esse respeito, Adriana Romeiro é contundente ao afirmar que a Revolta de Vila Rica foi liderada majoritariamente por antigos emboabas e que por ocasião dessa sublevação, alguns paulistas, “temerosos de um novo governo ilegítimo, aliaram-se ao Conde e não mediram esforços para malograr os planos dos amotinados”. ROMEIRO, Adriana. Um visionário na corte de D. João V. Revolta e milenarismo nas Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001, p. 201. 60 CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros – de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado – 1693 a 1737. Tese de doutorado, Departamento de História, FFLCH-USP, 2002.
37
Em realidade, para esta autora as razões da eclosão de grande parte dos motins
nas Minas da primeira metade dos setecentos eram, em última instância, os choques
entre pólos de poder concorrentes.61 Nesse sentido e tomando por base as análises
segundo as quais todos os motins que ocorreram na América portuguesa resultaram da
crise das “formas acomodativas”,62 parece-nos bastante claro que o desfecho tomado
pelo conflito dos emboabas trouxe um novo desequilíbrio de poder para as Minas,
situação esta que de forma alguma poderia agradar aos paulistas. Derrotados na guerra e
banidos das regiões mais ricas e dos cargos de prestígio, a esses homens não restaram
muitas opções: de seu “passado heróico” de serviços prestados, conforme alegavam,
nem mesmo a honra de bravos sertanistas permaneceria ilesa à época.
Por conseguinte, à luz destes questionamentos e tomando como referência os
eventos ocorridos em Pitangui entre os anos de 1709 e 1721, o que se propõe, em linhas
gerais, é entender as especificidades dos movimentos de confrontação da autoridade
metropolitana nessa região sob uma chave de leitura que, por seu turno, leve em
consideração o próprio universo do imaginário e das práticas políticas dos agentes neles
envolvidos.63 Nessa medida, ao invés de reiterarmos a imagem de Pitangui como “terra
de bandidos” e “sem lei” à época, interessa-nos mais buscar compreender quais foram
as idéias, valores e concepções que, ainda que de forma subjacente, deram organicidade
e legitimidade à ação desses homens.
61 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 252. passim. 62 Em sintonia com Carla Anastasia, entendemos por “formas acomodativas” a resolução temporária dos conflitos presentes na relação entre vassalos e administradores régios. Cf. ANASTASIA & SILVA. Levantamentos setecentistas mineiros: violência coletiva e acomodação. In: FURTADO, J. (org). Diálogos oceânicos, p. 307-332. 63 Em conformidade com Evaldo Cabral de Mello, dentre outros autores, utilizamos o conceito de imaginário não como uma acepção vaga, mas no sentido de “imaginário social”. Dessa forma, o imaginário é entendido não como uma superestrutura ideológica, mas como uma dimensão constitutiva e reprodutiva das próprias relações sociais. A este respeito, ver MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro veio: o imaginário da Restauração pernambucana. 3ª ed. São Paulo: Alameda, 2008 e BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi (Anthropos-Homem). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, v.5, pp. 296-332, [s.d.].
38
Sobre este aspecto, cabe destacar que praticamente inexistem fontes
documentais que expressem claramente e de forma direta “a perspectiva dos
sublevados” com relação aos acontecimentos; contudo, aqui partiremos da hipótese de
que, se os povos no mais das vezes poucos registros deixaram acerca de suas idéias e
concepções sobre o mundo em que viviam, é através da análise de suas próprias formas
de ação que talvez pudéssemos identificar e reconstituir, com relativa segurança, a sua
linguagem política. Por outro lado, a recente abordagem cultural dos fenômenos sociais
e políticos tem demonstrado com bastante propriedade que não faz o menor sentido
dissociar práticas e representações, comportamentos e imaginário.64
III
Conforme já foi delineado, um dos cernes de nossa argumentação é que os
eventos ocorridos em Pitangui no período recortado não podem ser bem compreendidos
se dissociados da própria experiência política dos homens do Planalto de Piratininga,
experiência esta adquirida e acumulada numa longa tradição de negociações e conflitos
entre a gente de São Paulo e as autoridades coloniais e metropolitanas. Assim, nessa
perspectiva o caso de Pitangui não seria encarado apenas como uma página isolada, mas
como a seqüência de um enredo marcado por tensões e embates “históricos” envolvendo
os homens de São Paulo e seus demais contemporâneos, conflitos estes inclusive
orientados por concepções políticas bastante específicas. Conseqüentemente, os eventos
em Pitangui ocorridos nos anos de 1710, 1716 e 1717-1720 também não seriam vistos
como separados entre si, mas interligados pelas mesmas razões acima expostas.
Da mesma forma, e mesmo que nossos objetivos não incluam a realização de um
estudo comparativo, há também a pretensão de não apenas analisar um caso isolado,
64 Além do já citado trabalho de Adriana Romeiro, Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008, outro excelente estudo que abarca tais concepções teóricas é o de MELLO. Rubro veio: o imaginário da Restauração pernambucana, 2008.
39
mas de enquadrá-lo em um contexto mais amplo, pautado por sucessivos movimentos
de revolta popular que eclodiram nas mais diversas partes do Império lusitano,
sobretudo a partir da Restauração dos Bragança em 1640. De fato, conforme foi dito, o
processo de restauração do reino lusitano frente aos castelhanos deu origem à
conformação, reinterpretação e instituição de novos ritos e atos políticos por parte dos
súditos portugueses de além-mar, constituindo a base ideológica para diversos
movimentos de sedição popular que ocorreram nos anos posteriores.65
Como marco temporal inicial, utilizado ainda que não de forma rígida,66 o ano
de 1709 remonta o desfecho do conflito dos emboabas e a possível data da fixação dos
primeiros paulistas na área, iniciando-se assim o povoamento da então incipiente região
mineradora de Pitangui. Como baliza final, o ano de 1721 remete ao período
imediatamente posterior à pacificação do mais célebre motim ali ocorrido, quando parte
dos principais potentados paulistas deixou a Vila e dirigiu-se a novas empreitadas de
descobrimento, notadamente nas regiões de Cuiabá, Mato Grosso e Goiás. Ademais, tal
data também marca o término do governo de D. Pedro de Almeida, época em que houve
a separação da Capitania de Minas da de São Paulo e uma relativa pacificação dos
conflitos anteriores. Assim, bem entendido, privilegiaremos o período de ocupação
paulista da região de Pitangui.
Da mesma maneira, nosso marco espacial estará restrito apenas à Vila de
Pitangui e seu entorno mais imediato, palco privilegiado dos conflitos por nós
abordados, ainda que referências a eventos ocorridos em outras regiões possam ser
feitas. Nesse sentido e também devido à própria carência de maiores fontes documentais 65 Dentre outros estudos, ver: FIGUEIREDO. O Império em apuros... In: FURTADO (org). Diálogos Oceânicos, pp. 197-254; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, passim; MONTEIRO. O rei no espelho, sobretudo o capítulo 2 – “Contra a Tirania” – pp. 73-106. 66 Dadas as nossas escolhas teórico-metodológicas para o tratamento do tema em questão, fica evidente que nosso marco temporal não pode ser abordado de forma rígida, uma vez que conceitos como o de imaginário, tradição e práticas políticas exigem um enquadramento na longa duração. Contudo e de acordo com as próprias limitações deste trabalho, houve a necessidade de um recorte temporal mais objetivo e preciso.
40
que cubram o período recortado, não trabalharemos com o termo da vila de Pitangui
como um todo, aliás, um dos mais extensos da Capitania de Minas à época.67
Com relação às fontes documentais e ao tratamento metodológico dado às
mesmas, algumas considerações ainda merecem ser apontadas. Em realidade, a
garimpagem das fontes não se mostrou tão profícua como havíamos planejado de início.
A princípio, as maiores expectativas advinham da abertura do Arquivo Judicial da
cidade de Pitangui, arquivo que já vinha sendo organizado desde o ano de 2001 e que
guarda em seus acervos um grande volume de documentação inédita.68 Arquivo de
natureza cartorial, notadamente composto por ações cíveis, ações de alma e alguns
inventários e testamentos, tal documentação, no entanto, cobre em sua maior parte
apenas a segunda metade do século XVIII e o século XIX. Assim, nas oportunidades
que pudemos realizar pesquisas neste arquivo, não nos foi possível encontrar nenhuma
fonte que jogasse novas luzes sobre o período estudado. Do Arquivo Histórico
Ultramarino (documentação esta disponibilizada em meio digital pelo Projeto Resgate),
nada encontramos de significativo acerca da história de Pitangui, a não ser a
documentação já bastante conhecida acerca dos primeiros conflitos nas Minas
envolvendo paulistas, forasteiros e autoridades.
Nessa medida, os documentos mais elucidativos que conseguimos reunir são, em
sua maioria, as mesmas fontes utilizadas e exploradas pelos antigos historiadores de
Pitangui, sobretudo os vinte e um primeiros códices da Seção Colonial do Arquivo
Público Mineiro, documentação esta composta tanto pela correspondência oficial entre 67 De acordo com Waldemar de Almeida Barbosa, ao longo do século XVIII o termo de Pitangui constituía-se das seguintes freguesias: Onça, Abadia (Martinho Campos), Buriti da Estrada (Pompéu), Maravilhas, Saúde (Perdigão), Bom Despacho, Pequi, Patafufo (Pará de Minas), Mateus Leme, Cajuru (Carmo do Cajuru), Sant’Ana do São João Acima (Itaúna), São Gonçalo do Pará, Espírito Santo do Itapecerica (Divinópolis), Santo Antônio do São João Acima (Igaratinga), Confusão (São Gotardo), Tiros, Morada Nova de Minas, Marmelada (Abaeté) e Dores do Indaiá. Cf. BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995, p. 257. 68 O processo de organização e catalogação do acervo do Arquivo Judicial da cidade de Pitangui iniciou-se por uma equipe coordenada pelo Prof. Dr. Francisco Eduardo de Andrade. Atualmente, o arquivo está sob direção do Prof. Dr. Leandro Pena Catão (FUNEDI-UEMG, Divinópolis).
41
as autoridades das Minas, quanto por alvarás, ordens, cartas patentes, cartas de
sesmarias, bandos e instruções, dentre outras. Da mesma forma, nos foi também de
grande valia as coleções de documentos impressos, sobretudo as séries Anais da
Biblioteca Nacional, Documentos Históricos e Documentos Interessantes para a
história e costumes de São Paulo, embora as referências acerca de Pitangui também não
fossem muitas. Outras fontes complementares que versavam sobre os primeiros anos de
ocupação das Minas também foram, na medida do possível, utilizadas, como as
memórias, crônicas, informações e notícias, além dos importantes e interessantes
documentos compilados no Códice Costa Matoso. Fontes cartográficas também foram
utilizadas na medida em que contribuíam para elucidar as questões propostas.69
No que se refere ao tratamento metodológico dado às fontes e de acordo com
nossas orientações teóricas até aqui discutidas, uma de nossas grandes preocupações foi
a de situar os documentos – principalmente os de natureza oficial, mas não
exclusivamente – no próprio debate político e social no qual os mesmos estavam
inseridos. Numa leitura “a contrapelo” das fontes, como geralmente se diz em História,
tal estratégia tornou-se uma necessidade imperiosa, pois recusávamos a enquadrar os
eventos ocorridos em Pitangui no período recortado sem problematizar a “ótica” das
autoridades presente nos documentos, sobretudo os de caráter oficial.
No mais, como nos ensina Roger Chartier, dentre outros, o historiador precisa
sempre abordar os vestígios do passado como representações, assim como estar atento
para as próprias práticas que constroem tais objetos ou o seu referente externo. Em suas
palavras, “o texto, literário ou documental, não pode nunca anular-se como texto, ou
seja, como um sistema construído consoante categorias, esquemas de percepção e de
69 Todas as referências das fontes utilizadas neste trabalho estão especificadas na seção intitulada “Fontes e Bibliografia” ao final do texto.
42
apreciação, regras de funcionamento que remetem para as suas próprias condições de
produção”.70
Desta feita, o presente trabalho foi organizado em três capítulos. O primeiro
deles – “Paulistas no sertão das Gerais: os primeiros anos de povoamento de Pitangui” –
como o próprio título sugere, aborda os anos iniciais de estabelecimento efetivo da
localidade, assim como os primeiros conflitos ocorridos na região nos períodos de
governança de D. Antônio de Albuquerque (1709-1713) e de D. Brás Baltazar da
Silveira (1713-1717). Nessa medida, em linhas gerais o que se pretendeu demonstrar é o
quão os paulistas já conheciam o “sertão” das Minas nos primeiros anos da exploração
aurífera; como os grupos de poderes privados foram se estruturando em Pitangui e como
os conflitos e contendas envolvendo os moradores da região e as autoridades régias logo
se fizeram presentes. Nesse ponto, foi interessante observar as próprias estratégias
adotadas pelos sucessivos governadores da Capitania no trato com os paulistas situados
no local, pois, num primeiro momento, as atitudes foram no sentido de se buscar a
contemporização dos litígios, ao passo que nos anos sucessivos a situação tornou-se
irremediavelmente conflituosa.
O capítulo de número dois – “As Minas em chamas: o governo de D. Pedro
Miguel de Almeida e Portugal, Conde de Assumar” – procurou dar conta de uma das
épocas mais conturbadas da história mineira, reconstruindo a trama dos conflitos mais
graves ocorridos em Pitangui entre os anos de 1717 e 1720. Dessa forma, pretendeu-se
analisar tais eventos em consonância com este próprio contexto. Sem sombra de dúvida,
D. Pedro de Almeida foi um dos personagens mais instigantes dos setecentos mineiro.
Seu período de governo, portanto, mereceu um tratamento mais detalhado, ao passo que
representou também um marco no recrudescimento das tensões e conflitos em diversas
70 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1998, citação à página 63.
43
regiões das Minas, das quais Pitangui fora um exemplo destacado. De fato, de
negociador nos anos iniciais, Assumar transformou-se num ferrenho perseguidor dos
“paulistas” – sobretudo dos “taubateanos”: apropriando-se do “discurso emboaba”
acerca dos homens do Planalto, conforme veremos, não raro o Conde direcionou aos
mesmos adjetivos nada decorosos.
O terceiro e último capítulo – “Imaginário e práticas políticas: o repertório de
ação paulista” – é, por assim dizer, o âmago da dissertação. Nele estão presentes as
principais questões e discussões que orientaram toda a construção de nosso argumento.
Nessa medida e numa perspectiva de longa duração, procuramos abordar nesta parte do
trabalho o universo mais íntimo das idéias e das práticas políticas dos homens de São
Paulo, fruto de uma tradição de negociações bastante peculiares envolvendo tais
elementos e os prepostos da Coroa portuguesa na América, tradição esta que remonta
inclusive ao século XVII. Dessa forma, veremos como a noção de “direito de conquista”
– mesmo não sendo uma criação original dos paulistas – foi levada a extremo por esses
homens, sobretudo no contexto da revelação dos descobrimentos auríferos das Minas.
Não por acaso, tal situação causou intensos debates entre as autoridades
coloniais e entre os próprios conselheiros do Rei acerca do que fazer com os paulistas.
Nessa medida, torna-se patente como a própria imagem dos sertanistas de São Paulo
oscilou ao longo dos setecentos aos olhos de seus contemporâneos: ora vistos como
leais vassalos que haviam prestado importantíssimos serviços a Sua Majestade, sendo,
portanto, merecedores das mais diversas recompensas; ora tidos como “feros” e
“bárbaros”, verdadeiros inimigos internos cujo modo de vida era a antítese da
civilização então apregoada para o Novo Mundo, tanto pela Igreja católica quanto pela
Coroa portuguesa.
44
Por fim, como último esclarecimento de ordem formal vale destacar que no
trabalho de transcrição paleográfica optamos por efetuar a modernização da grafia dos
documentos coevos, ao passo que a pontuação foi também transposta para a norma
moderna da língua sempre que necessário à melhor compreensão dos mesmos.
45
CAPÍTULO 1 – PAULISTAS NO “SERTÃO” DAS GERAIS: OS PRIMEIROS
ANOS DE POVOAMENTO DE PITANGUI
1.1 – Andanças paulistas pelo interior das Minas e o “descobrimento” de Pitangui
Como se sabe, a exploração do território das Minas iniciou-se muito antes da
efetiva revelação dos primeiros descobertos de ouro da região, o que aconteceu por
volta da última década do século XVII. De fato, desde tempos imemoriais, antigas
lendas – tanto as de origem européia quanto as decorrentes das próprias tradições
indígenas – entrecruzaram-se na América portuguesa, criando enormes expectativas nos
europeus acerca da provável existência de fabulosas riquezas naquelas terras, sobretudo
em prata e esmeraldas.71 Na realidade, como parte herdada do próprio imaginário cristão
medieval, não raro o Novo Mundo foi alçado à categoria de verdadeiro “Paraíso
Terrestre”, seja por sua natureza exuberante e grandiosa aos olhos do conquistador
europeu, seja pela própria expectativa de se encontrarem enormes riquezas escondidas
em seu subsolo.72
Nessa perspectiva, crenças como a da “Ilha Brasil” – segundo a qual o novo
território descoberto possuiria um formato de ilha, resultado da junção das bacias dos
Rios Amazonas e da Prata – foram muito difundidas. De acordo com essa lenda, no
interior de tal ilha estaria conservado o “paraíso terreal”, cercado por barreiras naturais,
lagoas cristalinas, sumidouros, montanhas e serras intransponíveis, além dos animais
ferozes. Em suma, um lugar de extrema beleza, encantos e riquezas minerais. Por outro
71 BOXER, Charles Ralph. A idade de ouro do Brasil. Dores de crescimento de uma sociedade colonial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 57 e ss. 72 Interessantes construções teóricas ainda no século XVIII acerca da América portuguesa – sobretudo a região das Minas – como a materialização do “Paraíso Terreal” podem ser encontradas nas obras do médico naturalista José Rodrigues Abreu, assim como nos depoimentos dados por Pedro de Rates Henequim quando da sua prisão pelo Tribunal do Santo Ofício português. A este respeito ver, respectivamente, FURTADO, Júnia Ferreira. José Rodrigues Abreu e a geografia imaginária emboaba da conquista do ouro. In: BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia Amaral (orgs). Modos de governar: idéias e práticas políticas no Império português (séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005. pp. 277-295 e ROMEIRO. Um visionário na Corte de D. João V, 2001.
46
lado, a existência de rios caudalosos, de uma fauna e flora até então em grande parte
desconhecidas por aqueles homens, assim como a suposta “proximidade” do famoso
Cerro de Potosí peruano em muito renovavam a esperança dos mesmos de alcançarem
os tão almejados minerais; esperança esta que já se fazia presente desde os primeiros
contatos entre os europeus e os ameríndios no alvorecer do século XVI.
De fato, desde os primórdios da colonização surgiu mesmo uma grande
expectativa entre os exploradores lusitanos acerca da existência de tribos milenares no
interior do território que – assim como os Incas, Maias e Astecas das terras sob domínio
de Castela – poderiam possuir grandes riquezas minerais acumuladas. Neste ponto,
conforme ficava evidente, o grande interesse dos lusitanos era saber se tais supostas
tribos conheciam os metais e as pedras preciosas, o que favoreceria enormemente a
faina colonizadora dos portugueses no Novo Mundo.
Assim, compreende-se o universo mental no qual se propagaram as lendas que
por sua vez conheceriam duradoura fortuna no imaginário social da época, como a da
“Lagoa Dourada”, da “Serra das Esmeraldas” ou “Serra Resplandecente” –
respectivamente conhecidas como Vupabuçu e Sabarabuçu (sendo esta última uma
corruptela de Itaberabuçu, conforme defendem alguns autores) na língua indígena. Tais
construções mitológicas, além de perdurarem por longos anos, ultrapassando mesmo os
limites do século XVIII, impulsionariam diversas expedições ao interior da América,
fazendo com que homens não raro empregassem todas as suas forças e riquezas no
enfrentamento das agruras do sertão em busca do tão sonhado Eldorado.73
No entanto, ao contrário do que geralmente se imagina, a rápida circulação da
notícia da descoberta dos metais no Novo Mundo a partir da segunda metade da década
73 A este respeito, ver, dentre outros, os estudos de HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense: Publifolha, 2000; KOK, Maria da Glória Porto. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2004.
47
de 1690 não encontrou grandes entusiastas entre os administradores e oficiais régios,
tanto em Portugal quanto na própria América. De fato, no início dos setecentos a
revelação dos depósitos auríferos no interior do território colonial americano alcançara
os lusitanos de surpresa: naqueles tempos, a situação política, social e econômica do
reino era extremamente desfavorável, o que por sinal colocava em risco todas as
possessões portuguesas de além-mar. Às voltas com as guerras européias incitadas pela
disputa pelo trono espanhol (1701-1713), o grande temor entre os portugueses era que a
notícia dos novos achados logo se espalhasse pelo Velho Mundo, atraindo a cobiça das
nações inimigas de Portugal, sobretudo franceses e holandeses, notadamente superiores
tanto no plano militar terrestre quanto naval.74
Naquele contexto, a Coroa portuguesa não dispunha de recursos financeiros
suficientes para garantir a proteção dos principais portos americanos, o que os deixava
amplamente susceptíveis a ataques de corsários e piratas estrangeiros. Da mesma forma,
o ouro encontrado nos primeiros tempos era apenas o de aluvião, retirado no leito dos
rios e nas encostas das montanhas, o que não justificava pesados investimentos na
proteção militar do território, dadas as próprias incertezas acerca do real rendimento
daquelas jazidas. Em suma, pela circulação da notícia das supostas riquezas
encontradas, colocava-se em risco o domínio lusitano sobre vastas terras.
Por conseguinte, havia ainda os questionamentos de cunho moral e religioso
acerca da verdadeira “natureza” dos trabalhos na mineração, assim como dos prováveis
benefícios e inconvenientes advindos desta atividade. Nesse sentido, um
questionamento comum entre os homens da época era o seguinte: se Deus, por sua
divina sabedoria, havia “escondido” os metais e as pedras preciosas nos locais mais
inacessíveis, era justamente para os mesmos não serem encontrados e explorados pelos
74 Acerca deste contexto, consultar, sobretudo, ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, pp. 35 e ss.
48
homens. Nesta perspectiva, era corrente inclusive a idéia de que o enriquecimento
trazido pela mineração era falso e amaldiçoado, uma vez que não era fruto do trabalho
humano, mas sim dos caprichos da “fortuna”. Conseqüentemente, ficariam explicadas
as inúmeras contendas, fomes, mortes e misérias sofridas pelos sertanistas, uma vez que
movidos principalmente pela ganância e pela cobiça, estavam os mesmos a contrariar a
ordem natural das coisas.75
Conforme se sabe, entre os ilustres defensores de tal argumento constava o padre
jesuíta italiano André João Antonil (Giovanni Andreoni ou João Antônio Andreoni)
segundo o qual as verdadeiras riquezas do Brasil estavam no cultivo da cana-de-açúcar
e nas lavouras de fumo. Em sua opinião, a corrida às Minas do Ouro, além de provocar
a aglomeração de pessoas indesejáveis no território, como aventureiros, criminosos e
degenerados de toda espécie, ainda causava o grande desserviço de desestruturar a
economia açucareira e o cultivo do fumo no nordeste, sobretudo pela maciça demanda
de escravos africanos para trabalhar na extração dos metais. Assim, conforme advogava
Antonil, a mineração, ao invés de beneficiar a Coroa portuguesa, em pouco tempo
levaria a Colônia à sua “última ruína”.76
Tais questões à parte, contudo, vale ressaltar que a efetiva revelação dos
descobertos auríferos das Minas foi fruto de um longo e penoso processo de exploração
do território, processo este inclusive iniciado em épocas bem anteriores. Conforme já foi
75 Dentre outros trabalhos, ver SOUZA. Desclassificados do ouro, p. 63 e ss. 76 Em uma passagem sugestiva, afirmava Antonil que “O irem também às Minas os melhores gêneros de tudo o que se pode desejar foi causa que crescessem de tal sorte os preços de tudo o que se vende, que os senhores de engenho e os lavradores se achem grandemente empenhados, e que por falta de negros não possam tratar do açúcar nem do tabaco como faziam folgadamente nos tempos passados que eram as verdadeiras Minas do Brasil e de Portugal. E o pior é que a maior parte do ouro que se tira das minas passa em pó e em moedas para os reinos estranhos, e a menor é a que fica em Portugal e nas cidades do Brasil, salvo o que se gasta em cordões, arrecadas e outros brincos, dos quais se vêem hoje carregadas as mulatas de mau viver e as negras muito mais do que as senhoras. Nem há pessoa prudente que não confesse haver Deus permitido que se descubra nas Minas tanto ouro para castigar com ele ao Brasil, como está castigando, no mesmo tempo tão abundante de guerras, aos Europeus com o ferro”. Cf. ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e Minas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [s.d.], p. 304.
49
notadamente debatido pelos antigos historiadores do fenômeno do bandeirantismo –
com destaque para os estudos de Orville Derby, Afonso de Taunay, Alfredo Ellis
Júnior, Basílio de Magalhães e Salomão de Vasconcelos,77 dentre tantos outros – as
primeiras entradas ao território da futura Minas Gerais situaram-se em sua maior parte
entre a segunda metade do século XVI e inícios do XVII.78
Tais empreendimentos, no entanto, apesar de bastante diversificados no tempo e
no espaço – assim como no próprio grau de organização dos grupos de entrantes –
foram comumente marcados pelo fracasso na busca das tão sonhadas esmeraldas e
minas de prata, mesmo a despeito do pioneirismo de tais expedições.79 Assim, após
anos a fio de peregrinações por regiões insalubres, sob constantes ameaças de ataques
do gentio bravio da terra e de animais silvestres de toda sorte, não foram poucos os que
terminaram seus dias na mais extrema miséria, vendo naufragar o sonho de encontrar as
tão almejadas riquezas.
Contudo e a despeito do próprio fracasso destas expedições no que se refere à
descoberta dos metais e das pedras preciosas, tais empreendimentos em muito
colaboraram para um preliminar conhecimento do território, assim como para o
77 A produção historiográfica destes autores acerca do tema das “entradas e bandeiras” foi particularmente fecunda, sobretudo nas três primeiras décadas do século XX. Uma revisão crítica das principais obras deste período pode ser encontrada em ABUD, Kátia Maria. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições – a construção de um símbolo paulista: o bandeirante. Tese de Doutorado, Departamento de História, FFLCH – USP, 1985. 78 De fato, após a primeira expedição ao interior da América portuguesa comandada por Martim Afonso de Souza em 1531, a mais consistente entrada ao sertão foi a de Francisco Bruza Spinoza, empreendimento este organizado sob ordens do primeiro Governador-Geral do Brasil, Tomé de Souza (1549-1553). Conforme nos explica Friedrich Renger, dentre outros, esta expedição percorreu grande parte do norte da Capitania entre os anos de 1554 e 1555, sobretudo no que se refere às faixas de terras entrecortadas pelo Rio de São Francisco. Por conseguinte, a esta expedição logo se seguiram outras, como as comandadas por Martim de Carvalho (1567), Sebastião Fernandes Tourinho (1573), Antônio Dias Adorno (1574) e Gabriel Soares de Souza, sendo estas apenas as mais conhecidas entre as que ocorreram no período. A este respeito, ver RENGER, Friedrich E. Primórdios da cartografia das Minas Gerais (1585-1735): dos mitos aos fatos. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de & VILLALTA, Luiz Carlos (orgs.). História de Minas Gerais. As minas setecentistas, v. 1. Belo Horizonte: Companhia do Tempo/ Autêntica, 2007, pp. 103-126 e DERBY, Orville A. Os primeiros descobrimentos de ouro em Minas Gerais. RIHGSP, São Paulo, v. 5, 1901, pp. 240-278. 79 Análises destas expedições são encontradas em VASCONCELOS, Salomão de. Bandeirismo. Belo Horizonte: Biblioteca Mineira de Cultura, 1944, pp. 25-30 e em DERBY, Orville A. Os primeiros descobrimentos de ouro em Minas Gerais. RIHGSP, São Paulo, v. 5, 1901, pp. 240-278.
50
estabelecimento dos primeiros núcleos populacionais, estes ainda que bastante
precários. Neste ponto, vale destacar o próprio papel desempenhado pelas expedições
paulistas contratadas para combater os negros quilombolas e os índios bravios do
nordeste do Brasil a partir de meados dos seiscentos, com tais homens sendo impelidos
a percorrerem grandes extensões de terras até então pouco conhecidas e exploradas.80
De fato, conforme recentes estudos têm demonstrado, muitos ex-combatentes
das guerras tanto contra os negros de Palmares, quanto contra os índios “bárbaros” do
Açu e Recôncavo baiano tornaram-se posteriormente grandes proprietários de terras e
fazendas, sobretudo nas regiões banhadas pelos rios São Francisco e Verde Grande.81
Como se sabe, as características climáticas da região eram extremamente favoráveis à
forma de criação de gado bovino vigente à época, com a grande disponibilidade de
terras para a constituição das pastagens. Da mesma forma, situada em uma área
estrategicamente posicionada entre a futura Capitania de Minas e o sertão da Bahia,
desde cedo a localidade se tornou um ponto comercial altamente lucrativo, dado o
grande trânsito de mercadores e comboieiros pela região.82
No que tange à área que posteriormente daria lugar à Vila de Pitangui, por seu
turno, não se sabe ao certo a data da passagem dos primeiros sertanistas pelo local. A
80 O melhor estudo acerca das expedições de extermínio dos índios tapuias do nordeste é o realizado por PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil (1650-1720). São Paulo: Hucitec, 2002. 81 Cf. PUNTONI. A Guerra dos bárbaros, 2002 e SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco e do Verde Grande. Dissertação de mestrado, Departamento de História, FAFICH – UFMG, 2004. A este respeito, destaca ainda Márcio Roberto Alves dos Santos que, em sua maior parte, foram os paulistas e seus descendentes diretos que inclusive promoveram a povoação e dinamização econômica de extensas faixas de terras da região do São Francisco, sobretudo a partir das fazendas criadoras de gado fundadas por Matias Cardoso e Antônio Gonçalves Figueira. Por conseguinte, deste processo resultaram as primeiras povoações permanentes naquelas porções de terra. 82 De acordo com as análises de Márcio Roberto Alves dos Santos, durante as três primeiras décadas do século XVIII, o caminho da Bahia ou “do sertão”, como era comumente conhecido, alcançara os maiores preços na arrematação dos contratos, pois fazia parte de uma rota comercial extremamente importante, ligando várias regiões da colônia e abastecendo-as de escravos africanos, gado vacum, couro e sal. Em realidade, nos anos posteriores o controle fiscal sobre os caminhos que ligavam as Minas ao interior baiano tornar-se-ia uma das grandes preocupações dos sucessivos governadores da Capitania da Repartição Sul, dado o intenso volume de comércio ilegal praticado nas imediações. Cf. SANTOS. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco e do Verde Grande, p. 154 e ss. e ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 61-68.
51
circulação da notícia dos primeiros descobertos auríferos realizados em Pitangui remete
ao ano de 1709, embora haja fortes indícios de que a região já fosse conhecida por
diversos bandeirantes em épocas bem anteriores. Geograficamente falando, a região
situa-se entre os rios Pará e Paraopeba, ambos afluentes do São Francisco, território,
como se sabe, há muito percorrido por viajantes. Autores como Orville Derby, Basílio
de Magalhães e Alfredo Ellis Júnior, todos baseados sobretudo no roteiro deixado pelo
holandês Guilherme Glimer, afirmam que tais terras possivelmente já haviam sido
atingidas no ano de 1601 pela bandeira chefiada por André de Leão, embora na ocasião
tal empreendimento não tivesse encontrado riquezas auríferas.83
Segundo Basílio de Magalhães, tal bandeira [a de André de Leão] “foi ter às
cabeceiras do São Francisco, identificando como o Sabarabuçu uma serra que é
provavelmente a de Pitangui”. Ellis Júnior, por sua vez, relata que “teria tomado essa
‘entrada’ o rumo norte do Paraíba, cujas águas teriam acompanhado, penetrando pelo
Embaú nas Gerais, aonde afinal chegaria ao curso do São Francisco, estacando em
Pitangui, para depois voltar atrás na caminhada e chegar a São Paulo com nove meses
de ausência”.84 Por conseguinte, Orville Derby assevera que “sabe-se pelo roteiro de
Glimer que havia um caminho para o São Francisco em rumo de noroeste e
provavelmente pelo espigão entre os rios Pará e Paraopeba, e que este cruzava um outro
‘largo e trilhado’ que devia ir para o norte”.85
No entanto, sabemos o quanto a identificação de tais roteiros pode conter erros e
imprecisões, trazendo dúvidas ao pesquisador. Deste modo, um documento bastante
83 Tal bandeira foi organizada por D. Francisco de Souza, Governador-Geral do Brasil entre os anos de 1591 e 1601. De acordo com Márcio Santos, D. Francisco ainda subsidiaria a expedição de Nicolau Barreto (1602-1604), ambas com a pretensão de descobrir os metais e as pedras preciosas. Cf. SANTOS. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco e do Verde Grande, pp. 58-62. 84 Respectivamente, MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do Brasil colonial. 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935, p. 87 e ELLIS JÚNIOR, Alfredo. O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano. 3ª ed. São Paulo: Editora Nacional, 1938, p. 76. Tais trechos foram originalmente citados por DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 07. 85 DERBY. Os primeiros descobrimentos de ouro em Minas Gerais, p. 261.
52
elucidativo acerca do possível conhecimento prévio da região de Pitangui por sertanistas
é a carta geográfica intitulada Mapa da maior parte da costa, e sertão do Brazil,
extrahido do original do Padre Cocleo, atualmente sob a guarda do Arquivo do
Exército.86 Como o próprio nome da carta geográfica sugere, trata-se de uma cópia
coeva. Este mapa não está datado, mas de acordo com as análises correntes, seu original
foi produzido entre os anos de 1699 e 1702.87
Segundo afirma Friedrich Renger, o original do mapa é certamente posterior a
1699, pois nele constam as Minas achadas em 1699, junto ao Rio Paraigpeba
(Paraopeba), ao passo que também estão representados o Caminho Novo, inicialmente
aberto por Garcia Rodrigues Pais por volta do ano de 1700 e o caminho de Parati
(Caminho Velho). Por conseguinte, argumenta que também deve ser anterior a 1702,
pois em carta datada de 29 de julho de 1704 ao rei de Portugal, D. Rodrigo da Costa
(governador da Bahia entre os anos de 1702 e 1708) mencionava que seu antecessor, D.
João de Lencastre (1690-1702), possuía tal mapa.88
Seu autor, o padre jesuíta francês Jacobo Cocleo (Jaques Cocle), havia
desembarcado no Brasil no ano de 1660 para missionar no Ceará: na década de 1680,
tornar-se-ia reitor do colégio do Rio de Janeiro; posteriormente, passou à Bahia, onde
faleceu em 1710. De acordo com as análises de Renger, o mapa acima referido cobre
grande parte do interior do Brasil, com destaque para a bacia do Rio de São Francisco
que inclusive ocupa a parte central do documento. Suas dimensões são de 225 x 120 cm
86 Mapa da maior parte da costa, e sertão do Brazil, extrahido do original do Padre Cocleo. ca. 1699; 224x120,5cm; Manuscrito e aquarela. AHEx (n 23-24. 2798; CEH 1530). 87 Análises desse mapa podem ser encontradas em: COSTA, Antonio Gilberto. Cartografia da conquista do território das Minas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004; COSTA, Antônio Gilberto; RENGER, Friedrich Ewald; FURTADO, Júnia Ferreira; SOUZA, Tatiana Aparecida Rodrigues de. Cartografia das Minas Gerais: da capitania à província. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002 e RENGER. Primórdios da cartografia das Minas Gerais (1585-1735): dos mitos aos fatos. In: RESENDE & VILLALTA (orgs.). História de Minas Gerais, pp. 103-126. 88 RENGER. Primórdios da cartografia das Minas Gerais (1585-1735): dos mitos aos fatos. In: RESENDE & VILLALTA (orgs.). História de Minas Gerais, p. 111. Cf. CARTA sobre quais são as Capitanias sujeitas à jurisdição e demarcação deste Governo-Geral, e as que pertencem ao do Rio de Janeiro. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 34, p. 255-257, 1936.
53
e sua escala é de aproximadamente 1: 1.480.000. Os nomes dos rios e dos montes foram
mantidos na língua nativa, ao passo que também estão representados algumas fazendas
e caminhos que cortavam toda a região.
Segundo as palavras de Renger, “as informações geográficas contidas no mapa
do padre Cocleo representam uma síntese dos conhecimentos acumulados pelas entradas
e bandeiras durante os séculos XVI e XVII, assinalando ainda muitas das fabulosas
serras, tais como Itapuca, Pedra q’estara [sic], Iuituberaba, Mte. q’ resplandece [ou
ainda] Morro q’ vai ao Sol, junto ao qual aparece uma lagoa sem nome (será a Lagoa do
Vapabussu?)”.89 Ponto de maior interessante, contudo, é que nesta carta geográfica já
consta um rio de nome Pitanguy situado em pleno sertão da América portuguesa,
posteriormente denominado rio Pará.90 Pela manutenção da nomenclatura do rio na
língua indígena, deduz-se que o mesmo foi assim batizado por paulistas, situação, aliás,
muito corrente à época.91
Na verdade, segundo determinada tradição, o nome “Pitangui” teria sido dado à
área pelos primeiros desbravadores paulistas que passaram pelo território, designação
que significaria “rio das crianças” ou “criança pequena” na língua tupi. De acordo com
essa mesma tradição, o nome derivaria do fato de que quando tais paulistas chegaram à
região, avistaram mulheres e crianças indígenas que se banhavam em um rio;
apavoradas ao perceberem os invasores, tais mulheres teriam saído correndo pelos
matos, deixando as crianças para trás.92 De toda forma e mesmo a despeito do
conhecimento prévio da região por parte dos sertanistas, parece certa a proposição de
89 RENGER. Primórdios da cartografia das Minas Gerais (1585-1735): dos mitos aos fatos. In: RESENDE & VILLALTA (orgs.). História de Minas Gerais, pp. 112-114. Citação à página 113. 90 Na verdade, durante algum tempo houve certa confusão entre os antigos historiadores acerca de qual a localização exata do Rio Pitanguy: se seria o Rio Pará ou se seria o Rio São João, nas proximidades da Vila. Outras representações, contudo, davam conta da existência dos três rios: Pitanguy, Pará e São João. 91 Conforme se sabe, na maior parte das vezes a língua utilizada nas expedições de São Paulo era a nativa ou a língua brasílica. Cf. HOLANDA. Caminhos e fronteiras; KOK. O sertão itinerante, p. 67-68, dentre outros estudos. 92 SOARES, Vicente. A história de Pitangui. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1972, pp. 15-17.
54
que o povoamento efetivo da área apenas ganhou força a partir de 1709, quando
circulou a notícia dos primeiros achados auríferos na localidade. No entanto, a primazia
destes descobrimentos também está pautada por divergências entre diversos autores.
Segundo Diogo de Vasconcelos, a descoberta das minas de Pitangui foi fruto de
uma bandeira chefiada por Bartolomeu Bueno da Siqueira, que partira de Taubaté no
ano de 1694. De acordo com este autor, associado a Carlos Pedroso da Silveira, tal
expedição esteve à procura da Casa da Casca, conforme o roteiro que lhe entregara
Antônio Rodrigues Arzão. No entanto, descoberto o ouro de Itaverava, a bandeira teria
se dividido: Bartolomeu Bueno teria seguido viagem no rumo noroeste, onde, a partir do
arraial de Santana tivera notícia de um ribeiro “que fornecia aos pedaços o ouro de suas
areias; e pedaços ele os viu em ornato das índias. Feitas as indagações, o ribeiro ficava
ao norte, quatro jornadas além do arraial. (...) Posto em marcha, guiado pelos índios de
Sant’ana, quando foi se aproximando ao ribeiro, as indígenas que se banhavam
pressentiram o tropel, e, pensando serem traficantes, fugiram aterradas, deixando
algumas crianças de peito na margem. O rio tomou por isso o nome de Pitang-i, rio das
crianças (1696)”.93
Sílvio Gabriel Diniz discorda de tal versão, alegando que não há nenhum indício
de que Bartolomeu Bueno de Siqueira tenha partido do Rio das Velhas e chegado à
posterior região de Pitangui.94 Debates à parte, de fato tal bandeirante, conjuntamente
com Carlos Pedroso da Silveira, foi um dos primeiros descobridores do ouro na região
do Rio das Velhas, sobretudo em Itaverava. Deste lugar, consta inclusive que enviaram
amostras do ouro ali recolhido para o Governador da Repartição Sul, Sebastião de
Castro e Caldas (1695-1697), tendo ambos angariado como recompensa pelos serviços
prestados os cargos de guarda-mor para Carlos Pedroso e o de escrivão das minas para
93 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 155, v. 01. 94 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 10.
55
Bartolomeu Bueno.95 Entretanto, Francisco de Assis Carvalho Franco, em análise dos
inventários e testamentos dos antigos bandeirantes, revela que Bartolomeu de Siqueira
já havia falecido antes de dezembro de 1695, inviabilizando, portanto, a afirmação de
Diogo de Vasconcelos em relação à data dos acontecimentos.96
Outra interessante versão para o evento, por conseguinte, é a que consta na
Coleção das memórias arquivadas pela Câmara da Vila de Pitangui, segundo a qual os
primeiros descobrimentos de ouro da região ocorreram por volta do ano de 1709, fruto
de uma bandeira chefiada pelos paulistas Domingos Rodrigues do Prado e Bartolomeu
Bueno da Silva, o segundo Anhangüera.97 Segundo tal relato, esta bandeira teria partido
das regiões de Sabará e Caeté em demanda das minas supostamente existentes no sertão
do São Francisco. Na ocasião, o guia da expedição, já bastante velho e enfermo devido a
uma “mordedura de cobra”, era levado em uma rede, uma vez que era o único que sabia
o roteiro para tais minas. No entanto, arranchando a comitiva ao pé do rio Careru,
faleceu o guia, deixando as minas encobertas. Estando a bandeira prestes a retroceder,
por acaso descobriram no local areias auríferas, revelando-se, deste modo, as minas de
ouro da região de Pitangui.98 Assim, tal versão ficaria conhecida como “a lenda do
Velho do Careru”.
Salomão de Vasconcelos, assim como Sílvio Gabriel Diniz, reafirmam o caráter
lendário de tal versão, ao passo que este último autor defende mesmo que a descoberta
de ouro na região não foi fruto de uma bandeira.99 Segundo sua interpretação, após o
95 FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil – séculos XVI-XVII-XVIII. São Paulo: s/ed., 1953, pp. 384-385. 96 Ibidem, pp. 384-385. 97 COLEÇÃO das memórias arquivadas pela Câmara da Vila de Pitangui, e resumidas por Manuel José Pires da Silva Pontes (...). RIHGB, Rio de Janeiro, v. 6, pp. 284-291, 1844. Segundo Sílvio Gabriel Diniz, tais relatos foram compiladas pelo primeiro vereador da Câmara da Vila de Pitangui em virtude de uma ordem régia de 1782 para que se escrevessem as memórias históricas da Vila. Cf. DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 12. 98 Tal versão está também reproduzida em FRANCO. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, p. 309. 99 Cf. VASCONCELOS. Bandeirismo, p. 65 e DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 70.
56
conflito com os emboabas, alguns paulistas partiram para a região do rio Paraopeba:
descendo sua margem e “derivando para o Rio de São João, vieram descobrir e apossar-
se das minas de Pitangui”.100 Curiosamente, tal versão é análoga à presente num relato
recolhido pelo Ouvidor da Comarca de Ouro Preto Caetano da Costa Matoso, por volta
do ano de 1750. De acordo com tal documento cuja autoria não é conhecida, na
tentativa de aplacar os ânimos ainda exaltados pelas lutas armadas entre paulistas e
forasteiros no contexto da “Guerra dos Emboabas”, Antônio de Albuquerque teria
ordenado que nas Câmaras “servissem em igual número reinóis e paulistas, o que assim
se observava; porém não durou muitos anos que, como os paulistas eram poucos os que
ficaram, e ainda estes estranhavam a vizinhança daqueles, em que achavam diferentes
costumes e desconfiavam que se rissem dos seus, foram desertando, de que se descobriu
Pitangui, com tão grande fama no princípio de muito ouro que entenderam lho iam os
reinóis tomar (...)”.101
Assim, somente a partir dessa época a notícia acerca dos novos descobrimentos
de Pitangui começou a circular, não obstante as poucas informações existentes acerca da
real potencialidade das minas auríferas ali encontradas. No entanto, em pouco tempo
graves conflitos logo se fizeram notar, dando início a um período altamente conturbado
na história da região.
1.2 – Epílogo da “Guerra” dos Emboabas: os primeiros conflitos em Pitangui
Após a primeira década de experiência colonizadora no território das Minas, a
situação política, social e econômica da região configurara-se de tal forma que passou a
exigir novas atitudes por parte dos administradores e conselheiros régios no que tange
às demandas colocadas pela nova conjuntura que então se anunciava. De fato, nesta
100 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 10. 101 “Relação de um morador de Mariana e de algumas coisas mais memoráveis sucedidas”. CCM, p. 207.
57
época já estavam esvanecidas as previsões pessimistas acerca da real potencialidade
aurífera da região que tanto marcaram os discursos oficiais nos primeiros anos de
exploração dos metais. Com a descoberta das primeiras minas de beta – o que se deu
por volta de 1705, sobretudo nas regiões do Ribeirão do Carmo e Ouro Preto – as Minas
adquiriram um novo status na conjuntura política e econômica do Império ultramarino
lusitano, passando, portanto, de um lugar marginal a centro das atenções da Coroa
portuguesa.
Segundo Maria Verônica Campos, à época delineou-se mesmo um impasse para
a administração metropolitana: para melhorar a arrecadação dos impostos provenientes
da atividade mineradora era preciso aumentar o número de representantes régios na
região; mas, para mantê-los nas Minas, seriam também necessários recursos financeiros
provenientes dos próprios impostos.102 Por outro lado, conforme já apontara Carla
Anastasia, havia a consciência por parte dos agentes régios de que a incorporação eficaz
do território das Minas à órbita de domínio da Coroa portuguesa só se daria pelo
controle político-administrativo da região. Sendo o ouro equivalente universal, ou seja,
moeda, sua extração, beneficiamento e taxação deveriam, necessariamente, se coadunar
com a implantação de um rigoroso aparato de fiscalização nas Minas, ao contrário do
que ocorria no nordeste açucareiro, onde apenas o relativo controle sobre o comércio do
produto final dos engenhos garantia os lucros desejados.103 Portanto, a criação do
governo civil e militar para a região tornava-se uma necessidade urgente e
imprescindível, sem o qual os rendimentos prometidos não passariam de uma miragem.
Da mesma maneira, outras questões fulcrais ainda permaneciam latentes nas
Minas. Como exemplo destacado, as disputas intestinas entre paulistas e forasteiros que
muito marcaram tal década estavam longe de se esgotar no desfecho do levante
102 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 105 e ss. 103 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 11.
58
emboaba, espalhando um rastro de dificuldades com as quais os sucessivos
governadores da Capitania tiveram que se haver. Neste ponto, um dos grandes mitos
construídos pela historiografia mineira – a imagem do governador D. Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho (1709-1713) como o “pacificador” das Minas –
merece ser revisitado, uma vez que os conflitos evidenciados no contexto do levante
emboaba ainda repercutiriam por longos anos, conforme recentes pesquisas têm
demonstrado com bastante solidez.104
Na verdade, de uma forma geral durante muito tempo a historiografia
supervalorizou o fato de Albuquerque ter criado as primeiras municipalidades em
Minas, como se a medida então adotada – a elevação dos antigos arraiais em Vilas – por
si só, tivesse garantido o eficaz controle político-administrativo da metrópole sobre a
região mineradora.105 De fato, a ação de Albuquerque, inclusive dando seqüência às
medidas já esboçadas por seus antecessores, em muito contribuiu para forjar uma
primeira feição administrativa para o território; contudo, a tão almejada previsibilidade
da ordem social para as Minas estava longe de se tornar uma realidade, dadas as
próprias dificuldades enfrentadas pelos representantes régios no trato com as redes
privadas de poderes há muito já estabelecidas na região.
Por outro lado, conforme tem sido freqüentemente debatido nos últimos anos, os
principais cargos criados nos Senados das Câmaras das Vilas não raro se tornaram
valiosos instrumentos nas mãos dos próprios poderosos locais, surtindo um efeito
inverso em relação às pretensões iniciais da Coroa. Nesta medida, mais um impasse de 104 A este respeito, ver os estudos de ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008 e CAMPOS. Governo de mineiros, sobretudo as páginas 120-130. 105 Sem dúvida, um dos estudos mais influentes nesse sentido foi o de Raymundo Faoro, sobretudo no capítulo 05 – “A obra de centralização colonial” – de seu clássico Os donos do poder. Segundo este autor, a criação das vilas fora um “instrumento eficaz e vigoroso” no combate aos excessos locais, além de possibilitar a arrecadação de tributos e rendas. Assim, sua organização administrativa fora suficiente para conter as insubordinações e os abusos dos poderosos locais. O pelourinho exerceria, dessa forma, grande poder simbólico: mesmo nos confins do sertão, “o Rei estava presente”. Cf. FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Editora Globo, 1976, vol. 1, p. 147 e ss.
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difícil solução se formava: não estabelecer um aparato administrativo para reger o vasto
território das Minas era disponibilizar vácuos de poder que logo seriam incorporados
aos “territórios de mando” dos potentados locais; por sua vez, criar cargos a serem
preenchidos pelas elites de cada Vila era o mesmo que possibilitar a tais homens a
própria institucionalização de seus poderes particulares.106 Neste ponto em específico, é
Carla Anastasia quem defende inclusive a tese de que a “autonomização” da “burocracia
colonial” tornou-se uma prática comum à época, constituindo o que chamou de “perigos
imprevisíveis”; os perigos previsíveis seriam os atos violentos cotidianamente
praticados por escravos, forros, mestiços e brancos pobres.107
De toda forma, evidencia-se que embora as autoridades metropolitanas
buscassem fincar seu domínio com as elites locais através da concretização de alianças,
em última instância a Coroa não dispunha de expedientes realmente eficazes para o
controle daqueles que ocupavam os cargos diretivos na estrutura administrativa então
implantada na Colônia, caracterizando, portanto, um contexto de incertezas.108 Ao fazer
tal afirmação, contudo, não estamos aqui a defender o caráter inadaptado, caótico e
ineficaz do Estado português instalado em terras americanas, tese inclusive que teve
como seu maior expoente as análises veiculadas por Caio Prado Júnior em sua obra
106 A este respeito, ver o interessante artigo de SILVEIRA, Marco Antônio da. Guerra de usurpação, guerra de guerrilhas – Conquista e soberania nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 25, pp. 123-143, jul. 2001. Ainda sobre este aspecto e conforme apontam os próprios estudos de Cláudia Damasceno Fonseca, é interessante observar que no período compreendido entre os anos de 1730 e 1789 não houve a fundação de mais nenhuma Vila na Capitania, mesmo a despeito das solicitações dos moradores de diversos arraiais mineiros. De acordo com as palavras de Damasceno, “a correspondência oficial que circulou entre Minas e Lisboa indica que as rebeliões fiscais e a insubordinação geral da população levaram os governadores a considerar que as Vilas – isto é, as Câmaras – eram mais nocivas do que úteis aos interesses reais, e que, portanto, não valia a pena multiplicá-las”. Cf. FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos: a concessão de títulos de vila e cidade na capitania de Minas Gerais. Varia História, Belo Horizonte, n. 29, pp. 39-51, jan. 2003. Citação à página 42. 107 ANASTASIA. A geografia do crime, pp. 15-18. 108 Para análises mais abrangentes acerca do universo político, social e cultural das Minas do século XVIII, ver os estudos de SILVEIRA, Marco Antônio. O universo do indistinto – Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec, 1997, e Fama pública – poder e costume nas Minas setecentista. Tese de doutorado, Departamento de História, FFLCH-USP, 2000.
60
Formação do Brasil contemporâneo.109 Conforme diversos estudos apontaram, é
preciso analisar o funcionamento do aparato administrativo da época do Antigo Regime
em sintonia com seus próprios determinantes e referenciais, sob pena de se cometerem
grosseiros anacronismos.110
Por outro lado, cabe ressaltar ainda que também não endossamos algumas
recentes interpretações historiográficas que, sem maiores restrições, têm apregoado a
“funcionalidade” de mecanismos informais de poder pautados nas “redes clientelares” e
na chamada “economia do dom” como fator de garantia da governabilidade do império
ultramarino lusitano como um todo.111 Conforme destaca Laura de Mello e Souza,
dentre outros autores, tais estudos, ao supervalorizar as negociações e “trocas de
favores” entre vassalos e soberano, não raro incorreram no equívoco de subestimar os
conflitos inerentes àquela sociedade, ao passo que igualmente transformaram aquilo que
era “teoria e estratégia política” em “realidade histórica”.112
Por conseguinte e voltando às Minas em sua primeira década de existência, se D.
Antônio de Albuquerque alcançara relativo sucesso em suas negociações com Manuel
Nunes Viana e seus homens no contexto do levante emboaba, dissuadindo-os inclusive
a deixarem temporariamente os focos principais do conflito, o mesmo não se pode dizer
acerca das relações estabelecidas entre tal governador e os paulistas. Nesse aspecto, são
elucidativas as versões que dão conta do fatídico encontro entre tal governador e as
109 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1996. 110 A este respeito, ver as análises desenvolvidas por FURTADO. Homens de negócio, 2006. 111 Nesse ponto, fazemos referência direta às análises presentes em FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima. Uma leitura do Brasil colonial: bases da materialidade e da governabilidade no Império. Penélope, Lisboa, n. 23, pp. 67-88, 2000; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 285-315. Sobre o conceito de “economia do dom”, ver o excelente artigo XAVIER, Ângela Barreto & HESPANHA, António Manuel. As redes clientelares. In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal (O Antigo Regime). Lisboa: Editorial Estampa, 1993. v.4. pp. 381-393. 112 Cf. SOUZA. O sol e a sombra, 2006, sobretudo “Parte I – Enquadramentos: 1. Política e administração colonial: problemas e perspectivas”, pp. 27-78. .
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tropas paulistas chefiadas por Amador Bueno da Veiga em outubro de 1709, nas
proximidades da Vila de Guaratinguetá.113
Na ocasião, quando o conflito armado com os forasteiros ainda vicejava nas
mentes e recrudesciam-se os ódios mútuos, os paulistas organizaram uma tropa com
cerca de “dois mil homens pretos, índios da terra, mamelucos e muitos poucos brancos
com seus capitães e oficiais”, para darem um derradeiro assalto à região do Rio das
Mortes, então sob domínio dos emboabas. Logo tal notícia circulou entre os moradores
e Albuquerque se apressou ao encontro dos paulistas, pretendendo convencê-los a não
retomarem o conflito armado.
Contudo, sua missão fracassou e Albuquerque teve que retornar às pressas ao
Rio de Janeiro, inclusive bastante enfermo devido aos achaques contraídos em sua
estada nas Minas. Segundo um relato anônimo presente no Códice Costa Matoso,
consta inclusive que os principais comandantes das tropas paulistas teriam bradado
diante do governador a seguinte frase na língua indígena: “Mandemos matar este puto
emboaba!” Sendo um conhecedor da “língua da terra” devido à sua própria experiência
anterior como governador do Grão-Pará (1685-1690) e Maranhão (1690-1701),
Albuquerque teria logo se retirado, temendo tanto por sua vida quanto pela de sua
pequena comitiva.114
De acordo com as análises de Adriana Romeiro acerca destes eventos, na
ocasião os paulistas não chegaram a contestar a autoridade do governador sobre as
Minas, pois haviam inclusive insistido para que o mesmo retornasse com eles à região e
efetuasse a punição dos “crimes” cometidos pelos emboabas. Entretanto, a forma como
Albuquerque conduziu o caso despertou a ira dos paulistas que, como conquistadores da
113 Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, pp. 299-302. 114 “Relação do princípio descoberto destas Minas Gerais e os sucessos de algumas coisas mais memoráveis que sucederam de seu princípio até o tempo que as veio governar o Excelentíssimo Senhor D. Brás Baltazar da Silveira”. CCM, p. 200. Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 301.
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região, julgavam-se merecedores de um tratamento mais justo, isto é, “o castigo dos
cabeças [emboabas]; a prisão dos criminosos; a expulsão dos forasteiros e a garantia de
que pudessem retornar às lavras e minas, com a restituição das datas e sesmarias”.115
Assim, àquela altura ficava claro para os paulistas que a vingança frente aos
emboabas tornara-se uma questão de honra: “ultrajados e com os brios feridos,
consideravam a repressão aos forasteiros a única saída honrosa para a situação em que
se encontravam”.116 Como se sabe, o último embate armado entre as duas facções, não
podendo ser evitado, selou a derradeira derrota dos paulistas na região do Rio das
Mortes: com a circulação da notícia de que extensas tropas eram mobilizadas para
socorrerem os forasteiros da localidade, aos paulistas não restou outra saída a não ser
partirem em debandada fuga.117
Com relação a este contexto, Maria Verônica Campos, por sua vez, reitera ainda
que, ao contrário do que é geralmente privilegiado na historiografia acerca do período,
os anos que se seguiram estiveram longe de transcorrer em clima de paz e harmonia.
Na realidade, conforme destaca tal autora, D. Antônio de Albuquerque logo teve que se
haver com diversas crises e motins que se desencadearam quase que ao mesmo tempo
em diferentes regiões das Minas, como em Pitangui, Serro do Frio e Ribeirão do Carmo,
relativizando mais uma vez a imagem deste governador como aquele que efetivamente
“pacificou o território”.118
Ao analisarmos os primeiros anos de efetiva ocupação de Pitangui, supostamente
iniciado em 1709 ou 1710, observamos, contudo, que este é um dos períodos mais
opacos e obscuros da história da região. As fontes disponíveis que cobrem o período
dão poucas referências acerca do que se passou em Pitangui nesses anos iniciais, ao
115 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 301. 116 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 301. 117 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, pp. 83-87, v. 02. 118 CAMPOS. Governo de mineiros, pp. 120-130.
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passo que tal silêncio da documentação pode também sugerir que os primeiros
exploradores da área efetivamente intentaram manter em segredo as minas auríferas ali
descobertas. Sobre este aspecto, um instigante relato anônimo dá conta inclusive de que
a notícia dos novos descobertos logo atraíra a atenção dos forasteiros; os paulistas, por
seu turno, incomodados ante a possibilidade de uma nova invasão às suas minas,
trataram rapidamente de impedir a entrada de elementos “estranhos” à região “e assim
se quiseram tapar com trincheiras e fazer corpo de guarda que até ele chegassem
carregações e o guarda desse para as virem comprar”.119
De toda forma e a despeito das poucas referências documentais existentes, há
certo consenso entre os historiadores que abordaram o tema de que esses anos iniciais
foram marcados por intensos conflitos e disputas entre os pioneiros acerca da divisão
das catas auríferas da localidade, do que resultara inclusive num motim ocorrido na
região entre os anos de 1710 e 1711.120 De acordo com as análises desenvolvidas por
Sílvio Gabriel Diniz, nestes primeiros tempos o Regimento das Minas, re-elaborado e
teoricamente em vigor desde o ano de 1702, não chegou a ser respeitado em Pitangui,
não havendo divisão das datas minerais e nem a designação de Guarda-mor,
prevalecendo “a lei do mais forte”. Segundo suas palavras, nestes anos iniciais era
“notadamente sabido que os moradores das minas de Pitangui viviam tumultuados, de
armas nas mãos, prontos para se baterem uns contra os outros pela posse das catas
auríferas”.121
119 “Relação de um morador de Mariana e de algumas coisas mais memoráveis sucedidas”. CCM, p. 207. 120 Segundo nos aponta Maria Verônica Campos, há algumas divergências em relação à data mais provável do motim: Manuel Eufrásio de Azevedo Marques situa-o no ano de 1712 (MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos, e noticiosos da Província de São Paulo. São Paulo: Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, 1953. t. I, pp. 234-235), enquanto José João Teixeira Coelho, por sua vez, menciona-o no ano de 1711 (COELHO, José João Teixeira. Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais (1780). Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Introdução de Francisco Iglesias). Contudo, de acordo com tal autora, 1710/1711 deve ser a data mais correta. Cf. CAMPOS. Governo de mineiros, p. 122, nota 63. 121 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 120.
64
Através de uma das poucas fontes documentais disponíveis, sabe-se, por
conseguinte, que em setembro de 1711 D. Antônio de Albuquerque expediu uma ordem
endereçada ao Tenente-general Manuel da Borba Gato para que este partisse de
imediato para Pitangui a fim de dirimir as contendas ali então ocorridas. Neste
documento, Albuquerque afirmava que, “por ter notícia de que nos distritos de Pitangui
e Paraopeba se vão situando muitos moradores, e neles estão lavrando, e se tem
descoberto vários ribeiros de ouro, e ainda nas margens dos rios principais, de que se
não tem dado parte como dispõe o Regimento e ordens de Sua Majestade, e tenho
disposto depois que cheguei a estas Minas, e, outrossim, me noticiou que entre os tais
moradores começa a haver algumas dissensões, de que podem nascer muitas desordens
por falta de quem o possa evitar, e dar-me parte do que necessita remédio, ordeno ao
Tenente-general Manuel de Borba Gato (...) que logo passe ao distrito de Pitangui, e
faça diligência por saber, e falar com todos os moradores que ali se acharem, ajuntando-
os e sabendo deles como estão situados e o número deles, para se lhe dar aquela boa
forma com que se devem conservar pacíficos, e com união e bom regime (...)”.122
Conforme se evidencia, à época o governador da Capitania possuía apenas
informações esparsas acerca da região e de seus moradores, ao passo que, sendo a área
de exploração aurífera, era notório que seus moradores ainda não haviam tomado as
medidas legais cabíveis, e nem oficializado o novo descobrimento junto às autoridades
competentes. Infelizmente, as fontes consultadas não nos permitiram reconstruir o
desfecho de tal evento e nem sequer sabemos se Borba Gato efetivamente adentrou a
região de Pitangui para cumprir as determinações que recebera do governador.
Sobre este aspecto, Manuel Eufrásio de Azevedo Marques afirma ainda que na
ocasião desse primeiro motim ocorrido em Pitangui alguns líderes do movimento
122 ORDEM para o tenente-general Manuel da Borda Gato ir aos distritos de Pitangui e Paraopeba às diligências que nela se contém. RAPM, Ouro Preto, v. 2, fasc. 04, pp. 796-797, 1897.
65
chegaram a ser supliciados, embora o chefe principal do levante, Domingos Rodrigues
do Prado, tenha sido perdoado sob a promessa de descobrir os metais de Minas Novas.
No entanto, percebe-se que tal autor não citou as fontes de onde teria retirado tais
informações, ao passo que, ao que tudo indica, também incorrera no equívoco de
confundir tal evento com outros motins ocorridos na localidade em períodos
posteriores.123
De toda forma, há vários indícios de que, temerosos ante a possibilidade de
serem punidos pelos crimes ali cometidos, alguns paulistas fugiram do local, dando
espaço inclusive para que alguns forasteiros passassem à região. Conforme ressalta
Maria Verônica Campos, é interessante notar que os paulistas recorrentemente
adotavam a prática de ameaçar e efetivamente abandonar as lavras auríferas sempre que
se sentiam desrespeitados em suas prerrogativas de descobridores das mesmas:
“taubateanos já haviam abandonado por duas vezes o Ribeirão do Carmo em função de
conflitos pela partilha das lavras”. Contudo, naquele contexto, segunda destaca a autora
acima referida, tal prática não mais parecia alcançar os resultados desejados: “num
primeiro momento, o conhecimento de roteiros para veios ainda inexplorados colocava-
os em posição de superioridade diante da Coroa (...), mas, à medida que sua localização
se divulgava, não podiam mais instrumentalizar tal arma. Foi o que ocorreu em Pitangui
em 1711”.124
No entanto, conforme destacou Sílvio Gabriel Diniz, estas primeiras minas
descobertas em Pitangui logo se esgotaram, não correspondendo às expectativas dos
moradores.125 Do mesmo modo, é interessante ressaltar que não há referências
documentais mais consistentes acerca do real rendimento de tais minas, pois, como já
123 MARQUES. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos, e noticiosos da Província de São Paulo, p. 235. 124 CAMPOS. Governo de mineiros, citações à página 122. 125 DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 24-25.
66
destacamos, nesse período não houve a repartição das datas auríferas e nem a
designação de guarda-mor para efetivar a cobrança dos impostos na região,
determinações estas inclusive presentes na própria legislação que regulamentava a
atividade mineradora. Por outro lado, mesmo com o envio de autoridades e a posterior
instalação da guarda-moria na Vila, não é possível ao pesquisador coligir maiores
informações documentais, uma vez que os primeiros livros de registros acerca da
atividade mineradora da região simplesmente desapareceram com o passar dos anos.126
Desta feita e após este suposto fracasso das primeiras explorações auríferas na
localidade, por volta do ano de 1713 foram descobertas novas minas nas proximidades
de Pitangui na região que posteriormente ficaria conhecida como o “Morro do
Batatal”.127 Reputado por alguns como promissora mina de beta, logo este novo
descobrimento atraiu as atenções para Pitangui não apenas dos habitantes do entorno do
arraial, mas também de várias autoridades régias, tanto as sediadas nas Minas quanto no
ultramar.
Sobre este aspecto, é interessante observar inclusive que por reiteradas vezes o
próprio rei de Portugal, D. João V, enviou cartas aos governadores da Capitania
exigindo dos mesmos maiores informações acerca do provável rendimento destas novas
minas de Pitangui, embora, à época, tais notícias fossem ainda muito esparsas. Em uma
dessas cartas, datada de 15 de novembro de 1714 e endereçada a D. Brás Baltazar da
Silveira, D. João alegou possuir informações de que “os de Pitangui tinham descoberto
uma mina mais rica que se entendia ser de beta, e que suposto os paulistas não queriam
que minerassem mais que eles, e não entrassem nas conveniências dela os reinóis, tinha-
se acomodado tudo de maneira que se acharam todos conformes (...)”. Contudo, ao final
126 DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 25. 127 Conforme explica Sílvio Diniz, o ouro apresentou-se na forma de faisqueiras, taboleiros e grupiaras. Foi achado à superfície, à forma de “reboleiras de batatas”; daí o nome Morro do Batatal. Cf. DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 25.
67
de sua carta solicitava que “como neste ano se não viu aviso algum sobre esta matéria
sendo de tanta importância, passo recomendar-vos deis conta do que nisto há, e do que
renderão os quintos, e se continua ainda a mesma mina, e que arrecadação fizestes ter
neste particular, para que conforme a notícia que deveis se lhe possa dar a providência
necessária”.128
Por outro lado e neste contexto de indefinição para a metrópole no que se refere
ao próprio estabelecimento da ordem pública na Capitania, mais uma vez os sertanistas
de São Paulo e “Serra Acima” viram renascer seu antigo sonho de conquistarem
enriquecimento e prestígio nas Minas, seja através da posse e monopólio das catas
auríferas por eles mesmos descobertas, seja através do controle dos principais cargos de
mando locais.
Paralelamente, ao final de agosto de 1713 o período de governança de D.
Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho chegou ao fim. Em suma, se nos anos
posteriores a memória histórica o elevou à categoria dos “grandes negociadores e
pacificadores de conflitos”, sobretudo no que se refere ao período em que esteve à
frente da Capitania das Minas, não há como negar, contudo, que seu governo relegou a
D. Brás Baltazar da Silveira, seu sucessor imediato, problemas de difícil solução.
1.3 – D. Brás Baltazar da Silveira: “contemporizar é preciso (...)”
A 31 de agosto de 1713, D. Brás Baltazar da Silveira assumiu o comando da
Capitania de São Paulo e Minas do Ouro em substituição ao governador D. Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho. Militar de larga experiência, com destacadas
atuações em campos de batalha europeus, sua escolha por parte de Sua Majestade para
ocupar o cargo máximo de direção da Capitania fora bastante criteriosa, superando
128 APM, SC 04, fls. 27-27v. “Sobre as minas de Pitangui”. Lisboa, 15 de novembro de 1714.
68
inclusive pretendentes de peso no alto escalão nobiliárquico lusitano.129 Tendo tomado
posse do governo das Minas na cidade de São Paulo na data acima referida, por
conseguinte, logo D. Brás Baltazar teve notícias acerca do clima tumultuoso vivido por
Pitangui naqueles anos; sua política, no entanto, se caracterizaria mais pela via da
negociação e tentativa de cooptação dos poderosos locais, evitando-se, assim, um
possível enfrentamento militar contra tais homens.
Sugestivamente e como preâmbulo dos conflitos vindouros, já nos primeiros dias
de setembro deste mesmo ano D. Brás recebeu informações acerca de algumas
desordens ocorridas em Pitangui. Na ocasião, Joseph Borges Pinto, paulista de grande
prestígio junto aos homens do Planalto, iniciara a organização das companhias militares
do arraial de Pitangui, embora não tivesse recebido ordens ou jurisdição para tal. Em
carta datada de 03 de setembro e endereçada a tal potentado, afirmava o governador que
“aqui me mostrou a Câmara desta cidade [de São Paulo] a cópia de uma carta que Vossa
mercê escreveu aos de Pitangui, dizendo nela que Sua Majestade que Deus guarde o
havia feito coronel daquele distrito com ordem de fazer regimento com todos os oficiais
de sargento mor para baixo; e como o dito Senhor não sabe ainda deste descobrimento,
mal podia mandar-lhe a Vossa mercê tal patente, e menos dar-lhe ordem que pudesse
levantar oficiais, quando se acha governando este Estado um homem como eu (...)”. Por
conseguinte e num tom de censura, reiterava o governador que “(...) a Pitangui escrevi
não recebessem a Vossa mercê, e como brevemente parto para as Minas Gerais, verei as
ordens que lhe dão a Vossa mercê tanta jurisdição”.130
129 Neste particular, vale destaque a concorrência estabelecida entre Sebastião da Veiga Cabral, autoridade reinol então preterida, e D. Brás Baltazar. De fato, não desistindo de seu intento, Sebastião da Veiga Cabral posteriormente entraria também em litígio com D. Pedro de Almeida Portugal, o Conde de Assumar, no que se refere à sucessão de D. Brás Baltazar da Silveira. Novamente preterido e muito provavelmente ressentido com Sua Majestade, posteriormente assumiria papel de destaque no próprio desenrolar da Revolta de Vila Rica ocorrida em junho de 1720. A esse respeito, ver SOUZA. O sol e a sombra, 2006, sobretudo o capítulo 6. “Os motivos escusos: Sebastião da Veiga Cabral”, pp. 253-283. 130 APM, SC 09, fl. 01v. “Para Joseph Borges Pinto. São Paulo, 03 de setembro de 1713.
69
De maneira semelhante e para igual desassossego de D. Brás, nesse mesmo
período uma série de medidas foi intentada por parte dos moradores de Pitangui a fim
de vincularem a região à jurisdição da cidade de São Paulo e vila de São Vicente. De
fato, nos meses anteriores Amador Bueno da Veiga – famoso potentado que inclusive
liderara o último assalto paulista contra os emboabas no Rio das Mortes, conflito que
selara o desfecho da revolta armada entre os dois partidos – havia iniciado a abertura de
um caminho que ligaria a região de Pitangui diretamente ao Planalto de Piratininga, não
obstante as repreensões por parte do governador.131
Sobre este aspecto e em claro tom de ameaça, em carta de 10 de setembro de
1713 D. Brás Baltazar da Silveira dirigiu-se a Amador Bueno com os seguintes dizeres:
“tenho notícia de que Vossa mercê passara para esta parte com intenção de principiar
uma picada para o descobrimento de Pitangui, e por que a abertura deste caminho pende
da resolução de Sua Majestade, que Deus guarde, a quem dou conta deste particular,
que ele só deve resolver; ordeno a Vossa mercê que se abstenha na fatura deste
caminho, e fio da atenção de Vossa mercê não inovará cousa alguma até segunda ordem
minha, e assim lho hei a Vossa mercê por muito recomendado para que do contrário não
veja Vossa mercê executado na sua pessoa o maior castigo (...)”.132
Estando ainda na cidade de São Paulo e provavelmente em atenção aos apelos de
grupos de potentados locais, através de uma ordem de 09 de setembro deste mesmo ano
D. Brás Baltazar da Silveira autorizou que se realizasse a arrematação dos contratos dos
dízimos de Pitangui pela Provedoria da vila de Santos. Contudo e ao que parece tendo
se inteirado acerca da complexidade da situação, poucos dias depois o governador
arrependeu-se da medida então adotada e revogou tal ordem, alegando que “[era]
131 FRANCO. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, p. 421. 132 APM, SC 09, fl. 03. “Para Amador Bueno assistente”. São Paulo, 10 de setembro de 1713. Ao que parece e tendo em vista as repreensões por parte do governador, a fatura de tal caminho não chegou a ser concluída.
70
preciso que [ele mesmo] pa[ssa]sse primeiro às Minas Gerais, e [se] inform[asse] de
alguns particulares que tocam à mesma arrematação”.133
A fim de dirimir o impasse, em abril do ano seguinte o próprio Rei emitiu
parecer a D. Brás referente ao caso, afirmando que “se viu a conta que me destes em
carta de vinte de setembro do ano passado sobre a dúvida que achastes a arrematação
que se intentava fazer nessa cidade dos dízimos do novo descobrimento de Pitangui e a
resolução que tomastes em mandar suspender com o tal contrato até passardes às Minas,
assim por entender que seria mais conveniente à Fazenda Real o fazer-se nelas o tal
arrendamento (...); e como por especial, e nova ordem minha, tenho determinado que os
dízimos destas minas se arrematem nas mesmas Minas, poderão então seguir-se nestas
arrematações o que se tiver por mais útil à minha Fazenda”.134
Os moradores de Pitangui, porém, não desistiriam de seus intentos: não
reconhecendo as autoridades instituídas nas Minas, anos depois – mais precisamente em
1715 – dirigiram-se ao Vice-rei Pedro Antônio de Noronha, o Marquês de Angeja,
solicitando mais uma vez que a jurisdição sobre a região ficasse a cargo da Ouvidoria da
Comarca de São Paulo e São Vicente.135 Fato significativo, nesta ocasião os próprios
camaristas da cidade de São Paulo tornaram-se procuradores dos potentados
pitanguienses, o que por sua vez denuncia as redes particulares de poder e comunicação
133 Respectivamente, APM, SC 09, fl. 01v. “Para o Provedor da Fazenda”. São Paulo, 09 de setembro de 1713 e APM, SC 09, fl. 03v. “Sobre os dízimos das novas minas de Pitangui”. São Paulo, 18 de setembro de 1713. 134 APM, SC 04, fl. 24. “Sobre os dízimos de Pitangui”. Lisboa, 18 de abril de 1714. 135 Cf. “Carta que se escreveu ao Provedor da Fazenda Real das Capitanias de São Vicente, Santos e São Paulo”. Bahia, 05 de setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 234-235, 1945; “Carta que se escreveu ao Ouvidor da cidade de São Paulo”. Bahia, 05 de setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 235, 1945; “Provisão que acusa a carta acima sobre pertencer à Provedoria da Fazenda Real de Santos, São Vicente e São Paulo os dízimos dos distritos do Pará e Pitangui na forma que nela se declara”. Bahia, 05 de setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 236-240, 1945; “Provisão que acusa a carta acima sobre os dízimos do Pitangui e Pará pertencerem à Provedoria de Santos, São Vicente e São Paulo, e outrossim que todas as mais causas cíveis e crimes que não pertencerem aos ditos dízimos e Fazenda Real tenham o seu recurso na Ouvidoria de São Paulo”. Bahia, 05 de setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 240-243, 1945.
71
então estabelecidas entre a gente do Planalto a fim de defenderem seus interesses de
grupo.
Em carta à Câmara da cidade de São Paulo, por conseguinte, afirmou Pedro
Antônio de Noronha que “para mostrar quanto da minha parte concorro para todos os
seus aumentos e conveniências [dos paulistas], mandei passar duas Provisões para que
os dízimos das novas minas de Pitangui e Pará pertençam à Provedoria da Fazenda de
Santos e São Vicente e São Paulo e nela sejam sentenciadas as causas pertencentes à
mesma Fazenda Real, e outra para que os pleitos ordinários, crimes e cíveis que à dita
Provedoria não tocarem tenham seu recurso perante o Ouvidor-Geral desta cidade de
São Paulo, cujas Provisões remeto ao Senhor Governador e Capitão-Geral D. Brás
Baltazar da Silveira as mande cumprir e fazer guardar (...)”.136
Segundo análise de Maria Verônica Campos acerca desses fatos, “os paulistas
residentes em Pitangui não tinham nenhuma ilusão sobre o papel que ocupariam se
vinculados à Comarca do Rio das Velhas. O pedido foi deferido, embora o Vice-rei não
tivesse alçada para tanto. Alegava estar atendendo à representação pela menor distância
entre Pitangui e São Paulo, afirmação absurda”.137 Obviamente, tais determinações do
Vice-rei não foram cumpridas por D. Brás Baltazar da Silveira, pois os moradores de
Pitangui pretendiam claramente vincular os dízimos dessa localidade à Provedoria de
Santos, São Vicente e São Paulo, ao passo que todos os pleitos judiciais teriam recurso
apenas junto ao Ouvidor de São Paulo.138 De toda forma, conforme ainda destaca Maria
136 “Carta que se escreveu aos oficiais da Câmara da cidade de São Paulo sobre as Provisões que se remetem ao Governador-Geral D. Brás”. Bahia, setembro de 1715. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 233-234, 1945. Neste ponto, vale destacar que nesta versão impressa tal documento aparece com a data de setembro de 1713; contudo, como faz referência às Provisões enviadas ao Governador D. Brás Baltazar em setembro de 1715, esta deve ser muito provavelmente a data correta. Por outro lado e em confirmação a esta hipótese, há de se ressaltar também que D. Pedro Antônio de Noronha assumiu o posto de Vice-rei na Bahia apenas em outubro de 1714. 137 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 144. 138 Ainda sobre este aspecto, em carta de 20 de março de 1716 dirigida a D. Brás Baltazar da Silveira, afirmou o vice-rei Marquês de Angeja ter recebido notícias de que o referido governador não dera cumprimento às suas Provisões, o que particularmente lhe parecia acertado, “(...) visto os inconvenientes
72
Verônica, “digno de nota é o fato de os potentados de Pitangui terem se valido de um
conflito aberto entre as autoridades nomeadas pela Coroa, da crise entre os dois pólos de
poder – Salvador e Ribeirão do Carmo – para a obtenção de maior autonomia”.139
Com efeito, e ciente das prováveis dificuldades que encontraria nos meses
subseqüentes, D. Brás Baltazar da Silveira tratou logo de estabelecer laços com os
principais potentados de Pitangui. Assim, dentro da lógica administrativa lusitana
corrente à época e na falta de meios mais eficazes para trazer a região para a órbita de
domínio da Coroa, apelava-se mais uma vez para a negociação e contemporização dos
conflitos: sem o aparato militar necessário – queixa, aliás, que se tornaria comum entre
os sucessivos governadores da Capitania de Minas – novamente ganhava força entre os
agentes metropolitanos a máxima de se “tentar fazer do bandido vassalo fiel”. Conforme
a opinião de Sílvio Gabriel Diniz, “vinha o governador D. Brás Baltazar da Silveira
manobrando os paulistas com tato e habilidade, pois sentia sangrar neles ‘a ferida’
proveniente da luta contra os emboabas”.140
Nessa medida, a 05 de abril de 1714 D. Brás Baltazar enviou cartas a diversos
moradores de Pitangui, ressaltando sua “sincera” pretensão de agir apenas em favor do
engrandecimento e sossego daquela região, ao passo que também afirmava se fiar da
“prudência”, “obediência” e “bom procedimento” de tão “leais vassalos de Sua
Majestade”.141 Do mesmo modo e aproveitando-se da ocasião, noticiou ainda aos
que se lhe ofereceram e as ordens que tem de Sua Majestade; e também vejo que pelas mesmas criou Vossa Excelência a Vila de Pitangui, e arrematou os dízimos reais nessas Minas e, como Vossa Excelência obrou em tudo segundo as ordens que tinha, não tenho nesse particular que lhe dizer, senão que siga em tudo as ordens que tem do dito Senhor (...); mas eu sempre aprovarei tudo o que Vossa Excelência obrar, e confessarei por mais acertado as suas disposições”. “Carta para o Governador das Minas o Senhor D. Brás Baltazar da Silveira”. Bahia, 20 de março de 1716. DHBN/RJ, Rio de Janeiro, v. 70, p. 329-330, 1945. 139 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 145. 140 DINIZ. Pesquisando a história de Pitangui, p. 128. 141 APM, SC 09, fl. 18v. “Para Francisco Jorge da Silva”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714; APM, SC 09, fls. 18v-19. “Para Domingos Dias da Silva”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714; APM, SC 09, fl. 19. “Para Maximiano de Góis, e mais moradores”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714; APM, SC 09, fl. 19-19v. “Para Bartolomeu Bueno da Silva”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714.
73
mesmos moradores sua intenção de enviar ao arraial o Sargento-mor e engenheiro Pedro
Gomes Chaves a fim de pôr em boa forma “todas as dependências [sic]; tanto pelo que
toca aos descobrimentos como ao mais que se lhe oferecer, para que o mesmo Sargento
mor descida e resolva o que lhe parecer mais acertado (...)”.142
Conforme se observa e talvez já prevendo resistências por parte dos principais
de Pitangui, é interessante notar que D. Brás Baltazar procurou primeiramente notificar
tais moradores acerca de tais medidas antes mesmo das mesmas serem efetivamente
adotadas, ao passo que ressaltou também suas pretensões de não desrespeitar os direitos
e privilégios daqueles que já estivessem estabelecidos na região com suas famílias e
fazendas.
Em carta endereçada ao Sargento-mor Pedro Gomes Chaves, por conseguinte,
afirmou D. Brás Baltazar que “(...) pelas notícias que ultimamente recebi de Pitangui se
me fez presente que naquela paragem se acharam novos descobrimentos, os quais
prometem grandes interesses; (...) e desejando passar àquela parte para as remediar [sic],
e sendo-me impossível pelos importantes negócios do Real serviço de que a feliz
conclusão depende da minha assistência nestas Minas, me pareceu suspender por hora a
minha jornada e assim tenho resoluto que Vossa mercê vá àquela paragem, fiando da
sua grande capacidade e prudência, acomodar aqueles moradores, evitando todas as
inquietações que possam alterar o sossego de que necessitam para o seu aumento, e
conseqüentemente de todo este Estado pelas utilidades que lhe resultarão de que tenham
efeito estes e os mais descobrimentos e de que neles se aproveitem os vassalos de Sua
Majestade”.143
142 Trecho extraído de APM, SC 09, fl. 18v. “Para Francisco Jorge da Silva”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 05 de abril de 1714. 143 APM, SC 09, fls. 20-22v. “Instrução de que há de usar o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, que ora é mandado a Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de abril de 1714.
74
Nas “instruções” que levava Pedro Gomes Chaves, por sua vez, constavam sete
capítulos que detalhavam minuciosamente como tal autoridade deveria pautar suas
ações em Pitangui, sobretudo no que se refere à pacificação dos conflitos locais acerca
da divisão das datas auríferas recentemente descobertas. Nessa medida, em primeiro
lugar D. Brás Baltazar da Silveira ordenou que, tão logo chegasse a Pitangui, Pedro
Gomes Chaves usasse “de todos os meios que lhe dita[sse] a sua prudência para
conseguir a quietação daqueles moradores, procurando acomodá-los uns com os outros
[e] fazendo [-os] desvanecer [de] todas as parcialidades que são as que perturbam as
Repúblicas; e que a não haja alguma pessoa que seja mais teimosa em se acomodar,
Vossa mercê me dará parte dela para exterminá-la como inimiga do bem comum; e
também dos bem procedidos para premiá-los com as honras de que forem dignos
(...)”.144
Neste trecho, conforme se observa, um dos pontos passíveis de destaque é o
próprio pragmatismo das políticas ensejadas por D. Brás Baltazar da Silveira para a
região, aqui expresso na prática comum à sua época de prometer castigos severos aos
vassalos mal-procedidos e, em contrapartida, premiar aqueles que agissem segundo os
interesses de Sua Majestade. Por conseguinte e no que se refere à distribuição das datas
minerais, exigiu D. Brás Baltazar que o Sargento-mor desse correto cumprimento às
disposições do Regimento das Minas em Pitangui, embora ele próprio tenha “inovado”
alguns aspectos, sobretudo quando, por exemplo, determinou que “depois da data de
Sua Majestade se tira[sse] a dos governadores (...)”.145
144 APM, SC 09, fls. 20-22v. “Instrução de que há de usar o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, que ora é mandado a Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de abril de 1714. Capítulo 01. 145 Sobre este aspecto, vale ressaltar que o Regimento das Minas editado em 1702 e ainda em vigor àquela época não fazia qualquer alusão à retirada de datas minerais para os governadores. Cf. APM, SC 01, fls. 33v-43 e APM, SC 02, fls. 46v-82. “Regimento original do Superintendente, guardas-mores e mais oficiais deputados para as minas de ouro que há nos sertões do Estado do Brasil”. Lisboa, 19 de abril de 1702.
75
Do mesmo modo e de forma não menos sugestiva, pediu o governador que se
tirasse também “uma data para as obras públicas da cidade de São Paulo cuja Câmara se
acha[va] com poucos meios, sendo aquela povoação a capital de todo este Estado e os
seus habitadores aqueles a quem ele [era] devedor da sua grandeza”. Não satisfeito,
relatou ainda que “atendendo ao grande procedimento e exemplar desinteresse com que
Manuel de Afonseca serv[ia] a ocupação de Secretário [daquele] governo, hei por bem
que depois de repartidas as datas do Regimento, se retir[asse] uma para ele, não
o[b]stante o dito Regimento (...)”. Neste ponto, ciente da prática que inaugurava e já
provavelmente prevendo iguais reivindicações futuras, tal governador não deixou de
ressaltar, contudo, que “esta concessão não servirá de exemplo aos mais secretários,
nem outros quaisquer oficiais daqueles a quem Sua Majestade no Regimento não
permite dá-las; e ao mesmo Senhor faço presente os justos motivos que tenho para a
referida concessão (...)”.146
Ainda no que se refere à organização da atividade mineradora em Pitangui,
ordenou também D. Brás Baltazar que “nos mais descobrimentos que houver, se
informará Vossa mercê [o Sargento-mor Pedro Gomes Chaves] com toda a certeza de
quem forem os descobridores; e depois de vir no conhecimento deles, lhes ordenará
sirvam de Guarda mores dos seus descobrimentos e que nomeiem escrivães que devem
ser aprovados por Vossa mercê (...)”. Por fim, nos demais capítulos do referido
documento sugeria ainda que o Sargento-mor, na condição de autoridade máxima da
região, orientasse seus moradores no sentido de retirarem cartas de sesmarias das terras
por eles ocupadas, ao passo que tal autoridade deveria também remeter à Secretaria
daquele governo uma lista com o nome de todos os moradores do povoado: “porque
146 Todas as citações foram retiradas do Capítulo 02, APM, SC 09, fls. 20-22v. “Instrução de que há de usar o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, que ora é mandado a Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de abril de 1714.
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convém que eu [o governador] saiba o número de gente que se acha nessa paragem
(...)”.147
Contudo e não obstante tamanho rol de recomendações, D. Brás Baltazar da
Silveira não logrou sucesso de imediato. Fato elucidativo, passados apenas dois meses
do envio do Sargento-mor Pedro Gomes Chaves a Pitangui, o governador já estava a
enviar-lhe uma carta com os seguintes dizeres: “estranho muito a Vossa mercê não me
haver dado conta assim da sua chegada a essa paragem, como [também] da forma em
que se acharam os moradores dela, pois bem sabia Vossa mercê que me devia dar logo
conta de tudo (...); e isto se faz mais reparável em Vossa mercê que mostra desejar fazer
a sua obrigação; e advirto a Vossa mercê cuide mais nela porque sentirei perder o
conceito que até agora tive de Vossa mercê”.
Desconfiado de que o Regimento das minas ainda não havia sido cumprido em
Pitangui no que se refere à repartição das datas auríferas do novo descobrimento, D.
Brás Baltazar ordenou ainda a Pedro Gomes Chaves “lançar um bando da minha parte
para que todos os que se achem lavrando no novo descobrimento dentro de vinte e
quatro horas se retirem dele com os seus escravos; e retirados que forem todos irá Vossa
mercê com o guarda-mor Francisco Jorge [da Silva] fazer repartição do descobrimento
na forma do dito capítulo quinto [do Regimento]”.
Em conclusão à sua carta, exigiu ainda D. Brás uma resposta imediata por parte
de Pedro Gomes Chaves, ao passo que este estaria também obrigado a remeter-lhe um
histórico de todas as medidas até então adotadas em Pitangui, “(...) tendo Vossa mercê
[o Sargento-mor] entendido que os homens a quem se dão semelhantes comissões
devem haver-se com mais atividade, e obrar livremente sem receio de pessoa alguma,
147 Trechos retirados dos Capítulos 03 a 07, APM, SC 09, fls. 20-22v. “Instrução de que há de usar o Sargento mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves, que ora é mandado a Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de abril de 1714.
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porque havendo-o, não se pode dar a cada um o que lhe toca, nem fazer-se como é razão
do serviço de Sua Majestade.”148
Fracassando em diversos aspectos segundo a avaliação do governador, a estadia
de Pedro Gomes Chaves em Pitangui, no entanto, seria bastante curta, uma vez que em
14 de julho deste mesmo ano de 1714 recebeu ordens expressas para deixar a região.
Como nova incumbência, ficaria sobre sua responsabilidade a consecução de um mapa
da Capitania das Minas, que deveria ser feito “com a maior clareza possível”.149 De fato
e muito provavelmente descontente com o desempenho de Pedro Gomes Chaves, dias
antes D. Brás Baltazar da Silveira já havia nomeado novas autoridades para reger o
arraial de Pitangui. Assim, Antônio Pires de Ávila, que inclusive já ocupava o posto de
Sargento-mor do corpo de auxiliares da região desde dezembro de 1713, foi provido no
cargo de Superintendente das minas de Pitangui por carta de 18 de junho de 1714, ao
passo que neste mesmo documento foram igualmente encarregados da “regência e
governo daqueles moradores” Jerônimo Pedroso de Barros; Francisco Jorge da Silva;
Bartolomeu Bueno da Silva e Domingos Rodrigues do Prado.150
Neste ponto, conforme destaca Carla Anastasia, é interessante observar que
Pitangui ainda não havia recebido as insígnias de Vila, mas passou a ser governada
como tal por essa nascente elite formada por potentados e ricos proprietários locais.151
Dentre tais indivíduos, por conseguinte, merece particular destaque as figuras de
148 Trechos presentes em APM, SC 09, fls. 26-26v. “Para Pedro Gomes Chaves”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 07 de junho de 1714. 149 APM, SC 09, fl. 30v. “Ordem ao Sargento-mor Pedro Gomes Chaves”. Vila do Carmo, 14 de julho de 1714. 150 Respectivamente APM, SC 09, fls. 69-69v. “Carta patente passada a Antônio Pires de Ávila”. Vila Rica, 27 de dezembro de 1713; APM, SC 09, fl. 130v. “Provisão passada ao Sargento-mor Antônio Pires de Ávila. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 18 de junho de 1714. Sobre este aspecto, vale destacar que em sua correspondência D. Brás Baltazar da Silveira referia-se a tais homens como os “governadores” de Pitangui. De acordo com Raphael Bluteau, a expressão governador à época era entendida como “aquele que manda com supremo poder e autoridade”. Cf. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino. Coimbra: Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1713-1725. 151 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 88.
78
Jerônimo Pedroso de Barros, Bartolomeu Bueno da Silva e Domingos Rodrigues do
Prado, todos velhos conhecidos das autoridades metropolitanas sediadas nas Minas.
Conforme se sabe, anos antes Jerônimo Pedroso e Bartolomeu Bueno tiveram
singular participação na revolta contra os emboabas, tendo o primeiro deles inclusive
atuado como uns dos principais líderes paulistas no contexto da deflagração do conflito
armado em 1708. Na verdade, Jerônimo Pedroso, à época conhecido como Jerônimo
“Poderoso”, celebrizara-se por seus litígios com Manuel Nunes Viana em Caeté às
vésperas da deflagração da guerra contra os forasteiros, episódio comumente referido na
historiografia como o “caso da espingarda” ou “o caso da arma de fogo”.152 Bartolomeu
Bueno da Silva, por sua vez – bandeirante de grande prestígio, cognominado “o
segundo Anhanguera” e também líder paulista na revolta armada de 1709 –, tornara-se,
conjuntamente com seu genro Domingos Rodrigues do Prado, um dos primeiros
povoadores de Pitangui.
Contudo, conforme já destacamos na introdução deste trabalho, nenhum
potentado da região se destacaria mais que Domingos Rodrigues do Prado. Natural da
Vila de Taubaté, ao longo do tempo Rodrigues do Prado construiu um verdadeiro
“território de mando”153 em Pitangui, agregando um extenso séquito de homens
armados a seu dispor. Sobre este aspecto, há inclusive um interessante relato no Códice
Costa Matoso acerca da “fama” alcançada por tal personagem na região: de acordo com 152 Embora não haja um consenso na historiografia e nem mesmo nas fontes referentes ao caso, tal episódio teria ocorrido no arraial de Caeté por volta do ano de 1709, quando um paulista emprestou uma arma de fogo de sua coleção – uma espingarda – a um forasteiro. Pretendo reaver sua arma, tal paulista não logrou sucesso, recorrendo então a Jerônimo Pedroso para que interviesse no caso; o forasteiro, tomando conhecimento do fato, tratou logo de pedir socorro a Manuel Nunes Viana. Como tais potentados não chegavam a um acordo, surgiu então a proposta de travarem um duelo, o que, ao que parece, não aconteceu. De qualquer forma, digno de nota é o fato de um conflito aparentemente banal ter se tornado uma questão de honra para ambos os partidos a ponto de atingir suas respectivas lideranças superiores e desencadear uma guerra entre os mesmos. A respeito deste contexto, o documento mais conhecido é a “Relação do princípio descoberto destas Minas Gerais e os sucessos de algumas coisas mais memoráveis que sucederam de seu princípio até o tempo que as veio governar o Excelentíssimo Senhor D. Brás Baltazar da Silveira”. CCM, p. 194-202, sobretudo as páginas 197-198. 153 Uma excelente discussão acerca do processo de formação de “territórios de mando” nas Minas setecentistas é encontrada em SILVA, Célia Nonata da. Territórios de mando: banditismo em Minas Gerais, século XVIII. Belo Horizonte: Crisálida, 2007.
79
tal relato cuja autoria não é conhecida, em uma dada ocasião Domingos Rodrigues do
Prado teria descoberto uma enorme pedra crivada em ouro finíssimo. Atraindo a atenção
de seus correligionários, por conseguinte, Rodrigues do Prado resolveu então instalá-la
em um rancho com uma cortina na porta: quem quisesse apreciá-la, deveria dirigir-se a
ele e dizer “que queria ver a púrpura”. No rancho, servia-se “congonha, pito e
catimpuera” – iguarias tipicamente indígenas; agradecidos e impressionados ante tal
demonstração de prestígio e poder, Domingos Rodrigues do Prado era, por seu turno,
aclamado como “o monarca” de Pitangui.154
Segundo opinião de Maria Verônica Campos acerca de tais fatos, “nenhuma
narrativa poderia ser mais metafórica”, uma vez que “há uma associação entre a riqueza
obtida na mineração e os exercícios de poder: se a púrpura era o distintivo do soberano,
o ouro era o distintivo do potentado”.155 Por conseguinte e envolvendo-se
posteriormente em diversos crimes e assassinatos na região, conforme veremos mais
adiante, Domingos Rodrigues do Prado tornar-se-ia aos olhos da Coroa o principal
amotinador e líder rebelde da Vila, inimigo ferrenho dos sucessivos governadores das
Minas.
Todavia, verdade seja dita, nem sempre fora assim, uma vez que, além de já ter
anteriormente obtido a patente de Capitão-mor do povoado, em 09 de março de 1718 o
mesmo Domingos do Prado recebeu carta de nomeação como Provedor dos quintos da
freguesia de Pitangui, sendo a mesma registrada nos livros da secretaria daquele
governo.156 Assim como em outros casos semelhantes, falhou mais uma vez a estratégia
154 “Relação de um morador de Mariana e de algumas coisas mais memoráveis sucedidas”. CCM, p. 207-208. 155 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 210. 156 APM, SC 12, fl. 37v. “Provisão passada a Domingos Rodrigues do Prado e Suplício Pedroso Xavier”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 09 de março de 1718. Neste ponto, vale destacar que, assim como Domingos Rodrigues do Prado, Suplício Pedroso Xavier foi considerado por Assumar como um dos principais “cabeças” dos motins de Pitangui.
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de cooptação dos poderosos locais empreendida pelos sucessivos governadores das
Minas.
Desta feita e uma vez estabelecidas as novas autoridades para administrar a
região, D. Brás Baltazar da Silveira tratou logo de dar seqüência à sua faina de
regularizar e legalizar a exploração aurífera do novo descobrimento do morro do
Batatal. Contudo e não obstante suas ordens, curiosamente, no mês seguinte D. Brás
Baltazar registrou o recebimento de informações referentes a Pitangui, dizendo-se
perplexo ante a disposição dos mineradores da região em expulsar Antônio Pires de
Ávila do arraial caso este interviesse na distribuição das datas auríferas locais.
Em resposta ao Superintendente, afirmou D. Brás que “(...) quanto à expulsão de
Vossa mercê ninguém se atreva, porque não duvidarão do grande procedimento que
terei contra eles se a tal se atreverem, e sempre Vossa mercê tirará a devassa deste caso
com grande segredo, e ma remeterá com toda a segurança”. Por conseguinte, ordenou
ainda a Antônio Pires de Ávila efetuar a arrematação da passagem sobre o rio Paraopeba
– passagem esta que dava acesso ao arraial –, ao passo que deveria também buscar
maiores informações acerca de “um caminho novo” que tais moradores da região teriam
supostamente construído, atrelando Pitangui ao sertão dos currais baianos.157
Com relação a este último aspecto e dada a gravidade da situação, na mesma
data o governador também escreveu aos principais moradores de Pitangui, exigindo dos
mesmos “as razões que tiveram para a abertura do novo caminho dos currais, e as
conveniências que disso se receberam para ver se se deve ou não conservar o dito
caminho de que Vossa mercês me deviam ter já dado parte por ser esta matéria grave e
não poderem Vossa mercês obrar nela sem resolução minha”. Ao final de tal carta e
valendo-se mais uma vez de sua peculiar retórica – àquela altura pouco eficaz, conforme
157 APM, SC 09, fls. 33v-34. “Para Antônio Pires de Ávila, Superintendente do distrito de Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 10 de agosto de 1714.
81
se observa – ressaltou ainda D. Brás Baltazar fiar-se “de Vossa mercês e da fidelidade
que devem ao Real serviço; e a confiança que fiz de Vossa mercês para encarregá-los do
governo deste distrito obrarão de sorte que eu tenha lugar de fazer presente a Sua
Majestade o seu merecimento, e procurar pela minha parte os aumentos de Vossa
mercês e de todos esses moradores, a quem desejo toda a quietação e sossego, como
Vossa mercês da minha parte lhes podem significar”.158
Paralelamente, na junta celebrada em julho de 1714 em Ribeirão do Carmo para
decidir acerca da repartição das trinta arrobas de ouro entre as Comarcas da Capitania
referentes aos quintos daquele ano, exigiu-se que Pitangui concorresse com a quantia de
uma arroba de sua produção mineral. De fato, segundo informam os próprios registros
de D. Brás Baltazar da Silveira, nesta assembléia decidiu-se que a Comarca do Rio das
Velhas deveria contribuir com a soma de doze arrobas e vinte e duas libras de ouro,
cobrança esta que seria distribuída entre suas regiões mineradoras. No entanto, em carta
a Luis Botelho de Queirós, Ouvidor da referida Comarca em exercício à época,
confessou o governador lhe parecer totalmente “impraticável” a efetivação de tal
cobrança em Pitangui, “atendendo à miséria em que se achavam [esses moradores] sem
ter onde lavrarem ouro por se haver desvanecido o primeiro descobrimento (...)”.159 De
qualquer forma e não obstante os contratempos, tal cobrança foi efetivamente realizada
em Pitangui.
A este respeito, há inclusive um sugestivo documento datado de 28 de setembro
de 1714: na ocasião, o Desembargador André Leitão de Melo intentava proceder contra
alguns criminosos foragidos que, após assassinarem Antônio da Cunha Souto Maior,
teriam se escondido na região. Em carta ao Desembargador, D. Brás Baltazar, por sua
158 Trechos extraídos de APM, SC 09, fls. 34v-35. “Para os Governadores de Pitangui”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 10 de agosto de 1714. 159 APM, SC 09, fls. 27v-28. “Para Luis Botelho de Queirós”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 10 [?] de junho de 1714.
82
vez, sugeria cautela, ressaltando o quanto lhe havia custado “conservar os moradores de
Pitangui em sossego pelas inimizades que havia entre eles (...)”.
Assim, segundo as próprias palavras do governador, André de Melo deveria
considerar acima de tudo “o particular estudo que foi na sua quietação [de Pitangui]
pelas utilidades que dela tem resultado à Fazenda Real e ao aumento deste governo;
porque já para os quintos deste ano concorreram com uma arroba de ouro e a passagem
da Paraopeba e datas de Sua Majestade se arrematou tudo por mais de mil e quinhentas
oitavas; o que nada se conseguiria se eu os afugentasse; e para segurá-los me foi
necessária toda a persuasão porque como todos desta ou daquela sorte são criminosos,
queriam abandonar Pitangui, entendendo que Vossa mercê vinha proceder contra todos;
mas depois que lhe segurei que era somente contra os delinqüentes no caso de Antonio
da Cunha Souto Maior se aquietaram (...)”.160
Conforme se observa, ao se dirigir a uma autoridade externa à região, o
governador parecia se sentir bem mais à vontade para expressar “sua verdadeira
opinião” acerca dos moradores de Pitangui; nessa medida, de “leais vassalos de Sua
Majestade”, passavam a “bando de criminosos”. Desta feita, em princípios de fevereiro
de 1715 D. Brás Baltazar da Silveira finalmente optou por elevar o arraial à categoria de
Vila, a sétima criada em Minas. Segundo suas próprias palavras, “representando-me
segunda vez os paulistas a necessidade que tinham de que o arraial de Pitangui fosse
erigido em Vila, não só para o bom regime daqueles moradores, mas para melhor
expedição da cobrança dos reais quintos (...), parece conveniente que Vossa mercê [o
Ouvidor] vá fazer a dita ereção, pois só com as suas direções poderá ter excelente
forma, e ficarem satisfeitos aqueles povos (..)”.161
160 APM, SC 09, fls. 35v-36. “Para o Desembargador André Leitão de Melo”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 28 de setembro de 1714. Itálicos meus. 161 APM, SC 09, fls. 38v-39. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas e Sabará”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 06 de fevereiro de 1715.
83
No entanto, na impossibilidade de efetuar tal viagem para dar cumprimento às
ordens que recebera do governador, a criação da municipalidade ficou a cargo do
próprio Superintendente de Pitangui, Antônio Pires de Ávila, evento que finalmente
realizou-se em 09 de junho de 1715.162 Desta forma e uma vez estabelecido o Senado da
Câmara da Vila, os principais moradores da região trataram logo de ocupar seus
principais cargos. Com relação a este contexto, é bastante sugestivo observarmos que,
conforme relatou o próprio governador, por duas vezes os potentados de Pitangui
pediram a D. Brás que elevasse o arraial à categoria de Vila, situação que relativiza
mais uma vez a arraigada concepção historiográfica segundo a qual as municipalidades
teriam sido “os olhos e ouvidos do rei” em terras de além-mar ao longo do período
colonial.
De fato, como já ressaltamos anteriormente, desde o século XVII os paulistas já
haviam concretizado a prática de fazerem da Câmara de São Paulo um instrumento
privilegiado para expressarem suas demandas e reivindicações, institucionalizando-as
junto às autoridades superiores e inclusive junto ao Rei.163 Assim, Pitangui não fugiria à
regra: novamente um artifício utilizado pela metrópole para estabelecer o controle
político-administrativo sobre regiões longínquas – ou seja, a elevação de arraiais em
Vilas – surtia efeito contrário, uma vez que os cargos criados passavam a agregar mais
poder e prestígio junto aos potentados locais.
162 A referência a tais fatos está expressa na carta-patente de Mestre de Campo passada a Antônio Pires de Ávila pelo então governador de São Paulo D. Rodrigo César de Menezes a 21 de outubro de 1721. Cf. Criação de Vilas no período colonial: Vila do Pitangui, RAPM, volume II, fascículo I, p. 90-92, 1897. 163 Análises mais abrangentes acerca do funcionamento das Câmaras municipais mineiras são encontradas nos estudos de RUSSEL-WOOD, A.J.R. O governo local na América portuguesa: um estudo de divergência cultural. Revista de História – USP, ano 25, v. 55, pp. 25-80, 1977 e de GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Dos Poderes de Vila Rica de Ouro Preto: Notas preliminares sobre a organização político-administrativa na primeira metade do século XVIII. Varia História, Belo Horizonte, n. 31, pp. 120-140, jan. 2004. Com relação às práticas políticas empregadas especificamente pelos paulistas, ver, sobretudo, MONTEIRO. O rei no espelho, p. 55 e ss. e ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008, com destaque para o Capítulo de número 05: “Idéias e práticas políticas”, pp. 225-275.
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Segundo a opinião de Diogo de Vasconcelos acerca destes fatos, D. Brás
Baltazar não teria percebido que “se os paulistas lhe pediram a criação da Vila, [é
porque] tinham em mente evitar que [lhes] atingisse a justiça da Vila Real [do Sabará],
onde os reinóis já tinham ganho terreno e dominavam”.164 De qualquer forma, se a
criação da Vila justificava-se pela necessidade de uma melhor “expedição na cobrança
dos reais quintos” conforme alegou D. Brás, este logo viu naufragar suas pretensões. De
acordo com Sílvio Gabriel Diniz, tais moradores, dando prosseguimento a práticas
anteriores, simplesmente “não mandaram Procuradores às Juntas de 04 de fevereiro, 13
e 18 de maio de 1715; 22 de julho de 1716; 16 de junho de 1718 e 24 de outubro de
1720, todas sobre a forma de pagamento dos reais quintos”.165
Da mesma forma, nos meses que se seguiram à criação da municipalidade a
situação em Pitangui tornou-se particularmente grave, sobretudo quando, devido à
tentativa de se realizar a cobrança do imposto, várias autoridades camerárias foram
assassinadas na região a mando de Domingos Rodrigues do Prado, à época Capitão-mor
da Vila. Infelizmente, as fontes documentais que cobrem esse período são bastante
escassas em informações mais precisas acerca deste fato, mas sabe-se que nos meses
que antecederam o ocorrido Domingos Rodrigues do Prado ordenara a publicação de
editais na Vila ameaçando de morte quem simplesmente “falasse” em pagamento de
quintos a Sua Majestade. Assim e em confirmação às suas ameaças, quando de fato
iniciou-se a arrecadação dos quintos na Vila, foram assassinados Valentim Pedroso de
Barros – a quem havia sido encarregada a cobrança do tributo – seu sogro e seus
164 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 129-130, v. 02. Ainda no que se refere ao processo de criação da municipalidade em Pitangui, afirma Sílvio Gabriel Diniz haver inclusive tradição segundo a qual os paulistas da região teriam erigido a Vila à revelia do governador, com a denominação de “Vila Nova do Infante das Minas de Pitangui”. Contudo, não há maiores referências documentais para sustentar tal hipótese, ao passo que, conforme defende o próprio autor, “se os paulistas pediram-lhe [ao Governador], por duas vezes, a criação [da Vila], é porque não haviam criado Vila”. A este respeito, ver, DINIZ, Sílvio Gabriel. Capítulos da história de Pitangui. Belo Horizonte: Edição do Autor, 1966, p. 13-14. 165 DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 130.
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cunhados; Jerônimo Pedroso de Barros, irmão de Valentim e à época Juiz ordinário da
Vila foi ferido, mas sobreviveu ao atentado.166
Além da gravidade de tais eventos, digno de nota neste episódio é o fato dos
irmãos Pedroso acima referidos – potentados paulistas que tiveram significativa
participação na luta contra os forasteiros em 1709, conforme vimos – estarem, nesse
novo contexto, atuando em favor das determinações do governador em Pitangui. Assim,
ao entrarem em conflito com o taubateano Domingos Rodrigues do Prado e seu séqüito
no que se refere a disputas por interesses locais, tais paulistas acabaram tendo um triste
fim.
Analisar esses eventos, contudo, requer certos cuidados, sobretudo quando se
tem em mente o próprio contexto de litígios historicamente estabelecidos entre os
homens do Planalto de Piratininga à época da revelação dos primeiros descobertos
auríferos nas Minas na última década do século XVII. Como se sabe, com o alvorecer
da mineração na Capitania surgiram intensas rivalidades entre os sertanistas, sobretudo
no que se refere à disputa pela primazia nos descobertos: naqueles tempos, figurar entre
os pioneiros nos novos descobrimentos era condição fundamental para se pleitear
retribuições e privilégios junto ao Rei, situação que provocou uma verdadeira corrida
entre os bandeirantes no sentido de oficializarem seus achados.167
Como não poderia deixar de ser, logo surgiram clivagens, principalmente entre
paulistas e taubateanos, conjuntura que muito provavelmente reverberou nestes conflitos
166 Conforme já destacado, não há maiores informações documentais acerca deste episódio e nem sequer sabemos a data correta dos acontecimentos, uma vez que as únicas referências disponíveis são os comentários presentes na correspondência administrativa de D. Pedro de Almeida, o sucessor de D. Brás Baltazar da Silveira no governo da Capitania. Contudo, é mais provável que tais eventos tenham ocorrido entre 1716 e 1717, pois foi nesse período que Jerônimo Pedroso ocupou o cargo de Juiz ordinário da Vila. Cf. APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717. 167 Sobre este aspecto, ver o interessante estudo de ANDRADE, Francisco Eduardo de. A invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nos sertões do ouro (1680-1822). Tese de Doutorado, Departamento de História, FFLCH – USP, 2002.
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em Pitangui.168 Sobre este aspecto, nos anos posteriores o próprio D. Pedro de Almeida
deu mostras de conhecer bem tal situação, mostrando-se esperançoso frente a
possibilidade de desbancar o poderio de Domingos Rodrigues do Prado na região, “(...)
sendo ele de Taubaté, com quem os paulistas não fazem muita liga (...)”.169 Assim,
segundo sua opinião, não seria inclusive de se estranhar caso algum paulista de Pitangui
intentasse remetê-lo preso à sede daquele governo em troca do perdão de algum crime
anteriormente cometido, tamanha a dissensão entre ambas as facções.
Neste contexto de conflitos de difícil solução e já no avançar do ano de 1717, D.
Brás Baltazar, por conseguinte, deu claros sinais de sua completa descrença frente a
possibilidade de alcançar êxito em suas relações com os potentados de Pitangui. De fato
e estando prestes a encerrar seu período de governo da Capitania, em uma de suas
últimas cartas enviadas àquela Câmara datada de 02 de maio do referido ano, expôs D.
Brás todo o seu descontentamento frente à postura adotada por tais moradores nos anos
anteriores. Assim e sem maiores delongas, dirigiu-se o governador aos camaristas de
Pitangui com os seguintes dizeres:
“Entendia-se que Vossa mercês como bons vassalos de Sua Majestade que Deus
guarde sediam da sua teima mandando Procurador ao ajuste dos reais quintos que se fez
em Vila Rica, e a sua repartição que se ordenar nesta, e vendo a sua obstinação não
posso deixar de dizer a Vossa mercês que cada vez reconheço com maior evidência que
são filhos da rebeldia, pois não bastam os exemplos dos leais vassalos que se acham
nestas Minas para Vossa mercês pagarem a Sua Majestade o que lhe é devido dos reais
quintos, sendo certo que o dito Senhor de nenhuma sorte os há de perder pois devem, e 168 A respeito dos conflitos envolvendo paulistas e taubateanos no alvorecer das Minas, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 45-55 e 200; ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, p. 258 e ss.; além das análises presentes em MONTEIRO, John Manuel. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 86-99, jul. 1999 & RUSSEL-WOOD, A.J.R. Identidade, etnia e autoridade nas Minas Gerais do século XVIII: leituras do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 100-118, jul. 1999. 169 APM, SC 11, fls. 198v-199v. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 04 de fevereiro de 1720.
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pode pagar-se do que é seu e castigar com rigorosa mão quem como Vossa mercês o
desconhece por seu soberano faltando-lhe com o pagamento que por direito lhe é
devido”.
Em claro tom de repreensão, finalizava D. Brás a sua carta, relembrando que
“Vossa mercês já devem ao dito Senhor cinco arrobas de ouro, três do ano antecedente e
duas do que corre na forma do termo que lhes remeto, e assim podem tomar as medidas
convenientes desenganado-se de que Sua Majestade nas fazendas de Vossa mercês há
de fazer o seu embolso; e não queiram Vossa mercês que o dito Senhor a respeito do seu
procedimento faça a função de Rei e não de Pai como até agora tem feito com Vossa
mercês perdoando-lhe os repetidos insultos que tem obrado, o que agora não
sucederá”.170 Sob tais ameaças e impossibilitado de dar cumprimento às ordens de
cobrança dos quintos na Vila, D. Brás Baltazar da Silveira logo encerrou seu período de
governança da Capitania.
Como balanço preliminar, após cerca de duas décadas de efetiva ocupação das
Minas, não há como negar os avanços alcançados pela administração metropolitana em
tais terras, não obstante os percalços. Embora muitas questões ainda aguardassem
soluções efetivas, foi ao longo desse período que a Capitania ganhou sua primeira feição
administrativa, seja no que se refere ao governo político, militar e religioso de sua
incipiente população, seja na própria efetivação da cobrança dos quintos régios,
recursos estes que, por sinal, não poderiam alcançar o reino em melhor hora. Contudo,
estando ou não satisfeito com o desempenho de seus agentes nas Minas até aquele
momento, o fato é que nos anos subseqüentes Sua Majestade veria profundas mudanças
nas diretrizes superiores da Capitania: iniciava-se, por conseguinte, a “era” Conde de
Assumar.
170 Trechos retirados de APM, SC 09, fl. 49v. “Para os oficiais da Câmara de Pitangui”. Vila Real de Nossa Senhora da Conceição 02 de maio de 1717.
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CAPÍTULO 2 – “AS MINAS EM CHAMAS”: O GOVERNO DE D. PEDRO
MIGUEL DE ALMEIDA E PORTUGAL, CONDE DE ASSUMAR
2.1 – O enredo de um conflito
Aos 24 de julho de 1717, D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal deixou o Rio
de Janeiro em direção à cidade de São Paulo onde, seguindo a prática inaugurada por
seus dois antecessores imediatos – D. Antônio de Albuquerque e D. Brás Baltazar da
Silveira – tomaria posse do governo da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro.
Nomeado por Sua Majestade como novo governador da região em consulta ao Conselho
Ultramarino realizada em 22 de dezembro de 1716, D. Pedro de Almeida – futuro
Conde de Assumar e Marquês de Castelo Novo e Alorna – aportara em terras
americanas a 17 de julho de 1717. A viagem do Rio de Janeiro às Minas, porém, seria
extremamente penosa para um homem como ele: apesar de formado nos campos de
batalha da Europa, inclusive com destacada participação na Guerra de Sucessão
Espanhola (1701-1713), ainda não possuía nenhuma experiência no ultramar. De
imediato, estranharia o clima, as gentes, os costumes; sem o saber, daria início a um dos
governos mais conturbados da história de Minas colonial, tendo que lidar com diversos
potentados sertanejos e seus séquitos a amotinar os povos; clérigos e militares
insubmissos; autoridades metropolitanas em constantes conflitos de jurisdição; além das
recorrentes ameaças de revoltas e rebeliões escravas.171
A respeito de seus primeiros dias na América portuguesa, assim como de suas
impressões iniciais acerca dos habitantes do “Novo Mundo” temos interessante e
conhecido documento, o “Diário da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o
171 Interessantes análises acerca da biografia de D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, assim como do tempo em que esteve a serviço do rei – tanto na Europa, quanto na América e Ásia – são encontradas em SOUZA, Laura de Mello e. Estudo crítico. In: DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994, pp. 13-59 & em SOUZA. O sol e a sombra, pp. 185-252.
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Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717”.172
Conforme se sabe, tal relato foi escrito por um acompanhante anônimo da comitiva de
D. Pedro que por sua vez descreveu detalhadamente o cotidiano da viagem então
realizada entre a cidade do Rio de Janeiro e Vila Rica, sobretudo no que se refere aos
percalços enfrentados pelas autoridades no trato com uma natureza e clima hostis. De
acordo com a opinião de Laura de Mello e Souza, nesta viagem “entre uma e outra
estadia urbana, o Conde dormiu em rede, viu-se na iminência de comer macaco e içá,
teve de suspender a jornada devido ao mau tempo, ou de enfrentar ‘marcha tirana’ e
‘lameiros’ para vencer a serra de Paranapiacaba”.173
Fato elucidativo do primeiro contato entre tais oficiais régios recém-chegados da
Europa e as autoridades militares locais se deu quando um corpo formado por 150
cavaleiros recebeu a comitiva do mais novo governador da Capitania a uma légua de
distância da cidade de São Paulo. Na ocasião, segundo relata o autor do diário da
viagem, os componentes da tropa paulista “vinham tão ridículos cada um por seu modo
que era gosto ver a diversidade das modas e das cores tão esquisitas, porque havia
casacas verdes com botões encarnados, outras azuis agaloadas por uma forma nunca
vista; e finalmente todas extravagantes: vinham alguns com as cabeleiras tão em cima
dos olhos que se podia duvidar se tinham frente; traziam então o chapéu caído para trás
172 DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. RSPHAN, no 03, 1939, pp. 283-316. 173 DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 31. De acordo com um trecho do relato de viagem, a 04 de outubro “continuou Sua Ex.ª a jornada, e chegando a um sítio chamado Iatevotiva [sic], no qual somente havia uma má casinha de palha, aí passou a noite bem perseguido de baratas, que eram em abundância praga tão grande neste país, como em Europa os percevejos. O dono do rancho era paulista o qual com generoso ânimo ofereceu a Sua Ex.ª para cear meio macaco, e umas poucas de formigas, que era com tudo quanto se achava. Agradeceu-lhe Sua Ex.ª a oferta, e perguntando-se-lhe [sic] a que sabiam aquelas iguarias, respondeu-o que o macaco era a caça mais delicada que havia naqueles matos circunvizinhos, e que as formigas eram tão saborosas depois de cozidas que nem a melhor manteiga de Flandres lhe igualava”. Cf. DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. RSPHAN, no 03, 1939, p. 307-308.
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que faziam umas formosas figuras, principalmente aqueles que abotoavam as casacas
muito acima”.174 Acerca deste episódio, conforme bem destacou Laura de Mello e
Souza, “se nas duas cidades [São Paulo e Rio de Janeiro] adotava-se, talvez às vezes na
forma de um arremedo grotesco, o padrão europeu de comportamento, o sertão era o
império do imprevisto e o espaço da diferença”.175
O percurso do Rio de Janeiro a São Paulo, por conseguinte, foi vencido pela
comitiva do governador num período de cerca de um mês e uma semana: chegando a
esta cidade no dia 31 de agosto de 1717, D. Pedro de Almeida tomou posse a 04 de
setembro na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, diante dos principais da Câmara e
demais “notáveis” da região.176 Como parte integrante da cerimônia de sua posse e de
acordo com o referido relato, nesta ocasião D. Pedro proferiu um discurso “com tanta
eficácia e com tanta propriedade, que todos ficaram admirados (...)”.177
Deste seu discurso em particular e ainda segundo análises de Laura de Mello e
Souza, digno de nota foi o apelo do governador aos paulistas para que os mesmos
dessem prosseguimento às suas atividades de prospecção pelo sertão da América
portuguesa. Assim, após ressaltar seus próprios serviços anteriormente prestados à
Coroa, D. Pedro de Almeida fez questão de destacar em sua fala a grande importância
dos homens do Planalto de Piratininga no desbravamento das regiões interioranas do
174 DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. RSPHAN, no 03, 1939, p. 302. 175 DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 31. 176 Segundo o relato, a cerimônia teve que ser celebrada no templo, uma vez que a “pequenez” da Casa da Câmara não o permitia. Cf. DIÁRIO da jornada que fez o Exmº Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas no ano de 1717. In: OLIVEIRA, Luiz Camilo de. Do Rio de Janeiro a Vila Rica. RSPHAN, no 03, 1939, p. 303. 177 Documento publicado e analisado de forma pioneira por Laura de Mello e Souza, tal discurso é, sem dúvida alguma – conforme ressalta esta mesma autora – bastante elucidativo no que se refere ao próprio encaminhamento das políticas metropolitanas para a América portuguesa neste período ainda notadamente marcado por incertezas e instabilidades. Cf. DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
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território, seja no combate aos quilombolas e ao gentio bravio – verdadeiros entraves ao
avanço da colonização – seja na descoberta dos metais e das pedras preciosas.
Segundo suas próprias palavras, notória era a “heroicidade” e “intrepidez”
daqueles homens que, ao acometerem “serras asperíssimas e espessos bosques nunca
penetrados”, combatendo “ora com feras inumanas, ora com feras racionais”, agiram
sem maiores pretensões do que bem servir a Sua Majestade. Enfrentando “fomes, sedes,
inclemências e solidões – perigos tantas vezes experimentados”, deram a “El Rei nosso
Senhor vários países tão ricos e tão opulentos, que hoje são as pedras que com mais
esplendor adornam a sua real diadema”.178
Ainda segundo o documento acima referido, ao término de sua audiência com
“as gentes do Planalto”, mais uma vez o governador exortou os paulistas a darem
prosseguimento aos seus empreendimentos de busca de novos descobertos auríferos,
prometendo-lhes, por conseguinte, pomposas retribuições. De acordo com D. Pedro de
Almeida, tanto nesta quanto em outras atribuições semelhantes a obediência às
determinações de Sua Majestade deveria ser o princípio supremo ao qual todos
deveriam se curvar e aquiescer: fonte de inspiração aos demais vassalos, ele próprio – o
governador – pretendia ser o “vivo exemplo da obediência que ao soberano se lhe
deve”.179
Nessa medida e talvez ignorando a própria experiência administrativa adquirida
por seus dois antecessores no governo da Capitania até aquele momento, mal sabia o
Conde que reger as Minas exigiria grande flexibilidade e poder de negociação, a ponto 178 DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 35. 179 Segundo suas palavras, caso os paulistas agissem em favor do engrandecimento da Fazenda Real promovendo novas descobertas de metais e pedras preciosas, poder-se-iam ficar “todos certos que choverão em número as graças e as honras de Sua Majestade, e abrir-se-ão os seus copiosos tesouros para remunerar tais serviços”. Cf. DISCURSO de posse de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, como governador das Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Um documento inédito. In: SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 40.
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até mesmo de não se dar cumprimento a determinadas ordens régias que ocasionalmente
poderiam colocar em risco a paz e a ordem pública na região.180
Em dezembro de 1717, por conseguinte, D. Pedro de Almeida já se encontrava
na Vila de Ribeirão do Carmo. Oportunamente, durante todo este mês o governador
participou de vários “jantares” e reuniões com D. Brás Baltazar da Silveira, tendo muito
provavelmente se inteirado de todos os assuntos referentes às Minas. Já nos primeiros
meses de sua administração, contudo, tratou logo de esboçar as novas diretrizes que a
partir de então orientariam o governo político, militar e financeiro da Capitania.
Na verdade, conforme destacam diversos autores e estudiosos do período em
questão, D. Pedro de Almeida fora enviado às Minas com a iminente incumbência de
aumentar o rendimento dos reais quintos, ao passo que deveria também desarticular as
redes locais de poderosos e contrabandistas que igualmente abundavam em todo o
território.181 Assim, como parte inicial de suas atribuições, caberia ao novo governador
efetivar uma nova forma de arrecadação dos reais quintos, proceder à arrematação das
passagens dos Caminhos do Sertão e Novo, além de efetuar o reordenamento das
milícias e criar a tropa paga.182
De acordo com as análises de Maria Verônica Campos acerca deste contexto,
observa-se que desde o primeiro momento D. Pedro de Almeida buscou implementar
medidas que minimizassem a participação das Câmaras na cobrança dos quintos, assim 180 Sobre este aspecto, é bastante ilustrativo o conhecido episódio no qual o rei de Portugal D. João V ordenara ao governador D. Brás Baltazar da Silveira efetuar a cobrança dos quintos das Minas por bateias a partir de novembro de 1714. Na impossibilidade de dar cumprimento a tal determinação e temendo colocar em risco o próprio controle político sobre a região em decorrência da eclosão de motins no arraial de Morro Vermelho e Caeté, D. Brás Baltazar logo descartou tal ordem, recebendo posteriormente vários elogios por parte de Sua Majestade. Cf. APM, SC 04, fl. 189v. “Carta de D. Brás Baltazar da Silveira ao rei”. Vila do Carmo, 28 de março de 1715. Tais fatos foram analisados por VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 125-129, v. 02 e por CAMPOS. Governo de mineiros, p. 148-152. 181 A este respeito, ver, dentre outros CAMPOS. Governo de mineiros, p. 254-255; ANASTASIA, Carla Maria Junho. Entre Cila e Caribde: as desventuras tributárias dos vassalos de Sua Majestade. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 237-246, jul. 1999. 182 Curiosamente, a determinação para se efetivar a criação de uma tropa paga na região das Minas já havia sido passada a D. Antônio de Albuquerque quando este ocupava o cargo de governador da Capitania; contudo, por falta de homens de confiança e/ou recursos disponíveis, tal medida não chegou a ser implementada. A este respeito, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 115.
93
como arrematar os contratos de passagem dos “Caminhos do Sertão” sem a interferência
dos potentados locais, sobretudo de Manuel Nunes Viana e seus sequazes.183
No que se refere aos impostos relativos à extração aurífera, àquela época ainda
vigorava a quota de trinta arrobas anuais, ao passo que os direitos de entradas e demais
impostos cobrados nos registros eram todos revertidos para as Câmaras municipais.
Nessa medida, em junta realizada a 01º de março de 1718 na Vila de Ribeirão do
Carmo, decidiu-se que os quintos seriam cobrados no valor de 25 arrobas de ouro
anuais, montante ao qual seriam acrescidos os rendimentos dos registros. Deste modo,
conforme se observa, as Câmaras deixariam de ser responsáveis pela cobrança dos
quintos, ao passo que seriam criados os cargos de Provedores paroquiais, sujeitos aos
Provedores Gerais das Comarcas. Como resultado parcial de tais medidas, logo se
verificou um relativo aumento nas arrecadações dos tributos, além da conseqüente
diminuição das prerrogativas camerárias.184
Entretanto, como era de se esperar, tais mudanças não ocorreriam sem percalços
e resistências por parte dos moradores das Minas. De imediato, D. Pedro de Almeida
encontrou grandes dificuldades para estabelecer o contrato dos registros de Barra do Rio
das Velhas, região altamente estratégica para as Minas, sobretudo no que se refere ao
comércio de gado, escravos e demais mercadorias provenientes da Bahia. Manuel
Nunes Viana, agindo em conluio com o Padre Antônio Curvelo de Ávila – mais
conhecido à época como o Pe. Curvelo – logo embargou todas as medidas propostas
pelo governador para a região, ameaçando inclusive restringir a passagem de gado
183 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 172 e ss. 184 Acerca deste contexto, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 168-178 e VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 149-150, v. 02. Sobre tais mudanças na forma de cobrança dos reais quintos, em uma de suas diversas cartas enviadas ao Ouvidor-Geral da Comarca do Rio das Velhas, o Dr. Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha, afirmou o governador que o seu ânimo era que “os quintos entr[asse]m em direitura na mão dos assessores da Fazenda Real sem pararem pelo conduto das Câmaras, onde se esperam então tantos descaminhos (...)”. Cf. APM, SC 11, fl. 27. “Para Bernardo Pereira de Gusmão”. Vila do Carmo, 04 de abril de 1718.
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bovino às Minas, o que ocasionalmente poderia gerar crises de abastecimento e
instabilidades na Capitania.185
Para igual desassossego do Conde governador, poucos meses após tais episódios
– comumente tratados pela historiografia como os Motins de Barra do Rio das Velhas
(1718) – Manuel Nunes Viana também se envolveria nos conflitos de distribuição de
terras minerais ocorridos na região de Catas Altas em 1719. Como não poderia deixar
de ser, tal situação exigiu medidas rigorosas por parte do governador a fim de se evitar
um novo motim de grandes proporções nas Minas.186
No que se refere à região de Pitangui em específico, a essa época – conforme já
destacamos anteriormente – a Câmara da Vila acumulara uma dívida de 05 arrobas de
ouro junto ao fisco referentes aos quintos dos dois anos antecedentes. Por conseguinte,
em uma de suas primeiras cartas endereçada aos camaristas de Pitangui datada em 25 de
abril de 1718, D. Pedro de Almeida se dizia perplexo diante da displicência dos
moradores da região, uma vez que estes pretendiam satisfazer a referida cobrança com o
envio de apenas 1600 oitavas de ouro à Secretaria daquele governo. Da mesma forma,
estranhava ainda o governador o fato de nenhuma autoridade da Vila ter requerido até
aquele momento a renovação de suas provisões e cartas patentes, situação que
deslegitimava todos os atos até então por eles praticados.187
Com efeito, em carta similar à enviada aos camaristas de Pitangui e num tom
veladamente ameaçador, na mesma data o Conde escreveu as seguintes linhas a
185 Curiosamente, a princípio o governador das Minas pretendeu estabelecer o contrato do registro de Barra do Rio das Velhas sob o apoio de Manuel Nunes Viana. Contudo, meses depois logo percebeu os perigos que tal aliança poderia proporcionar. A este respeito, ver APM, SC 11, fls. 08-09. “Para o Marquês de Angeja”. Vila do Carmo, 30 de dezembro de 1717 e APM, SC 11, fls. 55-56. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 27 de setembro de 1718. 186 A respeito dos Motins de Barra do Rio das Velhas e Catas Altas, consultar ANASTASIA. Vassalos rebeldes, pp. 99-112. 187 APM, SC 11, fl. 30. “Para a Câmara de Pitangui”. Vila do Carmo, 25 de abril de 1718. Curiosamente e não obstante seu descontentamento frente a atuação dos camaristas de Pitangui, nesta mesma carta D. Pedro de Almeida fez questão de noticiar aos mesmos que Sua Majestade havia lhe concedido o título de Conde de Assumar, o terceiro de sua linhagem. Assim, conforme suas palavras, D. Pedro achou por bem divulgar tal informação “porque entendo [Vossa mercês] se hão alegrar com todas as minhas fortunas”.
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Domingos Rodrigues do Prado, à época Capitão-mor da Vila: “não posso deixar de
admirar-me de que a Câmara dessa Vila entenda satisfazer com 1600 oitavas de ouro
aos quintos de dois anos, fazendo-se mais merecedora da minha estranheza que de
agradecimento algum, pois me faz persuadir da minha comiseração a fez abusar daquele
termo que antes a devia obrigar a fazer todos os esforços possíveis para que a Fazenda
de Sua Majestade não fique tão prejudicada, e assim como eu entendo que era grande
carga para esse povo a de cinco arrobas que se lhe lançaram, também (...) hei de
estranhar que a Câmara a queira reduzir a tão pouca quantidade, como a que agora
remeteram, e assim hei a Vossa mercê por muito recomendado este negócio para que
concorra da sua parte com toda a diligência para que se faça esta com o cuidado que se
requer e não fique El Rei por sorte entendendo que eu faltei [no que lhe devo] (...)”.188
Significativamente, por essa época – conforme se depreende da documentação –
a situação política de Pitangui era de grande instabilidade. Seus moradores, temerosos
ante a possibilidade de uma ação rigorosa por parte do governador, ameaçavam
abandonar a região, estratégia inclusive comumente empregada pelos paulistas em
situações desfavoráveis ou de risco iminente.189 Tomando conhecimento de tais
circunstâncias, o Conde de Assumar, por sua vez, resolveu mudar de estratégia,
expedindo ordens para que se publicasse o perdão e “indulto geral” a todos os
moradores da Vila e seu distrito que por ventura estivessem incursos nos crimes de
sublevação anteriormente ocorridos. Como justificativa para as medidas então adotadas,
Assumar destacou a importância e as “grandíssimas” utilidades que poderiam advir à
Fazenda Real caso a exploração das minas da região permanecesse em plena atividade,
188 APM, SC 11, fls. 30-30v. “Para Domingos Rodrigues do Prado, Capitão-mor do Pitangui”. Vila do Carmo, 25 de abril de 1718. 189 A este respeito, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 122 e ss.
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situação que se encontrava sob ameaça dada a tendência de despovoamento da Vila
naquela ocasião.190
Documento bastante interessante, o indulto publicado por Assumar, contudo,
não era um mero perdão aos amotinados de Pitangui. Agindo com claras intenções de
cooptar os poderosos locais e manter o controle sobre a região, D. Pedro de Almeida
afirmava, no entanto, que a sua “real” pretensão era a de repovoar a Vila “não [apenas]
com os moradores que antes tinha, mas com todos os que da Comarca de São Paulo se
quiserem ali estabelecer (...)”. Assim, conforme suas próprias palavras, tal medida
“mostraria aos paulistas o eficaz ânimo com que desej[ava] protegê-los em virtude das
ordens de Sua Majestade, nas quais assim mo manda praticar em remuneração do
incomparável serviço que os mesmos paulistas lhe fizeram no descobrimento destas
minas de que tem resultado acrescentar-se ao seu Real domínio esta nova e tão
considerável conquista, e a Sua Real Fazenda grandíssimas conveniências, e assim
mesmo aos seus vassalos (...)”.191
Como condição para a efetivação do dito perdão, exigia o governador que os
antigos moradores se recolhessem no prazo de um ano à Vila e seu distrito, assim como
“todos os paulistas que da Comarca de São Paulo se quiserem de novo estabelecer, o
que todos farão vindo com suas mulheres e famílias, e com todo o estabelecimento de
negros e carijós que antes tinham, como também os que sem serem casados tiverem esta
mesma fábrica, para que conste que vem com ânimo de permanecer e existir na dita
paragem (...)”. “E como se não deve fazer diferença entre os vassalos de Sua Majestade
190 APM, SC 11, fls. 272-273. “Sobre o perdão e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito”. Vila Real, 30 de maio de 1718. 191 Todos os trechos citados foram extraídos de APM, SC 11, fls. 272-273. “Sobre o perdão e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito”. Vila Real, 30 de maio de 1718.
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de qualquer dos seus domínios, tanto de Portugal, América e Ilhas, [continuava o
Conde], o dito perdão e indulto concedo a todos geralmente na forma sobredita”.192
Dando prosseguimento ao seu plano de pacificação da região, no mesmo
documento prometeu ainda o governador que dali por diante os quintos seriam cobrados
na Vila “com toda a suavidade”, ao passo que os novos moradores que ali se
estabelecessem nos dois anos subseqüentes – sendo possuidores de dez ou mais negros
ou carijós – estariam todos obrigados a pagarem apenas a metade do valor estabelecido
para o imposto. Do mesmo modo, sesmarias seriam doadas para que tais homens
pudessem, em conjunto com suas famílias, plantarem lavouras e estabelecerem
moradias fixas.
A medida mais impactante, no entanto, ainda estava por vir: não satisfeito com
as concessões feitas até o momento, Assumar prometeu também o foro de “Cavalheiro”
a todos os indivíduos que servissem nos cargos de Juízes, Vereadores e Procuradores da
Vila de Pitangui, privilégio idêntico ao que já havia sido concedido nos anos anteriores
aos camaristas da Cidade de São Paulo.193 Curiosamente, ao que parece, tamanha
liberalidade por parte de Assumar causou grande estranhamento nos membros do
Conselho Ultramarino, o que por sua vez rendeu ao governador severas críticas e
reprimendas por parte de Sua Majestade. De acordo com as análises de Francisco
Eduardo de Andrade, o Conselho Ultramarino reprovou a concessão do perdão aos
criminosos de Pitangui, assim como do privilégio de “Cavaleiro” dado aos oficiais da
Câmara da Vila, avaliando que o governador exorbitara de sua função, usando de um
192 Todos os trechos acima citados foram extraídos de APM, SC 11, fls. 272-273. “Sobre o perdão e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito”. Vila Real, 30 de maio de 1718. 193 APM, SC 11, fls. 272-273. “Sobre o perdão e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito”. Vila Real, 30 de maio de 1718.
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direito privativo do Rei. O Conde, por seu turno, concordou com o parecer do
Conselho.194
Neste meio tempo, por conseguinte, D. Pedro de Almeida recebeu uma
auspiciosa notícia: segundo rumores, Domingos Rodrigues do Prado estava prestes a
deixar temporariamente a Vila de Pitangui a fim de cuidar de seus assuntos pessoais no
Planalto paulista.195 Sugestivamente, em carta ao Desembargador Bartolomeu de Souza
Mexia, anos depois o próprio Conde de Assumar registraria suas impressões acerca do
referido episódio. De acordo com seu relato, naquela ocasião Domingos Rodrigues do
Prado partira para o recôncavo de São Paulo por suas próprias conveniências; “(...) e eu
que não desejava outra coisa dei graças a Deus da sua resolução, porque enquanto ali
estava aquele homem não havia forma de executar em cousa alguma o serviço de Sua
Majestade; nem cobrar quintos como era razão, porque até ali cada um pagava o que
queria, e ele que sempre [dizia] às gentes daquela Vila a que os não pagassem; e, além
disto, era aquele distrito um dos coutos de todos os criminosos deste governo (...)”.196
Ciente da resolução de Domingos Rodrigues do Prado, o governador tratou de
agir com presteza: de imediato, expediu ordem aos camaristas de Pitangui para que
nomeassem um novo Provedor dos quintos para a Vila, o qual deveria ser oficial “de
conhecido zelo e atividade no serviço de Sua Majestade”.197 Da mesma forma, a 28 de
julho deste mesmo ano enviou minuciosas instruções ao Brigadeiro João Lobo de
Macedo que a partir de então estaria encarregado da regência e governo dos moradores
194 CONSULTAS do Conselho Ultramarino (1680-1718). RIHGB, Rio de Janeiro, v. 1, tomo especial, 1956, pp. 124-126. Apud ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, p. 276, nota 67. 195 APM, SC 11, fl. 34-34v. “Para os juízes e oficiais da Câmara de Pitangui”. Vila Real, 28 de maio de 1718. 196 APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu Bueno de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720. 197 APM, SC 11, fls. 34-34v. “Para os juízes e oficiais da Câmara de Pitangui”. Vila Real, 28 de maio de 1718.
99
de Pitangui.198 Neste sentido, utilizando-se da mesma estratégia já adotada anos antes
por D. Brás Baltazar da Silveira, Assumar pretendia estabelecer o controle sobre a
região através do envio de uma autoridade externa com plenos poderes para administrar
a Vila, o que ocasionalmente poderia ofuscar a predominância dos potentados locais.
Conforme se observa em sua carta patente, João Lobo de Macedo era um
experiente oficial português: nascido na província do Minho, possuía extenso rol de
serviços anteriormente prestados à Coroa, tanto no reino quanto na América, galgando
em sua trajetória os mais diversos postos na hierarquia militar. De acordo com o próprio
Conde de Assumar, João Lobo estava a serviço de Sua Majestade desde o ano de 1682:
ora em Portugal, ora no ultramar, ocupara os postos de Soldado, Cabo de Esquadra,
Sargento, Alferes, Capitão de Infantaria (no Rio de Janeiro e em Nova Colônia) e
Ajudante de Tenente (em Pernambuco), com exercício de Tenente General. De seu
passado em armas, constavam atuações no combate a diversos quilombos e tribos
indígenas bravias nas Minas, ao passo que também compusera as tropas que
acompanharam D. Antônio de Albuquerque ao Rio de Janeiro quando da invasão
francesa em 1711-1712. Como parte da retribuição a tais serviços prestados, em abril de
1714 D. Brás Baltazar da Silveira o nomeara inclusive Brigadeiro de Infantaria daquele
governo, com preeminência sobre todos os demais militares (Mestres de Campo,
Coronéis, Capitães-mores e demais oficiais).199
Dessa forma e dotado de tal “currículo”, João Lobo de Macedo parecia aos olhos
de Assumar como o homem ideal para a regência de Pitangui naquele momento. No que
se refere às “instruções” que recebera para o cargo, por conseguinte, – assim como
acontecera com Pedro Gomes Chaves quando de seu envio por D. Brás Baltazar para
198 APM, SC 11, fls. 40-41v. “Instrução que leva o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 28 de julho de 1718. 199 APM, SC 12, fls. 59v-60v. “Carta patente passada a João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 30 de julho de 1718.
100
reger a Vila anos antes – a missão de João Lobo resumia-se a aquietar os ânimos dos
moradores da região e dirimir todas as divergências pré-existentes. Para alcançar tal
objetivo, segundo a opinião de Assumar, João Lobo de Macedo teria que se valer de
toda a prudência e moderação possível, pois caso contrário não lograria nenhum sucesso
no trato com tais homens.200
Dos treze capítulos que compunham as “instruções” que levava o Brigadeiro,
alguns merecem particular destaque. De início, afirmava o governador que o seu grande
desejo era “ver povoadas aquelas minas”, ao passo que o perdão que mandara publicar
absolvendo todos os moradores de Pitangui dos crimes anteriormente cometidos
demonstraria o quanto “[era] inclinado aos paulistas para favorecê-los em todos os
negócios que tiverem justiça (...)”. Revelando sua opinião acerca dos costumes da gente
de São Paulo, sugeria o Conde que João Lobo os assentasse em partes estáveis e
duradouras “[para] que não andem vagabundos como é costume nos paulistas (...)”; de
qualquer forma, era preciso “usar com eles de afabilidade, e bom modo, e tratá-los em
todas as matérias mais com brandura que com rigor, porque sendo os paulistas
naturalmente temerosos e que facilmente se receiam de qualquer coisa, (...) é necessário
[fazer o] que for possível [para] desassombrá-los”.
No que se refere à distribuição dos cargos do Senado da Câmara, ordenava ainda
o governador que os mesmos fossem repartidos em igual número entre reinóis e
paulistas – “havendo-os capazes” – advertindo que “sobre isto há ordem expressa de
Sua Majestade”. Na verdade, segundo a opinião do Conde, era preciso associar os
paulistas aos reinóis “para desfazer a oposição que há entre uns e outros”, “porque das
desuniões entre os vassalos se seguem conseqüências mui perniciosas à República”. Por
fim, dispunha Assumar que às pessoas que “de novo” quisessem se estabelecer na Vila
200 Cf. APM, SC 11, fls. 40-41v. “Instrução que leva o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 28 de julho de 1718.
101
com suas famílias e agregados fossem-lhes dadas cartas de sesmarias que por sua vez
deveriam ser devidamente registradas; com relação aos religiosos das diversas ordens
existentes nas Minas à época, era preciso vedar a passagem dos mesmos à Vila a fim de
se evitarem novos tumultos e contendas.201
Todavia, e para novo desassossego de D. Pedro de Almeida, mais uma vez a
prática administrativa em terras coloniais denotava a lacuna existente entre a teoria
política e a realidade vivenciada, apartando-se esta última das determinações presentes
nas leis, ordens e alvarás. Nesse sentido, pouco mais de um mês após repassar tais
instruções ao Brigadeiro João Lobo de Macedo, Assumar recebeu informações de que
os moradores de Pitangui, sob armas, intentavam proibir a entrada de tal autoridade na
Vila. Nessa medida, a 05 de setembro de 1718 – cerca de apenas três meses após ter
publicado o perdão a todos os amotinados da região – o governador dirigiu-se aos
camaristas de Pitangui nos seguintes termos:
“As desobedientes resoluções dessa Câmara e desses moradores, e o mau
costume em que estão de repugnarem a todas as ordens dos seus superiores, tem
apurado tanto a minha paciência e a minha moderação, que determinando eu até agora
usar desta apesar dos atrozes delitos que neste distrito se cometem, como a emenda
deles é aumentar delito a outro delito, já me vou desenganado de que visse o remédio
que há para que esses moradores vivam na mesma sujeição dos outros deste Governo é
obrigá-los pela força, e com asperezas do castigo; e para isto, não espero mais que ver
verificadas as notícias que aqui correm de que nessa Vila se não queria aceitar ao
Brigadeiro João Lobo que mandei para governar esse distrito e que com insolência
inaudita pretendiam Vossa mercês levantar por ali um Capitão-mor (...)”.
201 Todas as referências e trechos citados nos parágrafos acima foram retirados do documento APM, SC 11, fls. 40-41v. “Instrução que leva o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 28 de julho de 1718.
102
“E podem estar certos Vossa mercês, [concluía o Conde], que se uma vez
desembainhar a espada, chamarei à memória todos os delitos passados, e não entendam
Vossa mercês que a distância dos matos me há de servir de embaraço para deixar de
colher os delinqüentes, pois já a experiência lhe pode ter mostrado o modo porque me
custa fazer estas diligências, mas se assentassem Vossa mercês consigo o viver na
obediência que devem como leais vassalos, nada disso será necessário; mas receio que o
mau hábito em que Vossa mercês estão os faça reincidir muitas vezes nos seus
desacertos, e ficando por este respeito menos acreditada a fé que de antes tinha em
Vossa mercês, me resolvo a ir eu a ser testemunha dos seus procedimentos, e assim
Vossa mercês me mandem preparar uma Casa nessa Vila e concertar os caminhos para
estarem prontos sempre que me parecer partir para essa Vila”.202
2.2 – “Tumba da paz, berço da rebelião (...)”
Na realidade, conforme se observa nas próprias cartas trocadas entre as diversas
autoridades da Capitania, o mês de setembro de 1718 foi determinante no que se refere
ao recrudescimento das tensões entre o governador e os potentados locais de Pitangui.
Pretendendo cercear a entrada de João Lobo de Macedo na Vila, semanas antes os
moradores da região nomearam a Manuel Dias da Silva como novo Capitão-mor do
local, atitude que causou fortes reprimendas por parte do Conde de Assumar.
Significativamente, a 08 de setembro deste mesmo ano o governador escreveu
duas cartas, uma endereçada a Manuel Dias da Silva e outra aos camaristas de Pitangui.
Às autoridades camerárias da Vila, afirmava o Conde ter informações precisas acerca de
todos os acontecimentos passados, estranhando o fato de tais homens, “esquecendo-se
da obrigação de leais vassalos, [estarem obrando] mais como bandidos e ferozes, 202 APM, SC 11, fl. 47. “Para os oficiais da Câmara da Vila de Pitangui”. Vila do Carmo, 05 de setembro de 1718.
103
[envolvendo] o povo em tal desatino (...)”. Assim, exigia que tais autoridades logo
dessem posse ao Brigadeiro João Lobo de Macedo, “sob pena de mandar pôr fogo a
essa Vila para que não haja mais memória dela (...)”.203
A Manuel Dias da Silva, por conseguinte, escreveu o Conde as seguintes linhas:
“Recebi a carta de Vossa mercê e se algumas pessoas me não tiveram segurado que
Vossa mercê aceitará a nomeação do povo para fazer com mais brevidade aceitar o
Brigadeiro João Lobo conforme as minhas ordens, certamente contra Vossa mercê se
converteria toda a minha indignação, porque me não posso persuadir que um homem
seja branco e seja honrado e falte as obrigações de leal vassalo e a submissão que deve
ao seu príncipe, fazendo-se cabeça de um povo amotinado; e ainda mais me espanta
[continuava o Conde] pretendendo ser Vossa mercê os principais desta Vila, e achando-
se nela com amigos e parentes, não tivesse valor para reprimir o atrevimento desse
povo; mas veres o que Vossa mercê obra na aceitação do Brigadeiro João Lobo para
então acabar de conhecer o fim deste negócio (...)”.204
Contudo, o mais grave ainda estava por vir, uma vez que João Lobo de Macedo
– mesmo a despeito das ordens e orientações expressas que recebera do governador –
atrasara clamorosamente a sua partida para Pitangui. Indignado, também a 08 de
setembro o Conde enviou uma carta ao Brigadeiro e num tom de desabafo, afirmou:
“Confesso a Vossa mercê que já vou desconfiado de não saber governar este governo,
porque me não vale o prevenir os sucessos e dispor as cousas para ele, pois aqueles que
deviam observar as minhas ordens as executam como melhor lhes parece; (...) e agora
203 APM, SC 11, fls. 47-47v. “Para a Câmara de Pitangui”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718. Sobre este aspecto, é interessante notar que neste documento os camaristas de Pitangui alegaram que poderosos da região os obrigaram a dar posse a Manuel Dias da Silva como Capitão-mor da região. Assumar, por sua vez, não deu crédito a tal versão, afirmando que “(...) essa Câmara, com alguns particulares, ou conspirou neste caso para que o povo se levantasse, ou são tão indignos e tão pusilânimes que não tiveram valor para mostrar a cara e reprimir a insolência de quatro atrevidos (...)”. 204 APM, SC 11, fl. 47v. “Para Manuel Dias da Silva”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718.
104
que o caso está sucedido, quero ter o gosto de me pôr como expectador [para ver] como
Vossa mercê o remedia”.205
Na realidade, segundo versão presente nas fontes oficiais, o Brigadeiro João
Lobo de Macedo estava à época em fragorosa desavença com Suplício Pedroso Xavier,
antigo Provedor dos quintos de Pitangui e um dos principais potentados da região. Tal
litígio decorria da disputa pela posse de um escravo que se encontrava na casa de João
Lobo, situação que, de acordo com os documentos e registros do governador, justificaria
o temor deste em ocupar a regência da Vila conforme as ordens de Assumar.206
Diante de tal impasse, a solução engendrada por Assumar foi apelar para alguns
moradores da região considerados “mais confiáveis e afeitos à ordem pública” a fim de
facilitarem a entrada do Brigadeiro na Vila. Ao que parece, sua estratégia logo surtiu
efeito, pois a 22 do referido mês de setembro o governador recebeu a notícia de que
João Lobo de Macedo já havia tomado posse do cargo na Câmara de Pitangui.207
Significativamente, nesta data o governador enviou várias cartas de agradecimentos a
diversos moradores da Vila, elogiando o fato de todos terem igualmente colaborado
para que o Brigadeiro entrasse em Pitangui e ocupasse o cargo para o qual havia sido
designado.208
Sobre este aspecto, conforme se pode supor, é provável que Assumar tenha se
valido inclusive das próprias divisões internas entre os potentados de Pitangui a fim de 205 APM, SC 11, fls. 47v-48. “Para o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718. 206 A este respeito, ver APM, SC 11, fls. 47v-48. “Para o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 08 de setembro de 1718; APM, SC 11, fl. 48v. “Para Suplício Pedroso”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718. 207 APM, SC 11, fl. 48. “Para Diogo da Costa da Fonseca”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718; APM, SC 11, fls. 49-49v. “Para Joseph Rodrigues Betim”. Vila do Carmo, 10 de setembro de 1718; APM, SC 11, fls. 53-53v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 18 de setembro de 1718; APM, SC 11, fls. 53v-54. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 22 de setembro de 1718. 208 Na extensa lista de colaboradores composta por Assumar constavam os nomes de Gaspar Barreto; José Ferraz; Francisco Bueno de Camargo; Lourenço do Prado; Luis Calassa; Antônio Rodrigues Velho – juiz ordinário de Pitangui; Antônio Ribeiro da Silva; Manuel Preto; Antônio Leme do Prado; Diogo da Costa da Fonseca; Miguel de Faria Sodré; Júlio César Moreira; José de Campos Bicudo e José Rodrigues Betim. Cf. APM, SC 11, fl. 54v. “Para Gaspar Barreto”. Vila do Carmo, 22 de setembro de 1718.
105
alcançar seus objetivos, sobretudo no que se refere às clivagens pré-existentes
envolvendo paulistas e taubateanos e entre os mesmos e os reinóis. Fato elucidativo,
entre os colaboradores do governador listados no documento anteriormente destacado
(nota de rodapé nº 208), quase todos eram paulistas, alguns de reconhecida inimizade
com Suplício Pedroso Xavier, Domingos Rodrigues do Prado e seu séquito.
A entrada de João Lobo de Macedo na Vila, contudo, estaria longe de
representar a vitória de Assumar frente aos interesses e pretensões autonomistas dos
potentados de Pitangui. De imediato e como reflexo de acordos firmados à revelia das
ordens do governador, uma das primeiras medidas administrativas tomadas pelo
Brigadeiro foi publicar um novo perdão a todos os indivíduos envolvidos nos crimes e
motins anteriormente cometidos na região. Tal procedimento, como não poderia deixar
de ser, causou grande indignação em Assumar, uma vez que no capítulo 07 das
instruções que remetera a João Lobo constava que este não deveria prometer “nada de
positivo” aos moradores da Vila, ao passo que ele – o governador – deveria ser
previamente consultado antes da adoção de qualquer medida que não constasse em suas
ordens.209
Como reprimenda ao Brigadeiro, a 22 de setembro de 1718 Assumar lhe enviou
uma carta, dizendo não consentir de forma alguma na publicação do novo perdão aos
amotinados de Pitangui. De acordo com suas próprias palavras, parecia-lhe “muito mal
estar cada dia ridicularizando o respeito e autoridade de El Rey (...) pelas culpas desse
povo, e pelo respeito com que se atreve a cometer todo gênero de delitos, talvez fiados
na facilidade com que se lhe perdoam, porque não é este o caminho por onde se devem
estabelecer as Colônias; e estas só se fazem perpétuas e duráveis na boa administração
da Justiça, que em faltando tem certa a sua destruição (...)”. Da mesma forma, afirmava
209 APM, SC 11, fls. 53v-54. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 22 de setembro de 1718.
106
ainda que “nem eu sei que El Rey, nem o público tenham conveniência em que essa
Vila esteja povoada de tais vassalos que cada dia estejam levantando-se e faltando a
obediência que devem, nem são estes os que desejo que a povoem, e virá a importar
muito pouco que os desta casta desamparem o seu domicílio; antes pelo contrário, só
assim fica lugar para sair estabelecendo a quietação com que eu procuro vivam os que
vierem de novo a fazer aí a [sua] subsistência”.210
A esta altura, segundo se observa, “a opinião” do governador acerca do caráter
dos moradores de Pitangui já havia sofrido mudanças substanciais, sobretudo quando se
compara o conteúdo do trecho acima destacado com o tom ameno das primeiras cartas
do governador enviadas aos camaristas da Vila. Conforme as próprias palavras de
Assumar deixam entrever, de fato, neste novo contexto a pretensão do Conde era punir
exemplarmente os principais líderes dos motins de Pitangui, uma vez que a omissão do
castigo em semelhantes casos poderia trazer conseqüências “mais perigosas e de maior
pendor” para as Minas, pois serviam de [mau] exemplo às demais regiões.
Desta forma e sem maiores perdas de tempo, o governador logo iniciou a
organização e mobilização de tropas militares para um eventual assalto à Vila de
Pitangui. Em carta ao Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas datada de 09 de
setembro, afirmava o Conde que “(...) suposto que até agora usei com eles [os
moradores de Pitangui] de toda a moderação, para ver se com esta, com a brandura
podia domar aquelas feras, mostra a experiência que isto para eles não vale cousa
alguma; é necessário agora procurar o do rigor, e assim Vossa mercê logo que esta lhe
chegar passe à dita Vila de Pitangui a tomar conhecimento deste caso, (...) porque para
210 Todos os trechos citados estão presentes em APM, SC 11, fls. 54-54v. “Para o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 22 de setembro de 1718.
107
Sua Majestade mais conveniente lhes será que a não haja que ter ali um contínuo
fermento de rebelião (...)”.211
No entanto e dadas as próprias limitações do aparato militar da Capitania, mais
uma vez o Conde de Assumar teve que solicitar a colaboração e o apoio de diversas
autoridades das Minas para compor a tropa, sobretudo no que se refere ao envio de
escravos, cavalos, armas e mantimentos.212 Contudo e não obstante a gravidade da
situação, o governador ainda titubeava no que diz respeito à melhor maneira de
enquadrar os delinqüentes de Pitangui, pois, conforme ele mesmo afirmara em diversas
oportunidades, conhecendo “o caráter dos paulistas” e seus “labirintos antigos”, o mais
provável era que, ao primeiro rumor de castigo, tais homens debandassem em
precipitada fuga, malogrando o empreendimento. Por outro lado, havia também dúvidas
de qual seria o melhor momento para agir, sobretudo naquela ocasião em que o
Brigadeiro João Lobo de Macedo já se encontrava na Vila.213
Neste impasse, a 27 de setembro deste mesmo ano de 1718 o governador enviou
uma carta ao Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas, o Dr. Bernardo Pereira de
Gusmão e Noronha, pedindo-lhe que “dilatasse” por alguns meses a sua viagem a
Pitangui – incumbência esta que deveria ser executada posteriormente na forma de uma
“correição”.214 Na realidade, neste período D. Pedro de Almeida ainda estava às voltas
211 APM, SC 11, fls. 48v-49. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718. 212 Sobre este aspecto, em uma de suas diversas ordens publicadas solicitava o Conde que “A todo Mestre-de-Campo, ou Coronel, e daí para baixo qualquer oficial de qualquer grau ou qualidade que seja que for notificado por esta minha ordem, se ponha logo pronto com as pessoas armadas de seus Regimentos no número que o Dr. Ouvidor Geral Bernardo Pereira de Gusmão lhe determinar; e seguirão em tudo a ordem que da minha parte lhe der nas diligências do serviço de Sua Majestade aonde o mandar, advertindo que a gente que levarem há de se pagar pelo preço que o dito Dr. Ouvidor lhe arbitrar; e assim lhe ordeno a todos os que forem a esta diligência façam (...) à gente que consigo levarem toda boa ordem e disciplina, sem consentir em roubos nem inquietações aos paisanos nas suas roças e fazendas”. APM, SC 11, fl. 53v. “Ordem”. Vila do Carmo, 18 de setembro de 1718. 213 APM, SC 11, fls. 53-53v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 18 de setembro de 1718. 214 APM, SC 11, fls. 55-56. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 27 de setembro de 1718. Conforme se sabe, era prática comum à época os Ouvidores Gerais das Comarcas realizarem visitas
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com a chegada de uma nova frota portuguesa ao Rio de Janeiro, o que lhe obrigava a
ajustar todas as contas fiscais da Capitania com grande urgência a fim de remeter os
impostos arrecadados ao reino sem maiores problemas.215
Envolto em tais atividades, porém, meses depois Assumar recebeu a informação
de que alguns religiosos “mal procedidos” estavam a insuflar os moradores de Pitangui
a rebelarem-se novamente contra todas as ordens que partissem de Ribeirão do Carmo.
A 04 de novembro de 1718, por conseguinte, o Conde enviou nova carta ao Brigadeiro
João Lobo de Macedo, exigindo a prisão imediata de tais religiosos e o envio dos
mesmos à sede daquele governo. Segundo as palavras do governador, era inaceitável o
clima de rebeldia vivenciado pelos habitantes de Pitangui, “pois quando esses
moradores se sossegam por uma parte, pela outra os de fora os querem envolver em
inquietações”.216
Curiosamente, um dos personagens arrolados no episódio – o padre Miguel
Mascarenhas – era irmão do jesuíta Joseph Mascarenhas, homem de estrita confiança de
Assumar. Joseph Mascarenhas, tendo atuado como conselheiro pessoal do governador
durante sua estadia nas Minas, foi provavelmente também um de seus colaboradores na
elaboração do Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no
ano de 1720, obra que justificava as ações implementadas pelo Conde na ocasião da
Revolta de Vila Rica.217 Por conseguinte, em carta a Miguel Mascarenhas, Assumar
dizia-se admirado diante do fato de um irmão do padre Joseph Mascarenhas – “de quem
periódicas aos povoados e Vilas de sua jurisdição para resolverem litígios e processos em atraso; eram as chamadas “correições”. 215 Sobre este aspecto, conforme bem destacou Júnia Ferreira Furtado, sempre que se espalhava a notícia de que uma nova frota portuguesa se aproximava do Rio de Janeiro, a população da Capitania entrava em reboliço: com os navios, chegavam também novas mercadorias, encomendas, cartas particulares e ordens régias, ao passo que o fisco igualmente apertava suas rédeas no que se refere às dívidas em atraso. A este respeito, ver FURTADO. Homens de negócio, 2006. 216 APM, SC 11, fl. 68v. “Para o Brigadeiro João Lobo de Macedo”. Vila do Carmo, 04 de novembro de 1718. 217 A este respeito, ver SOUZA. Estudo crítico. In: DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994, pp. 13-59.
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era tão amigo” – andar “por este País envolvendo os povos em perturbações, e
escandalizando a todos com um procedimento muito alheio a um eclesiástico (...)”.
Porém, continuava o Conde “(...) como não posso me persuadir de todas as notícias que
me chegam, logo que Vossa mercê [o padre Miguel Mascarenhas] receber a presente,
venha a esta Vila a representar-me a razão que o acompanha para um tal procedimento,
e lhe advirto que assim convém muito ao serviço de Sua Majestade; e fio de Vossa
mercê o dê logo execução sem demora alguma”.218
Na realidade, desde os primórdios de seu governo Assumar travou uma
verdadeira guerra contra os religiosos mal procedidos nas Minas, campanha esta, aliás,
já esboçada por seus antecessores no governo da Capitania. Sobre os padres,
recorrentemente recaíam críticas de que, valendo-se dos privilégios de sua condição,
não raro vários deles infiltravam-se em redes de contrabandos e tratos ilícitos, além de
instilarem os povos ao não pagamento dos impostos devidos. No que se refere à atuação
dos frades em Pitangui, na ocasião Assumar recorreu ao Vigário da vara de Sabará – a
quem os religiosos da região estavam submetidos – e inclusive ao Bispo do Rio de
Janeiro, denunciando as irregularidades cometidas e exigindo providências.219
Em carta datada de 28 de novembro de 1718 endereçada ao Padre João Vaz
Ferreira, Vigário da vara de Sabará, afirmava o Conde não saber “em que se fundava a
política dos Senhores eclesiásticos destas Minas; e menos a de Vossa mercê, em nunca
medirem as suas resoluções com o tempo em que as tomam, pois vendo Vossa mercê
quão Pitangui estava melindroso com um levantamento público ainda mal concluído, e 218 APM, SC 11, fls. 68v-69. “Para o Padre Miguel Mascarenhas”. Vila do Carmo, 04 de novembro de 1718. Outro religioso envolvido no episódio foi o padre Domingos Marques Cabral. A este, Assumar escreveu as seguintes linhas: “Por justos motivos do serviço de Sua Majestade, é muito conveniente que Vossa mercê se abstenha de entrar na Vila de Pitangui e seu distrito, o que aviso a Vossa mercê advertindo-lhe que ao Brigadeiro João Lobo de Macedo tenho dado ordem o não consinta ali, e fio de Vossa mercê usará nesta matéria com tal prudência que não seja necessária segunda advertência”. Cf. APM, SC 11, fl. 69. “Para o Padre Domingos Marques Cabral”. Vila do Carmo, 04 de novembro de 1718. 219 APM, SC 11, fl. 80. “Para o Padre João Vaz Ferreira, Vigário da vara do Sabará”. Vila do Carmo, 28 de novembro de 1718; APM, SC 11, fls. 81v-82v. “Para o Bispo do Rio de Janeiro”. Vila do Carmo, 30 de novembro de 1718.
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quando a prudência requeria deixar algum tempo serenar a tempestade, vai Vossa mercê
introduzir-lhe uma guerra a mais intestina que se pode imaginar; e o padre [Manuel]
Mascarenhas, [continuava o Conde], é tão bom executor que não há doidice que sobre
esta matéria não tenha inventado, ora com piedade afeitada [sic], ora com bravuras e
bravatas como as de um Rodamonte [sic] (...)”. Nessa medida, ordenava o governador
que o referido Vigário desse “pronto remédio” a tal caso e “atalhasse todas as desordens
cometidas”, pois caso contrário utilizaria ele de todas as prerrogativas que o rigor da lei
permitia em semelhantes situações.220
Ao Bispo do Rio de Janeiro, por sua vez, alertava o Conde que “todas as coisas
sobreditas confirmarão a Vossa Ilustríssima na opinião que já alguns têm neste Governo
de que eu me intrometo muito com os eclesiásticos; mas oxalá que eles não me deram
motivo nenhum para eu me meter com eles, porque não ando na verdade tão ocioso,
nem tão pouco ocupado com os negócios próprios que vá buscar os alheios; mas não
permite Deus que haja estas cousas para minha tentação e queira a sua Divina
misericórdia que eu não caia nela, nem no mau exemplo que estes me dão com os seus
ódios; com as suas cizânias; com as suas teimas; com os seus concubinatos; com as suas
valentias; e com a vida licenciosa com que aqui pretendem viver, servindo-se só da
santa imunidade do seu caráter para ficarem impunes nos seus delitos e para entenderem
que para eles não há lei, nem Rei, nem bons costumes, nem freio que modere as suas
condutas, sendo para eles muito pequeno o céu, o inferno, e o escândalo dos homens
(...)”.221
Nos meses que se seguiram, no entanto, não só Pitangui mas as Minas como um
todo vivenciariam um novo clima de recrudescimento das tensões. Em fevereiro de
220 APM, SC 11, fl. 80. “Para o Padre João Vaz Ferreira, Vigário da vara do Sabará”. Vila do Carmo, 28 de novembro de 1718. 221 Trechos extraídos de APM, SC 11, fls. 81v-82v. “Para o Bispo do Rio de Janeiro”. Vila do Carmo, 30 de novembro de 1718.
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1719 – no mesmo período em que Sua Majestade, o Rei de Portugal, expedia as ordens
para a ereção das Casas de Fundição na Capitania – Assumar recebeu a informação de
que Diogo da Costa da Fonseca, um dos colaboradores do governador em Pitangui,
havia sido brutalmente assassinado na região. A essa época, Diogo da Costa ocupava
um dos cargos de Provedor dos quintos da Vila e, ao que sugerem as fontes, Domingos
Rodrigues do Prado, já tendo provavelmente retornado a Pitangui, estava indiretamente
envolvido em sua morte.222
Indignado perante tal situação, em carta ao Ouvidor do Rio das Velhas datada de
02 de março deste mesmo ano, afirmava o Conde que “(...) não sendo eu muito amigo
de sangue, nestes casos desejaria matar os matadores se são aqueles que eu cuido (...), e
tomara que se [averigúe] bem esta matéria que os [hei] de perseguir até o último”.223
Curiosamente, contudo, neste período há uma relativa lacuna nas fontes documentais
acerca de Pitangui e, ao que tudo indica, a morte de Diogo da Costa da Fonseca não foi
apurada nesta ocasião.
Nesse sentido, apenas em outubro de 1719 temos novas referências acerca de
Pitangui: em carta ao Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha datada em 23 do
referido mês, relatou o Conde ter notícias de que dias antes os camaristas da Vila, com a
anuência de João Lobo de Macedo, intentaram estabelecer um contrato para reger o
comércio da aguardente de cana da região. Segundo o relato do governador, na proposta
de implantação do contrato estava previsto que os rendimentos auferidos seriam
empregados na construção de uma nova Casa de Câmara, uma igreja e um sobrado para
eventuais visitas dos governadores à Vila. Tal medida, contudo, não agradou aos
potentados de Pitangui que, sob a liderança de Domingos Rodrigues do Prado,
222 Acerca deste episódio, ver APM, SC 11, fls. 109v-110. “Para o Mestre de Campo Nicolau de Souza (...)”. Vila do Carmo, 05 de fevereiro de 1719 e APM, SC 11, fls. 114-115. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 02 de março de 1719. 223 APM, SC 11, fls. 114-115. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 02 de março de 1719.
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expulsaram o Brigadeiro João Lobo de Macedo da região. Deste modo, estava mais uma
vez amotinada a Vila.224
João Lobo de Macedo, por sua vez, na ocasião taxado de insubmisso e mau
servidor por parte de Assumar, acabou sendo preso apenas em junho de 1720 em uma
das fazendas de Paschoal da Silva Guimarães, um dos principais adversários do
governador à época e a quem João Lobo havia pedido asilo. Neste ponto, conforme se
observa, não é difícil supor que há muito João Lobo de Macedo já fora cooptado pela
rede de apaniguados de poderosos locais cujo líder supremo era Manuel Nunes Viana, o
maior inimigo do Conde governador.225 Assim, curiosamente, João Lobo de Macedo,
antes aclamado como o mais fiel dos oficiais de Sua Majestade na América portuguesa,
agora se transmutara em rebelde e traidor.226
Em carta aos camaristas de Pitangui datada em 13 de novembro de 1719,
Assumar, por seu turno, afirmava estranhar o fato de tal Câmara, “com as pessoas
principais que antecedentemente se viram nela e outros que pela sua obrigação deviam
atender a de vassalos leais a Sua Majestade, se não resolvessem em rebater as
insolências do povo, mas deixá-lo cometer um atentado semelhante (...)”. Da mesma
forma e em tom de reprovação no que se refere às atitudes então tomadas pela
população contra João Lobo, reiterava o Conde que em semelhantes situações “não
224 APM, SC 11, fls. 157-159v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 23 de outubro de 1719. 225 Paschoal da Silva Guimarães – um dos principais líderes da Revolta de Vila Rica iniciada em meados de 1720 – sempre fora um grande aliado de Manuel Nunes Viana e seu séquito. Da mesma forma, mesmo se situando nos sertões da Capitania ao final da Guerra dos Emboabas em 1709, Nunes Viana também nunca perdera seu poder de influência sobre as populações locais, concretizando alianças inclusive com os sucessivos Vice-reis baianos a fim de desestabilizar o governo das Minas. A este respeito, ver, dentre outros CAMPOS. Governo de mineiros, p. 82 e 141. 226 A prisão de João Lobo de Macedo foi efetivada pelo Tenente-General do Sabará Joseph de Moraes Cabral. A respeito deste episódio, ver DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994, p. 77-80. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza; APM, SC 11, fls. 239-239v. “Para Joseph de Moraes Cabral”. Vila do Carmo, 25 de junho de 1720; APM, SC 11, fls. 240-240v. “Para João da Silva Guimarães”. Vila do Carmo, 25 de junho de 1720; APM, SC 11, fls. 240v-241. “Para o Ouvidor desta Comarca”. Vila do Carmo, 25 de junho de 1720; APM, SC 11, fl. 241. “Para Joseph Moraes Cabral”. Vila do Carmo, 26 de junho de 1720; APM, SC 11, fls. 241-241v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 26 de junho de 1720.
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tocava a ninguém senão a mim castigá-lo, porque já não estamos no tempo antigo em
que cada um fazia justiça pela sua mão (...)”. Contudo, continuava o governador, “como
me não quero parecer com os paulistas na pouca moderação, e não desejo outra coisa
mais que a paz e o sossego em atenção ao dessa Vila, ordeno a Vossa mercês me
proponham logo três sujeitos paulistas dos mais capazes e beneméritos para Capitão-
mor dessa Vila; e nomear-me-ão ao mesmo tempo três sujeitos reinóis com as mesmas
circunstâncias, para que destas seis escolha eu o que me parecer mais acertado, para
cujo efeito ouvirão Vossa mercês aos homens principais desta terra”.227
Ao propor tais medidas, porém, ao que parece o governador procurava ganhar
um pouco mais de tempo, uma vez que, conjuntamente com as demais autoridades da
Capitania, simultaneamente arquitetava uma forma de punição aos potentados rebeldes
de Pitangui – punição esta, aliás, já prevista fazia doze meses. Nesse sentido, dias antes,
em carta endereçada ao Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas, explicava o Conde que
“enquanto os quintos não chega[sse]m de Pitangui, não [seria] conveniente fazer-se lá
diligência nenhuma; mas depois deles chegados, será muito conveniente que vejam a
cara a um Ministro que ainda não viram, para que não vá criando raízes muito fortes as
suas insolências com os contínuos disfarces das suas repetidas sublevações, servindo
estas de escândalo e de mau exemplo aos demais povos (...)”.228
No entanto, tal estratégia traçada pelo governador logo traria novos agravantes
para o clima de rebeldia vivenciado pela Vila naqueles tempos, uma vez que Domingos
Rodrigues do Prado, desconfiado das atitudes tomadas por Manuel de Figueiredo
Mascarenhas – à época um dos juízes ordinários de Pitangui – ordenou que o mesmo
fosse assassinado. De fato, ao que parece Manuel de Figueiredo Mascarenhas era um
227 APM, SC 11, fls. 167v-168. “Para os oficiais da Câmara da Vila de Pitangui”. Vila do Carmo, 13 de novembro de 1719. 228 APM, SC 11, fls. 163-164. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 02 de novembro de 1719.
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dos informantes do Conde no que se refere às atitudes tomadas pelos potentados locais,
o que provavelmente despertou a ira de Rodrigues do Prado e seu bando. Por outro lado,
coagidos – ou mesmo num tom de desafio à autoridade do governador – os camaristas
de Pitangui indicaram o próprio Domingos Rodrigues do Prado como principal nome
para ocupar o cargo de Capitão-mor da Vila.229
Neste contexto, em longa porém sugestiva carta a Bernardo Pereira de Gusmão e
Noronha datada em 05 de dezembro de 1719, mais uma vez Assumar pôde desferir todo
o seu furor e indignação perante o ocorrido.230 Com a retórica que lhe era peculiar,
assim D. Pedro de Almeida relatou o episódio ao Ouvidor: “Agora chegou aqui um
próprio de Pitangui que me deixa com a maior lástima, e com a maior impaciência que é
possível, porque depois de serem tão velhacos aqueles rebeldes de cometerem o
atentado a João Lobo, me escreveram a carta e informação que remeti a Vossa mercê”.
“Depois de muitos dias, [continuava o Conde], o portador que a trouxe, ou não chegou a
esta Vila, ou com medo se escondeu, e por isso tardou tanto em chegar à minha mão,
sem nunca mais aparecer para levar a resposta; pelo sargento-mor Francisco Negreiro
(?) lhe respondi a carta de que remeto a cópia, com mais moderação do que merecia a
sua insolência, mas como esta se dilatou no caminho, ou seja, pela impaciência que lhe
causaria os remorsos da consciência, entenderam [os de Pitangui] que a dilação era
premeditar o castigo e que Vossa mercê prevenia a ir com quatrocentas armas, e que eu
fora ao Ouro Preto fazer outras tantas para assolar aquele povo, que assaz o tem
merecido; e dizem que um mulato que fugira de uma destas Comarcas, assim lho
229 Em posterior relato ao Desembargador Bartolomeu de Souza Mexia acerca do episódio, afirmou o Conde que na ocasião a Câmara de Pitangui “(...) igualmente receosa que o povo não tomava resolução nenhuma sem a conferir com o dito Prado, nomeou-o a ele em primeiro lugar [para Capitão-mor da Vila]; em segundo, a um irmão seu que pouco havia tinha morto em Taubaté a Carlos Pedroso, homem de muito propósito e que tinha servido a Sua Majestade na casa dos quintos que houve naquela Vila; e em terceiro lugar a um fulano Calhamares do seu séqüito”. Cf. APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720. 230 APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719.
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segurara, que é o que basta para que brutos tais como os paulistas dessem inteiro crédito
a semelhantes cousas, e enchendo-se de suas peitas mandaram pôr vigias em todas as
passagens, e botaram espias por todo o Governo; uma das guias parece que colheu um
negro de Manuel de Figueiredo Mascarenhas com uma carta, não sei se para mim, se
para Vossa mercê, em que parece avisava a parte por onde se podia entrar para sujeitar
aquelas onças, e isto dizem os alterou tanto que lhe assaltaram a casa e o assassinaram;
outros dizem que Suplício Pedroso, com quem tinha uma contenda muito renhida de
uma água, se valeria desta ocasião para matá-lo”.
“Confesso [continuava o Conde] que com esta notícia saí fora de mim, por ser
[Manuel de Figueiredo] um dos homens honrados e quietos e mais bem nascidos da
Bahia e também por ser pai do Padre André Figueiredo Mascarenhas a quem estimo
muito pelas suas virtudes; e desejei ser-me lícito usar dos mesmos meios dos paulistas
para assassiná-los a todos nesta ocasião, porque são a mais vil canalha de vassalos que
El Rei tem. Este caso agrava ainda mais o antecedente, não só por ser uma pessoa
principal e juiz ordinário naquela Vila, como por interceptarem cartas para
Governadores e Ministros, que é crime grave, e ainda mais porque aqueles rebeldes,
para fazerem os seus malefícios, se estão valendo a cada passo do nome do povo, sendo
eles e não o povo quem os comete”.231
Conforme se observa claramente nos trechos acima destacados, nessa ocasião
Assumar já não mais fazia questão de esconder seu ódio e indignação frente às atitudes
dos potentados de Pitangui, chegando mesmo a ameaçá-los diretamente com extrema
virulência. Declarando guerra a estes paulistas – agora tratados como a “mais vil
canalha de vassalos que Sua Majestade possui” –, aparentemente ao Conde não mais
incomodava a “má fama” que seu governo poderia adquirir, não apenas junto à opinião
231 Todos os trechos em destaque foram retirados de APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719.
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dos demais povos das Minas, mas também perante o Rei e o Conselho Ultramarino. Da
mesma forma, sabia o Conde que os revoltosos de Pitangui constituíam um grupo
limitado de poderosos locais que, sob ameaças, instilavam o povo a tomarem parte na
rebelião.
Sugestivamente e em conclusão à sua carta ao Ouvidor, mais uma vez D. Pedro
de Almeida destacava que seu maior desejo era fazer de Pitangui “o exemplo vivo a
estas Minas de como se castigam semelhantes desordens (...)”. Contudo, o que mais
incomodava o governador – segundo suas próprias palavras – “não [era] o modo de
atacá-los, se não o de surpreendê-los, que vejo ser quase impossível”, sendo os paulistas
“bichos do mato que estão agora com o faro acesso e que qualquer folha de árvore que
bulhar os fará meter nos matos e pelo Rio do Pará acima que têm navegações para São
Paulo, malogrando-se toda a nossa diligência, fugindo os malfeitores para partes onde
se não podem colher”.
De toda forma, segundo asseverava o Conde, “como o castigo é indispensável e
parece preciso que a Justiça mostre nesta ocasião que nenhuma matéria a detém para
mostrar o rigor que merecem aqueles rebeldes”, ordenava D. Pedro que as tropas fossem
organizadas com presteza e que logo partissem para Pitangui. Entretanto, alertava ainda
o governador, “será preciso que a matéria esteja em segredo, e advirto a Vossa mercê [o
Ouvidor] que para esta expedição não convém que João Lobo tenha parte nela, quando
todo este Governo está persuadido que se não fora a sua altiveza e os despropósitos que
fez em Pitangui, nunca chegaria a ver-se tão revolto (...); e pareceria cousa escandalosa
se ele [atuasse] nesta ocasião, porque entenderiam todos que mais se fomentava a
vingança do que se procurava a Justiça”.232
232 Todos os trechos em destaque foram retirados de APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719.
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Enfim, conforme se observa, mesmo tomado por seu furor disciplinar e
ordenador típico de um governante formado nos campos de batalha, Assumar pretendeu
– mesmo que minimamente – atrelar suas ações junto à lógica política de Antigo
Regime, ainda que para eventualmente justificar perante seus superiores as medidas
então adotadas por ele em Pitangui. Nessa perspectiva, a busca da justiça e do bem
comum – e não a da vingança – seriam os ideais que, segundo o Conde, moviam e
legitimavam suas ações no trato com os revoltosos da região.
Nas semanas que se seguiram, por conseguinte, D. Pedro de Almeida concentrou
todos os seus esforços na organização das tropas militares para um posterior ataque à
Vila de Pitangui. Após intensa troca de cartas com diversas autoridades da Capitania,
finalmente o governador traçou seu plano de ação para tentar surpreender os potentados
de Pitangui, evitando-se, assim, uma eventual fuga dos mesmos. Nesse sentido, a
primeira medida tomada pelo governador foi ordenar que alguns militares residentes na
Vila de São João D’el Rei partissem logo para a região de Pitangui a fim de bloquearem
todos os caminhos de acesso à Vila – sobretudo a estrada que interligava Pitangui a São
Paulo – não permitindo a passagem de nenhum transeunte pelos mesmos. Na opinião de
Assumar, tal atitude era de suma importância, pois evitaria a circulação da notícia de
que ele organizava uma expedição punitiva aos potentados de Pitangui, rumores estes
que poderiam malograr o empreendimento.233
Da mesma forma, aos Capitães-mores da Cidade de São Paulo e Vilas de
Guaratinguetá e Taubaté escreveu o Conde diversas cartas, alertando-os acerca das
medidas que estavam sendo adotadas nas Minas. Assim, prevenia o Conde que se algum
morador de Pitangui buscasse refúgio em tais localidades, os mesmos deveriam ser
233 Tal ordem foi remetida aos Sargentos-mores Silvestre Marques, Estevão Rodrigues e João Francisco dos Santos que, em conjunto com suas tropas e agregados, deveriam partir de imediato para a região. APM, SC 11, fls. 181-181v. “Ordem”. Vila do Carmo, 21 de dezembro de 1719.
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presos e remetidos imediatamente à Vila de Ribeirão do Carmo, sob pena de severas
punições caso obrassem em contrário.234
Em seqüência a seu projeto de pacificação de Pitangui, ordenou ainda o
governador que fossem formados dois corpos militares principais na Vila Real do
Sabará, um sob a liderança do Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas, o Dr.
Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha, e outro sob a responsabilidade do Capitão-mor
desta mesma Vila, o oficial Lucas Ribeiro de Almeida. Em reforço à expedição, de
Ribeirão do Carmo seria remetida a Companhia de Dragões – a tropa de linha paga
recém chegada do Rio de Janeiro e à época comandada pelo Capitão-mor Joseph
Rodrigues de Oliveira – ao passo que diversos outros Capitães-mores e Tenentes-
coronéis também tomariam parte no empreendimento, seja atuando diretamente na
marcha a Pitangui, seja no envio de suas armas, soldados e escravos.235
De acordo com as previsões de Assumar, estando tudo acertado, as tropas
deveriam partir de Vila Real na primeira semana de janeiro de 1720. No trajeto até a
Vila de Pitangui, uma atenção especial deveria ser dada às passagens dos rios que
davam acesso à região – sobretudo as passagens de José Vieira, do Cego e da Paraopeba
– trechos estes que deveriam ser vigiados e patrulhados 24h por dia, tanto antes quanto
depois da passagem das tropas à Vila. Esta missão estaria particularmente sob a
responsabilidade dos Ajudantes de Tenente Manuel da Costa Pinheiro e Manuel da 234 APM, SC 11, fl. 181v. “Para o Capitão-mor da Vila de Guaratinguetá”. Vila do Carmo, 21 de dezembro de 1719. Sugestivamente, tanto neste quanto no documento citado na nota anterior estavam presentes os nomes dos principais envolvidos nos motins de Pitangui. Segundo informação do governador D. Pedro de Almeida, eram eles: Gaspar de Godói Moreira; Pedro de Morais da Cunha; Francisco Pedroso Xavier; Francisco Rego Barros, natural de Pernambuco; Manuel de Freitas, natural da mesma parte; Gaspar Gutierrez da Silveira; Bento Paes da Silva; Plácido de Moraes; Joseph Tavares e Roque de Faria, sendo seus líderes Suplício Pedroso Xavier; Domingos Rodrigues do Prado; Alexandre Rodrigues do Prado; Estevão Furquim; Luiz Furquim e Antônio Rodrigues Mendes. 235 Conforme se depreende da leitura do Códice 11 da Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro, às vésperas da partida das tropas para Pitangui a correspondência trocada entre as autoridades da Capitania foi bastante intensa. A este respeito, ver APM, SC 11, fls. 181v-183. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 22 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fl. 183v. “Ordem”. Vila do Carmo, 22 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fl. 183v. “Para o Capitão-mor Lucas Ribeiro de Almeida”. Vila do Carmo, 22 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fls. 184v-185. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 28 de dezembro de 1719 e ss.
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Costa Fragoso. Da mesma forma, exigia ainda o governador que a marcha dos soldados
a Pitangui se fizesse sob estrita disciplina e “boa ordem militar”, ao passo que nenhum
membro da tropa deveria cometer “vexações”, “roubos” e “violências” aos paisanos e
moradores locais, matéria que, segundo sua opinião, era de suma importância.236
Ao Capitão da Companhia de Dragões Joseph Rodrigues de Oliveira, em última
instância o responsável supremo por todas as operações militares a serem realizadas em
Pitangui, remeteu o Conde “instruções” especiais. Destas instruções, duas nos são de
particular interesse: de acordo com o governador, logo que chegasse a Pitangui o dito
Capitão deveria tomar “todas as informações necessárias daquele país”, “as quais trará
por escrito para eu ter conhecimento dele, principalmente do morro do Batatal, o qual
fará visitar com toda atenção, fazendo moer algumas pedras dele para se saber a quantia
de ouro que se tira comumente respectiva ao peso da pedra, para o que a pesará antes de
moída, e pesará também o ouro que dela se extrair, e das melhores trará amostras; e esta
averiguação de todo o morro do Batatal se deve fazer com toda a exatidão por ser mui
conveniente ao serviço de Sua Majestade”.
Do mesmo modo, sugeria ainda o Conde que “se lhe for possível ao dito
Capitão-mor fazer um mapa desde o Rio Paraopeba para a parte de Pitangui, será mui
conveniente, porque se não tem senão notícia mui confusa daquele país, observando o
rumo a que correm os rios e a verdadeira situação da Vila”.237 Obviamente, conforme se
observa, Assumar aproveitava-se da ocasião para desvanecer qualquer dúvida referente
à exploração aurífera de Pitangui, ao passo que buscava também maiores informações
236 Acerca destes aspectos, ver APM, SC 11, fls. 187-187v. “Ordem”. Vila do Carmo, 01º de janeiro de 1720; APM, SC 11, fls. 194v-195. “Ordem”. Vila do Carmo, 28 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fls. 195-195v. “Para o Coronel Sebastião Carlos Leitão”. Vila do Carmo, 28 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fl. 195v-196. “Ordem”. Vila do Carmo, 28 de dezembro de 1719 e ss. 237 APM, SC 11, fls. 186v-187. “Instrução particular para o Capitão Joseph Rodrigues de Oliveira”. Vila do Carmo, 31 de dezembro de 1719.
120
acerca de um território ainda pouco conhecido; daí a necessidade de se fazer um mapa
de toda a região.
No que se refere às ações militares propriamente ditas e do que se depreende da
correspondência oficial do governador, observa-se que Assumar acreditava piamente
que as suas tropas enviadas a Pitangui encontrariam a Vila completamente abandonada.
Nessa medida, em carta ao governador do Rio de Janeiro Ayres de Saldanha, datada de
07 de janeiro de 1720, relatou o Conde que “o Capitão-mor Joseph Rodrigues já começa
a ter exercício, porque agora partiu daqui para Pitangui com a sua Companhia para dar
ajuda e favor ao Ouvidor do Rio das Velhas que vai lá a tirar devassas de umas mortes e
desordens que fizeram uns paulistas régulos, que é sempre o seu costume onde estão
juntos e distantes (...)”. “Mas esta matéria não é de grande cuidado”, afirmava o Conde,
“e o maior que pode haver será se os delinqüentes fugirem para os matos, como tenho
por infalível”.238
Contudo, se Assumar estava tão confiante em uma debandada geral por parte dos
paulistas situados em Pitangui, o que justificaria a organização de tamanho
empreendimento militar? Seria uma mera questão de ostentação de suas próprias forças
a fim de resgatar sua imagem e autoridade perante os demais vassalos? De qualquer
forma, mais uma vez o Conde veria suas expectativas naufragarem nas Minas. Cientes
da organização e movimentação das tropas por parte do governador, os potentados de
Pitangui, sob a liderança de Domingos Rodrigues do Prado, armaram uma Casa Forte,
trincheiras e paliçadas nas proximidades do Rio São João, a duas léguas da Vila, a fim
de impedirem a passagem dos expedicionários.
Segundo os relatos existentes na documentação, chegando as tropas a tal
localidade e não havendo qualquer possibilidade de negociação, o que se viu foi um
238 APM, SC 11, fl. 189. “Para Ayres Saldanha”. Vila do Carmo, 07 de janeiro de 1720.
121
fragoroso combate armado, com algumas perdas de ambos os lados. Ao final da refrega,
porém, e estando os de Pitangui em menor número, não restou outra alternativa aos
seguidores de Domingos Rodrigues do Prado do que fugirem às pressas para os matos
circunvizinhos.239
Passando à Vila, por conseguinte, o Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão e
Noronha, apoiado pelas tropas militares e demais paulistas contrários a Domingos
Rodrigues do Prado e seu bando, iniciou os processos judiciais cabíveis a fim de apurar
as responsabilidades, tudo segundo as ordens recebidas por parte do Conde governador.
Todavia e de acordo com as fontes documentais disponíveis, foragidos da justiça, na
ocasião nenhum líder do movimento foi preso, o que causou grande descontentamento
em Assumar.240 Neste ponto, em carta ao Capitão da Companhia de Dragões Joseph
Rodrigues de Oliveira datada de 29 de janeiro de 1720, afirmou o Conde “sentir muito o
fato que se não pudesse agarrar a Domingos Rodrigues do Prado para mandá-lo enforcar
e servir de exemplo a estas Minas (...)”.241
Nos atos judiciais realizados pelo Ouvidor em Pitangui nos meses subseqüentes,
Suplício Pedroso Xavier e Domingos Rodrigues do Prado foram julgados à revelia e
pronunciados como os principais responsáveis pelos crimes, assassinatos e sublevações
ocorridos na Vila, tendo seus bens seqüestrados. Da mesma forma, foram confiscados
os bens de Pedro Morais da Cunha (roças e casas de vivenda); de Bento Pais da Silva
(lavras no rio da Onça, quatrocentas mãos de milho, casas de vivenda e uma balança de
pesar ouro); de Antônio Rodrigues de Andrade (cata de vinte braças de terra adquirida 239 De acordo com diversos relatos registrados pelo próprio governador D. Pedro de Almeida, na ocasião Domingos Rodrigues do Prado liderara uma tropa com cerca de quatrocentos homens armados, entre negros e carijós, estimativa muito provavelmente exagerada para o próprio engrandecimento das ações dos expedicionários. Cf. APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720; APM, SC 11, fls. 244v-247v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 01º de junho de 1720. 240 APM, SC 11, fls. 192-193. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 29 de janeiro de 1720. 241 APM, SC 11, fls. 193-193v. “Para Joseph Rodrigues de Oliveira”. Vila do Carmo, 29 de janeiro de 1720.
122
anteriormente em sociedade com o Brigadeiro João Lobo de Macedo, casas de telha
com suas senzalas, quintal e bananal); de Manoel Fernandes Preto (roças de milho e
casas de vivenda); de Gaspar Gutierrez (escravos); de Joseph Rodrigues Lima (sítio,
lavras e escravos); de Francisco Rodrigues Almeiro (lavras, casas, escravos e serviço de
escravo no rio da Onça); e de Francisco Pedroso de Almeida (sítios na Ponte Alta, casas
de vivenda e escravos). Por fim, sob ordens do Ouvidor, as casas de Domingos
Rodrigues do Prado ainda existentes na Vila foram todas igualmente queimadas,
arrasadas e salgadas.242
Porém, sem citar suas referências e fontes documentais, Diogo de Vasconcelos é
quem nos dá conta de um curioso episódio ocorrido em Pitangui naqueles dias. Segundo
o autor, após instituir a devassa na qual Domingos Rodrigues do Prado fora apontado
como o principal líder da sedição, mandou o Ouvidor “levantar no lugar mais público
uma forca, e nela fez executar em efígie o dito rebelde. Este, porém, ao ter notícia de tal
‘comédia’, mandou fazer também outra forca em um alto de seu campo e nela pendurou
o Ouvidor mascarado na mesma figuração picaresca, isto no meio de estrondosas
gargalhadas e apupos dos companheiros”.243
Teófilo Feu de Carvalho, por seu turno, questiona ferrenhamente a veracidade de
tal relato, alegando não haver nenhuma alusão a tais fatos nos relatórios e cartas
enviadas pelo governador ao Rei e demais autoridades.244 Da mesma forma, segundo
suas palavras, “para efetuar-se aquela execução, deveriam [as autoridades] proceder
como se o réu estivesse presente a todas as diligências e formalidades prescritas pelas
leis para uma execução ordinária, e estas não foram cumpridas e nem satisfeitas. Se não 242 AUTOS de Seqüestro, Doc. 70 – “Certidão de haverem sido arrasadas e queimadas as casas de Domingos Rodrigues do Prado e seqüestro e arrematação de bens dos chefes do movimento de Pitangui”. ABN/RJ, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, vol. LXV, pp. 134-142. 243 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 171, v. 02. 244 Pelo contrário, em carta ao Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão datada em 04 de fevereiro de 1720 referente às penas a serem aplicadas aos rebeldes de Pitangui, afirmou o Conde que quanto “a enforcá-lo em estátua [a Domingos Rodrigues do Prado], parece-me que não havia de produzir grande efeito”. APM, SC 11, fls. 198v-199v. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 04 de fevereiro de 1720.
123
foram satisfeitas e nem cumpridas, a morte em efígie não poderia ter todas as
conseqüências jurídicas daquele tempo, como tinham da natural: seria uma inutilidade
sem que pudesse utilizar-se dos efeitos que acarretaria se legalmente executada”.245
De acordo com singular documento citado por Carla Anastasia em sua obra
Vassalos rebeldes, em outubro de 1720 um parecer do Conselho Ultramarino
recomendou ao Rei de Portugal D. João V ordenar ao governador das Minas a
publicação de um bando oferecendo recompensa a quem “prendesse ou matasse”
Domingos Rodrigues do Prado. Segundo tal fonte, “(...) quem o [prendesse] [seria]
premiado com a mercê do hábito de Cristo com 30$000 réis de tença efetivos, sendo
pessoa em que assente bem a dita mercê; e no caso em que o não possa prender,
trazendo-lhe a cabeça, terá a mesma mercê do hábito de Cristo com 12$000 réis de
tença efetivos; e que sendo feita a dita prisão ou morte por algum escravo, ficará forro,
pagando-se o seu valor da Fazenda de Vossa Majestade a seu senhor, e sendo negro ou
mulato forro se lhe fará a graça de 100$000 réis e de uma ajuda de custo competente, e
matando-o se lhe dará 100$000 réis; tendo-se por certo que este prêmio incitará na
cobiça de muitos empreenderem a dita diligência: e para que a este régulo o desampare
a maior parte das pessoas que o seguem, que no mesmo bando se exprima, que todo o
que o seguir e o não deixar logo, o haverão por banidos, para se executar neles a pena da
lei”.246
Entretanto, mesmo diante de tal campanha promovida contra Domingos
Rodrigues do Prado, ao que parece este potentado jamais caiu nas malhas da Justiça. As
referências documentais existentes e até o momento conhecidas acerca da trajetória
desse homem são bastante esparsas, mas há fortes indícios de que nos anos
245 CARVALHO. Ocorrências em Pitangui, p. 103-104. 246 “SOBRE desordens em Pitangui cometidas por Domingos Rodrigues do Prado”. Lisboa, 26 de outubro de 1720. DIHCSP. São Paulo: Imprensa Oficial, 1931, v. LII, p. 202. Apud ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 97, nota 219.
124
subseqüentes Rodrigues do Prado tomou parte no empreendimento de descoberta das
minas de ouro das regiões de Goiás e Cuiabá; empreendimento este organizado por seu
sogro Bartolomeu Bueno da Silva, o segundo Anhangüera, e seu cunhado João Leite da
Silva Ortiz. Embora não tenha citado a referência completa das fontes que consultou,
Teófilo Feu de Carvalho afirma inclusive que tal potentado recebeu um Alvará de
licença régia para participar desta expedição a 14 de fevereiro de 1721, mesmo que a
contragosto do governador de São Paulo D. Rodrigo César de Menezes.247
De acordo com Diogo de Vasconcelos, a expedição liderada por Bartolomeu
Bueno da Silva partiu rumo a Goiás em junho de 1722. Bartolomeu Pais de Abreu –
irmão de João Leite da Silva Ortiz – estabeleceu-se em São Paulo como sócio-
procurador e correspondente da empresa, ao passo que Domingos Rodrigues do Prado
se juntou à comitiva muito provavelmente partindo de suas fazendas nas proximidades
da Vila de Taubaté. Após três anos de agruras pelo sertão, em outubro de 1725
Bartolomeu Bueno da Silva retornou a São Paulo, dando conta a D. Rodrigo César de
Menezes dos descobrimentos realizados em Rio Vermelho, região onde fundou o arraial
de Sant’ana, posteriormente Vila Boa.248
Como recompensa a tais serviços prestados, ainda segundo Vasconcelos,
Rodrigo César nomeou a Bartolomeu Bueno como Capitão-mor da região, Regente e
Superintendente de suas minas com jurisdição no cível e no crime e a Ortiz como
Capitão-mor e administrador das datas minerais então descobertas. Da mesma forma,
receberam ainda os direitos sobre as passagens dos rios que cortavam o caminho para
Goiás por três gerações. Domingos Rodrigues do Prado, por sua vez, anos mais tarde
pretendendo regressar a São Paulo e já se encontrando bastante enfermo e em idade
247 Cf. CARVALHO. Ocorrências em Pitangui, p. 103. Ainda sobre este contexto, ver ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 97, nota 219 e VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 258-264, v. 02. 248 Cf. VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 258-264, v. 02.
125
avançada, não sobreviveu à viagem, falecendo em local ignorado.249 De acordo com
Maria Verônica Campos, entretanto, Rodrigues do Prado distinguira-se em Goiás pela
descoberta das minas de Crixás em 1733. Um ano depois, na qualidade de descobridor
das lavras e por fazer a partilha das datas minerais “como bem entendia” – segundo as
palavras de Maria Verônica – tal potentado entrou em fragoroso conflito com Gregório
Dias da Silva, à época Superintendente das minas auríferas da região. Nessa medida,
para tal autora “talvez tenha sido nesse momento que se deu o embate entre os dois,
com a fuga do sertanista, ferido, o qual faleceu quando se dirigia a São Paulo”.250
Nos dias que se seguiram à expulsão dos “paulistas régulos” de Pitangui, por
conseguinte, a grande preocupação do governador das Minas D. Pedro de Almeida foi
manter a Vila sob ocupação militar, ao passo que a migração de “paisanos reinóis” para
a região era incentivada, desde que estes ali quisessem se estabelecer “harmoniosamente
com suas famílias, fazendas e escravos”. Nesta medida, em fevereiro de 1720, da
Comarca do Rio das Mortes e da Vila Real do Sabará partiram grupos de reinóis sob a
liderança do Sargento-mor Antônio Martins Lessa e de Francisco Duarte de Meireles,
respectivamente, a fim de repovoarem a Vila. Todavia, a possibilidade de um súbito
aumento no número de pessoas em Pitangui trouxe novas preocupações ao governador,
sobretudo no que se refere ao abastecimento da Vila, o que poderia resultar em
eventuais conflitos entre os militares e a população local.251
Nomeado regente de Pitangui ainda que provisoriamente, ao final de fevereiro
daquele mesmo ano de 1720 Francisco Duarte de Meireles informou ao governador o
249 Cf. VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 172, nota 24., v. 02. 250 CAMPOS, Maria Verônica. Goiás na década de 1730: pioneiros, elites locais, motins e fronteira. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 341-359. Citação à página 348. 251 APM, SC 11, fl. 196v. “Para Francisco Duarte de Meireles”. Vila do Carmo, 28 de janeiro de 1720; APM, SC 11, fls. 197-198. “Para o mesmo” (Capitão dos Dragões Joseph Rodrigues de Oliveira). Vila do Carmo, 03 de fevereiro de 1720. Ainda sobre este aspecto, em carta ao Ouvidor Bernardo Pereira de Gusmão ordenou o Conde que logo se providenciasse a feitura de novas roças e fazendas na região “para que aquilo que eu procuro para a conservação dessa Vila não venha a ser a sua destruição”. Cf. APM, SC 11, fls. 198v-199v. “Para o Ouvidor do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 04 de fevereiro de 1720.
126
clima ainda pouco estável da Vila, uma vez que seus antigos moradores, “com desígnios
de vingança”, intentavam retornar à região a fim de recuperarem seus escravos e demais
pertences. Diante de tal situação, por conseguinte, Assumar reforçou as ordens a seus
comandados, determinando que os militares somente deveriam abandonar a Vila quando
esta estivesse totalmente segura e pacificada.252
Curiosamente, porém, Francisco Duarte de Meireles logo solicitou ao
governador que lhe mandasse um substituto, fato que gerou certo estranhamento em
Assumar. Em longa e sugestiva carta a Duarte de Meireles datada em 22 de março de
1720, dizia o Conde: “Tenho bastantemente [sic] ponderado as resoluções que Vossa
mercê me aponta do descômodo que padece na ausência da sua casa, e ainda mais com a
doença de sua mulher; mas como reconheço a Vossa mercê por um dos mais leais e fiéis
vassalos de Sua Majestade, não duvido que Vossa mercê pese nesta ocasião na balança
da prudência, qual pesa mais: se o sossego que procuro dar a esse país por meio de
Vossa mercê, se o seu descômodo, do qual não deixo de compadecer-me muito como
quem o experimenta em si mesmo; e sei o que isso custa; e para Vossa mercê se inteirar
bem desta verdade, julgue qual de nós estará mais desacomodado, se Vossa mercê em
Pitangui donde todos os três dias pode ter novas de sua casa, se eu longe da minha
tantas mil léguas com a incerteza de saber dela apenas uma vez no ano”.253
Sob tais alegações, somente a 18 de maio de 1721 o governador das Minas
finalmente resolveu exonerar a Francisco Duarte de Meireles da regência de Pitangui,
nomeando a Fernando Dias Paes, filho de Garcia Rodrigues Paes, como seu
substituto.254 Neste meio tempo, contudo, como bem destacou Carla Anastasia, D.
Pedro de Almeida mal pôde refazer suas próprias forças para retornar à sua rotina
252 APM, SC 11, fls. 212-212v. “Para Francisco Duarte de Meireles”. Vila do Carmo, 05 de março de 1720. 253 Trechos retirados de APM, SC 11, fls. 218-219v. “Para Francisco Duarte de Meireles”. Vila do Carmo, 22 de março de 1720. 254 APM, SC 13, fl. 32. “Para Fernando Dias Paes”. Vila do Carmo, 18 de maio de 1721.
127
administrativa, uma vez que em junho de 1720, poucos meses após os últimos tumultos
em Pitangui, eclodiu nova e grave rebelião nas Minas, agora em Vila Rica.255
2.3 – O destino de um governador
Sem sombra de dúvida, D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal foi um dos
grandes personagens do século XVIII mineiro, seja pelo seu envolvimento no fatídico
episódio da execução sumária de Filipe dos Santos no contexto da Revolta de Vila Rica
em 1720, seja pelo próprio momento histórico, político e social pela qual passava a
Capitania à época de seu governo. Efetivamente, com seu linguajar e erudição
característicos, tal governador eternizou diversos potentados e poderosos locais das
Minas, ainda que os difamando. De sua pena, por conseguinte, surgiu a imagem final de
um território povoado por bárbaros, rebeldes e facínoras que igualmente teimavam em
inviabilizar o estabelecimento da paz e do sossego público na região: antítese do
“projeto” colonial português para as Minas, a licenciosidade cotidiana dos vassalos de
El Rei fazia do governo da Capitania um desafio de grandes proporções para os agentes
metropolitanos.
Desta feita, é nesse contexto que se insere o famoso quadro minuciosamente
pintado por Assumar em seu Discurso histórico e político (...) acerca das
“peculiaridades” das Minas. Em sua opinião, a região era igualmente “(...) habitada de
gente intratável, sem domicílio, e ainda que está em contínuo movimento, é menos
inconstante que os seus costumes: os dias nunca amanhecem serenos; o ar é um nublado
perpétuo; tudo é frio naquele país, menos o vício que está ardendo sempre. Eu [o
governador], contudo, reparando com mais atenção na antiga e continuada sucessão de
perturbações que nela se vêem, acrescentarei que a terra parece que evapora tumultos; a
255 ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 98.
128
água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam
insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da
rebelião; a natureza anda inquieta consigo, e amotinada lá por dentro, é como no
inferno”.256
No que se refere à atuação de D. Pedro de Almeida como governador da
Capitania, por sua vez, a opinião dos historiadores quase sempre tendeu à discordância.
Ora visto como grande administrador – aquele que de fato completara o ciclo de
pacificação das Minas iniciado anos antes –, ora tido como cruel e repulsivo tirano,
desde os setecentos Assumar angariou apologistas e opositores. Segundo as análises de
Diogo de Vasconcelos, por seu turno, o Conde, “homem de temperamento de aço”,
“austero e de vontade inflexível”, incorrera no equívoco de pretender nas Minas
“moldar a arte política pelo tipo da militar”.257
Maria Verônica Campos, por sua vez, defende que “não se deve atribuir as
atitudes do Conde de Assumar a seu espírito belicoso, autoritarismo, formação militar
ou falta de experiência administrativa”, pois aportara em terras americanas “com ordens
para processar o novo arranjo das forças em Minas”. Não por acaso, reitera ainda a
autora, foram o Conde de Assumar e Luís da Cunha Menezes os governadores mais
impopulares da Capitania – o primeiro como tirano e o segundo como “fanfarrão” –
uma vez que alijaram do poder redes clientelares potencialmente concorrentes com a
Coroa portuguesa em suas prerrogativas e funções.258
Em contraste com tal interpretação e apenas para ficarmos em poucos exemplos
dentre muitos possíveis, Célia Nonata da Silva, por conseguinte, destaca que D. Pedro
de Almeida “além de invejoso da fama que possuía [Manuel] Nunes Viana, fazendo
256 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza. Trecho extraído à página 59. 257 VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 144-149, v. 02. 258 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 254-258.
129
intrigas e armadilhas para destruir sua memória rebelde, gerenciou as Minas com altas
taxas e pesados tributos, causando danos à população”. Em conclusão, mais à frente
afirma Nonata que “(...) a inveja delineou seu governo, reduzindo-o a um estado de
incompetência hilariante”.259
Polêmicas historiográficas à parte, contudo, logo após seu retorno ao reino
Assumar teve que enfrentar quase uma década de semi-ostracismo na Corte régia,
devido sobretudo à repercussão dos acontecimentos que tiveram lugar em Vila Rica no
ano de 1720. Assim, conforme bem destacou a historiadora Laura de Mello e Souza,
apenas em 1733 D. Pedro de Almeida recuperou parte de seu antigo prestígio junto ao
Rei, ingressando na Academia Real de História e se tornando parecerista do Conselho
Ultramarino no que se refere à viabilidade da implantação da capitação nas Minas como
nova forma de cobrança dos reais quintos. Em 1744, por conseguinte, D. Pedro obteve
nova indicação para um cargo de prestígio no Império ultramarino português, sendo
nomeado Vice-rei da Índia. Junto com tal nomeação, Assumar recebeu também o título
de Marquês de Castelo Novo.260
Uma vez em terras asiáticas, em 1746 o mais novo Vice-rei conquistou a praça
de Alorna para a Coroa portuguesa, sendo dois anos depois agraciado com o título de
primeiro Marquês de Alorna. No entanto e ainda segundo as análises de Laura de Mello
e Souza, sua estada em terras tão longínquas acabou se tornando desastrosa para a sua
família, à época às voltas com sérias dificuldades financeiras, problemas, aliás,
recorrentes a partir de então. D. João, seu filho mais velho e herdeiro imediato, após
algumas tentativas de concretizar um casamento bem sucedido na Corte, uniu-se
finalmente a D. Leonor de Távora; teria, contudo, um futuro trágico: anos mais tarde,
com o envolvimento da família Távora na tentativa de assassinato do Rei D. José I
259 SILVA. Territórios de mando, p. 215-216. 260 SOUZA. O sol e a sombra, p. 205-208.
130
(1750-1777) em um atentado, acabou sendo preso em 1758 junto com seu sogro e
cunhados, amargando dezessete anos no cárcere da Junqueira.
D. Pedro de Almeida, por seu turno, substituído no governo da Índia em 1751
por Francisco Xavier de Távora, sogro de seu filho D. João, retornou ao reino em
1752.261 Dessa forma, novamente de volta a Portugal D. Pedro de Almeida sofreu ainda
um segundo ostracismo na Corte lusitana: acusado em 1746 de cometer atos ilícitos no
governo da Índia, até sua morte em 1756 não conseguiu defender-se e readquirir
novamente a confiança régia. Do mesmo modo, com a prisão de seu herdeiro e sucessor,
teve sua família e linhagem irreversivelmente desonradas.262
De qualquer maneira – e sem sombra de dúvida –, podemos finalmente
conjecturar que a passagem de Assumar pelo governo das Minas na segunda década dos
setecentos marcou indelevelmente toda a sua trajetória político-administrativa posterior,
sobretudo no que se refere à sua experiência adquirida no trato com os vassalos em
momentos de rebelião. No que se refere a Pitangui em específico, não há como negar
que os litígios ali vivenciados pelo governador moldaram a sua própria visão a respeito
dos súditos de além-mar, particularmente os oriundos de São Paulo. Segundo sua
opinião, eram eles homens instáveis, sem civilização; rebeldes por excelência que
precisavam ser domados com severidade e mesmo com violência.
Essa imagem, por conseguinte – e conforme procuraremos discutir no próximo
capítulo –, acabou sendo depois estendida para as Minas como um todo, como revela o
próprio Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano
261 Em 1758, sete anos após assumir o Vice-reino da Índia, Francisco Xavier de Távora foi executado publicamente em Portugal por cometer crime de conspiração e tentativa de lesa-majestade. A este respeito, ver SOUZA. O sol e a sombra, pp. 185-252. 262 Todas as referências biográficas acerca de D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal foram retiradas de SOUZA. Teoria e prática do governo colonial: D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar. In: SOUZA. O sol e a sombra, pp. 185-252.
131
de 1720, dentre outras fontes coevas.263 Em suma, se em Pitangui Assumar não pôde
concretizar o seu maior desejo tantas vezes decantado – qual seja, o de promover a
execução pública e exemplar de Domingos Rodrigues do Prado – coube a Filipe dos
Santos Freire, distinto e quase anônimo tropeiro minhoto, a “glória” de fazer de D.
Pedro de Almeida um dos grandes “vilões” do século XVIII mineiro.
263 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, 1994. Estudo crítico de Laura de Mello e Souza.
132
CAPÍTULO 3 – IMAGINÁRIO E PRÁTICAS POLÍTICAS: O REPERTÓRIO
DE AÇÃO PAULISTA
Conforme já asseverava George Rudé em sua obra A multidão na história,264
analisar o vasto universo da sedição e da revolta popular sempre constituiu árdua tarefa
para o historiador, sobretudo em se tratando de movimentos mais afastados tanto no
tempo quanto no espaço. Em primeiro lugar, como é notadamente sabido, geralmente há
poucos registros documentais acerca das trajetórias de vida dos elementos populares que
efetivamente participaram dos movimentos sediciosos, especialmente em sociedades
como as de Antigo Regime, caracteristicamente excludentes e hierarquizadas e nas
quais a cultura iletrada predominava. Assim, se por um lado encontrar “os rostos na
multidão” – conforme famosa expressão cunhada por Rudé – já representa uma
encruzilhada para o pesquisador, reconstituir as formas de pensar, ver e sentir o mundo
de tais indivíduos torna-se uma tarefa ainda mais difícil.265
Nessa medida e no que pese o caráter comumente fragmentário, incompleto e
lacunar das fontes que têm como objeto as sedições e revoltas populares ocorridas tanto
na América portuguesa quanto no Império ultramarino lusitano como um todo, não raro
os documentos e relatos coevos existentes estão eivados de parcialidades, apresentando
os acontecimentos mais significativos apenas sob um único ponto de vista; no geral, o
ponto de vista das autoridades oficiais constituídas.266 Desta maneira, conforme nos
informa Rudé, não é estranha a imagem comumente depreciativa que se construiu
acerca da “multidão em ação” ao longo da história, geralmente apresentada como uma
264 RUDÉ, George. A multidão na história: estudos dos movimentos populares na França e na Inglaterra – 1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991. 265 RUDÉ. A multidão na história, p. 10-13. 266 Para uma revisão historiográfica acerca de diversos movimentos de revolta popular ocorridas no Império ultramarino português da Restauração Brigantina em 1640 até 1720, ver FIGUEIREDO. O Império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no Império colonial português, séculos XVII e XVIII. In: FURTADO (org). Diálogos Oceânicos, pp. 197-254.
133
“turba” de elementos degenerados e facinorosos, não raro propensos a atos de extrema
crueldade, violência e destruição, sobretudo em momentos de grande crise. Por não
serem supostamente dotadas de aspirações “próprias” e “dignas”, por conseguinte,
durante longo tempo a historiografia aliou as motivações da multidão sublevada a
razões meramente venais, situando-as como o reflexo de manipulações ou maquinações
de elementos externos ao grupo, os “conspiradores”.267
A princípio, no entanto, a constatação desse caráter parcial das fontes
documentais acerca do tema em questão poderia até mesmo soar como um truísmo, uma
verdade trivial. Contudo, uma análise cuidadosa da literatura referente às sublevações
ocorridas nas Minas da primeira metade dos setecentos, por sua vez, pode
surpreendentemente demonstrar que nem sempre tais alertas foram respeitados e não
poucos autores comprometeram suas análises ao filiarem-se demasiadamente àquilo que
poderíamos chamar de “discurso oficial” das fontes.
Nessa perspectiva, cumpriria então questionar se seria possível ao historiador se
desvencilhar ou pelo menos se precaver perante as armadilhas presentes nessas fontes
documentais: estaria nossa historiografia fadada a interpretar os movimentos de sedição
e revoltas populares mineiras apenas sob a ótica das autoridades metropolitanas como
reflexo da própria exigüidade das fontes existentes? Em outras palavras, como o
pesquisador poderia adentrar-se no universo mais íntimo da multidão sublevada e
desvelar as crenças, idéias e concepções que, ainda que de forma subjacente, deram
sentido, organicidade e legitimidade a suas ações?
Obviamente, tais questões não são novas e diversos autores já se depararam com
as mesmas em suas pesquisas. Contudo, se alguns caminhos já foram apontados pela
267 RUDÉ, George. A multidão na história, p. 215-232. Não obstante o rigor e a originalidade de suas análises, um dos pontos criticáveis dessa obra surge quando Rudé sugere o caráter “apolítico” de alguns motins rituais ocorridos tanto na França quanto na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX; situação que, dentre outros aspectos, denuncia uma visão pouco aprofundada do universo da política à época por parte do autor acima referido.
134
historiografia, aqui partiremos da concepção teórica de que se os povos no geral poucos
registros deixaram acerca de suas idéias e concepções sobre o momento histórico no
qual viviam, é através da análise de suas próprias formas de organização, ação e
protesto que talvez pudéssemos identificar e reconstituir, com relativa segurança, a sua
linguagem política.268
De fato, ao se analisar o conjunto das revoltas populares ocorridas em solo
mineiro ao longo da primeira metade do século XVIII percebe-se que raros foram os
movimentos nos quais os sublevados puderam – ou mesmo pretenderam – registrar os
ideais que embasavam suas reivindicações, embora houvesse sempre a preocupação de
preservarem – ainda que no âmbito do discurso – a legitimidade de suas ações junto ao
aparato administrativo lusitano. Nessa medida, mesmo na análise daqueles movimentos
em que houve a publicação de “Capítulos”, “Termos”, “Bandos” ou “Requerimentos”,
ações que materializavam a pauta de reivindicações, há sempre que se atentar para a
possibilidade de existência de outras motivações subjacentes àquelas apregoadas pela
multidão sublevada, sobretudo em se tratando de movimentos de amplo espectro
social.269
Sobre este aspecto e apenas para ilustrar o que foi acima exposto, poderíamos
citar inclusive alguns eventos ocorridos na ocasião da Revolta de Vila Rica em 1720.
Conforme nos informa Carla Anastasia, dentre outros autores, a 02 de julho deste
mesmo ano os sublevados, encontrando-se na Vila de Ribeirão do Carmo, forçaram a
aceitação por parte do governador D. Pedro de Almeida de um “termo” com todas as
reivindicações do movimento. Dentre tais reivindicações – eram 14 ao todo – a principal 268 Em passagem bastante sugestiva presente em uma de suas obras, o ilustre historiador francês Georges Duby afirmou inclusive que “as formações ideológicas se revelam ao olhar do historiador nos períodos de mutação tumultuosa. Nestes momentos graves, os detentores da palavra não param de falar (...)”. DUBY, Georges. Les trois ordres ou l’imaginaire du féodalisme. Paris: s/ed, 1979, p. 151. Tal trecho foi originalmente citado por MELLO. Rubro veio, p. 91. Itálicos meus. 269 Ainda de acordo com George Rudé, se “as razões óbvias” para a deflagração dos motins não devem ser negligenciadas, é igualmente necessário aprofundar as análises das “motivações subjacentes”. Cf. RUDÉ. A multidão na história, p. 232 e ss.
135
referia-se à não aceitação da cobrança dos quintos régios nas Casas de Fundição.
Contudo, conforme se sabe, as pretensões dos líderes dos amotinados de Vila Rica iam
muito além da proposta de simplesmente embargarem as novas medidas tributárias
então em curso, situação que exigiu medidas enérgicas por parte de Assumar.270
No que se refere a Pitangui em específico – vale relembrar –, há basicamente
duas justificativas nas fontes coevas disponíveis para as sublevações ocorridas na região
na segunda década dos setecentos: a primeira delas, veiculada em grande medida por D.
Brás Baltazar da Silveira, defendia que os motins de Pitangui mantinham estreitas
relações com a própria pobreza das minas auríferas da localidade.271 Assim e de acordo
com tal versão, malogrado o empreendimento minerador da região, seus moradores
passaram então a questionar a contribuição à qual estariam obrigados na distribuição da
quota de trinta arrobas anuais de ouro referente aos quintos das Minas.
Conforme podemos inferir, muito provavelmente tal alegação foi formulada
pelos próprios sublevados de Pitangui, situação que, posteriormente, reverberou nos
registros do governador D. Brás. Contudo, segundo defendemos, os fundamentos de tal
proposição não seriam suficientes para explicar a gravidade e os desdobramentos
assumidos pelos eventos ocorridos na região no período em destaque, mesmo a despeito
de tal versão ter marcado significativamente as interpretações historiográficas que se
270 De acordo com Carla Anastasia, os principais líderes do movimento como Paschoal da Silva Guimarães, Sebastião da Veiga Cabral e Manoel Mosqueira da Rosa pretenderam mesmo expulsar D. Pedro de Almeida do cargo de governador das Minas, posto que seria então provisoriamente ocupado por Sebastião da Veiga Cabral. Manoel Mosqueira da Rosa, por seu turno, aspirava ao posto de Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, ofício à época exercido por Martinho Vieira. A este respeito, ver ANASTASIA. Vassalos rebeldes, p. 45-58. 271 APM, SC 09, fls. 27v-28. “Para Luis Botelho de Queirós”. Vila de Nossa Senhora do Carmo, 10 [?] de junho de 1714. Neste documento – uma carta enviada por D. Brás Baltazar da Silveira ao então Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas Luis Botelho de Queirós – afirmava o governador que na ocasião os moradores de Pitangui não poderiam arcar com suas respectivas parcelas referentes aos quintos devido “à miséria em que se achavam, sem ter onde lavrarem ouro por se haver desvanecido o primeiro descobrimento (...)”.
136
seguiram, sobretudo as de autores como Sílvio Gabriel Diniz e Teófilo Feu de
Carvalho.272
A segunda variante para os acontecimentos presentes nas fontes – versão esta
não por acaso amplamente difundida pelo próprio D. Pedro de Almeida – via na própria
“má qualidade” dos habitantes da região a razão última para todas as violências e
“barbaridades” por eles mesmos cometidas. Conforme já expusemos anteriormente,
para Assumar algumas “castas” de paulistas que habitavam a Vila de Pitangui à época
constituíam a “mais vil canalha de vassalos” que Sua Majestade poderia possuir, sendo
mesmo inútil tratá-los segundo qualquer lógica racional, uma vez que aparentavam mais
“feras selvagens” do que homens.273 Em contrapartida, no conjunto das demais fontes
coevas conhecidas e disponíveis não há – além das referências acima destacadas –
qualquer registro documental de autoria dos sublevados de Pitangui que dêem outras
pistas acerca da natureza mais íntima de suas reivindicações ou motivações.
Cientes de tal contexto e à luz dos questionamentos até aqui desenvolvidos,
acreditamos, contudo, que as análises acerca dos motins ocorridos em Pitangui no
período em destaque têm muito a ganhar se aproximarmos tais movimentos do quadro
mais compreensivo das próprias relações historicamente estabelecidas entre a gente do
Planalto de Piratininga e seus demais contemporâneos; relações estas, conforme
sabemos, quase sempre marcadas por tensões e conflitos e que remontam aos
primórdios do século XVII. Por conseguinte, tal trajetória vivenciada por esses homens,
rica em acúmulo de experiências políticas paulatinamente gestadas e apropriadas –
272 A este respeito, ver, respectivamente, DINIZ. Pesquisando a História de Pitangui, p. 20 e CARVALHO. Ocorrências em Pitangui (1713-1721), p. 32 e ss. 273 Acerca deste aspecto – conforme já destacamos ao longo deste trabalho – inúmeras foram as ocasiões em que D. Pedro de Almeida assim se referiu aos habitantes de Pitangui, tanto às demais autoridades da Capitania quanto à Corte portuguesa, sobretudo naqueles momentos de maior recrudescimento das tensões na Vila. A este respeito, ver, dentre outros, APM, SC 11, fls. 48v-49. “Para o Ouvidor Geral do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 09 de setembro de 1718; APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719; APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu Bueno de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720.
137
conforme procuraremos debater nas páginas que se seguem – reverberaria não apenas
nos acontecimentos sediciosos de Pitangui, mas também na própria “opinião” das
autoridades metropolitanas acerca “do que de fato se passou na região”. Obviamente,
não caberá aqui tentar reconstituir em sua integridade todas as vicissitudes que
demarcaram o passado colonial paulista; porém, igualmente acreditamos que alguns
pontos merecem particular destaque a fim de elucidarem, se não todas, pelo menos parte
das questões anteriormente propostas.
3.1 – A construção de uma tradição: da “legenda negra” paulista ao “direito de
conquista”
Conforme recentes estudos têm demonstrado no âmbito da historiografia, a
conformação histórica, social, cultural e política das populações que habitavam a região
do Planalto de Piratininga fora bastante peculiar no que se refere às outras localidades
da América portuguesa, seja pela própria localização geográfica das vilas que
compunham a São Paulo quinhentista, seja pelo elevado grau de miscigenação
alcançado por aquela sociedade, fruto das estreitas relações envolvendo ameríndios e
adventícios. Nessa medida, segundo apontam diversos autores, em contraposição ao
litoral, lócus privilegiado pelos lusitanos para iniciarem a empreitada de colonização do
Novo Mundo, a fundação dos primeiros núcleos populacionais “sertão adentro” forjou a
“predisposição” dos habitantes do Planalto à autonomia e ao isolamento frente às
demais regiões da América portuguesa, ainda que parcialmente.274
274 A respeito deste contexto, ver, dentre outros estudos MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas: idéias, práticas e imaginário político no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008, p. 225 e ss.; RUSSEL-WOOD, A.J.R. Identidade, etnia e autoridade nas Minas Gerais do século XVIII: leituras do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 100-118, jul. 1999; MONTEIRO, Rodrigo Bentes. O rei no espelho: a monarquia portuguesa e a colonização da América. São Paulo: Hucitec, 2002; MONTEIRO, Rodrigo Bentes. A
138
De acordo com Rodrigo Bentes Monteiro, fundado em meados do século XVI,
“o principal núcleo urbano da região, a Vila de São Paulo de Piratininga, situava-se no
planalto e era alcançada da costa por meio de difícil caminho pela Serra do Mar”. Nessa
região, praticamente não havia plantações de cana-de-açúcar em seus primeiros anos de
povoamento e a mão-de-obra indígena logo se tornara predominante, sendo os africanos
a exceção.275 Território ocupado majoritariamente por tribos tupiniquins, sobretudo nas
serras que margeavam o Rio Tietê, de fato, desde seus primórdios o uso intensivo do
trabalho indígena nas mais diversas atividades produtivas da região – principalmente no
cultivo de trigo para abastecer tanto os mercados litorâneos quanto as praças européias –
marcou indelevelmente todas as características da sociedade paulista que então se
formava. Assim, segundo nos informa John Manuel Monteiro, o processo de integração,
escravização e mesmo dizimação das populações indígenas locais estaria intimamente
ligada à própria constituição de São Paulo colonial, com o trabalho indígena não se
limitando a uma mera lógica comercial.276
Por conseguinte, capturados em grande medida para serem empregados como
mão-de-obra no próprio Planalto, já nas últimas décadas do século XVI os indígenas
tornaram-se um importante elemento constitutivo da sociedade paulista, situação que
prevaleceria por toda a centúria seguinte e propulsionaria, em escalas cada vez mais
abrangentes, o sertanismo preador.277 Em suma, como resultado do elevado grau de
Rochela do Brasil: São Paulo e a aclamação de Amador Bueno como espelho da realeza portuguesa. Revista de História – USP, São Paulo, n. 141, pp. 21-44, 1999. 275 MONTEIRO. O rei no espelho, p. 44. 276 De fato – e esta é uma das teses centrais deste estudo de John Manuel Monteiro –, os plantéis de índios capturados pelos sertanistas de São Paulo não abasteciam apenas os mercados de mão-de-obra litorâneos; pelo contrário, as inúmeras expedições organizadas pelos paulistas para a caça ao índio ao longo dos séculos XVI e XVII tinham a finalidade última de cobrirem as demandas do próprio Planalto, sendo o braço escravo indígena fundamental na própria estruturação da sociedade paulista da época. Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 08-09; 57-58; 99-100; passim. 277 Ainda de acordo John Manuel Monteiro, os indígenas eram utilizados nas mais diversificadas atividades produtivas do Planalto, seja na agricultura, com o cultivo de trigo e alimentos para a subsistência local (milho, feijão, mandioca, carnes e legumes); seja no transporte de mercadorias ao longo das trilhas até o litoral ou mesmo nas próprias expedições apresadoras – atividades nas quais a presença
139
miscigenação – tanto sexual, mas sobretudo cultural – entre ameríndios e europeus,
surgiram padrões de comportamento, valores, costumes e modos de vida bastante
específicos no Planalto de Piratininga, situação que colocava os paulistas em um
patamar distinto no que se refere aos colonos das outras regiões da América
portuguesa.278
De fato, no mais das vezes tidos por meros mamelucos ou “mamalucos” –
designação quase sempre arraigada a conotações depreciativas –, os paulistas tornaram-
se ao longo do tempo depositários de importantes conhecimentos acerca dos hábitos e
modos de vida indígena, sobretudo no que se refere à sobrevivência nos sertões
inóspitos. Assim, da caça de alimentos, água e plantas medicinais até a melhor forma de
se orientarem geograficamente em regiões ignotas, diversas práticas empregadas pelos
sertanistas de São Paulo estiveram intimamente atreladas à cultura indígena, forjando a
sedimentação de conhecimentos tipicamente sertanejos entre a “gente” do Planalto.279
Conforme destaca Adriana Romeiro, contudo, nenhum aprendizado seria mais
importante para os paulistas do que o relacionado às artes da guerra brasílica,
conhecimentos estes que seriam amplamente empregadas por tais homens nos anos
vindouros.280
do elemento indígena era de fundamental importância. A este respeito, ver MONTEIRO. Negros da terra, p. 113-114; 124-128; passim. 278 Sobre este ponto, para Russell-Wood os paulistas chegaram mesmo a constituir um grupo étnico com características bastante peculiares no contexto de colonização da América portuguesa. Segundo Russell-Wood, os paulistas dotaram-se de uma identidade coletiva, baseada em critérios como ascendência, características culturais, valores e comportamentos comuns. Da mesma forma e ainda de acordo com este autor, para se caracterizar um grupo étnico “de grande importância é o fato de que os membros de tal grupo [percebam] e [identifiquem] a si mesmos como pertencentes ao grupo, e por isso distintos dos outros, e que os outros [identifiquem] este grupo como distinto”. Cf. RUSSEL-WOOD, A.J.R. Identidade, etnia e autoridade nas Minas Gerais do século XVIII: leituras do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 100-118, jul. 1999. Citação à página 113. Recentemente e na esteira das análises inauguradas por Wood, Adriana Romeiro retomou o tema à luz das teorias da etnicidade propostas por Fredrik Barth. Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 232-235. 279 A este respeito, ver, dentre outros estudos HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994 e KOK, Maria da Glória Porto. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2004. 280 Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008, sobretudo o 4º Capítulo, “As artes da guerra”, pp. 179-224. Ainda de acordo com tal autora, “incorporada ao patrimônio luso-brasileiro, a
140
Já no alvorecer dos seiscentos, por sua vez, surgiriam os primeiros conflitos
envolvendo os sertanistas de São Paulo e “Serra Acima” – todos ávidos em adquirir
novos plantéis de índios para serem escravizados – e os religiosos da Companhia de
Jesus; conflitos estes que se tornariam cada vez mais graves com o passar dos anos. As
políticas do reino, por seu turno, permaneciam ambíguas com relação à legitimidade da
escravidão indígena, divididas entre as pressões religiosas e os interesses econômicos
dos colonos de São Paulo.281 Como agravante da situação, vale destacar que os padres
inacianos haviam sido grandes aliados da Corte Brigantina no contexto da Restauração
do reino lusitano frente aos Castelhanos em 1640, o que aumentava o impasse para a
Coroa portuguesa.282
Neste contexto, angariando poder e prestígio junto à Corte lusitana, por
conseguinte, os jesuítas iniciaram uma grande campanha a favor da preservação de suas
atividades missioneiras no Novo Mundo, dando origem a litígios que marcariam toda
esta centúria, embora houvesse momentos de maior ou menor recrudescimento das
tensões. Nessa medida e uma vez engastados no processo de catequização e
evangelização das comunidades indígenas locais, os jesuítas tornaram-se ao longo dos
anos os mais ferrenhos adversários dos sertanistas de São Paulo: segundo John
Monteiro, partindo para a contra-ofensiva e aproveitando-se do prestígio da Companhia,
tais religiosos recorreram ao governador-geral do Brasil, ao Rei de Portugal e até
guerra brasílica – ou volante – era basicamente um guerra de posições e guerrilhas, feita nos matos com emboscadas”; bastante distinta, portanto, das estratégias e táticas utilizadas pelas Companhias regulares européias, geralmente dispostas em Cavalaria e Infantaria. Citação à página 201. 281 Segundo John Monteiro, a questão da legitimidade ou não da escravidão indígena não era consensual nem mesmo entre os jesuítas. Contudo – segundo nos informa o autor acima referido –, ainda que tacitamente havia a noção de que a escravidão era uma forma de sujeitar e integrar os indígenas, além de fazer prosperar economicamente a colônia. Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 40-41. 282 De acordo com Rodrigo Bentes Monteiro, “por motivos ainda incertos, talvez pelo regalismo crescente do governo castelhano contra as ordens regulares, o fato é que os jesuítas, seja em Lisboa, seja em Madri, seja em Roma, foram os mais ferozes adversários dos Habsburgos”. Cf. MONTEIRO. O rei no espelho, p. 78.
141
mesmo ao Sumo Pontífice a fim de aplacarem a escravidão indígena nas Américas
portuguesa e espanhola.283
Desta feita, um dos ápices desses conflitos se deu por volta do ano de 1639,
quando os inacianos angariaram junto à Santa Sé a publicação de um breve papal
proibindo terminante a escravização dos ameríndios. De acordo com tal documento,
seriam condenados à excomunhão todos aqueles “que cativassem, vendessem ou
fizessem uso do serviço dos índios”, situação que, como não poderia deixar de ser,
causou grande revolta nos habitantes do Planalto. Tal clima de tensão, por conseguinte,
reverberou de forma mais intensa nas regiões de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro,
culminando na expulsão dos inacianos do Planalto de Piratininga pelos paulistas em
1640.284
Na verdade, desde o início do século XVII, com o natural declínio das tribos
existentes nas proximidades do Planalto, delineou-se para os sertanistas de São Paulo a
necessidade de organizarem expedições de maior fôlego ao longo dos rios Paraguai e
Uruguai, o que, por sua vez, rendeu ao conflito proporções internacionais à medida que
as missões jesuíticas da América espanhola eram atingidas pela avidez bandeirante. Tais
religiosos, por seu turno, indignados frente ao avanço paulista em seus aldeamentos, em
alguns momentos chegaram mesmo a armar suas comunidades indígenas para a guerra
franca frente aos invasores.285
Contudo, conforme destaca Adriana Romeiro, seria no campo do discurso
político e das formulações ideológicas que a principal batalha envolvendo os jesuítas e 283 Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 75 e ss. 284 Conforme aponta Bentes Monteiro, o breve papal fora publicado inicialmente no Rio de Janeiro, contando inclusive com a aquiescência do governador desta Capitania. Tal documento reeditava o conteúdo de uma antiga bula papal de 1537, firmada ainda sob o pontificado de Paulo III e agora ratificada pelo Papa Urbano VIII. Cf. MONTEIRO. O rei no espelho, p. 72. 285 De acordo com John Manuel Monteiro, nesta época havia uma grande disputa pelos índios da região Sul, envolvendo grupos de castelhanos oriundos do Paraguai, paulistas e jesuítas. Na verdade, os ataques às reduções e aldeamentos decorriam da grande concentração de índios nesses lugares, ao passo que era sabido que os guaranis praticavam habitualmente a agricultura. Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 68-72.
142
os sertanistas de São Paulo seria travada.286 Nesta perspectiva, apoiados por seus
correligionários do Rio de Janeiro e Salvador, vários jesuítas espanhóis – como os
padres Montoya, Mazetta, Mansilla e Díaz Taño, dentre outros – conduziriam uma
campanha impressionante contra as ações predatórias dos bandeirantes paulistas,
divulgando a imagem destes – “nem sempre exagerada”, conforme as palavras de John
Monteiro – “como de um temível bando de desordeiros e foras-da-lei”.287 Segundo
ressalta Romeiro, “é na pena desses jesuítas que se firmará o imaginário do paulista
como vassalo indômito e rebelde, cioso de sua autonomia e avesso às normas da vida
política do Antigo Regime”.288
De acordo com as análises empreendidas por Kátia Maria Abud, os escritos de
autoria do jesuíta espanhol Antonio Ruiz de Montoya – Conquista Espiritual hecha por
los religiosos de la Compania de Jesus, en las Províncias del Paraguay, Paraná,
Uruguay e Tape, obra editada em Madri no ano de 1639 – alcançariam inclusive grande
repercussão em sua época, sobretudo nos círculos letrados europeus. “Apaixonado
libelo contra as incursões paulistas” de acordo com as palavras de Kátia Abud, tal livro
fora escrito com o claro objetivo de convencer as autoridades espanholas a defenderem
os aldeamentos indígenas frente às investidas dos bandeirantes, o que igualmente
contribuiu para a difusão de uma imagem altamente detratora acerca dos habitantes do
Planalto nos mais diversos recantos do Império português.289
Tendo ocupado o cargo de Superior Geral das Missões jesuíticas dos Guaranis
no Paraguai entre os anos de 1620 e 1637, de fato Montoya fora um dos mais ativos na
condenação das ações devastadoras dos paulistas frente aos aldeamentos indígenas.
Indício da grande repercussão alcançada por sua obra na Europa, suas idéias e
286 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 225-231. 287 Cf. MONTEIRO. Negros da terra, p. 144. 288 ROMEIRO, Adriana. Revisitando a guerra dos emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, p. 388. 289 Cf. ABUD. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições, 1985. Citação à página 91.
143
concepções tornaram-se a base para o lançamento de diversos escritos posteriores, como
os do padre Nicolau del Techo (Historia de la Provincia del Paraguay de la Compañia
de Jesus, 1663); do jesuíta francês Pierre François Xavier de Charlevoix (Histoire du
Paraguay, obra publicada em Paris em 1757); e do beneditino francês Joseph Vaissette,
historiador da Ordem de São Marcos (Histoire geographique, ecclesiastique et
civile).290
Na verdade, conforme destaca Adriana Romeiro, como traço em comum tais
religiosos forjaram em seus escritos a imagem dos paulistas sob o signo da barbárie e da
selvageria, representações estas que conheceriam duradoura fortuna na memória
histórica e no próprio imaginário social da época acerca dos homens de São Paulo. No
mais das vezes tidos por verdadeiros inimigos internos, as práticas e os costumes dos
paulistas – muito próximos, aliás, das próprias formas de vida dos indígenas, conforme
aludimos mais acima – não raro causavam grande estranhamento em seus
contemporâneos, reafirmando as representações negativas e depreciativas acerca dos
mesmos.
No entanto, não seriam apenas os padres jesuítas os únicos responsáveis pela
consecução e disseminação dessa chamada “legenda negra” paulista: ainda de acordo
com Adriana Romeiro, “também a perambulação característica dos homens que
compunham a elite administrativa na América portuguesa” em muito contribuiu na
circulação de tais concepções e valores, sedimentando nos quatro cantos do Império o
imaginário acerca dos paulistas como “bárbaros rebeldes e desalmados”.291
Nessa medida, seja pela liberdade e desprendimento com que viviam à caça do
gentio bravio pelos sertões inóspitos, seja pelo próprio apelo às artes guerreiras, não
290 Ainda segundo Kátia Abud, para Charlevoix seria a mestiçagem o principal fator responsável pela “barbárie” impressa no gênio dos paulistas, fonte primeira da formação de uma “geração perversa”. Cf. ABUD. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições, p. 91-92. 291 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 225-231.
144
raro a região habitada pelos paulistas ganhou ao longo dos seiscentos codinomes como a
“Rochela do Brasil” ou a “Rochela do Sul” – epítetos de um território inexpugnável e
habitado por facínoras igualmente refratários às ordens de Sua Majestade e da Igreja.
Verdadeiro espectro de uma “República” rebelde e independente incrustada em pleno
sertão da América portuguesa, povoada por gente aguerrida e insubmissa, manter a
região de São Paulo sob a órbita de domínio da Coroa portuguesa, por conseguinte,
configurava-se como um desafio de grandes proporções para os agentes metropolitanos.
Para Adriana Romeiro, por sua vez, o tema da “Rochela paulista” – ao evocar a
imagem da terrível cidadela protestante européia que durante anos manteve sua
independência pelo poder de suas armas frente às tropas reais francesas – constituiu
mesmo o cerne da “legenda negra” acerca dos homens do Planalto, “conferindo-lhes
uma conotação política radical”.292 Sugestivamente, em meados de 1695 o viajante
francês François Froger, então em passagem pelo Rio de Janeiro, sintetizaria como
ninguém este imaginário acerca da região e de seus habitantes. Conforme suas
anotações e registros deixam entrever, era notoriamente sabido que “(...) a cidade de
São Paulo, localizada a dez léguas do litoral, [fora] formada a partir da união de
salteadores de todas as nações, os quais, pouco a pouco, formaram uma espécie de
República, onde, por lei, não se reconhece um governador. Nessa República, circundada
por altas montanhas, não se pode entrar nem sair senão por um pequeno desfiladeiro.
Tal passagem é fortemente guardada, pois os paulistas além de temerem os ataques dos
índios, com os quais estão constantemente em guerra, receiam que seus escravos fujam 292 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 226-227. Sugestivamente, conforme apontam os estudos de Rodrigo Bentes Monteiro, a temática da Rochela não foi empregada apenas para designar a região de São Paulo seiscentista: tornando-se uma tópica dos discursos políticos da época, passou também a caracterizar os quilombos de Palmares e mesmo o Maranhão do século XVII, onde igualmente havia disputas envolvendo jesuítas e colonos no que se refere à escravidão indígena. A este respeito, ver MONTEIRO. A Rochela do Brasil: São Paulo e a aclamação de Amador Bueno como espelho da realeza portuguesa. Revista de História – USP, São Paulo, n. 141, pp. 21-44, 1999, nota nº 11. O tema da ‘Rochela paulista’ foi também abordado por MONTEIRO. Negros da terra, p. 216; MONTEIRO. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 86-99, jul. 1999 e por SOUZA. O sol e a sombra, p. 153-154, dentre outros.
145
(...). Segundo dizem os habitantes locais, eles [os paulistas] não são súditos do rei, mas
sim tributários; situação que lhes permite livrarem-se desse jugo quando a ocasião for
propícia”.293
Não obstante tais características pouco abonadoras, conforme relatara François
Froger, sabiam as autoridades, contudo, que os conhecimentos acumulados pelos
sertanistas de São Paulo no trato com os diversos grupos indígenas poderiam ser úteis
em diversas circunstâncias, sobretudo no que se refere às guerras contra o gentio bravio
e contra os quilombolas que igualmente infestavam as regiões interioranas da América
portuguesa. De fato, em meados do século XVII as autoridades coloniais e
metropolitanas estavam às voltas com as investidas dos índios tapuias tanto no
recôncavo baiano quanto em outras frentes de povoamento nordestinas, problemas aos
quais se aliavam a nefanda existência do quilombo de Palmares e a própria presença
holandesa em Pernambuco.294
Desta maneira, versados nos assuntos do sertão e nas artes da “guerra brasílica”
como nenhuma outra milícia existente – contextos nos quais as táticas bélicas
empregadas pelas tropas regulares e de ordenança mostravam-se totalmente obsoletas –,
a atuação dos combatentes oriundos de São Paulo nestes conflitos passou a ser cada vez
mais requisitada, mesmo a despeito dos inconvenientes que a presença de tais homens
na região poderia incitar. Neste ponto, conforme bem destacou Adriana Romeiro, foram
os sertanistas bastante argutos na tentativa de reverterem os valores que compunham a
293 FROGER, François. Relation d’un voyage fait en 1695, 1696 e 1697 aux côtes d’Afrique, détroit de Magellan, Brésil, Cayenne et Isles Antilles. Amsterdam: Chez les Héritiers, D’Antoine Schelte, 1699, p. 54. Citado por ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 225-226. 294 Conforme se sabe, a designação “tapuia” referia-se de forma genérica aos índios que habitavam as regiões interioranas da América portuguesa. Em contraposição à linhagem tupi, os tapuias eram vistos como “bárbaros sanguinários”, verdadeiras “feras” que atravancavam o avanço da colonização no Nordeste do Brasil, espalhando o medo e o terror nas povoações locais. Nesse sentido, à medida que os conflitos tornavam-se latentes ao longo da segunda metade dos seiscentos, diversas autoridades promoveram verdadeiras guerras de extermínio frente a tais comunidades indígenas com o uso intensivo de tropas paulistas, contexto que ficaria conhecido como “A guerra dos Bárbaros”. A este respeito, ver PUNTONI. A Guerra dos bárbaros, 2002.
146
chamada “legenda negra paulista”: assim, de “feros” e “rebeldes insubmissos”, tais
homens buscaram forjar a imagem de si próprios como “valorosos, intrépidos e
valentes”, os únicos que, por suas características inatas, poderiam derrotar inimigos tão
formidáveis como os negros de Palmares e os tapuias nordestinos “comedores de carne
humana”.295
Nessa perspectiva, não foram poucas as autoridades que, no calor das contendas,
abraçaram a concepção de que o emprego da “máquina de guerra paulista” na região
seria a única opção possível para conter o ímpeto dos inimigos locais, aplacando-os de
uma vez por todas. Na opinião de D. frei Manuel da Ressurreição, por exemplo,
religioso que ocupara o cargo de governador-geral do Brasil entre os anos de 1688 e
1690, os paulistas eram “gente acostumada a penetrar sertões e tolerar as fomes, sedes e
inclemências dos climas e dos tempos, de que não têm uso algum os infantes, nem os
milicianos a que falta aquela disciplina e constância”.296 De maneira similar, outro
contemporâneo ainda registraria: “por várias vezes tenho dito que os paulistas são a
melhor, ou a única defensa, que tem os povos do Brasil contra os inimigos do sertão”.297
Contudo, cientes do poderio militar que representavam, sobretudo naquele
momento de grande crise, os sertanistas de São Paulo passaram a negociar abertamente
a prestação de “seus serviços” junto às autoridades coloniais e ao Conselho
Ultramarino, exigindo como espólio de guerra pesadas retribuições em soldos, peças do
gentio da terra, sesmarias, patentes militares, honras e mercês. Como se sabe, a
prestação de serviços por parte dos vassalos em troca da “esperança” por futuras
retribuições régias – tanto em bens materiais quanto em bens simbólicos – não era
295 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 241. 296 Citado por TAUNAY, Affonso de E. História das bandeiras paulistas. São Paulo: Melhoramentos, 1975, t. 01, p. 157 e por ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 241. 297 PARECER do Procurador da Fazenda sobre as queixas e requerimentos dos paulistas. Documento citado por ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares: subsídios para a sua história. Prefácio de Affonso de E. Taunay. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p. 311 e por ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 243.
147
nenhuma novidade à época, fazendo mesmo parte das condutas típicas da cultura
política do Antigo Regime.298
No entanto, neste novo contexto inaugurado pelas guerras do nordeste
seiscentista, os homens do Planalto de Piratininga levaram tais concepções ao extremo,
a ponto de fazerem das autoridades e do próprio Rei de Portugal meros contratadores de
seus serviços, estando a fidelidade dos mesmos diretamente vinculada ao recebimento
das benesses prometidas, o que nem sempre ocorria. Conforme bem ressaltou Adriana
Romeiro, para os sertanistas de São Paulo, “a retribuição régia pouco tinha a ver com a
magnanimidade, excluindo, assim, o caráter de graça de que se revestiam as mercês
régias; ao contrário, a retribuição adquiria um sentido de obrigatoriedade, muito
semelhante à noção de contrato, em que os serviços e as recompensas eram
primeiramente negociados por meio de procuradores enviados diretamente a Lisboa”.
Nessa perspectiva, “e em razão da qualidade de serviço regido por um contrato formal”,
concluiu Adriana, “eles [os paulistas] mostravam-se dispostos a abandoná-lo quando
uma ou outra cláusula era modificada ou descumprida, fosse pelo rei, fosse pelos seus
representantes”.299
Como não poderia deixar de ser, tais atitudes dos paulistas – longe de se
enquadrarem na lógica respeitosa e polida que, por suposto, deveria reger as relações
entre os súditos e a Coroa – em muito reforçava a imagem dos habitantes de São Paulo
como rudes, arrogantes e prepotentes, mais próximos a mercenários e aliados do que a
fiéis vassalos. Pouco afeitos às normas e etiquetas palacianas que comumente pautavam 298 A este respeito, ver XAVIER & HESPANHA. As redes clientelares. In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal (O Antigo Regime). Lisboa: Editorial Estampa, 1993. v.4. pp. 381-393. De acordo com tais autores, à época de vigência do Antigo Regime na Europa as relações de natureza institucional ou jurídica tinham tendência a coexistirem com outras relações paralelas, tão ou mais importantes que as primeiras, baseadas em critérios de amizade, parentesco, honra, fidelidade e serviço. Assim, na chamada “economia do dom” as negociações envolvendo soberano e vassalos, patrão e empregado, “senhor e clientes” eram extremamente comuns, cimentando a própria natureza das relações sociais e políticas. Outro interessante estudo que também aborda tais concepções teóricas é o de FURTADO. Homens de negócio, 2006. 299 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008. Citações à página 239.
148
as reivindicações dos súditos junto às instâncias administrativas superiores, ao que
parece os homens do Planalto de Piratininga simplesmente negligenciavam a assimetria
existente entre soberano e vassalos, enquadrando suas exigências e imposições nos
moldes de uma relação entre pólos iguais de poder. Conseqüentemente, entre as
autoridades coloniais e metropolitanas pairaria sempre a sensação de que a qualquer
momento tais homens pudessem firmar acordos com os inimigos externos de Portugal,
bastando para isso que as condições lhes fossem favoráveis.300
Dessa forma, não raro tidos como um mal necessário no combate a adversários
contra os quais as tropas regulares nada poderiam fazer, sabiam também os agentes
metropolitanos que o aliciamento das tropas paulistas para participarem desses conflitos
no nordeste da América exigia cautela. De fato, escandalizados com a forma acintosa e
explícita com que os paulistas “vendiam” os seus serviços e impunham suas condições
para ingressarem nas contendas, algumas autoridades locais chegaram mesmo a
reconsiderar suas decisões; como no caso de governador de Pernambuco, Caetano de
Melo de Castro, para quem a presença dos sertanistas na região – “gente bárbara,
indômita e que vive do que rouba” – causaria “maior dano em seus gados e fazendas
que aquele que lhe faziam os mesmos negros levantados”.301
De qualquer forma, seja no combate ao gentio bravio das regiões interioranas da
América no contexto da “Guerra dos Bárbaros”, seja no combate aos quilombolas de 300 Sem sombra de dúvida, os episódios mais conhecidos e emblemáticos acerca das formas como os paulistas negociavam seus serviços junto aos agentes da Coroa portuguesa foram os que tiveram como protagonista o bandeirante Domingos Jorge Velho no contexto de combate aos quilombolas de Palmares. Assim, conforme destaca Adriana Romeiro, em diversas cartas dirigidas tanto ao Rei quanto a seus Ministros, Jorge Velho expôs como ninguém a lógica que pautava a ação paulista, “deixando claro que a sua fidelidade estava a serviço daquele que melhor pudesse remunerá-la, independentemente da causa em questão”. A este respeito, ver ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 244 e ss. e ENNES. As guerras nos Palmares, p. 205. 301 CARTA de Caetano de Melo de Castro, datada de Pernambuco de 04 de agosto de 1694, em que dá notícia do feliz sucesso que teve nos Palmares. Documento citado por ENNES. As guerras nos Palmares, p. 198 e por ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 246. De modo semelhante – conforme ressalta Pedro Puntoni – também as elites locais buscavam evitar a resolução de se enviar mais tropas paulistas ao sertão nordestino, uma vez que ambos os grupos tinham interesses convergentes, sobretudo no que se refere à posse de sesmarias e de cargos de mando na região. Cf. PUNTONI. A guerra dos bárbaros, p. 172-177.
149
Palmares, durante toda a segunda metade do século XVII os sertanistas de São Paulo
acumularam uma série de malogros em suas negociações com a Coroa portuguesa,
mesmo a despeito de terem finalmente conquistado significativas vitórias frente a tais
“ameaças internas”. Sintomaticamente, nos anos que se seguiram a estes conflitos foi
inclusive muito comum a circulação de queixas por parte dos paulistas acerca do não
cumprimento dos contratos anteriormente firmados junto às autoridades, ao passo que o
volume de cartas e requerimentos enviados ao Conselho Ultramarino crescia em ritmo
exponencial.302
Como resultado imediato, por conseguinte, tal contexto de insatisfação geral
trouxe novos agravantes para as relações envolvendo paulistas e agentes metropolitanos,
relações estas já há anos bastante desgastadas. Por outro lado, com a prevalência da
imagem do paulista como súdito pouco confiável e de fidelidade duvidosa na memória
administrativa oficial lusitana – situação que os afastava momentaneamente do rol dos
prováveis merecedores imediatos das benesses régias – a circulação da idéia do vassalo
traído entre os homens do Planalto de Piratininga também ganhou novo ímpeto,
recrudescendo ainda mais as desconfianças mútuas. Nessa medida, não raro a imagem
do súdito enganado por autoridades venais e corruptas foi acionada pelos paulistas,
quadro este perfeitamente representado pelo sertanista que, por “atuar apenas em favor
dos interesses de Sua Majestade e à custa de suas próprias vidas e fazendas”, conforme
formulação comum à época, teria levado sua família e agregados à completa ruína.
Ainda sobre este aspecto, mais uma vez a correspondência trocada entre o
famoso líder paulista Domingos Jorge Velho e os agentes da Coroa portuguesa no
contexto das guerras de Palmares seria o mais expressivo indício do clima de tensão
302 Em determinadas ocasiões, alguns sertanistas optaram inclusive por remeter procuradores a Lisboa a fim de pleitearem o cumprimento de suas reivindicações junto ao Rei, embora poucos tenham alcançado o êxito esperado. A este respeito ver, dentre outros estudos, ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 245-249 e PUNTONI. A guerra dos bárbaros, p. 109-113. passim.
150
então vivido no período: em uma de suas cartas ao Rei D. João V, por conseguinte,
afirmara Jorge Velho que por não ver cumpridas as promessas anteriormente acordadas
com as autoridades metropolitanas, ficaria sua linhagem reduzida “à miséria suma”, ao
passo que tais fatos ficariam “em perpétua memória da gente São Paulista [sic] que isto
sucedeu a Domingos Jorge Velho e à sua gente por haver atropelado todas suas
conveniências para virem servir (...)”.303
Em suma, mesmo os paulistas vendo naufragar parte de suas esperanças de
retribuição por seus “serviços” prestados nas guerras nordestinas, conforme bem
ressaltou Adriana Romeiro, este longo e arrastado processo de negociações com as
instâncias superiores de poder fora de suma importância para os sertanistas de São
Paulo, sobretudo no que se refere ao acúmulo de experiências e formulações políticas;
concepções estas que seriam amplamente evocadas a partir de então pela gente do
Planalto. Com efeito, digno de destaque foi a força assumida pela noção de “direito de
conquista” no imaginário e nas formulações políticas dos paulistas tanto no que se
refere aos indígenas derrotados em guerra quanto aos territórios conquistados, mesmo a
despeito de nem sempre serem atendidos em suas reivindicações. Nessa medida,
aferrados a tal discurso, por conseguinte, as práticas políticas inauguradas pelas gentes
do Planalto ganhariam novos contornos no contexto da revelação dos metais e veios
auríferos das Minas a partir do último decênio dos seiscentos, demarcando um período
de tensões, rivalidades e conflitos.304
303 REQUERIMENTO que aos pés de Vossa Majestade humildemente prostrado faz em seu nome, e em aquele de todos os oficiais e soldados do terço de infantaria São Paulista de que é Mestre de Campo Domingos Jorge Velho, que atualmente serve a Vossa Majestade na Guerra dos Palmares, contra os negros rebelados nas Capitanias de Pernambuco. Apud ENNES. As guerras nos Palmares, p. 344 e ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 248. 304 A este respeito, ver ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 248 e ss. & ROMEIRO. Revisitando a guerra dos emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 387-401.
151
3.2 – As Minas entre “paulistas e emboabas”
Conforme analisamos brevemente nas páginas precedentes, se o ocaso do século
XVII fora marcado por uma explosão de discursos acerca das características das gentes
do Planalto de Piratininga e pelo próprio recrudescimento das tensões envolvendo os
sertanistas de São Paulo, colonos, poderosos locais, religiosos, agentes metropolitanos e
Coroa portuguesa, o alvorecer dos setecentos também não fugiria à regra. De fato,
novidade sem precedentes no conjunto do Império ultramarino lusitano, a revelação dos
descobertos auríferos das Minas e a rápida colonização de um território antes inculto
por grupos de colonos tão heterogêneos compôs um cenário de euforia, mas ao mesmo
tempo de preocupações para as autoridades régias, nomeadamente pela sensação de
iminência dos conflitos.305 Obviamente, não caberá aqui retomar em detalhes todas as
vicissitudes e minudências destes primeiros anos de estabelecimento das Minas.
Contudo, importa-nos avaliar, ainda que parcialmente, o conjunto dos discursos, das
práticas e das representações acionados pelos protagonistas desta nova conjuntura
insurgente – contexto este que reverberou não apenas nos episódios mais graves que
compuseram a chamada “Guerra dos Emboabas”, mas também em diversas situações
conflituosas nas quais os paulistas tomaram parte nos anos subseqüentes e das quais
Pitangui fora um exemplo destacado.
Como se sabe, fruto da ação pioneira dos bandeirantes paulistas, a revelação dos
primeiros veios auríferos na região da futura Capitania de Minas Gerais a partir de
meados da década de 1690 novamente alçou os sertanistas do Planalto a uma condição
supostamente privilegiada frentes aos demais colonos da América portuguesa. Na
verdade, se durante grande parte do século XVII os paulistas foram “louvados” por suas 305 Tema caro à historiografia, interessantes análises acerca deste período foram realizadas por SOUZA. Desclassificados do ouro, 2004 (4ª edição); CAMPOS. Governo de mineiros, 2002; ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, 2002; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, 2008, dentre tantos outros.
152
façanhas e capacidades guerreiras, agora dentre tais atributos emergia a fama do
sertanista como “verdadeiro descobridor” dos ricos metais; em suma, os únicos colonos
capazes de esquadrinhar os sertões e desvendar-lhes as riquezas em prol do
engrandecimento da Fazenda de Sua Majestade.
Pragmaticamente, no entanto, a revelação dos descobertos auríferos das Minas e
a subseqüente corrida empreendida pelos pioneiros a fim de oficializarem seus feitos
junto às instâncias de poder esteve longe de representar uma obra do acaso, como
durante longo tempo supôs a historiografia. Conforme recentes estudos têm apontado, a
mineração do ouro já ocorria de forma clandestina nas regiões interioranas da América
portuguesa desde a segunda metade dos seiscentos, como sugere o próprio famigerado
episódio do assassinato do enviado régio ao sertão do Rio das Velhas D. Rodrigo
Castello Branco por volta do ano de 1681.306 Na verdade, conforme ressaltam Maria
Verônica Campos e Adriana Romeiro, a revelação dos descobertos auríferos por parte
dos sertanistas de São Paulo e “Serra Acima” apenas se concretizou efetivamente
quando houve promessas por parte da Coroa de que ao descobridor seriam dados
privilégios, honras e mercês; contexto muito próximo ao que já havia demarcado as
negociações entre os paulistas e as autoridades régias em decorrência das guerras
nordestinas.307
Nessa medida, quando se fala em “descoberta” dos metais na última década dos
seiscentos, talvez seja mais apropriado falar em revelação dos descobrimentos, pois,
conforme afirma Campos, “há vários indícios de extração sigilosa de ouro durante a
segunda metade do século XVII, especialmente a partir da década de 1670, não só no 306 Episódio eivado de obscuridade pela própria insuficiência e escassez das fontes documentais pertinentes, sabe-se, contudo, que o sertanista e líder paulista Manuel da Borba Gato – genro e herdeiro da expedição de Fernão Dias Paes Leme – esteve envolvido no assassinato de D. Rodrigo, muito provavelmente para garantir o próprio monopólio sobre as possíveis regiões auríferas então descobertas na região do Rio das Velhas. A este respeito ver, dentre outros estudos, CAMPOS. Governo de mineiros, p. 38-41. 307 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 33 e ss; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 249 e ss.
153
território da futura Minas Gerais, como também em terras do atual Estado do
Tocantins”.308 Nesse particular e como fundamento de sua argumentação, Maria
Verônica defende ainda que houve um significativo crescimento do volume de ouro
circulante nas praças portuguesas e européias nesse período; ao passo que é bastante
suspeitoso o fato de, logo após se tornarem públicas as promessas de recompensas pela
revelação das datas minerais, ter havido uma verdadeira corrida e disputa pela “primazia
dos descobertos” entre os sertanistas nos registros oficiais.309 Como não poderia deixar
de ser, tamanha disputa por retribuições entre os supostos pioneiros resultou inclusive
em intensas rivalidades entre os próprios bandeirantes, nomeadamente entre os paulistas
do vale do Rio Tietê e os taubateanos, uma vez que estes últimos anteciparam-se na
manifestação dos novos achados.310
Para Adriana Romeiro, por conseguinte, quando da revelação das datas minerais,
os paulistas passaram a exigir de forma taxativa o direito à posse das mesmas junto à
Coroa e demais autoridades locais. Segundo tal autora, a principal alegação dos
bandeirantes era que na carta régia de 18 de fevereiro de 1694, o Rei D. Pedro II
308 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 33. Sobre este ponto, também John Manuel Monteiro reafirma a hipótese da ocorrência de extração sigilosa de metais por parte dos sertanistas de São Paulo ao longo do último quartel do século XVII. De acordo com suas palavras, “no que diz respeito ao ouro, contudo, é difícil acreditar que as várias expedições que varriam esses sertões ao longo das décadas de 1640 a 1690 não tivessem reparado na sua existência. Um indício da sua circulação em São Paulo antes do descobrimento formal – isto é, quando Carlos Pedroso da Silveira avisou ao governador Castro Caldas em 1694 – está no inventário do comerciante português Gonçalo Lopes, falecido em 1689, deixando um espólio superior a 12 contos de réis, incluindo mais de 6 contos em dinheiro amoedado e 207 oitavas de ouro em pó. Poucos anos antes, num atestado passado pela Câmara Municipal de Parnaíba, este mesmo comerciante figurava entre os principais credores de Fernão Dias Pais”. Cf. MONTEIRO. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 86-99, jul. 1999. Citação às páginas 89-90. 309 Sobre as disputas envolvendo os diversos grupos de aventureiros acerca da primazia na descoberta das minas, além da própria guerra de representações envolvendo os sertanistas de São Paulo, ver o interessante artigo RESENDE, Maria Efigênia Lage de. A disputa pela história – traços inscritos na memorialística histórica mineira dos finais do setecentismo. Varia História, Belo Horizonte, n. 20, pp. 60-77, mar. 1999. 310 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 45-55; 200. Sugestivamente, Diogo de Vasconcelos foi quem primeiro percebeu as dissidências e clivagens envolvendo “paulistas” e “taubateanos”. Segundo suas análises, tamanha era a disputa por terrenos auríferos entre as duas facções nos anos iniciais de estabelecimento das Minas que se não irrompesse o conflito entre paulistas e forasteiros, certamente a guerra se daria entre os primeiros e os taubateanos. Cf. VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 13-15, v. 01.
154
prometia aos descobridores das minas, “para além do foro de fidalgo e o hábito de
qualquer das suas três ordens militares, as propriedades das minas, obrigadas apenas ao
pagamento do quinto para a Real Fazenda”. Nessa medida, buscando aproximarem-se
da imagem de fiéis vassalos que prestavam valiosos serviços a Sua Majestade, mais
uma vez os homens do Planalto de Piratininga valiam-se do “direito de conquista” para
reivindicarem as tão sonhadas retribuições em terras minerais, patentes militares e
cargos de mando.311 Não raro acompanhando o curso dos principais rios, assim como as
antigas trilhas indígenas que cortavam o território, com efeito, não foram poucos os que
se aventuraram mata adentro, empregando enormes somas de dinheiro no enfrentamento
das “feras”, “febres” e “fomes” dos sertões. Em suma, além do apresamento indígena,
sem o qual as próprias expedições ficariam impossibilitadas, era preciso concretizar e
materializar os descobrimentos dos minerais, o que supostamente angariaria ao
aventureiro enriquecimento, honras e prestígio junto à Coroa portuguesa.312
Na verdade, conforme bem ressaltou Maria Verônica Campos, neste primeiro
momento o que estava em jogo para os descobridores das minas não era meramente a
imposição dos quintos sobre a produção aurífera – tributo a priori tido por legítimo –,
mas sobretudo o controle a ser implementado sobre a arrecadação deste imposto, além
das próprias prerrogativas de nomearem os principais cargos de poder, tanto civis
quanto militares; privilégios os quais os sertanistas não estavam dispostos a abrirem
mão.313 De qualquer forma, se os primeiros anos de estabelecimento das Minas foram
marcados por certo predomínio dos “taubateanos” e “paulistas” na ocupação dos
principais cargos diretivos – nomeadamente aqueles que estavam diretamente ligados à
311 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 249-250; ROMEIRO. Revisitando a Guerra dos Emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de Governar, pp. 387-401, citação à página 397. 312 Um exemplar estudo acerca das empresas de descobrimentos das Minas pode ser encontrado em ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, 2002. 313 A este respeito, ver CAMPOS. Governo de mineiros, p. 252 e ss. passim.
155
mineração – em pouco tempo o perfil populacional da Capitania não mais
corresponderia às pretensões paulistas.
De fato, é interessante notar que paulatinamente os sucessivos governadores da
Capitania da Repartição Sul foram implementando medidas que, em última instância,
cerceavam o poderio e a autonomia inicialmente concedidos aos sertanistas
descobridores dos veios auríferos. Assim, se no alvorecer da mineração houve um
predomínio dos taubateanos na ocupação dos primeiros cargos administrativos das
Minas, privilégios concedidos aos mesmos pelo então governador Sebastião de Castro e
Caldas (1695-1697), com a ascensão de Arthur de Sá e Menezes ao governo da
Capitania (1697-1702), estes seriam majoritariamente suplantados pelos paulistas
advindos do Vale do Rio Tietê.
Sintomaticamente, no entanto, tal preeminência paulista não chegaria a fincar
sólidas raízes em território mineiro, sobretudo com os rearranjos de poder e a rápida
ascensão dos forasteiros tanto política quanto economicamente. Conforme bem destacou
Maria Verônica Campos e Adriana Romeiro, dentre outros autores, utilizando-se de sua
habilidade e perspicácia no trato com os paulistas, por conseguinte, Arthur de Sá e
Menezes editou um novo Regimento para as minas em 1700 no qual constava o
rompimento formal com a promessa de mercês feitas aos descobridores pela Coroa
portuguesa anos antes.314 Desta feita, com este novo documento os pioneiros perderiam
o domínio sobre as lavras, “ficando apenas com o privilégio de duas datas, escolhida a
primeira antes de todas e a segunda após a determinação da pertencente à Fazenda
Real”.315
314 Cf. CAMPOS. Governo de mineiros, p. 50-72; VASCONCELOS. História antiga das Minas Gerais, p. 158-195, v. 01; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 250 e ss. 315 De acordo com as análises de Friedrich Renger, até esta época ainda vigorava – pelo menos no âmbito da legislação – a Carta régia de 1603 assinada por D. Filipe II, mesmo a despeito de ter sido passada especificamente para as regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, sendo registrada na América portuguesa apenas em 1652. Cf. RENGER, Friedrich E. Direito mineral e mineração no Códice Costa Matoso
156
As maiores alterações, entretanto, seriam implementadas à época de D. Álvaro
da Silveira e Albuquerque (1702-1705), substituto de Arthur de Sá e Menezes no
governo da Capitania: retificando o Regimento acima referido após apenas dois anos de
sua implantação (1702), a Coroa portuguesa ensejou a criação do cargo de
Superintendente das Minas, posto que retirava grande parte das prerrogativas e
privilégios dos Guardas-mores no tocante à administração das lavras.316 Conforme
prática corrente à época, o cargo de Guarda-mor era geralmente reservado àquele
sertanista que revelara o novo descoberto, ou que pelo menos mais colaborara para a sua
efetivação. Com as novas medidas implementadas pelo Regimento de 1702, por
conseguinte, o provimento do posto de Superintendente das Minas ficou a critério dos
governadores da Capitania que, no mais das vezes, escolhiam autoridades externas ao
grupo de descobridores para ocuparem o cargo; tudo com claras intenções de atenuarem
o poderio destes últimos sobre a região.
De acordo com Maria Verônica Campos, neste novo contexto “o
Superintendente recebeu as mais importantes funções concedidas aos Guardas-mores
em 1700 e tornou-se a principal autoridade da burocracia mineira. Aplacaria todos os
conflitos no tocante à repartição das lavras, com a prerrogativa de nomear os guardas-
menores. Além disso, detinha jurisdição no cível e no crime, a mesma dos Juízes de fora
e Ouvidores-gerais”.317 Desta feita, com o passar dos anos a preponderância pretendida
pelos paulistas sobre as principais regiões de exploração mineral da Capitania de Minas
foi se tornado cada vez mais distante, ao passo que o partido dos forasteiros se fortalecia
gradativamente. Nessa medida, num contexto de intensas disputas por recursos
materiais escassos e ampla concorrência por cargos de mando, bastou alguns incidentes
(1752). Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 156-170, jul. 1999. Acerca deste contexto, ver CAMPOS. Governo de mineiros, 2002. Citação à página 52. 316 Cf. CAMPOS. Governo de mineiros, p. 64 e ss. 317 CAMPOS. Governo de mineiros, p. 64.
157
envolvendo paulistas e adventícios para se acender o “rastilho de pólvora” que
deflagraria a chamada “Guerra dos Emboabas”. Similarmente ao que já ocorrera na
ocasião da participação paulista nas guerras tanto contra os Tapuias nordestinos quanto
contra os negros quilombolas de Palmares, por conseguinte, mais uma vez seria no
campo dos discursos e das formulações ideológicas a instância principal de batalha
envolvendo os sertanistas de São Paulo e seus demais contemporâneos.318
Neste novo contexto, no entanto, se os povos advindos do Planalto de
Piratininga ainda eram considerados “a maior máquina de guerra” existente à época por
empregarem táticas bélicas bem adaptadas às condições climáticas e geológicas da
região, os “emboabas”, por seu turno, já constituíam ampla maioria nas Minas, o que
lhes proporcionariam uma esmagadora vitória sobre os primeiros. Sagazes na tentativa
de se firmarem junto às instâncias de poder instaladas na Capitania, por conseguinte, os
forasteiros souberam como ninguém revitalizar a já famosa “legenda negra” paulista,
alçando seus adversários à condição de verdadeiros tiranos que, como “feras selvagens”,
pretendiam monopolizar o acesso às riquezas minerais da região. Os paulistas, por seu
turno, apegados à noção de “direito de conquista” – nas Minas transmutado em um
“direito de descobridor” – e às concepções contratualistas de poder anteriormente
estabelecidas, defendiam que os forasteiros – estes sim ardilosos, aproveitadores e
monopolistas – estavam a usurpar-lhes as prerrogativas e privilégios; benesses estas
duramente conquistadas em longos anos de agruras pelos sertões.319
318 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 248 e ss. 319 Sobre este aspecto – conforme bem destacou John Manuel Monteiro, dentre outros autores – o conjunto de relatos compilados na segunda metade do século XVIII pelo Ouvidor Geral de Ouro Preto Caetano da Costa Matoso constitui um dos maiores repositórios dessa “guerra discursiva” envolvendo paulistas e emboabas. Assim, composto por documentos de orientação ora pró-paulista, ora pró-emboaba, o chamado Códice Costa Matoso reflete de forma clara o universo das representações conflitantes acionadas tanto pelos sertanistas de São Paulo quanto pelos forasteiros às vésperas do levante armado. Bento Fernandes Furtado, por exemplo, paulista contemporâneo ao conflito e inclinado à sua gente, relatou que a guerra resumia-se a um “(...) pernicioso levantamento (...) dos ingratos filhos da Europa contra os famosos descobridores destes haveres para remédio de tantos desvalidos europeus”. Em contraste a tais idéias, por conseguinte, o narrador da “História do distrito do Rio das Mortes (...)” José
158
De qualquer forma, seja pelo passado pouco edificante das práticas e ações
empregadas pelos sertanistas na resolução de seus litígios – situação que cristalizara um
imaginário altamente negativo acerca dos mesmos, conforme vimos anteriormente –,
seja pelas próprias circunstâncias de momento, o fato é que a imagem do paulista como
vassalo indômito e de fidelidade duvidosa acabou prevalecendo, sacramentando mais
uma derrota paulista; agora nas Minas. Significativamente, para Júnia Ferreira Furtado
“as razões do conflito [envolvendo paulistas e forasteiros] foram várias e se revelam na
própria etimologia da palavra [emboaba] que é incerta e cujo significado é flexível”.320
Adriana Romeiro, por sua vez, é taxativa ao afirmar que Manuel Nunes Viana e seus
seguidores inclusive apropriaram-se do epíteto “emboaba” pra realçar o caráter bárbaro
e anti-lusitano dos paulistas: tirando proveito da origem tupi do vocábulo, o que
igualmente denunciava a fluência paulista na língua da terra, “a cisão entre os que
falavam a língua portuguesa – pura e autêntica – e os que falavam a língua indígena – a
do aborígine e do inimigo” – era transplantada para o próprio domínio das palavras.321
Álvares de Oliveira pintou a imagem do paulista aliando-a à tirania e ao desmando. Segundo suas palavras, “(...) fiquem também como em esquecimento as repetidas assuadas que pela menor desconfiança vinham dar à povoação [os paulistas], entrando por ela com gente armigerada; e o senhor na fronte de pé descalço em ceroulas de algodão arregaçadas ao cós, catana talingada, patrona cingida, pistolas no cinto, faca no peito, clavina sobraçada; e na cabeça, ou carapuça de rebuço ou chapéu de aba caída, ao som de caixa e clangor de trombeta, vozeando ‘Morram Emboabas’!. E não só com estas tumultuosas amotinações mas com as bravezas de um taubateano cognominado Jaguara, que pela língua da terra é o mesmo que cachorro bravo, o qual quando se embriagava, tomava por empresa o fazer-se pôr a cavalo e, armado com os seus escravos, encaminhar-se por distância de mais de uma légua para este arraial, e entrava por ele dando mostras de sua bebacidade pelas bocas de suas espingardas, semeando as ruas de chumbo (...)”. Respectivamente, “Notícias dos primerios descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios”. CCM, pp. 166-193. Citação à página 177; e “História do distrito do Rio das Mortes, sua descrição, descobrimento das suas minas, casos nele acontecidos entre paulistas e emboabas e ereção das suas vilas”, CCM, pp. 270-293. Trecho destacado às páginas 278-279. Cf. MONTEIRO. Os caminhos da memória: paulistas no Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 86-99, jul. 1999; ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 255-275. 320 FURTADO. José Rodrigues Abreu e a geografia imaginária emboaba da conquista do ouro. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 277-295. Citação à página 278. 321 Conforme sugerem os estudos de Adriana Romeiro e Russell-Wood, a designação emboaba estava longe de se restringir aos nascidos no reino: assentado em diferenças culturais, tal termo referia-se aos “não-paulistas”, abarcando portugueses, baianos, cariocas e pernambucanos, dentre outros. A este respeito, ver RUSSEL-WOOD, A.J.R. Identidade, etnia e autoridade nas Minas Gerais do século XVIII: leituras do Códice Costa Matoso. Varia História, Belo Horizonte, n. 21, pp. 100-118, jul. 1999 e ROMEIRO. Um visionário na corte de D. João V, 2001. Citação à página 236.
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Curiosamente e na esteira das formulações que embasaram a independência do
reino lusitano frente aos espanhóis em 1640 – conforme destaca Romeiro –, digno de
nota é o fato dos forasteiros terem se lançado à categoria de verdadeiros “restauradores”
das Minas frente à tirania paulista; situação que reverberou de forma intensa na própria
opinião das autoridades acerca das características e hábitos das gentes do Planalto de
Piratininga.322 Desta feita, derrotados no campo das formulações políticas e banidos dos
principais cargos de poder das Minas ao final da primeira década dos setecentos, vale
finalmente analisar os próprios comportamentos assumidos pelos homens do Planalto de
Piratininga a partir de então, tanto no que se refere às suas relações com os demais
colonos da América portuguesa quanto com as autoridades régias ali constituídas.
3.3 – Pitangui, palco para um [novo] repertório de ação paulista?
Conforme já delineamos sumariamente nas seções anteriores, um dos pontos
mais instigantes acerca da participação dos sertanistas de São Paulo tanto nas
expedições guerreiras do nordeste ao final do século XVII quanto nos empreendimentos
de descoberta e revelação dos metais das Minas no alvorecer dos setecentos refere-se ao
próprio repertório de ação então encetado por tais homens nestes contextos. Com efeito,
322 Cf. ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 261-275. Mesmo a despeito da predominância do imaginário negativo acerca dos paulistas nestes primeiros anos de ocupação das Minas, conforme ressaltamos mais acima, há de se destacar que contemporaneamente as empresas sertanistas também encetaram seus defensores, contexto que compôs as “matrizes interpretativas” não apenas para a “Guerra dos emboabas”, mas também para o próprio fenômeno do bandeirantismo. Nessa medida, entre os escritos setecentistas favoráveis aos paulistas, podemos citar as obras de frei Gaspar da Madre de Deus, Memórias para a história da Capitania de São Vicente; de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, sobretudo sua extensa Nobiliarquia paulistana histórica e genealógica; e de Cláudio Manuel da Costa, Fundamento histórico ao poema Vila Rica. Em contraposição a tais autores coevos, Sebastião da Rocha Pita, em História da América portuguesa [1730], seria um dos expoentes na condenação das práticas acionadas pelos paulistas nas Minas, responsabilizando-os inclusive pela deflagração dos confrontos armados. Conforme alguns estudos já demonstraram, tais “matrizes interpretativas”, sendo forjadas ainda no século XVIII, foram retomadas em diferentes épocas pela historiografia, ora reafirmando a “legenda negra” paulista, ora alçando os habitantes do Planalto à categoria de verdadeiros “heróis nacionais” – os “gigantes descobridores e desbravadores do Brasil”. Cf. ABUD. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições, 1985 e ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 14-16. passim.
160
se a guerra que dividiu em lados opostos paulistas e forasteiros nos primórdios das
Minas pode ser encarada como um desdobramento de concepções e práticas políticas já
preliminarmente demarcadas nos séculos antecedentes, os reflexos desse conflito
também não se restringiriam a uma temporalidade eminentemente curta, desaguando de
forma intensa nos motins e sublevações que compuseram o restante do setecentos
mineiro.323 Revelador de certo modus operandi paulista, por conseguinte, não raro a
regularidade nas formas de atuação dos habitantes do Planalto em todas as questões nas
quais se imiscuíam trouxe não apenas estranhamento, mas também preocupação para as
autoridades contemporâneas, sobretudo nos momentos de maior radicalismo político.
Conceito em grande medida desenvolvido pelo sociólogo inglês Charles Tilly ao
estudar as sublevações e motins europeus e originalmente empregado por Carla
Anastasia para o contexto insurgente das Minas setecentistas, o repertório de ação
coletiva, por seu turno, é por nós entendido como o conjunto de condutas comumente
acionadas pelos vassalos na defesa de seus interesses compartilhados. Em suma,
fazendo parte de um processo de escolha relativamente deliberado, conforme destaca
Carla Anastasia, o repertório de ações emergiria “da luta cotidiana dos atores”,
constituindo uma tendência à “repetição das estratégias bem sucedidas e restringindo o
escopo de alternativas para a ação coletiva”. Nessa medida, segundo se observa, a idéia
de repertório implicaria “na escolha de um número restrito de performances com as
quais um determinado grupo está familiarizado”: suas opções para a ação, por
323 De fato, para Adriana Romeiro foram os paulistas que, mesmo derrotados no conflito frente aos forasteiros em 1709, contribuíram de forma decisiva na construção de uma tradição política nas Minas do século XVIII fundamentalmente assentada na concepção contratualista de poder em relação à Coroa portuguesa. Cf. ROMEIRO. Revisitando a Guerra dos Emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de Governar, p. 387 e ss.
161
conseguinte, seriam “circunscritas tanto pela experiência anterior quanto pelos recursos
materiais, organizacionais e conceituais que o grupo [teria] à disposição”.324
Conforme nos explica Anastasia, embora a idéia de repertório seja
suficientemente flexível a ponto de suportar a agregação de novas formas de ação às já
tradicionalmente estabelecidas, as primeiras não poderiam jamais suplantar as segundas,
sob pena da perda de sua “comunicabilidade” entre seus pares. Assim, a rigor o padrão
distintivo de um dado repertório de ação seria a sua contínua influência sobre os
próprios participantes da ação coletiva, assim como sua “estabilidade” percebida no
decorrer de períodos relativamente longos.325 Ponto que nos interessa mais de perto, por
conseguinte, e na trilha das próprias análises desenvolvidas por Carla Anastasia, é
interessante observar que Tilly aponta inclusive para a possibilidade de se isolar o
momento em que um padrão anterior de protesto se torna claramente ineficaz, não
obstante o tempo geralmente decorrido neste processo de transição. Em suma, a questão
se resumiria à emergência de uma nova conjuntura social e política que, por tornar os
estilos de reivindicação até então conhecidos e empregados totalmente obsoletos,
forçaria o rompimento do repertório de ação antes comumente aceito, dando espaço à
inovação.326
À luz destes esclarecimentos, no entanto, urgiria então questionar: o desrespeito
“aos direitos de descobridores” dos paulistas nas Minas pelas autoridades e demais
colonos – conforme alegavam os primeiros – e o próprio desfecho assumido pela
“Guerra dos Emboabas” teriam provocado mudanças significativas no repertório de
324 A este respeito, ver TILLY, Charles. Contentions repertoires in Great Britain. In: TRAUGOTT, Mark. Repertoires & Cycles of collective action. London: Duke University Press, 1995 e ANASTASIA. A lei da boa razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 28, pp. 29-38, dez. 2002. Trechos à página 32. 325 Cf. ANASTASIA. A lei da boa razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 28, pp. 29-38, dez. 2002. 326 Cf. ANASTASIA. A lei da boa razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, n. 28, pp. 29-38, dez. 2002, sobretudo as análises desenvolvidas nas páginas 32-33.
162
ação coletiva empregado pelos sertanistas de São Paulo, sobretudo em Pitangui? Em
outras palavras, as estratégias adotadas pelo grupo de seguidores de Domingos
Rodrigues do Prado em Pitangui indicariam o esgotamento das possibilidades de
negociação entre sertanistas e autoridades, ou mesmo o descrédito final dos prepostos
régios em suas tentativas de cooptarem os homens do Planalto de Piratininga?
A solução para este impasse, segundo acreditamos, contudo, só pode ser dada
ainda muito parcialmente. De acordo com Maria Verônica Campos, após serem
expulsos das principais zonas de mineração ao término da luta contra os forasteiros, aos
paulistas restaram apenas três opções: “permanecer em território paulista; retornar e
apoiar-se no governador para reconquistar posições; ou partir para novas áreas em busca
de novos descobrimentos”. No entanto, conforme defende a autora, aos renitentes que
não tinham dúvidas quanto ao significado do desfecho desse conflito, não restou outra
via a não ser partir para regiões mais distantes; assim, “Pitangui tornou-se o reduto de
inconformados e revoltosos, dos sem-ilusões quanto a um reconhecimento régio dos
descobrimentos”.327 Adriana Romeiro, por sua vez, parece também compartilhar de tal
interpretação, pois afirma que, constituindo um “verdadeiro enclave paulista, a Vila [de
Pitangui] permaneceria a evidência mais cabal da força e persistência do ódio da gente
do Planalto aos emboabas e refletiria por muito tempo os ressentimentos gestados ao
longo do frágil plano de pacificação encetado por Albuquerque”.328
Conforme analisamos detidamente nos dois primeiros capítulos deste trabalho,
por conseguinte, em seu conjunto as atitudes implementadas pelos primeiros
povoadores da região de Pitangui ao longo do período em destaque apontam ora para
formas de ação já bastante tradicionais entre os sertanistas de São Paulo, ora para
situações e aspectos totalmente inovadores. Nesta perspectiva, padrões de
327 CAMPOS. Governo de mineiros, 2002. Citações às páginas 103 e 104, respectivamente. 328 ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 314.
163
comportamento presentes em Pitangui como a resistência frente ao envio de autoridades
externas para reger as novas povoações por eles fundadas ou mesmo a exigência do
predomínio de “paulistas” na ocupação dos principais cargos de poder locais não
representaram nenhuma novidade entre os homens do Planalto.
Com efeito, se o Brigadeiro João Lobo de Macedo foi expulso de Pitangui no
contexto de recrudescimento das tensões locais, após sucessivos fracassos de todas as
autoridades externas enviadas à Vila para aplacarem o ânimo revoltoso de seus
moradores, os jesuítas já haviam sido escorraçados de São Paulo em 1640, reflexo das
discordâncias envolvendo os sertanistas e os padres inacianos. Por outro lado, D.
Rodrigo Castello Branco, enviado régio aos sertões da América portuguesa para
verificar o potencial aurífero das prováveis minas ali existentes, ao entrar em confronto
com os remanescentes da bandeira de Fernão Dias Paes Leme, acabou sendo morto em
1681, muito provavelmente a mando de Manuel da Borba Gato.329
Outro fato curioso, José Vaz Pinto, primeiro Superintendente enviado à região
do Rio das Velhas após a implantação do novo Regimento mineral de 1702, também foi
expulso das Minas em 1704, ao que tudo indica sob ordens de Garcia Rodrigues Paes e
Jerônimo Pedroso de Barros; este último paulista de grande cabedal e futuro morador de
Pitangui, mais conhecido à época como “Jerônimo Poderoso”.330 Nessa vertente,
conforme se observa, a prática seguida de expulsão de autoridades externas ao grupo de
poderosos locais aponta para o fato de que os paulistas possuíam uma noção muito clara
329 A este respeito, ver nota 308. 330 De acordo com Adriana Romeiro, José Vaz Pinto, magistrado de carreira com ampla experiência administrativa tanto em Portugal quanto na América portuguesa, fora nomeado para o cargo de Superintendente das minas da região do Rio das Velhas em 1702. Contudo, envolvendo-se em fragorosas discórdias com D. Álvaro da Silveira de Albuquerque, à época governador da Capitania e seu futuro arqui-inimigo, Vaz Pinto assumiu seu posto nas Minas apenas em meados de 1703. Sua estadia na região, por conseguinte – “um ano, três meses e três dias” –, fora bem mais breve do que o esperado: ameaçado de morte por grupos de paulistas capitaneados por Garcia Rodrigues Paes e Jerônimo Pedroso de Barros, Vaz Pinto logo retornou ao Rio de Janeiro em precipitada fuga, passando posteriormente ao reino. A este respeito, ver ROMEIRO. Paulistas e emboabas no coração das Minas, p. 68-80.
164
do território a que deveriam ter direito de jurisdição, refletindo um entendimento
bastante pragmático e objetivo acerca dos contratos antes firmados.
De forma semelhante, a estratégia encetada pelos sertanistas de manterem seus
novos descobertos em sigilo – seja para barganharem retribuições junto às autoridades
superiores, seja para não verem suas minas invadidas por elementos externos ao grupo
dos descobridores – também demarcou toda a segunda metade do século XVII,
sobretudo a partir da década de 1670.331 Em Pitangui, contudo, segundo sugerem as
fontes documentais e referências historiográficas pertinentes, o saldo da guerra frente
aos forasteiros também em muito colaborara para a relutância de seus primeiros
moradores no que se refere à revelação de seus achados auríferos, incitando-os inclusive
a guardarem seus novos descobertos a mão armada ante qualquer ameaça externa,
conforme observamos. Nos momentos de maior perigo ou de risco iminente, por sua
vez, o recurso à fuga para os sertões distantes; a expulsão de autoridades externas
indesejáveis; a divulgação de boatos para incitarem seus correligionários à luta armada
ou mesmo a estratégia de montarem trincheiras e emboscadas para surpreenderem seus
inimigos também estiveram presentes na região, compondo um repertório de ação bem
delimitado.332
Neste ponto em específico, por conseguinte, digno de nota foi o fato de alguns
sertanistas de Pitangui – leia-se Domingos Rodrigues do Prado e seu séquito – terem se
alçado à categoria de “verdadeiros donos” das minas então descobertas na região,
chegando ao extremo de ameaçarem – e efetivamente assassinarem – quem
desrespeitasse suas ordens publicamente anunciadas e “se atrevesse” a cobrar os 331 A este respeito, ver, dentre outros estudos CAMPOS. Governo de mineiros, p. 122 e ss. e ANDRADE. A invenção das Minas Gerais, 2002. 332 Ainda sobre este aspecto – conforme ressaltamos no Capítulo 02 deste trabalho – é interessante observarmos que em diversas ocasiões o próprio governador D. Pedro de Almeida queixara-se do fato dos paulistas de Pitangui valerem-se de falsas notícias a fim de amotinarem a população local, como o suposto aumento súbito dos impostos na Capitania ou mesmo o envio de tropas à Vila para persegui-los. Conferir, dentre outros documentos, APM, SC 11, fls. 174-175v. “Para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas”. Vila do Carmo, 05 de dezembro de 1719.
165
impostos na Vila. Afronta cabal não apenas aos sucessivos governadores das Minas que
igualmente fracassaram na tentativa de cooptação dos potentados locais, mas também à
própria autoridade da Coroa portuguesa sobre a região, não por acaso Rodrigues do
Prado fora cognominado “o monarca de Pitangui”.333
Ao apoderarem-se dos principais cargos diretivos locais – sobretudo com a
elevação do arraial à condição de Vila em junho de 1715 – e ao pretenderem interligar a
região à jurisdição de São Paulo – conforme ressaltamos no Capítulo primeiro deste
trabalho –, é difícil não associarmos tais atitudes desses moradores de Pitangui ao
conjunto de pretensões formuladas pelos paulistas no contexto de enfrentamentos ante
os “emboabas”. Por outro lado, e à medida que os conflitos da região de Pitangui
ganhavam em radicalismo, mais uma vez prevalecia a imagem do paulista como vassalo
indômito, rebelde e insubmisso, representações estas já bastante sedimentadas nas
Minas e que, não fortuitamente, acabaram por dar o tom dos registros oficiais das
autoridades acerca dos eventos ocorridos na região.
Em Pitangui, por exemplo, e valendo-se de representações muito comuns à
época, em uma dada ocasião o próprio D. Pedro de Almeida defendera a substituição
dos paulistas por forasteiros na ocupação da região, uma vez que “sendo aquela Vila
toda composta de paulistas, cujas habitações sempre têm pouca forma, (...) e a sua vida
é a natural propensão de andarem pelos matos”, dificilmente os empreendimentos por
eles liderados resultariam em povoações permanentes. “E aquela [Vila de Pitangui]” –
concluía o Conde – “merecia toda a atenção por ser umas minas de muito rendimento,
ainda que dificultosas, e só os reinóis como mais ativos podiam animar-se a empreender
trabalhos grandes na esperança das conveniências que prometem (...)”.334 Nessa
333 A respeito deste contexto, consultar o Capítulo primeiro deste trabalho, sobretudo a seção 1.3 – “D. Brás Baltazar da Silveira, contemporizar é preciso (...)”. 334 APM, SC 11, fls. 200-201v. “Para Bartolomeu de Souza Mexia”. Vila do Carmo, 09 de fevereiro de 1720.
166
perspectiva, conforme se observa, mais uma vez prevalecia a imagem do paulista útil
nos descobrimentos, mas inadaptado – e mesmo indesejável – no estabelecimento de
povoados estáveis e duradouros; valores estes que, não por acaso, compuseram um dos
cernes do “discurso emboaba” tantas vezes acionado no confronto entre as duas facções.
Por fim, ao que parece, a constatação das próprias divergências existentes entre
as diversas facções que compunham o grupo dos sertanistas no contexto pós-guerra dos
emboabas não permite, contudo, maiores generalizações no que se refere à aludida
hipótese de que a partir de 1709 surgira um novo repertório de ação coletiva entre os
paulistas, sobretudo nas novas regiões de mineração. De fato, se na primeira década dos
setecentos a existência de um inimigo comum nas Minas – o forasteiro – uniu os
homens do Planalto em prol de interesses comuns, o término do conflito com os
emboabas novamente recolocou as clivagens já manifestadas entre os sertanistas à
época da revelação dos metais, nomeadamente entre taubateanos e paulistas do Vale do
Tietê. Tal situação, como é possível supor, passara então a influenciar as medidas
tomadas pelos respectivos grupos de “paulistas” nos anos subseqüentes, num misto de
“tradição” e “radicalismo político”.
Curiosamente, por conseguinte, e tendo em Pitangui um cenário privilegiado
para suas ações, foram justamente os sequazes do taubateano Domingos Rodrigues do
Prado que mais afrontaram as prerrogativas régias na região, situação que, conforme
vimos, não angariou o apoio de todos os paulistas moradores da Vila. Para Maria
Verônica Campos, aliás, tais dissidências em Pitangui ensejaram inclusive uma cisão
entre os grupos liderados por Bartolomeu Bueno da Silva e a facção de Rodrigues do
Prado, fato que provavelmente estimulara o primeiro destes a deixar a região em
167
meados de 1717, justamente no momento de maior recrudescimento das tensões
envolvendo os potentados locais e o governo da Capitania.335
De qualquer forma, e embora as investigações acerca da trajetória de vida desses
sertanistas no pós-guerra dos emboabas sejam ainda pouco concludentes e bastante
esparsas na historiografia – sobretudo no que se refere às novas frentes de povoamento
abertas com a descoberta de ouro em Goiás e Mato Grosso – há, em seu conjunto, fortes
indícios da prevalência entre tais homens das mesmas práticas já empregadas nas Minas
em seus primórdios. Nessa medida, atitudes como a prestação de serviços sob a
promessa de retribuições ou mesmo o recurso à violência sumária diante de uma
eventual quebra de contratos por parte das autoridades constituídas também se fizeram
notar nestes novos contextos, mesmo a despeito da fatídica experiência adquirida pelos
paulistas em terras mineiras.336
De todo modo, se deste longo passado de negociações e confrontos com seus
mais diversos opositores o “direito de conquista” emergiu como a maior herança para os
homens do Planalto de Piratininga – legado este ainda que circunscrito ao âmbito das
formulações e práticas políticas –, os eventos mais graves ocorridos em Pitangui
evidenciariam que as relações entre tais súditos e a Coroa portuguesa não mais seriam
as mesmas; nomeadamente a partir da guerra que tão bem distinguiu paulistas e
forasteiros no alvorecer daquela nova centúria. Divisor de águas na história da
Capitania, por conseguinte, as concepções acionadas e sedimentadas naquele contexto
insurgente comporiam um rico manancial no qual as gerações futuras adquiririam
grande parte dos pressupostos para o encaminhamento de suas reivindicações, 335 CAMPOS. Goiás na década de 1730: pioneiros, elites locais, motins e fronteira. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 341-359. De todo modo, se o clima de radicalismo político vivenciado em Pitangui a essa época dividiu os grupos liderados por Bartolomeu Bueno da Silva e Domingos Rodrigues do Prado, com o desfecho dos motins de Pitangui em 1720 e a fuga de Rodrigues do Prado da região, logo em seguida tais bandeirantes uniram-se no empreendimento de busca dos metais nos territórios de Goiás e Cuiabá. 336 Cf. CAMPOS. Goiás na década de 1730: pioneiros, elites locais, motins e fronteira. In: BICALHO & FERLINI (orgs). Modos de governar, pp. 341-359.
168
novamente reafirmando a imagem das Minas como uma terra de rebeldes e
insubordinados, sobretudo a partir de 1789.
Enfim, embora seja absolutamente possível esboçarmos as linhas de
continuidade entre os motins de início dos setecentos e os movimentos mais radicais
que demarcaram o desfecho deste século, sobretudo no que se refere ao acúmulo de
experiências e práticas políticas por seus agentes, esta é, entretanto, uma “outra
história”.
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS: PITANGUI, A “ROCHELA” DAS MINAS DO
OURO?
Com a argúcia que sempre caracterizou sua produção intelectual, em uma dada
oportunidade Laura de Mello e Souza afirmou que “não se pode entender o século
XVIII luso-brasileiro sem ter clareza sobre o que então se passou nas Minas Gerais”.337
Hoje, amparados nas mais recentes contribuições historiográficas e nas trilhas então
esboçadas por diversos autores, poderíamos igualmente emendar que não se pode
dissociar o passado colonial mineiro – principalmente no que se refere às suas primeiras
décadas de existência – da própria história das “gentes” do Planalto de Piratininga, os
primeiros povoadores da região.
Verdadeiros repositórios de práticas e experiências políticas gestadas em uma
tradição de longa data, conforme pudemos observar, a presença paulista em solo
mineiro, por conseguinte, marcou indelevelmente toda a trajetória política, social e
cultural das Minas do século XVIII, não obstante o discurso difamador a eles
direcionado por parte das autoridades. Nessa perspectiva, não é estranho o fascínio
comumente exercido pela história de tais homens nas sucessivas gerações de
pesquisadores que se seguiram, ainda hoje dividindo opiniões de acordo com o
movimento pendular das fontes e registros coevos existentes.
Ao chegarmos ao final deste trabalho, no entanto, acreditamos que algumas
questões ainda merecem ser apontadas, mesmo que superficialmente. A primeira delas,
de imediato, refere-se ao pouco conhecimento disponível acerca das próprias trajetórias
de vida de sertanistas que, como Domingos Rodrigues do Prado, abalaram a
tranqüilidade e as “certezas” de diversos agentes metropolitanos nas terras de além-mar.
Seja pelo caráter itinerante de tais homens, seja pela própria ação inescrupulosa de 337 SOUZA, Laura de Mello e Souza. Prefácio. In: SILVEIRA. O universo do indistinto, p. 13.
170
colecionadores e “genealogistas” regionais, o fato é que grande parte dos registros
documentais acerca destes sertanistas – sobretudo os inventários e testamentos daqueles
que passaram por Pitangui – ou se perderam (se é que chegaram a existir), ou
simplesmente passaram a compor acervos particulares, naturalmente inacessíveis ao
historiador. Como não poderia deixar de ser, pouco ou quase nada sabemos acerca dos
indivíduos que objetivamente participaram dos levantes de Pitangui, a não ser pelo que
as fontes oficiais deixam entrever, ainda que de forma bastante esparsa.338
Um segundo ponto merecedor de particular destaque, por sua vez, é o que se
refere ao próprio repertório de ação comumente adotado pelos paulistas em terras
americanas e privilegiadamente vislumbrados em Pitangui no período em questão.
Mesmo que tributária de uma matriz ideológica eminentemente européia, sobretudo em
relação às suas concepções contratualistas de poder, em que medida as práticas políticas
encetadas pelos homens do Planalto de Piratininga nas Minas poderiam ser aproximadas
ou dissociadas daquelas tipicamente enquadradas como de Antigo Regime? Haveria
indícios de situações análogas ocorridas em outras regiões do vasto Império ultramarino
lusitano ou seriam práticas políticas “tipicamente paulistas”?
Enfim, são questões que apenas pesquisas mais alentadas poderão responder,
escapando às modestas pretensões de nosso trabalho. De qualquer forma, vale
finalmente perguntar “seria a Vila de Pitangui a ‘Rochela’ das Minas do Ouro”? Para as
autoridades e agentes metropolitanos contemporâneos, não resta a menor dúvida; para
os paulistas descobridores da região, no entanto (...).
338 Sobre este ponto, cabe ressaltar que em nossas pesquisas realizadas junto às listas de testamentos e inventários existentes tanto no Arquivo Judicial da Câmara de Pitangui (Pitangui-MG) quanto na Casa Borba Gato (Museu do Ouro de Sabará-MG), não pudemos encontrar nenhuma referência documental acerca dos principais protagonistas dos motins de Pitangui.
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FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CARTA que se escreveu ao Conde de Assumar, governador das Minas. Bahia, 22 de março de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 52-55, 1945. CARTA para o Conde de Assumar, governador das Minas. Bahia, 02 de abril de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 57-59, 1945. CARTA para o excelentíssimo senhor Conde de Assumar. Bahia, 22 de abril de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 63-66, 1945. CARTA para o senhor Conde de Assumar. Bahia, 31 de maio de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 72-73, 1945. CARTA para o excelentíssimo senhor Conde de Assumar. Bahia, 26 de julho de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 71, p. 74-79, 1945. CARTA para o excelentíssimo senhor Conde de Assumar. Bahia, 16 de abril de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 73, p. 85-86, 1946. CARTA para os moradores do distrito do Rio das Velhas. Bahia, 26 de abril de 1719. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 73, p. 86-87, 1946. CARTA do Marquês de Angeja, vice-rei e capitão-general de mar e terra do Estado do Brasil, expondo a Vossa Majestade que alguns moradores do Rio das Velhas se sublevaram, para expulsar das Minas o governador e Justiça; refere-se também a retirada dos frades e clérigos que não estivessem exercendo sua profissão. Lisboa, 08 de dezembro de 1716. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 97, p. 05-26, 1952. CARTA régia criando a capitania de São Paulo e Minas do Ouro e nomeando governador da mesma a Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho. Lisboa, 09 de novembro de 1709. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, São Paulo, v. 49, p.65-68, 1929. CARTA de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho a D. João V sobre o governo de São Paulo e Minas do Ouro. Rio de Janeiro, 03 de abril de 1710. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, São Paulo, v. 49, p. 68-70, 1929. CARTA de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho a D. João V sobre o requerimento da Câmara de São Paulo para que fossem restituídas aos paulistas as terras das minas de que haviam sido expulsos pelos emboabas. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, São Paulo, v. 49, p. 80-82, 1929.
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CARTA régia ao superintendente das minas de São Paulo proibindo a assistência de religiosos nos distritos auríferos. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, São Paulo, v. 51, p. 308, 1930. CARTA régia dando poder ao governador do Rio de Janeiro para conceder honras e mercês aos moradores de São Paulo e mais capitanias que empregassem no descobrimento de minas de ouro e prata. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 18, p. 277-278, 1926. CARTA régia proibindo a ida de religiosos e clérigos às Minas e a assistência de ourives ali, em razão dos descaminhos do ouro por eles realizados. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 18, p. 278, 1926. CARTAS do Conde de Assumar ao Rei de Portugal. Revista do Arquivo Público Mineiro. 3 (1898): 261-266. CONSULTAS do Conselho Ultramarino (1680-1718). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 1, tomo especial, pp. 124-126, 1956. CORRESPONDÊNCIA do Conde de Assumar depois da Revolta de 1720. Revista do Arquivo Público Mineiro. 6 (1901): 203-211. MAGALHÃES, Basílio de. Documentos relativos ao “Bandeirismo” paulista e questões conexas, no período de 1664-1700 – peças históricas todas existentes no Arquivo Nacional, e copiadas, coordenadas e anotadas de ordem do governo do Estado de São Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 18, p. 259-406, 1926. ORDEM para o tenente-general Manuel da Borda Gato ir aos distritos de Pitangui e Paraopeba às diligências que nela se contém. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto, v. 2, fascículo 04, p. 796-797, 1897. PERDÃO geral dado pelo Conde de Assumar aos moradores de Pitangui em 30 de maio de 1718. Anais da Biblioteca Nacional, 1943, v. LXV. p. 142-144. PROVISÃO que acusa a carta acima sobre pertencer à Provedoria da Fazenda Real de Santos, São Vicente e São Paulo os dízimos dos distritos do Pará e Pitangui na forma que nela se declara. Bahia, 05 de setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 237-240, 1945. PROVISÃO que acusa a carta acima sobre os dízimos do Pitangui e Pará pertencerem à Provedoria de Santos, São Vicente e São Paulo, e outrossim que todas as mais causas cíveis e crimes que não pertencerem aos ditos dízimos e Fazenda Real tenham o seu recurso na Ouvidoria de São Paulo. Bahia, 05 de setembro de 1715. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 70, p. 240-243, 1945. REGIMENTO de que há de usar nas Minas de São Paulo e São Vicente do Estado do Brasil Salvador Correia de Sá e Benevides (1644). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 69, p. 199-216, 1908.
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SOBRE a carta que escreveu Domingos Duarte do Rio de Janeiro a esta corte a Manuel Mendes Pereira e o capítulo de outra carta para outra pessoa, nas quais se trata das diferenças que se acham nos paulistas com os reinóis deste reino, e vão os papéis que se acusam. Lisboa, 03 de agosto de 1709. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 90, p. 242-245, 1951. SOBRE desordens em Pitangui cometidas por Domingos Rodrigues do Prado. Lisboa, 26 de outubro de 1720. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, v. LII, p. 202, 1931. SOBRE o que escrevem os oficiais da Câmara de São Paulo acerca de se darem as datas das terras dos Campos Gerais dos Cataguases aos paulistas, como conquistadores e descobridores delas. Lisboa, 02 de março de 1702. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 93, p. 132-135, 1951. SOBRE o que escreve o superintendente das Minas do sul acerca de se mandar considerar se será conveniente que aos descobridores delas se permita maior liberdade; e vai a carta que se acusa. Lisboa, 20 de setembro de 1704. Documentos históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 93, p. 180-181, 1951. (C) Documentação Manuscrita: Arquivo Público Mineiro Avulsos – Seção de Governo, caixa nº. 1, doc. nº. 4. Fundo Casa dos Contos: -CC – 1001, microfilme 001 (1/7), (1700-1721). -CC – 1038, microfilmes 006 (5/5) e 007 (1/10), (1718-1724). Seção Colonial (Secretaria de Governo): -Códice 01 – Registro de Alvarás, Regimentos, Cartas, Ordens Régias, Cartas Patentes, provisões, Confirmações de Cartas Patentes, Sesmarias e Doações (1702-1740). -Códice 02 – Registro de Alvarás, Regimentos, Cartas, Ordens Régias, Cartas Patentes, provisões, Confirmações de Cartas Patentes, Sesmarias e Doações (1702-1751). -Códice 03 – Coleção sumária e sistemática de Leis, Ordens, Cartas e demais atos régios (1708-1788). -Códice 04 – Registro de Alvarás, Ordens, Cartas Régias e Ofícios dos Governadores ao Rei (1709-1722). -Códice 05 – Registro de Alvarás, Ordens, Decretos e Cartas Régias (1709-1735).
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-Códice 06 – Registro de Regimentos, Ordens, Cartas Régias, Resoluções e Termos (1709-1754). -Códice 07 – Registro de Resoluções, Bandos, Cartas Patentes, Provisões, Patentes e Sesmarias (1710-1713). -Códice 09 – Registro de Cartas, Ordens, Despachos, Instruções, Bandos, Cartas Patentes, Provisões e Sesmarias (1713-1717). - Códice 11 – Registro de Cartas do Governador a diversas autoridades, Ordens, Instruções e Bandos (1713-1737). -Códice 12 – Registro de Provisões, Patentes e Sesmarias (1717-1721). -Códice 13 – Registro de Avisos, Cartas, Ordens, Instruções e Provisões (1717-1721). -Códice 14 – Registro de Regimentos, Despachos e Autos de Assistência (1719-1723). -Códice 17 – Registro de Cartas, Provisões e Patentes Régias (1720-1731). -Códice 19 – Originais de Ordens e Provisões Régias (1720-1797). -Códice 20 – Originais de Alvarás, Cartas e Ordens Régias (1721-1725). -Códice 21 – Registro de Cartas, Ordens, Bandos, Instruções, Patentes, Provisões e Sesmarias (1721-1725). (D) Cartografia: Arquivo Histórico do Exército - Mapa da maior parte da costa, e sertão do Brazil, extrahido do original do Padre Cocleo. ca. 1699; 224x120,5cm; Manuscrito e aquarela. AHEx (n 23-24. 2798; CEH 1530). (E) Bibliografia: Livros, Capítulos de Livros, Artigos, Teses e Dissertações: ABUD, Kátia Maria. O sangue itimorato e as nobilíssimas tradições – a construção de um símbolo paulista: o bandeirante. Tese de Doutorado, Departamento de História, FFLCH – USP, 1985. AMANTINO, Márcia. O sertão oeste em Minas Gerais: um espaço rebelde. Varia História, Belo Horizonte, n. 29, pp.79-97, jan. 2003.
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