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Vladimir Benincasa

FAZENDAS PAULISTASArquitetura Rural no Ciclo Cafeeiro

VOLUME 1

Tese apresentada ao Departamento de Arquitetura eUrbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos daUniversidade de São Paulo, como parte dos requisitos paraobtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo

Orientadora: Profa. Dra. Maria Ângela P. C. S. Bortolucci

São Carlos, 2007

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(02 volumes) Benincasa, Vladimir B467f Fazendas paulistas : arquitetura rural no ciclo cafeeiro / Vladimir

Benincasa ; orientador Maria Ângela P. de C. e S. Bortolucci. –- São Carlos, 2007.

Tese (Doutorado-Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e

Urbanismo e Área de Concentração em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo) –- Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, 2007.

1. Fazendas de café. 2. Arquitetura rural. 3. Arquitetura paulista.

4. História da Arquitetura – Brasil. I. Título.

Projeto gráfico e editoração: José Eduardo Zanardi

Revisão ortográfica: Neide Maria Prato

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial destetrabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico,para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Ficha Catalográfica preparada pela Seção de Tratamentoda Informação do Serviço de Biblioteca - EESC/USP

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A todos aqueles que fizeram a históriada cafeicultura paulista...

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Agradecimentos

Um trabalho como esse não se faz sozinho e nem sem auxílios vários, todosimportantes, todos necessários... Alguns são fundamentais, como o de MariaÂngela, essa fabulosa pessoa, mais que orientadora, amiga de todas as horas;e, também, o do parecerista da FAPESP, a quem não conheço, mas agradeçoimensamente as palavras de elogio e as críticas. Ambos acreditaram, emboracom ressalvas e certa desconfiança, que esse(s) volume(s) pudessem se tornarreais algum dia... Acho que eu mesmo não acreditava muito, embora nãofaltasse vontade de fazê-lo(s)!

Aos professores Maria Lúcia Bressan Pinheiro, Paulo César Garcez Marins eRafael de Bivar Marquese, da USP, e André M. de Argollo Ferrão, da Unicamp;omeu obrigado pelos conselhos, pelas indicações, pelo interesse demonstradoe pela honra de ter podido compartilhar de momentos sempre especiais eagradáveis junto a vocês!

Também é imprescindível agradecer alguns amigos especiais, uns já antigos,outros que foram surgindo ao longo desses anos de pesquisa, que sededicaram quase como se a pesquisa fosse deles, ou que me apoiaram emmomentos de angústias, me incentivaram, me ouviram, mas também me deram“chacoalhões” nas horas certas: Adolpho Legnaro Filho, de Casa Branca;Luzia Márcia Mei da Silva Rosa e D. Hedina, de Orlândia; Mateus Rosada, Zezée Jurandir, de Limeira; Denis W. Esteves e Natália, de Ribeirão Preto; Balduínoe Arlete, de Catanduva; Carmem, Mareliza, Adriana, Andréia, Karina, Mirela,Laudely, Rosely, André, Rosa, Vera e Natale (Oda), de São Paulo; Deubles,Gisela, Nardo e Aparecida, de Jaú; Guilherme e D. Maria Antonieta, da fazendaMandaguahy, de Jaú; Iuri Rizzi; Irma, de São Carlos; Jan, Leonor e Marina dafazenda Nova, de Mococa; Joana Darc de Oliveira, Melissa Bossolan e JulianaGeraldi, de São Carlos; João Batista T. Paschoalotti, de São Carlos; José EduardoZanardi, de São Carlos; Luciana, Michelle, Ana Barbosa, Preta, Elaine, MarcusVinícius, Paola, Valéria, Camila, Cícero, companheiros de pesquisa da EESC-USP; Neide Maria Prato, de Itirapina; Paulo Hoffmann, da fazenda Bela Aliança,de Descalvado; Suelito de Campos Moraes, de Tietê... Tudo foi mais fácil eprazeroso com o auxílio de vocês...

Agradecimentos especialíssimos à minha família, em especial a meus pais,Aldesir e Olympio, que sempre acreditaram e me apoiaram...

A todas as pessoas de fazendas e instituições das cidades visitadas, que meforneceram informações, ajudaram nos contatos, me acolheram em suas casas,e me ofereceram suas memórias pessoais... Seria injusto nomeá-las e cair nosério risco de esquecer algum nome. Obrigado a todos pela gentileza, pelapresteza, pela amabilidade e pela hospitalidade com que me receberam...Guardo com carinho a lembrança de cada momento vivido durante toda atrajetória desses mais de quatro anos de andanças pelo Estado de São Paulo...

À FAPESP, cujo auxílio financeiro foi decisivo e, sem o qual, um estudo desseporte jamais seria viável, deixo aqui meu reconhecimento e minha gratidãopela realização de um sonho...

Aos professores e funcionários do Departamento de Arquitetura e Urbanismoda EESC-USP, que são parte de minha vida desde o longínquo 1985...

Enfim, a todos os que se dedicaram e/ou possibilitaram a realização dessetrabalho, o meu muito obrigado. Espero, sinceramente, que eu os tenhahonrado e que essas páginas correspondam à confiança em mim depositada.

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Sumário

Resumo e Abstract i

Introdução v

1. São Paulo Antes da Cafeicultura 1A ocupação do território paulista 3As implicações da descoberta do ouro em Minas Gerais 6O início do povoamento do chamado Oeste Paulista 7Características gerais das primeiras fazendas de açúcar paulistas 12

Ciclo do gado na Alta Mojiana 23

2. Vale do Paraíba. O início de tudo... 25

Características gerais das primeiras fazendas 32

As fazendas de café do Vale do Paraíba 42

Edificações do beneficiamento do café 53

Engenhos de açúcar, cozinhas, oficinas, pomar, etc 68

Ranchos, Casas e Senzalas 70

Casarão 72

3. Rumo ao Oeste Paulista: o quadrilátero do açúcarse rende aos cafezais... 111

Implantação 124

Edificações do beneficiamento de café da região Central 136

Tulhas e casas de máquinas 138

Colônias 164

Senzalas 170

Capelas 177

Casarão e entorno 189

4. Adentrando os Sertões do Rio Pardo e de Araraquara:o café encontra a terra roxa... 245

A chegada da cafeicultura 273

As fazendas de café 277

Implantação 278

As colônias 297

Senzalas 298

Edificações do beneficiamento 302

Aspectos gerais das fazendas 321

Capelas 328

Casarões 342

5. As Frentes Pioneiras do Século XX: desbravando os sertões com o auxílio da ferrovia... 461

Aspectos gerais das propriedades cafeicultoras 468

As fazendas mais antigas das “zonas novas” 470

As casas “mineiras” e as de ecletismo tardio 511

Características gerais das fazendas a partir de 1920 520

Inovações na arquitetura do beneficiamento 548

As outras instalações 581

Colônias 548

Casas de administradores e fiscais 605

Casarões 610

6. Considerações finais 645

Referências 651

Volume 1

Sumário

Volume 2

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Resumo

Analisa a arquitetura rural do atual Estado de São Paulo durante o ciclo cafeeiroentre 1800 e a década de 1940, período marcado por grandes transformaçõesna história brasileira. O enfoque é dado ao núcleo rural da fazenda cafeeira,investigando questões como: critérios para a escolha do sítio a ser implantado;o agenciamento e as inter-relações entre as edificações; a arquitetura e o usodos diversos edifícios que o compõem; além de suas mudanças no tempo e noespaço. O estudo se vale de levantamentos inéditos (métrico e fotográfico), daleitura de estudos correlatos, entrevistas, coleta de dados em arquivos,bibliotecas entre outros, produzindo um amplo conjunto de informações arespeito de fazendas da região paulista.

Abstract

The present thesis examines São Paulo's rural architecture during the coffeeexport cycle, nearly from 1800 to 1940, a period marked by large changes inBrazilian history. The focal point is the rural nucleus of the coffee plantationanalyzed by a chain of research questions. Such as, criteria for the choice of thesite to be deployed, the organization and hierarchical arrange of the build-ings, its architectural shape and use manners, taking into account the gradualchanges that took place within the chosen time span. The investigation makesuse of inedited photographical data and in site metrics survey, in addition tothe review of parallel studies, interviews, data collection onarchives and libraries in a way to produce a wide range of informationabout farms within the current borders of São Paulo state.

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Ôh cafezal! Cafezal grande na mágua sangrenta da tarde,

Ôh sonhos de tempos claros, gosto de um tempo

[acabado, será permitido sonhar?...

(Trecho de “Café. Concepção melodramática (em três atos)”, de Máriode Andrade. In: Poesias Completas. São Paulo: Círculo do Livro, p. 423.)

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Introdução

Até o século XVIII, a economia no meio rural paulista não lograra os sucessosatingidos por outras localidades do Brasil Colônia, como aquelas do Nordeste,por exemplo. No entanto, a partir da segunda metade do século XVIII, com ofinal do ciclo minerador, a Corte de Portugal passa a atentar para a fertilidadedas terras do sul do Brasil, vendo nelas a possibilidade de ocupar uma fatiamaior do comércio internacional de produtos tropicais, como açúcar, café,entre outros. A partir de então, tem início, pela primeira vez em terras paulistas,uma economia agrícola mais expressiva, quando assume o cargo degovernador geral de São Paulo, Dom Luís Antônio de Souza Botelho Mourão,o Morgado de Mateus, que incentivou o surgimento de novos núcleos urbanose, acatando ordens portuguesas, o desenvolvimento da agricultura em SãoPaulo, principalmente no território compreendido entre as cidades de Moji-Guaçu, Jundiaí, Sorocaba e Piracicaba e no Vale do Paraíba. Essas eram asregiões já ocupadas da capitania, razoavelmente equipada com estradas,comércio, e representantes do poder constituído.

A arquitetura produzida nessas regiões e período foi praticamente a mesmados séculos anteriores. Porém, o bom desempenho econômico deste cicloacabou por atrair levas de migrantes de Minas Gerais, além de reinóis, quecomeçaram a chegar nas últimas décadas do século XVIII. A influência de suaarquitetura se refletiria nas novas fronteiras agrícolas abertas pela cana-de-açúcar (cujo ciclo se estendeu até as primeiras décadas do século XIX).

Em fins do século XVIII, um novo produto agrícola surgiria: o café. Por volta de1790, os cafezais chegaram ao vale do Paraíba e litoral norte. Daí avançaramem direção ao Centro-Oeste, sendo que em 1830 já se encontravam emCampinas. A expansão continuou em direção a Limeira e Rio Claro, atingindoos Campos de Araraquara por volta de 1840. Em 1870, o café alcançavaRibeirão Preto, no Nordeste paulista. Dessas regiões as plantações foram seespalhando, juntamente com as ferrovias recém implantadas pelas zonaspioneiras da Sorocabana, Alta Paulista, Noroeste e Araraquarense.

O avanço dessa nova cultura ampliou as fronteiras agrícolas fazendo com queas plantações de café percorressem quase todo o território paulista. A partirde 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York, aliada à ascensão de outrosprodutores mundiais - Colômbia, Equador, Quênia e Etiópia - os lucros dacultura cafeeira tornaram-se pouco atrativos aos produtores brasileiros e SãoPaulo foi perdendo, a partir de 1940, a posição de maior produtor brasileiro.

Do final do século XVIII ao início do século XX, houve uma grande transformaçãono modo de vida paulista, que se refletiu na arquitetura e em suas técnicas etipologias: da arquitetura tradicional, com influências indígenas e portuguesas,a uma arquitetura que absorvia as inovações tecnológicas do período queantecede o Modernismo. No meio rural também se notam mudanças: ostoscos estabelecimentos “caipiras” de subsistência deram lugar aosespecializadíssimos e complexos conjuntos de edifícios da fazenda cafeeira.

Isto se explica essencialmente por alguns fatores: primeiramente, a Aboliçãoe a necessidade de mão-de-obra numerosa para os cuidados com a lavouracafeeira, provocaram a vinda de um vasto contingente de imigrantes entre ofinal do século XIX e início do XX, dentre os quais, inúmeros trabalhadores daconstrução civil, que acabariam por facilitar a introdução de novas técnicas epadrões arquitetônicos; e, em segundo lugar, pelo enriquecimento dasociedade paulista, principalmente da aristocracia rural, o que proporcionoua criação de uma extensa malha ferroviária e a importação de materiais de

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construção industrializados ou não (da Europa e dos EUA), além do empregode novas e sofisticadas técnicas construtivas. Porém, o principal fator estárelacionado ao modo em que a cafeicultura foi introduzida no Sudeste doBrasil: a grande lavoura destinada ao comércio internacional.

O resultado disso foi a produção de um importante acervo de edifícios quehoje fazem parte e ajudam a explicar a história do ciclo do café em São Pauloque, infelizmente, vem sendo destruído ou descaracterizado desde que asfazendas deixaram de se dedicar à cafeicultura, com uma documentação aindamuito reduzida, em comparação ao volume de material existente.

É urgente a necessidade de pesquisas sobre o período, que enfoquem osmodos de vida e a produção arquitetônica e, principalmente, de uma maiordivulgação dos resultados às pessoas em geral, principalmente aos paulistas,com o objetivo de despertar-lhes a consciência do pertencer, de ser parte deuma história maior. E que percebam que possuem um patrimônio culturalbastante significativo, o qual merece e deve ser preservado.

Dessa maneira, fez parte dos objetivos do presente trabalho dar uma amostrado que, ainda hoje, é possível encontrar pelo Estado de São Paulo, uma visãogeral do acervo arquitetônico rural produzido durante o ciclo cafeeiro, entre oinício do século XIX e a década de 1940; e, nesse período, detectar como sedeu a criação do modo paulista de construir e morar no meio rural, como sederam as influências externas sofridas, averiguando os impactos dastransformações introduzidas pelo capitalismo – como a mecanização,eletrificação, etc. – na configuração dos espaços de produção e de moradia;analisar as alterações na tipologia, no uso dos materiais e nas técnicasconstrutivas empregadas, verificando quais foram as ações e as suas reações;desvendar as relações de poder existentes nas fazendas cafeeiras, à época emque foram construídas e como estas relações determinaram as estratégias desua configuração.

Tivemos o intuito de compor um painel geral deste patrimônio, tratando-ocomo um fenômeno importante da arquitetura paulista que se espalhou porquase todo o seu território, atravessando diferentes épocas, relevos, climas,políticas, culturas, e que fez surgir cidades, estradas, ferrovias, novas técnicasagrícolas, e promoveu o seu povoamento, mas que também causou a destruiçãode extensas áreas de matas e um extermínio brutal de povos indígenas. Enfim,que ajudou a moldar as suas características essenciais.

Para chegarmos a um resultado satisfatório, realizamos o levantamento métricoe fotográfico em pouco mais de trezentos exemplares de fazendas, boa partedeles inéditos, divididos em oito grandes sub-regiões, tomando por base,primeiramente, a divisão proposta por Sérgio Milliet e José Teixeira de Oliveira1.Posteriormente, agrupamos algumas regiões por detectarmos nelas afinidadeshistóricas e socioculturais, pertinentes à nossa pesquisa, resultando, finalmenteem quatro sub-regiões. Nelas, visitamos fazendas nos seguintes municípios:

Vale do Paraíba: Aparecida, Areias, Bananal, Cruzeiro, Guaratinguetá,Lagoinha, Pindamonhangaba, Queluz, São Luiz do Paraitinga, São José doBarreiro, Taubaté e Tremembé.

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1 MILLIET, Sérgio. Roteiro do Café e outros ensaios. São Paulo: Hucitec/INC, 1982;OLIVEIRA, José Teixeira. História do Café no Brasil e no Mundo. Belo Horizonte/Rio deJaneiro: Itatiaia, 1993.

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Central: Amparo, Bragança Paulista, Campinas, Itatiba, Itapira, Itu, Jundiaí eVinhedo.

Paulista-Mojiana: Araraquara, Araras, Batatais, Bocaina, Brotas, Casa Branca,Cordeirópolis, Descalvado, Dourado, Franca, Ibaté, Itobi, Igarapava,Iracemápolis, Itirapina, Jaboticabal, Jaú, Limeira, Mococa, Morro Agudo,Nuporanga, Orlândia, Restinga, Ribeirão Bonito, Ribeirão Preto, Rio Claro,Sales Oliveira, Santa Cruz das Palmeiras, Santa Gertrudes, Santa Lúcia, SãoCarlos, São João da Boa Vista e São José do Rio Pardo.

Zonas Pioneiras do Século XX: Agudos, Areiópolis, Bálsamo, Botucatu, Braúna,Cafelândia, Catanduva, Catiguá, Estrela d’Oeste, Fernão, Gália, Garça,Guarantã, Jaci, Júlio de Mesquita, Jumirim, Laranjal Paulista, Lins, Lupércio,Neves Paulista, Novais, Penápolis, Pindorama, Pirajuí, Pongaí, São Manuel,Tietê, Tupã e Vera Cruz.

A escolha dos municípios incluídos no roteiro de visitas e levantamento dapesquisa, em cada um dos setores, obedeceu, aos seguintes critérios:

- aqueles que mais se destacaram como produtores de café ao longo dosséculos XIX e XX;

- aqueles que possuem um acervo arquitetônico rural do ciclo do café (hojehistórico), ainda conservado e numericamente significativo; e,

- municípios historicamente importantes do período, como São José do Barreiro,Areias e Bananal, onde surgiram as primeiras fazendas de café paulistas.

Os índices relativos à produção cafeeira foram retirados dos trabalhos jámencionados, de Sérgio Milliet e José Teixeira de Oliveira, e também do famosotrabalho de Daniel Pedro Müller, que trazem dados sobre a produção de cafénos diversos municípios paulistas, relativos aos anos de 1836, 1854, 1886,1920 e 1935. Assim, a probabilidade de se encontrar um acervo significativode velhas fazendas nestes municípios era maior; no entanto, incluímos tambémexemplares inéditos que fomos encontrando em outros municípios, atravésde informações obtidas em museus, sindicatos rurais, cooperativas agrícolas,etc, das localidades em que nos encontrávamos.

Nas fazendas desses municípios realizamos, quando permitido, oslevantamentos fotográfico e métrico. Esse último, por ser mais moroso que olevantamento fotográfico e documental, levou em consideração alguns critérios,como: interesse e qualidade arquitetônica do exemplar; diversidade tipológica;diversidade técnico-construtiva; diversidade de edificações e implantação destasno conjunto; diversidade do sítio escolhido; e, aspectos históricos. Já olevantamento fotográfico foi feito em todas as fazendas visitadas, com o queconstituímos um grande acervo de imagens (cerca de 15.000 imagens) destetipo de arquitetura, permitindo uma análise mais apurada das soluçõesornamentais externas e internas e de desenhos de fachada.

Também consultamos levantamentos já efetuados por algumas instituições,como CONDEPHAAT e IPHAN, ou aqueles existentes em trabalhos correlatos.Infelizmente constatamos que alguns dos levantamentos existentes, nãocorrespondem à realidade.

Em nossas viagens pelo Estado de São Paulo, fomos coletando dados emarquivos particulares e públicos, bibliotecas, cartórios, museus, cooperativas,sindicatos rurais, e, evidentemente, nas próprias fazendas. A relação das

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instituições consultadas encontra-se ao final das Referências, no volume 02.Informações valiosas foram obtidas em fontes como: jornais, revistas ealmanaques de época; velhos catálogos de propaganda; fotografias antigas;documentos contábeis; notas fiscais; escrituras; inventários; atas de reuniões;livros de apontamento; livros de contas correntes; projetos arquitetônicosoriginais; etc. Neles conseguimos um importante conjunto de dados sobre omodo de vida da época em estudo; sobre as edificações; sobre trabalho; queajudaram a compor um amplo painel para a compreensão da fazenda cafeeirapaulista. Esses dados foram complementados com a realização de váriasentrevistas, que nos ajudaram a desvendar algumas dúvidas sobre os dadoscoletados em fontes impressas, principalmente.

Outra valiosa fonte de informações foi a revisão bibliográfica em obras deArquitetura e Urbanismo, Agronomia, História, Sociologia, Geografia, quetratam, principalmente, da porção rural do Brasil, desde o período colonialaté, mais especificamente, os séculos XIX e XX; além de arquitetura rural doslocais de origem das principais correntes imigratórias que povoaram e/ouinfluenciaram São Paulo naquele período.

Devido à grande extensão do assunto tratado e ao grande período envolvido,o presente trabalho está estruturado da seguinte forma. O primeiro capítulo,São Paulo Antes da Cafeicultura, trata das questões de povoamento e dasatividades econômicas desenvolvidas no território paulista, nos três primeirosséculos de colonização, que proporcionaram o surgimento de uma lavouracafeeira nos moldes comerciais, voltada para atender a forte demanda domercado consumidor internacional. Também tecemos algumas consideraçõese análises sobre a arquitetura rural surgida nesse período, que influenciariamsobremaneira aquela do ciclo cafeeiro. É uma rápida abordagem sobre ascondições que a lavoura cafeeira encontraria no território paulista.

No capítulo seguinte, O Vale do Paraíba. O início de tudo..., abordamos asquestões históricas que permitiram o início do cultivo do café em São Paulo,nos moldes de grande lavoura; a literatura que influenciou a constituição dasprimeiras fazendas; as características gerais da arquitetura rural e das técnicasde beneficiamento no período de prevalência da cafeicultura na região doVale do Paraíba. Nesse capítulo já utilizamos os dados obtidos em nossoslevantamentos, métrico e fotográfico, e os encontrados em literatura correlatae arquivos.

O terceiro capítulo, Rumo ao Oeste Paulista: o quadrilátero do açúcar serende aos cafezais..., trata da chegada da lavoura cafeeira na região deCampinas, Itu e municípios vizinhos e das características das fazendas cafeeirasaí surgidas. A grande produção exigiu novos e melhores meios de transporte,o que resultou na criação de várias companhias ferroviárias, a partir da décadade 1870, da melhoria das estradas de rodagem e do aparelhamento do portode Santos, que a partir de então se tornou o grande escoadouro do café, emterras paulistas. As ferrovias teriam desde então um papel central no processode expansão das lavouras cafeeiras.

No quarto capítulo, Adentrando os Sertões do Rio Pardo e de Araraquara:o café encontra a terra roxa..., tratamos do processo de expansão dacafeicultura na direção norte, seguindo o antigo caminho de Goiás, por umlado, e cruzando as cuestas do Planalto Ocidental, em outro, onde existiamextensas manchas de terra roxa; e todos os fatores decorrentes, como opovoamento da região, a expansão ferroviária, a forte imigração européia...Incluímos, também, a análise das primeiras fazendas abertas por mineiros aolongo do Caminho de Goiás, ainda na primeira metade do século XIX, que

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mais tarde se tornariam cafeicultoras, porém a ênfase é dada aos exemplaresde fazendas constituídas no auge do período cafeeiro local: entre as décadasde 1880 e 1920.

O quinto e último capítulo - As Frentes Pioneiras do Século XX: desbravandoos sertões com o auxílio da ferrovia... – é dedicado àquelas últimas zonas aserem povoadas, cuja ocupação foi facilitada, mais do que qualquer outra,pela ferrovia. Concomitantemente, ocorre o surgimento do automóvel e dasgrandes rodovias, o que teria influências diretas na estrutura de suas fazendas.

...

Antes de iniciarmos a pesquisa, pensávamos encontrar particularidades,expressões arquitetônicas regionais. O que encontramos, porém, foi umuniverso heterogêneo, rico em sua diversidade de soluções formais/estruturaise sempre receptivo às inovações e aberto às mudanças, na medida em queessas eram possíveis; construído por homens e mulheres de origens diversas,que foram quebrando preconceitos, mudando formas de morar e de trabalhar.

Em pouco mais de um século, esse mundo da cafeicultura transformou umvasto território: de um sertão ocupado esparsamente por povos indígenas ecoberto por matas e cerrados, em um local repleto de plantações, pastagens ecidades, cortado por ferrovias e estradas de rodagem, fortemente inserido naeconomia mundial... Foi um processo difícil, sem dúvida, com ganhos e perdasimensas, mas de um dinamismo impressionante, cujas repercussões suscitam,cada vez mais, novas investigações para o seu entendimento...

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 1

São Paulo Antes da Cafeicultura1

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 3

A Ocupação do Território Paulista

Até meados do século XVIII as terras que hoje compõem o

atual Estado de São Paulo pouco interesse despertaram àCoroa Portuguesa, no que diz respeito à implantação deuma grande lavoura de produtos tropicais voltada àexportação. As dificuldades para se chegar às férteis zonasdo planalto eram tremendas. Situadas nos vales dos riosParaíba e Tietê, somente eram acessíveis por trilhas precáriasque atravessavam longos trechos de serras e matasfechadas, e isso se constituía num dos empecilhos para osurgimento de uma agricultura voltada para o comércioexterno. Outra desvantagem era a grande distância dosprincipais centros consumidores europeus, que encareciao transporte. Nesse aspecto, o Nordeste brasileiro levouenormes vantagens, nos primeiros tempos, por estar muitomais próximo da Europa, além de possuir um climaextremamente favorável à lavoura de cana-de-açúcar.

Assim, principalmente no que se refere à economia, nostrês primeiros séculos de colonização, a então chamadacapitania de São Vicente voltou-se para a produção degêneros alimentícios, tais como trigo, mandioca, gado, entreoutros produtos destinados ao circuito comercialintercapitanias, principalmente, ao abastecimento de zo-nas açucareiras de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro,chegando inclusive a exportar trigo para Portugal e Angola.Até os princípios do século XVIII, essa lavoura, cuja mão-de-obra era quase totalmente indígena, fez surgir inúmerasfortunas, forjando os tradicionais troncos familiares de SãoPaulo.1

Os “paulistas”, como já então eram designados oshabitantes dessa área da colônia portuguesa, eramconhecidos por sua grande vocação para a mobilidade.Vivendo quase isolados no Planalto, eles tiveramoportunidade de desenvolver uma civilização com certo graude independência da Metrópole portuguesa e comcaracterísticas muito peculiares. Nesses primeiros temposfoi criada uma estreita relação entre o habitante nativo e ocolonizador, como em nenhuma outra região da América.Até a língua usada, o tupi, só seria suplantada pelo idiomaportuguês no século XVIII.

(...) a ação colonizadora realiza-se aqui por um processode contínua adaptação a condições específicas doambiente americano. Por isso mesmo não se enrija logoem formas inflexíveis. Retrocede, ao contrário, a padrõesrudes e primitivos: espécie de tributo exigido para ummelhor conhecimento e para a posse final da terra. 2

A ação dominadora do português transformou o índio nativoem seu escravo, mas também, paradoxalmente, em seu

aliado, inserindo-o no contexto das relações mais íntimasdo colonizador branco. No contato com o índio, oscolonizadores de São Paulo abandonaram as comodidadesda vida civilizada e desenvolveram um conhecimento maiorda terra, aprendendo a resistir à fome, à sede, ao cansaço;o senso topográfico levado a extremos; a familiaridade quaseinstintiva com a natureza agreste, sobretudo com seusprodutos medicinais ou comestíveis, são algumas dasimposições feitas aos caminhantes, nessas veredas estreitase rudimentares. Delas aprende o sertanista a abandonar ouso de calçados, a caminhar em “fila índia”, a só contarcom as próprias forças, durante o trajeto. 3

Estes caminhos árduos e estreitos, feitos para pedestres,eram, às vezes, interrompidos por grandes rios – rios decanoa. Antes de serem obstáculos, logo os portuguesesaprenderam que poderiam se transformar em importantesvias de penetração aos sertões.4

O estabelecimento da vila de São Paulo de Piratininga serraacima, no promontório entre os rios Anhangabaú eTamanduateí, em estratégica posição no contexto geográficodo planalto, fez intensificar a marcha colonizadora emdireção ao interior.

O Tietê corria perto e bastava seguir-lhe o curso para alcançara bacia do rio da Prata. Além disso, este rio possuíaimportantes afluentes nas duas margens (Pinheiros, Cotia,Piracicaba, Jacaré-Pepira, etc) que facilitavam a penetraçãoe a exploração do território. Tietê acima, se transpunha umagarganta e logo se avistava o vale do rio Paraíba, encaixadoentre a serra do Mar e a da Mantiqueira, apontando ocaminho do norte.5

A presença dos rios foi bastante favorável à exploração dossertões desconhecidos por parte dos paulistas e, também,responsável até por um certo desenvolvimento e o surgimentodos primeiros núcleos urbanos no interior brasileiro. 6

____________________________________________________________________________________________________

1 MONTEIRO, J. M. Negros da Terra. São Paulo: Companhia dasLetras, 1994, pp. 79, 99, 102.

2 HOLANDA, S. B. de. Monções. São Paulo: Brasiliense, 3ª ed.,1990, p. 16.

3 Idem, ibidem, p. 16.

4 Idem, ibidem, p. 18.

5 ABREU, J. C. de. Capítulos de História Colonial, 1500-1800. SãoPaulo: Publifolha, 2000, p. 127.

6 BEM, S. F. de. Gaiolas da Arquitetura Tradicional Paulista. SãoPaulo: FAU-USP (monografia), 1993, p. 06.

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Não só os rios iriam contribuir, ou mesmo determinar, oavanço paulista para o interior. O relevo também definiria,séculos mais tarde, o direcionamento dos principaiscaminhos em direção ao norte, fosse seguindo as cabeceirasdos rios rumo a Minas Gerais e a Goiás, fosse seguindo oalto dos espigões, em direção ao Mato Grosso; ou rumo aonordeste, em direção ao Vale do Paraíba e às minas doSabarabuçu; ou, ainda, ao oeste e ao sul, por onde seestendiam imensos descampados, cortados por capões emanchas de florestas, rumo aos campos do sul.

Até o período da grande dispersão provocada pelasdescobertas das minas de ouro e pedras preciosas nos sertõesmineiro, goiano e mato-grossense, principalmente a partirdo século XVIII, a população paulista concentrou-se àsmargens dos rios Tietê e Paraíba.

Na zona do Tietê surgiram, num raio de aproximadamente90 quilômetros da vila de São Paulo, as vilas de Mogi dasCruzes (1611), Santana de Parnaíba (1625), Jundiaí (1655),Itu (1657) e Sorocaba (1661). O surgimento dessas vilas,criando um cinturão ao redor de São Paulo, ainda no séculoXVII, tem a ver com uma série de fatores, como: anecessidade de ocupação e tomada de posse das terras deplanalto acima para impedir uma possível invasãoespanhola, através dos caminhos que ligavam São Paulo aAssunção; de formar uma rede protetora contra ataque detribos indígenas inimigas; e, sobretudo, porque as novasvilas deveriam estar em terras onde pudessem contar comcerto contingente de mão-de-obra indígena, para que suaslavouras e criações de animais pudessem porsperar, umavez que a população originária de Portugal era escassa.7

Alcântara Machado resumiu assim o quadro geral doplanalto de Piratininga ao final do século XVI:

Afinal, com o recuo, a submissão e o extermínio dogentio vizinho, mais folgada se torna a condição dos

paulistanos e começa o aproveitamento regular do chão.

Deste, somente deste, podem os colonos tirar algumsustento e cabedais. É nulo ou quase nulo o capitalcom que iniciam a vida. Entre eles não hárepresentantes das grandes casas peninsulares, nemda burguesia dinheirosa. Certo que alguns seaparentam com a pequena nobreza do reino. Mas, seemigraram para província tão áspera e distante, éexatamente porque a sorte lhes foi madrasta na terranatal. Outros, a imensa maioria, são homens docampo, mercadores de recursos limitados, artíficesaventureiros de toda a casta, seduzidos pelaspromessas dos donatários ou pelas possibilidades comque lhes acena o continente novo.6

Os “paulistanos”, além da falta de recursos, só podiamcontar com mão-de-obra indígena, o que demandavacustosas expedições de apresamento pelos sertões, quenem sempre surtiam os resultados esperados; a CoroaPortuguesa só permitiria a importação direta do escravoafricano para São Paulo a partir de 1700. Os poucosafricanos que havia em São Paulo eram comprados emcapitanias vizinhas, onde esse tipo de comércio erapermitido.

Assim, uma das principais atividades dos paulistas nessesprimieros tempos, foi o aprisionamento do gentio da terra,para o fornecimento de mão-de-obra para as suas fazendas.As expedições militares para o apresamento dessa mão-de-obra indígena, cada vez mais rumo ao interior dos sertõesbrasileiros, foi a motivação inicial da grande exploração

Figura 1 - Aspecto de São Paulo, em1827. Willian John Burchell. Fonte:Ferrez, G. O Brasil do Primeiro Reinadopelo botênico Willian John Burchell.Rio de Janeiro: Fund. Moreira Salles/Fnd. Nacional Pró-Memória, 1981, p.104.

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7 MONTEIRO, J. M. Op. cit., 1994, p. 109.

8 MACHADO, A. Vida e Morte do Bandeirante. Belo Horizonte:Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1980, pp. 37-8.

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 5

realizada por esses “paulistas” no imenso território que iada Amazônia às missões jesuíticas espanholas na regiãodo rio da Prata. Enquanto a aquisição de braços para a lavourapaulista foi farta e se dava em terras razoavelmente próximas,o agronegócio se desenvolveu, no entanto, a partir do finaldo século XVII, com a crescente diminuição da populaçãoindígena escravizada, resultado de epidemias, fome, maustratos e fugas, e a escassez cada vez maior dessas populações,a lavoura paulista entra em declínio. Aqueles que aindadispunham de recursos, os empregam em incursões não maisa procura de índios, mas de riquezas minerais, o que provocouo povoamento de grandes áreas do interior da Bahia, deMinas Gerais, de Goiás e Mato Grosso.

Assim, durante boa parte do século XVIII, a economiapaulista foi movimentada por uma agricultura deproporções mais modestas que no século anterior, devidoà escassez de mão-de-obra, voltada ao consumo local e aoabastecimetno das regiões mineradoras, uma vez que, comojá mencionado, a barreira da Serra do Mar não animava osurgimento de uma lavoura destinada ao comérciointernacional, e também, porque boa parte dos recursos

que haviam, tinham sido aplicados nas lavras mineiras.Sobre esse período, Luna e Klein dizem que:

(...), a economia da província baseou-se principalmentenas culturas de subsistência, sobretudo milho, feijão earroz, juntamente com alguma produção de mandiocae trigo. Os paulistas também produziam açúcar eaguardente para o consumo local, algodão fiado etransformado em tecidos rústicos, e criavam porcos,cavalos, vacas, bois e mulas, além de pescar em pequenasquantidades no litoral. Como em muitas partes do Brasil,florescia a atividade artesanal familiar, produzindo têxteisde algodão, roupas, ferramentas e cerâmica.9

Por outro lado, se a agricultura sofrera com a dificuldadede se encontrar escravos, Borrego destaca a foração deuma importante teia de relações comerciais desenvolvidaprinciplamente por reinóis, que se estabeleciam em São

Figura 2 - Taubaté, em 1827.Aquarela de Jean B. Debret. Fonte: OCafé. São Paulo: Banco Real/ABNAMRO Bank, p. 21.

Figura 3 - Pindamonhangaba, em1827. Aquarela de Jean B. Debret.Fonte: O Café. São Paulo: Banco Real/ABN AMRO Bank, p. 21.

Figura 4 - Guaratinguetá, em 1827.Aquarela de Jean B. Debret. Fonte: OCafé. São Paulo: Banco Real/ABNAMRO Bank, p. 21.

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9 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Evolução da Sociedade Escravista deSão Paulo. São Paulo: EDUSP, 2005, p. 33-6.

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Paulo, devido à sua estratégica posição em relação às váriasregiões mineradoras de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.Assim, Borrego demonstra que, mesmo no século XVIII, seos nívelis de riqueza não indicam pujança, tampouco revelamdecadência.10

Quanto à ocupação portuguesa, poucos eram os núcleosurbanos estabelecidos. A nordeste da vila de São Paulo dePiratininga, além de Moji das Cruzes, em meados do séculoXVII surgiram pequenos povoados à beira do caminhoestabelecido entre a capital paulista e a região dos sertõesgerais do alto da Mantiqueira. É dessa época a instalaçãodas vilas de Taubaté (1650), Jacareí (1653) e Guaratinguetá(1657).11 No início do século XVIII surgiramPindamonhangaba e Caçapava Velha; depois São José dosCampos (1775), Lorena (1778), e Cachoeira (1780).12

O povoamento dessa região começou a se consolidar comas descobertas das minas de ouro e pedras preciosas e aconseqüente abertura de caminhos – entre as Minas Geraise o Vale do Paraíba, e entre este e as vilas que se fundavamno litoral norte paulista: os portos de São Sebastião,Caraguatatuba e Ubatuba. A partir de então, a economiado médio Paraíba voltou-se para o comércio com as cidadesmineradoras.

As implicações da descoberta do ouroem Minas Gerais

E o achado, na última década do Seiscentos, de tesourosque tão longamente se desejaram, no sertão deCataguazes, apresenta-se, afinal, como o vitoriosoremate de um esforço sem tréguas. Não é bemsignificativo o nome que primeiramente lhes puseram,de Minas de Taubaté?13

Depois de quase dois séculos de busca, seguindo indíciosrecolhidos através dos próprios indígenas, várias minas deouro foram achadas quase ao mesmo tempo, na década de1690, nas atuais cidades de Ouro Preto, Mariana, São JoãoDel Rey, Tiradentes, Caeté e Serro, entre outras.14 A notíciaespalhou-se rapidamente, agitando a vila de São Paulo. Seusmoradores acorreram à zona mineradora, o que, porconseguinte, provocou um esvaziamento dos incipientesvilarejos paulistas.

Pouco demorou, entretanto, o monopólio paulista na regiãodas minas gerais. Aventureiros de vários cantos da Colônianão tardaram em chegar às lavras, logo seguidos dosportugueses vindos do Reino. Os conflitos foram inevitáveise, em 1707, teve início aquela que ficou conhecida comoGuerra dos Emboabas. De um lado os paulistas, osdescobridores das lavras, aliados aos indígenas; de outro,os portugueses e baianos, juntamente com seus escravosafricanos. Emboabas era o nome dado pelos paulistas aosforasteiros. A princípio, os paulistas levaram vantagens,pois tinham maior conhecimento dos sertões e, além disso,

estavam em seu território. Mas os emboabas pediram apoioao Governo Geral do Rio de Janeiro, que enviou tropaspara a região.

(...). A chegada das tropas amainou os ânimos, e osemboabas aproveitaram-se do clima de aparentepacificação para desferir o maior golpe em seusinimigos: conseguiram convencer um grande grupode paulistas e aliados indígenas concentrados numbosque a depor as armas, com garantia de vida. Quandoestes se renderam, foram massacrados numa localidadeque ficaria conhecida a partir de então como Capão daTraição.15

A descoberta do ouro em abundância em Minas Gerais e asubseqüente expulsão dos paulistas daquelas terrasacarretaram várias conseqüências para o povoamento dacapitania de São Paulo.

Uma delas foi a criação de um caminho novo entre as Minase o Rio de Janeiro, para onde a quinta parte de toda aprodução era levada como imposto à Coroa Portuguesa. Aprincípio, entre os vários caminhos usados para oescoamento do ouro das Minas Gerais para a capital daColônia, o de Parati foi o preferido: ele seguia por terra atéesse porto e, depois, era embarcado para o Rio de Janeiro.Firmou-se, nesse período, entre o final do século XVII e iníciodo XVIII, a região do vale do Paraíba como área de intensotráfego. Surgiram ali pequenas plantações e criação devíveres para abastecimento das minas. Taubaté era o centropolarizador, abrigando em seu termo núcleos administrativosde controle e fiscalização das atividades da mineração, localda primeira casa de fundição, passagem obrigatória doscaminhos que demandavam o litoral, portos de Parati,Ubatuba e São Sebastião.16

Ao lado destes caminhos, surgiram outros núcleospopulacionais, como as futuras vilas de Facão (atual Cunha),São Luiz do Paraitinga e Santo Antônio de Paraibuna.

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10 BORREGO, M. A. de M. A Teia Mercantil: negócios e poderesem São Paulo colonial (1711-1765). São Paulo: FFLCH-USP (tesede doutorado), 2006, p. 316.

11 ABREU, C. de. Op. cit, p. 135.

12 RODRIGUES, P. de C. O Caminho Novo: povoadores do Bananal.São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1980, p. 18.

13 HOLANDA, S. B. de. Op. cit., 1990, p. 205.

14 SILVA, V. A. da. Paulistas em movimento: bandeiras, monçõese tropas. In: Terra Paulista: A formação do Estado de São Paulo,seus habitantes e os usos da terra. São Paulo: Cenpec/ImprensaOficial, 2004, p. 74.

15 CALDEIRA, J. Op. cit., 1997, p. 75.

16 ANDRADE, A. L. D. de. Vale do Paraíba: Sistemas Construtivos.São Paulo: FAU-USP (dissertação), 1984, p. 26.

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 7

Outro fator importante para o crescimento econômico dessaregião foi a permissão dada pela Coroa Portuguesa aoshabitantes da Capitania de São Paulo, em 1700, de importarescravos diretamente da África:

A força de trabalho, antes principalmente indígena,passou a ser dominada por brancos livres e africanoscativos. Nesse ano, os paulistas foram autorizados aobter escravos diretamente da África pela primeira vez.Iniciado esse afluxo de escravos africanos, seucrescimento foi constante a cada ano, e a nova forçade trabalho seria crucial na implantação de umapróspera economia açucareira e cafeeira em São Paulo.17

O capital para a compra de escravos africanos pelospaulistas viria da exploração das minas auríferas em MinasGerais. No entanto, logo a seguir a economia da regiãoseria profundamente abalada com a conclusão do caminhoconstruído por Garcia Rodrigues Paes, que se iniciara em1702, e que ligava o Rio de Janeiro à região das Minas Gerais.

A vantagem da ligação direta encarecera-a o mesmoGarcia Rodrigues, quando em carta de 1705 aogovernador lhe disse que além de reduzir a menos deterça parte o tempo do trajeto, se comparado aocaminho de Parati, tinha menos rios, menos serranias enem havia nela o detrimento da viagem do mar. (...) Oepisódio, agravado com a abertura das minas, encerrauma fase. Até agora os bandeirantes foram auxiliares dorei, tolerados os arranhões na autoridade régia, com osolhos fechados à turbulência dos sertões. A política seria,daqui por diante, outra: o governo metropolitano calariaa insubmissão – o rei tomaria conta diretamente, do seunegócio, negócio seu e não dos paulistas.18

Novo alento à capitania de São Paulo viria, em meados doséculo XVIII, com a abertura do caminho novo da Freguesiada Piedade, ligando Guaratinguetá ao Rio de Janeiro, porterra. As conseqüências foram o aumento das atividades

agrícolas, do comércio local, e da população. No territóriopaulista, esse Caminho Novo da Piedade provocou osurgimento de vários pousos que se desenvolveram e deramorigem a novas vilas como Areias (1782), Bananal (1783),São José do Barreiro (1820), Silveiras (1843), entre outras.A ligação entre Minas e Rio de Janeiro explica, de certaforma, a grande presença de pessoas originárias desseslocais entre os primeiros habitantes dos novos povoados.19

Já nesta época, o ouro das Minas Gerais dava os primeirossinais de esgotamento, e os caminhos velho e novo servirampara acolher os retirantes daquelas antigas zonasmineradoras, em busca de novas e férteis terras paraatividades agropastoris.

O início do povoamento do chamadoOeste Paulista

Logo após a Guerra dos Emboabas, com a derrota dospaulistas e todo o prejuízo daí decorrente, novas minas fo-ram procuradas, em outras partes do país. De grandecontribuição para o povoamento do território paulista fo-ram as entradas e bandeiras rumo ao Mato Grosso e Goiás.A descoberta do ouro em Cuiabá, em 1718, por PaschoalMoreira Cabral, entre outros; e em Goiás, em 1725, porBartolomeu Bueno da Silva, o filho, permitiu a consolidaçãode uma rede de caminhos que se estruturava já desde oséculo anterior. Esses fatos permitiram o início de uma efetivaocupação dos sertões paulistas localizados no Vale do RioGrande e do Tietê.

O Caminho de Goiás fora estabelecido através do alto cursodos afluentes da margem esquerda do rio Grande e da

Figura 5 - Bananal, em 1827. Aquarelade Jean B. Debret. Fonte: O Café. SãoPaulo: Banco Real/ABN AMRO Bank,p. 21.

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17 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Op. cit., 2005, p. 39.

18 FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. Porto Alegre, Globo, 1979. p. 162.

19 RODRIGUES, P. de C. Op. cit., 1980, pp. 18 e 19.

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margem direita do Tietê. Para Cuiabá, a princípio, tambémse utilizava o mesmo caminho até Goiás, que depoisprosseguia para o Mato Grosso. Havia também a variantefluvial até Cuiabá, seguindo pelos rios Tietê, Paranaíba eoutros rios navegáveis. Porém, essa rota mostrou-se inviávelpelas inúmeras quedas d’água, perigosos redemoinhos eataques de índios.

Por diversas vezes houve tentativas de se construir umcaminho, que seguisse por terra, entre o caminho de Goiáse o rio Tietê, mas esse, que seria chamado de Picadão deCuiabá, só ao final do século XVIII seria definitivamenteaberto, gerando um novo eixo de ocupação.

O caminho mais utilizado durante o século XVIII para sechegar àquelas minas foi, mesmo, o de Goiás. Em seu trajetosurgiram pousos que logo se transformariam em povoadose vilas, e começariam a produzir gêneros para oabastecimento das tropas que seguiam em direção aoCentro-Oeste brasileiro. O caminho partia de São Paulo em

direção à Freguesia do Ó e daí passava pelas atuais Jundiaí,Campinas, Moji-Mirim, Moji-Guaçu, Casa Branca, Batataise Franca; adentrava então, após a passagem do rio Grande,o sertão da Farinha Podre, em território mineiro, seguindoaté Goiás e Mato Grosso. Esse caminho era cortado por váriasoutras pequenas estradas que ligavam toda essa nova regiãoà pioneira zona aurífera de São João D’El Rey, Tiradentes,Ouro Preto, Mariana, através dos vales dos rios Grande,Sapucaí, Pardo e Moji-Guaçu, entre outros.20

Assim como aconteceu na ocupação do Vale do Paraíba,também nessa região se observam duas áreas de influênciacultural: uma de tradição paulista que, grosso modo, seestende até pouco antes da altura de Moji-Mirim; e umasegunda, cuja influência dita “mineira” é mais presente,de Moji-Mirim para frente. Embora esses limites sejam

Figura 6 - Uma rua de Campinas, em1827, por Burchell. Fonte: Ferrez, G.O Brasil do Primeiro Reinado pelobotênico Willian John Burchell. Rio deJaneiro: Fund. Moreira Salles/Fund.Nacional Pró-Memória, 1981, p. 109.

Figura 7 - Aspecto de Moji-Mirim, em1827, por Burchell. Notar a casa daextrema direita, com estruturaautônoma de madeira. Fonte: Ferrez,G. Op. cit., 1981, p. 110.

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20 Ver BRIOSCHI, L. R., et alli. Entrantes no sertão do rio Pardo.São Paulo: CERU, 1991.

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 9

difíceis de estabelecer, com uma extensa faixa deinterposição, pode-se afirmar que na primeira área, noâmbito da arquitetura, prevaleceu a taipa de pilão, técnicabastante utilizada, desde os primeiros, tempos peloshabitantes da região situada ao redor da cidade de SãoPaulo; na outra, a prevalência foi da técnica da taipa demão, a que melhor se adaptou ao relevo e clima da regiãosituada ao redor daqueles primeiros núcleos urbanos dosertão de Minas Gerais.

É interessante atentar a esse respeito, para a descrição dedois viajantes que passaram por esse caminho de Goiás,no início do século XIX, Aires de Casal e Luiz D’Alincourt.Ambos tecem comentários sobre a Província de São Paulo,descrevendo brevemente seus núcleos urbanos e algumascaracterísticas gerais de suas edificações.

A descrição, por Aires de Casal, da província paulista, quenessa época ainda englobava o Paraná, revela que em suaparte setentrional, ela possuía duas cabeças de comarcas,em 1817, São Paulo e Itu. A comarca de São Paulo eraconstituída pelas vilas de São Paulo, São Vicente, Santos,São Sebastião, Vila da Princesa (Ilhabela), Ubatuba, Itanhaém,Moji das Cruzes, Jacareí, São José (dos Campos), Taubaté,Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena, Cunha,Paraitinga (São Luís do Paraitinga), Parnaíba (Santana deParnaíba), Jundiaí, Tibaia (Atibaia), Bragança (BragançaPaulista) e Moji-Mirim.21 Já a comarca de Itu, por Itu, PortoFeliz, Sorocaba, São Carlos (atual Campinas), Itapeva,Itapetininga e Apiaí.

Relata, ainda, a existência de alguns povoados, comoCananéia, Areias, Aparecida, Tremembé, Piracicaba, Moji-

Guaçu e Franca. Provavelmente já existissem outros núcleospopulacionais incipientes e não mencionados por ele -como São Bento de Araraquara e Belém do Descalvado,ambos com datas oficiais de fundação na década de 1810,por exemplo - embora essas escassas informações ajudama localizar os principais eixos de povoamento existentes atéprincípios do século XIX em São Paulo.

A observação quanto às técnicas construtivas de suasedificações ajuda a compor algumas áreas em quepredominam as duas técnicas mais utilizadas na época: ataipa de pilão e a taipa de mão, popularmente conhecidacomo pau-a-pique.

As edificações de taipa de pilão são encontradas em SãoPaulo, Moji das Cruzes, Taubaté, Guaratinguetá, Itapetiningae Itu, todas elas com forte influência da tradição das gentesde São Paulo de Piratininga, onde essa técnica do barrosocado entre pranchões foi adotada primeiramente, em terrasbrasileiras, divulgada e generalizada pelo jesuíta Afonso Brás,no dizer de Carlos A. C. Lemos.22

Às informações do padre Aires de Casal somam-se às doviajante Luiz D’Alincourt, que descreve os núcleos alémJundiaí, no caminho de Goiás. 23

Figura 8 - Aspecto de Franca, em1827, por Burchell. Notar a capela eas casas em que aparece a estruturaautônoma de madeira, preenchidapor taipa de mão. Fonte: Ferrez, G.Op. cit., 1981, p. 113.

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21 CASAL, Pe. M. A. de. Corografia Brasílica. Belo Horizonte:Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1976.

22 LEMOS, C. A. C. Casa Paulista. São Paulo: Edusp, 1999, p.23.

23 D’ALINCOURT, L. Memória sobre a Viagem do Porto de Santosà Cidade de Cuiabá. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP,1975, p. 47.

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De Jundiaí até Moji-Mirim, passando pela atual Campinashá menções às construções de taipa de pilão, porém já emMoji-Mirim aparecem as edificações de taipa de mão ou,como se refere D’Alincourt, “paus a prumo”:

Foi erecta em Vila no primeiro de Abril de 1770, com onome do seu Orago, o Patriarca S. José, (...), geralmenteas casas são pequenas, algumas de taipa, porém a maiorparte construída de paus a prumo, ligados com ripashorizontais e os vãos cheios de barro; há somente duasmoradas altas, a do Capitão Mor, e a da Câmara, comCadeia, por baixo; (...).24

Até as barrancas do rio Grande, sucedem-se os núcleos deMoji-Guaçu, Casa Branca, Batatais e, finalmente, Franca,por essa época a última povoação em território paulista antesde se adentrar Minas Gerais:

(...) foi fundado há treze para quatorze anos, porHypolito Antonio Pinheiro, Capitão do Distrito, e natu-ral da Comarca de São João d’El Rey, Província de MinasGerais (...).

Deu-se êste Arraial o nome de Franca, por virem a êleestabelecer-se tôda a qualidade de pessoas de diversoslugares; todavia a mor parte delas veio de Minas Gerais (...).

Os habitantes dêste lugar são industriosos, etrabalhadores; fazem diversos tecidos de algodão; boastoalhas, colchas e cobertores; fabricam pano azul de lãmuito sofrível; chapéus; alguma pólvora; e até já têmfeito espingardas; a sua principal exportação consta degado vacum, porcos, e algodão, que levam a Minas;plantam milho, feijão, e outros legumes para o consumodo país. O Arraial está bem arruado, porém a maiorparte das ruas é ainda mui pouco povoada, só o largoda Matriz está mais guarnecido de casas que sãoconstruídas de pau a prumo, com travessões, e ripas,cheios os vãos de barro, e as paredes rebocadas comareia fina, misturada com bosta, geralmente sãopequenas, e a maior parte delas cobertas de palha.25

Ainda sobre Franca, D’Alincourt faz um seguinte comentário,alusivo à sua segunda passagem por lá, em 1823: Hoje sãoraras as cobertas de palha, e há boas propriedades; desde oano de 1818, em que estive nesse Arraial, até o princípio de1823, que por ali tornei a passar (...).26

O importante, aqui, é destacar certos detalhes narradospor esses viajantes. Nota-se que até Moji-Mirim, são sempremencionadas as casas de taipa, o que, evidentemente, refere-se ao barro socado a pilão, e, logo a seguir, desaparecemas referências a essa técnica, dando lugar às casas de pau aprumo, também conhecido como pau-a-pique ou taipa demão. E crescem as referências às pessoas originárias deMinas Gerais e a produtos mais comuns aos seus costumes,como a criação de gado bovino, ao invés dos capados ou

porcos, mais comuns na zona de povoamento mais antiga,ao redor da cidade de São Paulo.

Outro fato que chama a atenção, nos relatos desses doisviajantes, é o surgimento de uma lavoura comercial, a dacana-de-açúcar, que se ampliara muito entre a passagemdo século XVIII para o XIX, indicando que o paulista ou, aomenos, a população que agora residia em território paulista,estava aumentando e se fixava à terra.

Ainda na década de 1730, surgiram novos caminhos entrea Província de Minas Gerais e as minas de Goiás e Cuiabá, eo mencionado caminho de Goiás, aberto pouco antes, foise tornando cada vez menos utilizado. Os novos caminhos,ligando o centro-oeste brasileiro ao Rio de Janeiro erammelhores, mais curtos e novamente atraíram levas deaventureiros.

Passado o surto minerador, a capitania paulista pareciacondenada a um marasmo econômico sem fim. O paulistase fixava à terra, espalhado na imensidão dos sertões,praticamente isolado do resto da Colônia, vivendo de sualavoura pequena e de suas parcas criações. A escassez deprodutos locais destinados à exportação fez com que aCoroa Portuguesa extinguisse o Governo local e decidisseanexá-la ao Rio de Janeiro. No entanto, já na segundametade do século XVIII, o declínio da produção das minaspreocupava a Coroa Portuguesa que decidiu, então,estimular a produção agrícola direcionando suas atençõespara a expansão das fronteiras meridionais e suas férteisterras. Além disso, temia-se o crescimento das colôniasespanholas que poderiam realizar avanços consideráveissobre o sul do Brasil.

São Paulo era na época a área efetivamente colonizadamais ao sul e contava com a capacidade militarnecessária para essa expansão. Em 1765 a regiãotornou-se novamente uma capitania autônoma, comgoverno próprio.27

Mas a reorganização de atividades agrárias em São Paulo,com vistas ao comércio exterior, não seria tarefa fácil. Em1751, quando se criaram as Mesas de Inspeção do Rio deJaneiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão, a Capitania deSão Paulo, segundo relatório de época, não produzia humasó arroba de assucar, nem algum outro effeito para ocomércio com a Europa.28 Recuperada a autonomia comocapitania, foi nomeado como governador Dom Luís Antônio

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24 D’ALINCOURT, L. Op. cit., 1975, p. 59.

25 Idem, ibidem, pp. 70-1.

26 Idem, ibidem, p. 71.

27 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Op. cit., p. 13.

28 PETRONE, M. T. S. A Lavoura Canavieira em São Paulo. SãoPaulo: Difel, 1968, p. 09.

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 11

de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus. Noseguinte trecho, o próprio governador relata a difícil missãoque teria pela frente:

O Morgado de Mateus escreveu, logo após a suachegada a São Paulo, a diversas câmaras municipais,pedindo que estudassem as possibilidades de aumentara produção: “considerando que o melhor meyo de seenriquecer os Povos, he a agricultura, e o comercio,com que se tem feito poderozas e opulentas as maisfamozas Nações do Mundo”. Naturalmente, arecuperação da Capitania não podia ser imediata. Opróprio Morgado de Mateus sabia que era necessáriomuito tempo para melhorar a situação da Capitania.Em 1722 escrevia ao marquês de Lavradio, pedindo maisauxílio: “Eu achei esta Capitania morta e ressuscitalahé mais difícil que criala de novo. O criar está naresponsabilidade de qualquer homem o Ressuscitarfoi milagre reservado a Cristo. Para crear o Mundo,bastou a Deus hum fiat, e para o restaurar depois deperdido, foi necessário humanar a sua Omnipotencia,gastar trinta annos, e dar a vida”.29

Os esforços envidados surtiram efeitos benéficos. Muitolentamente, estruturou-se a agricultura paulista, aindamodesta se comparada ao Nordeste brasileiro ou ao Rio deJaneiro. Porém, a situação se mostrava favorável. No âmbitointernacional, ampliava-se o consumo europeu do açúcar edo algodão; por outro lado, agitações políticas e guerrasdificultavam a produção dos concorrentes brasileiros, comoas Antilhas francesa e inglesa. Internamente, o declínio doouro direcionava o capital existente às atividades agro-pastoris.

O retorno de paulistas e o afluxo de lavradores mineirosem direção às terras férteis e planas de São Paulo tambémcontribuíram para esse impulso agrícola. Uma outra fontede recursos para a implantação de uma lavoura comercialvisando o comércio externo veio das atividades ligadas aotropeirismo e da pequena produção agropecuária que nuncadeixou de existir desde os primeiros tempos.30

O constante incentivo dos governantes paulistas efetivou-se a partir do governo de Bernardo José de Lorena, quetomou uma série de medidas para incentivar a agricultura,entre elas a concentração da exportação de todos osprodutos agrícolas pelo porto de Santos, fortalecendo-o, efavorecendo, em muito, a economia de “serra acima”, emdetrimento dos produtos do litoral norte, que eram enviadosao Rio de Janeiro. Essas medidas surtiram efeitos benéficosna produção agrícola de duas zonas paulistas: o Vale doParaíba e a região situada a noroeste da capital.

No Vale do Paraíba teve início, então, uma fase decrescimento da lavoura canavieira, com significativaprodução de açúcar e aguardente que se estende até cercade 1830, e que faria surgir inúmeros estabelecimentosagrícolas por todo o território que vai de Bananal a Jacareí.

Entretanto, a principal zona canavieira paulista do períodofoi, sem dúvida, o território compreendido entre as cidadesde Moji-Guaçu, Jundiaí, Sorocaba e Piracicaba, incluindo-se, aí, as duas maiores produtoras: Itu e Campinas. A essaregião o historiador Alfredo Ellis Júnior deu o nome de“quadrilátero do açúcar”. A lavoura canavieira proporcionouo crescimento da região, fazendo surgir, inclusive, algunsnovos povoados, como a própria Piracicaba, Capivari eCabreúva, e dando condições para a consolidação de outrosjá existentes.31 A produção era comerciada não só com aEuropa, mas também com o resto do país. A rede decaminhos abertos nos sertões para Minas Gerais, Mato Grosso,Goiás e Rio de Janeiro facilitava o comércio com essas regiões.São Paulo experimentava uma vocação até entãodesconhecida: a de pólo gerador e exportador de alimentos.

Inúmeras propriedades agrícolas eram abertas e, aospoucos, os sertões iam sendo ocupados e as suas fronteirasalargadas. Como salientam Luna e Klein, a implantaçãobem-sucedida da produção de açúcar de qualidade para aexportação em São Paulo na parte final do século XVIII foi aforça propulsora que finalmente alçou a economia paulistaa um novo patamar de complexidade e orientação para omercado externo.32

Segundo Lemos33, a arquitetura rural produzida nesteperíodo, na região do quadrilátero do açúcar foipraticamente a mesma dos séculos anteriores. Havia umapermanência tanto da tipologia das casas quanto da técnicautilizada, a taipa de pilão. Poucas alterações são sentidasnas primeiras casas rurais do ciclo da cana-de-açúcar paulista,como aquelas do Sítio do Rosário, da Fazenda Capoava, emItu, ou mesmo da Chácara do Quinzinho, em Sorocaba, emcomparação com as casas rurais do período anterior, ascasas “bandeiristas”, quando a triticultura era a principallavoura de São Paulo.

Porém, o relativo desempenho econômico deste ciclo acaboupor atrair levas de migrantes de Minas Gerais, e tambémreinóis, que começaram a chegar nas últimas décadas doséculo XVIII. A influência de sua arquitetura se refletiria nasnovas fronteiras agrícolas abertas nas regiões além-Jundiaí,de Campinas para o norte e, também, no Vale do Paraíba,principalmente em sua porção do Caminho Novo daPiedade, e esse grande surto migratório acarretaria emmudanças profundas na arquitetura praticada, até então,

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29 PETRONE, M. T. S. Op. cit. 1968, p. 13.

30 CAMARGO, M. D. B. de. São Paulo moderno: açúcar e café,escravos e imigrantes. In: Terra Paulista, A formação do Estadode São Paulo, seus habitantes e os usos da terra. São Paulo:CENPEC/Imprensa Oficial, 2004, p. 104-5.

31 Idem, ibidem, p. 108.

32 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Op. cit., 2005, p. 55.

33 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 75.

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em território paulista, tanto no que se refere à escolha dastécnicas construtivas quanto aos aspectos formais eprogramáticos das edificações.

O resultado da mescla desses repertórios definiria aarquitetura rural paulista dos tempos seguintes.

Características gerais das primeirasfazendas de açúcar paulistas

Os lucros advindos da exploração do ouro em Minas Geraispossibilitaram a São Paulo substituir a mão-de-obra indígenapor outra muito mais eficiente, a dos escravos africanos, oque influenciaria a dinâmica dos novos núcleos agrícolasrurais. Com o braço africano, as fazendas aumentariamsignificativamente sua produção e o conjunto de edifíciosseria ampliado, de acordo com as necessidades surgidas,além de serem erguidos casarões mais adequados ao novopadrão econômico e social dos proprietários.

A economia foi movimentada pelo dinheiro do açúcar, quepossibilitou a melhoria dos caminhos e dos portos por ondese escoava a produção agrícola, enfim implantada com êxito,nos moldes dos modernos sistemas de produção.34

As fazendas canavieiras em São Paulo, abertas no Vale doParaíba e nas terras mais planas da região de Campinas eItu, começaram como pequenas unidades, produzindo paraabastecer o mercado local, ao contrário das unidades doRio de Janeiro e do Nordeste brasileiro. Mas mesmo depoisde tornarem-se grandes unidades produtoras eexportadoras, tendo o açúcar como o principal produto,continuaram fabricando também rapadura, melado eaguardente, além de gêneros alimentícios, como milho,feijão, arroz, toucinho, etc., para o seu próprio consumo epara a comercialização. Essa característica permaneceria nasgrandes unidades de produção rural paulista até adiantadoo século XX, fossem elas canavieiras ou cafeicultoras, e serefletiria na sua organização espacial, como se verá adiante.

Até essa primeira expansão canavieira, pouco se sabe dasfazendas paulistas, pois as edificações remanescentescertamente não refletem as suas características originais.Supõe-se que a maioria era simples e pequenas, voltadaspara um cultivo destinado à própria subsistência e aoabastecimento dos mercados locais. Quando muito,produziam para o abastecimento das tropas que passavamrumo às minas. O mesmo não se pode afirmar daquelasfazendas em que restaram os grandes casarões dearquitetura bandeirista, que devem ter tido um programamais complexo e tiveram significativa produção de trigo.

Como salienta Lemos, não há como afirmar, mas apenassupor, sobre as características dessas propriedades ruraispaulistas do período anterior ao advento da grande lavouracanavieira, pois inexistem informações suficientes nosrelatos conhecidos de viajantes, nem na documentação

pesquisada, sobre elas. Presume-se que o núcleo dessapropriedade rural devia ser fragmentado em váriasedificações, tendo como centro a casa do proprietário.Geralmente, para a sua implantação escolhia-se um localpróximo a ribeirões ou nascente de água, à meia encosta.

As longas visuais eram importantes, pois havia interesseem se avistar do alpendre os movimentos de escravos,o deslocamento dos carros, os eventuais transportespelos cursos de água – enfim, a localização da casadeveria permitir a observação ou o controle das lidescotidianas e da presença dos escravos e agregados. (...).Talvez não existisse ainda no mundo mameluco oterreiro organizado à moda portuguesa – o terrenoplano em torno do qual se dispunham as dependênciasdos diversos serviços e misteres da vida rural (...). A forçamotriz hidráulica era usada apenas nos monjolos e nosraros moinhos de fubá, estes já de influência mineirano fim do período colonial, ao tempo do açúcar.35

Das edificações que compunham esses assentamentosrurais paulistas, como salientamos anteriormente, sórestaram algumas casas senhoriais e uma ou outra capela,todas na bacia do rio Tietê, no território estabelecido entreItu e Mauá, passando pelas cidades de São Roque, Sorocaba,Cotia São Paulo e Santo André. A essa arquiteturaconvencionou-se chamar de bandeirista.

A arquitetura residencial desse período é o que interessa aesse estudo, pois traz em si lições que permaneceriam emmuitas casas construídas no século XIX. Entre as suasprincipais características podemos mencionar a construçãosobre terraplenos artificiais, o uso da taipa de pilão e atradicional planta cuja origem suscita, até hoje,discussões.36

A planta quadrada ou retangular, já bastante discutida eestudada por vários historiadores, caracterizava-se por umafaixa fronteira constituída por um alpendre central ladeadopor dois cômodos: o abrigo para viajantes e a capela. Aseguir, a sala central envolvida por diversos cômodos,dormitórios e despensas. Na maioria dos inventários deépoca observa-se que a cozinha era externa a essa plantabásica, porém isso não se constitui regra geral nas casasrurais paulistas dos primeiros séculos. Por vezes, nasdescrições de outros inventários, aparecem as cozinhas junto

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34 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Op. cit., 2005, p. 55.

35 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 46.

36 Sobre esse assunto ver: BRUNO, E. S. O Equipamento da CasaBandeirista. São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico,Prefeitura Municipal de São Paulo, 1977; LEMOS, C. A. C. . Op.Cit., 1999; e, ZANETTINI, P. E. Maloqueiros de barro e seuspalácios: o cotidiano doméstico na casa bandeirista. São Paulo:MAE-USP, 2005.

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 13

às casas. Isso ocorre também em relação à técnica da taipade pilão, que nunca foi uma exclusividade entre os paulistas:nesses mesmos inventários há casas descritas como sendode pau-a-pique; infelizmente nenhuma dessas, por seremmais frágeis, se conservou até os dias atuais.

As unidades agrícolas nas zonas de predomínio37 da lavouracanavieira, de meados do século XVIII até meados do séculoXIX, contariam com algumas inovações e outras tantaspermanências em relação a esses primitivos núcleos ruraisbandeiristas.

Segundo Lemos, no quadrilátero do açúcar manteve-se atradição do caráter pulverizado de edificações independentesdistribuídas ao redor do casarão, ao contrário do queocorreu no litoral paulista e alguns engenhos nordestinos,onde a casa senhorial estava anexada às instalações defabrico de açúcar. O homem do planalto mantinha, assim,o modo das antigas unidades rurais que aprendeu aconstruir em duzentos e poucos anos.38

Almeida, em “Casas Grandes e Senzalas de Sorocaba”,relata alguns aspectos dessas novas casas rurais paulistas:

A sala de jantar é nome moderno. Sempre se diziavaranda, talvez porque nunca levava fôrro e, às vezes,era mesmo aberta. Quando muito se dizia sala dedentro, por contraste com as duas salas de fora. Essaonomástica não é sem significado. Qualquerdesconhecido era recebido na sala de fora. Na de dentro,a família e os íntimos. Diz-se ainda hoje: aquêle que jápassou da porta do meio para dentro... 39

Almeida segue nos informando que, segundo as tradiçõesorais, a varanda era local de trabalho de senhoras e escravas,embora, às vezes, separadas, porém sempre conversando.Trabalhos de agulha, de renda de bilros, de fiação, tear depano (horizontal), tear de rêde e baixeiro (vertical),preparação de doces etc.40

Figura 9 - Planta da casa do Sítio doMandu, Cotia. Desenho: V. Benincasa,baseado em levantamento original deLuís Saia.

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37 Predomínio porque também havia na mesma região, chamadade Quadrilátero do Açúcar, muitos proprietários rurais que sededicavam ao comércio de muares.

38 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 76.

39 Idem, ibidem, p. 80.

40 Idem, ibidem, p. 80.

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Ele faz outra descrição importante da fazenda de CláudioMadureira Calheiros, que se situava às margens do rioSorocaba. O casarão, o maior de Sorocaba, na época, erado século XVIII:

No terreiro da frente havia, de um lado, as senzalas, aspequenas casas de telha para a família, paredes-meia.(...). Mais abaixo passava o rio que tocava o engenho. Éexatamente o triângulo, como gostam de dizer osescritores do Nordeste: casa grande, senzala eengenho.(...). O engenho compreendia quatro casas:do engenho, das fornalhas, dos cochos ou de purgar, edepósito de açúcar e estanco de pinga, este fechado achave. (...). Mas a sala de fora, sem corredor, abrindodiretamente para o terreiro, e muito grande, era o pontode reunião dos escravos para as orações diárias damanhã e da noite, e canto do terço aos domingos, emuitas vezes, na semana. Sino tocava às 5 horas damanhã e o senhor em pessoa esperava a escravaria nasala de fora, para responder ao ‘Sussuncristo, Sinhô‘ epresidir às orações, que embora curtas eram quase sóbenditos cantados (...). O tal salão de fora era forradoe no teto havia pinturas e dourados. Soalho de ladrilho.Muitos quartos forrados, com soalho de sobrado. Daíserem altos os pés direitos. A varanda, na fazenda nãodiziam sala de jantar, era enorme. Nela trabalhavammucamas, velhas de estimação junto com as sinhás.(...). A cozinha em lanço separado, muito grande, comum enorme fogão de pedra e sem chapa, ao modoantigo. Não, não havia dentro um córrego com emcertos conventos e casas de outras regiões do país.Havia era um barrião roubado ao estanco do engenho,e as pretas o dia todo despejando nêle água de barrís

menores, trazidos à cabeça e do córrego próximo, aofundo do pomar.41

Desse trecho podemos destacar a menção aos novosequipamentos da unidade rural paulista, senzala e engenhoe, também, uma inovação no casarão, em relação às velhascasas bandeiristas: o fato de o “corredor”, o antigo alpendreentalado, ter sido fechado e transformado na “sala da frente”.

Um dos principais fatores responsáveis pelas alterações naspropriedades rurais paulistas, nesse período, é a chegadade grande leva de pessoas advindas de Minas Gerais eatraídas pela possibilidade de riqueza gerada pelas frentesagrícolas abertas em território paulista.

O primeiro grande contingente de mineiros ocupa as terrasao norte de Campinas, dentro do quadrilátero do açúcar,na segunda metade do século XVIII, em zona cujopovoamento havia se dado pouco antes. Já os paulistas oudescendentes destes – os chamados torna-viagens –preferiram se estabelecer nas zonas de ocupação maisantiga, como Itu, Porto Feliz, Sorocaba e arredores. Destamaneira criaram-se dois núcleos de povoamento “mineiro”,por assim dizer, dentro do chamado quadrilátero, cujasinfluências se refletirão de maneira diferenciada naarquitetura rural de cada uma delas.

Na região de Itu e arredores, a arquitetura bandeirista seria,a princípio, pouco alterada; na outra - a de Campinas,

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41 LEMOS, Carlos A. C. Op. cit., 1999, p. 76.

Figura 10 - Planta da casa daChácara do Rosário, Itu. Desenho:V. Benincasa. Fonte: LEMOS, C.A. C. Op. cit., 1999, p. 130.

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 15

Piracicaba e arredores - a interação entre os modos de construirpaulista e mineiro se agregariam, criando soluções novas.

Nessa zona de predominância paulista, dentre as casas ruraisconstruídas no período podem-se destacar, em Itu: a casada chácara do Rosário, construída por volta de 1760, a doSítio de Nossa Senhora da Conceição, de 1763 e a da fazendaCapoava, do final do século XVIII; e, em Sorocaba, a casa dachácara do Quinzinho, construída na década de 1780. Todaselas têm em comum o fato de terem sido construídas porpaulistas que abandonavam outras atividades exploratóriase se fixavam, dando início ao cultivo da terra, em especial oda cana-de-açúcar e a criação de gado.

Em linhas gerais, essas casas mantêm os mesmos aspectosdas casas bandeiristas, o emprego da taipa de pilão e, emparticular, a característica fachada com o alpendre entaladoentre dois cômodos. Uma diferença fundamental,provavelmente novidade trazida das terras mineiras, é apresença da zona de serviços não mais separada do corpoprincipal, mas acoplada à edificação, formando o partidoque seria o mais tradicional na zona rural paulista no séculoseguinte, a planta em “L”. Na chácara do Rosário e tambémna sede da fazenda Vassoural, construídas na segundametade do século XVIII, aparecem as janelas de verga dearco abatido, muito difundidas em Minas Gerais, umanovidade então recém-chegada de Portugal.

Outra diferença entre as casas desse período e as do períodoanterior é salientada por Corinto Luís Ribeiro:

(...) se encontra no apuro do acabamento de carpintaria,com demonstrações de arte mista do português comíndio, no aparecimento dos entalhes, cuja função é

meramente plástica, decorativa, deixando de serapenas funcional.42

Lemos também destaca, além dos aspectos ornamentais, amaior altura dos cômodos, alguma alteração na modulaçãodas aberturas, o emprego do assoalho elevado do solo, paraventilação, e modificações na estrutura dos telhados:

Agora não mais puxados escondidos sob o beiral daágua mestra, mas prolongamentos da construçãofazendo ângulo reto com o corpo principal e criandorincões, ou águas furtadas, exeqüíveis graças a calhasde madeira, cujos canais eram esculpidos em longaspeças a serem apoiadas nos frechais. Muita influênciamineira, mas na maior parte das vezes, mineiridadestrazidas na bagagem de paulistas retornando à pátria,como no caso das janelas recurvadas da casa doengenho do Rosário, dos Pachecos de Itu, cujofundador chegou de Minas por volta de 1756 (...).43

A influência luso-mineira alterou profundamente o partidoarquitetônico rural paulista, embora fosse, a princípio,resguardada a técnica da taipa de pilão acrescida, porém,das inovações do uso do assoalho elevado do solo, feitocom tábuas largas amparadas em grossos barrotes, comofoi visto anteriomente.

Figura 11 - Casa da Chácara doRosário. Foto: V. Benincasa.

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42 RIBEIRO, L. C. Um jeito bandeirante de morar. In: FazendasHistóricas em Itu: presença bandeirística. Itu: Fazenda Capoava;São Paulo: CENPEC, s/d, p. 03.

43 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 128.

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Naquelas regiões em que os mineiros acabaram sendo amaioria, mas que também houve a presença de um númerosignificativo de portugueses recém chegados, na zona deCampinas para o norte, a influência luso-mineira foi umpouco mais acentuada. Ali, prevaleceram as edificaçõesrurais acompanhando o desnível do terreno, casa térreaatrás e assobradada na frente. Exemplos dessa novatipologia de construção são encontrados em várias regiões,como a casa da fazenda Pinhal, em São Carlos, e da fazendaMilhã, em Piracicaba, ambas da primeira metade do séculoXIX. Houve também o sobrado “ortodoxo”, com o pisotérreo e o piso elevado, plantado no terreno em nível, comoo engenho Salto Grande, em Americana, porém essatipologia não foi tão usual como a anterior, como salientaLemos.

Esse engenho de Americana foi construído pelo mineiroManuel Teixeira Vilela, que comprou as terras em 1799,

registrando-as em cartório em 1809. O sobrado possui asparedes externas e a mestra, ao centro da edificação, emtaipa de pilão. As demais paredes, divisórias, sãode taipa de mão. No térreo, a planta concentra as atividadesde trabalho, principalmente aquelas domésticas; no pisosuperior, a tradicional divisão entre a parte íntima e asocial: salas e alcovas destinadas a hóspedes e, em localmais reservado, a sala de jantar e os dormitórios dosmoradores.41

A solução desse tipo de sobrado era pouco comum, à época,em São Paulo. Daí supor-se que já seria uma contribuiçãodos novos moradores vindos de Minas Gerais, ou deportugueses. Há outros indícios “mineiros” nessa

Figura 12 - Engenho Salto Grande,Americana. Aquarela de Hércules Flo-rence. Fonte: LEMOS, C. A. C. Op.cit.. 1999, p. 85.

Figura 13 - Engenho Salto Grande,Americana. Fonte: LEMOS, C. A. C.Op. cit., 1999, p. 87.

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44 LEMOS, Carlos A. C. Op. cit., 1999, p. 88.

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 17

edificação como, por exemplo, o forro de esteiras de taquarae guarda-corpos de escadarias com balaústres torneados.

Quanto à implantação, observa-se pela primeira vez, emSão Paulo, um lanço de cômodos ligado ao casarão, seguidode outro, perpendicular ao primeiro. O primeiro lançodestinava-se, provavelmente, a diversas atividades comoselaria, ferraria, depósitos, fabrico de alimentos e, talvez,também a acomodações para hóspedes de baixo estratosocial, além de escravos de dentro. No segundo lanço, asenzala propriamente dita.

Essa prática de justaposição de um longo correr decômodos à construção principal pegou e se repetiu àexaustão, proporcionando o aparecimento dochamado “quadrado”, vasto pátio formado a partirdo ângulo definido por aquelas duas alas e por doismuros altos, às vezes um deles também de arrimo, (...).Nesse “quadrado”, sempre havia um portão reforçado,talvez para prender animais, quem sabe cachorros bra-vos, quem sabe para guardar produtos da colheita demantimentos.45

Essa prática se difundiu e seria comum nas fazendas decafé até quase findo o século XIX, principalmente nasregiões de Campinas e no Vale do Paraíba.

Pode-se afirmar que essas casas de partido assumido pelameia encosta foi a grande contribuição dos mineirosatraídos pela lavoura canavieira. Casa assobradada na frentee térrea nos fundos satisfazendo a um novo programa deuma sociedade em que paulistas e mineiros se aliaram e seirmanaram na nova frente de lavoura.46

Um dos exemplares mais antigos dessa tipologia em terraspaulistas é o casarão do Engenho do Tatu, em Limeira, cujaconstrução avalia-se ser do final da década de 1820. Oengenho foi fundado por Luís Manuel da Cunha Bastos,português proveniente do Porto, onde nasceu em 1788,mas crescido em Minas, em Vila Rica, onde recebeu patentena Companhia de Ordenanças. Em 1818 já era capitão emSão Paulo, sem no entanto receber soldo e dedicado aocomércio e à política. (...). Por volta de 1824 recebeusesmarias no chamado sertão de Piracicaba, zona de ricasterras, densas florestas e de população rarefeita, quase todaformada por pessoas sem posses e muitas fugidas dajustiça.47

Figura 14 - Planta da casa da Fazendado Tatu, Limeira. Desenho: MateusRosada. Fonte: LEMOS, C. A. C. Op.cit., 1999, p. 90.

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45 LEMOS, Carlos A. C. Op. cit., 1999, p. 88-9.

46 Idem, ibidem, p. 89.

47 Idem, ibidem, p. 89.

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Em seu inventário, de 1835, consta uma “morada de casas”,que provavelmente é a que chegou aos dias atuais. SegundoLemos, é construção do tempo do açúcar e apresenta porãode pouca altura no seu frontispício. A escada de alvenariaprovida de gradil de ferro é nova, substituindo a originalque teria sido de madeira.48

A casa do Tatu é imensa, e sua planta retangular. Possuidoze alcovas, três enormes dependências talvez de serviços,incluindo a cozinha; as salas fronteiras e mais quatrodormitórios. Ela sai dos padrões de época por ter somenteas paredes externas de taipa de pilão, as internas de taipade mão, fato ainda inédito na bacia do Tietê. A bateria dealcovas ao centro também era incomum, porém se tornaria

quase uma norma, anos mais tarde, nas casas de fazendasde café!

No Vale do Paraíba, poucas foram as edificações querestaram do período anterior ao ciclo do café. A fazendaPasto Grande, no bairro do Mato Grande é, por sua raridade,um dos mais importantes exemplares dessa época. A suasede, segundo o arquiteto e pesquisador Romeu Simi, foiconstruída por volta de 1770, por Pedro Pereira de Barros.No inventário desse senhor, de 1793, encontra-se a seguinteinformação: (...) que ela, Quitéria Maria da Fonseca Teles, era

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48 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 89.

Figura 15 - Fazenda do Tatu, Limeira.Foto: V. Benincasa.

Figura 16 - Fazenda do Tatu, Limeira.Foto: V. Benincasa.

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verdadeira Senhora e possuidora da metade de um sítio eterra, com Casa de Telha, com seis lanços, com sua engenhocade fazer Aguardente, cuja meação lhe coube por falecimentode seu falecido marido, Pedro Pereira de Barros (...).49

Desse trecho pode-se entender que a casa de telhamencionada é a que ainda existe na fazenda Pasto Grande,e os seis lanços correspondem aos seis cômodos básicosque a casa tem em seu desenvolvimento longitudinal (...).50

Em 1824, quando Pedro Pereira da Fonseca Telles, filho dofundador da Pasto Grande, comprou a parte de seus irmãos,a escritura de venda menciona a existência de um“Engenho”, não mais citando a “engenhoca”, o que,segundo Simi, significa que a fazenda já produzia café. O“engenho” designaria a casa de máquinas de beneficiar onovo produto. Ou seja, o caso exemplifica o que se tornariatípico na região: antigos engenhos de açúcar transformando-se em fazendas cafeicultoras voltadas para o comércio exte-rior. São Paulo inseria-se de vez no mercado mundial e issoexigia mudanças e adaptações na estrutura de suas unidadesprodutoras. E, por conseguinte, adaptações das suasedificações.

No inventário de Pedro Pereira da Fonseca Telles, de 1844,51

observa-se a existência de 16 escravos, alguns animais (12mulas, um macho, 2 cavalos, 1 boi de carro, 1 vaca, 24cabeças de porco, uma besta arreada), e uma relação demóveis, entre os quais destacam-se utensílios para afabricação de açúcar e objetos destinados aos cultosreligiosos na capela interna da sede. No que se refere àsplantações aparecem: um mandiocal; 6.000 pés de cafés,sendo mil velhos; 6 alqueires de feijão; 6 alqueires de arroz;e milharais. É curioso notar que embora constassem, narelação dos bens, objetos para a fabricação do açúcar, nãose mencionam canaviais, nem há mais indícios de produçãode açúcar, ou, se houvesse, não era digna de nota.

Entre as edificações arroladas constam uma tenda deferreiro, casas de engenho, uma casa de tropa, dois paióise um rancho de palha, e um engenho de “socar café”.

Todas essas edificações foram construídas ao redor de umgrande pátio que acabou se transformando - quando afazenda deixou de cultivar cana-de-açúcar - em váriosterreiros de café. Uma foto antiga do núcleo central dafazenda mostra que o pátio central era todo circundadopor muro de taipa de pilão, como se constatou no local. Emseu interior estavam localizados os terreiros de café, emnúmero de quatro, e o casarão locado logo acima deles.

Os dois terreiros maiores que ficam na parte superior dopátio, junto ao casarão, foram feitos em 1890, ao custo de11 contos de réis. Neles, foram consumidas 25.000 carroçaspara o nivelamento: Um é cimentado, e era usado para darponto no café e o outro é atijolado. Os de terra eram usadospara murchar o café. O terreiro menor, de cima, foi atijoladoem 1933 (...).52

Atrás do casarão, em uma antiga foto do início do séculoXX, nota-se um outro pátio que, de acordo com o artigo deSimi e com os inventários, servia às tropas, e onde ficavamo pomar e a horta, protegidos por cerca, ao que parece debambu. O pequeno edifício que se observa acima do casarão,era o quarto das tropas, que existiu até 1943 e já constavano inventário de Pedro Pereira da Fonseca Teles de 1844.Na parte inferior, abaixo dos terreiros, aparecem outrasedificações, uma das quais parece ter sido a mencionadatenda de ferreiro, e que possuía alguns foles, bigorna, fornoe as respectivas ferramentas, como martelos, malho, etc.Ainda faziam parte do conjunto, em 1844, um rancho depalha, dois paióis e o engenho de socar café.

O casarão da Pasto Grande possui uma disposição decômodos e um desenho de fachada incomuns entre aquelassedes de fazendas que restaram desse período do açúcarno Vale do Paraíba paulista.

Nela não há a simetria do neoclássico, com a porta deverga de arco pleno no centro da composição. Nela háenvazaduras de vergas arqueadas, típicas da versãotropical da arquitetura pombalina aqui introduzida noséculo XVIII.53

As paredes externas do corpo principal são de taipa depilão. Já as paredes internas e do anexo de serviços foramerguidas com a técnica do pau-a-pique ou taipa de mão,combinação que se tornaria comum no século XIX em todoo Vale do Paraíba e também na região Central. Em suaplanta, o salão independente com uma única porta voltadapara os terreiros, na extremidade esquerda do casarão, serviacomo tulha e tinha, até recentemente, o chão original deterra batida. Ali se guardavam os cereais produzidos naFazenda: milho, café, feijão, arroz, etc., onde havia tambémuma liteira guardada.54 Apegada a ele, voltada para o pátiodos fundos do casarão, ficava a casa de arreios, também semcomunicação com o interior da habitação.

Ao seu lado, está a despensa da casa, onde se guardavamas carnes salgadas, o sal, e os demais mantimentos. Esta secomunicava por uma porta com o quarto das raparigas, ouescravas de dentro, que, por sua vez, ficava junto ao quartodas filhas. Todos esses cômodos eram originalmente deterra batida.

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49 SIMI, R. Sede de Fazenda. In: Revista Acrópole nº 351. SãoPaulo: Max Grunewald & Cia, junho de 1968, p. 21.

50 Idem, ibidem, p. 21.

51 Inventário de Pedro Pereira da Fonseca Telles, de 1844.

52 SIMI, R. Op. cit., p. 21.

53 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 113.

54 SIMI, R. Op. cit., p. 24.

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Na parte fronteira da edificação, aparece o grande salãolongilíneo, forrado e com piso de soalho feito com tábuastrabalhadas a enxó, que tem um oratório ao fundo e, nasua lateral, cinco alcovas. A alcova próxima do oratório eraa ocupada pelo padre Joaquim Pereira de Barros, irmão dofundador da fazenda; a do meio, a destinada a visitantes; eas demais eram para familiares e os filhos do fazendeiro.

Os donos da fazenda ocupavam o quarto da frente, comporta voltada para a sala de entrada. O salão era o local emque ficavam as pessoas durante as missas, além de serocupado, segundo Simi, por escravos doentes. Segundoconsta, não houve senzala na fazenda e, realmente, nãoaparece nenhuma nos dois inventários já mencionados. Osescravos ficavam alojados em casas isoladas, de pau-a-pique, que não sobreviveram ao tempo.

A sala de entrada funcionava, ao mesmo tempo, comorecepção aos visitantes e escritório: tinha o piso atijolado (o

Figura 17 - Planta da Fazenda PastoGrande, Taubaté. Desenho: V.Benincasa. Fonte: Simi, R. Acrópoleno. 351, p. 22.

Figura 18 - Casarão da Fazenda PastoGrande, Taubaté. Foto: V. Benincasa.

ladrilho hidráulico do tipo mosaico atual foi colocado em1924). Em direção aos fundos, está a antiga varanda, ousala de jantar, onde se faziam todas as refeições. Nela fo-ram mantidos o piso atijolado e a ausência de forro. Aliás,o único cômodo originalmente forrado desse casarão era,mesmo, o grande salão do oratório.

O anexo de serviços constituía-se de um grande salãoocupado pela cozinha. Era um espaço único, de terra batida.Posteriormente foi subdividido: não havia as despensas aofundo, e o fogão ficava no local hoje ocupado pelo banheiro.Comunicava-se internamente com a sala de jantar e a portaexterna, a mesma de sempre, abria-se para o pomar doscachorros caçadores de veado (50 a 70 cachorros – 25 trelas).55

O principal elemento dessa casa é, sem dúvida, o grandesalão de usos múltiplos. Como bem destacou Lemos, podemesmo ter sido uma variação da habitual varandaalpendrada, que freqüentou, não raro, as casas rurais

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 21

brasileiras e portuguesas.56 Teria sido uma adaptação aoclima mais frio de planalto acima? É uma hipótese a serconsiderada. O fato é que soluções semelhantes de usodesse grande salão longilíneo com capela ao fundo ealcovas em uma de suas laterais foi utilizada em algumascasas de fazenda do Sudeste brasileiro da primeira metadedo século XIX.57 Mas, como restam poucas casas do séculoXVIII, não se pode afirmar que isso tenha sido usual outenha se constituído em uma característica do período.

Muitas dessas antigas edificações foram demolidas oureformadas durante o período da cafeicultura. Um caso típicoé o da fazenda Pinhal, em São Carlos. Essa fazenda surgiu desesmaria adquirida ao final do século XVIII pelo Capitão CarlosBartolomeu de Arruda, residente em Piracicaba. No entanto,a fazenda só veio a ser demarcada em 1831, por seu filhoCarlos José Botelho. As primeiras atividades foram o fabricode açúcar, aguardente e criação de gado.

A casa, segundo tradição oral, foi iniciada em 1830, porCarlos José. Posteriormente, a fazenda passou a pertencerao seu filho, Antônio Carlos de Arruda Botelho, o futuroConde do Pinhal.

Sua planta original apresentava solução em L, e foiimplantada à mineira, ou seja, aproveitando o desnível doterreno. O partido de sobrado na parte frontal foiconseguido, além do desnível natural, pela execução de umpequeno corte no terreno. O embasamento dessa parteoriginal da casa, curiosamente, é de taipa de pilão. Não seconhece outro exemplar, nessa região do Planalto Ocidentalpaulista, que tenha utilizado a técnica do barro socado emsua execução. O restante das paredes, inclusive as externas,são de taipa de mão.

O pavimento superior era dividido em espaço da família ede visitantes. Estes, no entanto, ficavam separados dosmoradores, abrigados em alcovas junto ao salão da capela:aqui ocorre a semelhança com a casa da fazenda PastoGrande. Nesse salão se recebiam tropeiros, amigos e chefespolíticos.58 Nele, também, as pessoas se reuniam para assistiràs cerimônias religiosas. Ocasionalmente, também serviade dormitório improvisado para os familiares do Conde doPinhal, uma vez que a casa possuía poucos aposentosdestinados a esse uso.

A parte fronteira da casa é ocupada por três salas e algunsdormitórios. Há dúvidas quanto ao fato da atual sala dejantar fazer parte da construção original, pois as suasparedes, hoje, são de tijolos, e não de taipa de mão. Serianecessário fazer-se uma escavação para confirmar se oalicerce de taipa de pilão avança em direção a ela, ou não. Oforro, no entanto, tem a mesma estrutura da parte originalda edificação, inclusive com um barrote em uma de suas

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55 SIMI, R. Op. cit., p. 25.

56 Sobre esse assunto ver o interessante estudo de JoaquimCardoso, “Um tipo de casa rural do Distrito Federal e Estado doRio”, in: Arquitetura Civil II. São Paulo: FAU-USP/MEC-IPHAN, 1975.

57 Esse tipo de salão aparece nas plantas, entre outras, dasfazendas São Fernando (em Vassouras), Ribeirão Claro (em BarraMansa), Ribeirão Frio (em Barra do Piraí), e também na fazendaPinhal em São Carlos, no interior de São Paulo. Ver: TELLES, A.C. da S. O Vale do Paraíba e a Arquitetura do Café. Rio deJaneiro: Capivara, 2006.

58 BENINCASA, V. Velhas Fazendas. Arquitetura e Cotidiano nosCampos de Araraquara, 1830-1930. São Paulo: Imesp; São Carlos:Edufscar, 1998, p. 296.

Figura 19 - Casarão da Fazenda Pinhal.Foto: V. Benincasa.

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laterais, indicando que pode ter havido ali um alpendre,embutido no corpo da edificação. Infelizmente, as reformasdo final do século XIX, para ampliação da casa, e a falta deantigas descrições conhecidas, sobre ela, só permitemsuposições.

O certo é que as dependências de serviço ficavam isoladas,como era de costume nas antigas casas paulistas, do séculoXVIII para trás. Só quando da reforma mencionada é que seconstruiu um lanço de cômodos unindo-as à casa.

Esse período - de acomodação entre a tradicional arquiteturarural praticada em terras paulistas e as inovações trazidaspelos novos moradores vindos de Minas Gerais - produziumuitos exemplares que chegaram aos dias atuais e ajudama compreender a arquitetura rural praticada no período depredominância do café.

É na primeira metade do século XIX que aparece uma soluçãode planta que define bem essa simbiose ocorrida entre astradições paulista e mineira na arquitetura das sedes rurais:a incorporação do anexo de serviços ao corpo principal docasarão. Com poucas alterações, ela apareceria em váriasregiões paulistas, tanto em engenhos de açúcar, como emfazendas cafeeiras. Mas não só:

As barreiras se afrouxam: a convivência entre senhorese escravos, dentro da casa, foi se dando aos poucos e,mesmo cômodos antes apartados, como o quarto dehóspedes, vão sendo cada vez mais inseridos dentro dacasa. Os limites de acesso ao seu interior vãodiminuindo, porém não deixam de existir.59

Essas casas vão apresentar a tradicional forma de plantaem L, ou seja, corpo principal retangular com o anexo de

Figura 20 - Planta do casarão daFazenda Pinhal. Desenho: M. Rosada.

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CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO ANTES DA CAFEICULTURA 23

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59 BENINCASA, V. Op. cit., 1998, p. 300.

60 LEMOS, C. A. C. Cozinhas, etc. São Paulo: Perspectiva, 1976,p. 91.

61 BRIOSCHI, L. R. Fazendas de Criar. In: BACELLAR, C. de A. P.;BRIOSCHI, L. R. (org.). Na Estrada de Anhangüera. Uma visão re-gional da história paulista. São Paulo: Humanitas Publicações FFLCH/USP, 1999, p. 59.

62 Idem, ibidem, p. 60.

63 FREITAS, D. C. A. Arquitetura Rural no Nordeste Paulista:Influências Mineiras 1800-1874. São Paulo: Fundação Escola deSociologia e Política de São Paulo/USP (dissertação de mestrado),1986, p. 64.

64 Ver: D’ALINCOURT, L. Memória sobre a Viagem do Porto deSantos à Cidade de Cuiabá. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:Edusp, 1975; e também, SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem àProvíncia de São Paulo. São Paulo: Livraria Martins, 1940.

serviços aos fundos. Nelas se pode observar também ecosdaquela arquitetura bandeirista na disposição de uma faixafronteira em que aparecem três salas. Logo a seguir, apareceoutra faixa intermediária em que se dispõem as alcovas e,ao fundo do corpo principal, a varanda, ou sala de jantar.Bons exemplos dessa nova disposição são as casas dasfazendas Milhã (1850), em Piracicaba, do engenhoChapadão (da primeira metade do século XIX), emCampinas, ou da fazenda Saltinho (meados da segundametade do século XIX), em Itirapina. Nos dois primeiroscasos, permaneceu a técnica da taipa de pilão nas paredesexternas; no caso da Saltinho, por estar em área onde ainfluência mineira se deu de forma mais acentuada, ocorremas paredes externas de pedra entaipada. Todas, no entanto,apresentam paredes internas de pau-a-pique. Sobre aFazenda Milhã, Lemos escreveu:

É uma casa muito interessante e, sem dúvida algumaestá diretamente filiada à arquitetura tradicionalbandeirista, sendo um dos últimos exemplares queconhecemos dessas casas paulistas vinculadas aos velhospartidos – casas não mais ortodoxas no seuplanejamento original, mas ainda demonstrandovínculos com as gerações anteriores e compromissoscom os novos modos de vida roceira. 60

Isso pode ser aplicado a muitas das casas desse período edessas regiões paulistas em que a cultura da cana-de-açúcarfloresceu e conviveu, por algumas décadas, com a cafeicultura.A arquitetura e a implantação dessas fazendas açucareirasmarcariam de maneira muito forte a fazenda de café quesurgia nos princípios do século XIX.

Ciclo do gado na Alta Mojiana

Há, entretanto, uma outra região em que a influência daarquitetura praticada em Minas Gerais foi muito maispresente: naquela situada ao norte de Campinas, de Moji-Mirim a Franca.

Até meados do século XVIII, essa região era pouco povoada,limitando-se a pequenos núcleos urbanos ao longo do antigocaminho de Goiás. No entanto, uma rede de caminhos nãooficiais já havia sido aberta, ligando o interior da capitaniamineira às novas lavras auríferas de Goiás e Mato Grosso,caminhos que se uniam à estrada oficial de Goiás, muitosdeles passando pelo nordeste paulista.

No final dos setecentos, por esses caminhos, ocorre umavanço das atividades pecuárias para além das fronteirasmineiras, invadindo o território paulista. Segundo Brioschi:

Esse período em que os entrantes mineiros povoaramo Nordeste Paulista foi uma época marcada peladecadência das minas de ouro e por um esvaziamentodas vilas e cidades formadas pela função da atividademineradora. Minas Gerais, que à época da mineração

já apresentava uma rede urbana desenvolvida,conheceu uma dispersão de sua população pelocampo, dando-se verdadeira “ruralização” dasociedade mineira. Dentro dessa conjunturaprocessou-se grande migração de mineiros para asCapitanias de São Paulo e Rio de Janeiro, fazendo crerem um avanço das atividades desenvolvidas no sul deMinas, para as Capitanias vizinhas e não simplesmenteuma forma de evasão à decadência mineradora.61

Já havia uma sociedade rural mineira que praticava umaagricultura diversificada e a pecuária de corte e de leite parao abastecimento das cidades. O exaurir das minas, ainda nodizer de Brioschi, liberando recursos e força de trabalho emabundância, propiciou a expansão da lavoura, da pecuáriae das manufaturas nas Minas Gerais.62

As terras férteis, o clima favorável, e a presença da estradade Goiás, ligando o Nordeste Paulista ao novo mercadoconsumidor recém-criado no quadrilátero do açúcar,segundo Freitas, também fazem parte do rol de fatores queincentivaram a fixação desses mineiros em solo paulista.63

Esse processo migratório pode ser comprovado também pelosrelatos dos viajantes D’Alincourt e Saint-Hilaire, que no iníciodo século XIX percorreram a região em direção a Goiás eMato Grosso, e encontraram muitas pessoas morando naregião, originárias de Minas Gerais, e que se dedicavam aocultivo de cereais como milho, feijão, arroz e cana-de-açúcar,à fabricação de queijos, de aguardente e açúcar, mas,principalmente, à criação de gado bovino e suíno.64

Não cabe aqui tratar da forma de ocupação dessas terras edos embates entre os antigos posseiros paulistas e os mineirosque chegavam com escravos e donos, já, de certa fortuna. Oimportante é a constatação da grande influência nos hábitos,na arquitetura, nas tradições que esses forasteiros deixaramem toda a região. Vindos, em sua maioria, do vale do rio dasMortes, região de São João del Rey, acabaram por se

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65 FREITAS, D. C. A. Op. cit., pp. 161-7.

66 Idem, ibidem, p. 168.

67 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, pp. 99 e 112.

68 Sobre essas fazendas trataremos mais detalhadamente nocapítulo 4.

69 FREITAS, D. C. A. Op. cit., p. 173.

estabelecer nessas terras e implantar fazendas de gado, alideixando sua descendência. Os antigos pousos ao longo docaminho de Goiás cresceram, e já no início do século XIXduas freguesias foram criadas: a de Franca, em 1805, e a doSenhor Bom Jesus da Cana Verde (Batatais), em 1815. Freitas,em seu trabalho sobre a arquitetura rural do Nordeste Paulista,baseada em intensa pesquisa em documentos do início doséculo XIX, mostra a expressiva presença de mineiros na regiãoe o seu papel fundamental na abertura de fazendas, nafundação de povoados. Famílias que teriam importante papelna história local, como os Garcia Leal, Garcia de Figueiredo,Diniz Junqueira, Pereira Lima, Alves Moreira, Barcelos, Faria,Martins, etc, todos procedentes das Gerais.

A situação que essas famílias encontraram no Nordestepaulista foi muito diferente daquela do quadrilátero doaçúcar: uma região já constituída, povoada e com o pesoda tradição paulista de séculos. Por outro lado, naquela osmigrantes se viram em meio a uma região praticamentedeserta, inculta, repleta de terras devolutas, fruto desesmarias concedidas e não ocupadas. Desse modo, elesforam os principais responsáveis pela criação de todos osseus aspectos socioculturais, transformando-a na maismineira das regiões paulistas.

Como resultado dessa ocupação, as unidades agrícolasconservaram da tradição mineira a destilaria e o engenhode açúcar, a casa de farinha, o monjolo, o paiol, a queijaria,o indispensável curral cercado de lascas de aroeira, e o cos-tume de se abrir grandes valos para determinar as divisas depastos e mesmo entre as propriedades. Essas eram ascaracterísticas das fazendas da Comarca do Rio das Mortes,e ainda hoje são visíveis nas fazendas da região.65

Freitas também afirma, e isso é facilmente comprovável,que essas fazendas herdaram das mineiras a técnicaconstrutiva, a implantação no terreno, o respeito àtopografia, a proximidade dos córregos, o rego d’águacorrendo entre as árvores do quintal e indo mover omonjolo ou a roda d’água ou ainda o engenho de serra.Este uso do rego d’água para mover estes equipamentos é,pelos antigos, chamado de engenharia mineira.66

Todos esses equipamentos e edificações, aí incluídas ocasarão e a senzala, se organizavam ao redor de um pátiode terra ou calçado de pedra, geralmente cercado porpaliçadas. Pátio de tradição portuguesa, com funçõesmúltiplas de organização do espaço, circulação, secagemde cereais ou guarda do rebanho. A religiosidade era marcasignificativa dos mineiros e em suas fazendas, quase sempreaparece a cruz latina, plantada num local próximo ao casarão.Esse foi um costume que se perpetuou e se tornou freqüenteem muitas das fazendas da Mojiana.

Hoje, os mais antigos desses casarões datam das primeirasdécadas do século XIX. Lemos destaca que essas casas

mineiras construídas em São Paulo não tiveram umaconstância no seu planejamento:

(...) as plantas assumiam as mais variadas disposições,contanto que sempre ficasse assegurada aquelaseparação de circulações, a íntima e a de cerimônia.Constante foi a opção: casa elevada do chão numa desuas extremidades, porão alto, estrutura autônoma demadeira e vãos estruturais preenchidos com adobes nosexemplares mais antigos. No embasamento, muros depedra. Nas paredes internas, taipa de mão. Quase todas,principalmente as mais velhas, providas de varandasalpendradas sob telhados de prolongo, varandas derecepção e às vezes servindo de nave para a capela.67

Na verdade, o historiador generaliza algumas característicasnem sempre presentes. O alpendre não foi tão usual assim- muitas delas são desprovidas desse elemento - e podem-se citar como exemplos as casas das duas fazendas de mesmonome, São José, existentes no município de Nuporanga; dafazenda São Pedro, em São João da Boa Vista; da Invernada,em Morro Agudo; da fazenda Floresta, em Mococa; fazendasCachoeira, Itatinga e São José, de Batatais, entre outras. Oadobe também não foi uma constante nas paredes externas,já que em muitas delas a técnica utilizada foi a taipa de mão.Quanto à disposição da planta, pode-se afirmar que houveum predomínio do partido em L: corpo principal atrelado aoanexo de serviços. Mas deve-se concordar que a variação égrande.68

Freitas, em seu estudo sobre a arquitetura rural da regiãode Batatais e Franca, salienta a existência, em algumas casas,do alpendre posterior, e também a influência das casas daComarca do Rio das Velhas, onde se entra diretamente nasala,69 o que reflete a inexistência de alpendre.

Muitas dessas antigas fazendas de gado se transformariamem fazendas cafeeiras, nas décadas seguintes. Os velhospátios e antigas dependências dos primeiros tempos seriamsubstituídos por terreiros de café, lavadores, tulhas, casas demáquinas de beneficiamento. Boa parte delas, no entanto,conservaria seus casarões, alguns intactos, outros com algumasalterações.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 25

Vale do Paraíba. O Início de Tudo...2

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 27

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1 MENDONÇA, A. M. de M. C. Memória econômico política daCapitania de São Paulo. In: Anais do Museu Paulista, XV. São Paulo,1961, p. 202. Apud: OLIVEIRA, J. T. de. História do Café no Brasil eno Mundo. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora Itatiaia Ltda, 1999,p. 256.

2 MONBEIG, P. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo:Hucitec, 1977, p. 95.

3 MARQUESE, R. de B. Moradia Escrava na Era do Tráfico Ilegal:Senzalas Rurais no Brasil e em Cuba, c1830-1860. In: Anais doMuseu Paulista, História e Cultura Material. Nova Série, nº 2, vol.13. São Paulo: USP, julho-dezembro de 2005, p. 170.

4 PRADO Jr., C. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,1977, p. 162.

5 TAUNAY, A. d’E. Notas sobre os primordios da lavoura cafeeiraem S. Paulo. In: Revista do Instituto do Café. São Paulo, Ano X, nº96, janeiro de 1935, vol. XIX, p.89.

6 OLIVEIRA, J. T. de. História do Café no Brasil e no Mundo. BeloHorizonte, Rio de Janeiro: Editora Itatiaia Ltda., 1993, p. 247-8.

7 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Evolução da Sociedade Escravista de SãoPaulo de 1750 a 1850. São Paulo: Edusp, 2005, p. 82.

8 Idem, ibidem, p. 86.

O movimento que introduziu a cafeicultura em São Paulo,segundo Monbeig, não foi brusco, nem brutal. Segundoele, foi o simples prosseguir de um avanço que se dava emterras fluminenses, continuando sua expansão natural pelovale do rio Paraíba, buscando novas terras para expansãode uma lavoura que se mostrava promissora. Lentamente,as lavouras de café eliminavam as de cana-de-açúcar,procurando terras menos cansadas, onde a produção e oslucros dela advindos seriam maiores.2 Na verdade, era maisque isso, seguia uma estratégia portuguesa de implantarem sua colônia o sistema altamente rentável das grandeslavouras comerciais, ou plantations, especializadas emprodutos tropicais, já experimentadas com sucesso nasAntilhas.3

O cafeeiro, assim como se dera na porção fluminense doVale do Paraíba, encontraria no lado paulista daquele vale,condições naturais muito próprias ao seu cultivo, com vastasporções de terrenos variando entre 400 e 900m de alti-tude, o que mantinha as temperaturas dentro dos limitesideais. A maior parte dessa região, no início do século XIX,ainda estava coberta por densas florestas, guardando solosmuito férteis, e o seu relevo acidentado possuía encostasprotegidas dos ventos, com boa insolação, o que erafavorável aos cafezais.4

É, assim, nessa região limítrofe com a Província do Rio deJaneiro que surgem as primeiras plantações comerciaisde café em solo paulista, ao final do século XVIII. As mudasvieram de Mendanha, Resende e São João Marcos, regiõesfluminenses já então importantes produtoras, adentrandopelo Caminho Novo, nas atuais cidades de Areias, Bananal,São José do Barreiro, Silveiras e Lorena.

Não foram, porém, as plantações pioneiras, pois já se podiamencontrar algumas plantações esparsas pela Capitaniapaulista, inclusive na própria capital, como demonstram asexportações registradas no porto de Santos, em 1787.Exportações ínfimas, como salientou Taunay.5 Tratava-se,evidentemente, do produto de plantações modestíssimas,de primeiras experiências com a desconhecida lavoura, quemuito provavelmente ainda não seguiam as novasorientações portuguesas.6

A aceitação da cafeicultura, porém, não foi fácil pelosfazendeiros paulistas. Depois de anos e anos de uma

economia acanhada, vivendo na dependência dos sucessosda exploração mineradora da Capitania de Minas Gerais, oVale do Paraíba paulista experimentava, então, os primeirossucessos com a lavoura canavieira. Os lavradores haviaminvestido alto para a implementação de seus engenhos enão lhes convinha abandoná-los de uma hora para outra.Assim, de início, o café em São Paulo não foi produzidopelas mesmas unidades produtoras de açúcar. O tempo entreo plantio das mudas de café e a primeira colheita era dequatro anos, em média. Ou seja, a espera entre o plantio eos primeiros lucros era muito longa, e esse foi um fatorpreponderante para que a cafeicultura paulista não sedesenvolvesse de imediato.7

Por outro lado, como os custos de plantio e debeneficiamento do grão não fossem tão caros, as primeirasroças de café acabaram sendo feitas por pequenosproprietários que se tornaram, deste modo, cafeicultores.Estes tinham a vantagem de poder plantar outras culturas,como milho, arroz, feijão, criar porcos, gado bovino, etc,com cujos rendimentos sobreviveriam até as primeirascolheitas.8

O Caffé da mesma sorte se vai fazendo hum artigo de Commercio concideravel; elle vegeta, e produz bem em toda aCapitania, (...). Tem de mais a mais esta excelente planta huma addição particular que deve fazer entrar em vistas deEconomia politica o animar a sua cultura pelo diminuto dispendio que faz ao Lavrador, que com pequeno numero de braçospode fazer huma colheita avultadissima.1

Antonio Manuel de Melo Castro e Mendonça, 1782

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Alguns dados, relativos às exportações através do porto deSantos, no período que vai de 1801 a 1807, mostram queentão a produção paulista era pequena, porém aumentavacontinuamente, bem como o preço que esta atingia nomercado mundial (ver quadro 1).

Quadro 1 - Exportações de Café pelo porto de Santos___________________________________________________

Ano Exportação (arrobas) Preço (mil-réis)1801 132 3$0001802 116 2$0001803 675 2$4001804 243 3$0001805 954 4$0001806 1.060 4$0001807 1.270 3$900

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Fonte: Revista do Instituto do Café. São Paulo,Ano X, nº 96, janeiro de 1935, vol. XIX, p.90.

Mesmo crescendo lentamente, a produção se ressentia dabaixa qualidade, em comparação com a produção de outrosprodutores internacionais. Havia um desconhecimento dastécnicas de beneficiamento dos grãos. Os preços, mesmoanimadores, não atingiam a cotação dos chamados cafésfinos produzidos em Cuba, Martinica ou Ceilão, porexemplo. Isso acabava limitando a sua expansão e nãodespertava o interesse dos grandes lavradores paulistas.

Aos poucos, porém, com a crescente melhoria das técnicasde beneficiamento, a aceitação do café brasileiro no mercadoeuropeu e americano foi crescendo. O aumento da demandado produto no mercado mundial foi definitiva para que aresistência dos lavradores de São Paulo fosse quebrada. Umoutro fator determinante para a evolução da cafeiculturano Brasil foi a lenta decadência dos cafezais de SãoDomingos, a partir de 1790, e a devastação das plantaçõescubanas por furacões, na década de 1830. A partir de então,o Brasil assumiu a liderança da produção mundial e, logono início da década de 1830, o café superaria o açúcar, e seconstituiria em metade do valor total das exportaçõesbrasileiras.9

Essa expansão começa a ocorrer efetivamente a partir de1815, quando houve uma verdadeira proliferação dasfazendas de café em São Paulo. Do Caminho Novo daPiedade as lavouras se espalharam por terras vizinhas ealcançaram o Médio e o Alto Paraíba, numa onda contínua,gerando riquezas, modificando toda a estruturasocioeconômica regional. Areias seria a principal produtoradessa fase inicial e se manteria nesse posto até cerca de1830. Em 1836, o surto de desenvolvimento populacionale econômico local fez com que novas vilas ganhassemautonomia; uma delas foi Bananal, que se emancipou deAreias, tornando-se, em pouco tempo, a maior produtorapaulista. Nesse mesmo ano, cerca de 2/3 da produçãopaulista de café provinham de fazendas do Vale do Paraíba.

Em dados sobre o ano de 1817, podemos observar quehavia, nesta região do Caminho Novo, por volta de 200cafeicultores, com algo em torno de mil escravos, produzindoaproximadamente cem toneladas de café. Em 1829, essenúmero sobe para quase mil fazendas, com cerca de 7.000cativos, que geraram 2.000 toneladas, juntamente comquantias significativas de outros produtos (milho, arroz,feijão, víveres, etc). Esse aumento pode ser explicado pelosaltos preços alcançados pelo café em 1822, o que motivouo surto de novas plantações e aquisição de escravos, alémde grande ingresso de agricultores na nova e promissoralavoura. E aqui já se nota uma inversão de valores: as grandespropriedades com número expressivo de escravosapresentavam números relativos de produção muito maioresque as pequenas propriedades, com pouco ou nenhumescravo. Era o sistema de plantação comercial com vistas aomercado externo se apoderando da nova lavoura, como jáocorrera com a cana-de-açúcar. A fazenda de café tradicionalherdava, assim, a forma de organização, de gerenciamentoe de mão-de-obra da cana-de-açúcar.

Segundo Luna e Klein, a maior parte das propriedades comnúmero expressivo de escravos, superior a quarenta, eramde pessoas originárias de fora da Província, vindos de MinasGerais, do Rio de Janeiro, onde já se iniciara a decadênciadas plantações e, também, de Portugal.10

Carvalho confirma esses dados ao nos informar sobre aprocedência de várias famílias que povoaram a região deBananal:

a) De freguesias e vilas do Vale do Paraíba e de outrasregiões de São Paulo: Cunha, São Luiz do Paraitinga,Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Mogi dasCruzes, S. José dos Campos, Areias, Mogi Mirim,Campinas e Sorocaba. Em época posterior vieramtambém de Silveiras e Barreiro;

b) De freguesias e vilas de Minas Gerais: Campanha,Sabará, S. João del Rei, São Tomé das Letras, Baependi,Carrancas, Pouso Alegre, Aiuruoca, Queluz de Minas;

c) De freguesias e vilas fluminenses: Angra, Parati,Jacuecanga, Ribeira Jurumirim, Aarão, e outras nessetrecho do litoral; Itacuruçá, Mangaratiba, S. João Marcos,Barra Mansa, Resende, Rio Claro, S. Fidelis, Cabo Frio;

d) Da cidade do Rio de Janeiro e seus distritos;

e) De Portugal e suas ilhas: Madeira, Açores, Faial; (...).11

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9 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Evolução da Sociedade Escravista de SãoPaulo de 1750 a 1850. São Paulo: Edusp, 2006, p. 82.

10 Idem, ibidem, p. 88.

11 RODRIGUES, P. de C. O Caminho Novo: Povoadores do Bananal.São Paulo: Governo do Estado, 1980, p. 63.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 29

O exemplo de Bananal serve para toda a região vizinha. Naverdade, como vários historiadores mencionam, essas vilase freguesias instaladas à beira do Caminho Novo,culturalmente, estavam muito mais ligadas ao Rio de Janeiroque ao resto de São Paulo.

Na primeira metade do século XIX, os lucros da cafeiculturaforam se tornando cada vez mais vantajosos, pela falta deconcorrência no mercado mundial. O principal obstáculopara um aumento ainda maior da produção encontrava-seno próprio Brasil: a cafeicultura dependia de melhoria nasestradas para agilizar e baratear o seu escoamento.

Para amenizar esse problema, ainda durante o governo deD. João VI criara-se um novo caminho, conhecido comoEstrada da Polícia, ligando Rio de Janeiro à Capitania deMinas Gerais. Era uma estrada mais ampla que as existentes,e por ela passaram a circular as tropas de burros, os carrosde bois e as seges. Por ela se escoava a produção para o Riode Janeiro. Logo outros caminhos se ligariam a ela,financiadas por capital particular, algumas sendo, inclusive,calçadas, feitas para permitir o melhor transporte do café eo ir e vir dos fazendeiros.12

Também é bom que se diga que o café não teria sedesenvolvido, nesses primeiros tempos, sem os tropeiros eos burros. Taunay afirma que: Sem a organização das feirasde Sorocaba apoiada na indústria eqüina do Sul do Brasil eregiões castelhanas adjacentes, a lavoura do café não teriapodido alcançar o enorme surto que lhe conhecemos, an-tes do estabelecimento da rede ferroviária”.13 SegundoPandiá Calógeras, o tropeiro:

Era um mensageiro da civilização. Era o homem quetinha ido à corte, ou pelo menos, a lugares nos quais setinha notícia do que se passava na corte. Nesse tempoem que raros jornais circulavam, sem assinaturas nointerior, linhas postais seriam escassas, quando nãoinexistentes, a tradição oral no interior valia como meioquase único de contacto com os acontecimentos dolitoral e do estrangeiro. Coisa muito semelhante aopapel que, na Média Idade, desempenhavammercadores ambulantes ou troveiros.

Por eles, chegavam ao sertão longínquo rumores dossucessos litorâneos, isto é, das alternativas políticas pelasquais tanto se interessavam os chefetes regionais, dospreços das mercadorias a comprar e dos gêneros avender. Por eles se faziam encomendas, não sendo dasmenos importantes as incumbências do elementofeminino das fazendas.14

O terreno acidentado da região fez com que se continuassea contar com o transporte em lombo de burro, mesmodepois do predomínio da cafeicultura por todo o vale

Figura 1 - Tropa carregando café.Marc Ferrez, 1881-86. Fonte:Catálogo da Exposição “O Café”. SãoPaulo: Banco Real/ABN AMRO Bank,2000, p. 41.

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12 MILLIET, S. Roteiro do Café e Outros Ensaios. São Paulo: Hucitec/Pró-Memória/Instituto Nacional do Livro, 1982, p. 252.

13 TAUNAY, A. d‘ E. História do Café. Rio de Janeiro, 1939/43, vol.IV, p. 361.

14 CALÓGERAS, P. Transportes Arcaicos. In: O café no segundocentenário de sua introdução no Brasil. Rio de Janeiro, 1934, p. 92.

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paraibano, já adentrado o século XX. Bem antes disso, em1847, o barão de Pati do Alferes, em suas célebres memórias,já preconizava que, sem tropa não se pode fazer fazendeirode serra acima.15 A aspereza dos caminhos que serpenteavampelas serras do Vale do Paraíba é, muito seguramente, arazão dessa permanência das grandes tropas de muares portanto tempo, e a análise de inventários de fazendeiros dediversas épocas comprova que o conselho do barão foisempre seguido naquelas paragens.

Na década de 1870, parte do problema de escoamento seriasanado. A ferrovia D. Pedro II, futura Estrada de Ferro Cen-tral do Brasil, cortaria a região, unindo o Rio de Janeiro àcapital paulista. Mas o transporte entre as fazendas e asestações, ou mesmo entre vilas não cortadas pelas ferrovias,continuaria a ser feita basicamente pelas tropas de muares.O seguinte trecho encontrado num livro sobre as tropas deburros do Vale do Paraíba, exemplifica bem o fato:

Filho de antigo fazendeiro do café e dono de tropas,José Antunes de Oliveira lembrou um fato significativoocorrido em 1926. Tendo seu pai comprado um dostrês carros de Guaratinguetá, foi com ele até sua fazendado Bonito, município de Lorena. Pela mesma estradavinha sua tropa de burros carregada de café. “O carrofoi que nem coisa-ruim pros burros. O madrinheiro foio primeiro a apear e se mandar pelo campo. Os burrostodos dispararam, derrubando as cargas. Papai encostouo carro e desligou o moto. Só assim conseguiram juntara tropa, arrumar a carga e seguir o caminho”.16

Na década de 1890, ramais férreos chegariam às cidades deSão José do Barreiro e Bananal. Era uma tentativadesesperada de salvar a região da derrocada final que seavizinhava, integrando-a à linha-tronco da Estrada de FerroCentral do Brasil. Significativamente, estes ramais ferroviáriospartiam de cidades fluminenses, e não paulistas: o deBananal saía de Barra Mansa e o de São José do Barreiro, deResende. Os trilhos chegaram a Bananal em 1889; e em1892, a São José do Barreiro. No entanto, a decadência emque já se achava o Vale do Paraíba, as lavouras cafeeirasproduzindo cada vez menos, determinaram a pouca duraçãode ambos.

A navegação costeira, naqueles primeiros anos de faustodo café em terras paulistas e fluminenses, também sedesenvolveu bastante. Ela facilitava o escoamento das safrase, como conseqüência, muitos portos marítimos sedesenvolveram, principalmente na enseada de Angra dosReis. Vários caminhos então foram abertos, outrosmelhorados, ligando as fazendas do vale aos portos do litoral,sempre percorridos pelas tropas de muares, transportandoas crescentes safras.

A riqueza gerada pela economia cafeeira se refletia em todosos setores em que se desdobra a existência de um povo.Importava-se como nunca mão-de-obra da África; o portodo Rio de Janeiro, o maior escoadouro do produto, tornava-

se um dos mais movimentados do hemisfério sul: em 1822,351 embarcações haviam ali aportado, 15 anos depois, em1837, o número subia para 693 cargueiros, a maior partedeles atrás do café.17

Um grande incentivo à produção brasileira foi o crescimentocontínuo da venda para os Estados Unidos, que cada vezimportavam mais o produto brasileiro. Recém independentesda Inglaterra, os americanos davam preferência decomercialização a outros mercados, que não os diretamenteligados ao interesse britânico. Em particular o Brasil,favorecido além do mais, com relação a eles, pela posiçãogeográfica.18 A cafeicultura paulista conseguia umimportante aliado no plano internacional, que lhe dariacondições excepcionais para um desenvolvimento contínuoe para a conquista de novos territórios.

Em 1809, foram exportadas para o mercado americano 1522sacas de café; em 1825, 16.925. Esses números aumentariamsobremaneira a partir de 1832, quando os Estados Unidosextinguiram as pesadas taxas que mantinham desde 1789sobre a importação do produto. O reflexo disso é que, em1840, as exportações brasileiras para o mercado americanopulavam para 296.329 sacas. O potencial de consumodaquele país era extraordinário, sendo que em meados doséculo XIX, quando o café se torna o principal produto dapauta das exportações nacionais, 50% de toda a produçãoé para lá enviado.

A conseqüência da boa aceitação do café brasileiro no ex-terior foi que, já em 1830, o país se tornava o maior produtormundial. Os números impressionam pela rapidez daexpansão da nova lavoura! Na década de 1820, o Brasilexportara 3.178.000 sacas, ou 18,4% do total dasexportações. Na década seguinte, exportaria 9.744.000,subindo para 43,8% das divisas que entraram no país.Mesmo com uma queda de preço no mercado mundial, oaumento da produção gerou uma espetacular fonte derendas para o país, recém constituído em nação livre.19

As exportações aumentavam ano a ano, e em 1848 atingiama cifra animadora de 1.710.715 saccas, sendo que 903.808seguiram para a Europa e 806.907 para os Estados Unidos.20

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15 WERNECK, F. P. de L. Memória sobre a fundação de uma Fazendana província do Rio de Janeiro. Brasília, Rio de Janeiro: SenadoFederal/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1985, pp. 82-3.

16 MAIA, T.; MAIA, T. R. de C. O folclore das tropas, tropeiros ecargueiros no Vale do Paraíba. São Paulo: Secretaria de Estado daCultura de São Paulo/Universidade de Taubaté, 1980, pp. 12-3.

17 OLIVEIRA, J. T. de. Op. cit., 1993, p. 260.

18 PRADO Jr., C. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,1977, p. 160.

19 OLIVEIRA, J. T. de. Op. cit., 1993, p. 261.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 31

A ascensão da cafeicultura e a falta de competitividade doaçúcar brasileiro deslocam definitivamente o centro daeconomia, do Nordeste para o Sul do Brasil. Assim, em 1852,as províncias do sudeste brasileiro despontavam como asmais dinâmicas do país, graças à cafeicultura.21 Quase 99%da produção brasileira se concentravam em apenas quatroprovíncias, como podemos observar nos dados abaixo:

Quadro 2 - Produção de Café Exportadopelo Brasil, em 1852

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Província Produção (arrobas) % do totalRio de Janeiro 7.193.000 77, 12São Paulo 1.289.375 13,825Minas Gerais 714.002 7,655Espírito Santo 108.088 1,159Bahia 18.829 0,202

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Fonte: Oliveira, J. T. História do café no Brasil e no mundo.Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Itatiaia, 1993, p.262.

A produção paulista, por sua vez, se concentrava no Valedo Paraíba, que, por cinqüenta anos, seria o principalcolaborador da riqueza gerada pela Província. O pontoculminante desse progresso da região situa-se entre os anosde 1854 e 1886. Mas já é visível a sua supremacia sobre orestante da província, nos valiosos dados estatísticosencontrados nos levantamentos de Daniel Pedro Müller,22 ondese podem observar alguns dos principais produtores paulistasde café em 1836 (ver quadro 3).

Por esses dados vemos que, apesar de também existir umagrande produção no litoral norte, era no Vale do Paraíbaque ela se concentrava fortemente. A zona Central ensaiavaos primeiros contatos com a rubiácea, com uma produçãorazoavelmente significativa. Outro dado importante: o caféjá chegara às longínquas regiões de Araraquara e Franca,então consideradas bocas de sertão, muito embora as cifrasainda fossem insignificantes, se as compararmos à produçãoque essas mesmas vilas viriam a alcançar décadas mais tarde.

Já no ano agrícola de 1850-51, o café ultrapassara o açúcarcomo principal produto de exportação no porto de Santos.23

Outros dados, de 1854, mostram que a produção paulistade café chegava a 51.000 toneladas, um expressivoaumento, e empregava cerca de 54.000 escravos, em 2.600fazendas. Quanto à importância regional, o Vale do Paraíbacontinuava na liderança, com 63% do total, mas dera-seum aumento importante na região de Campinas, com 22%da produção total. A média de escravos em ambas as zonasera a mesma, 24 escravos por fazenda. Esse era um númeroainda pequeno, se comparado com dados do final do séculoXIX quando, na Província do Rio de Janeiro, as fazendas decafé teriam uma média de 43 escravos. Também é precisolevar-se em conta que grande parte dos cafeeiros paulistas

– principalmente os do chamado Oeste - estavam em faseinicial de produção, não chegando a todo o seu potencial.A produção paulista aumentava, mas a província fluminenseainda era, então, a maior produtora e a mais rica dasprovíncias brasileiras, concentrando a mão-de-obradisponível.

Quadro 3 - Produção de Café em São Paulo, 1836___________________________________________________

Localidade Produção (arrobas)

Vale do ParaíbaAreias 102.797Bananal 64.822Pindamonhangaba 62.628Parnaíba 55.000Jacareí 54.004Lorena 33.649Taubaté 23.607Guaratinguetá 22.442

LitoralSão Sebastião 42.845Ubatuba 31.000Ilhabela 10.289

CentralCampinas 8.081Piracicaba 4.699Bragança 2.400Jundiaí 1.276Itu 1.052Moji Mirim 610

SertãoAraraquara 440Franca 211

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Fonte: Müller, D. P. Ensaio d´um quadro estatísticoda província de São Paulo. São Paulo: Governo

do Estado de São Paulo, 1978.

À medida que aumentava a produção das fazendas paulistas,o panorama ia se alterando. Em 1854, Bananal capitaneava

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20 SALLES, R. de A. Nosso café e a preoccupação da qualidade, nopassado. In: Revista do Instituto do Café. São Paulo, Ano X, nº 98,março de 1935, vol. XIX, p. 623.

21 OLIVEIRA, J. T. de. Op. cit., 1993, p. 262.

22 MÜLLER, D. P. Ensaio d’´um Quadro Estatístico da Província deSão Paulo. São Paulo: Governo do Estado, 1978, pp. 124-129.

23 OLIVEIRA, J. T. de. Op. cit., 1993, p. 267.

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a lavoura paulista. Em suas setenta fazendas, produziam-se 8 mil toneladas de café, utilizando para isso 7.600escravos. Campinas já era, então, a segunda maiorprodutora: possuía 177 fazendas produzindo 5 miltoneladas com 6.000 cativos. Ou seja, nas zonas em que ocafé dava mais lucros, crescia a população escrava, queconstituía cerca de 60 a 70% da mão-de-obra das fazendas.Mas não só: a população como um todo aumentavaexpressivamente, em São Paulo, pela chegada não apenasdos africanos, mas também de pessoas de várias partes doBrasil e da Europa, atraídos pela fama da cafeicultura, queia se espalhando. Os dados seguintes são expressivos eexemplificam bem a situação: em 1811, a população deSão Paulo em seus atuais limites era de 165.468 habitantes,e em 1836, de 284.012. Dezesseis anos mais tarde, em1852, passava a 468.839, e a 837.354, em 1872.24 Aoaumento da população, correspondia o aumento daprodução:

Quadro 4 - Produção de Café em São Paulo___________________________________________________

Ano Produção (sacas)

1801 1321802 1161803 6751804 2431805 9541806 1.0601807 1.270

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Fonte: Teixeira, J. T. História do café no Brasil e no mundo.Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Itatiaia, p.250.

O café permaneceria como a principal cultura do Vale atébem adiantado o século XX, embora depois de 1886 aprodução vá decrescendo pouco a pouco, sendo suplantadopor outras regiões da província paulista.

O plantio do café em longas linhas retas, de morro acima,não respeitando as curvas de nível, acabou provocando aretirada da camada de húmus que recobria a terra vale-paraibana. Foi uma decisão consciente dos fazendeiros, afim de se facilitar a fiscalização do trabalho escravo pelofeitor. Já se sabia que aquela forma de plantio, no soloacidentado do Vale do Paraíba, não era a ideal. Assim, anoapós ano, a produção cafeeira, ali na região, depois de umarápida ascensão, despencou. Pouco se fazia pela recuperaçãodo solo. Junte-se a esses fatos, também, o pouco interessedespertado pela mudança do trabalho servil pela mão-de-obra imigrante. A abolição da escravidão em 1888 foi, assim,um duro golpe numa lavoura que já se achava combalida.

Ao final do século XIX, o Vale do Paraíba constituía a exceçãono vigor econômico que demonstrava o restante da porção

povoada da Província, ao final do Império. O cafépraticamente abandonara as velhas terras do vale, passarapor Campinas e, agora, superado o centro-oeste, começavaa espraiar-se pelo nordeste e pelo Planalto Ocidental. O Valedo Paraíba, tão rico outrora, não soube, ou não pode,beneficiar-se do trabalho livre. Depois de 1880, a região foicada vez mais perdendo a importância no cenário dacafeicultura paulista:

Instalações antigas, capitais imobilizados em casas,engenhos, benefícios de toda a ordem; terras eescravaria hipotecadas aos estabelecimentos de crédito;produtividade em declínio nas terras cansadas; nãotinham as mesmas facilidades para a substituição debraços que gozavam as lavouras novas em climas ondeo europeu normalmente se adaptava.25

Características gerais das primeirasfazendas

Os primeiros tratados agrícolas sobre cafeicultura

Dos tratados sôbre a cultura do cafeeiro aquelleque a prática tem provado ser o melhor, he o deMr. de Laborie (...).26

Quando no Brasil se resolveu dar à lavoura cafeeira o statusde grande plantação, pouco se sabia sobre o trato com oarbusto e, menos ainda, sobre o seu preparo para acomercialização. Não por acaso, apesar dos apelos eincentivos do governo da Colônia para que se plantassecafé no Brasil, a aceitação não foi fácil. Somente quando sepercebeu que o açúcar já não era um produto com mercadogarantido internacionalmente é que os lavradores brasileiros,principalmente os fluminenses, iniciaram o cultivo do café.

Nesses primórdios, as chamadas memórias para o cultivode café é que viriam a suprir a falta de intimidade doagricultor brasileiro com o cafeeiro e as instalaçõesnecessárias ao seu beneficiamento. Um dos mais importantesmanuais da cafeicultura, que serviu de base para algumasobras publicadas no Brasil, foi “O Fazendeiro de Café daIlha de São Domingos” de P. S. Laborie, traduzido porAntônio Carlos Ribeiro de Andrade e editado em 1799, na

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24 MONBEIG, P. Op. cit., 1977, p. 24.

25 Citação de SIMONSEN, R. Aspectos da história econômica docafé. In: Anais do Congresso de História Nacional, no. 04, Rio deJaneiro, 1941, p. 272. Apud: MATOS, O. de N. Café e Ferrovias. Aevolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da culturacafeeira. Campinas: Pontes, 1990, pp. 113-4.

26 REBELLO, J. S. Memória sobre a cultura do Cafeeiro. In: OAuxiliador da Indústria Nacional, Rio de Janeiro, 1833, nº5, p.2.Apud: CARRILHO, M. J. As Fazendas de Café do Caminho Novo daPiedade. São Paulo: FAU-USP, 1994, p. 22.

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coleção “O Fazendeiro do Brasil”, organizada pelo Frei JoséMariano da Conceição Velloso.

Nele surgem recomendações que, hoje podemos observar,acabaram sendo adotadas pelos brasileiros, talvez nãodiretamente de sua obra, mas através de outras publicações,mais difundidas em terras brasileiras, no início do séculoXIX, como: reservar terras cobertas de mata na fazenda parasubstituir aquelas já cansadas pela cafeicultura e oassentamento das casas do fazendeiro nas porções maisaltas do terreno, para que dali fosse possível uma fácilobservação dos seus domínios e controle das atividades.Sobre essa última, segundo Marquese, pode-se observaruma apropriação do palladianismo, que no final do séculoXVIII havia sido retomado com a corrente neoclassicista.27

Não só a melhor organização das atividades da propriedadeagrícola estava em jogo nas propostas de implantação dosedifícios, mas também uma representação simbólica dopoder, com certo destaque para o casarão, a residência dofazendeiro. Na verdade, essas regras já se praticavam napropriedade rural brasileira, talvez fruto daquele mesmopalladianismo, chegado anteriormente com osportugueses, principalmente através dos engenheirosmilitares28, nos primeiros séculos de colonização.

Laborie prossegue indicando que, escolhido o terreno paraa implantação da sede da fazenda, era muito importantefazer um plano geral das edificações, e mais ainda:

He porém ainda mais necessario hum plano dosestabelecimentos, propriamente ditos, como edifícios,plataforma, e casas; pois se fazem á aventura hum depoisdo outro, como vários sucede, póde acontecer ficar oprimeiro no lugar, em que depois se conhece, que deviaficar o outro; e não se guardar á symetria, que custapouco, e sem o que as melhores cousas sãodesengraçadas, e perdem muito do seu merecimento.29

Figura 2 - Plano de uma fazenda caf-eeira de São Domingos. A-casarão; B-Cozinha e casas de fora; C-Horta; D-Pátio para aves; E-Terreiro; F-Moi-nhos;G-Tanque de lavar café;H-Senzala; L-Currais; M-Senzalas;N-Hospital; Q-Canal; R-Sino. Fonte:Carrilho, M. J. Fazendas de Café doCaminho Novo da Piedade, p. 27.

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27 MARQUESE, R. de B. Revisitando casas grandes e senzalas: aarquitetura das plantations escravistas americanas no século XIX.Conferência apresentada no II Encontro “Escravidão e Liberdadeno Brasil Meridional”. Porto Alegre: UFRGS, em 26 de outubro de2005, p. 04.

28 Sobre esse assunto ver: LEMOS, C. A. C. Casa Paulista. São Paulo:EDUSP, 1999, pp 65-70.

29 LABORIE, P. J. O Fazendeiro de Café na Ilha de São Domingos. In:O Fazendeiro do Brazil. Rio de Janeiro: Officinas de S. T. Ferreira,1799, Tomo 3, Parte 2, pp. 52-3. Apud: CARRILHO, M. J. Op. cit.,1994, p. 25.

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Na obra original de Laborie, seguem-se a estasrecomendações um desenho, com o plano de uma fazendaideal de café. No entanto, esses desenhos, à época, nãoforam reproduzidos na tradução para o português. Mesmoassim, a idéia principal deve ter servido de inspiração amuitas daquelas fazendas cafeeiras pioneiras fluminenses,das quais descendem as paulistas. Segundo Carrilho,tratava-se de ter, antecipadamente, o controle de todas asatividades a serem desenvolvidas na fazenda, elaborandoda melhor forma o seu encadeamento e suas articulações.Evidentemente estamos diante de um princípio de projeto,anunciando a faculdade de antecipação característica destaatividade. Esta notável preocupação não negligencia sequera dimensão estética em que o gosto pela simetria é ressaltadojunto à sua adequação econômica.30

As recomendações continuavam: nivelamento do terreno;construções de plataformas com cortes e aterros, caso oterreno fosse inclinado; cálculo do tamanho das edificações.Recomendações que visavam sobretudo poupar futurospercalços ao fazendeiro.

No segundo capítulo, Laborie se atinha às edificações dafazenda, mas já antecipava que, antes de mais nada, ocafeicultor deveria estar ciente das particularidades de sualavoura, nisso incluindo o conhecimento das etapas debeneficiamento do café. Discorre, então, sobre as váriasetapas desse processo, até a sua finalização, sobre os diversosmoinhos e instalações que uma fazenda cafeeira deveriapossuir.

Cabe ressaltar que já aparecia uma característica da casa demáquinas - nome pelo qual a edificação onde se beneficia ocafé se consagraria no Brasil - que seria muito comum nasfazendas paulistas: em todas as terras íngremes, havendohum bom muro de socalco, póde n’huma das extremidadesficar tão chegado ao córte de hum monte, que os negrospossão entrar nas aguas furtadas sem subir, e ao nivel. 31

Essa seria a forma mais comum de ligação entre terreiro ecasa de máquinas, nas fazendas do Oeste paulista e nasregiões pioneiras, décadas depois. O moinho, ou casa demáquinas, Laborie recomendava que fosse assobradado eque as máquinas ficassem no térreo, e que suas paredesfossem de pedra ou de carpintaria, desde que sólidas. Segue-se a isto uma minuciosa descrição das dimensões do edifíciopara que comporte de maneira correta o maquinário, fosseele movido a tração animal ou a água. No entanto, comoressalta Carrilho, a preferência no Brasil, quando esse tipode maquinário começou a ser comum, foi o emprego daforça hidráulica.32 Laborie mesmo esclarece que o moinhohidráulico rende mais que o dobro que o movido a traçãoanimal.

O item seguinte, em sua explanação, refere-se aos terreiros,e aconselhava o uso de pavimentação, pois desde o final doséculo XVIII, usava-se água tanto para lavar o café colhido,como também, através de canais, para espalhá-lo pelosdiferentes cantos do terreiro, uso que, somente adiantado

o século XIX, ocorreria no Brasil. Havia também apreocupação com a declividade dessas plataformas, paraque a água das chuvas não acumulasse. O terreiro deveria,ainda, ser construído de maneira a ser aumentado aospoucos, à medida que a produção de café também fossecrescendo, sem demandar gastos iniciais muito grandes.

A drenagem do terreiro é esmiuçada e sua importânciaenfatizada, com a construção de canais independentesconcernente a cada uma das quadras, nunca devendo odreno de uma passar por outra e, sim, lançá-lo para fora,em um canal de captação externo que, por sua vez, levariaessa água para longe. Paredes externas de pedra, segundoLaborie, eram as mais indicadas.

Outro ensinamento, muito verificado nas fazendas paulistas,diz respeito às tulhas ou armazéns do café:

(...) paredes, e repartições (ainda que sejão de pedraria)devem ser forradas de taboas até a altura de dez pés,do mesmo modo, que os caibros nas aguas furtadas.

(...) pavimento do corpo principal das casas, deve serde vigas, e taboas bem fortes, com livre passagem parao ar debaixo, por entre as aberturas em roda (...).

(...) que todos os armazens tenhão janellas, para depoisdas chuvas poder o ar secco absorver a humidade.33

As paredes forradas de tábuas estariam, décadas mais tarde,presentes em todas as tulhas construídas em São Paulo. Elasevitavam o contato dos grãos com a umidade das paredes,impedindo sua degeneração.

Há, ainda, indicações para a construção de hospital para osnegros, uma vez que estes eram parte importante doprocesso produtivo e deviam ser bem cuidados; peladescrição de Laborie, tratar-se-ia de edificação sofisticada,que parece ter inexistido no Brasil, a se julgar pelo queencontramos nos levantamentos de campo e na literaturasobre o assunto.

As recomendações sobre as senzalas também atingem umacomplexidade que não parece terem sido seguidas à riscapor aqui. Era dividida em cubículos, em que ficavam nomáximo três negros. Nesse cubículo havia uma subdivisão:um local para o repouso e outro onde se fazia o fogo. Eramalinhados, formando uma construção longilínea, comgalerias cobertas em ambos os lados: a de trás para criação

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30 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 25.

31 LABORIE, P. J. Apud: CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, pp. 89-5.

32 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 29.

33 LABORIE, P. J. Apud: CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, pp. 89-5.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 35

de aves dos escravos, a da frente para que os negros, saindode repente de um ambiente aquecido pelo fogo para o arenregelado da manhã, não se resfriassem, pegassemcatarros, e molestias ainda peores.34

Segundo Marquese, a organização interna dessas senzalasseguia claramente o padrão de moradia ioruba, adotadopor grande parte dos escravos em São Domingos ,quandotinham a autonomia para tanto. Eram construções que sebaseavam em módulos de 10 por 20 pés. A disposição emdois cômodos era essencial para o sistema arquitetônicoioruba.35 A disposição dessas senzalas, para Laborie, deviaser de tal sorte que:

(...) possa o senhor ver tudo, ouvir e dar ordem. Aexação, e cuidado da manufatura, o serviço do hospi-tal, que se deve guardar de dia, e de noite, a polícia dassenzalas, e o cuidado do gado de toda a casta,inteiramente dependem da presença e vigilância dosenhor.36

A análise de Marquese sobre a disposição das senzalas,proposta por Laborie, compara-a com o modelo militareuropeu no qual se enfatizava a disciplina do espaçoproporcionando controle das ações. Modelos desse tipohaviam sido construídos no Suriname, não sem a reaçãodos escravos, que preferiam viver nas palhoçasindependentes, semelhantes àquelas em que viviam naÁfrica. Mas interessava ao fazendeiro essa nova forma demoradia, sobre a qual tinha, de fato, maior controle.37

Laborie prossegue em seu tratado aconselhando a criaçãodo que ele chama de casas de fora: uma lavanderia, umacozinha com chaminé, forno e fornalha e armazéns deprovisão, para o preparo de grandes quantias de alimentopara os negros, que poderiam estar associadas ao hospital,tomando-se as devidas precauções contra incêndios. Seguetratando das demais edificações e serviços, como cocheiras,estábulos, mangueiras, etc.

Tudo era pensado para o melhor aproveitamento do espaçoe das edificações, evitando gastos desnecessários egarantindo um funcionamento o mais próximo possível doperfeito, além da facilidade de fiscalização por parte dofazendeiro. Laborie propunha uma previsão ampla dafazenda, antes de se começar a sua efetiva ocupação. Tendocirculado pelos meios rurais brasileiros desde o final do séculoXVIII, suas recomendações podem ser observadas nasfazendas paulistas e, no que diz respeito ao beneficiamentode café e suas instalações, principalmente a partir de meadosdo século XIX.

As recomendações do Barão

O Barão de Pati do Alferes foi um dos maiores fazendeirosfluminenses do século XIX, membro de uma família queilustra de forma típica a trajetória social dos barões do

café.38 Nascido em 1795, viveu o momento de expansão eapogeu da cafeicultura escravista na Província do Rio deJaneiro. Ao morrer, no ano de 1861, deixava sete fazendasmontadas, cerca de mil escravos, além de outras terrasincultas, na divisa entre Rio e Minas. Era, então, uma dasmaiores fortunas do município de Vassouras. Porém, seunome passaria à história também por outra razão, aelaboração de um manual agrícola, as “Memórias Sobre aFundação de uma Fazenda Na Província do Rio de Janeiro”,que nos fornece muitas informações sobre o lado práticoda lavoura desenvolvida no Vale do Paraíba, na primeirametade do século XIX. Ao ser publicado, em 1847, numalinguagem direta e acessível, rapidamente se esgotou, oque prova que havia uma grande demanda por esse tipode informação. Por outro lado, tendo sido publicado porum lavrador de sucesso, os ensinamentos ali contidos noslevam a crer que derivavam de exaustivas experimentaçõese bons resultados – ao menos para a época. São conselhosgenéricos destinados a quaisquer tipos de fazendas. Nãopor acaso, boa parte das recomendações existentes nessasmemórias são semelhantes àquelas contidas no trabalhode Laborie, embora haja diferenças decorrentesprincipalmente da necessidade de adaptação às condiçõessocioeconômicas e geográficas encontradas nas regiõescafeicultoras do Brasil. No entanto, não podemos afirmarque o Barão conhecia a obra do autor antilhano. Porém, jáno primeiro parágrafo ele ensinava que:

O primeiro cuidado que deve ter o fazendeiro que denovo se estabelece e que vai fundar uma fazenda éprocurar aguada, e se houver tirar-lhe o nível comdireção à melhor localidade; se porém não houverremédio, se não fizer as obras à feição da altura que elader, não a podendo levar aonde se quer, aí mesmofundará a fazenda, e eis o motivo por que muitos egrandes estabelecimentos estão feitos semaformoseamento, porque as aguadas obrigam às vezesa buscar sítio menos agradável, mais trabalhoso e atédispendioso para levantar os edifícios, que muitas vezesdependem de grandes escavações e grossas muralhas.39

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34 LABORIE, P. J. Apud: CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, pp. 38-40.

35 MARQUESE, R. de B. Op. cit., julho-dezembro de 2005, p. 169.

36 LABORIE, P. J. The Coffe Planter of Saint Domingo. London, 1798,p. 83. In: MARQUESE, R. de B. Op. cit., julho-dezembro de 2005,p. 169.

37 MARQUESE, R. de B. Op. cit., julho-dezembro de 2005,pp.168-9.

38 SILVA, E. O Barão de Pati do Alferes e a Fazenda de Café daVelha Província. In:WERNECK, F. P. de L. Memória sobre a fundaçãode uma fazenda na Província do Rio de Janeiro. Brasília: SenadoFederal; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1985, p.17.

39 WERNECK, F. P. de L. Op. cit., 1985, p. 57.

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A água era necessária não só para o consumo de homens,animais e para a rega de hortas, jardins e pomares, mastambém para a movimentação dos mais variadosmaquinários de engenhos, de serrarias, etc. O principal,realmente, era a aguada para as máquinas. A existência e apossibilidade de uso da água é que determinavam o localda construção de todos os edifícios da sede da fazenda.40

Uma análise das características das fazendas de café doVale do Paraíba, ao menos naquelas que restaram, é que aescolha do sítio para o assentamento das edificaçõestambém priorizou os terrenos que tinham insolaçãoabundante durante a maior parte do dia, principalmentenos locais em que seria instalado o terreiro de café, paraque o processo de secagem dos grãos fosse realizado damelhor maneira possível.

A boa insolação também era propícia para a construção detulhas de armazenamento, que deviam ser secas eventiladas, para que o café não se estragasse até seuembarque em direção aos portos litorâneos. Assim, os sítiosnas encostas voltadas para norte, noroeste ou nordeste eramos preferidos, evitando-se aqueles voltados para sul, sudesteou sudoeste.

O terreno em declive também facilitava o bomaproveitamento da água, por gravidade, para oabastecimento das edificações e para o processo debeneficiamento dos grãos, além de fornecer a energiahidráulica necessária à movimentação de rodas d’água demoinhos e engenhos de toda a espécie, tudo emconcordância com o conhecimento acumulado peloslavradores. Ainda hoje, apesar de geralmente em ruínas, asrodas d’água, sejam as grandes verticais ou as pequenashorizontais, marcam a paisagem rural do Vale, associadasàs velhas casas de máquinas, aos moinhos de fubá e aosengenhos de cana-de-açúcar.

A seguir, o Barão do Pati de Alferes aconselhava que ofazendeiro deveria mandar tirar a planta, com designaçãoda casa de moradia, de todas as máquinas que foremnecessárias, de paióis e armazéns, de cavalariças e senzalaspara moradia dos pretos.41 Essa informação é valiosa: asfazendas não eram feitas ao acaso, havia um projeto ante-rior, ou seja, eram resultado de um estudo preliminar.

Feito isso, iniciava-se a construção de casas temporárias paraos proprietários, os escravos e os camaradas, porém demaneira a não atrapalhar o plano definitivo da fazenda.Depois a preocupação se voltava para a construção do regod’água para tocar as máquinas, que deveria ser bem feito enivelado de modo que não se estragasse facilmente com aschuvas. Aí sim, os esforços se concentrariam nas construçõesdefinitivas:

A primeira obra que se deve fazer é o engenho de serrar,que fará com que a vossa fazenda vos custe a metadedo que custaria se não o tivesse. Logo a seguir deveis

fazer o moinho, o engenho de mandioca, e depois ode pilões, ou de açúcar se esse for o vossoestabelecimento, seguindo-se as senzalas dos pretos,que devem ser voltadas para o nascente ou o poente, eem uma só linha, se for possível, com quartos de 24palmos em quadro, e uma varanda, de oito de largoem todo o comprimento. As varandas nas senzalas sãode muita utilidade porque o preto, na visita que faz aoseu parceiro, não molha os pés se está a chover; quasesempre estão eles ao pé do fogo, saem quentes para oar frio e chuva, constipam, e adoecem. Depois que fiztodas as senzalas avarandadas adoece muito menornúmero de pretos, além de se conservarem maisrobustos. As senzalas devem ser feitas no lugar maissadio e enxuto da fazenda; é da conservação daescravatura que depende a prosperidade dofazendeiro.42

Pensamentos e cuidados empresariais, sem dúvida. Adescrição segue minuciosa. A primeira derrubada e queimada mata deveria ser grande e, acrescenta:

(...) por tal forma perfeita que para um lado da fazendavos fique terreno suficiente, reservado para pastos; nomais ameno e próximo, uma boa quadra para o pomarque é útil e agradável, a um lado do qual, porém debaixoda mesma cerca, deve ficar desocupado terreno suficientepara hortaliça, que deveis ter com variedade para a vossamesa. Para o outro lado deveis fazer as vossas plantações,ou seja, de café, de chá ou de cana. As primeiras devemser em grande escala, nos seguintes anos a fareisgraduando as vossas forças.43

O fazendeiro não podia se esquecer das estradas dentro dasua propriedade, para facilitar o ir e vir dos escravos entre asenzala e as plantações, evitando gastos desnecessários deenergia de sua mão-de-obra, estradas que deviam cruzar-se para que, a cavalo, o fazendeiro e o administradorpudessem percorrer, o mais facilmente, os camposcultivados. De trezentas em trezentas braças deviam serconstruídos ranchos, para proteção dos trabalhadores deeventuais chuvas e, à sua frente, terreiros para bater e secarfeijão ou café. Os ranchos poderiam ser ainda utilizadospara criação de aves para o gasto da fazenda, bastando umpreto ou preta velha, ou com algum defeito para seuscuidados, e então há sempre superabundância deste pratonecessário para a mesa e para os doentes.44

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40 WERNECK, F. P. de L. Op. cit., 1985, p. 57.

41 Idem, ibidem, p. 57.

42 Idem, ibidem, p. 57-8.

43 Idem, ibidem, p. 58.

44 Idem, ibidem, p. 58.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 37

Laranjeiras poderiam ser plantadas à beira dos caminhos,ou qualquer outra árvore frutífera; pelas grotas, bananeiras,e por baixo delas inhame; à roda dos terreiros das roças dealgodão, que vos servirá, além de outros usos domésticos,para fiar linhas para coser a roupa dos pretos. Arrematavaafirmando:

Um fazendeiro cuidadoso tem todos os dias um jantaresplêndido, e só lhe custa dinheiro o vinho e o sal, oualguma iguaria para acepipe, o mais tem ele de casa ecom muita profusão. (...).

Todo o fazendeiro deve plantar mantimentos que lhecheguem para o gasto, de forma que lhe não sejapreciso comprar para o consumo, embora faça menorsafra; ela lhe ficará livre, e seus domésticos estarãofartos, pois quando se compra, nunca há abundância,e eles mais ou menos sempre sofrem.45

Essas e muitas outras informações úteis estão tanto nasmemórias do Barão de Pati do Alferes quanto nas de P. J.Laborie, como, por exemplo, sobre as madeiras e seus usos,sobre as plantações, formas de administração, trato com amão-de-obra, etc. Estas regras, expostas pelos experientesagricultores, o antilhano e o brasileiro, aliadas a informaçõesde outros tratados agrícolas que surgiram no século XIX,46

encontraram eco na implementação daquelas fazendas doVale do Paraíba, evidentemente com as devidas adaptações.Com o passar do tempo e o avanço dos cafezais para ooeste de São Paulo, essas lições, somadas a outrasexperiências e tecnologias, e às condicionantes locais, declima, de relevo, etc, seriam transmitidas para as novasfazendas que iam sendo abertas. O conhecimento sepropagava, e pode-se até afirmar que algumas dessascondicionantes gerais seriam uma constante em todo o ciclocafeeiro paulista, guardadas as devidas particularidades, dosprimórdios até o seu declínio. Um conhecimento queatravessou o século XIX e seguiu junto com as lavouras paraas frentes pioneiras.

As primitivas formas de beneficiamento do café

Desde sempre, plantar café significou também beneficiarcafé. Assim como anteriormente vimos nos manuais deLaborie e do Barão do Pati de Alferes, o arquiteto ArgolloFerrão também relata, em seus estudos, que desde osprimórdios da cafeicultura comercial, nas Antilhas, obeneficiamento do café já era considerado um processointrínseco ao sistema de produção.47 Preparar o café para acomercialização era um meio para conseguir melhores preçose aceitação no mercado. No Brasil, a experimentação dosprimeiros tempos, a partir da segunda metade do séculoXIX, deu lugar a uma tecnologia complexa e eficiente, sema qual o país não teria condições de manter-se como umgrande produtor mundial.

O preparo do grão basicamente se dava em duas etapas:secagem e despolpamento, ou seja, retirada das duas cascas

que envolvem o fruto do café. Para isso, havia dois métodos,um por via seca, outro por via úmida. Segundo Rozestraten,essas técnicas diferiam basicamente pelo uso ou não da águano processo de separação do grão das cascas.48 O métodopor via úmida consiste em despolpar o grão logo depois dacolheita, através de uma máquina despolpadora manual ouacionada por força hidráulica, deixando-o depois, por 24horas, num tanque com água corrente, para retirar a gomaque o envolve e também separar os maduros dos verdes,restando somente o pergaminho - a película que reveste asemente propriamente dita - para somente depois secá-lo.É utilizado com freqüência na Colômbia e nos países centro-americanos. No Brasil, passou a ser mais difundido a partirda década de 1860. Já o método por via seca consistia,resumidamente, em espalhar o café colhido e lavado sobreum terreiro, e só depois de seco procedia-se ao seudespolpamento. Esse foi o método mais difundido no Brasil,a princípio, e ainda hoje é muito utilizado.49 O método porvia seca acabou por dotar as fazendas paulistas de umelemento extremamente característico, o grande terreiro desecagem de café, que mesmo depois de ser adotado odespolpamento prévio continuou existindo e sendoutilizado.50

Ambos os métodos, no entanto, compartilhavam umaprimeira operação, realizada após a colheita, que era alavagem, cuja função era retirar a sujeira grossa, comopedras, gravetos, torrões de terra, etc.51

Os terreiros das primeiras fazendas brasileiras eram muitosimples. Por utilizarem o método da via seca, ou seja,secagem dos grãos com casca - ou em coco - possuíamsuperfície de terra batida. Apesar dessa precariedade, algunscuidados eram tomados na sua execução, como podemosver na seguinte descrição, feita por Filipe Miller, em seutratado sobre a cafeicultura:

He muito essencial que se haja de alimpar bem oterreno, arrancar-lhe as hervas, os cepos as pedras.

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45 WERNECK, F. P. de L. Op. cit., 1985, p. 58-9.

46 Houve outros manuais, como a obra de Frei José Mariano daConceição Velloso, que ajudou a difundir e tornou-se fonte deinspiração para o maquinário de beneficiamento, porém acreditamosque para esse estudo esses dois, o de Laborie e o do Barão do Patido Alferes, sejam os mais importantes.

47 FERRÃO, A. M. de A. Arquitetura do Café. Campinas: Editora daUnicamp; São Paulo: IMESP, 2004, p. 59.

48 ROZESTRATEN, A. S. Estudo sobre a evolução do maquinário debenefício do café no Estado de São Paulo no século XIX e início doXX. São Paulo: CNPq/FAU-USP (iniciação científica), 1993/94, p.16.

49 FERRÃO, A. M. de A. Op. cit., 2004, p. 58.

50 Em alguns países, o processo de secagem do café é feito emestufas, aquecidas por fornalhas, ou em plataformas retráteis,sobrepostas, evitando assim a necessidade dos terreiros.

51 ROZESTRATEN, A. S. Op. cit., 1993/94, p. 16.

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Applainar-se-há ao depois ao livel da inclinação, quese lhe houver de dar; feito isto se humedeça, e se lhelancem cinzas. Então os escravos, armados de varas,baterão todo o terreno igualmente. Estando bembatido, se remolha e se torna a lançar cinzas segundavez. Estas differentes acções se repetem até cincovezes.52

Desse processo resultava um produto de qualidade inferior.Mas como o mercado internacional possuía uma demandamuito grande, a princípio isso não foi problema para a suacomercialização. Em junho de 1937, Assis Cintra afirmavaque quem hoje aprecia o machinário do benefício do cafénão póde fazer idéa dos processos antigos de preparo darubiacea.53 Em fins do século XVIII e início do XIX, asplantações eram pequenas e deficientes, e as técnicas debeneficiamento muito rudimentares:

(...), o café, depois de seccado ao sol, era collocado emcima de u’a mesa grande e ahi despolpado por escravos,que o apertavam entre as palmas das mãos, emmovimentos de fricção, os negros eram empregadosnos trabalhos da plantação e as mulheres no do preparodo producto.54

Esse era um método moroso e incompatível com uma grandeprodução; assim, ainda no século XVIII, começou o empregodo pilão manual: Collocado o café no côcho do pilão, era

macetado pelas pretas. Separava-se depois os grãos da palhapor meio de abano nas peneiras.55

Outra forma utilizada era a malhação do café seco com varas,quando ainda estava esparramado nos terreiros. Mas essesmétodos, além de serem improdutivos e gerarem umproduto de má qualidade, pois triturava parte das sementes,eram serviços que maltratavam demais as escravas. Umaalternativa, tão inadequada quanto as anteriores, mas queao menos poupava o trabalho humano, foi o métodochamado de casco de boi, seguidos de outras tentativas,todas muito aquém das exigências da crescente produçãocafeeira que se dava no Brasil:

Esparramava-se o café num chão secco, soccado evarrido. Depois, durante os dias de sol, sobre esse localo escravo fazia passear, em idas e vindas, cinco, oito oudez bois. No fim do dia, o attricto das patas dos bovinossobre os grãos, provocava o desmembramento darubiacea, em polpas e palhas. Retirado do terreiro ocafé, era elle abanado em peneiras.56

Outras experiências foram surgindo, como o monjolo deágua, ou o curioso monjolo ou pilão de rabo, movido atração animal, que consistia numa série de monjolosdispostos em círculo, cujo recipiente de água era substituídopor um “apêndice caudal” recurvo, voltado para cima. Nocentro desse círculo era instalado um eixo ao qual era presoum braço de almanjarra, como se fora um ponteiro derelógio, movido por um ou mais animais. A almanjarra, emseu movimento circular, deslizava sobre os braços dosmonjolos. Por serem recurvos para cima, abaixavam-se,erguendo o lado do pilão, que despencava sobre o cochocheio de café ao serem soltos. Esse, sem dúvida, representavaum avanço no processo de beneficiamento, fruto de vivênciae proximidade com o trabalho desenvolvido nas fazendas.57

Nesse mesmo método empirista, pouco depois aparece umnovo aparelho, uma adaptação dos antigos trapiches commoendas de pedra usados nos engenhos de açúcar da

Figura 3 - Pilão manual, por J. B.Wiegandt. Fonte: Cintra. A. Origensdo machinario do café, p. 1081.

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52 MILLER, F. Instrução Sobre a Cultura do Café. Tradução Mr. AlleonDulac. In: O Fazendeiro de Café do Brazil. Rio de Janeiro, OfficinaSimão Telles Ferreira, 1800, Tomo III, Parte I, p. 143. Apud: CARRILHO,M. J. Op. cit., p. 97.

53 CINTRA, A. Origens do machinario do café. In: Revista do Institutode Café. São Paulo, Ano XII, nº 124, junho de 1937, vol. XXII, p.1081.

54 Idem, ibidem, p. 1082.

55 Idem, ibidem, p. 1082.

56 Idem, ibidem, p. 1082.

57 FERRÃO, A. M. de A. Op. cit., 2004, p. 63.

58 Ver: GAMA, R. Engenho e Tecnologia. São Paulo: Duas Cidades,1983, pp. 103-121.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 39

América espanhola.58 Esse aparelho, que nas fazendas decafé teve nomes como ribas, ripas, ripes ou carretão,constituía-se de um cocho circular com divisão de madeira,sobre o qual giravam duas grandes rodas de madeira comrebordos metálicos movidas, a princípio, por tração animale depois, em meados do século XIX, por força hidráulica. Ocafé era colocado nesses cochos e descascado tanto pormeio da compressão como pelo atrito lateral.59

Esses aparelhos faziam bom serviço, desde que fossembem construídos, especialmente quando movidos porforça hidráulica, pois tinham maior rendimento do queos movidos por força animal. Além disso, não produziamtanto pó nem quebravam tanto os grãos, possibilitando-lhes o brunimento, não só durante o processo deesmagamento como depois, quando estes voltavam aoaparelho, após permanecerem amontoados para seremlimpos. O equipamento devia ser bem instalado, demodo a facilitar a movimentação do café utilizandopouca mão-de-obra.60

Outro equipamento bastante utilizado foi o pilão mecânico,que se constituía de uma bateria de pilões movidos porroda hidráulica. Ele aparece em inventários do Vale doParaíba desde a década de 1830, denominado como“engenho de socar”. Segundo Argollo:

(...) era uma máquina simples, pois consistia,basicamente, de uma roda hidráulica, conjugada a umrodete dentado, que transmitia o movimento a outraroda dentada com a qual se engrenava. Esta fazia girarum eixo armado de aspas, cuja rotação transformava omovimento circular contínuo em movimento retilíneoalternativo, aproveitado para alçar as mãos dos pilões.O café em coco se depositava em cochos, sobre os quaiscaíam as mãos dos pilões, ferradas na ponta. A seguiro produto era ventilado.61

Para abrigar estes maquinários, construíam-se grandesedifícios que se assemelhavam, no dizer de Taunay, averdadeiras catedrais de madeira, tão toscas quanto brutais,com aqueles lenhos imensos, que a mata oferecia aosmilheiros.62 Esses edifícios rudimentares passaram a marcara paisagem das fazendas cafeeiras pela elevada altura parapoder abrigar os grandes equipamentos.

No entanto, todas essas máquinas de beneficiamentoapresentavam baixo rendimento, e só compensavam porutilizar energia barata, principalmente aquelas movidas aforça hidráulica e, também, por não custarem quase nadaaos fazendeiros, pois havia mão-de-obra suficiente para cortare trabalhar a madeira, montá-las e construir os edifícios. Adespesa se restringia apenas ao pouco de ferro usado.

Mas as colheitas aumentavam ano a ano e o maquinárioexistente não dava conta do beneficiamento. Num trechode uma ata de sessão extraordinária da Câmara deGuaratinguetá de 13 de janeiro de 1854, fica evidente a

preocupação das autoridades com a ineficiência doprocesso de beneficiamento nas fazendas paulistas:

“o estado da Industria da Mineração, da Agricola e daFabril, refferindo os principais estabelecimentos e aimportancia aprochimada de seus productos nos ultimostres annos, as cauzas de seus atrazos, o progresso e osmelhoramentos de que são susceptiveis contemplandona informação a cerca dos dous primeiros ramos as que

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59 Ver: FERRÃO, A. M. de A. Op. cit., 2004, p. 62; e CINTRA, A.Origens do machinario do café. In: Revista do Instituto de Café.São Paulo, Ano XII, nº 124, junho de 1937, vol. XXII, p. 1082.

60 FERRÃO, A. M. de A. Op. cit., 2004, p. 63.

61 Idem, ibidem, p. 64.

62 TAUNAY, A. D’E. A propagação da cultura cafeeira. Rio deJaneiro:DNC, 1934. In: FERRÃO, A. M. de A. Op. cit., 2004, p. 64.

Figura 4 - Carretão. Fonte: Cintra. A.Origens do machinario do café, p.1082.

Figura 5 - Monjolo, por J. B.Wiegandt. Fonte: Cintra. A. Origensdo machinario do café, p. 1082.

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Figura 6 - Bateria de pilões ou pilãomecânico. Fonte: Smith, H. S. Ahistória do café, p. 233.

forem concernentes ao estado da Sallina, e da criaçãode Gado, que continuava o ramo de café sem maioresvantagens por falta de operários, e mesmo de indus-tria por que he beneficiado por fabricas groceiras bemcomo Engenho, Ribas, Monjollos etc. com tudo he ode mais vantagem apesar do pesado Trabalho nãopodendo apparicer huma importancia correspondenteaos Capitaes.63

Aos poucos, esses equipamentos vão dando lugar amaquinismos melhores, como se vê em artigos de jornaisda mesma cidade, pouco tempo depois:

Antonio Fernandes Vianna faz sciente aos snrs.Fazendeiros, que tem sempre para vender abanadoresda melhor construção que até hoje tem apparecido,pelo mui rasoavel preço de 150$000 rs., afiançando asegurança da dita obra. Tambem faz machinas degrande vantagem para tirar o café, evitando assim oemprego dos escravos n’este serviço e a consummissãode peneiras para esse fim. É inexplicavel o bom resultadodeste novo machinismo, porque alem da bôa construçãoé muito solido; e por tanto não é sugeito a desmanchos.Preço fixo 100$000 rs. Pindamonhan-gaba, 8 de marçode 1864. (O Parahyba, 20 de março de 1864).64

Machina de nova invenção. João Baptista Lalleman,engenheiro e machinista muito conhecido nestaprovincia de S. Paulo por suas obras, participa aos srs.fazendeiros que acaba de construir uma machina de

descascar e abanar café, tocada por agua ou animal,de sua invenção, cuja machina descasca, abana epeneira, promettendo muita duração por ser aconstrução muito simples. Pode ser vista em casa doannunciante em Guaratinguetá à rua da Figueira n. 34(O Parahyba, 20 nov. 1870).65

Entre 1830 e 1889 foram concedidas, no Brasil, 209 patentesa inventos relacionados com o café66, 41 para máquinasdescascadoras, e parece que aí estava o principal problemado beneficiamento do grão; 31 para secadores; 21 paramaquinismos beneficiadores em geral; 19 para ventiladores;16 para limpadores e separadores; 16 para brunidores; 12para despolpar; e outras 53 para aparelhos que se ocupavamdas operações restantes como: colheita, apiloamento,lavagem, corte, soca, torrefação e moagem. Clóvis da CostaRodrigues, em sua obra sobre as invenções brasileirascomenta:

(...) a primeira invenção surgida nessa fase e relacionadacom o café foi da autoria de Luiz Souvain e Simão

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63 MOURA, C. E. M. de. Fazendas de Café do Vale do Paraíba. In:ARAUJO, E. (curador). O Café. São Paulo: Banco Real/ABN AMROBank, 2000, p. 49-50.

64 Idem, ibidem, p. 50.

65 MOURA, C. E. M. de. Op. cit., 2000, p. 50.

66 OLIVEIRA, J. T. de. Op. cit., 1993, p. 277.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 41

Clotte para ‘máquina de descascar café‘. A segundainvenção somente apareceu em 1835, e pertenceu aJoão Gonçalves Nehewes, referindo se à ‘máquina que,com o auxílio de um só homem, socapa, limpa eprepara num dia, 40 a 50 arrobas de café‘. A terceirainvenção data de 1849, graças ao esforço inventivo deFrutuoso José Coelho, e tinha por objeto ‘máquina dedespolpar café‘. A quarta invenção, realizada em 1852,nos oferece certa ‘máquina para descascar, abanar ebrunir 80 sacas de café em 10 horas, e foi idealizadapor João Roberto Ripper de Castro. A quinta invençãodo ano de 1855, dizia respeito a ‘máquina de secar edescascar café‘, sendo seus autores Pernetier &Gony”.67

A tecnologia avançava, mas mesmo assim ainda derivavade uma adaptação de maquinário desenvolvido para outrostipos de cultura, e sua utilização caracterizou a fazendacafeeira paulista da primeira metade do século XIX. Alémdisso, não dispensava uma última e importante tarefa, queera a escolha e a separação dos grãos, que continuava a serfeita manualmente. Somente nas últimas décadas daqueleséculo é que ocorreria um importante desenvolvimento noprocesso de beneficiamento, com o surgimento de

máquinas próprias ao café, de que trataremos nos próximoscapítulos.

Quanto aos terreiros, também sofriam alterações,principalmente à medida que as máquinas despolpadorasiam surgindo e sendo mais utilizadas. O contato com aumidade e a poeira da terra batida acabava por alterar osabor do café e dificultava o processo de despolpamento,resultando em grãos de aspecto extremamente sujo, o quecomprometia sobremaneira seu preço. O mercadointernacional, ainda antes da metade do século XIX, passoua exigir grãos mais claros, sinal de um beneficiamentoeficiente. Assim, por essa época, passou a ser difundida apavimentação dos terreiros, ao mesmo tempo em que sedavam as inovações nas técnicas de beneficiamento.

Os terreiros de café, de terra socada, nos quais arubiácea, nos primeiros tempos, tem os grãosseparados da polpa pelo método mais rudimentarpossível, que é a pata do boi que os amassa, como nos

Figura 7 - Peneirando café, por J. B.Wiegandt. Fonte: Smith, H. S. Ahistória do café, p. 233.

Figura 8 - Pesando café, por J. B.Wiegandt. Fonte: Smith, H. S. Ahistória do café, p. 240.

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67 RODRIGUES, C. da C. A inventiva brasileira. Brasília, 1973, vol. I,247-56. Apud: OLIVEIRA, J. T. de. Op. cit., 1993, p. 277.

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certifica Taunay, cedem lugar não só às grandes lajesde pedra, trazidas pelo braço escravos dos contrafortesda Mantiqueira na vertente paulista e até mesmomineira (é o que ocorria na Fazenda da Estrela, emPiquete, do Comendador Custódio José Vieira, casadocom uma neta do Visconde de Guaratinguetá), comorecorrem à sofisticação do asfalto, a exemplo do quesucede já em 1854 na Fazenda Boa Vista, em Bananal,do Comendador Luciano José de Almeida.68

Não só as lajes de pedra ou asfalto passam a recobrir osterreiros, mas também lajotas de barro cozido, tijolos oumesmo argamassa de cimento e cal, para dar maiorqualidade ao produto final, como podemos observar emdescrições desse equipamento em vários inventários de época.

Quanto ao seu tamanho e forma, alguns textos do séculoXIX sugerem que o terreiro fosse subdivido em partes, cadauma formando um quadrado perfeito, de largura de trintaa quarenta pés, com a capacidade de abrigar a colheita deum dia. A quantidade dessas subdivisões deveria sercalculada de acordo com uma série de variáveis, como aquantidade de cafeeiros da fazenda, média de produçãopor pés, tipo de pavimentação a ser utilizado, tempo médiode secagem na região.

O aumento na complexidade do estabelecimento agrícolacafeeiro do Vale do Paraíba foi rápido e notável. E isso, segundoMarcondes de Moura, pode ser percebido através da:

Figura 9 - Despolpadora de café, porJ. B. Wiegandt. Fonte: Smith, H. S. Ahistória do café, p. 229.

(...) multiplicação de casas de máquinas, engenhos,tulhas, paióis, casas de escolher café, estaleiros, serrariase olarias, padarias, enfermarias e boticas, senzalas, casasde administradores e feitores, chiqueiros, mangueiras,cocheiras e galinheiros, vendas de beira de estrada,oratórios, capelas e ermidas. Por isso mesmo o braçoescravo, esteio real daquela organização econômica,vai sempre em aumento, até alcançar a elevada cifra de350, 400, 600 almas, como acontece nas fazendasNossa Senhora do Carmo e Fortaleza, do Visconde deGuaratinguetá, Fazenda do Resgate, do ComendadorAguiar Vallim, Fazenda Boa Vista, de seu sogro, oComendador Luciano José de Almeida, em Bananal, eFazenda Pau d’Alho, em São José do Barreiro, da famíliaFerreira de Sousa Airosa.69

Com o passar do tempo e a conquista de novas áreas deSão Paulo, essa complexidade aumentaria cada vez mais.As fazendas cafeeiras se apresentariam como um imensolaboratório de distintas matérias, cujo alvo final foi um só,o café.

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68 MOURA, C. E. M. de. F. Op. cit., 2000, p. 50.

69 Idem, ibidem, p. 51.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 43

As fazendas de café do Vale do Paraíba

A primeira região do Vale do Paraíba paulista a ser ocupadapela cafeicultura é a que corresponde à faixa de terra aolongo do Caminho Novo da Piedade, que passa por Lorena,Silveiras, Areias, São José do Barreiro e Bananal, quase umaporção do território fluminense, povoada principalmentepor pessoas originárias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.Seu relevo caracteriza-se pelos mares de morros, cobertosinicialmente pela Mata Atlântica e campos de altitude. Aísurgiram as primeiras grandes fazendas cafeeiras paulistas.Logo depois, a cafeicultura se espalhou por todo o Médio eAlto Paraíba, região de ocupação mais antiga, efetuada porpaulistas das imediações do planalto de Piratininga, que secaracteriza pela alternância de terrenos ora mais planos, nasvárzeas do rio Paraíba, ora mais movimentados, naquelasfaixas de terra banhadas pelos rios Paraitinga e Paraibuna,onde predominam também os morros e vales e a presençada Mata Atlântica. Em todo o Vale, as característicasgeográficas tornavam abundantes materiais construtivoscomo a terra, a madeira e a pedra, e deles tiraram proveitoos seus habitantes. As técnicas construtivas nas fazendas,no entanto, vão mudando, conforme a procedência dosproprietários, e principalmente da mão-de-obra. Em geral,a utilização da técnica da taipa de mão predomina naquelasfazendas cujos proprietários e construtores eramprovenientes de Minas Gerais e do Rio de Janeiro; jánaquelas em que a origem está ligada aos velhos paulistas,

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70 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p.120.

Figura 10 - Vale do Paraíba. Desenho:V. Benincasa.

ocorreu o predomínio da taipa de pilão, como veremosadiante.

No tocante à implantação, em todas as fazendas vale-paraibanas, fossem aquelas da região do Caminho Novo,fossem as do Médio ou Alto Paraíba, o elemento norteadorfoi o terreiro. Carrilho, referindo-se às fazendas daregião do Caminho Novo, menciona a organização dosedifícios em quadra e reforça a importância da presença daágua:

Tais arranjos são feitos, em geral, em torno do terreiro,cuja forma regular é geradora do conjunto, por assimdizer. (...). Mas este não é o único fator condicionante.A topografia do sítio – obrigando muitas vezes a obrasdispendiosas para que se obtenha a superfície plananecessária ao beneficiamento – aliada a indispensáveloferta de água para movimentar as máquinas é outro.Nestas circunstâncias, resta às edificações ocupar operímetro lindeiro das plataformas de secagem, doque resultam conjuntos fechados em torno do grandevazio dos terreiros e pátios. 70

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Esse arranjo ao redor de pátios já era recorrente naimplementação de núcleos rurais em terras brasileiras,podendo ser observado desde o tempo dos engenhosnordestinos, o primeiro tipo de complexo agrícolaespecializado a se instalar em terras brasileiras, ainda noséculo XVI. Como já foi dito, esse arranjo provavelmentefoi uma característica trazida pelos portugueses. Seobservarmos a configuração espacial de propriedadesagrícolas portuguesas da época, verificaremos que elasquase sempre possuem as edificações de suas unidadesagrícolas ao redor de um pátio, o qual possuía funçõesdiversas, como secagem de cereais, guarda de gado, alémde facilitar a circulação. Era um elemento, antes de qualquercoisa, organizador do espaço.71 Essa característica tambémestá de acordo com as regras daqueles manuais agrícolas,nos quais parece haver um consenso sobre ser, esse, oarranjo ideal para a sede de um empreendimento rural.

A forma de implantação mais encontrada é a do casarãolocado à frente ou ao lado dos terreiros; num mesmo nívelou acima das demais edificações. Em todas as fazendaspercebemos a intenção de organizar da melhor formapossível o espaço, procurando adequá-lo à funcionalidadedos programas de trabalho.

No Vale do Paraíba, principalmente nas regiões próximasao Rio de Janeiro, a ocorrência mais comum é a de fazendasimplantadas à meia encosta e, como já alertavam osmanuais, isso iria fazer com que o local escolhido - conformea declividade - tivesse de sofrer ajustes para receber oterreiro e as demais edificações: uma série de cortes e aterros,

formando terraços, deveria ser executada. Aterros e cortesseguros, quase sempre, por robustos muros de arrimos depedra de variados tamanhos e alturas, com escadas ourampas entre si. Nelas podemos constatar o grande embateque houve entre a natureza e a inteligência humana: nãosó os terraplenos são dignos de nota, mas todo o sistemade drenagem das águas pluviais e o sistema de canais parao abastecimento de água das várias edificações é resultadode complexos projetos, certamente executados porprofissionais extremamente competentes.

Os muros de arrimo utilizavam como técnica construtiva aalvenaria de pedra assentada com argamassa de barro oude areia e cal. As pedras possuíam tamanhos e formasvariados, apresentando quase sempre maior espessura doque altura. Pedras maiores eram entremeadas de outrasmenores, além da argamassa, formando o que se chama decanjicado.72 Essas pedras maiores tinham as faces aparentestrabalhadas no sentido de dar um melhor acabamento gerale alinhamento ao muro. A espessura desses muros variavaconforme o volume de terra, de meio a um metro. Quase

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71 BENINCASA, V. Velhas Fazendas. Arquitetura e Cotidiano nosCampos de Araraquara, 1830-1930. São Carlos/São Paulo:EdUFSCar, IMESP, 2003, p. 95.

72 VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil. SistemasConstrutivos. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da Universidadede Minas Gerais, 1979, p. 17-19.

Figura 11 - Arrimos de pedra,formando a plataforma do conjuntode edificações da fazenda Catadupa,São José do Barreiro. Foto: VladimirBenincasa.

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Figura 12 (à esquerda) - Muro do tipocanjicado, fazenda Resgate, Bananal.Foto: Vladimir Benincasa.

Figura 13 (acima) - Muro de alvenariade pedra do tipo canjicado, fazendaRestauração, Queluz. Foto: VladimirBenincasa.

sempre se utilizou a pedra encontrada no próprio terrenoda fazenda ou nas suas imediações. Algumas fazendas, porestarem em terrenos muito acidentados, apresentavam umaextensão impressionante de arrimos de pedra, como osencontrados na fazenda Barreiro, em Taubaté, que,somados, chegavam a alguns quilômetros. Em outros casos,chamam a atenção os desníveis vencidos, ocasionandomuros altíssimos, que passam dos cinco metros e que, depoisde quase século e meio de sua execução, continuam estáveis,como aqueles da fazenda Catadupa, em São José doBarreiro.

Esses grandes terraplenos eram preenchidos por terraretirada dos cortes de morros, e levada por carroções até olocal das plataformas, onde era compactada manualmente.Todos esses trabalhos eram feitos durante os anos em queo cafezal ainda não estava produzindo e faziam parte dasprimeiras obras de uma fazenda cafeeira.

Outros muros, que não os de contenção, por vezes eramexecutados com a alvenaria de pedra seca, ou seja, pedrascolocadas umas sobre as outras sem o emprego deargamassa. A consolidação se dava pelo próprio peso daslajes, que eram bem menores que no canjicado e deveriam

ser aparelhadas de tal forma que o encaixe entre elas nãoficasse comprometido. Essa técnica era mais comum emmuros divisórios, que não estivessem sujeitosconstantemente a forças laterais de espécie alguma.Conforme o caso, a espessura variava de 40 centímetros aum metro. Esses muros podiam ou não ser revestidos comargamassa de barro e cal e pintados com cal. Alguns eramrecobertos por telhas capa e canal, para proteção daargamassa ou mesmo como forma de acabamento, o quelhes dava um aspecto pitoresco.

Muros divisórios também foram feitos com adobes ou coma técnica da taipa de pilão. Estes necessariamente eramrevestidos de argamassa e recebiam a cobertura das telhascapa e canal, como forma de proteção, uma vez queeram mais frágeis e expostos intensamente às chuvas ealterações de temperatura. Serviam para proteger o núcleoda fazenda que, isoladas no meio rural, sem as devidasprecauções podiam tornar-se alvos fáceis de roubos. Osmuros serviam também conter animais, delimitar pátios,atividades, pomares, jardins, quintais. Porém, mais do queisso, possuíram importante função social: a de organizar edisciplinar a circulação interna das pessoas e controlar, oumesmo restringir, o acesso a determinados espaços.

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Como bem observou Carrilho,73 há uma configuraçãoespacial típica nessas fazendas, a organização em quadros,ou em pátios, que foi usada de diferentes formas, adaptadasàs condicionantes locais e às especificidades de cada umadas fazendas. Em termos gerais, podemos observar doistipos desses arranjos. Um deles, mais hierárquico, eperceptível a uma primeira vista, é formado por um terreiroao redor do qual se acha o casarão em posição de destaque,situado em porção superior do terreno, como foco centraldo conjunto, tendo as demais edificações distribuídas naslaterais da quadra, ou terreiro, seguindo, dessa forma, opadrão palladiano proposto pelos vários manuais agrícolas,como visto anteriormente. A configuração espacial emquadros, tendo o casarão em posição de destaque, permitiauma fácil verificação das atividades no conjunto dasedificações, e essa dominação visual era ampliada quandoas atividades aconteciam em pátios fechados à frente docasarão. Assim, estavam em jogo, simultaneamente, nessetipo de implantação, tanto o controle da mão-de-obra

escrava, subjugada pela possibilidade de castigos corporaise por uma legislação extremamente favorável ao fazendeiro,como o próprio controle do trabalho ali desenvolvido.

Exemplos desse primeiro tipo de arranjo são as fazendasNossa Senhora da Conceição, em Caçapava; Boa Vista, emBananal; Sant‘Ana, em Lagoinha; entre outras. Dentre esses,talvez a Boa Vista tenha sido o melhor modelo dessasolução. Marquese, analisando uma pintura do século XIXdesta fazenda, diz:

Fundada em fins do século XVIII, a sede composta porterreiros, engenhos, senzalas e casa de vivenda foifinalizada por Luciano José de Almeida – então seuproprietário – na década de 1840. Em inventário de

Figura 14 (à esquerda, topo) - Murodivisório coberto de telhas, fazendaPau d’Alho, São José do Barreiro.Foto: V. Benincasa.

Figura 15 - Muro divisório de adobe,coberto de telhas, fazendaGuanabara, São José do Barreiro.Foto: V. Benincasa.

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73 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p.124.

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1854, além da listagem de 815 escravos, dos quaismais da metade residia na Boa Vista, há a referência àexistência de dois conjuntos de senzalas em quadra.(...). A primeira localizava-se em frente à casa de vivendae era composta por sessenta lanços de senzalas, maistulhas e um engenho de pilões, ambos assentados emum único edifício disposto na parte superior direita doterreiro. A segunda quadra, apenas com os quarenta enove lanços de senzalas, encontrava-se atrás. Na quadrafrontal, nota-se a existência de um único portão deentrada; todas as portas dos lanços da senzala, por suavez, voltavam-se para o terreiro. A planta seguiaclaramente o partido em U proposto por Palladio, cujoeixo era dado pela casa de vivenda.74

Figura 16 - Implantação, fazendaNossa Senhora da Conceição,Caçapava. Fonte: Lemos, C. A. C.Casa Paulista, p. 167.

Figura 17 - Vista do conjunto originalda fazenda Boa Vista, Bananal. Pinturaatribuída a George Grimm, século XIX.Fonte: Lemos, C. A. C. Casa Paulista,p. 146.

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74 MARQUESE, R. de B. Op. cit., 26 de outubro de 2005, p. 22.

Outro exemplo significativo dessa configuração espacialera a fazenda Rialto, em Bananal, desaparecidarecentemente. Aqui o casarão estava situado na porçãosuperior do terreno, tendo à frente o vazio ocupado peloterreiro, além de jardins, cujos canteiros e alamedasdeterminavam o eixo em direção à escadaria de acesso aopiso superior do casarão assobradado. Nas laterais,fechando o pátio, os engenhos, oficinas e os vários lançosde senzalas.

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No caso das fazendas Restauração, em Queluz, Sant’Ana,em Lagoinha e dos Coqueiros, em Bananal, nãopodemosafirmar que tenham se constituído em exemplos tãoincisivos quanto os dois anteriores, pois sua implantação jáse encontra destituída de várias edificações.

As duas primeiras apresentam, ao centro do conjuntoremanescente, os casarões, assobradados, com fachadassimétricas, tendo em sua lateral direita uma senzala,edificação térrea e de altura muito inferior que, no entanto,se harmoniza ao conjunto pelo seu comprimento; ao ladoesquerdo do casarão está o terreiro de café, seguido pelasrespectivas casas de máquinas, assobradadas. À frente dessasedificações, um grande pátio, garantindo uma visualprivilegiada do conjunto, em meio ao relevo movimentadodo Vale do Paraíba, o que é ressaltado pelos muros de pedrados terraplenos em que estão locadas essas edificações, àbeira de ribeirões. A composição, praticamente a mesmaem ambas, é muito bem feita, ofertando uma grata surpresaa quem chega a esses exemplares, pelas estradinhas de terraque serpenteiam entre os morros cobertos de mata.

A fazenda Coqueiros, em Bananal, que tem uma situaçãosemelhante às anteriores, com o seu casarão disposto aocentro do conjunto e à frente dos terreiros de secagem,tinha ao lado direito o engenho de café e à esquerda asenzala, ambos demolidos. Trata-se de um conjunto que,apesar de seguir aqueles mesmos preceitos, consegue umefeito cenográfico mais modesto que os anteriores. Isso seexplica pelo fato de o casarão ser térreo, apesar de estarsobreerguido por um porão e possuir fachada simétrica,valorizada pela escada central, e ligeiramente afastado dosterreiros por um jardim frontal. Além disso, o sítio escolhidositua-se numa várzea, não concorrendo para um destaquedo conjunto.

Um pouco diferente é o caso da fazenda Bom Retiro, emBananal. Das instalações primitivas, resta apenas o casarão,cuja bela fachada volta-se para um amplo jardim. Aosfundos, está o antigo terreiro, ao redor do qual ficavam asdemais edificações do conjunto, como senzalas, engenhos,etc, configurando um pátio fechado em que se sobressai agrande fachada traseira do casarão assobradado.

Figura 18 - Implantação, fazendaSant’Ana, Lagoinha. Fonte: Lemos, C.A. C. Op. cit., 1999, p. 160.

Figura 19 - Implantação, fazendaRestauração, Queluz. Fonte: Lemos,C. A. C. Op. cit., 1999, p. 155.

Figura 20 - Implantação, fazenda dosCoqueiros, Bananal. Fonte: Carrilho,M. J. Op. cit., 1994, p. 127.

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Pierre Monbeig também detectou essa forma de arranjoem torno do terreiro, seja nas fazendas do Vale do Paraíbaquanto naquelas que surgiriam algumas décadas mais tarde,na região de Campinas, destacando o escalonamentoocasionado pela adaptação ao relevo:

Nas antigas fazendas do vale médio do Paraíba, nasplantações relativamente recentes dos morros de Jundiaíe de Itu, ou nos contrafortes ocidentais da Mantiqueira,a habitação filia-se a um tipo único, desde que se façaabstração das diferenças secundárias. A residência dosenhor, sólida e majestosa, cercada por altas palmeirasdecorativas, domina as demais construções, que sedispõem abaixo dela, nos flancos de uma elevação. Aíse encontram os terreiros de café, escalonados comodegraus, com muretas de pedra, e também as cabanasdos escravos, dispostas em quadrilátero, em torno deum pátio que é cuidadosamente fechado à noite. Enfim,junto a um ribeirão, as paredes altas do recinto queabriga as despolpadoras, e outras construções ligadasàs atividades da fazenda, como as cocheiras, o estábulo,abrigos para as carroças, moenda de cana etc. Pode-sever nessa disposição uma conseqüência da topografiae uma forma de aproveitar, ao mesmo tempo, a faceensolarada e a água, que é fonte de energia.75

Nesses casos, a simetria, as visuais e o foco estão muitobem dirigidos e equilibrados, efeito conseguido com umaharmônica distribuição de volumes pelo terreno, seja eleplano ou patamarizado, indicando uma organização espacialhierárquica rígida e intencional:

São expressões em que o conjunto está submetido aum rígido controle, subordinado a uma ordem abstrata,perfeitamente regular e simétrica, em que os elementoscomparecem segundo uma hierarquia bem definida,dir-se-ia clássica. É um retângulo perfeito formado pelocorrer de casas que envolve o terreiro tendo numa dasextremidades – de preferência a mais alta – a casa demorada e, na outra, o portão de acesso.76

Em outros casos, quase sempre ocasionados por situaçõesde relevo muito movimentado, os casarões nem sempre seencontram no eixo do conjunto, por vezes aparecendo umpouco afastados do terreiro, outras ao seu lado, nãoseguindo à risca as orientações daqueles manuais. E essaparece ter sido a situação mais comum no Vale do Paraíba,ao menos em sua porção paulista. No entanto, no eixo ounão, o casarão invariavelmente ocupa posição de destaqueem relação ao conjunto, situado em local que possibilitavaaos seus ocupantes uma visão privilegiada, e indicando opoder do fazendeiro.

Nesses casos em que ocorre a assimetria, é curiosa aimplantação da fazenda Pau d’Alho. É talvez a única emque a configuração de fortaleza, fechada por muros eedificações foi conservada até os dias de hoje. Aos fundos,em cota superior, está o pomar, abaixo do qual o platô das

senzalas, seguido do terreiro, rodeado pela casa de escolha,pelo engenho de socar café, tulhas, cozinha, casa deadministrador, oficinas diversas e, na parte inferior, ocasarão, ladeado por dois pátios lindeiros, além de umterceiro pátio com um rancho destinado às tropas. O casarãoencontra-se em destaque em relação à estrada que passa àsua frente. No entanto, quando nos detemos apenas naanálise do conjunto de edificações, ele está situado na parteinferior do terreno. Contrário a todas as expectativase ensinamentos dos manuais, na parte mais alta do conjuntosobressai a antiga senzala. É dela que se tem uma vistaprivilegiada de todas as edificações e da paisagem. Em quepese a posição “privilegiada” da senzala, ainda assim docasarão pode-se ter um abarcamento favorável das atividades- tanto do terreiro, quanto da paisagem,e sem sombra de dúvida, a morada do fazendeiroé facilmente reconhecível, entre as várias edificaçõesexistentes.

Os arrimos das plataformas, constituídos de alvenaria depedra, são também parte do embasamento das edificações,sobre os quais se apóiam as estruturas autônomasde madeira, preenchidas por taipa de mão. SegundoAndrade:

O sistema construtivo mostra-se bastante compatível econveniente no tocante ao partido dominante,favorecida a continuidade das sucessivas dependências,no correr articulado das “casas” de vários lanços, assimcomo se revela extremamente apropriado àsadversidades da topografia.77

A fazenda Vargem Grande, em Areias, tem sua implantaçãoem situação semelhante à Pau D’Alho, embora aqui oconjunto não se configurasse tão fechado e compacto. Osterreiros ocupam a parte traseira do casarão que, juntamentecom as senzalas, casa de máquinas, tulha e demaisedificações, estão incrustados em suas laterais. Não seconfigura um eixo focal, embora o casarão se encontrerealçado pelas suas dimensões avantajadas em relação àsdemais edificações, dando-lhe a predominância no conjunto.

A preocupação com o foco visual no casarão exigiucriatividade, em alguns casos, mas fica evidente quepraticamente em todas as fazendas ela era freqüente e nãofortuita. A fazenda Catadupa, em São José do Barreiro, éum dos mais belos exemplos nesse sentido. Situada emterreno extremamente acidentado, o que resultou em cortese aterros grandiosos, escalonados, e muros de arrimo muitoaltos, sobressai o casarão, assobradado somente em sua

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75 MONBEIG, P. Op. cit., 1977, p. 177-8.

76 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, pp.124-5.

77 ANDRADE, L. A. D. de. Vale do Paraíba. Sistemas Construtivos.São Paulo: FAU-USP (dissertação de mestrado), 1984, p. 41.

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porção anterior, numa das extremidades do platô em quetambém ficavam o terreiro de café, as senzalas, os engenhose demais edificações do conjunto. A estrada que passa aolado do ribeirão Formoso, encachoeirado no seu leito depedras, observa o casarão encastelado em cima de um altoparedão de pedras, na margem oposta. O acesso ao conjuntose faz por uma ponte de madeira sobre o ribeirão que acessauma íngreme ladeira, na qual podemos observar vestígios depavimentação com pedras irregulares. Trata-se, realmente, deuma solução muito criativa, que soube tirar o máximo proveitoda paisagem circundante, não se esquecendo dafuncionalidade do conjunto.

Seguindo pela mesma estrada que passa pela Catadupa,em direção ao fundo do vale do ribeirão Formoso, chegamosà fazenda da Barra, no mesmo município de São José doBarreiro. Nela, o casarão parcialmente elevado sobre porões,encontra-se ao lado dos terreiros, em situação ligeiramenteinferior a esse. Na lateral oposta ficavam a senzala, a casade máquinas e a casa do administrador. No entanto, paraquem chega pela estrada, a primeira edificação avistada éo casarão, cujo caminho de acesso é marcado por uma fileirade enormes palmeiras imperiais, e pelos muros de pedralaterais do conjunto. Ou seja, mesmo não estando emposição privilegiada, o casarão se destaca através de eixosvisuais artificiais, criados para lhe dar o devido destaque.Além disso, ele se impõe pelas dimensões, simetria de

Figura 21 - Conjunto arquitetônicooriginal da fazenda Vargem Grande,Areias. Acervo: V. Benincasa.

Figura 22 - Casarão da fazendaCatadupa visto da estrada, São Josédo Barreiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 23 - Vista lateral do casarão dafazenda Catadupa, São José doBarreiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 24 - Acesso ao casarão dafazenda Catadupa, São José doBarreiro. Foto: V. Benincasa.

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fachada e pela boa solução da escadaria em dois lances,que leva a um patamar de acesso ao pavimento superior.

Nesse caso, o núcleo da fazenda da Barra encontra-se notopo de um terraço à beira do ribeirão, que necessitou serampliado para abrigar os terreiros e permitir a implantaçãodo casarão e demais edificações, o que foi conseguido como corte parcial de um morro e a criação de um platô, comextensos e altos muros de contenção.

Ao avançar pelo Vale paulista, a cafeicultura encontrouterrenos mais planos junto às várzeas de alguns rios eribeirões. Nas imediações de Guaratinguetá, Taubaté,Pindamonhangaba, muitas das sedes dessas fazendas

Figura 25 - Implantação, fazenda daBarra, São José do Barreiro. DesenhoLuiz A. D. de Andrade. Fonte:Carrilho, M. J. Op. cit., 1994, p. 130.

Figura 26 - Vista do conjunto dafazenda da Barra, São José doBarreiro. Acervo da própria fazenda.

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acabam, assim, estando assentadas em terrenos detopografia mais suaves, favoráveis à instalação das grandessuperfícies planas dos terreiros, necessitando de poucosajustes. A alvenaria de pedra foi bastante empregada nosmuros de contenção dos terreiros, mas nos muros divisóriospredominaram os de taipa de pilão, protegidos por telhas.Por estarem em terrenos mais planos, a organização dasedificações é bem perceptível. Sobre a fazenda Amarela,em Pindamonhangaba, Andrade escreve:

(...) é testemunho importante de tais preferências.Implantada na borda de uma extensa planície doParaíba, tem ao fundo as fraldas dos morrosarredondados que perseguem a Mantiqueira.

Lateralmente à residência esparramam-se os terreirosladrilhados e murados de taipa, envolvidos pela senzala,tulha e casa de máquinas, hoje desaparecidas.78

A fazenda Quilombo, em Taubaté, segue uma situação muitosemelhante. Situada em uma várzea cercada por morros,

para a implantação das edificações e dos terreiros foinecessária apenas a regularização do terreno em umaplataforma não muito elevada. São dois terreiros de caféque organizam o conjunto. O primeiro tem no seu ladosuperior o casarão, o pomar murado,e o correr de casasque se destinavam a moradia de empregados e oficinas; asituação é muito semelhante a uma praça urbana cercadade casas. Na lateral oposta à estrada de acesso ao conjunto,ficava uma edificação avarandada, que pode ter sido um lançode senzalas com embasamento de taipa de pilão, hoje utilizadapara guarda de gado, e já bastante alterada.

Na vertente inferior, resta uma antiga tulha e casa demáquinas, que, numa foto da fazenda no AlmannachIllustrado de Taubaté de 1905, não aparece. Talvez a foto

Figura 27 - Conjunto arquitetônico dafazenda Quilombo, Taubaté. Foto: V.Benincasa.

Figura 28 - Panorama da fazendaQuilombo, Taubaté. Fonte:Almannach Illustrado de Taubaté,1905, p. 72.

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78 ANDRADE, L. A. D. de. Op. cit., 1984, p. 43.

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seja ainda do século XIX, porque em 1901, uma casa demáquinas dessa fazenda foi citada numa minuciosadescrição num artigo do jornal “O Estado de São Paulo”.Outras hipóteses a serem consideradas é que ou a casa demáquinas funcionava em outro local, ou que o fotógrafotenha tentado “esconder” tal edifício, buscando umacomposição que achasse ideal...

Esse terreiro foi calçado, e ainda se podem ver os canais depedra que levavam a água para movimentar a roda d’águae conduzir os grãos pelas suas diversas partes, além de drenara chuva.

O segundo terreiro fica atrás do casarão e sua configuraçãoé ainda mais fechada que no terreiro fronteiro, pois além

Figura 29 - Vestígios de canais nosterreiros da fazenda Quilombo,Taubaté. Foto: V. Benincasa.

Figura 30 - Antigos terreirosposteriores, de terra batida,transformados em pasto. Ao fundo,o casarão. Fazenda Quilombo,Taubaté. Foto: V. Benincasa.

do correr de casas e do casarão, possui numa das laterais oanexo de serviços e, do lado oposto, outro lanço de senzalas,de taipa de pilão, hoje parcialmente desaparecido.

Encontramos configurações semelhantes nas fazendasBarreiro e Pasto Grande, em Taubaté. Sem as amarras dorelevo muito movimentado, a implantação das fazendaspodia ser feita de maneira menos custosa, organizandomelhor as edificações e as atividades ao redor do terreiro.Quanto à sua organização, todos estes exemplos citadosseguem o tradicional padrão em quadras, compondo umimenso quadrilátero. Mesmo quando ocorreram ampliaçõesdas instalações, verificamos que se mantém a formação emtorno de um ou mais quadros.

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Edificações de beneficiamento do café

O beneficiamento dos grãos de café, como mencionadoanteriormente, necessitava de várias instalações específicasque, obrigatoriamente, tiveram de ser construídas nasfazendas destinadas ao seu cultivo.

Em primeiro lugar podem ser citados os canais, ou regos,para o deslocamento da água em direção aos tanques delavagem do café e para a movimentação das rodas d’águados equipamentos usados no beneficiamento do grão seco.Em geral esses canais eram abertos diretamente no chão,como valas, ao longo das encostas, descendogradativamente o nível do terreno e, quando seaproximavam do terreiro, eram regularizados com pedras.A manutenção era constante, em especial no período dechuvas. Em alguns trechos esses canais chegavam, mesmo,a ser subterrâneos, principalmente em cruzamentos comuma estrada. Não se podia permitir que a lama fosserevolvida por uma eventual passagem de tropa, carros, etc,numa hora em que estivesse ocorrendo o processo delavagem ou de fermentação dos grãos, por exemplo. A águadestinada aos tanques de lavagem e fermentação tinha deser a mais limpa possível, por isso esses cuidados. Lemossalienta a importância dos mineiros na execução desses canais:eram peritos em canalizações no chão e em aquedutos quetransportavam e desviavam como quisessem o líquidoprodutor de energia.79 Esse conhecimento sobre canalizaçõesfacilitava a implantação do conjunto em áreas de relevo tãomovimentado, possibilitando a transposição da água delugares às vezes muito distantes até o local da sede da fazenda.

Existiram, desde o início, vários tipos de lavadores de café.De maneira geral, constituíam-se de um tanque de alvenariade pedra, cuja base era formada por um tronco de pirâmide

invertido, com dispositivos de controle de saída separadados grãos e sujeira. Logo em seguida a este tanque existeum sistema hidráulico que permite, através da diferença dedensidade dos grãos (os verdes “bóiam” e os cerejas, maisdensos afundam), conduzi-los separados aos terreiros (...). 80

Caso se utilizasse o despolpamento (retirada da casca exte-rior) antes da secagem, após passar pelo lavador os grãoseram conduzidos para um tanque de maceração oufermentação, e aí ficavam por 24 horas para que sedesprendessem os restos de polpa dos grãos, e só depoiseram conduzidos por outros canais para os terreiros, ondeeram espalhados com enormes rodos de madeira.

Esses tanques, segundo Carrilho, são obra de esmeradacantaria. Com o passar do século XIX foram sendo cada vezmais aperfeiçoados. Dentre as fazendas do Vale do Paraíba,chama a atenção o belo exemplo do lavador existente nafazenda Coqueiros, em Bananal. Nele vemos um primeirotanque, o lavador, propriamente dito, onde os grãos eramlimpos de sujeiras como gravetos, folhas, pedras e terra; emseguida um tanque de separação dos grãos verdes dosmaduros (cereja): os maduros eram desviados para o canallateral e levados para um lado do terreiro, já os cafés verdescaíam num grande ralo, que permitia o escoamento da água.Daí eles eram espalhados para uma outra área do terreiro.Com essa separação, o café atingia preços mais altos poroferecer maior uniformidade em seu aspecto.

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79 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 138.

80 ROZESTRATEN, A. S. Op. cit., 1993/94, p. 16.

Figura 31 - Lavador de pedra dafazenda Coqueiros, Bananal. Desenhooriginal de Antônio Luís Dias deAndrade. Fonte: Carrilho, M. J. Op.cit., 1994 p. 100.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 55

Os canais de pedra e os tanques de lavagem e de maceraçãodo café ainda podem ser observados em algumas dessasfazendas, quase sempre em ruínas, devido aos muitos anosem desuso e à falta de manutenção.

Devido às características do relevo, no qual prevalecem osmares de morros, a parte mais plana era destinada aoterreiro, principal equipamento da fazenda cafeeira paulista.As demais edificações eram distribuídas ao seu redor, ou emsuas imediações, dependendo das condições encontradas.

Em geral, nas atuais fazendas encontramos dois tipos deterreiros, um pavimentado (pedras, tijolos, ou ladrilhoscerâmicos) e outro de terra batida. É provável que estasituação já se refira ao uso de técnicas de beneficiamentomelhoradas ao longo do século XIX, na qual os grãos,colhidos com a ajuda de lençóis, sem o contato com a terra,e peneirados ainda na lavoura, eram secos em terreiros dechão batido, pois vinham limpos de eventuais torrões egravetos. Já os grãos que caíam no solo antes da colheitaou sem o uso do lençol, além daqueles que eramdespolpados antes da secagem, tinham de ser lavados efermentados nos tanques, e depois secos em terreiros

pavimentados para impedir que a umidade do soloprovocasse fermentações que lhes alteraria o sabor.

Nos inventários mais antigos, não há referências a terreiros“pavimentados”, mas simplesmente “terreiros”, comoaparece no inventário de 1819, de D. Anacleta, esposa deFortunato Pereira Leite, em que é citada a existência de trêsterreiros cercados de madeira de lei, na fazenda do Barreiro,em São José do Barreiro.81 Carrilho, em seu trabalho sobreas fazendas do Caminho Novo da Piedade, já destacava queos terreiros, em si, eram poucos mencionados nessesinventários, talvez por não terem um valor muito grandeentre o conjunto das edificações. As referências a eles sãofeitas mais em função dos muros que os cercam e os portõesde madeira que controlam os seus acessos, ou às edificaçõesque existem ao seu redor. Eles aparecem quase sempre comoum elemento referencial e não como objeto em si, comopodemos ver nos seguintes trechos de inventários:

Figura 32 - Lavador de pedra dafazenda Coqueiros, Bananal. Foto: V.Benincasa.

Figura 33 - Terreiros revestidos depedra da fazenda Restauração,Queluz. Foto: V. Benincasa.

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81 SAIA, L. Notas preliminares sobre a fazenda Pau d’Alho. Separatada Revista de História, nº 102, São Paulo, 1975, p. 603-5.

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...murado o terreiro de adobos, e tão bem coberto detelhas, com hum portão de entrada outro de saída...(fazenda Perapetinga, 1836);

Quatro porteiras feicho do terreiro... (fazenda Arribada,1856);

...dois portões no terreiro... (fazenda Sobradinho,1858);

Um muro que cerca o terreiro... (fazenda Campo Alegre,1861);

...duas passagens cobertas no quadro do terreiro...(fazenda Mato Dentro, 1868);

Tres portões e os muros que cercam O terreiro da frenteda casa de morada... (fazenda Boa Vista, Areias, 1875);

Tres lanços de casas terreas cobertas de telhas com duasportas... na frente do terreiro... (fazenda Glória dosCampos, 1838); 82

Dois paredões de pedra em roda do terreiro... (fazendadas Formigas, Bananal, 1857); 83

Cinco lances de cazas no terreiro de caffé que servemde senzallas... (fazenda Campo Alegre). 84

A omissão do tipo de pavimentação desses terreiros sugereque o processo usado no beneficiamento era por via seca enão úmida. Somente a partir de meados do século XIX osterreiros passam a ser mais comumente descritos eassociados à idéia de uma benfeitoria da fazenda, comopodemos ver nos próximos exemplos, onde já aparecem ospavimentados. Foi a partir de 1860, com a introdução dosdespolpadores e do processo de beneficiamento pela viaúmida, que se difundiu a pavimentação dos terreiros. Isso éconfirmado pelo aparecimento de menções a esse tipo deterreiro nos inventários:

Um terreiro de cimento de secar café... (fazendaAlegrete, 1883);

Um terreiro de pedras por acabar... (fazenda Cachoeira,1869);

...420 braças de terreiro de cal e cimento... (fazendaCatadupa, 1866);

Um terreiro de arêa e cal... (fazenda Orisaba,1903); 85

Terreiros ladrilhados, lavador... / Dois terreirosladrilhados, lavador de café, paredões feitos de pedra(fazenda Bonfim, Taubaté, 1886); 86

Dois terreiros cercados de muro, sendo um de cimento...(fazenda Boa Vista, Cruzeiro, 1898). 87

É possível que o simples revestimento já o configurassecomo um elemento construído, ao contrário dos grandespátios de terra batida. Sem dúvida, havia um custo embutidona pavimentação, fosse ela de qualquer tipo. Os atuaisterreiros que ainda resistem nas fazendas do Vale do Paraíbapaulista, em geral são pavimentados, ou com vestígios deque o foram no passado. A maioria das fazendas apresentavários terreiros, sendo alguns revestidos e outros de terrabatida. Encontramos pavimentos de lajes irregulares depedra, de ladrilhos cerâmicos e atijolados. Em algumasfazendas co-existem terreiros revestidos de diferentesformas, como é o caso da fazenda Barreiro, em Taubaté, naqual existe um com lajes de pedra, que parece ser o maisantigo por se encontrar cercado pela antiga tulha e casarão,e outro ladrilhado. Há ainda os que atualmente apresentam-se como de terra batida. No entanto, não podemos afirmarque sempre foram dessa maneira. Como nos inventárioshá a menção a revestimentos feitos de cimento e terra, oucal e areia, que são mais frágeis que ladrilhos e pedras, elespodem ter se desgastado ao longo dos anos, edesaparecido.

Pela análise dos inventários, concluímos que os pavimentosde pedra e de argamassa de cal e areia, cimento, ou mesmoo de asfalto, foram os primeiros a serem utilizados. Osrevestidos de cerâmica surgiram posteriormente. Há notíciasde uma fábrica de Taubaté que produzia ladrilhos paraterreiros, em 1880, a 140 réis o milheiro, cuja propagandafalava das vantagens do seu uso no processo de secagemdos grãos que até agora vinha sendo exposto sobre o chãocom grandes desvantagens, sujando-se, molhando-se, etc.88

Enfim, a variedade é grande, e pressupomos que cadafazendeiro escolhia o material a ser utilizado nos terreirosde acordo com suas posses e facilidade de obtenção. Indicaainda que, numa mesma fazenda, o revestimento pode tersido feito e refeito em diferentes épocas, como nos leva acrer a informação encontrada no artigo de 1968, de Romeu

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82 Trechos de inventários obtidos in: CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994,p. 65-6.

83 Inventário de Alferes Francisco de Aguiar Vallim, 1857.

84 Inventário de Luciano José de Almeida, 1854.

85 Trechos de inventários obtidos in: CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994,p. 65-6.

86 Inventário de Jacyntho Pereira da Silva, 1886.

87 Inventário do Major Manoel de Freitas Novaes, 1898.

88 Gazeta de Taubaté, 13 de março de 1880. Apud: POLESI, O.Bonfim, Fortaleza e Santa Leonor. Taubaté: FortalezaEmpreendimentos, 1981, p. 23.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 57

Simi Jr., a respeito da fazenda Pasto Grande, em que oentão proprietário afirmava que os terreiros de cima, queeram de terra batida, haviam sido ladrilhados somente em1933, enquanto que os terreiros inferiores da mesmafazenda, já o eram desde o século XIX.89

Com a pavimentação dos terreiros, cresceu a preocupaçãocom seu sistema de drenagem. Os terreiros, sem exceção,apresentam uma leve inclinação, para evitar o acúmulo deágua em sua superfície, e são cercados por uma mureta dealtura variada. Em geral, principalmente naqueles de maiorárea, essa seção em declive acabava em canais de drenagemsituados ao longo das plataformas que conduziam a águadas chuvas para fora dos terreiros, através de gárgulaslavradas em pedra, que eram inseridas nessas muretas queenvolviam os terreiros. Nessas gárgulas, eram colocadaspeneiras metálicas ou de pedra furada, a fim de se impedira passagem dos grãos. Os grandes arrimos de pedra tambémpossuem essas gárgulas para evitar o acúmulo das águasque penetrassem o solo, diminuindo o empuxo sobre essesmaciços, como salienta Carrilho.90

Fora dos terreiros, as águas eram conduzidas por outroscanais para longe dos terreiros e demais edificações, evitandoerosões desnecessárias.

Figura 35 - Gárgula de pedra lavradapara drenagem de terreiro. FazendaBarreiro, Taubaté. Foto: V. Benincasa.

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89 SIMI Jr., R. Sede de Fazenda. In: Acrópole, nº 351, ano XXX, SãoPaulo, junho de 1968, p. 24.

90 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 95.

Figura 34 - Terreiros ladrilhados dafazenda Pasto Grande, Taubaté. Foto:V. Benincasa.

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Depois de separados e secos, os grãos eram levados paraos galpões de armazenamento, as chamadas tulhas e, dali,para os engenhos de beneficiamento. Se o método usadoera o de via seca, o beneficiamento se encarregaria de retiraras cascas externa e interna; se o método era o da via úmida,somente era removida a pele interna, também chamada depergaminho. Depois de extraídas as cascas, os cafés eramabanados, ensacados e armazenados em galpõesapropriados, de onde seguiam para os portos, para acomercialização.

As tulhas de café, nos inventários de fazendeiros do Valedo Paraíba, aparecem quase sempre descritas com várioslanços, cobertas de telha, assoalhadas e com porão. O porãotinha a função de afastar o piso da umidade do solo evitandoa perda dos grãos, bem como a cobertura de telhas; jamaisencontramos a descrição de tulhas cobertas de sapé, porexemplo. Lições preconizadas nos velhos manuais agrícolase que foram seguidas à risca, podem ser vistas nos exemplosa seguir:

Tres lanços de casas terreas cobertas de telha com duasportas e huma janella na frente do terreiro, e quatro dolado do Rio Bananal, com paredes de adobos, e grandealicerce de pedra, e huma Tulha em cima, assualhada,para o Caffé (inventário de 1838, do Tenente-coronelLuís Gomes Nogueira, mineiro de Baependi 1838. Adescrição se refere a sua fazenda Nossa Senhora daConceição da Glória dos Campos, Bananal).91

Tres lanços de casa com setenta palmos que serve paratulhas assoalhados cubertos de telha... (fazendaAlambari).

Uma casa que serve de tulha com seis lançosassoalhados... (fazenda Antinhas, Bananal). 92

Cinco lanços de ditas que servem de tulhas... (fazendaBonfim, Taubaté, 1886). 93

Aparecem também menções a tulhas com piso asfaltado,como no inventário da fazenda Cachoeira, em Bananal, de1854: Quatro lances de casas de tulhas novas, asfaltadas,com três varandas em roda, duas fechadas e uma aberta /Oito lances de casas de tulha, nova, com dois lancesasfaltados e dois assoalhados com varanda atrás, térreas,fechadas.94

Figura 36 - Gárgulas de pedra lavradapara drenagem de aterro. FazendaPau d’Alho, São José do Barreiro.Foto: V. Benincasa.

Figura 37 - Abertura para drenagemdos terreiros. Fazenda Quilombo,Taubaté. Foto: V. Benincasa.

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91 MOURA, C. E. M. de. Op. cit., 2000, p. 54.

92 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 75.

93 Inventário de Jacyntho Pereira da Silva, 1886.

94 MOURA, C. E. M. de. Op. cit., 2000, p. 58.

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Como alicerce, quase sempre aparece o embasamento depedras, acima do qual se erguia a gaiola, estruturaautônoma de madeira, com vãos preenchidos por taipa demão ou adobe. Mas também encontramos tulhas feitas detaipa de pilão em fazendas de Taubaté, como na Cataguá ena Barreiro, ou menções a tulhas edificadas com essa técnicana Santa Leonor e na Fortaleza, na mesma cidade. As duasprimeiras encontram-se bastante descaracterizadas pelamudança de uso, e as duas últimas não pudemos visitar.

As tulhas, segundo a leitura dos inventários da época, eramedifícios grandes, com vários lanços: quanto maior aquantidade de pés de café de uma propriedade, maiores astulhas, ou maior o número de lanços. É de se supor queconforme crescia a produção, aumentavam-se os númerosdesses compartimentos, o que não devia ser difícil, devidoao uso da taipa de mão ou o adobe como técnica preferencialem sua execução, ou mesmo construíam-se novas tulhas,dissociadas daquelas primeiras: é comum a citação de tulhas“novas” e “velhas”, numa mesma fazenda. Também noschamou a atenção o fato de muitas dessas edificações seremavarandadas, o que nos leva a pensar em proteção das

paredes, de taipa de mão ou adobe, da umidade das chuvas(para proteção do café guardado em seu interior). Essasedificações eram de fundamental importância poispermitiam regular a comercialização do produto: vendendo-o em época de preços altos e estocando-o nos períodos debaixa. Além do mais, o escoamento da produção seguia oritmo imposto pelas tropas de burro, que, por maisnumerosa, era pouco eficiente e cara.

Em geral, anexo às tulhas ficava o local destinado às variadasetapas de beneficiamento do café já seco: retirada da casca,brunimento, escolha e classificação por tamanho eensacamento. Os inventários apresentam muitas descriçõesde “lanços de tulha” associados a “engenhos”, “engenhosde socar”, “casas de escolher”, “mezas para escolher caffé”,“casa de pezar”, “engenhos d’agua para monjollos”. Comovimos anteriormente, as técnicas de beneficiamento foramse aperfeiçoando ao longo do século XIX. O espaçodestinado a essas atividades acompanhou essatransformação. A princípio era muito exíguo, constituindo-se apenas de um puxado da tulha, por vezes coberto depalha, outras de telhas, em geral aberto nas laterais. Sob

Figura 38 - Tulha construída em taipade pilão, fazenda Cataguá, Taubaté.Foto: V. Benincasa.

Figura 39 - Tulha construída em taipade pilão, atualmente usada comoresidência, fazenda Barreiro, Taubaté.Acervo Fazenda Barreiro.

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ele trabalhava um ou mais monjolos movidos a água ou atração animal. Novamente os inventários é que vêm emnosso auxílio, pois desses primitivos espaços nada restou.Carrilho, no entanto, oferece-nos uma informação muitocuriosa a respeito do beneficiamento do café nas fazendasdo Caminho Novo da Piedade, e que pode ser estendida àsfazendas do Vale do Paraíba em geral: até o último quarteldo século XIX, a maioria destes inventários traz somentemenções ao monjolo como o equipamento destinado abeneficiar café, inclusive em fazendas de grande porte. Jáos carretões, ou ribas, aparecem um pouco antes, a partirda segunda metade do século XIX: é próximo a 1850 quecomeçam a surgir as descrições destes aparelhos, para aretirada das cascas do café, além dos abanadores mecânicos,para a separação dos grãos descascados da palha, tudomovido a água ou tração animal.

Huma caza com Riba... Huma caza com engenho desocar caffé com caza de escolha, dois regos d’agoa,dois moinhos, roda de mandioca e prença... (fazendaAntinhas, Bananal, 1855)

Tres lanços de casas cubertas de telhas com riba...(fazenda Alambari, Bananal, 1861)

Um Riba coberto de sapé (fazenda Olaria, 1876) 95

Um engenho de socar café coberto de telha, comparedes de pedra, tocado por água com um abanadore rego... (fazenda Marrecas, Bananal, 1858)

Engenho d’água para café, com despolpador de pedra,dois abanadores de água, moinho de fusil e maispertences... (fazenda São Francisco, Bananal, 1863)

Dois caixões para café socado, um abanador tocado aágua, um maquinismo para socar café com seis mãos,um moinho de descascar café, um moinho de fubá,um abanador tocado a água pertencente ao moinho eassoalhadas, para Casa de Administrador, e Tulha decafé, com uma varanda (fazenda Independência,Bananal, 1884) 96

Um engenho de socar café e uma porção de tabuadopara assoalho... (fazenda Pasto Grande, Taubaté, 1844) 97

A Casa do Engenho de caffé, coberta de telha, comtodas as machinas para o beneficiamento do caffé...Hum assude e rego d’agoa que toca o engenho acima...(fazenda Boa Vista, Bananal, 1854) 98

(...) huma caza com duas portas e quatro janellas defrente, coberta de telhas com novo Engenho de café,hum ventilador e pertences e rego d’agoa... (fazendaCachoeira, Bananal, 1854) 99

Um engenho de café e casas... (fazenda Bela Vista,Bananal, 1857) 100

Engenho de soccar café, de piloeiro, abanadores comsua caza coberta de telhas... (fazenda Bonfim, Taubaté,1886). 101

É de se supor que então se ampliaram as coberturas, devidoao porte desses novos equipamentos, e que adaptaçõestiveram de ser introduzidas, como novos canais de água, ossuportes para as grandes rodas d’água, as engrenagens,eixos, etc, de que eram constituídos. E que tenham sido, aomenos parcialmente, fechadas, uma vez que a referência a“casas coberta de telhas” começa a aparecer.

Segundo Carrilho, estes engenhos de café deviam serconstruídos da melhor forma possível, pois abrigavam nãosó as máquinas de beneficiamento de café, como tambémos dispositivos que transformariam a força hidráulica emforça motriz. Esta é aliás, a interface essencial que distingueos engenhos dos demais edifícios: a interação da carga deágua, dos maquinismos e da edificação.102 A eficiência doprocesso de beneficiamento garantia a qualidade do produtofinal. Quanto melhor fossem as instalações e o maquinário,melhores os preços obtidos no mercado. Aliás, em artigosdo século XIX, a qualidade do café brasileiro, no queconcerne aos frutos e à produtividade, foi sempre muitoexaltada. O beneficiamento, no entanto, deixava a desejar,na maioria das fazendas, gerando um produto inferior aosde outras regiões do mundo. Somente depois de muitotempo, ao final do século XIX, os cafés brasileiros começarama atingir, ao final do beneficiamento, um nível superior.

As máquinas industrializadas só aparecem em inventáriosdo final do século XIX e início do século XX, mas sabe-seque a Lidgerwood Manufacturing & Company já seestabelecera no Rio de Janeiro desde 1860, e a partir de1862 passou a comercializar máquinas de descascar ebeneficiar café. Isso talvez esteja relacionado à eficácia dosequipamentos antigos; além do mais os novos maquináriosrepresentavam um investimento alto, para um trabalho como qual não se gastava quase nada, tendo farta mão-de-obra escrava e força motriz. Essas devem ter sido as razõesde não ser comum encontrar relatos dessas máquinas em

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95 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 71.

96 MOURA, C. E. M. de.. Op. cit., 2000, p. 58.

97 Inventário de Pedro Pereira da Fonseca Telles, 1844.

98 Inventário de Luciano José de Almeida, 1854.

99 Inventário de Luciano José de Almeida, 1854.

100 Inventário de Alferes Francisco de Aguiar Vallim, 1857.

101 Inventário de Jacyntho Pereira da Silva, 1886.

102 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 101.

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inventários antes da década de 1890, no Vale do Paraíba.Marcondes de Moura, em seu estudo sobre os inventáriosde fazendeiros da região, encontrou apenas uma máquinaLidgerwood, citada num documento de 1869, da fazendaCascata, em Bananal; ainda assim, ela convivia com umacasa de engenho com roda d’água e pilões.

Em 1879, Herbert Smith, um cientista norte-americano,descreveu uma fazenda fluminense de Entre-Rios, quepossivelmente era semelhante a fazendas paulistas damesma época. Nela aparecem os maquináriosindustrializados, produzidos por uma fábrica americana,muito provavelmente pela Lidgerwood:

A primeira impressão que nos produziu o engenho donosso anfitrião foi a de um pandemônio. É umadependência grande e espaçosa, como as existentes nosEstados Unidos para moagem de trigo. O solo e as duasgalerias existentes no engenho são ocupados por umasérie de máquinas complicadas, semelhantes, algumas,a debulhadoras, outras a ventiladores (...). Todo essemaquinário está em movimento, com um ruídoensurdecedor das engrenagens e dos pilões, para, afinal,apresentar grãos limpos e bonitos, provenientes dascascas sujas, vindas das mesas de secagem. (...) Mas aplantação do Sr. S. produz, anualmente, dezesseis adezoito mil arrobas e, dentro de poucos anos, orendimento será muito aumentado; suas máquinas têmde descascar e beneficiar todo esse café no espaço dedois a três meses. O grande número de máquinasassegura não só a perfeição do resultado, como maiorcapacidade de trabalho, a fim de enfrentar asnecessidades de uma grande plantação. (...) Todas osgrandes fazendeiros estão introduzindo essesmaquinismos aperfeiçoados, a maioria dos quais é deinvenção e fabricação americana. Muitos fazendeirosenviam seus cafés a grandes engenhos, para

beneficiamento, como procedem, na América do Norte,os plantadores de trigo.103

Essas máquinas, segundo Smith, eram fruto de muitos anosde estudo, e o seu funcionamento é descrito da seguinte forma:

O café é transportado em cestas para o engenho edepositado numa grande caixa, a). Daí é levado porum elevador de corrêas, b), para o ventilador, c), ondeos pauzinhos e o lixo são extraídos e a poeira removidapor meio de ventilação. Passa, então, por um tubo, d),para outro elevador, e), que o leva ao descascador, f),onde a casca e a casquinha são removidas por cilindrosrodantes. Os grãos e as cascas quebradas passam porum tubo, g), para o ventilador, h), onde os quebradossão separados; os grãos inteiros são isolados em umapeneira e, passando por um tubo, i), voltam ao elevador,e), e novamente ao descascador; Os quebrados e o lixocaem numa caixa, j), de onde são retirados para estrume;os grãos de café passam a um tubo, k), e são levadospelo elevador, l), para o separador, m). O separador écomposto de um par de cilindros de cobre, ôcos,giratórios e com furos de diferentes tamanhos e fórmas;os grãos de café, uma vez nos cilindros, saem por êssesfuros, que os separam em grandes, pequenos, chatos eredondos, distribuindo-os em diferentes depósitos, n),o), p).

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103 SMITH, H. H. A História do Café. Capítulo XVIII da obra “Brazil –The Amazons and the Coast”, Nova York, 1879. In: Revista doDepartamento Nacional do Café. Rio de Janeiro: DNC, Ano VIII, nº85, julho de 1940, vol. XV, pp. 228-9.

104 SMITH, H. H. Op. cit., julho de 1940, vol. XV, p. 230.

Figura 40 - Organograma daseqüência de máquinas em fazendafluminense, descrita por Herbert H.Smith. Fonte: Smith, H. H. Op. cit.,julho de 1940, vol. XV, p. 232.

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(...) O maquinário é propulsionado por uma turbina epor uma caldeira que a movimenta (...).104

Consta que a extinta fazenda Santana, em Areias, tambémlevantada pelo arquiteto Andrade, na década de 1970,continha em seu engenho de beneficiamento de caféequipamentos semelhantes a esses descritos : uma máquinaLidgerwood composta de despolpador, abanador eclassificador, além de elevador de grãos. Na mesmaedificação funcionava uma serraria e carpintaria, a moendade cana, e uma máquina de arroz, além da tulha. A forçamotriz era a água, que acionava a roda, e esta, todo omaquinário. O edifício possuía três pisos: o embasamentoe os canais eram de alvenaria de pedra lavrada, as paredesacima eram estruturadas por uma gaiola de madeira, comvãos preenchidos, possivelmente, por taipa de mão ouadobe.

O comentário seguinte, de Smith, devia se aplicar à maioriadas fazendas da porção paulista do Vale do Paraíba, a sejulgar pelas informações contidas nos inventários:

Tempo houve em que o café era quebrado em grandespilões de madeira , à custa de muito trabalho; e mesmoagora, em muitas fazendas, o trabalho continúa sendofeito em grandes pilões com soquetes de base de metal,movidos a vapor ou a água. Em lugar de ventilador,usam peneiras de mão rasas, que as negras manejamcom assombrosa destreza, separando o pó e as cascascom um geito especial.105

Essa resistência aos maquinários industrializados pode serobservada no caso da fazenda Restauração, em Queluz, emcujo inventário, de 1889, aparece uma casa em aberto,coberta de sapé, contendo um monjolo, e uma outra pegadacoberta de telha, assoalhada, com uma porta e uma janela,contendo ventilador de café... Já no inventário de 1915,aparece uma casa de machinas, contendo tres repartiçõespara café, machinismo para café, arroz, engenho de canna,alambique... 106 Ou seja, a atual casa de máquinas aliexistente, deve ser obra de fins do século XIX. Trata-se deuma construção assobradada, encostada ao muro deterreiro. A cobertura possui quatro águas, com telhas capae canal. O beiral possui guarda-pó e cachorros em peito depomba. No entanto, sobre o terreiro, há um prolongo deuma das águas, sob o qual foram construídos dois cômodos,talvez usados como depósitos, e uma pequena varandaaberta, que serve de proteção à entrada para um dessescômodos e para a casa de máquinas, cujo pavimento supe-rior encontra-se ao mesmo nível do terreiro.

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105 Idem, ibidem, p. 230.

106 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 69.

Figura 41 - Corte de casa de máquinasda fazenda Santana, Areias. Desenhooriginal: Antônio Luís Dias deAndrade. Fonte: Carrilho, M. J. Op.cit., 1994, p. 107.

Figura 42 - Casa de máquinas dafazenda Restauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

Figura 43 - Casa de máquinas, vistado terreiro, fazenda Restauração,Queluz. Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 63

A casa de máquinas, propriamente dita, tem plantaretangular; o embasamento é de pedras, e sobre ele ancora-se a estrutura de madeira cujos vãos são preenchidos comtaipa de mão. Numa das laterais da edificação, na qual passao canal de escoamento das águas do terreiro, a taipa demão foi substituída por tijolos.

Internamente, o pavimento superior é assoalhado,formando um amplo salão, onde se encontram váriasmáquinas de beneficiamento de café. Num dos cantos daedificação, logo à frente da porta de entrada, há umarepartição, com paredes de taipa de mão, que forma umcômodo isolado, que deveria servir para guarda deferramentas. Logo à esquerda de quem adentra o edifíciopelos terreiros, há o vão de uma escada interna, protegidopor guarda-corpo de balaústres recortados. Essa escadafaz a ligação entre os pisos.

No pavimento inferior, o piso atualmente é de terra batida.Há vestígios de que também tenha sido assoalhado. Aquihá um amplo salão com as tradicionais roldanas e eixossuspensos na estrutura de madeira, que movimentavam asmáquinas situadas no pavimento superior, além de máquinaspara beneficiamento de arroz, e moinho de fubá. Esse salãocomunica-se com a área externa por uma porta e váriasjanelas. Cerca de um terço desse piso é fechado por paredesde taipa de mão, formando um outro cômodo isolado, semcomunicação interna com o salão anterior, no qualatualmente funciona uma espécie de marcenaria e depósito,cuja entrada se faz por duas portas na lateral da edificação.As portas e janelas são simples, com vergas retas, semnenhum tipo de ornamentação.

Externamente, o edifício é imponente pela altura,praticamente a mesma do casarão, embora sem oselementos decorativos daquele. Ambos, juntamente comos muros de pedra do terreiro, formam um dos mais belosconjuntos rurais de todo o Vale do Paraíba.

Evidentemente, essa casa de máquinas não condiz comaquelas primeiras edificações onde se encontravam osmonjolos ou as baterias de pilões; ela foi construída paraabrigar maquinários modernos, industrializados. Curiosa,

Figura 44 - Piso superior. Interior dacasa de máquinas da fazendaRestauração, Queluz. Fonte: O Café.São Paulo: Banco Real/ABN AMROBank, 2000, p. 52.

Figura 45 - Balaústres da caixa deescada. Interior da casa de máquinasda fazenda Restauração, Queluz.Foto: V. Benincasa.

Figura 46 - Piso inferior. Interior dacasa de máquinas da fazendaRestauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

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Figura 47 - Sinais de grades nas janelasdo piso inferior. Casa de máquinas dafazenda Restauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

Figura 48 - Canal de pedras na late-ral da casa de máquinas da fazendaRestauração, Queluz. É provável queaí tenha existido uma roda d’água.Foto: V. Benincasa.

Figura 49 - Detalhe do encaixe debarrotes do piso superior. Casa demáquinas da fazenda Restauração,Queluz. Foto: V. Benincasa.

Figura 50 - Beiral com cachorros efrechais arrematados em peito depomba. Casa de máquinas da fazendaRestauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 65

no entanto, a posição da casa de máquinas, junto aoterreiro, enquanto a tulha está afastada.

Infelizmente o inventário de 1915, da fazenda Restauração,não especifica o maquinário e sua força motriz, nem detalhao prédio, para que possamos fazer uma comparação com oque existe lá atualmente. No entanto, acreditamos que setrata da mesma edificação. As máquinas de beneficiamentoainda estão por lá, embora meio desmontadas, pois oconjunto todo está passando por um restauro e adaptações,mas vimos uma descascadora cônica, da marca Engelberg,além de classificadores, abanadores e esteiras elevatórias,cujas marcas não conseguimos identificar.

Essa foi uma das poucas casas de máquinas queencontramos praticamente intactas nas fazendas quevisitamos no Vale do Paraíba. Outras duas encontramos nafazenda Quilombo, em Taubaté, e na fazenda Sant’Ana,em Lagoinha. Assim como a da Restauração, essas outrasduas possivelmente são edificações do final do século XIX,ou início do século XX. Sobre a casa de máquinas dafazenda Quilombo encontramos, num artigo do jornal “OEstado de São Paulo”, de 04 de março de 1901, umainteressante descrição sobre seu maquinário efuncionamento:

Encantou-me a visita às casas das máquinas.

Vi um motor a vapor, da força de 10 cavalos, comcaldeira de 16 e roda de ferro de 6 mts. e 15 cms. dediâmetro por 90 cms., Lidgerwood; um secador SistemaTeles, dois despolpadores Lidgerwood, assentes sobreum tanque com capacidade para 350 arrobas, os quaisdespolpam 150 alqueires de café por hora, café que

segue com água em regos de tijolos e cimento; umlavador de ferro para lavar a goma do café despolpado,quando vem para os terreiros, em regos próprios e ralos;um maquinismo para o café seco e que se compõe deuma moega com capacidade para 400 arrobas de caféterreiro e 800 de despolpado; um grande elevador comduas ordens de canecas de 5 litros cada uma; um catadorde pedras, um descascador nº 7, um abanador duplo,um brunidor, um separador e dois catadores – produtoda casa Lidgerwood, com exceção de um magníficocatador, que é da casa Mac Hardy.

Além destas máquinas, vi um moinho de ferro comcapacidade para 60 alqueires de fubá, por dia, doisoutros moinhos que fazem por dia 25 alqueires cadaum e para os quais a colônia italiana da fazendaconcorre semanalmente, quando há abundância demilho, com 40 alqueires de fubá; um moinho grande ,de ferro, para moer milho em espigas; uma máquinagrande de furar ferro, destinado aos reparos dasmáquinas e um maquinismo completo, dirigido pormulheres, e destinado ao fabrico de mandioca.

Com exceção do secador, todos estes maquinismosforam acentes em linha reta, de um só lado, pelo hábilmaquinista sr. Frederico Hubber.

O secador faz um ângulo obtuso em uma só casa.

A fazenda dispõe de água e vapor para mover os seusmaquinismos e, em caso de necessidade, podeaproveitar duas forças motrizes, desenvolvendo estasuma força de 18 cavalos.

Figura 51 - Casa de máquinas dafazenda Quilombo, Taubaté. Foto: V.Benincasa.

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Para os respectivos trabalhos além de um maquinista,há um oficial de ajustador que dirige também a ferrariae o pessoal do terreiro e fiscaliza o serviço geral dafazenda, além de um administrador e três ajudantes. Ofiscal geral é o sr. Juvêncio Gomes Pinto.

As casas das máquinas, bem como todo o prédio deresidência e suas proximidades, são iluminadas a gas,fabricado na fazenda com mamono. Para isso ali existeem largo recinto, um forno de tijolos, um condensador,um purificador e um balão de 4,5ms.

Cada balão consome três alqueires de mamono,produzido na fazenda; cerca de um carro de lenha e 10horas de serviço a um trabalhador por 10 noites deiluminação para 60 bicos.

A condução do café da fazenda para as máquinas éfeita por carroças e carroções, em que são empregados45 animais, além da tropa e 5 juntas de bois.

As carroças que chegam avisam o chefe de máquinapor meio de uma campainha elétrica, afim de comunicarqualquer ocorrência ou irregularidade nos cafezais, porocasião da colheita. 107

Infelizmente, não há a descrição do edifício em si, sobre astécnicas construtivas, dimensões. A casa de máquinas, ouparte dela, ainda existe, embora em péssimo estado deconservação, depois de quase 80 anos sem função e poucamanutenção. O café foi cultivado na fazenda Quilombo atéa década de 1930, quando a atividade foi inteiramentesubstituída pela criação de gado. É um edifício assobradadocuja estrutura primitiva era inteiramente de madeira sobrealicerces de pedra, e paredes de taipa de mão. A coberturaé de telhas capa e canal. Parte de suas paredes e de suaestrutura primitiva foi substituída por tijolos. Um dos frechaisparece ter sido serrado, o que indica que a construção tinhadimensões maiores que as atuais. Não foi possível entrar noprédio devido às condições em que se encontra.

A tulha e casa de máquinas da fazenda Sant’Ana, emLagoinha, está igualmente abandonada. Já não possui omaquinário de beneficiamento do café, restando em seuinterior um debulhador de milho e um triturador de cana.Trata-se de uma edificação que aproveita o desnível doterreno, sendo térrea na parte alta e assobradada na parteinferior. Está assentada parcialmente sobre um dos murosdo terreiro, que também lhe serve como parede lateral nopavimento inferior. O aspecto assobradado foi conseguidoatravés de corte e aterro, seguro por um arrimo de pedrastransversal à planta da edificação, com cerca de 4 metrosde altura. O piso deste aterro, de terra batida, está no mesmonível do terreiro, assim como o piso superior da parteassobradada. O piso inferior aliado à parte da edificaçãoque lhe fica exatamente acima, constituíam a casa demáquinas, o restante provavelmente era usado como tulha.

O embasamento é de pedras, assim como as paredes dopavimento inferior. Já aquelas externas do pavimento su-perior são de tijolos, e as internas, apenas divisórias, foramerguidas em taipa de mão.

Na lateral oposta ao terreiro ainda existe a grande rodad’água metálica, que movimentava o maquinário. O antigorego d’água, depois, seguia poucos metros até o pequenomoinho de fubá - ainda existente, com todo os seuspertences -, que funcionava com roda horizontal, e então

Figura 52 - Casa de máquinas dafazenda Sant’Ana, vista do terreiro,Lagoinha. Foto: V. Benincasa.

Figura 53 - Casa de máquinas dafazenda Sant’Ana, lateral oposta,Lagoinha. Foto: V. Benincasa.

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107 Artigo encontrado na Divisão de Museus de Taubaté, do “Estadode São Paulo”, de 04 de março de 1901.

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desembocava em um açude logo abaixo, e daí para oribeirão. Atualmente, o rego d’água está desativado, assimcomo todas as instalações do velho edifício, usado comodepósito, paiol, galinheiro, e abrigo para o pouco gadoque resta.

Outro exemplo é o engenho da fazenda Coqueiros que,antes de ser demolido, foi documentado - em 1976 - peloarquiteto Antônio Luís Dias de Andrade. É, certamente,edificação da segunda metade do século XIX, quando abateria de pilões já havia sido inventada e se tornava comumnas fazendas do Vale do Paraíba. O engenho se constituíade um correr de cômodos, com estrutura de madeira, sobrebaldrames de pedra com vedações de taipa de mão e deadobe. A roda d’água vertical, destinada a mover osmaquinários, ficava em seu interior, com seu eixo apoiadoem uma das extremidades numa parede de alvenaria depedra, para resistir ao contato constante com a água, e aoutra num esteio de madeira. O engenho de pilões estavaassentado sobre um piso de lajes de pedra, destinado asuportar a trepidação. A edificação ficava próxima a umdesnível, obtido por um corte de morro; dessa forma, ocanal d’água, que ficava acima, era conduzido por umaabertura no telhado, despejando suas águas sobre a roda,gerando a força motriz necessária ao funcionamento domaquinário, através de um complexo sistema de eixos epolias. Depois de movimentar a roda, a água era conduzida

por um canal que passava aos fundos do casarão, eprosseguia até um moinho de fubá, que trabalhava comroda horizontal.

Num cômodo contíguo, ficavam as tulhas assoalhadas. Umapassarela saía do alto do desnível do terreno e adentrava atulha por uma água furtada no telhado: por aí o café eralançado em seu interior. Para essa tulha havia uma outraabertura: uma porta, no nível do solo.

Carrilho aponta alguns cuidados na execução desse edifício,como as pequenas aberturas triangulares existentes nasparedes, logo abaixo do frechal, que serviriam para aventilação interna.108

Excetuando o último caso, é pouco provável que estesedifícios sejam anteriores a década de 1890, pelas descriçõesde inventários de fazendeiros do Vale do Paraíba, que fo-ram encontradas nos arquivos. Há indícios, nessasinformações, de que ainda ao final do século XIX e início doXX, algumas fazendas se mantinham como grandesprodutoras de café nessa região, pois não investiriam emmaquinários se não estivessem produzindo satisfatoria-

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108 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 138.

Figura 54 - Casa de máquinas dafazenda Coqueiros, Bananal.Desenho: Antônio Luís Dias deAndrade. Fonte: Carrilho, M. J. Op.cit., 1994, p. 105.

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mente. O tema do café e das fazendas cafeeiras no Vale doParaíba está, ainda, longe de esgotar-se; é um assunto aser pesquisado mais profundamente, cruzandoinformações sobre história, economia, agronomia,sociologia e arquitetura, com leituras de artigos de jornaisde época, e principalmente, inventários, além de lançarmosmão do uso de prospecções arqueológicas, que poderãotrazer à luz muitas informações. Não é o que pretendemosnesse estudo, e nem teríamos condições para isso.Infelizmente, para compreender essas estruturas dasfazendas cafeeiras do Vale do Paraíba, contamos comescassas fontes: poucos são as que chegaram até os diasatuais, poucas as descrições conhecidas. Os inventários,apesar dos seus parcos conteúdos, continuam sendo a fontemais profícua de informações.

Engenhos de açúcar, cozinhas, oficinas,pomar, etc

A fazenda cafeeira, nos seus primórdios, assemelhava-se auma pequena povoação. Isolada nos sertões, tinha queproduzir e conter oficinas que praticamente lheproporcionassem tudo de que necessitava para o seu perfeitofuncionamento no dia-a-dia. Não podia depender das vilas.Alguns historiadores mencionam que somenteo sal e alguns metais eram adquiridos externamente. Mesmotendo um nível de suficiência muito grande, havia outrosprodutos que eram adquiridos fora da fazenda. Tecidos maisfinos, móveis, objetos utilitários ou de adorno, jóias, livros,jornais, remédios, e mesmo alguns maquinários, eramadquiridos em cidades. Mas, voltamos a salientar, parao uso e necessidades cotidianos, praticamente tudoera passível de ser resolvido ali mesmo, no âmbito dafazenda.

A lista de profissionais encontrada nas fazendas, fossemeles escravos ou camaradas, é enorme. Relacionados àconstrução e manutenção de edificações encontramos:oleiros, telheiros, pedreiros, mestres-canteiro, carpinteiros,marceneiros, ferreiros. Na produção de artigos de couro,encontramos seleiros e sapateiros; e, na produção devestuários ou sacaria: costureiras, fiadores, alfaiates. Naprodução e armazenamento de alimentos e bebidas:cozinheiros, engenheiros, ensacadores, tanoeiros, sem falarnaqueles que eram destinados ao trabalho nos cafezais, nosterreiros, nos engenhos de beneficiamento, nas plantaçõesde gêneros alimentícios (cana-de-açúcar, mandioca, milho,feijão, arroz, hortas, pomar, etc), ao trato de animais (retirode leite, cuidado com gado bovino, suíno, muares, aves) eaos serviços domésticos no casarão: as aias, mucamas,moleques de recado, cozinheiras, etc.

Correspondentes a esses profissionais, encontram-se nosinventários as suas respectivas oficinas: tenda de ferreiros,carpintaria, marcenaria, selarias, olarias, serrarias, moinhos,engenhos, e “seus pertences”. Eram oficinas essenciais aofuncionamento da fazenda. Ali se fabricavam e davam

manutenção aos carros de bois, carroças, carroções e suasrodas de madeira e aros de ferro, talvez mesmo liteiras,cadeirinhas e alguns móveis mais rústicos. Ali se fabricavamas janelas, portas, se aparelhava o madeiramento para aestrutura das edificações e sua cobertura, o assoalhorudimentar. Nelas se trançavam as esteiras de lascas debambu para forrar os cômodos do casarão, fabricavam-seos cestos, os jacás, as peneiras de taquara. Faziam-se osgonzos, os lemes, os cachimbos, antigas peças metálicasque serviam para a abertura das folhas de janelas e portas,anteriores às dobradiças, e os cravos, para a consolidaçãode peças de madeiras.

Nas casas de fiação e costura se produzia tecido rústico paraveste de escravos e para a sacaria do café. Nas selarias, osarreios, selas, relhos, chicotes e demais apetrechosdestinados à montaria. Nas sapatarias, as botinas e sapatosgrosseiros, destinados à lida. As atividades eram muitas,assim como o número de trabalhadores.

Outras edificações que aparecem nas relações de bens dosinventários são as cozinhas. Eram fundamentais, pois osescravos não tinham tempo para preparar seu próprioalimento, nem para ir buscá-lo na sede da fazenda. Nesses“lanços de cazas que servem de cozinha” preparava-se emgrandes tachos de ferro, o alimento da escravaria que,depois, era conduzido em carroções até às roças. StanleyStein, sobre esse assunto, diz:

A dieta alimentar, tanto da população livre quantoescrava nas fazendas de Vassouras, representava aadaptação dos hábitos alimentares coloniais eportugueses à produção local e às necessidades de umaampla força de trabalho escravo. Com algumasexceções, os ingredientes básicos eram originários decada fazenda ou dos arredores; podiam ser facilmentearmazenados durante meses apesar do calor do verãoe da ausência de qualquer refrigeração e eramrapidamente preparados em grandes quantidades paraa distribuição aos escravos da fazenda. (...)

Cinco substâncias nutrientes básicas – fubá, feijão,mandioca, toucinho de fumeiro e açúcar – formavam abase das quatro refeições diárias servidas igualmenteao senhor e aos escravos. Para o desjejum, os escravosrecebiam porções de fubá cozido durante 20 ou 25minutos em imensos caldeirões suspensos sobre umafogueira ao ar livre. Com compridas colheres demadeira, os cozinheiros mexiam o mingau fumeganteà medida que engrossava; esse trabalho era tão árduoque os cozinheiros se revezavam semanalmente. Como angu, cada escravo recebia uma caneca de café quenteadoçado com melaço.109

Durante o dia eram-lhes oferecidas duas refeições, o almoçoe o jantar, consumidos na roça ou nas imediações da sede.Nessas, ao angu de fubá se acrescia:

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(...) feijão preto ou mulatinho, temperado com pedaçosde toucinho de fumeiro e gordura de porco; quandoservido, o feijão era generosamente polvilhado comfarinha de mandioca, a “matadora de fome”. Legumescozidos completavam a refeição assim como um oudois entre os seguintes: batata-doce, abóbora, naboou diversas verduras. Para realçar o sabor da comida,os cozinheiros acrescentavam apenas sal, pimenta ousalsa.110

Ocasionalmente, quando trabalhavam até tarde, os escravosrecebiam tiras de carne seca grelhada e salpicada de farinhade mandioca. Em dias de festa, uma cuia de aguardente e,segundo Stein, na Semana Santa era servida a paçoca, feitade amendoim torrado, moído no pilão com farinha demandioca e açúcar, que podia ser consumida com café oupura, ou a canjica cozida no leite, com canela e cravo daíndia, e adoçada. Em época de colheita, era oferecido umleitão aos escravos que excedessem suas cotas.Complementava a alimentação frutas de época, como ba-nana, laranjas, mangas, sapotis, jabuticabas.

A cozinha destinada aos escravos era muito simples e possuíapoucos apetrechos: além da trempe para segurar o caldeirãoao ar livre, havia o grande pilão, mesas de trabalho, panelaspenduradas em varetas, as peneiras de taquara para ajudara preparar o arroz, milho, feijão; algumas gamelas, cuias.Os inventários não fornecem muito mais informações:

Quatro ditos (lanços) que servem de cuzinha e casascoberta de telhas... (fazenda Alambari, 1861)

Tres lanços que servem de cozinhas... Dois lanços queservem de cozinha... (fazenda Água Comprida, 1856)

Dois lanços de ditas que servem de cozinha aos pretos...(fazenda Monte Alegre, Bananal, 1878)

Um lanço de casas que serve de cozinha / Um lanço deditas anexo, que serve de dispensa / Um lanço de ditaonde se faz farinha, contendo prensa e forno de assados(fazenda da Divisa, Bananal, 1886)

Dois lanços de cozinhas cobertas de palha / Tres lançosde cozinhas cobertas de palha, com cinco portas / Umacasa velha que serve de cozinha, de madeira roliçacoberta de telha / Uma cozinha coberta de palha / Umforno, coberto... (fazenda Mato Dentro, Bananal,1861) 111

Um forno de biscoitos / Dois lanços que servem decozinha... (fazenda da Água Comprida, Bananal, 1856)

Dois lanços de casa cobertas de telha para enfermaria ecosinha... (fazenda Independência, Bananal,1884) 112

Carlos Augusto Taunay, em seu Manual do AgricultorBrasileiro, descreve que essas cozinhas eram muito sujas,com seu chão de terra batida transformado em lama, ondeabundavam as moscas, e com cheiros insuportáveis, nocivosà saúde (...).113 A precariedade dessas instalações nãooferecia, mesmo, condições à higiene. Juntos dessa cozinhaexterna, ou nas suas proximidades, ficavam os moinhos defubá, as casas de farinha – com suas rodas de ralar mandioca,prensas e fornalhas, e as casas para fabrico de queijo.

Uma outra edificação muito freqüente nos inventários sãoos engenhos de cana, para produção de açúcar eaguardente, muitos deles remanescentes da época em queas fazendas se dedicavam exclusivamente à fabricação dessesprodutos. Ao lado do café, o açúcar continuou sendo umaimportante fonte de renda para as fazendas, ao longo doséculo XIX, principalmente na sua primeira metade.

Havia também as enfermarias, destinadas a atender osnegros, que deviam seguir mais ou menos as mesmascondições gerais de insalubridade existentes nessas fazendasdo Vale do Paraíba. Segundo Stein, os maus tratos, o excessode trabalho, as péssimas condições de higiene, faziam comque, em média, cerca de 20% da mão-de-obra escravaestivesse sempre com algum tipo de moléstia. Daí anecessidade de haver um edifício de isolamento para queuns não contaminassem os outros. Os tratamentosdestinados aos negros doentes não eram nadaespecializados, na maior parte das vezes restringiam-se aoscuidados com ervas medicinais e algum remédio maiscomum. Recorriam-se aos manuais de medicina, como oLanggard ou o Chernoviz, ou aos curandeiros e benzedeiras.Doenças incuráveis, quando diagnosticadas, segundo Stein,eram acompanhadas da libertação do escravo, deixandoassim de ser um problema ao fazendeiro. Os que maissofriam eram as crianças, cujos índices de mortalidade eramde um em cada três nascimentos. Assim, nos arrolamentosde bens aparecem lanços destinados a “hospital”e a“enfermarias”; algumas poucas fazendas contavam comboticas próprias, como a Boa Vista, de Bananal, mas sobreelas nenhuma informação adicional aparece nos inventários.

A paisagem das fazendas possuía, ainda, os locais paraguarda e criação de animais, como estábulos, currais,chiqueiros, galinheiros, cocheiras, as garagens para os carros,depósitos de ferramentas e as hortas e pomares. A criaçãode animais como porcos, aves, gado eram extremamente

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109 STEIN, S. Vassouras. Um município brasileiro do café, 1850-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, pp. 210-211.

110 Idem, ibidem,, pp. 211-212.

111 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 60.

112 MOURA, C. E. M. de. Op. cit., 2000, pp. 57-8.

113 STEIN, Stanley. Op. cit., p. 214.

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necessários e faziam parte das instalações de subsistênciadas fazendas de café. Além da carne e seus derivados comolingüiças, carne seca, toucinho, banha, ovos etc, utilizava-se o couro, ossos, chifres, penas, para a fabricação detravesseiros, botões, calçados, tralha de montaria, entreoutros objetos muito úteis ao cotidiano. O pomar sempreesteve presente nas fazendas cafeeiras e, não raro, émencionado nos inventários, com especial destaque para aquantidade de pés de jabuticabeiras e de laranjeiras, comonos exemplos a seguir:

...hum laranjal novo... / huma chácara com laranjal...(fazenda das Formigas, Bananal, 1857)

...hum pomar com tres mil pés e densas alamedas...(fazenda Bela Vista, Bananal, 1857) 114

...pomar com cerca de cem pés de jabuticaba, todo ellemurado... (fazenda Boa Vista, Cruzeiro, 1898) 115

É interessante a citação feita no inventário da fazendaCachoeira, de Bananal, em 1854, onde se diz que o pomartem 112 pés de árvores frutíferas, cada um avaliado a mil-réis, e cinco pés de jabuticaba, avaliados cada um a 10 mil-réis. Essa predileção pela jabuticabeira atravessaria todo ociclo cafeeiro paulista, fazendo dela a árvore-símbolo dospomares dessas fazendas.

Ranchos, Casas e Senzalas

Com o aumento da produção cafeeira, a fazendatransformou-se num núcleo de grande concentraçãopopulacional, algumas chegando a centenas de pessoas.Nela residiam os proprietários e seus familiares, feitores,administradores, os camaradas e os escravos, conforme jámencionado anteriormente. Ocasionalmente, tambémabrigavam tropeiros, de passagem pela região. Algumasfazendas eram, mesmo, ponto de parada de tropas. Quandoinstalados em fazendas, esses ranchos para tropas às vezesincluíam vendas, e os fazendeiros comerciavam seus diversosprodutos, para abastecimento dessas caravanas. Os ranchosaparecem em algumas fazendas, como na Bela Vista, deBananal, e na Boa Vista, da mesma cidade, cujo inventáriode 1882 oferece uma descrição mais detalhada:

Nove lanços de Casas a beira da Estrada geral, cobertosde telha, que servem de Rancho de passageiros, comdous lanços feixados que servem de Casa de Negócio,tendo em cada hum destes, hum Balcão e parteleiras ehum dos ditos sendo assualhados: todos os dois comnove portas, e quatro janellas incluzive hum pequenopuxado que serve de cozinha... 116

Uma outra descrição aparece no inventário da fazendaBarreiro, em São José do Barreiro, de 1836:

Huma caza que serve de negocio na Estrada construidode Madeira lavrada cuberta de telha e contendo cincoportas e huma janella com Armassão mal construída ehuma cuzinha de meia Agua sendo esta de douslanços... / Quatro lanços de cazas na estrada em abertoque serve de rancho aos passageiros, e tropeiros, tudocoberto de telha... 117

Saint-Hilaire, sobre a sua passagem pela fazenda Pau d’Alho,em 1822, descreve um rancho para tropas existente nessafazenda:

Cheguei ao rancho com dor de cabeça muito forte.Outras tropas já ali haviam tomado lugar. O sol desferiaraios na área que nos fora reservada, acabando por meincomodar seriamente. A fumaça dos fogos acesos pelastropas cegavam-me, o vento dispersava meus papéis eeu via-me obrigado a enxotar a cada momento cães,porcos e galinhas. Nunca senti tantos os inconvenientesdos ranchos.118

Por essas descrições, podemos verificar a existência deranchos fechados e mais completos, inclusive com cozinhas,que não deveriam ser muito diferentes daquelas existentesnas fazendas para os escravos, para o uso dos tropeiros, eoutras compostas apenas de uma cobertura, a julgar pelodepoimento de Saint-Hilaire, a quem incomodavam o sol, ovento e os animais.

As habitações destinadas aos trabalhadores das fazendassubdividiam-se em dois tipos: a dos escravos e a dostrabalhadores livres. Quanto a essas últimas, as descriçõessão sumárias, às vezes aparecendo em uma mesmaedificação destinada a outras funções:

Onze lanços de senzallas de telhas e caza de feitor... /Tres cazas velhas... (fazenda da Formiga, Bananal,1857) 119

Huma dita (casa) de três lanços com quintal, horta etelheiro para morada do administrador... (fazenda BoaVista, Cruzeiro, 1898) 120

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114 Inventário de Alferes Francisco de Aguiar Vallim, 1857.

115 Inventário do Major Manoel de Freitas Novaes, 1898, Cruzeiro.

116 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, pp. 62-3.

117 Idem, ibidem, p. 63.

118 SAINT-HILAIRE, A. de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro aMinas Gerais e a São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo:EDUSP, 1974, p. 102.

119 Inventário de Alferes Francisco de Aguiar Vallim, 1857.

120 Inventário do Major Manoel de Freitas Novaes, 1898.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 71

Huma caza de tres lanços separada para o feitor, tronco,e despejo, tudo coberto de telhas... (fazenda Quilombo,Areias, 1856)

Huma casa que serve para o feitor, com caza de tendae estrebaria... (fazendado Campinho, São José doBarreiro, 1877) 121

Quatro lanços de casa, sendo um lance para enfermaria,um para a família do feitor, e dois de madeira... (fazendaQuilombo, Areias, 1883) 122

O único caso em que aparece uma casa um pouco melhoré descrito no inventário da fazenda Boa Vista, em Cruzeiro,do final do século XIX, época em que a função deadministrador já tinha ganhado maior distinção.

Na maioria dos arrolamentos, as casas para trabalhadoreslivres - fossem feitores ou administradores - não apresentamnada que as destaque do conjunto, seja quanto ao seuformato, ou quanto ao seu aspecto construtivo. Deviam seredificações simples, e talvez o único privilégio delas fosse agarantia de um certo isolamento familiar.

Quanto às senzalas, raras são as que chegaram até os diasatuais, o que talvez se justifique pela técnica construtivaempregada: pelos inventários fica claro que a maioria delastinha estrutura de madeira e vãos preenchidos com pau-a-pique, cobertas por telhas capa e canal ou palha, técnicasmuito frágeis, que necessitam de manutenção constante.Poucas são aquelas que foram construídas em taipa de pilão,a julgar pelos arrolamentos dos inventários.

Segundo Marquese, até a década de 1840 o tipo de moradiade escravos mais comum foi a senzala cabana isolada, ora

Figura 55 - Cabanas de negros. Fonte:Rugendas, J. M. Viagem Pitorescaatravés do Brasil. Belo Horizonte:Itatiaia, 1989, p. 71.

ocupada por famílias inteiras, ora por elementos do mesmosexo. Construídas pelos próprios escravos, reproduziam oesquema de suas antigas habitações na África. Elas aparecemnuma descrição de Saint-Hilaire, de 1822, em Areias, ondeo francês relata a presença de choças de negros junto aoscafezais e casas de fazenda, e também em entrevista de umantigo proprietário da fazenda Pasto Grande, em Taubaté,que afirmava nunca ter existido senzala na fazenda e, sim,oito ou dez casas de pau-a-pique que haviam sido ocupadaspelos negros.123

Somente a partir da década de 1840 é que teria se difundidoo uso das senzalas em lanços corridos ou em quadras,preconizado nos manuais de Laborie, do Barão do Pati doAlferes, Taunay, entre outros, como forma de se exercermaior controle sobre o elemento africano, que começava atornar-se muito numeroso nas propriedades aumentando,com isso, a possibilidade de levantes.

Nos inventários, a maioria dessas edificações aparece naforma dos lanços corridos ou em quadra. Sendo apenas lo-cal de abrigo e não de moradia no sentido estrito, além dedestinar-se a escravos, que eram considerados tão somenteforça de trabalho, entendemos a precariedade dessasedificações, sua fragilidade e rusticidade. Quanto àlocalização delas, sempre na sede, ora aparecem unidasaos casarões, ora separadas desse, circundando o terreiro.

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121 MOURA, C. E. M. de. Op. cit., 2000, p. 57-9.

122 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 62.

123 SIMI Jr., R. Op. cit., junho de 1968, p. 25.

123 SIMI Jr., R. Op. cit., junho de 1968, p. 25.

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Uma das explicações para essa proximidade é o alto custodo escravo, em muito superior ao da terra: uma intensafiscalização e controle eram necessários para coibir fugas erevoltas. Outra, é a própria disciplinarização do trabalhadore do trabalho, cuja proximidade do casarão era facilitada.

Algumas descrições falam em senzalas avarandadas,fechadas ou não, denotando que havia um certo cuidadopara que os escravos não apanhassem a friagem da manhã,de acordo com as regras preconizadas nos manuais agrícolas.Algumas antigas fotos e pinturas de fazendas do Vale doParaíba, em sua porção paulista e fluminense, mostram osedifícios como sendo longilíneos, com uma ou duas águasde telhado, situados em geral ao redor de pátios própriosou do terreiro de café. A face externa raramente possuialgum tipo de abertura, e estas, quando aparecem, são muitopequenas, apenas para ventilação, nunca para iluminação.A única abertura é uma porta, voltada para o interior dopátio ou para o terreiro. Por vezes, essas portas voltam-separa varandas, ora abertas, ora fechadas. O piso, quasesempre, era de terra batida, embora haja menções a senzalas,em fazendas fluminenses, com piso assoalhado. A divisãodas senzalas mudava de fazenda em fazenda: em algumashavia cubículos destinados aos casais que constituíamfamílias, ou casas isoladas; já os escravos solteiros seamontoavam em dois galpões, um para as mulheres, outropara os homens. Em outras fazendas, os cubículos sesucediam, abrigando um certo número de escravos,divididos por famílias ou por sexo. Essas são as descriçõesmais comuns. Em inventários, uma das melhores descriçõesé a da fazenda Pirapetinga, em Bananal, em inventário de1869:

Desenove lanços de Casas em hum quadro, que servemde senzallas, tudo coberto de telha feitos de madeiralavradas, rebocados e caiados as frentes e calçado tudo

Figura 56 - Senzala avarandada,fazenda São Luís, Massambará, Rio deJaneiro. Fonte: Stein, Stanley. Op. cit.,s/p.

de pedra á roda, com vinte e huma portas, e duasjanellas...124

As senzalas que restaram são, em geral, de meados doséculo XIX, e talvez não sejam as primeiras edificações comesse fim, nessas fazendas. Podemos ainda observar as ruínasdas senzalas das fazendas Sant’Ana, em Lagoinha, eQuilombo, em Taubaté, ambas construídas em taipa depilão, cobertura com telhas capa e canal e piso de terrabatida. A primeira trata-se de uma edificação retangular,em corpo isolado, numa das laterais do casarão, logo àfrente do antigo terreiro, com cobertura em duas águas, eempenas em taipa de mão, com algumas divisões internastambém em taipa de pilão e outras, mais recentes, de tijolos.Encontra-se atualmente em ruínas. A segunda, da fazendaQuilombo, apresenta técnica mista de taipa de pilão e taipade mão, com cobertura também em duas águas.

Nas duas, porém, notamos interferências como aberturasde portas e janelas, além das divisões internas posteriores,reformas justificáveis uma vez que no período pós-escravidãoesses edifícios tiveram usos diversos: muitos deles tornaram-se habitações para famílias de imigrantes, outros setransformaram em depósitos, tulhas, etc.

Outra senzala ainda existente, embora quse integralmentereconstruída em intervenção do IPHAN, é a da fazenda Paud’Alho, de São José do Barreiro, que conta com dezcubículos, cada um com uma porta e uma janela, voltadospara o terreiro. As janelas podem ter sido abertasposteriormente, uma vez que esse tipo de abertura não foicomum em senzalas.

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124 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 59.

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Casarão

Os casarões remanescentes das antigas fazendas cafeeirassão parte integrante da paisagem rural do Vale do Paraíba.Em meio ao verde dos pastos e capoeiras de matas norelevo acidentado, os seus grandes volumes de cor clara,suavizados pelos telhados marrons-avermelhados e asintermináveis fileiras de janelas, destacam-se e encantam ovisitante.

Dentre todas as edificações das fazendas, foi na execuçãodessas moradias que mais se investiu, sendo sempre as deconstrução mais requintada e elaborada do conjunto.

Em sua maioria, esses casarões surgiram na primeira metadedo século XIX, numa época marcada por muitosacontecimentos importantes na cena mundial e brasileira -tanto de ordem política, quanto econômica - queinfluenciariam sobremaneira as novas habitações e o modode vida dos grandes núcleos rurais brasileiros.

No plano internacional, com a Revolução Industrial asfábricas européias e americanas produziam novos artefatosque aumentavam consideravelmente os níveis de confortoe de ornamentação das edificações. O surgimento danavegação a vapor facilitava a exportação desses produtospara os mais distantes locais do mundo. No Brasil, a vindada família real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808,fugindo das tropas napoleônicas, dava novo status à cidade,transformando-a na sede temporária de um reino europeue instalando padrões de moradia e sociabilidade até entãodesconhecidos. Os portos brasileiros, abertos ao comérciomundial, passam a receber toda a sorte de produtosindustrializados, inclusive material de construção civil e deacabamento, além de objetos de decoração, utilitários emobiliário. Ao mesmo tempo, o café iniciava sua arrancadapara se tornar a maior lavoura comercial já instalada emterras brasileiras, gerando riquezas enormes. Os cafeicultoresenriquecidos passam a conviver com uma Corte européiaque logo depois, com a independência, se transformaria naCorte Imperial, o Rio de Janeiro. Adquirem novos hábitos,seus filhos passam a estudar na Europa, a falar francês, arefinar os gostos. O café lhes traria títulos de barões,viscondes, condes... A “nobreza” invadia os sertões rudesdo Vale do Paraíba e tudo isso interferiria na arquiteturadas suas casas de vivenda.

No início do século XIX, a vinda de grande quantidade demineiros, instalando-se em diferentes pontos do Vale doParaíba paulista, também provocava alterações naarquitetura produzida na região. A técnica da taipa de mãoseria mais utilizada do que até então, tornando as edificaçõesmais leves, elegantes, com desenho muito diverso daarquitetura paulista do período anterior. Saia, a esse respeito,nos diz:

Figura 57 - Senzala, em ruínas, emtaipa de pilão, fazenda Sant’Ana,Lagoinha. Foto: V. Benincasa.

Figura 58 - Senzala, em taipa de pilão,fazenda Quilombo, Taubaté. Foto: V.Benincasa.

Figura 59 - Senzala. Fazenda Paud’Alho, São José do Barreiro. Foto: V.Benincasa.

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Enquanto nesta última arquitetura se mantém umadiscreta proporção nas envasaduras, na intençãodecorativa e o caráter severo da planta, naquela severifica uma generosidade maior na proporção decheios e vazios, mais liberalidade decorativa e umsentimento já aburguesado na planta – o que lembragente que estagiou numa sociedade cujo teor deconcentração urbana foi notavelmente acentuado.125

Os mineiros realmente chegavam a terras paulistas trazendoconsigo uma bagagem cultural muito grande. Nas cidadesdo ciclo do ouro, a vida social e cultural era muito maisintensa que nas vilas paulistas da mesma época. Teatros,saraus literários, música: as artes em geral resplandeciam,podendo ser apreciadas nas capelas, nas igrejas, naarquitetura dos casarões daquelas cidades. O dinheiro fartoproporcionava tudo isso, inclusive os estudos em Coimbra,em Lisboa, no Porto, ou em Paris, dos filhos de mineradores,de lavradores, etc, enricados, direta ou indiretamente, peloouro e pelas pedras preciosas.

A decadência da mineração e o sucesso da lavoura paulista,primeiro com o cultivo da cana-de-açúcar e depois com ocafé, atraiu todo o tipo de gente. Acorreram às terraspaulistas muitos mineiros, não só lavradores, pecuaristas,comerciantes, dispostos a investir na cafeicultura, mastambém operários da construção civil.

Já no século XVIII, como vimos no primeiro capítulo, aarquitetura residencial bandeirista dos estabelecimentosrurais havia passado por alterações, com a vinda dessesmineiros: a anexação da área de serviço ao corpo da casa; ofechamento do alpendre fronteiro; a construção das casasem declive do terreno, não mais em terraplenos,aproveitando para ganhar um espaço inferior usado comoporão; a adoção mais freqüente da técnica da taipa de mão;o uso de ensambladuras mais elaboradas nos encaixes demadeiras. Ou o surgimento de detalhes mais refinados noacabamento das edificações, como o uso de madeirarecortada nos balaústres de guarda-corpos de escadarias enas bandeiras de portas e janelas; uso de guarda-pós nosbeirais; melhor elaboração nos detalhes de cantaria. Apresença, nas casas paulistas, de prolongos nas coberturas,cachorros e frechais ensamblados e arrematados em peitode pomba e os balaústres de madeira recortada denunciamuma transposição de padrões de arquitetura difundidos emMinas Gerais por construtores originários de Portugal, vindosprincipalmente da região do Minho, Douro e Trás-os-Mon-tes.126

Mas foi principalmente a partir do início da cafeicultura quea arquitetura do Vale do Paraíba revelou característicaspróprias, buscando respostas às solicitações que a novaordem socioeconômica lhe impunha. O modo tradicionalde morar do paulista se transformava com as novas técnicasconstrutivas e com os novos programas habitacionais. Ummodo híbrido de habitação surgiu, embora, como salientamos historiadores de arquitetura, duas grandes sub-regiões

possam ser distinguidas no Vale: uma de predomínio dataipa de mão e do adobe, na região limítrofe com o Rio deJaneiro; outra em que dominou a taipa de pilão, onde haviaum forte povoamento paulista. Predomínio, nãoexclusividade!

A chegada da Missão Francesa à corte do Rio de Janeirotambém introduziria alguns elementos que diferenciariamessas casas, do século XIX, da dos séculos anteriores. Aadoção do neoclassicismo como arquitetura oficial da cortedeixou marcas, mesmo que tênues, na execução dessas casasrurais do café. Podemos perceber uma maior preocupaçãocom a elaboração do desenho da fachada, uma busca pelasimetria, uma maior harmonia na distribuição dos vãos, aadoção do porão (mesmo quando em casas térreas, paraevitar o contato direto dos pisos assoalhados com o solo), eo conseqüente aparecimento dos óculos de ventilação. Sãodetalhes pequenos, mas que davam um grande ganho dequalidade a essas edificações. Em algumas, surgem mesmoo uso de cimalhas, de cunhais imitando pilastras, moldurasnas janelas, folhas de portas e janelas almofadadas, e oemprego do arco pleno encimando as portas principais.

Mesmo assim elas guardam em si, ainda, as liçõesapreendidas no período colonial, principalmente, no quediz respeito ao uso dos materiais disponíveis como terra,madeira e pedra, a adaptação ao clima e ao relevo locais;são casas amplas, bem ventiladas e iluminadas pelo solabundante que invade suas inúmeras janelas e, se suaarquitetura não foi mais ousada, certamente isso tem a vercom a limitação técnica dos profissionais existentes na regiãoe com uma forma de viver que, mesmo tendo incorporadonovos hábitos, mais sofisticados, adquiridos com a riquezae o convívio na corte e nas viagens à Europa, mantinhatradições muito fortes.

As casas senhoriais guardam semelhanças entre si no aspectoconstrutivo: a alvenaria de pedra, o adobe, as taipas de mãoe pilão são as técnicas utilizadas nos casarões do Vale doParaíba. Elas aparecem indiscriminadamente por todas asregiões, seja no Alto e Médio Vale paulista, seja nas regiõespróximas ao Caminho Novo.

Sobre as fazendas dessa última região, mais próxima ao Riode Janeiro, Carrilho afirma que elas são, em sua maioria,edificações assentadas em terrenos com alguma declividade,de modo que o embasamento é, geralmente, formado pelosmuros de contenção e paredes de alvenaria de pedra. Sobreeste embasamento repousa a tradicional estrutura em gaiola,constituída de esteios, baldrames e frechais com vedos deadobe ou pau-a-pique. (...). Em outros casos a utilização dealvenaria de pedra no embasamento está limitada aos muros

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125 SAIA, L. Morada Paulista. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 166.

126 ANDRADE, L. A. D de. Op. cit., 1984, p. 39.

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de arrimo e o restante do porão está apoiado sobre pilaresde alvenaria de pedra ou sobre estrutura de madeiracomposta de esteios e madres. Os vãos são preenchidoscom adobe, como ocorre nas residências das fazendasCachoeira em Bananal, da Barra e Santo Antônio daCachoeira, em São José do Barreiro. Estas estruturas emgaiola apresentam, nestes casos, baldrame contínuo demodo que a trama estrutural de madeira é autônoma emrelação ao embasamento. A estrutura da cobertura é quasesempre realizada por asnas, as quais são interligadas pelasterças, cumeeiras e espigões, sobre os quais se apóia a tramaque suporta o entelhamento. 127

Mas a taipa de pilão também está presente nessa região,assim como as técnicas de alvenaria de pedra, de taipa demão e adobe também aparecem nos lados de Taubaté, dePindamonhangaba, de São Luiz do Paraitinga, por exemplo.Podemos citar o caso da fazenda Saudade, em Bananal, emque o pavimento inferior é de alvenaria de pedra, e o sobradode barro socado. O mesmo ocorre na fazenda Coqueiros,em Bananal, cuja implantação em terreno plano aproxima-se mais daquelas casas de tradição paulista. Aqui, oembasamento é de pedra, e as paredes externas da casa, detaipa de pilão.

No casarão da fazenda Resgate, o arcabouço é feito quaseinteiramente de parede de taipas de pilão, sobreembasamento de pedra, enquanto as paredes internas ealgumas externas, que ocorrem aos fundos da edificação,são de taipa de mão. São permanências de uma técnica,mas não se podem filiar esses casos a uma tradição paulistado morar. É necessário reforçar que a arquitetura residencialpaulista do meio rural já havia sido modificada no séculoanterior com a vinda maciça de mineiros para São Paulo.

A fazenda Bom Retiro é um interessante exemplo, em queo embasamento e o pavimento inferior são constituídos detaipa de pilão, enquanto o piso superior possui a estruturade madeira, a gaiola, com esteios, baldrames e frechais,preenchida com adobes dispostos em espinhas de peixe,como se fazia com tijolos cerâmicos no litoral.128 Opredomínio, no entanto, é o do embasamento de pedra,sobre o qual se dispõe a estrutura de madeira em gaiola,preenchido por taipa de mão. É difícil filiar uma construçãoa uma determinada origem, mesmo porque pessoasde variadas origens conviviam numa mesma região.Há mesmo casos de casarões em que várias técnicas co-existem, indicando que deve ter havido ampliações emdiferentes épocas, por diferentes construtores, como

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127 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 102. Todas essas fazendas seencontram em Bananal. A Luanda, atualmente passa por reformase perdeu parte de suas características originais. A Formiga foitransformada em hotel-fazenda há alguns anos, com o nome deCasa Grande.

128 Idem, ibidem, p. 116.

Figura 60 - Aspecto externo docasarão da fazenda Resgate, Bananal.Foto: V. Benincasa.

Figura 61 - Aspecto externo docasarão da fazenda Bom Retiro,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 62 - Aspecto externo docasarão da fazenda Coqueiros,Bananal. Foto: V. Benincasa.

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Figura 63 - Aspecto externo docasarão da fazenda da Barra, São Josédo Barreiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 64 - Aspecto externo docasarão da fazenda Amarela,Pindamonhangaba. Fonte: Lemos, C.A. C. Op. cit., 1999, p. 162.

Figura 65 - Aspecto externo docasarão da fazenda Quilombo,Taubaté. Foto: V. Benincasa.

Figura 66 - Aspecto externo docasarão da fazenda Sant’Ana,Lagoinha. Foto: V. Benincasa.

nas fazendas Coqueiros, em Bananal, e da Barra, emSão José do Barreiro.

Não diferem muito, portanto, daquelas das regiões deTaubaté, de São Luiz do Paraitinga, de Pindamonhangaba,a não ser pelo fato de que nessas outras regiões, muitascasas foram construídas ao menos com a parede externa eo embasamento de taipa de pilão, o que foi mais raro naregião que se estende de Bananal a Queluz. A fazendaAmarela, em Pindamonhangaba, a Bonfim e a Fortaleza,em Taubaté, possuem essas características, tendo as paredesinternas em taipa de mão.

As fazendas Quilombo, em Taubaté, e a Sant’Ana, emLagoinha, possuem em seus casarões aspectos construtivossemelhantes entre si, uma variação daqueles já descritos:ambos assentados sobre embasamento constituído de taipade pilão, sobre os quais erguem-se as gaiolas de madeiracom vãos preenchidos pela taipa de mão.

Ou seja, não há exclusividade no uso das técnicasconstrutivas, elas aparecem indistintamente por todo o Valepaulista; podemos apenas detectar predominâncias desolução construtiva em um ou outro local, fato esteprovavelmente relacionado mais à presença de trabalhadoresque dominavam um ou outro tipo de técnica, do que a umatradição construtiva local. Era um período de transformaçõese inovações naquelas técnicas que, por quase duzentos anos,se praticaram na porção povoada do Vale do Paraíba paulista.A arquitetura dessas duas áreas, assim, não surgiasimplesmente da somatória de contribuições diversas.Configura-se a partir do novo momento, emprestando écerto, soluções obtidas nas experiências anteriores,reelaboradas de acordo com as solicitações próprias dosafazeres pertinentes à produção do café.129

Quanto à tipologia adotada, podemos distinguir, por todoo Vale, os casarões térreos, os assobradados, e os queaproveitam o desnível do terreno, tendo um aspecto térreo

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129 ANDRADE, L. A. D. de. Op. cit., 1984, p. 39.

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em um dos lados, geralmente a parte traseira, eassobradado no outro. É uma casa diferente daquelasbandeiristas, que se construíam exclusivamente sobrepequenas plataformas artificiais e, também, não se usavaindiscriminadamente o piso de terra batida, ou comassoalho disposto diretamente sobre o solo. O jeito mineirode construir já fora assimilado, aproveitando os desníveisdo terreno natural, ocupando os espaços sobrados sob opiso da casa como porões utilizáveis, ou, se o espaçoresultante era decorrente de um corte do terreno, seguropor arrimo de pedras, anexava-se o espaço resultante, comonovos cômodos. Mas, mesmo incorporando algumasinfluências mineiras na implantação, a casa rural paulistadessa primeira metade do século XIX é muito menosmovimentada. Aqui não aparecem com freqüência osalpendres, os puxados. A planta é mais compacta, sólida,em geral desenvolvendo-se em L ou U, o que se reflete navolumetria e na sobriedade do aspecto externo.

Nas fachadas, é raro encontrar alpendres percorrendo todaa sua extensão. A existência desse tipo de alpendre levasempre à suposição de um acréscimo posterior à construçãoda casa. São mais comuns, quando existem, os pequenosalpendres cobrindo apenas a porta principal - ou no máximoa porta e algumas janelas laterais - ao qual se tem acessopor escadas de pedras, com desenhos variados. Tambémpraticamente não há ornamentos, que se limitam, quandoocorrem, a cimalhas e cunhais um pouco mais elaborados,uma ou outra bandeira de porta ou guilhotina de janelacom desenhos decorativos, um medalhão, com a data ouiniciais, sobre a porta principal. Nos casarões assobradadosaparecem, às vezes, pequenas sacadas com gradis metálicosem desenhos requintados, quase sempre tambémostentando a data de construção e as iniciais dosproprietários.

A volumetria também é simples, limitada pela plantaretangular, como nas casas das fazendas Bom Retiro, emBananal; da Fábrica e Amarela, em São Luiz do Paraitinga;Nossa Senhora da Conceição, em Caçapava Velha. Porém,o mais comum é o emprego das plantas em L, em que aárea de serviços fica junto à residência. Nas casas construídasa partir do século XIX foi usual esse tipo de planta; nas casasanteriores é mais difícil esse tipo de solução e, quando ocorrem,podem ser acréscimos posteriores à sua construção. Mais rarassão as plantas em U, formando um pátio traseiro, como naBoa Vista, de Bananal, ou com mais de um anexo, como nafazenda Luanda, também em Bananal.

O aspecto dessas edificações é extremamente sóbrio:grandes prismas retangulares recobertos por grandes panosde telhados em que aparece invariavelmente a telha capa ecanal. Nas edificações com planta em U, aparecem os rincõesformados pelo encontro de dois panos congruentes dotelhado: as águas pluviais aí despejadas eram coletadas portelhas do tipo canal sobrepostas, ou por cochos coletoresfeitos de madeira, à maneira de calhas, já que não haviamas metálicas.

O madeiramento do telhado, quase sempresuperdimensionado, era composto pelas empenas, o ten-sor, as asnas, as escoras e a cumeeira. Sobre essa estruturabásica eram colocados os caibros e as ripas. Um detalhemuito usado era o galbo do contrafeito, que proporcionavaaos telhados um deslocamento curvo do pano do telhadopróximo ao beiral, fazendo com que as águas da chuvafossem lançadas o mais longe possível das paredes. Alémdesse aspecto técnico, o efeito estético é extremamenteagradável. Como bem observou Andrade, as casas rurais daregião do Médio e Alto Paraíba não possuem o contrafeitoem seus beirais, diferenciando-as das demais:

Os beirais por exemplo, perdem o galbo tradicional,apoiados os caibros nas extremidades dos cachorros –quase sempre escondidos sob tabuado disposto à guisade cimalha – tornando os panos da cobertura menosgraciosos, mais rígidos.130

O grande destaque das fachadas era dado pelo acesso prin-cipal ao interior da casa. Na maioria das casas, apenas umpiso era destinado à moradia do fazendeiro, mesmo quandohavia o porão utilizável. Há exceções, como no caso dafazenda Restauração, em Queluz, em que o piso inferiorapresenta cômodos destinados a recepção, e local denegócios.

Em todos os casos, porém, a entrada ao casarão recebe umtratamento especial, de maneira a não deixar dúvida sobrequal é o principal acesso a seu interior. O uso do porãopara sobreerguer o casarão do rés do chão propiciava o

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130 ANDRADE, L. A. D. de. Op. cit., 1984, p. 45.

Figura 67 - Aspecto externo docasarão da fazenda Restauração,Queluz. Foto: V. Benincasa.

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uso de escadarias, e esse recurso facilitou a demarcação daentrada.

Nesses casarões do Vale do Paraíba, o desaparecimentodos alpendres de entrada embutidos no corpo da habitaçãofoi outro fator que determinou o surgimento de umasolução simples, mas eficaz: o patamar à frente da porta deentrada. O antigo alpendre fazia as vezes de cômodo derecepção ao visitante. Porém, os novos códigos desociabilidade, desenvolvidos no século XIX, já não permitiamtal desconsideração. O visitante obrigatoriamente tinha deser recebido no interior da habitação, em salas de recepção,e conduzido para uma sala de visitas, onde receberia ashonras da casa, tanto mais solenes quanto maior suaimportância, e a riqueza do fazendeiro.

Assim, esses elementos passam a compor a fachada doscasarões das fazendas cafeeiras. Os acessos, então, sãocompostos de um patamar elevado, à altura do piso interno,cuja largura é, em geral, um pouco mais generosa que a daescada. Esses patamares eram descobertos, uma vez quenão eram destinados à permanência do visitante. Quandoexistem alpendres cobertos, como na fazenda dos Coqueirosou na Boa Vista, em Bananal, ou na fazenda Amarela, dePindamonhangaba, uma simples observação mais acuradapermite verificar que se tratam de acréscimos posteriores,não constando do programa original. O alpendre da BoaVista inexiste na pintura do século XIX; no da fazendaCoqueiros, percebe-se que somente a escadaria e o patamarsão originais, enquanto a cobertura foi acrescidaposteriormente, o que se pode perceber pelo corte na linhadas cimalhas, e o encaixe efetuado pelo madeiramento doalpendre, no telhado da casa, além dos diferentes tipos detelhas utilizados: francesa no alpendre, e capa e canal nocasarão. No último exemplo, o da fazenda Amarela, o usode balaústres de cimento e a alvenaria de tijolos permitemsituá-lo como intervenção da década de 1920 ou 1930.

A escadaria e o patamar de acesso ao piso principal damoradia constituem-se, quando usados, nos principaiselementos de composição da fachada; além disso, carregamem si um forte simbolismo, marcando a recepção e criandouma expectativa para a entrada à casa do dono dapropriedade. Pela freqüência em que aparecem, não deveter sido fortuita a sua execução, chegando mesmo, segundoCarrilho, a fazer parte de certo protocolo social da época.131

Destacadas da fachada, as escadarias organizam-se dediversas maneiras, ora perpendicularmente a ela, oraparalelamente, em um ou mais lances. Compostas dealvenaria de pedra lavrada, essas escadarias têm o seu pesosuavizado por delicados gradis metálicos, trabalhados, quecompõem o guarda-corpo e, por vezes, pelo desenho doarranque, que se abre em leque, como na fazenda Resgate,em Bananal.

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131 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 144.

Figura 68 - Aspecto externo docasarão da fazenda Coqueiros,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 69 - Aspecto externo docasarão da fazenda Boa Vista,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 70 - Patamar de acesso do dafazenda da Barra, São José doBarreiro. Foto: V. Benincasa.

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Algumas dessas escadarias conseguem efeitosextremamente interessantes, como na fazenda da Barra,em São José do Barreiro, na qual um primeiro lance per-pendicular à fachada conduz a um patamar intermediário,seguro por muros de pedras; desse, um novo lance de escadaatinge o patamar ao nível do casarão, o qual é envolvidopor um delicado gradil de ferro. A sua fachada não possuinenhum outro tipo de ornamentação, mas o efeitoconseguido por esses dois lances de escada, com seusrespectivos patamares, dão a certeza de que estamos dianteda casa do proprietário.

Em outros casos, quando se utilizou o partido de escadariasparalelas à fachada, o destaque necessário foi conseguidocentralizando-se a porta de entrada, com o patamar bem àsua frente, acessível por dois lances de escadas, um de cadalado. Essa solução, quando acompanhada de guarda-corpose pilaretes de arranque decorados, atinge um alto grau de

beleza e eficiência na composição do desenho de fachada.Outros, mais simples, com guarda-corpos de alvenaria, nãoconseguem o mesmo grau estético daqueles, mascertamente evidenciam a entrada. Podemos encontrar essetipo de solução de escadarias frontais em fazendas comoas extintas Santana, de Areias, e Itaguassu, em Aparecida;na Quilombo, na Cataguá e na Pasto Grande, em Taubaté;na Restauração, em Queluz; entre outras. Há também oscasos de patamares com apenas um lance lateral, menosgraciosos, mas eficientes, como no caso da fazenda Vitória,em Guaratinguetá, em que a porta possuía bandeira comdesenho inspirado nas aberturas do gótico flamejante.

Há casas cujos acessos se encontram ao rés do chão, apesarde assobradadas, e a escadaria que conduz ao pisoprincipal encontra-se no interior da edificação. Nesses casos,o destaque da porta de acesso é dado pela diferenciaçãode desenho em relação às demais aberturas: suas dimensões

Figura 71 (topo) - Casarão da fazendaSantana, Areias. Acervo Casa deCultura de Areias.

Figura 72 (à esquerda) - Casarão dafazenda Quilombo, Taubaté. Foto: V.Benincasa.

Figura 73 (acima) - Casarão dafazenda Cataguá, Taubaté. Foto: V.Benincasa.

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Figura 74 (à esquerda, topo) - Casarãoda fazenda Pasto Grande, Taubaté.Foto: V. Benincasa.

Figura 75 (à esquerda, centro) -Detalhe da escadaria frontal docasarão da fazenda Restauração,Queluz. Foto: V. Benincasa.

Figura 76 (acima, topo) - Casarão dafazenda São Miguel, São José doBarreiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 77 (acima, centro) - Casarãoda fazenda Catadupa, São José doBarreiro. Foto: V. Benincasa.

são propositadamente maiores, possuem folhasalmofadadas, bandeiras com desenhos elaborados, vergasdiferenciadas e, por vezes, molduras de argamassa.Exemplos dessa situação são os casarões das fazendasSão Miguel e Catadupa, em São José do Barreiro; fazendasNeuchatel, São José e Barbosa, em Guaratinguetá;fazenda Sant’Ana, em Lagoinha; fazenda Santo Antônio,em Jambeiro. Em algumas, a porta adquire dimensões

absurdamente grandes, com os batentes saindodo pavimento inferior e sendo alongados até o pavimentosuperior, como ocorreu na fazenda Santana, em Aparecida.

Quanto às janelas, nesses casarões são mais comuns as deverga reta, com guilhotinas envidraçadas externas, e escurosna parte interna. Nas casas mais sofisticadas, os escurossão almofadados, caso da fazenda Restauração, em Queluz;

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 81

Figura 78 - Casarão da fazendaNeuchatel, Guaratinguetá. Desenhooriginal: Tom Maia.

Figura 79 - Casarão da fazenda SãoJosé, Guaratinguetá. Desenho origi-nal: Tom Maia.

Figura 80 - Casarão da fazenda doBarbosa, Guaratinguetá. Foto: Pe.Carlos, Acervo Museu Frei Galvão,Guaratinguetá.

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Figura 81 - Casarão da fazenda SantoAntônio, Jambeiro. Desenho original:Tom Maia.

Figura 82 - Casarão da fazendaSantana, Aparecida. Desenho original:Tom Maia.

na Bom Retiro e Resgate, em Bananal; São José do Palmital,em Cachoeira Paulista. Mas a separação de importânciados pisos fica evidenciada quando se colocam janelas comescuros almofadados no pavimento superior e escuros decalhas simples, no pavimento inferior, caso da fazendaSant’Ana, em Lagoinha. As janelas de vergas em arco plenotambém existiram, ecos de uma influência doneoclassicismo, como na fazenda Santana, em Areias, beloexemplar demolido em 1985. Janelas de verga em arcoabatido aparecem mais comumente na região de Taubaté,como nos casarões das fazendas Santa Leonor, Quilomboe Pasto Grande.

Trabalhando com poucos elementos ornamentais, algunsexemplares alcançam expressões de um requinte muitoapurado. Digno de notificação é o da fazenda Restauração,em Queluz. A fachada do edifício assobradado procuraseguir à risca, em que pese a ausência de materiais nobres,as lições de uma arquitetura mais erudita. A simetria é rígida.Erguendo-se sobre um porão de aproximadamente metro emeio, a porta de entrada, centralizada, é atingida porescadaria de pedra em dois lances, laterais à fachada, compilaretes de pedra trabalhados, encimados por pinhasesculpidas. A porta central e as janelas possuem folhasalmofadadas. As janelas de verga reta, tanto no pavimentoinferior, quanto no superior, apresentam guilhotinas

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 83

envidraçadas com pinázios quadrados. Os batentes estão àmostra, assentados rentes à argamassa externa. A vergasuperior apresenta uma pestana de madeira que lhe dá,além de proteção contra a chuva, certo destaque. A portade entrada é, ao mesmo tempo, simples e grandiosa: seusbatentes apresentam almofadas esculpidas, e a verga emarco pleno, saliente e com frisos, ajudam a destacá-la,elevando-a acima do nível das vergas das janelas. As folhasalmofadadas e a bandeira decorada e envidraçada dão-lheótimo acabamento. O barrote aparente, que marca o pisodo segundo pavimento, aliado aos dois cunhais de madeiraentalhados pintados de azul, sobre o pano branco dasparedes, completam a fachada. O efeito é muito agradávele elegante. Segundo Lemos, o projeto e a execução dessacasa ficaram a cargo do mineiro Teodoro José da Silva, quea finalizou em 1867.132

O casarão da fazenda Bom Retiro, em Bananal, é outro quepossui fachada extremamente requintada. Foi construídopor um mineiro de Sabará, Antônio Barbosa da Silva, irmão

Figura 83 (acima, topo) - Casarão dafazenda São José do Palmital,Cachoeira Paulista. Desenho original:Tom Maia.

Figura 84 (acima, à esquerda) -Detalhe do cunhal e cimalhas docasarão da fazenda Restauração,Queluz. Foto: V. Benincasa.

Figura 85 (acima, centro) - Cunhaisentalhados, detalhe da fachada docasarão da fazenda Restauração,Queluz. Foto: V. Benincasa.

Figura 86 (acima, direita) - Fachadalateral do casarão da fazendaRestauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

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132 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 152.

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de um mordomo da Corte Imperial. Revela uma apropriaçãobastante interessante das lições da arquitetura classicizanteem voga no Rio de Janeiro. Em sua fachada sobressaem osgrossos cunhais marcados pelas pilastras dóricas, com fustefrisado, base e capitel, efeito estético conseguido comargamassa engrossada com cacos de telha. Logo abaixo dalinha do beiral aparecem cimalhas de madeira percorrendotoda a extensão do corpo principal. No pavimento inferior,as janelas, com vergas retas, ostentam folhas envidraçadase escuros almofadados. A grande porta central, com folhastambém almofadadas, é o acesso a uma passagem paracarruagens, que atravessa toda a edificação, permitindo queseus ocupantes descessem dos veículos abrigados deintempéries. No pavimento superior aparecem, na fachada,dez portas-balcão, guarnecidas de estreitas sacadas,protegidas por gradis de ferro forjado, com belo desenho.Cada uma dessas portas possui bandeira envidraçada compinázios em segmentos de arcos contrários, entrelaçados. Asfolhas externas têm a metade superior envidraçada e a infe-rior almofadada. As folhas internas são inteiramentealmofadadas. Nas laterais, surgem janelas de vergas retas,com guilhotinas, com desenho semelhante às bandeiras dasportas-balcão. O resultado é extremamente harmônico, comum requinte de elaboração poucas vezes alcançado emcasarões rurais da região.

Efeitos semelhantes conseguiram as fazendas Neuchatel eBarbosa, em Guaratinguetá. A entrada principal desses doiscasarões se realizava ao rés do chão, por porta centralizadana fachada, com escadaria interna. No pavimento superior,aparecem portas abrindo para os seus respectivos balcões,protegidos por guarda-corpos de ferro forjado. No caso dafazenda Neuchatel, o casarão construído por Ulisses AlexisPerrenoud, francês que se estabeleceu na região por voltade 1870, apresenta a fachada tripartida, com a parte cen-tral ligeiramente destacada do corpo principal. Pilastras,cimalhas, e janelas e portas com molduras e pestanas,dispostas de maneira rigorosamente simétrica, apontaminfluências de uma arquitetura classicista, de grande beleza.

A fazenda do Barbosa foi finalizada em 1860, pelo capitão-mor Manuel Lourenço da Silva Melo (1810-70). A solidez, otamanho e o bom acabamento da construçãoimpressionavam. Segundo relatos, ele próprio dizia quequeria uma casa que durasse para sempre. Infelizmente foidemolida, na década de 1980. Somente no levantamentodas paredes de taipa de pilão foram gastos cinco anos. Nosjardins, à frente do casarão, possuía um chafariz ornamen-

Figura 87 - Fachada posterior docasarão da fazenda Bom Retiro,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 88 - Porta-balcão. FazendaBom Retiro, Bananal. Foto: V.Benincasa.

Figura 89 - Detalhe do cunhal docasarão da fazenda Bom Retiro,Bananal. Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 85

tal. A fachada simétrica, apesar de não apresentar a ligeiraproeminência central, pode ser considerada tripartida pelodesenho diferenciado das aberturas centrais. No térreo, oeixo da fachada é marcado pela porta central ladeada porduas janelas, todos esses vãos com verga em arco abatido.Em cada lado desses vãos centrais, aparecem três janelascom vergas retas, com guilhotinas envidraçadas. Nopavimento superior, a parte central da fachada era marcadapor um balcão com guarda-corpo de ferro forjado, em queaparecia um medalhão com as iniciais do proprietário, etrês portas-balcão. Assim como no pavimento inferior, háem cada lado desse conjunto, três outras janelas com vergasretas e guilhotinas envidraçadas externas. Posteriormente,essa fachada recebeu uma pintura que imitava alvenaria depedra. O guarda-pó nos beirais escondia os cachorros,garantindo uma limpeza nas linhas gerais.

As soluções ornamentais foram diversas, e a criatividade nodesenho das escadarias, da caixilharia, das bandeiras, dasvergas, da inclusão ou não de pilastras, de cimalhas, depestanas, de faixas de argamassa decorativas em relevo, tudoisso diferenciava os casarões, dando-lhes personalidadeprópria. Não há duas soluções iguais.

Em geral, percebemos um cuidado na elaboração da partefronteira dessas casas, todas com volumes muito semelhantes,cuidado que não ocorria nas laterais e fundos, com soluçõesmuito mais simples. Estava presente, nesse posicionamento,uma preocupação com a aparência aos olhos do outro, dovisitante. Isso se refletiria no interior desses casarões.

Os inventários trazem descrições bastante sumárias a respeitoda casa do fazendeiro, atendo-se ao número de lanços,quantidade de janelas, algumas características de materialconstrutivo (assoalhadas, cobertas de telhas), às vezes àforma (térreas, assobradadas). Um exemplo dessas descriçõesé o da fazenda das Antinhas, de Bananal:

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133 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 52.

134 Idem, ibidem, p. 52.

Uma morada de casas de vivenda com seis janelas devidraças e uma porta na frente, com três salas, alcovas,e uma sala de jantar com cantoneira e cozinha imediata,toda coberta de telha... – e mais – uma dita de fronteonde se diz Missa, com onze portas e janelas na frente,com tres cantoneiras e varandas sem grade...133

Essa descrição corresponde ao padrão mais repetido nascasas da região no período cafeeiro e, analisando osexemplares remanescentes, podemos constatar o quãodisseminado foi por todo o Vale do Paraíba. Uma outradescrição um pouco mais abrangente é a contida noinventário de Maria Domiciana da Conceição, de 1836, sobreo casarão da fazenda Boa Vista:

Huma casa de morada, de Sobrado, onde mora o ViuvoInventariante dito Sargento Mor Jose Ramos Nogueira,no lugar da Boa Vista, coberta de telhas composta deoito lanços, quatro acabados, e outros por acabar,forrados pór cima os quatro lanços acabados, e porbaixo no terreo dois assualhados e outros dois calçadosde pedra, com huma pequena Varanda velha por detrasda Casa: Sendo os quatro lanços acabados, firmadossobre paredoens de pedra, desde a madre das mesmascasas para baixo, e calçados á roda , tão bem de pedras...com vinte oito janellas á roda, todas envidraçadas, comsuas molduras por dentro; com dose portas em cimano Sobrado, com suas bandeiras de vidro, e quatroportas embaixo no terreo...134

Figura 90 - Fazenda das Anti-nhas, Bananal. Fonte: Catálogoda exposição “O Café”, p. 82.

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Muito já foi dito sobre a quase imutabilidade da casa ruralbrasileira do século XIX. A seqüência característica decômodos segue praticamente a mesma em um grandenúmero de casas, com pequenas alterações: salas derecepção de visitantes na parte fronteira, depois uma faixaintermediária de quartos e alcovas, às vezes contendo acapela; e dormitórios e sala de jantar na face posterior. Aosfundos, finalmente, a cozinha e dependências de serviço,formando um anexo, tudo arranjando na tradicional plantaem L que, a partir de então, seria extremamente difundidapor toda a zona cafeeira paulista. Ocorreram também plantasem U, como a Boa Vista, em Bananal, e mesmo casas compátios internos, como na fazenda da Barra, em São José doBarreiro, e na Independência, em Bananal. No entanto, acondição destas casas, como ficou demonstrado em estudos,foi gerada por sucessivos acréscimos, não se tratando deplantas originalmente concebidas dessa forma.

Nesse esquema da casa rural do Vale do Paraíba, notamosuma inovação em relação à casa paulista, ou mesmobrasileira, de séculos anteriores: na casa do rico fazendeirode café, o espaço destinado à recepção, a área de convívio

geral é muito mais generosa. São aquelas mesmas salassociais em que acontecem os saraus, as tertúlias recitatóriase onde se admite em certo grau a sociabilidade, cumpridosos rituais mínimos de admissão e de representação de quese revestiam tais encontros.135 São exemplos dessaorganização típica os casarões das fazendas Resgate,Coqueiros, Boa Vista, em Bananal; Santana, em Areias;Sant’Ana, em Lagoinha; Amarela, em Pindamonhangaba;Engenho d’Água, em Guaratinguetá, Quilombo, emTaubaté; Restauração, em Queluz; São Miguel, em São Josédo Barreiro, além de muitas outras. Mesmo em plantas quenão seguem o padrão em L, verificamos uma escala deacessibilidade, ocorrendo a parte dita social; a zona íntima,que tem acesso limitado; e uma zona de serviços; o que éverificável em casas como as das fazendas Bom Retiro, emBananal; e Bonfim, em Taubaté.136

Figura 91 - Planta do casarão dafazenda Resgate, Bananal. Fonte:Lemos, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 145.Desenho: M. Rosada.

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135 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 142.

136 Idem, ibidem, p. 144.

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Figura 92 - Planta do porão do casarãoda fazenda Boa Vista, Bananal. Fonte:Lemos, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 147.Desenho: M. Rosada.

Figura 92a - Planta do casarão do dafazenda Boa Vista, Bananal. Fonte:Lemos, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 147.Desenho: M. Rosada.

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Figura 93 (acima) - Planta do casarãoda fazenda Coqueiros, Bananal.Fonte: Carrilho, M. J. Op. cit., 1994,p.143. Desenho: M. Rosada.

Figura 94 - Planta do casarão dafazenda Santana, Areias. Fonte:Andrade, Antônio L. D. Vale doParaíba, Sistemas Construtivos, s/p.Desenho: M. Rosada.

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Figura 95 - Planta do casarão dafazenda Santana, Areias. Fonte:Andrade, Antônio L. D. Vale doParaíba, Sistemas Construtivos, s/p.Desenho: M. Rosada.

Figura 95a - Planta do porão docasarão da fazenda Sant’Ana,Lagoinha. Fonte: Lemos, C. A. C. CasaPaulista, p.161). Desenho: M. Rosada.

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Figura 96 (acima) - Planta do casarãoda fazenda São Miguel, São José doBarreiro. Lev. original Antônio L. D.de Andrade. Fonte: Condephaat.Desenho: M. Rosada.

Figura 97 - Planta do casarão dafazenda Restauração, Queluz. Fonte:Lemos, C. A. C. Op. cit., 1999, p.154.Desenho: M. Rosada.

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Figura 98 - Planta do casarão dafazenda Bom Retiro, Bananal. Lev.Vladimir Benincasa e Luzia Márcia MeiRosa. Desenho: M. Rosada.

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Figura 99 - Planta do casarão dafazenda Amarela, Pindamonhan-gaba. Fonte: Lemos, C. A. C. Op. cit.,1999, p.162. Desenho: M. Rosada.

Figura 100 - Planta do casarão dafazenda Bonfim, Bananal. Fonte:Polesi, O. Bonfim, Fortaleza e SantaLeonor, p. 38. Desenho: M. Rosada.

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Figura 101 - Planta do casarão dafazenda Engenho d’Água, Guara-tinguetá. Fonte: Lemos, C. A. C. Op.cit., 1999, p.159.

A proximidade com a corte carioca fez com que a sociedadedo Vale do Paraíba, principalmente na região que vai deBananal a Queluz, apresentasse certa homogeneidade emseus usos e costumes, principalmente no refinamento doshábitos cotidianos. Havia um trânsito entre essa região e aprovíncia fluminense que favorecia esse contato, mudandoseus costumes; houve mesmo fazendeiros que mantiverampropriedades tanto no Rio como em São Paulo. Sem dúvida,a corte de D. Pedro II irradiava o bom gosto, e de seu portochegavam as novidades que se transformavam em condiçõesde conforto e beleza para o interior das moradias.137 Há umcerto consenso entre os historiadores de que, à medida quese adentrava o Médio e Alto Vale do Paraíba, esses ecos dacorte eram menos nítidos. Isso pode ter sido verdade, seconsiderarmos somente os casarões construídos na primeirametade do século XIX; no entanto, houve exemplares deextremo bom gosto também nessas outras regiões, epoderíamos citar as fazendas do Barbosa e Neuchatel, emGuaratinguetá, construídos aproximadamente em 1860 e1870, respectivamente. Citações como a que segue, a nossover, talvez não devam ser tomadas como generalização,mesmo porque a maioria dos casarões do Caminho Novoda Piedade, tidos como expressão de suntuosidade, foramconstruídos ou reformados por volta de 1850:

É que de Lorena para cima, os velhos “caipiras” jáestavam estabelecidos havia quase dois séculos, e odinheiro do café tocou diferentemente na sensibilidadee nas predisposições daqueles agricultores convertidosà nova cultura – enfim, gente mais conservadoraprocurou manter em suas novas moradias as primitivassoluções de circulação e até de segregação da partefeminina da família, o que é mais difícil de percebernos planejamentos residenciais da área pioneira vizinhaà corte de Dom Pedro II.138

Por todo o Vale, no entanto, os interiores dos casarõescontrastam, em muito, com as feições austeras do volumeexterno. Internamente, muitos apresentam fina decoração.Forros de tábua decorados, pintados e frisados a ouro, porvezes ostentando ornamentação como florões e leques, ouos plafoniers junto ao arranque dos lustres; lustre de cristais;assoalhos de boa madeira; armários imensos, embutidos,

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137 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 136-7.

138 Idem, ibidem, p. 137.

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para guardar os aparelhos de porcelana francesa e inglesa,os cristais, as compoteiras, os faqueiros de cabo de prataou marfim; janelas de guilhotina; sótãos; capelas internasricamente decoradas, com entalhes, castiçais e imagens demadeira, douradas a ouro; salões imensos; cozinhas comtoda a sorte de acessórios. Muitas vezes os casarões tinhamforros e paredes das salas decorados com painéis e pinturas,ostentando cenas de caça, de bosques ou jardins, paisagenseuropéias e mitológicas, testemunhando a disposição dos“barões do café” em transformar as suas residências emlugares aprazíveis e confortáveis. As pinturas dos painéisdas salas de visitas, dos corredores, das capelas e das salasde jantar eram executadas por pintores espanhóis, francesese italianos. Em geral essas pinturas murais apresentammodelos clássicos ou renascentistas: colunas, frisas, frontões,guirlandas, cascatas, bosques, fontes, riachos, pássaros,flores e borboletas, entremeados com motivos nacionaiscomo araras e tucanos, saracuras e seriemas, macacos,lebres, rolas e sabiás, que se confundem nas paisagensbucólicas, quebrando a monotonia dessas casas, alegrandoo ambiente. Em outros painéis aparecem frutas, troféus decaça, transplantados para as paredes das salas de jantar dascasas senhoriais, empregando a técnica do trompe l’oeil.Muitas vezes, também o café foi retratado e cultuado. Háos casos de retrato da própria casa-grande, como ocorreuna extinta fazenda Rialto, em Bananal. Aliás, nessa casa haviaum dos maiores e mais belos conjuntos de pinturas muraisfeitos em casarões do Vale paulista, hoje desaparecido.Nele havia, inclusive, uma reprodução da estação da estradade ferro de Bananal, com uma locomotiva e vagões, marcasde um progresso trazido com o dinheiro proporcionadopela cafeicultura.139

Os caixilhos e bandeiras comparecem com relevos emmadeira, onde o leque se destaca como motivo decorativo,principalmente naquelas fazendas do Caminho Novo. Osbarramentos de escaiola, imitando mármore, os frisosdourados arrematando painéis e papel de parede importadotambém foram usuais nestes ambientes, com maisfreqüência a partir das décadas de 1860 e 1870.

Todas essas mudanças foram proporcionadas pelo dinheirodo café, que chegou numa época de euforia pelas novascondições políticas, trazidas com a independência, junto auma necessidade de modernidade que se refletia, inclusive,nas novas relações caseiras, que começavam a dar àsmulheres oportunidades, até então inesperadas, de convívio.A instrução, a boa educação e as boas maneiras passaram aser cultivadas por todos, sendo normal a existência depreceptoras estrangeiras, de governantas ou pajens de fora,falando francês, inglês, ou alemão.140

No entanto, ainda demoraria muito para que o zoneamentodentro das moradias, segregador e eivado de preconceitos,fosse alterado. As áreas de permanência das mulherescontinuaram separadas daquelas reservadas aos homens,embora tenha sido criada uma faixa intermediária, de queambos, inclusive pessoas de fora do convívio doméstico,

poderiam compartilhar. Eis aí a grande novidade dessascasas.141

Mesmo quando assobradada, a casa de fazenda do Valedo Paraíba, propriamente dita, desenvolvia-se quase semprenum único piso, o superior. É ali que encontramos oscômodos de recepção, formando a área social e os cômodosdestinados a hóspedes; os dormitórios, alcovas e sala dejantar na área íntima; além da zona de serviços. O pavimentoinferior contém os acessos ao piso superior, depósitos,escritórios, enfim, cômodos para outras atividades que nãoo morar. Esta é uma tipologia peculiar às casas do períododo café dessa região paulista. Elas denunciam formas sociaiscaracterísticas, diferenciadas em dois setores fortementeseparados por aquilo que constitui a fronteira entre ouniverso da vida social e da vida familiar.

Porém, mais que expressão de dado estágio social,esta tipologia deve estar profundamente enraizada nacultura – na medida em que (...) é comum a outrasregiões, reproduz aquelas formas sociais cujaorganização está profundamente encerrada na memóriacoletiva – o que de certo modo explica a sua repetiçãosistemática.142

No entanto essa rígida organização espacial permitiu umdesenvolvimento na sua apropriação. A vida social evoluía,apesar de conservar certos hábitos e preconceitos arcaicos.Paralelamente à persistência dessas formas de segregação,desenvolviam-se novas formas de sociabilidade, comoclaramente demonstra o mobiliário ali contido, nosarrolamentos dos inventários. Reuniões festivas, pequenosbailes, jantares, visitas sociais... Os novos hábitos e etiquetamais refinados incluíam relações protocolares de convívio,muito mais freqüentes que as até então experimentadas nazona rural brasileira. As pessoas deveriam receber, e bem,os seus convidados, demonstrando educação e bom gosto.Dessa maneira, não só as pessoas, mas também as casas,tinham de ser preparadas para tais eventos. As novascondições financeiras, o contato mais amiúde compersonalidades da corte imperial, as viagens à Europa,trouxeram mudanças significativas no convívio domésticodo mundo rural, ainda que isso tenha se dado maisenfaticamente naquelas fazendas que se localizavam nosarredores da Província do Rio de Janeiro, ou seja, naquelassituadas na região que vai de Bananal até Queluz.

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139 PASIN, J. L. Fazendas do Café. http://www.valedoparaiba.com/terragente/estudos/est0032001.html

140 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 137.

141 Idem, ibidem, pp. 137-8.

142 CARRILHO, M. J. Op. cit., 1994, p. 142.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 95

A antiga casa paulista rústica, que perdurou até o séculoXVIII, de poucos móveis, com ganchos de rede espalhadospelos batentes das portas, vai aos poucos dando lugar acasas com salas mobiliadas com móveis importados, pi-anos, quadros e bibelôs. Já não se recebe no antigo alpendreembutido, agora o visitante é conduzido ao lance principalda casa por uma escadaria que termina num lanço em geralpequeno e descoberto. Cruzada a porta, adentra-se umasala, não muito grande, que faz às vezes daquele alpendredos séculos passados. Dali se tem acesso às salas laterais, àde visitas e a de estar e, não poucas vezes, a uma alcova,que serve de dormitório para visitantes. A sala de visitas, emgeral, é o mais bem decorado cômodo da casa, apresentandoparedes empapeladas ou com pinturas decorativas, oslampiões ou mangas de gás para iluminar as conversas, asfestas e as conversas após os jantares, até horas adiantadasda noite.

Como dissemos anteriormente, o piso elevado era para arecepção de hóspedes, visitantes e para a intimidade da família.A maior sociabilidade do período cafeeiro, enfraquece a rigidezdas faixas de acessibilidade e, agora, a sala de jantar já nãoabrigava apenas os moradores, mas fora aberta aos visitantes,transformando-se num local de encontro geral, daí a novidadeda “sala da senhora”, o último refúgio da intimidade feminina,usado para os seus serviços e os de suas mucamas.

O casarão da fazenda Resgate é dos exemplos maissignificativos dessa nova situação, entre os surgidos no Valedo Paraíba. Ele mantém a organização usual, composta dostrês lanços característicos, distribuídos no nível superior. Nafaixa intermediária, aparecem as alcovas e a capela, estaúltima ocupando dois pavimentos, tendo a nave pé-diretoduplo. Tal particularidade permitiu o desenvolvimento doaltar em altura muito acima dos encontrados em outrasfazendas. Parcialmente sobreposta à nave, a sala de visitas,no pavimento superior, comunica-se com a capela, atravésde uma porta que se abre para o coro e as tribunas, tendoao fundo o arco do altar, que se encontra no pavimentoinferior. Essas tribunas eram ocupadas por pessoas da família,ou convidados. No aspecto geral, essa capela alcança umadimensão poucas vezes conseguida em outras semelhantes.Parece ter sido construída em 1855, quando houve umagrande reforma na casa, efetuada por um arquiteto inglêsde nome Mr. Brusce.143 Lemos sugere que tal reforma, tenha

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143 CARVALHO, P de C. Op. cit., 1980, p. 176.

Figura 102 - Vestíbulo, casarão dafazenda Resgate, Bananal. Foto: V.Benincasa.

Figura 103 - Detalhe de pintura dovestíbulo, casarão da fazendaResgate, Bananal. Foto: V. Benincasa.

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Figura 104 (acima, topo) - Sala devisitas, casarão da fazenda Resgate,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 105 (acima) - Sala de visitas,forro, casarão da fazenda Resgate,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 106 (à direita, topo) - Sala devisitas, detalhe da manga deiluminação a gás, casarão da fazendaResgate, Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 107 (à direita) - Sala de visitas,detalhe de decoração parietal, casarãoda fazenda Resgate, Bananal. Foto:V. Benincasa.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 97

Figura 108 (à esquerda, topo) - Salade visitas, detalhe de pintura no forro,casarão da fazenda Resgate, Bananal.Foto: V. Benincasa.

Figura 109 (à esquerda) - Corredor en-tre vestíbulo e sala de jantar, detalhede pintura imitando azulejos commotivos chineses, casarão da fazendaResgate, Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 110 (acima, topo) - Sala dejantar, casarão da fazenda Resgate,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 111 (acima) - Sala de jantar,detalhe de pintura trompe l’oeil,casarão da fazenda Resgate, Bananal.Foto: V. Benincasa.

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Figura 112 - Sala de jantar, detalhede pintura representando os cafezaise a fortuna, fazenda Resgate,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 113 - Sala de refeições íntimas,casarão da fazenda Resgate, Bananal.Foto: V. Benincasa.

sido mais no sentido de uma readequação de algunscômodos do que uma reforma na volumetria da edificação.Talvez o piso de um dos cômodos do pavimento superiortenha sido retirado, então, para a execução da capela com pédireito duplo.144 É uma solução provavelmente inédita emSão Paulo e, sem dúvida, muito feliz, criando um efeito espacialde grande riqueza cênica. O altar é muito bem elaborado,com talha pintada de branco, ostentando frisos e detalhesdourados. Esse tipo de solução de capela, todavia, foi bastantecomum na zona cafeeira fluminense, de onde deve ter vindoa inspiração para a da Resgate.

A capela era um cômodo especial na configuração doscasarões vale-paraibanos. Muitas das casas possuíram-nainternamente ou, ao menos, oratórios, que se adequavamao programa dos casarões, estando inseridas, geralmente,na faixa intermediária, junto às alcovas. Outros exemplosde destaque são a capela da Boa Vista, em Bananal, e ooratório da fazenda Restauração, em Queluz. Sabemos quehouve um cômodo destinado aos serviços religiosos na BomRetiro, de Bananal, pois parte do altar ainda está num doscômodos, embora não hája indícios de seu local original.Um pequeno oratório existe no grande salão da casa dafazenda Pasto Grande, em Taubaté, embutido na parede,embora essa seja uma casa do século XVIII. Oratórios tambémforam encontrados nas fazendas Quilombo, de Taubaté, naCatadupa e na fazenda da Barra, de São José do Barreiro.Todos recebiam um acabamento primoroso, com retábulos,altares de madeira policromada, enfeitados com candelabrosde prata, palmas, ostensórios e imagens sacras. Suas paredese portas recebiam pinturas decorativas, ou forração de papeldecorado, configurando o seu caráter especial.

A presença da capela interna poderia comprometer aquelaordem de acessibilidade proposta pela planta daquelescasarões, mas isso não ocorre, como se constata em várioscasos, como na Boa Vista e, principalmente, na Resgate,ambas em Bananal. Nesta última, a excepcional concepçãoarquitetônica obtida através do pé-direito duplo, não chegasequer a perturbar o andamento da rotina caseira:os escravos e visitantes que assistiam às missas entravampor uma porta no piso inferior e aí ficavam, não precisavamnem adentrar o piso superior, o que quer dizer, adentrara casa, propriamente dita. Por outro lado, o fazendeiroe seus convidados poderiam participar dos ofícios religiososna tribuna, não precisando sair do piso superior.Sobre elas, Marquese tece um comentário muitointeressante:

(...) capelas, invariavelmente inscritas no corpo da casade vivenda e sempre voltadas para o lado das senzalas.O pé direito duplo de muitas delas por si só traduzia ahierarquia e o poder que regiam as relações escravistas,já que o acesso ao balcão superior era restrito à família

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144 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, pp.142-3.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 99

branca, enquanto o acesso ao piso térreo onde ficavamos escravos era feito por uma entrada independente.Cabe lembrar, todavia, que nessas capelas eramrealizados batismos e casamentos da escravaria nãoapenas pertencente ao dono da fazenda masigualmente dos cativos de seus vizinhos. Com isso,multiplicavam-se as hierarquias: pequenos proprietáriosque levavam seus escravos para serem batizados emcapelas de grandes fazendas/senhores que os recebiam;senhores que promoviam casamentos e batismos deseus escravos/conjunto da escravaria; os que ficavam noandar superior/os que ficavam no inferior. As capelas,enfim, não só expressavam as redes de clientelismoque cortavam de cima a baixo a sociedade escravistano Vale do Paraíba, como também funcionavam comovetores na criação de novas relações sociais, de restoalgo válido para todo ambiente construído das planta-tions escravistas do Novo Mundo.145

Há aí várias informações muito interessantes, e como bemmenciona o historiador, o fato de a capela estar semprevoltada ao lado em que estão as senzalas, ou, pelo menos,da maioria dos lanços dessas moradias escravas, não foi meracoincidência. Se pensarmos que, no século XIX, o poder daIgreja Católica era muito grande, e que a representação dessepoder estava estabelecido na casa do proprietário da fazenda,

temos aí uma conjugação de forças de significativosimbolismo hierárquico, que se incutia imediatamente sobreos escravos, e também sobre os pequenos fazendeirossituados ao redor dessas grandes propriedades.

As capelas externas também existiram, mas esta é umatipologia mais comum ao final do século XIX, como é ocaso das existentes nas fazendas Conceição, de Aparecidado Norte, e Bonfim, Quilombo e Fortaleza, de Taubaté. Ouseja, o espaço destinado ao culto religioso aparece nasmais diversas formas, nas casas senhoriais do Vale doParaíba, sempre com algum destaque, e certamente foiespaço obrigatório no seu programa.

Voltemos às demais dependências do casarão da Resgate.O viajante português Zaluar, em 1860, esteve hospedadonessa casa quando peregrinava pelo interior paulista, e assimse expressou:

Muitas fazendas de primeira ordem concorrem para ariqueza agrícola deste município (Bananal). Tive ocasiãode visitar, além das do sr. Barão de Bella Vista, a do sr.

Figura 114 - Capela, casarão dafazenda Resgate, Bananal. Fonte:Pires, F. T. F. Fazendas. Solares daregião cafeeira do Brasil Imperial,p. 82.

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145 MARQUESE, R. de B. Op. cit., 26 de outubro de 2005, p. 26.

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Comendador Manoel de Aguiar Vallim, que se tornanotável não só por ser uma das melhores propriedadesdo lugar, como pelo gosto com que são pintadas assalas e a capela da sua casa de moradia campestre. Aspinturas são devidas ao hábil pincel do Sr. Villarongo.A sala de visitas, toda de branco com frisos eornamentos dourados, tem o teto de muito bom gosto,e nos painéis das portas delicadas pinturasrepresentando os pássaros mais bonitos e conhecidosdo Brasil pousados nos ramos das árvores ou arbustosde sua predileção, de cujos troncos se vêm penderdeliciosos e matizados frutos. A sala de jantar e a capelanão merecem menos elogios.146

Segundo Lemos, nessa casa da Resgate o programaresidencial da nova sociedade do café está bem definido: oporão, que não oferece acesso ao pavimento nobre para ovisitante – há somente duas escadas de acesso íntimo, umaque sai da sala de refeições e outra que sai dos fundos deuma ala de dormitórios – além das ocupações domésticas,era ocupado com os trabalhos de administração das váriasfazendas do titular e também por cômodos destinados acertos hóspedes sem muita importância. Zaluar, com certareputação, dormiu numa das alcovas da faixa de recepção,a julgar pelo seu depoimento. Tudo indica que houvessemais dois conjuntos de dormitórios, além daqueles dehóspedes: os quartos de família e os de alguns empregadoscategorizados, pois era enorme a lista de pessoas quetrabalhavam no casarão. Segundo depoimento de JoséVicente Alves Rubião, neto de Manuel Aguiar Vallim:

O Resgate possuía padre capelão residente, boticário,parteira, sapateiros, seleiro, ferreiro, marceneiros,mobilieiros, serralheiros, mecânico, colchoeiro, alfaiate,cabeleireiro, barbeiro. Ali se fabricavam açúcar, velasde cera e de sebo, fumo, aguardente, farinha de milhoe de mandioca, mel de abelha, tecidos de algodão e delã de carneiro, meias, rendas para vestido e até linha decoser; quase tudo sob a direção do mecânico e arquitetoirlandês Patrício Croos, que mais tarde passou a guarda-livros da fazenda, quando nós, os mais jovens da família,o conhecemos.147

As pinturas murais de José Maria Villaronga148, feitas a partirde 1858, decoram vários ambientes da casa, como ovestíbulo, a sala de visitas, o corredor entre o vestíbulo e asala de jantar e a própria sala de jantar. Usando a técnica dotrompe l’oeil, ou engana-olhos, numa tradução simplista, apintura é extremamente realista, causando uma sensaçãode tridimensionalidade ao espectador. No vestíbulo, ovisitante é recebido com representações pictóricas, feitaspelo pintor catalão, dos principais produtos agrícolas dafazenda: o cafeeiro, em destaque; a cana-de-açúcar; o milho;o feijão e a mandioca; além de outras reproduzindo quadrose vasos de flores. O corredor mencionado possui umaintrigante escaiola imitando azulejos com quatro motivoschineses que se repetem, na metade inferior da parede; umafaixa intermediária reproduzindo frisos; e na metade supe-

rior, placas de mármore em tons de verde. A sala de jantarrecebeu o mesmo padrão pictórico. Ali, em posição central,há a representação de uma janela em arco pleno, abertapara um extenso cafezal; num primeiro plano, galhoscarregados de café são vistos quase adentrando o ambientee, significativamente, no parapeito da “janela”, apareceuma caixa cheia de notas e moedas: a origem da riqueza dofazendeiro estava ali bem representada. Ladeando essapintura central, duas representações de alegorias commotivos chineses, em sintonia com a arte do século XIX. Omais interessante, no entanto, são as pinturas nas paredeslaterais, em que aparecem dois armários embutidos paralouças e cristais. Um deles, entre a sala de jantar e a derefeições íntimas, é interrompido pela caixa de escadas quedá acesso tanto ao porão quanto ao sótão. Villaronga,usando o trompe l’oeil, desfez a interrupção pintando sobrea caixa de escadas a continuação desse armário, comprateleiras e portas envidraçadas, contendo louças, garrafasde vinho, cristais, fruteiras, compoteiras, latas de chá.

Na sala de visitas o teto é composto por um magníficomedalhão em relevo, de madeira e estuque, com florões emolduras pintados em dourado sobre fundo branco,entremeados de pinturas alegóricas sobre os sete pecadoscapitais, e ramalhetes de flores coloridas. As portas internasda casa possuem folhas almofadadas e bandeirasenvidraçadas com belo desenho. Na sala de visitas, asalmofadas de portas e janelas receberam pinturas de pássarosnativos, pousados em árvores brasileiras. A decoração dessasala é de extremo bom gosto e delicadeza: os grandes planosazuis claros e brancos das paredes são realçados pelos frisosdourados e pelas pinturas de pequenas dimensões.

O casarão da fazenda Boa Vista, em Bananal, tambémmerece ser citado como um dos mais destacados exemplosde casas rurais da região. Pertenceu ao Comendador LucianoJosé de Almeida, um dos grandes proprietários de terras eescravos em Bananal, no Segundo Reinado. Trata-se deedifício assobradado na frente e térreo na parte traseira,assentado à meia encosta. Os três lanços típicos, sendo maisapropriado falar-se em dois lanços, desenvolvem-se em U,recebendo um alpendre nas três faces internas do pátio,por meio de um prolongo. Atualmente esse alpendre foifechado, formando um corredor. O acesso se faz por umaescada perpendicular à fachada, que nasce de um pequenoterrapleno ligeiramente afastado dos terreiros. O vestíbulo,as salas sociais e a capela têm um tratamento decorativo demuito boa qualidade, com cinco grandes salões, portas

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146 ZALUAR, A. E. Peregrinação pela Província de São Paulo. BeloHorizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975, p. 49.

147 CARVALHO, P de C. Op. cit., 1980, p. 177.

148 José Maria Villaronga y Panella, nascido em Barcelona, trabalhoucomo pintor executando retratos e pinturas murais para fazendeirosdo Vale do Paraíba e da região de Campinas. Ele completou as pinturasfeitas na reforma de 1855 pelo inglês Bruce.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 101

Figura 115 (à esquerda, topo) - Capela,casarão da fazenda Boa Vista,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 116 (à esquerda, centro) - Salade visitas, casarão da fazenda BoaVista, Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 117 (à esquerda, embaixo) - Salade jantar, casarão da fazenda BoaVista, Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 118 (acima, topo) - Detalhe doforro, medalhão do lustre, sala devisitas, casarão da fazenda Boa Vista,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 118 (acima, centro) - Detalhedo forro, sala de visitas, casarão dafazenda Boa Vista, Bananal. Foto: V.Benincasa.

Figura 119 (acima) - Detalhe dabandeira, sala de visitas, casarão dafazenda Boa Vista, Bananal. Foto: V.Benincasa.

lavradas, tetos trabalhados e assoalhos de tábuas largas.De gosto neoclássico, essa decoração traz, nas bandeirasdas portas internas, pinázios em forma de leque,evidenciando a sintonia com o gosto característico doperíodo, circunscrita, porém, a uma aplicação decorativa.

A capela, no interior da casa, não permitia assistência deestranhos. Ela se voltava para uma grande sala de estar,num dos lados do casarão, que se convertia na nave,quando da realização de missas, através de três portas,

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sendo a central – localizada defronte ao altar – de dimensõesmaiores e com verga em arco pleno. O entalhe dosmontantes dessas portas é digno de destaque. É umasolução interessante, mas que, no entanto, não alcança amonumentalidade da capela da Resgate. Entre osmoradores da Boa Vista também houve um capelãoresidente para oficiar os serviços religiosos.

Outra casa interessante é a da fazenda Sant’Ana, emLagoinha, construída pelo tenente-coronel José Dominguesde Castro, em 1861, segundo data na bandeira de ferroforjado, da porta de entrada. Sua planta é limpa, quasesimétrica, e guarda com muita nitidez as três faixas: a dereceber, a de dormir, e a de estar e trabalhar. Num doscômodos da área social havia uma capela. A implantação àmineira proporcionou o surgimento de um pátio posteriorelevado, provido de alpendre que ladeia, inclusive, o anexode serviço. No entanto, este alpendre traseiro certamentese trata de um acréscimo, uma vez que o madeiramento desua cobertura encaixa-se de maneira muito improvisada aocorpo da casa; além disso, os pilares de sustentação sãofeitos de tijolos, de aspecto muito grosseiro, não condizentecom o restante da edificação.

Não tivemos a oportunidade de entrar no casarão, maspudemos notar, por uma das janelas do pavimento supe-rior, do salão fronteiro, o belo trabalho realizado no forrodessa sala, guarnecido de peças entalhadas em madeira.

Já na fazenda Catadupa, em São José do Barreiro, tivemosa oportunidade de entrar rapidamente no pavimento supe-rior. Ali as dependências de serviço conservam-se sem forro,enquanto nas salas fronteiras o forro dos principais cômodosé feito por esteiras de taquara trançada, envolvidos pormolduras de madeira, guarnecidas, nos cantos, deornamentos de madeira entalhada em forma de leque. Da

Figura 121 - Sala de visitas, casarãoda fazenda Catadupa, São José doBarreiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 122 - Detalhe do forro da salade visitas, feito com esteira detaquara, casarão da fazendaCatadupa, São José do Barreiro. Foto:V. Benincasa.

Figura 123 - Sala de jantar, casarãoda fazenda Catadupa, São José doBarreiro. Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 103

sala fronteira destinada a visitas, desce uma escadaria aopavimento inferior.

Outro casarão, a cujo interior tivemos acesso, e reflete obom nível geral atingido por essas edificações, é o dafazenda Restauração, em Queluz, construído em 1867.Nesse casarão, novamente é possível observarmos as faixasde acessibilidade descritas anteriormente. Na sala de jantar,destaca-se um armário embutido de grandes dimensões euma capela-oratório, dedicada a São Teodoro, padroeiroda fazenda, com bela pintura de Villarongo representandovasos de flores. Em dias festivos, ali se celebravam missas,ou então outras cerimônias, como novenas, casamentos,batizados. Num dos quartos de dormir, aparece umacômoda embutida no corpo da escadaria que dá passagempara um dos salões do andar térreo. Esta cômoda estáembutida no mesmo corpo do armário da sala de jantarque funciona, assim, como parede divisória entre esta salae o tal dormitório. A sede da Fazenda Restauração estáengastada no sopé do morro, rodeada por matas nativas ea cavaleiro de um ribeirão, que corre em leito de pedras. Ostrabalhos de restauro, que por ora passa a edificação,permitiram a descoberta de pinturas decorativas em várioscômodos do pavimento térreo e no superior, imitando papelde parede. Entre os trabalhos de madeira, destacam-se,nesse casarão, os belos desenhos das bandeiras e dosbalaústres da escadaria principal que, do vestíbulo, dáacesso ao pavimento superior.

Figura 124 - Pintura de sala dopavimento inferior, casarão dafazenda Restauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

Figura 125 - Escada de acesso aopavimento superior, casarão dafazenda Restauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

Figura 126 - Pintura do pavimento infe-rior, descoberta em recente restauro,casarão da fazenda Restauração, Queluz.Foto: V. Benincasa.

Figura 127 (abaixo) - Espelho defechadura, casarão da fazendaRestauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

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Figura 128 (à esquerda, topo) - Portascom bandeiras trabalhadas, casarãoda fazenda Restauração, Queluz.Foto: V. Benincasa.

Figura 129 (à esquerda, centro) - Salade jantar, casarão da fazendaRestauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

Figura 130 (à esquerda) - Oratório,detalhe da pintura da porta, sala dejantar, casarão da fazendaRestauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

Figura 131 (acima, topo) - Armárioembutido, forrado com papelimportado, sala de jantar, casarão dafazenda Restauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

Figura 132 (acima, centro) - Bandeirade porta da sala de jantar, casarão dafazenda Restauração, Queluz. Foto: V.Benincasa.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 105

A fazenda Quilombo, em Taubaté, apesar de térrea, erguidasobre porão, apresenta uma solução semelhante de faixas:a disposição é praticamente a mesma das anteriores. Emboranão tenhamos a sua planta, estivemos na casa epercorremos o seu interior. Naquele mesmo artigo do jornal“O Estado de São Paulo”, de 1901, encontramos umadescrição do interior da casa:

É propriedade do Sr. Coronel Francisco Gomes Vieira,um cavalheiro tão amável quanto respeitado emTaubaté pela nobreza de seu caráter.

A casa de residência impressiona desde logo peloconforto e luxo.

Na sala-de-visitas além de uma mobília rica, há meiadúzia de retratos a óleo dos pais e parentes do coronelGomes Vieira.

Ao fundo, o piano, o magnífico piano de que mãoshabilíssimas, quando eu entrei, arrancavam notas clarase vibrantes, executando o hino nacional.

Devia a consignação desta nota à extrema gentileza dodistinto executante.

À esquerda fica o escritório: em frente a sala-de-jantare em todo o prédio, que se compõe de grande númerode dependências, um asseio, um luxo e um confortonão peculiar à residência de um fazendeiro, mas aopalacete de um fidalgo, conhecedor de toda a estéticae arte.

Lá está a biblioteca para os estudiosos, a sala de bilharpara os que jogam, a sala-de-ginástica com o seutrapézio, jogo de maromba, argolas, etc.149

Figura 133 - Porta de entrada, casarãoda fazenda Quilombo, Taubaté. Foto:V.Benincasa.

Figura 134 - Sala de jogos, casarãoda fazenda Quilombo, Taubaté. Foto:V. Benincasa.

Figura 135 - Sala de jantar, casarãoda fazenda Quilombo, Taubaté. Foto:V. Benincasa.

Figura 136 - Cozinha suja, casarão dafazenda Quilombo, Taubaté. Foto: V.Benincasa.

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149 Artigo encontrado na Divisão de Museus de Taubaté, em exem-plar do jornal “O Estado de São Paulo”, de 04 de março de 1901.

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A casa da fazenda Quilombo, provavelmente, foi construídaainda na primeira metade do século XIX, e impressionapelas dimensões. Em que pese seu aspecto externo menoselaborado que as da região do Caminho Novo da Piedade,a descrição feita acima, de 1901, não deixa dúvidas de queali se vivia tão bem quanto naquelas outras.

Na mesma região do Médio Vale, um outro casarão,extremamente significativo, poderia ser comparado aos dasregiões limítrofes com o Rio de Janeiro: o da fazenda doBarbosa, infelizmente já desaparecido. Conseguimosalgumas fotos de seu interior no Museu Frei Galvão, deGuaratinguetá. Nelas, podemos constatar as grandesdimensões de seus salões, a beleza do entalhe de algunsbatentes e das bandeiras, a graciosidade das pinturas quedecoravam suas paredes e sua capela.

Se no pavimento superior se desenvolviam as atividadesnobres, o piso inferior destinava-se, quase sempre, adepósitos diversos. Nas casas térreas não é raro encontrarcômodos, num dos cantos, com acesso somente externo,destinado a depósitos ou atividades como o trato das roupas,ou pequenas oficinas, a dormitório de algum trabalhador, eàs cozinhas “sujas”, destinadas a alimentos de cozimentodemorado, à fabricação de sabão, etc. Essas funções eramalocadas, em geral, na parte traseira do pavimento inferior.Na parte fronteira, ficavam salas destinadas às atividadesmasculinas como escritório da fazenda, acomodação paraempregados, ou quartos de hóspedes eventuais socialmentemenos importantes, como comerciantes, por exemplo.

O interior desses casarões de todo o Vale do Paraíbaguardava funções exclusivas, que não poderiam serdesenvolvidas em outro local da fazenda, dado seu valorsimbólico. Como vimos, até as práticas religiosas foramlevadas para dentro da casa do fazendeiro. É claro que essavida cotidiana pressupunha a existência da mão-de-obraescrava, treinada para realizar os vários serviços domésticos,como a limpeza e manutenção, o preparo de alimentos, ocuidado com as roupas, com os animais domésticos. Nãopodemos nos esquecer de que essas não possuíam

Figura 137 - Porta de sala interna,casarão da fazenda do Barbosa,Guaratinguetá. Acervo Museu FreiGalvão, Guaratinguetá.

Figura 138 - Barrado com escaioladecorativa, casarão da fazenda doBarbosa, Guaratinguetá. AcervoMuseu Frei Galvão, Guaratinguetá.

Figura 139 - Forro da capela, casarãoda fazenda do Barbosa,Guaratinguetá. Acervo Museu FreiGalvão, Guaratinguetá.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 107

abastecimento de água, o que significava ter de buscar aágua fresca nas minas e ribeirões próximos. Por isso mesmoa área de serviço expandia-se para fora da casa, uma vezque as louças, a roupa e os urinóis eram lavados em tanquesao ar livre ou naqueles mesmos ribeirões. Zaluar nos dáuma idéia geral da vida nessas fazendas, com uma descriçãode sua estada na fazenda Cascata, em Bananal:

Esta residência pitoresca, que faz lembrar os castelosda Escócia e os cantos de Ossian, edificada em umaaltura, e ao lado de uma abundante cachoeira que sedespenha com murmúrio eterno batendo pelas penhasescarpadas do rochedo, é uma das vivendas maispoéticas que tenho encontrado em minhas viagens.

Junte-se a isto a ilustração e a amabilidade doproprietário, e os sons harmoniosos de um piano deErard tocado por um hábil e distinto pianista, o sr. Julié,e ter-se-á feito, quando muito, uma longínqua idéia doconfôrto, e agregado desta habitação. Como édiferente a vida da roça da existência monótona dapovoação! Ali as distrações abundam. Vive-se na sala,vive-se nos passeios, vive-se na conversação daintimidade. Tudo é agradável, porque se não estásubordinado às etiquetas ridículas nem às formalidadesimpertinentes da sociabilidade burguesa, que são acousa mais detestável que eu conheço no mundo! (...).Têm razão os roceiros, não vale a pena para istofreqüentar o povoado! 150

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150 ZALUAR, A. E. Op. cit., 1975, pp. 49-50.

Figura 140 (acima, topo) - Escadariade acesso ao pavimento superior,casarão da fazenda Boa Vista,Cruzeiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 141 (acima, centro) - Vestí-bulo, casarão da fazenda Boa Vista,Cruzeiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 142 (à direita) - Casarão dafazenda Boa Vista, Cruzeiro. Acervo:Museu Major Novaes, Cruzeiro.

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Figura 143 (à esquerda, topo) - Salade visitas, casarão da fazenda BoaVista, Cruzeiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 144 (à esquerda, centro) -Pintura da sala de visitas, casarão dafazenda Boa Vista, Cruzeiro. Foto: V.Benincasa.

Figura 145 (à esquerda) - Oratório,sala de jantar, casarão da fazenda BoaVista, Cruzeiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 146 (acima, topo) - Dormitóriocom cabideiro, casarão da fazendaBoa Vista, Cruzeiro. Foto: V.Benincasa.

Figura 147 - (acima, centro) - Sala dejantar, casarão da fazenda Boa Vista,Cruzeiro. Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 2 - VALE DO PARAÍBA. O INÍCIO DE TUDO... 109

Figura 148 (à esquerda, topo) -Casarão da fazenda Guanabara, SãoJosé do Barreiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 149 (à esquerda, centro) -Passagem interna para carruagens,casarão da fazenda Bom Retiro,Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 150 (à esquerda) - Janela dasala de visitas, casarão da fazendaGuanabara, São José do Barreiro.Foto: V. Benincasa.

Figura 151 (acima, topo) - Porta deentrada, casarão da fazendaGuanabara, São José do Barreiro.Foto: V. Benincasa.

Figura 152 (acima) - Salão nopavimento inferior, casarão dafazenda Bom Retiro, Bananal.. Foto:V. Benincasa.

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Figura 153 - Escadaria de acesso aopavimento superior, casarão dafazenda Bom Retiro, Bananal. Foto:V. Benincasa.

Figura 154 - Salão no pavimento su-perior, casarão da fazenda BomRetiro, Bananal. Foto: V. Benincasa.

Figura 155 - Porta-balcão, casarão dafazenda Bom Retiro, Bananal. Foto:V. Benincasa.

Ao final do século XIX, o Vale do Paraíba foi perdendo suaimportância no cenário cafeeiro paulista. As cidades dochamado Oeste Paulista, como Campinas, Jundiaí, Amparo,Itu, Itapira, Bragança Paulista, Itatiba, já desde os meadosdo século XIX foram ocupando esse lugar de destaque an-tes ocupados por Bananal, Areias, Guaratinguetá, Taubaté.Ao Vale do Paraíba, no dizer de Monteiro Lobato, restaramas sombras e vestígios da passagem do rei-café:

Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos nopresente. Tudo é pretérito.

(...). No campo não é menor a desolação. Léguas a fiose sucedem de morraria áspera, onde reinam soberanosa saúva e seus aliados, o sapé e a samambaia. Por elapassou o Café, como um Átila. Toda a seiva foi bebidae, sob forma de grão, ensacada e mandada para fora.Mas do ouro que veio em troca nem uma onçapermaneceu ali, empregada em restaurar o torrão.Transfiltrou-se para o Oeste, na avidez de novosassaltos à virgindade da terra nova; ou se transfez nospalacetes em ruína; ou reentrou na circulação européiapor mãos de herdeiros dissipados.

(...). As fazendas são Escoriais de soberbo aspecto vis-tas de longe, entristecedoras quando se lhes chega aopé. Ladeando a Casa Grande, senzalas vazias e terreirosde pedra com viçosas guanxumas nos interstícios. Odono está ausente. Mora no Rio, em São Paulo, naEuropa. Cafezais extintos. Agregados dispersos. (...).151

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151 LOBATO, Monteiro. Cidades Mortas. São Paulo: Brasiliense, 1956,pp. 3-7.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 111

Rumo ao Oeste Paulista: o quadriláterodo açúcar se rende aos cafezais...3

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 113

Após ocupar praticamente todo o Vale do Paraíba, a lavouracafeeira se expandiu em direção às terras férteis de Santanade Parnaíba, às margens do Tietê, e daí seguiu avançandoem duas vertentes, a oeste seguindo a calha deste rio, paraItu, e ao norte em direção a Jundiaí, de onde sairiam asmudas para a região de Campinas1.

Essa segunda região abordada, que aqui denominaremosde Central, tem como limite leste as franjas da Serra daMantiqueira, avançando no rumo oeste pelo vale do rio Tietê.A paisagem é caracterizada pelos morros, com afloramentode pedras, e inúmeros rios. Ondulações mais suaves ocorremde Campinas para o norte. Originalmente, os terrenos eramcobertos pela densa Mata Atlântica, embora já ocorressemgrandes faixas de cerrados, cada vez mais comuns à medidaque se adentrava o território paulista. Além da fertilidadedo solo, a lavoura cafeeira encontrou outros fatoresessenciais para o seu desenvolvimento, como uma rede decidades e estradas já constituídas; um significativocontingente populacional para a época, entre elesconsiderável mão-de-obra escrava; e capital advindo dalavoura açucareira e do comércio de tropas de burros. Dessamaneira, a excelente lucratividade do café seria um forteatrativo para que os antigos plantadores de canasubstituíssem suas lavouras pela rubiácea.

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1 Campinas é local onde foram produzidas e exportadas as matrizesde quase todas as plantações paulistas nas zonas que ainda seriamdesbravadas ao longo do século XIX e do século XX.

2 MILLIET, Sérgio. Op. cit., 1982, p. 47.

Nessa nova fronteira atingida pela cafeicultura, assim comono Vale do Paraíba, o trabalho também se baseouprimordialmente no braço escravo, mesmo já contando comimigrantes europeus desde meados do século XIX. Mas onúmero de escravos aumentara com o afluxo de mão-de-obra comprada nos antigos engenhos do nordeste do país.O expressivo crescimento da lavoura cafeeira não podiacontar somente com um ou outro tipo de mão-de-obra: naregião Central, os escravos e os trabalhadores livresrepartiriam o mesmo espaço e angústias, até a Abolição.2

Mas as semelhanças entre esta região e o Vale do Paraíbanão se restringem à questão da mão-de-obra escrava:

Em ambas a produção do café se desenvolve por voltade 1836, (...); em ambas vai alcançar o seu máximo emfins do século XIX, em ambas se localizam de início as

Figura 1 - Mapa da Região Central.Desenho: Vladimir Benincasa.

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plantações em torno de núcleos existentes, à margemdas poucas vias de comunicações. Dois grandes riosconstituem-lhes as respectivas colunas vertebrais – oParaíba e o Tietê. Ambas são zonas históricas, semeadasde pousos de bandeiras, já povoadas e em plena crisede mineração na aurora da invasão cafeeira. (...).

Mas a zona central leva sobre a do norte a vantagemda qualidade das terras e se beneficia do incrementoda imigração numa medida bem maior.3

Se a cana-de-açúcar já se achava instalada nessa nova zonacafeeira, ela ocupava ainda porções muito pequenas datotalidade de seu território. Nem tudo estava desbravadona região Central, e as terras recém-cultivadas davam boasproduções. Ali, o temor maior eram as geadas brancas,comuns nos invernos, e por isso os fazendeiros procuravamsempre pontos mais elevados, que asseguravam proteçãoaos cafeeiros jovens, o que, de qualquer forma, não garantiaprejuízos e perdas de plantações, como nas fortes geadasocorridas em 1842 e 1870.

Mesmo com esses reveses, em pouco tempo se evidenciaramas vantagens do plantio de café nessa nova zona paulista, eem 1854 a cafeicultura já se dispersava por praticamentetoda a região, com grande concentração em Campinas,Amparo, Bragança Paulista, Jundiaí e Itu. Curiosamente,1854 é o ano em que, ao mesmo tempo, a lavoura de cana-de-açúcar atingia o seu ápice na região - contribuindomajoritariamente com a produção paulista de quase 540mil arrobas - e no qual a cafeicultura exibia considerávelcrescimento, atingindo as 491.397 arrobas, embora estefosse um número ainda muito inferior às 2.737.639 arrobasatingidas pelo Vale do Paraíba no mesmo ano. Verificava-seum aumento excepcional na produção cafeeira paulista, queem 1836 registrara a quantia de 590.066 arrobas em todoo seu território, e em 1854 atingia as 3.534.256 arrobas.Os dados de 1854 mostram ainda o aumento expressivodo número de escravos na Província de São Paulo, cercade 54.000 no total, além do crescimento do número defazendas cafeicultoras, cerca de 2600 propriedades.

Concomitantemente a esse aumento da produção cafeeirapaulista, tornavam-se evidentes as condições precárias dosistema de escoamento da produção em direção aos portos.Pelo fato de as fazendas se instalarem cada vez mais longedo litoral, impunha-se a necessidade de novas formas detransporte das safras, cada vez maiores, que o mercadoeuropeu e americano avidamente exigia. Para a região deCampinas, Itu, Amparo e arredores, o porto de Santos era oescoadouro natural. Já no final do século XVIII, sob o governode Bernardo José de Lorena, ficara pronto o calçamento docaminho do mar, entre São Paulo e Cubatão, a famosa“Calçada do Lorena”, que nas palavras do própriogovernador:

Esta finalmte concluido o Caminho desta Cide até oCubatão da Va de Stos, de sorte que até de noite sesegue viagem por elle, a serra he toda calçada, e comlargura pa poderem passar tropas de Bestas encontradassem pararem; o Pessimo Camo o antigo, e os principiosda Serra bem conhecidos, erão o mais obstaculo con-tra o comercio, como agora cevenceo, tudo fica facil...4

Esse caminho fora fundamental para a consolidação deuma lavoura comercial paulista serra acima, porém eleapenas possibilitava a passagem de tropas. Além disso, otrecho entre Cubatão e Santos continuava a ser feito emcanoas. Assim, os prejuízos com o transporte até Santoseram grandes e as conseqüências disso eram muitas, entreelas, o encarecimento do transporte e as perdas de cargas,sob as fortes chuvas, no trecho da serra. O aterro entreCubatão e Santos só viria muito mais tarde, em meados doséculo XIX, quando da construção da “Estrada daMaioridade”, com leito carroçável finalmente ligando SãoPaulo até Santos, isso praticamente às vésperas do inícioda era ferroviária.

As estradas dos sertões paulistas também não contribuíampara facilitar o transporte, o que ocasionava uma limitaçãono avanço das fronteiras agrícolas paulistas. Um trecho dorelato de viagens do barão J. J. von Tschudi nos dá umaidéia das dificuldades do transporte de cargas, na décadade 1860:

A estrada real que leva de Campinas a Limeira é muitomal traçada, pois em trechos nos quais se podiam terevitado os acidentes naturais, ela segue morro acima emorro abaixo, de modo muito primitivo, sem procurarse adaptar ao terreno. Sua conservação está à altura dotraçado. Em meio do caminho há a “vendinha da Mata”,de carácter muito primitivo. Légua e meia adiante, háuma bem construída ponte sobre o rio Piracicaba. Estaponte, se não me engano, se chama ponte de Atibaia,pois pouco acima dela se reúnem os rios Atibaia eJaguari, que formam o Piracicaba. Daí até Limeira, trêsléguas, a estrada é boa.5

Ficou bastante conhecida a afirmação do mesmo barão vonTschudi que disse que além de Rio Claro não compensavaplantar café, pelo alto custo do frete do transporte até

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3 MILLIET, S. Op. cit., 1982, p. 42.

4 Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo:Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, Vol. 45, p. 70.Apud: PETRONE, M. T. S. Op. cit., 1968, pp. 192-3.

5 TSCHUDI, J. J. von. Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e SãoPaulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1980, p. 180.

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Santos e pelas dificuldades enfrentadas pelas tropas naspéssimas estradas. A criação da ferrovia era o meio maisprático e econômico que se apresentava para acabar,definitivamente, com tal problema. Desde 1835 se cogitavaa construção de uma ferrovia para o escoamento daprodução açucareira e do café da região Central e do Valedo Paraíba por Santos. No entanto, os poucos recursosda Província, aliados à falta de garantias do GovernoImperial, não animavam a formação de consórciosempreendedores. Somente vinte anos depois, em 1855,sob os auspícios do então presidente de São Paulo, oConselheiro José Antônio Saraiva, retoma-sefirmemente o propósito de construção de uma ferroviapaulista. Em discurso que abriu a Assembléia Legislativadaquele ano, o presidente mostrava-se otimista eentusiasmado com a possibilidade:

“Estou persuadido – afirmava Saraiva - de que essaempresa pode vingar e que a nossa situação econômicaa reclama com urgência”. E como que para fundamentarsua afirmação, estimava a produção dos municípios aserem beneficiados com a via férrea projetada – e queeram, entre outros, Jundiaí, Campinas, Limeira, “em pertode um milhão de arrobas de café e açúcar sendo fatogeralmente reconhecido que os novos cafezais existentesnos mencionados municípios excedem muito os que dãocolheita, devendo-se pois, contar que a produção nosreferidos lugares subirá em quatro ou cinco anos a doismilhões de arrobas”.

(...). E apontava o Conselheiro as vantagens queadviriam da construção dessa estrada: odesenvolvimento do comércio de Santos, odesenvolvimento do trabalho livre e da colonizaçãoespontânea, a redução do preço dos transportes a umaterça parte do que se pagava, o melhoramento dosprocessos industriais, o aumento do valor das terras, acessação das despesas públicas com a estrada a sersubstituída pela linha férrea, a influência das facilidadesde comunicação sobre o estado moral e político daprovíncia e finalmente a criação de um espírito deempresa. Terminava desejando que tão grandemelhoramento logo se realizasse, pois viria abrir ocomércio, para a agricultura e para a civilização essesférteis vales que se estendem até o Paraná. 6

O futuro provaria que o Conselheiro Saraiva não estavaerrado. Assim, no ano seguinte, com boas garantias de jurosde 7% (cinco pagáveis pelo Império e dois pela Província),sobre o capital que fosse empregado até o limite de doismilhões de libras esterlinas, constituiu-se a sociedade entreo Marquês de Monte Alegre, Pimenta Bueno e o Barão deMauá, que, em 1860, deu início à construção da estrada deferro que ligaria Santos a Jundiaí.7 E assim, com a decisivacolaboração financeira dos cafeicultores paulistas, em 1866inaugurava-se o primeiro trecho da São Paulo Railway:

Toda a produção beneficiou-se, desde então, com asvantagens de um transporte rápido, seguro, pelomenos no trecho entre o porto santista e o velho burgode Piratininga.8

Logo depois, iniciava-se o avanço da linha, através de umramal que saía da estação de Rio Grande da Serra, para oVale do Paraíba, até a cidade de Jacareí. O objetivo era trazerpara o porto de Santos e para a São Paulo Railway, parte daprodução cafeeira que era escoada pelo porto do Rio deJaneiro através das linhas da Estrada de Ferro D. Pedro II. Noentanto, o mesmo objetivo tinha a ferrovia concorrente: em1875, seus trilhos chegavam a Cachoeira Paulista, pelo ladooposto. Desenhava-se, dessa maneira, a ligação entre SãoPaulo e Rio de Janeiro por via férrea, cortando o Vale doParaíba.

O sucesso do empreendimento do trecho São Paulo-Santoslogo animou os lavradores a expandirem os trilhos atéCampinas, então centro agrícola de São Paulo. A partir deentão, as possibilidades para a ampliação das frentesagrícolas tornavam-se realidade, e o binômio café-ferroviatinha, aí, o seu início. Todas as ferrovias paulistas tiveramcomo mote principal o transporte de café, que era de ondeprovinha o capital gerado para implantá-las, e as mudançasrapidamente se fizeram visíveis. São Paulo, a acanhada emodorrenta capital, se tornaria, em poucas décadas, a ricametrópole do café:

O vulto dos negócios, a necessidade dos contatospolíticos e comerciais, a educação dos filhos, novasexigências nascidas de u’a mentalidade mais refinadatrouxeram os fazendeiros e as suas famílias para a capi-tal paulistana, transformando-a na capital dosfazendeiros.9

Mas foi na exportação de gêneros agrícolas que se deu aprincipal mudança:

O comércio de exportação que, em 1868, no primeiroano depois de inaugurada a Santos-Jundiaí, havia sidode umas cinqüenta mil toneladas de mercadorias,elevara-se ao triplo. A população da província, que aofazer-se o primeiro recenseamento nacional (1872) malpassara dos oitocentos mil habitantes, elevou-se a1.385.000, em 1890. A quilometragem da ferrovia

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6 MATOS, O. de N. Op. cit., 1990, 71.

7 Idem, ibidem, pp. 72-5.

8 OLIVEIRA, J. T. de. Op. cit., p. 269.

9 Idem, ibidem, p. 269.

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atingia 2.425 e o número de cafeeiros ultrapassava oscem milhões, produzindo metade de toda a produçãobrasileira.10

A ferrovia em São Paulo praticamente não seguiu um planode metas, mas subordinou-se à forma como a lavouracafeeira avançou por seu território, tendo sempre comodestino Santos, o porto que se tornaria seu grandeexportador mundial. Os traçados das ferrovias obedecerama necessidades locais e momentâneas das regiõesenriquecidas com a cafeicultura, cujo capital excedente eraempregado na extensão e manutenção das linhas, ao menosenquanto vicejavam os grandes lucros. Isso decorreu, emgrande parte, da falta de interesse da São Paulo Railway emprolongar seus trilhos além Jundiaí. O monopólio que lhedera o contrato de construção da ligação entre Santos eJundiaí, por quase um século, garantia que qualquer ferroviaconstruída no interior lhe seria tributária.11 O que demonstraque sua diretoria tinha um grande conhecimento dadinâmica da lavoura cafeeira. E essas linhas teriam de serconstruídas para que as lavouras avançassem sobre aqueles“vales férteis que se estendem até o Paraná”, comoacertadamente já antevira o Conselheiro Saraiva, em seudiscurso de 1855.

Coube então aos próprios fazendeiros, capitalistas e homenspúblicos de São Paulo, a iniciativa de se cotizarem elevantarem os recursos necessários para abrir as ferroviasnas áreas então dominadas pela onda verde do café, comcapital exclusivamente paulista.12 A primeira delas foi aCompanhia Paulista de Estrada de Ferro, que adquiriu juntoao Governo Imperial os mesmos privilégios que a São PauloRailway, prolongando os trilhos de Jundiaí até Campinas, oarranque inicial em direção aos cafezais do “Oeste Paulista”.Campinas, na década de 1870, já era considerada a capitalagrícola da Província, e também, um centro urbano e cul-tural importante no país. Em 11 de agosto de 1872, a cidadeparou para ver a chegada triunfante do trem de ferro. Era oinício de uma expansão que tomaria, nas próximas décadas,praticamente todo o território paulista, rumo ao interior,quase sempre acompanhando o povoamento dos territóriose o crescimento da lavoura cafeeira e, nos últimos temposde sua expansão, antecipando-se a eles.13

Nas atas de reuniões preliminares para a formação daCompanhia Paulista, como salienta Matos, estavamfazendeiros não só de Campinas, mas de toda a vasta regiãoque incluía Piracicaba, Rio Claro, Limeira, Atibaia, Tietê, entreoutros municípios. Por essa razão já se podia antever que ostrilhos da Paulista não parariam em Campinas. Logo ascidades imediatamente posteriores se movimentaram paraa extensão dos trilhos até elas, ou mesmo fazendo ligaçõesindependentes entre as regiões em que estavam inseridas ea capital de São Paulo, sem a utilização do tronco inicial daPaul ista. Dessa maneira, surgiram a Ituana e aSorocabana, além da Mojiana, que partia de Campinasrumo ao interior, e do próprio prolongamento daPaulista.14

A Ituana foi a primeira a se organizar. Mesmo antes dostrilhos da Companhia Paulista terem chegado a Campinas,alguns fazendeiros e capitalistas da região decidem formaruma companhia ferroviária ligando Itu a Jundiaí. Entre estespioneiros, destaca-se o nome de José Elias Pacheco Jordão,dono de uma fazenda em Limeira, e Antônio de QueirozTelles, futuro Conde de Parnaíba, cujo nome estaria ligado,posteriormente, a dois outros empreendimentos devulto: a criação da Companhia Mojiana de Estradas de Ferroe a promoção da imigração em São Paulo, em caráteroficial.15

Em 17 de abril de 1873 era inaugurada a Ituana, interligandoItu a Jundiaí. E, em 1879, depois de muitas brigas judiciaiscom a Paulista, ela conseguiu concluir o ramal de Piracicaba.16

Paralelamente a esse avanço da cafeicultura e do surgimentodas primeiras linhas ferroviárias paulistas, tambémaumentavam as preocupações com a escassez de mão-de-obra para a lavoura. Até 1850, ano da extinção do tráficonegreiro, a principal força de trabalho era a escrava. Osafricanos compunham a massa de trabalhadoresresponsáveis pela agricultura de exportação brasileira, emlarga escala. No entanto, a cafeicultura exigia cada vez maisbraços, e a extinção do tráfico impunha sérios problemas àsua expansão:

Os fazendeiros mais previdentes percebiam claramenteque teria de se encontrar num futuro imediato umaforma de substituir ou, pelo menos suplementar otrabalho escravo, de modo a prover os trabalhadoresexigidos por essa cultura de trabalho muito intensivo.A escravidão continuou, de fato, até 1888, mas foramprecisamente o debate crescente sobre a questão dotrabalho e a experiência dos fazendeiros paulistas quefinalmente possibilitaram uma transição relativamentesuave para o trabalho livre.

Na ausência de uma reserva de mão-de-obra localprontamente disponível, os fazendeiros paulistasrecorreram ao uso de trabalhadores imigrantes.17

As linhas de trem, adentrando o território paulista nadireção de Campinas, de Itu, de Moji-Mirim, e ocrescimento da lavoura cafeeira nessas cidades,

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10 MATOS, O. de N.. Op. cit., 1990, pp. 112.

11 Idem, ibidem, p. 77.

12 Idem, ibidem, p. 78.

13 Idem, ibidem, pp. 79-81.

14 Idem, ibidem, pp. 81-3.

15 Idem, ibidem, pp. 86-7.

16 Idem, ibidem, p. 87.

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direcionariam a imigração para as fazendas desses locais,em detrimento do Vale do Paraíba, região que a partirda segunda metade do século XIX começaria ademonstrar decadência nos seus cafezais. A partir de1880, aumentaram as chegadas dos imigrantes, queimprimiriam marcas de uma cultura européia - maisitaliana, na verdade - São Paulo afora.

A imigração começava a apresentar os mais significativosresultados, passando da fase das tímidas experiênciaspara a da verdadeira consagração do sistema, antes tãocombatido e agora tão reconhecido.18

Reconhecimento atestado pelas várias companhias depromoção de imigração que surgiram na capital e no inte-rior, e mesmo na Europa, durante a década de 1880. Parafins de comparação, na época da Abolição havia cerca de200.000 imigrantes domiciliados em São Paulo, númerosemelhante ao de escravos libertados pela lei de 13 de maio.

Sobre isso, Louis Couty descreve a situação da Provínciapaulista, em seu livro “Le Brésil en 1883”:

Os paulistas não se limitaram a triplicar, em menos devinte anos, suas plantações de café, tanto que suaprodução quase igualou a das demais províncias; nãose limitaram a cobrir sua província de múltiplasatividades: engenhos de café, engenhos de açúcar,manufaturas de algodão e produtos diversos; não selimitaram a construir em dez anos cerca de 1.500

quilômetros de vias férreas, que já penetram pelossertões, em regiões desconhecidas, tomadas aos índios;sem o auxílio do governo, por sua própria iniciativa,encontraram meios de substituir pelo branco, o negro,pelo braço livre o trabalho servil, e o agregadoimprevidente e sem necessidades, que vegetavam emtorno das fazendas, pelo colono, capaz de economizare consumir. Consideraram o problema a fundo e, graçasa eles, sua província vê aproximar-se, sem temor, o fimdo trabalho servil.19

Realmente, os fazendeiros paulistas investiram na imigraçãocomo solução para a escravidão, pois já se antevia que aabolição viria, mais dia menos dia. Os movimentosabolicionistas, as revoltas de negros, fugas em massa,eclodiam por toda a parte do país. Os fazendeiros maisprevidentes e ciosos de suas propriedades trabalhavam,então, no sentido de minimizar os efeitos de um fato queera iminente. As leis que vinham sendo promulgadas poucoa pouco, como a extinção do tráfico negreiro, a dossexagenários e a do ventre livre, apontavam nesse sentido.Assim, os fazendeiros paulistas que já possuíam mão-de-obra livre em suas fazendas sentiram de maneira mais

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17 STOLCKE, V. Op. cit., 1986, pp. 17-8.

18 MATOS, O. de N. Op. cit., 1990, pp. 112.

19 COUTY, L. Le Brésil en 1883. Apud: MATOS, O. de N. Op. cit.,1990, pp. 112.

Figura 2 - Escravos em trabalho noterreiro de café em fazenda deCampinas, em 1888. Às vésperas daabolição, a mão-de-obra escravaainda era grande nas fazendas daRegião Central. Fonte: ColeçãoGeraldo Sesso Junior. Centro deMemória – UNICAMP.

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branda a passagem para o novo regime de trabalho,enquanto que aqueles que resistiam, na defesa do braçoescravo, sofreram grandes perdas.

No desenrolar do povoamento de São Paulo, podemosobservar que a imigração teve desenvolvimento paralelo aodas ferrovias. As áreas servidas pelas grandes ferroviaspaulistas foram as que mais se beneficiaram da mão-de-obra imigrante.20 O oeste paulista fervilhava, vivendo a febredo desenvolvimento promovido pela cafeicultura, pelachegada das ferrovias e pela invasão dos imigrantes, quemarcariam a sua paisagem a partir do final do Império einício da República. Os historiadores mais importantes doperíodo são pródigos em citar, na paisagem social que sedelineava, a figura do fazendeiro de café na história paulista.Na visão bastante ufanista de Alfredo Ellis Júnior, essesfazendeiros saíam como autênticos bandeirantesoitocentistas à frente de suas caravanas e tropas comcopiosa escravaria para se fixar com suas bojudas famílias,conduzidas por trôpegos carros de bois, cobertos com toldosde lona parda, nas paragens sertanejas do oeste paulista,acampados nas clareiras da mata virgem e isolados no adustoe selvagem interior de nosso São Paulo.21

No dizer de Roberto Simonsen:

De fato, o fazendeiro era o senhor e chefe de umaorganização produtora latifundiária e, como sóiacontecer com os pioneiros de terras novas, teria depossuir qualidades de energia e capacidade criadora,postas continuamente à prova nos embatesininterruptos com a natureza. Foi, porém, o fazendeiroplasmado na evolução cafeicultora do Brasil, que pôde,pelas suas qualidades, manter sempre firme o comandodessa multidão de invasores (os imigrantes) conservandoo sentimento nacional dos novos núcleos que se abrirame facilitando, assim, a colonização e absorção desseselementos e seus descendentes. Constituía, portanto,poderoso foco nacionalizante. Iniciando sua atuaçãopolítica na Assembléia da Província, teve, mais tarde,decisiva interferência, nos negócios da República.22

Se isso foi fato no Oeste Paulista, também o foi em qualqueroutra frente pioneira, incluído aí o Vale do Paraíba, o inte-rior fluminense... As dificuldades de conquistas de novosterritórios não se abrandaram, nem se intensificaram, como passar dos tempos. No entanto, é pertinente pensarmosque a figura do fazendeiro, como chefe político e detentorde poder local, crescia de importância à medida que sealargavam as fronteiras cafeicultoras.

Concomitantemente a tudo isso, o mercado também queriaum produto de melhor qualidade, o que resultava numabusca contínua por melhoria no beneficiamento do café.Nas fazendas isso repercutia em muitos aspectos. Eraurgente a melhoria no preparo do beneficiamento dosgrãos de café. Na região Central praticamente desaparecemos terreiros de terra batida, sendo revestidos de tijolos,

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20 MATOS, O. de N. Op. cit., pp. 113.

21 ELLIS Jr., A. O Café e a Paulistânia. São Paulo, 1951, p. 361.

22 Citação de SIMONSEN, R. Aspectos da história econômica docafé. In: Anais do Congresso de História Nacional, no. 04, Rio deJaneiro, 1941, p. 272. Apud: MATOS, O. de N. Op. cit., 1990, pp.115-6.

23 MONBEIG, P. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo:Hucitec, 1977, p. 99.

24 Ver sobre isso: STOLCKE, V. Cafeicultura. São Paulo: Brasiliense,1986; BEIGUELMAN, P. Formação do povo no complexo cafeeiro.Aspectos Políticos. São Paulo: Pioneira, 1977; COSTA, E. V. da. DaSenzala à Colônia. São Paulo Brasiliense, 1989; e SPINDEL, C. R.Homens e máquinas na transição de uma economia cafeeira. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1980.

ladrilhos ou pedra. O maquinário de café também encontra,nos fazendeiros dessa região, defensores entusiastas, maisdo que naqueles seus congêneres do Vale do Paraíba.

Procuravam-se máquinas de despolpar, secadorasartificiais e classificadoras mecânicas, que pudessemtratar rapidamente as volumosas colheitas e que,melhorando ao mesmo tempo a apresentação dosgrãos, permitissem tirar deles um preço mais elevado.Num momento em que não faltavam solos virgens,tinha o fazendeiro cuidados mais de industrial enegociante que de agricultor.23

Era preciso e necessário abandonar as precárias técnicas debeneficiamento que se utilizavam no Brasil até então, deforma a manter-se competitivo no mercado mundial e, talvezaté mais importante do que isso, para adaptar-se ao novoregime de trabalho livre que se desenhava. Depois de váriasexperimentações com o trabalho livre em regime de parceria,de trabalho assalariado, etc., os fazendeiros perceberam queseria melhor deixar com as famílias de imigrantes apenas otrato dos cafezais 24; os escravos continuariam a trabalharno beneficiamento (aí incluído o manuseio do maquinário),na armazenagem e no transporte das cargas. Não por acaso,essas são as atividades que mais prontamente seriam alvoda mecanização, a partir da década de 1870, uma vez quea mão-de-obra escrava era cada vez mais escassa. Osmonjolos hidráulicos, os monjolos a força animal e ospilões mecânicos, já conhecidos dos fazendeiros, davamlugar a maquinismos industrializados, importadosprincipalmente dos Estados Unidos e Grã-Bretanha. Agrande demanda por esses equipamentos fez surgirindústrias nacionais ou de capital misto, em Campinas,como a Lidgerwood, instalada em 1871, e a Mac Hardy,fundada em 1875, e a Arens Irmãos, fundada em 1877.Mas houve outras, em cidades diversas, como a MartinsBarros, de São Paulo, por exemplo, além doestabelecimento de casas importadoras, representantesde fábricas americanas ou britânicas, como a Engelberg.

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Figura 3 (acima, topo) - Anúncio daLidgerwood Manufacturing & Com-pany. Fonte: Camilo, E. R. GuiaHistórico da Indústria Nascente emCampinas (1850-1887). Campinas:Mercado de Artes/CMU, 1998, p.60.

Figura 4 (acima) - Anúncioda Companhia Mac Hardy. Fonte:Camilo, E. R. Op. c it . , 1998,p. 116.

Figura 5 (à direita) - Anúncio daArens Irmãos. Fonte: Camilo, E. R.Op. cit., 1998, p. 123.

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A grande diferença entre aqueles mais rústicos, construídosna própria fazenda, e estes equipamentos modernos eindustrializados, é que os primeiros rompiam a casca atravésdo impacto dos socos dos pilões ou monjolos utilizandoforça motriz humana, animal ou hidráulica, além de nãoefetuarem a separação dos grãos por tamanho; já ossegundos, associam máquinas em série, que retiram a cascados grãos através de movimento rotativo, onde o atrito e oesmagamento podem ser controlados, separam os grãosdas cascas e realizam a classificação por tamanho, tudomecanicamente, utilizando força hidráulica, a vapor ouenergia elétrica. A rapidez e o ganho em qualidade noprocesso de beneficiamento, eram fantásticos, se comparadoaos dos equipamentos anteriores.

Augusto Ramos, em sua obra “O Café no Brasil e noEstrangeiro”, de 1923, cita as máquinas que compunhamo beneficiamento total do café:

1º) – machinas transportadoras ou conductoras, destinadasa receber ou retirar o café das tulhas e leval-o á primeiramachina da serie e, d’ahi em diante a conduzil-o da sahidade cada machina para a machina seguinte até ultimar-se obeneficiamento.

2º) – Machinas limpadoras applicadas em expurgar o cafédas impurezas que por ventura o acompanhem para quenão transitem pelos seguintes apparelhos.

3º) – Machinas descascadoras, destinadas a quebrar a cascaexterior e o pergaminho do café sem comtudo offender, dequalquer forma o grão interior do producto.

4º) – Machinas ventiladoras que atravez do café provenientedos descascadores, lança uma forte corrente de ar a qualdos grãos separa e expelle para fóra do recinto, a casca e osdetritos que com elles se acham misturados.

5º) – Machinas catadoras cuja funcção é separar uns dosoutros os grãos de café deseguaes na densidade e tambem,até certo ponto, na forma.

6º) – Machinas classificadoras por meio das quaes se obtema separação do café em classes, sob o ponto de vista dasdimensões dos seus grãos.25

Ramos aponta ainda que, além dessas atividades, se fazianecessária uma outra, que era a catação do café à mão, pormeio da qual se escoimam do café classificado, os grãosdefeituosos pela côr e pela forma sobre os quaes não pódeagir nenhum dos orgãos componentes do conjunctomecanico. Manualmente, também se faziam as demaistarefas de ensacamento, pesagem, empilhamento eexpedição do café.

Todas essas máquinas citadas por Ramos estavam dispostasem ordem de funcionamento, formando uma extensa fila,tendo, a uma distância de 5 ou 6 metros, um eixo geral detransmissão, movido ou por roda d’água, ou por máquina avapor, à explosão (movida a combustível fóssil, em geral) ou àenergia elétrica.

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25 RAMOS, A. O Café no Brasil e no Estrangeiro. Rio de Janeiro:Pap. Santa Helena, 1939, p. 174-5.

(Figura 006. Planta de casa demáquinas para beneficiamento decafé. Fonte: Ramos, A. de. Op. cit.,1923.)

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 121

O eixo geral de transmissão fornece às máquinas, atravésde polias e correias, o movimento necessário, reduzindoou acelerando a sua rotação e, conseqüentemente, o seufuncionamento. Esse eixo, a princípio ficava situado na frentedas máquinas, instalado a uma altura de uns 3 metros,apoiado em mancais fixados em esteios de madeira,espaçadas a mais ou menos 2,50 metros. Posteriormente,ele foi transferido para a parte posterior das máquinas eabaixo do assoalho em que elas estavam assentadas. Ouseja, uma nova casa de máquinas surgiria na segunda metadedo século XIX, construída em dois níveis, sendo o superiordestinado às maquinas, com pelo menos 5 metros de altura,e o inferior com 2,50 metros de altura no mínimo, para umbom funcionamento do sistema de transmissão. Isso tambémimplicaria em mudanças na tulha, que começa a serimplantada, invariavelmente, no mesmo edifício que a casade máquinas.

O café, depois de seco nos terreiros, era conduzido paradentro da tulha, e acomodado em várias “caixas” demadeira, uma ao lado da outra. Em alguns casos, essas caixaseram fixas. Entretanto, muitas vezes elas podiam sermontadas conforme a safra, da seguinte maneira: seus can-tos eram formados por pilares de madeira que apresentavamsulcos verticais em suas faces, de modo que ali seencaixassem tábuas que, colocadas umas sobre as outras,iam formando suas faces, isto é, a altura desse granderecipiente era controlada conforme a quantidade de grãossecos. Podia ser aumentado ou diminuído, encaixando-semais ou menos tábuas. As tulhas desmontáveisproporcionavam ambientes que, no decorrer do ano, podiamser usados de maneiras diversas, inclusive para as semprelembradas festas e bailes de colonos, realizadas em datasfestivas.

A tulha era situada geralmente em nível inferior ao terreiro,e deslocada desse por uma distância de alguns metros, paraevitar o contato com a umidade do aterro. O café seco eralevado dos terreiros para a tulha através de uma passarelasuspensa, que adentrava a estrutura do telhado por umaágua furtada, percorrendo, no sentido longitudinal, adistância necessária para se atingir todos aqueles recipientes.Para retirar os grãos mecanicamente desses recipientes elevá-los até a primeira máquina do beneficiamento, alimpadora, procedia-se da seguinte forma: o terço inferiordeles era construído de forma amoegada, ou seja, em formade tronco de pirâmide invertido, que terminava num orifícioguarnecido de um registro, podendo-se fechá-lo ou abri-lo,controlando a saída dos grãos. Estes caíam, por gravidade,nos transportadores, o primeiro dos modernos maquináriosem série.

Os transportadores podiam ser de vários tipos; segundoRamos, o mais antigo e, certamente, o que mais foi usado,foi a “bica de jogo”, também chamada de calha ou bicaoscilante. Era composta por uma calha metálica ou demadeira, instalada com uma leve inclinação, suspensa sobremolas, que recebia um movimento longitudinal de vai-vem,

através de uma manivela, fazendo com que os grãos caídossobre ela deslizassem para a sua extremidade inferior, ondeeram despejados no elevador de canecas, também chamadasde caçambas ou alcatruzes, e levados para a máquinalimpadora. Para que isso pudesse acontecer, quase semprea bica de jogo era estendida da parte inferior da tulha, até oporão do cômodo onde estavam instaladas as máquinas debeneficiamento. Ou seja, tulha e casa de máquinas passama ser cômodos distintos de um mesmo edifício.

Os grãos de café, ao caírem na bica de jogo, passavamtambém por um primeiro processo de limpeza. Ao longoda calha, havia duas espécies de peneiras ou chapasperfuradas, paralelas entre si: a primeira retinha os corposestranhos maiores que o café, a segunda segurava os grãos,deixando passar objetos menores que estes, como pó, terra,etc. Essas sujeiras, maiores ou menores que o café seco,eram desviadas e recolhidas ainda no porão.

Uma outra máquina transportadora era o parafuso sem fimque trabalhava, da mesma maneira, numa espécie de calha,com o mesmo sistema de peneiras, separando os grãos dasimpurezas maiores e menores que estes. Esse sistema foibem menos empregado nas fazendas paulistas.

O café seguia, então, para a máquina limpadora,denominada por alguns como “ventilador em coco” ou“ventilador sujo”, através de elevadores ou condutores.Uma bica de jogo bem feita e instalada podia, muitas vezes,fazer o papel do limpador, dispensando o seu uso.

Figura 7 - Ventilador duplo Arens.Fonte: Argollo, A. Op. cit., 2004,p. 77.

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Os elevadores, ou condutores, são constituídos por doistubos de madeira, de seção quadrada, dispostosparalelamente entre si, no sentido vertical, que atravessamdo porão para o pavimento superior das casas de máquinas.Dentro deles, uma correia ou uma corrente sem fim,articulada, singela ou dobrada, com canecas acopladas querecolhiam o café da bica de jogo, subia por um dos tubos, edescia pelo outro, despejando o café em uma bica inclinada,que era dirigida para a máquina seguinte.

O ventilador sujo constava de uma caixa de madeira, comhélices na parte superior, que formavam forte corrente dear sobre os grãos em queda, recém-lançados do elevador,retirando-lhes eventuais impurezas que ainda persistissem.A força da rotação das hélices era graduada de modo quenão soprasse o café, mas apenas o que fosse mais leve queele. Logo a seguir, os grãos caíam sobre uma outra peneiraoscilante, com crivos, que seguravam o café e permitiam apassagem de eventuais impurezas menores, que aindapersistissem, restando ainda pedriscos do tamanho dassementes. Por isso, logo depois, por meio de um outroelevador semelhante ao já descrito, o café era conduzidoao catador de pedras.

O catador é uma espécie de ventilador mais potente, que fazcom que as pedras, mais pesadas que o café, sejam desviadaspor um canal eliminador, enquanto os grãos são sopradospara outro, que os conduzem para o passo seguinte.

Do catador, seguiam as sementes, sempre em elevadores,para o descascador. Essa máquina destinava-se a quebrar acasca do café em coco, por meio do atrito entre duassuperfícies rugosas, uma delas, ao menos, em movimento.Houve diversos tipos de descascadores em São Paulo. Emgeral constam de dois tambores, movendo-se um dentrodo outro. Por vezes, o externo mantém-se fixo, enquanto otambor interno é giratório; em outros casos, os doismovimentam-se em sentido contrário. O cilindro externo éformado por “cambotas” de madeira, forrado internamentede um forte tecido de aço. O interno possui as faces externasenvolvidas por 3, 4 ou 5 fileiras de chapas curvas de aço,formando uma espécie de ralador, apoiadas em fortes molasde aço ou borracha, de modo a não forçar demais os grãose, com isso, quebrá-los. Os grãos, passando por todos esses“raladores” ao longo do trajeto dentro dos tambores,tinham as suas cascas totalmente retiradas. Os grãos limposeram desviados para um novo elevador, enquanto as cascaseram recolhidas em uma câmara existente na parte inferiordo tambor, onde um aspirador as lançava, através de umduto, para fora do edifício. Essas cascas eram utilizadas comocombustível para caldeiras, ou para adubar os cafezais.

Há outros tipos de descascadores, com cilindros cônicos, dedisco, etc. Porém, o princípio é basicamente o mesmo, oatrito dos grãos entre duas superfícies rugosas.

Quando o café não havia sido submetido à fermentaçãoalguma, ou seja, não fora despolpado, dificultava-se o

Figura 8 - Catador Arens. Fonte:Argollo, A. Op. cit., 2004, p. 70.

Figura9 - Descascador cônicoArens. Fonte: Argollo, A. Op. cit.,2004, p. 71.

descascamento, e nesses casos era necessário, ou melhor,aconselhável, que o café passasse antes pelo esbrugador,uma espécie de pré-descascador. Assim como nodescascador, o processo baseia-se no atrito dos grãos porduas chapas rugosas paralelas. A diferença entre os doisaparelhos reside na maior rapidez com que o café passapelo esbrugador:

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 123

Um esbrugador é pois um descascador rapido, emponto pequeno, deste ou daquelle typo. Um dos maisusados desbrugadores, em S. Paulo, é constituido porum tambor de 50 a 75 centimetros de diametro, e 20a 50 centimetros de largura, (conforme a capacidade),revestido em sua superficie externa, de chapasfundidas estriadas ou de barras metallicas de vivasarestas.

Em frente a este tambor existe uma cambota ou peitocurvo, fixo, parallelo á circumferencia do tambor, a umadistancia graduavel de um a tres centimetros, naextensão de um quarto ou menos da mesmacircumferencia.

Essa cambota é revestida de um forte tecido de aço oude chapas rugosas de ferro endurecido. Introduzido ocafé no alto do peito curvo, é elle apanhado pelo tamborque o arrasta até sahir na parte inferior após haversoffrido, em todo o percurso, um forte attrito entre asduas superficies metallicas.26

Do descascador, os grãos de café saíam, ainda, misturadosa restos de cascas, de vários tamanhos e muito pó. Dessamaneira, seguiam para um outro ventilador, semelhante aoventilador sujo descrito anteriormente, porém adaptado ànova necessidade, diferente daquele nas formas e tamanhosdos furos das peneiras oscilantes, uma vez que se tratava degrãos descascados, ou seja, menores do que aqueles emcoco. Havia os ventiladores simples e os duplos ou dobrados,estes empregados para um melhor beneficiamento. Adiferença é que nesses últimos havia duas hélicessuperpostas e paralelas. A primeira delas direcionava suacorrente de ar para um canal horizontal, assim, o café emqueda, jogado no alto da máquina, tinha parte das sujeirasretiradas aí.

A corrente de ar da ventaneira inferior encontra noseu trajecto um jogo de duas peneiras presas a umquadro ou guarnição de madeira leve que do eixo daventaneira recebe, por um excentrico, ou manivela decotovêlo um rapido movimento oscillante.

Do bom funccionamento desse conjuncto resulta oarrastamento de toda a palha, ficando assiminteiramente limpo o café descascado. Alguns grãosde café em côco por ventura escapos á acção dodescascador, são separados pelo crivo das peneiras evoltam automaticamente ao descascador. 27

Descascados e ventilados, os grãos eram então submetidosa um outro catador, que podia ser simples, duplo ou triplo.Era semelhante ao catador de pedras, mas sua função erafazer uma prévia separação dos grãos por tamanho. Daí ocafé seguia para o classificador ou separador, que podia serde dois tipos, ambos dotados de chapas perfuradas. Oprimeiro é constituído de um cilindro de superfície crivada,cujos furos vão lentamente aumentando. O cilindro écolocado de maneira horizontal, mas tendo uma leveinclinação. Os grãos de café são inseridos no interior dessecilindro que, girando lentamente, vai fazendo com que osgrãos passem pelas suas perfurações de acordo com seutamanho, e sejam coletados em recipientes que terminamnuma bica inclinada, em cuja boca são colocados sacos deestopa. Dessa maneira, cada saco recebe um tipo de café,com grãos de tamanhos semelhantes. É possível classificarde 3 a 4 tipos de café, com essa máquina. O inconvenientedesse classificador é a lentidão no processo.

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26 RAMOS, Augusto. Op. cit., 1939, p. 186.

27 Idem, ibidem, p. 187.

Figura 10 - Interior de uma casa demáquinas, em que se pode ver umventilador simples, um descascadorMac Hardy, dois ventiladores duplos,um catador e um aparelho Monitor.Foto: Guilherme Gaensly. Fonte:Kossoy, B. São Paulo, 1900. São Paulo:Livraria Kosmos Editora/FundaçãoEmílio Odebrecht, 1988, p. 113.

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O segundo tipo, denominado Monitor, foi o mais usadonas fazendas paulistas, por ser mais ágil. Ele possui umagrande armação, com uma moega em sua parte superior,que capta o café da máquina anterior, o despolpador, edispõe ainda de um outro ventilador para retirar eventuaisciscos e pó que ainda persistam junto aos grãos. Depois deventilado, o café passa por dois grupos de peneiras oscilantesem série, colocadas em diferentes planos, inclinados emsentidos opostos. Os orifícios das peneiras decrescem deforma gradual além de mudar de forma: ora os orifícios sãocirculares, ora ovais, ora retangulares, mais ou menosalongados, de modo a separar as sementes por tamanho eforma. Essas peneiras recebem do eixo da máquinamovimentos rápidos e circulares, de modo a fazer com quenão parem num determinado nível aqueles grãos que aindapoderiam passar a níveis inferiores da peneira. Dessamaneira, os grãos eram separados, ou classificados, segundotamanhos e formas semelhantes.

O tremor, o barulho e a poeira produzidos por essasmáquinas em série são extremamente desagradáveis; dessaforma, as chamadas casas de máquinas eram construídassempre o mais longe possível dos casarões, e sua edificaçãoem geral era bastante sólida, mesmo quando utilizada atécnica da taipa de mão, ou pau-a-pique. Os grossos alicercese robustas paredes ou armação de madeira tinham de serresistentes a toda movimentação dessas máquinas.

Depois de selecionado, o café ainda guardava imperfeição:grãos quebrados ou com coloração muito escura, defeitosque as máquinas não tinham a capacidade de detectar. Dessamaneira, uma última tarefa era feita, manualmente, acatação, ou seja, a escolha dos grãos, tarefa quase sempreefetuada por mulheres e crianças. De início os grãos eramesparramados no chão, previamente varrido, de uma saladestinada a essa função, e as mulheres, em grupo, iamseparando os bons dos defeituosos. Aos poucos, foramsendo inventados alguns dispositivos que auxiliaram essatarefa; um deles era constituído de uma moega munida deum registro inferior, que possibilitava a saída gradual degrãos sobre uma lona sem fim que rolava sobre dois cilindrosde madeira, movimentado mecânica ou manualmente,formando uma espécie de mesa. Uma a três pessoas podiamtrabalhar em um aparelho desses. O café “escolhido” era,então, ensacado, pesado e armazenado, e estava pronto paraser comercializado, sempre em sacas de 60 quilos.

Às crises cíclicas do preço do café, no mercado internacional,e da economia cafeeira, os fazendeiros responderam com oaumento das áreas cultivadas e da exploração da mão-de-obra. Entre 1850 e a década de 1880, a manutenção dariqueza dos fazendeiros, apesar da queda nos lucros, veioda grande produção do principal produto brasileiro nomercado externo. Não se cogitava o resgate de terrascansadas, já carcomidas pela cafeicultura, como as do Valedo Paraíba, por exemplo, mas sim a abertura de novasfrentes, em terras virgens. A grande reserva de terras férteis

em São Paulo, ainda a serem exploradas; o respaldo dadopelo governo, garantindo os preços; a criação da ferrovia,que eliminava o problema do transporte até os portoslitorâneos; a tecnologia do beneficiamento cada vez maiseficiente; tudo isso aliado ao incentivo à imigração,fornecendo mão-de-obra barata, permitiram o sucessodessa estratégia, mesmo com a escassez, cada vez maior,de escravos, e a aproximação do fim da escravidão.

Implantação

Na região Central, a implantação das fazendas seguiupraticamente o mesmo padrão adotado no Vale do Paraíba,porém já refletindo, em seu agenciamento, o ensinamentodas experiências acumuladas naquela região. A insolaçãodos terreiros e a presença de água continuaramdeterminando a escolha do sítio, bem como o terreno emaclive, à meia encosta, que proporcionava o melhoraproveitamento da força motriz da água, fator que,forçosamente, obrigava a patamarização do sítio escolhido,através de cortes e aterros, intercalados pelos onipresentesarrimos de pedra.

Aqueles ensinamentos contidos nos manuais agrícolas,comentados no capítulo anterior, foram aplicados, talvezaté com mais precisão, nas novas fazendas de café abertasna região Central. Nelas, a implantação fica muito próximados princípios dos manuais: os terreiros, com todos os seusequipamentos (lavador, despolpador, tanques defermentação, secadores, canais de distribuição, etc), emposição central; na sua parte superior o casarão, emdestaque; as senzalas, nas laterais do terreiro ou da casa-grande; e a casa de máquinas na sua porção inferior. Oconjunto se completava com as demais edificaçõesnecessárias às atividades cotidianas da fazenda, como asvárias oficinas, os abrigos para animais, alimentos,ferramentas e carros, os moinhos de fubá, os engenhos decana, etc, distribuídos de maneira a se obter o máximorendimento e uso da água.

Mesmo a lavoura de café sendo a principal atividade dafazenda, manteve-se a criação de animais, para consumo etransporte, além do cultivo de pequenas roças de gênerosalimentícios, destinados tanto ao consumo interno comovenda do excedente. Ou seja, o ideal de se manter na fazendao máximo de atividades destinadas ao seu sustento tambémprevaleceu nessa nova fronteira cafeicultora, como formade economia de gastos, apesar do surgimento de novas emelhores estradas e da ferrovia, a partir da década de 1860.

Como exemplos em que pode ser vista, em maior ou menorescala, a aplicação desse padrão de implantação, citamosas fazendas campineiras Lapa, São Pedro, São Joaquim eBonfim; as fazendas Atalaia, São Sebastião, Santa Luzia,Cascata, de Amparo; as fazendas Paraíso, Santana, Boa Vista,do Coronel Antônio Rangel, em Itatiba; a Dona Carolina,de Bragança Paulista; e a São José, em Itu.

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Figura 11 - Implantação da fazendaSão Pedro, Campinas. Desenho de V.Benincasa, baseado em levantamentodos arquitetos A. L. Dias de Andradee Luís Alberto, de 1973, pertencentesao acervo do Condephaat.

Figura 12 - Vista geral da fazendaLapa, Campinas. Podemos observar asenzala em quadra, à esquerda nafoto, ao lado dos terreiros, o casarão,a casa de máquinas e outrasinstalações destinadas ao trato comanimais. Foto: Guilherme Gaensly.Fonte: Kossoy, B. São Paulo, 1900.São Paulo: Livraria Kosmos Editora/Fundação Emílio Odebrecht, 1988, p.97.

Figura 13 - Implantação da fazendaSão Joaquim, Campinas. Desenho deJosé de Castro Mendes. Fonte: Reale,E. Café. Rio de Janeiro: AC&M, 1988,p. 22.

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Figura 14 - Vista geral da fazendaBonfim, Campinas. Desenho de Joséde Castro Mendes. Fonte: Mendes, J.E. T. Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 15 - Implantação da fazendaAtalaia, Amparo. Desenho de V.Benincasa, baseado em levanta-mento dos arquitetos A. L. Dias deAndrade e Luís Alberto, de 1973,pertencentes ao acervo doCondephaat.

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Figura 16 - Implantação da fazendaSão Sebastião, Amparo. Desenho deV. Benincasa, baseado em levanta-mento dos arquitetos A. L. Dias deAndrade e Luís Alberto, de 1973,pertencentes ao acervo doCondephaat.

Figura 17 - Vista geral da fazendaParaíso, Itatiba. Fonte: AMARAL,Amadeu, et alli. Almanach de Itatiba1916. Itatiba: Typographia d’AReacção, 1916.

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Figura 18 - Implantação da fazendaSanta Luzia, Amparo. Desenho de V.Benincasa, baseado em levantamen-to dos arquitetos A. L. Dias de An-drade e Luís Alberto, de 1973, perten-centes ao acervo do Condephaat.

Figura 19 - Implantação da fazendaCascata, Amparo. Desenho de V. Be-nincasa, baseado em levantamentodos arquitetos A. L. Dias de Andradee Luís Alberto, de 1973, pertencentesao acervo do Condephaat.

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Figura 20 - Vista geral da fazendaSantana, Itatiba. Fonte: AMARAL,Amadeu, et alli. Almanach de Itatiba1916. Itatiba: Typographia d’AReacção, 1916.

Figura 21 - Vista geral da fazendado cel. Antônio Rangel, Itatiba.Fonte: AMARAL, Amadeu, et alli.Almanach de Itatiba 1916. Itatiba:Typographia d’A Reacção, 1916.

Figura 22 - Vista geral da fazendaSão José, Itu. Acervo do MuseuRepublicano “Convenção de Itu”.

Figura 23 - Vista geral da fazendaCachoeira, Vinhedo. Fonte: Fray, D.A Arquitetura Cafeeira Invade osSertões de Jundiaí. Itatiba: USF(monografia de conclusão de curso),2005, p. 41.

Figura 24 (abaixo) - Vista geral da fa-zenda Sete Quedas, Campinas. A-cervo: Museu Paulista. Fonte: OCafé. São Paulo: Banco Real/ABNAMRO Bank, p. 83.

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Em outras fazendas da região Central, a solução dadisposição em quadra foi adotada de maneira mais livre,mesmo porque, em alguns casos, se formavam sobre cascosde antigos engenhos de açúcar e, dessa maneira, seconstruíam os equipamentos destinados ao beneficiamentodo café, um pouco afastados do núcleo central, à beira decaminhos já existentes. Por vezes, nem mesmo o terreiro

seguia uma planta retangular muito rígida, mas eradesenhado de maneira a aproveitar o melhor caimento doterreno, alongando-se em várias direções, tomando umaforma triangular, isso apesar de o relevo aí encontrado sermais suave que aquele enfrentado pelas fazendas pioneirasdo Vale do Paraíba. São exemplos dessa solução as fazendasFloresta e Cana Verde, de Itu; e Capoeira Grande, de Campinas.

Figura 25 - Implantação da fazendaCana Verde, Itu. Desenho elevantamento de V. Benincasa.

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Figura 26 (acima, topo) - Implantaçãoda fazenda Floresta, Itu. Desenho e le-vantamento de V. Benincasa.

Figura 27 (acima) - Implantação dafazenda Capoeira Grande, Cam-pinas. Desenho de V. Benincasa,baseado em levantamento dosarquitetos A. L. Dias de Andrade e LuísAlberto, de 1973, pertencentes aoacervo do Condephaat.

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Figura 28 - Implantação da fazendaVanguarda, Amparo. Desenho de V.Benincasa, baseado em levan-tamento dos arquitetos A. L. Dias deAndrade e Luís Alberto, de 1973,pertencentes ao acervo doCondephaat.

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Em outros casos, no entanto, a adaptação dos antigosengenhos à lavoura cafeeira deu-se de forma tãoharmoniosa, com relação ao conjunto de edificações jáexistentes, que apenas através de documentação antiga sepode constatar que tal acomodação foi feita, e que a fazendanão tenha tido como função inicial a cafeicultura. Dentreesses, estão os casos das fazendas Engenho das Palmeiras –cujo nome já sugere ter sido a cana-de-açúcar sua primeiralavoura, e não o café – de Itapira; a Fazendinha, ou fazenda

Atibaia, em Campinas; a Concórdia, a Capoava e aVassoural, em Itu. Estas três últimas, aliás, resguardamainda, com algumas alterações, os velhos casarõessetecentistas, de tradição bandeirista, nos quais aquele tipode planta característica ainda pode ser observada. No casoda fazenda de Itapira, a alteração foi tanta, que até o casarãoatual passou por grande reforma no ciclo do café, já nasegunda metade do século XIX, quando adquiriu a feiçãoatual, segundo entrevista com seu proprietário.

Figura 29 - Implantação da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. De-senho e levantamento de V. Benin-casa.

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Figura 30 - Vista geral da fazendaCapoava, Itu. Podem ser obser-vados,à esquerda, o casarão, com a senzalaao lado. Em primeiro plano, a tulha euma edificação não mais existente. Àfrente do casarão, o pátio, tendo aosfundos, no lado oposto à casa demáquinas, as tu-lhas. Acervo doMuseu Republicano “Convenção deItu”.

Nessa região a lavoura cafeeira se difunde num período emque o movimento abolicionista ganhava força no país, aomesmo tempo que aumentava a imigração. Assim,observamos em muitas fazendas a presença de senzalas ecolônias. Não que isso não tenha ocorrido também nasfazendas do Vale do Paraíba, mas aqui - e nas regiões queforam ocupadas pelo café a partir de meados do século XIX- até o advento da abolição da escravidão no Brasil, esseconvívio foi cada vez mais comum.

Algumas colônias eram construídas nas proximidades donúcleo central das fazendas, onde estavam localizados oscasarões, os terreiros, senzalas, etc. Outras acabavam ficandodispersas, próximas aos cafezais mais longínquos, de modoa facilitar o deslocamento dos trabalhadores de suas casasaté os seus respectivos talhões de café, além de evitaraglomerações excessivas: o não adensamento e a imposiçãode regras rígidas de controle, no ambiente da fazenda,ajudavam a evitar manifestações dos trabalhadores. Quasesempre, o correr de casas das colônias era construído empontos próximos a ribeirões, fundos de vale, terrenosalagadiços, que não eram utilizados para o plantio de café,o que também contribuía para a proliferação de um semnúmero de doenças, ampliada pela falta de condições dehigiene, assunto já bastante comentado na literaturaespecializada: inexistência de latrinas, de água tratada, etc.

O braço imigrante era essencial ao desenvolvimento dalavoura cafeeira, porém os sucessivos problemas entre osfazendeiros e os colonos geravam dúvidas sobre a melhormaneira de se lidar com a nova mão-de-obra, eramfazendeiros acostumados a lidar com escravos, etrabalhadores livres não acostumados a serem tratados de

forma tão autoritária: o ajuste foi lento e difícil. Esse deveter sido um dos motivos que levou os fazendeiros da regiãoCentral a continuar importando a maior quantidade possívelde escravos de outras localidades do país até praticamenteas vésperas da extinção total do trabalho servil. O escravoproduzia mais que o imigrante, pois era obrigado a isso, e oseu controle era mais fácil, além disso, muitos delesdetinham o conhecimento de todo o processo de produção,desde a plantação, até o beneficiamento, ao contrário dosimigrantes. A grande dimensão das senzalas, aindaexistentes ou documentadas por imagens do início do fi-nal do século XIX e início do século XX, em Campinas,Itatiba, etc., demonstram que a escravidão foi tão difundidaaí quanto no Vale do Paraíba.

Além das colônias, outras edificações começam a se tornarcomuns, a partir da segunda metade do século XIX, napaisagem das fazendas cafeeiras, como a casa doadministrador, as capelas, os armazéns ou vendas. Com asferrovias, o deslocamento dos fazendeiros entre cidades dointerior e a capital da província tornou-se mais rápido econfortável, e alguns passaram a habitar em São Paulo, ounas maiores cidades de sua região, de onde podiamdiversificar e gerir melhor seus negócios. Passam a ocorrervisitas esporádicas, e a permanência dos proprietários nasfazendas quase sempre se dava em temporadas, na épocada colheita. Da mesma forma que no Vale do Paraíba, foiainda mais comum a propriedade de várias fazendas porum único fazendeiro. Isso levou à necessidade de se ter um

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28 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 213.

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profissional responsável pela administração dos serviçosda fazenda, na ausência do dono: surge a figura doadministrador, um profissional de confiança do proprietário,com autoridade, dentro de certos limites, para tomardecisões e conduzir praticamente todos os assuntoscotidianos da fazenda, com uma remuneração maior queos demais trabalhadores livres, e com o privilégio de residirnuma casa diferenciada, inferior apenas ao casarão. A casado administrador, segundo Lemos,28 era um misto deresidência da sua família e de escritório geral. Nela, por vezes,num puxado ou em edifício anexo, também passa a ser feitaa comida destinada aos escravos, que era levada até a roçaem grandes caldeirões de ferro, dentro de carroças.

No tocante às capelas externas, estas passam a se tornarmais comuns a partir da década de 1880. O crescimento nonúmero de imigrantes, em sua grande maioria de religiãocatólica, talvez tenha influenciado a generalização dessasedificações, que foram construídas inclusive nas antigas

fazendas do Vale do Paraíba, no final do século XIX. Oaumento no número de casamentos, de batizados, de festasreligiosas, resultado do crescimento do número de famíliasde trabalhadores livres, constituídas legalmente, justificariao advento desse novo equipamento.

Algumas fazendas, como a fazenda Pereiras, de Itatiba, ou aSanta Genebra e a Fazendinha, de Campinas, de certa forma,por essa quantidade e diversidade de edificações, além donúmero elevado de moradores, passam a ter o aspecto deum pequeno vilarejo, com suas várias colônias, a grandecapela, a venda, os pátios, a casa grande, o setor debeneficiamento do café, estábulos, currais, depósitos, escritórios,moinhos, oficinas e tudo o mais. Podemos dizer que, emalgumas delas, ocorre um rompimento daquela concentraçãoque existia numa disposição mais tradicional, que foi muitocomum no Vale do Paraíba. Esse novo tipo de agenciamentodas edificações, se não é uma regra, entre as fazendas daregião, também não chega a constituir casos de exceção.

Figura 31 - Casa do administrador,fazenda Iracema, Campinas.Edificação com alicerces de pedra, eparedes originalmente em taipa demão. Situa-se logo abaixo dosterreiros. Foto: V. Benincasa.

Figura 32 - Vista geral da colônia, dacapela e da antiga venda, a partir dosterreiros de café. Fazenda Pereiras,Itatiba. Foto: V. Benincasa.

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Convêm ressaltar, porém, algumas inovações queocorreram no período. A região Central havia sidointensamente povoada por pessoas originárias de MinasGerais, desde o final do século XVIII, gente em geralhabituada ao convívio com o ambiente urbano, de certorefinamento. Além disso, também foi o local escolhido poruma quantidade significativa de imigrantes portugueses,como os Souza Queiroz e os Vergueiro, que não provinhamdo campo. O ciclo da cana-de-açúcar havia provocado umrazoável enriquecimento em suas cidades, se comparadascom as de outras regiões paulistas, e mesmo as casas rurais,existentes nos engenhos, já demonstravam esse requintealcançado. Mello Pupo, em seu trabalho sobre omunicípio de Campinas, descreve a cena de umcasamento ocorrido numa dessas casas de engenhos,detalhando o ambiente geral, baseado em fatos quelhes foram contados:

(...). O sobrado do engenho era amplo e senhoril nasimpleza harmônica que o fazia belo; internamenteviam-se os cômodos pródigos de área permitindomelhor perspectiva para as peças de jacarandá ou decaviúna nos seus correntios traços do estilo Dona MariaPrimeira.

Um vasto salão com muitas janelas que se abriam paraum pomar de mangueiras gigantes que as superavam,acolhia os convidados. Na parede oposta, da qual pendiaespelho de cristal com moldura de talha, encostavam-se um longo canapé e numerosas cadeiras de palhinhatrançada nas peças de pesado madeiro; interpunham-se dois consolos elegantes, de quatro colunas torneadase pés em graciosas recurvas que ocultavam a necessáriasolidez de suportes, consolos que fronteavam outrosdois iguais, entre janelas, todos mantendo castiçais deprata, com velas esguias resguardadas pelas donzelas,grandes mangas de cristal que vedavam a iluminaçãodos açoites da ventania. A espevitadeira e a salvinhacumpriam sua finalidade, enquanto se marcava o tempoem grave relógio de pesos e correntes, presidindo nocentro da parede e indicando aos dois realejos postadospróximos a dois cantos extremos, as horas de prazerque deveriam sonorizar.

No canapé e na maioria das cadeiras, assentavam-se assenhoras de mais idade e descansavam os anciãosalquebrados; as moças de pé, na graça e formosura dajuventude, ocupavam toda esta metade do salão, comoum ramalhete de botões de rosas a embelezar e alegraro ambiente. Na outra metade, e separados pelapassagem onde desfilaria a noiva, ficavam os senhoresgraves e os moços elegantes no viço da mocidade, aolhar para as moçoilas e com elas a trocar olhares tãopro fundos e significativos, que valiam pelos arroubosde uma declaração de amor, no tempo que se amava àdistância e furtivamente.

Em parede do extremo do salão, entre duas janelas,uma porta de meia rótula e arabescos havia sido abertadesvendando o oratório do solar, um altar embutido,com a Senhora da Conceição vinda do Reino, talhada,doirada e rendada em cores, violácea no seu manto erosa-claro na sua túnica. Acompanhavam-na duaspequenas imagens marcadas pelo tempo, de SãoJoaquim e de São Mateus Evangelista; abaixo, à frenteda Senhora, pequena cruz de jacarandá sustinha o Cristoexpirante. 29

De certa maneira, já havia uma elite mais afeita ao bemviver, na época em que a cafeicultura aportou por aquelasbandas. E o dinheiro da nova lavoura, muito mais abundantedo que o proporcionado pelo açúcar, lapidou ainda mais ogosto geral dessa elite. Não à toa, Itu e Campinas eramcentros regionais importantes e, já àquela época,portadoras de belas e ornamentadas igrejas, de grandespalacetes, de boas escolas, boas lojas.

Tudo isso se devia ao dinheiro advindo, primeiro, do açúcar,e, depois, do café. Assim, não é de se estranhar que muitasdas fazendas ostentassem alguns novos espaços nãodestinados à produção, mas sim à fruição como jardinscircundando o casarão, muitas vezes cercado de um muroque garantia privacidade, ou grandes pomares, em geraldispostos na parte traseira do casarão, cortado por canaisde água, cercados por grossos muros de taipa de pilão,cobertos de telhas, com as árvores frutíferas formando aléias.O apreço pelo conforto e um gosto estético começava a sairde dentro dos casarões, e a se refletir nas suas imediações...

Edificações do beneficiamento do caféda região Central

O espaço produtivo da fazenda cafeeira da região Centralbeneficiou-se das experimentações ocorridas em suassimilares do Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba. Emboraainda tenha utilizado aquelas formas mais rudimentares deinstalações destinadas ao preparo dos grãos, a situaçãodiferenciada desses fazendeiros, instalados em terrenos maisférteis e amparados num conhecimento de melhores técnicasde cultivo, proporcionou adesões mais rápidas e eficientesaos novos equipamentos.

Os terreiros, por exemplo, nas novas fazendas de café, jáeram construídos com suas superfícies pavimentadas,principalmente naquelas fazendas abertas a partir dadécada de 1860, quando houve uma generalização naconsciência de que esse cuidado renderia melhores

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29 PUPO, C. M. de M. Campinas, Município no Império. São Paulo:IMESP, 1983, p. 63.

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resultados, sobretudo se o revestimento fosse feito comtijolos ou ladrilhos de barro cozido, que proporcionavamuma secagem dos grãos mais homogênea que o asfaltopor exemplo, por transmitir de maneira menos violenta ocalor da insolação durante o dia e conservar por mais tempoessa energia térmica durante a noite.

Argollo nos aponta outras vantagens da pavimentação:

Os terreiros de tijolos eram melhores que os de terrabatida porque, entre outras vantagens, permitiam quese revolvesse, sobre a superfície, o café molhado semmisturá-lo com a terra, o que acelerava a evaporaçãoda umidade. A secagem em terreiros de terra batidaera prejudicada, também, pelo fato de não se poderaproveitar os dias de sol, intercalados aos dias chuvosos,por estarem os pátios ainda úmidos. Os terreiros detijolos, que secavam mais rápido após a chuva,permitiam maior produtividade. 30

Uma outra novidade foi a maior utilização do beneficiamentopelo método de via úmida, ou seja, junto aos terreirosconstruía-se, além dos tanques para lavar o café, o abrigoda despolpadora e os tanques de maceração, terreirossubdivididos em várias partes, chamadas de tabuleiros ouquadras, e os canais de distribuição que levavam com águacorrente os diferentes lotes de café até elas, já realizandouma pré-seleção, Esses canais terminavam em moegas, aofundo das quais existiam peneiras metálicas que seguravamos grãos, deixando a água seguir o seu caminho para forados terreiros. Daí, o café era esparramado para a secagempela superfície da quadra. Todos esses equipamentospassaram a ser comuns, a partir de então.

Na segunda metade do século XIX, a importância dacafeicultura atingiu proporções tais que, segundo Argollo,a arquitetura do núcleo industrial das fazendas passa aobedecer a parâmetros técnicos, estabelecidos porengenheiros especializados em construções rurais. 31 Umsaber que muito provavelmente se generalizou e se tornoucorrente entre os empreiteiros especializados nessa atividade,e foi sendo difundido e adaptado por todas as regiõescafeicultoras de São Paulo.

Nesse período, outros detalhes surgiram ou foramaperfeiçoados na execução dos terreiros como a construçãode dispositivos destinados a recolher o café, em montes, noperíodo noturno, cobrindo-o com lonas destinadas aprotegê-lo da umidade do sereno ou de eventuais chuvas.Esses dispositivos, chamados de “meia lua” ou “coroa”,geralmente eram feitos de duas maneiras: um círculo detijolos assentados sobre o terreiro, formando uma muretabaixa, com cerca de alguns centímetros de altura, com umaabertura voltada para o lado mais baixo do terreiro; ou então,na mesma forma circular, fazia-se uma pequena plataformaelevada de uma ou duas camadas de tijolos. A declividadepadrão das plataformas dos terreiros foi fixada em 1,5 a

2%, sendo o cuidado na execução aumentado,principalmente na feitura das capistranas, as linhas-mestrasde tijolos ou ladrilhos que percorriam da parte mais altapara a mais baixa e se constituíam na referência do nível aser observado no restante dessas superfícies. A execuçãode muros ou muretas cercando todo o terreiropavimentado, os cuidados com a drenagem, o uso degrelhas metálicas que impediam a passagem dos grãos,entre as várias quadras dos terreiros, também sãoexemplos dessas minúcias que foram sendoaperfeiçoadas e passaram a ser corriqueiras, na feiturade um bom terreiro de secagem.

Todos esses detalhes mostram o apurado nível dedetalhamento, fruto não somente de um saber erudito, masmuito, também, da experimentação, de uma práticacontínua por anos e anos na mesma atividade. Se os terreirossão parecidos em seus aspectos gerais, nunca encontramosduas soluções idênticas em nossos levantamentos. Nem duastulhas, ou casas de máquinas, exatamente iguais. O princípioé o mesmo, dependendo do método de secagem utilizado,mas a diferença de sítios, da capacidade de produção decada fazenda, do clima local, da obtenção de água, de ma-terial construtivo disponível, entre outros fatores, exigiu dosconstrutores e projetistas adaptações constantes.

Os arrimos envoltórios desses terreiros continuaram sendoexecutados em alvenaria de pedra, mas a presença, naregião, de barro propício, fez com que essas jazidas fossemexploradas não só para a fabricação de telhas capa e canal,mas também de ladrilhos cerâmicos e tijolos, quase sempreem olarias próprias. A presença dos imigrantes italianos,em sua maioria vindos do Vêneto, região tradicionalmenteprodutora de edificações em tijolos, foi difundindo o usodesse elemento, até então pouco utilizado em São Paulo.Assim, muitas partes dos terreiros, como acabamentos demuros, ou os próprios canais de distribuição, alguns arcosde aquedutos, escadas entre os diversos patamares dosterreiros, foram construídos com tijolos, por vezes comrequintes de acabamento, e diversidade no desenho daspeças.

O uso dos tijolos possibilitou, ainda, uma das maioresinovações nos terreiros de algumas fazendas da região deAmparo, como na fazenda Estiva, por exemplo: a construçãode túneis subterrâneos, por onde trafegavam os vagonetesdo sistema Decauville, sobre trilhos. Esses túneis eramconstruídos abaixo do nível do piso dos terreiros, tendo asua parte superior sustentadas por abóbadas de tijolos. Adeterminados intervalos, essas abóbadas apresentavamaberturas por onde se jogava o café já seco, diretamentenos vagonetes. Os túneis eram feitos de maneira a

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30 ARGOLLO, A. Op. cit., 2004, p. 119.

31 Idem ibidem, p. 120.

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desembocar na passarela que levava ao interior das tulhas.Encontramos sistema semelhante em fazendas da regiãoSorocabana, em São Manuel e Areiópolis, maisprecisamente, onde muitos proprietários eram provenientesde Amparo, o que nos leva a supor que esse sistema tenhasurgido em uma das duas regiões e, depois de testado e

Figura 33 - Detalhe dos ladrilhos debarro cozido, que revestem osterreiros da fazenda São Sebastião,Amparo. Foto: V. Benincasa.

Figura 34 - Vista geral dos terreirosda fazenda São Sebastião, Amparo.Foto: V. Benincasa.

Figura 35 - Vista parcial dos terreirosda fazenda São Sebastião, Amparo.Ao fundo, a senzala, e à direita, a casade máquinas. Foto: V. Benincasa.

aprovado, tenha sido levado à outra. Essa foi umacaracterística de construção de terreiros pouco difundida,talvez pelos custos e pela complexidade de execução, umavez que em nenhum outro local, além dos mencionados,encontramos solução semelhante.

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Figura 36 (à esquerda) - Patamariza-ção: terreiros da fazenda São Se-bastião, Amparo. Ao fundo, ocasarão. Foto: V. Benincasa.

Figura 37 - Muros de pedra quecircundam os patamares dos terreirosda fazenda São Sebastião, Amparo.Foto: V. Benincasa.

Figura 38 - Vista parcial dos terreirosda fazenda Pereiras, em Itatiba. Aofundo, podem ser vistos: o casarão eo muro em taipa de pilão que circundao terreiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 39 (abaixo) - Detalhe dosterreiros da fazenda Vanguarda,Amparo. Canais de drenagem comseparação das várias quadras. Notaro acabamento com peças de barrocozido. Foto: V. Benincasa.

Figura 40 (pé da página) - Vista geraldos terreiros da fazenda Pereiras,Itatiba. Foto: V. Benincasa.

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Figura 41 - Vista dos canais dedistribuição do café lavado e moegade recepção. Notar a alvenaria depedra dos arrimos e o acabamento emtijolos. Fazenda São Bento,Morungaba. Foto: Antonio CarlosBellia. Fonte: Cadernos de Fotografianº 5 – Fazendas do Ciclo do Café,Região de Campinas. São Paulo:Secretaria de estado da Cultura, s/d.

Figura 42 - Vista dos terreiros dafazenda Dona Carolina, em BragançaPaulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 43 - Vista do canto inferior daplataforma do terreiro da fazendaDona Carolina. Foto: V. Benincasa.

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Figura 44 - Vista geral de terreiros defazenda em Souzas, Campinas.Acervo da Coleção Secretaria deAgricultura e Comércio. Centro deMemória – UNICAMP.

Figura 45 - Vista dos terreirosescalonados, Fazenda Iracema,Campinas. Ao fundo, o casarão. Foto:V. Benincasa.

Figura 46 - Vista dos tanques defermentação de café despolpado.Fazenda Iracema, Campinas. Foto: V.Benincasa.

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Figura 47 (acima) - Detalhe de pisode terreiros, com tijolos assentadosem espinha de peixe. FazendaConcórdia, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 48 (à direita, em cima) - Vistade canal de distribuição. Terreiros dafazenda Concórdia, Itu. Foto: V.Benincasa.

Figura 49 (à direita, centro) - Vistageral dos terreiros, com o casarão aosfundos, fazenda Concórdia, Itu.Acervo do Museu Republi-cano“Convenção de Itu”.

Figura 50 (à direita, embaixo) - Vistaparcial do terreiro da fazenda Floresta,Itu. Ao fundo, vê-se o casarãoconstruído no ciclo cafeeiro. Ao seulado, a construção térrea, que foi aprimeira sede da fazenda, cuja plantaainda guarda resquícios da casabandeirista, construída em taipa depilão. Acervo do Museu Republicano“Convenção de Itu”.

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Figura 51 - Vista parcial de um dospatamares do terreiro da fazenda Flo-resta, Itu. Ao fundo, vê-se parte domuro de taipa de pilão que circundatodo o conjunto de edificações dafazenda. Foto: V. Benincasa.

Figura 52 - Vista dos terreiros, a partirdo portão superior, junto aos lavador-es e tanques de fermentação. Ao fun-do, a tulha. Fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 53 - Vista dos terreiros, com atulha e casa de máquinas, ao fundo.Fazendinha, antiga fazenda Atibaia,Campinas. Foto: V. Benincasa.

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Figura 54 - Vista parcial dos terreiros,com os canis de distribuição e moegasde recepção de grãos. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 55 - Vista de portão lateral nosterreiros, que outrora, foramtotalmente cercados por muros.Fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 56 - Vista geral dos terreiros.À esquerda, a casa de máquinas. Aosfundos, as velhas tulhas. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Tulhas e Casas de máquinas

Assim como no Vale do Paraíba, também na região Centralas edificações que compunham o complexo debeneficiamento e armazenagem do café variaram muitoquanto à técnica de construção e à tipologia.

Para compor o embasamento, usou-se muito a alvenariade pedra ou a taipa de pilão; enquanto que nas paredesexternas foi comum o uso da taipa de pilão ou de mão, ou,menos usada, a alvenaria de pedra; já nas paredes internas,divisórias, o mais comum foi o uso da taipa de mão,parecendo também a madeira. Essas foram as técnicasempregadas nas construções mais antigas: nas tulhas e casasde máquinas construídas mais ao final do século XIX, ou iníciodo século XX, encontramos edificações inteiramente de tijolos.

Quanto ao aspecto formal e à implantação dessasedificações, a variação também é grande; a única semelhançaentre elas é a existência do porão, principalmente nas tulhase, quanto ao formato da planta, sempre retangular. Assemelhanças, porém, param por aí. Há aquelas total ouparcialmente assobradadas, outras apenas térreas. Em geral,são edifícios de grandes dimensões, cobertura em quatroáguas, empregando as tradicionais telhas do tipo capa ecanal. As tulhas mais antigas foram construídas sobre ospróprios terreiros, ocupando parte da plataforma.Encontramos, também, exemplares fora do perímetro doterreiro, porém encostadas em seus paredões. Nesses casos,ainda podemos observar uma tipologia atrelada aos velhosmétodos de beneficiamento, como os encontrados nasfazendas do Vale do Paraíba. Entretanto, começou a setornar usual um novo tipo de implantação nessa região,em que a tulha é construída afastada, alguns metros, dosterreiros, uma tipologia já ajustada aos métodos debeneficiamento mais modernos da época. Nesses casos, o

trânsito entre terreiro e tulha se dava por passarelasuspensa, entre o piso do primeiro e o telhado da segunda,como já descrito anteriormente.

Essa variação demonstra, a nosso ver, que ainda no inícioda segunda metade do século XIX, época em que a maioriadas fazendas foi constituída, não havia um consenso entreconstrutores e fazendeiros sobre a melhor forma delocalização nem de construção dessas edificações. As teoriasestavam sendo aplicadas e, na prática, ia-se escolhendo asformas que mais convinham a uma melhor organização docomplexo rural cafeeiro.

Um bom exemplo dos vários momentos por que passou oprocesso de beneficiamento, ao longo da segunda metadedo século XIX, é a fazenda Engenho das Palmeiras, emItapira, que conserva, ainda que precariamente, váriasedificações destinadas ao beneficiamento e armazenamentodos grãos. Nela encontramos a mais antiga casa debeneficiamento de café de todo o nosso levantamento, umaverdadeira preciosidade para a história da cafeiculturapaulista, que se está perdendo irremediavelmente. Foiconstruída à beira de um riacho, cujas águas eram desviadaspor um canal para movimentar a roda d’água da bateria depilões. Essa edificação possui alicerces de pedra, estruturade madeira, vedos em pau-a-pique. O telhado em quatroáguas apresenta estrutura simples de madeira (asnas), como caibral feito de troncos roliços de palmeiras (macaúba,comuns na região). Parte das paredes de pau-a-pique foisubstituída, posteriormente, por alvenaria de tijolos, nasdependências destinadas ao armazenamento do café seco.Infelizmente o estado geral da edificação, embora passívelde restauro, é desolador. A roda d’água, o eixo com ashastes para erguer os pilões, os próprios pilões, os cochos,tudo em madeira de lei e praticamente perfeitos, aindaresistem ao tempo, sendo uma verdadeira raridade. No

Figura 57 - Vista externa da edificaçãoque abrigou o primeiro engenho decafé da fazenda Engenho dasPalmeiras, em Itapira. Foto: V.Benincasa.

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entanto sua existência está seriamente comprometida pois,em 2004, o velho telhado não resistiu aos temporais edesabou, justamente sobre a antiga bateria de pilões,fazendo com que suas peças se deslocassem dos eixos.Pudemos observar o apuro com que foram feitos essaspeças e seus encaixes: a roda dentada, os eixos, os pilões, amoega onde eram depositados os grãos para serem socadosnos pilões... Foi a única bateria de pilões que encontramosem nossos levantamentos na região, uma vez que essasmáquinas acabaram sendo substituídas pelasindustrializadas. A edificação, de planta retangular, éparcialmente assobradada na sua parte intermediária, ondeo terreno foi escavado para ser alocado, ali, a roda d’águae a bateria de pilões. Esse piso inferior era acessado poruma escadaria de madeira e possuía em todo seu perímetro,

na parte superior, uma passarela com guarda-corpo pelaqual se podia percorrer e observar o funcionamento dospilões, além de possibilitar a alimentação da moega comos grãos secos de café, para serem apiloados. Essa passarela,hoje, existe parcialmente, pois parte dela ruiu juntamentecom o telhado. Numa das laterais da edificação ficava umaespécie de depósito de ferramentas e, na outra, as tulhaspropriamente ditas, onde o café beneficiado eraarmazenado. Esse engenho de beneficiar café foi oprimeiro construído nessa fazenda, e deve remontar àmetade do século XIX, quando se deu o começo doplantio por ali.

Uma outra tulha, de construção posterior ao engenho decafé descrito acima, fica situada acima do casarão, ao lado

Figura 58 - Vista interna do primeiroengenho de café da fazenda Engenhodas Palmeiras, onde podemosobservar a passarela, uma parede feitacom alvenaria de madeira, e paredesem taipa de mão, em Itapira. Foto: V.Benincasa.

Figura 59 - Nessa foto, a bateria depilões, os cochos e a moega. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Figura 60 (acima) - Detalhe daestrutura da edificação, onde podemser vistos: o frechal com os respectivosencaixes dos paus-a-pique, e aestrutura da cobertura com troncosde macaúba, palmeira comum naregião. Fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 61 (à direita, em cima) - Detalheda bateria de pilões, com o eixo deacionamento dos pilões. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 62 (à direita) - Detalhe deencaixe de pilar de sustentação decobertura. Engenho de café, fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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das senzalas, e na parte inferior dos terreiros. É um edifíciode planta retangular, com telhado em quatro águas. Asparedes externas foram edificadas utilizando a técnica dataipa de pilão. Internamente, as paredes originais eram detaipa de mão; depois, algumas foram substituídas portijolos. O piso assoalhado ergue-se sobre um porão baixo,seguindo a regra usual de afastar a umidade do solo.A edificação contém um corredor central, no sentido trans-versal, protegido por duas portas, uma em cada extremidade,

que une o terreiro e o pomar cercado por muros, existenteaos fundos do casarão. Em cada uma das laterais dessecorredor, ficam os cômodos destinados ao armazenamentodo café, com aberturas voltadas para os terreiros. As tulhaspossuem piso assoalhado, enquanto o corredor teve o pisorevestido de ladrilhos semelhantes aos do terreiro.

Com o aumento da produção de café nessa fazenda, osantigos terreiros de secagem foram reformados e passaram

Figura 63 (à esquerda) - Tulhas decafé, construídas com paredes exter-nas em taipa de pilão, localizadas naparte inferior dos terreiros. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 64 (à esquerda, abaixo) -Detalhe da fachada das tulhas;observar os amplos beirais, protegidospor guarda-pó. Foto: V. Benincasa.

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Figura 65 (à esquerda) - Aspectointerno do corredor que corta a tulha,vendo-se a porta voltada para opomar. Foto: V. Benincasa.

Figura 66 (à esquerda, embaixo) -Aspecto interno do corredor que cortaa tulha, vendo-se a porta voltada paraos terreiros. Foto: V. Benincasa.

Figura 67 (abaixo) - Detalhe doensutamento da porta de uma dasportas da tulha, Observar oacabamento feito com estrutura demadeira e o vão preenchido portijolos, tendo ao fundo a taipa depilão. Foto: V. Benincasa.

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a contar com o que havia de mais moderno para a época:lavadores, despolpadores, tanques de fermentação, oscanais de distribuição, e repartições em quadras. Com isso,o antigo engenho de beneficiamento e sua bateria de pilõesforam relegados a um segundo plano, embora continuassefuncionando. Uma nova casa de máquinas foi entãoconstruída, mais moderna, para abrigar o maquinárioindustrializado, numa das laterais do terreiro,acompanhando o declive do terreno, porém não chega ase configurar como assobradada e, junto a ela, outras tulhas.O seu funcionamento segue basicamente o processo descritono início desse capítulo. Ela se desenvolve em dois planosde pisos, unidos por uma pequena escada. Possui porãobaixo em toda a sua extensão, com as máquinas maispesadas assentadas sobre estruturas próprias. A edificaçãoapresenta planta retangular, cobertura em quatro águas,com telhas capa e canal, sendo inteiramente em alvenariade tijolos. No entanto, apesar de todos esses indícios deuma arquitetura mais condizente com a época de

construção, a estrutura do telhado ainda guarda resquíciosde uma técnica mais tradicional, o caibral e o ripamento fo-ram feitos usando-se os troncos roliços de macaúba. A datade construção deve ser do último quartel do século XIX, pelascaracterísticas da edificação e pelo material empregado. Ocurioso, aqui, é que já se percebe uma intenção plástica noseu aspecto externo, ao se fazer uso de elementos daarquitetura clássica, como as cimalhas ao longo do beiral, oscunhais imitando pilastras dóricas, o barrado inferior, e asmolduras e rusticações imitando pedras regulares, tanto noscunhais, como nas molduras de portas; além das pestanassobre as janelas, que podem ser consideradas sofisticadaspara esse tipo de edificação, pois ostentam guilhotinasenvidraçadas na parte externa. Esse cuidado na execução deoutros edifícios, que não o casarão, vai se tornar muito comuma partir desse momento de afirmação da cafeicultura comoprincipal lavoura em solo paulista. Os ecos de uma arquiteturaerudita começam a se fazer ouvir nos distantes sertões,amplificados pelo dinheiro do café.

Figura 68 - Fachada da “nova” casade máquinas e tulha de café, voltadapara a lateral dos terreiros. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 69 - Fachada da lateral inferiorda mesma edificação. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Figura 72 (acima, topo) - Detalheinterno de janela no cômododestinado ao processo de catação, ouescolha, do café. Interior da casa demáquinas e tulha da fazenda Engenhodas Palmeiras, Itapira. Foto: V.Benincasa.

Figura 73 (acima) - Detalhe do eixode distribuição, polias e roldanas, dasmáquinas de beneficiamento do café.Fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 70 (acima, topo) - Fachadaposterior da mesma edificação,vendo-se a porta de embarque dassacas de café e a bica de saída dapalha do café, retirada no processode beneficiamento. Notar a alve-nariade tijolos e a ornamentação em relevoda argamassa. Fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 71 (acima) - Detalhe dealvenaria em taipa de mão no interiorda casa de máquinas. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Figura 74 (à esquerda, topo) - Vistado maquinário. Interior da casa demáquinas. Fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 75 (à esquerda) - Moto elétricopara movimentação do maquinário debeneficiamento. Interior da casa demáquinas. Fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 76 (acima, topo) - Carrinhopara esparramar café em terreiros.Fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 77 (acima) - Detalhe de placada fábrica, em carrinho paraesparramar café em terreiros. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 153

Figura 78 (acima) - Detalhe da estru-tura do telhado da casa de máquinas.Fazenda Engenho das Palmeiras, Ita-pira. Foto: V. Benincasa.

Figura 79 (abaixo) - Plantas dasprincipais edificações do núcleo cen-tral da fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Podem ser vistos ocasarão, a casa do feitor, as senzalas,as tulhas e a segunda casa demáquinas, construída ao final doséculo XIX. Levantamento: V.Benincasa e M. Rosada. Desenho: V.Benincasa e M. Rosada.

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Uma casa de máquinas em que também podemosvislumbrar esse apuro no seu aspecto formal é a da fazendaVanguarda, em Amparo. Edificada junto aos muros doterreiro, bem à frente do casarão, este é um exemplarassobradado. O pavimento superior está no mesmo níveldo terreiro, e o inferior volta-se para o pátio abaixo. Nele,as cimalhas ao longo do beiral não são de alvenaria, comona fazenda Engenho das Palmeiras, mas de madeira,

apresentando um desenho bem mais simples. No entanto,aqui também os cunhais receberam um acabamento degosto clássico: no pavimento superior imitando pilastrasdóricas, com capitel, fuste e base; no pavimento inferior,rusticações, imitando pedras de corte regular. As aberturasdo pavimento superior são de verga reta, encimadas porpestanas salientes. Elas possuem os batentes à mostra erentes à superfície da parede. Já as aberturas do pavimento

Figura 80 (acima, topo) - Aspecto ex-terno da casa de máquinas da fazen-da Vanguarda, Amparo. Foto: V. Be-nincasa.

Figura 81 (acima) - Vista da casa demáquinas da fazenda Vanguarda, apartir do pátio a frente do casarão,Amparo. Foto: V. Benincasa.

Figura 82 (à direita, topo) - Detalhedas cimalhas da casa de máquinas dafazenda Vanguarda, Amparo. Foto: V.Benincasa.

Figura 83 (à direita) - Detalhe do cunhal,com falsa pilastra dórica, na casa demáquinas da fazenda Van-guarda,Amparo. Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 155

inferior possuem arco pleno, com moldura de argamassasimples. Novamente foi utilizada uma planta retangular.

Um edifício semelhante a esse, principalmente nos detalhesdecorativos, é a casa de máquinas da fazenda Dona Caro-lina, em Bragança Paulista, parcialmente assobradado, nametade que se apóia no terreiro. Já não possui as máquinas,pois foi transformado em um centro de convenções dafazenda, hoje usada como hotel. É um edifício muito bo-nito em sua conformação, sendo sua elegância ressaltadapelos dois corpos justapostos: a parte assobradada coberta

por telhado em quatro águas, e a parte térrea com trêságuas.

Outras casas de máquinas ainda guardam, em seu aspectoexterno, a feição de uma arquitetura mais tradicional, semornamentos; porém, em nossa maneira de ver, não menosbelos, compondo a paisagem arquitetônica característica dasvelhas fazendas cafeeiras. Dentre elas podemos citar as tulhase casas de máquinas das fazendas Atibaia (hoje conhecidacomo Fazendinha), de Campinas; a da Capoava e da Con-córdia, em Itu; e a da São Sebastião, em Amparo, entre outras.

Figura 84 (acima, topo) - Aspectoexterno da casa de máquinas dafazenda Dona Carolina, BragançaPaulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 85 (acima) - Aspecto externoda casa de máquinas da fazenda DonaCarolina, em Bragança Paulista. Notaro edifício justaposto aos muros doterreiro. Foto: V. Benincasa.

Figura 86 (acima, topo) - Vista da casade máquinas e tulha, a partir dosterreiros. Fazenda Concórdia, Itu.Notar o bloco de tijolos aparentes,acrescido à edificação original emtaipa de mão. Foto: V. Benincasa.

Figura 87 (acima) - Vista posterior dacasa de máquinas da fazendaConcórdia, Itu. Notar os arrimos depedra, no porão. Foto: V. Benincasa.

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Figura 88 (acima, topo) - Aspectointerno da casa de máquinas dafazenda Concórdia, Itu. Aqui,podemos observar o emprego demaquinário industrializado. Foto: V.Benincasa.

Figura 89 (acima) - Detalhe daestrutura de telhado. Aspecto externoda casa de máquinas da fazendaConcórdia, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 90 (à direita, topo) - Aspectointerno do corredor de acesso àstulhas de café, fazenda Concórdia,Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 91 (à direita) - Detalhe do inte-rior do cômodo destinado a serraria ecarpintaria, vendo-se a parede detaipa de mão. Interior da casa demáquinas da fazenda Concórdia, Itu.Foto: V. Benincasa.

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O edifício que abriga a tulha e a casa de máquinas daFazendinha, em Campinas, ocupa um dos lados doquadrado dos escravos. A senzala, propriamente dita,ocupava outras duas laterais. A quarta lateral era ocupadapor cômodos talvez destinados a depósitos e casa do feitor,embora não seja possível afirmar, devido ao precário estadode conservação. Ao centro, o vazio forma um grande pátio,ao qual se entra por uma abertura nesta quarta lateral. Atulha e a casa de máquinas ocupavam a lateral voltada paraos terreiros. Trata-se de uma edificação térrea em cerca dedois terços de seu comprimento, onde ficavam as tulhaspropriamente ditas e, no terço final, ela se torna assobradadajustamente onde ficava o maquinário de beneficiamento.Toda esta lateral está separada do terreiro por uma rua. É

uma edificação assentada sobre declive, por isso,internamente seu piso é escalonado, sendo a passagem deum a outro feito por escadas. Suas paredes externas, bemcomo as dos outros três lanços, são de taipa de pilão, e asinternas originalmente de pau-a-pique – algumas delas fo-ram substituídas por alvenaria de tijolos. Chama-nos aatenção, nessa edificação, as janelas do piso inferior da casade máquinas, gradeadas e com o vão encimado por umabandeira triangular, fechada por pano de madeira. Não foium formato muito comum, mas novamente entendemosesse detalhe como um desejo de individualizar o edifício,dando-lhe uma característica diferente das construções quese fazia à época, um capricho do construtor. Atualmenteencontra-se em processo de restauro.

Figura 92 - Aspecto da fachada daedificação em quadra que abrigava astulhas, casa de máquinas e senzalas.Fazendinha, antiga Fazenda Atibaia,Campinas. Foto:V. Benincasa.

Figura 93 - Detalhe da fachada damesma edificação da foto anterior,vendo-se em destaque a parteassobrada da casa de máquinas.Fazendinha, antiga Fazenda Atibaia,Campinas. Foto: V. Benincasa.

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Figura 94 (à esquerda, topo) - Detalheda janela do pavimento inferior dacasa de máquinas. Fazendinha, antigaFazenda Atibaia, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 95 (à esquerda) - Detalhe dafachada da mesma edificação, vendo-se as portas de alguns cômodos.Fazendinha, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 96 (acima) - Detalhe do beiral edo cunhal da casa de máquinas.Fazendinha, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 97 (embaixo) - Vista posterior:aqui observam-se o pátio central e trêsdos quatro lanços que restaram. Oquarto, que estaria em primeiro plano,ruiu. Fazendinha, Campinas. Foto: V.Benincasa.

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Figura 98 (acima, topo) - Fachadaoposta aos terreiros, da edificação an-terior. Fazendinha, Campinas. Foto:V. Benincasa.

Figura 99 (acima) - Interior de umadas tulhas. Fazendinha, Campinas.Foto: V. Benincasa.

Figura 100 (à direita, topo) - Detalhede estrutura do telhado e antigaempena interna de uma das tulhas.Fazendinha, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 101 (à direita, centro) - Parededivisória entre cubículos da senzala.Fazendinha, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 102 (à direita, embaixo) -Aspecto do interior da edificação,vendo-se algumas paredes de tijolos:acréscimos. Fazendinha, Campinas.Foto: V. Benincasa.

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Figura 103 (à esquerda, topo) -Detalhe de parede de taipa de pilãodesabada, onde podem ser vistas ascamadas e o denteado doapiloamento nas diversas camadas dobarro socado. Fazendinha, antigaCampinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 104 (à esquerda) - Detalhe deantiga porta de um dos cubículos dasenzala. Notar que o vão original foidiminuído.Fazendinha, Campinas.Foto: V. Benincasa.

Figura 105 (acima, topo) - Pavimentoinferior da casa de máquinas, vendo-se as janelas voltadas ao terreiro.Fazendinha, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 106 (acima) - Pavimento infe-rior da casa de máquinas, vendo-se avelha escada que unia os dois pisos.Fazendinha, Campinas. Foto: V.Benincasa.

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Mais simples, porém seguindo um padrão muito próximodessa casa de máquinas, é o edifício de mesma função,existente na fazenda São Sebastião, em Amparo, localizadoao lado do terreiro, e também separado deste por uma rualateral. Essa tulha está logo abaixo da senzala, no mesmoalinhamento desta e do depósito situado em nível inferior,todos construídos apegados uns aos outros, quase formandouma única edificação, acompanhando o declive do terreno.A tulha, por ser a edificação intermediária, teve seu pisoescalonado, ficando a parte inferior assobradada. Oembasamento é de taipa de pilão, enquanto as paredes logoacima são de pau-a-pique, ostentando a estrutura emgaiolas de madeira, e cobertura em quatro águas.

Figura 107 - Rua lateral ao terreiro. Àdireita vê-se o edifício assobradado dacasa de máquinas e tulha. Logo acima,a senzala. Fazenda São Sebastião,Amparo. Foto: V. Benincasa.

Figura 108 - Fachada posterior doedifício assobradado da casa demáquinas e tulha. Fazenda SãoSebastião, Amparo. Foto: V.Benincasa.

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Há uma tulha, encontrada na fazenda Floresta, que mesclaalvenarias de taipa de mão e de pedra; no entanto, sabemosque há tulhas inteiramente de pedras, como a da fazendaSão Bento, entre Morungaba e Itatiba, que não foi possívelvisitar, mas da qual há uma foto numa publicação intituladaCadernos de Fotografia-5, da Secretaria de Estado da

Figura 109 (acima) - Aspecto da casade máquinas da fazenda Cachoeira,Campinas. Edificação feita em taipade mão. Desenho de José de CastroMendes. Fonte: Mendes, J. E. T.Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 110 (à direita, topo) - Aspectoda casa de máquinas da fazendaQuilombo, Campinas. Edificação feitaem taipa de mão, com acréscimo emalvenaria de tijolos. Desenho de J. deC. Mendes. Fonte: Mendes, J. E. T.Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Deto. Est. de Informações,1947.

Figura 111 (à direita, centro) - Aspectoda casa de máquinas da fazenda Riodas Pedras, Campinas. Edificação feitaem taipa de mão. Notar o aquedutoem alvenaria de tijolos. Desenho deJosé de Castro Mendes. Fonte: Mendes,J. E. T. Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departa-mento Estadual deInformações, 1947.

Figura 112 (à direita) - Fachada pos-terior da edificação anterior. Notarparedes em alvenaria de tijolos e emmadeira. Desenho de José de CastroMendes. Fonte: Mendes, J. E. T.Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

Cultura, da década de 1980. Esse tipo de construção emalvenaria de pedra parece não ter sido muito comum naregião Central, apesar da abundância desse materialencontrado ali. A pedra foi mais usada nos alicerces dosedifícios e na confecção dos muros de arrimo, como noVale do Paraíba.

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Figura 117 (acima) - Aspecto da casade máquinas da fazenda São Bento,Morungaba. Edificação inteiramenteconstruída em alvenaria de pedra.Foto: Antonio Carlos Bellia. Fonte:Cadernos de Fotografia nº 5 –Fazendas do Ciclo do Café, Região deCampinas. São Paulo: Secretaria deestado da Cultura, s/d.

Figura 113 (acima, topo) - Aspectoda casa de máquinas da fazenda SantaÚrsula, Campinas. Edificação feita emtaipa de mão. Notar a passarela,ligando terreiro e tulha, através deágua furtada. Desenho de José deCastro Mendes. Fonte: Mendes, J. E.T. Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInforma-ções, 1947.

Figura 114 (acima) - Aspecto da casade máquinas da fazenda Sete Quedas,Campinas. Notar a passarela, à direita,ligando terreiro e tulha. Desenho deJosé de Castro Mendes. Fonte:Mendes, J. E. T. Lavoura CafeeiraPaulista (Velhas Fazendas domunicípio de Campinas). São Paulo:Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 115 (à direita, topo) - Ruínasda casa de máquinas da fazenda SãoJoaquim, Itatiba, construção em taipade pilão. Foto: V. Benincasa.

Figura 116 (à direita, centro) - Lateralda edificação anterior. Fazenda SãoJoaquim, Itatiba. Foto: V. Benincasa.

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Todas elas, apesar de tipologias distintas, assobradadasou térreas, apresentam quase sempre o mesmo programa:possuem compartimentos para as tulhas, a casa demáquinas propriamente dita, para o armazenamento docafé já beneficiado, além de dependências anexas para ofabrico do fubá, beneficiamento do arroz, e serrarias emarcenarias. São edificações ainda simples, se ascomparamos com aquelas das regiões que iniciaram alavoura comercial cafeeira algumas décadas mais tarde, dasquais trataremos nos capítulos seguintes; estas sim,verdadeiros edifícios industriais, especializadíssimos nobeneficiamento e armazenamento do café. As da regiãoCentral se assemelham às primeiras casas de máquinas doVale do Paraíba, embora já se possa perceber que as liçõespreconizadas no manual de Laborie, como o afastamentodas tulhas e casas de máquinas das paredes externas dosterreiros, sua localização na parte inferior desses, e aconstrução de uma passarela unindo um e outro, já haviamsido melhor compreendidas, e muitas novas técnicas estavamsendo experimentadas. Encontramos, inclusive, algumas

dessas edificações mais recentes, provavelmente do finaldo século XIX ou início do século XX, construídas emalvenaria de tijolos, como na fazenda Vassoural, em Itu,por exemplo. As semelhanças da edificação que abriga acasa de máquinas e tulhas dessa fazenda, com um edifícioindustrial urbano, não devem ter sido mero acaso. Taissemelhanças são acentuadas pelo seu telhado em duaságuas, interrompido pelas empenas laterais salientes,conforme o edifício se acomoda à inclinação do terreno,em três patamares sucessivos; e pela ornamentação dacaracterística faixa de tijolos assentados a 45º, muitoutilizada em edificações industriais do final do século XIX einício do século XX.

Essas edificações refletem um período em que a cafeicultura,se já não era uma novidade para os lavradores brasileiros,paulistas em particular, passava por um intenso processode novas experimentações, cujos novos programas enecessidades a arquitetura, por suas características,evidentemente não conseguia acompanhar a contento.

Figura 118 - Aspecto da casa demáquinas da fazenda Vassoural, Itu,vista a partir dos terreiros. Pode-seobservar a porta em arco pleno poronde adentrava a antiga passarela, naempena lateral. Foto: V. Benincasa.

Figura 119 - Outro aspecto da casade máquinas da fazenda Vassoural,Itu. Foto: V. Benincasa.

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O alto investimento numa nova edificação e modernosmaquinários, nessa época, obrigava os fazendeiros a tiraremo máximo proveito deles antes de reformá-los, adaptando-os aos novos processos de beneficiamento que iam surgindo.A isso, talvez, se deva o fato de termos encontrado osexemplares mais modernos nas mais antigas fazendas daregião: seus proprietários resolveram atualizar seus edifíciose maquinários somente depois de terem se tornadoextremamente obsoletas as velhas instalações debeneficiamento.

Colônias

Curiosamente, foi na mesma fazenda Vassoural, cujo casarãoremonta aos tempos dos engenhos de cana ituanos, do séculoXVIII, que encontramos as colônias com desenho de fachadasmais elaboradas, de todo o levantamento. As casas seguem omesmo padrão de desenho da tulha, com as empenas lateraisalteando-se às duas águas do telhado, arrematadas porcunhais salientes. O aspecto geral é de uma vila industrial

Figura 120 - Aspecto da colônia dafazenda Vassoural, Itu, com casas comtijolos aparentes e empenas lateraisornamentadas. Foto: V. Benincasa.

Figura 121 - Aspecto da mesmacolônia a partir dos terreiros. FazendaVassoural, Itu. À direita, depósitos.Acervo do Museu Republicano“Convenção de Itu”.

____________________________________________________________________________________________________

32 Sobre a configuração e o cotidiano em colônias, ver os trabalhos:BENINCASA, V. Velhas Fazendas. Arquitetura e Cotidiano nos Cam-pos de Araraquara 1830-1930. São Carlos: EDUFSCar; São Paulo:Imprensa Oficial do Estado, 2003; COSTA, E. V. da. Da Senzala àColônia. São Paulo: Brasiliense, 1989; FRANCO, M. S. de C. HomensLivres na Ordem Escravocrata. São Paulo: Editora da UNESP, 1997;EISENBERG, P. L. Homens Esquecidos. Campinas: Editora daUnicamp, 1989, entre outros.

inglesa, com suas paredes de tijolos aparentes, alinhadasduas a duas, ou então em pequenos renques de quatro casas,dispostas em longas fileiras. Interiormente, as casas seguemo padrão que se tornou corriqueiro desde que as primeirascolônias foram construídas, talvez na fazenda Ibicaba, emCordeirópolis,32 ou em algum outro desses locais quepioneiramente introduziram o trabalho livre na zona rural:uma sala; dois dormitórios – um destinado ao casal e aosfilhos menores, e outro destinado a filhos maiores; e umacozinha. Cômodos que se distribuem numa planta retangularde pequenas dimensões, dividida por duas paredes que se

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Figura 122 - Detalhe de fachada decasa de colônia, onde pode ser vistoo arco de escarção sobre as aberturase faixas com tijolos assentadas a 45º.Fazenda Vassoural, Itu. Foto: V.Benincasa.

Figura 123 - Vista dos telhados dascasas de colônia da fazendaVassoural, Itu. Foto: V. Benincasa.

Essas casas de colônia podiam ser construídas de tijolos, detaipa de mão, ou de madeira e, nessa região, quase sempresobre alicerces de pedras. Encontramos algumas menções aelas em inventários:

Uma casa para colonos com três lanços (Fazenda CanaVerde, Itu) 33

Seis lanços de casas de tijolos de duas casas por lançoSeis lanços de casas de madeira para colonos, cada lançocom duas casasCinco casas velhas de madeiraDezenove casas velhas no correr do terreiro (FazendaFloresta, Itu) 34

Dezessete lanços de casa de taipa para colonosQuatro velhas casas de madeira para colonos (FazendaIngá, Itu) 35

A tipologia da casa de colônia é praticamente a mesma emtodo o território paulista, com exceção daquelas construídasno século XX, que se tornam um pouco mais complexas,como veremos em capítulos seguintes. São casas, em geral,geminadas, ou formando renques com maior número decasas, telhados com duas águas caindo para a frente e aosfundos da edificação. Por vezes é acrescentado um cômodona parte posterior, ocupado pelas cozinhas, quase sempresem banheiros internos. A origem dessa configuração éobscura; podemos pensar em adaptação da choça africana,

__________________________________________________________________________________________________

33 Inventário de Francisca Elysa Correa, de 1883.

34 Inventário de Francisco Emygdio da Fonseca Pacheco, de 1901.

35 Inventário de Francisco Emygdio da Fonseca Pacheco, de 1901.

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agregando-lhe as divisões internas mais comuns ao padrãoeuropeu e brasileiro; podemos também aventar a hipótesede adaptação das casas mais simples do ambiente urbanobrasileiro, existentes desde os tempos coloniais ou, ainda,uma adaptação das vilas industriais européias, quese multiplicavam no século XIX. São casas pequenase singelas, sem forro, com piso de terra batida que, aospoucos, iam sendo revestidos de tijolos ou uma camadafina de cimento, contendo o básico a uma vida cotidiana

Figura 126 (acima, topo) - Colônia dafazenda Iracema, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 127 (acima, centro) - Fundosda colônia da fazenda Iracema,Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 124 (abaixo) - Casas de colôniada fazenda São Sebastião, Amparo.Foto: V. Benincasa.

Figura 125 (abaixo) - Casa de colôniada Fazendinha, antiga fazendaAtibaia, Campinas. Foto: V.Benincasa.

que se dava muito mais em ambientes externos que internos.As lides diárias estavam voltadas aos cuidados com aspequenas criações de animais, ao cultivo das hortas eao trabalho nas fazendas, tanto de homens, quanto demulheres e crianças. A casa de colônia era, antes de tudo,um abrigo, e não local de fruição de espaços, e as atividadesde preparo de alimentos e descanso eram as suas principaisatribuições. A vida na colônia se dava, em grande partedo tempo, a céu aberto.

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Figura 128 (à esquerda, topo) -Colônia da fazenda Santa Leopoldina,Itatiba. Foto: Antonio Carlos Bellia.Fonte: Cadernos de Fotografia nº 5 –Fazendas do Ciclo do Café, Região deCampinas. São Paulo: Secretaria deestado da Cultura, s/d.

Figura 129 (à esquerda, centro) -Detalhe de cimalha em casa decolônia da fazenda Cana Verde, Itu.Foto: V. Benincasa.

Figura 130 (à esquerda) - Fachada decasa de colônia da fazenda CanaVerde, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 131 (acima, topo) - Fachadade casa de colônia da fazenda CanaVerde, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 132 (acima) - Fachada de casade colônia da fazenda Cana Verde,Itu. Foto: V. Benincasa.

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Figura 133 (acima) - Empena lateralde casa de colônia da fazenda CanaVerde, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 134 (à direita) - Aspecto internode cozinha de casa de colônia dafazenda Cana Verde, Itu. Foto: V.Benincasa.

Figura 135 (abaixo) - Colônia dafazenda São Bento, Morungaba. Foto:Antonio Carlos Bellia. Fonte:Cadernos de Fotografia nº 5 –Fazendas do Ciclo do Café, Região deCampinas. São Paulo: Secretaria deestado da Cultura, s/d.

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Senzalas

Quanto às senzalas, na região Central elas foramconstruídas seguindo, basicamente, duas tipologias: asenzala em quadra, ou quadrado; e em lanços corridos,providos ou não de varandas. Ou seja, a julgar pelasedificações remanescentes e pelos registros que delasencontramos, nas grandes fazendas cafeeiras dessa regiãoo ideal de controle intensivo da escravaria, no períodonoturno, já havia se difundido, praticamente desaparecendoa moradia de escravos em casas isoladas.

A primeira tipologia caracteriza-se pela disposição doslanços ao redor de um pátio central, com uma única entrada.Os lanços possuíam aberturas gradeadas, ou entãopequenas aberturas junto ao frechal da edificação, semjanelas. As que sobraram até os dias atuais possuem janelas,nas quais podemos ver o gradeamento, porém tambémconstatamos que muitas dessas aberturas são posterioresà construção do edifício, adaptado a novas funções. Essetipo de edificação foi muito empregado em fazendascampineiras, como na Cachoeira, Quilombo, Pedra Branca,Macuco, Atibaia (Fazendinha), Rio das Pedras, Três Pedras,entre outras.

Figura 136 - Aspecto da senzala dafazenda Cachoeira, Campinas.Desenho de José de Castro Mendes.Fonte: Mendes, J. E. T. LavouraCafeeira Paulista (Velhas Fazendas domunicípio de Campinas). São Paulo:Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 137 - Aspecto da senzala dafazenda Quilombo, Campinas.Desenho de José de Castro Mendes.Fonte: Mendes, J. E. T. LavouraCafeeira Paulista (Velhas Fazendas domunicípio de Campinas). São Paulo:Departamento Estadual deInformações, 1947.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 171

Figura 138 - Aspecto do interior doquadrado da senzala da fazendaMacuco, Campinas. Desenho de Joséde Castro Mendes. Fonte: Mendes, J.E. T. Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 139 - Aspecto da fachada dasenzala da fazenda Macuco,Campinas. Desenho de José de CastroMendes. Fonte: Mendes, J. E. T.Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 140 - Aspecto do interior doquadrado da senzala da fazenda Riodas Pedras, Campinas. Desenho deJosé de Castro Mendes. Fonte:Mendes, J. E. T. Lavoura CafeeiraPaulista (Velhas Fazendas domunicípio de Campinas). São Paulo:Departamento Estadual deInformações, 1947.

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As senzalas em único lanço corrido aparecem nas fazendasSertão, Santa Francisca do Camandocaia, São Joaquim, emCampinas; na fazenda Pereiras e São Miguel, em Itatiba; ena fazenda Engenho das Palmeiras, em Itapira. Em Amparo,encontramos na fazenda São Sebastião o único exemplarde senzala com alpendre, na verdade um corredor sob otelhado da edificação, que originalmente era fechado porum gradeamento de madeira, hoje inexistente, semelhanteàquele da fazenda São Luís, em Massambará, no Rio deJaneiro, cuja foto está no capítulo anterior. A existência dessegradeamento na senzala da fazenda São Sebastião podeser constatada pela presença das perfurações de encaixe nofrechal que sustenta a cobertura, e nas sambladuras paraencaixe das travessas de apoio ao ripamento, existentes nospilares de sustentação.

Figura 141 - Aspecto da entrada dasenzala da fazenda Camandocaia,Campinas. Desenho de José de CastroMendes. Fonte: Mendes, J. E. T.Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Depar-tamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 142 - Aspecto da senzala dafazenda Santa Francisca doCamandocaia, Campinas. Desenho deJosé de Castro Mendes. Fonte:Mendes, J. E. T. Lavoura CafeeiraPaulista (Velhas Fazendas domunicípio de Campinas). São Paulo:Departamento Estadual deInformações, 1947.

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Figura 143 (à esquerda, topo) -Aspecto da edificação que abrigou asenzala e a casa de máquinas dafazenda São Miguel, Itatiba.Edificação cujas paredes externas sãoem taipa de pilão. Foto: V. Benincasa.

Figura 144 (à esquerda, centro) -Aspecto da edificação que abrigou asenzala. Fazenda São Sebastião,Amparo. Foto: V. Benincasa.

Figura 145 (à esquerda) - Detalhe daantiga varanda da senzala, vendo-seos orifícios no frechal, onde seencaixava o ripamento; e nos esteios,as sambladuras para as travessas deapoio do mesmo ripamento. FazendaSão Sebastião, Amparo. Foto: V.Benincasa.

Figura 146 (acima) - Aspecto internoda senzala, onde se vê antiga empenainterna em taipa de mão. As paredesexternas são de taipa de pilão.Fazenda São Sebastião, Amparo.Foto: V. Benincasa.

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Quase todas essas edificações possuem paredes externasem alvenaria de taipa de pilão e divisões internas em taipade mão. Porém são encontradas, também, senzalasinteiramente em taipa de mão, como a da Fazenda SeteQuedas, em Campinas. Os alicerces, em geral, são de pedra;a cobertura invariavelmente de telhas capa e canal.

Assim como no Vale do Paraíba, esses lanços eramsubdivididos em cubículos, ocupados pelos negros segundoas regras estabelecidas em cada fazenda; alguns destinadosa casais, outros a homens, outros a mulheres e crianças. Nafazenda Pereiras, em Itatiba, essa subdivisão pode serobservada claramente, embora a edificação tenha sofrido

algumas alterações ao longo do tempo, com a abertura deportas internas e janelas na face posterior. Também pudemosobservar - e chegamos a fazer um levantamento métrico -um lanço de senzala da fazenda Engenho das Palmeiras,em Itapira. Ambas as edificações são de taipa de pilão, comalgumas paredes internas de pau-a-pique. A do Engenhodas Palmeiras, em que pese seu estado em ruínas,praticamente não foi alterada, e ali encontramos cubículoscontendo as portas externas e janelas gradeadas voltadaspara o pátio murado em duas laterais, e o quarto ladoocupado pela casa do feitor. Segundo o atual proprietário,o tronco ficava instalado próximo à porta da casa do feitor.

Figura 147 - À esquerda, o casarão;aos fundos a antiga senzala. FazendaPereiras, Itatiba. Foto: V. Benincasa.

Figura 148 - Fachada da senzala,voltada para os jardins fronteiros docasarão. Fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.

Figura 149 - Aspecto interno dasenzala: estrutura do telhado.Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto: V.Benincasa.

Figura 150 - Outro aspecto interno dasenzala: detalhe dos cachorros dobeiral. Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto:V. Benincasa.

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Figura 151 (acima) - Aspecto internoda senzala: porta interna aberta en-tre dois cubículos, em período poste-rior ao final da escravidão. As paredesexternas são de taipa de pilão.Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto: V.Benincasa.

Figura 152 (à direita, topo) - Fachadaposterior da senzala. Fazenda Pereiras,Itatiba. Foto: V. Benincasa.

Figura 153 (à direita) - Aspecto internoda senzala: detalhe do embasamentoem taipa de pilão, sobre o qual seergue a parede divisória de taipa demão. Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto:V. Benincasa.

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Figura 154 (acima) - Aspecto internoda senzala: a antiga porta do cubículodeu lugar a uma janela externa.Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto: V.Benincasa.

Figura 155 (à direita, topo) - Aspectoexterno da senzala, com murodivisáorio em taipa de pilão em ruínasAs paredes externas da edificaçãotambém são de taipa de pilão.Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto: V.Benincasa.

Figura 156 (à direita, centro) - Aspectodo que restou da cobertura da antigasenzala, onde se vê a empena interna.Fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 157 (à direita) - Detalhe deensutamento junto à porta de um doscubículos da senzala. As paredesexternas são de taipa de pilão.Fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

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Figura 158 - Aspecto externo da casado feitor, com janela protegida portreliça de madeira, na face voltada aopátio dos escravos. Fazenda Engenhodas Palmeiras, Itapira. Foto: V.Benincasa.

A localização das senzalas, como naquelas fazendas doVale do Paraíba, permanece próxima ao casarão e à casa dofeitor, e as dimensões de algumas delas impressionam pelotamanho, ajudando a desmentir o “mito” do caráter liberale progressista do fazendeiro do “Oeste Paulista”. Basta verque essa região Central, em 1886, às vésperas da abolição,contava com 31.184 escravos, produzindo cerca de 30%do café paulista, enquanto o Vale do Paraíba possuía umnúmero inferior de mão-de-obra, 28.556 escravos36,respondendo por cerca de 20% da produção, ainda umaquantia bastante considerável.

Capelas

Os tradicionais espaços destinados ao culto religioso nãoforam esquecidos, no meio rural da região Central. Ascapelas isoladas começaram a surgir na paisagem dasfazendas de café principalmente na década de 1890, algunsanos após a extinção do trabalho escravo e quando a mão-de-obra se torna majoritariamente constituída porimigrantes. Até então, predominavam as capelas, ouoratórios, na parte interna dos casarões, à frente dos quais,pelas manhãs, o fazendeiro se postava antes da saída dosescravos para as roças, para responder ao pedido de bençãodos escravos: Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo! O

fazendeiro era, nesse instante do dia, o representante daIgreja Católica, e a capela na sua casa reforçava essa suacondição. Antes de mais nada, essa estrutura poderiarepresentar mais um meio de coerção sobre os escravos, oque, como já nos referimos anteriormente, é uma hipótese.

A proliferação das capelas externas responde a uma outranecessidade. Ela se torna um dispositivo controlador a mais,para fazer com que o colono se ausente o mínimo possívelda fazenda, mesmo aos finais de semana, tendo assim omenor contato possível com o atrativo ambiente urbano.Se antes o fazendeiro garantia o bom andamento da fazendaexercendo grande opressão sobre seus escravos, agora elenecessita fixar, a qualquer custo, as famílias imigrantes emsuas terras. A capela se presta, assim, a ser equipamentodestinado não à afirmação de poder do fazendeiro, mas,antes, a ter um papel agregador, onde os colonos têm fácilacesso para orar, fazer pedidos, pagar promessas, casar,batizar seus filhos, comemorar os dias santos, e festejar...

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36 COSTA, E. V. da. Op. cit., 1989, p. 235.

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São edificações de valor mais referencial, em geral não muitograndes, construídas quase sempre próximas ao conjuntocentral de edificações. Em nossos levantamentos pela região,encontramos alguns exemplares nas fazendas: Cana Verde eSerra, em Itu; Pereiras, em Itatiba; Vanguarda, em Amparo;Dona Carolina, em Bragança Paulista; e Ermida, em Jundiaí.

A atual capela da fazenda Pereiras foi construída em 1894,pelo seu então proprietário, o Coronel Lourenço AlvesCardoso, e substituiu uma outra, mais antiga e de menoresproporções, dedicada a Nossa Senhora dos Remédios. Dizemque os milagres ali acontecidos foram chamando tanto aatenção da população da região que, ainda no final do séculoXIX, no dia dedicado à santa, começou a tradição de sefazer romarias que, até hoje, saem de Itatiba, todo ano, emdireção à fazenda, onde missas e festejos acontecem. Elaestá edificada à meia encosta de uma colina e possuidimensões bastante grandes, devido à proporção que adevoção à Nossa Senhora dos Remédios tomou no local. Àsua frente, existe um pátio, tendo em uma de suas laterais a

residência da família mantenedora e uma venda. Umaescadaria conduz à colônia, situada logo abaixo. A capelapossui na fachada uma torre sineira, ao lado da empenacom frontão triangular, em que sobressaem as três janelasdo coro e a grande porta de entrada, cuja verga possui arcoabatido. Nos cunhais, a argamassa imita pilastras de gostodórico, encimadas por pináculos. Uma placa de mármorecom o nome do fazendeiro e a data de construção foi afixadana parte inferior da torre. Nas laterais, óculos em semi-círculos, colocados pouco abaixo das cimalhas junto ao beiraldo telhado, garantem a iluminação interna, e duas portas,uma em cada lateral, também dão acesso ao seu interior.Na parte interna, a nave apresenta o forro dito de gamela,acompanhando a estrutura do telhado. O coro é todo feitoem estrutura de madeira, acessado por uma estreitaescadaria em dois lances apoiados numa das paredes lateraise na da fachada. O altar ostenta talha delicada, com anjosencimando o nicho onde fica a bela imagem de NossaSenhora dos Remédios. Aos fundos, ficam a sacristia e umdepósito.

Figura 159 - Escadaria de acesso àcapela da fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.

Figura 160 - Aspecto externo dacapela, à direita, a casa domantenedor e venda. Faz. Pereiras,Itatiba. Foto: V. Benincasa.

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Figura 161 (acima, topo) - Detalhe datorre sineira. Fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.

Figura 162 (acima) - Fachada lateralda capela. Fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.

Figura 163 (acima, topo) - Fundos dacapela. Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto:V. Benincasa.

Figura 164 (acima) - Detalhe da placade mármore, assentada na base datorre sineira, com o nome dofazendeiro e a data de construção:1894. Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto:V. Benincasa.

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Figura 165 - Aspecto interno dacapela, vendo-se, ao fundo, o altar-mor. Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto:V. Benincasa.

Figura 166 - Aspecto interno dacapela, vendo-se, ao fundo, o coro.Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto: V.Benincasa.

Figura 167 - Pequeno oratório,dedicado a São Pedro, existente nointerior da capela, ao lado do altar.Fazenda Pereiras, Itatiba. Foto: V.Benincasa.

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Na fazenda Cana Verde, a capela também foi construídaem 1894, no mesmo patamar em que fica o casarão. Afachada, de gosto eclético, possui empena com frontão tri-angular marcado por cimalhas em todo o seu contorno, ecunhais marcados por imitações de pilastras dóricas. Umasegunda faixa de cimalhas quebra um pouco o vazio dogrande pano da fachada. A porta de entrada, centralizada,possui folhas almofadadas, e uma bandeira envidraçada,em arco pleno, protegida por delicado gradil de ferro, emque aparece o ano de construção. A bandeira é responsável,internamente, pela iluminação do coro, cujo piso estácolocado exatamente na sua altura. A porta de entrada érealçada por uma moldura ornamental, de argamassa, com

baixo-relevos intercalando de modo contínuo losangos ecírculos. Internamente, a planta é muito semelhante à dacapela da fazenda Pereiras: o coro, inteiramente em madeira,a nave única, e a sacristia e o depósito aos fundos; o forro,hoje já alterado, mas que, como podemos observar,originalmente era em gamela. Chamaram-nos a atenção asdelicadas pinturas decorativas florais das paredes laterais, eas que imitam azulejos, existentes na parede da parte pos-terior da capela, onde estão o altar-mor e os dois nichoslaterais. De efeito bastante interessante, também, é a espéciede baldaquino que coroa a imagem de Nossa Senhora doCarmo, apoiado em oito colunas entalhadas em madeira,que encima o altar-mor.

Figura 168 (à esquerda, topo) -Aspecto externo da capela NossaSenhora do Carmo. Fazenda CanaVerde, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 169 (à esquerda) - Fachada dacapela Nossa Senhora do Carmo.Fazenda Cana Verde, Itu. Foto: V.Benincasa.

Figura 170 (acima) - Detalhe da portade entrada, capela Nossa Senhora doCarmo, fazenda Cana Verde, Itu.Foto: V. Benincasa.

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Figura 172 (acima, topo) - Detalhe dofrontão da fachada, capela NossaSenhora do Carmo. Fazenda CanaVerde, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 173 (acima) - Detalhe depintura de parede lateral, interior dacapela Nossa Senhora do Carmo.Fazenda Cana Verde, Itu. Foto: V.Benincasa.

Figura 174 (acima, topo) - Aspectointerno, com altar ao fundo, capelaNossa Senhora do Carmo. FazendaCana Verde, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 175 (acima, centro) - Aspectointerno: coro. Capela Nossa Senhorado Carmo. Fazenda Cana Verde, Itu.Foto: V. Benincasa.

Figura 176 (acima) - Vista do coro eiluminação por bandeira da porta deentrada. Capela Nossa Senhora doCarmo. Fazenda Cana Verde, Itu.Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 183

A capela da fazenda Dona Carolina, de 1898, foi igualmenteconstruída em alvenaria de tijolos. Possui um desenho defachada um pouco mais elaborado, de gosto marcadamenteeclético. Apresenta a empena com frontão recortado, ornadopor florões, compoteiras, cimalhas e socos com detalhesem baixo-relevo, além de uma rosácea com vidros coloridos.A parte inferior da fachada é arrematada pelos cunhaisimitando pilastras coríntias, entre as quais aparecem a portacentral, ladeada de duas janelas, todas com vergas retas,encimadas por uma pestana contínua e realçadas pormoldura lisa. As janelas ostentam guilhotinas envidraçadasexternas e folhas almofadadas internas; folhas semelhantestambém aparecem na porta. Nas laterais, o beiral do telhadoem duas águas é forrado. A iluminação interna é completada

pela presença, em cada uma dessas paredes laterais, deuma janela, semelhantes às da fachada. Internamente, opiso é revestido de tijolos. A nave é separada da parte pos-terior da capela por uma pequena balaustrada de madeirae por um arco cruzeiro, além do qual se encontra o altar-mor, feito de peças de mármore de cores diferentes,encimado por um nicho incrustado na parede, dentro doqual foi pintada a imagem de Nossa Senhora da Conceição.A ornamentação é completada por pinturas representandoflorões, guirlandas e pombas dispostas ao lado do altar. Oforro sobre a nave acompanha as asnas das tesouras, estasficando aparentes. Após o arco cruzeiro, foi criada umaestrutura rebaixada, em arco, configurando o que seconvencionou chamar de forro de berço.

Figura 176 (acima) - Aspecto dafachada. Capela Nossa Senhora daConceição, fazenda Dona Carolina,Bragança Paulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 177 (à direita, topo) - Detalhedo frontão, com rosácea, crucifixo eornamentos. Capela Nossa Senhorada Conceição, fazenda Dona Carolina,Bragança Paulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 178 (à direita) - Detalhe de falsapilastra e frontão, com compo-teira.Capela Nossa Senhora da Conceição,fazenda Dona Carolina, BragançaPaulista. Foto: V. Benincasa.

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Figura 179 (acima) - Vista interna darosácea. Capela Nossa Senhora daConceição, fazenda Dona Carolina,Bragança Paulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 180 (à direita, topo) - Vista danave, com arco cruzeiro e altar aofundo. Capela Nossa Senhora daConceição, fazenda Dona Carolina,Bragança Paulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 181 (à direita) - Altar eornamentação pictórica. Capela NossaSenhora da Conceição, fazenda DonaCarolina, Bragança Paulista. Foto: V.Benincasa.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 185

Encontramos capelas mais singelas nas fazendas Vanguarda,em Amparo, de 1917, e na fazenda Serra, em Itu, de 1925,ambas construídas em alvenaria de tijolos. A primeira é umapequena edificação com empena apresentando o tradicionalfrontão triangular, encimado por uma sineira vazada e ocrucifixo. Cimalhas muito simples, além de pilastras noscunhais, e dois nichos, hoje vazios, ladeando a porta cen-tral, com bandeira envidraçada em arco pleno, compõem afachada. Alguns detalhes merecem destaque: a bandeirada porta central possui graciosos caixilhos de madeira,decorados com pequenos leques entalhados, além derecortes formando desenhos simples, destinados talvez àventilação. São pequenos cuidados que fazem com que oedifício, à primeira vista muito simples, adquira um valorúnico e nos convide a um exame mais acurado. Nas laterais,

um conjunto de três aberturas circulares garante ailuminação interna. O piso é feito com ladrilho hidráulico,mosaico como diziam antigamente, nas cores cinza evermelho. A estrutura de forro utilizada é a dita “abóbadade berço”. Não há divisões internas, tudo é muito simples.O altar, feito em alvenaria, possui três nichos, um maiorcentral e dois laterais, menores, tudo encimado por umapestana saliente. O resultado conseguido, no entanto émuito agradável e convidativo a uma pausa para ummomento de interiorização, efeito talvez ampliado pelalocalização da capela nos fundos do pomar, longe doburburinho do núcleo central da fazenda, em meio a velhasárvores e a um falso silêncio recheado de farfalhar de galhose cantos de pássaros.

Figura 182 (abaixo) - Fachada dacapela da fazenda Vanguarda,Amparo. Foto: V. Benincasa.

Figura 183 (à direita) - Detalhe dabandeira da porta de entrada, capelada fazenda Vanguarda, Amparo.Foto: V. Benincasa.

Figura 184 (à direita, embaixo) - Facelateral, capela da fazenda Vanguarda,Amparo. Foto: V. Benincasa.

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Figura 185 - Altar, capela da fazendaVanguarda, Amparo. Foto: V.Benincasa.

Figura 186 - Detalhe do piso emmosaico, feito com ladrilho hidráulico,capela da fazenda Vanguarda,Amparo. Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 187

Na fazenda da Serra, em Itu, a pequena capela encontra-senuma elevação natural do movimentado relevo aí existente.Volta-se para o casarão, situado pouco abaixo. Construídaem 1925, segundo data indicada na fachada, suasdimensões são bem acanhadas, mais até do queo exemplo anterior. Mesmo assim, foi o único exemplar emque encontramos uma abside, aos fundos, acolhendoo altar-mor. O aspecto geral é muito singelo, semornamentações dignas de destaque: cunhais e cimalhasna fachada arrematada pelo crucifixo. Internamente, damesma forma, não há divisões. A ornamentação resume-se a uma pintura estrelada da meia abóbada sobre aabside.

Figura 187 (à esquerda, topo) -Fachada da capela, fazenda da Serra,Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 188 (à esquerda) - Fundos dacapela, vendo-se a abside. Fazenda daSerra, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 189 (acima, topo) - Aspectointerno, capela da fazenda da Serra,Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 190 (acima) - Detalhe do altar,com oratório devotado a São Roque,capela da fazenda da Serra, Itu. Foto:V. Benincasa.

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Um último exemplar, da primeira metade do século XX,encontramos na fazenda Ermida, em Jundiaí. O próprionome da fazenda sugere ter havido exemplar mais antigoque esse, em tempos remotos. A fachada apresenta desenholigado à corrente neocolonial, com frontão de linhasestilizadas, inspiradas nas missões espanholas, e elementosornamentais que foram freqüentes nesse estiloarquitetônico, como os quadrifólios, azulejos, volutas epináculos. Infelizmente não pudemos entrar nessaedificação.

Figura 191 - Fachada neocolonial dacapela da fazenda Ermida, Jundiaí.Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 189

Casarão e entorno

Na região Central encontramos casarões de variadascorrentes arquitetônicas. Isso se deve ao fato de que seupovoamento se deu primeiramente por paulistas, ainda noséculo XVII e, durante o século XVIII, sobretudo após adecadência da mineração, pela vinda de mineiros, quetrouxeram seu modo de construir. Décadas mais tarde, jáno século XIX, com o advento da cafeicultura, muitosfazendeiros do Vale do Paraíba, tanto de sua porção paulista,quanto da fluminense, adquiriram fazendas nessa região.Além disso, como solução para o problema da escassez demão-de-obra para o trabalho nos cafezais, ocorreu a vindamaciça de imigrantes do sul da Europa, dentre elestrabalhadores da construção civil, conhecedores de umaarquitetura carregada de elementos classicistas. Todos estesfatores contribuíram para a diversidade de tendências quese pode observar ali, onde ainda são encontrados casarõesque conservam uma arquitetura mais tradicional, sem a

presença do alpendre frontal e com poucos elementosdecorativos na fachada, ou mesmo casas de tradiçãobandeirista, como as sedes das fazendas Vassoural, Capoava,Campos Neto, a Chácara do Rosário, entre outras, em Itu,todas essas construídas em meados do século XVIII, que setratam, evidentemente, de edificações do início do ciclo doaçúcar; mesmo assim, durante o período cafeeiro, várias delaspassaram por reformas que lhes alteraram o caráter austero.

Caso significativo é o do casarão da fazenda Vassoural:às velhas paredes de taipa de pilão foram acrescentadoselementos ornamentais ligados ao classicismo, comoas falsas pilastras dóricas, nos cunhais e as pestanas salientessobre as janelas; ou elementos consagrados pelo higienismodo século XIX, como a adaptação de folhas venezianas naparte externa das janelas. Ou, ainda, a inclusão de falsasjanelas, com guilhotinas diferenciadas, feitas de argamassaem alto-relevo, para compor melhor o novo desenho defachada.

Figura 192 - Casarão da fazendaCapoava, Itu. Acervo do MuseuRepublicano “Convenção de Itu”.

Figura 193 - Casarão da fazenda Cam-pos Neto, Itu. Acervo do MuseuRepublicano “Convenção de Itu”.

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Figura 194 (à esquerda, topo) -Casarão da fazenda Vassoural, Itu.Foto: V. Benincasa.

Figura 195 (à esquerda) - Detalhes defachada, decorrentes de reformaocorrida durante o período depredomínio do ecletismo. Observar asfalsas janelas. Casarão da fazendaVassoural, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 196 (acima) - Pilastra de cunhal.Casarão da fazenda Vassoural, Itu.Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 191

O casarão do período de predomínio da lavoura cafeeira,por sua vez, vai apresentar, nessa região, uma mistura deelementos da tradição paulista e mineira, com certorefinamento trazido da arquitetura neoclássica. Isso só foipossível devido aos bons resultados econômicos obtidosanteriormente, pela lavoura canavieira. Os casarões deengenhos da primeira metade do século XIX já haviamadquirido um padrão de construção mais elaborado que ascasas rurais paulistas do século anterior, inclusive com aincorporação do anexo de serviços ao corpo principal,mudanças significativas introduzidas pelos mineiros, queincorporadas à tradição paulista, acabaram por gerar umacasa rural de grande aceitação durante o período de vigênciada cafeicultura. É, basicamente, a mesma planta queobservamos nos casarões das fazendas do Vale do Paraíba,em que podemos distinguir três faixas de cômodos: afronteira de salas, a intermediária de alcovas e dormitórios,a terceira composta pela sala de jantar e outros dormitórios;tendo, ao fundo, o anexo com as dependências de serviços.Um outro tipo de planta residencial surgiu em meados doséculo XIX, no município de Campinas, em que o corpoprincipal da edificação recebe dois anexos mais estreitos,um em cada lateral, contendo, num lado, a zona de serviçose, no outro, dormitórios e capela. O efeito conseguido émuito bom, destacando-se o corpo principal do restante daedificação, reforçando o seu caráter monumental. Segundo

Lemos, a mais antiga edificação a usar essa solução foi ocasarão da fazenda Santa Maria, situada no alto da serradas Cabras, e sede de uma das maiores fazendas cafeeirasde Campinas. Sua edificação data, provavelmente, da décadade 1840, executada a mando de Antônio Manuel Teixeira,que já havia sido proprietário e construtor do casarão doEngenho Salto Grande, em Americana. Lemos afirma que ocasarão da Santa Maria:

Já pode ser considerada uma construção do café,geratriz de outras, vindas com o progresso descomunalque o chamado ouro verde assumiu naquelas terras deexcepcional produtividade. Ostenta um alpendre quenão sabemos se era pertencente ao projeto original,pois há poucas notícias de acréscimos daqueladependência em velhas construções, acréscimos carosporque implicavam refazimento do telhado primitivo,já que os prolongos mineiros estavam completamentefora de moda. Em todo caso, sua planta, de tamanhodescomunal, não tem compromissos com soluçõesanteriores, tanto mineiras como paulistas.37

Figura 197 - Planta do casarão dafazenda Santa Maria, Campinas. Olevantamento foi feito quando aindaexistia a capela e o alpendre poste-rior havia sido fechado, constituindoum novo cômodo. Atualmente, oalpendre foi recons-tituído, porém acapela já não existe. Desenho: M.Rosada, baseado em levantamento deC. M. M. Pupo. Fonte: Lemos, C. A.C. Casa Paulista. São Paulo: Edusp,1999, p. 215.

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37 LEMOS, C. A. C. Op. cit., 1999, p. 215.

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Esse casarão da Santa Maria, de dimensões monumentais,foi construído em declive acentuado, e para acomodá-lousou-se a tradicional solução mineira de corte do terreno,seguro por muro de arrimo de pedra longitudinal à planta.Dessa maneira, a parte posterior da edificação foi assentadasobre a plataforma superior, possuindo um único pavimento,e a anterior ganhou o espaço sobrado do desnível que sedá entre essas duas plataformas, adquirindo então aconfiguração assobradada. No pavimento inferior estão oscômodos destinados, originalmente, à acomodação dehóspedes, além da guarda de mantimentos, tralhas demontaria, ferramentas, ou mesmo realização de algunsserviços, como foi comum naquelas épocas.

O acesso ao pavimento superior se dá por uma escada,apoiada na parede da fachada que alcança o alpendre. Essealpendre chama a atenção por suas dimensõesextremamente generosas. Dele, adentra-se a edificação pelagrande porta central, com suas folhas duplas almofadadas,encimada por bandeira envidraçada em arco pleno. Todasas outras aberturas da edificação, portas e janelas, possuemum desenho mais tradicional, com vergas retas e folhas comconsoeiras lisas consolidadas por travessas internas. Asjanelas do pavimento superior possuem, em sua parteexterna, as características guilhotinas envidraçadas; as dopavimento inferior, por sua vez, ostentam o gradeamentomuito utilizado à época, de madeira. Não há nenhum tipode ornamentação nas fachadas, exceto o lambrequimsituado nas vigas de sustentação do alpendre, entre asgrossas pilastras. O desenho é limpo, a harmonia sendoconseguida através dos cheios e vazios de vãos e panos deparede, seguindo os padrões de proporção muito usadosnas construções do século XIX.

Figura 198 - Aspecto parcial dafachada do casarão da fazenda SantaMaria, Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 199 - Vista parcial do casarãoda fazenda Santa Maria, vendo-se ocorpo destacado, com alpendrefronteiro e o corpo posterior,Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 200 - Aspecto do espaçoresultante sob o alpendre frontal.Casarão da fazenda Santa Maria,Campinas. Foto: V. Benincasa.

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Figura 201 (à esquerda, topo) -Detalhe das pilastras de sustentaçãodo piso do alpendre frontal. Casarãoda fazenda Santa Maria, Campinas.Foto: V. Benincasa.

Figura 202 (à esquerda) - Detalhe doforro, do pilar de madeira e dabalaustrada do alpendre frontal.Casarão da fazenda Santa Maria,Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 203 (acima, topo) - Aspectointerno do alpendre frontal e daescadaria de acesso. Casarão dafazenda Santa Maria, Campinas. Foto:V. Benincasa.

Figura 204 (acima) - Aspecto dafachada posterior, já sem a capela.Casarão da fazenda Santa Maria,Campinas. Foto: V. Benincasa.

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Figura 205 - O alpendre posteriorreconstituído. Casarão da fazendaSanta Maria, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 206 - Aspecto do porão.As janelas internas gradeadas deviamser a cômodos destinados à guardade alimentos, como o sal, ou mesmoa objetos de valor, como as tralhasde montaria, armas, munição, etc.Casarão da fazenda Santa Maria,Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 207- Outro aspecto do porão,onde podemos observar as grossasparedes de taipa de pilão. Ogradeamento das janelas externas, notérreo e área de serviços, foi freqüenteem casa de fazendas paulistas, atéadiantado o século XIX. Casarão dafazenda Santa Maria, Campinas. Foto:V. Benincasa.

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Cruzada a porta de entrada, encontramos novamente astrês salas de frente, seguidas de dez alcovas. Logo depois,ocupando toda a largura desse corpo principal, aparece avasta sala de jantar, com cerca de dezessete metros decomprimento. À direita dessa sala, fica uma ala contendooutros dormitórios e o anexo de serviços, que se prolongaaos fundos da construção. No outro lado, à esquerda, novaala, percorrida na parte posterior por um corredor, que passapor três dormitórios e conduzia à capela. Assim como oanexo de serviços, a capela também se prolongava para osfundos da construção, configurando um pátio posterior,parcialmente fechado. Segundo Mello Pupo, era uma daspoucas casas rurais que possuiu capela conjugada na regiãode Campinas.38 Infelizmente, o casarão passou algumasdécadas abandonado, e a capela, construída em taipa demão, acabou ruindo.

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38 PUPO, C. M. de M. Op. cit., 1983, p. 160.

Figura 208 (abaixo) - Aspecto dovestíbulo, com as portas combandeiras envidraçadas bipartidas.Casarão da fazenda Santa Maria,Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 209 (à direita, topo) - Corredorque fazia a ligação entre a sala dejantar e a capela. Casarão da fazendaSanta Maria, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 210 (à direita, centro) - Agrande sala de jantar, com as váriasportas de alcovas e dormitórios e docorredor que faz a ligação entre essecômodo e o vestíbulo. Casarão dafazenda Santa Maria, Campinas. Foto:V. Benincasa.

Figura 211 (à direita, embaixo) -Detalhe do forro da sala de jantar: saiae camisa, arrematado por alisar.Casarão da fazenda Santa Maria,Campinas. Foto: V. Benincasa.

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Internamente, não há, ou não restou, nenhum tipo deornamentação original, se é que existiram, como pinturasparietais, por exemplo. O piso é assoalhado, feito com largastábuas, e o forro utilizado é o do tipo saia e camisa, que nosprincipais cômodos ostenta o acabamento do alizar. Asportas possuem folhas duplas, lisas, e ostentam bandeirasenvidraçadas bipartidas. Todas as pinturas decorativas queexistem na atualidade foram feitas durante as obras de restauropor que passou o casarão nos últimos anos.

A técnica construtiva empregada nesse casarão da fazendaSanta Maria foi a taipa de pilão nas paredes do porão, sobreembasamento de pedra. No pavimento superior, preferiu-se a taipa de mão, mais leve. No entanto, aqui, a estruturade madeira foi escondida sob a argamassa, tanto interna,quanto externamente. Essa mescla de técnicas utilizadas

reflete a grande presença de mineiros numa região que,até o final do século XVIII, era ocupada maciçamente porpaulistas, quando a tradição do emprego da taipa de pilãoera muito forte. Passados mais de meio século de convivênciaentre os dois povos, as técnicas construtivas foram seadequando uma à outra, sendo ambas muito utilizadas,quase sempre numa mesma edificação.

Muito semelhante à tipologia desse casarão, talvez atéinfluenciado por ele, é a casa da fazenda Sete Quedas, tambémem Campinas. Construção provavelmente da década de 1870,foi mandada edificar pelo Visconde de Indaiatuba, o sr.Joaquim Bonifácio do Amaral. Segundo Mello Pupo:

(...) o palácio de Sete Quedas, de taipa nas paredesexternas e de pau-a-pique nas internas, e que tem, na

Figura 212 - Casarão da fazenda SeteQuedas, Campinas. Desenho de Joséde Castro Mendes. Fonte: Mendes, J.E. T. Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 213 - Planta do pavimento su-perior do casarão da fazenda SeteQuedas, Campinas, construída porvolta de 1875. Desenho: M. Rosada,baseado em levantamento de C. M.M. Pupo. Fonte: Lemos, C. A. C. CasaPaulista. São Paulo: Edusp, 1999,p. 214.

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sua porta principal, as letras iniciais do nome doproprietário, Joaquim Bonifácio do Amaral, mais tardeBarão e Visconde de Indaiatuba. Construção suntuosa,de vastas proporções, tinha, como de hábito, o pisotérreo destinado a serviços e depósitos, e a residênciada família no segundo piso. O prédio, evitando alcovasou reduzindo-as a duas pequeninas, se estendetransversalmente, o que lhe dá ares de maior ampli-tude, elevando-o de categoria. Está conservado com olindo parque fronteiro.

Infelizmente, não tivemos a oportunidade de visitá-lo, masobservando algumas fotos e ilustrações, verificamos que setrata de exemplar já bastante influenciado pelas normas deuma arquitetura classicizante: uma simetria rígida, portasdo pavimento inferior com arco pleno, uso de pestanas sobreas janelas, falsas pilastras, cimalhas e bandeiras com pináziosdecorativos nas bandeiras das sete portas-balcão, do corpocentral. Todos esses elementos decorativos, aliados a umarigorosa composição e harmonia de proporções, garantem aesse casarão um alto grau de beleza.

Essa tipologia, no entanto, parece não ter tido uma grandedifusão. Na região Central, assim como no Vale do Paraíba,predominaram os casarões de volumetria mais compacta,com planta em “L”, cobertos com telhas capa e canal. Nasfazendas mais antigas, em geral, nem o alpendre frontalexistiu, embora fosse um elemento comum nas casas defazendas mineiras, cobertos com telhado de prolongo ousob a cobertura da edificação. Nesse aspecto, essas velhascasas seguiram a tradição da arquitetura paulista, em que oalpendre era um elemento pouco usado.

Figura 214 - Aspecto do casarão dafazenda Palmeiras, Campinas,construção térrea, de fachada simples,porém simétrica. À direita, a senzala.Desenho de José de Castro Mendes.Fonte: Mendes, J. E. T. LavouraCafeeira Paulista (Velhas Fazendas domunicípio de Campinas). São Paulo:Departamento Estadual deInformações, 1947.

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Figura 215 (à esquerda, topo) - Vistado casarão térreo da fazenda do Ma-jor Antônio Augusto da Fonseca,Itatiba. Fonte: AMARAL, Amadeu, etalli. Almanach de Itatiba 1916. Itatiba:Typographia d’A Reacção, 1916.

Figura 216 (à esquerda, centro) -Vista do casarão da fazenda SãoJoaquim, Itatiba. Foto: V. Benincasa.

Figura 217 (à esquerda) - Vista da lat-eral do casarão da fazenda SãoJoaquim, Itatiba. Aqui pode ser vistaparte da alvenaria de taipa de pilão,onde a argamassa caiu. Foto: V.Benincasa.

Figura 218 (acima) - Detalhe doscunhais e guarda-pó dos beirais,casarão da fazenda São Joaquim,Itatiba. Foto: V. Benincasa.

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São casas assentadas no terreno de maneira a aproveitar odesnível, prevalecendo a solução mineira de implantação.Talvez um dos poucos exemplares que fogem a essa regraseja o casarão da fazenda Cana Verde, em Itu, localidadede forte tradição arquitetônica paulista, na qual as casasrurais eram construídas em um único pavimento, emterraplenos que corrigiam o desnível: assim foi construídaessa casa, sobre porão baixo, em 1881, por Francisco CorrêaLeite. A técnica construtiva, porém, foi a taipa de mão, comembasamento de pedra.

Figura 219 (à esquerda, topo) -Casarão da faz. Cana Verde, Itu.Originalmente, o alpendre fronteironão existia. Foto: V. Benincasa.

Figura 220 (à esquerda, abaixo) -Bandeira da porta de entrada, com adata de construção e as iniciais doentão proprietário: FCL-1881.Casarão da faz. Cana Verde, Itu. Foto:V. Benincasa.

Figura 221 (acima, topo) - Aspecto dasala de jantar, que foi conservada semforro, como era originalmente.Casarão da fazenda Cana Verde, Itu.Foto: V. Benincasa.

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Figura 222 (acima, topo) - Outro aspectoda sala de jantar. Casarão da fazendaCana Verde, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 223 (acima, centro) - Vista dasucessão de portas entre os cômodosda faixa fronteira, a partir da sala dejantar, a seguir o vestíbulo, e outra salaao fundo. O curioso, nessa edificação,é a sala de jantar tomar toda a largurado corpo principal da edificação, tendojanelas voltadas tanto para a fachada,quanto para os fundos. Uma soluçãoincomum, talvez resquícios da sala dacasa bandeirista, que se voltava para osalpendres fronteiro e posterior. Fazen-daCana Verde, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 224 (à direita, topo) - Fachadado casarão da fazenda Dona Carolina,Bragança Paulista, observar a simetria,das aberturas do pavimento superior.Foto: V. Benincasa.

Figura 225 (à direita, ao centro) - Janelada fachada lateral, vista do interior.Casarão da fazenda Dona Carolina,Bragança Paulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 226 (à direita, inferior) -Detalhe da bandeira de janela dafachada principal. Casarão da fazendaDona Carolina, Bragança Paulista.Foto: V. Benincasa.

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Figura 227 (acima) - Detalhe dafachada do casarão da fazenda DonaCarolina, Bragança Paulista, comporta central com bandeira protegidapor gradil de ferro, ladeada por janelascom guilhotinas externas. Foto: V.Benincasa.

Figura 228 (à direita, topo) - Detalheda bandeira da porta principal, comdata de construção: 1872. FazendaDona Carolina, Bragança Paulista.Foto: V. Benincasa.

Figura 229 (à direita, centro) - Vistalateral do casarão da fazenda DonaCarolina, Bragança Paulista, com obelo jardim de canteiros sinuosos efontes. Foto: V. Benincasa.

Figura 230 (à direita) - Vista do muroe gradil de proteção dos jardins, nalateral da fachada do casarão dafazenda Dona Carolina, BragançaPaulista. Foto: V. Benincasa.

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Figura 231 (acima, topo) - Detalhe dabandeira de porta da sala de visitas.Casarão da fazenda Dona Carolina,Bragança Paulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 232 (acima) - Sala de visitas,casarão da fazenda Dona Carolina,Bragança Paulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 233 (à direita, topo) - Detalhedo forro da sala de visitas do casarãoda fazenda Dona Carolina, BragançaPaulista. Foto: V. Benincasa.

Figura 234 (à direita) - Corredor cen-tral que leva da porta de entrada àsala de jantar, passando por salas edormitórios. Casarão da fazendaDona Carolina, Bragança Paulista.Foto: V. Benincasa.

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No desenho de fachada, já se podem perceber característicasque refletem uma ampla aceitação de alguns dosensinamentos do neoclassicismo, introduzido no Brasil emprincípios do século XIX. Nelas predominou o rigor dasimetria, tendo no eixo a porta de entrada, quase sempreencimada por bandeira em arco pleno, envidraçada eprotegida por gradil de ferro forjado, ladeada por janelas.A caixilharia, por vezes, apresenta desenhos bastanteelaborados, com a utilização de vidros coloridos nasbandeiras, e ostentando invariavelmente as folhasenvidraçadas na parte externa, como por exemplo, as do

casarão da fazenda Engenho das Palmeiras, em Itapira, eFazenda Floresta, em Itu, e Dona Carolina, em BragançaPaulista, que são alguns dos exemplares mais sofisticadosda região. Curiosas pela simplicidade e pelo inusitado dodesenho resultante, são as janelas do casarão da fazendaVanguarda, em Amparo, sobre as quais foram aplicadostímpanos triangulares de madeira, formando uma espéciede falsa bandeira, num provável desejo de criar uma soluçãoformal um pouco diferenciada. Esse pequeno detalhe acabapor lhe conferir um aspecto singular entre os casarões daregião.

Figura 235 - Fachada do casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Notar o gracioso desenho dospinázios de janelas, o gradil dabandeira e o entalhe nos batentes daporta principal. Foto: V. Benincasa.

Figura 236 - Planta do casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Levantamento: V. Benincasae M. Rosada. Desenho: M. Rosada.

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Figura 237 (acima, topo) - Aspecto dafachada do casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 238 (acima) - Detalhe de falsapilastra aplicada à taipa de pilão. Notara pintura, e os dentículos. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 239 (acima, topo) - Aspecto dafachada lateral do casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Alémdo muro fica o jardim fronteiro,aquém, o pomar. Foto: V. Benincasa.

Figura 240 (acima) - Aspecto dafachada posterior do casarão. Aosfundos o anexo de serviços. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Figura 241 (à esquerda, topo) -Aspecto da fachada lateral do casarão.Fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 242 (à esquerda) - Aspecto dafachada do anexo de serviços, voltadapara o pomar. Fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 243 (acima, topo) - Aspecto doforro do vestíbulo, decorado compinturas. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 244 (acima) - Vestíbulo, comparedes e folhas de portas ricamentedecoradas com pinturas. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

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Figura 247 (acima, topo) - Porta dedormitório e alcova voltados para asala de visitas. Notar a bela decoraçãodas folhas e batentes das portas, oespelho de cristal. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 248 (acima) - Detalhe dapintura de parede, imitando papel, nasala de visitas. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 245 (acima, topo) - Sala devisitas, com paredes, assoalho, forroe folhas de portas e janelas decoradascom pinturas. Guarda ainda parte domobiliário original. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 246 (acima) - Canto da sala devisitas, com o velho piano. Observaras folhas de janela decoradas. Casarãoda fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

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Figura 249 (acima) - Detalhe dequadro a óleo, retratando a fazendaem 1900, de autoria de Guido Ducci.Faz parte da decoração da sala devisitas. Casarão da fazenda Engenhodas Palmeiras, Itapira. Foto: V.Benincasa.

Figura 250 (à direita, topo) - Lustreda sala de visitas. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 251 (à direita, centro) - Vistaparcial do forro da sala de visitas, compintura decorativa simulando umgradil, através do qual se vê algunsgalhos de árvores e a abóbada celeste.Casarão da fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 252 (à direita) - Outro aspectodo forro da mesma sala. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

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Figura 253 (acima) - Detalhe do forrodecorado da sala de visitas. FazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 254 (à direita, topo) - Saleta,situada entre o vestíbulo e o escritório.As paredes são forradas com papelimportado. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 255 (à direita) - Forrodecorativo da mesma saleta, com obelo lustre. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Figura 256 (acima, topo) - Escritório,hoje utilizado como dormitório.Fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 257 (acima) - Piso assoalhadodo escritório, onde foi aplicado umverniz, criando uma camadadecorativa. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 258 (acima, topo) - Detalhe dopiso do escritório. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 259 (acima) - Detalhe depintura trompe l’oeil sobre a porta deentrada do escritório. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

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Figura 260 (à esquerda, topo) -Detalhe de pintura do escritório,simbolizando a justiça. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 261 (à esquerda) - Outrapintura do mesmo escritório. Casarãoda fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 262 (acima) - Gomil existenteno escritório. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Figura 263 (à esquerda, topo) - Forrodecorativo do escritório, com o belolustre. O medalhão central foi pintadoem tela, na França, e aplicado sobreo forro. Casarão da fazenda Engenhodas Palmeiras, Itapira. Foto: V.Benincasa.

Figura 264 (à esquerda, centro) -Detalhe do forro decorativo doescritório. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 265 (à esquerda) - Medalhãocentral do forro do escritório. Casarãoda fazenda Engenhodas Palmeiras, Itapira. Foto: V.Benincasa.

Figura 266 (acima) - Forro e paredesde alcova junto à sala de visitas.Casarão da fazenda Engenhodas Palmeiras, Itapira. Foto: V.Benincasa.

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Figura 267 (acima, topo) - Arandela agás de acetileno. Dormitório voltadopara a sala de visitas, casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 268 (acima) - Arandela que agás de acetileno, situada no corredorcentral do casarão, que une o vestíbuloà sala de jantar. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 269 (à direita, topo) - Detalhedo forro e arcos no corredor central.Casarão da fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 270 (à direita, centro) - Detalhede arcos do corredor central, vistosda sala de jantar. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 271 (à direita) - Corredor cen-tral, com paredes revestidas porpintura imitando mármores, com falsatela, pintada diretamente na parede.Casarão da fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

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CAPÍTULO 3 - RUMO AO OESTE PAULISTA: O QUADRILÁTERO DO AÇÚCAR SE RENDE AOS CAFEZAIS... 213

Figura 272 (acima) - Corredor central,visto da sala de jantar. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 273 (abaixo) - Aspecto geralda sala de jantar. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 274 (acima) - Detalhe da salade jantar, com portas de alcovas.Notar a decoração pictórica nasparedes e portas. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Figura 277 (abaixo, à esquerda) -Detalhe de decoração pictórica na salade jantar. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 278 (abaixo, centro) - Outrodetalhe de decoração pictórica na salade jantar. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 279 (abaixo, à direita) - Ganchode parede, numa das portas de alcovaque se abrem para a sala de jantar.Casarão da fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 275 (acima) - Lavabo da salade jantar. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 276 (acima, à direita) - Outroaspecto da sala de jantar. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

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Figura 280 (à esquerda, topo) -Aspecto de dormitório voltado aosfundos do casarão,. situado naextremidade da sala de jantar Casarãoda fazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 281 (à esquerda, centro) -Arandela a gás de acetileno, situadaem dormitório voltado para o pátiolateral. Casarão da fazenda Engenhodas Palmeiras, Itapira. Foto: V.Benincasa.

Figura 282 (à esquerda, embaixo) -Detalhe de decoração pictórica domesmo dormitório. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 283 (acima) - Outro detalhe dedecoração pictórica do mesmodormitório. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Figura 284 (à esquerda, topo) -Dormitório situado na face voltadapara o pátio lateral. Casarão dafazenda Engenho das Palmeiras,Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 285 (à esquerda, centro) -Outro aspecto do dormitório anterior.A pintura das paredes impressionapela riqueza e delicadeza de detalhes.Casarão da fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 286 (à esquerda)- Detalhe defechadura e maçaneta da porta vistana foto anterior. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 287 (acima) - Detalhe do lus-tre do mesmo dormitório, quefuncionava a gás de acetileno.Casarão da fazenda Engenho dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

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Figura 290 (acima, topo) - Aspecto dacozinha. Casarão da fazenda Engenhodas Palmeiras, Itapira. Foto: V.Benincasa.

Figura 291 (acima) - Pote de água.Cozinha do casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

Figura 288 (acima, topo) - Decoraçãopictórica do forro do dormitório dasfotos anteriores: um belíssimorendilhado. Casarão da faz. Eng. dasPalmeiras, Itapira. Foto: V. Benincasa.

Figura 289 (acima) - Detalhe dedecoração pictórica de alcova voltadapara a sala de jantar. Notar a taipa demão aparecendo. Casarão da fazendaEngenho das Palmeiras, Itapira. Foto:V. Benincasa.

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Outros elementos que se popularizaram no século XIX,através da difusão do neoclassicismo, aparecem comfreqüência, como as falsas pilastras marcando os cunhais;as pestanas sobre janelas; a presença de porão, mesmo naspartes em que a edificação se apresenta com um únicopavimento, com as tradicionais gateiras, para a ventilação eproteção do piso assoalhado; além de cimalhas de alvenariaou de madeira, junto aos beirais.

A simplicidade de algumas fachadas por vezes era quebradapela presença de uma escadaria à frente da porta central,proporcionando uma diferenciação na monotonia de suasfachadas. Digna de menção é a escadaria de pedra lavradade desenho bastante requintado, com degrausesparramando-se em três direções, da casa do Engenho dasPalmeiras. Certamente um exemplo raro na região Central,pois a maioria possui desenhos mais simples, com um ou

dois lances de degraus paralelos à fachada. Somente aofinal do século XIX, com a difusão da corrente eclética, éque desenhos mais elaborados surgiriam.

A partir da década de 1870, tornaram-se mais comuns ascasas alpendradas nessa região. Alpendres quase semprecom função puramente ornamental, sem o objetivo deproteger as paredes da insolação, proporcionando umambiente mais agradável no interior. Também nãoconfiguram um local abrigado de intempéries, pela sua altacobertura. Ostentam colunas ou pilares bem torneados, emmadeira, belos guarda-corpos, e são apoiados em pilastrasou colunas de alvenaria de tijolo ou pedra, de gosto clássico.Em geral são estreitos, pouco convidativos a uma longapermanência; podemos dizer que são, antes de qualquercoisa, postos de observação.

Figura 292 - Fachada do casarão dafazenda Vanguarda, Amparo. Foto: V.Benincasa.

Figura 293 - Planta do casarão dafazenda Vanguarda, Amparo.Desenho de C. Corsi, baseado emlevantamento dos arquitetos A. L. Diasde Andrade e Luís Alberto, de 1973,pertencentes ao acervo doCondephaat.

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Figura 294 (acima, topo) - Vista dopátio de serviços, aos fundos docasarão da fazenda Vanguarda,Amparo. Foto: V. Benincasa.

Figura 295 (acima) - Fachada lateraldo casarão, com janelas gradeadas nopavimento inferior e com aplicação detímpanos triangulares sobre asaberturas do pavimento superior.Fazenda Vanguarda, Amparo. Foto: V.Benincasa.

Figura 296 (à direita, centro) - Detalheda fachada do casarão da fazendaVanguarda, Amparo. Foto: V.Benincasa.

Figura 297 (à direita) - Aspecto da salade jantar, vendo-se o armárioembutido e um pequeno oratório,também embutido, casarão dafazenda Vanguarda, Amparo. Foto: V.Benincasa.

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Figura 298 - Fachada do casarão dafazenda São Sebastião, Amparo. É umbelo exemplar de casarão alpendrado.Construído na década de 1880. Foto:V. Benincasa.

Figura 299 - Planta do casarão dafazenda São Sebastião, Amparo.Desenho de C. Corsi, baseado emlevantamento dos arquitetos A. L. Diasde Andrade e Luís Alberto, de 1973,pertencentes ao acervo doCondephaat.

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Figura 300 (à esquerda, topo) - Vistada lateral do casarão da fazenda SãoSebastião, Amparo. Foto: V.Benincasa.

Figura 301 (à esquerda) - Corredorfrontal sob o alpendre. Casarão dafazenda São Sebastião, Amparo. Foto:V. Benincasa.

Figura 302 (acima, topo) - Escadariade acesso ao alpendre. Casarão dafazenda São Sebastião, Amparo. Foto:V. Benincasa.

Figura 303 (acima) - Detalhe debandeira de porta de entrada aopavimento inferior. Casarão dafazenda São Sebastião, Amparo. Foto:V. Benincasa.

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Figura 304 (acima, topo) - Interior doporão. Casarão da fazenda SãoSebastião, Amparo. Foto: V.Benincasa.

Figura 305 (acima) - Casarão dafazenda Ermida, Jundiaí, no início doséculo XX. Casa não alpendrada comacesso ao pavimento principal porescadaria existente no piso inferior.Acervo da Fazenda Ermida.

Figura 306 (acima, topo) - Aspectoatual da face posterior do casarão dafaz. Ermida, Jundiaí. Assentada sobreo desnível do terreno, a fachada dosfundos tem o aspecto de edificaçãotérrea. Foto: V. Benincasa.

Figura 307 (acima, centro) - Aspectoatual da fachada do casarão, fazendaErmida, Jundiaí. Foto: V. Benincasa.

Figura 308 (acima) - Casarão dafazenda Pereiras, Itatiba. Foto: V.Benincasa.

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Figura 309 (acima, topo) - Detalhe deporta de acesso ao pavimento infe-rior. Casarão da fazenda Pereiras,Itatiba. Foto: V. Benincasa.

Figura 310 (acima) - Detalhe deguarda-corpo da escadaria frontal,com as iniciais de antigo proprietário:Lourenço Alves Cardoso. Casarão dafazenda Pereiras, Itatiba. Foto: V.Benincasa.

Figura 311 (à direita, topo) - Detalhede bandeira da porta principal.Casarão da fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.

Figura 312 (à direita, centro) - Vistados fundos do casarão da fazendaPereiras, Itatiba, que adotou atradicional planta em “L”. Foto: V.Benincasa.

Figura 313 (à direita) - Porta de acessoao jardim “espanhol”, na lateral docasarão da fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.

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Figura 316 (acima, topo) - Aspectointerno do escritório do casarão dafazenda Santa Leopoldina, Itatiba.Foto: Antonio Carlos Bellia. Fonte:Cadernos de Fotografia nº 5 –Fazendas do Ciclo do Café, Região deCampinas. São Paulo: Secretaria deestado da Cultura, s/d.

Figura 317 (acima) - Aspecto internode um dormitório do casarão dafazenda Santa Leopoldina, Itatiba.Notar as portas envidraçadas, apintura nas paredes, as tábuas doassoalho com corte regular: exemplosde um acabamento mais apurado.Foto: Antonio Carlos Bellia. Fonte:Cadernos de Fotografia nº 5 –Fazendas do Ciclo do Café, Região deCampinas. São Paulo: Secretaria deEstado da Cultura, s/d.

Figura 314 (acima, topo) - Fachadado casarão da fazenda SantaLeopoldina, Itatiba. Foto: AntonioCarlos Bellia. Fonte: Cadernos deFotografia nº 5 – Fazendas do Ciclodo Café, Região de Campinas. SãoPaulo: Secretaria de estado daCultura, s/d.

Figura 315 (acima) - Aspecto internoda sala de jantar do casarão dafazenda Santa Leopoldina, Itatiba. Acasa com alvenaria em taipa de pilão,apesar das alterações no modo devida, a permanência de velhoshábitos, como o uso da rede dedormir. Ganchos de rede são muitocomuns nessas salas, inclusive nascasa mais recentes, de gosto eclético,do final do século XIX. Foto: AntonioCarlos Bellia. Fonte: Cadernos deFotografia nº 5 – Fazendas do Ciclodo Café, Região de Campinas. SãoPaulo: Secretaria de estado da Cultura,s/d

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Figura 318 - Aspecto do casarão dafazenda Três Pedras, Campinas,construção parcialmente asso-bradada, com alpendre na fachadasimétrica. Em primeiro plano, asenzala. Desenho de José de CastroMendes. Fonte: Mendes, J. E. T.Lavoura Cafeeira Paulista (VelhasFazendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 319 - Planta do casarão dafazenda Três Pedras, Campinas, decerca de 1875. Notar a grande áreade serviços e a presença do alpendrefronteiro. Essa configuração seriamuito usual, durante o ciclo do café.Foto: V. Benincasa.

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Figura 320 (acima, topo) - Aspecto docasarão da fazenda Bocaina, Campi-nas, construção parcialmente asso-bradada, com alpendre recobrindoapenas as três aberturas centrais,Fachada simétrica. Aos fundos, a sen-zala. Desenho de José de CastroMendes. Fonte: Mendes, J. E. T.Lavoura Cafeeira Paulista (Velhas Fa-zendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

Figura 321 (acima) - Casarão dafazenda Santa Luzia, Campinas,construção parcialmente asso-bradada, com alpendre na fachada.Desenho de José de Castro Mendes.Fonte: Mendes, J. E. T. LavouraCafeeira Paulista (Velhas Fazendas domunicípio de Campinas). São Paulo:Departamento Estadual deInformações, 1947.

A disposição interna dos cômodos, nessas casas com plantaem “L”, que podem ser assobradadas ou térreas, é muitosemelhante àquelas do Vale do Paraíba. Houve umapermanência na distribuição geral de funções e atividadesinternas, no entanto, através de relatos de alguns viajantes,podemos ressaltar algumas particularidades que asdistinguem, como por exemplo, o costume de deixar partedo piso da sala de jantar, ou varanda, como era chamadoesse cômodo na época, em terra batida, ou então recobertopor tijolos. Aí, se acendiam fogueiras nas noites de frio, aoredor das quais as pessoas se reuniam para conversar edesenvolver atividades domésticas. Como não havia nenhumsistema de exaustão de fumaça, como as chaminés, essassalas eram total ou parcialmente desprovidas de forro, paraque a fumaça se dispersasse pelos vãos existentes entre astelhas. Esse costume acabou sendo perdido, principalmentedepois da adoção dos fogões com chaminés, muito difundidoscom a chegada dos imigrantes europeus. Nos exemplaresremanescentes que encontramos na região, somente na casada fazenda Cana Verde ainda se pode ver a sala de jantar semforro, uma opção dos atuais proprietários para mantê-la noseu aspecto original, embora o piso já tenha sido inteiramenteassoalhado.

Figura 322 (acima) - Casarão da fa-zenda Santa Francisca do Caman-docaia, Campinas. A fachada assemel-ha-se bastante ao corpo principal dafazenda Santa Maria, do mesmo mu-nicípio. Notar a disposição diferencia-da das colunas de sustentação do al-pendre, intercaladas por dois esteiosde madeira. Desenho de José de Cas-tro Mendes. Fonte: Mendes, J. E. T.Lavoura Cafeeira Paulista (Velhas Fa-zendas do município de Campinas).São Paulo: Departamento Estadual deInformações, 1947.

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Outra característica é que as alcovas vão lentamentedesaparecendo das plantas dessas casas; quanto mais tardias,menos aparecem esses cômodos sem iluminação. A suamanutenção se devia mais à crença de que os partosdeveriam ser efetuados nessas instalações, e de que osrecém-nascidos tinham de ficar abrigados da luz do sol atéa queda do umbigo: tais cuidados, conforme acreditava agente da época, evitariam que os bebês ficassem cegos...Pouco a pouco, as normas higienistas venceram tais crençase o sol e os ventos acabaram por entrar em todos oscômodos, livremente, tornando mais saudáveis essas casasrurais.

Figura 323 - Planta do casarão daFazendinha, antiga fazenda Atibaia,Campinas. Essa casa é curiosa poistrata-se de uma casa de engenho,com planta em “L”, à qual, no ciclodo café, foi acoplada uma novaresidência, com planta em “U”.Posteriormente foram unidas, com ademolição de algumas paredesinternas. Passou por várias reformas,inclusive no século XX, mas ainda épossível observar as duas plantasprimitivas. As paredes mais grossassão de taipa de pilão, e as outras detaipa de mão. Levantamento: V.Benincasa. Desenho: M. Rosada.

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Figura 324 (acima, topo) - Vista dafachada do casarão da Fazendinha,ou fazenda Atibaia, Campinas. Foto:V. Benincasa.

Figura 325 (acima) - Vista da faceposterior do casarão da Fazendinha,ou fazenda Atibaia, Campinas. Foto:V. Benincasa.

Figura 326 (acima, topo) - Vista daface posterior do casarão daFazendinha, ou fazenda Atibaia, emsua parte mais antiga. Na coberturapodemos ver a diferença entre o níveldo telhado da casa original, mais alta,e do acréscimo, mais baixo. Foto: V.Benincasa.

Figura 327 (acima) - Lateral da casaoriginal, voltada para os terreiros decafé. Casarão da Fazendinha, oufazenda Atibaia, Campinas. Foto: V.Benincasa.

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Figura 328 (acima) - Vista interna doalpendre da fachada, onde se podever a taipa de pilão na parede.Casarão da Fazendinha, ou fazendaAtibaia, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 329 (à direita, topo) - Outroaspecto do alpendre fronteiro.Casarão da Fazendinha, ou fazendaAtibaia, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 330 (à direita) - Porta deentrada da parte “nova” do casarãoda Fazendinha, ou fazenda Atibaia,Campinas. Foto: V. Benincasa.

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Figura 331 (acima, topo) - Detalhe decoluna de madeira do alpendre daparte “nova” do casarão daFazendinha, ou fazenda Atibaia,Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 332 (acima) - Balaústrestorneados, em madeira, do alpendreda parte “nova” do casarão daFazendinha, ou fazenda Atibaia,Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 333 (acima, topo) - Aspectointerno da faixa fronteira de cômodosdo casarão original da Fazendinha, oufazenda Atibaia, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 334 (acima) - Sala de jantar,com armário embutido, forrado compapel de parede importado, na parte“nova” do casarão da Fazendinha, oufazenda Atibaia, Campinas. Foto: V.Benincasa.

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Figura 335 (acima) - Detalhe de fecha-dura do armário da foto anterior.Casarão da Fazendinha, ou fazendaAtibaia, Campinas. Foto: V. Benin-casa.

Figura 336 - (à direita, topo) - Detalhede forro da mesma sala de jantar.Casarão da Fazendinha, ou fazendaAtibaia, Campinas. Foto: V.Benincasa.

Figura 337 (à direita, centro) -Dormitório situado ao fundo de umadas alas da parte “nova” do casarãoda Fazendinha, ou fazenda Atibaia,Campinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 338 (à direita) - Aspecto da salade jantar da parte original do casarãoda Fazendinha, ou fazenda Atibaia,Campinas. Notar as bandeiras e folhasmais rústicas nas portas. Foto: V.Benincasa.

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Figura 339 - Casarão da fazendaFloresta, Itu. Notar as janelas comfolhas envidraçadas, com bandeirastripartidas e vidro colorido, maismodernas que as tradicionaisguilhotinas. Foto: V. Benincasa.

Figura 340 - Outro aspecto do casarãoda fazenda Floresta, Itu. Alpendre jáapresenta colunas metálicas. Foto: V.Benincasa.

Figura 341 - Planta do casarão dafazenda Floresta, Itu. Construçãoprovavelmente da década de 1880.Levantamento: V. Benincasa.Desenho: M. Rosada.

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Figura 342 (acima, topo) - Vistainterna do alpendre: o pisoassoalhado original foi substituído porlaje de concreto, revestida comcerâmica. Fazenda Floresta, Itu. Foto:V. Benincasa.

Figura 343 (acima) - Detalhe dascolunas do alpendre. Casarão dafazenda Floresta, Itu. Foto: V.Benincasa.

Figura 344 (à direita, topo) - Detalheda janela, fachada lateral. Casarão dafazenda Floresta, Itu. Foto: V.Benincasa.)

Figura 345 (à direita, centro) - Fachadalateral. Casarão da fazenda Floresta,Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 346 (à direita) - Vista parcialdo anexo de serviços. Casarão dafazenda Floresta, Itu. Foto: V.Benincasa.

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Figura 350 (acima, topo) - FazendaSantana, Itatiba. Exemplo de casarãoconstruído seguindo tendências doecletismo arquitetônico: rusticação nasparedes, alpendre metálico, dois lancesde escadarias monumentais. Aconstrução no plano inferior, à direita,segue o mesmo padrão eclético. Fonte:AMARAL, Amadeu, et alli. Almanach deItatiba 1916. Itatiba: Typographia d’AReacção, 1916.

Figura 351 (acima) - Fazenda SantaGenebra, Campinas. Outro exemplode casarão com ornamentaçãoclassicizante, empregada de maneiramais livre que no neoclassicismo; usode folhas envidraçadas, ao invés deguilhotinas, e de folhas venezianasexternas; aberturas em arco pleno, nafachada lateral. Fonte: Coleção JoãoFalchi Trinca, Centro de Memória –UNICAMP.

Figura 347 (acima, topo) - Aspecto dasala de jantar: o ensutamento dasjanelas, nas paredes da taipa de pilão,recebeu alisar para proteção doschanfros. Casarão da fazendaFloresta, Itu. Foto: V. Benincasa.

Figura 348 (acima, centro) - Sala dejantar: forro do tipo saia e camisa,encabeirado; piso de assoalho, comtábuas de corte regular. Casarão dafazenda Floresta, Itu. Foto: V.Benincasa.

Figura 349 (acima) - Aspecto da cozi-nha, sem forro, onde se pode obser-var as empenas e paredes internas emtaipa de mão. Casarão da fazen-daFloresta, Itu. Foto: V. Benincasa.

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Internamente, possuem bom acabamento, principalmentenas áreas nobres. Elementos quase sempre encontrados sãoas bandeiras envidraçadas com desenhos variados nas portasinternas de dormitórios e salas; o piso assoalhado com largastábuas de madeira de lei nas zonas íntima e social, ourevestido de ladrilhos quadrados de barro cozido, na zonade serviços; e forro saia e camisa encabeirado e guarnecidode alisares. Também foram comuns os armários embutidos,forrados internamente com papel decorativo, importado,principalmente naqueles situados na sala de jantar.

Em casas mais sofisticadas aparecem, nos cômodos derecepção, e em alguns casos também em dormitórios, asparedes com pinturas decorativas ou forradas com papel deparede. Exemplo máximo de decoração interna, queencontramos em nosso levantamento, é o casarão dafazenda Engenho das Palmeiras. Muito embora boa parteda decoração interna tenha sido executada no início doséculo XX, quando por ali esteve o pintor italiano GuidoDucci, ela ainda ostenta, em determinados cômodos, telasaplicadas ao forro de madeira, de origem francesa, do séculoXIX. Todos os cômodos das áreas social e íntima possuemdecoração nas paredes, nos forros e, inclusive, nas tábuasdo assoalho e nas folhas das portas, tanto na parte interna,quanto externa. Em alguns cômodos, as paredes são forradascom papel importado; em outras, há pinturas decorativasextremamente belas, por vezes utilizando a técnica dotrompe l’oeil, por vezes imitando papel de parede, ou, ainda,florões, guirlandas, naturezas-mortas... A variedadeencontrada aqui torna esse exemplar dos mais requintadose raros de todo o território paulista.

Figura 352 - Sala de jantar da fazendaVésper, Morungaba. Notar o arcopleno, as pinturas decorativas. Foto:Antonio Carlos Bellia. Fonte:Cadernos de Fotografia nº 5 –Fazendas do Ciclo do Café, Região deCampinas. São Paulo: Secretaria deestado da Cultura, s/d.

Figura 353 - Outro aspecto da sala devisitas. Fazenda Vésper, Morungaba.Notar as pinturas decorativas nasparedes, imitando papel. Foto: Anto-nio Carlos Bellia. Fonte: Cadernos deFotografia nº 5 – Fazendas do Ciclodo Café, Região de Campinas. SãoPaulo: Secretaria de estado daCultura, s/d.

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Pupo Mello descreve bem o interior dessas casas rurais daregião de Campinas, inclusive falando sobre a questão dailuminação, que passa a ser feita com gás de acetileno,produzido na própria fazenda, em cômodos próximos à casagrande, e distribuído internamente através de dutos de cobreou de chumbo, que terminavam em finos e decorativos lus-tres de opalina ou cristal lapidado de apurado gosto, comformoso “plafonnier” de bronze.39 Desse tipo de iluminaçãoencontramos vestígios na casa do Engenho das Palmeiras.Pupo Mello discorre também sobre mobiliário, objetos deuso doméstico, objetos de decoração, retratos, grandesbibliotecas, espelhos de cristal bizotados, instrumentosmusicais, etc. Nos inventários de grandes fazendeiros daregião, como no da Baronesa de Itu, no do Conde deParanaíba, entre outros, encontramos muitos itens vindosda França, da Bélgica, Áustria, Estados Unidos... Trazidosaté às fazendas pelos mesmos trens que conduziamo café.

__________________________________________________________________________________________________

39 PUPO, C. M. de M. Op. cit., 1983, p. 75.

Figura 354 - Planta do casarão dafazenda Santo Aleixo, de 1877,Amparo. Desenho de C. Corsi,baseado em levantamento dosarquitetos A. L. Dias de Andrade e LuísAlberto, de 1973, pertencentes aoacervo do Condephaat.

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Figura 355 - Planta do casarão dafazenda Atalaia, da década de 1880,Amparo. Desenho de C. Corsi,baseado em levantamento dosarquitetos A. L. Dias de Andrade e LuísAlberto, de 1973, pertencentes aoacervo do Condephaat.

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Figura 356 - Planta do casarão dafazenda Barreiro, da década de 1880,Amparo. Desenho de C. Corsi,baseado em levantamento dosarquitetos A. L. Dias de Andrade e LuísAlberto, de 1973, pertencentes aoacervo do Condephaat.

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Figura 357 (acima) - Planta do casarãoda fazenda Paraíso, de 1890, Amparo.Desenho de C. Corsi, baseado emlevantamento dos arquitetos A. L. Diasde Andrade e Luís Alberto, de 1973,pertencentes ao acervo doCondephaat.

Figura 358 (abaixo) - Planta docasarão da fazenda Nova Esperança,de 1896, Amparo. Desenho de C.Corsi, baseado em levantamento dosarquitetos A. L. Dias de Andrade e LuísAlberto, de 1973, pertencentes aoacervo do Condephaat.

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Figura 360 (abaixo) - Planta docasarão da fazenda Campinho, cercade 1900, Serra Negra. Desenho de C.Corsi, baseado em levantamento dosarquitetos A. L. Dias de Andrade e LuísAlberto, de 1973, pertencentes aoacervo do Condephaat.

Figura 359 (acima) - Planta do casarãoda fazenda Santa Isabel, da década de1890, Monte Alegre do Sul. Desenhode C. Corsi, baseado em levantamentodos arquitetos A. L. Dias de Andrade eLuís Alberto, de 1973, pertencentes aoacervo do Condephaat.

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(Figura 361. Planta do casarão dafazenda Chave Preta, de 1908, SerraNegra. Desenho de C. Corsi, baseadoem levantamento dos arquitetos A.L. Dias de Andrade e Luís Alberto, de1973, pertencentes ao acervo doCondephaat.)

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Os casarões das fazendas de café da região Central, deuma forma geral, guardam em si a tradição das casas dociclo do açúcar do século XIX, de aparência externadespojada. No entanto, o ciclo do café trouxe mudançassignificativas em seu interior, conseqüências do maior afluxode capital e do aumento do grau de instrução dosfazendeiros. As casas de fazendas tornam-se maiores: asofisticação e a comodidade fizeram parte de seu cotidiano.Em fazendas mais recentes, como na Santa Genebra, deCampinas, já notamos mudanças formais consideráveis emseu aspecto exterior, influências do ecletismo arquitetônicotrazido na bagagem de profissionais que passaram a estudararquitetura na Europa. Porém, o que mais chama a atençãonesses casarões é a permanência de elementos tradicionais,como guilhotinas envidraçadas na parte externa e o uso detécnicas como taipa de mão e de pilão, mesmo depois doenriquecimento e da chegada da ferrovia.

As maiores mudanças absorvidas no final do século XIX,em se tratando do ambiente externo, nas proximidades docasarão, talvez seja a introdução de espaços destinados aosjardins. Dignos de menção são os existentes no Engenhodas Palmeiras. Situados à frente do casarão, foram

desenhados de maneira a formar caminhos sinuosos, en-tre os canteiros, contendo ainda um tanque com chafariz,hoje desativado, e um caramanchão com bancos. Comonão havia banheiros no interior da residência, quando seconstruíram os jardins, provavelmente no final do séculoXIX, foram feitos também quatro pequenos banheiros numade suas extremidades: dois banheiros voltados para o jardime outros dois voltados para o pomar. Essa pequenaedificação mostra claramente a sua ligação com o gostoeclético da época, inclusive no formato das aberturas, combandeiras venezianas em formato ogival.

Os jardins projetados, aliás, foram razoavelmentefreqüentes, na Região Central, alguns mais simples, comoo da fazenda São Sebastião, em Amparo, outros maissofisticados, como os das fazendas Pereiras, em Itatiba, eDona Carolina, em Bragança Paulista, que possivelmenteforam obra do mesmo arquiteto. Segundo informaçõesobtidas na fazenda Pereiras, os jardins ali executados datamde final do século XIX, e foram projetados por um arquitetoespanhol. A semelhança entre os dois exemplaresmencionados acima se dá principalmente no desenho dochafariz, revestidos de uma argamassa sobre a qual foram

Figura 362 - Aspecto dos jardinsfronteiros ao casarão da fazendaPereiras, Itatiba. Foto: V. Benincasa.

Figura 363 - Portão de acesso aojardim, situado na lateral do casarãoda fazenda Pereiras, Itatiba. Foto:V. Benincasa.

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aplicadas conchas de pequenos moluscos e seixos rolados.Alguns outros elementos comuns podem ser vistos, comoas peças cerâmicas decorativas, aplicadas nos limites doscanteiros; o uso de bancos construídos em alvenaria, etc.São espaços fechados, destinados aos familiares e àquelesque gozavam da intimidade do proprietário, muitodifundidos durante o final do século XIX e início do séculoXX, que tentavam configurar ambientes idealizados, quasecenários idílicos, bem ao gosto do ecletismo vigente à época,

Figura 364 (acima, topo) - Vista domuro do jardim, na lateral do casarãoda fazenda Pereiras, Itatiba. Foto:V. Benincasa.

Figura 365 (acima) - Pequena escadado jardim. Casarão da fazendaPereiras, Itatiba. Foto: V. Benincasa.

Figura 366 (acima, topo) - Aspectogeral do jardim, com seus caminhosde areia, entre canteiros geomé-tricos. Casarão da fazenda Pereiras,Itatiba. Foto: V. Benincasa.

Figura 367 (acima) - Um dos tanquesd’água, com peixes coloridos domesmo jardim, situado à frente daporta na lateral do casarão da faz.Pereiras, Itatiba. Foto: V. Benincasa.

exemplos de que o enriquecimento e o grau de ilustraçãodesses fazendeiros era tal, que se permitiam momentos defruição. A fazenda passava a ser, cada vez mais, um localnão mais exclusivamente destinado à grande produção. Asregras da sociedade, pela nova condição alcançada, exigiado fazendeiro uma nova postura frente a si mesmo e aoseu mundo particular, que passava necessariamente poritens como refinamento e conforto...

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Figura 368 (acima, topo) - Outra visãodo tanque d’água da foto anterior.Casarão fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.

Figura 369 (acima) - Detalhe dadivisão dos canteiros, feita comelementos cerâmicos decorativos.Casarão da fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.

Figura 370 (à direita, topo) - Fontemetálica ao centro de tanqueincrustado de conchas e seixosrolados. Casarão fazenda Pereiras,Itatiba. Foto: V. Benincasa.

Figura 371 (à direita) - Detalhe dafonte metálica. Jardim “espanhol” docasarão da fazenda Pereiras, Itatiba.Foto: V. Benincasa.