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6 de Novembro de 2006 Escola Superior de Advocacia de São Paulo Curso Direito Desportivo Sistêmico Direito Desportivo Internacional (Sumário desenvolvido) José Manuel Meirim Professor de Direito do Desporto Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Director da Desporto&Direito. Revista Jurídica do Desporto Observações preliminares 1. Vamos proceder a uma aproximação despretensiosa, lendo o Direito Desportivo como emergente de factos normativos internacionais e daí retirando alguns tópicos nucleares. Sobre o que representa o Direito Internacional, no quadro da abordagem comum, são conhecidos vários critérios a utilizar para aferir quando nos encontramos diante de tal realidade jurídica. Os sujeitos, o objecto da norma e a forma da produção da norma, são dos mais referidos. Por exemplo, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS 1 adoptam o critério da produção da norma: Não é o facto de disciplinar uma questão internacional que atribui à norma jurídica carácter internacional: antes pelo contrário, é a questão em causa que se torna internacional quando uma norma internacional a ela se refere. 2 1 Cf., Manual de Direito Internacional Público, 3ª edição revista e aumentada, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 26-31.

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6 de Novembro de 2006

Escola Superior de Advocacia de São Paulo

Curso Direito Desportivo Sistêmico

Direito Desportivo Internacional

(Sumário desenvolvido)

José Manuel Meirim

Professor de Direito do Desporto

Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

Director da Desporto&Direito. Revista Jurídica do Desporto

Observações preliminares

1. Vamos proceder a uma aproximação despretensiosa, lendo o Direito

Desportivo como emergente de factos normativos internacionais e daí

retirando alguns tópicos nucleares.

Sobre o que representa o Direito Internacional, no quadro da abordagem

comum, são conhecidos vários critérios a utilizar para aferir quando nos

encontramos diante de tal realidade jurídica.

Os sujeitos, o objecto da norma e a forma da produção da norma, são dos

mais referidos.

Por exemplo, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS 1

adoptam o critério da produção da norma:

Não é o facto de disciplinar uma questão internacional que atribui à norma

jurídica carácter internacional: antes pelo contrário, é a questão em causa que se torna

internacional quando uma norma internacional a ela se refere. 2

1 Cf., Manual de Direito Internacional Público, 3ª edição revista e aumentada, Coimbra, Almedina, 2005,

pp. 26-31.

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2

Assim, para estes autores, o Direito Internacional é encarado como o

conjunto de normas jurídicas próprias da Comunidade Internacional, e que

transcendem o âmbito estadual 3.

2. Não nos preocuparemos com excessos de purismo dogmático.

O que nos preocupou, desde o início da preparação deste complexo tema

foi olhar o Desporto como objecto de normação provinda de entidades

internacionais, públicas e privadas.

É certo, todos o reconhecerão de imediato, que de um ponto de vista

rigoroso o Comité Olímpico Internacional (COI) e as federações

desportivas internacionais (FI), se apresentam como pessoas colectivas

privadas “nacionais”, isto é, regidas pelas normas de um dado ordenamento

jurídico estadual (o da sua sede).

Não obstante, é igualmente verdade que as normas que tais organizações

desportivas emanam adquirem uma projecção internacional quase

inagualável, mesmo se olharmos para as organizações internacionais

universais constituídas pelos Estados.

Seria, pois, verdadeiramente irrealista não olhar estas especiais

organizações desportivas como tendo uma vertente internacional.

3. Por outro lado, venho transmitir-lhes uma visão localizada, ou seja, o

olhar de um jurista da Europa do Sul.

Esta prevenção tem todo o sentido, uma vez que aquilo que é entendido

como Direito do Desporto, pode variar consoante o país ou “família do

Direito” de onde procedemos à observação.

A Europa do Sul – Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia – são

conhecidos pelo facto do seu sistema desportivo contar com um papel

importante do Estado e com um grau – variável contudo de país para país –

de publicização do desporto.

2 Como na nota anterior, p. 30.

3 Idem, p.31.

Outra concepção é-nos adiantada por JORGE BACELAR GOUVEIA: conjunto de princípios e regras, de

natureza jurídica, que disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem numa posição

jurídico-pública, no âmbito das suas relações internacionais. Cf., MANUAL DE DIREITO INTERNACIONAL

PÚBLICO, 2ª edição, actualizada e ampliada, Coimbra, Almedina, 2004, p. 30.

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3

O mesmo não ocorre, por exemplo, nos países da Europa do Norte ou, para

utilizar “uma família”, nos países de raiz anglo-saxónica.

Por exemplo, um jurista inglês ou norte-americano ao tratar do Direito do

Desporto Internacional dirige imediatamente a sua atenção, em termos

exclusivos, para as normas ditadas pelo COI e pelas FI.

Enquadramento da temática

1. O nascimento e evolução do desporto moderno

Da localização à globalização

Tal processo redundou, ao nível normativo, na unificação das regras

técnicas das modalidades e no levantar de um forte e solidificada

organização desportiva internacional.

2. Concepções diferenciadas do Direito do Desporto

o Como conjunto de normas emanadas das organizações

desportivas privadas

o Como normas de origem estatal

o Como normas emanadas das organizações desportivas

privadas e normas de origem estatal

3. A afirmação descomplexada do Direito do Desporto

Entre tantos outros, a lição de DioGO FREITAS DO AMARAL 4:

- Direitos não-estaduais

Exemplos de direitos supra-estaduais: O Direito Internacional Público, o

Direito Comunitário Europeu, o Direito Canónico, os Direitos próprios

das federações desportivas internacionais 5

- Ramos de Direitos Mistos (partindo da clássica divisão entre Direito

Público e Direito Privado) 6: Registos e Notariado, Segurança Social,

Direito Bancário, Direito do Consumo e Direito Desportivo 7

4 Manual de Introdução ao Direito, Volume I, Coimbra, Almedina, 2004.

5 Idem, p. 87.

6 Idem, pp. 331 e segs.

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4

Adianta uma definição: ramo do direito constituído pelo sistema de normas

jurídicas – internacionais e nacionais, públicas e privadas, estaduais e não

estaduais – que regulam as actividades desportivas, bem como o seu

condicionamento e fiscalização por organismos internacionais privados e

pelo Estado.

4. Uma pluralidade normativa complexa

Socorremo-nos da lição de JEAN-PIERRE KARAQUILLO 8 para desbravar este

complexo universo.

Segundo este autor francês o Direito do Desporto comporta uma

sistematicidade dupla, privada e pública.

Essa sistematicidade alicerça-se numa necessária trilogia existencial:

- Instituições

- Regras

- Juizes

O cruzamento destas duas proposições múltiplas conduz-nos,

necessariamente, à descoberta de todo um conjunto de relações que se

estabelecem entre as duas sistemáticas quando da aplicação das regras.

No plano da nossa exposição começaremos, pois, pelas instituições,

seguindo-se as regras e, por fim, os juizes.

As instituições

1. As organizações desportivas internacionais

a) Organizações não Governamentais no Direito Internacional 9?

7 Idem, pp. 337-338.

8 Le Droit du Sport, Paris, Dalloz, 1993 (existe uma 2ª edição de 1997).

9 ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS, como na nota 1, pp.402-405, mencionam o COI

embora ofereçam uma noção de ONG que não permite, no rigor dos princípios, abarcar perfeitamente as

organizações desportivas.

Segundo estes autores as ONG são associações ou fundações, isto é, pessoas colectivas sempre sem fim

lucrativo, criadas por iniciativa privada ou mista, cujo objectivo é o de influenciar ou corrigir a actuação

dos sujeitos do Direito Internacional, especialmente dos Estados soberanos e das Organizações

Internacionais. Ver também, JORGE BACELAR GOUVEIA, como na nota 1, pp. 509-511.

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5

b) O Comité Olímpico Internacional

A criação do COI em Paris, a 23 de Junho de 1894

Pessoa colectiva de direito suíço

Especial estatuto de que goza na Suiça Acordos com o

Conselho Federal em vários domínios (8 de Julho de 1981

(isenção de um imposto e exclusão da legislação sobre

trabalhadores estrangeiros, 23 de Junho de 1999 e 1 de

Novembro de 2000)

Autoproclama-se como organização internacional não

governamental

Carta Olímpica

15 Statut juridique

1 Le CIO est une organisation internationale non gouvernementale, à but non

lucratif, de durée illimitée, à forme d’association dote de la personnalité juridique,

reconnue par le Conseil fédéral suisse conformément à un accord conclu en date du

1er novembre 2000.

2 Son siège est à Lausanne (Suisse), capitale olympique.

A protecção dos símbolos olímpicos: o Tratado de Nairobi, de

24 de Outubro de 1981 (Organização Mundial da Propriedade

Intelectual WIPO)10

.

c) As federações desportivas internacionais

As primeiras federações desportivas internacionais:

Ginástica 1881 Tiro 1887 Patinagem 1892 Remo 1892

Ciclismo 1900 Futebol 1904 Natação 1908

Luta 1912 Atletismo 1912 Esgrima 1913

A especial relação que se estabelece entre a federação desportiva

internacional (FI) e a federação desportiva nacional (FN)

10

Article 1: Obligation of States

Any State party to this Treaty shall be obliged, subject to Articles 2 and 3, to refuse or to invalidate the

registration as a mark and to prohibit by appropriate measures the use, as a mark or other sign, for

commercial purposes, of any sign consisting of or containing the Olympic symbol, as defined in the

Charter of the International Olympic Committee, except with the authorization of the International

Olympic Committee. The said definition and the graphic representation of the said symbol are

reproduced in the Annex.

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6

A inclusão das FN numa ordem desportiva internacional tem consequências

concretas 11

:

- as normas das federações desportivas nacionais, pelo menos as

regras de jogo e as regras de organização de base, são reflexo das normas

da FI que as engloba;

- as decisões que emanam dos órgãos desportivos internacionais são

oponíveis às suas instâncias desportivas nacionais.

Exemplo

Recentemente, quer a UEFA, quer a FIFA, introduziram alterações aos seus

regulamentos disciplinares, passando a prever a aplicação de sanções em casos de

condutas racistas e discriminatórias 12

.

A Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional

apressaram-se a consagrar, nos seus regulamentos disciplinares, normas que

traduzissem as novas regras disciplinares da FIFA e da UEFA – relativas às condutas

racistas e discriminatórias.

Quanto às normas do Estado que as constituem no dever de. nesses mesmos textos,

precipitarem o espectro do sancionamento disciplinar em matéria de apoio às claques

desportivas, essas são, pura e simplesmente, votadas a um total desprezo.

Aliás, as claques desportivas são, em todo o rigor, algo de inexistente na

regulamentação desportiva do futebol português.

Uma observação sobre a relevância destas entidades para os Estados

LEI N.º 9.615, DE 24 DE MARÇO DE 1998 (Lei Pelé)

Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências

Art. 83. As entidades desportivas internacionais com sede permanente ou temporária no País receberão dos poderes públicos o mesmo tratamento dispensado às entidades nacionais de administração do desporto.

d) A Agência Mundial Antidopagem (AMA)

11

Cf., JEAN-PIERRE KARAQUILLO, como na nota 8, p.17. 12

Cf., artigo 11º bis das Disciplinary Regulations da UEFA (edição de 2006) e o artigo 55º do Code

Disciplinaire da FIFA.

Em Portugal, o Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol também sofreu alterações

neste sentido (artigos 61º e 61º-A). O mesmo verificou-se com o Regulamento Disciplinar da Liga

Portuguesa de Futebol Profissional (cf. artigos 87º-A, 107º-A e 126º-A, abrangendo clubes, dirigentes e

jogadores)

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7

Alguns dados relevantes:

o O escândalo do Tour 1998.

o A Conferência Mundial sobre a dopagem no desporto (Lausanne,

Fevereiro de 1999), realizada por iniciativa do Comité Olímpico

Internacional: proposta a criação da AMA.

o A AMA nasce em 10 de Novembro de 1999, em Lausanne – a sua

natureza jurídica é a de uma fundação privada de direito suíço –,

com uma representação igualitária do Movimento Olímpico e dos

Estados.

o A AMA localiza-se em Montreal, desde Abril de 2002.

o A AMA tem um Conselho de Fundadores (36 membros: 18 + 18)

e um Comité executivo (12 membros: 6 +6)

2. As organizações internacionais

Empregamos um sentido latíssimo de molde a cobrir realidades que não se

reconduzem a entidades jurídicas personificadas.

a) A ONU

b) A UNESCO

c) O Conselho Sul-Americano do Desporto (CONSUDE)

d) O Conselho da Europa

e) A União Europeia

f) O Conselho Ibero-Americano do Desporto 13

g) A Conferência de Ministros Responsáveis pelo Desporto dos

Países de Língua Portuguesa 14

15

13

Criado em 4 de Agosto de 1994 (Uruguai). 14

Criada em Lisboa, 20 de Janeiro de 1990; o seu Regimento foi aprovado em Bissau, 27 de Fevereiro de

1993. 15

Outros exemplos: Conferência dos Ministros da Juventude e dos Desportos dos países de língua

francesa (CONFEJES) e Conselho Superior do Desporto em África (CSSA).

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As regras

1. As regras das organizações desportivas internacionais

a) A diversidade de regras

(Regras de jogo, regras de disciplina desportiva, regras de

funcionamento interno das respectivas comunidades desportivas,

princípios deontológicos e a jurisprudência interna)

b) A Carta Olímpica

Entrada em vigor a 1 de Setembro de 2004 (texto actual)

Principes fondamentaux de l’Olympisme 4. La pratique du sport est un droit de l’homme. Chaque individu doit avoir la

possibilité de faire du sport sans discrimination d’aucune sorte et dans l’esprit olympique, qui

exige la compréhension mutuelle, l’esprit d’amitié, de solidarité et de fair-play. L’organisation,

l’administration et la gestion du sport doivent être contrôlées par des organisations sportives

indépendantes.

6 L’appartenance au Mouvement olympique exige le respect de la Charte

olympique et la reconnaissance par le CIO.

c) Os estatutos e regulamentos das federações desportivas

internacionais

d) O Código Mundial Antidopagem

Alguns dados relevantes:

A Conferência Mundial sobre a dopagem no desporto, realizada

em Copenhaga, 3 a 5 de Março de 2003.

A Adopção do Código Mundial Antidopagem.

A Declaração de Copenhaga (Documento político assinado

por 184 países, registando a intenção dos Estados

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reconhecerem e aplicarem o Código; a necessidade de um

tratado internacional como forma de vincular os Estados.

O Código como parte integrante de um Programa Mundial

Antidopagem

As finalidades do Código: (a) protecção do direito fundamental

dos praticantes a participar nas actividades desportivas sem

dopagem; (b) promoção da saúde; (c) garantir aos desportistas do

mundo inteiro a equidade das competições desportivas.

O Código, na sua versão 3.0 é de 20 de Fevereiro de 2003.

A entrada em vigor do Código: 1 de Janeiro de 2004.

Carta Olímpica 44 Code mondial antidopage

Le Code mondial antidopage est obligatoire pour l’ensemble du Mouvement olympique.

2. As regras das organizações internacionais

a) A soft law ainda como espaço mais relevante

Note-se, contudo, que as normas e principíos presentes em

diversas cartas e declarações, permitem alcançar alguns

princípios normativos.

Exemplos: princípio do acesso universal à prática desportiva,

princípio da autonomia das organizações desportivas privadas e

princípio da colaboração entre as entidades públicas e privadas.

b) A ONU 16

1977: Declaração Internacional contra o apartheid nos desportos (Resolução

32/105 M, de 14 de Dezembro de 1977) ; 1985 : Convenção Internacional

contra o apartheid no desporto (Resolução 40/64 G, adoptada pela Assembleia

Geral da ONU, a 10 de Dezembro de 1985) ; 1992 : Resolução 757 de 30 de

Maio de 1992 : o Conselho de Segurança interditou a Republica Federativa

Jugislava (Servia e Montenegro) de participar em manifestações desportivas ;

1993 : Resolução sobre o respeito pela Treva Olímpica (Resolução 48/11, de 25

de Outubro de 1993). em 2003 a Assembleia Geral da ONU, na sua 58.ª Sessão,

adoptou uma Resolução (A/RES/58/5), proclamando «2005 Ano Internacional

do Desporto e da Educação Física, enquanto meio de promover a educação, a

saúde, o desenvolvimento e a paz”, convidando os governos a organizar eventos

em adesão a esta iniciativa, que partiu da Tunísia.

16

Sobre dados relativos à acção das organizações internacionais no desporto, consultou-se Diplomacia

Desportiva Internacional de ALEXANDRE MESTRE

(http://www.ciari.org/investigacao/diplomacia_desportiva_internacional.pdf.).

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10

c) A UNESCO

Carta Internacional de Educação Física e do Desporto, de 1978, texto

que encara a educação física e o desporto como elemento fundamental

da educação, a que cada cidadão tem direito Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto, Paris, 19 de

Outubro de 2005

A Convenção entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte

ao decurso do prazo de um mês após o depósito do trigésimo

instrumento de ratificação, aprovação, aceitação ou adesão

artigo 37º).

De acordo com os dados recolhidos em 30 de Outubro

passado, só ainda tinham ocorrido 24 depósitos de instrumento

de vinculação dos Estados.

Uma recepção com reservas do Código Mundial

Antidopagem:

Artículo 4 – Relaciones de la Convención con el Código

1. Con miras a coordinar, en el plano nacional e internacional, las actividades de

lucha contrael dopaje en el deporte, los Estados Parte se comprometen a

respetar los principios del Código como base de las medidas previstas en el

Artículo 5 de la presente Convención. Nada en la presente Convención es óbice

para que los Estados Parte adopten otras medidas que puedan complementar las

del Código.

2. El Código y la versión más actualizada de los Apéndices 2 y 3 se reproducen

a título informativo y no forman parte integrante de la presente Convención.

Los apéndices como tales no crean ninguna obligación vinculante en derecho

internacional para los Estados Parte. 3. Los anexos forman parte integrante de la presente Convención.

d) O Conselho da Europa

A Carta Europeia do Desporto para Todos, emergida da Conferência

dos ministros responsáveis pelo desporto (Bruxelas, 1975) e adoptada

pela Resolução n.º (76) 41 do Comité de Ministros do Conselho da

Europa, em 24 de Setembro de 1976.

Sendo verdade que o direito de não praticar desporto é tão importante como o direito

inverso, o reconhecimento do valor do desporto implica que o indivíduo que deseja

praticar uma actividade desportiva, de acordo com os seus gostos e capacidades, não

deve a ela renunciar por causa de dificuldades excessivas ligadas ao custo da

actividade ou ao acesso às instalações; por outro lado, muitos países já incorporaram

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nos seus textos constitucionais uma afirmação do direito dos cidadãos de praticar o

desporto (cada um tem o direito de praticar desporto artigo 1º)

A Convenção Europeia sobre a Violência e o Excesso dos Espectadores

por Ocasião das Manifestações Desportivas e nomeadamente de Jogos

de Futebol, datada de 19 de Agosto de 1985

A Convenção Antidoping, de 16 de Novembro de 1989; Protocolo

Adicional à convenção contra a Doping, de 12 de Setembro de 2002

A Carta Europeia do Desporto (Aprovada pelo Comité de Ministros em

24 de Setembro de 1992 [Recomendação n.º R (92) 13]. O texto foi

revisto em 2001 17

.

A Carta Europeia habilita-nos com uma definição de desporto (artigo 2º)

e estabelece todo um conjunto de princípios no que respeita aos

principais segmentos da actividade desportiva, designadamente, sobre o

papel do movimento associativo (artigo 3º), o desporto infanto-juvenil

(artigo 5º), o desporto de alta competição e profissional (artigo 8º), os

recursos humanos (artigo 9º) e a necessidade de compatibilizar o

desporto com o princípio do desenvolvimento sustentável (artigo 10º).

e) Conselho IberoAmericano do Desporto

A Carta Iberoamericana do Desporto, Santiago de Chile, 12 de Janeiro

de 1996

ARTICULO Nº1

OBJETIVO DE LA CARTA

Los Gobiernos, con el propósito de fomentar y difundir el deporte como factor

fundamental del desarrollo integral del ser humano para promover una conciencia

deportiva iberoamericana, que genere una cultura deportiva, que haga del deporte un

bien social y un hábito de vida, implementarán las acciones necesarias para materializar

y llevar a cabo las siguientes disposiciones, que se consideran constitutivas de la

presente carta.

Contribuir para que todos los sectores de la población tenga acceso a los beneficios de

la práctica de la educación física, el deporte y la recreación:

ARTICULO N.º 2

DEFINICION DEL DEPORTE

Se entenderá por "Deporte" todo tipo de actividad física que, mediante una

participación organizada, tenga por finalidad preservar y mejorar la salud física y

mental, el desarrollo social, ético e intelectual con el logro de resultados en

competiciones.

f) A Conferência de Ministros Responsáveis pelo Desporto dos

Países de Língua Portuguesa

17

Registe-se ainda, em 1992, a aprovação de um Código de Ética do Desporto, adoptado pelo Comité de

Ministros, em 24 de Setembro desse ano, anexo à Recomendação (92) 14, revisto em 2001.

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12

A Carta do Desporto dos Países de Língua Portuguesa, Concluída em

Bissau, em 1993

O desporto no fundamental como valor lusófono

Artigo 1º:

Tendo em vista a promoção e o desenvolvimento do desporto, os países adoptarão as

medidas necessárias para levar a efeito as disposições da Presente carta com o objectivo

de:

1) Tornar a prática do desporto tão acessível quanto possível às suas populações,

assegurando àqueles que manifestem o desejo e possuam as aptidões necessárias a

possibilidade de melhorar o seu nível de prática e realizar o seu potencial de

desenvolvimento pessoal, alcançando níveis qualitativos publicamente reconhecidos;

g) União Europeia

A (malograda) Constituição Europeia

No artigo I-17º

18 afirma-se que a União dispõe de competência para desenvolver acções de

apoio, de coordenação ou de complemento num conjunto de domínios de acção, na sua

finalidade europeia e, entre outros, na educação, juventude, desporto e formação

profissional [alínea d)].

Mais adiante, o Artigo III-282º (Educação, Juventude, Desporto e Formação Profissional)19

,

no segundo parágrafo do seu nº1, estabelece que A União contribui para a promoção dos

aspectos europeus do desporto, tendo simultaneamente em conta as suas especificidades, as

suas estruturas baseadas no voluntariado e a sua função social e educativa.

A acção da União tem por objectivo desenvolver a dimensão europeia do desporto,

promovendo a equidade e a abertura das competições desportivas e a cooperação entre os

organismos responsáveis pelo desporto e protegendo a integridade física e moral dos

desportistas, nomeadamente dos jovens [alínea g)].

Conforme o n.º 2 do mesmo preceito, a União e os Estados-Membros incentivam a

cooperação com países terceiros e com as organizações internacionais competentes em

matéria de educação e de desporto, especialmente com o Conselho da Europa.

Por último, dispõe o nº3:

A fim de contribuir para a realização dos objectivos enunciados no presente artigo:

a) A lei ou lei-quadro europeia estabelece acções de incentivo, com exclusão de qualquer

harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros. É

adoptada após consulta ao Comité das Regiões e ao comité económico e Social;

b) O Conselho, sob proposta da Comissão, adopta recomendações.

A jurisprudência comunitária europeia

18

Esta norma encontra-se inserida no Título III (Competências da União), da Parte I. 19

Localizado no Capítulo V (Domínios em que a União pode desenvolver uma acção de apoio, de

coordenação ou de complemento), do Título III (Políticas e Acções Internas), da Parte III (Políticas e

Funcionamento da União).

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13

Para além do famoso Acórdão Bosman (Trbunal de Justiça das Comunidades Euroepias-

TJCE), 15 de Dezembro de 1995 20

, as instâncias jurisdicionais europeias registam outras

incursões desportivas 21

.

Destaquem-se os seguintes casos:

Acórdão Walrave e Kock (TJCE) , de 12 de Dezembro de 1974

22

Acórdão Donà (TJCE), de14 de Julho de 1976 23

Acórdão Deliège (TJCE), de 11 de Abril de 2000

Acórdão Lehtonen (TJCE), de 13 de Abril de 2000 24

Acórdão Maros Kolpak (TJCE), de 8 de Maio de 2003,

Acórdão Meca-Medina e Majcen, do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro

de 2004 25

Acórdão Piau, do Tribunal de Primeira Instância, de 26 de Janeiro de 2005 26

, ao

apreciar o Regulamento FIFA sobre a actividade dos agentes de jogadores

Acórdão Simutenkov (TJCE), de 12 de Abril de 2005

Acórdão Meca-Medina e Igor Majcen (TJCE), de 18 de Julho de 2006 27

Breve comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de

18 de Julho de 2006, Meca-Medina e Igor Majcen / Comissão (C-519/04 P)

António José Robalo Cordeiro

20

Em Portugal, esta decisão recolheu uma especial atenção. Cf., MANUEL DO NASCIMENTO BATISTA, O

“Caso Bosman” - Intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, Lisboa, Rei dos Livros, 1998,

ANDRÉ DINIS DE CARVALHO, Da liberdade de circulação dos desportistas profissionais na União

Europeia, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pp. 135 e segs., ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO, “Caso

Bosman - Anotação ao Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades de 15 de Dezembro de 1995”,

Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXXVIII,1996, pp. 203-256, JORGE CARVALHO, Case note

7/99. Comentário de Jurisprudência: Processo C-415/93 (Caso Bosman), Faculdade de Direito da

Universidade Nova de Lisboa e “Comentário ao Acórdão Bosman”, Themis, Ano I, nº1,2000, pp.219-

231,CARLOS PINTO CORREIA, “Liberdade de circulação dos trabalhadores – o problema dos jogadores

profissionais de futebol”, Scientia Ivridica, Tomo XLIV, nºs 256/258, Julho/Dezembro, 1995, pp.236-

244, JOÃO LEAL AMADO, Vinculação versus Liberdade. O processo de Constituição e Extinção da

Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pp. 417 e segs e SUSANA

CASTELA GRAÇA, “A problemática das transferências internacionais de jogadores de futebol até à decisão

do caso Bosman”, Estudos de Direito Desportivo, Coimbra, Almedina, 2002, pp.151-201. 21

J.L. CARRETERO LESTÓN habilita-nos com um excelente “mapa” – de Walrave-Koch, passando

evidentemente por Bosman, a Kolpak –, em “A jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades

Europeias em matéria desportiva”, na Desporto & Direito. Revista Jurídica do Desporto, Ano I, nº 1,

Setembro/Dezembro, 2003, pp. 57-76. 22

Uma breve crónica desta etapa é-nos oferecida por Alexandre Mestre. Cf., Desporto e União Europeia.

Uma parceria conflituante? Coimbra , Coimbra Editora, 2002, pp.55 - 56. 23

Cf. a referência da nota anterior, pp. 57-60. 24

Deliège e Lehtonen, parecem constituir exemplos de uma nova leitura comunitária do desporto, abrindo

portas à tão querida especificidade desportiva. Cf. ALEXANDRE HUSTING, “L’Union européenne, un cadre

réglementaire pour l’activité sportive”,p. 45 , em Sport et Union européenne, Editado por JEAN-MICHEL

DE WAELE e ALEXANDRE HUSTING, 2001, Editions de L’Université de Bruxelles. 25

Decisão publicada na Desporto & Direito. Revista Jurídica do Desporto, Ano II, nº 5, Janeiro/Abril

2005, pp. 203-224, seguida de anotação de ANTÓNIO JOSÉ ROBALO CORDEIRO. Ver, ainda as notas de

CARLOS MANUEL ALVES, em La Semaine Juridique, 21 de Setembro de 2005, nº 38, Jurispudence, pp.

10.124-10.125. Desta decisão foi interposto recurso que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de

Setembro de 2004 (JOUE, 5/3/2005, C 57/16). 26

Decisão publicada Desporto & Direito. Revista Jurídica do Desporto, Ano II, nº 6, Maio/Agosto 2005,

pp. 375-413, seguida de anotação de ANTÓNIO JOSÉ ROBALO CORDEIRO. 27

Texto integral acessível em www.curia.europa.eu/jurisp.

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14

Excerto de texto inédito a pulbicar na Desporto&Direito.Revista Jurídica do Desporto.

A censura que assim é feita ao TPI por ter transposto, de forma automática, a jurisprudência do

Tribunal relativa às liberdades de circulação no domínio do desporto para as regras da concorrência

deve todavia ser atenuada pelo facto de, no passado, nunca o Tribunal de Justiça se ter expressamente

pronunciado sobre este ponto.

A separação dos domínios da livre circulação e da concorrência, com a consequência imediata

de um duplo nível de apreciação, reforça claramente o controlo comunitário sobre o fenómeno

desportivo. Por outras palavras, para que a prática do desporto enquanto actividade económica fique à

margem da aplicação do direito comunitário é necessário que passe o teste não só do carácter

exclusivamente desportivo da sua regulamentação (por exemplo, as regras relativas à composição das

equipas nacionais), mas também dos seus eventuais efeitos anticoncorrenciais.

Sumário do Acórdão 28

: I. As proibições impostas pelas disposições do Tratado não se

aplicam às regras que dizem apenas respeito a questões de desporto

e que, enquanto tais, são estranhas à actividade económica;

II. As disposições comunitárias em matéria de livre circulação de

pessoas e de livre prestação de serviços não se opõem a

regulamentação ou práticas justificadas por motivos não

económicos inerentes à natureza e ao contexto específicos de certos

encontros desportivos;

III. Contudo, essa restrição do âmbito de aplicação das disposições em

causa deve ser mantida dentro dos limites do seu próprio objecto,

não podendo ser invocada para excluir toda uma actividade

desportiva do âmbito de aplicação do Tratado;

IV. A simples circunstância de uma regra ter carácter puramente

desportivo não exclui, pois, do âmbito de aplicação do Tratado, a

pessoa que exerce uma actividade regulada por essa regra ou o

organismo que a instituiu;

V. O Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao

entender que uma regulamentação pode ser afastada, sem mais, do

âmbito de aplicação dos artigos 81º CE e 82º CE, pelo simples

motivo de ser considerada puramente desportiva à luz dos artigos

39º CE e 49º CE, sem necessidade de verificar preliminarmente se

essa regulamentação preenchia as condições de aplicação daqueles

artigos;

VI. No que respeita ao contexto global em que a regulamentação

controvertida foi adoptada, a Comissão pôde considerar

acertadamente que o objectivo geral dessa regulamentação visa

combater a dopagem, tendo em vista um desenrolar leal da

competição desportiva, e inclui a necessidade de assegurar a

igualdade de oportunidades dos atletas, a sua saúde, a integridade e

a objectividade da competição, bem como os valores éticos do

desporto;

VII. Os efeitos das sanções na liberdade de acção dos atletas, dado estas

serem necessárias para garantir a execução da proibição da

dopagem, devem ser considerados, em princípio, inerentes às regras

antidopagem;

VIII. Há que admitir, no entanto, que o carácter repressivo da

regulamentação antidopagem e a importância das sanções

aplicáveis em caso de violação são susceptíveis de produzir efeitos

negativos na concorrência, uma vez que, caso essas sanções se

revelem infundadas, podem levar à exclusão injustificada do atleta

da competição e, como tal, falsear as condições do exercício da

actividade em causa;

28

Da minha responsabilidade.

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15

IX. Para escapar à proibição do artigo 81º, nº1, CE, as restrições assim

impostas por essa regulamentação devem limitar-se ao necessário

para assegurar o bom desenrolar da competição desportiva;

X. Uma regulamentação pode, com efeito, revelar-se excessiva, por

um lado, no estabelecimento das condições que permitem fixar a

linha divisória entre as situações de dopagem passíveis de sanções e

as situações que não o são e, por outro lado, na severidade das

sanções;

XI. É pacífico que a nandrolona é uma substância anabolizante cuja

presença nos corpos dos atletas pode melhorar os seus

desempenhos, sendo assim justificado o princípio da proibição, à

luz do objectivo da regulamentação antidopagem;

XII. É igualmente pacífico que essa substância pode ser produzida de

forma endógena; contudo, a regulamentação só deve ser

considerada injustificada à luz do objectivo visado se, tendo em

conta o estado dos conhecimentos científicos no momento da sua

adopção ou até no momento em que foi aplicada, o limite de

tolerância estivesse fixado num nível tão baixo que devia ser

considerado que não tomava suficientemente em conta esse

fenómeno;

XIII. Dado que os recorrentes não precisam a que nível o limite de

tolerância devia ter sido fixado no momento relevante, as restrições

que impõem esse limite aos desportistas profissionais não

ultrapassavam o necessário para assegurar o desenrolar e o bom

funcionamento das competições desportivas;

XIV. Além disso, uma vez que os recorrentes não invocaram o carácter

excessivo das sanções aplicáveis e infligidas no caso vertente, não

ficou demonstrado o carácter desproporcionado da regulamentação

antidopagem em causa.

Ver ainda sobre esta importante decisão FRANÇOIS ALAPHILIPPE, “Normes

sportives et Droit Communautaire de la Concurrence – à propos d'un

récente arrêt de la Cour de justice des Communautés européennes”, na

Revue juridique et économique du Sport, nº 80, pp. 7-15.

3. Os acordos bilaterais de cooperação no domínio do desporto

Reduzida projecção imediata na bicefalia normativa deque nos

ocupamos

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16

As relações entre as regras 29

1. Não há nunca um desinteresse total de uma ordem relativamente à outra.

Quem se move na conjugação do Desporto e do Direito cedo se dá conta

que uma das suas marcas distintivas reside no facto de, para pelo menos

para muitas das suas questões – e dos conflitos ou situações patológicas a

ultrapassar –, se lhe apresentar não um acervo de normas jurídicas, mas

antes duas composições normativas, sendo uma de origem pública e outra

de origem privada.

Se o espaço social se vê “ocupado” por dois agregados de normas, tal facto

acareeta, necessariamente, que se estabeleçam relações entre tais conjuntos

normativos.

De aproximação, de cooperação, de integração e, por vezes, de conflito.

Tendencialmente, e porventura ao contrário do que se esperaria ou resulta

de uma visão afastada da realidade normativa do desporto, as situações de

contenda não predominam na actualidade.

2. O apagamento de uma das ordens

a) Da ordem desportiva

Exemplo:

O Acórdão Bosman e a prevalência do Direito Comunitário europeu

sobre as normas das FI.

Todos estão lembrados da decisão do “Caso Bosman” que deitou por

terra uma regulamentação estável das organizações desportivas,

nacionais e internacionais, desde logo no âmbito da modalidade

desportiva futebol 30

.

29

JEAN-PIERRE KARAQUILLO, como na nota 8, pp. 57-70, fala em coordenação das regras. 30

Como bem salienta ALEXANDRE HUSTING, esta decisão do Tribunal de Justiça apresenta um aspecto

digno do maior realce.

Com efeito, ela toca três ordenamentos jurídicos: a ordem jurídica comunitária, a nacional e a desportiva

privada. Por outro lado, essa decisão é bem o exemplo de que há “competições” que não se podem ganhar

num plano nacional. Na verdade, os Estados-Membros, e as suas organizações políticas e judiciárias,

tiveram sempre grandes dificuldades em “vencer” as grandes federações desportivas internacionais, como

é o caso da UEFA ou da FIFA. Só um direito supranacional, como o direito comunitário, foi capaz de

obter este resultado, e sem margens para dúvidas.

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17

Segundo exemplo:

As disposições de controlo antidopagem da UEFA face à lei

francesa: os portugueses que se recusaram a submeter-se a um

controlo antidopagem em França (2003).

b) Da ordem pública

Exemplo:

Carta Olímpica

Chapitre 5 Les Jeux Olympiques 34 Élection de la ville hôte 1 L’élection de toute ville hôte est la prérogative de la Session.

2 La commission exécutive du CIO détermine la procédure à suivre jusqu’à ce

que l’élection par la Session ait lieu. Sauf circonstances exceptionnelles, cette

élection a lieu sept ans avant la celebration des Jeux Olympiques.

3 Le gouvernement national du pays de toute ville requérante doit remettre au

CIO un acte légalement contraignant par lequel ce gouvernement garantit et

prend l’engagement que le pays et ses autorités publiques se conformeront à la

Charte olympique et la respecteront.

Texte d’application de la Règle 34

1.5 Chaque ville requérante a l’obligation de se conformer à la Charte

olympique et à toute autre règle ou exigence édictée par la commission

exécutive du CIO, ainsi qu’à toutes les normes techniques édictées par les FI

pour leurs sports respectifs.

Segundo exemplo:

A realização de grandes eventos internacionais

a) A derrogação de normas de imigração ou do Direito dos

Estrangeiros

b) O EURO 2004 e as transmissões televisivas (melhor visionado

como um caso de cedência ou apagamento fáctico que jurídico)

Terceiro exemplo:

O esgotamento prévio dos recursos jurisdicionais próprios (privados)

antes do acesso à justiça pública.

O artigo 217º da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988: o reconhecimento da justiça desportiva.

Dispõe a norma:

É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não--formais, como

direito de cada um, observados:

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18

§ 1.º O Poder Judiciário só admitirá acções relativas à disciplina e às

competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva,

regulada em lei.

§ 2.º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da

instauração do processo, para proferir decisão final.

LEI N.º 9.615, DE 24 DE MARÇO DE 1998

Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências

CAPÍTULO VII

DA JUSTIÇA DESPORTIVA

Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto, e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório.

§ 1o Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos Tribunais de Justiça

Desportiva são impugnáveis nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal.

§ 2o O recurso ao Poder Judiciário não prejudicará os efeitos desportivos validamente

produzidos em consequência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva.

Art. 55. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva e os Tribunais de Justiça Desportiva serão compostos por nove membros, sendo:

I - dois indicados pela entidade de administração do desporto;

II - dois indicados pelas entidades de prática desportiva que participem de competições oficiais da divisão principal;

III - dois advogados com notório saber jurídico desportivo, indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil;

IV - um representante dos árbitros, por estes indicado;

V - dois representantes dos atletas, por estes indicados.

Uma observação a propósito do modelo de designação dos membros componentes dos

órgãos de justiça desportiva brasileiros e da sua compatibilidade com normas da FIFA.

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19

Estatutos da FIFA

Article 17 Organes

1 Les organes des membres ne peuvent être désignés que par voie d’élection ou de nomination interne.

Les statuts des members doivent prévoir un système leur assurant une indépendance totale lorsqu’ils

procèdent aux élections et nominations.

2 La FIFA ne reconnaît pas les organes d’un membre n’ayant pas été élus ou nommés conformément aux

dispositions de l’al. 1. Cela vaut également pour les organes élus ou nommés uniquement à titre

intérimaire.

3 La FIFA ne reconnaît pas les décisions d’instances n’ayant pas été élues ou nommées conformément

aux dispositions de l’al. 1.

A concepção da justiça desportiva na Lei de Bases do Desporto portuguesa

(Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho)

SECÇÃO III

Justiça desportiva

Artigo 46.º

Impugnabilidade

Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, as decisões e deliberações definitivas

das entidades que integram o associativismo desportivo são impugnáveis, nos termos

gerais de direito.

Artigo 47.º

Questões estritamente desportivas 1 – Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e

deliberações sobre questões estritamente desportivas.

2 – São questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica

ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da

competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos

regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.

3 – No número anterior não estão compreendidas as decisões e deliberações disciplinares relativas a

infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção.

Artigo 48.º

Caso julgado desportivo

O recurso contencioso e a respectiva decisão não prejudicam os efeitos desportivos entretanto

validamente produzidos na sequência da última decisão da instância competente na ordem desportiva.

3. A integração de uma ordem por normas da outra ordem

a) A integração de princípios e normas públicas na ordem desportiva

Exemplo:

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20

Os princípios fundamentais do regime disciplinar privado

Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional

(Época 2006/2007): Artigo 2.º(Conceito de infracção disciplinar),

Artigo 8.º(Princípio de legalidade) e Artigo 10.º(Proibição de dupla

sanção)

Código Brasileiro de Justiça Desportiva: Artigo 2º Princípios, entre

outros consagrados, o da ampla defesa, o do contraditório, o da

legalidade e o da proporcionalidade

Segundo exemplo:

O direito público como direito subsidiário

Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional

(Época 2006/2007): Artigo 7.º (Princípios gerais do direito

disciplinar)

Terceiro exemplo:

Carta Olímpica

31 Pays et nom d’un CNO 1 Dans la Charte olympique, l’expression «pays» signifie un État indépendant reconnu par la

communauté internationale.

b) A integração de normas desportivas na ordem pública

31

Exemplo:

LEI N.º 9.615, DE 24 DE MARÇO DE 1998 Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências

Art. 1o O desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais e obedece às normas

gerais desta Lei, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito.

§ 1o A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas

regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.

31

PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública: O sentido da vinculação administrativa à

juridicidade, Coimbra, Almedina 2003, pp. 604-605 e 777-779, e “ O valor hierárquico-normativo do

Direito Internacional Público na Ordem Jurídica Portuguesa”, em Estudos em Homenagem ao Prof.

Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, Lisboa, Faculdade de Direito de Lisboa, 2005, [697- 718], pp.

716- 718, defende – e não pondo em causa a natureza jur[idica das regras privadas no seu univeros – que

a auto-regulação internacional desportiva representa um elemento de facto para a ordem pública.

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21

Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

Segundo exemplo:

A recepção da Carta Olímpica

Na LBD portuguesa de 2004

Artigo 25.º

Comité Olímpico de Portugal

1 – O Comité Olímpico de Portugal é uma associação sem fins lucrativos, dotada

de personalidade jurídica, que se rege pelos seus estatutos e regulamentos, no

respeito pela lei e pelos princípios e normas vertidos na Carta Olímpica

Internacional.

Na LEI N.º 9.615, DE 24 DE MARÇO DE 1998

Art. 15. Ao Comitê Olímpico Brasileiro-COB, entidade jurídica de direito

privado, compete representar o País nos eventos olímpicos, pan-americanos e

outros de igual natureza, no Comitê Olímpico Internacional e nos movimentos

olímpicos internacionais, e fomentar o movimento olímpico no território

nacional, em conformidade com as disposições da Constituição Federal, bem

como com as disposições estatutárias e regulamentares do Comitê Olímpico

Internacional e da Carta Olímpica.

Terceiro exemplo:

O estatuto de utilidade pública desportiva na lei portuguesa

Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril (Regime jurídico das

federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva),

já objecto de alterações.

O que é o estatuto de utilidade pública desportiva?

Artigo 7.°

Conteúdo

O estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em

exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de

poderes de natureza pública, bem como a titularidade de direitos especialmente

previstos na lei.

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22

Que requisitos têm que ser preenchidos para que a uma federação desportiva

possa ser concedido, pelo Estado, tal estatuto?

Artigo 13.° Atribuição 1 - A atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva é decidida em função dos seguintes critérios:

a) Democraticidade e representatividade dos órgãos federativos;

b) Independência e competência técnica dos órgãos jurisdicionais próprios;

c) Grau de implantação social e desportiva a nível nacional;

d) Enquadramento em federação internacional de reconhecida

representatividade.

Quarto exemplo:

O exemplo da lei portuguesa da prevenção e combate ao doping

(Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho 32

): a recepção das listas de

susbtâncias proíbidas fedrativas e do COI e a previsão de aplicação

de sanções disicplinares federativas mais severas do que as

estabelecidas no diploma 33

.

4. O conflito entre regras

Exemplo:

Uma questão actual

O combate à dopagem e a reserva da vida privada dos praticantes

desportivos e o tratamento dos seus dados pessoais

Agência Mundial Antidopagem

Guia do atleta (3ª edição, 2005)

Disponibilizado, por exemplo, na página na Internet da Federação Portuguesa de

Ciclismo.

Programas mundiais de controlo de dopagem

Informação sobre a localização dos atletas

Para assegurar a disponibilidade para a realização de controlos aos atletas integrados no grupo

alvo de praticantes desportivos, tens necessidade de fornecer informação sobre a tua localização,

se estás identificado no grupo alvo de praticantes desportivos de uma organização anti-dopagem.

Esta informação deve ser fornecida periodicamente, habitualmente de 3 em 3 meses. Apesar

32

Este diploma viu-se alterado pela Lei nº 152/99, de 14 de Setembro e pelo Decreto-Lei nº 192/2002, de

25 de Setembro. 33

Ver o nosso pequeno comentário “Do pluralismo jurídico à inconstitucionalidade”, na

Desporto&Direito. Revista Jurídica do Desporto, Ano III – Setembro/Dezembro 2005, nº7, pp. 155-157.

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23

disso deves verificar os regulamentos específicos da tua organização antidopagem de modo a

tomares conhecimento das tuas obrigações. As alterações ao teu plano de preparação devem

igualmente ser comunicadas.

A informação sobre a localização dos atletas deve incluir detalhes como a morada, local do

emprego, local e horário de treino, programa de competições e informação complementar que

ajude o responsável pelo controlo de dopagem a localizar-te em qualquer momento.

O fornecimento da informação sobre localização dos atletas internacionais ou nacionais

identificados num grupo alvo de praticantes desportivos, constitui uma importante

responsabilidade dos atletas perante o Código Mundial Antidopagem. A falta de informação

sobre a localização, de acordo com os regulamentos da tua organização antidopagem, pode ser

considerada uma violação das regras anti-dopagem e pode por isso ser sancionado.

Segundo exemplo:

Uma questão de sempre (A resolução dos conflitos desportivos)

A norma COI

Carta Olímpica

15 Statut juridique

4 Les décisions du CIO sont définitives. Tout différend relatif à leur application ou interprétation

ne peut être résolue que par la commission exécutive du CIO, et dans certains cas, par arbitrage

devant le Tribunal Arbitral du Sport (TAS).

A norma FIFA

Article 60 Tribunal Arbitral du Sport (TAS)

1 La FIFA reconnaît le recours au Tribunal Arbitral du Sport (TAS), tribunal arbitral

indépendant dont le siège est à Lausanne (Suisse), en cas de litige entre la FIFA, les membres,

les confédérations, les ligues, les clubs, les joueurs, les officiels, les agents de matches et les

agents de joueurs licenciés.

2 La procédure arbitrale est régie par les dispositions du Code de l’arbitrage en matière de sport

du TAS. Le TAS applique en premier lieu les divers règlements de la FIFA ainsi que le droit

suisse à titre supplétif.

Article 61 Compétence du TAS

1 Tout recours contre des décisions prises en dernière instance par la FIFA, notamment les

instances juridictionnelles, ainsi que contre des décisions prises par les confédérations, les

membres ou les ligues doit être déposé auprès du TAS dans un délai de 21 jours suivant la

communication de la décision.

2 Le TAS ne peut être saisi que lorsque toutes les autres instances juridictionnelles ont été

épuisées.

3 Le TAS ne traite pas les recours relatifs :

a) à la violation des Lois du Jeu ;

b) à la suspension inférieure ou égale à quatre matches ou à trois mois (à l’exception des

décisions relatives au dopage) ;

c) aux décisions contre lesquelles un recours auprès d’un tribunal arbitral indépendant ou

ordinaire d’une association ou d’une confédération est possible.

4 Le recours n’a pas d’effet suspensif. L’organe décisionnel competent de la FIFA, ou le cas

échéant le TAS, peut donner effet suspensif au recours.

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24

5 L’ Agence Mondiale Antidopage (AMA) est habilitée, après épuisement des voies de recours

internes de la FIFA, à interjeter un recours contre les décisions relatives au dopage sous les

termes de l’al. 1 du présent article.

Article 62 Engagement

1 Les confédérations, les membres et les ligues s’engagent à reconnoitre le TAS comme instance

juridictionnelle indépendante. Ils s’engagent à prendre toutes les dispositions nécessaires pour

que leurs membres ainsi que leurs joueurs et officiels se soumettent à l’arbitrage du TAS. Les

mêmes dispositions s’appliquent aux agents de matches et aux agents de joueurs licenciés.

2 Tout recours devant un tribunal ordinaire est interdit, sauf s’il est spécifiquement prévu par

les règlements de la FIFA.

3 Les associations doivent insérer dans leurs statuts une disposition selon laquelle leurs clubs et

leurs membres ne peuvent pas porter un litige devant les tribunaux ordinaires mais doivent

soumettre tout différend éventuel aux organes juridictionnels de l’association de la confédération

ou de la FIFA.

Os juizes

1. O Tribunal Arbitral do Desporto

A) O TAS foi criado em 30 de Junho de 1984, na sequência do Congresso Olímpico de

Baden-Baden (1983), por iniciativa do então presidente do COI JUAN ANTÓNIO

SAMARANCH, dando execução à ideia de criar uma instância que, atendendo às suas

particularidades, regulasse, no seio da família olímpica, de forma célere e económica, os

litígios desportivos.

A questão da independência do TAS esteve presente desde a sua fundação. E dir-se-á

que correctamente, pois uma arbitragem séria assenta necessariamente num elevado

grau de objectividade e isenção.

Em acórdão de 15 de Março de 1993, o Tribunal Federal Suíço reconheceu que o

TAS apresenta garantias de independência das partes, afirmando, no que seria uma

constante na sua jurisprudência, a importância do seu papel no domínio do desporto.

Aquele tribunal não deixa, todavia, de deixar alguns avisos. Na sua perspectiva era

necessário esclarecer as relações entre o TAS e o COI, pois sendo este competente para

modificar o estatuto do tribunal, suportando financeiramente o seu funcionamento e

desempenhando um papel considerável na designação dos árbitros, a independência do

TAS poderia ser seriamente afectada no caso de o COI ser parte no processo. E dá a

seguinte recomendação: “seria desejável que se assegurasse uma independência

acrescida do TAS relativamente ao COI”.

Pode dizer-se que o COI recebeu bem este aviso, sem dar mostras de autismo e

sobranceria que caracterizam os que se julgam detentores da verdade, o que só o

prestigiou, criando-se em Paris, em 22 de Junho de 1994, o Conselho Internacional

de Arbitragem em matéria de desporto CIAS, e aprovando-se um novo “Código de

Arbitragem em matéria de desporto”.

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25

O TAS ficou a partir de então sob a autoridade administrativa e financeira do CIAS, o

que constituiu um passo fundamental para a afirmação da sua independência 34

.

B) Existem, assim, dois órgãos vocacionados para assegurar, por via da arbitragem, a

solução dos litígios em matéria do desporto:

O Conselho Internacional de Arbitragem em matéria de desporto

O Tribunal Arbitral do Desporto.

O CIAS é composto por 20 membros por um período renovável de 4 anos:

4 membros pelas Federações Olímpicas Internacionais;

4 membros pela Associação de Comités Olímpicos Nacionais (ACON);

4 membros pelo Comité Olímpico Internacional;

4 membros pelos 12 membros do Conselho, anteriormente designados, com vista a salvaguardar os

interesses dos atletas;

4 membros pelos 16 membros do Conselho, anteriormente designados, entre personalidades

independentes dos organismos que designam os outros membros do Conselho.

Os membros CIAS não podem figurar na lista de árbitros do TAS, em agir como

conselheiros de uma das partes em litígio perante o TAS.

Tem a competência, de designar as personalidades que devem constituir a lista dos

árbitros do TAS e aprovar – por maioria de dois terços – o Código de Arbitragem.

C) Código de Arbitragem

Três tipos de processo de arbitragem:

Arbitragem ordinária

Arbitragem de recurso

Arbitragem ad-hoc

Carta Olímpica

V ARBITRAGE

61 Différends – arbitrage

Tout différend survenant à l’occasion des Jeux Olympiques ou en relation avec ceux-ci sera soumis

exclusivement au Tribunal Arbitral du Sport, conformément au Code de l’arbitrage en matière de sport.

C Le Tribunal Arbitral du Sport (TAS)

1 Mission

34

Cf., ALBINO MENDES BAPTISTA, “O TAS e as garantias de imparcialidade e de independência dos

árbitros”, na Desporto&Direito. Revista Jurídica do Desporto, Ano II, nº5, Janeiro/Abril 2005, pp. 193-

199. O autor anota um Acórdão do Tribunal Federal Suíço, de 27 de Maio de 2003, que decidiu uma

acção proposta por determinados praticantes de ski contra o Comité Olímpico Internacional (COI), a

Federação Internacional de Ski e o Tribunal do Desporto, na qual se alegava a afectação das garantias de

imparcialidade e independência do TAS.

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26

S12 Le TAS met en oeuvre des Formations qui ont pour mission de procurer, par la voie de l’arbitrage

et/ou de la médiation, la solution des litiges survenant dans le domaine du sport conformément au

Règlement de procédure (articles R27 et suivants).

A cet effet, le TAS veille à la constitution des Formations et au bon déroulement des procédures. Il met à

la disposition des parties l’infrastructure nécessaire.

Les Formations sont notamment chargées :

a. de trancher les litiges qui leur sont soumis par la voie de l’arbitrage ordinaire ;

b. de connaître, par la voie de la procédure arbitrale d’appel, des litiges concernant des décisions de

fédérations, associations ou autres organismes sportifs, dans la mesure où les statuts ou règlements desdits

organismes sportifs ou une convention particulière le prévoient.

c. de donner des avis non contraignants à la demande du CIO, des FI, des CNO, de l’AMA, des

associations reconnues par le CIO et des Comités d’Organisation des Jeux Olympiques (COJO).

S20 Le TAS est composé de deux chambres arbitrales, soit la Chambre d’arbitrage ordinaire et la

Chambre arbitrale d’appel.

a. La Chambre d’arbitrage ordinaire met en oeuvre des Formations ayant pour mission de résoudre

les litiges soumis à la procédure ordinaire et exerce, par l’intermédiaire de son Président ou de

son suppléant, toutes les autres fonctions relatives au bon déroulement de la procédure que lui

confère le Règlement de procédure (articles R27 et suivants) ;

b. La Chambre arbitrale d’appel met en oeuvre des Formations ayant pour mission de résoudre les

litiges concernant des décisions de fédérations, associations ou autres organismes sportifs dans la

mesure où les statuts ou règlements desdits organismes sportifs ou une convention particulière le

prévoient. Elle exerce, par l’intermédiaire de son Président ou de son suppléant, toutes les autres

fonctions relatives au bon déroulement de la procédure que lui confère le Règlement de

procédure (articles R27 et suivants).

Os pareceres não vinculativos

A mediação

REGLEMENT DE MEDIATION DU TAS

Conformément aux articles S2 et S6, paragraphe 10 du Code de l’arbitrage en matière de sport, le Conseil

International de l’Arbitrage en matière de Sport adopte le présent Règlement de Médiation.

A. DEFINITION

Article premier

La médiation du TAS est une procédure non contraignante et informelle, fondée sur une convention de

médiation, dans laquelle chaque partie prend l’engagement de chercher en toute bonne foi à négocier avec

l’autre partie et avec l’aide d’un médiateur du TAS pour parvenir à résoudre un litige ayant un lien avec le

sport.

La médiation du TAS est prévue uniquement pour la résolution de litiges relevant de la

procédure ordinaire du TAS. Tous les litiges relatifs à des affaires disciplinaires, de même que les affaires

de dopage, sont expressément exclus de la Médiation du TAS.

Article 2

On entend par convention de médiation, l’accord en vertu duquel les parties sont convenues de soumettre

à la médiation un litige ayant un lien avec le sport qui est déjà survenu ou qui peut survenir entre elles.

Une convention de médiation peut être rédigée sous la forme d’une clause de mediation insérée dans un

contrat ou sous la forme d’une convention séparée.

A intervenção no domínio da dopagem

O artigo 13º do Código Mundial Antidopagem

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27

2. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias

A singular relevância da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União

Europeia

Não se deixe de registar, por fim, na linha de LOЇC GRARD 35

, que o

Tribunal de Justiça tem desempenhado – quer queira quer não - um papel

bem mais para além do de guardião da “legalidade comunitária”.

Com efeito, e substituindo-se inclusive aos tribunais nacionais, ao Tribunal

Europeu dos Direitos do Homem e mesmo ao Tribunal Arbitral do

Desporto (dada a especificidade deste), tem sido encarado pelos agentes

desportivos como a instância jurisdicional que pode fazer face ao “poder

desportivo”.

A jurisdição do Luxemburgo torna-se, assim, por esta via, num verdadeiro

tribunal de questões desportivas.

Algumas considerações finais

1. Quase que diria, a finalizar, que voltámos ao ponto de partida, isto é, à

constatação que estamos também, num plano internacional, confrontados

com duas fontes de normas jus-desportivas.

Uma privada, outra pública.

É certo que autores há que mirando o COI e as FI, respectivas normas e

órgaõs de resolução de conflitos, radicam aqui o Direito Desportivo

Internacional.

Por outro lado, outros olham tais normas – jurídicas no seu «ambiente

natural» – apenas como elementos de facto a considerar na medida em que

sejam recepcionadas pelo ordenamento estatal.

Julgamos difícil, no entanto, sufragar integralmente tais posições.

Até à Segunda Guerra Mundial os Estados abstiveram-se – ou

desconheceram as valências do desporto – de uma intervenção na

actividade desportiva.

Essa ausência conduziu a que uma comunidade internacional desportiva

privada levanta-se, de forma autónoma, todo um ordenamento jurídico de

aplicação universal.

35

“Le sport dans le droit de l’Union europèenne. Exception, derogation, spécifités et droit commum”, na

Revue des Affaires Européennes, 2001-2002, nº3 [288-304], pp. 290-291.

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28

De então para cá, e particularmente nas últimas três décadas, o movimento

publicizante a nível internacional tem vindo num crescendo, não sendo

mais possível sustentar que um Direito Internacional do Desporto

compreenda apenas as normas e os princípios decorrentes das organizações

desportivas.

Por outro lado, é bem visível – até pelos exemplos que fomos adiantando –

que o normativo público não só cobre a imensidão das relações jurídico-

desportivas, a maioria das quais não revela patologias, como reconhece a

ordem desportiva, chegando mesmo a interpretar papel secundário em

muitas situações.

Se nos colocarmos no parâmetro internacional, vamos defrontar-nos, pois,

inexoravelmente, com normas de duplo recorte: público e privado.

E, assim sendo, não podemos fugir aos contínuos desafios que a pluralidade

jurídica nos coloca.

2. Não se termine este simples escrito sem dar conta de alguns indícios

recentes sobre a vivência desses dois universos do desporto, o privado e o

público.

Com efeito, o debate entre autonomia desportiva e posicionamento dos

Estados, desde logo na vertente regulatória do desporto, está bem na ordem

do dia.

Destaquemos três momentos que podem oferecer pistas para uma leitura

possível do futuro.

Em primeiro lugar, daremos sumária conta do denominado Relatório

Independente Sobre o Desporto na Europa (Relatório Arnaut) 36

.

Depois, dedicaremos algum espaço ao primeiro seminário sobre a

Autonomia do Movimento Olímpico e Desportivo.

Por fim, registaremos as conclusões publicitadas de um recente encontro

entre o presidente da FIFA e o presidente da UEFA.

3.1. O texto introdutório do Relatório dá-nos uma boa perspectiva da

filosofia que presidiu à sua elaboração.

No contexto da presidência do Reino Unido foi decidido elaborar um

relatório independente tendente a propor um conjunto de recomendações

tendo em vista implementar a Declaração de Nice 37

.

36

Disponível em http://www.independentfootballreview.com/index.html. 37 O Conselho Europeu de Nice (Dezembro de 2000) deu nova achega à parceria Desporto/União

Europeia.

No capítulo consagrado à Europa dos cidadãos, no espaço da Europa da cultura, o ponto 52 expressa-se

nos seguintes termos:

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29

Com tal propósito foi levada a cabo uma detalhada pesquisa e análise por

um grupo de peritos

“O Conselho Europeu regista a declaração adoptada pelo Conselho (cf. Anexo) sobre a

especificidade do desporto. Além disso, acolhe com satisfação as Conclusões do Conselho relativas à

Agência Mundial Anti-Doping e acorda em intensificar a cooperação europeia neste domínio.

Regista igualmente a Declaração do Milénio da ONU, relativa à promoção da paz e da compreensão

mútua graças ao desporto e à Trégua Olímpica.”

Olhando o referido Anexo (IV às conclusões) constata-se a autonomização de 5 pontos, convidando-se as

Instituições Comunitárias e os Estados-membros a analisar as suas políticas em sua função de todos eles.

O primeiro respeita ao desporto enquanto prática amadora e desporto para todos.

Aí se poderá retirar algo como um reconhecimento de um direito à prática desportiva, pluralista e dotado

de abertura suficiente a enquadrar todas as formas de encarar a prática desportiva.

Esse valor do desporto, essa garantia da sua existência e necessidade de desenvolvimento na Europa,

assenta em considerandos que nesta actividade humana recortam valências sociais, educativas e culturais

essenciais.

Ainda neste específico domínio do acesso à prática desportiva não se deixa de enfatizar os contributos do

desporto para a realização individual e para a integração dos cidadãos portadores de deficiência.

Por outro lado, vê-se mais uma vez sublinhada, em texto internacional, a importância da autonomia das

organizações desportivas e o seu direito à auto-organização através das estruturas associativas

adequadas.

São elas que possuem a missão de organizar e promover as modalidades desportivas, registando-se,

contudo, a necessidade de operarem com base num funcionamento democrático e transparente e

enfatizando-se o domínio das regras especificamente desportivas.

Mas, e é um grande mas, estamos perante um reconhecimento que pressupõe o respeito das legislações

nacionais e comunitárias.

Por último, refere-se que, não obstante se ter presente a evolução do mundo desportivo, as federações

desportivas devem continuar a ser o elemento-chave de uma forma organizativa que garanta a coesão

desportiva e a democracia participativa.

Num segundo momento dedica-se atenção à preservação das políticas de formação dos desportistas.

As federações desportivas, afirma-se, se necessário em parceria com os poderes públicos, devem tomar

as medidas necessárias para a preservação da capacidade de formação dos clubes filiados e para a

qualidade dessa mesma formação.

Mas, de novo o grande mas, no respeito das legislações nacionais e comunitárias.

De seguida o Anexo centra-se na protecção dos jovens desportistas.

E aqui, acima de tudo, regista-se a preocupação quanto às transacções comerciais de desportistas menores

de idade, incluindo os precedentes de países terceiros.

Endereça-se inclusivamente um especial apelo às organizações desportivas e aos Estados-membros para

que investiguem essas práticas, as vigiem e, se necessário, preparem medidas adequadas.

Um penúltimo tema de interesse para o Conselho Europeu é o que respeita ao contexto económico do

desporto e solidariedade.

Neste domínio recolhem-se preocupações já sentidas, por exemplo, pela UEFA, expressando-se a opinião

que o controlo por parte de um único operador financeiro de vários clubes desportivos que participem na

mesma competição, numa mesma modalidade, pode prejudicar a imparcialidade da competição.

Quanto à ideia de solidariedade, navega-se nas teses das soluções francesas, salientando-se o carácter

benéfico das iniciativas tomadas para favorecer uma mutualização de parte das receitas provenientes da

venda dos direitos de retransmissão televisiva, o qual constitui nos dias que correm, como se sabe, uma

das maiores fontes de rendimento para certas disciplinas desportivas.

Um derradeiro espaço é dedicado ao magno problema do regime das transferências.

O Conselho Europeu apoia o diálogo entre o movimento desportivo leia-se, desde logo, FIFA e

UEFA, as organizações dos desportistas profissionais, a Comunidade e os Estados-membros, sobre a

evolução do regime de transferências, tomando em consideração as necessidades específicas do desporto,

[mas] na observância do direito comunitário.

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30

Uma primeira versão do Relatório Independente foi entregue à presidência

do Reino Unido e ao Conselho Europeu, ao Presidente da Comissão

Europeia, ao Presidente do Parlamento Europeu e ainda aos ministros do

desporto dos Estados-Membros, no final de Maio de 2006.

Em Junho a Comissão Europeia decidiu elaborar um Livro Branco sobre o

Desporto.

Nas exactas palavras do Relatório, the objective of this Independent Review

was to consider certain concrete issues facing sport and to adopt a series

of recommendations on how the EU institutions, the EU member states and

the European football authorities could play their own part and thus

implementing the Nice Declaration in order to provide a comprehensive

and robust legal framework for European sport in general and football in particular.

Only a secure and clear legal environment both at European and national

level can assure the fundamental autonomy of sport governing bodies and,

at the same time, allow them to work together with European and national

authorities in building a healthy future for sport.

3.2. Destaquemos aquilo que se prende directamente com as regras

jurídicas – públicas e privadas – e sua convivência.

O Relatório reconhece a necessidade urgente das instituições da União

Europeia adoptarem uma atitude mais proactiva e completa que

proporciona uma maior certeza jurídica para o mundo do desporto e uma

orientação mais clara sobre que práticas são aceitáveis e/ou quais entram no

âmbito legítimo de autonomia dos órgãos de desportivos.

É preciso clarificar o tipo de “regras desportivas” que são automaticamente

compatíveis com a legislação da União Europeia e identificar outras

“regras relativas ao desporto”, nas quais a normação comunitária sendo

aplicável, se encontra sempre condicionada à necessidade de tomar em

conta a especificidade do desporto.

O próprio Relatório adianta os seus conceitos sobre o que são regras

desportivas e regras relacionadas com o desporto 38

.

38

Tivemos, por mais de uma vez, a oportunidade de criticar os caminhos traçados e as conclusões

alcançadas por este Relatório Independente, a que chamamos a denominar por “Relatório UEFA”.

Não sendo este o espaço para nos alongarmos nesse domínio, sempre se dirá, pelo menos como alerta

para o leitor do relatório, que o Relatório em nome da “especificidade desportiva”, procura a excepção

desportiva para o futebol. Excepção diante a aplicação do Direito Comunitário, entenda-se. Para o

Relatório tudo ou quase tudo são “regras especificamente desportivas “ ou “com razões desportivas” que

justificam – melhor dito, impõem – uma atitude “complacente” ou “ compreensiva” da Comissão

Europeia.

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31

Com esse objectivo, entre outras recomendações, propõe-se a elaboração de

um Livro Branco sobre o Desporto Europeu 39

.

4. Em Lausanne, nos dias 21 e 22 de Setembro passado, decorreu o

primeiro Seminário sobre a Autonomia do Movimento Olímpico e

desportivo 40

.

Das resoluções alcançadas, registamos agora, as seguintes:

3/ To underline that the autonomy of the Olympic Movement and all

its constituents is essential in order to guarantee the preservation of

its inherent values, all of which are at the service of improvement of

individuals and society in general; of particular importance is to

protect the integrity of sport competition. This is why all the

attending organisations will strive to ensure the best possible

maintenance of these principles, which should provide for their

increased efficiency, better service to society and good governance.

O Relatório em nome da “especificidade desportiva”, procura a excepção desportiva para o futebol.

Excepção diante a aplicação do Direito Comunitário, entenda-se. Para o Relatório tudo ou quase tudo são

“regras especificamente desportivas “ ou “com razões desportivas” que justificam – melhor dito, impõem

– uma atitude “complacente” ou “ compreensiva” da Comissão Europeia.

O que não foi alcançado no passado, após o Acórdão Bosman, e muito menos na frustrada Constituição

Europeia, é agora retomado com base neste estudo.

Adite-se, a finalizar, um aspecto bem curioso.

O “Relatório Independente da UEFA”, arranca da reafirmação das virtudes do denominado “modelo

europeu do desporto”, modelo esse a preservar face ao “modelo americano do desporto”.

Contudo, ao que se assiste ao longo do texto é a uma permanente travessia do Atlântico, propondo-se

soluções que aí vigoram em diversos domínios.

“O meu amigo da América” vem, ao que parece, socorrer a UEFA. Tal atitude só é compreensível à luz

de considerações economicistas e não, como procura “fazer passar” o «Relatório Independente da

UEFA», nas mais-valias do “modelo europeu do desporto”. 39 No passado dia 20 de Setembro realizou-se um encontro entre o Comissário Europeu responsável pelo

desporto, JÁN FIGEL, e organizações desportivas privadas europeias. Discutiu-se a possibilidade (e o

conteúdo) de um Livro Branco sobre o Desporto, tendo por base o mencionado Relatório.

Sucede que o desporto não é só – felizmente – futebol; consequentemente, o desporto europeu também

não segue esse unanimismo e, tendo isso presente, assim deverá agir a União Europeia e a sua Comissão.

Corresse um sério perigo de vingar uma visão futebolística na Comissão Europeia.

Com efeito, o “Relatório UEFA” é isso mesmo, um relatório do futebol europeu e não, um relatório do

desporto europeu.

Compreendem-se, deste modo, as críticas e reservas, logo adiantadas pela organização dos comités

olímpicos nacionais da Europa, contrária a que tal relatório seja a referência, o ponto de partida, para a

discussão em torno do Livro Branco. No mesmo sentido alinharam diversas federações internacionais.

Na mencionada reunião debateu-se ainda a boa governança assumindo-se, contudo, pelo relato público a

que é possível aceder (http://ec.europa.eu/sport/whatsup/index_en.html), a especificidade do desporto (ou

as diversas especificidades dos diferentes desportos) e a necessidade de respeitar a autonomia das

organizações desportivas como temas nucleares trazidos pelas organizações desportivas.

40

A informação e documentos sobre o seminário encontram-se disponíveis em

http://www.olympic.org/uk/news/olympic_news/full_story_uk.asp?id=1901.

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32

4/ To emphasise that nowadays the development of sport necessarily

results in collaboration with governments and supranational

governmental organisations, the role of which is fundamental. The

Olympic Movement desires full and harmonious cooperation with

these associations based on the mutual respect of the autonomy of

the respective structures and organisations. 41

5. Por último, como mais um elemento de reflexão quanto ao futuro

possível da regulação jurídica do desporto, dê-se conta do teor do

comunicado conjunto da FIFA/UEFA, de 26 de Outubro passado:

Le Président de la FIFA, Joseph S. Blatter, et le président de l'UEFA, Lennart

Johansson, se sont réunis aujourd'hui, jeudi 26 octobre 2006, à Zurich afin d'étudier les

différents moyens d'améliorer la collaboration des deux organisations, notamment au

niveau de la protection de l'autonomie du football.

La pression exercée sur les diverses instances dirigeantes du football ne cesse de

croître, une tendance qui touche non seulement la FIFA, mais aussi les confédérations

ainsi que les associations membres de la FIFA. Les grands clubs, européens

notamment, les puissances économiques et commerciales, les agents de joueurs et

parfois certains gouvernements tentent d'interférer dans les affaires du football. Le

football doit donc défendre sa position.

Partant de là, les deux présidents ont accordé une attention toute particulière au

rapport publié récemment sur les sports européens, l'" Independant European Sports

Review” (IESR) et sont arrivés aux conclusions suivantes:

- Nous adhérons aux messages clés véhiculés dans ce rapport, qui insiste sur

l'autonomie et l'autogestion du sport, toutes deux fondées sur le principe de

subsidiarité qui régit, selon des directives clairement établies par le monde du

sport lui-même, les responsabilités de chacun non seulement à l'échelle

mondiale, mais aussi au niveau des confédérations et des associations membres.

- Nous prônons une définition juridique claire de la frontière entre les

responsabilités du gouvernement et celles du sport.

- Nous comprenons et acceptons les requêtes formulées par les institutions

politiques envers les instances dirigeantes du sport eu égard à la bonne

41

A FIFA apressou-se ( a 28 de Setembro) a expressar o seu apoio condicional às resoluções adoptadas

pelo Seminário.

A esse respeito afirmou o presidente da FIFA: “ A autonomia no âmbito desportivo é um elemento chave

para garantir a integridade de todas as competições e dos valores solidários e democráticos do desporto.

Devemos evitar a ingerência externa que muitas vezes obedece a preceitos estranhos aos puramente

desportivos, sejam estes de natureza económica, política ou de qualquer outra índole”.

Veio a aditar: “Não obstante, não devemos esquecer que o exercício da dita autonomia exige uma gestão

por parte das autoridades desportivas, o fomento da transparência e uma atitude aberta ao diálogo. Para

poder encontrar as melhores soluções, é necessário o diálogo e a cooperação com todas as partes

interessadas, especialmente com as autoridades governamentais, mantendo sempre um respeito mútuo

pelas competências de cada órgão”.

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gouvernance du sport, et sommes prêts à assumer cette responsabilité dans le

football.

- Nous pensons qu'il n'est pas nécessaire que l'Union européenne mette en place

une agence européenne des sports car nous sommes d'avis qu'une telle entité ne

fera qu'accroître la gestion bureaucratique du sport et le risque d'interférences

politiques dans le sport.

- Nous sommes convaincus que la FIFA et l'UEFA peuvent trouver un accord de

collaboration viable avec les autorités politiques d'Europe et du monde entier

pour le bien et le développement de notre sport.

Afin de trouver les meilleures solutions à ces questions encore ouvertes, il est

capital que les points de vue de toutes les instances dirigeantes du football

soient également intégrés dans le travail effectué sur l'IESR.