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FOZ DO IGUAÇU, 2015 XXVI ENANGRAD O PAPEL DAS COMUNIDADES DE PRÁTICA NA PRODUÇÃO DE IDENTIDADE: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO EM COMUNIDADE QUILOMBOLA DO NORTE DE MINAS GERAIS Pedro Augusto Xavier de Assis Tiago Henrique Brandão Rocha

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FOZ$DO$IGUAÇU,$2015$!

XXVI$ENANGRAD$$$$$$$$$$$$$$$$$

$$$$

$$$$$$

$O PAPEL DAS COMUNIDADES DE PRÁTICA NA PRODUÇÃO DE

IDENTIDADE: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO EM COMUNIDADE QUILOMBOLA DONORTE DE MINAS GERAIS Pedro Augusto Xavier de AssisTiago Henrique Brandão Rocha

!!!!!!!!!!!!!!!

O!PAPEL!DAS!COMUNIDADES!DE!PRÁTICA!NA!PRODUÇÃO!DE!IDENTIDADE:!UM!ESTUDO!ETNOGRÁFICO!EM!COMUNIDADE!QUILOMBOLA!DO!NORTE!DE!

MINAS!GERAIS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Tema: Teoria Geral da Administração (TGA)!

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Resumo!!!

O! presente! artigo! teve! como! objetivo! analisar! a! aprendizagem! em! uma! Comunidade! de! Prática!existente!em!um!quilombo!do!Norte!de!Minas!Gerais.!Pretendeu?se!através!de!um!estudo!etnográfico!na! comunidade!Buriti! do!Meio! no!Município! de!São! Francisco,! avaliar! a! produção! de! identidade! a!partir!da!aprendizagem!prática!na!produção!de!artesanato,!identificando!o!papel!dos!participantes!na!geração!de!conhecimento!baseado!na!prática.!Com!base!nesse!objetivo,!elaborou?se!uma!construção!teórica,!a!qual!estabeleceu!na!perspectiva!da!prática,!um!diálogo!sobre!o!fenômeno!da!aprendizagem!situada! e! a! geração! de! identidade.! Ao! relacionar! estes! referenciais! pretende?se! preencher! uma!lacuna! verificada! nos! estudos! de! aprendizagem! situada! no! vinculo! entre! conhecimento! prático! e!geração! de! identidade! em! organizações! sociais.! O! estudo! de! caso! etnográfico! foi! utilizado!metodologicamente! tendo! como! foco! de! estudo! os! grupos! de! artesanato,! que! é! uma! organização!particular!dentro!da!Associação!Quilombola!de!Buriti!do!Meio.!Como!principal!resultado!observou?se!a!identidade!quilombola!ligada!a!um!conjunto!de!práticas,!dentre!elas!o!artesanato.!!

!Palavras!Chaves:!prática,!identidade,!comunidade!quilombola.!!!!Abstract!!!This!article!aims!to!analyze!the!learning!in!an!existing!Practice!Community!at!a!North!of!Minas!Gerais!quilombo.!It!was!intended!through!an!ethnographic!study!in!Buriti!do!Meio!community!in!the!city!of!San!Francisco,! to! evaluate! the! production! of! identity! from! the! practice! learning! in! handcraft! production,!identifying!the!role!of!participants!in!the!production!of!practice?based!knowledge.!Based!on!this!goal,!it!was!elaborated!a!theoretical!construct,!which!established!the!perspective!of!practice,!a!dialogue!about!the! learning! phenomenon! located! and! the! generation! of! identity.! By! linking! these! benchmarks! it!intended! to! fill! a! gap! seen! in! learning! studies! located! in! the! link! between! practical! knowledge! and!generation!of!identity!in!social!organizations.!The!ethnographic!case!study!was!used!methodologically!having! as! focus! of! study! the! handcraft! groups,!which! is! a! private! organization!within! the!Quilombo!Association!of!Buriti!do!Meio.!As!main!result!it!noticed!the!quilombo!identity!linked!to!a!set!of!practices,!including!handcrafts.!!!Key!Words:!practice,!identity,!quilombola!community!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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1!INTRODUÇÃO!!!

Um! dos! objetos! de! crescente! interesse! nos! estudos! empresariais! e! acadêmicos! é! a! nova!forma! de! organização! que! está! surgindo! em! empresas! que! atuam! à! base! do! conhecimento:! a!comunidade!de!prática.!O!desafio!atual!das!empresas!de!acompanhar!a!dinâmica!das!mudanças!e!os!constantes!processos!de! transformação!exigidos!pelo!mercado! tem!gerado!uma! forte!demanda!por!novas!soluções!estratégicas.!A!inovação!e!o!conhecimento!são!primordiais!para!a!sobrevivência!das!empresas!e! tem! impacto!direto!sobre!o!seu!crescimento!econômico.!Nas!declarações!de!missão!e!nos!documentos!sobre!estratégias!das!várias!empresas,!enfatiza?se!o!quão!importante!é!a!inovação!para!clientes,!acionistas!e!para!o!próprio!negócio,!seja!para!seu!futuro,!seja!para!sua!sobrevivência!e!crescimento,!e!uma!das!bases!para!este!modelo!de!gestão!é!o!conhecimento.!

Wenger!e!Snyder! (2001)! afirmam!que!uma!comunidade!de!pratica!é!um!grupo!de!pessoas!informalmente! ligadas! pelo! conhecimento! especializado! compartilhado! e! pela! paixão! por! um!empreendimento!conjunto.!Poucos!estudos!sobre!aprendizagem!organizacional! têm!sido! realizados!em!organizações!sociais! formada!por!grupos!vulneráveis.! !Segundo!Assis!e!Durães!(2014)!observa!se! nas! comunidades! remanescentes! de! quilombos! do! norte! de! Minas,! a! organização! de! grupos!informais! onde! os! líderes! buscam! o! empoderamento! através! da! aprendizagem! e! seguem!identificando! potencialidades! e! implementando! soluções! para! os! seus! problemas! sociais! e!econômicos,! contando! com! a! participação! externa! do! poder! público! dentro! do! Programa! Brasil!Quilombola,!entidades!privadas!e!entidades!não!governamentais,!privadas.!!

O! Programa! Brasil! Quilombola! foi! lançado! em! 12! de! março! de! 2004,! como! o! objetivo! de!consolidar! os! marcos! da! política! de! Estado! para! as! áreas! quilombolas.! É! estruturado! com!planejamento!de!ações!em!quatro!eixos:!acesso!a!terra,! infraestrutura!e!qualidade!de!vida,! inclusão!produtiva! e! desenvolvimento! local,! direitos! e! cidadania,! além! de! possuir! uma! série! de! ações! que!exigem! um! mínimo! conhecimento! por! parte! de! todos! os! envolvidos! no! processo:! as! lideranças!políticas!e!comunitárias,!a!comunidade!quilombola,!os!governos!federal,!estadual!e!municipal!e!suas!entidades!públicas,!universidades!e!a!sociedade!civil!organizada!de!forma!geral.!(BRASILIA,!2003)!

Segundo! narrado! no! Programa,! faz! parte! da! história! do! Brasil! o! tráfico! e! o! comércio! de!africanos!escravizados.!O!Brasil!foi!o!país!que!mais!importou!escravos,!e!o!último!a!abolir!legalmente!a!escravidão.!Desde!o! inicio,! foram!formados!quilombos,!em!todas!as!regiões!do!país.!A!repressão!aos!quilombos,! também!é!histórica!e!se! faz!presente!durante! todo!o!período!colonial!e! imperial.!As!comunidades! foram! violentamente! oprimidas! por! representarem! uma! ruptura! da! ordem! jurídica,!econômica!e!social.!(BRASILIA,!2003).!

Neste!estudo!a!mudança!será!vista!sob!a!perspectiva!da!“improvisação”!que!para!Olikowiski!(1996)! é! mais! emergente,! mais! contínua,! com! um! número! maior! de! surpresas,! mais! difícil! de!controlar,!mais! ligada!ao! conteúdo!de! ação!e! afetada!pelas! pessoas.!O!exame! será! realizado!nas!mudanças! sutis! na! forma! como! os! atores! organizacionais! transformam! ao! longo! do! tempo! os!aspectos!de!suas!práticas!de! trabalho,!estruturas!organizacionais!e!mecanismos!de!coordenação!e!as!implicações!de!tais!mudanças!para!a!organização.!

As! “organizações! sociais”! precisam! das! habilidades! e! conhecimentos! de! seus! integrantes!para!o!alcance!dos!seus!objetivos!e!promoção!do!desenvolvimento!econômico!social.!Os!desafios!no!âmbito!das!“Associações!Quilombolas”!do!Norte!de!Minas!que!buscam!a!redução!das!desigualdades!raciais!com!ênfase!na!população!negra!pode!ser!ainda!maior.!O!ambiente!que!até!2003!era!hostil!aos!problemas!sociais!e!econômicos!existentes!nas!comunidades!remanescentes!de!quilombos!no!Brasil,!agora! se! vê! frente! a! uma! “Agenda! Social! Quilombola”,! definida! no! âmbito! do! Governo! Federal,!através! do!Programa!Brasil!Quilombola,! com! vistas! a!melhorar! as! condições! de! vida! e! ampliar! os!direitos!das!pessoas!que!vivem!em!quilombos!no!Brasil.!!

O!objetivo!geral!da!pesquisa!foi!analisar!a!aprendizagem!prática!na!produção!de!artesanato!e!compreender!o!impacto!na!geração!de!identidade.!!!

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2!!REFERENCIAL!TEÓRICO!!!APRENDIZAGEM!ORGANIZACIONAL!E!AS!COMUNIDADES!DE!PRÁTICAS!

!!O!aprendizado!pode!ser!realizado!em!diversos!níveis.!No!nível!individual,!onde!surgem!ideias!

e!o!conhecimento!que!é!carregado!de!emoções!positivas!ou!negativas.!O!aprendizado!grupal,! foco!principal!deste!trabalho,!onde!ocorre!o!compartilhamento!do!conhecimento!dos!indivíduos,!instituindo?se! nas! estruturas,! regras,! procedimentos! e! elementos! simbólicos! das! organizações,! por! meio! da!aprendizagem!organizacional.!Neste!estudo,! tais! grupos! devem!ser! entendidos! como!comunidades!de!prática.!

A! aprendizagem!é! um!processo! de!mudança,! resultante! de! prática! ou! experiência! anterior,!que! pode! ou! não! manifestar?se! em! um! comportamento,! e! inclui! segundo! Argote! e! Miror?Spektor!(2011),! componentes! explícitos! e! tácitos! ou! de! difícil! percepção.! Muitos! psicólogos! enfatizam! a!necessidade! de! distinguir! entre! o! processo! de! aprendizagem! que! ocorre! dentro! do! organismo! da!pessoa!que!aprende!e!as! respostas!emitidas!por!esta!pessoa.!Fleury!e!Fleury! (2011)!afirmam!que!existem!duas!vertentes!que!sustentam!os!principais!modelos!de!aprendizagem:!o!modelo!behaviorista!e!o!modelo!cognitivo.!

Argote,! McEvily! e! Reagans! (2003)! a! partir! da! organização! da! literatura,! discutem! os!mecanismos!de!gestão!do! conhecimento!e! como!esses!mecanismos!afetam!a! capacidade!de!uma!unidade!criar,!manter!e!transferir!conhecimento,!e!Argote!e!Miror?Spektor!(2011)!desenvolveram!um!quadro! teórico! (Figura! 1)! para! tornar! a! análise! mais! analítica.! Segundo! elas,! a! aprendizagem!organizacional! é! um! processo! que! ocorre! ao! longo! do! tempo.! A! figura! descreve! o! ciclo! tal! qual! a!experiência! é! o! desempenho! da! tarefa! convertida! em! conhecimento! que! por! sua! vez! muda! a!organização! e! afeta! a! experiência! futura.! A! aprendizagem! organizacional! inclui! a! organização! e!também! o! ambiente! onde! ela! está! inserida! O! contexto! organizacional! inclui! características! da!empresa!tais!como!a!sua!estrutura,!a!cultura,!a!tecnologia,!identidade,!memória,!metas,!incentivos!e!estratégia! e! também! as! relações! com! outras! organizações! através! de! alianças,! joint! ventures! e!associações.!(ARGOTE!e!MIROR?SPEKTOR,!2011)!

!

!Figura!1!?!A!Theoretical!Framework!for!Analyzing!Organizational!Learning!!?!Argote!e!Miror?Spektor!(2011)!

Godoy,!Freitas!e!Carvalho!(2011)!alertam!para!a! importância!da!motivação!para!o!processo!de! aprendizagem.! Elas! citam! Piaget! (1983)! que! diz! que! a! psicologia! humana! tem! dois! aspectos:!cognição! (conhecimento)! e! motivação.! O! conhecimento! e! a! aprendizagem! passam! a! ser! o! objeto!central!desse!fenômeno!organizacional,!do!qual!a!motivação!é!a!energia!propulsora.!!

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A! categoria! afetiva! é! constitutiva! do! fenômeno! motivacional,! do! impulso!(pulsão)! em! direção! a! um! objeto! de! conhecimento.! Portanto,! trata?se! de!compreender! a! relação! de! imbricamento! entre! afeto! e! cognição,! ou! seja,!entre! motivação! e! aprendizagem! organizacional.! (GODOIm! FREITASm!CARVALHO,!2011)!

!Normann,!citado!por!Weick!e!Westley!(2004)!conecta!a!aprendizagem!à!cultura!e!disse!que!

estar!consciente!da!cultura,!que!são!os!valores,!crenças!e!sentimentos,!acompanhados!dos!artefatos!de! sua! expressão! e! transmissão! (COOK! e! YANOW,! 1993),! é! aumentar! a! possibilidade! da!aprendizagem.!

Quando! organizações! são! definidas! como! culturas,! torna?se! mais! fácil! falar! sobre! a!aprendizagem.!Cultura!é!um!conceito! complexo!e!muito!debatido.!Entretanto,!a! cultura! tem!grande!vantagem!sobre!outros!conceitos,!uma!vez!que!a!organização!ou!mesmo!sua!estrutura!esta!inserida!em!produtos!específicos,!visíveis!e!tangíveis!do!sistema!social.!

Segundo!Weick!e!Westley!(2004),!a!medida!que!a!cultura!é!explicada,!as!pessoas!percebem!mais! claramente! a! aprendizagem! realizada.! Quando! perceberem! a! aprendizagem! anteriormente!realizada,!estarão!em!melhor!posição!para!retestá?la,!modificá?la!e/ou!reafirmá?la.!O!círculo!se!fecha!em!torno!da!cultura,!que!incorpora!repositórios,!autodesenvolvimento,!cultura!e!coletividade.!

Neste! trabalho,! a! aprendizagem! e! a! produção! do! conhecimento! são! entendidas! como!processos!sociais!que!acontecem!na!interação!entre!sujeitos,!na!interpessoalidade,!na!relação!com!o!outro,! entre! pessoa! e! sociedade,! diferente! da! perspectiva! cognitivista,! focada! nos! processos!cognitivos! localizados! na! mente! dos! indivíduos.! Lave! e! Wenger! (1991)! definem! comunidade! de!prática!como!comunidades!surgidas!de!relações!e!situações!que!envolvem!pessoas!no!cotidiano,!em!seu! ambiente,! que! buscam! soluções! para! problemas! a! serem! enfrentados.! Eles! caracterizam! a!aprendizagem!como!inseparável!da!pratica!social!em!que!está!ocorrendo.!!!

A! comunidade! de! prática! é! um! conjunto! de! relações! entre! pessoas,!atividade! e! mundo,! ao! longo! do! tempo! e! em! relação! com! outras!comunidades! de! prática! tangenciais! e! sobrepostas! (LAVE! &! WENGER,!1991).!

!Os!autores!afirmam!que!a!comunidade!de!prática! requer!mais!que!conhecimento! técnico.!A!

participação!na!prática!cultural!na!qual!algum!conhecimento!existe!é!um!fator!importante!e!a!estrutura!social! desta! prática,! suas! relações! de! poder! e! suas! condições! para! legitimidade! definem!possibilidades!para!a!aprendizagem.!Ao!invés!do!processo!de!aprendizagem!ocorrer!por!repetição!do!desempenho!dos!outros!ou!na!aquisição!do!conhecimento!transmitido!na!instrução,!a!aprendizagem!ocorre!através!de!uma!participação!no!ambiente.!

Daniel! (2003)! afirma! que! a! participação! em! comunidade! de! prática! é! um! princípio! da!aprendizagem! e! se! configura! como! “produção! colaborativa”.! ! O! conhecimento! não! é! algo! que! as!pessoas! possuem!em! sua!mente! e! sim! algo! que! as! pessoas! constroem! juntas.!O! foco! passa! das!estruturas!sociais!e!mentais!para!as!ações!sociais.!

!As!CoP!são!processos!de!construção!e!compartilhamento!de!conhecimento,!que! facilita! a! resolução! de! problemas.! Este! “processo! de! interação! de!pessoas!de!background!culturais!diferentes!(seja!em!termos!de!origem,!de!formação! ou! de! experiência! profissional)! propicia! a! disseminação! das!ideias,!propostas!e!novas!soluções!para!os!problemas!(FLEURYm!FLEURY,!2001).!

!As! comunidades! de! Prática! precisam! de! apoio! e! de! incentivo.! Apesar! de! serem! auto?

organizadas,!requerem!esforços!da!organização!para!que!possam!alavancar.!Não!existe!um!modelo!ideal! para!a! organização,! dentro! das!empresas!por! exemplo!elas! se! reúnem!no!almoço,! outras! se!comunicam!por!grupos!de!discussões,!por!reuniões!semanais!ou!esporádicas,!face!a!face!ou!através!da!Internet.!Wenger!e!Snyder!(2001)!estabelecem!que!“uma!comunidade!de!prática!pode!ou!não!ter!uma!pauta!explícita!em!determinada!semana,!e!em!caso!afirmativo,!é!possível!não!segui?la!ao!pé!da!letra”.!Nota?se!então,!que!CoP,!em!sua!essência,!é!algo!flexível!e!não!engessado,!o!que!propicia!o!desenvolvimento!da!criatividade!de!seus!membros.!

Existem!características!essenciais,!segundo!Gherardi! (2008)!observáveis!nestes!grupos!nas!práticas! situadas:! a! indexicalidade,! reflexividade! e! a! relatabilidade! usadas! pelos! indivíduos! para!conferir!significado!ao!mundo!social!em!que!vivem.!

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A! indexicalidade!das!ações!sociais!significa!que!os!atores!não!costumam!ter!problemas!em!compreender!um!ao!outro,!em!grande!parte!por!que!a!compreensão!é!uma! realização!constante!e!contingente! que! depende! de! seu! trabalho! interpretativo.! A! Reflexividade! refere?se! a! tendência! de!auto?organização! dinâmica! da! interação! social! para! prover! a! sua! própria! constituição,! por!meio! de!práticas!de!relatabilidade!e!exibição!cênica.!A!noção!de!Relatabilidade!é!com!frequência!usada!para!denotar! um! “motivo”,! uma! “razão”! ou! uma! “explicação”.! O! termo! é! utilizado! como! sinônimo! de!“observável?reportável”,!ou!seja,!disponível!para!os!membros!como!práticas!situadas!de!olhar!e!dizer,!isto!é,!uma!propriedade!pública!e!constantemente!demonstrada!das!atividades!comuns.!(GHERARDI,!2008).!

Gherardi!(2008)!enfatiza!que!pessoas!engajadas!em!uma!prática!de!trabalho!reconhecem!um!conjunto! de! posições! sociais! que! são! inter?relacionadas,! que! fazem! sentido! e! que! são!desempenhadas.!As!práticas!transmitem!identidades!que!são!exibidas!em!ocasiões!apropriadas.!Um!conceito!importante!explicado!por!Merriam!e!Caffarella!(1999),!com!base!na!visão!humanista,!é!que!o!ser!humano!é!quem!define!o!seu!destino.!Neste!sentido,!ele!só!se!predispõe!a!aprender!aquilo!que!faz! sentido! para! ele.! Assim! nestes! grupos! existem! níveis! diferentes! de! comprometimento! e!envolvimento.!! As!abordagens!de!empoderamento!e!de!direitos!estão!presentes!nas!estratégias!e!práticas!das! organizações! não! governamentais! que! buscam! promover! o! desenvolvimento,! visando! a!superação!da!pobreza,!afirma!Romano!e!Antunes!(2002).!A!noção!de!empoderamento!começa!a!ser!utilizada!na!década!de!70,!com!os!movimentos!sociais.!Ultimamente,!passam!a!ser!apropriados!pelas!agencias!de!cooperação!e!organizações! financeiras!multilaterais,! como!o!Banco!Mundial.!Com! isto!sofre!um!processo!de!despolitização!e!ganha!uma!dimensão!instrumental!e!metodológica!(ROMANO,!2002).!! Romano!e!Antunes!(2002)!enfatiza!que!nos!últimos!anos,!percebe?se!um!número!crescente!de!instituições!da!Sociedade!Civil!que!introduz!em!sua!estratégia!a!abordagem!baseada!em!direitos,!a! qual! tem! sua! origem! na! luta! pelo! reconhecimento! e! promoção! do! conjunto! de! direitos! humanos!(civis,!políticos,!econômicos,!culturais,!etc).!

!!!3!METODOLOGIA!!!

A! aprendizagem! organizacional! é! um! tema! que! envolve! diversas! disciplinas.! O! estudo! foi!realizado!na!Comunidade!Quilombola!Buriti! do!Meio!em!São!Francisco!–!MG.!Trabalhou?se!com!a!abordagem! da! etnografia! para! uma! aproximação! da! realidade! cotidiana! vivida! por! seus!representantes,!que!se!organizam!em!grupos!para!produção!do!artesanato!que!é!utilizado!como!fonte!de!trabalho!e!renda!por!algumas!famílias.!!

O!interesse!foi!compreender!o!processo!de!aprendizagem!a!partir!da!produção!do!artesanato!que!é!uma!arte!repassada!de!geração!em!geração.!Avaliar!se!o!arranjo!grupal!que!se!forma!em!torno!da!produção!se!caracteriza!como!uma!Comunidade!de!Prática!(COP),!segundo!a!definição!fundadora!de! Ettiene! Wenger,! e! qual! seu! papel! no! processo! de! geração! de! identidade,! transformação! e!empoderamento!da!comunidade.!!

A! pesquisa! teve! uma! abordagem! qualitativa! (LAKATOS! e! MARCONI,! 1991m! VERGARA,!1990),! pois! teve! como! objetivo! compreender! e! explicar! o! arranjo! grupal! em! torno! do! artesanato!existente!na!Comunidade!Buriti!do!Meio!e!se!suas!características!se!enquadram!a!uma!“comunidade!de!prática”.!Foi!um!estudo!de!caso!de!Natureza!Explanatória,!que!para!Yin!(2005)!são!aqueles!que!as!questões!“como”!e!“porque”!norteiam!a!pesquisa!e!provavelmente!levam!ao!uso!dos!estudos!de!caso,!pesquisas!históricas!e!experimentos!como!métodos!de!pesquisa!preferidos.!

Neste!trabalho!a!preocupação!foi!compreender!e!descrever!o!processo!de!aprendizagem!das!comunidades! remanescentes! de! quilombo,! como! um! fenômeno! contemporâneo! que! ocorre! numa!situação!de!vida!real.!O!estudo!de!caso!etnográfico!é!recomendado!neste!caso,!segundo!Bogdan!e!Biklen!(1994)!que!nominam!o!estudo!de!caso!etnográfico!como!estudo!de!caso!de!observação,!cujo!foco! de! estudo! centra?se! numa! organização! particular! ou! em! algum! aspecto! particular! dessa!organização.!Os! setores! focalizados! são:! um! local! específico! dentro! da! organização,! ou! um!grupo!específico!de!pessoas,!ou!qualquer!atividade!da!organização.!Os!sujeitos!são!os!atores!sociais,!ou!o!grupo!natural,!ou!a!microcultura:!pessoas!que! interagem,!que!se! identificam!umas!com!as!outras!e!que! partilham! expectativas! em! relação! ao! comportamento! umas! das! outras! –! partilham! uma!identidade!de!grupo.!

O! estudo! proposto! traz! como! proposição! a! possível! existência! de! comunidade! de! prática!dentro! dos! quilombos! como! uma! estratégia! “não! planejada”! desta! aprendizagem.! Segundo! Yin!

7

(2005),!a!proposição!dirige!a!atenção!para!algo!que!deve!ser!examinado!dentro!do!escopo!do!estudo.!A! pesquisa! caracterizou! a! atuação! dos! representantes! que! se! reúnem! informalmente,! ligados! pela!paixão! de! criar:! “o! artesanato”.! Identificou! e! analisou! o! processo! de! aprendizagem! a! partir! da!participação!nos!grupos!de!trabalho!artesanal.!

Os! dados! primários! foram! obtidos! por! meio! de! diversas! entrevistas! que! foram! gravadas! e!transcritas! com! os! artesãos! das! comunidades! quilombolas,! ao! longo! da! execução! do! Projeto! de!Extensão!Quilombos!do!São!Francisco,!da!PUC!Minas!–!Pontifícia!Universidade!Católica!de!Minas!Gerais,! de! Julho! de! 2009! a! Junho! de! 2015.! Durante! diversas! reuniões,! oficinas! e! cursos! os!participantes! da! comunidade! foram! estimulados! a! falar! e! contar! um! pouco! das! histórias! de! seus!antepassados! e! da! importância! do! artesanato! para! a! comunidade.! Foram! também!utilizados! como!dados! secundários! as! atas! de! reuniões! da! Associação! Quilombola! Buriti! do! Meio,! relatórios! de!trabalho!elaborado!por!alunos!universitários!de!diversos!cursos!da!PUC!Minas!ao! longo!do!período!de!execução!do!Projeto!de!Extensão,!além!de!reportagens,!artigos!e!outros!materiais!desenvolvidos!academicamente.!

O!trabalho!de!campo,!com!foco!no!artesanato,!na!Comunidade!Quilombola!de!Buriti!do!Meio!foi!acompanhado!na!maior!parte!do!tempo!pela!Dona!das!Neves,!considerada!pela!comunidade!uma!referência!no!artesanato!e!uma!expressão!viva!da!cultura!quilombola.!

Para! caracterização! da! comunidade! foi! realizado! um! levantamento! histórico! com! base! em!informações! disponíveis! na! Prefeitura! Municipal! de! São! Francisco,! estudos! e! diagnósticos!desenvolvidos! pelo! Projeto! de! Extensão! da! PUC! Minas.! Foi! realizada! ainda! uma! pesquisa!bibliográfica!sobre!Comunidades!Quilombolas!no!Brasil!e!sobre!o!Programa!Brasil!Quilombola.!

O!estudo!da!identidade!e!cultura!desenvolvida!a!partir!da!produção!do!artesanato!foi!realizado!com!base!na!análise!da! indexicalidade,! reflexividade!e! relatabilidade!observadas!nas!ações!sociais!segundo!Gherardi!(2008)!e!Gherard!e!Nicolini!(2002).!

O! uso! de! múltiplas! fontes! de! evidência! permitiu! abordar! uma! variação! maior! de! aspectos!históricos!e!comportamentais.!A!vantagem!mais!importante!apresentada!pelo!uso!de!fontes!múltiplas!de! evidência,! no! entanto,! segundo! Yin! (2005),! é! o! desenvolvimento! de! linhas! convergentes! de!investigação,!um!importante!processo!de!triangulação!e!corroboração.!

!!

4!PESQUISA!DE!CAMPO!!!

“Lá!no!passado!no!século!dezesseis,!Em!Grão!Mogol!veio!morar,!Um!homem!fugindo!da!escravidão.!!Só!que!depois!teve!que!se!mudar,!Porque!não!encontrou!o!que!queria.!!Dizia!que!Grão!Mogol!não!era!seu!lugar,!!E!na!Fazenda!Buriti!do!Meio,!!Foi!aonde!ele!veio!parar.!“!(José!Luiz!Ramos!da!Cruz,!“Poeta!do!Velho!Chico”,!aposentado)!

!A!Comunidade!remanescente!de!quilombos!Buriti!do!Meio!está! localizada!na!Zona!Rural!do!

município!de!São!Francisco/MG,!a!39!km!do!centro!urbano,!no!distrito!de!Vila!do!Morro.!Segundo!um!dos! líderes! da! comunidade,! responsável! pela! distribuição!da!água!dos!poços!artesianos!e! um!dos!membros! da! Associação,! há! em! seus! registros! 156! famílias,! e! uma!média! de! 7! a! 8! pessoas! por!família!em!cada!casa,!portanto!podemos!estimar!um!número!entre!1092!e!1248!pessoas!residentes!na!comunidade.!Em!outras!entrevistas,!Dona!Maria!das!Neves!Francisca!Gonçalves!Souza!e!Joana!de! Fátima! Pereira! da! Silva,! Fiscal! da! Associação! e! Agente! de! Saúde,! respectivamente,! afirmam!existir!entre!1500!e!1600!pessoas!no!quilombo.!

Possui!o!nome!de!Buriti!do!Meio!por!estar! localizada!exatamente!no!meio!de!dois!buritis! –!espécie!de!uma!palmeira,!também!conhecida!como!coqueiro?buriti,!que!chega!a!atingir!os!30!metros!de!altura,!que!também!dão!nomes!às!duas!comunidades!que!a!rodeiam:!Buritizinho!do!Morro!e!Buriti!Grande.!

Reconhecida!pela!Fundação!Cultural!dos!Palmares!como!comunidade!quilombola,!mas!ainda!sem!o!território!demarcado,!ou!seja,!ainda!sem!o!título!de!suas!terras,!o!quilombo!luta!para!que!este!direito!seja!exercido!pelas!autoridades!responsáveis,!o!INCRA!–!Instituto!Nacional!de!Colonização!e!Reforma!Agrária.! Inclusive!este!é!um!problema!bastante!corriqueiro!entre!os!quilombos,! levando?se!em!consideração!que!as!habitações!que!possuem,!faziam!parte!de!grandes!fazendas!ou!os!grandes!

8

fazendeiros!se!aproveitaram!da!falta!de!documentação!que!comprovasse!a!posse!respectivas!terras,!e!delas!se!apoderaram.!!

Remanescentes,!escravos!e!fazendeiros,!historicamente!têm!seus!caminhos!entrelaçados,!e!Silva,!citado!por!Girolamo,!afirma!que:!!

!A!abolição!foi!conquistada!pelas!fugas!em!massa!dos!escravos!em!apoio!ao!movimento! abolicionista,! deixando! as! fazendas! literalmente! vazias! e!forçando! a! virada! política! da! princesa,! dos! fazendeiros! e! da! sociedade!como!um!todo.!(SILVA!apud!GIROLAMO,!2002,!p.!94)!!!!!!!

!A! partir! do! surgimento! da! Associação! comunitária,! em! 1994,! a! comunidade! quilombola! se!

organizou!e!tiveram!um!maior!apoio!em!relação!aos!seus!trabalhos,!principalmente!em!se!tratando!de!sua!visibilidade,!e!organização!no!processo!de!fabricação,!sejam!eles!trabalhos!artesanais,!plantios!e!dentre!outros.!

!O!artesanato!–!objeto!de!estudo!deste!trabalho!–!é!uma!das!características!que!identificam!não!somente!o!povo!quilombola,!mas!de!uma! forma!geral,!as!culturas! locais.!E!não!se! limita!a!ser!apenas!uma!arte,!para!muitas!famílias,!é! também!mais!uma!fonte!de!renda!possível!além!do!Bolsa!Família.!Ou!seja,!o!artesanato!é!a!representação!de!uma!cultura,!manutenção!de!sua! identidade,!e!fonte!de!sobrevivência.!!

!O!artesanato!é!para!nós!mais!que!uma!arte,!uma! fonte!de! renda!de!onde!retiramos! o! nosso! sustento.! Nos! produzimos! estes! potes! aqui! na!comunidade! há! mais! de! 200! anos.! Minha! mãe! dizia! que! sempre! foi! a!principal! forma!de! se! obter! renda.! Todos! os! dias! pegávamos!os! potes! na!cabeça! e! andávamos! quilômetros! para! vender! ou! trocar! por! alimento.! A!maior! parte! das! famílias! se! criaram! tendo! o! pote! como! única! fonte! de!dinheiro.!(Dona!Das!Neves!–!Artesã)!!!!!!!

!Conhecimento! é! algo! socialmente! construído.! Para! Geiger! (2009),! a! aprendizagem! e! o!

conhecimento!são!partes!da!prática,!elas!acontecem!na!prática!através!da!participação.!No!Quilombo!Buriti!do!Meio,!esta!participação!é!ativa,!em!família,!onde!há!diversos!artesãos!e!artesãs!e!as!mais!variadas! formas!de!artesanato,! como!exemplo,!o!artesanato!de!barro,!a! tecelagem!de!algodão!e!a!esteira!de!palha!de!banana!que!são!os!mais!comuns.!Conhecimento!no!quilombo!não!é!algo!formal,!abstrato!lá!fora,!esperando!para!ser!descoberto,!mas!fruto!de!um!processo!relacional,!tendo!dentro!da!prática!situada!o!seu!“locus”.!

!!

!!

Figura!2:!Casa!da!Artesã!D.!Das!Neves!Fonte:!Foto!dos!Autores!(2014)!

!Em!se!tratando!de!identidade,!há!uma!correlação!muito!forte!entre!a!identidade!quilombola!e!

o!artesanato!produzido!na!comunidade.!Este!é!um!dos!motivos!que!os!levam!a!manter!a!forma!mais!rústica! e! original! existente! “desde! sempre”! cujo! no! processo! de! fabricação,! o! forno! específico! é!construído!com!base!na!ideia!trazida!da!África,!pelos!primeiros!quilombolas!de!Buriti.!

!

9

Este!forno!foi!trazido!pelos!primeiros!negros!que!habitaram!o!quilombo,!através!de!uma!idéia!já!vinda!de!centenas!de!anos.!Tentaram!adaptar!outros!fornos!na!região!mas!uma!artesã!antiga,!que!não!está!mais!entre!nós,!viu!que!este!seria!o!melhor!e!que!teriam!mais!resultado.!(Wendel!Marcelino!de!Lima,!Agente!Cultural)!!

! Todas!as!peças!do!artesanato!de!barro!fabricadas!pelos!artesãos!da!comunidade!são!feitas!de!argila,! totalmente!retirada!de!uma!gruta!dentro!do!quilombo,!esculpidas!à!mão!e!depois!de!ter!o!formato!desejado,!são! levadas!ao! forno!a!uma! temperatura!que!pode!atingir!os!1000!°C! (mil!graus!Celsius)! por! um! determinado! tempo,! para! que! a! peça! dê! a! liga! necessária! e! fique! totalmente!uniforme.!Esta!argila!utilizada!pode!ser!encontrada!em!três!colorações:!avermelhada,!esverdeada,!e!não!tão!comum,!em!tom!azulado.!!

Este!barro,!podemos!dizer!que!ainda!manterá!umas!20!ou!30!gerações!pela!frente.!Podemos!retirá?lo!em!um!tom!avermelhado!ou!um!esverdeado,!isso!depende!do!nível!que!procuramos.!(Wendel,!Agente!Cultural)!!

!A!prática!do!artesanato!em!Buriti!do!Meio!vem!sendo!repassada!de!geração!em!geração,!e!

nos!primórdios!era!a!única!maneira!de!sobreviverem,!de!terem!utensílios!domésticos!como!panelas,!pratos,!potes,!e!entre!outros.!Essa!arte!foi!sendo!trabalhada!e!aprimorada.!Hoje!conta!com!diversos!tipos!de!objetos!tais!como!jarros,!bonecas!–!também!conhecidas!como!namoradeiras,!gamelas,!vasos!ornamentais,!esculturas!e!imagens.!

!!

!!

Figura!3!–!Produção!do!Artesanato!Fonte:!Foto!dos!autores!(2010)!

!!Existe!uma!forte! ligação!apaixonada!das!artesãs!com!o!objeto!de!sua!prática:!o!artesanato.!

De!forma!coletiva,!os!grupos!avaliam!a!própria!criação!e!buscam!as!melhorias!possíveis,!mas!sempre!muito! preocupadas!em!não!perder! a! originalidade.!As!praticantes!buscam!o! refinamento! constante!das!peças!artesanais,!porém!alinhadas!por!um!canal!de!comunicação!próprio!e!exclusivo!garantem!a!manutenção!do!conceito!que!se!traz!ao!longo!de!séculos.!

!Aprendi!a!fazer!potes!de!barro!com!a!minha!mãe!que!desde!cedo!me!levava!para!o!poço!para!retirar!a!argila!e!depois!me!ensinava,!enquanto!eu!brincava!de!fazer!panelinha!de!barro.!Minha!preocupação!era!tentar!fazer!a!panelinha!igual!a!que!ela!fazia.!(Flavia,!filha!mais!velha!de!Dona!Das!Neves)!

!A!competência!pragmática!desenvolvida!dentro!de!uma!comunidade!de!praticantes!consiste!

não!só!da!apropriação!de!um!vocabulário!especializado!e!seu!uso!competente!durante!as!interações,!mas! também! em! saber! como! entender! o! que! os! outros! estão! dizendo,! levando! em! conta! a! suas!implicações! para! a! ação! e! como! a! expressão! do! julgamento! estético,! segundo!Gherardi! (2009).! A!comunicação!pragmática!entre!as!pessoas,!dentro!de!sua!comunidade,!desenvolve!e!refina!o!gosto!pela!prática!através!da!conversa!sobre!a!prática!e!sua!avaliação!de!acordo!com!categorias!estéticas!

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que! não! são! necessariamente! feitas! explicitamente.! Esta! comunicação! interna,! exclusiva! de! cada!grupo! na! comunidade! quilombola,! vai! garantindo! a! “originalidade”! das! peças! ao! longo! de! séculos,!gerando!a!identidade!do!quilombo.!Os!potes!são!facilmente!reconhecidos!pelo!norte!de!Minas,!como!os!“Potes!de!Buriti!do!Meio”.!

O! “apego”! para! Gherardi! (2009)! é! definido! como! o! resultado! de! uma! reflexão! corpórea,!coletiva! e! prática! orquestrada! regulada! por! métodos! que,! por! sua! vez,! são! incessantemente!discutidos!dentro!da!comunidade!de!praticantes.!Existe!o!apego!em!relação!ao!humano!e!também!ao!objeto!não!humano.!Gherardi!(2002)!afirma!que!a!prática!envolve!a!realização!de!alinhamentos!entre!estes! elementos! a! partir! de! posicionamentos! particulares,! em! tempos! particulares,! dentro! de! uma!rede! de! relações.!Pela! necessidade! de! os!mais! jovens! auxiliarem!os! seus! familiares! na! produção,!este!conhecimento!prático!foi!atravessando!gerações.!É!uma!relação!de!amor!familiar!que!envolve!os!filhos,!netos,!sobrinhos!e!a!peça!de!artesanato.!!

!Moradora!da!comunidade,!artesã!da!esteira!de!palha!de!banana.!Começou!aos!9!anos!de!idade!aprendendo!a!trabalhar!com!a!mãe.!Fabricava!para!o!consumo! e! para! os! parentes,! também! faziam! por! trocas! por! feijão,! fava,!queijo! e! leite! com! os! fazendeiros! da! região.! Nunca! deixou! de! fazer! esta!arte,! mesmo! não! tendo! um! comércio.! Faz! para! sua! utilização! e! para!preservar!arte.!(Dona!Honorilda!Francisca!dos!Santos,!Artesã)!

!Gherardi!(2009)!afirma!que!o!praticante!“habita”!em!sua!prática.!!A!relação!entre!a!construção!

e!habitação!é!usada!para!questionar!a!relação!entre!meios!e!fins.!Um!dito!famoso!é!que!a!habitação!vem!antes! da! construção.!Nesta! frase! vemos!a! ideia! de!que!uma!prática! social! vem! junto! com!as!ferramentas!que!o!permitem.!!Percebe?se!na!comunidade!que!a!íntima!familiaridade!das!artesãs!com!a!arte,!o!domínio!da!prática,!gera!o!prazer!de!praticá?la,!e!isto!vem!desde!criança.!

Percebe?se! em! cada! entrevista,! o! quanto! a! produção! do! artesanato,! independente! de! sua!natureza,!demonstra!a! identidade!quilombola,!e!acima!de! tudo,!em!cada!pote,!em!cada!esteira,!em!cada!peça,!a!marca!de!uma! família,!e!é!por!esta!marca!que!a!comunidade!os!diferencia.!Além!da!identificação,! o! artesanato! a! dezenas! de! anos,! serviu! de! moeda! de! troca! por! alimentos,! entre! os!próprios! remanescentes! e! fazendeiros! da! região.! Este! costume! pode! ser! visto! também! entre! as!famílias! que! cultivam! a! agricultura,! onde! trocam! seu! plantio! por! outro! alimento! cultivado! por! outra!família.!!

O! artesanato! não! somente! é! uma! arte,! mas! também! uma! das! formas! de! externar! a! sua!identidade,! a! sua! cultura.! É! o! reconhecimento! individual! de! suas! origens,! é! a! aceitação! de! seus!antepassados,!que!tanto!lutaram!pela!liberdade!e!pela!cidadania.!!

Com! a! criação! da! Associação! Comunitária,! e! depois! do! reconhecimento! pela! Fundação!Cultural!Palmares!em!2009,!Buriti!do!Meio!através!do!artesanato!ganhou!visibilidade!e!reforçou!junto!à! sociedade! a! sua! identidade! quilombola.! Passou! então! a! poder! captar! recursos! e! benefícios! de!políticas! públicas,! de! órgãos! como! FUNASA,! DNOCS,! Fundação! Banco! do! Brasil! dentre! outros,!inclusive!para!melhoria!da!produção!do!artesanato.!A!comunidade!foi!beneficiada!com!a!construção!de! três! galpões! que! foram! instalados! em! três! locais! diferentes,! próximos! das! casas! das! artesãs,!sendo! o! maior! deles! na! sede! da! Associação! onde! a! produção! poderia! ser! melhor! armazenada! e!comercializada.!

!Foi! muito! importante! a! construção! destes! galpões! para! que!pudéssemos! produzir! melhor! o! nosso! artesanato.! Antes! ficávamos!embaixo!do!pé!de!manga,!onde!muitas!vezes,!entre!historias!e!prosas,!tínhamos!que!interromper!o!trabalho!pelo!anoitecer!e!se!tornar!difícil!a!visão!para!o!manuseio!das!peças.!(Dona!Das!Neves!–!Artesã)!

!Os! grupos! de! artesanato! são! formados,! geralmente! por! mulheres,! em! torno! de! 7! a! 8!

integrantes,!que!contam!algumas!vezes!com!a!ajuda!dos!filhos!menores!que!vão!aprendendo!a!arte.!A!maior!dificuldade!destes!grupos!é!com!a!venda!e!distribuição,!pois!as!peças!são!pesadas!e!frágeis,!dificultando! o! transporte! em! longas! distâncias.! Ressalta?se! ainda! a! distância! entre! a! comunidade!quilombola!e!a!sede!do!município!de!São!Francisco,!bem!como!de!outros!municípios!vizinhos!onde!o!produto!pode!ser!comercializado.!São!7!km!de!estrada!não!pavimentada!até!a!estrada!principal!que!dará!acesso!a!zona!urbana.!Este!é!um!problema!comum!vivido!pelas!comunidades:!sua!localização.!!

!A! maioria! dos! quilombos! se! localizam! no! meio! do! nada,! com! difícil!acesso.! Isso!por!que!os!negros! fugiam!de!seus!antigos!donos!e!para!

11

se! esconderem,! habitavam! terras! escondidas! e! isoladas! da! zona!urbana.!(José!Luiz!Ramos!da!Cruz,!Aposentado!e!morador!da!região)!

!As!experiências!das!pessoas!dentro!das!práticas!do!artesanato! tornam?se! incorporadas!em!

suas! identidades,! nas! posições! sociais! que! ocupam,! no! status! que! elas! exibem! enquanto!representam! o! conjunto! de! práticas.! A! identidade! quilombola! se! funde! à! identidade! pessoal! e! o!artesanato!é!uma!tangibilidade!desta!cultura.!Mostrando!assim,!através!de!sua!arte,!suas!raízes,!sua!origem.!

!Ser!quilombola!é!lutar,!ser!quilombola!é!resistir,!ser!quilombola!é!rezar,!ser!quilombola!é! festejar,!ser!quilombola!é!afirmar.! (Dona!Das!Neves,!Artesã)!!

A! fala!de!Dona!Das!Neves! retrata!bem!o!significado!de!manter!a!cultura!do!artesanato,!da!arte! aprendida! com! seus! antepassados.! Afirmar.! Cada! peça,! cada! veste,! representa! sua! cultura!sendo! (re)afirmada! e! não! menos! importante,! sendo! mostrada! aos! que! adquirem! uma! peça.! É! o!processo! de! invisibilidade! sendo! deixado! para! trás! e! um! pedaço! da! cultura! quilombola! sendo!repassada,!sendo!valorizada.! !

!5!CONSIDERAÇÕES!FINAIS!!

A!prática!é!entendida!no!campo!da!compreensão!social!como!uma!categoria!coletiva!que!tem!por! objetivo! explicar! e! analisar! as! distinções! sociais! e! de! classe.! Quando! optamos! pela! lente! da!prática! para! estudar! o! processo! de! identidade! da! Comunidade! Quilombola! de! Buriti! do! Meio,! o!interesse! não! era! somente! na! prática! em! si! (por! si! só),! mas! também! no! conceito! bastante!problemático! da! “prática”! que! envolve! a! constante! mudança! e! fluído! natural! do! fenômeno.!Compreender!as! relações!que!a!prática!mantém!com!a!mudança!e!estabilidade!organizacional! tem!sido! uma! questão! que! vem! sendo! abordada! por! diversos! pesquisadores! que! tem! empregado! a!prática!como!lente!para!desenvolver!uma!política!de!conhecimento.!

Se!conhecimento!prático!é! socialmente!construído!por! indivíduos!e!grupos!é! inevitável! que!interpretações!particulares!sejam!apoiadas!por!alguns!e!rejeitadas!por!outros.!Assim,!as!relações!de!poder!em!uma!organização!poderão!desempenhar!um!papel!fundamental.!Neste!contexto,!a!política!e!o!poder!desempenham!um!papel!muito!importante!na!relação!social,!pois!eles!trazem!à!tona!o!papel!dos!conflitos,!contradições!internas!e!as!tensões!entre!os!atores!sociais.!

A! natureza! política! continua! sendo! um! dos! maiores! desafios! na! investigação! da!aprendizagem.!O!poder!é!um!meio!de!construção!das!relações!sociais,!mas!não!é!a!única!fonte!de!promulgação.!Sugere?se!estudos!futuros!dos!impactos!da!geração!de!identidade!no!empoderamento!das!comunidades!de!prática!dentro!do!quilombo.!O!empoderamento!comunitário!caracterizado!como!processo!pelo!qual!os!sujeitos!–!atores! individuais!ou!coletivos!–!de!uma!comunidade,!por!meio!de!processos! participativos! desenvolvem! ações! práticas! para! atingir! seus! objetivos,! coletivamente!definidos,! envolve! um! processo! de! aprendizagem! de! grupos! ou! indivíduos! para! a! articulação! de!interesses,!buscando!a!conquista!de!direitos!e!cidadania.!!

!As! “organizações! sociais”! precisam! das! habilidades! e! conhecimentos! de! seus! integrantes!para!o!alcance!dos!seus!objetivos!e!promoção!do!desenvolvimento!econômico!social.!O!artesanato!é!para!a!Comunidade!Quilombola!de!Buriti! do!Meio!uma! representação! tangível! da! sua! identidade!e!cultura,!que!fortalece!o!seu!povo!na!busca!da!redução!das!desigualdades!raciais!e!na!conquista!de!melhores!condições!de!vida.!Além!de!pertencer!a!um!conjunto!de!atividades!que!distinguem!a!cultura!quilombola.

!

12

REFERÊNCIAS!!!ARGOTE,!Lindam!MIRON?SPEKTOR,!Ella.!Organizational!Learning:!From!Experience! to!Knowledge.!In:!Organization!Science.!Vol.!22,!No.!5,!September–October!2011,!pp.!1123–1137!!ARGOTE,! Lindam! McEVILY,! Billm! REAGANS,! Ray.! Managing! Knowledge! in! Organizations:! An!Integrative! Framework! and! Review! of! EmergingThemes! In:! Management! Science,! Vol.! 49,! No.! 4,!Special! Issue! on! Managing! Knowledge! in! Organizations:! Creating,! Retaining,! and! Transferring!Knowledge!(Apr.,!2003),!pp.!571?582!!!ASSIS,!Pedro!A.!Xm!DURAESm!Marilene!G.!Reconhecimento!dos!Direitos!dos!Povos!Remanescentes!de!Quilombos:! Um!Estudo! a! Partir! da! Experiência! Extensionista! em!Comunidades! quilombolas! da!Cidade!de!São!Francisco,!no!Norte!de!Minas!Gerais.!Projetos!de!Extensão:!saúde,!educação,!novas!tecnologias!e!cidadania!na!PUC!Minas.!PP.180?205.!Belo!Horizonte:!FUMARC,!2014.!!BOGDAN,!R.m!BIKLEN,!S.!Características!da!investigação!qualitativa.!In:!Investigação!qualitativa!em!educação:!uma!introdução!à!teoria!e!aos!métodos.!Porto,!Porto!Editora,!1994.!p.47?!51!!BRASILIA.! Secretaria! de! Políticas! e! Promoção! da! Igualdade! Racial.! Programa! Brasil! Quilombola:!Comunidades!Quilombolas!Brasileiras.!Regularização!Fundiária!e!Políticas!Públicas.!Brasilia.!2003!!COOK,!S.!D.,!N.m!YANOW,!D.!Culture!and!organizational!learning.!Jornal!of!Management!Inquiry,!2,!p.!373?390,!1993.!!DANIELS,!H.!Vygotsky!e!a!pedagogia.!São!Paulo:!Loyola,!2003.!!!FLEURY,Am! FLEURY.! M.! A.! Aprendizagem! e! inovação! organizacional:! as! experiências! de! Japão,!Coréia!e!Brasil.!São!Paulo:!Atlas,!2011.!!FLEURY,! A.m! FLEURY,! M.! A! competência! e! aprendizagem! organizacional.! In:! Estratégias!empresariais!e!formação!de!competências:!um!quebra?cabeça!caleidoscópio!da!industria!brasileira.!2.!ed.!São!Paulo:!Atlas,!2001.!p.!17?33.!!GEIGER,!D.! (2009).!Revisiting! the!Concept!of!Practice:!Toward!an!Argumentative!Understanding!of!Practicing.!MANAGEMENT!LEARNING,!40(2),!129?144.!!GHERARDI,!S.!NICOLINI,!D.!Learning! the! trade.!A!culture!of!safety! in!practice.!Organization!2002m!9(2):!191?223.!!GODOI,! Christiane! K.m! FREITAS,! Sandra!M.! F.m! CARVALHO,! Tais! Bm!Motivação! na! Aprendizagem!Organizacional:! Construindo! as! Categorias! Afetiva,! Cognitiva! e! Social.! Revista! Administração!Mackenzie.!V.!12,!N.!2.!São!Paulo:!2011.!!GHERARDI,!S.!Situated!knowledge!and!sutated!action:!what!do!practice!based!studies!promise?! In!Barry,! D.! and! Hansen,! H.! (ed),! The! SAGE! Handbook! of! New! Approaches! in! Management! and!Organization.!London:!Sagem!2008.!P.!516?527!!GHERARDI,!S.!Practice?!It´s!a!Matter!of!Taste!!Management!Learning,!40(5),!535?550.!2009.!!LAVE,! J.,!WENGER.!E.!Situated! learning:! legitimate! peripheral! participation.!New!York:!Cambridge!University!Press,!1991.!!LAKATOS,!Eva!Mariam!MARCONI,!Marina!de!Andrade.! !Fundamentos!de!metodologia!científica.!3a!ed.!São!Paulo:!Atlas,!1991.!!MERRIAM,! S.m! CAFFARELLA,! R.! Key! theories! of! learning.! In:! Coleção! Harvard! de! Administração.!Learning! in!adulthood:!a!comprehensive!guide.!San!Francisco:!Jossy?Bass.!2.!ed.!1999.!Cap.!11,!p.!248?256.!!

13

OLIKOWSKI,! W.! J.! Improvising! Organizational! Transformation! Over! Time:! A! situated! Change!Perspective,!63.!1996.!!PIAGET,!J.!Problemas!de!epistemologia!genética.!São!Paulo:!Abril!Cultural,!1983.!!ROMANO,!JORGE!O.!Empoderamento:!recuperando!a!questão!do!poder!no!combate!à!pobreza.!In:!ROMANO,!JORGE!Om!ANTUNES,!Marta.!Empoderamento!e!Direitos!no!Combate!à!Pobreza.!Rio!de!Janeiro:!ActionAid!Brasil,!2002.!!ROMANO,! Jorge!O.m! ANTUNES,!Marta.! Introdução! ao! debate! sobre! empoderamento! e! direitos! no!combate! à! pobreza.! In:! ROMANO,! JORGE! Om! ANTUNES,! Marta.! Empoderamento! e! Direitos! no!Combate!à!Pobreza.!Rio!de!Janeiro:!ActionAid!Brasil,!2002.!!SILVA,! Eduardo.!Rui! Barbosa! e! Zumbi! dos!Palmares.! Palmares! em!Ação,! Brasília,! n.! 1,! p.! 54?56,!ago./set.!2002.!!YIN,!R.!K.!Estudo!de!caso:!planejamento!e!métodos.!3.!Ed.!Porto!Alegre:!Bookman,!2005.!!WEICK,! Karlm! WESTLEY,! Francis.! Aprendizagem! Organizacional:! confirmando! um! oxímoro.! In:!CLEGG,! Stewart! R.m! HARDY,! Cynthiam! NORD,! Walter! R.! (orgs.)! Handbook! de! estudos!Organizacionais.!São!Paulo:!Atlas,!2004.!Vol.!3,!p.!361?388.!!WENGER,!E.!C.m!SNYDER,!W.M.!Comunidades!de!prática:!a!fronteira!organizacional.!In:!HARVARD!BUSINESS!REVIEW!(Org.).!Aprendizagem!Organizacional.!Tradução!de!Cásia!Maria!Nasser.!Rio!de!Janeiro:!Campus,!2001.!!!