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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MICHELLE VIEIRA SILVÉRIO DA FONSECA CONTROLE DA CONVENCIONALIDADE: FRENTE AO PACTO DE SAN JOSE DE COSTA RICA CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

MICHELLE VIEIRA SILVÉRIO DA FONSECA

CONTROLE DA CONVENCIONALIDADE: FRENTE AO PACTO DE

SAN JOSE DE COSTA RICA

CURITIBA

2016

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MICHELLE VIEIRA SILVÉRIO DA FONSECA

CONTROLE DA CONVENCIONALIDADE: FRENTE AO PACTO DE

SAN JOSÉ DE COSTA RICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Direito. Professora Orientadora: Helena de Souza Rocha

CURITIBA

2016

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TERMO DE APROVAÇÃO

MICHELLE VIEIRA SILVÉRIO DA FONSECA

CONTROLE DA CONVENCIONALIDADE: FRENTE AO PACTO DE

SAN JOSÉ DE COSTA RICA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ___ de _____________ de 2016.

__________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia da Faculdade de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: _________________________________________ Profa. Helena de Souza Rocha Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Professor: _________________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Professor: _________________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

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DEDICATÓRIA

Ofereço o presente estudo:

Primeiramente a Deus, meu porto seguro e fortaleza, que permitiu a

realização de mais esse sonho em minha vida, sempre me guiando a nunca desistir

dos meus sonhos.

Á minha mãe, mulher guerreira, heroína qυе sempre me apoiou, incentivou

nаs horas difíceis, de desânimo е cansaço. Mãe obrigada por nunca desistir de mim.

Às minhas irmãs que sempre estavam ao meu lado torcendo para a obtenção

do meu sucesso.

Enfim, a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram na minha longa

jornada para a finalização do curso de Direito.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a minha orientadora, pela atenção, dedicação e apoio

em minha longa jornada na busca de um tema perfeito para realização deste

trabalho. Minha escolha ao tema pode ter sido complexa, porém quanto ao

orientador, não tive dúvidas, desde o começo gostaria que fosse a Professora

Helena, pois admiro muito o seu amor à matéria de Direitos Humanos.

Gostaria também de deixar minha gratulação aos professores da

Universidade Tuiuti que estão sempre em prontidão a ajudar seus alunos, em

especial ao Professor Murilo Henrique que me ajudou muito na resolução de

problemas acerca do meu trabalho de conclusão do curso.

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“A desigualdade dos direitos é a primeira condição para que haja direitos."

Friedrich Nietzsche

“O egoísmo causa a ignorância, a cólera e o descontrole, que são a origem

dos problemas do mundo.”

Dalai Lama

“Cada sonho que você deixa pra trás, é um pedaço do seu futuro que deixa

de existir.”

Steve Jobs

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RESUMO

Tem por objeto o presente trabalho monográfico uma análise acerca do Controle de

Convencionalidade, frente ao Pacto de San José de Costa Rica, matéria essa que

engloba desde a matéria de Direitos Humanos até o Direito Constitucional. Esse

tema fora escolhido pois apesar de não ser estudado na grade curricular é de suma

importância na vida dos acadêmicos de direito, pois após ser estudado é possível

compreender sua importância para efetivação dos direitos humanos no Brasil. A

abordagem metodológica do presente estudo é pautada pela pesquisa e análise de

material bibliográfico e documental e tende a demonstrar a importância do controle

de convencionalidade já bastante conhecido na esfera internacional, vem tomando

força no direito nacional dos Estados. Dessa forma, por ser um mecanismo muito

eficiente e utilizado no plano internacional, deve também passar a ser mais

observado pelos corpos judiciais domésticos, que devem utilizar-se de instrumentos

supranacionais advindos do direito dos direitos humanos, com a finalidade de dar

máxima efetividade aos tratados internacionais sobre o tema. Ao final, serão

analisados diversos casos do controle de convencionalidade já ocorridos no Brasil e

julgados pela Corte Interamericana, condenando o Brasil pela incompatibilidade dos

tratados frente as leis internas.

Palavras-Chave: Direitos Humanos. Evolução Histórica. Controle de

Convencionalidade. Pacto de San Jose de Costa Rica. Corte Interamericana.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10

2 DOS DIREITOS HUMANOS .............................................................................. 11

2.1 CONCEITO ...................................................................................................... 11

2.2 TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS .......................................................... 12

2.2.1 Tratados ....................................................................................................... 12

2.2.2 Hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos ............................................ 13

3 PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA .......................................................... 19

3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 19

3.2 ÓRGÃOS DE MONITORAMENTO DO PACTO DE SAN JOSÉ ..................... 19

3.3 OBRIGAÇÕES DOS ESTADOS DECORRENTES DO PACTO SAN JOSÉ....22

3.4 CARÁTER OBRIGATÓRIO DAS SENTENÇAS DA CORTE

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.....................................................23

4 CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE .......................................................... 24

4.1 CONCEITO ...................................................................................................... 24

4.2 O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NA JURISPRUDÊNCIA DA

CORTE INTERAMERICANA..................................................................................26

4.3 O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO BRASIL ............................... 26

4.4 DISTINÇÃO ENTRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ............................................................. 27

4.5 ESPÉCIES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ............................. 28

4.6 MODALIDADES DE CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ...................... 30

5 CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DO PACTO DE SAN JOSÉ DE

COSTA RICA NO BRASIL ..................................................................................... 33

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5.1 ANÁLISE DE CASOS SOBRE O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

FRENTE AO PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA ........................................ 33

5.1.1 Recurso extraordinário 511.961/Sp .............................................................. 33

5.1.2 O Caso do Depositário Infiel à Luz do Controle de Convencionalidade ........ 33

5.1.3 Caso Guerrilha do Araguaia .......................................................................... 35

5.1.4 Juiz Do TJ/RJ faz Controle De Convencionalidade do Crime de Desacato .. 36

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 39

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 41

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto o estudo do controle de

convencionalidade com enfoque no Pacto San Jose de Costa Rica. O controle de

convencionalidade é um tema pouco estudado atualmente, mas de suma

importância, pois emerge como uma temática de extrema relevância no

estabelecimento dos direitos humanos no plano interno.

O controle de convencionalidade tem como princípio fundamental a proteção

dos direitos humanos, no que esta estiver mais bem garantida pelos tratados

internacionais de direitos humanos do que pelo texto constitucional.

O estudo inicia-se com a conceituação dos direitos humanos com um breve

histórico no Brasil. A posteriori estudamos sobre os tratados de direitos humanos e

encerra-se com a hierarquia dos tratados de direitos humanos.

Já no Capítulo 2, o Pacto de San José de Costa Rica será minuciosamente

estudado, começando pela sua origem e entrada em vigor no Brasil, passando a

seguir o estudo da competência e então a jurisdição desse pacto.

No Capítulo 3, o tema a ser abordado é o Controle de Convencionalidade,

como aconteceu seu surgimento no Brasil, qual a distinção entre controle de

constitucionalidade e controle de convencionalidade, trataremos das espécies e

modalidades do controle de convencionalidade.

No último capítulo faremos uma breve introdução acerca do Controle de

Convencionalidade frente ao Pacto de San José de Costa Rica. Por fim, será feita a

análise de diversos casos jurídicos ocorridos no Brasil sobre a convencionalidade

frente ao Pacto de San José de Costa Rica.

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2 DOS DIREITOS HUMANOS

2.1 CONCEITO

Podemos conceituar os direitos humanos como direitos básicos inerentes a

qualquer pessoa, sem distinção de raça, sexo, etnia, religião, etc. Os direitos

humanos são fundamentais para a manutenção da paz.

Os direitos humanos devem ser reconhecidos em qualquer país, grande ou

pequeno, pobre ou rico, independentemente do sistema social e econômico que

essa nação adota. Este reconhecimento, muitas vezes, implica na consagração

destes direitos também nos ordenamentos nacionais, em especial, nas constituições

dos países.

André Carvalho Ramos (2016, p.27-28) conceitua direitos humanos como:

Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são direitos essenciais e indispensáveis à vida digna.

Podemos entender então que direitos humanos são os direitos básicos e indispensáveis à vida digna do ser humano. Não existe um rol taxativo que predetermina quais são os direitos indispensáveis à vida digna, pois estes variam de acordo com a época, pois sempre nascem novos problemas sociais. Porém pode-se minimamente dizer que todo ser humano merece ter uma vida com liberdade, igualdade e dignidade.

Na lição de João Baptista Herkenhoff (1994, p.30-31) nos ensina mais sobre

os direitos humanos:

Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.

Assim pode-se afirmar que os direitos humanos são direitos fundamentais de

qualquer ser humano e o Estado tem o dever de respeitar, proteger e garantir.

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Em sua obra Sidney Guerra (2015, pg. 45) apresenta várias terminologias

usadas como sinônimos para os direitos humanos, e aponta que geralmente a

terminologia “direitos humanos” deve ser usada:

“...para denominar os direitos positivados nas declarações e convenções internacionais, como também as exigências básicas relacionadas com a dignidade, a liberdade e a igualdade de pessoa que não alcançaram um estatuto jurídico positivo.”

2.2 TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS

2.2.1 Tratados

O termo “tratado” é geralmente usado para se referir aos acordos obrigatórios

celebrados entre sujeitos de Direito Internacional. Os tratados internacionais são a

principal fonte de obrigação do Direito Internacional.

Com a necessidade de disciplinar e regular o processo de formação dos

tratados no cenário mundial, nasceu a Convenção de Viena em 1969, também

conhecida como a Lei dos Tratados. Porém, o código de regras limitou-se aos

tratados que são celebrados pelos Estados, afastando as outras pessoas de direito

internacional. A Convenção conceitua tratado como:

Tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica.

Assim entende-se que esses instrumentos somente estarão vinculados ao

Estado, após assinatura e ratificação, gerando importante resultado para o sistema

de proteção dos direitos humanos.

Na Constituição Brasileira encontramos dispositivos com diversas

terminologias quanto aos tratados, são essas: tratados internacionais (arts.5°, §§ 2°

e 3°; 49, I; 89,VIII; 109,V e § 5°), convenção internacional (arts. 5°, § 3; 84, VIII.

109,V), atos internacionais (art. 49,I; 84, VIII), acordos internacionais (arts. 49, I; 178;

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e 52, X, do Ato das Disposições Transitórias) e por fim, compromissos internacionais

(art. 143 X).

Para que um tratado internacional seja formado, segue-se a teoria da Junção

de vontades, ou seja, é necessária a conjunção de vontades entre o Poder

Legislativo e Poder Executivo.

Atualmente são três fases que levam o Brasil a celebrar um tratado e então

assumir obrigações perante o Direito Internacional. A primeira chamada: Fase de

Assinatura é quando o chefe do Estado assina uma predisposição em celebrar o

texto do contrato, e após isso encaminha ao Congresso Nacional para ser julgado.

Na segunda fase, chamada de fase de aprovação, ocorre a votação na Câmara dos

deputados e após a aprovação o Presidente do Senado Federal promulga e pública

o Decreto Legislativo. Na terceira fase ou Fase de Ratificação, após aprovações

anteriores o Presidente celebrará o tratado em definitivo. Por fim, existe uma quarta

fase, Fase do Decreto Presidencial , que torna válida internacionalmente o tratado.

2.2.2 Hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos

Os tratados de direitos humanos são tratados multilaterais adotados no

âmbito de organizações internacionais, que têm como objeto a afirmação de direitos

humanos e o estabelecimento de deveres do Estado em relação ao seu

cumprimento. Os Estados por sua parte, no exercício de sua soberania, decidem se

ratificam ou não o tratado, passando desde o momento de sua ratificação a ter a

obrigação de cumprir aqueles direitos, conforme regras da boa-fé que regula as

relações internacionais dos países

A Convenção de Viena foi adotada em 22 de maio de 1969, entrou em vigor

em 27 de janeiro de 1980, porém o Brasil a ratificou com ressalvas apenas em 25 de

outubro de 2009. A convenção codificou normas costumeiras eficazes para

harmonizar os procedimentos de elaboração, ratificação, denúncia e extinção dos

tratados, adotando como princípios o livre consentimento, a boa-fé e a norma de

direito internacional pacta sun servanda. Em seus artigos 27 e 46, proíbe o Estado

descumprir tratados em razão de normas internas.

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Art. 27 Direito Interno e Observância de Tratados Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46. Art. 46 Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados 1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental. 2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa fé.

O direito brasileiro, até a Constituição de 1988, não outorgava natureza

especial aos tratados de direitos humanos, colocando-os na mesma categoria dos

demais tratados, ou seja, de lei infraconstitucional. Isto colocava em risco sua

eficácia, uma vez que qualquer lei interna poderia revogar a norma convencional,

acarretando em violação das obrigações assumidas pelo Estado internacionalmente.

Contudo, com o advento da Constituição de 1988, houve o surgimento de

novas teorias acerca da natureza e hierarquia dos tratados de direitos humanos em

decorrência da interpretação dos parágrafos 1º e 2º do artigo 5º da Carta.

Art. 5º §1º - as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata Art5º, §2º - os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Enfatiza bem o assunto, Caçado Trindade (Trindade apud Mendes 2008, p

694-695) :

“O propósito do disposto nos parágrafos 1° e 2° do art. 5° da Constituição não é outro que o de assegurar a aplicabilidade direta pelo Poder Judiciário Nacional da normativa internacional de proteção, alçada a nível constitucional (…) A tese da equiparação dos tratados de direitos humanos à legislação infraconstitucional- tal como ainda seguida por alguns setores em nossa prática judiciária não só representa um apego sem reflexão a uma tese anacrônica, já abandonada em alguns países.”

No mesmo sentido, André Carvalho Ramos (2012, p. 147) afirma que o

reconhecimento da hierarquia constitucional de todos os tratados de direitos

humanos:

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“atende melhor a interpretação em conjunto dos dispositivos constitucionais [...], além de ser mais um passo na consolidação do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, caput) e da afirmação dos direitos de todos, superadas as desigualdades sociais e regionais que ainda assolam o país”.

Assim Valerio de Oliveira Mazzuoli (2002, p. 259) conclui: “Ora, se a Constituição Federal permite que tratados internacionais de direitos humanos ingressem no ordenamento interno brasileiro, revestindo-se da natureza de “normas constitucionais”, e, dispondo o produto normativo desses tratados sobre direitos e garantias individuais, a outra conclusão não se chega senão a de que, pelo mandamento do § 1º do art. 5º, e do § 4º, IV, do art. 60 da Carta de 1988, após a entrada de tais normas no ordenamento jurídico brasileiro, não há mais sequer uma maneira de se suprimir qualquer dos direitos provenientes daquele produto normativo convencional, nem mesmo através de Emenda à Constituição. Ou seja, a partir do ingresso de um tratado internacional de direitos humanos no ordenamento constitucional brasileiro, todos os dispositivos normativos passarão, desde o seu ingresso, a constituírem cláusulas pétreas, não mais podendo ser suprimidos por qualquer maneira”.

Porém o Supremo Tribunal Federal não acolheu essa ideia, e entendeu que

esse dispositivo funcionava apenas para ação interna dos direitos fundamentais. O

STF seguiu com a tese de que os tratados de direitos humanos teriam a mesma

hierarquia dos demais tratados, que seriam equivalentes à lei ordinária federal,

então o movimento de direitos humanos teve que agir para tentar convencer o

Congresso a aprovar a emenda Constitucional.

A Emenda Constitucional n. 45/2004, sobre a Reforma do Judiciário, tentou

solucionar esta questão introduzindo o § 3 no art. 5° da CF/88, com o texto:

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três

quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às

emendas constitucionais”.

Seu escopo era primordialmente o de pacificar a matéria e resolver as

celeumas existentes entre a doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

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Ocorre que não deu certo e surgiram ainda mais dúvidas. Com o acréscimo deste

artigo à Constituição Federal, surgiram duas classificações dos tratados de direitos

humanos: os materialmente constitucionais (incorporados antes da Emenda) e os

formal e materialmente constitucionais (instrumentos que observaram o

procedimento equivalente ao de aprovação de emenda constitucional). Como

consequência, os tratados materialmente constitucionais podem ser suscetíveis de

denúncia, ato unilateral praticado pelo Estado com o objetivo de retirar-se do acordo

internacional.

Diversas opiniões doutrinárias foram formadas após a emenda constitucional,

causando ainda mais polêmica acerca do tema, para Valério de Oliveira Mazzuoli

(2010 , pg 219) a interpretação desse novo parágrafo inserido foi:

[...] entender que os tratados ratificados anteriormente à reforma constitucional serão recepcionados como normas constitucionais, ao passo que os ratificados posteriormente valerão como normas infraconstitucionais, enquanto não aprovados pela maioria qualificada estabelecida pelo §3º do art. 5º, é prestigiar a incongruência. Em ambos os casos (ratificação anterior ou posterior à EC 45) o tratado terá status de norma constitucional por integrar o núcleo material do bloco de constitucionalidade [...] O tratado ratificado após a EC 45 não perde o status de norma materialmente constitucional que ele já tem em virtude do art. 5º, §2º, da Constituição. Apenas o que poderá ocorrer é ser ele aprovado com o quorum qualificado do art. 5º, §3º, e, a partir dessa aprovação, integrar formalmente o texto constitucional brasileiro (caso em que será, para além de materialmente constitucional, também formalmente constitucional).

Então para ele os tratados sempre terão status constitucional,

independentemente de ter a votação exigida na nova emenda de 45, o que muda é

que além de ser materialmente constitucional também será formalmente

constitucional.

Acerca da hierarquia dos tratados Flavia Piovesan (2006, P.71) faz o seguinte

posicionamento:

“Em face de todos os argumentos já expostos, sustenta-se que hierarquia constitucional já se extrai de interpretação conferida ao próprio art. 5°, § 2°, da Constituição de 1988. Vale dizer, seria mais adequado que a redação do aludido § 3º do art. 5° endossasse a hierarquia formalmente constitucional de todos os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados, afirmando - tal como o fez o texto argentino - que os tratados internacionais de proteção de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro têm hierarquia constitucional. (...) Desde logo, há que afastar o entendimento segundo o qual, em face do § 3° do art. 5º, todos os tratados de direitos humanos já ratificados seriam recepcionados como lei federal,

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pois não teriam obtido o „quórum‟ qualificado de três quintos, demandado pelo aludido parágrafo. Reitere-se que, por força do art. 5°, § 2°, todos os tratados de direitos humanos, independentemente do „quórum‟ de sua aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O „quorum‟ qualificado está tão-somente a reforçar tal natureza, ao adicionar um astro formalmente constitucional aos tratados ratificados, propiciando a „constitucionalização formal‟ dos tratados de direitos humanos no âmbito jurídico interno. Como já defendido por este trabalho, na hermenêutica emancipatória dos direitos há que imperar uma lógica material e não formal orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da dignidade humana. À hierarquia de valores deve corresponder uma hierarquia de normas, e não o oposto. Vale dizer, a preponderância material de um bem jurídico, como é o caso de um direito fundamental, deve condicionar a forma no plano jurídico-normativo, e não ser condicionado por ela.”

Grande discussão também ocorreu perante os órgãos do STF, pois até a

EC45 o entendimento majoritário do Supremo era que os tratados de direitos

humanos possuíam hierarquia equivalente a lei ordinária federal, assim como os

diversos tratados. Porém após a introdução do art. 5 § 3°, da CF/88, houve uma

revisão do posicionamento do STF acerca da hierarquia dos tratados. Revisão que

teve o marco com o julgamento RE 466.343, referente a prisão civil do depositário

infiel, onde a maioria de votos dos Ministros apresentou novo patamar normativo aos

tratados.

Assim, entende-se que atualmente são reconhecidos três níveis hierárquicos

distintos aos tratados e convenções internacionais. Primeiros os que versam sobre

direitos humanos, aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos,

por 3/5 dos votos dos respectivos membros, são equivalentes às emendas

constitucionais (CF, art. 5º, § 3º). Único exemplo que temos hoje, é a Convenção

sobre os direitos de pessoas com deficiência.

Então há os que versam sobre direitos humanos, mas que foram aprovados

apenas pelo procedimento ordinário – que são aprovados por maioria simples (CF,

art. 47), possuem status supralegal, situando-se entre as leis e a Constituição. Um

exemplo é o Pacto de São José da Costa Rica.

Por fim, há os que não versam sobre direitos humanos e ingressam no

ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária. O STF não admite que

Tratado Internacional trate de matéria reservada à Lei Complementar.

Consagrou-se, assim, a chamada teoria do duplo estatuto de tratados de

direitos humanos. Como consequência dessa teoria, as leis e atos normativos

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somente serão válidos se concordarem com a Constituição e com os tratados

internacionais de direitos humano.

A teoria do duplo estatuto, contudo não é uníssona perante os Ministros do

Supremo Tribunal Federal, pois muitos em seus votos divergentes afirmaram

reconhecer a natureza constitucional dos tratados de direitos humanos em razão do

disposto no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal. A título

exemplificativo, o ministro Celso de Mello considerou que os tratados de direitos

humanos, possuíram força de norma constitucional, diante da previsão do artigo 5º,

§ 1º e 2º da Constituição Federal. Esse entendimento vai ao encontro das

aspirações da doutrina humanista, bem como da consolidada jurisprudência dos

tribunais internacionais de direitos humanos

O ministro Joaquim Barbosa, entendeu por reconhecer a hierarquia

constitucional da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, afirmando que “a

Corte deve evoluir do entendimento então prevalecente (…) para reconhecer a

hierarquia constitucional da Convenção”. Assim o Ministro Barbosa, assim como o

Ministro Celso de Mello reconhece o status normativo constitucional dos tratados de

direitos humanos.

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3 PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA

3.1 INTRODUÇÃO

O Pacto de San José de Costa Rica é um tratado internacional entre os

países-membros da Organização dos Estados Americanos e ganhou esse nome por

ocasião de uma Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos

que ocorreu em São José, Costa Rica na data de 22 de novembro de 1969.

Também é conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos ou

Tratado de San José de Costa Rica.

Apesar de ter sido aprovada em 22 de novembro de 1969, a Convenção só

entrou em vigor em 18 de julho de 1978, quando obteve o número de ratificações

necessárias para sua vigência. O Brasil ratificou a Convenção em 25 de setembro

de 1992, promulgando-a, no âmbito interno em 06 de novembro de 1992.

O Pacto tem como essência a proteção dos direitos humanos, especialmente

direitos civis e políticos, apesar da previsão de realização progressiva em relação

aos direitos econômicos, sociais e culturais nos Estados em que o ratificam.

A Convenção Americana é dividida em três partes: Parte I sobre os Deveres

dos Estados e Direitos Protegidos; Parte II sobre os Meios de Proteção; e a Parte III,

sobre as Disposições Gerais e Transitórias.

3.2 ÓRGÃOS DE MONITORAMENTO DO PACTO DE SAN JOSÉ

Como visto anteriormente, o Pacto de San José de Costa Rica vai além de

tratar apenas dos direitos humanos. Em seu rol de 82 artigos, divididos em onze

capítulos, aprofunda o estudo de direitos civis e políticos garantidos pelo Estado e

cria mecanismos de monitoramento de seu cumprimento pelos Estados partes.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana

são os órgãos responsáveis para monitorar o cumprimento dos direitos supracitados

pelos Estados partes e interpretá-los.

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A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é composta de 7 membros

nacionais de qualquer Estado-membro da OEA, que são eleitos para cumpri seus

mandatos a título pessoal. De acordo com o artigo 41 do Pacto de San José, a

Comissão tem a “função principal de promover a observância e a defesa dos direitos

humanos”, podendo, entre outras funções, “preparar os estudos ou relatórios que

considerar convenientes para o desempenho de suas funções” e “atuar com respeito

às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade”.

No que concerne o recebimento de petições individual sobre a violação dos

artigos do Pacto de San José de Costa Rica pelos Estados membros da OEA, o

artigo 44 do Pacto de San José, dispõe que “qualquer pessoa, grupo de pessoas ou

entidades não governamentais legalmente reconhecidas em um ou mais Estados-

membros da Organização podem apresentar denúncias individuais”. Dentre as

entidades, tem-se permitido a participação das defensorias públicas dos Estados-

membros, o que levou a regulamentação desta competência no Brasil. A Lei

complementar 80/94 em seu artigo 4°, inciso VI que diz:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos;

A Corte Interamericana também é composta por 7 membros, denominados

juízes, que podem ser nacionais dos Estados partes do Pacto de San José e

exercem seu mandato a título pessoal. A Corte tem natureza consultiva e litigiosa,

de acordo com o disposto nos artigos 62.3 e 64 do Pacto de San José:

Artigo 62. 3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como prevêem os incisos anteriores, seja por convenção especial. Artigo 64. 1. Os Estados membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires. 2. A Corte, a pedido de um Estado membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais.

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No tocante à sua competência contenciosa, deve-se destacar que somente os

Estados partes do Pacto San José de Costa Rica ou a Comissão Interamericana

podem interpor algum caso para o julgamento na Corte, e após o esgotamento do

processo perante a Comissão Interamericana.

Assim mesmo, a Corte Interamericana possui uma cláusula facultativa de

jurisdição contenciosa, que diz que só terá jurisdição contenciosa em relação àquela

Estados partes do Pacto que declararem expressamente o reconhecimento de sua

jurisdição, o que pode se dar no momento do depósito da ratificação ou a posteriori,

conforme previsto no artigo 62 do Tratado:

Artigo 62 - 1. Todo Estado-parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção. 2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob condição de reciprocidade, por prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada ao Secretário Geral da Organização, que encaminhará cópias da mesma a outros Estados-membros da Organização e ao Secretário da Corte.

O Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana por

meio do Decreto Legislativo nº 89 de dezembro de 1998, no qual fez a ressalva de

sua competência para fatos ocorridos a partir dessa data. O texto do Decreto dispõe

que:

Art. 1º. É aprovada a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional.

E em 11 de novembro de 2002, no Decreto n. 4463 foi promulgado o

reconhecimento da competência obrigatória da Corte, que dizia:

Art. 1o É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969, de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.

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Assim evidenciamos a competência da Corte Interamericana para analisar

casos referente a violações do Pacto de San José cometidas pelo Estado Brasil para

fatos ocorridos após 10 de dezembro de 1998.

3.3 OBRIGAÇÕES DOS ESTADOS DECORRENTES DO PACTO DE SAN JOSÉ

O Tratado de San José contém 82 artigos em sua composição, e já na

primeira parte expõe os deveres dos Estados Parte e os direitos protegidos. O artigo

primeiro trata da “obrigação de respeitar os direitos” e seu texto traz:

1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Com o texto supracitado acima fica claro que os Estados que fazem parte da

Convenção tem o dever de agir para o cumprimento e respeito dos direitos humanos

já reconhecidos na Convenção. A primeira obrigação que os Estados Partes tem é a

de “respeitar os direitos e liberdades”, direitos esses inerentes a dignidade humana,

que sempre devem ser observados, por norma interna ou internacional. A segunda

é a de “garantir o livre e pleno exercício” dos direitos já definidos no Pacto. O Estado

deve estar preparado juridicamente para agir na prevenção, investigação, punição e

reparação de toda violação desses direitos.

Entende-se assim que o Estado com suas normas jurídicas internas e

tratados internacionais ratificados devem sempre agir para a promoção dos direitos

humanos, e se isso não ocorre, a própria Convenção criou dois órgãos para agir

nessa fiscalização e são eles: a Comissão e a Corte interamericanas.

Enquanto a comissão tem o dever de promover os direitos humanos, a corte

já tem o objetivo de supervisionar se os Estados estão cumprindo o que ratificaram

da Convenção, além das medidas punitivas que devem ser aplicadas por esta em

razão do descumprimento.

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Já o segundo artigo “dever de adotar disposições de direito interno” e

diz:

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

O artigo 2 da Convenção assegura que os direitos mencionados no artigo 1

quando não tratados em leis internas do país, irão adotar as normas constitucionais

da própria convenção ou qualquer outra norma que for necessária para que nenhum

direito fundamental seja descumprido. O Estado-membro tem o dever de prevenir

qualquer violação dos direitos humanos, agindo dentro do âmbito da sua jurisdição

para identificar e punir o responsável pela violação, assim como de indenizar a

vítima do abuso. O Estado também tem o dever de investigar com seriedade

qualquer violação aos direitos adquiridos na Convenção.

3.4 CARÁTER OBRIGATÓRIO DAS SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA

DE DIREITOS HUMANOS

O artigo 68.1 da Convenção Americana diz que os Estados Partes da

Convenção devem cumprir as decisões da Corte, ou seja, devem implementar

através da jurisdição interna o que ficou decidido pelo Tribunal. Texto do art.68.1:

A Corte é o órgão responsável para tratar dos assuntos relacionados com o

cumprimento dos deveres que os Estados partes assumem após a ratificação do

Pacto. Como já visto anteriormente a corte possui uma função contenciosa que atua

na resolução de casos e também na supervisão das sentenças.

Para que a Corte consiga apreciar se houve cumprimento da decisão deve

solicitar aos Estados informações sobre as atividades que foram desenvolvidas

referentes a esse cumprimento, só assim poderá avaliar se a sentença esta sendo

cumprida e se o Estado precisa de mais alguma orientação para que ocorra

efetivamente essa decisão. A Corte entende o efetivo cumprimento de suas

decisões como parte do direito de acesso à justiça.

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4 CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

4.1 CONCEITO

O Controle de Convencionalidade é um tema recente e não estudado durante

graduação de Direito, e por se tratar de um tema importantíssimo para formação

acadêmica de qualquer aluno, será estudado a seguir.

O controle de convencionalidade consiste na análise de compatibilidade

vertical entre as leis domésticas vigentes no país com os tratados internacionais de

direitos humanos vigentes no país.

O controle de convencionalidade tem como princípio fundamental a proteção

dos direitos humanos, no que esta estiver mais bem garantida pelos tratados

internacionais de direitos humanos do que pelo texto constitucional.

É uma espécie de controle de validade de normas, complementar ao controle

de constitucionalidade, pelo qual se verifica a adequação entre a legislação nacional

e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, frente a comunidade

internacional para proteção dos direitos humanos.

Trata-se de um controle de validade das normas nacionais tendo como

parâmetro, não o texto constitucional, mas os compromissos dos tratados

internacionais de proteção dos direitos humanos. Assim podemos entender que o

controle de convencionalidade é uma compatibilização das normas de direito interno

com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país.

Assim a teoria do controle de convencionalidade é uma realidade no âmbito

da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para quem a

aferição da compatibilidade entre o ordenamento jurídico nacional e os tratados

internacionais sobre direitos humanos é uma obrigação não só do governo, mas de

todo o Estado, inclusive do próprio Poder Judiciário.

O controle de convencionalidade é resultado do dever do Estado em

promover a garantia judicial efetiva ao jurisdicionado, assim quando o Estado ratifica

um tratado internacional, como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do

máquina estatal, também estão submetidos a ela, o que lhes obriga a respeitar e

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garantir que os efeitos dos dispositivos da Convenção não se vejam mitigados pela

aplicação de leis contrárias a seu objeto e fim.

Assim, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de “controle de

convencionalidade” entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos

concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Trata-se de formulação pretoriana, pela qual os Estados signatários do Pacto

de São José da Costa Rica, em sua produção legislativa, têm a obrigação de

adequar a sua produção legislativa às obrigações internacionais pertinentes à

proteção dos direitos humanos das quais sejam signatários, sob pena de

responsabilidade internacional. Fala-se em convencionalidade porque o paradigma

de controle não é a constituição nacional, mas o texto das convenções

internacionais a que o Estado se obrigou a cumprir, no que diz respeito à garantia

dos direitos humanos.

Por fim, é importante salientar que o descumprimento do que decidido pela

Corte Interamericana de Direitos Humanos gera responsabilidade internacional para

o Estado previsto nos artigos 1.1 e 2 da Convenção, que diz:

Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Assim o não cumprimento das decisões interpostas pela Corte Interamericana

de Direitos Humanos gera uma visão negativa perante os outros países.

O STF utiliza-se do bloco de constitucionalidade para aplicar ou referir a

Convenção Americana de Direitos Humanos, nem sempre se prestando a

reverenciar a jurisprudência interamericana, assim analisaremos a seguir casos em

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que houve controle de convencionalidade concomitante à interpretação

constitucional.

4.2 O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE

INTERAMERICANA

O controle de convencionalidade apareceu na Corte Interamericana pela

primeira vez na jurisprudência contenciosa no caso de Almonacid Arellano versus

Chile que teve sentença decretada pela corte no ano de 2006.

A Corte entende que para os julgamentos de um país, as leis internas

vigentes devem ser aplicadas como punição, porém acredita que quando um Estado

ratifica um tratado internacional, como a Convenção Americana, deve além de

proceder de acordo com as leis internas respeitar as disposições contidas na

Convenção, entendendo-se assim que o poder judiciário deve exercer o controle de

convencionalidade na aplcicação das normas internas com a Convenção, atuando

sempre com a norma mais benéfica ao cumprimento dos direitos humanos.

Desde o caso de Almonacid Arellano vs. Chile, a Corte foi desenvolvendo o

entendimento do controle de convencionalidade, acreditando que este deve ser

utilizado nos julgamentos quando há necessidade de compatibilizar as normas

internas com as trazidas no Pacto.

A corte também acredita que o controle de convencionalidade deve ser

aplicado ex officio por todos os juízes dos países que ratificaram o Pacto, pois

quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana

seus membros do poder judiciário também estão submetidos a ela, o que os abriga a

realizar esse controle.

4.3 O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO BRASIL

Assim como já estudamos anteriormente, a dignidade humana é o principal

princípio para o surgimento dos Direito Humanos no Brasil. Com a redemocratização

do Brasil a Carta Magna preocupou-se em preservar os direitos humanos e assim

ratificou diversos tratados. E com essas ratificações criou-se a necessidade de

efetivação dos tratados e preservação dos direitos humano, então surge o controle

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da convencionalidade, que vem para verificar se as leis internas respeitam os

tratados e convenções de direitos humanos ratificados.

Após a inserção do art. 5 § 3 na CF/88, permitiu-se a criação do controle de

convencionalidade, pois os tratados de direitos humanos que já eram considerados

materialmente constitucionais, ao passar pelo quórum especial, adquirem o status

de formalmente constitucionais, assim devem ser parâmetro de controle frente as

normas infraconstitucionais.

O primeiro caso de convencionalidade ocorrido no Brasil é o conhecido como

caso Gomes lund que foi levado a corte para investigação de diversas violações

cometidas por agentes estatais na conhecida “Guerrilha do Araguaia”. Nesse caso o

Brasil usou os dispositivos da Lei da Anistia para alegar que não poderiam investigar

ou aplicar a punição devida dos graves delitos ocorridos contra a humanidade.

Porém a Corte interviu e considerou o país culpado por não adequar seu direito

interno à legislação internacional, não fazendo assim, o correto controle de

convencionalidade.

A preocupação está no conteúdo material da lei, e não no seu caráter formal.

Então, o simples fato de ser concedida anistia a crimes graves contra a humanidade

viola a Convenção Americana, não interessando o contexto histórico que antecedeu

a promulgação da citada lei. Como vemos, a decisão da Corte considerou que o

Brasil deixou de exercer o controle de convencionalidade no caso concreto, sendo

que a decisão do STF validou a Lei de Anistia sem considerar as diversas

obrigações assumidas pelo Estado brasileiro em âmbito internacional .

O controle de convencionalidade ainda pouco explorado por doutrinadores do

Brasil e mundo, fora tratado pela primeira vez em monografia de doutoramento de

Valerio de Oliveira Mazzuoli, mestre de Direito Internacional, que dizia: ”controle de

convencionalidade está ligado à compatibilidade vertical das normas do direito

interno com as convenções internacionais de direitos humanos em vigor em um

determinado país”.

4.4 DISTINÇÃO ENTRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E CONTROLE

DE CONVENCIONALIDADE

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O Controle de Constitucionalidade analisa a compatibilidade do texto legal

com a Constituição. Tem como fundamento a supremacia da Constituição, sua

finalidade é a garantia e coerência do ordenamento jurídico. Esse controle é sempre

nacional, pois zela pelos direitos fundamentais contidos na nossa Constituição,

assim o órgão máximo é a Corte Constitucional Nacional.

Assim como vimos anteriormente, o controle de convencionalidade é uma

espécie de controle de validade das normas na proteção dos direitos humanos. Aqui

o que se valora é a compatibilidade das leis com os tratados internacionais. Todas

as vezes que a lei ordinária atritar com os tratados mais favoráveis ou com a

Constituição, essa deverá passar pelo controle de convencionalidade e será

invalidada.

O controle de convencionalidade surgiu através do controle de

constitucionalidade, tendo este como referência e base, diferenciando-se quanto ao

parâmetro para controle, enquanto que naquele tem-se como parâmetro um tratado

internacional e a jurisprudência internacional, neste observa-se a Constituição de um

país.

Enquanto o controle de constitucionalidade tem por objetivo a unidade do

ordenamento, retirando a validade das leis que contradizem a norma fundamental do

sistema, o que se observa com relação à convencionalidade é um caráter

complementar. Significa dizer que, enquanto a Constituição compõe o vértice da

pirâmide normativa, servindo de fundamento para a unidade e coerência do

ordenamento, o caráter das convenções de direitos humanos visa à garantia dos

direitos humanos, pela exclusão de qualquer norma que, ainda que subsistente após

um controle de mera constitucionalidade.

4.5 ESPÉCIES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

Assim como o controle de constitucionalidade, o controle de

convencionalidade poderá ser exercido de forma concentrada ou difusa.

O controle de convencionalidade difuso, existente desde a promulgação da

Constituição Federal de 1988, é aquele que se refere aos tratados que possuem

status normativo de supralegalidade, ou seja, está acima das leis complementares e

abaixo da Constituição. Aqui não existe conflito jurídico concreto e pode ser

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realizado através de qualquer juiz ou tribunal, independentemente de provocação

das partes, haja vista que cabe ao juiz, em suas decisões, aplicar o ordenamento

jurídico, independentemente de alegação formulada por uma das partes do

processo. Porém o STF pode realizar o controle difuso, em face de direito

supralegal, por meio de recurso extraordinário e como exemplo disso podemos citar

o caso do depositário infiel.

Portanto se um Tribunal considerar que uma lei interna não viola o conteúdo

de um tratado com caráter supralegal, será cabível o Recurso Especial ao Superior

Tribunal de Justiça, visto que a situação se equipara à violação de lei federal.

Como exemplo de tratado com status supralegal temos o Pacto de São José

da Costa Rica, internalizado no Brasil pelo Decreto 678/1992, veiculador em âmbito

interno da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

No controle de convencionalidade concentrado, a competência para a

verificação da norma está reservada ao STF. Essa modalidade de controle só é

possível para tratados que possuem hierarquia de emenda constitucional, ou seja,

os tratados aprovados pelo quórum especial contido no art.5 § 3, da CF/88. Assim,

entende-se que qualquer norma desrespeitosa aos tratados com força de emenda

constitucional serão julgadas pelo STF e através da ação de controle de

convencionalidade concentrado garantirá a compatibilidade das normas

infraconstitucionais com o conteúdo desses tratados.

Quando é necessário retirar a validade de uma norma interna que viole um

tratado de direitos humanos que esta em vigor no Brasil com força de emenda

constitucional, propositura de ação de controle de convencionalidade concentrada,

os legitimados para propor essa ação estão previstos no art. 103 da CF/88, que diz:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

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VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Assim, com o controle de convencionalidade o profissional do direito tem a

seu favor um acervo bem mais amplo do que havia anteriormente para poder

invalidar as normas de direito interno que materialmente violam ou a CF/88 ou algum

tratado internacional ratificado pelo governo e em vigor no país.

A Constituição possibilita que os tratados de direitos humanos alçados ao

patamar constitucional, por uma questão lógica deve também garantir-lhes os meios

que garante a qualquer norma constitucional ou emenda de se protegerem contra

investidas não autorizadas do direito infraconstitucional. Portanto, é plenamente

possível defender a possibilidade de ADI (para eivar a norma infraconstitucional de

inconvencionalidade), de ADECON (para garantir à norma infraconstitucional a

compatibilidade vertical com um tratado de direitos humanos formalmente

constitucional), e até mesmo um ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental) para exigir o cumprimento de um “preceito fundamental” encontrado

em tratado de direitos humanos com força de emenda constitucional.

Além do mais, se um Tribunal considerar que determinada lei interna viola o

conteúdo de um tratado com status constitucional, será cabível Recurso

Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, visto que a situação se equipara à

violação de norma constitucional.

4.6 MODALIDADES DE CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

O controle de convencionalidade pode ter âmbito nacional (quando é

realizado por órgãos do próprio Estado) ou supranacional (caso levado a corte

internacional).

Já sabemos que quando um tratado de direitos humanos é aprovado por um

quorum qualificado, contido no art. 5 §3, da CF/88, tem natureza equivalente a

emenda constitucional admitindo-se assim no controle de convencionalidade todos

os instrumentos pertinentes ao controle de constitucionalidade, inclusive as ações

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constitucionais, pois nesse caso, tem natureza de norma formal e materialmente

constitucional. Assim o controle de convencionalidade das referidas normas poderá

ser tanto difuso, quando realizado na via de exceção, quanto concentrado, tomando-

se para tanto as ações diretas de defesa da constituição.

Entretanto nos tratados que versem sobre direitos humanos e que tem status

supralegais, ou seja, não são submetidos a aprovação no quórum qualificado, são

considerados materialmente constitucionais, portanto o controle jurisdicional de

convencionalidade será sempre difuso, não sendo possível a utilização da via

concentrada, em razão da falta de natureza formalmente constitucional.

Nesse sentido, magistral a lição de Mazzuoli, que ensina:

Em suma, todos os tratados que formam o corpus juris convencional dos direitos humanos de que um Estado é parte servem como paradigma ao controle de constitucionalidade/convencionalidade, com as especificações que se fez acima: a) tratados de direitos humanos internalizados com quorum qualificado (equivalentes às emendas constitucionais) são paradigma do controle concentrado (para além, obviamente, do controle difuso) de convencionalidade, cabendo, v.g., uma ADI no STF a fim de invalidar norma infraconstitucional com eles incompatível; b) tratados de direitos humanos que têm somente “status de norma constitucional” (não sendo “equivalentes às emendas constitucionais” dada a não aprovação pela maioria qualificada do art. 5º, §3º) são paradigma apenas do controle difuso de convencionalidade, o qual pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal num caso concreto. Nesse último caso, os juízes e tribunais se fundamentam em tais tratados (de status constitucional) para declarar inválida uma lei que os afronte, da mesma maneira que se fundamentam na Constituição (no controle difuso de constitucionalidade) para invalidar norma infraconstitucional que contra o Texto magno vem a se insurgir.

Já o controle de convencionalidade supranacional analisará a compatibilidade

de atos internos em face de normas internacionais, realizada por órgãos

internacionais. Aqui todo tratado de direitos humanos sempre é norma paramétrica

superior, não importando a hierarquia dos tratados, como ocorre no caso da

convencionalidade nacional.

A composição do plano nacional é formada de juízes e tribunais que

interpretam frequentemente os tratados de direitos humanos frente as leis internas.

Já no plano supranacional há órgãos internacionais que podem ser acionados, para

a interpretação nacional de tratados que sejam incompatíveis com o entendimento

internacional.

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Enfim o verdadeiro controle de convencionalidade, em última instância, é

internacional. Assim os controles nacionais e supranacionais dever interagir,

permitindo-se assim o diálogo entre o Direito Interno e o Direito Internacional,

especialmente quanto às interpretações que os órgãos internacionais nos

forneceram e o Brasil reconheceu.

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5 CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DO PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA

RICA NO BRASIL

5.1 ANÁLISE DE CASOS SOBRE O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

FRENTE AO PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA

5.1.1 Recurso extraordinário 511.961/Sp

No presente Recurso Extraordinário, discutiu-se a compatibilidade da

exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão com a Convenção

Americana de Direitos Humanos e a Constituição Brasileira.

O STF trouxe à colação do Informe Anual da Comissão Interamericana de

Direitos Humanos, de 25 de fevereiro de 2009, ratificando que esse também é o

entendimento da Organização dos Estados Americanos. Nesse presente caso, o

Ministério Público Federal alegou que, não importa a hierarquia conferida ao Pacto

San José da Costa Rica, o art. 4º, inc. V, do decreto-lei nº 972/69, teve sua eficácia

paralisada pela CADH. O MPF adicionou que não somente esse decreto-lei, mas

também as restrições contidas na lei nº 7.360/85 e na lei nº 6.612/79 tiveram sua

eficácia paralisada.

Por fim, a decisão do STF cita vários trechos da decisão da Corte

Interamericana, afirmando que o jornalismo é a manifestação primária da liberdade

de expressão, diferenciando-se das demais profissões. O jornalismo seria o

exercício de modo contínuo e remunerado da liberdade de expressão, assim,

considerou inconstitucional a exigência de diploma para o exercício dessa profissão.

5.1.2 O Caso do Depositário Infiel à Luz do Controle de Convencionalidade

Até o ano de 1977 o Supremo Tribunal, persistiu no julgamento do Recurso

Extraordinário 80.004, que por decisão majoritária, estabeleceu-se a tese de que

diante de um conflito entre tratado e lei posterior, esta tem sua prevalência

garantida. A partir desse momento que a jurisprudência do STF passa a preconizar a

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tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções internacionais (MENDES,

2008, p.11).

Mesmo com a promulgação da Constituição de 1988, o STF não mudou de

ideia acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos e leis internas. Foi por

força da ratificação da Convenção Americana em 1992 que sucedeu o debate

acerca da possível revogação, pelo Pacto de San José da Costa Rica, da expressão

“depositário infiel” do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição de 1988, assim como

a revogação da legislação infraconstitucional que tenha fundamento direto ou

indireto neste dispositivo constitucional. O artigo 7º, item 7, da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, que determina:

Art 7° Direito à Liberdade Pessoal: 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

Assim, de acordo com Luiz Alberto Pereira Ribeiro (2006, p. 278): De um lado

temos a Constituição Federal de 1988, que prevê a possibilidade da prisão civil por

dívida nos casos de depositário infiel [...] e descumprimento de obrigação alimentar

[...]. De outro lado, a Constituição Federal de 1988 determina, expressamente, a

validade dos tratados internacionais.

Na tentativa de resolver esta controvérsia envolvendo lei, Constituição e

tratado internacional de direitos humanos ratificado anteriormente à Emenda

45/2004, o Supremo Tribunal Federal julgou os processos, não havendo como negar

o fato de que a decretação da prisão civil do depositário infiel é ilícita.

O STF fundamentou sua decisão tomando parte pela tese que atribui a

condição de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos,

rejeitando a antiga concepção que colocava tais acordos internacionais em situação

de paridade com a legislação ordinária. A interpretação atualmente adotada por esta

cúpula, segundo o Ministro Gilmar Mendes (2008, p. 21), “pugna pelo argumento de

que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de

seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também

seriam dotados de um atributo de supralegalidade” .

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No entanto, o Supremo negou a possibilidade de revogação do texto

constitucional, pois, Diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos

internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel não foi

revogada pela ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos apenas

deixara de ter aplicabilidade.

Deste modo se deu o controle de convencionalidade interno, no caso do

depositário infiel: durante a resolução de um problema, percebeu a incongruência

das normas aplicáveis às disposições do tratado de direitos humanos, art. 7º, item 7

da Convenção Americana. O Supremo Tribunal Federal cuidou, portanto, de

compatibilizá-los, aplicando o dispositivo internacional em detrimento das normas

constitucional e ordinária. Entendemos que parte do conflito de aplicabilidade das

normas foi resolvido com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, com a

inserção do §3º ao artigo 5º da Constituição Federal, prevendo que todos os tratados

internacionais de direitos humanos os quais seja o Brasil signatário, adquirem

automaticamente status de emenda constitucional, desde que aprovados mediante

procedimento especial. Deste modo, os tratados internacionais de direitos humanos

passam a equiparar-se às emendas constitucionais.

5.1.3 Caso Guerrilha do Araguaia

Esse caso diz respeito à detenção arbitrária, tortura e desaparecimento

forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e

camponeses da região, resultado de operações do Exército brasileiro empreendidas

entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto

da ditadura militar do Brasil (1964–1985).

Além de ser recente, ganhou relevo porque a Corte Interamericana condenou

o Brasil por falta de apuração dos crimes contra a humanidade ocorridos no episódio

da “Guerrilha do Araguaia”. Essa condenação ocorreu após decisão proferida pelo

STF em 2010 na Ação de Descumprimento número 153, onde se afirmou a

constitucionalidade da lei brasileira nº 6.683/78, sob o fundamento de que “a Lei de

Anistia representou, em seu momento, uma etapa necessária no processo de

reconciliação e redemocratização do país” e que “não se tratou de uma autoanistia”.

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O Supremo Tribunal Federal apresentou defesa preliminar alegando falta de

competência temporal da Corte Interamericana, pois os fatos teriam ocorrido

anteriormente ao reconhecimento da jurisprudência da Corte pela jurisdição

nacional. A Corte apresentou defesa,e foi basada em dois parágrafos:

“O Estado alegou a incompetência da Corte Interamericana para examinar supostas violações que teriam ocorrido antes do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal. Esse reconhecimento foi realizado “sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998”. Não obstante, o Brasil reconheceu a jurisprudência da Corte, no sentido de que pode conhecer das violações continuadas ou permanentes, mesmo quando iniciem antes do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal, desde que se estendam além desse reconhecimento, mas enfatizou que é inequívoca a falta de competência da Corte para conhecer das detenções arbitrárias, atos de tortura e execuções extrajudiciais ocorridas antes de 10 de dezembro de 1998”.

“A Comissão afirmou que, em virtude das datas de ratificação da Convenção Americana e do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal por parte do Estado, a demanda se refere unicamente às violações dos direitos previstos na Convenção Americana que persistem depois desse reconhecimento de competência, em razão da natureza continuada do desaparecimento forçado ou que são posteriores a esse reconhecimento. Desse modo, afirmou que a Corte tem competência para conhecer das violações apresentadas na demanda”.

Ademais, a corte embasou sua decisão nos termos do parágrafo 18,

afirmando que:

“Além disso, o Tribunal pode examinar e se pronunciar sobre as demais

violações alegadas, que se fundamentam em fatos que ocorreram ou persistiram a partir de 10 de dezembro de 1998. Ante o exposto, a Corte tem competência para analisar os supostos fatos e omissões do Estado, ocorridos depois da referida data, relacionados com a falta de investigação, julgamento e sanção das pessoas responsáveis, pelos alegados desaparecimentos forçados e execução extrajudicial; a alegada falta de efetividade dos recursos judiciais de caráter civil a fim de obter informação sobre os fatos; as supostas restrições ao direito de acesso à informação, e

o alegado sofrimento dos familiares.

Como o STF não reconhece o controle de convencionalidade da lei da anistia,

a Corte salientou a necessidade dessa mudança perante o supremo, considerando-

se o princípio da responsabilidade internacional em relação as obrigações

internacionais voluntariamente contraídas, conforme versus a seguir:

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“No presente caso, o Tribunal observa que não foi exercido o controle de convencionalidade pelas autoridades jurisdicionais do Estado e que, pelo contrário, a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da interpretação da Lei de Anistia, sem considerar as obrigações internacionais do Brasil derivadas do Direito Internacional, particularmente aquelas estabelecidas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. O Tribunal estima oportuno recordar que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidade internacional dos Estados, respaldado pela jurisprudência internacional e nacional, segundo o qual aqueles devem acatar suas obrigações convencionais internacionais de boa-fé (pacta sunt servanda). Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. As obrigações convencionais dos Estados Parte vinculam todos sus poderes e órgãos, os quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios (effet utile) no plano de seu direito interno”

“Com base nas considerações acima, a Corte Interamericana conclui que, devido à interpretação e à aplicação conferidas à Lei de Anistia, a qual carece de efeitos jurídicos a respeito de graves violações de direitos humanos, nos termos antes indicados (particularmente, supra par. 171 a 175), o Brasil descumpriu sua obrigação de adequar seu direito interno à Convenção, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo tratado. Adicionalmente, o Tribunal conclui que, pela falta de investigação dos fatos, bem como da falta de julgamento e punição dos responsáveis, o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo tratado, em detrimento dos seguintes familiares das vítimas: (...)”.

Por fim, a Corte Interamericana declarou, dentre outras medidas, que as

disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de

graves violações de direitos humanos são incompatíveis com o Pacto de San José

de Costa Rica e precisam de efeitos jurídicos, não podendo seguir representando

um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a

identificação e punição dos responsáveis, tampouco podem ter igual ou semelhante

impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos

consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.

5.1.4 Juiz Do TJ/RJ faz Controle De Convencionalidade do Crime de Desacato

Para comprovar a evolução do Brasil acerca do tema do Controle de

Convencionalidade analisaremos a decisão que será apresentada a seguir,e que

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ocorrera em sentença recente no ano de 2016, comprovando assim mais uma vez

ser dever também do poder judiciário a análise dos direitos humanos frente as leis

internas do país.

O juiz Alfredo José Marinho Neto em sua sentença proferida, rejeita a

denúncia feita pelo Ministério Público com base nos artigos 1° II, III,V e parágrafo

único, 5° IV, V e IX, 220, todos da Constituição, além artigo 13 do Pacto de San José

de Costa Rica, 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 395 III do

CPP, e na “Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão” aprovada pela

Comissão de Direitos Humanos em 2000, alegando que o feito deve ser arquivado

sob pena de constrangimento ilegal, inconstitucionalidade e inconvencionalidade do

tipo penal de desacato, previsto no art 331 CP.

O magistrado alegou que dentre os direitos fundamentais das pessoas,esta o

de livre manifestação do pensamento, expresso em diversas passagens na CF e

também em tratados onde o Brasil é signatário.

Citou também que o Brasil aderiu a Convenção Americana de Direitos

Humanos e que em seu art.13 item I estabelece que:

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão: I. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

Assim, por ter aderido essa Convenção, o Brasil está sujeito à atuação da

Comissão Interamericana e à jurisdição da Corte interamericana de Direitos

Humanos, pois a Comissão Interamericana já constatou a inconvencionalidade do

crime de desacato.

O juiz também alega “que a interpretação e aplicação da legislação pátria pelo

Estado-juiz deve passar não apenas pelo controle de constitucionalidade, mas

também por controle de convencionalidade...”. Assim age o juiz de acordo com as

regras que já estudamos, onde acredita que também é dever do juiz singular agir

nos casos de controle de convencionalidade.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da presente pesquisa, podemos concluir que apesar dos grandes

avanços, acerca do tema de direitos humanos em nosso país, muito ainda há de se

evoluir em nosso ordenamento. Existe ainda uma grande divisão entre o direito

interno e o internacional.

Estudamos que o controle de convencionalidade é um instituto relativamente

novo, sendo este uma das formas encontradas, inicialmente pelos tribunais

internacionais (Corte Interamericana de Direitos Humanos), de tentarmos uma

aproximação acerca dos assuntos de direitos humanos internacionais com as leis

internas.

Diante do exposto nesse estudo é possível concluir que os Direitos Humanos

são resultado de uma longa história e que com o passar do tempo se fortaleceram,

resultando nas garantias dos direitos fundamentais atuais, que visam assegurar o

valor mais precioso da pessoa humana, a sua Dignidade.

Pode-se afirmar que com a promulgação da atual Constituição da República

Federativa do Brasil, em 1988, foi admiravelmente ampliado o rol de garantias

fundamentais e deu-se maior ênfase e efetividade aos Direitos Humanos.

Todavia, não basta garantir direitos sem que sejam criados meios para

concretizar sua proteção. Ao longo dos anos foram criados instrumentos

fundamentais para a efetivação dos Direitos Humanos, dentre os quais pode-se

apontar o Pacto de San José de Costa Rica, hoje pilar fundamental a nível mundial,

em conjunto com os demais instrumentos da normativa internacional.

Assim entendemos que o controle de convencionalidade já é uma realidade

no âmbito da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, tratando-se de teoria

que, ademais é plenamente compatível com o ordenamento constitucional brasileiro,

em especial por aplicação do disposto nos parágrafos 2º e 3º da Constituição da

República.

O tratamento do controle de convencionalidade é um dever dos operadores

de direito atuantes em âmbito nacional ao invés de deixar tal encargo à incumbência

exclusiva de órgãos internacionais. A Corte Interamericana considera que quando

um Estado ratifica um tratado internacional como o é a CADH, não só as Cortes

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Constitucionais devem obediência aos preceitos advindos do Direito Internacional,

mas sim a todo o ordenamento jurídico, aí incluídos os juízes de primeiro grau.

A proposta é justamente aproximar o Direito Internacional dos direitos

humanos da população, sendo ele aplicado desde o primeiro grau, como é feito com

o controle de constitucionalidade hoje. Data vênia, embora a palavra final a respeito

da interpretação da legislação da Convenção Americana de Direitos Humanos seja

da Corte IDH, não há motivo para impedir os juízes de primeiro grau de conhecerem

e decidirem de acordo com tal legislação.

Enfim, o controle de convencionalidade torna-se uma técnica decisória de

ordem pública, isto é, alegável a qualquer tempo no processo judicial, devendo,

inclusive, o juiz controlar a convencionalidade ex officio. Em não o fazendo, ou ainda

na hipótese de recusar a aplicação do controle de convencionalidade por falta de

alegação das partes, acarretaria em ofensa ao Direito Internacional e, portanto,

responsabilidade internacional do Estado.

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