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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM JUCELINA FERREIRA DE CAMPOS ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA DO GÊNERO PROPAGANDA: UMA PESQUISA ENUNCIATIVO-DISCURSIVA CUIABÁ-MT 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

JUCELINA FERREIRA DE CAMPOS

ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA DO GÊNERO PROPAGANDA:

UMA PESQUISA ENUNCIATIVO-DISCURSIVA

CUIABÁ-MT 2010

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JUCELINA FERREIRA DE CAMPOS

ENSINO-APRENDIZAGEM DE

LEITURA DO GÊNERO PROPAGANDA: UMA PESQUISA ENUNCIATIVO-DISCURSIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação da professora Dra. Cláudia Graziano Paes de Barros.

CUIABÁ-MT

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Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária

C198e CAMPOS, Jucelina Ferreira de, 1975-

Ensino-Aprendizagem de leitura do gênero propaganda: uma pesquisa enunciativo-discursiva. / Jucelina Ferreira de Campos. Cuiabá, 2011.

145p. ; il. Inclui bibliografia. Anexos. Orientação: Profª. Drª. Cláudia Graziano Paes de Barros. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

1. Educação. 2. Ensino-aprendizagem - leitura. 3. Língua portuguesa. 4. Propaganda. I.Título.

CDU: 372.41

Iraci de Fátima Pereira CRB 1ª/2.363

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À minha grandiosa mãe Maria, meus

irmãos Lino, River e Roney, às minhas

cunhadas Márcia, Solange e Josiane, aos

meus sobrinhos, ao meu companheiro e

esposo Aguinaldo, à minha filha Mariana,

obrigada a todos pela compreensão.

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AGRADEÇO

A Grande Força Universal, pelo amparo espiritual.

À minha orientadora, professora Dra. Cláudia Graziano Paes de Barros, pela orientação, pela confiança, pelos momentos de apoio, pela sua seriedade e competência intelectual e por ter me ajudado a compreender o pensamento de Bakhtin e Vigotski.

Aos professores Doutores Adelma Barros-Mendes (UNIFAP) e Simone de Jesus Padilha (UFMT) pela leitura atenta, pelas contribuições e sugestões valiosas no exame de qualificação.

Aos docentes do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem, pelas significativas contribuições teóricas que foram dadas durante o curso ― Ana Antônia, Cláudia, Maria Inês, Maria Rosa, Sérgio Flores, Simone.

À Secretaria Estadual de Educação do Estado de Mato Grosso, pela concessão do afastamento de minhas funções docentes durante a realização desta pesquisa.

Aos colegas do grupo de estudo do ReBak.

Aos meus amigos e anjos da guarda: Lezinete, Alba, Jefferson, obrigada pelo apoio e pela confiança depositada em mim.

Aos colegas do MeEL: Eliana, Soeli, Sônia Renata, Elizangela, Rute, Shirlei, Margarethe, Cibele, Delvânia e Edsônia, obrigada pelas interações neste período.

Aos meus queridos amigos de longa data ― Lea, Luciano, Maria Neves, Mayse, Aline, Juildo, Joilson, Rosemar, Valciene, Leila, Carol, Francis, Ana Clara, Lidiane, Rosenilda.

Aos colegas da escola estadual Licínio Monteiro da Silva, doravante CEJA, Centro de educação de Jovens e Adultos.

Aos meus parentes, tio Gonçalo, tia Sirlene, tia Eulália, Fabiana, Jéssika e aqueles aqui não nomeados, obrigada pela torcida.

Aos novos integrantes da minha lista de amigos: Márcia, Mirian, Ana Paula, Jandira, Criseida.

A todos os professores participantes desta pesquisa, muitíssimo obrigada. Foi o brilho do olhar de vocês que nos impulsionou a aprofundar nas pesquisas com vivacidade.

Dedico este trabalho, em especial, ao meu amigo in memoriam Kleyton Eduardo.

Aos amigos aqui não nomeados, obrigada pelos poucos momentos que estivemos juntos neste meu período de pesquisa.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a relação entre o professor e a leitura do gênero propaganda impressa tomada como objeto de ensino-aprendizagem de leitura de língua materna. A nossa investigação se deu mediante a aplicação de um curso em parceria entre a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Várzea Grande — SMEC — no ano de 2009. Os integrantes do curso foram professoras de português das séries finais do Ensino Fundamental do 3º e 4º ciclos. O curso teve duração de dois meses e foi dividido em duas etapas: a primeira etapa foi direcionada para o ensino de línguas a partir da teoria dos gêneros discursivos e, a segunda, enfocou o ensino-aprendizagem de leitura do gênero propaganda impressa. Para tanto, na primeira fase do curso, selecionamos um corpus de textos em diversos gêneros e, na segunda, propagandas que circulavam em diferentes revistas. Para o desenvolvimento do projeto, tomamos a propaganda impressa como megainstrumento de ensino-aprendizagem (Schneuwly, 1994/2004) que se baseia nas perspectivas sócio-histórica à luz de Lev S. Vigotski sobre o ensino-aprendizagem e na teoria dialógica da linguagem do Círculo de Mikhail M. Bakhtin. Ainda, de acordo com Schneuwly (1994/2004), tomamos o gênero como megainstrumento para o desenvolvimento de capacidades linguísticas; e as releituras brasileiras para o ensino-aprendizagem de leitura de Cristovão (2001) e capacidades leitoras de Rojo (2004, 2009); como também na visão teórica de Paes de Barros (2005, 2008, 2009) acerca da leitura de textos multimodais. A Análise dos dados teve como suporte a teoria de Vigotski sobre o ensino-aprendizagem e acerca da construção do conhecimento mediada pelas interações de discursos na Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD). Aliado a isso, abordamos a teoria do Círculo de Bakhtin acerca das relações dialógicas na esfera do discurso, na qual é possível fazer réplicas ao dito, confrontar posições, acolher a palavra do outro; confirmando-a ou rejeitando-a em busca de uma construção dos sentidos. A análise dos dados evidenciou que o gênero propaganda impressa atuou como megainstrumento de ensino-aprendizagem de leitura e, assim, notamos que o conhecimento acerca do gênero possibilitou novas leitura e novos sentidos no processo de interação, o que permitiu a ampliação das capacidades leitoras dos sujeitos envolvidos no curso.

Palavras-chave: ensino-aprendizagem de gêneros discursivos, multimodalidade, capacidades de leitura.

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ABSTRACT

This study is aimed at analyzing the relationship between teachers and the print advertisement text as a genre chosen for the teaching of reading skills in the mother-tongue (Portuguese). The investigative part of the current study was done during a course offered by the Federal University of Mato Grosso (UFMT) and the Local Secretariat of Culture and Education of Varzea Grande –SMEC-MT, a partnership which took place in 2009. The participants of the course were teachers of Portuguese who teach in the final years of Brazilian primary school (3rd and 4th cycles). The course was divided into two phases: the first one aimed at language teaching through the perspective of discursive genre theory and the second one focused on the teaching of reading print advertisement genre. In the first phase of the course we selected a corpus of texts from different genres; in the second phase some adverts printed in several different magazines were selected. For this project, the print advertisement genre was taken as a ‗mega teaching and learning tool‘ (Schneuwly, 1994/2004) which was based on the lights of social and historical perspectives - Lev S. Vigotski‘s teaching and learning theories, and the dialogical language theory proposed by Mikhail M. Bakhtin Circle. Yet, the theoretical body consisted of Schneuwly (1994/2004), genre as a ‗mega tool‘ for the development of linguistics abilities; for Brazilian rereadings related to teaching and learning of reading we used Cristovão (2001), for the reading abilities we adopted the views of Rojo (2004, 2009) and Paes de Barros (2005, 2008, 2009), regarding the reading of multimodal texts. The analysis was based on the Vigotskian theory of teaching and learning and the construction of knowledge mediated by the discourse interactions in Zone of the Proximal Development (ZPD). In addition to it, we used the theories of the Bakhtinian Circle related to dialogical relations in the discourse sphere, in which it is possible to replicate the ‗said‘, to confront positions, to recognize the words of the Other, confirming or rejecting it, in a struggle to pursue meaning. The present analysis highlighted how the print advertisement worked as a ‗mega tool‘ to the teaching and learning process of reading. Thus, we observed that the knowledge on that genre allowed us new possibilities of reading as well as new meaningful views of the process of interaction, which consequently enlarged the reading capacity of the participants enrolled in the course.

Key words: teaching and learning discursive genres, multimodality, reading capacity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................

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CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: BAKHTIN E VIGOTSKI ...........................................................................................

14

1.1 Uma teoria dialógica ..........................................................................

14

1.2 Os gêneros discursivos .......................................................................

16

1.3 Vigotski e Bakhtin: uma aproximação possível ...................................

21

1.3.1 O ensino-aprendizagem na visão vigotskinana ..................................

21

1.3.2 As Zonas Real e Proximal de Desenvolvimento nos processos de ensino-aprendizagem ........................................................................

25

1.4 Ferramentas técnicas e psicológicas.......................................................

28

1.5 O gênero como objeto de ensino-aprendizagem ................................

29

1.6 Capacidades de linguagem ................................................................

30

CAPÍTULO 2 - A PROPAGANDA IMPRESSA.................................. 35 2.1

Publicidade e propaganda: breves concepções teóricas ...................

35

2.2 A esfera da propaganda: um breve passeio pela história...................

37

2.3 A propaganda impressa ......................................................................

40

CAPÍTULO 3 - A COMPREENSÃO PARA BAKHTIN E O ENSINO- APRENDIZAGEM DE LEITURA ......................................................

51

3.1 A leitura como compreensão ativa ......................................................

51

3.2 O ensino da leitura ..............................................................................

54

3.3 Capacidade de leitura .........................................................................

56

3.4 A leitura de textos multimodais ...........................................................

60

CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA DE PESQUISA .............................

63

4.1 O pensamento bakhtiniano na pesquisa em Ciências Humanas .......

63

4.2 Metodologia de coleta dos dados ....................................................... 65

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4.2.1 O contexto da pesquisa ......................................................................

67

4.2.2 Os sujeitos ..........................................................................................

67

4.2.3 A organização do curso .....................................................................

68

4.2.3.1 Seleção dos textos utilizados .............................................................

69

4.2.3.2 Cronograma do curso e planejamento das aulas ...............................

69

4.3 Metodologia de análise dos dados .....................................................

70

CAPÍTULO 5 - ANÁLISE DE DADOS ...............................................

72

5.1 As leituras da propaganda impressa ..................................................

72

5.2 Capacidades de linguagem no ensino-aprendizagem de leitura do gênero de propaganda impressa ........................................................

73

5.3 Interação: construção de sentidos ......................................................

119

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................

126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................. 131 ANEXOS............................................................................................. 139

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INTRODUÇÃO

Nas décadas finais do século vinte, observa-se no Brasil um profundo

movimento, inicialmente por parte da Academia, em ações do Governo Federal, tais

como o Programa Nacional do Livro Didático, a edição dos Parâmetros Curriculares

Nacionais, além da implementação dos exames oficiais: o SAEB (Sistema de

Avaliação da Educação Básica), a Prova Brasil, a Provinha Brasil e o ENEM (Exame

Nacional do Ensino Médio).

Esses exames têm como finalidade medir as capacidades linguísticas dos

alunos, tanto as capacidades de leitura quanto as de escrita.

Boa parte dessas ações, em particular os Parâmetros Curriculares Nacionais,

toma os gêneros discursivos como objetos de ensino-aprendizagem. Nesse

contexto, torna-se importante o desenvolvimento de pesquisas que enfoquem o

ensino-aprendizagem dos gêneros discursivos. Dessa forma, desenvolvemos uma

pesquisa que busca enfocar o ensino-aprendizagem do gênero propaganda

impressa, que objetiva discutir as capacidades leitoras mobilizadas no processo de

leitura do referido gênero.

Para tanto, partimos da aplicação de um curso ministrado a professores da

rede municipal de ensino da cidade de Várzea Grande/MT, em que tomamos os

gêneros discursivos como objetos de ensino-aprendizagem de leitura do gênero

propaganda impressa. Inicialmente, o objetivo era discutir o ensino-aprendizagem

dos gêneros discursivos, posteriormente, também buscamos observar quais

capacidades leitoras os docentes mobilizaram nas atividades de leitura.

À luz da concepção dialógica da linguagem de cunho bakhtiniano, diferentes

conceitos foram mobilizados durante o curso, tais como, dialogia, gêneros

discursivos, leitura como compreensão ativa, entre outros.

Assim, nossa pesquisa fundamenta-se no aporte teórico-metodológico sócio-

histórico proposto por Bakhtin/Volochinov (1929, 1952-1953/1979) aliados aos

aportes acerca do ensino-aprendizagem de Vigotski (1930, 1934, 1935).

Dessa forma, esta pesquisa objetivou:

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Desenvolver um curso sobre o ensino-aprendizagem de leitura do gênero

propaganda impressa para professoras do Ensino Fundamental da rede

pública do município de Várzea Grande, MT.

Identificar e analisar as capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

durante o processo de interação.

Para alcançar esses objetivos, procuraremos responder às seguintes

perguntas de pesquisa:

1. Que capacidades de leitura são mobilizadas pelas professoras durante a

reconstrução dos sentidos?

2. As interações entre as professoras favoreceram a construção dos

sentidos? De que forma?

Para responder às questões da nossa pesquisa e discutirmos acerca das

teorias que as embasam, organizamos os capítulos deste trabalho da seguinte

forma:

No primeiro capítulo, inicialmente, abordaremos alguns pressupostos teóricos

de Bakhtin, no que tange à teoria dialógica e aos gêneros discursivos. Depois,

apresentaremos a teoria sócio-histórica de Vigotski. Em seguida, expomos alguns

pontos teóricos que aproximam Vigotski e Bakhtin. Logo após, discorremos a

respeito do gênero como objeto de ensino-aprendizagem.

Já no segundo capítulo, apresentamos os aspectos particulares da esfera da

propaganda, buscando configurar bakhtiniamente a história da propaganda

impressa, desde sua origem sócio-histórica, a esfera de produção, circulação e

recepção.

No terceiro capítulo, enfocamos a leitura na perspectiva enunciativo-

discursiva e as capacidades que envolvem o processo de leitura. Por fim, discutimos

o ensino-apredizagem da leitura de textos multimodais.

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No quarto capítulo, tratamos da metodologia utilizada em todas as etapas do

curso e da pesquisa.

No capítulo cinco, são apresentados e analisados os dados coletados no

decorrer do curso.

Ao final do trabalho, apresentamos as considerações finais que tecemos

acerca da pesquisa, seguidas das referências bibliográficas consultadas.

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CAPÍTULO 1

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: BAKHTIN E VIGOTSKI

Procuramos alinhar nosso trabalho às recomendações dos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998) que tomam os gêneros

discursivos como objetos de ensino, por essa razão, nosso referencial teórico se

fundamentará, assim como os PCN, nos pressupostos bakhtinianos acerca da

linguagem, dos gêneros discursivos e em seus construtos sobre a compreensão. De

igual modo, também alicerçam nosso trabalho as contribuições de Vigotski sobre

linguagem, interação e ensino-aprendizagem.

1.1 Uma teoria dialógica

Para Bakhtin/Volochinov (1929) linguagem é o fenômeno social da interação

verbal, contrapondo-se a outras concepções de linguagem, em que a língua era

vista de forma monológica, como um produto acabado, sem relação com o contexto

sócio-histórico. A linguagem é vista a partir da interação entre os indivíduos

envolvidos numa prática social. Assim,

A verdadeira substância da língua [...] é constituída [...] pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. [...] Mas pode-se compreender a palavra ―diálogo‖, num sentido amplo, isto é, não apenas com a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 2006, p.127).

O conceito de dialogismo está diretamente ligado ao conceito de interação,

pois é a sustentação do processo de produção dos discursos, melhor dizendo, é a

base da própria linguagem. Assim, na visão bakhtiniana, os interlocutores

apresentam, cada um, o mesmo grau de importância, pois, todo enunciado é uma

réplica, uma resposta a enunciados passados e possíveis enunciados que venham a

ser produzidos. De modo simultâneo a uma resposta, todo o enunciado se configura,

também, em uma indagação, em uma ―pergunta‖ a outros possíveis enunciados.

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Nesse sentido, o sujeito ao produzir um enunciado sempre leva em

consideração o outro, não de forma passiva, mas, sobretudo, como sujeito que

participa de maneira ativa. É a partir dessa corrente comunicativa, de enunciados

concretos, que a linguagem, no sentido bakhtiniano, se define como dialógica.

Ressaltamos que o dialogismo não deve ser confundido com diálogo, mesmo

se tratando das réplicas de um diálogo face a face ou de sua configuração em

discursos. O diálogo é de natureza textual e um procedimento discursivo abarcado

pelo dialogismo, em outras palavras, o diálogo é apenas uma das nuanças mais

nítidas em termos de materialidade discursiva. O enunciado, seja ele fechado ou

subjetivo, sempre será dialógico, uma vez que, segundo Sobral (2009),

(1) não pode haver enunciado sem sujeito enunciador; (2) o sujeito não pode agir fora de uma interação, mesmo que o outro não esteja inteiramente presente; (3) não há interação sem diálogo, que é uma relação entre mais de um sujeito, mesmo do caso chamado discurso ―interior‖, discurso do sujeito dirigido a si mesmo, ―o falar com os botões‖ (SOBRAL, 2009, p. 35).

Em virtude disso, dialogismo se trata de um conceito bastante amplo, pois se

refere a três planos diferentes. Em primeiro lugar, o sujeito só assume existência na

interação outros sujeitos. Assim, o ato de existir do sujeito se fundamenta numa

relação de confronto, de conflito, de diferença. O ser humano ao vir ao mundo,

biologicamente falando, se torna sujeito social fundamentado na interação com

outros sujeitos.

Já no segundo plano, dialogismo se define como condição de possibilidade da

produção de enunciado, isto, é de sentido. Posto que, o sentido se origina de

―diálogos‖ — no sentido amplo — entre enunciados que já foram produzidos e

aqueles que podem vir a ser produzidos, ou seja, entre enunciados passados e

futuros. Segundo Bakhtin ([1952-1953/1979]),

O enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados [...] O enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados anteriores dentro de uma dada esfera (a palavra ―resposta‖ é empregada aqui no sentido lato): refuta-os, confirma-os, completa-os, baseia-se neles, supõe-nos conhecidos e, de um modo ou de outro, conta com eles (BAKHTIN, [1952-1953/1979]1997, p.317).

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Assim, o sujeito, antes mesmo de pronunciar uma única palavra diante de

outro ser, já está dando uma resposta ao outro: ―devo dizer isso ou aquilo?‖. O

sujeito se questiona, antecipa, faz previsões, porque sempre levará em conta o outro

no ato da interação.

No terceiro e último plano, o dialogismo diz respeito à soma das réplicas na

interação visível na materialidade textual (a forma do diálogo) com vários outros

elementos, tais como o lugar de onde se produz o enunciado, para quem se dirige

esse projeto comunicativo. Nesse sentido, a concepção dialógica sustenta que o

sujeito, antes mesmo de enunciar, ele modifica sua fala, sua maneira de dizer,

conforme a imagem presumida que se estabelece a quem irá se dirigir. É por esse

motivo que o dialogismo é base fundamental para o conceito de interação no Círculo

de Bakhtin.

Apesar de o círculo de Bakhtin não tomar a leitura explicitamente como um

foco de suas discussões, é sob esse olhar que consideramos a leitura, no escopo

deste trabalho, como um processo dialógico que envolve sujeitos historicamente

constituídos. Sobre este tema nos ateremos mais detidamente adiante.

1.2 Os gêneros discursivos

Ao tratar dos aspectos que cercam o conceito dos gêneros discursivos,

gostaríamos de reforçar a idéia de que Bakhtin ou seu círculo não se ativeram de

forma explícita acerca do ensino. Entretanto, sua teoria, ao sinalizar a importância

do social, da cultura, situando a linguagem como um foco central, discute algumas

questões que podemos relacionar com o ensino.

Segundo Bakhtin, não se pode compreender um enunciado fora do seu

contexto de produção, isto é, não se pode compreender nem fazer uso de um

gênero sem conhecer e compreender as suas possibilidades e os seus limites em

seu contexto de produção/circulação/ recepção.

A experiência discursiva de cada sujeito é criada e desenvolvida no processo

constante e contínuo de interação com os enunciados de outros sujeitos. Nesse

sentido, segundo Bakhtin ([1959-1961/1976] 2003, p. 332), o enunciado é uma

unidade da comunicação discursiva dotada de sentido, relacionado com valores —

de verdade, de beleza, que exige, justamente por isso, uma compreensão

responsiva, um juízo de valor. Esse tipo de manifestação por parte do usuário da

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língua é denominado de postura ativa, ou seja, o domínio do gênero requer de nós

usuários esse tipo de postura, afinal, ―quanto melhor dominamos os gêneros tanto

mais livre os empregamos‖, (BAKHTIN, [1952-1953/1979] 2003, p. 285). Assim, uma

pessoa que domina os modos de dizer em uma determinada esfera comunicativa,

pode em outra esfera não ter o mesmo domínio devido à falta de experiência com o

gênero empregado em outra esfera da atividade humana.

Bakhtin/Volochinov (1929) consideram que, para o estudo da língua, o

pesquisador deve, primeiramente, compreender a esfera social em que os

enunciados são proferidos ou escritos, ―as formas e os tipos de interação verbal em

ligação com as condições concretas em que se realiza‖ (BAKHTIN/VOLOCHINOV,

[1929], 2006, p. 129), em seguida, selecionar os gêneros dessa esfera e, finalmente,

escolher a teoria linguística que conduzirá seus estudos e análises. A esfera é o

primeiro elemento a ser pensado para o desenvolvimento de um determinado

estudo, sejam obras literárias, sejam manuscritos antigos, sejam gêneros

discursivos, pois todos eles foram produzidos em uma situação concreta, ligados a

um momento sócio-histórico e a certas ideologias. Grillo (2008) entende que

A noção de esfera da comunicação discursiva (ou da criatividade ideológica, ou da atividade humana, ou da comunicação social, ou da utilização da língua, ou simplesmente ideologia) é compreendida como um nível específico de coerções que, sem desconsiderar a influência da instância socioeconômicoa, constitui as produções ideológicas, segundo a lógica particular de cada esfera/campo (GRILLO, 2008, p. 143).

Assim, para Bakhtin (1952-1953/1979), as relações sociais nas várias esferas

da atividade humana estão diretamente relacionadas aos usos da linguagem para a

produção e compreensão dos enunciados. Em qualquer instância de interação

comunicativa, o enunciado é a base concreta por meio da qual são estabelecidas as

trocas verbais e não-verbais carregadas de sentido. Sendo assim, de acordo com o

pensador russo (BAKHTIN, 1952-1953/1979), as variadas formas dos gêneros são

determinadas de acordo com as diversas finalidades que assumem em uma dada

esfera de comunicação discursiva, isso é, em função da situação de produção, da

posição hierárquica e das relações de interação entre os interlocutores da

comunicação. O autor considera ainda que o uso da linguagem marca cada gênero

discursivo de acordo com as especificidades de cada interação social, realizada nas

diferentes esferas da atividade humana. Isso significa que todo enunciado se

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caracteriza por determinadas marcas da esfera da comunicação em que foi

produzido.

Apropriamo-nos da língua e a internalizamos por meio dos gêneros

discursivos, no caso, formas de interações orais ou escritas elaboradas por

participantes das diversas esferas sociais durante as interações em suas atividades

discursivas. Nesse sentido, Bakhtin (1952-1953/1979) afirma que

Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos por meio de enunciados e não por orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas). Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a moldar nosso discurso em formas de gênero [...] (BAKHTIN, [1952-1953/1979] 2003, p. 283).

Assim, adequamos sempre nossa maneira de dizer às formas típicas dos

enunciados em uma determinada atividade, em outras palavras, falamos e

escrevemos em gêneros, são estes que irão orientar nosso projeto comunicativo.

De acordo com Bakhtin ([1952-1953/1979] 2003), cada gênero se organiza

pela constituição de três elementos inseparáveis: a forma composicional (modo de

organização do texto), o conteúdo temático e o estilo (recursos fraseológicos, a

seleção lexical, a sintaxe), conforme os contextos e situações específicas

determinadas por cada esfera de comunicação discursiva. Nas palavras do autor:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos — o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional — estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado (BAKHTIN, [1952-1953/1979] 2003, p. 261-262) [grifo nosso].

De forma ilustrativa, podemos tomar nosso objeto de pesquisa — a

propaganda impressa, veiculada em revistas, para exemplificar a tríade constitutiva

do gênero.

Ao reconhecermos a forma composicional como primeiro elemento a ser

identificado nos gêneros pelos usuários da língua, no caso das propagandas

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impressas, podemos afirmar, primeiramente, que a sua forma é delimitada pelo

tamanho das folhas da revista, ocupando entre uma, duas ou mais páginas,

conforme o espaço destinado pelo veículo de comunicação; logotipos, o texto escrito

(composto por letras maiores e enfatizadas) e, localizada entre a parte superior e

central da revista, a imagem do produto (ilustração, fotografia, desenho), etc.

Assim, podemos pensar que a forma composicional é a estrutura de um dado

gênero, que possibilita seu reconhecimento numa dada esfera da atividade humana.

Em vista disso, um leitor, ao ler uma revista, será capaz de diferenciar, por exemplo,

uma propaganda impressa de uma entrevista. Essa diferenciação será feita a partir

da estrutura desses referidos gêneros como também pelo estilo do gênero e pelo

conteúdo temático.

Diante disso, apresentamos o segundo elemento constitutivo dos gêneros: o

estilo. Em relação a este, Bakhtin subdivide em estilo individual e estilo de gênero.

Este, segundo o pensador russo, permite aos indivíduos que façam a identificação

do gênero e do lugar em que circula, pois ―em cada campo existem e são

empregados gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo‖

(BAKHTIN, [1952-1953/1979] 2003, p. 266). Assim, podemos dizer que o estilo de

gênero do nosso objeto é caracterizado pelas mensagens breves, pelo uso

recorrente do modo imperativo, precisamente no verbo das frases mais importantes;

nas outras frases, o tempo verbal predominante é o presente indicativo; nos slogans,

notamos o uso de frases nominais; nos logotipos, encontramos o estilo representado

por substantivos próprios, como por exemplo, Dove, O Boticário, etc.

Dessa maneira, afirmamos que há certa padronização no uso de

determinados elementos linguísticos no estilo de um dado gênero, e isso permite

que os indivíduos reconheçam qualquer gênero, de diferentes esferas da atividade

humana. Podemos afirmar ainda que o estilo de gênero impõe certos recursos

lexicais devido a sua relação direta com as esferas da atividade humana com as

quais um determinado gênero do discurso está ligado.

Já o estilo individual é caracterizado como aquele que ―pode refletir a

individualidade do falante (ou de quem escreve)‖ (BAKHTIN, [1952-1953/1979] 2003,

p. 266). Este estilo está mais presente nos gêneros literários, já que a esfera literária

permite ao escritor impor sua individualidade. Apesar de Bakhtin reconhecer isso, diz

que é possível encontrar o estilo individual em outros gêneros pertencentes a outras

esferas. Segundo o pensador russo, o estilo individual é um ―produto complementar‖

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para outros gêneros. Ainda conforme delineia Bakhtin( [1952-1953/1979] 2003, p.

289) o estilo individual está atrelado à ―relação valorativa do falante com o objeto de

seu discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos recursos

lexicais, gramaticais [...] do enunciado”.

Assim, dizemos que o publicitário, ao produzir determinada propaganda,

manterá um diálogo com seus interlocutores. Isso nos permite afirmar que são as

condições de interlocução que irão sinalizar o querer dizer do locutor, pois ele

deverá levar em consideração seu projeto comunicativo e este por sua vez

determinará a escolha de um gênero, o qual estará ligado a uma esfera social, a um

conteúdo temático. Nesse sentido, a propaganda impressa, por contemplar a

linguagem verbal e a não-verbal (imagem, cores), se configura em sua composição

como ―um todo do enunciado‖ (PAES DE BARROS, 2005). Como bem afirma a

autora,

―com características determinadas: conteúdo temático, estilo e construção composicional, em que cada uma é marcada fortemente pela esfera de atividade específica em que se insere [...], refletindo não somente as ideias do autor, mas também apreciação valorativa desse autor sobre os temas e os leitores.‖ (PAES DE BARROS, 2005, p 71).

No que concerne ao último elemento constitutivo do gênero, entendemos que

o conteúdo temático são os conteúdos previsíveis para um determinado gênero, o

qual está inserido em um dado contexto sociohistórico, para determinados

interlocutores.

Ferreira (2009, p.11) afirma que o conteúdo temático ―está organicamente

ligado às atividades de uso da linguagem e às funções das esferas‖. Assim, nos

apoiamos também nas palavras de Fiorin (2006, p.62), pois segundo esse autor, ―o

conteúdo temático é o domínio de sentido que se ocupa o gênero‖, em outras

palavras, compreendemos que todo e qualquer gênero pertencente a uma

determinada esfera é constituído por um conteúdo, que o torna singular numa

corrente comunicativa sociohistórica.

Assim cada elemento da tríade desempenha um papel importante na

constituição dos gêneros discursivos num determinado espaço e tempo, e os

interlocutores também fazem parte desse processo, já que pertencem a uma dada

esfera da atividade humana.

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1.3 Vigotski e Bakhtin: uma aproximação possível

Nesta seção, procuramos alinhar alguns dos pressupostos do Círculo de

Bakhtin aos de Vigotski, uma vez que sua concepção acerca da linguagem e da

interação caminham para uma mesma direção. Para tanto, entendemos ser

necessário discorrer primeiramente acerca da teoria vigotskiana para, então,

correlacioná-la com os conceitos bakhtinianos já abordados anteriormente.

Vigotski e Bakhtin nasceram e viveram na Rússia e fizeram parte da mesma

situação histórica pós-revolucionária, desenvolvendo suas ideias no mesmo espaço

sócio-histórico. Contudo, não há indicação segura de que se conheceram

pessoalmente. O que há apenas é a evidência de que Bakhtin tinha conhecimento

acerca de Vigotski, pois, ―Bakhtin em seu livro Freudismo (1925) faz à pagina 57

uma referência a um artigo de Vygotsky: A consciência como problema de

comportamento publicado em 1924. Ainda no mesmo livro, à página 102, Bakhtin

volta a se referir ao artigo de Vygostky‖ (FREITAS, 2001, p. 170). Apesar de ser

esse o único encontro evidente de seus encontros, entendemos que há uma

incidência maior, sobretudo, porque suas teorias se coadunam ao considerar

consideram o sujeito como ser que se constitui e se desenvolve no social, na relação

com o outro, intermediada pela linguagem.

1.3.1 O ensino-aprendizagem na visão vigotskiana

Apesar de não haver evidências comprovando que Vigotski e Bakhtin

pudessem ter se conhecido — apenas uma citação de Vigotski em um texto de

Bakhtin — encontramos alguns conceitos comuns entre os dois autores. Ambos

defendem a importância do outro nas relações sociais. O outro é indispensável, sem

ele o homem não adentra no fluxo da linguagem, não se desenvolve, não realiza

aprendizagens, não se constitui como sujeito. Assim, o outro é elemento

fundamental de todo o processo dialógico que permeia as teorias desses dois

pensadores.

Vigotski (1930) também considera a relevância das relações sociais e o

papel do outro — o ser humano em sociedade — como preponderante ao ensino,

aprendizagem e ao desenvolvimento de um indivíduo no âmbito social.

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De acordo com o autor, o processo de ensino-aprendizagem de todo ser

humano tem início antes da fase escolar. Por esse motivo, há de se considerar a

bagagem de conhecimento que o aprendiz apresenta no processo de ensino-

aprendizagem, em outras palavras, o estágio de desenvolvimento do aprendiz deve

ser levado em consideração no ensino. Nas palavras do autor (1930, p. 477), ―a

aprendizagem e o desenvolvimento não se encontram pela primeira vez na idade

escolar, mas estão de fato interligados desde o primeiro dia de vida.‖

Através da interação com o meio social e físico, os seres humanos estão em

constante aprendizado, através de observação, experimentação, imitação, ou por

meio de instruções das pessoas com quem tem contato desde o nascimento.

Observamos, desse modo, que o ser humano adquire conhecimentos muito antes de

adentrar no espaço escolar.

Para explicar o papel da escola no processo de desenvolvimento do

indivíduo, Vigotski (1930) faz uma distinção entre conceitos cotidianos e conceitos

científicos. Os conceitos cotidianos dizem respeito àqueles que foram adquiridos na

experiência pessoal e concreta do aprendiz, a partir da observação e vivência direta.

Já os conceitos científicos referem-se àqueles conhecimentos não acessíveis à

observação ou ação direta do aprendiz, mas que são, sobretudo, adquiridos nas

interações escolarizadas. Os dois conceitos estão relacionados e se influenciam de

forma mútua, pois fazem parte de um mesmo processo chamado de

desenvolvimento da formação de conceitos. Esse processo, fundamental no

desenvolvimento dos processos psicológicos superiores1, é extenso e complexo,

porque envolve operações intelectuais mediadas pelo uso das palavras.

Nos processos mentais superiores desenvolvidos na leitura, objeto de nosso

estudo, temos: memorização lógica, abstração, decodificação, codificação,

comparação, antecipação, inferência, generalização (análise e síntese a partir de

situações problemas).

Para aprender um conceito é preciso uma atividade mental de modo intenso,

além das informações adquiridas do exterior. Logo, um conceito não é aprendido

1 A atenção que anteriormente era involuntária torna-se voluntária e depende muito do

desenvolvimento de cada indivíduo, ou seja, a atenção passa a centrar-se no próprio ato do pensamento de modo consciente.

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através de um treinamento mecânico, muito menos apenas transmitido pelo

professor ao aluno. Assim, como bem afirma Vigotski (1934),

A experiência prática mostra também que o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero. Um professor que tente fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante a um papagaio, que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo (VIGOTSKI, 1934, p. 104).

Na perspectiva vigotskiana, o ensino escolar desempenha um papel

extremamente importante na formação dos conceitos cotidianos — de modo geral —

e científicos, em particular. O aprendizado escolar opera de maneira significativa

influenciando no desenvolvimento das funções superiores, justamente na etapa em

que estão em processo de maturação. Nas palavras do pensador (VIGOTSKI, 1934,

p. 109): ―Descobrir a complexa relação entre o aprendizado e o desenvolvimento dos

conceitos científicos é uma importante tarefa prática‖.

Assim, o autor considera o desenvolvimento complexo da estrutura humana

como um processo de aquisição pelo homem da experiência histórico-cultural.

Segundo ele, há reciprocidade entre o organismo e o meio, logo, não há como

dissociar o biológico do social, estes se encontram imbricados. Nessa perspectiva, o

homem constitui-se como tal através de suas interações sociais, portanto, é visto

como alguém que transforma e é transformado nas relações sociais. Em outras

palavras, Vigotski põe em destaque o processo histórico-social e o papel da

linguagem no desenvolvimento do homem. Segundo o autor (1930),

[...] toda função psíquica superior no desenvolvimento [...] vem à cena duas vezes: a primeira como atividade coletiva, social, ou seja, como função interpsíquica; a segunda, como atividade individual, como modo interior de pensamento [...], como intrapsíquica. (VIGOTSKI, 1930, p. 483).

O posicionamento principal de Vigotski trata da apropriação de

conhecimentos pelo processo de interação do indivíduo com outros indivíduos no

contexto social – meio social - em que está inserido. Aqui, cabe dizer que Bakhtin

partilha do mesmo pensamento, em que o homem é sempre visto como um ser

social, que está inserido numa dada situação sociohistórica, suas atividades sempre

são mediadas pela linguagem.

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Bakhtin acena para o uso da linguagem em situações sociais, por considerar

elemento principal para a compreensão dos fatos sociais.

Assim, o homem, ao interagir com o meio, adquire conhecimento através

das relações interpessoais, a partir de um processo chamado de mediação. A esse

respeito, Vigotski (1935) afirma que

(...) o processo de internalização consiste numa série de transformações.

a) uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. É de particular importância para o desenvolvimento dos processos mental superiores a transformação da atividade que utiliza signos, cuja história e características são ilustradas pelo desenvolvimento da inteligência prática, da atenção voluntária e da memória.

b) um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro no nível social, e, depois no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para memória lógica e para formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos.

c) a transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente. Para muitas funções, o estágio de signos externos dura para sempre, ou seja, é o estágio final do desenvolvimento. Outras funções vão além no seu desenvolvimento, tornando-se gradualmente funções interiores. Entretanto, elas somente adquirem o caráter de processos internos como resultado de um desenvolvimento prolongado. Sua transferência para dentro está ligada a mudanças nas leis que governam sua atividade; elas são incorporadas em um novo sistema com suas próprias leis. (VIGOTSKI, 1935, p. 57-58).

Com base nas ideias de Vigotski e Bakhtin, acreditamos, em consonância

com Schneuwly e Dolz (2004), que se pode pensar em uma nova dimensão do

âmbito escolar que permita a manifestação da diferença dos modos e esquemas de

construção do conhecimento acompanhada de um trabalho pedagógico que se

transforma em um espaço de aprendizagem conjunta, em que se privilegie a

interação dialógica, no qual o aprendiz possa ser um sujeito que age e se faz ouvir,

se constituindo na interação com outro.

É justamente nesse processo que o papel do educador é de fundamental

importância, uma vez que sua função seria a de estimular a aprendizagem como

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mediador entre o aprendiz e o mundo que o cerca, e o espaço escolar é o lugar

privilegiado onde esse processo se manifesta.

1.3.2 As Zonas Real e Proximal de Desenvolvimento nos processos de

ensino-aprendizagem2

Como vimos, Vigotski (1930) salienta que é através dos processos de ensino-

aprendizagem que o ser humano se desenvolve social e individualmente, uma vez

que inúmeros processos mentais são acionados e potencializados no momento da

interação do indivíduo com outros participantes de determinado meio social.

Discutindo as relações estabelecidas entre ensino-aprendizagem e

desenvolvimento, o autor defende a existência de duas zonas de desenvolvimento: a

real (imediata) e a proximal (ou potencial).

No que diz respeito à Zona de Desenvolvimento Real (ZDR), Vigotski (1935)

afirma que é por meio da imitação nas atividades em conjunto que o aprendiz

poderá agir com de modo independente, de maneira autônoma. Ele ainda assevera

que ―A divergência entre os níveis de solução de tarefas — acessíveis sob

orientação — com auxilio de adultos e na atividade independente determina a zona

de desenvolvimento imediato da criança‖ (VIGOTSKI, 1935, p. 480).

A propósito da capacidade de realizar tarefas de modo autônomo, Vigotski

nomeia-a ora como ―desenvolvimento real‖, ora como ―desenvolvimento atual‖, trata-

se ―das funções mentais [...] que se estabelecem como resultado de certos ciclos de

desenvolvimento já completados‖ (VIGOTSKI, 1935, p. 95-96). Dessa forma, a ZDR

caracteriza-se pelas capacidades psicológicas superiores, conhecimentos e

conceitos científicos já adquiridos pelo ser humano durante suas interações em

inúmeras relações sociais em variados contextos sócio-históricos.

O autor destaca, ainda, a importância da Zona Proximal de Desenvolvimento

(doravante ZPD)3, que é, em suas palavras,

2 Para os objetivos do nosso trabalho, reportaremo-nos à expressão ensino-aprendizagem, já

que, no original, em russo, não se separa em duas palavras é um único vocábulo que traz, em sua raiz, os dois movimentos, de ensino e de aprendizagem: obouchenie. 3 No lugar de Zona de Desenvolvimento Proximal ou Potencial (ZDP), empregaremos a forma Zona

Proximal de Desenvolvimento (ZPD), pois, com Rojo (2001a), ponderamos que a força da adjetivação não recai sobre o desenvolvimento, mas sobre a zona de intercessão criada pelo ensino-aprendizagem.

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(...) a distancia entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VIGOTSKI, 1935, p. 97).

Nesse sentido, a ZPD corresponde à capacidade da realização de atividades

por meio da orientação do outro. De acordo com o autor, o outro é considerado

como um indivíduo inserido em determinadas relações interativas contextualizadas

no âmbito da sociedade e, por conseqüência, passa a ter domínio de determinadas

relações sociais se tornado um par mais avançado nas relações de ensino-

aprendizagem e desenvolvimento.

Em nosso entendimento, em uma dimensão dialógica do processo de

construção do conhecimento, o conceito de ZPD se encaixa perfeitamente a ideia de

interlocução de Bakhtin — ―O indivíduo não existe fora da alteridade‖ (BAKHTIN,

[1920/1923] 1997, p. 186). Nesse sentido, o eu para Bakhtin só existe na interação

com os outros, pois o eu precisa da colaboração dos outros para que se possa

configurar-se e ser autor de si mesmo.

Desse modo, uma pessoa, em contato com um par mais avançado, —

colegas de classe, amigos, professores, membro familiar, etc. —, avança

significativamente em sua aprendizagem e desenvolvimento. Nessa ótica, para

Vigotski, o mais relevante na interação entre o indivíduo com um par mais avançado

é o que ele é capaz de aprender e não apenas aquilo que já domina. Dessa forma, a

ZPD apresenta uma relação de prospecção ou avanço do ensino-aprendizagem

sobre o nível de desenvolvimento mental e social do educando. Conforme o autor

(1935),

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de ―brotos‖ ou ―flores‖ do desenvolvimento (VIGOTSKI, 1935, p. 98).

Transposta para o ensino-aprendizagem da leitura, podemos afirmar que a

ZPD permite ao educador perceber quais capacidades o aprendiz já apreendeu e

em que nível de aprendizado se encontra, para, então, entrar com o ensino de

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outras capacidades mais complexas. Dessa forma, as situações de ensino-

aprendizagem de leitura promovidas pela ZPD entre pares de alunos poderão nos

mostrar, de maneira clara, que determinado aprendiz precisará potencializar as

capacidades leitoras de decodificação, enquanto outro necessitará avançar, de

forma que venha lançar mão de outras capacidades leitoras de compreensão.

As potencializações das funções mentais não amadurecidas ou embrionárias

assinalam uma das principais diferenças nos estágios de desenvolvimento traçados

entre as relações estabelecidas nas e pelas ZDR e ZPD. Na perspectiva de Vigotski,

a ZDR ou ―o nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental

retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o

desenvolvimento mental prospectivamente‖ (VIGOTSKI, 1935, p. 98).

Na abordagem de busca do desenvolvimento mental prospectivamente,

Vigotski propõe situações de ensino-aprendizagem de resolução de tarefas ou

problemas com vistas a potencializar as capacidades mentais superiores ou os

conceitos científicos que ainda não são de domínio do aprendiz. Trata-se, em certa

medida, de um ensino mais voltado às futuras potencialidades do que um ensino

fundamentado no desenvolvimento passado e retrospectivo. Nesse sentido, Vigotski

(1935) sustenta que

A zona de desenvolvimento proximal provê psicólogos e educadores de um instrumento através do qual se pode entender o curso interno do desenvolvimento. Usando esse método podemos dar conta não somente dos ciclos e processos de maturação que já foram completados, como também daqueles processos que estão em estado de formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e a se desenvolver (VIGOTSKI, 1935, p. 98).

A partir disso, pensamos que cabe ao professor proporcionar ao aprendiz

apoio e recursos que lhe permitam avançar para um nível de conhecimento mais

complexo, além do que lhe seria impossível sem ajuda. Em outras palavras,

considerar a ZPD implica em observar a forma como se organiza o contexto de

ensino-aprendizagem, de maneira que o aprendiz possa alcançar um nível mais

elevado.

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1.4 Ferramentas técnicas e psicológicas

Embasado nas idéias de Engels, Marx e Spinoza a respeito do uso de

instrumentos nas relações sociais, Vigotski (1930) adota o termo instrumentos para

aplicar na área da psicologia, e com isso diferencia dois tipos de instrumentos: o

técnico e o psicológico. Em relação ao instrumento técnico, Vigotski afirma que ele

―modifica o processo de adaptação natural e determina a forma das operações

laborais‖ (VIGOTSKI, 1930, p. 94). Em outras palavras, podemos dizer que o

instrumento técnico auxilia na alteração e no domínio da natureza por intermédio do

trabalho humano.

Acerca dos instrumentos psicológicos, Vigotski (1930) afirma que ―são

criações artificiais; estruturalmente, são dispositivos sociais e não orgânicos ou

individuais; destinam-se ao domínio dos processos próprios ou alheios

[...]‖ (VIGOTSKI, 1930, p. 93). Dessa forma, os instrumentos mentais não são

elaborados pelo indivíduo ou por seu organismo, mas, sobretudo, nas e pelas

elaborações criadas no âmbito das relações sociais. São resultados dos processos

históricos dos seres humanos situados em relações sociais diversas.

De acordo com o autor (1930),

como exemplo de instrumentos psicológicos e de seus complexos sistemas podem servir a linguagem, as diferentes formas de numeração e cálculo, os dispositivos mnemotécnicos, o simbolismo algébrico, as obras de arte, a escrita, o diagrama, os mapas, os desenhos, todos tipo de signos convencionais (VIGOTSKI, 1930, p. 93-94) [grifo nosso].

Como podemos notar nos exemplos ilustrados anteriormente, os instrumentos

mentais se dão na forma das diferentes linguagens: verbal, matemática, artística,

escrita, cartográfica, pictórica, visual e inúmeras outras. Por esse motivo, o psicólogo

russo considera a linguagem e suas diferentes formas como uma das mais

importantes ferramentas cognitivas, pois ela auxilia tanto no domínio dos próprios

processos mentais (as capacidades mentais) quanto no controle dos processos

mentais alheios por meio da comunicação (interação).

Nesse sentido, Vigotski (1930) afirma que a apropriação das ferramentas

mentais através das interações mediadas pelo uso das diversas linguagens permite

que o indivíduo potencialize o desenvolvimento das capacidades mentais superiores.

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Refletindo sobre esse processo, na seção seguinte, abordaremos os gêneros

discursivos e seu papel de instrumentos no ensino-aprendizagem de línguas.

1.5 O gênero como objeto de ensino-aprendizagem

Na década de 1990, pesquisadores da Universidade de Genebra conduziram

suas pesquisas a respeito da produção escrita (e oral) de estudantes na perspectiva

das teorias sóciohistórica e enunciativo-discursiva. Com isso, adotam alguns

conceitos de ensino-aprendizagem de Vigotski e de linguagem do Círculo de

Bakhtin.

Em especial, o pesquisador Bernard Schneuwly alia o conceito vigotskiano de

ferramentas ou instrumentos psicológicos (1994) ao conceito bakhtiniano de gêneros

discursivo. Com isso em mente, Schneuwly (1994, 1996/2004) propõe a utilização

dos gêneros discursivos como megainstrumentos para situações de ensino-

aprendizagem de língua materna para subsidiar a produção escrita e oral.

Schneuwly (2004) elabora a metáfora do gênero como megainstrumento para

o ensino-aprendizagem. Nas palavras do autor, essa metáfora abarca

[...] o gênero como organizador global: tratamento do conteúdo; tratamento comunicativo; tratamento lingüístico. Poderíamos aqui construir uma outra metáfora: considerar o gênero como um ―megainstrumento‖, como uma configuração estabilizada de vários subsistemas semióticos (sobretudo lingüísticos, mas também paralinguísticos), permitindo agir eficazmente numa classe bem definida de situações de comunicação (SCHNEUWLY, 2004, p. 28 ) [grifo do autor].

Assim, observamos que Schneuwly (2004) defende o gênero discursivo como

um megainstrumento de ensino-aprendizagem de línguas, sobretudo por duas

aplicações didáticas: o ensino-aprendizagem da produção escrita e oral e o

desenvolvimento das capacidades de linguagem.

Em relação ao ensino-aprendizagem da produção escrita e oral, Schneuwly e

Dolz (2004) defendem que o gênero como megainstrumento pode ser empregado

como mediação entre ―as práticas sociais e os objetos escolares‖ (SCHNEUWLY &

DOLZ, 2004, p. 71).

Já no que refere ao desenvolvimento das capacidades de linguagem — os

pesquisadores genebrinos afirmam: ―[...] a definição das dimensões ensináveis de

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um gênero [...], a apropriação deste como instrumento e [...] o desenvolvimento de

capacidades de linguagem diversas que a ele estão associadas‖ (SCHNEUWLY &

DOLZ, 2004, p. 89) [grifo nosso]. Dessa forma, o gênero como megainstrumento

permite auxiliar os alunos a terem mais desenvoltura nas produções textuais

(escritas e orais) e, ao mesmo tempo, ajudá-los no desenvolvimento de

determinadas capacidades de uso da linguagem em inúmeras práticas sociais de

uso de linguagem.

1.6 Capacidades de linguagem

Capacidades de linguagem são as capacidades que mobilizamos no

momento da leitura e produção de um texto. Segundo Dolz e Schneuwly (2004),

essas capacidades de linguagem se configuram em três: capacidades de ação,

capacidades discursivas e capacidades linguístico-discursivas. De acordo com os

autores (2004),

A noção de capacidades de linguagem [...] evoca as aptidões requeridas do aprendiz para a produção de um gênero numa situação de interação determinada: adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de ação); mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas); dominar as operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas (capacidades linguístico-discursivas) (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 52) [ênfase dos autores].

Segundo Dolz e Schneuwly (2004), as capacidades de ação possibilitam

adequar-se às características do contexto e dos referentes (interlocutores). Nesse

sentido, as capacidades de ação lidam com os parâmetros de contextualização do

discurso, os quais envolvem as condições concretas de produção da enunciação.

Assim, por exemplo, só conseguimos reconhecer um texto como sendo uma

lista de compras de mercado, uma propaganda impressa — exemplos de gêneros

escritos — ou, identificar uma conversa entre mãe e filha, uma propaganda

radiofônica — exemplos de gêneros orais — porque estamos mobilizando as

capacidades de ação de linguagem. Do mesmo modo, mobilizamos essas

capacidades quando reconhecemos a situação de comunicação em que o texto foi

produzido, quem produziu, para quem, com que objetivo, quando e onde foi

produzido o texto e de que assunto se trata.

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A título de exemplificação, quando vemos uma propaganda impressa

anunciando uma calça jeans da marca Lycra, mobilizamos nossas capacidades de

ação para reconhecermos que o texto foi produzido em uma agência de publicidade,

por uma equipe publicitária, para um determinado público feminino com a finalidade

de vender a calça da marca Lycra.

As capacidades de ação instauram as bases de uma produção discursiva,

pois tornam possível a compreensão da situação comunicativa a qual poderá

deparar-se um participante de uma interação durante a realização de qualquer

atividade discursiva. Essas capacidades direcionam e especificam parâmetros do

discurso englobando desde os locais físicos e institucionais, os interlocutores, as

instâncias (contextos) – seja privada ou pública; a finalidade da interação e o

conteúdo a ser explorado na produção discursiva.

As capacidades discursivas correspondem às seguintes vertentes do

discurso: o plano composicional, as variantes discursivas, as sequências textuais e o

conteúdo temático (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004).

Na mesma linha de pensamento dos pesquisadores de Genebra, Barros-

Mendes (2005) afirma que as capacidades discursivas são divididas em dois

subconjuntos principais: o primeiro refere-se à gestão da infra-estrutura geral do

texto e; o segundo ―diz respeito a outra questão envolvida na produção de um texto

que, de acordo com os autores, implica continuamente na escolha e na elaboração

de conteúdos‖ (BARROS-MENDES, 2005, p. 96).

Segundo os autores, o plano composicional diz respeito à forma em que o

discurso é articulado, isto é, trata-se da forma composicional do gênero. No caso de

nosso objeto de estudo, a propaganda impressa, a estrutura composicional envolve

a disposição da imagem, do texto verbal, do logotipo, do tamanho e do tipo das

fontes etc.

Em se tratando da propaganda impressa, a variante discursiva corresponde

ao discurso autônomo, pois não há uma situação de produção imediata entre os

participantes da interação.

Em relação à sequência textual, os pensadores suíços a caracterizam em

cinco tipos: sequência narrativa, descritiva, dialógica, explicativa e argumentativa.

De certa forma, a propaganda impressa trabalha ora com sequências

argumentativas — devido à função de tentar persuadir o leitor (a) a realizar

determinada ação; ora com sequências explicativas quando tem como função

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informar o leitor sobre algum serviço de utilidade pública que envolva situações de

direitos e deveres na vida cidadã (no caso, a propaganda institucional). Como, por

exemplo, em nosso contexto, podemos citar as propagandas institucionais sobre os

cuidados com a queimada.

De acordo com Dolz e Schneuwly (1998), Barros-Mendes (2005) explica que

o conteúdo temático – o segundo subconjunto das capacidades discursivas,

implica continuamente na escolha e na elaboração de conteúdos. Parcialmente presentes na memória, segundo modos de organização amplamente desconhecidos, esses conteúdos são mobilizados por um texto, em função do que já foi dito antes, por si mesmo e pelos outros. Eles se transformam e se organizam pelo fato mesmo de serem enunciados em um momento particular. Desse modo, novos conteúdos surgem por efeito desse reencontro entre o texto já dito e o texto a ser produzido, ou seja, o discurso é tecido a partir do discurso do outro (BARROS-MENDES, 2005, p. 96).

Já as capacidades linguístico-discursivas operam mais no nível dos

elementos linguísticos e estilísticos do gênero. Essas capacidades estão ligadas

à coesão nominal e verbal, às vozes discursivas e seus posicionamentos

enunciativos, à modalização do discurso e à seleção dos itens lexicais. Assim, essas

capacidades operam com o elemento estilo do gênero.

Com base nas palavras de Dolz e Schneuwly (1998), Barros-Mendes (2005)

afirma que as operações de coesão nominal e verbal se referem,

por um lado, da utilização da revisão de uma unidade fonte do texto pelos sintagmas nominais ou os pronomes (por exemplo, na seqüência minhas irmãs…a mais velha…ela…a primeira…minhas irmãs, onde a primeira expressão marca a inserção dentro do texto de uma unidade de significação nova e, a partir dela, estabelece-se uma seqüência anafórica que explicita as relações de solidariedade entre esta unidade e aquelas que a retomam). Trata-se também, por outro lado, da gestão dos tempos do verbo (BARROS-MENDES, 2005, p. 99).

No tocante às vozes discursivas e modalização, os autores ponderam que as

primeiras estão relacionadas com as diferentes vozes que podem aparecer dentro

de um texto (BARROS-MENDES, 2005, p. 99). Já as expressões de modalização

contemplam ―os comentários e avaliações feitas pelo autor ou por outras vozes

implicadas no texto sobre o conteúdo temático‖ (BARROS-MENDES, 2005, p. 99).

No caso da propaganda, as expressões de modalização são algumas vezes

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relacionadas ora ao dever e obrigação, ora a voz da verdade, pois se faz uso de

verbos no imperativo para tentar seduzir, convencer, converter os interlocutores a

mudarem de ideia. Já as vozes discursivas podem ser elementos de estilo de outro

gênero – ―Era uma vez...‖ (propaganda do Boticário), vozes institucionais (a

propaganda da Dengue do governo de Mato Grosso), voz de autoridade (por

exemplo, nove entre dez dentistas afirmam que usar Colgate ou pasta dental ajuda

na...), etc.

Em relação à escolha lexical, Barros-Mendes (2005) sustenta que são os

elementos lexicais, morfológicos dentro do estilo do gênero escolhido. No que diz

respeito à propaganda, os elementos podem ser verbos no imperativo,

nominalizações, os nomes próprios dos objetivos propagados, de adjetivos que

qualificam o produto, conjunções etc. Em especial, no nível sintático, observamos,

muitas vezes, o uso de frases nominalizadas na parte do logotipo, de orações

coordenadas.

Considerar, portanto, o gênero como megainstrumento para as atividades de

ensino-aprendizagem poderá contribuir no desenvolvimento das capacidades de

linguagem, pois possibilitam uma apropriação das práticas de uso da linguagem em

instâncias públicas e privadas, tanto da situação comunicativa concreta e de suas

particularidades nas esferas discursivas (capacidades de ação) quanto dos

elementos temáticos, composicionais (capacidades discursivas) e estilísticos de

determinado gênero discursivo (capacidades linguístico-discursivas).

Em relação a essas capacidades de linguagem, Ferreira (2009, p. 34) afirma

que no trabalho com elas ―assume-se um tratamento do conteúdo temático, da

forma composicional (capacidades discursivas) e do estilo (capacidades lingüístico-

discursivas), além da própria definição do gênero e da situação demandada

(capacidades de ação)‖. Consideramos, portanto, com os pesquisadores, que o

gênero discursivo, tomado como megainstrumento para as atividades de ensino-

aprendizagem poderá contribuir no desenvolvimento das capacidades de linguagem

por parte dos estudantes, pois possibilitam uma apropriação das práticas de uso da

linguagem em instâncias públicas e privadas, tanto da situação comunicativa

concreta e de suas particularidades nas esferas discursivas (capacidades de ação)

quanto dos elementos temáticos, composicionais (capacidades discursivas) e

estilísticos de determinado gênero discursivo (capacidades linguístico-discursivas).

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Ressaltamos, no entanto, que os autores Dolz & Schneuwly trabalham com o

conceito de capacidades exclusivamente para a questão da produção escrita, mas

consideramos que a mesma abordagem pode ser estendida ao ensino-

aprendizagem da leitura. Assim, essas noções são fundamentais para nosso

trabalho, posto que com o ensino-aprendizagem da leitura do gênero propaganda

impressa, buscaremos identificar nas interações discursivas das professoras quais

as capacidades leitoras podem ser desenvolvidas. Assim, no próximo capítulo,

abordaremos a propaganda impressa e a leitura do texto multimodal.

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CAPÍTULO 2

A PROPAGANDA IMPRESSA

Tendo em perspectiva o caminho sociohistórico que alicerça esta pesquisa,

neste capítulo, trataremos de alguns aspectos da esfera da propaganda e do gênero

propaganda impressa. Partiremos, sob esta perspectiva, das condições

sociohistóricas de seu surgimento à sua função sociodiscursiva e desenvolvimento

no âmbito das práticas sociais. Além disso, apresentaremos algumas

particularidades do gênero propaganda impressa.

2.1 Publicidade e propaganda: breves concepções teóricas

As palavras publicidade propaganda, de acordo Sant‘anna (1998, p. 75) ―não

significam rigorosamente a mesma coisa‖, mesmo que muitas vezes sejam

empregadas como sinônimos. Segundo Sant‘anna (1998),

Publicidade deriva de público (do latim publicus) e designa a qualidade do que é público. Significa o ato de vulgarizar, de tornar público um fato, uma idéia.

Propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias. Foi traduzida pelo Papa, clemente VII, em 1957, quando fundou a Congregação da Propaganda, com o fito de propagar a fé católica pelo mundo. Deriva do latim propagare, que significa reproduzir por meio de mergulhia, ou seja enterrar o rebento de uma planta no solo. Propagare, por sua vez, deriva de pangere, que quer dizer enterrar, mergulhar, plantar. Seria então a propagação de doutrinas religiosas ou princípios políticos de algum partido (SANT‘ANNA, 1998, p. 75) [grifo do autor].

Desse modo, entendemos que o vocábulo publicidade corresponde à divulgar,

tornar público e propaganda está atrelada à ideia de incluir, implantar um crença, um

valor ideológico.

Sant‘anna (1998) ainda nos afirma que em decorrência da natureza

eclesiástica da palavra, ―muitos preferem usar publicidade ao invés de propaganda‖

(idem, ibidem). No entanto, segundo autor, atualmente as palavras publicidade e

propaganda são empregadas de maneira indistinta.

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Já para Medauar (1990), propaganda e publicidade podem ser tomadas a

partir das definições apresentadas no dicionário Aurélio.

propaganda — coisas que devem ser propagadas. Propagação de princípios, ideias, conhecimentos ou teoria. Sociedade vulgarizadora de certas doutrinas. Publicidade já é a arte de exercer uma ação psicológica sobre o público com fins comerciais ou políticos (MEDAUAR, 1990, p. 07).

Observamos que os conceitos postos por Medauar (1990) e Sant‘anna (1998)

se aproximam, tendo em vista que eles põem em evidencia a função social de cada

um. Dessa forma, dizemos que a publicidade objetiva difundir informações e gerar

novas atitudes acerca do produto, de modo que o consumidor sinta vontade de

comprá-lo, quer dizer, ―[...] atuar na mente da massa, condicionando-a para o ato da

compra, antes de contato com o vendedor‖ (SANT‘ANNA, 1998, p. 122). E a

propaganda dado seu caráter amplo visa anunciar produtos e/ou serviços para

determinados consumidores a fim de que eles saibam de sua existência e, assim,

possam adquiri-los. Dessa maneira, a propaganda é ―o conjunto de técnicas e

atividades de informação e persuasão destinadas a influenciar, um determinado

sentido, as opiniões, os sentimentos e as atitudes do público receptor‖

(FERNANDES apud PINHO, 1990, p. 22).

Segundo Melo (2006, p.17), nos dias atuais, ―no mercado de trabalho, de

modo geral, esses termos se distanciaram de suas definições próprias de origem‖,

ou seja, não existe uma delimitação evidente entre os termos ―propaganda‖ e

―publicidade‖. Nesse sentido, de acordo com Rabaça e Barbosa (apud MELO, 2006),

No Brasil e em alguns países da América Latina, as palavras propaganda e publicidade são geralmente usadas com o mesmo sentido, e esta tendência parece ser definitiva, independentemente das tentativas de definição que possamos elaborar em dicionários ou em livros acadêmicos. Em alguns aspectos, porém, é possível perceber algumas distinções no uso das duas palavras: em geral não se fala em publicidade com relação à comunicação persuasiva de idéias (neste aspecto, propaganda é mais abrangente, pois inclui objetivos ideológicos, comerciais etc.); a publicidade mostra-se mais abrangente no sentido de divulgação (tornar público, informar, sem que isso implique necessariamente persuasão) (RABAÇA e BARBOSA apud MELO, 2006, p.17).

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Em virtude disso, consideramos o emprego dos vocábulos propaganda e

publicidade como sinônimos, uma vez que usamos em nosso trabalho diferentes

textos, tais como: institucionais, comercias e sociais. Ressaltamos, no entanto, que,

em nosso trabalho, optamos por empregar o termo propaganda.

2.2 A esfera da propaganda: um breve passeio pela história

Na história da propaganda e da publicidade, há vários fatores que

contribuíram para sua expansão em nosso país. Segundo a pesquisadora Brasil

(2009), no século XIX, em virtude do crescimento econômico, fundamentado na

agroexportação, há uma aceleração no crescimento urbano. Este fez com que

houvesse o desenvolvimento de várias atividades profissionais como também de

setores de negócios, que passam a coexistir em um mesmo espaço-temporal.

Assim, esses setores veem a necessidade de divulgar para a sociedade daquela

época suas atividades comerciais para não perder espaço para outras.

Em decorrência disso,

os primeiros anúncios publicitários aparecem principalmente nos jornais e se referem à venda de imóveis, de escravos, datas de leilões, ofertas de serviços de artesãos e profissionais liberais. Embora os jornais recebam a maioria dos anúncios, também podemos encontrar, no período, outros veículos como os cartazes, painéis pintados e folhetos avulsos (BRASIL, 2009, s.p.).

A expansão e a intensa participação dos veículos de comunicação ocorreram

na primeira metade do século XX , quando puderam acompanhar e registrar não

apenas fatos do cotidiano, como também os grandes acontecimentos sociohistóricos

do período. Por exemplo, as propagandas de remédios, que sustentavam os jornais

e revistas da época, já que havia um grande número delas nessas mídias.

Os anúncios da primeira metade do século XX se caracterizavam, em boa

parte, por textos longos e poucas ilustrações, diferente do que ocorre nos anúncios

atuais, em que se exploram muito as imagens associadas a textos sintéticos (Brasil,

2009, s.p.).

Dessa forma, podemos dizer que nessa trajetória acerca da divulgação de

produtos e serviços, o jornal configura-se, então, como um veículo importante para a

propagação de textos publicitários. Segundo Paes de Barros (2005),

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a entrada dos textos publicitários no jornal impresso não é algo tão recente, nem característico da imprensa atual; há todo um contexto sócio-histórico que gera um alto investimento de capital (PAES DE BARROS 2005, p. 60).

Sendo assim, os jornais brasileiros de ampla circulação nacional, no

transcorrer do século XX, reservavam — ou vendiam — espaços generosos aos

textos publicitários e, conforme dados apresentados pelo pesquisador Guerchfeld

(apud Costa, 2008, p. 16) ―cerca de 22% do faturamento total dos jornais brasileiros

foram fornecidos pela publicidade em 1999‖.

Dentre outros veículos de comunicação que colaboraram com a ampliação

dos meios de comunicação no século XX, destacam-se as revistas. Este veículo

chega a atingir no Brasil, segundo Sampaio (apud COSTA 2008 p.16), a ―soma de

815 títulos, em 1994‖. A significativa diferença que há entre a revista em relação ao

jornal, de acordo com Pinho (1990), se encontra, principalmente, na sua dimensão

temporal, pois o jornal diariamente impresso está diretamente ligado aos fatos do

cotidiano, enquanto que a revista de circulação periódica, de certo modo, garante

certo distanciamento temporal do fato jornalístico e isso possibilita que nesta seja

feita uma abordagem mais ampla a respeito de determinado assunto.

Assim, com o aperfeiçoamento gráfico e o aparecimento das revistas —

chamadas de semanários ilustrados — os anúncios ganham ilustrações e cores e

seus textos se tornam mais objetivos. Nesse sentido, as revistas se constituem o

veículo de extrema inovação no que concerne à parte visual. A diagramação torna-

se um processo que requer cuidados referentes à estética, manifestando, conforme

ressalta Pinho (1990, p. 144) um ―campo fértil para a imaginação e a criatividade‖,

devido aos espaços que são deixados pela editoria de uma determinada revista para

que os anunciantes possam fazer uso deles da melhor forma possível.

A inclusão de propagandas impressas nas revistas pode ocorrer em

sequências de páginas. Segundo Pinho (1990, p. 144), há algumas propagandas

―Institucionais e comerciais que chegam a ocupar até 16 páginas seguidas [...],

página dupla, página inteira‖. As propagandas impressas em revista podem

apresentar preços diversificados para a publicação, em função do uso de cores, da

localização da propaganda em determinada página.

De acordo com Pinho (1990), o mercado editorial tem apresentado a

estratégia da segmentação dos títulos e, por conseguinte, ocorre um aumento,

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considerável do número de revistas técnicas ou especializadas em um determinado

assunto. Essas revistas podem ser vendidas em bancas e designadas a parcelas da

população específicas e proporcionalmente pequenas.

Isso significa que essa segmentação acarreta, por um lado, um resultado

positivo por garantir uma melhor caracterização dos seus públicos-alvo (de seus

interlocutores). Por outro lado, o perfil de modo geral dos leitores de revistas

continua mostrando, segundo Pinho (1990, p. 143), ―sua maior penetração nas

camadas mais altas da população brasileira, para o que muito influi o alto preço de

venda‖.

No entanto, Simoneli (2004), fundamentada na pesquisa do Almanaque Abril

de 2003, afirma que, em relação aos leitores de revista, o Instituto Ipsos-Marplan

fez um levantamento e apontou que cerca de sessenta por cento dos entrevistados

leem revistas pelo menos uma vez ao mês, dentre os quais cinquenta por cento são

mulheres e quarenta e quatro por cento são homens. Simoneli (2004, p. 71)

comenta ainda, conforme pesquisa da Almanaque Abril de 2003, acerca de outra

tendência: ―a variedade de publicações alternativas dirigidas ao consumidor de

menor poder aquisitivo‖. Assim, nesse mercado editorial de revistas, muitas editoras

lançam mão de revistas com custos acessíveis a esse público.

A autora também discorre a respeito de outra transformação que ocorreu na

mídia impressa em relação às revistas: a queda da circulação das revistas entre os

anos 2000 e 2001, em virtude da redução do investimento em publicidade em

revistas, assim como também a queda da circulação devido à ―concorrência com

sites exibidos na Internet‖ (SIMOLNELI, 2004, p. 72). Com esse advento, segundo a

autora, muitas empresas de revistas transportam partes do conteúdo de sua edição

para o site de determinada revista, de modo que ao internauta seja permitido o

acesso a parte do site, porém, para que se tenha conhecimento de todo o conteúdo

presente na revista, será necessário tornar-se assinante. Dessa forma, com intensa

procura dos internautas pela revista, esta poderá designar um espaço em seu site à

propaganda.

Assim, a mídia eletrônica transforma-se em ―outra fonte de renda às revistas‖

(SIMONELI, 2004, p. 72) além dos espaços na mídia impressa. Outra atração para o

internauta leitor de revistas, como afirma Simoneli (2004, p. 72) diz respeito aos

―recursos de hipertextos e os audiovisuais‖. Desse modo, a propaganda, em sua

trajetória no contexto sociohistórico, reafirma sua ―natureza multimidiática e

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multimodal, onde diferentes linguagens atuam: texto escrito [...], imagens estáticas e

em movimento‖ (PAES DE BARROS, 2005, p. 64).

A partir do que vimos discorrendo, ao observarmos como surgiu e como se

desenvolveu a esfera da propaganda impressa, depreendemos que, em

consonância com Paes de Barros (2005), o contexto sociohistóricoeconômico

favorece determinadas condições para o surgimento de um novo modo de

comunicar, com fins, características e objetos específicos.

Na seção seguinte, trataremos de elencar os tipos de propagandas e, em

seguida, abordaremos a respeito das especificidades que regem a propaganda

impressa, tomando como base a teoria bakhtiniana acerca dos gêneros discursivos.

2.3 A propaganda impressa

Há muitas variações a respeito das classificações dos tipos de propaganda e

publicidade. Pinho (1990) nos apresenta alguns desses tipos; segundo o autor,

existem os seguintes tipos de publicidade: a publicidade de produto; publicidade de

serviços; publicidade de varejo ou comercial; publicidade comparativa; publicidade

industrial e, por último, a publicidade de promoção.

Em relação à propaganda, Pinho (1990) apresenta a classificação da seguinte

forma: ideológica; política; eleitoral; governamental; institucional; corporativa; legal;

religiosa e, por fim, a social. No que se refere a esta classificação, interessa-nos a

institucional e a social, uma vez que faremos uso delas em nossa pesquisa.

De acordo com Carvalho (1996), a propaganda institucional visa divulgar a

imagem de uma determinada empresa, procurando veicular suas ideias a valores

éticos e sociais.

Já a propaganda social diz respeito às campanhas direcionadas a causas

sociais, tais como desemprego, adoção de criança, desidratação, vacinas, e outras.

Esse tipo de programa tem como fim a aceitação de uma prática social ou uma ideia

por um determinado grupo (PINHO, 1990).

Uma outra classificação que nos importa é a comercial. Esta ―explora o

universo dos desejos, um universo particular‖ (CARVALHO, 1996, p. 10).

Essas três categorias de propagandas serão usadas por nós em nosso

trabalho, em que buscaremos identificar as capacidades leitoras dos sujeitos durante

a leitura dessas propagandas impressas.

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Assim, entendemos que a esfera da propaganda apresenta pontos importantes

que devem ser considerados: quanto à produção: há gêneros com fins comerciais e

não comerciais. Tais gêneros que têm como intento obter a adesão do interlocutor,

apresentam em comum, também, a situação de circulação — seja em jornais,

revistas, outdoors, panfletos, rádio televisão, internet — e, sobretudo, observa-se

esse intento quanto à recepção, conforme suas finalidades particulares.

Em nosso trabalho, limitaremos, em especial, ao tratamento dos gêneros da

esfera da propaganda impressa, que apresentam enunciados que se aproximam

muito no que se refere à forma composicional e ao estilo.

No capítulo anterior, discorremos acerca dos gêneros discursivos e sua tríade,

onde observamos que a forma composicional é o primeiro elemento que se identifica

no gênero. Isso foi pode ser evidenciado em nosso gênero, como por exemplo, a

quantidade de páginas que as propagandas ocupam em uma dada revista, a

imagem do produto, o tamanho da letra entre outros elementos que integram essa

estrutura composicional. Em relação ao estilo está relacionado aos elementos

lingüísticos: verbos no modo imperativo, frases nominais, substantivos próprios, etc.

Assim, a propaganda impressa apresenta alguns recursos que são

recorrentes ao estilo desse gênero. Para isso, destacamos, em conformidade com

Sandmann (1999), Sant‘anna (1998), Carvalho (1996), alguns dos recursos verbais

e não-verbais mais comuns nas propagandas, a saber: recursos verbais

(empréstimos linguísticos, aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos,

semânticos) e recursos não verbais (ilustração, o emprego da cor, tipos de letra).

Para ilustrar o que vimos discorrendo, tomemos o exemplo da propaganda impressa

acerca da marca Lycra, veiculada na revista Cláudia em setembro de 2007.

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CLAUDIA. São Paulo: Abril, n.9, ano 46, p.68-69, set. 2007.

Essa propaganda está disposta em duas páginas da revista. Na página

esquerda, temos, em primeiro plano, a imagem de um botijão de gás, inserido em

uma calça jeans, imagem esta que ocupa praticamente a página inteira. Na página à

direita, nota-se o enunciado verbal: ―Quando uma roupa não cai bem, o seu corpo é

que leva a culpa‖. Abaixo deste enunciado, há a presença da logomarca do produto

em tom vermelho claro e sobre ela a marca ―Lycra‖ em destaque na cor branca.

Logo depois, nota-se outro enunciado verbal: ―Lycra, se tem, cai bem‖. Todas as

letras desse enunciado verbal estão empregadas em caixa alta, na fonte arial. Como

plano de fundo, de ambas as páginas, percebe-se a cor cinza em tom claro, o que

faz com que sobressaia a imagem do botijão, uma vez que este também apresenta a

cor cinza, mas com uma tonalidade escura.

Podemos observar nessa propaganda a presença de recursos verbais, que

estão ligados aos aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos. Estes

recursos, em boa medida, contribuem para a difusão do produto anunciado.

Segundo Bakhtin ([1952-1953/1979]2003, p. 266), ―os estilos de linguagem ou

funcionais não são outra coisa senão estilos de gênero de determinadas esferas da

atividade humana e comunicação‖. Essa afirmação do pensador russo demonstra

que todo e qualquer gênero é constituído por características linguísticas que o

diferenciam de outros gêneros, que circulam e são produzidos em diferentes

esferas.

Quando uma roupa não cai bem. O seu corpo é que leva a culpa.

LYCRA

Lycra. Se tem,

Cai bem.

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A propaganda impressa circula em diferentes campos de atividade. Em cada

esfera de circulação e recepção, pode apresentar diferentes funções comunicativas,

de acordo com as suas especificidades (institucional, social, comercial). Tudo isso

colabora para que a apreciação valorativa dada pelos publicitários, em boa medida,

dialogue com as visões de mundo de seus interlocutores, haja vista que eles estão

circunscritos a um determinado contexto social.

Com relação à propaganda em foco, em primeiro lugar, é preciso observar

que foi veiculada na revista feminina Claudia, em setembro de 2007. Esta revista,

desde seu surgimento é destinada à mulher, segundo Costa (2010),

Na Revista Claudia, evidencia-se o processo da indústria da moda no Brasil, a prática de publicar as tendências da Alta Costura internacional, a expansão das confecções e os inúmeros anúncios e reportagens que seduziam a leitora e a convidava a escolher um estilo (COSTA, 2010, p.162).

Entendemos que essa revista, num primeiro momento, privilegiou matérias

direcionadas à moda da Alta Costura e, com o passar dos anos passou a publicar

outros tipos de assuntos relacionados ao público feminino.

Dessa forma, compreendemos que a esfera de circulação também determina

o estilo da propaganda que será veiculada, pois, se pensarmos na revista Cláudia,

observaremos que haverá toda uma preocupação do corpo editorial em publicar

matérias específicas que atendam aos interesses de cada tipo de leitora para as

seções do assunto a ser tratado.

Para efeito de compreensão, selecionamos alguns recursos linguísticos do

gênero propaganda impressa, para mostrarmos o estilo do gênero.

O primeiro recurso linguístico que pontuamos é o fonológico. Havemos de

considerar que os aspectos fonológicos se inserem na função poética ou estética da

linguagem, chamando a atenção do leitor para o conteúdo da mensagem,

despertando o prazer estético e estimulando a memorização. Mas podemos

observar que a propaganda impressa faz uso desse recurso. Na página à direita,

tem-se este slogan ―Lycra - se tem, cai bem‖. Nesse enunciado, há repetição sonora

do ―em‖, criando uma rima. Sandmann (1999, p.56) afirma que ―o prazer que o ritmo

desperta em nós é que faz com que memorizemos a mensagem mais facilmente‖.

Com o autor, acreditamos que a rima é um dos recursos da língua que possibilita

aos interlocutores a memorização do produto anunciado.

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De acordo com Sandmann (1999), a rima, a aliteração e a paronomásia são

recursos muito empregados nas propagandas. Para ele, a rima pode ser

apresentada no meio ou no final de frases, versos ou períodos.

De acordo com o publicitário André Laurentino, vemos que a rima, hoje em

dia, é pouco empregada; mas ainda pode auxiliar como procedimento

―mnemônico.[...] [a rima é percebida] no nível do inconsciente, tornando mais

agradável a frase e dando maior musicalidade aos seus contornos fonéticos.‖

(LAURENTINO apud CARVALHO, 1996, p. 31-32).

O segundo recurso — morfológico — apresenta um jogo de sentido, o qual é

realizado pelo uso dos substantivos ―roupa‖, ―corpo‖, ―culpa‖ neste enunciado

―Quando uma roupa não cai bem, o seu corpo é que leva a culpa‖. Além disso, os

verbos ―cair‖ e ―levar‖ também contribuem para a difusão do discurso presente na

propaganda. Dito de outra maneira, é fazer com que a interlocutora (já que é uma

propaganda direcionada ao público feminino) passe a adquirir calças da Lycra,

porque essa marca consegue fazer com que todas as calças caibam em todos os

biotipos feminino.

Segundo Carvalho (1996), na linguagem da propaganda, os verbos auxiliam

a sustentar a argumentação que leva o consumidor a convencer-se, consciente ou

inconscientemente. Sendo assim, o verbo representa a ordem ou o convite. Esse

elemento verbal se constitui em um imperativo que se apresenta de inúmeras

roupagens ocultando, assim, as intenções do anunciante.

Dessa maneira, podemos observar que o trabalho com os gêneros

discursivos requer reflexão a respeito da adequação dos elementos da língua à

situação de produção do enunciado. Como bem afirma Bakhtin (1952-1953/1979),

Quando escolhemos as palavras no processo de construção de um enunciado, nem de longe as tomamos sempre do sistema da língua em sua forma neutra, lexicográfica. Costumamos tirá-las de outros enunciados e antes de tudo congêneres com o nosso, isto é, pelo tema, pelo estilo; conseqüentemente, selecionamos as palavras segundo a sua especificação de gênero. O gênero do discurso não é uma forma da língua, mas uma forma típica do enunciado; como tal a forma, o gênero inclui certa expressão típica a ele inerente (BAKHTIN, [1952-1953/1979] 2003, p. 292-293).

Assim, a palavra comporta três importantes aspectos ao ser proferida ou

escrita. No primeiro, é dada a ela a neutralidade, vista apenas como sistema da

língua, pois assim a palavra não pertence a ninguém, mas lhe é assegurada a

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compreensão de forma mútua pelos usuários da língua. No segundo aspecto, a

palavra é alheia dos outros, pois, aqui, ela ecoa outras vozes, reporta outros

enunciados. Já no último aspecto, apresentada como minha palavra, é constituída

por uma intenção discursiva, usada em uma determinada situação comunicativa.

Nessas duas últimas instâncias, a palavra é marcada pela expressividade —

expressão que não pertence à palavra, mas tão somente ao enunciado individual,

com tom valorativo em uma específica situação concreta do processo comunicativo.

Na propaganda impressa a que estamos nos referindo como exemplo, temos

o emprego da palavra extraída do sistema da língua, que se apresenta investida de

intencionalidade, com expressividade discursiva que marca sua inserção em um

dado momento histórico, em um contexto social específico. Esses recursos

garantem ao interlocutor da propaganda, o uso do enunciado concreto dotado de

autoridade. Desse modo, em consonância com Bakhtin (1952-1953/1979),

defendemos que,

Eis por que a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados dos outros. Em certo sentido, essa experiência pode ser caracterizada como processo de assimilação — mais ou menos criador — das palavras do outro (e não das palavras da língua). Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilação, de um grau de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos (BAKHTIN, [1952-1953/1979]2003, p. 294-295).

Bakhtin/Volochinov (1929) afirmam que a significação de um enunciado deve

passar pela distinção entre tema e significação. Mas os pensadores russos dizem

que não se pode perder de vista que há inter-relação entre ambos. O tema deve ser

entendido como único, irrepetível, individual, em que a situação histórica determina a

configuração do tema. Nas palavras de Paes de Barros (2005, p. 77) [grifo da

autora] ―o tema [...] orienta-se a um enunciado concreto enquanto atuação discursiva

em um contexto sóciohistórico‖.

Assim, entendemos por tema como sendo os possíveis sentidos de um

enunciado concreto. Desse modo, esses sentidos estariam atrelados à parte instável

e irrepetível do discurso, de forma ilustrativa, podemos pensar nas propagandas

impressas de um determinado anunciante, a marca de cerveja Skol, por exemplo.

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É plausível dizer que, embora observemos a repetição de alguns discursos,

por exemplo: ―felicidade é estar junto dos amigos, em que a cerveja é uma bebida

que não pode faltar‖. Esse discurso é freqüentemente observado não só nas

propagandas da Skol, mas em outras marcas de cerveja. E cada propaganda será

marcada um tema, por ser irrepetível, já que está ligado a um contexto

sociohistórico. Assim esse contexto acaba por determinar a entonação, a visão de

mundo, o julgamento de valor, apreciação valorativa que o falante terá para uma

temática, já que ele tem um interlocutor/ouvinte.

Na visão de Bakhtin/Volochinov (1929),

à medida que a linguagem se desenvolveu, que o seu estoque de complexos sonoros aumentou, as significações começaram a estabilizar-se segundo as linhas que eram básicas e mais freqüentes na vida da comunidade para a utilização temática dessa ou daquela palavra (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]2006, p. 135).

Desse modo, a significação não pode ser tomada apenas pelos elementos

linguísticos que constituem um enunciado. Segundo Bakhtin/Volochinov (1929, p.

137), ―a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os

interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e

responsiva‖. A nosso ver, podemos dizer que os sentidos postos na propaganda em

questão, a da calça jeans Lycra, passam não apenas pelas escolhas linguísticas

realizadas pelos seus criadores, mas também pela apreciação valorativa das leitoras

da revista Claudia.

A compreensão das leitoras da revista em relação ao tema da propaganda

contribui para que a finalidade comunicativa atinja seu objetivo. Em nosso ponto de

vista, concordando com Bakhtin, ―só a compreensão ativa nos permite apreender o

tema, pois a evolução não pode ser apreendida senão com a ajuda de um outro

processo evolutivo‖ (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]2006, p. 137).

Em relação ao terceiro recurso — o sintático — observamos que a

simplicidade estrutural se faz presente. Segundo Sant‘anna (1998), a linguagem da

propaganda não deve ser confusa, ao contrário, deve ser clara e simples, com uso

palavras curtas e os parágrafos não devem ser longos. Um bom anúncio, nas

palavras do autor, deve ser ―imediatamente compreensível e diretamente

comovente‖. Essa assertiva pôde ser visualizada nos enunciados que compõem o

texto verbal da propaganda da Lycra, em que a estrutura sintática selecionada

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contribui para a memorização do discurso que fora dito. Em uma entrevista, a

publicitária Adriana Falcão comenta que

o peso das palavras na mensagem publicitária é muito grande. Esse tipo de mensagem é curto (obrigatoriamente), para ser decodificado com rapidez. Portanto, o vocabulário não pode ser estranho ao público-alvo. Deve ser um vocabulário familiar que permita, no entanto, significações múltiplas, que abrigue o jogo de palavras (FALCÃO apud CARVALHO,1996, p. 31).

Segundo Bakhtin/Volochinov ([1929] 2006, p.137), ―só a corrente da

comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação‖. Assim, o projeto

enunciativo do locutor da propaganda impressa busca com um bom uso dos

recursos estilísticos, chamar a atenção dos interlocutores, de forma a alcançar seus

objetivo principal: vender o produto anunciado.

Como vimos dizendo, a propaganda impressa, produzida por profissionais

competentes da área, possui como intento atingir um determinado público. Na

referida propaganda, pretende-se atingir um maior número possível de leitores, ou

seja, mulheres de todas as idades e biotipos possíveis, uma vez que o objetivo é

persuadir as possíveis leitoras à compra da calça Lycra.

O gênero discursivo propaganda impressa usa uma série de recursos

argumentativos a fim de atrair e persuadir o consumidor. No estilo do gênero, há os

recursos verbais e, além deles, existem os recursos não-verbais, de extrema

importância na produção dos efeitos de sentido das propagandas.

Sant‘anna (1998) considera o uso da ilustração, o emprego da cor e a

diagramação como recursos que tornam a propaganda agradável e favorecem,

sobretudo, a função persuasiva do gênero.

Observando a propaganda que tomamos como exemplo, podemos visualizar

o uso da imagem, que está presente na página esquerda: o botijão de gás inserido

em uma calça jeans. A escolha dessa imagem, sem dúvida, contribui para chamar

atenção do leitor, pois de acordo com Sant‘anna (1998), a ilustração apresenta as

seguintes funções, em uma propaganda: aumentar o índice de atenção ao anúncio;

tornar o anúncio mais aprazível à vista; induzir à leitura do texto; estimular o desejo

pela coisa anunciada; engrandecer a coisa anunciada; demonstrar ou reforçar

afirmações feitas no texto; identificar o produto ou marca; formar a atmosfera

adequada.

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A propaganda sugere, em um primeiro momento, um efeito negativo (―tal

mulher é um bujão‖) ao apresentar, de modo audacioso, um botijão dentro de uma

calça jeans. Esse efeito negativo, logo é configurado em um efeito positivo, pois é a

partir desse jogo de ideias que a propaganda cria toda uma atmosfera para

convencer as interlocutoras a comprar produtos da marca Lycra.

Acreditamos que a escolha da imagem do botijão de gás não ocorreu de

modo aleatório, uma vez que se trata de um elemento que pertence ao espaço da

cozinha, espaço este que remete à alimentação. Isso reforça o fato de essa

propaganda estar inserida em uma revista feminina, formando uma atmosfera

propícia para estimular o consumo do produto, sobretudo, porque quem está sempre

se preocupando com o corpo e cuidando da alimentação, de modo geral, é a mulher.

E, assim, um pequeno descuido pode fazê-la se sentir acima do peso, logo a mulher

é vista como botijão, quer dizer, gorda. No entanto, para que isso não seja uma

preocupação para a mulher, deve-se fazer, em consonância com a propaganda, a

escolha de uma marca de calça que lhe proporcione sentimentos de que não é o seu

corpo que deve levar a culpa, mas fazer a escolha da marca Lycra para lhe dar a

sensação de leveza, de um corpo bem emoldurado dentro dos padrões de beleza

que a sociedade exige.

Nesse sentido, ressaltamos que a situação de produção de um gênero, de

acordo com Volochinov/Bakhtin (1926) constitui-se de três fatores: o horizonte

espacial comum aos interlocutores; o conhecimento e a compreensão comum da

situação por parte dos interlocutores, e, por último, a avaliação comum da situação

por parte dos interlocutores. Esses três fatores não podem ser tomados

separadamente, pois eles, ao serem visualizados num dado contexto, serão

mobilizados pelos outros de uma única vez.

Retomando nossa propaganda, vemos que o horizonte espacial comum a

todos os interlocutores é a revista Claudia. Isso porque, antes da campanha ser

lançada nessa revista, os anunciantes escolheram em qual revista seria veiculado o

produto e quais os interlocutores queriam atingir. Dessa forma, seus interlocutores

são as assinantes da revista Claudia além de outras possíveis leitoras dessa revista.

No que diz respeito ao conhecimento e à compreensão comum, acreditamos

que as leitoras, querendo ou não, são levadas a buscar na sua memória o discurso

dito no enunciado da propaganda ―Quando uma roupa não cai bem, o seu corpo é

que leva a culpa‖. Essa escolha pode ter sido feita a partir da idéia de que em algum

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momento uma mulher já tenha dito que uma roupa não lhe caía bem, porque estaria

fora das medidas. É nesse jogo de significações que são estabelecidos o

conhecimento, a compreensão comum.

No que concerne à avaliação comum, pode ser compreendida com a

identificação da temática, pois as mulheres que estão acima do peso irão, de certa

forma, concordar com o enunciado da Lycra: ―Quando uma roupa não cai bem, o

seu corpo é que leva a culpa‖. E, isso fará com que elas adquiram o produto dessa

marca de calça para se sentirem sem culpa, reiterando assim o enunciado: ―Se tem

cai bem.‖

As considerações feitas por nós estão fundamentadas em Volochinov/Bakhtin

(1926), na medida em que esses pensadores russos acreditam que todo e qualquer

discurso verbal mantém relação direta com a situação extraverbal. Segundo eles,

Todas essas avaliações e outras similares, qualquer que seja o critério que as rege (ético, cognitivo, político, ou outro) levam em consideração muito mais do que aquilo que está incluído dentro dos fatores estritamente verbais (lingüísticos) do enunciado. Juntamente com os fatores verbais, elas também abrangem a situação extraverbal do enunciado. Esses julgamentos e avaliações referem-se a um certo todo dentro do qual o discurso verbal envolve diretamente um evento na vida, e funde-se com este evento, formando uma unidade indissolúvel (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1926, p. 4-5) [ênfase dos autores].

Assim, é importante considerar que há outros elementos que colaboram para

que o discurso verbal ganhe relevância na propaganda, neste caso, são os recursos

não-verbais, as cores selecionadas, as formas e os tipos de letra escolhidos.

No que se refere à escolha das cores, a propaganda apresenta as cores

cinza, azul e vermelho. Vale ressaltar que a cor cinza permeia as duas páginas da

propaganda. A nosso ver, essa cor destaca o botijão, que tem como característica a

cor cinza também. Segundo Sant‘anna (1998), as cores objetivam atrair a atenção;

apresentar mais credibilidade aos objetos e cenas; instigar a ação; enfeitar a peça e,

assim torná-la mais atraente; constituir uma atmosfera apropriada.

Em relação ao tipo de letra, salientamos que a escolha é determinada pelo

tema, pelo produto oferecido e pelo público-alvo a que se destina. Sua função

fundamental é contribuir para acelerar a leitura, chamando a atenção do leitor para a

mensagem, para o produto. A legibilidade das letras, de acordo com Sant‘anna

(1998), depende de cinco fatores:

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Simplicidade — quanto mais simples, mais fácil a leitura; Dimensões-letras pequenas demais são fatigantes, e exageradamente grandes causam mal estar; Força — deve haver íntima relação entre a altura e força com um ótimo intervalo entre cada letra; Orientação — utilizar ao máximo caracteres orientados verticalmente, pois quanto mais oblíquos, menor será a sua legibilidade; Harmonia — um anúncio deve ser composto por uma família de caracteres que formem um estilo único e não por uma profusão de famílias correspondentes a outros tantos estudos diferentes (SANT‘ANNA,1998, p.184).

Essa legibilidade está bem trabalhada, pois se optou por letras maiúsculas,

em virtude do espaço destinado para a propaganda da Lycra. Nesse sentido, a

escolha por determinados caracteres tipográficos permite a rapidez da leitura,

tornando-a mais fácil, favorecendo a fixação do leitor ao texto.

Em síntese, podemos afirmar que os recursos verbais e não-verbais reforçam

a importância do produto ou serviço a ser difundido. Esses aspectos contribuem, de

certa forma, para uma maior aproximação com o leitor.

Nesse sentido, o sistema semiótico e suas possibilidades discursivas não se

esgotam, visto que a cada leitura, o leitor terá o mesmo material linguístico, mas

diferentes apreciações valorativas poderão ser dadas, em virtude da situação

histórica em que ele estiver inserido.

Dessa forma, o contexto sociohistórico de produção e circulação do gênero

sempre deverá ser considerado, visto que os gêneros discursivos na cadeia

comunicativa vão além da interação verbal, quer dizer, o não-dito do enunciado

concreto poderá ser compreendido pelo leitor em decorrência desse contexto

previamente estabelecido. Nesse sentido, podemos considerar que tanto o

enunciado verbal quanto o não-verbal não se encontram, ali, de forma neutra, sem

significações, como as palavras que pertencem ao sistema da língua, mas

carregadas de sentidos.

A partir de todas as peculiaridades do gênero discursivo propaganda

impressa, tomada como objeto de ensino-aprendizagem de leitura, elaboramos um

curso para trabalhar a leitura do gênero discursivo propaganda impressa em revista.

Para tal, visitaremos, no próximo capítulo, as concepções bakhtinianas sobre

compreensão e as discussões recentes sobre o aprendizado da leitura, que

igualmente fundamentam o presente trabalho.

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CAPÍTULO 3

A COMPREENSÃO PARA BAKHTIN E

O ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA

3.1 A leitura como compreensão ativa

O Círculo de Bakhtin, em vários momentos, considera que, como unidade da

língua, a palavra não pertence a ninguém, não se dirige a ninguém, a ela lhe cabe a

neutralidade. A palavra como objeto da Linguística é conceituada apenas com

auxílio de outras palavras da mesma língua a nas relações entre elas. Além disso,

lhe é inevitável que haja uma relação com a palavra do outro, com o enunciado do

outro. Conforme Bakhtin/Volochinov ([1929]2006, p.117), ―toda palavra serve de

expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao

outro, isto é, em ultima análise, em relação à coletividade‖. Todo enunciado, seja ele

qual for, é resultado da sua apreciação valorativa a partir do olhar do outro.

As palavras, quando direcionadas a alguém, deixam de pertencer somente a

unidades da língua e passam, então, a ser consideradas como enunciados, de modo

que estes se apresentam inseridos em contexto e relacionam-se com outros

enunciados numa cadeia comunicativa.

Segundo Bakhtin/Volochinov (1929),

os contextos possíveis de uma única e mesma palavra são freqüentemente opostos. As réplicas de um diálogo são um exemplo clássico disso. Ali, uma única e mesma palavra pode figurar em dois contextos mutuamente conflitantes. É evidente que o diálogo constitui um caso particularmente evidente e ostensivo de contextos diversamente orientados. Pode-se, no entanto, dizer que toda enunciação efetiva, seja qual for a sua forma, contém sempre, com maior ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou de um desacordo com alguma coisa. Os contextos não estão simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros; encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto. A mudança do acento avaliativo da palavra em função do contexto é totalmente ignorada pela lingüística e não encontra nenhuma repercussão na sua doutrina da unicidade da significação. Embora os acentos avaliativos sejam privados de substância, é a pluralidade de acentos que dá vida à palavra (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 2006, p.110 -111).

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Essa afirmação de Bakhtin/Volochinov evidencia que o sujeito avalia, faz

adaptações da sua forma de dizer, conforme a situação em que se encontra, logo,

os outros sujeitos que fazem parte dessa relação dialógica também são integrantes

e agem de forma contínua nas ações do sujeito. Além deles, é possível dizer que as

outras instituições, as outras posições sociais também interferem no agir do sujeito

durante a leitura. Em outras palavras, os sentidos são estabelecidos, são criados,

são manifestados conforme as condições específicas da interação.

Assim, de acordo com Paes de Barros (2005, p.43),

Como produto das interações verbais, elos na cadeia da comunicação verbal — ligados a outros elos que os antecedem e que os seguirão —, os enunciados trazem, em sua natureza, a dialogicidade: respondendo a outros enunciados no interior da cadeia da comunicação, também são elaborados a partir da apreciação valorativa de um locutor sobre o(s) interlocutore(s) e sobre temas, em função dos quais são feitas todas as escolhas que os comporão — do gênero e de sua forma composicional, tema e estilo. Essa forma de diálogo é responsável pelo caráter constitutivo do enunciado: é sempre destinado a alguém, um outro sem o qual ele não existiria, as formas peculiares, os modos típicos de se dirigir a esse outro é que vão traçar as particularidades de composição dos enunciados em gêneros discursivos (PAES DE BARROS, 2005, p.43).

O enunciado é determinado através de sua relação com os outros enunciados

em uma específica esfera de comunicação discursiva. Fora dessa relação ele não

pode existir. É importante ressaltar a crítica que Bakhtin/Volochinov (1929) fazem às

práticas tradicionais da linguística no estudo dos enunciados. Para os autores, o

enunciado não é nem apenas o resultado individual de combinações de formas

linguísticas, nem somente o resultado de uma expressão puramente individual de

um sujeito absoluto de suas ações e de seu dizer. Logo, ler um texto não é

unicamente reconhecer formas linguísticas, nem compreender o que o autor quis

dizer. Ao conceber a leitura desse modo, o leitor assume um papel puramente

passivo — atua como um decodificador.

Segundo Bakhtin/Volochinov ([1929] 2006, p. 102.), a compreensão da

palavra como ato passivo,

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exclui de antemão qualquer resposta, nada tem a ver com a compreensão da linguagem. Essa última confunde-se com uma tomada de posição ativa a propósito do que é dito e compreendido. A compreensão passiva caracteriza-se justamente por uma nítida percepção do componente normativo do signo lingüístico, isto é, pela percepção do signo como objeto-sinal: correlativamente, o reconhecimento predomina sobre a compreensão (BAKTIN/VOLOCHINOV [1929] 2006, p.102).

Bakhtin analisa a relação entre os interlocutores como um processo de

compreensão ―ativa‖. O falante estará sempre interagindo com o outro e assumirá no

processo comunicativo uma atitude responsiva. Ou seja, atribui-se ao outro um

papel fundamental, visto que o outro, ao compreender o sentido do discurso, toma,

de modo simultâneo, em relação ao falante, uma ativa posição responsiva, podendo

concordar ou discordar. Nas palavras do autor,

Toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma em que ele se dê). O próprio falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva: ele não espera uma compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução, etc. (BAKHTIN, [1952-1953/1979] 2003, p. 272).

No processo de interação, os interlocutores estão sempre assumindo

atitudes responsivas. Então, podemos afirmar que, nesta perspectiva, ler é dialogar.

Desse modo, o enunciado sempre será único, concreto,

O enunciado concreto (e não a abstração lingüística) nasce, vive e morre no processo de interação social entre os participantes da enunciação. Sua forma e significado são determinados basicamente pela forma e caráter desta interação (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1926, p. 9).

A atitude responsiva está sempre se projetando constantemente em função

da interação social entre os interlocutores no processo discursivo, ela se concretiza,

então, de acordo com as especificidades de cada enunciado. Nas palavras de

Bakhtin ([1952-1953/1979] 2003, p. 294), ―a experiência discursiva individual de

qualquer pessoa se forma e se desenvolve em interação constante e contínua com

os enunciados individuais dos outros‖.

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O enunciado, em instância alguma, se repetirá, será sempre outro

enunciado. Uma vez que todo enunciado sempre está direcionado para alguém, o

enunciado responde e requer uma resposta.

Em nossa pesquisa, tomamos essas considerações sobre compreensão

ativa como fundamento para o projeto com o ensino-aprendizagem de leitura que

desenvolvemos. Para melhor situar o contexto em que este trabalho se insere, na

seção a seguir, trataremos de alguns aspectos das discussões sobre leitura no

contexto brasileiro atual.

3.2 O ensino da leitura

No Brasil dos anos, a partir dos anos setenta do século XX, ocorre um

profundo movimento, por parte da academia, em favor de pesquisas que tomavam

as questões de leitura e escrita dos alunos dos ensinos Fundamental e Médio

brasileiros.Tais pesquisas foram motivadas, sobretudo, por problemas do sistema de

ensino e pelo distanciamento de boa parte população em relação aos materiais

escritos.

Em consonância com Rojo (2004), Paes de Barros (2005), Barbosa (2005),

Quinhone (2008), acreditamos que os gêneros discursivos, quando tomados como

objetos de ensino-aprendizagem de leitura se constituem em uma ferramenta eficaz,

que pode ser estabelecida quando há um direcionamento para explorar as

capacidades leitoras que podem ser mobilizadas durante o desenvolvimento das

atividades de leitura.

Em nosso ponto de vista, a leitura na perspectiva enunciativo-discursiva —

também presente nos PCNLP — contribui para a formação de um cidadão crítico

que tenha condições de participar das várias práticas de letramentos que a

sociedade requer.

Segundo Paes de Barros (2005), abordar a leitura

a partir da teoria enunciativa bakhtiniana é tomá-la como uma prática social em que atuam autor e leitor em uma situação de enunciação. Nessa concepção, a leitura é vista como um processo de compreensão ativa no qual os diversos sentidos em circulação no texto são instituídos a partir da relação dialógica estabelecida entre autor e leitor, entre leitor e texto e entre a multiplicidade de linguagens sociais que permeiam essas instâncias. Assim, pode-se afirmar que a leitura, nessa concepção, é um processo dialógico que

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promove um encontro entre discursos e enunciados, que acabam por construir conjuntamente os sentidos dos textos (PAES DE BARROS, 2005, p. 32).

Nessa perspectiva, compreender, portanto, não se limita apenas ao processo

de interação entre interlocutores. A compreensão é o resultado das interações que

se estabelecem entre os interlocutores situados ou que estejam circulando em

determinados contextos sócio-históricos.

Consideramos que, para se ensinar leitura pelo viés da teoria enunciativo-

discursiva, é preciso contextualizar o gênero discursivo, buscando recuperar a

situação de produção de seus autores, as esferas de produção e circulação do

gênero, seus fins discursivos e apreciações valorativas.

Nessa medida, a leitura é uma atividade que se inscreve em um contexto

social e pode abarcar diferentes capacidades letradas, desde capacidades

envolvidas no processo de alfabetização até capacidades referentes à compreensão

e as de réplica ativa. No que concerne a essas capacidades, pensamos ser

pertinente discorrer sobre elas de modo mais cuidadoso para os objetivos do nosso

trabalho.

Outro dado relevante para nossa pesquisa são os resultados dos exames

realizados pelo governo Federal, pois nos últimos anos, os alunos do Ensino

Fundamental e Médio têm participado desses exames, dentre eles, o SAEB

(Sistema de Avaliação da Educação Básica) e o ENEM (Exame Nacional do Ensino

Médio), exames esses que têm como objetivo medir a ―construção de capacidades e

competências dos alunos‖ (ROJO, 2009, p.31). Segundo a pesquisadora, as

capacidades leitoras são o foco das avaliações.

Em vista disso, acreditamos que os estudos e teorias a respeito da leitura são

fundamentais para que possamos ter conhecimento das inúmeras capacidades

envolvidas no ato de ler. E isso é primordial para facilitar a compreensão do

processo de leitura, pois o ato de ler envolve muitos procedimentos4 e capacidades.

Em outras palavras, o processo de leitura envolve tanto o uso de procedimentos

quanto a mobilização de variadas capacidades apropriadas ao contexto e a

finalidade que se destina a leitura.

4 Segundo Rojo (2009), o termo procedimento significa ―um conjunto mais amplo de fazeres e de rituais que envolvem as práticas de leitura, que vão desde ler da esquerda para direita e de cima para baixo no Ocidente, folhear o livro da direita para a esquerda e de maneira sequencial e não salteada [etc.]‖ (ROJO, 2009, p. 75).

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Rojo (2004, p. 4) ressalta que ‖diferentes tipos de letramento, diferentes

práticas de leitura, em diversas situações, vão exigir diferentes combinações de

capacidades de várias ordens‖. Assim, entendemos que o ensino-aprendizagem da

leitura do gênero propaganda impressa irá requerer por parte do professor que ele

mesmo tenha determinadas práticas de letramento que lhe permita desenvolver

atividades que mobilizem essas capacidades no ensino.

3.3 Capacidades de leitura

Com relação às capacidades de apreciação e réplica ativa do leitor em

relação ao texto (interação) é importante que o professor possibilite ao aluno a

leitura de textos pertencentes aos mais diferentes gêneros. Deve ser dada

importância também a outros aspectos que devem ser levantados durante esse

desenvolvimento dessa capacidade, tais como: as características do gênero, seu

contexto de produção e circulação.

Rojo (2009) pondera que durante o desenvolvimento das pesquisas a respeito

da leitura, foram descobertas várias outras capacidades: ―capacidades de ativação,

reconhecimento e resgate de conhecimento de mundo, capacidades lógicas,

capacidades de interação social etc.‖ (ROJO, 2009, p. 76- 77).

Assim, anteriormente, o olhar dos pesquisadores se voltava para o ato de ler

como ato de decodificação — os conhecimentos linguísticos dos grafemas e

fonemas das sílabas e palavras, e posteriormente direcionado para o ato de

compreensão (o envolvimento dos processos cognitivos no ato de ler), o qual

caracteriza-se pelo ―conhecimento de mundo, das práticas sociais e dos

conhecimentos lingüísticos muito além dos fonemas‖ (ROJO, 2009, p. 77).

A autora ainda defende que inicialmente a compreensão se limitava

unicamente à compreensão do texto, levava em conta somente o que era dado ou

pressuposto por ele. Nessa perspectiva, foram elencadas muitas capacidades

mentais de leitura, as quais foram denominadas de estratégias (cognitivas,

metacognitivas) que o leitor lançava mão para a compreensão do texto.

Depois dessa abordagem de compreensão do texto, o ato de ler passou a ser

tratado como um processo de interação, o texto deixa de ser focalizado, entrando

em cena o autor do texto. A interação entre o leitor e o autor ganha espaço no

decorrer das pesquisas sobre o ato de ler. As pistas das intencionalidades e dos

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significados do autor eram deixadas no texto, e este se projeta apenas como

mediador no processo de interação. Desse modo, ―para captar as intenções e

sentidos, conhecimentos sobre práticas e regras sociais eram requeridos‖ (ROJO,

2009, p. 77).

Para Rojo (2009), as capacidades leitoras de compreensão englobam as

capacidades de ativação de conhecimentos do mundo; antecipação ou predição de

conteúdos ou propriedades dos textos; checagem de hipóteses; localização e/ou

retomada de informações; comparação de informações; generalização; produção de

inferências locais e produção de inferências globais (ROJO, 2004, 2009).

Assim, como já dissemos anteriormente, foram se delineando outras

capacidades de compreensão envolvidas no ato de ler. Para exemplificarmos,

vejamos a propaganda de O Boticário.

Num primeiro momento, podemos dizer que o leitor, em contato com este

texto, buscará ativar a capacidade de conhecimento de mundo, a partir do

reconhecimento de que se trata de um texto publicitário. Além disso, ele ainda

reconhecerá a marca O Boticário, por se tratar de uma empresa de renome no país,

em que diversas campanhas publicitárias são produzidas e circulam em diferentes

mídias. Esse tipo de conhecimento pode se diferenciar de um leitor para outro, de

acordo com a vivência que tiveram, os livros que leram, lugares por onde passaram,

VEJA. São Paulo: Abril Cultural, edição 1916, n.31, ano 38, p.167-177, 03 ago. 2005.

Era uma vez uma garota branca como a neve, que causava muita inveja não por ter conhecido sete anões. Mas vários morenos de 1,30m.

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seus interesses, opiniões pessoais, enfim, seu universo individual. Assim, a partir de

suas experiências individuais, cada leitor poderá abordar a respeito do assunto de

que trata o texto. Rojo (2009, p.77) afirma que ―previamente à leitura ou durante o

ato de ler, o leitor está constantemente colocando em relação seu conhecimento

amplo de mundo com aquele exigido e utilizado pelo autor no texto‖.

No tocante à capacidade de antecipação, o leitor é levado a levantar

hipóteses acerca dos produtos que estão sendo ofertados, já que se trata de uma

propaganda. Outra hipótese está relacionada ao texto não-verbal, em que o leitor

questionará o porquê da maçã junto à figura feminina, procurando remeter ao

produto que está sendo anunciado. Depois de levantar essas hipóteses, ele deverá

checá-las a fim de confirmar ou recusar ou até mesmo reelaborar novas hipóteses.

Segundo Rojo (2009, p.77), ―Ao longo da leitura, no entanto, o leitor estará

checando constantemente essas suas hipóteses, isto é, confirmando-as ou

desconfirmando-as e, conseqüentemente, buscando novas hipóteses mais

adequadas‖.

À medida que a leitura é feita, o leitor poderá utilizar a capacidade de

comparação, pois na propaganda há elementos verbais e não verbais que

possibilitam evocar outros textos, para construir o sentido do texto. Ilustramos essa

afirmação por meio do enunciado verbal ―era uma vez‖. Este remete a histórias

infantis — fábulas, contos de fadas. Outros elementos verbais colaboram para que o

leitor relacione à clássica história infantil – Branca de Neve e os sete anões: branca,

neve, inveja, sete anões. Estas palavras/expressões são termos chave da história

infantil, que permitem ativar o conhecimento de mundo a respeito dessa história e,

assim, tentar compreender no decorrer da leitura o porquê dessa alusão ao conto de

fada Branca de Neve e os sete anões na propaganda. Procedendo dessa forma, ―o

leitor está constantemente comparando informações de várias ordens, advindas do

texto, de outros textos, de seu conhecimento de mundo, de maneira a construir os

sentidos do texto que está lendo‖ (ROJO, 2009, p. 78).

Assim, o desenvolvimento das capacidades de apreciação e réplica está

diretamente associado ao trabalho com os gêneros discursivos nas situações

didáticas de leitura, nesse sentido, torna-se importante que o professor disponibilize

aos alunos a leitura de textos pertencentes a diversos gêneros, tais como:

propagandas, notícias, listas, manual de instruções, poemas, etc. Além disso, no

trabalho com desenvolvimento das capacidades de apreciação e réplica dos alunos

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podem-se contemplar as características do gênero — forma composicional, estilo e

conteúdo temático — como também a recuperação da situação de produção — o

gênero, os assuntos abordados, a finalidade da interação, os interlocutores visados

na interação propiciada pela propaganda, o meio social em que o gênero é

produzido e em que circula, suas relações com o contexto de recepção, etc. Ainda

nesse trabalho, no que se referem às capacidades,

O discurso/texto é visto como conjunto de sentidos e apreciações de valor das pessoas e coisas do mundo, dependentes do lugar social do autor e do leitor e da situação de interação entre eles – finalidades da leitura e da produção do texto, esfera social de comunicação em que o ato da leitura se dá (ROJO, 2004, p.03).

É importante situar o texto ao seu contexto de produção, de forma a ampliar

as possibilidades de leitura e contribuir para a formação de um leitor mais

proficiente. Logo, ser capaz de fazer extrapolações pertinentes amplia a capacidade

réplica envolvida no processo de compreensão ativa.

Para ilustrarmos esses procedimentos que mobilizam as capacidades de

apreciação e réplica, retornemos à propaganda impressa de O Boticário:

No que tange à capacidade de relacionar outros textos com os já conhecidos,

o leitor poderá no decorrer da leitura observar que o enunciado verbal da

propaganda remete a outro texto já conhecido, como, por exemplo, a

intertextualidade. Em Rojo (2004, p.05), encontramos

Ler um texto é colocá-lo em relação com outros textos já conhecidos, outros textos que estão tramados a este texto, outros textos que poderão dele resultar como réplicas ou respostas. Quando esta relação se estabelece pelos temas ou conteúdos abordados nos diversos textos, chamamos a isso intertextualidade (ROJO, 2004, p.05).

Na propaganda em questão, o leitor poderá perceber, no decorrer da leitura,

que as imagens não estão ali aleatoriamente, têm um propósito e tanto as imagens

como as cores contribuem para a constituição dos sentidos. A autora (2004) diz que,

no ato da leitura, o leitor percebe que os sentidos dos textos vão além da linguagem

verbal, quer dizer, ele ativa sua percepção para outras linguagens.

No tocante à percepção de outras linguagens, Rojo (2004, p.06) afirma que

essas ―outras linguagens (imagens, som, imagens em movimento, diagramas,

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gráficos, mapas etc.) [são] como elementos constitutivos dos sentidos dos textos e

não somente da linguagem verbal escrita‖.

O leitor poderá, a princípio, se interessar em observar essa propaganda

simplesmente pela imagem, uma vez que, no gênero propaganda impressa, é esta

característica de sua forma composicional que mais se destaca. Será permitido

ainda ao leitor fazer julgamentos de valor, suas apreciações valorativas.

Em relação a esse fato, Rojo (2004) nos diz que no decorrer da leitura,

replicamos ou reagimos ao texto constantemente: sentimos prazer, deixamo-nos enlevar e apreciamos o belo na forma da linguagem, ou odiamos e achamos feio o resultado da construção do autor; gostamos ou não gostamos, pelas mais variadas razões. E isso pode, inclusive, interromper a leitura ou levar a muitos outros textos (ROJO, 2004, p. 07).

Assim, o professor, ao trabalhar e procurar desenvolver essas capacidades

com o aluno, irá possibilitar a ampliação de leitura, de forma a contribuir para a

formação de um leitor proficiente. Em virtude disso, o nosso trabalho se apoiará nas

capacidades de leitura inerentes ao ensino-aprendizagem de um determinado

gênero, as quais estão relacionadas com o conhecimento dos sujeitos a respeito do

gênero, capacidade de relacionar informações. Além destas, também utilizaremos

as estratégias de observação de textos multimodais (PAES DE BARROS 2005,

2009).

3.4 A leitura de textos multimodais

Estudos recentes têm apontado para a necessidade de se atentar para as

diferentes linguagens presentes em um texto, quer seja impresso ou digital,

sobretudo, porque hoje vivemos cercados por imagens, elas fazem parte de quase

todos os textos que usamos no cotidiano, seja na esfera acadêmica, na profissional,

na familiar, etc.

Conforme ressalta Kress (apud NOGUEIRA, 2007, p. 53), ―agora é impossível

compreender os textos, até mesmo as suas partes linguísticas somente, sem ter

uma idéia clara de como esses outros elementos podem estar contribuindo para o

significado do texto.‖

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Assim, a compreensão desses textos e os elementos que os compõem

requerem dos sujeitos capacidades cada vez mais avançadas de letramentos, como

por exemplo, a capacidade de atribuir sentidos a eles, por conterem diversos tipos

de linguagem. E isso, por conseguinte, de acordo com Dionísio (2006), exige re-

elaborações frequentes nos modos de leitura que estamos acostumados a fazer.

Segundo Dionísio (2006, p.133), ―As ações sociais são fenômenos

multimodais‖. Assim, os gêneros, sejam eles orais ou escritos, que configuram

essas ações são, em certa medida, multimodais. Posto que,

quando falamos ou escrevemos um texto, estamos usando no mínimo dois modos de representação: palavras e gestos, palavras e entonações, palavras e imagens, palavras e tipográficas, palavras e sorrisos, palavras e animações etc. (DIONÍSIO, 2006, p.133).

O gênero propaganda impressa, por exemplo, apresenta diferentes tipos de

linguagem e, por ser um gênero multimodal, pensamos nele como objeto de ensino-

aprendizagem de leitura, uma vez que nele ―os aspectos verbais e visuais se aliam e

se complementam de um modo tal que se tornam uma unidade textual, onde cada

elemento contribui para um todo de significação‖ (PAES DE BARROS, 2005, p. 82).

Refletindo com esses autores sobre a leitura dos gêneros multimodais, Paes

de Barros (2005, p. 84) preocupa-se com as capacidades mobilizadas em sua leitura

e afirma que ―os leitores têm de recorrer a estratégias de observação da

multimodalidade, estratégias que utilizam na reconstrução dos sentidos dos textos

multimodais‖.

A esse respeito, a autora apresenta o seguinte esquema de leitura com a

finalidade de revelar os processos cognitivos de leitura dos textos que associam a

materialidade visual à escrita,

1. Seleção e verificação das informações verbais – refere-se à ativação das capacidades compreensão e apreciação da leitura dos textos verbais, como parte do processo de compreender a significação do texto como um todo. 2. Organização das informações da sintaxe visual – trata-se da observação dos elementos pictográficos de modo a selecionar e organizar as informações relevantes à construção da significação. 3. Integração das informações verbais e não verbais – trata-se da capacidade de observar e conjugar as informações da materialidade verbal à pictográfica, relacionando-as no ato de construção dos sentidos dos textos.

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4. Percepção do todo unificado de sentido que se compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais – trata-se da ativação de diversas capacidades de leitura aliadas à organização e observação das informações, através das quais o leitor constrói um todo de significação (PAES DE BARROS, 2005, p. 84) [grifo da autora].

Segundo a pesquisadora, as particularidades dos textos multimodais exigirão

do leitor, além da recorrência às capacidades de compreensão e apreciação, que

busque outras capacidades como de ―observação multimodal que levem o leitor a

selecionar e verificar as informações verbais e organizar as informações da sintaxe

visual‖ (PAES DE BARROS, 2005, p.85).

Com a autora, acreditamos que

A compreensão desses processos cognitivos complexos que se realizam na leitura dos textos multimodais (de materiais impressos e também digitais) leva-nos a refletir sobre a importância da leitura de textos multimodais na escola para o ensino-aprendizagem de línguas (PAES DE BARROS, 2005, p.85).

Alicerçados nesses pressupostos teóricos, procurando discutir as questões

teórico-aplicadas que cercam o ensino-aprendizagem dos gêneros discursivos e da

leitura, elaboramos um curso para professores de Ensino Fundamental de escola

pública mato-grossense, tomando-se o gênero multimodal propaganda impressa

como objeto de ensino-aprendizagem. No capítulo seguinte, apresentaremos o

percurso metodológico de nossa pesquisa.

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CAPÍTULO 4

METODOLOGIA DE PESQUISA

Neste capítulo, trataremos da metodologia adotada para o desenvolvimento

de nossa pesquisa, os objetivos e questões de pesquisa, o espaço de realização do

curso por nós realizado, os instrumentos de coleta de dados, o corpus selecionado e

as categorias de análise.

4.1 O pensamento bakhtiniano na pesquisa em Ciências Humanas

Nossa pesquisa se insere no paradigma das pesquisas em Ciências

Humanas. Recentemente, com a difusão do pensamento bakhtiniano, vários

pesquisadores brasileiros tem utilizado suas considerações acerca das pesquisas

nas Ciências Humanas, sobre as quais Bakhtin afirma que seu objeto é o ―ser

expressivo e falante” (BAKHTIN, [1974/1979] 2003 p. 395) [ênfase do autor]. Nesse

sentido, entendemos que ―ser expressivo‖ é um sujeito que produz discursos orais e

escritos, em um determinado momento e contexto sócio-histórico em usos da

linguagem nas suas diversas atividades.

Ao assumirmos esse posicionamento de Bakhtin, consideramos como sujeitos

de nossa pesquisa as professoras participantes de um curso de ensino-

aprendizagem de ensino-aprendizagem de leitura do gênero discursivo propaganda

impressa em um determinado espaço social e momento sócio-histórico.

Sendo assim, nossa pesquisa abarca o espaço de realização de atividade

com a linguagem dedicada ao ensino-aprendizagem, no qual discursos são postos

em contato e em confronto. Espaço em que o eu e o(s) outro(s), dialogicamente

constituídos, encontram-se e se deixam transparecer por meio das diferentes vozes

que se fazem presentes e que se envolvem em uma cadeia interdiscursiva.

Para Amorim (2001), em toda pesquisa desenvolvida no campo das Ciências

Humanas, é preciso se considerar a alteridade, relação essencial ―que emerge de

uma diferença na construção do saber‖ (AMORIM, 2001, p. 31).

Desse modo, o objeto de estudo se constitui nas relações interdiscursivas

tecidas no campo de pesquisa. O movimento dialógico que se instaura nessas

relações torna-se, ao mesmo tempo, estranho e familiar ao pesquisador. Em outras

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palavras, o pesquisador é aquele ―que recebe e acolhe o estranho. Abandona seu

território, desloca-se em direção ao país do outro, para construir uma determinada

escuta da alteridade, e poder traduzi-la e transmiti-la‖ (AMORIM, 2001, p. 26). É no

movimento de distanciamento e aproximação que o pesquisador assume uma

posição que lhe é exterior — exotópica, no dizer de Bakhtin — e sem a qual não há

construção do conhecimento.

A partir desse referencial teórico, o trabalho de campo desta pesquisa se

desenvolveu. A alteridade, além de ser considerada nesta pesquisa, foi também o

ponto de partida para a observação de certos fenômenos, como por exemplo, a

construção dos sentidos dos textos, em que o outro se constituía como co-construtor

de significados e sentidos nas interações.

Dessa forma, as professoras, sujeitos da pesquisa, e a pesquisadora

assumiram papeis de co-construtores e co-autores da história que se constituiu no

decorrer do curso de formação sobre os gêneros discursivos que elaboramos e

aplicamos.

À luz da natureza dialógica da linguagem ressaltamos a pertinência não

apenas de implementar um curso de formação de professores para o ensino-

aprendizagem de leitura, mas também do modo de observamos e analisarmos as

atividades discursivas desenvolvidas durante as aulas com os professores.

A partir dessa perspectiva, esta pesquisa apresenta como objetivo:

Desenvolver um curso sobre o ensino-aprendizagem de leitura do gênero

propaganda impressa para professores do Ensino Fundamental da rede

pública de ensino do município de Várzea Grande, MT.

Identificar e analisar as capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

durante o processo de interação.

Para alcançar esses objetivos, procuraremos responder às seguintes

perguntas de pesquisa:

1. Que capacidades de leitura são mobilizadas pelas professoras

durante a reconstrução dos sentidos?

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2. As interações entre as professoras favoreceram a construção dos

sentidos? De que forma?

Para responder a essas perguntas, em princípio, apresentaremos a

metodologia adotada para a coleta de dados. Nessa mesma seção, apresentaremos

o contexto da pesquisa e descrição dos sujeitos, a organização do curso, seleção do

corpus, o cronograma do curso e o planejamento das aulas. Ao final do capítulo,

discorreremos sobre a metodologia a ser utilizada na análise dos dados.

4.2 Metodologia de coleta dos dados

A coleta dos dados partiu do planejamento e aplicação de um curso para

professoras do Ensino Fundamental do terceiro e quarto ciclos da rede pública do

município de Várzea Grande, MT, intitulado: ―Ensino-aprendizagem de gêneros

discursivos‖. Vale ressaltar que o curso foi ministrado por duas pesquisadoras,

doravante caracterizadas como Pesquisadora 1 e Pesquisadora 2, respectivamente

P1 e P2.

Esse curso teve como intento apresentar uma proposta de projeto de ensino-

aprendizagem de leitura do gênero discursivo propaganda impressa considerada

como objeto de ensino-aprendizagem (Paes de Barros, 2005, 2008).

Para o desenvolvimento do curso, fizemos um planejamento que abarcava

duas etapas, igualmente importantes: 1. O ensino de línguas a partir da teoria dos

gêneros discursivos e 2. O ensino-aprendizagem de leitura do gênero propaganda

impressa. Para isso, foi selecionado um corpus de textos em diversos gêneros para

a primeira etapa e, para a segunda, propagandas veiculadas em diferentes revistas.

Para o desenvolvimento do projeto, tomamos a propaganda impressa na perspectiva

de gênero como megainstrumento, de acordo com Schneuwly (1994/2004) e com

suas releituras para o ensino-aprendizagem de leitura Cristovão (2001) e Paes de

Barros (2005, 2008).

Em relação à metodologia utilizada para coleta, seleção e análise dos dados,

a nossa pesquisa se insere no paradigma das pesquisas qualitativas, de cunho

sócio-histórico. Para essa perspectiva, o pesquisador, na interação com os sujeitos,

constrói o campo de pesquisa. O que se busca com essa abordagem é realizar uma

análise construída no encontro dos diferentes enunciados produzidos.

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De acordo com Bakhtin (1959-1961/1976), a ação física do homem necessita

ser compreendida como um ato, entretanto, a compreensão deste não ocorre fora de

sua expressão sígnica que é por nós ressignificada. Nas palavras do autor,

Nós não perguntamos à natureza e ela não nos responde. Colocamos as perguntas para nós mesmos e de certo modo organizamos a observação ou a experiência para obtermos a resposta. Quando estudamos o homem, procuramos e encontramos signos em toda parte e nos empenhamos em interpretar o seu significado (BAKHTIN, [1959-1961/1976] 2003, p. 319).

Nesse sentido, ao participarmos do evento observado, constituímo-nos parte

dele, entretanto, buscando manter, ao mesmo tempo, um excedente de visão

(BAKHTIN,1920-1923) que irá nos possibilitar o encontro com o outro. Assim, não

podemos nos prender em somente descrever os eventos, mas identificar as

possíveis relações.

Como salienta Freitas (2003),

Trata-se, pois, de focalizar um acontecimento nas suas mais essenciais e possíveis relações. Quanto mais relevante é a relação que se consegue colher em uma descrição, tanto mais se torna possível a aproximação da essência do objeto, através de uma compreensão das suas qualidades e das regras que governam as suas leis. Quanto mais se preserva em uma análise as riquezas das suas qualidades, tanto mais é possível a aproximação das leis internas que determinam sua existência. De fato, só ao colher os traços mais importantes e depois aqueles mais secundários, identificando sua possíveis conseqüências, é que começam a emergir claras as relações que os ligam entre si. O objetivo da observação se enriquece assim de uma rede de relações relevantes (FREITAS apud FREITAS, 2003 p. 33).

Na nossa pesquisa, a observação partiu não só do nosso olhar, mas da

observação das vozes das participantes dos eventos, buscando captar os sentidos

construídos nas relações entre os interlocutores. Por esse motivo, vale ressaltar que

a teoria bakhtiniana permite considerar a observação numa perspectiva discursiva e

dialógica.

Aliado a esse aporte teórico, traçamos considerações sobre a teoria de

Vigotski (1930) no que diz respeito à Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD),

considerando a implementação do ensino, não apenas do conhecimento que já se

tem adquirido, mas a partir das pontencialidades do aprendizado nas interações com

o outro. Dito de outra forma, criamos um espaço em as que as professoras puderam

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atuar como sujeito de seu processo de desenvolvimento, considerando as suas

capacidades individuais em relação ao objeto de estudo, bem como suas

potencialidades de aprendizado na interação com outros professores e com as

pesquisadoras.

Para subsidiar a análise das interações, utilizamos como instrumento de

coleta de dados os registros áudios-visuais, através das gravações em áudio e vídeo

das aulas.

4.2.1 O contexto da pesquisa

O curso foi ministrado na escola Couto Magalhães que tem parceria5 com a

Secretaria Municipal Educação e Cultura (SMEC) da cidade de Várzea Grande,

Mato Grosso. Essa escola foi selecionada pela sua localização (no centro da cidade

de Várzea Grande) e pela sua proximidade com o terminal de ônibus. Isso permitiu a

acessibilidade aos professores, permitindo uma melhor frequência às aulas.

Trata-se de uma escola que desenvolve não apenas atividades de ensino

durante o dia, em que há aulas para alunos das séries iniciais da Educação Infantil,

Ensino Fundamental (2º ao 9º ano) e Ensino Médio, mas também oferece seu

espaço no período noturno para que outras pessoas possam desenvolver outras

atividades, como por exemplo, nosso curso de capacitação.

4.2.2 Os sujeitos

Os sujeitos de nossa pesquisa foram as professoras participantes do curso

intitulado ―Ensino-aprendizagem de gêneros discursivos‖. Todas elas trabalham na

rede municipal de Várzea Grande, Mato Grosso.

Os primeiros contatos com as professoras aconteceram no mês de março do

ano de 2009.

Nove professoras participaram da pesquisa, aqui nomeadas como Roberta,

Ísis, Ana, Aurora, Olívia, Rafaela, Ofélia, Úrsula e Arlene6. Elas apresentavam grau

de escolaridade variado, três delas possuíam a graduação em Letras: Ofélia, Úrsula

5 A SMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura - promove todos os anos nesta escola curso

de formação para professores de Educação Infantil e Fundamental. 6 Os nomes que constam neste trabalho são fictícios.

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e Ísis. Outras quatro possuíam pós-graduação em nível de especialização: Olívia,

Aurora, Arlene e Roberta. Ana estava cursando a especialização e Rafaela tinha o

título de mestre.

4.2.3 A organização do curso

Os encontros iniciaram-se em 11 de março e finalizaram-se em 29 de abril de

2009, totalizando quarenta e duas horas, de forma que houve dois encontros por

semana, cada encontro com duração de três horas.

O primeiro contato com as professoras foi gratificante, pois se demonstraram

interessadas em participar do curso mesmo sabendo que seriam sujeitos de nossa

pesquisa.

Como dissemos anteriormente, no curso foram focados dois aspectos

principais: os gêneros discursivos e o ensino-aprendizagem da leitura do gênero

propaganda impressa. A nossa pesquisa focará, principalmente, as atividades de

leitura.

Durante as aulas, decidimos organizar os sujeitos da pesquisa em duplas, de

forma a proporcionar um espaço onde o outro pode se constituir como par mais

avançado (Vigotski, 1930).

A leitura das propagandas selecionadas para o curso era realizada nas

próprias revistas em que foram veiculadas. Após a leitura de cada dupla, eram feitas

as trocas de revistas para que outras duplas pudessem analisar outras

propagandas, possibilitando, assim, que as professoras tivessem acesso a todas as

propagandas presentes nas revistas dadas pelas pesquisadoras.

Todas as propagandas eram previamente escolhidas pelas pesquisadoras,

antes de serem distribuídas às duplas. Após a leitura realizada, as professoras se

colocavam em círculo para debater o assunto.

Em relação a outros recursos materiais — recursos audio-visuais, fotocópias

de textos — todos foram fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação e

Cultura (SMEC) de Várzea Grande.

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4.2.3.1 Seleção dos textos utilizados

A seleção do corpus de propagandas impressas em revistas, usadas no

decorrer do curso, partiu do interesse da pesquisadora em desenvolver um trabalho

com a leitura que abarcasse o todo do enunciado, aliando o verbal com o não-

verbal. Dessa forma, foram selecionadas várias revistas, de circulação nacional e

local: Veja, Boa Forma, Cláudia, Caras, Ótima e Revista da GOL.

O motivo da escolha por essas revistas ocorreu pelo fato de a pesquisadora

ter a intenção de desenvolver um trabalho que estivesse próximo da realidade dos

professores, pois as revistas selecionadas são de fácil acesso, ou encontradas com

certa regularidade nas bibliotecas escolares. Além disso, procurávamos oferecer às

professoras outros usos das revistas além da recorrente utilização como objeto de

recorte de imagens para cartazes. Por fim, buscávamos propor uma maneira de

demonstrar às professoras que é possível realizar atividades de leitura com tais

revistas, mesmo tendo poucas cópias iguais de um mesmo exemplar.

4.2.3.2 Cronograma do curso e planejamento das aulas

No segundo semestre de 2008, decidimos, juntamente com a nossa

orientadora, que iríamos ministrar um curso de formação para professores de Língua

Portuguesa (oitavo e nono ano do Ensino Fundamental) da rede pública de ensino,

com o objetivo de coletar dados que resultariam em duas pesquisas de mestrado7.

Buscamos, então, a parceria com a Secretaria de Educação e Cultura de

Várzea Grande – SMEC – que demonstrou grande interesse em efetivar a parceria

entre a Universidade Federal de Mato Grosso- UFMT e a SMEC. Essa parceria foi

concretizada em novembro de 2008 e o curso foi ministrado nos meses de março e

abril de 2009. O curso teve um total de 42 horas, as quartas e sábados com a

duração de três horas para cada encontro.

O planejamento e replanejamento do curso se constituíram, desde o início, de

forma dialógica entre a orientadora e as duas pesquisadoras, entre pesquisadora

(P1) – (P1 refere-se à autora deste trabalho) e pesquisadora (P2) e também entre

7 A primeira pesquisa intitulada ―Formação de professores para o trabalho com os gêneros

discursivos: uma pesquisa dialógica‖ (IGNÁCIO, 2010) e a segunda, intitulada ―Ensino-aprendizagem da leitura do gênero propaganda: uma pesquisa enunciativo-discursiva‖.

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pesquisadoras e professoras. Após cada aula, refletíamos acerca dos ―erros‖ e

―acertos‖ em nosso planejamento e no desenvolvimento das aulas para

reorganizarmos a aula do encontro seguinte, pois procuramos atentar para as

necessidades das professoras em relação ao ensino e as suas possibilidades de

aprendizagem de leitura.

No final dos encontros, as professoras produziam um diário reflexivo que

serviu de instrumento de triangulação dos dados para a pesquisa de P2. Com base

na teoria de ensino-aprendizagem de Vigotski, as professoras trabalhavam sempre

em pares, pois conforme afirma Vigotski (1930),

―o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando [...] [o indivíduo] interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros‖ (VIGOTSKI, [1930], 2008, p. 103).

As duplas se mantiveram as mesmas durante quase todo o curso, exceto no

momento em que um dos pares se ausentou, quando foi possível observar que não

houve o mesmo avanço que o ocorrido nas aulas anteriores.

O cronograma e o planejamento do curso se encontram em anexo.

4.3 Metodologia de análise dos dados

Os dados obtidos serão apresentados na forma de episódios considerados

significativos para este estudo. De acordo com Paes de Barros (2005, p. 112), ―Os

episódios se compõem de eventos de duração variável, determinados por um meio

didático, cujas ações se orientam para um mesmo objetivo.‖

Assim, a partir deles, buscaremos delinear os processos que envolveram as

relações dialógicas constitutivas das atividades de leituras.

No decorrer da análise, procuramos assumir uma posição extraposta àquela

da pesquisadora interlocutora (atuante como professora no curso), ou seja,

procuramos assumir o excedente de visão em que, segundo Bakhtin (1920-1923), se

possa lançar mão da contemplação do outro sem perder de vista a sua originalidade.

Buscamos, a partir dos episódios discursivos que fluíram nos determinados

contextos construídos naquele espaço dialógico, analisar os fatos à luz de alguns

conceitos da teoria enunciativo-discursiva bakhtiniana (1929, 1920-1930, 1934-

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1935/1975, 1952-1953/1979, 1974/1979) e das contribuições de Vigotski (1930,

1934, 1935) acerca do ensino-aprendizagem.

No que tange às categorias de análise, estabeleceremos diálogo entre os

aportes teóricos enunciativo-discursivos do Círculo de Bakhtin e as discussões

sócio-históricas de Vigotski, os quais nos auxiliarão a elencar as seguintes

categorias de análise de dados: compreensão ativa e responsiva, capacidades de

linguagem, em que empregamos o conceito de gênero como megainstrumento para

as atividades de leitura (SCHNEUWLY 2004; PAES DE BARROS, 2005, 2009),

capacidades de apreciação e réplica (Rojo, 2004) e capacidade de observação de

textos multimodais Paes de Barros (2005).

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CAPÍTULO 5

ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, apresentaremos os episódios8 selecionados dos dados de

coleta gravados em áudio e vídeo, relativos ao curso por nós ministrado, em que a

interação será enfocada como ponto principal para a construção dos sentidos.

Inicialmente, pensávamos que as categorias seriam os conceitos de Bakhtin,

após a análise dos dados percebemos que as pré-categorias de análise seriam as

capacidades desenvolvidas ou não. Entretanto, não podemos negar que as

peculiaridades do gênero discursivo utilizados para a leitura foi fundamental para

sinalizar algumas especificidades quanto à interação entre as professoras, sujeitos

da pesquisa, e as pesquisadoras.

Dessa forma, queríamos mostrar às professoras que o gênero propaganda

impressa ensina ler, no entanto, no decorrer do curso, um dado inesperado surgiu:

descobrimos que as professoras tinham dificuldades para compreender muitos dos

textos apresentados. Por esse motivo, para melhor descrever o processo de leitura

observado, a apresentação e a discussão dos dados levaram em conta as três

capacidades de linguagem trabalhadas por Dolz e Schneuwly, neste caso voltado

para o ensino-aprendizagem de leitura.

Para a compreensão da análise dos dados, este capítulo será dividido em

duas seções: a primeira seção terá como foco o levantamento das capacidades de

linguagem e as capacidades leitoras mobilizadas no decorrer das leituras e a

segunda seção se aterá ao processo de interação como construção dos sentidos.

5.1 As leituras da propaganda impressa

Nesta seção, apresentaremos e discutiremos os dados levantados em relação

às capacidades de linguagem, que o gênero propaganda impressa possibilitou

8 Os episódios correspondem a eventos de duração variável, uma vez que não seguem a cronologia

dos eventos discursivos desenvolvidos durante o curso.

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serem trabalhadas e, em seguida, discorreremos sobre as capacidades de leitura

mobilizadas nas atividades com o gênero propaganda impressa.

Assim, procuramos responder a nossa pergunta de pesquisa:

Que capacidades de leitura são mobilizadas pelas professoras durante a

reconstrução dos sentidos?

5.2 Capacidades de linguagem no ensino-aprendizagem de leitura do gênero

de propaganda impressa

Nosso intuito era estabelecer durante as aulas um espaço para a construção

de práticas de linguagem em que as professoras, sujeitos da pesquisa, pudessem

se constituir como sujeitos de seu aprendizado. Por essa razão, organizamos as

professoras em pares e disponibilizamos as propagandas impressas em revistas. O

objetivo dessa disposição era promover um ensino que levasse em conta as

capacidades individuais de aprendizado em relação ao objeto de estudo e as

potencialidades desse aprendizado na interação com o outro (VIGOTSKI, 1930).

Ressaltamos que os pesquisadores Schneuwly & Dolz (1997/2004) trabalham

com o conceito de capacidades de linguagem para a questão da produção escrita e

oral. Em consonância com Cristóvão (2001) e Paes de Barros (2005; 2008),

pensamos que pode ser considerado para o ensino-aprendizagem de leitura.

Nas próximas páginas, apresentaremos partes do planejamento para efeito

de compreensão dos objetivos de pesquisa, tendo em vista que nossa intenção era

observar quais capacidades de linguagem poderiam ser mobilizadas no aprendizado

do gênero. Assim cada quadro apresentará parte do planejamento e as capacidades

que foram identificadas durante as aulas do curso.

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Quadro 1- história da propaganda e identificação dos componentes das propagandas impressas

04/04

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Capacidades de linguagem

Capacidades leitoras mobilizadas no processo de observação multimodal

3h

/aula

Identificação dos componentes da propaganda comercial em revistas;

História da propaganda.

Conhecer a história da propaganda e discutir sobre seu papel social;

Conhecer as particularidades do gênero propaganda comercial;

Observar a estrutura composicional.

Leitura compartilhada pelas pesquisadoras;

Leitura em dupla;

Anotações dos componentes das propagandas;

Produção de um diário reflexivo.

Capacidades discursivas;

Capacidades lingüístico- discursivas, observação das escolhas– estilo das propagandas; estrutura composicional;

Capacidades de ação.

seleção e verificação das informações verbais; organização das informações da sintaxe visual.

Nessa aula, no primeiro momento, tratou-se da história da propaganda, sua

esfera de produção, circulação e recepção. No segundo momento, as professoras

forma convocadas a observar os componentes das propagandas impressas em

revista. Assim, buscou-se mobilizar não somente as capacidades de ação, em que

se reconhece o gênero, o contexto de produção, a finalidade e o assunto abordado

pela propaganda, mas também as capacidades discursivas.

Também foi possível abordar as escolhas lexicais, componentes verbais do

gênero: os verbos, os adjetivos, mobilizando, dessa forma, as capacidades

linguístico-discursivas. Em consonância com Dolz & Schneuwly (1998), acreditamos

que é imprescindível que se organize um trabalho que aponte para essas

capacidades de linguagem para que se possa ter bem definido o objeto que será

ensinado.

Em relação às capacidades de leitura de textos multimodais, podemos

perceber a seleção e verificação das informações verbais e organização das

informações da sintaxe visual.

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Quadro 2- identificação dos componentes das propagandas impressas

08/04

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Capacidades de linguagem

Capacidades leitoras mobilizadas no processo de observação multimodal

3h /aula

Identificação dos componentes da propaganda institucional em revistas.

Conhecer as particularidades do gênero propaganda institucional; Observar a estrutura composicional; Desenvolver as capacidades de leitura para o texto não-verbal.

Leitura em dupla; Anotações dos componentes das propagandas.

Capacidades discursivas; Capacidades linguístico- discursivas.

seleção e verificação das informações verbais; organização das informações da sintaxe visual); Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas.

Nessa aula, as professoras foram levadas a reconhecer os aspectos

composicionais do gênero propaganda impressa, como podemos observar nas

informações postas no quadro acima. Com isso, procuramos mobilizar as

capacidades discursivas (que se referem à infra-estrutura geral do texto, como por

exemplo, a forma composicional da propaganda impressa). No que concerne às

capacidades de leitura de textos multimodais, objetivamos a seleção e verificação

das informações verbais e organização das informações da sintaxe visual.

Quadro 3 - Identificação dos aspectos das propagandas impressas e estilo

15/04

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Capacidades de linguagem

Capacidades leitoras mobilizadas no processo de observação multimodal

3h

/aula

Identificação dos componentes da propaganda comercial e institucional em revistas;

Estilo.

Conhecer as particularidades do gênero propaganda: comercial e institucional;

Observar o estilo;

Desenvolver as capacidades de leitura para o texto não-verbal.

Leitura em dupla;

Anotações dos componentes das propagandas;

Produção de diário reflexivo.

Capacidade de ação (contexto de produção, circulação e recepção);

Capacidades lingüístico- discursivas.

Observação da multimodalidade (organização das informações da sintaxe visual);

Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático).

Nessa aula, Os objetivos traçados tinham como propósito levar as

professoras a observaram os componentes, o estilo de cada propaganda impressa,

quer dizer, perceberem os mecanismos linguísticos, as escolhas dos vocábulos

empregados no referido gênero. Assim, buscamos mobilizar, principalmente, as

capacidades linguístico-discursivas.

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Objetivamos, ainda, mobilizar as capacidades de ação — conhecimento do

gênero, seu contexto de circulação e recepção. Dessa forma, buscávamos situar o

gênero socialmente e observar as especificidades da esfera de produção e

circulação da propaganda impressa.

Em relação às capacidades de leitura de textos multimodais, objetivamos

mobilizar as capacidades de organizar as informações acerca da sintaxe visual.

Quadro 4- Identificação do estilo e o conteúdo temático.

18/04

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Capacidades de linguagem

Capacidades leitoras mobilizadas no processo de observação multimodal

3h

/aula

Identificação dos componentes da propaganda em revistas; Tema.

Identificação dos componentes da propaganda em revistas. Tema Desenvolver as capacidades de leitura para o texto não-verbal.

Leitura em dupla; Anotações dos componentes das; propagandas. Produção de diário reflexivo.

Capacidades de ação; Capacidades lingüístico-discursivas.

Integração das informações verbais e não-verbais; Percepção do todo unificado de sentido que se compõe através da integração dos materiais verbais e não-verbais; Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo).

Nessa aula, buscávamos mobilizar as capacidades de ação e as capacidades

linguístico-discursivas. Objetivamos, ainda, que as professoras mobilizassem

capacidades de leitura de textos multimodais no que se refere tanto à integração das

informações verbais e não-verbais quanto à percepção do todo unificado de sentido

que se compõe através da integração dos materiais verbais e não-verbais.

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Quadro 5- Identificação da tríade do gênero

22/04

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Capacidades de linguagem

Capacidades leitoras mobilizadas no processo de observação multimodal

3h /aula

Identificação dos componentes da propaganda em revistas; Tríade do gênero: a estrutura composicional, o estilo e o tema.

Conhecer as particularidades do gênero propaganda comercial e institucional;

Observar o estilo.

Aula expositiva dialogada; Atividade em dupla: identificar a tríade que compõe o gênero propaganda (a estrutura composicional, o estilo e o tema); Produção de diário reflexivo.

Capacidades de ação; Capacidades lingüístico-discursivas.

integração das informações verbais e não verbais; percepção do todo unificado de sentido que se compõe através da integração dos materiais verbais e não-verbais; Percepção de outras linguagens.

Nesse encontro, os objetivos delineados foram os de comparar as

propagandas impressas, de modo que as professoras observassem as escolhas dos

vocábulos empregados nas propagandas impressas e as relacionassem com seu

contexto de circulação e recepção (capacidades de ação). No que tange às

capacidades leitoras foram mobilizadas as de observação da multimodalidade

referente à integração dos materiais verbais e não-verbais.

Levando em conta as informações aqui expostas, trataremos, agora, dos

episódios, procurando evidenciar as capacidades levantadas durante as aulas.

Ressaltamos que para uma melhor visualização das capacidades leitoras

apresentaremos, após cada análise dos episódios, um quadro síntese.

Vejamos o episódio 01 que segue:

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VEJA. São Paulo: Abril Cultural, edição 1916, n.31, ano 38, p.167-177, 03 ago. 2005.

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Nessa aula, as professoras foram distribuídas em duplas para observar

algumas propagandas impressas. Cada propaganda estava inserida em revistas

diferentes. À medida que cada dupla terminava a observação, as pesquisadoras

repassavam as propagandas de uma dupla para outra, assim todas as duplas teriam

a oportunidade de observar todas as propagandas trabalhadas nesta aula. Depois,

organizávamos as professoras em círculo para que pudessem expor o que haviam

notado. Essa disposição das professoras em círculo permitiu que todas

participassem e tomassem a palavra.

Episódio 01 04/04/2009 Aurora — (a respeito da propaganda anterior) Uma mulher bonita, uma mão feminina, oferecendo uma maçã pra ela... Olívia — A mão da bruxa (risos) Aurora —... E aí o céu azul maravilhoso, o slogan e a frase do lado esquerdo, o endereço eletrônico e quantidade de lojas de produto. Ofélia — Quem usa o produto da Boticário, pode ser o que quiser. Olívia — Eu posso comentar também? P1 e P2 — Pode... Olívia — A roupa dela é igual a roupa... a cor da roupa da Branca de Neve, o laço vermelho... Aurora — O que você viu que eu não vi. Olívia — Está com a roupa sim. A tiara na cabeça... Aurora — Nós achamos... a tiara na cabeça... As outras nós olhamos rapidamente, por que o vermelho? Nós não vimos em relação à roupa...

As professoras, à medida que observavam as propagandas impressas que

iam sendo repassadas em suas mãos, percebiam as características em comum que

se destacavam nas propagandas impressas no que se refere à forma composicional

do gênero: slogan, imagens de pessoas, imagens do produto, as cores, o enunciado

verbal, a marca do produto. Esses dados reafirmam o posicionamento de Bakhtin

(1952-1953/1979), quando diz que esse é o primeiro elemento a ser identificado nos

gêneros discursivos pelos interlocutores:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN [1952-1953/1979] 2003, p. 261) [grifo nosso].

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Desse modo, a partir das ponderações de Bakhtin, pudemos perceber de

maneira clara que a professora Aurora, no episódio 01, direciona seu olhar para a

estrutura da propaganda O Boticário.

Aurora — ... E aí o céu azul maravilhoso, o slogan e a frase do lado esquerdo, o endereço eletrônico e quantidade de lojas de produto.

Nesse episódio 01, a percepção da forma composicional está bem evidente,

pois Aurora descreve a propaganda, indicando quais os elementos a compõem,

sejam os enunciados verbais ou não verbais: ―céu azul, slogan, a frase do lado

esquerdo‖. Com relação a isso, podemos perceber uma das capacidades de

linguagem se destacar — a capacidade discursiva, pois observamos claramente a

descrição dos elementos que constituem a elaboração do gênero.

Percebemos também que quando os olhares das professoras se voltavam

para as imagens presentes na propaganda, elas sinalizam os elementos

pictográficos de modo isolado, não atentavam para o fato de que esses elementos

aliados ao enunciado verbal estavam carregados de significados. Isso fica

evidenciado na fala da Olívia: ―A roupa dela é igual a roupa... a cor da roupa da

Branca de Neve, o laço vermelho...‖. Quando a Olívia descreve os detalhes da

imagem, a colega Aurora afirma não ter visto, posto que olhou rapidamente,

possivelmente, por não considerar pertinente: ―Nós achamos... a tiara na cabeça...

As outras nós olhamos rapidamente, por que o vermelho? Nós não vimos em

relação à roupa...‖. Ressaltamos, aqui, que o ensino de leitura requer etapas.

Portanto, olhar rapidamente, sem atentar para outras linguagens, torna a leitura

superficial.

No evento, aqui apresentado, as professoras buscam a compreensão

embasadas naquilo que reconhecem, acerca do que têm segurança:

Aurora — O que você viu que eu não vi. Olívia — Está com a roupa sim. A tiara na cabeça...

Ressaltamos que esse episódio ocorreu logo nos primeiros encontros em que

as professoras estavam entrando em contato com as particularidades do gênero. A

partir disso, pensamos ser necessário constituir diferentes etapas para o ensino-

aprendizagem, para que as professoras pudessem relacionar os textos verbais aos

não verbais e, dessa maneira, se apropriarem das características do gênero

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propaganda impressa, de modo que pudessem ler o todo do enunciado e anunciar o

não dito.

Quadro 6 – capacidades leitoras – episódio 01

sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Aurora Capacidades discursivas Percepção de outras linguagens

Organização da sintaxe visual

Episódio 02 15/04/2009 P1 — Vamos ouvir a Ofélia. Hoje eu não ouvi a voz da Ofélia (risadas) Roberta — Ofélia, na sala de aula, deve falar mais que o homem da cobra. Ofélia — (timidamente responde) Não. Roberta — Fala sim. Ofélia — A propaganda do Boticário, ela está na revista Veja. Aqui começa como se fosse uma historinha: era uma vez... lembrando a historinha da Branca de Neve. A mão oferecendo uma maçã. Uma moça muito bonita. Está falando do Boticário se você tem esse produto você pode ser o que você quiser.

No decorrer das aulas, percebemos que algumas professoras, muito tímidas,

quase não falavam, então, passamos a convocá-las a interagir no debate.

No encontro em que esse episódio se efetivou, o conteúdo que tínhamos

planejado era o do reconhecimento do estilo do gênero, entretanto, muitas

professoras avançavam na compreensão indo para além do não dito, o conteúdo

temático, cuja percepção ocorre através da relação dos textos não-verbais e verbais

presentes na dialogia da propaganda impressa. Para tanto, ressaltamos a

importância da atenção do professor para as inúmeras etapas do processo de

ensino-aprendizagem de leitura na sala de aula.

Pensamos que assim, como aconteceu conosco (as pesquisadoras), pode se

configurar na sala de aula, no cotidiano, pois alicerçadas na prática pedagógica

tradicional, temos a tendência em dar atenção para os alunos que falam mais, os

mais desinibidos, e assim deixamos de ouvir aquele tímido, que muito tem a dizer,

mas lhe falta a permissão, ou o momento de convocação para que possa contribuir

com seu conhecimento e, assim, juntamente com os demais, ter a mesma

possibilidade de participação, uma vez que os tímidos têm muito a dizer e a

aprender, compartilhando informações no momento de interação.

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Ressaltamos que foi difícil nos mantermos caladas para ouvir mais e não

darmos respostas prontas. Reaprendemos com as professoras a nos policiar da

nossa prática tradicional de aulas de leitura. Aprendemos com as professoras e elas

conosco.

No episódio 02, a professora Ofélia comenta sobre a esfera de circulação na

qual se encontra a propaganda e faz comentário acerca do enunciado verbal que

está localizado no canto superior esquerdo da propaganda, afirmando que ele

lembra todo começo de historinhas de contos de fadas: ―A propaganda do Boticário,

ela está na revista Veja. Aqui começa como se fosse uma historinha: era uma vez...

lembrando a historinha da Branca de Neve‖. Quando Ofélia diz que o início do texto

lembra conto de fadas, ela parte daquilo que conhece, de seu conhecimento de

mundo.

Assim, percebemos que a professora Ofélia começa a leitura, primeiramente,

sinalizando o contexto de circulação da propaganda. Em seguida, notamos que ela

percebe, a partir disso, elementos do texto que acionam em sua memória aos contos

de fadas que, em geral, apresentam a estrutura inicial: ―era uma vez‖. Ao fazer isso,

ela lança mão da capacidade de perceber a relação de intertextualidade, pois

lembramos, com Rojo (2004, p.05), acreditamos que: ―ler um texto é colocá-lo em

relação com outros textos já conhecidos [...] outros textos que poderão dele resultar

como réplicas ou respostas‖.

Quadro 7 – capacidades leitoras – episódio 02

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Ofélia

Capacidades de ação Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático)

Seleção e verificação das

informações verbais

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Episódio 03 15/04/2009

P1 — Oi Úrsula, o que você ia completar? Você disse que o vermelho... Úrsula — O vermelho está mais pra sedução (fala bem baixinho). Ana — O vermelho está aí predominando: nas unhas, na maçã, a blusa... Olívia — A imagem prevalece, a imagem bonita, aquilo que a gente quer ser, olha a Boticário, não é nada, não há necessidade da imagem com o produto. (...) Roberta — Interessante... toda vez que olho a propaganda, eu dou atenção para outras coisas, por exemplo, o decote, é pra ver se atrai... Ana — Nós observamos na frase bem pequenininha: ―você pode ser o que quiser‖ , ou seja, ela pode ser pode ser a bela adormecida, a bruxa , uma sirigaita (risos). O que ela quiser... Interessante também são os morenos de um metro e oitenta, são sensuais, bonitos. E os anões? Eles não são? Veja como isso é preconceituoso? (...) Roberta — Por que a maçã? Por que não outra fruta vermelha? Por causa de Eva. Tem uma parte da história que diz que quando a serpente ofereceu a maçã para Eva seus olhos anelaram... Ana — A maçã é a fruta da perdição (risos).

À medida que percebiam as características da forma composicional, as

atenções das professoras vão se direcionando para outro elemento do gênero, o

estilo. Isso porque, ao atentarem para a escolha lexical da propaganda,

ressignificam os sentidos dos enunciados. Como podemos notar na fala da

professora Ana: ―Nós observamos na frase bem pequenininha: você pode ser o que

quiser, ou seja, ela pode ser pode ser a bela adormecida, a bruxa, uma sirigaita

(risos)‖.

Percebemos, desse modo, que a leitura das professoras se prendia

principalmente à localização de informações dadas pelo texto. Essa capacidade

leitora é considerada, segundo Rojo (2009, p.78) ―uma [capacidade] básica de

muitas práticas de leitura [...], mas que também não opera sozinha, sem a

contribuição das outras‖. Dessa forma, percebemos mais adiante na fala da Ana que

ela caminha para o conteúdo temático do gênero, pois, ao fazer um levantamento do

tipo de mulher que se pode ser ao usar o produto Boticário, ela levanta um

questionamento sobre os tipos de homens que se pode atrair ao usar produto da

marca Boticário: ―os morenos de um metro e oitenta, são sensuais, bonitos. E os

anões? Eles não são? Veja como isso é preconceituoso?

Notamos que a professora Ana percebe a relação de interdiscursividade

presente na propaganda, de acordo com Rojo (2004, p. 06): ―perceber um discurso é

colocá-lo em relação com outros discursos já conhecidos, que estão tramados a este

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discurso‖. Nesse sentido, a fala da professora remete a um discurso não presente

explicitamente no enunciado verbal, o discurso de que os anões não são sensuais,

bonitos, e isso faz com que ela discorde do que está posto e questione.

Pensamos ser pertinente ressaltar que o processo de compreensão da tríade

do gênero só foi permitido em virtude do diálogo aberto que ocorreu entre as

professoras. Todas tiveram a oportunidade de expor suas apreciações com relação

à leitura da propaganda. Nesse processo, ―o outro‖ foi fundamental, de modo que os

sentidos foram se configurando a partir da relação com outro, ou seja, a fala de cada

uma das professoras de algum modo contribuiu para que pudessem expor suas

avaliações, modificando-as, pois o sujeito só se constitui a partir do outro.

Vale destacar a fala da professora Roberta, que toda vez que direciona o

olhar para a propaganda impressa, percebe outro detalhe que antes não lhe era

perceptível: ―interessante... toda vez que olho a propaganda, eu dou atenção para

outras coisas, por exemplo, o decote, é pra ver se atrai...‖ e mais a diante ela

percebe a importância da maçã, e isso a faz questionar e ao mesmo tempo buscar

resposta: ―Por que a maçã? Por que não outra fruta vermelha? Por causa de Eva.

Tem uma parte da história que diz que quando a serpente ofereceu a maçã para Eva

seus olhos anelaram...‖.

Logo depois, a professora Ana completa expondo mais uma vez sua posição

valorativa: ―A maçã é a fruta da perdição (risos)‖. Nesse processo é instaurada a

alteridade que só estabelecida na relação do sujeito como outro. Entendemos que

as relações se edificam na interação; configurando-se, assim, às relações entre o eu

e o outro. Bakhtin (1929, p.66) afirma que ―cada palavra proferida revela-se, no

momento de sua expressão, como o produto da interação viva das forças sociais‖. É

nessa interação que o sujeito participa da construção dos sentidos, das réplicas,

concorda, discorda, pergunta, responde na trajetória de sua vida.

Ao comentar sobre o sentido da fruta maçã, a professora Ana deixa evidente

outra característica do trabalho com o gênero numa perspectiva enunciativo-

discursiva, nesse caso, a esfera de recepção do gênero e o interlocutor-

contemplador. De certa forma, fica evidente a influência da esfera religiosa na vida

social da professora — a maçã é uma fruta da perdição. Percebemos que conforme

a recepção da interação dada pela professora ocorre mudança de sentido da

propaganda impressa em questão.

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Em outras palavras, no trabalho com as capacidades de ação do gênero,

torna-se importante explorar o contexto esfera de recepção e sua influência na

possibilidade de infinitas réplicas nas atividades de leitura.

Também, poderíamos, de certa maneira, ponderar que determinadas práticas

leitoras dessa professora influência em suas capacidades leitoras. De modo

específico, poderíamos talvez vislumbrar que a professora Ana tenha como práticas

leitoras a bíblia ou outro texto em particular que pertença à esfera religiosa.

Notamos, em boa medida, a influência da história do gênero propaganda, pois

sua procedência é da esfera religiosa, como bem relatamos a esse respeito no

capítulo 2. Com isso percebemos as fronteiras não totalmente delimitadas entre a

esfera religiosa e a da propaganda, demonstrando outra característica de trabalho

com o gênero: a influência de outras esferas e seus interlocutores na esfera da

propaganda.

Quadro 8 – capacidades leitoras- episódio 03

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Ana Roberta

Capacidades linguístico-discursivas Capacidade de ação

Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo) Percepção de outras linguagens; Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo)

Seleção e verificação dos elementos verbais Organização da sintaxe visual; Integração das informações verbais e não verbais

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Observemos agora o episódio seguinte:

Episódio 04 15/04/2009 Úrsula — A imagem é realmente pra chamar a atenção Arlene — A imagem é bonita. Geralmente Boticário... Olha só, você joga um salto, tem gente que se veste assim... até eu quero ficar assim...você compra o Boticário e vai ficar parecida, é chique! Tem dinheiro. Olívia — A questão é que a mídia é que faz a marca. Eu vou usar o Boticário por causa da marca... Arlene — Quando você chega num aniversário com uma sacola da Boticário, você ouve: Ah!...

A professora Arlene inicia sua fala, evidenciando a imagem, em seguida, faz

um comentário em que procura estabelecer relações entre as informações verbais e

não-verbais. Assim, são mobilizadas as capacidades discursivas e, em relação à

capacidade leitora, percebemos que ela busca compreender a propaganda a partir

da apreciação estética.

Durante a leitura estamos sempre reagindo ao texto, conforme afirma Rojo

(2004),

Ao ler, replicamos ou reagimos ao texto constantemente: sentimos prazer, deixamo-nos enlevar e apreciamos o belo na forma da linguagem, ou odiamos e achamos feio o resultado da construção do autor; gostamos ou não gostamos, pelas mais variadas razões. E isso pode, inclusive, interromper a leitura ou levar a muitos outros textos (ROJO, 2004, p. 06).

Dessa forma, percebemos o sentimento de identificação da professora Arlene

com aquilo que causa admiração, que tem bom gosto.

Quadro 9 – capacidades leitoras – episódio 04

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Arlene Capacidades discursivas Apreciação estética Organização da sintaxe visual; Integração das informações verbais e não verbais

Vejamos o próximo episódio:

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TAM. São Paulo: Abril, n. 11, ano 01, p. 29, nov. 2008.

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Episódio 05 04/04/2009 Olívia — Aqui nós temos o chocolate Talento, o Chocolate da Garoto. Uma mulher bonita... tá sendo destacada tanto a mulher bonita como o fundo negro e, como essa mulher se encontra aqui? Com o dedo na boca, uma mulher induzindo ao apelo sexual também, entregue-se ao desejo. Aqui também o colorido do chocolate destacado pelo fundo negro... A questão aqui mesmo é a palavra desejo com a foto da mulher bonita... a estratégia da mulher bonita com o pose sensual... Aurora — Não, eu acho que tem o verbal lá em cima, o imperativo. Olívia — Entregue-se ao desejo... Ísis — Mas o que sobressai no primeiro momento é a imagem, né. Olívia — Então né, é a imagem do desejo... Aurora — E o texto é fundamental...Olha... Olívia — O ambiente do... Roberta — Agora, o que faz o cliente querer comprar o produto é a palavra entregue-se (faz gestos com as mãos simulando entregar o corpo e solta risos acanhados) tem gente que tem desejo e não consegue se entregar... P2 — Nossa que filosófico... (risos) Olívia — Está induzindo a pessoa a..., né... ãn... tá! (sorri e faz uma expressão sensual balançando o corpo sensualmente de modo tímido e as outras professoras se entregam às gargalhadas).

Nesse episódio, notamos que o contexto extraverbal colabora para a

atribuição de sentidos. As professoras conseguem aliar a questão linguística com a

questão discursiva, o que contribui para a compreensão do que está sendo dito. Em

nosso entendimento, elas conseguem mobilizar não somente as capacidades

linguístico-discursiva — o uso do modo verbal imperativo como também as de

apreciação e réplica.

Observamos isso na fala da Aurora no momento em que chama atenção da

Olívia para a presença significativa do verbo que se encontra logo acima na página

da propaganda do Chocolate Talento. Notamos que dá destaque a um recurso

gramatical empregado na propaganda:

Aurora — Não, eu acho que tem o verbal lá em cima, o imperativo. [grifo nosso].

Em relação ao posicionamento de Aurora, observamos a capacidade de

apreciação e réplica sendo mobilizada, já que ela discorda de sua colega. Isso nos

faz lembrar Bakhtin ([1970-1971]1997, p. 382), quando afirma: ―A

concordância/discordância ativa [...] estimula e aprofunda a compreensão, dá à

palavra alheia maior firmeza e autonomia‖. A partir da fala de Aurora, as demais

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professoras passam a observar a presença do verbo em relação às imagens

presentes na página da propaganda, buscando compreender a relação texto verbal

e imagem.

Tudo isso possibilitou que elas mobilizassem as capacidades de linguagem

referentes às capacidades linguístico-discursivas e discursivas, avançando no

aprendizado, abrindo novas possibilidades de leitura, posto que remetem

respectivamente à escolha lexical, nesse caso o verbo no modo imperativo:‖

entregue-se‖, e a organização dos elementos tanto verbais quanto não verbais: a

mulher, o chocolate, as cores como também o querer dizer da campanha do

Boticário, quer dizer, seu conteúdo temático.

Isso é sinalizado por Roberta, quando toma a palavra e diz:

Roberta — Agora, o que faz o cliente querer comprar o produto é a palavra entregue-se (faz gestos com as mãos simulando entregar o corpo e solta risos acanhados) tem gente que tem desejo e não consegue se entregar...

Durante as interações, os sentidos puderam ser construídos em conjunto e o

conteúdo temático dos textos emergia a partir das relações com todos os elementos

dispostos na propaganda impressa. Isso reforça o que Bakhtin ([1952-1953/1979])

defende, quando chama de elementos componentes de um gênero discursivo de

‗indissociáveis‘, uma vez que a leitura de um elemento remetia ao outro.

Assim, as professoras, ao discutirem os aspectos da forma composicional e

do estilo da propaganda, vão desvelando seu conteúdo temático. Esses aspectos,

que parecem soltos, ―integram um todo de significação e, na atribuição dos sentidos,

buscando atribuir significados às partes, para o entendimento do todo enunciado‖

(PAES DE BARROS, 2005, p.142). Desse modo, as professoras separam os

elementos e os reúnem para, assim, atribuir a esses elementos do gênero novos

significados no processo de compreensão.

Percebemos que, nesse processo da cadeia comunicativa, em que as

pesquisadoras e as professoras estão envolvidas, os sentidos das propagandas

impressas vão se constituindo.

Em Bakhtin ([1952-1953], 2003, p. 301) encontramos,

O papel dos outros, para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente grande,[...] esses outros, para os quais o meu pensamento pela primeira vez se torna um pensamento real (e deste

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modo também para mim mesmo), não são ouvintes passivos mas participante ativos da comunicação discursiva. Desde o início o falante aguarda uma resposta deles, espera uma ativa compreensão responsiva (BAKHTIN, [1952-1953] 2003, p. 301).

Os sentidos vão se ressignificando, para cada um dos participantes

envolvidos nessa cadeia comunicativa. Nesse sentido, o episódio 05 é exemplo

para esse conceito do Círculo de Bakhtin, pois as professoras dão suas

contrapalavras, procurando marcar seu posicionamento e mostrar às pesquisadoras

que conseguiram, na medida do possível, realizar a atividade proposta.

No trecho a seguir, a questão da compreensão passa pelos elementos que

extrapolam o dito, o que está posto:

Roberta — Agora, o que faz o cliente querer comprar o produto é a palavra entregue-se (faz gestos com as mãos simulando entregar o corpo e solta risos acanhados) tem gente que tem desejo e não consegue se entregar... P2 — Nossa que filosófico... (risos) Olívia — Está induzindo a pessoa a..., né... ãn... ta! (sorri e faz uma expressão sensual balançando o corpo sensualmente de modo tímido e as outras professoras se entregam às gargalhadas).

Olívia, ao expressar ―ãn...tá!‖, deixa transparecer em sua expressão facial,

mesmo que timidamente, um gesto sensual. Isso porque ela demonstra

compreensão da carga semântica que a palavra ―entregue-se‖ traz consigo. A isso,

Bakhtin (1970-1971) chama de compreensão ativa. Nas palavras do autor,

[...] a compreensão pode e deve ser superior à dele [autor]. Uma obra, poderosa e profunda, é, sob muitos aspectos, inconsciente e portadora de sentidos múltiplos. A compreensão faz com que a obra se complete com consciência e revela a multiplicidade de seus sentidos. [...]. Compreender sem julgar é impossível. As duas operações são inseparáveis: são simultâneas e constituem um ato total. A pessoa aproxima-se da obra com uma visão do mundo já formada, a partir de um dado ponto de vista. Esta situação em certa medida determina o juízo sobre a obra, mas nem por isso permanece inalterada: ela é submetida à ação da obra que sempre introduz algo novo. [...] Compreender não deve excluir a possibilidade de uma modificação, ou até de uma renúncia, do ponto de vista pessoal. O ato de compreensão supõe um combate cujo móbil consiste numa modificação e num enriquecimento recíprocos. (BAKHTIN, [1970-1971] 1997, p.382) [grifo nosso].

Podemos afirmar que os sentidos são apreendidos pela compreensão que se

estabelece a partir do processo interacional entre as professoras e delas com as

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pesquisadoras e com o objeto discursivo a propaganda impressa. A nosso ver, o

ato de compreender desencadeia possibilidades de mudança, modificamos o outro e

o outro nos modifica. Concordamos com o posicionamento de Padilha (2009) acerca

da interferência do outro nas nossas relações:

o que somos se define muito pelas relações com os outros, que são assim definidos por nós também, e como esses outros mudam e esses outros em nós mudam e nós mesmos mudamos sempre (PADILHA, 2009, p. 112).

Desse modo, podemos dizer que as interações realizadas nos encontros

modificaram de alguma forma cada um de nós presentes no curso, pois segundo

Bakhtin, nos constituímos a partir do outro, no momento de interação social.

Quadro 10 – capacidades leitoras - episódio 05

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Aurora Roberta

Capacidades linguístico-discursivas Capacidade ação Capacidade discursiva

______________ Recuperação do contexto de produção Elaboração de apreciações relativas a valores éticos

Seleção e verificação da informação verbal Organização das informações da sintaxe visual Percepção do todo unificado de sentido que compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais

Episódio 06 08/04/2009 Olívia — A imagem de uma mulher, a palavra desejo, chocolate, mesmo. (vozes inaudível). Não é um chocolate barato, é uma edição limitada. Fizeram esse chocolate, deve ser caro, está numa revista que circula em uma esfera de pessoas que tem dinheiro. Úrsula — Geralmente o chocolate causa espinha no rosto, eles colocam uma mulher sem espinha no rosto, implicitamente pode comer que vai ser desejável do mesmo jeito, né? Arlene — Quero ver quem que vai comprar esse produto se essa mulher estivesse com um rosto cheio de espinha.

Nesse episódio, observamos o desenvolvimento de alguns parâmetros das

capacidades de ação, pois temos a referência ao preço do produto indicando quem

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são seus interlocutores, referência ao contexto de circulação, ao portador — revista

impressa — e também à finalidade da propaganda e ao conteúdo (assunto) — ao

colocar uma mulher com a pele sem nenhuma espinha: vender o produto

satisfazendo assim o desejo do consumidor.

A capacidade de apreciação estética e afetiva que se processa no episódio 04

que discorremos anteriormente é desvelada também neste episódio da propaganda

do chocolate Talento, isso se dá no processo de leitura da professara Úrsula que é

sustentado em seguida pela fala da professora Arlene. A presença de uma mulher

bonita que come chocolate, no entanto em sua face não há vestígios de espinhas.

Isso amplia a possibilidade de compra do produto e seu consumo, mesmo que isso

possa custar algumas espinhas depois.

No que tange à capacidade de leitura de textos multimodais, notamos que as

professoras Úrsula e Arlene conseguem integrar as informações verbais e não

verbais. Isso diz respeito à observação e conjugação ―da materialidade verbal à

pictográfica, relacionando-as no ato de construção dos sentidos dos textos‖ (PAES

DE BARROS 2005, p. 84).

Quadro 11 – capacidades leitoras - episódio 06

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de

linguagem

Capacidades de

apreciação e réplica

Capacidades de

observação de textos

multimodais

Olívia

Arlene, Úrsula

Capacidades de ação

Capacidades discursivas

Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas; Percepção de outras linguagens Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas.

Organização da sintaxe visual Integração das informações verbais e não-verbais; Percepção do todo unificado de sentido que compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais

Vejamos o episódio 07:

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ISTO É. São Paulo: Editora Três, n. 1878, 12 out. 2005.

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Episódio 07 08/04/2009 Ofélia — Essa propaganda aqui... sobre o hipertenso... mostra o coração e também o coração assim apontando, né, que eu cuido da saúde (faz gestos sinalizando com polegar em direção ao seu corpo) um belo sorriso, que além dessa hipertensão ele cuida dos outros órgãos, um belo sorriso, os olhos, perfeito, saudável... Acima vêm as letras em caixa alta (olha para Aurora e esta balança a cabeça concordando) . Embaixo está escrito pratique saúde, alertando a pessoa sobre a importância da atividade física para essas pessoas. Logo abaixo vem falando uma série de coisas que essas pessoas não devem fazer, a mensagem. O endereço eletrônico lá embaixo. O número do telefone, o Ministério da Saúde e o órgão responsável pela propaganda, governo Federal. Aqui em cima está ―Ministério da Saúde mais atenção a você‖ e percebe-se a questão da cor em degradê, né. Aurora — Embaixo são várias fotos de pessoas praticando atividades físicas e pessoas no consultório e abaixo do coração uma sombrinha destacando como se fosse uma sombra do coração. P1 — Alguém mais quer comentar? Vocês? Algum comentário que gostariam de acrescentar? Ofélia — Algo mais que vocês encontraram que a Ofélia não falou? (risos) Ana — Nós percebemos também aí no fundo esse vermelho do lado direito e lado esquerdo nos leva a ideia dos outros órgãos: Federais, Estaduais e também veem as figuras. O que achamos interessante também é a foto da Unimed. Está medindo a barriga, né? Nós hipertensos... (mostra a sua barriga), eu preciso acabar com isso... O potinho de sal, né? A rejeição... Ofélia — Em se tratando disso (fala em voz alta). Outro dia minha mãe me aparece gorda e fiquei até assustada (faz expressão facial de assustada). Mãe, pelo amor de Deus! Ame, ame muito você, vá fazer atividade física (fala de modo enfático). É que minha mãe tem problema de pressão... No outro dia, ela chega e diz: ―estou me sentindo meio mal. Comi coisa frita‖. Eu falei: quem fez a comida? ―Eu‖. A senhora sabia que não pode? ―Sabia‖. Eu não acredito... Ana —... e também o mais importante aí é o disque saúde. Seria muito bom se funcionasse. (risos, inaudível). E se for o zero oitocentos, aí é que não vai funcionar mesmo. Aurora — Mas é! (risos).

As professoras estavam em duplas e observavam essa propaganda do

Ministério da Saúde. Como dissemos anteriormente, cada dupla recebia uma

propaganda e depois tinha acesso às demais que estavam circulando na aula, para

num segundo momento, todas exporem seu ponto de vista acerca do que

observaram.

Como pudemos observar na fala de Ofélia, a leitura que faziam da

propaganda se limitava a revozear o que estava escrito:

Ofélia — Essa propaganda aqui sobre o hipertenso mostra o coração e também o coração assim apontando, né, que eu cuido da saúde (faz gestos sinalizando como polegar em direção ao corpo) um belo sorriso, que além dessa hipertensão ele cuida dos outros órgãos, um belo sorriso, os olhos, perfeito, saudável... Acima vêm as letras em caixa alta. Embaixo está escrito pratique saúde, alertando a pessoa

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sobre a importância da atividade física para essas pessoas. Logo abaixo vem falando uma série de coisas que essas pessoas não devem fazer, a mensagem. O endereço eletrônico lá embaixo. O número do telefone, o Ministério da Saúde e o órgão responsável pela propaganda, governo Federal. Aqui em cima está ―Ministério da Saúde mais atenção a você‖ e percebe-se a questão da cor em degrade, né.

A professora Ana toma a palavra, dando sequência à leitura, quando ocorre

uma quebra em seu comentário. A nosso ver, nesse momento, a professora recorre

à outra estratégia: ativa seu conhecimento de mundo:

Ana — Nós percebemos também aí no fundo esse vermelho do lado direito e lado esquerdo nos leva a idéia dos outros órgãos: Federais, Estaduais e também veem as figuras. O que achamos interessante também é a foto da Unimed. Está medindo a barriga, né? Nós hipertensos... (mostra a sua barriga), eu preciso acabar com isso... O potinho de sal, né? A rejeição...

A partir desse comentário da professora Ana, Ofélia a interrompe como se em

sua memória ocorresse algo de que ela já tivesse conhecimento, pois a fez lembrar

de um fato familiar. Esse fato a levou a avançar para além do simples revozeamento

de informações postas pelo texto. Nesse momento, a professora traz seu

conhecimento de mundo e avança para além do que está escrito, relacionando o

que lê a outros eventos, proporcionando ao grupo novas possibilidades de leitura, de

compreensão:

Ofélia – E se tratando disso...Outro dia minha mãe me aparece gorda e fiquei até assustada.... Mãe, pelo amor de Deus! Ame, ame muito você, vá fazer atividade física. É que minha mãe tem problema de pressão... No outro dia, ela chega e diz: ―tô me sentindo meio mal. Comi coisa frita‖. Eu falei: quem fez a comida? ―Eu‖. A senhora sabia que não pode?. ―Sabia‖. Eu não acredito...

É interessante dizermos que a ativação do conhecimento de mundo ocorreu

quando Ana partiu da observação das figuras apresentadas na parte inferior da

página da propaganda impressa. Podemos refletir que a professora Ana recorreu à

estratégia de observação de textos multimodais. Nesse sentido, observamos que

ela, no decorrer da leitura, direcionou sua atenção à sintaxe visual da propaganda

estudada.

No excerto da fala da professora Ana, notamos que ela fez seu comentário a

partir de uma pequena imagem, dentre as várias outras apresentadas na página da

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propaganda impressa em que aparece um profissional da saúde medindo a

circunferência da barriga de um paciente.

Nas palavras de Paes de Barros (2005, p.84), ―trata-se da observação dos

elementos pictográficos de modo a selecionar e organizar as informações relevantes

à construção da significação‖. Isso significa que a professora Ana, ao lançar o olhar

para esse pequeno detalhe presente na propaganda, reconstrói os sentidos do texto

e, de certa forma, faz com que sua colega Ofélia, logo em seguida, tome a palavra

para falar sobre algo que, no primeiro momento de sua leitura, passou despercebido.

Observarmos nesse episódio que tanto a professora Ana quanto a professora Ofélia

nesse processo de leitura acabam ativando seus conhecimentos de mundo.

Em vista disso, dizemos que as professoras apropriaram-se das

características do gênero como também foram capazes de estabelecer relações dos

textos verbais com os não verbais. Isso possibilita afirmar que a leitura é um

processo a ser ensinado.

Revendo o percurso que traçamos, observamos que o processo de ensino-

aprendizagem da leitura de propagandas impressas foi se desencadeando a partir

da observação da materialidade visual, como pudemos notar no episódio 01.

Notamos que as interações que ocorreram entre as professoras foram fundamentais

para que elas pudessem avançar na construção dos sentidos, pois perceberam que

os elementos que compõem as propagandas não estão ali aleatoriamente, pois

existem relações entre os vários componentes que contribuem para a

ressignificação dos sentidos. Quer dizer, essa ressiginificação ocorre a partir das

relações que se estabelecem entre o enunciado verbal e os elementos visuais

(relação das cores, das imagens, das posições dos elementos), em que, muitas

vezes, o sentido dado pelos interlocutores é feito também com as informações que

não estão postas explicitamente. Vejamos, por exemplo, o que ocorreu no episódio

01:

Olívia — Eu posso comentar também? P1 e P2— Pode... Olívia — A roupa dela é igual a roupa... a cor da roupa da Branca de Neve, o laço vermelho... Aurora — O que você viu que eu não vi. Não é a análise, é? Olívia — Está com a roupa sim. A tiara na cabeça... Aurora — Nós achamos... a tiara na cabeça... As outras nós olhamos rapidamente, por que o vermelho? Nós não vimos em relação à roupa...

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Nesse trecho, evidenciamos a importância de se recorrer à linguagem visual

(as imagens, as fotos, as cores) para a reconstrução dos sentidos. Olívia comenta a

respeito da cor da roupa e da tiara da mulher que aparece na propaganda de O

Boticário. Ela afirma, convicta, para Aurora, após esta discordar, que a roupa remete

à personagem Branca de Neve e que a tiara vermelha reforça a cor do figurino

usado pela personagem. Percebemos que, nesse evento, no processo de leitura da

Olívia, ao observar os elementos pictográficos, é desvelada a intertextualidade do

texto, a partir da capacidade de localização de informação, o que nos revela ser a

capacidade de localização apenas uma das etapas da construção dos sentidos.

Notamos que a afirmação feita por Olívia convida Aurora a direcionar seu

olhar para um pequeno detalhe que lhe passou despercebido. Isso está evidenciado

na expressão em destaque como também pela réplica dada por Aurora acerca da

relação cor e roupa.

Aurora — Nós achamos... a tiara na cabeça... As outras nós olhamos rapidamente, por que o vermelho? Nós não vimos em relação à roupa [...] [grifo nosso].

Observamos que a professora Aurora foca sua atenção nas imagens de

maneira isolada, não as observa como elementos que têm uma significação, que

conduz a ressignificação dos sentidos no processo de leitura. Como já dissemos, o

ensino-aprendizagem de leitura de um dado gênero discursivo requer diferentes

etapas e, por isso, acreditamos ser pertinente expor o episódio seguinte por

evidenciar, mais uma vez, processo de ensino-aprendizagem das professoras, em

especial a da Aurora acerca da estratégia de leitura dos textos multimodais, no que

diz respeito à observação dos elementos pictográficos. Pois, segundo Paes de

Barros (2009, p.06): ―a compreensão de um texto necessita de diferentes recursos

(inclusive não linguísticos) para ter eficácia‖.

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Quadro 12 - capacidades leitoras - episódio 07

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de

linguagem

Capacidades de

apreciação e réplica

Capacidades de

observação de textos

multimodais

Ana Ofélia Olívia

Capacidades discursivas Capacidades de ação Capacidades discursivas

Percepção de outras linguagens Percepção de relação de interdiscursividade Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático);

Organização das informações da sintaxe visual Integração das informações verbais e não-verbais; Organização da sintaxe visual

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CARAS. São Paulo: Abril, edição 719, n.33, ano 14, 17 de ago. 2007.

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ISTO É. São Paulo: Editora Três, n. 1878, p. 10-11, 12 out. 2005.

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Episódio 08 15/04/2010 Olívia — [...] se fosse uma revista que circulasse em outra classe mais intelectual, não estaria assim... desta forma... o texto. (Olívia fala segurando a revista aberta, mostrando a propaganda). Roberta — Ah! Então, isso que eu ia comentar...(inclina o corpo para frente se aproximando da Olívia e aponta para a propaganda). Rafaela — Talvez a imagem sim, mas o texto acho que não. (comenta balançando a cabeça, discordando). Roberta — Também o estilo do texto. Olha só as letras, são grandes, porque a marca é nova. Sol, ela é nova (direciona o dedo indicador para o tamanho das letras). Tudo para destacar, promover uma marca nova de cerveja (aponta para a imagem da cerveja). Se fosse a Skol, o texto poderia ser menor porque é uma marca conhecida. Agora se colasse a Sol e destacasse a imagem, o texto não-verbal não destacasse aqui com letras grandes... Aurora — Por isso que vem a cor para você não esquecer, a cor do sol, o símbolo do sol para você não esquecer, para ficar memorizado. Olívia — E outra coisa, a questão do público que está lendo... quem está lendo aqui esta interessado em que? Nas fofocas. Então que tipo de leitura que ele faz? Se colocar um texto pequinininho aqui, igual os outros, provavelmente a pessoa que vai folhear esse aqui não vai nem lê (folhea a revista como demonstração). (vozes inaudíveis e enquanto isso Roberta fica com a mão no queixo pensativa e de repente toma a palavra). Roberta — Mas se estivesse a Branca de neve aqui mesmo com letras pequenas. O Boticário, por exemplo, mesmo com a letra pequena, o público pararia para ler por causa da marca. (Vozes inaudíveis) Ana — Atenção! Aqui também, nós percebemos que é um texto machista: e a vantagem é que as vizinhas moram juntas com você (vozes) Nós fizemos a observação da sensualidade, quem bebe é saudável, a ideia de pessoas saudáveis, sensuais, a questão mesmo da sedução... (Enquanto a Ana falava, a Roberta folheava outra revista e de repente interrompe como se estivesse encontrado uma prova do que havia dito em antes sobre quando a questão da marca conhecida da cerveja Skol e comenta baixinho com a Olívia que está ao seu lado enquanto espera a Ana terminar de falar). Roberta — Olha a cerveja Skol aqui, isso daqui: desce redondo. Não precisa pôr mulheres, só a marca. (sorri com ar de satisfação por encontrar uma propaganda que comprovasse o que ela havia comentado sobre a relevância de uma marca conhecida).

Nesse episódio 08, podemos observar que as professoras se voltam aos

participantes e ao contexto de circulação e recepção do gênero. Observarmos ainda

a influência dos possíveis interlocutores na construção do estilo (substantivo próprio

— marca Sol e marca Skol) do gênero, pois conforme o interlocutor, o produtor do

discurso publicitário utilizará fontes maiores — no caso da Sol — ou fontes menores

– no caso da Skol, pois esta última já tem certo público de consumidores

conquistados no Brasil, enquanto a outra marca está em tentativa de fazer o referido

ato. Assim, notamos a mobilização conjunta duas capacidades: de ação e

linguístico-discursivas.

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Notamos que nesse episódio são mobilizadas capacidades de apreciação e

réplica, pois as professoras, no desencadear das discussões, ao buscarem

compreender o texto, recuperam o contexto de produção. Segundo Rojo (2004),

Para interpretar um texto discursivamente, é preciso situá-lo: Quem é seu autor? Que posição social ele ocupa? Que ideologias assume e coloca em circulação? Em que situação escreve? Em que veículo ou instituição? Com que finalidade? Quem ele julga que o lerá? Que lugar social e que ideologias ele supõe que este leitor intentado ocupa e assume? Como ele valora seus temas? Positivamente? Negativamente? Que grau de adesão ele intenta? Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível de adesão ao conteúdo literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã. Sem isso, o leitor não dialoga com o texto, mas fica subordinado a ele (ROJO, 2004, p. 05).

No transcorrer das interações, Roberta traz outra propaganda para

exemplificar sua fala em relação ao modo como o produto é apresentado se ele for

uma marca conhecida:

Roberta — Olha a cerveja Skol aqui, isso daqui: desce redondo. Não precisa pôr mulheres, só a marca. (sorri com ar de satisfação por encontrar uma propaganda que comprovasse o que ela havia comentado sobre a relevância de uma marca conhecida) [grifo nosso].

Nesse episódio, podemos perceber a autonomia da professora Roberta ao

expor suas idéias sobre o gênero em relação à sua esfera de circulação e recepção.

Para ela, como a cerveja Skol é uma marca conhecida, ela já tem seu interlocutor

assegurado. Diferente de uma marca nova como a Sol. Em vista disso, uma marca

sem muita expressão precisa usar de outro recurso, por exemplo, usar as letras em

fontes maiores para chamar a atenção do leitor, cores fortes, pois sua marca ainda

por si só não tem a mesma recepção que as marcas conhecidas já adquiriram em

seu contexto social.

Sendo assim, nesse processo interacional, notamos que os comentários

tecidos pelas outras professoras levaram a professora Roberta a tomar a iniciativa de

ilustrar o que ela havia falado de forma que ficasse claro para as demais colegas que

as escolhas verbais e não-verbais influenciam na circulação e recepção do gênero.

Notamos, ainda, nesse episódio 08, na fala da professora Ana a

mobilização da capacidade de apreciação e réplica no que tange à percepção de

relações interdiscursivas: ―Atenção! Aqui também, nós percebemos que é um

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texto machista: e a vantagem é que as vizinhas moram juntas com você

(vozes) Nós fizemos a observação da sensualidade, quem bebe é saudável, a

ideia de pessoas saudáveis, sensuais, a questão mesmo da sedução...‖. Fazer

essa leitura é colocar o texto ―em relação com outros textos já conhecidos, outros

textos que estão tramados a este texto, outros textos que poderão dele resultar

como réplicas ou respostas‖ (Rojo (2004, p. 05).

Quadro 13 - capacidades leitoras - episódio 08

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Roberta Ana

Capacidades de ação; Capacidades discursivas Capacidades linguístico-discursivas Capacidades discursivas

Recuperação do contexto de produção do texto; Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo); Percepção de relação de interdiscursividade (no nível temático)

Integração das informações verbais e não-verbais; Percepção do todo unificado de sentido que compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais Integração das informações verbais e não verbais

O episódio seguinte ocorre já nos últimos dias do curso. Para esse encontro,

selecionamos propagandas de um mesmo produto, mas que estavam impressas em

revistas diferentes.

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BOA FORMA. São Paulo: Abril, edição 210, n.12, ano 19, p. 6-7, dez. 2004.

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NOVA. São Paulo: Abril, edição 383, n. 8, ano 33, p. 52-53, ago. 2005.

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Episódio 09 22/04/09 Olívia — Nessa propaganda aqui, né, aparece a imagem de uma a mulher que tem uma cicatriz e aqui tem um depoimento dela, explicando, sensibilizando o porque dessa cicatriz... Já nessa outra aparece várias mulheres, todas as mulheres são normais... todas tem alguma coisa que vão querer esconder.... O texto fala assim: ―Uma curva envergonhada perde toda timidez... Roberta — Interessante quando essa propaganda passou na TV. Ah, eu o achei o máximo! Me senti bonita... Não comprei o produto porque estava sem dinheiro. Olívia — Então, por isso o efeito de sentido do texto, do não-verbal. Então, se eu comprar o produto de estar me sentindo igual a elas. Comparando... temos o mesmo texto. A gente percebe que são mulheres gordinhas, mas são mulheres bonitas, sem estrias sem celulite, a gente percebe... Sem celulite... Mesmo assim eu vou me sentir... Aurora — É Photoshop Olívia — Mesmo assim eu vou me identificar. P1 — Como elas aparecem aí? Tem a ver o não-verbal com o enunciado verbal? Faz surtir algum sentido? Olívia — sim. P1 — Há outros discursos?... Olívia — O texto fala timidez, aqui elas estão se expondo mesmo...elas não têm porque estar escondendo. Ofélia — Aqui tem um depoimento: ―por isso eu tive que ser operada, esse pequeno defeito, esse pequeno (ênfase da Josefa), me deram chances...‖ tá, um depoimento que ela faz ... P1— Nessa propaganda, ela está sozinha, expondo claramente sua cicatriz, na outra, elas aparecem dispostas em grupo, Aparece algum discurso que não esteja sendo dito ali?... Que você tenha que fazer inferências a outros discursos? Aurora — A apresentação delas parece que é pra tirar foto. Ta tirando foto... quando a gente vai tirar foto, o que é que a gente faz? Uma de perna levantada, que nem as adolescentes... P1— Mas se fossem mulheres magras, estariam elas assim? Roberta — Você acha que em relação... Olívia — Você acha o que então? (dirigindo a pergunta a P1). P1 — Eu não acho nada... (risos) Olívia — Você acha que elas estão assim pra esconder as gordurinhas? P2 — Faz a leitura do texto verbal pra gente, o texto verbal... Olívia — ―Uma curva envergonhada perde toda a vergonha‖..... Roberta — Olha a aparência delas. Elas usam Dove... elas estão se expondo... mas do Dove é pra despertar... P2 — Acho que tem até propagandas delas assim sozinhas, mas cheinhas sempre juntas, como é essa, por exemplo, olha o rosto dela... Roberta — Eu acho que a Dove jamais iria colocar uma mulher gordinha assim, eu acho. Olívia — A posição disfarça, né... Roberta: Apesar de eu ser gordinha. Eu sou bonita... P1 — As que aparecem mais curvadas, não são as que são menos gordinhas. Ísis — A ruivinha que está mais exposta... (...) Olívia — (...) Então, nós vimos, né que (comentaram aí as professoras..) só pode haver compreensão ativa é... se houver uma análise mais profunda, no contexto em que foi produzida essa propaganda, no caso aqui, nós sabemos que hoje em dia são valorizadas as mulheres magras, né firmes, bombadas... assim, né, saradas, (risos) valoriza. Então, a gente consegue fazer essa leitura. Por exemplo, essa propaganda aqui se tivesse sido veiculada alguns séculos atrás, onde quem era valorizada era a mulher cheinha, né gordinha, aquele quadro lá Renascentista que a gente vê, né. Então, quer dizer ninguém entenderia o porquê dessa propaganda, então ela só tem sentido se a gente conseguir

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analisar o contexto em que foi produzido. Por quê? Né. Por que tão querendo valorizar as cheinhas? Porque quem é valorizada normalmente são as magrinhas. Então é... só a partir desse momento em houver a compreensão... P1 — A pergunta que você fez foi respondida? Olívia — Não. Você não disse sua opinião.

Nesse episódio 09, temos mais um evento em que fica evidente uma

profunda mudança no processo de construção dos sentidos. A professora Olívia

consegue analisar as propagandas, com mais riqueza de informações, uma vez que

em sua fala, notamos que ela faz relação entre texto e imagem, faz relações

intertextuais, situando o momento sócio-histórico. No processo de análise, dialoga

consigo mesma, quando pergunta e responde ao mesmo tempo.

Podemos observar que Olívia foi construindo os sentidos do texto sozinha, em

um discurso interior, produzido em voz alta, como bem diz Bakhtin ([1970-1971]

1997, p.386 grifo do autor) Bakhtin: ―O sentido [...]se atualiza no contato com outro

sentido (o sentido do outro), mesmo que seja apenas no contato com uma

pergunta no discurso interior do compreendente”. (grifo nosso)

Embora tenha feito questionamento a P1, com intuito de obter uma possível

leitura da pesquisadora: ―Você acha o que então? (dirigindo a pergunta a P1)‖.

Como não obteve respostas, ela prossegue, relacionando a forma

composicional e o estilo para chegar ao conteúdo temático. Ressaltamos, aqui mais

uma vez, que nós, as pesquisadoras, nos contivemos em dar respostas prontas

porque queríamos ouvir as professaras e fazer com que elas ouvissem as colegas e

assim chegassem a reconstruir os sentidos no processo de interação. Não dávamos

respostas, mas instigávamos as professoras com perguntas, convocando-as a se

pronunciar, a responder de alguma forma, mesmo que com monossílabos.

Além dos elementos do gênero, Olívia nos apresenta a esfera de circulação e

produção, o que lhe ajuda a ressignificar os sentidos, em outras palavras, ela faz a

relação do contexto social imediato com o contexto mais amplo. É essa relação que

a possibilita avançar nos sentidos delimitando o conteúdo temático da propaganda

Dove, em outras palavras, ―o processo interpretativo do co-enunciador se dá na sua

capacidade de dialogar com o enunciado, por meio da sua inserção em um novo

universo pessoal‖ (GRILLO, 2008, p. 139).

A compreensão da leitura foi efetivada devido à relação (inter)discursiva

construída e fundamentada na prática e na relação da professora na linguagem,

ancorada na vivência historicamente contextualizada.

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Assim, destacamos que nessa cadeia comunicativa são colocadas em jogo

situações sócio-históricas de diferentes prismas. Primeiro, temos a situação mais

imediata, na qual os elementos que a compõem fazem parte do horizonte social

partilhado pelos co-enunciadores: o conhecimento, a compreensão e avaliação.

Depois, numa segunda ordem, temos o meio social mais amplo, caracterizado na

primeira instância pelas peculiaridades de cada esfera da produção ideológica, seja

a da ciência, literatura, propaganda, religião. Já na outra instância, o que a delimita é

o ―horizonte social‖. Brait (apud GRILLO, 2008, p. 138) pondera que ―nesse

contexto mais amplo, a participação do interdiscurso que, apesar de nem sempre

explícito, faz parte da produção dos sentidos‖.

Dessa forma, a professora Olívia vai construindo e reconstruindo os sentidos

dos textos a partir de elementos que não se encontram explícitos nos textos, mas,

sobretudo, a partir dos discursos produzidos em contextos sócio-históricos

anteriores que possibilitam sua compreensão e avaliação, uma vez que a Olívia

busca compreender a propaganda impressa a partir de sua visão de mundo já

constituída, de sua posição. Posição esta que, de certa forma, determina sua

avaliação em relação à leitura que faz da propaganda impressa, uma vez que, como

bem afirma Bakhtin ([1970-1971] 2003, p.378) é ―impossível uma compreensão sem

avaliação‖, pois elas são interligadas, constituindo-se únicas.

Quadro 14 – capacidades leitoras - episódio 09

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Olívia

Capacidades de ação; Capacidades discursivas; Capacidades linguístico- discursivas

Recuperação do contexto de produção do texto; Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático); Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo)

Percepção do todo unificado de sentido que compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais

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Episódio 10 18/04/2010

Fomos levadas, no decorrer das aulas do curso, a selecionar outras

propagandas para atender às reais necessidades do momento, uma vez que os

objetivos das aulas são sempre retraçados, quando se pretende observar as

necessidades de aprendizagem e as possibilidades de ensino, de acordo com

Vigotski (1934).

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GOL. São Paulo: TRIP Editora, n.80, p.119, nov. 2008.

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VEJA. São Paulo: Abril Cultural, edição 2038, n. 49, ano 40, p.167, 12 dez. 2007.

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Episódio 10 18/04/09 Aurora — São duas revistas, uma Veja e a outra é Gol. A Veja é de dezembro de 2007 e custa nada mais, nada menos que oito e quarenta. Anne — Enquanto esta é grátis. Olívia — E o que você paga na passagem? Aurora — Propagandas diferentes. Nesta propaganda, aqui, aparece uma família feliz. Éééé... (faz gestos de torcida), sorridente. Por quê? Porque a mulher pode poupar... Já essa daqui circula em ambiente totalmente diferente, ela circula em aviões da Gol. O estilo delas é para pessoas que já têm dinheiro. E essa é para gente que tem pouco dinheiro. Esta é para pessoas que já têm dinheiro e faz negócios no exterior, é para pessoas que querem fazer transferência de dinheiro de um Banco do Brasil para outro. Já pode ir mais fundo, né? Esta propaganda aqui é para o empresário que tem dinheiro dar a volta no mundo, então essa não vai chamar atenção dele, mostra a família. Agora, como esta é para quem já é empresário, chama a atenção pela figura. Chama a atenção dos empresários. Não teria o mesmo efeito se circulasse em uma revista de moda, por exemplo (...). Nem aparece o nome do banco porque já é conhecido nacionalmente. Quem é que não conhece esse símbolo aqui... P1 — Vou fazer uma pergunta, mas não responde agora. Pense e responda na outra aula. Por que será que nessa revista da Gol o amarelo é mais intenso e ele ocupa toda página e na outra não? (risos) Não responda isso agora.

Diferente dos episódios anteriores, este episódio 09 demonstra a professora

Aurora, recorrendo a outras estratégias em relação à leitura de textos multimodais,

em especial, no que se refere à mobilização da capacidade de organizar informação

a partir da sintaxe visual:

Aurora — Propagandas diferentes. Nesta propaganda, aqui, aparece uma família feliz. Éééé ... (faz gestos de torcida), sorridente. Por quê? Porque a mulher pode poupar... Já essa daqui circula em ambiente totalmente diferente, ela circula em aviões da Gol. O estilo delas é para pessoas que já têm dinheiro. E essa é para gente que tem pouco dinheiro. Esta é pra pessoas que já têm dinheiro e faz negócios no exterior, é para pessoas que querem fazer transferência de dinheiro de um Banco do Brasil para outro. Já pode ir mais fundo, né? Esta propaganda aqui é para o empresário que tem dinheiro dar a volta no mundo, então essa não vai chamar atenção dele, mostra a família. Agora, como esta é para quem já é empresário, chama a atenção pela figura. Chama a atenção dos empresários. Não teria o mesmo efeito se circulasse em uma revista de moda, por exemplo (...). Nem aparece o nome do banco porque já é conhecido nacionalmente. Quem é que não conhece esse símbolo aqui ....

P1, ao notar que a professora não comenta a respeito das cores, faz uma

pergunta e sugere que analise a respeito da intensidade da cor amarela que

aparece de forma diferenciada em cada uma das propagandas. Como já estava no

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final da aula daquele dia, P1 sugere que respondesse depois no próximo encontro

do curso.

Quadro 15 – capacidades leitoras - episódio 10

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Aurora Capacidades de ação

Percepção de outras linguagens

Organização da sintaxe visual

Episódio 11 22/04/09 Aurora — (...) Então, o objetivo dela é vender a imagem o produto se não for assim... Para que o contexto social? Tem que está de acordo com contexto social... Os dois têm que estar interligados... Quando a gente faz assim (e faz gestos com os dedos cruzados simulando torcida) e se tiver só a figura?... a partir do momento que eu coloco o verbal e leio passa a ter sentido... aí sim passa a ter sentido a figura. Então, o verbal está sempre relacionado com o ... nós sabemos que tem algo haver com o dinheiro, mas não sabemos do que se trata. Aí passa a ter sentido para gente... o que é que vai produzir essa segurança para você? Para responder a pergunta da aula passada... Nós pensamos nesse sentido: o amarelo ouro lembra-nos grana... Então, fica muito mais chamativo um amarelo forte... o amarelo...as cores do banco, como se trata de investimento... E também a questão do interlocutor: o povo brasileiro, a questão da família... a família Moreira... você faz poupança do seu filho, do seu pai, para você... A questão do investimento. Nós pensamos dessa forma... Ela só pode ser compreendida se tudo isso, todo esse trabalho...então, aí vai ter sentido.. A questão do contexto. Tudo está relacionado.

Voltar à atenção para as outras linguagens quando não se tem prática, não é

algo fácil, mas requer prática constante. Por essa razão, consideramos pertinente

expor que, nesse momento, Aurora apresenta outro nível de aprendizado, expõe,

sem hesitar, acerca da cor amarela, tão presente nas propagandas, embora seja da

mesma instituição, apresenta tonalidades diferentes.

Observamos que Aurora consegue perceber a pertinência da imagem, das

cores, em relação ao enunciado verbal. O que não acontece em outros momentos,

como, por exemplo, no episódio 01, descrito anteriormente. Aqui, no episódio 11, ela

toma a palavra, demonstrando segurança ao expor sua leitura, pois já sabe que os

elementos se interrelacionam para ressignificar no todo do enunciado:

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Então, o objetivo dela é vender a imagem o produto se não for assim... Para que o contexto social? Tem que estar de acordo com contexto social... Os dois têm que estar interligado... Quando a gente faz assim (e faz gestos com os dedos cruzados simulando torcida) e se tiver só a figura... a partir do momento que eu coloco o verbal e leio passa a ter sentido... aí sim passa a ter sentido a figura (grifo nosso).

Assim, percebemos que a professora Aurora, ao conjugar as informações do

enunciado verbal com as do enunciado não-verbal, ela ressignifica os sentidos dos

textos, pois conforme Paes de Barros (2005):

as especificidades dos textos que aliam a materialidade verbal à pictográfica exigem que o leitor recorra não somente às estratégias de compreensão e apreciação, mas também a estratégias particulares de observação multimodal que levam o leitor a selecionar e verificar as informações verbais e organizar as informações da sintaxe visual. Estas últimas proporcionam a integração dos materiais verbais e pictográficos que, por sua vez, ocasiona a percepção do todo unificado de sentido que se compõe através da integração dos materiais verbais e visuais (PAES DE BARROS, 2005, p. 85).

Ao discorrer sobre a compreensão das propagandas do Banco do Brasil,

Aurora reporta ao questionamento feito pela pesquisadora 01 e tenta responder

buscando relacionar a linguagem verbal com a não-verbal para ressignificar sua

compreensão:

Para responder a pergunta da aula passada... Nós pensamos nesse sentido: o amarelo ouro lembra-nos grana... Então, fica muito mais chamativo um amarelo forte... o amarelo...as cores do banco, como se trata de investimento... e também a questão do interlocutor: o povo brasileiro, a questão da família... a família Moreira... você faz poupança do seu filho , do seu pai, para você... A questão do investimento.

Notamos que o aprendizado requer etapas, pois Aurora deixa isso evidente

quando percorremos sua trajetória no avanço do aprendizado em relação à leitura

do texto multimodal.

Depois de várias interações no processo da leitura, Aurora desenvolve a

capacidade de observar a presença de outras linguagens presentes em um gênero

multimodal, como é o caso da propaganda impressa, passando a atentar para

aspectos não-verbais, tais como a cor, as imagens ―como elementos constitutivos

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dos sentidos dos textos e não somente da linguagem verbal escrita‖ (ROJO, 2005,

p.06).

Em Bakhtin (1970), também encontramos:

Formulamos a uma cultura alheia novas perguntas que ela mesma não se formulava. Buscamos nela uma resposta a perguntas nossas, e a cultura alheia nos responde, revelando-nos seus aspectos novos, suas profundidades novas de sentido. Se não formulamos nossas próprias perguntas, não participamos de uma compreensão ativa de tudo quanto é outro e alheio (BAKHTIN, [1970] 1997, p. 368).

Evidenciamos em alguns episódios a busca pela compreensão através da

indagação, com intento de obter respostas ou com intuito de percorrer o texto na

busca delas. Essas considerações puderam ser vistas no momento em que a

Aurora, no episódio 01, diz: ―Por que o vermelho?‖ mobilizando a mesma

capacidade anterior.

Decorridos alguns encontros, no episódio 10, Aurora faz a pergunta e procura

respondê-la, agora com segurança, pois já nesse instante, percebe a pertinência de

correlacionar os elementos do texto na busca da ressignificação dos sentidos:

Para que o contexto social? Tem que estar de acordo com contexto social... Os dois têm que estar interligado... Quando a gente faz assim (e faz gestos com os dedos cruzados simulando torcida) e se tiver só a figura?... a partir do momento que eu coloco o verbal e leio

passa a ter sentido... aí sim passa a ter sentido a figura.

Nessa sequência de episódios, Aurora, a todo o momento, procurou

reconstruir os sentidos e isso só foi possível com a interação com as professoras,

com as pesquisadoras e com ela mesma, formulando perguntas no seu discurso

interior. O que ocorre com a Aurora também procede com a Olívia, percebemos que

isso se dá em alguns encontros também.

Vejamos trechos do episódio 01 em que isso fica evidente: ―Uma mulher

bonita... ta sendo destacada tanto a mulher bonita como o fundo negro e, como essa

mulher se encontra aqui?‖. Observemos, agora, no episódio 09: ―ela quer esconder

as gordurinhas?‖; ―ela só tem sentido se a gente conseguir analisar o contexto em

que foi produzido. Por quê? Né.... Porque que tão querendo valorizar as cheinhas,

porque quem é valorizada normalmente são as magrinhas.‖

Assim, percebemos que as professoras Aurora e Olívia, que lançam mão de

perguntas endereçadas a si mesmas, constroem, de algum modo, os sentidos dos

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textos. Nesse sentido, conseguem fazer isso nas interações com seus interiores (o

outro). À medida que se processa essa relação de interação, elas são levadas a

―participar de uma compreensão ativa‖ Bakhtin ([1970] 1997). Segundo o pensador

russo, o enunciado nasce em resposta a outro enunciado e pressupõe uma nova

resposta. ―O falante termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar

lugar à sua compreensão ativamente responsiva‖, afirma Bakhtin ([1952-1953/1979]

2003, p. 275).

Dessa maneira, concordamos, mais uma vez, com Bakhtin ([1970] 1997,

p.368): ―Interrogamos a nós mesmos, e nós, de certa maneira, organizamos nossa

observação ou nossas experiências a fim de obtermos uma resposta‖. A nosso ver,

as professoras estavam sempre formulando e reformulando perguntas, buscando,

de certa forma, reorganizar seus discursos possibilitando lhes novas significações à

medida que a compreensão se desenvolvia numa luta conflitante que Bakhtin

([1970-1971]2003, p.380) chama de ―tensa luta dialógica‖.

Concernente às capacidades de leitura, observamos, no decorrer do processo

de ensino-aprendizagem de leitura, que a professora Aurora passou a mobilizar

capacidades leitoras de observação de texto multimodal. Pudemos observar a

professora mobilizando capacidades de leitura de textos multimodais, de acordo com

Paes de Barros (2005, 2009). Notamos que Aurora, de certa forma, organiza a

observação do conjunto a partir da integração da materialidade pictográfica com o

enunciado verbal, de modo que a interação com seu interior despertasse a

apreciação, como réplica ativa (BAKHTIN, [1970-1971] 1997).

No decorrer do curso, pudemos notar como o conhecimento sobre o gênero

foi favorecendo novas possibilidades de leitura, encaminhando para novas formas

de reflexão que iam se configurando no ato de compreender.

A princípio, observamos que as professoras, ao lerem as propagandas

impressas, se limitavam em fazer a descrição, sem atribuir sentidos a materialidade

verbal aliada a outros elementos pictográficos, como por exemplo, as cores, a

imagens, o formatos das letras.

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Quadro 16 - capacidades leitoras - episódio 11

Sujeito Categorias/capacidades leitoras mobilizadas pelas professoras

Professora Capacidades de linguagem

Capacidades de apreciação e réplica

Capacidades de observação de textos multimodais

Aurora Capacidades de ação Capacidades discursivas

Percepção de outras linguagens

Organização da sintaxe visual; Integração da s informações verbais e não verbais; Percepção do todo unificado de sentido que se compõe através da integração dos materiais verbais e não-verbais

Assim, refletindo acerca dos dados das capacidades leitoras mobilizadas,

percebemos que as professoras puderam desenvolver, durante o curso, outras

capacidades no processo de ensino-aprendizagem, reconstruindo os sentidos dos

textos multimodais por meio, sobretudo, das interações.

Desse modo, retomamos nossa primeira pergunta:

1. Que capacidades de leitura são mobilizadas pelas professoras

durante a reconstrução dos sentidos?

Verificamos, no decorrer da análise dos dados, que as professoras puderam

mobilizar inúmeras capacidades de linguagem que estão associadas às capacidades

de apreciação e réplica, segundo Rojo (2004) e também as capacidades de

observação de textos multimodais de acordo com Paes de Barros (2005).

Dessa forma, para melhor visualizarmos essas capacidades leitoras que são

desenvolvidas no processo de ensino-aprendizagem da leitura, esquematizamos, de

maneira sintética, em um quadro que apresentamos a seguir:

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Quadro 17: Gêneros, capacidades de linguagem e capacidades leitoras

Esfera Condições concretas e gênero

As capacidades de linguagem

As capacidades leitoras (apreciação e

réplica)

Capacidades leitoras mobilizadas no

processo de observação multimodal

Condições concretas nas esferas; Interlocutores; Finalidades; Conteúdo (assunto).

Capacidades de ação

Recuperação do contexto de produção do texto; Definição de finalidades e metas da atividade de leitura; Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático);

Percepção do todo unificado de sentido que compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais.

Definição do gênero Capacidades de ação

Recuperação do contexto de produção do texto; Definição de finalidades e metas da atividade de leitura; Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático).

Seleção e verificação das informações verbais; Integração das informações verbais e não-verbais.

Conteúdo temático Capacidades discursivas

Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo); Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas.

Percepção do todo unificado de sentido que compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais

Forma composicional

Capacidades discursivas

Percepção de outras linguagens

Organização da sintaxe visual

Estilo do gênero Capacidades linguístico-discursivas

Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo).

Integração das informações verbais e não-verbais

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Assim, como podemos observar no quadro acima e no decorrer da análise,

durante o processo de leitura das professoras que ocorreu em um espaço de

interação, foi possível construir e reconstruir os sentidos a partir do trabalho com um

gênero específico (a propaganda impressa). Considerando esse gênero como

megainstrumento de ensino-aprendizagem de leitura, foi possível, a partir de sua

esfera de produção, circulação e recepção, bem como a definição do gênero e sua

tríade, desenvolver as capacidades de linguagem — ação, discursiva e linguístico-

discursiva — favorecendo a mobilização das capacidades de leitura, não apenas a

de apreciação e réplica, como também as de observação de texto multimodal.

Desse modo, acreditamos que o ensino-aprendizagem da leitura através das

esferas e das condições concretas do gênero proporcionou a ampliação das

capacidades de leitura das professoras que no decorrer do processo de ensino-

aprendizagem passaram a ter uma dimensão maior acerca de suas construções de

sentido no ato de ler.

5.3 Interação: construção de sentidos

Notamos que, nos episódios anteriores, as professoras atribuem sentidos aos

textos de modo coletivo. Perguntas e respostas surgiam e davam início a várias

outras e, assim os sentidos iam sendo construídos. O ponto de partida para o

aprendizado foi a observação da materialidade dos textos, para então, a partir das

interações com as colegas e com as pesquisadoras, irem se constituindo como

sujeitos de seu aprendizado.

Para melhor observarmos a interação e o aprendizado, retomamos nossa

segunda pergunta de pesquisa:

2- As interações entre as professoras favoreceram a construção dos

sentidos? De que forma?

Em todo o curso, desde seu planejamento, pautamo-nos em Vigostski (1930)

quando afirma que o aprendizado estimula inúmeros ―processos internos de

desenvolvimento‖, que são aptos a atuar apenas no momento em que o aprendiz

interage ―com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus

companheiros‖ (VIGOTSKI, 1930, p.117-118). Segundo o autor, o homem constitui-

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se como tal através de suas interações sociais, portanto, é visto como alguém que

transforma e é transformado nas relações sociais.

Para ilustrarmos o que vimos discorrendo, vamos nos reportar a alguns

episódios anteriores.

No episódio 02, ocorrido em um dos primeiros encontros do curso, P1 convida

a Ofélia a participar também, nesse instante, a Aurora — reforça a fala da

pesquisadora dizendo em voz alta.

Aurora— Vamos criar coragem, vamos falar! (fala em voz alta e direciona o olhar para Ofélia) Ofélia — Aqui quando fala sol, aqui o amarelo para fazer uma comparação (fala toda acanhada) assim... do produto em si com o sol, o calor, ou seja, você tem que consumir (fala baixinho, sua voz fica inaudível)

Nesse trecho, podemos observar que Ofélia, mesmo sem estar muito à

vontade, toma a palavra e descreve o que vê na propaganda, mesmo acanhada e

falando baixinho, com uma voz quase imperceptível. Ressaltamos que Ofélia,

durante todo o decorrer do curso, sentou-se ao lado da Aurora, pois era perto dela

que se sentia segura para falar, pois buscava o olhar de aprovação da colega nos

momentos em que tomava a palavra. E, Aurora, por sua vez, sempre lhe

incentivando para participar, ora com o olhar, ora balançado a cabeça positivamente.

No episódio 07, percebemos que Ofélia, após iniciar sua fala, busca sempre o

olhar de aprovação da Aurora, pois é nela que encontra segurança para continuar

seu comentário. Esse fato demonstra que a interação se constitui nas relações

dialógicas, ou seja, a construção de sentidos se configura a partir dos discursos de

outras pessoas.

Quando P1 pergunta: ―Alguém mais quer comentar? Vocês? Algum

comentário que gostariam de acrescentar?‖, Ofélia se coloca como alguém que

sempre fala deixando a desejar, ―Algo mais que vocês encontraram que a Ofélia não

falou? (risos)‖. Contudo, no transcorrer do processo de interação, Ofélia retoma a

palavra, pois nota que, com a fala da professora Ana, ela poderia comentar mais

sobre o assunto, pois era algo que lhe era familiar.

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Ana — Nós percebemos também aí no fundo esse vermelho do lado direito e lado esquerdo nos leva a ideia dos outros órgãos: Federais, Estaduais e também veem as figuras. O que achamos interessante também é a foto da Unimed. Está medindo a barrriga, né? Nós hipertensos... (mostra a sua barriga), eu preciso acabar com isso... O potinho de sal, né? A rejeição... Ofélia — Em se tratando disso (fala em voz alta). Outro dia minha mãe me aparece gorda e fiquei até assustada (faz expressão facial de assustada). Mãe, pelo amor de Deus! Ame, ame muito você, vá fazer atividade física (fala de modo enfático). É que minha mãe tem problema de pressão... No outro dia, ela chega e diz: ―estou me sentindo meio mal. Comi coisa frita‖. Eu falei: quem fez a comida? ―Eu‖. A senhora sabia que não pode? ―Sabia‖. Eu não acredito...

Nesse momento, pode-se observar que ela pode ouvir o outro e aprender

com o outro. Sua voz cresce, torna-se audível e adquire segurança, pois fala com

autonomia.

No desencadear dos episódios que expusemos, as professoras puderam

entrar em contato com as propagandas impressas acerca da sua relevância no

contexto social, sua circulação e recepção, seus efeitos de sentido. Puderam

observar e compreender as peculiaridades do referido gênero. Assim, nos encontros

iniciais do curso, as professoras observaram as especificidades das propagandas

presentes em cada revista, a princípio, elas se prendiam à estrutura composicional.

Com o decorrer do curso, passaram a observar outros aspectos concernentes ao

conteúdo temático e, a partir disso, notaram o estilo peculiar de cada propaganda e

passam a desencadear a tessitura da compreensão discutindo o tema presente em

cada uma.

Em todas as instâncias, a compreensão foi se constituindo no grupo. Por um

lado, conduzidas pelo fio discursivo favorecido pelo debate; por outro lado, pelas

perguntas das pesquisadoras.

No episódio 06, as professoras Úrsula e Arlene embasam seus construtos a

partir da interação permitida entre elas. O que é exposto por cada uma das

professoras contribui para a reconstrução do sentido. Nesse episódio. Úrsula

comenta acerca da imagem da mulher com a pele saudável: ―Geralmente o

chocolate causa espinha no rosto, eles colocam uma mulher sem espinha no rosto‖.

A partir dessa fala, a professora Arlene toma a palavra, buscando reconstruir o

sentido da fotografia apresentada na propaganda do chocolate Talento e diz: ―Quero

ver quem que vai comprar esse produto se essa mulher estivesse com um rosto

cheio de espinha.‖ Desse modo, percebemos que as professoras avançavam no

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aprendizado da leitura à medida que lhes iam sendo permitido construir seus

conhecimentos alicerçados em seus saberes anteriores.

Ressaltamos que essas professoras, Úrsula e Arlene, raramente tomavam a

palavra no início dos encontros do curso, no entanto, no decorrer dos encontros,

percebemos que elas se sentiam mais a vontade para participar, devido à interação

que era estabelecida no coletivo. Acreditamos, pois, que elas passaram a dar mais

importância a fala das colegas e assim ter a oportunidade de comentar a partir do

posicionamento avaliativo do outro. Isso, no transcorrer do curso, se tornou

recorrente e muito significativo para a construção dos sentidos dos textos

multimodais.

Em relação ao que acabamos de comentar, há outro episódio, dentre vários,

que não podemos deixar de relacioná-lo com a importância da interação na

construção dos sentidos. Trata-se do episódio 08, vejamos o trecho em isso se

evidencia:

P1 — Como elas aparecem aí? Tem a ver o não-verbal com o enunciado verbal? Faz surtir algum sentido? Olívia — sim. P1 — Há outros discursos?... Olívia — O texto fala timidez, aqui elas estão se expondo mesmo...elas não têm porque estar escondendo. Ofélia — Aqui tem um depoimento: ―por isso eu tive que ser operada, esse pequeno defeito, esse pequeno (ênfase da Josefa), me deram chances...‖ tá, um depoimento que ela faz ... P1— Nessa propaganda, ela está sozinha, expondo claramente sua cicatriz, na outra, elas aparecem dispostas em grupo, Aparece algum discurso que não esteja sendo dito ali?... Que você tenha que fazer inferências a outros discursos? Aurora — A apresentação delas parece que é pra tirar foto. Ta tirando foto... quando a gente vai tirar foto, o que é que a gente faz? Uma de perna levantada, que nem as adolescentes... P1— Mas se fossem mulheres magras, estariam elas assim? Roberta — Você acha que em relação... Olívia — Você acha o que então? (dirigindo a pergunta a P1). P1 — Eu não acho nada... (risos) Olívia — Você acha que elas estão assim pra esconder as gordurinhas?

Nesse trecho do episódio 08, P1 lança mão de perguntas para conduzir o fio

discursivo que é instaurado na leitura de duas propagandas referentes ao produto da

marca Dove. A primeira pergunta diz respeito à presença dos aspectos pictográficos

em relação ao enunciado verbal: ―Como elas aparecem aí? Tem a ver o não-verbal

com o enunciado verbal? Faz surtir algum sentido?‖ Mais adiante, P1 faz outro

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questionamento, desta vez, chama a atenção dos olhares das professoras para o

número de mulheres em ambas as propagandas e indaga sobre os possíveis

discursos: ―Nessa propaganda, ela está sozinha, expondo claramente sua cicatriz,

na outra, elas aparecem dispostas em grupo, Aparece algum discurso que não

esteja sendo dito ali?... Que você tenha que fazer inferências a outros discursos?‖. A

terceira pergunta feita pela P1 diz respeito ao biotipo de mulheres apresentado em

uma das propagandas: ―Mas se fossem mulheres magras, estariam elas assim?‖.

As perguntas convocam as professoras a observarem mais detidamente os

detalhes em relação aos elementos não-verbais e assim relacioná-los com os

enunciados verbais, com o intuito de buscar respostas ou outras perguntas na

interação que se configurava no episódio 08.

No vai e vem de perguntas e busca de respostas, a professora Olívia

pergunta sobre o posicionamento da P1 sobre uma das perguntas: ―Você acha o que

então?‖ Nesse momento a única resposta que podíamos dar era: ―Eu não acho

nada...‖. Nesse momento de construção dos sentidos, queremos destacar, mais uma

vez, o quanto foi difícil para nós, pesquisadoras, não dar as respostas de imediato,

já que queríamos que as professoras caminhassem na construção dos sentidos

interagindo com o outro, aprendendo com o outro, que não esperassem a resposta

daqueles que consideravam os detentores do conhecimento, como elas achavam

que desempenhávamos, por estar numa posição hierárquica definida: nós como

professores e elas como alunas.

Afinal, estávamos aprendendo também, nossa intenção era de pôr em prática

a teoria de Vigotski sobre o ensino-aprendizagem, tendo como ponto importante a

constituição do sujeito na aprendizagem, a partir da ZPD. Sabemos que o professor

também atua como par mais avançado, no entanto, devido à prática tradicional, do

professor como voz de autoridade em sala de aula, procuramos nos policiar para

não somente observarmos nossa prática como docentes, mas, sobretudo, para

apontar um caminho distinto desse para as professoras envolvidas no curso.

A nosso ver, a interação não parte de sentidos pré-estabelecidos, ou já dados

de antemão, mas nasce e se reelabora na própria dinâmica da cadeia comunicativa

e de sua relação dialógica. Para nós pesquisadoras, a interação foi se configurando

num projeto comunicativo de perguntas e respostas, de palavras e contrapalavras,

de concordâncias e discordâncias, em suma, numa tensa luta dialógica.

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Nosso objetivo nesse processo era que as professoras observassem a fala

das colegas e a partir dos nossos questionamentos, buscassem alicerçar suas

respostas no encontro com as repostas do outro, na fala das colegas. A prática

tradicional, presente também nas pesquisadoras que atuavam como docentes no

curso, contribuiu para que tivéssemos que nos segurar para não dar respostas

imediatamente às indagações que nos eram feitas.

Acreditamos que, apesar de toda essa angústia, foi possível desenvolver um

trabalho em que as professoras puderam se constituir como sujeitos na construção

de seu conhecimento no momento de interação. Assim, no episódio 08, em questão,

pudemos perceber que nesse projeto discursivo que se instaurou entre perguntas e

respostas, a professora Olívia teve, de alguma forma, avanço na aprendizagem da

leitura. Embora ela quisesse as respostas diretas às perguntas, ela mesma pode,

como pudemos observar, reconstruir os sentidos dos textos multimodais. Assim, nas

palavras de Paes de Barros (2005, p. 84), ela desenvolveu a capacidade de:

Percepção do todo unificado de sentido que se compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais – trata-se da ativação de diversas capacidades de leitura aliadas à organização e observação das informações, através das quais o leitor constrói um todo de significação (PAES DE BARROS, p. 84).

Pensamos que a interação entre as professoras e as pesquisadoras foi

imprescindível para que a Olívia chegasse a reconstruir os sentidos a partir da

observação de textos multimodais.

Consideramos o contato com o discurso do outro — par mais avançado — foi

fundamental para a construção dos sentidos: ora professoras, ora as pesquisadoras

teciam comentários que conduziam os olhares da outras e assim ia se delineando a

compreensão conjunta dos sentidos dos textos. Desse modo, o conhecimento foi

sendo construído e ampliado em grupo. As professoras foram, no decorrer do

aprendizado, construindo sentidos nas interações com os outros.

Dessa maneira, ressaltamos a importância da ZPD, pois a criação do espaço

na forma de coral discursivo permitiu a interação que possibilitou às professoras se

constituírem como sujeito de seu aprendizado, transformando a si mesma, como por

exemplo, o que ocorreu com as professoras que sinalizamos os exemplos acima.

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No que concerne ao assunto desta seção, pensamos ser pertinente destacar

a fala de uma das professoras que participaram do curso:

Episódio 12 29 /04 /2009 Ísis — A maneira como elas conduziam (olha para as pesquisadoras)... sempre foi colocado pra nós os questionamentos, né. Nada veio pronto. A discussão aconteceu aqui, a produção do conhecimento, dos sentidos, nós que conseguimos com a ajuda dela (aponta para a colega ao lado), com a ajuda delas (aponta para as pesquisadoras), então houve essa interação. Acho que é isso que é importante lá na sala de aula também. Instigar o aluno pra isso, fazer com que ele chegue a esse conhecimento. Então a maneira como vocês conduziram pra mim foi muito válido. (grifo nosso).

Esse episódio ocorreu no último dia do curso, em que tivemos a oportunidade

de expor quais as capacidades leitoras que podem ser desenvolvidas durante a

leitura e solicitar às professoras que fizessem uma avaliação do curso. Notamos no

comentário da professora Ísis, o resumo do havíamos proposto para o processo de

ensino-aprendizagem de leitura em que foi possível, de certo modo, instaurar o

espaço de interação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destacamos, a priori, algumas discussões a respeito das análises dos dados

selecionados, relacionando-os com o aporte teórico-metodológico que apresentamos

nos capítulos iniciais. Mais adiante, focaremos algumas reflexões acerca do ensino-

aprendizagem de leitura em que o gênero discursivo é tomado como objeto de

ensino para o desenvolvimento das capacidades de linguagem, em especial as de

leitura. Por último, discorreremos acerca das interações como base fundamental

para os construtos dos sentidos.

Ressaltamos que este trabalho embasou-se, sobretudo, no aporte teórico-

metodológico de Bakhtin (1929, 1952-1953/1979, 1970-1971), e de Vigotski (1930,

1934, 1935), além de suas releituras no exterior e no Brasil, aplicadas ao ensino-

aprendizagem de línguas: Schneuwly (1997, 2004), Dolz & Schneuwly (2004), Rojo

(2004, 2009), Barros-Mendes (2005), Padilha (2005) Paes de Barros (2005, 2008,

2009) entre outros.

Acreditamos, igualmente, que a nossa participação no grupo de pesquisa

REBAK9 foi fundamental para a construção deste trabalho. As orientações que

recebemos no decorrer desta pesquisa nos possibilitaram relacionar teoria e prática,

além da reflexão da nossa prática em sala de aula e da formação do professor leitor.

Apesar de já haver trabalhos que tomem os gêneros discursivos como objetos

de ensino, julgamos ser importante desenvolver um trabalho nessa abordagem

voltado para o ensino-aprendizagem de leitura, pois, em nosso país, ainda é preciso

discutir questões que envolvam outras práticas leitoras em sala de aula e, em

especial, as práticas de leituras com textos multimodais.

Por esse motivo, nosso trabalho objetiva se inserir nesse contexto , uma vez

que não há muitas pesquisas que explorem as práticas leitoras com gêneros

multimodais, principalmente com o gênero propaganda impressa. Por essas razões,

nosso trabalho dialoga constantemente com a tese de doutoramento da

pesquisadora Paes de Barros (2005). Em nosso entendimento, trata-se de uma das

9 REBAK- Relendo Bakhtin, grupo de estudo que está integrado ao Projeto de Pesquisa orientado

pela Prof.ª Dra. Simone de Jesus Padilha e tem como foco de estudo a teoria de Bakhtin e seu Círculo (1929, 1952-1953/1979, 1970-71, entre outras obras) e a divulgação de trabalhos realizados acerca da teoria bakhtiniana.

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primeiras teses a tratar das capacidades de textos multimodais para a compreensão

leitora.

Além disso, a divulgação dos resultados das principais avaliações, como

SAEB, Provinha Brasil, Prova Brasil e ENEM que têm como objetivo avaliar as

capacidades de leitura dos alunos do Ensino Básico, conforme comentamos na

introdução deste trabalho, evidencia a importância do desenvolvimento de pesquisas

que discutam a formação de leitores em todos os níveis.

Em vista disso, pensamos no ensino-aprendizagem de leitura de língua

materna apoiada no desenvolvimento de capacidades de linguagem, mobilizadas

pelo gênero propaganda impressa. Ao final deste trabalho, ressaltamos a

importância de considerar o gênero como megainstrumento para o ensino-

aprendizagem de leitura. Em nosso trabalho, procuramos empregar a propaganda

impressa, gênero multimodal, como ferramenta usada pelas pesquisadoras e pelas

professoras — sujeitos de pesquisa — para o desenvolvimento das capacidades

leitoras fundamentais à compreensão da leitura como apreciação e réplica.

Esta pesquisa não esgota o assunto abordado. Ao contrário, encaminha

pontos que podem ser investigados, principalmente por ainda não haver muitas

publicações acerca do desenvolvimento das capacidades leitoras do professor em

que o objeto de ensino seja o gênero discursivo.

Para desenvolver o curso, organizamos um planejamento de ensino-

aprendizagem de leitura a partir de uma perspectiva enunciativa bakhtiniana,

tomando a propaganda impressa em revista como objeto de ensino. O planejamento

foi aplicado no curso que ministramos às professoras do Ensino Fundamental da

rede de ensino do município de Várzea Grande/MT.

Assim, no decorrer deste trabalho, objetivamos responder aos

questionamentos:

3. Que capacidades de leitura são mobilizadas pelas professoras

durante a reconstrução dos sentidos?

4. As interações entre as professoras favoreceram a construção dos

sentidos? De que forma?

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Em relação à primeira pergunta:

1. Que capacidades de leitura são mobilizadas pelos professores

durante a reconstrução dos sentidos?

Optamos por trabalhar o ensino-aprendizado da leitura utilizando a

propaganda impressa como objeto de ensino, tivemos como intento, não só

desenvolver um trabalho com um gênero discursivo de circulação social, mas

também possibilitar as professoras a reflexão acerca das diferentes linguagens que

configuram o texto multimodal.

Para que esse objetivo se efetivasse, delineamos um trajeto didático que

trabalhasse com diferentes capacidades de linguagem que possibilitariam um

processo de ensino por meio do qual fosse permitido às professoras,

paulatinamente, o desvelar as capacidades leitoras no processo de construção dos

sentidos da propaganda impressa.

Nos primeiros encontros do curso, as professoras se limitavam a descrever a

propaganda, ora focando somente as imagens, ora o apenas o verbal. Naquele

momento, não percebiam que, ao abordarmos o conteúdo temático, os aspectos

ligados à forma composicional aliados ao verbal desvelavam o todo da significação.

As professoras iniciavam a leitura observando a materialidade dos textos —

recorrendo, principalmente, à localização de informações e, somente na interação

com os pares, na leitura conjunta, iam atribuindo sentidos ao que era lido. As

professoras, sujeitos da pesquisa, inicialmente, focalizavam suas leituras nos

elementos pictográficos das propagandas impressas — cores, formato de letras —

de maneira isolada. No decorrer dos encontros do curso, as professoras passaram a

comentar a respeito desses elementos atrelados ao enunciado verbal, pois

passaram a notar que os elementos se interrelacionavam e, assim, iniciaram a

reconstrução do todo da significação.

Ressaltamos que a leitura de textos multimodais requer a construção dos

sentidos que parta de outras capacidades. Assim, para a observação dos dados e o

modo como as professoras construíram os sentidos, pautamo-nos nas estratégias

de leitura de textos multimodais, conforme elaborado por Paes de Barros (2005).

Assim, em concordância com Paes de Barros (2005), defendemos que

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os gêneros discursivos podem ser utilizados como objetos de ensino de leitura e de que as aulas de língua materna podem se constituir em espaços onde a interação [...] pode colaborar para o desenvolvimento das capacidades de linguagem (PAES de BARROS, 2005, p. 185).

Além disso, também podem ser desenvolvidas capacidades de observação de

outras linguagens presentes nos gêneros multimodais possibilitando o

desenvolvimento de variadas capacidades leitoras de modo que permita chegar à

compreensão no sentido bakhtiniano, como compreensão ativa.

No que diz respeito à segunda pergunta:

2. As interações entre as professoras favoreceram a construção dos

sentidos? De que forma?

Procuramos criar um espaço discursivo em que as professoras pudessem

atuar como sujeito de seu aprendizado, com a finalidade de se apropriarem de

outras práticas de linguagem, e em especial, de outras práticas leitoras, permitindo,

dessa forma, o desenvolvimento das variadas capacidades de linguagem, assim

como as de leitura de textos multimodais.

Para alcançar esse objetivo, organizamos as professoras aos pares (de

acordo com Vigotski, 1930). Assim, nessa organização, buscamos proporcionar às

professoras um ensino de leitura que considere as capacidades individuais de

aprendizado e as potencialidades desse aprendizado a partir da interação com o

outro.

Vigotski (1930) ressalta que o indivíduo, a princípio, precisa da ajuda do outro

para realizar aquilo que, posteriormente, conseguirá realizar sozinho. É a interação

que permitirá o olhar para o mundo, permitirá abstrair e generalizar os objetos.

Nas palavras de Paes de Barros (2005),

o homem pode agir e pensar sobre os objetos sem que eles estejam presentes e relacionar-se com o mundo através da mediação dos significados construídos pelo grupo social do qual faz parte (PAES de BARROS, 2005, p. 183).

No decorrer do curso, algumas professoras que se consideravam sem

autonomia passaram a tomar a palavra de maneira segura, pois o desenvolvimento

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do aprendizado se configurou durante todo o processo de interação, como pudemos

observar nos dados de análise.

Outro dado que consideramos importante destacar, encontra-se no episódio

08, conforme detalhamos no capítulo anterior. Nesse evento, a construção dos

sentidos é desvelada através de perguntas e respostas. Percebemos que as

professoras puderam avançar de modo significativo na aprendizagem da leitura, pois

no projeto discursivo que se estabeleceu na interação foi permitido às professoras

reconstruir os sentidos dos textos multimodais.

Acreditamos que através da interação é possível observar com mais acuidade

as capacidades de leitura de apreciação e réplica e as de observação de textos

multimodais.

Assim, pensamos que o nosso trabalho direciona para encaminhamentos

futuros. Um deles está ligado a mais cursos de formação do professor no que diz

respeito às práticas sociais diversas de leituras e estas práticas mediadas pelos

gêneros discursivos. Também acreditamos ser relevante a implementação de cursos

que objetivem discutir a formação de professores leitores, capazes de atribuir

sentidos a inúmeros gêneros discursivos das diversas esferas discursivas.

Acreditamos que, a partir disso, o professor poderá desenvolver com seus

alunos em sala de aula o processo de ensino-aprendizagem de leitura, no qual se

utilize do gênero discursivo como megainstrumento para o desenvolvimento das

capacidades de linguagem e, assim, aliadas a elas, também desenvolver

capacidades de leitura para uma verdadeira formação de leitores proficientes e

críticos.

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PAES DE BARROS, C. G. ―Compreensão ativa e criadora‖: uma proposta de ensino-aprendizagem de leitura do jornal impresso. São Paulo: PUC, 2005. (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem), do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.pucsp.br/pos/lael/lael-inf/def_teses.html>. Acesso em: 03 abr. 2008.

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SEMECHECHEM, J. A. Compreender e interpretar, construir significados e produzir sentidos: um enfoque em perguntas de leitura. CESUMAR – Centro Universitário de Maringá. Maringá, Paraná: 2009. Disponível em: www.cesumar.br/epcc2009/.../jakeline_aparecida_semechechem.pdf>. Acesso em: 10 julh. 2010.

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137

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SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

SOARES, M. B. Linguagem e escola. Uma perspectiva social. 7.ed. São Paulo: Ática,1989.

SOARES, M. B. (1998). Letramento – um tema em três gêneros. 3.ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2009.

______. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, Rio de

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SOBRAL, A. Ético e estético – Na vida, na arte e na pesquisa em ciências humanas. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: Conceitos-Chave. São Paulo: Contexto, 2005.

_____. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: Conceitos-Chave. São Paulo: Contexto, 2005, p.12-34.

_____. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do círculo de Bakhtin. Campinas, SP: Mercado de letras, 2009.

SOLÉ, Isabel (1996). Estratégias de leitura. Traduzido por Cláudia Schilling. 6.ed. Porto Alegre, 1998.

SOUZA, G. T. Introdução à teoria do enunciado concreto do circulo

Bakhtin/Voloshinov/Medvedev. 2.ed. São Paulo: Humanitas, 2002.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1997.

VIGOTSKI, L. S. (1930). Implicações educacionais. In M. Cole, V. John-steiner,

S. Scribner & E. Soberman (orgs) (1978) A Formação Social da Mente: O desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

_____ (1934). Pensamento e Linguagem. Traduzido por Jefferson Luiz Camargo. 4.ed.São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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138

_____ (1935). O Problema do ensino e do desenvolvimento mental na idade escolar. In:_____. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

VOLOCHINOV, V. N.; BAKHTIN, M. M. (1926). Discurso na vida e o discurso na arte (sobre poética sociológica). Traduzido por C. Tezza e C. A. Faraco para uso didático. Circulação restrita.

ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. (orgs.). Leitura: Perspectivas interdisciplinares. 5.ed. São Paulo: Ática, 2000.

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ANEXOS

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140

ANEXO 1

DATA PLANEJAMENTO DO CURSO

MARÇO DE 2009

11/03/2009 Aula inaugural: Concepções de linguagem.

14/03/2009 Terceira concepção de linguagem/ Bakhtin: Um pouco da sua história/ Gêneros textuais e Gêneros Discursivos.

18/03/2009 Estudo de texto: Os gêneros discursivos – José Luiz Fiorin.

21/03/2009 Os três elementos indissociáveis do gênero: Forma Composicional, Conteúdo Temático e Estilo; Exercícios.

25/03/2009 Os três elementos indissociáveis do gênero: Forma Composicional, Conteúdo Temático e Estilo; Exercícios.

28/03/2009 Os três elementos indissociáveis do gênero: Forma Composicional, Conteúdo Temático e Estilo; Exercícios: Gênero fábula.

ABRIL DE 2009

01/04/2009 Análise das propagandas impressas

04/04/2009 Análise das propagandas: Estrutura Composicional.

08/04/2009 Final da atividade da aula anterior.

15/04/2009 Análise do gênero propaganda: Estilo e Conteúdo temático.

18/04/2009 Nova sequência com propagandas: Estrutura Composicional e Estilo.

22/04/2009 Nova sequência com propagandas: Conteúdo Temático.

25/04/2009 Análise de propagandas impressas.

29/04/2009 Capacidades de Leitura e Avaliação do curso.

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ANEXO 2 Tabela de Planejamento

11/03

Conteúdos

Objetivos

Atividades

desenvolvidas

Avaliação

Materiais

3h/ aula

Aula Inaugural Estudo das concepções de linguagem.

Contextualizar sócio historicamente as três concepções de linguagem.

Aula expositiva dialogada;

Produção de diário reflexivo.

Exposição e explicação para o grupo;

Registros das pesquisadoras.

Slides .

14/03

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Avaliação

Materiais

3h /aula

Terceira concepção de linguagem;

Bakhtin: Um pouco da sua história;

Gêneros textuais e Gêneros Discursivos.

Aprofundar o estudo da terceira concepção de linguagem;

Conhecer um pouco da história de Bakhtin;

Identificar as aproximações e distanciamentos entre gêneros textuais e discursivos.

Aula expositiva dialogada;

Produção de diário reflexivo.

Exposição e explicação para o grupo;

Registros das pesquisadoras.

Slides.

18/03

Conteúdos

Objetivos

Atividades

desenvolvidas

Avaliação

Materiais

3h /aula

Estudo de texto: Os gêneros discursivos – José Luiz Fiorin.

Conhecer e compreender os principais conceitos da teoria dos gêneros do discurso.

Leitura em dupla do texto “Gêneros discursivos” – Fiorin;

Roteiro de leitura Produção de diário

reflexivo.

Debate oral.

Cópia de texto sobre os gêneros discursivos.

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21/03

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Avaliação

Materiais

3h /aula

Esfera de produção, circulação e recepção;

Observação de diferentes gêneros, de esferas variada;

Estudo da Forma composicional.

Conhecer, localizar as diferentes esferas da atividade humana;

Observar gêneros que circulam nessas esferas;

Identificar a forma composicional.

Leitura em dupla de diferentes gêneros discursivos;

Atividade em dupla: perceber a forma composicional dos gêneros selecionados;

Produção de diário reflexivo.

Debate oral sobre os gêneros e suas esferas de produção, circulação e recepção.

Corpus de panfletos, relatório, atas, ofícios, acórdão

procuração requerimento, receita médica, diário de classe, lista de presença em cursos, lista de materiais escolares, recibos, nota fiscal, etc.

25/03

Conteúdos Objetivos Atividades desenvolvidas Avaliação Materiais

3h /aula

Observação de diferentes gêneros, de esferas variadas;

Estudo do estilo e tema.

Conhecer as particularidades do gênero;

Observar o estilo e o tema de diferentes gêneros selecionados pelas pesquisadoras.

Leitura em dupla de diferentes gêneros discursivos;

Atividade em dupla: perceber o estilo e o tema dos gêneros selecionados pelas pesquisadoras;

Produção de diário reflexivo.

Acompanhamento, observação e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Corpus de panfletos, relatório, atas, ofícios, acórdão procuração, requerimentos, receita médica; diário de classe, lista de presença em cursos, lista de materiais escolares, recibos, nota fiscal, etc.

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28/03

Conteúdos Objetivos Atividades desenvolvidas Avaliação Materiais

3h /aula

Os três elementos indissociáveis do gênero: Forma Composicional, Conteúdo Temático e Estilo;

Gênero fábula.

Conhecer as particularidades do gênero fábula;

Observar a estrutura composicional, estilo e tema de três fábulas selecionadas.

Aula expositiva dialogada.

Leitura em dupla do gênero fábula;

Produção de diário reflexivo.

Acompanhamento, observação e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Slides;

Corpus de fábulas.

01/04 Conteúdos Objetivos Atividades desenvolvidas Avaliação Materiais

3h /aula

Observação das propagandas que aparecem no LDP.

Analisar como é proposto o trabalho com o gênero propaganda.

Leitura em dupla do LDP;

Entrega de roteiro para análise das atividades propostas com propagandas no LDP;

Exposição oral das duplas;

Produção de diário reflexivo.

Acompanhamento, observação e registros das pesquisadoras.

Corpus de LDP.

04/04

Conteúdos Objetivos Atividades desenvolvidas Avaliação Materiais

3h /aula

Identificação dos componentes da propaganda comercial em revistas;

História da propaganda.

Conhecer a história da propaganda e discutir sobre seu papel social;

Conhecer as particularidades do gênero propaganda comercial;

Observar a estrutura composicional.

Leitura compartilhada pelas pesquisadoras;

Leitura em dupla;

Anotações dos componentes das propagandas;

Produção de diário reflexivo.

Acompanhamento e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Corpus de propagandas de revistas.

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08/04

Conteúdos Objetivos Atividades desenvolvidas Avaliação Materiais

3h /aula

Identificação dos componentes da propaganda institucional em revistas;

Conhecer as particularidades do gênero propaganda institucional;

Observar a estrutura composicional.

Leitura em dupla;

Anotações dos componentes das propagandas.

Acompanhamento e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Corpus de propagandas de revistas.

15/04

Conteúdos Objetivos Atividades desenvolvidas Avaliação Materiais

3h /aula

Identificação dos componentes da propaganda comercial e institucional em revistas;

Estilo.

Conhecer as particularidades do gênero propaganda: comercial e institucional;

Observar o estilo.

Leitura em dupla;

Anotações dos componentes das propagandas;

Produção de diário reflexivo.

Acompanhamento e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Corpus de propaganda de revistas.

18/04 Conteúdos Objetivos Atividades desenvolvidas Avaliação Materiais

3h /aula

Identificação dos componentes da propaganda em revistas;

Tema.

Conhecer as particularidades do gênero propaganda;

Observar o tema.

Leitura em dupla;

Anotações dos componentes das propagandas;

Produção de diário reflexivo.

Acompanhamento e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Corpus de propaganda de revistas.

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22/04

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Avaliação

Materiais

3h /aula

Identificação dos componentes da propaganda em revistas;

Tríade do gênero: a estrutura composicional, o estilo e o tema.

Conhecer as particularidades do gênero propaganda comercial e institucional;

Observar o estilo.

Aula expositiva dialogada;

Atividade em dupla: identificar a tríade que compõe o gênero propaganda (a estrutura composicional, o estilo e o tema);

Produção de diário reflexivo.

Acompanhamento e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Corpus de propaganda de revistas.

25/04

Conteúdos

Objetivos

Atividades desenvolvidas

Avaliação

Materiais

3h /aula

Observação de propagandas que se encontram no LDP;

Analisar as propagandas selecionadas no LDP e se as propostas de atividades exploram os elementos indissociáveis dos gêneros discursivos.

Leitura e análise em dupla da propaganda selecionada;

Entrega de roteiro para análise das atividades propostas com propagandas no LDP;

Exposição oral das duplas;

Produção de diário reflexivo.

Acompanhamento e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Corpus de propagandas de LDP do Ensino Fundamental.

29/04

Conteúdos Objetivos Atividades desenvolvidas Avaliação Materiais

3h /aula

Capacidades de leitura e Avaliação do curso.

Identificar as capacidades de leitura envolvidas nas diversas práticas letradas;

Discutir sobre as possibilidades do trabalho com os gêneros discursivos em sala de aula.

Aula expositiva dialogada;

Exposição oral;

Debate.

Acompanhamento e registros das pesquisadoras sobre a interação das duplas nas atividades propostas.

Slides.