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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
Alexandre Colli Dal Prá
PROCESSO IDENTITÁRIO: A METAMORFOSE DO APRENDER E ENSINAR A
LÍNGUA INGLESA EM AMBIENTE ONLINE
Cuiabá-MT
2013
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ALEXANDRE COLLI DAL PRÁ
PROCESSO IDENTITÁRIO: A METAMORFOSE DO APRENDER E ENSINAR A
LÍNGUA INGLESA EM AMBIENTE ONLINE
Cuiabá-MT
2013
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ALEXANDRE COLLI DAL PRÁ
PROCESSO IDENTITÁRIO: A METAMORFOSE DO APRENDER E ENSINAR
ALÍNGUA INGLESA EM AMBIENTE ONLINE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de
Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção
do título de Mestre em Estudos de Linguagem.
Área de concentração: Paradigmas do Ensino de Línguas
Orientador: Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus
Instituto de Linguagens
Cuiabá-MT
2013
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vi
DEDICATÓRIA
Pelo carinho e dedicação constante, como
demonstração de gratidão, dedico este
trabalho: ao meu pai, por saber que hoje os
riscos da minha caneta, se devem aos
rastros do seu caminhão; a minha mãe, por
mostrar minha capacidade quando pesei que
mais além não pudesse ir. Por isso e por
aquele que hoje sou, vocês são modelo de
pais.
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AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial a meus pais Artêmio Dal Prá e Isabel Colli Dal Prá, pelo
apoio e incentivo incondicional. Sem vocês, não teria conseguido chegar até aqui.
A minha namorada, Ângela, pela motivação, compreensão e companheirismo.
Ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da UFMT, aqui incluindo todos
os professores que, de algum modo, colaboraram com minha caminhada.
Ao Prof. Orientador, Dr. Dánie Marcelo de Jesus, por toda a atenção e dedicação
desmedida.
Aos membros da banca do exame de qualificação, Profa. Dra. Divanize Carboniere e
Prof. Dr. Sérgio Ifa, pelas preciosas sugestões e pela boa disposição em ler a primeira,
confusa e desnecessariamente volumosa versão do texto.
Aos professores Dr. Sérgio Flores Pedroso, Dra. Célia Maria Domingos da Rocha Reis
e Maria Rosa Petroni pela atenção e solicitude em todos os momentos que precisei.
Apoio de valia indispensável.
A todos os professores que me fizeram crescer como indivíduo.
Aos bakhtinianos, em especial a Profa. Dra. Simone de Jesus Padilha, Profa. Dra.
Cláudia Graziano Paes de Barros e a colega Leni, por me ensinarem a ouvir Bakhtin.
Aos amigos pós-graduandos do MeEl, especialmente à Sheila, Karla e Nádia.
À Secretaria do MeEL, na figura de seu corpo técnico administrativo, que, como
exemplo de servidores públicos dedicados, não medem esforços para o bom andamento
das atividades de pesquisa e ensino. Por tudo isso, merece nossa homenagem.
A todos aqueles que, de forma direta ou indireta, deram um pouco de si para mais esta
etapa de minha formação profissional. A semente mais fértil da colaboração são as
ações solidárias.
viii
RESUMO
O objetivo deste trabalho é investigar a prática identitária de participantes de um site
dedicado ao ensino/aprendizagem de língua inglesa. Para tanto, o trabalho encontra
suporte teórico nos estudos de Bauman (2001, 2009), Giddens (2002); Hall (2005);
Moita-Lopes (2003, 2010), Silva (2009) entre outros, sensibilizantes para interpretar as
materializações linguísticas dos enunciadores. A finalidade é compreender o processo
de constituição identitária dos sujeitos que se dedicam a ensinar e aprender língua
inglesa nesse ambiente, bem como analisar possíveis implicações para a prática de
ensino/aprendizagem. As questões que norteiam este estudo são as seguintes: 1) Como
se desenrola o processo identitário do Expert Collaborador e do aprendiz de língua
inglesa no site English Experts?; e 2) Qual é a relação com sua prática de
ensino/aprendizagem desse idioma? A metodologia de pesquisa se ancora em princípios
da pesquisa interpretativista ou naturalística (ERICKSON, 1985). A fim de não limitar o
estudo aos modelos preexistentes e confiná-lo ao já percorrido, procuro alguns insights
em autores como John Ziman (1996), Moita-lopes (2003), Thompson (2002), Uwe Flick
(2009) e Zigmunt Bauman (2010), para explicar como me aproprio dessa abordagem de
investigação e harmonizo-a a meus propósitos. Os dados foram gerados com base nas
materializações linguísticas dos participantes, encontradas no site estudado. A análise
aponta a identidade dos participantes reagindo a uma nova atmosfera de
ensino/aprendizagem, onde o conhecimento, por acréscimo, é construído coletivamente
e o próprio sujeito precisa se responsabilizar pelo sentido que deseja construir.
Palavras-chave: práticas identitárias, língua inglesa, ensino/aprendizagem.
ix
ABSTRACT
This study aimed at investigating the identity practice of participants in a site dedicated
to English teaching and learning called the English Experts. In order to reach this aim,
this work gets theoretical support in studies of Bauman (2001, 2009), Giddens (2002),
Hall (2005), Moita-Lopes (2003, 2010), Silva (2009) as sensitizing to interpret
speaker’s language materializations. Purposes are to understand the process of identity
construction of individuals who are dedicated to teaching and learning English in this
environment, and to examine possible implications for teaching/learning practices. The
research questions are: 1) How does the identity process of participants take place in the
English Experts?, and 2) what implications this new environment can produce for
teaching/learning that language? The research methodology is grounded in principles of
interpretive or naruralistic research (ERICKSON, 1985). In order not to limit the study
to pre-existing models and confine it to have traveled, seeking some insight into authors
like John Ziman (1996), Moita-Lopes (2003), Thompson (2002), Uwe Flick (2009) and
Zigmunt Bauman (2010), to explain how I appropriate this research approach and
harmonize it to my purposes. Data were generated based on the participants’ language
materialization which I collected in the site. Analysis indicates participants’ identity
reacting to a new atmosphere of teaching / learning English, where knowledge, by
extension, is collectively constructed and the individuals themselves must be
responsible for the direction they want to build.
Key-words: identity practices, English language, teaching/ learning.
x
LISTA DE FIGURAS
Página de abertura do English Experts ...........................................................................47
xi
LISTA DE QUADROS
QUADRO I: Traços identitários do Expert Collaborador e do aprendiz.......................50
QUADRO II: Características da prática do Expert Collaborador..................................59
QUADRO III: Organização dos encontros.....................................................................65
QUADRO IV: esquema de interação no English Experts...............................................80
12
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ................................................................................................................................vi
AGRADECIMENTOS....................................................................................................................... vii
RESUMO ...................................................................................................................................... viii
ABSTRACT ...................................................................................................................................... ix
LISTA DE FIGURAS.......................................................................................................................... x
LISTA DE QUADROS ....................................................................................................................... xi
Introdução: o despertar do camaleão ......................................................................................... 14
1 Pigmentação teórica................................................................................................................. 26
1.1 O camaleão do contexto pós-moderno: nova forma de ver e ser o/no mundo ............... 27
1.1.1 A linguagem e a condição pós-moderna: comunicação ou ilusão? ........................... 29
1.2 Identidade: a volatilidade do camaleão ............................................................................ 31
1.2.1 O camaleão moderno: da sala de aula ao ambiente digital ....................................... 34
2 Metodologia da pesquisa: o compasso camaleônico .............................................................. 38
2.1 O tom escolhido: que método é este? .............................................................................. 39
2.1.2 Do interpretativismo à interpretação: as cores envolvidas ....................................... 43
2.2 A delimitação do site analisado......................................................................................... 45
2.2.1 O English Experts ........................................................................................................ 47
2.2.2 Normas para colaboração .......................................................................................... 49
2.2.3 Geração de dados ....................................................................................................... 50
2.3 Dos procedimentos analíticos à organização dos temas .................................................. 50
3 Resultados e análise ................................................................................................................. 52
3.1 Tema 1: Guias de aprendizagem: metamorfoseando-se em Expert Collaborador ........... 54
3.2 Tema 2: Ser Expert Collaborador: a condição dessa cor ................................................... 61
3.3 Tema 3: O English Experts como ambiente de aprendizagem: habitat líquido moderno 68
3.4 Tema 4: O conteúdo do site: mesmo corpo, outras cores ................................................ 72
3.5 Tema 5: Concepção de língua: linguagem camaleônica ................................................... 81
13
3.6 Tema 6: A Interação no English Expert ............................................................................. 85
Algumas (In)conclusões ............................................................................................................... 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 99
14
Introdução: o despertar do camaleão
Camaleão in vitro
Sou um verdadeiro investigador de mim mesmo,
cada dia descubro algo novo em mim.
Creio que meu “eu” atual é um retrato em branco e preto, ou às vezes em tons de sépia, e o meu passado
é um retrato colorido, cujos tons se avivam no decorrer do tempo.
Nos espelhos da vida já me vi de tantas formas...
Me vi bonito, feio, inteligente, ignorante, criativo, ocioso, atencioso, disperso, amável, insuportável...
Tanto me vi que enjoei.
Posso ser tudo, como também posso não ser nada, mas, nesta vida cheia de imagens ilusórias e utópicas,
a única conclusão a que posso chegar é que eu sou e sempre serei apenas o reflexo daqueles que me
observam.
(Autor desconhecido)
A ciência da linguagem sempre me pareceu lugar habitado por pessoas
detentoras de autoridade. Pensava que questionar o mundo era atributo desses eleitos.
Pessoas escolhidas por algumas pitonisas de Delfos que os adornavam de saberes,
capacitando-os a dar sentido à realidade que nos rodeia. Sentia ímpeto de devorar, como
verdade, o conteúdo de livros ditos científicos. Contudo, logo percebi que apenas
reproduzia o que se dizia nos manuais acadêmicos.
Essa inquietante situação me pôs a refletir que eu não era um questionador que
buscava produzir conhecimentos ou desarticular outros, percebi que meu mundo
começou tornar-se entediante, vazio de ideias. Quando nos deixamos ser invadidos por
informações que pintam a verdade, passamos a cultivar a casca seca de nossa vida e
impedimos nossas ideias de colorirem nosso cenário.
Bem por isso, foi necessário buscar uma concepção de ciência que se afastasse
dos compêndios das pesquisas que aplicavam apenas questionários, ou se debruçavam
em entrevistas direcionadas. Para tanto, foi inevitável uma postura crítica que assevera
que os sujeitos falam de determinado local e que nossas escolhas linguísticas são frutos
de ideologias socialmente construídas.
Daí, alerto aos interlocutores que buscarei, na metáfora do camaleão, elementos
que me auxiliem na composição de sentidos desta pesquisa. Esse animal, ao deslizar
pelos ambientes, muda sua cor, seja em decorrência da luz, da temperatura, para se
15
comunicar com sua espécie, bem como para passar despercebido de potenciais
predadores. Sua mudança sempre ocorre em razão de seu contato com a alteridade.
Desse modo, tal como o camaleão, somos voláteis em nossas identificações e
mudamos a todo instante, a depender do contexto social no qual estamos mergulhados e
da forma que, com ele, nos identificamos; desse ponto emerge, portanto, a natural opção
pela primeira pessoa e o uso da metáfora nesta pesquisa. Afinal, acredito que qualquer
análise passa pelo cerne da minha subjetividade e das minhas experiências sociais.
Dou à metáfora a função de tentar descrever o tácito, de representar o não
verbalizável. As cores são aqui utilizadas por representarem a ilusão de nossa
identidade, pois, embora pareça dada, deriva de nossas vistas e da luz que se reflete em
nossas pupilas.
Como as inquietações e indagações de um estudo geralmente se originam da
biografia pessoal do pesquisador, convido o leitor a conhecer um pouco das cores de
minha história de vida, na qualidade de aprendiz da língua inglesa e do ofício de
docente. Enfatizo essas experiências aqui, por acreditar que elas matizam minha
identidade e aclaram o lugar de onde falo, bem como dialogam com a metodologia de
pesquisa deste estudo.
Como muitos aprendizes de língua estrangeira, não comecei aprender língua
inglesa por atração ao idioma, por dele gostar ou achá-lo belo, mas por sentir-me
pressionado a me afeiçoar à imposição do mercado de trabalho. Tal como o camaleão,
eu precisava escolher uma cor que pudesse impressionar e demonstrar minha
potencialidade.
Antevia a fluência em inglês como um trunfo valioso para disputar vagas de
emprego ante as exigências cada vez maiores de qualificação. Acreditava que, mesmo
em empresas onde eu raramente viesse a usar o inglês em minhas atividades
corriqueiras, o “domínio” desse idioma me garantiria o indispensável destaque ao tempo
de uma promoção ou por ocasião da colocação num posto de trabalho melhor, quando
não numa vaga em uma cidade de interesse.
Ainda adolescente, dono de meus 15 anos, decidi iniciar um curso de língua
inglesa no município de Rondonópolis, estado de Mato Grosso. Nessa época, pensava
ainda ser muito cedo para começar a me preparar profissionalmente, mas já era
consciente das responsabilidades que precisaria assumir nos anos subsequentes. Afinal,
cursava ainda o ensino médio.
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Iniciei o curso por incentivo de familiares e, de igual relevância, para
acompanhar minha irmã ao longo do percurso, corrido ainda de madrugada.
Delongavam-se sonolentas uma hora e quarenta minutos até a garrafa de café, na
recepção da instituição que estudávamos. Assim como eu, eles também percebiam o
inglês como matiz necessário para uma carreira profissional promissora. Impunha que
desenvolvesse as cores que a sociedade demandaria.
Iniciaram-se as aulas e, embora receoso, dado que sempre achei difícil a
aprendizagem de idiomas, estava decidido a me esforçar. Nas primeiras aulas, tomado
de muita dificuldade, cheguei a pensar em desistir de aprender essa língua. A
justificativa se sustentava no fato de que grande parte de meus colegas não sabia falá-la,
e também eles precisariam ingressar no mercado de trabalho.
Observava constantemente que mesmo aqueles que diziam estudar em centros de
idiomas e se saíam bem na disciplina de língua inglesa na escola regular, não se
arriscavam a comunicação em público. A língua inglesa era como o brilho sedutor do
camaleão que se exibe para sua cobiça.
Permaneci no curso por muita insistência de minha irmã e, após quatro meses de
aula, comecei a sentir mais facilidade. Já havia aprendido algum vocabulário e
conseguia inferir algumas frases curtas. Esse avanço me motivou muito, pois, embora
não me sentisse atraído ou gostasse da língua, orgulhava-me de poder dizer que, aos
poucos, ia me familiarizando com o inglês.
Além de motivante, o curso funcionava como reforço às aulas da escola regular.
Com ele, a carga horária destinada ao estudo de inglês triplicava. As horas passam e se
agigantava a pressão para escolher uma cor que me ajudasse a prosseguir. O camaleão
se vê obrigado a escolher suas cores para sobreviver à selva, e eu, à sociedade.
Nesse período, já entusiasmado com a aprendizagem do idioma e com certa
desenvoltura para me comunicar, optei por cursar Letras com habilitação em língua
inglesa e literaturas correspondentes. Ambicionava mais conhecimento, e a universidade
me convidava à erudição e à técnica.
De pronto, concluí que ninguém iria me ensinar uma língua estrangeira, que no
máximo me apresentariam pontos gramaticais e desenvolveriam algumas reflexões
sobre ela e sobre o processo de ensino/aprendizagem. Assim seguiu minha
aprendizagem de língua inglesa, pouco a pouco, adquiria vocabulário, aprendia
estruturas, conhecia modos diferentes de pronunciar a mesma palavra.
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O que mais me impressionou foi a percepção de que eu jamais atingiria o
famoso inglês nativo, que eu sempre e inevitavelmente seria um falante de inglês com
feição histórica e social brasileira. Especificamente, de um rapaz, aluno do curso de
letras oferecido em uma universidade no estado de Mato Grosso.
Aos poucos passei a notar o estudo desta língua de modo diferente, não com uma
noção de completude, nem como mero instrumento de comunicação, mas como algo
plural, que nos confronta conosco mesmos. Via a língua como algo para o qual é
necessário disponibilizar sentidos, sem tentar captar sentidos intrínsecos. Aqui e ali, a
concepção de inglês padrão cedia à noção profundamente marcada pela subjetividade da
língua materna.
Assim, tal como o camaleão, que se revela em baixo de tudo por onde passa,
para aprender era preciso me revelar. Não era possível captar os sentidos da língua, era
possível apenas transferir os sentidos que já compunham meu imaginário. Impossível
capturar o inglês estrangeiro; impossível se transformar no outro. Quanto mais forcejava
por falar e ser como um nativo, mais deparava com as bordas de minha identidade e
com os significados de minha própria história de vida.
Nesse estágio de maturidade acadêmica que pendi a não dar continuidade nas
aulas de inglês que eu assistia no curso de idiomas. Estava libertando-me das amarras
do inglês nativo, padrão, que essas instituições nos “passam” por meio de seus
materiais. Decidi parar de “comprar” o inglês “enlatado” em livros didáticos e
desenvolver minha competência lingüística por meio da leitura, de vídeos, por meio da
minha prática quotidiana, enfim.
A maratona intensiva de leitura de obras literárias que constituíam a ementa das
disciplinas de literatura colaborou, sem sobra de dúvida, para alterar minha
compreensão e estratégia de aprender e de ensinar esse idioma. Eram o vocabulário e
estruturas que retiam-se à memória e pululavam quando a língua inglesa me cobrava
expressão que me fez perceber o potencial da leitura: ler, agora, me soava muito mais
profícuo e produtivo do que realizar exercícios e decorar listas de palavras.
Foi a partir dessas experiências e reflexões realizadas durante o curso de
graduação que passei a desvelar interesse pela pesquisa. Percebi que as coisas ao nosso
redor poderiam ser diferentes do que ditava as teorias, exemplo disso era as novas
concepções de ensino e aprendizagem que emergiam com minhas próprias experiências.
O trabalho de conclusão de curso realizado no último ano de graduação,
associado a um ensaio elaborado na condição de bolsista do Programa Institucional de
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Bolsas de Iniciação Científica foram minhas primeiras produções acadêmicas e
inseriram-me no mundo da produção de conhecimento, na universidade.
Como o curso de graduação me propiciou grande reflexão sobre a língua inglesa
e sobre o ensino de línguas estrangeiras, confrontando-me constantemente com minhas
convicções, decidi investigar as crenças de aprendizes de língua inglesa e o que
colaborava para que chegassem a tais posicionamentos e, na esteira, com outros
pesquisadores, pude notar que as crenças influenciam em nosso comportamento e que,
por acréscimo, nosso ele também influencia nossas crenças.
A sigla PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica –
inevitavelmente me traz à memória o cheiro e a sensação fresca das paredes claras que
moldavam q sala onde costumava passar as tardes, dedicando-me a um estudo sobre as
condições oferecidas para desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita de
crianças matriculadas na terceira fase do terceiro ciclo de uma escola em Rondonópolis.
Buscar respostas as dificuldades para ler e escrever daquelas crianças foi parte
de minha ocupação durante os 12 meses na condição pesquisador iniciante. Mais do que
isso, esse período treinou-me em buscar respostas que não aquelas que eu já tinha e,
consequentemente, perceber que nossas práticas de linguagem sempre refletem o lugar
de onde falamos e as ideologias que nos constitui. Falar sobre o objeto da minha
pesquisa era também, grosso modo, falar de mim.
Escrever sobre questões de uma instituição educacional colaborou, por igual,
para perceber outra faceta da realidade. Eu não escrevia apenas um texto, era um texto
com alma de ciência. Impressionava-me a atenção e a forma como as pessoas aceitavam
minhas argüições quando eu, pelo contrário, possuía vários questionamentos.
Esse acontecimento me chamou atenção para a forma que eu, antes de entrar no
mundo da autoria, costumava tratar livros e artigos. Submetia-me cegamente, com
acento no pretérito, a regimes de verdade, desconsiderando, muitas vezes, minhas
próprias convicções.
Essas experiências que acabo de relatar revelam que nos formamos na relação
com o outro e que nossa identidade se encontra sempre em movimento (HALL, 2005;
MOITA-LOPES, 2003, 2010; SILVA, 2009). Em consonância com esses autores, tomo
a identidade não como fixa e exterior à linguagem, mas construída na e pela linguagem.
Afinal, o mundo humano é o mundo da linguagem. E é sempre pelas histórias que
contamos e vivemos que, a compasso com que construímos o outro, construímos a nós
mesmos a partir do outro, em uma alteridade sem limites.
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Ancorado nessas experiências e reflexões sobre a língua inglesa e sobre minha
formação, percebi estar sendo formado para atuar em uma realidade com feição sócio-
histórica específica. Por igual, que minhas próprias experiências cotidianas colaboravam
para a arquitetura de minha identidade, isto é, para construção de representações do que
é ensinar e aprender língua inglesa, do que é ser professor e/ou aprendiz desse idioma.
Assim, ciente de que nossas experiências influenciam nosso modo de ser e de
agir, importa evidenciar que a onda de tecnologias que banhou a sociedade parece exigir
novas formas de atuação (JESUS, 2007). Isso faz com que a formação do corpo docente
careça de complemento em sua constituição.
Embora esse mote tenha sido constantemente objeto de discussão dentro e fora
da academia, o foco dessas contendas tem geralmente se centrado na dificuldade que
acompanha o acesso a uma língua não materna, bem como na qualidade que deve pautar
a formação desse profissional. A preocupação com esses aspectos, evidentemente,
encontra-se em certo descompasso com as necessidades de professores e alunos que
buscam ensinar e aprender uma língua estrangeira socorrendo-se da internet.
Como minha própria experiência na qualidade de aluno do curso de letras/inglês
revelou, a formação do professor de língua inglesa tem sido objeto de constantes
discussões. Contudo, seu foco, na maior parte das vezes permaneceu restrito à qualidade
do ensino de língua estrangeira e dos motivos pelos quais seu acesso geralmente se dá
com tamanha dificuldade. Ignora-se a realidade virtual que invadiu nossa sociedade e se
impõe mais e mais a cada momento.
Desse modo, chamo a atenção para o fato de que, embora a pesquisa em torno
dessa temática tenha sido amplamente divulgada e dê conta de um amplo espectro de
fenômenos, suas preocupações estão dessincronizadas com o ritmo crescente da
necessidade de professores capacitados para atuar em meio à onda de tecnologia e a
nova realidade que a internet vem despencando sobre nossa sociedade.
Daí a relevância no compreender o processo identitário daqueles que se
aventuram a ensinar/aprender línguas estrangeiras em ambiente online. Isso pode
ensejar a construção de uma visão mais perspicaz do ensino de língua estrangeira nesse
ambiente relativamente recente e ainda pouco explorado.
Considerando o aceleramento das sociedades, encadeado ao ritmo frenético de
seu funcionamento decorrente, sobretudo do advento das Tecnologias da Informação e
da Comunicação (doravante TICs), novas questões são postas ao cenário acadêmico e,
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por acréscimo, algumas ações podem ser implementadas. Dentre elas, o fomento à
pesquisa nessa área.
É com esse propósito que corrobora o objetivo deste estudo de analisar a
materialidade linguística em sites dedicados ao ensino de inglês a fim de compreender
como se desenrola o processo identitário dos sujeitos que ocupam os lugares sociais
“professor” e “aprendiz”, com foco primordial nas possíveis implicações para o
processo de ensino/aprendizagem desse idioma.
Ser professor, nesse novo tempo e espaço, ainda é como ser professor na
sociedade industrial, isenta das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs)? É
esta resposta que nos franqueia perceber a ressonância do curso de letras/inglês em
nossa sociedade e afinamento a seus objetivos políticos.
O constante revolver do mundo, provocado pelo fenômeno da globalização, têm
desvelado que as identidades não são fixas e se alteram conforme o período sócio-
histórico que vivenciamos (HALL, 2005; MOITA-LOPES, 2003).
Esses autores afirmam que se até no século XX tínhamos uma sociedade
moderna sólida por conta das paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia,
raça e nacionalidade, traçados por esta mesma sociedade, fornecendo-nos igualmente
sólidas localizações como indivíduo social. No final daquele tempo as paisagens
culturais começaram a se fragmentar e modificar, transformando também nossas
identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós mesmos como sujeitos
integrados. A essa perda de um “sentido de si mesmo” estável, o autor denomina
deslocamento ou descentração do sujeito.
Nesse sentido, com o intuito de melhor compreender o ser professor e o aprendiz
na sociedade contemporânea, marcada pelas TICs e pelo fenômeno da globalização, faz-
se necessário perceber como se ambienta o processo identitário dos envolvidos com o
ensino/aprendizagem em ambiente digital.
Muitos trabalhos de pesquisa relacionados com a prática e a formação docente,
com ênfase na reflexão crítica, têm sido desenvolvidos no Brasil nos últimos anos. Entre
eles, cito Assis-Peterson & Silva (2010), Freire (2009), Moita-Lopes (2003).
Freire fornece subsídio teórico para diversos trabalhos sobre a formação de
professores, com ênfase na reflexão crítica e, por acréscimo, constitui aporte
fundamental na construção desse olhar docente, sempre preocupado com a própria
prática social. Outro ponto em que as contribuições desse autor ganham relevo refere-se
as diferenças que marcam nossa sociedade e atualmente começam receber atenção. A
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discussão sobre a formação de professores frequentemente leva a refletir sobre uma
educação acessível a todos e que respeite as peculiaridades humanas, remetendo-nos ao
modo Freireano de pensar.
Entre os trabalhos que sevem-se de seu pensamento, menciono Assis-Peterson &
Silva (2010). Essas autoras investigam atitudes e práticas de professores de línguas no
que diz respeito ao fenômeno da heterogeneidade lingüística e do multiculturalismo.
Buscam compreender por que crenças, mitos e preconceitos próprios de uma concepção
purista de língua(gem) continuam ainda tão arraigados no dizer e fazer de professores.
Por meio de pesquisas de natureza qualitativo-interpretativista, examinam
comportamentos e conhecimentos de professores e alunos em relação ao fenômeno da
fricção linguístico-cultural, quer no domínio da língua materna quer no domínio da
língua estrangeira.
Os trabalhos presentes em Moita-Lopes (2003) constituem estudos que
focalizam a construção discursiva das identidades sociais (gênero, sexualidade, raça,
idade e profissão) na escola e na família com base em uma visão socioconstrucionista
do discurso e das identidades sociais. Esses estudos concentram-se principalmente nas
áreas de Lingüística Aplicada e Educação, mas são também útil para todos que nas
Ciências Sociais têm usado o construto da identidade social para entender o mundo em
que vivemos.
Independentemente da preocupação com o campo da docência, parece ainda ser
poucas as pesquisas (ARTUZZO, 2010; BRESOLIN, 2011; JESUS, 2007, 2011) que se
inclinam a analisar e a descrever como se dá o processo de constituição identitária do
professor de língua inglesa no ciberespaço.
Artuzo (2011) investiga e descreve os traços predominantes constitutivos do
processo de reconstituição da identidade profissional de professores de língua inglesa
durante participação em curso de formação continuada em ambiente digital, com o
objetivo de compreender como se dá o processo de constituição identitária. Com base
em autobiografia e entrevistas narrativas realizadas com três participantes, a autora
analisa suas histórias de vida, levando em conta os traços subjetivos que afloram e as
transformações advindas da nova experiência de ensino-aprendizagem, como elemento
responsável pelas alterações do percurso dessa constituição.
O trabalho de Bresolin (2001) se insere no contexto da educação em ambiente
digital e investiga indícios de processos reflexivos e a forma como eles se desenvolvem
em um blog educacional. Os participantes que compunham o estudo foram estudantes
22
do curso de letras-português, em quatro universidades brasileiras. A análise se deu com
base no material linguístico produzido ao longo de seis meses. Os resultados apontam
algumas marcas lingüísticas que podem ser sinalizadores de que nos blogs ocorreram
processos reflexivos-críticos em graus distintos de complexidade, colaborando, assim,
para a formação inicial dos professores.
O trabalho de Jesus (2007), por sua vez, insere no contexto de educação a
distância e tem como finalidade analisar indícios de processos de reculturação,
reestruturação e reorganização temporal no discurso de professores-alunos de um
programa de formação continuada de uma universidade privada no Estado de São Paulo
para professores de inglês de escolas públicas. A metodologia de pesquisa teve uma
abordagem interpretativa com análise das interações em fóruns de discussão e
entrevistas com os participantes. Os resultados sugerem algumas evidências linguísticas
que podem ser sinalizadoras de processos de reculturação, reestruturação e
reorganização temporal no discurso dos professores-alunos.
Em seguida, em trabalho publicado em 2011, ele investiga as práticas
identitárias de três comunidades virtuais do Orkut, direcionadas para professores de
língua inglesa – English Language Teachers, English Teachers in Brazil, Sou
professor(a) de inglês. A finalidade é compreender como a identidade profissional dos
professores é construída no discurso dos participantes. A análise buscou apreender as
representações identitárias que se materializam nas escolhas linguísticas dos usuários
das comunidades. As conclusões apontam para uma tentativa de fixar uma identidade
profissional tradicional do professor de língua estrangeira nessas comunidades.
Daí a relevância em investigar o processo de constituição identitária desse
profissional em ambiente digital. Ao que parece, a educação mediada por computador
exige novo tipo de ator, capaz de se movimentar em um espaço de ensino que não mais
exige sua presença marcada, como o faz na escola convencional (JESUS, 2007).
A reflexão empreendida neste texto se assenta nos seguintes pressupostos: a) as
Tecnologias da Informação e da Comunicação que banharam o mundo nas últimas
décadas estão alterando nossa forma de nos relacionar e comportar de modo geral e; b)
que esse impacto enseja implicações na identidade daqueles envolvidos com a educação
em ambiente online.
É nesse sentido que os novos ambientes digitais, a exemplo de sites
educacionais, se tornam ambientes adequados aos objetivos deste estudo. Eles permitem
o encontro de pessoas que, sem deixarem suas casas, compartilham informações e
23
questionam significações, ressignificando o papel daqueles engajados na prática social
desse espaço, e deixam transparecer representações sobre ensino/aprendizagem,
professor/aluno, língua, etc. que constituem sua identidade e moldam sua forma de
ensinar e de aprender.
Por meio de suas práticas sociais, os participantes desfilam suas opiniões sobre
determinados assuntos e, assim, acabam se estruturando em diferentes ideologias e se
transformando em um ambiente propício à investigação de linguistas preocupados com
a dinamicidade do ambiente digital e suas consequências sociais (JESUS, 2009, p. 240).
Bem por isso, elejo um site educacional – English Experts: um guia para quem
estuda inglês por conta própria via internet – onde se concentram atividades de ensino e
de aprendizagem de língua inglesa. Considerando meu objetivo de investigar as práticas
sociais que revelam o desenrolar do processo identitário de sujeitos dedicados a
ensinar/aprender língua inglesa, faz-se pertinente a seleção de um corpus em que se
concentrem materializações linguísticas nessa mesma órbita.
Para alcançar os objetivos propostos neste estudo, dirigi um olhar
interpretativista sobre o fenômeno em questão, perseguindo respostas às seguintes
questões:
Como se desenrola o processo identitário do Expert Collaborador e do aprendiz
de língua inglesa no site English Experts?
Qual é a relação com sua prática de ensino/aprendizagem desse idioma?
Nessa oportunidade, anteponho algumas reflexões a respeito de como os sujeitos
que se dedicam ao ensino de língua inglesa no English Experts se encontram marcados
por representações sobre ensino/aprendizagem de inglês, e como elas podem produzir
implicações em sua prática de ensinar e aprender. As reflexões que seguem são feitas
com base em enunciados e imagens materializadas no site.
Tendo em conta essas questões de pesquisa, acorrentei os seguintes objetivos:
Objetivo geral:
Investigar práticas sociais daqueles que desempenham o papel social de
professores/aprendizes em sites voltados para o ensino/aprendizagem de língua inglesa,
com o intuito de perceber como esse novo ambiente educacional pode impactar seu
processo identitário.
24
Objetivos específicos:
Esse propósito maior se desmembra nos seguintes pontos:
a) identificar sites educacionais voltados ao ensino/aprendizagem de língua inglesa;
b) identificar práticas sociais em torno do ensinar e aprender;
c) identificar representações sobre ensino/aprendizagem que subjazem à prática dos
participantes;
d) analisar o modo como o ambiente virtual impacta a imagem docente/discente e;
e) perseguir possíveis implicações de suas identidades com relação a seus modos de
ensinar e aprender.
Como, não raro, as indagações de um pesquisador derivam de suas leituras e de
sua história de vida, tive o intuito, nesta introdução, de descrever sucintamente minha
trajetória como aprendiz de língua inglesa e formação docente. Acredito que isso clareia
ao leitor a motivação que deu origem a este estudo. Além disso, busquei também listar
as razões que justificam a escolha de um site educacional para atingir os propósitos
desta pesquisa.
No Capítulo 1 – Pigmentação teórica –, percorro tópicos e revisito autores que
me ajudaram a compreender a questão da identidade na sociedade da informação.
Exponho também uma breve problematização no respeitante às tecnologias e seu
impacto no âmbito educacional.
A identidade é vista como construída na relação com o outro e, portanto,
diretamente influenciada pelas tecnologias e ideologias de cada contexto histórico-
social. Na mesma direção, disponibilizo alguns apontamentos sobre o papel do
professor e do aprendiz no ciberespaço e como essa nova realidade encarta implicações
para sua prática pedagógica.
No Capítulo 2 – Metodologia da pesquisa: o compasso camaleônico –, relato a
abordagem metodológica (de cunho interpretativista) empregada neste estudo e o
percurso empreendido até as reflexões finais. A abordagem metodológica foi adotada
levando em conta o ambiente onde os sujeitos desempenharam sua prática social e os
meios disponíveis para observá-la e analisá-la.
Na esteira de Erickson (1985), discorro sobre o interpretativismo e, em seguida,
explicito o modo como me aproprio dessa perspectiva e a amoldo a meus propósitos.
25
Finalmente exponho os critérios e o processo de seleção do material, com base no qual
os dados e as reflexões deste trabalho foram produzidos.
No capítulo 3 (Resultados e análise), procuro analisar materializações
linguísticas e imagéticas com a finalidade de responder às indagações deste estudo.
Antes ainda de encerrar o trabalho – Algumas (in)conclusões – retomo as
perguntas da pesquisa, as considerações a que cheguei, não esquecidas suas limitações,
as quais sugerem a necessidade de mais pesquisas para aclarar a problemática a que me
confronto.
26
1 Pigmentação teórica
Camaleão poeta
Mudamos de cor
Mudamos de amor
Mudamos de pele
Vivemos embaixo de tudo que nos revele
Parecemos seres sem rosto
Sempre mudando de posto
Com amargo desgosto
De não sermos compreendidos
Por aqueles que se dizem vividos
Que culpa temos
Se nunca podemos
Nos mostrar por inteiro
Já que somos sempre a metade
De toda nossa verdade
E do nosso amor primeiro
Quem sabe oportunidade
Para que a humanidade
Assim conheça e a vida floresça
Como jardins suspensos
Que são como enormes lenços
Acenando neste plano imenso
Mãos estendidas
Que são como vidas
Brotando do seio
Alegre do nosso meio
Estão me vendo!
Como tudo que sonhei
Estou feliz!
Nasci!
Era tudo que sempre quis
Uma vida que transcende
Uma luz que acende
Um homem que escreve
E pessoas que entendem
(Autor desconhecido)
27
Este capítulo tem por objetivo apresentar as discussões teóricas em que me pauto
para discutir as práticas identitárias do professor de língua inglesa em ambiente virtual.
Contudo, primeiramente gostaria de vincar que este estudo se insere no âmbito da
Linguística Aplicada e que, tal como argumenta Pennycook (1998), o enfoque dos
trabalhos nesta área não é o de resolver problemas, mas, sim, o de explicar fenômenos e
problematizar o que já está instituído. Em outras palavras, os problemas não existem em
si, afloram sempre alicerçados em um posicionamento e um objetivo.
Sendo assim, este trabalho buscará discutir como se dá o processo de
constituição da identidade docente nesse novo espaço e, igualmente, saber qual a
relação desse processo com o ensino/aprendizagem de língua inglesa.
Na primeira sessão, semeio discussões sobre o momento histórico que estamos
vivendo, impregnado pela ideologia da globalização, a qual, por sua vez, se instaura no
sistema capitalista, promotor do desenvolvimento tecnológico, com incentivo ao
consumo e ao lucro.
Em seguida, na sessão que sobrevém, exibo também algumas reflexões sobre a
identidade e a linguagem na sociedade globalizada.
1.1 O camaleão do contexto pós-moderno: nova forma de ver e ser
o/no mundo
A questão da identidade se faz constante no mundo contemporâneo, sobretudo
em decorrência das constantes mudanças tecnológicas, culturais e estruturais que vêm
ocorrendo e alterando nosso modo de vida, desde a forma de interagirmos até o modo
como concebemos o mundo e as circunstâncias em nosso redor (BAUMAN, 2003,
2007; CASTELLS, 2010).
Tudo aquilo que utilizávamos para compreender o mundo está sendo
fragmentado e profundamente questionado. Esse período se torna confuso,
principalmente porque essas categorias intelectuais que utilizamos para compreender o
que acontece à nossa volta, cunhadas em outras épocas, são deslocadas e não dão mais
conta dos acontecimentos contemporâneos (BAUMAN, 1999, 2003; CASTELLS, 2010;
HALL, 2005).
Assim, logo se nota que a essência da identidade é o simbolismo e a experiência
de um povo. Nas palavras de Castells (2010, p. 22), ao mencionar Calhoun: identidade é
28
a “fonte de experiência e significado de um povo”. Segundo ele, não há conhecimento
de um vilarejo, um que seja, que não tenha idioma e, portanto, nomes e uma cultura em
condições de estabelecer a distinção entre o nós e o eles.
São exatamente essas concepções, tidas como certas e fixas, que estão se
modificando e balançando o mundo de forma a assentá-lo em novos parâmetros.
Alguns autores (BAUMAM, 1999, 2003, 2007; CORACINI, 2003; GIDDENS, 2002;
HALL, 2005; MOITA-LOPES, 2003, 2010; SILVA, 2009) afirmam que tais
acontecimentos anunciam, neste virar de século, uma mudança de paradigmas, e que
estamos, pouco e pouco, deixando a modernidade para se instalar no chão da chamada
era pós-moderna.
Nessa direção, Coracini (2006) assinala que o prefixo pós-, aqui, não se destina a
estabelecer bordas a um período imediatamente posterior à modernidade. Ele não apaga
totalmente a perspectiva moderna de olhar o mundo, de maneira racional. Postula,
então, a coexistência de ambas, sem que estejamos imersos numa crise de paradigmas.
Embora essas perspectivas coexistam de forma imbricada, emergem algumas
características que distinguem a modernidade da pós-modernidade. Enquanto a primeira
postularia a racionalidade, a unidade e a objetividade, bem como a busca da verdade e a
essência dos fenômenos, a segunda reclama a dispersão, a fragmentação do sujeito, do
discurso e da experiência, ou seja, a relativização de tudo. Em síntese, tudo que era
percebido como fixo e universal passa a ser relativizado, e as identidades passam a ser
redefinidas (CORACINI, 2006).
Um dos motivos pelo qual a questão da identidade vem tão frequentemente
sendo abordada, tanto na mídia como no mundo acadêmico, são essas mudanças
culturais, sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que perpassam pelo mundo.
Fazem-se sentir, com maior ou menor intensidade, em comunidades locais específicas, e
a todo o instante, convida-nos a nos posicionar diante da avalanche de informações e de
diversidades que se nos afiguram à frente (MOITA LOPES, 2003, p. 15).
Em meio a essas mudanças se fragmenta muito daquilo que era tido como uno,
convidando-nos às discussões sobre identidade. Afinal, como afirma Silva (2009, p. 19),
“a identidade só se torna um problema quando está em crise, ou seja, quando aquilo que
se supunha ser fixo, coerente e estável é deslocado ao campo da incerteza”.
Nas palavras de Moita Lopes (2003, p 15), as constantes mudanças que vêm se
sucedendo instigam “nas práticas cotidianas que vivemos um questionamento constante
de modos de viver a vida social que têm afetado a compreensão da classe social, do
29
gênero, da sexualidade, da idade, da raça e etc.” Acrescento, por igualmente relevante, a
compreensão das línguas e de seu papel na sociedade.
1.1.1 A linguagem e a condição pós-moderna: comunicação ou ilusão?
Enquanto o cruzamento das fronteiras se realizava à velocidade dos pés e das
carruagens, à língua cumpria apenas o papel prático de estabelecer a comunicação entre
povoados que, em muito, compartilhavam os mesmos conceitos e concepções. Se bem
assim, muito mudou com a revolução da informação e industrial.
Com advento do automóvel, do avião e de outros meios de transportes
extremamente velozes, associado as tecnologias da comunicação – o rádio, a televisão,
o telefone, etc. –, a língua foi irremediavelmente lançada no terreno da ambivalência
(BAUMAN, 1999), principalmente a língua inglesa que detém o estatuto de língua da
comunicação internacional.
É voz corrente que esse idioma é a língua do contato internacional, no momento
presente. Cada período histórico abrigou sua língua franca, servindo de instrumento
auxiliar da comunicação entre povos de culturas e lugares distintos.
Nesse andar, a língua inglesa arregimenta esse status porque, segundo Crystal
(1997), em vésperas do século XXI, cerca de 350 milhões de pessoas a falam como
primeira língua, 200 milhões a usam como língua oficial ou segunda língua, e outras
centenas de milhões como língua estrangeira, caracterizando-se como a língua
estrangeira mais estudada no mundo.
Além disso, ele assevera que esse idioma representa a língua das grandes
organizações internacionais e da divulgação do conhecimento científico. Mais de 70%
das publicações científicas não são divulgadas senão por ela. Muito provavelmente,
traduz a única língua com maior contingente de falantes não nativos do que nativos.
Agora, ao passo que falamos para nos comunicar, provocamos, ao mesmo
tempo, a confusão e o desentendimento. Não bastasse, tal situação só pode ser
solucionada pelo mesmo meio que pode agravá-la. Vivemos uma época em que a vida
tradicional, os valores éticos e morais, as ideologias e percepções da vida cotidiana,
entendidas como verdades e tidas como naturalizadas, estão sendo profundamente
questionadas (BAUMAN, 1999; MOITA-LOPES, 2003).
30
Em todos os cantos, basta olhar e notar tudo se reconfigurando. No que se refere
a educação por exemplo, aqueles que foram formados nos moldes da fábrica, hoje
encontram os cacos dessa escola. (VER FORBES, antes na página 24)
Jorge Forbes (2012), em seu conto “Almoço de mulheres” revela bem outra
entre as mudanças de valor que vem configurando o que vem a ser chamada de pós-
modernidade: em um dia desses, em que combinaram um encontro,
“ela entra no restaurante com passo firme, cabeça altiva, olhar direto. Ela
chega para o almoço. Cabelo arrumado, liso encaracolado com laquê,
depende da idade. O braço em ângulo reto carrega a bolsa de marca, de
preferência creme ou bege-claro. Sapato, quando é sapato e não sandália, tem
um salto pequeno, de dois ou três dedos, daqueles de aeromoça se firmar no
corredor do avião. [...] Nas mãos carregam lembrancinhas, seja o que for:
aniversário, batizado, formatura, novo emprego, divórcio, casamento, antes
de viagem, depois de viagem, não importa. Os motivos são meros suportes às
lembrancinhas. E mais vale o embrulho que a própria lembrancinha. [...] Elas
não olham para ninguém nesse dia, mesmo que o restaurante seja desses de
bufê. [...] salvo se uma delas reconhece alguém, em especial um homem.
Pronto, ali aparece a presa fácil ao cumprimento de uma e à critica de todas.
Nem o boi deve ficar tão aflito em rio de piranhas nem o gladiador rodeado
de leões [...]. Aquelas bocas batonadas, aqueles dentes, aquelas línguas em
seguida o despirão do cadarço do sapato ao penteado engomado. Os homens
olham, entre a curiosidade e a inveja, aquele grupo de saias. Sentem-se
excluídos, inúteis, desprezados. Tentam ridicularizar, mas não conseguem,
pois é superior o desprezo das convivas. E então constatam o abismo que os
separa. Sofrem ao perceber que, para estar sós entre si, elas vieram tão
arrumadas, perfumadas, chiques. Descobre que uma mulher se despe para um
homem, mas se veste para outra mulher. Aos homen só resta contemplar e
esperar que, depois da sobremesa, do cafezinho, ela queira mudar de assunto
e de parceira”.
Outro ponto que evidencia as mudanças concerne às concepções de tempo e
espaço, as quais Bauman (2010, p. 130) põe em dúvida afirmando que grande parte das
coisas intrínsecas ao quotidiano são compreendidas razoavelmente até o surgimento da
necessidade de defini-las.
Segundo ele, ao tempo e espaço de sua infância, quando não em período ainda
mais afastado, não era incomum ouvir perguntas como “Quão longe é daqui até lá?”
seguida desta resposta “Mais ou menos uma hora, ou um pouco menos se você
caminhar rápido”. Nos dias que correm, em momento anterior à resposta, segue-se, aqui
e ali, outra pergunta, relativa ao meio que se utilizará para se locomover. O mundo está
se alterando, e a língua precisa entrar em suas nuanças para cumprir sua função. Leia-se:
comunicar.
Com isso, percebe-se que os cidadãos desse outro espaço e tempo não se
questionavam sobre o significado dessas concepções. Afinal, não havia motivos para o
fazerem em uma época em que tais concepções estavam limitadas ao esforço humano e,
31
portanto, não variavam mais do que seus vigores físicos. Foi preciso superação das
velocidades obtidas pela desenvoltura dos músculos humanos ou do potencial dos
animais para que o tempo e o espaço começassem a ter uma história (BAUMAN, 2001,
p. 129).
Quanto mais ferramentas e equipamentos velozes foram surgindo, mais o tempo
deixou de ser uma característica fixa, e a distância se tornou atributo da habilidade de
utilizar os equipamentos disponíveis (BAUMAN, 2001, p. 130).
O tempo deixou de ser característica das massas de terra e água inertes à
manipulação humana, tornando-se flexível e maleável, moldando-se aos equipamentos
disponíveis para sua manipulação. Assim, percebe-se que embora o tempo, até o
momento presente, parecesse possuir uma identidade fixa e imutável, agora começa
desmembrar-se a depender do meio de transporte utilizado para se locomover ou do
meio de comunicação. Nas palavras de Bauman (2001, p. 130), “o tempo se tornou o
problema do ‘hardware’ que os humanos podem inventar, construir, apropriar, usar e
controlar”.
Daí a relevância em investigar como as identidades de professores e alunos são
construídas no ambiente digital, pois, as comunidades de aprendizagem online dão ares
de exigir novas formas de atuação. É preciso possuir a capacidade de se movimentar em
um espaço de ensino que não mais exige sua presença marcada, como impõe a escola
convencional (JESUS, 2007). Em outras palavras, o ambiente virtual parece impor-lhes
um novo tempo e espaço.
Tendo isso à vista, compreender as práticas identitárias de professores e alunos
na internet é indispensável para estabelecermos programas de formação de professores
que levem em linha de conta a complexa dinâmica do ambiente digital e de seus efeitos
no cotidiano escolar.
1.2 Identidade: a volatilidade do camaleão
Definir o que é identidade, eis uma tarefa complexa e reveladora das bases em
que me apoio. Ao teorizar sobre identidade, Silva (2009) elucida que uma das
discussões centrais em torno da identidade se concentra na tensão existente entre o
essencialismo e o não essencialismo.
32
Para ele, uma definição essencialista da identidade sugere haver um conjunto
cristalino, autêntico, de características intrínsecas a certa identidade, hábil a
fundamentar suas afirmações, tanto na história quanto na biologia. Nessa perspectiva, o
sujeito é compreendido como ser racional e consciente de si mesmo, unificado e,
portanto, homogêneo. Lê-se sujeito cartesiano ou psicológico (SILVA, 2009).
Contudo, em meio às tribulações e constante reorganização da sociedade
(BAUMAN, 1999, 2003; MOITA-LOPES, 2003, CASTELLS, 2010), torna-se
insustentável qualquer visão que tente assentar a identidade em uma posição fixa e
imutável. Se bem assim, tentar capturá-la seria o mesmo que fixá-la e, como diria
Bauman (2003), os líquidos escapam entre os dedos.
Em meio às constantes mudanças que o mundo está sendo submetido, refletem
as outras cores que emergem de seus ‘eus’. Nesse sentido, percebe-se que as identidades
não são essencialistas e o sentimento de possuir uma identidade unificada desde o
nascimento até a morte se trata apenas de uma cômoda história sobre o eu, pois ela não
passa de uma fantasia (CARMAGNANI, 2003, p. 305).
Uma definição não essencialista prestaria atenção também às diferenças, assim
como às características comuns ou partilhadas, tanto entre os próprios indivíduos
pertencentes a uma identidade, como entre esses indivíduos e indivíduos pertencentes a
outros grupos identitários. Atentaria-se, por igual, às formas pelas quais as definições
daquilo que significa pertencer a uma identidade têm mudado ao longo dos anos
(SILVA, 2009).
Nesse viés, a identidade passa a ser definida historicamente, e não
biologicamente. Assim como o camaleão, que muda sua cor conforme a circunstância
em que se encontra, a identidade se modifica constantemente a depender do contexto
histórico-social em que nos situamos e da alteridade que nos questiona. Ao
interagirmos, deixamos rastros identitários que somente emergem em contato com os
interlocutores, quando não com aquilo que forma a contraparte de nossa identidade.
Rajagopalan (2003) ilustra bem isso, ao retratar um quadro recorrente na mídia.
No entender desse autor, ao caracterizar o terrorista, por exemplo, como aquele que
sacrifica a própria vida em prol de uma causa qualquer, a mídia não está apenas se
referindo a pessoa que pratica tal ato de proporções incomuns no Ocidente. Ela também
está emitindo uma opinião a respeito de si mesma.
À medida que estes rótulos se naturalizam, tais julgamentos de valor são
camuflados como simples ato referencial. Contudo, dado que toda opinião avaliativa
33
comporta outros lados, a identidade desses sujeitos se constrói na relação com sua
contraparte.
Nas palavras do autor, “os mesmos indivíduos que são chamados de terroristas
ou homens-bomba pela imprensa ocidental são lembrados como ‘mártires’ e ‘soldados
da guerra santa’ pela imprensa árabe” (RAJAGOPALAN, p. 87, 2003). Acontecimentos
como esse apontam para as identidades como socialmente construídas.
Desse modo, elas não são, fundamentalmente, propriedade privada dos
indivíduos. São construções sociais, suprimidas e promovidas de acordo com os
interesses políticos da ordem social dominante, imbricada que está com as estruturas de
poder e dominação (MOITA-LOPES, 2003).
O grande número de estudos realizados nos últimos anos (CORACINI, 2006,
2009; NETTO, 2009; HALL, 2003; MOITA LOPES, 2003, 2010), com diferentes
enfoques teóricos sobre identidade, evidencia a preocupação em questionar e
compreender a configuração social no mundo contemporâneo.
Se bem assim, apesar do avanço dessas pesquisas, ainda são em número
reduzido os trabalhos (ARTUZO, 2011; JESUS, 2009) que se preocupam em descrever
práticas identitárias de professores em ambiente digital.
Tendente a compreender como ocorre o processo de constituição identitária de
professores de língua inglesa, Artuzo (2011) investigou e descreveu os traços
predominantes que se evidenciaram ao longo do processo de (re)constituição das
identidades profissionais de professores de LI durante a participação em um curso de
formação continuada em ambiente digital.
Para esse propósito, a autora analisou autobiografias e entrevistas narrativas
realizadas com as professoras participantes do curso, não sem tomar em conta os traços
subjetivos que afloraram e as transformações provocadas pelas novas experiências de
ensino-aprendizagem.
Por meio dos traços emergentes nas narrativas das professoras, tais como
insegurança, incompletude, incerteza, desejo, descoberta, adesão, ação, autoconsciência,
adaptação, organização e superação, a autora assevera que o processo de constituição da
identidade docente se dá por meio de um processo dinâmico, com uma movimentação
frenética e impetuosa.
À medida que problematizarmos e melhor compreendermos como esses
construtos contribuem para o centramento dos indivíduos em posições de sujeito,
poderemos também melhor apreender as estruturas discursivas que amarram a profissão
34
docente e, assim, refletir sobre suas implicações para o ensino/aprendizagem de língua,
e na mesma linha, desenvolver cursos de formação para professores entusiasmados em
se aventurar nesses novos ambientes propiciados pela tecnologia.
1.2.1 O camaleão moderno: da sala de aula ao ambiente digital
Desde que as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) começaram
a se expandir, muitas mudanças ocorreram na dinâmica da sociedade e das instituições
que a compoem, incluindo o campo da educação no que se refere a aprender e ensinar
(KENSKI, 2010, p. 85).
Ainda que Pierre Lèvy (2010), em sua obra “Cibercultura”, não se dirija à
aprendizagem de idiomas, ele menciona o ciberespaço como favorecedor de novas
formas de acesso à informação e de novos estilos de raciocínio e de construção do
conhecimento.
Ele afirma também que em meio a onda de informação que essa tecnologia
propicia, as instituições que eram responsáveis pela construção do sentido, como as
universidades, a mídia, etc. começam a perder esse espaço e os indivíduos devem se
responsabilizar pela fabricação do sentido, filtrando-lhe de acordo com seus propósitos
e os aprendizes precisam se responsabilizar pela fabricação do conhecimento que
desejam (LÉVY, 2010).
Por acréscimo, independentemente do uso mais ou menos intenso dessas
tecnologias na sala de aula, ou mesmo como sala de aula, professores e alunos entram
em contato com essas tecnologias em outras esferas da sociedade e trazem consigo
marcas desse contato (Idem, ibidem).
Guardam em sua memória, informações e vivências que foram incorporadas das
experiências com filmes, programas de rádio, televisão, clips e/ou outras atividades
realizadas na internet. Essas experiências não raro produzem implicações para a prática
social realizada no interior das salas presenciais e, consequentemente, para a identidade
de seus integrantes (KENSKI, 2010, p. 85).
Muitas dessas informações se transformam em referência e servem como âncora
para novas descobertas e aprendizagem sistemática em ambiente formal. Essas
ponderações são suficientes para mostrar que, na sociedade da informação, se torna
impossível pensar que as práticas de ensino/aprendizagem que se distanciam das
35
atividades práticas do quotidiano possam ocorrer exclusivamente em ambientes
presenciais (Idem, ibidem).
É inconcebível pensar que as atividades educacionais permaneçam restritas ao
ambiente escolar presencial, pois, dia a dia, alunos entram na escola com mais
conhecimento adquirido de forma independente pelos mais diversos meios de
comunicação que medeiam as interações na sociedade atual (KENSKI, 2010, p. 85).
Além desse impacto indireto provocado pelas tecnologias no quotidiano escolar,
elas também se fazem presentes no interior da escola. Contudo, diferentemente do uso
que comumente se faz delas, a autora afirma que no interior de instituições educacionais
esse uso é planejado. Em suas palavras, “os fins a que se destinam são determinados e
estão diretamente articulados com os objetivos do ensino e da aprendizagem”.
Em outras palavras, embora seja possível o aprendizado com um filme ou
documentário assistido na televisão, ele não está inserido ou articulado em um plano
pedagógico. Sua apresentação deve ser condicionada ao tipo de aluno, ao conteúdo que
se deve trabalhar, etc., a fim de canalizar a atenção dos alunos àquilo que se encontra
em pauta.
A simples exposição de filmes ou programa de televisão, de forma desarticulada
de algum plano pedagógico, apenas centra professores e alunos em uma forma de
ensino/aprendizagem pouco ativa e sem direcionamento crítico. Além disso, quando não
trabalhados pedagogicamente em aulas posteriores, esse conteúdo pode cair no terreno
do esquecimento.
Em síntese, a autora assevera que, com o uso intensivo desses procedimentos e
tecnologias, ainda que a sala de aula permaneça fixada ao espaço físico, “a aula se
expande e incorpora novos ambientes e processos, por meio dos quais a interação
comunicativa e relações de ensino-aprendizagem se fortalecem” (KENSKI, p. 90,
2010).
Nota-se, portanto, que o ambiente educacional, conforme se abre para o uso mais
intenso das TICs, tem sofrido algumas alterações. Vistos inicialmente com certa
desconfiança e como modismo, os computadores, em especial, foram ganhando espaço
em projetos experimentais e atividades isoladas do ensino sem muita interação com
programas e projetos pedagógicos de instituições escolares (KENSKI, p. 91, 2010).
Assim como as aulas de artes, ou ainda, as de educação física, as aulas de
informática dificilmente eram incorporadas nos projetos e propostas pedagógicas como
momento de reflexão crítica e aquisição de conhecimento.
36
Contudo, assim que incorporadas às atividades intraescolares, passaram a ser
vistas com outros olhos e, associadas à internet, permitam o acesso a uma enorme
quantidade de banco de dados localizados em diversos lugares do mundo e a
possibilidade de interatividade entre computadores transformou, ainda que
brandamente, a maneira que professores e coordenadores começavam a perceber a
potencialidade dessa máquina (KENSKI, p. 91, 2010).
Com o tempo, com a percepção das possibilidades que essa máquina poderia
propiciar, muitas escolas resolveram acolher essa tecnologia como o passo inicial de
implantar laboratórios de informática. A princípio, o computador era percebido apenas
como uma máquina de escrever aperfeiçoada e com memória. Foi seu uso que revelou
novas possibilidades com o passar do tempo (KENSKI, p. 91, 2010).
Embora a gama de sites, blogs e fóruns de discussão sobre os mais inusitados
temas colaborassem para a aprendizagem de alunos e professores, a Educação deixou
claro requerer mais do que acesso à tecnologia e fluência em seu uso. Era preciso
formação para seu uso pedagógico (KENSKI, p. 91, 2010).
Um exemplo desse uso das tecnologias digitais é o projeto Teletandem Brasil.
Embora ainda se restrinja ao nível universitário de ensino, esse projeto foi possibilitado
apenas com o advento das redes de computadores e visa a auxiliar aprendizes de línguas
estrangeira a aprender outra língua de forma colaborativa (GARCIA, 2010; VASSALO,
2010).
A finalidade desse projeto é estimular a interação de alunos brasileiros com
estudantes de outras nacionalidades que desejam aprender língua portuguesa. Assim, os
participantes, em determinado momento, interagem em português, e outros na língua
estrangeira na qual seus interlocutores são proficientes (VASSALLO, 2010).
Esse projeto é apenas um entre aqueles que emergiram da percepção da
necessidade de desenvolvimento de conhecimento pedagógico para o desenvolvimento
da prática educacional mediada por computador.
No contexto de ensino digital, as aulas se deslocam dos horários e espaços
rígidos das salas de aula presenciais e começam a criar vida de forma cada vez mais
intensa no ciberespaço. O ensino mediado pelas tecnologias digitais pode redimensionar
os papéis daqueles envolvidos no processo educacional e exigir novas práticas sociais.
Neste capítulo, a fim de esclarecer ao leitor os pressupostos teóricos que
subsidiaram este estudo, busquei apresentar, brevemente que seja, algumas discussões
37
teóricas sobre a identidade e a influência das TICs na educação. No próximo capítulo,
discorro sobre os pressupostos metodológicos que orientam a análise.
38
2 Metodologia da pesquisa: o compasso camaleônico
Sou todos os rostos do mundo;
Em cada face me vejo,
Estou desde o ser imundo,
Projetando-me no que desejo.
Às vezes me surpreendo,
Assumindo certas posturas,
Recompensam-me, pois, assim fazendo,
Fujo de algozes agruras.
E neste morfismo inerente,
Encontro então meu alento;
Buscando refúgio na mente,
Superando os traumas que enfrento.
(Riedaj Azuos)
Este capítulo relata a abordagem metodológica empregada neste estudo e o
percurso empreendido até as considerações finais. A abordagem metodológica foi
adotada levando em conta o ambiente onde os sujeitos desempenharam suas práticas
sociais, e os meios disponíveis para observá-las e analisá-las, com o objetivo de
responder às questões propostas por esta pesquisa.
Por meio de estudo qualitativo, optei por lançar um olhar interpretativista nos
fenômenos observados, por concordar com Erickson (1985) de que toda leitura do
ambiente que nos cerca é uma leitura triada pela subjetividade daquele que contempla.
Contudo, gostaria de explicitar que, por me distanciar consideravelmente dos
apontamentos de Erickson sobre o interpretativismo, de primeira mão explicito ao leitor
os pressupostos dessa abordagem, como surgiu e o modo que dela me aproprio.
Em seguida, descrevo o processo de geração do corpus, desde o contato inicial
com os sites até a seleção final do conteúdo que o constitui. Em consonância com a
perspectiva teórico-metodológica adotada, a análise do site e a seleção do conteúdo para
constituição do corpus se deram de forma contígua. O material que constitui o corpus
39
deste estudo não foi coletado e posteriormente analisado. À medida que as
interpretações ocorriam, o material analisado passava a integrar o estudo.
Embora esteja apresentada de forma separada, a segmentação entre corpus e
análise é utilizada apenas como estratégia didática para a explicitação da forma como o
primeiro foi formado.
A análise procedeu de acordo com as indicações de Erickson (1985), que
aconselha várias leituras do material selecionado para a geração de temas emergentes.
Com base nesses temas é que a análise foi assentada, e o material analisado passou a
constituir o corpus. Não parti da convicção de uma realidade dada, mas construída por
meio de minha interpretação.
Finalmente, discuto como os procedimentos analíticos e interpretativos usados
no estudo originaram o texto que compõe as diferentes seções desta pesquisa.
2.1 O tom escolhido: que método é este?
Antes de iniciar, gostaria que o leitor reparasse que a leitura pode ser um
exercício passivo, principalmente quando se refere ao texto de caráter científico. Diante
disso, leitores não raro se posicionam como receptores e dele não se aproximam para
criticar, analisar, fazer cruzamentos de referências, confrontando aprendizagens prévias
e experiências próprias. Contudo, em consonância com a perspectiva metodológica que
adoto neste estudo, peço ao leitor que se aproxime do texto atentando às perguntas
retóricas que lhe encaminho.
Embora inscreva este estudo sob o rótulo interpretativista, é importante destacar
que há muita dissonância entre os interpretativistas sobre a maneira de conduzir estudos
desse tipo. Por isso, não seria de bom tom me posicionar em nome dos interpretativistas,
genericamente falando.
Além disso, parto do princípio que a metodologia de um estudo não pode ser
limitada aos modelos pré-existentes pelo simples motivo de não circunscrevê-la ao já
percorrido, menosprezar outros caminhos aparentemente sem relevância. São por essas
razões que lanço mão de explanações de vários autores, como as de Frederick Erickson
(1985), Jonh Ziman (1996), Moita-lopes (2003), Thompson (2002), Bulawski (2004),
Uwe Flick (2009) e Zigmunt Bauman (2010), para explicitar os pressupostos
40
epistemológicos mais significativos aos meus propósitos, sem entrar em contradição
com minhas próprias escolhas.
Mas, enfim, como surgiu o modo interpretativista de fazer pesquisa? A pesquisa
interpretativista (ERICKSON, 1985) se tornou de particular relevância ao estudo das
relações sociais devido, principalmente, ao surgimento de novas esferas da vida social,
seja exemplo o ambiente digital. Termos-chave para a definição dessa pluralização são
as novas “obscuridades” que emergem juntamente com essas esferas e a intensa
“individualização” das formas de vivê-las (FLICK, 2010).
Nesse andar, as velhas relações sociais, agora dissipadas em nova atmosfera,
precisam de outra sensibilidade para seus estudos empíricos, implicando aos
pesquisadores o enfrentamento constante de recentes contextos e novas situações que
mudam constantemente (FLICK, 2009, p. 21).
Entre elas, destaca-se o ciberespaço como uma realidade desconhecida até o
surgimento da internet. Os sites destinados ao ensino de língua, por exemplo, também
são característica desta nascente realidade e se apresentam como terreno sedento de
interpretação.
Assim, dado o fim da era de grandes teorias, como aponta Flick (2009, p. 21),
os pesquisadores precisam se apropriar de meios indutivos para a abordagem do que se
propõem a estudar, embasando-se em teorias sensibilizantes para a aproximação do
contexto a ser estudado.
É por essas razões que, ao realizar este estudo, me utilizo do pensamento político
e social relevante (BAUMAN, 2001, 2003, 2009, 2010; GIDDENS, 2002; HALL, 2005;
MOITA-LOPES, 2003; SILVA, 2009) para interpretar as práticas sociais dos
professores de língua inglesa no site English Experts. O intuito é perceber como se
desenrola a identidade docente.
Consonante Erickson (1985), essa metodologia de pesquisa pode ser
alternativamente chamada de etnográfica, qualitativa, observação participante, estudo de
caso, construtivista, ou fenomenológica. Contudo, apesar de desempenharem grande
semelhança, suas sutis diferenças resultam em implicações que podem se reunir sob o
termo interpretativista.
O autor se vale desse termo por considerá-lo mais amplo e para não fugir à
análise quantitativa, afastando-se do modo puramente qualitativo de se fazer pesquisa.
Contudo, embora aberta à quantificação, a validade de suas asseverações não pode ser
41
previamente definida pela quantidade de observações ou recorrência a um determinado
evento.
Nesse sentido, torna-se evidente o caráter objetivo-subjetivo pelo qual as
reflexões deste estudo estão conduzidas. Afinal, como diria Paul Ricouer: “O sujeito
humano é subjetividade” (BULAWSKI, 2004).
Mas o que quero dizer com objetivo-subjetivo? Naturalmente que os processos
de compreensão e interpretação, consonante Thompson (2002), “devem ser vistos, pois,
não como uma dimensão metodológica que exclua radicalmente uma análise formal ou
objetiva [convenções, tabelas], mas, antes, como uma dimensão que é, ao mesmo
tempo, complementar e indispensável a eles.” Assumir minha subjetividade é
inegavelmente o reconhecimento de convenções. Afinal, negá-las seria a dispensa da
própria linguagem.
Mais propriamente, busquei ampliar os horizontes de compreensão sobre a
identidade docente com vista a perceber possíveis implicações para o processo de
ensino-aprendizagem de língua inglesa, com uma ideia de interpretação questionável,
por igual capaz de se tornar mais sólida e resistente, não necessariamente universal.
Em síntese, afirmo que nunca saberemos com certeza se nossas verdades
factuais coincidem com a realidade histórica. Mas por meio dos fatos se chega a
conclusões, aceitas ou não como verdades.
Assumo, com estas palavras, o caráter subjetivo deste estudo, filtrado pela
triagem de minha subjetividade. Ora, mas não seria isso senso comum? Contesto com
esta indagação: seria tão simples delimitar as fronteiras entre uma verdade dita científica
e o senso comum?
Todos nós sabemos que o conhecimento científico é produzido por meio da
racionalização e sistematização da realidade observada. Contudo, afirmar isso seria o
mesmo que forçar uma porta aberta. Estaríamos nesta afirmação negando a organização
do conhecimento tácito produzido pelo senso comum? Negar isso não seria negar a
concatenação universal dos fatos?
Diferencio o conhecimento do senso comum apenas por seu caráter tácito capaz
de orientar nossa conduta sem que sejamos, necessariamente, capazes de expressar
42
como e por que ele opera de determinadas maneiras. De outro modo, o saber do senso
comum é prático, o conhecimento científico é ideológico1.
Zigmunt Bauman (2010) exemplifica bem isso ao afirmar que, se fôssemos
questionados sobre quais códigos usamos para nos comunicar, que regras gramaticais
nos proporcionam a interação e como deciframos o significado de ações ou mensagens a
nós direcionadas, poderíamos até não compreender a pergunta. Todavia, ele deixa
evidente que esse saber é exigido para que possamos dar forma às nossas tarefas
cotidianas e, mesmo que não possamos enunciar essas regras que nos permitem agir,
rotineiramente demonstramos habilidades que dependem de sua existência.
A partir disso, indago ao leitor: que fundamentos podem atribuir superioridade a
um ou outro tipo de conhecimento, seja ele da esfera acadêmica, seja do cotidiano? É
justamente essa resposta, brevemente aludida acima, um dos pressupostos que me
guiaram nas arguições ao longo deste estudo.
Acredito, palmilhando o mesmo caminho de Fairclough (2010), que a única base
para tal superioridade é sua capacidade de prover explicação com grande potencial
explanador, consorciando o quantitativo ao qualitativo, isto é, o número de evidências à
habilidade em justificar as asseverações.
Penso que não há conhecimento natural do mundo que se reflita em diferentes
disciplinas acadêmicas ou formas de produzi-lo. Por isso, ancorado em minha
experiência de vida, leituras e discussões em contexto acadêmico, afirmo ser bastante
difícil discorrer sobre a validade de determinado conhecimento. Não conheço modelos
que forneçam critérios seguros para estabelecer a distinção entre a veracidade e seu
oposto.
Ziman (1996) relata que grandes avanços na ciência foram feitos, muitas vezes,
por cientistas que atravessaram as fronteiras disciplinares convencionais e, portanto, não
tinham mais autoridade do que leigos, já que o eram também. Desse modo, o ponto de
vista que acudo é que todos os métodos científicos de pensamento e de argumentação
são, essencialmente, os mesmos usados na vida cotidiana e que sua aparente
formalidade e rigor são resultado de sua especialização.
Em síntese, o importante para a legitimidade deste estudo é manter um
raciocínio fundamentado, deixando questões mais aprofundadas sobre o tema da
1 O termo “ideológico”, neste estudo, não descende da corrente marxista. Assim, ele não é
compreendido como realidade distorcida, mas como a forma pela qual percebemos a realidade.
43
confiabilidade do conhecimento ao capricho de debates diretamente relacionados com
ele.
2.1.2 Do interpretativismo à interpretação: as cores envolvidas
Em passo anterior evidenciei meu pressuposto, perseguindo o pensar de
Erickson (1985), de que toda interpretação é social e historicamente situada e filtrada
por minha subjetividade. Afirmo isso apoiado na evidência empírica de que não
podemos escolher sermos brasileiro, francês, espanhol ou branco de classe média, isto é,
ser pertencente a determinada realidade sócio-histórica que preenche nosso imaginário.
Em outras palavras, quero enfatizar que, muito antes de aprendermos sobre
prótons, elétrons, genes, economia, somos seres humanos, nascidos e criados na vida
comum de nossa época, e tal sorte podemos apenas aceitar com tranquilidade e
resignação, tornarmo-nos orgulhosos de quem efetivamente somos e das expectativas
lançadas sobre nós, ou nos rebelar contra isso.
O que quero dizer com esse entendimento é que, consonante Thompson (2002,
p. 360), “a experiência humana é sempre histórica, no sentido de que uma nova
experiência é sempre assimilada aos resíduos do que passou, e no sentido que, ao
procurar compreender o que é novo, nós sempre e necessariamente construímos sobre o
que já passou”.
Desejo em sequência chamar atenção para o fato de que minhas interpretações se
dão sobre um campo – ciberespaço – emergente no período moderno e em constante
crescimento, constituído, entre outras coisas, de indivíduos como nós, e suas práticas
que moldam esse espaço à medida que são por ele moldados.
O leitor deve ter notado que, ao fazer essas asseverações, em certos pontos,
assumo um posicionamento fundamentalmente diferente daquele sugerido por Erickson
(1985). Enquanto, para ele, o ponto central da interpretação é o significado local e
imediato das ações do ponto de vista dos pesquisados, no caso deste estudo, os
significados são gerados sempre pelo intérprete, que atribui significado às coisas e ações
ao seu redor a partir do lugar que ocupa social e historicamente (BAUMAN, 2010).
As evidências que sustentam esse posicionamento são os relatos,
substantivamente diferentes, elaborados por observadores dos mesmos objetos e ações.
Embora muitas vezes o lugar geográfico onde esses pesquisadores se encontram e os
44
objetos ou ações observadas sejam semelhantes, seus posicionamentos se diferem
consideravelmente.
O ponto central em que me afasto de Erickson (1985) é exatamente este: a
direção de onde parte os significados nas pesquisas são opostas. Bem por isso, a
substituição da expressão coletar dados por gerar dados. As pressuposições e conclusões
desse tipo de estudo se distanciam dos patrocinados por Erickson (1985),
consideravelmente.
Esse posicionamento é bem conhecido na sociologia e na psicologia social. O
entendimento básico é de que os objetos não são dados no mundo, mas são construídos,
negociados, ajustados, modelados e organizados pelo homem em seu esforço de dar
sentido à realidade que o circunda (MOITA-LOPES, 2003).
Essa compreensão, evidentemente, é o ponto culminante em que me afasto da
visão de Erickson (1985). Aqui o objeto de investigação é tido como construído, e o
pesquisador passa a ser imbricado no conhecimento que produz.
Desse modo, ao ler o capítulo de análise, o leitor logo perceberá que, ao invés de
focalizar imediatamente o modo pelo qual os indivíduos apreendem os objetos e
identidades à sua volta, estou mais detido em analisar como eles desenvolvem e
sustentam certas maneiras de ser e de se relacionar. É assentado nesse foco que
descrevo como se desenrola a identidade dos sujeitos professor e aluno e possíveis
implicações para o processo de ensino-aprendizagem.
Em síntese, me distancio em certos pontos da abordagem interpretativista a fim
de adequá-la aos objetivos que me proponho, a saber: investigar um site voltado ao
ensino-aprendizagem de língua inglesa, com foco especial em marcas discursivas e
interações relevantes para a construção identitária desses sujeitos.
Busco compreender a direção que a prática educacional está tomando no
constante reconfigurar da contemporaneidade. Afinal, a compreensão de uma nova
cultura tecnológica se fundamenta no estudo dos meios técnicos em sua relação com o
social.
Conforme esta discussão, vale destacar os seguintes pontos sensíveis desta
abordagem teórica no tocante ao objeto estudado:
- A indissociabilidade entre pressupostos teóricos e a escolha dos caminhos
metodológicos da investigação;
45
- a concepção de sujeito pesquisador como inevitável interferência na construção e
interpretação do dado empírico;
- o tratamento do dado empírico como efeito de uma criação ou produção, e não de uma
descoberta.
2.2 A delimitação do site analisado
Para a análise dos elementos que permeiam a prática social do professor de
língua inglesa em ambiente digital, optei por focalizar a reflexão sobre interações
realizadas no site “English Experts: um guia para quem estuda inglês por conta própria”,
os quais passaram a constituir o corpus deste estudo.
Dada a efervescência de vários espaços destinados ao ensino-aprendizagem de
língua inglesa em ambiente virtual, tais como blogs, cursos online gratuitos ou não, sites
colaborativos ou que funcionam como suporte para material didático, etc., a escolha do
site a ser analisado foi a princípio realizada por uma busca de quaisquer endereços
eletrônicos que se dedicassem especificamente ao ensino-aprendizagem de língua
inglesa.
De chegada, para afunilar e melhor delimitar o conteúdo que poderia colaborar
de forma mais adequada para atingir os objetivos propostos, efetuei uma busca aleatória
por ambientes online de interação que se dedicassem a propiciar a aprendizagem de
língua inglesa, tais como blogs, sites colaborativos e fóruns de discussão.
A primazia por sites interacionais se deu devido à opção por esquadrinhar a
materialidade linguística das interações entre aqueles que buscam aprender e aqueles
que desejam ensinar língua inglesa, em ambiente digital. No plano não verbal, intentei
compreender como esses elementos revelam traços identitários que marcam a prática
dos sujeitos e como poderiam funcionar como insígnias identitárias nesse processo
interacional.
De pronto, foram selecionados 10 sites, entre eles os dedicados a colaborar com
a disponibilização de conteúdo, aula ou qualquer outra forma de incentivo à
aprendizagem de língua inglesa, a saber: “Inglês Online Grátis – Aprenda inglês rápido,
fácil e grátis”, “Inglês na ponta da língua: descomplicando o que parece complicado”,
46
“Inglês pra valer: a decisão de aprender em qualquer tempo”, “Inglês na rede”, “Inglês
pra quê?”, “Meuinglês”, “Inglês e Arte”, “Tecla SAP: dicas de inglês”, “Inglês para
leigos” e “English Experts: um guia para quem quer estudar inglês por conta própria via
internet”.
Fundado na primeira seleção de espaços online voltados ao ensino-aprendizagem
de língua inglesa, foi necessário filtrar os resultados com o fim de selecionar o que
melhor se adequasse às questões propostas. Daí, a necessidade de elaborar um pré-
requisito.
Tendente aos objetivos do estudo, considerei como pré-requisito ter alta
frequência e quantidade de interações ocorridas entre sujeitos interessados em aprender
língua inglesa e aqueles dedicados a ensiná-la. Feito isso, realizei várias leituras dos
sites e blogs previamente selecionados com o intuito de perceber qual deles se
enquadrava mais adequadamente.
Foram excluídos, portanto, ambientes como blogs e outras páginas, muitas vezes
utilizadas apenas pelo professor e limitadas à função de suporte do conteúdo que
deveria ser estudado em ambiente extraescolar. O conteúdo dessas páginas poderia, de
onde em onde, ser encontrado em vários outros campos do ciberespaço.
Esta função de baluarte para conteúdo foi notada em muitas páginas. A razão
para sua exclusão se deve ao fato de encerrar pouca ou nenhuma voz de sujeitos que
visavam ao aprendizado da língua, apenas algumas instruções do sujeito professor sobre
a função do material e prazo para haverem sido estudados. Essa característica impediu-
me de perceber seu status de funcionamento, isto é, ativo ou abandonado.
Com base nestas delimitações estabelecidas para seleção do site, o “English
Experts: um guia para quem quer estudar inglês por conta própria via internet” se
revelou o de maior pertinência aos propósitos deste estudo, devido, principalmente, a
seu alto número de fóruns e interações entre participantes de várias regiões sobre
assuntos relacionados com a língua inglesa.
47
2.2.1 O English Experts
(Página de abertura do English Experts)
O site intitulado “English Experts: um guia para quem estuda inglês por conta
própria via Internet”2, como o próprio nome diz, é proposto como espaço para o auxílio
daqueles interessados em estudar inglês pela internet. Essa característica se faz
primordial para cumprir com o objetivo que me endereço.
Ele foi criado em outubro de 2006. O intuito inicial era apenas manter um
repositório online com links sobre língua inglesa, cursos gratuitos na internet e treinar
um pouco a escrita em língua inglesa. Contudo, o fundador do site afirma ter-se
surpreendido com o crescente número de acessos e interessados em aprender língua
inglesa pelo seu site.
Consequentemente, aquilo que tinha sido criado para realização de seu hobby,
isto é, estudar língua inglesa, acabou fascinando inúmeros interessados em estudar esse
idioma. Embora atualmente ele atue profissionalmente como gerente de projetos,
também assume a coordenação do English Experts.
2 Endereço eletrônico: <http://www.englishexperts.com.br/>
48
Isso revela uma característica dos sujeitos postos sob apreciação neste estudo.
Embora o site também conte com sujeitos formados para docência, muitos entre os que
se dedicam ao ensino de inglês no English Experts não possuem licenciatura. Eles
apenas ocupam o lugar social de professor.
O site descortina, em sua página inicial, o slogan com a seguinte frase: “English
Experts: um guia para quem estuda inglês por conta própria via internet”. Abaixo do
slogan há um menu horizontal composto por seis botões: Home, Fórum, Exercícios,
Dicionários, Top Dicas e, por último, Sobre.
O primeiro botão, Home, retorna à página inicial que contém a dica do dia. O
segundo, Fórum, dirige o visitante a uma página em que constam todos os fóruns de
discussão presentes no English Experts. Em terceiro lugar está o botão Exercícios, o
qual direciona o visitante a uma página com inúmeros exercícios para reforço da
aprendizagem e avaliação do nível de conhecimento do aprendiz.
Em seguida há o botão Dicionário. Ele direciona o aprendiz a uma página
recheada de inúmeros dicionários, entre eles: dicionário visual Merrian Webster; One
Look: o buscador de definições em dicionários; Google translate para iphone; Tradução
em tempo real com o Tradukka; dicionário de inglês grátis com download: Lingoes;
dicionário de acrônimos: Acronym Finder; dicionário inglês-inglês detalhado:
Macmillan; dicionário português-inglês, inglês-português é com o Translito e; por
último, dicionário de inglês rápido e gratuito.
O quinto botão, Dicas, dirige o visitante diretamente a uma página com dicas
eleitas as melhores no decorrer do site. Esse botão se divide em 10 sub-botões: 10 dicas
para aprender inglês, 14 dicas para turbinar o seu inglês, 400 palavras em inglês num
minuto, 7 trunfos para falar inglês, como encontrar sua voz inglesa, aprenda a pensar em
inglês, palavras mais comuns do inglês, como aprender inglês sozinho, como o cérebro
aprende inglês, completado por um simulado de entrevista em inglês.
O último botão, Sobre, se subdivide em outros dois: o primeiro remete a um
texto com a finalidade de apresentar o site; o segundo, direciona a uma página com a
descrição dos colaboradores ativos e aqueles que já foram decisivo na manutenção do
site.
O conteúdo analisado nesse espaço se refere principalmente aos fóruns de
discussão presentes na sessão “fórum de inglês” e, por sua vez, dicas sobre como
estudar ou aprender língua inglesa, presentes no botão Top dicas. Muitas discussões
49
presentes no interior desses fóruns constituem colaborações realizadas por seus
visitantes.
2.2.2 Normas para colaboração
Por se propor como site colaborativo, o English Experts aceita a inscrição de
pessoas – professores e alunos de língua inglesa – que se disponham a colaborar para a
manutenção do site.
Os pré-requisitos para participar como colaborador, li-los: a) gostar de língua
inglesa, b) ser estudante ou aluno dedicado, c) querer ajudar milhares de brasileiros a
aprender inglês e, finalmente, d) querer ter seu trabalho reconhecido.
Caso o pretendente a colaborador se enquadre nos quesitos arquivados, deve
efetuar seu cadastro no site para que possa iniciar sua atividade de colaboração, que
deve ser feita principalmente com a submissão de textos e artigos referentes à língua
inglesa e a seu aprendizado. Para tanto, é indispensável seguir as regras para publicação
estabelecidas pela equipe do English Experts, a saber:
Não enviar cópias de conteúdo de outros sites ou publicações (nem que o
conteúdo original seja seu). A republicação não é objetivo do site;
Citar as referências utilizadas para a elaboração do texto ou artigo;
Não submeter textos temporários. Caso a publicação seja aceita, não poderá ser
removida do site em hipótese alguma;
Estar ciente de que o English Experts se reserva o direito de reescrever, mantido
o crédito da dica;
Enviar, juntamente com o artigo, pequena descrição do próprio perfil com, no
máximo, 400 palavras, preferencialmente com foto.
Depois de efetuar o cadastro e de adaptar as colaborações às normas do site, o
colaborador devera efetuar log in no fórum para submeter o texto. Embora os créditos
do autor venham a ficarem sempre no rodapé do artigo, apresentação e foto do
colaborador ganharão espaço na área reservada abaixo do texto apenas após 10
publicações.
50
2.2.3 Geração de dados
Diferentemente da tradição de estudos interpretativistas, neste trabalho não me
detive em coletar dados para constituição do corpus, os quais em seguida seriam
analisados. Com busquei dar a ver anteriormente, a perspectiva que adoto parte do
princípio de que toda leitura da realidade constitui um interpretada, sempre tendente e
filtrada pela subjetividade que nos constitui. Assim, o material analisado no capítulo
seguinte não foi coletado e em seguida analisado; foi gerado ao longo de todo o
percurso de observação do site.
Depois de selecionado o site que seria analisado e tendo-se familiarizado com a
literatura sensibilizante para leitura do material, análise e geração de dados passaram a
acontecer simultaneamente durante o período de sete meses, quando realizava
constantes acessos para acompanhamento do movimento do site – práticas de
ensino/aprendizagem no interior da página.
Embora eu já houvesse me familiarizado em muito com a literatura pertinente ao
estudo, não me dei por autorizado a interromper o contato com a literatura. Se bem
assim, reflexões e insights que me ocorreram durante o contato com as obras serviram-
me, durante o semestre que me ocupei também com a leitura do site, para produzir
compreensão sobre a identidade dos participantes, levando-me, portanto, a julgar esses
fragmentos como adequados e a selecioná-los para constituírem o corpus do estudo.
2.3 Dos procedimentos analíticos à organização dos temas
Para atender ao objetivo deste estudo, tomei alguns procedimentos analíticos e
organizacionais. Primeiramente, realizei várias leituras atinentes ao conteúdo presente
no site, com vista a identificar temas que emergiram em diversas postagens e imagens.
É com base nesses temas que organizo a análise dos dados.
No plano verbal, foram examinados textos relativos a dicas para aprender língua
inglesa, apresentação do site e seus objetivos, instrução sobre procedimentos a que os
sujeitos devem submeter-se para se tornar Expert Collaboradores, bem como
materializações linguísticas que compunham as interações entre os sujeitos Expert
Collaboradores e os aprendizes que visitavam o site.
51
No plano pictórico, foram encontrados diversas imagens e ícones. Contudo, a
análise se restringe a efígies, como pequenas estrelas utilizadas como insígnias, para
demarcação da posição dos sujeitos na organização hierárquica do site.
Para melhor organização do texto e compreensão do leitor, ao longo da
discussão organizei os extratos retirados do site sob a nomeação de fragmento A, B, C,
etc. Foi alicerçado nos temas encontrados que esses recortes foram agrupados e postos a
uma apreciação mais depurada.
Segmentar o conteúdo do site em elementos verbais e imagéticos, agrupando-os
em temas, foi de incisiva importância para que eu pudesse entender e apresentar a
maneira como se desenrola a identidade dos professores e aprendizes de língua inglesa
no interior do English Experts.
Em síntese, para entender de que forma a identidade profissional se patenteia,
procurei observar, nas explanações dos professores e interações nos Fóruns, elementos
reveladores da subjetividade que perpassa por esses integrantes e, a partir dela, refletir
sobre o modo como isso pode implicar no ensino/aprendizagem.
Com essas balizas norteadoras que acabo de explicitar, pretendo ter deixado
claro ao leitor os procedimentos executados para análise e o modo pelo qual organizo a
discussão sobre cada uma das diferentes formas de interação a serem apreciadas.
52
3 Resultados e análise
Disfarço-me nas linhas, entrelinhas,
seguindo a linha da argúcia do que penso,
amiúde calo os sentidos,
não minto, por vezes omito,
mas permito...
e na mistura das cores
sou a face multicor dos amores,
não transparece o que sinto,
pois uso o pincel da emoção e pincelo
um novo quadro, nova cena,
e na tinta branca perco-me na alva tela nua,
refletindo-me no clarão da lua,
corro no tempo como vento,
que não se vê, mas se sente,
diluo-me nos pingos da chuva a cair
entre os grãos de areia,
gracioso, preguiçoso, lento,
torno-me invisível aos olhares
que não quero sentir;
Um ator ou produtor de ilusão?
Um tudo ou nada?
Inércia ou ação?
Serei tudo e algo mais, ou não,
na pele do camaleão.
(Autor desconhecido)
Neste capítulo, apresento e discuto os resultados propiciados pela análise dos
fragmentos retirados do site English Experts. O filtro analítico utilizado é produto de
trabalhos de teóricos como Bauman (1999, 2003, 2007, 2010), Giddens (2002), Hall
(2005), Moita-Lopes (2003, 2010) e Silva (2009).
Importante ressaltar que estes autores se filiam à tradição dos Estudos Culturais.
Estudos centrados nessa perspectiva estão intimamente vinculados com as relações
sociais, especialmente com as relações e formações de classe, com as divisões sexuais e
com as opressões da identidade.
53
Assim, eles não possuem seus construtos teóricos diretamente relacionados com
o ambiente de ensino/aprendizagem online, nem os utilizam para compreender a
dinâmica de cursos a distância. Essa releitura é feita por mim, intentando compreender
como se desenrola o processo identitário de aprendizes de língua inglesa no ambiente
estudado, bem como sua relação com suas práticas de ensino/aprendizagem.
Para proceder com esse fim, analiso as materializações linguísticas sobre os
objetivos do site, das interlocuções entre os enunciadores (Expert
Collaboradores/Colaboradores e aprendizes) e as instruções sobre procedimentos e
atividades que os participantes devem desempenhar para poder assumir o lugar de
Expert Collaborador. Embora o verbal receba primazia, a análise também se estende a
alguns elementos pictóricos.
É nessas práticas de linguagem que podemos denotar pontos de identificação que
fazem parte do processo identitário dos participantes. Em outras palavras, as
representações presentes nas enunciações podem ser consideradas como portas de
entrada para o estudo do processo identitário.
Sendo assim, como mostrei na introdução deste volume, lanço mão das seguintes
perguntas de pesquisa para atingir os objetivos deste estudo:
Como se desenrola o processo identitário do Expert Collaborador e do aprendiz
de língua inglesa no site English Experts?
Qual é a relação com sua prática de ensino/aprendizagem desse idioma?
Essas perguntas tinham a finalidade de balizar minha pesquisa e organizar a
discussão que será, a seu tempo, entreaberta. O intuito é compreender como se ambienta
o processo identitário daquele que ocupa o papel do professor (Expert Collaborador) e
do aprendiz de língua inglesa, nesse novo espaço.
Primeiramente, para desenvolver a análise de materializações linguísticas
apresentadas no site English Experts, procedi à leitura do site com o intuito de
identificar temas e, neles ancorados, perceber como a identidade dos participantes que
ocupam o lugar social de professor (Expert Collaborador) e do aprendiz ocorre nesse
ambiente. Então, com base na percepção desses traços, agrupei os fragmentos que
possuem os mesmos temas em eixos temáticos.
Para que o leitor possa compreender os diversos temas que afloraram, busquei
sistematizá-los nas subseções que seguem. Na primeira, relato algumas representações
54
do que é ser professor, defluentes das representações analisadas, e os procedimentos a
que os participantes são submetidos para adquirir a insígnia de Expert Collaborador,
isto é, ocupar o lugar social de professor.
3.1 Tema 1: Guias de aprendizagem: metamorfoseando-se em
Expert Collaborador
Nesta sessão, aponto algumas representações, que marcam a identidade desses
participantes, sobre o lugar ocupado pelo sujeito Expert Collaborador e esquadrinho
algumas atividades que os participantes devem realizar caso desejem ocupar essa
posição, a saber, o lugar social de professor.
Logo na página inicial (Fragmento A), o site procura frisar seus objetivos e o
perfil desejado de seus participantes. Apresenta-se como um “guia para quem estuda
inglês por conta própria via internet”:
(FRAGMENTO A)
Esta materialização linguística, “estuda inglês por conta própria via internet”,
chama a atenção para uma suposta autonomia desempenhada pelo sujeito aprendiz de
língua inglesa e alude a uma provável mudança no papel exercido pelo professor, aqui
metamorfoseado de Expert Collaborador. Basta substituir o ambiente e o interlocutor
para que os camaleões imediatamente modifiquem suas cores. Afinal, durante a
interação sempre se leva o interlocutor em consideração e, após isso, amoldam-se cores
aos propósitos.
Nesse enunciado, sugere-se que o site, aparentemente, dispensa O Expert
Collaborador da tarefa de ensinar e aprender no sentido da tradição escolar. Como
pudemos perceber, a materialização linguística analisada (fragmento A) desfila traços
55
identitários que indicam possível alteração no significado de ensinar no âmbito do
English Experts. Interagir com aprendizes autônomos parece exigir outras habilidades.
Neste fragmento, o enunciado figura sugerir que o site dispensa o Expert
Collaborador, desconstituindo-o das atribuições que, de constante, lhe são próprias, no
sentido da tradição escolar. Dado que o site apresenta os alunos como autônomos,
enseja o sentido de que, ao enunciar “Um guia para quem estuda inglês por conta
própria via internet”, o Expert assume outro lugar, distinto daquele arraigado à tradição
escolar de ensino. Aqui, o Expert não precisa ensinar os aprendizes. Cabe a ele,
fundamentalmente, guiá-los na direção que desejam. Afinal, eles “estudam inglês por
conta própria via internet” e não necessitam de professores.
Assim, pode ser indicativo de possível alteração no significado de ensinar no
âmbito do English Experts. A citada interação (fragmento A), acolhendo aprendizes de
própria iniciativa, impõe habilidades que não as de sempre: lidar com alunos que
estudam “inglês por conta própria via internet”. Daí, a presença física do professor se
faz descartada, elemento imprescindível quando se leva em conta a educação formal.
É devido ao caráter relacional da identidade (HALL, 2005; SILVA, 2009) que,
ao se referir aos aprendizes como sujeitos autônomos, emergem essas representações de
professor distinto daquele de ambiente presencial, que se dedicava a repassar os
conhecimentos programáticos. Nesse espaço, o ato de ser professor e ser aprendiz
recobra outras cores, que implicam em revestir-se desta transformação: Expert
Collaborador e aprendiz. Os termos Aluno e professor parecem constituir os cacos da
educação tradicional, que se entulham junto aos restos da fábrica.
Em síntese, a tendência em transferir o leme da aprendizagem ao aluno parece
emergir como traço identitário que assinala o lugar atribuído ao Expert Collaborador e
ao aprendiz de língua inglesa do English Experts. É o que se evidencia no quadro a
seguir:
AMBIENTE PROFESSOR Aprendiz
Ciberespaço (English Experts) guia busca
(QUADRO I: Traços identitários do Expert Collaborador e do aprendiz)
Por outro lado, a marca linguística “guia” (fragmento A) parece estar em
confronto com esse posicionamento e revela a imagem do Expert Collaborador
56
assinada por identificações conflitantes: como um site pode, de forma não arbitrária, ser
proposto como “guia” para sujeitos que aprendem por conta própria?
Esse conflito se torna evidente ao notar, na materialização linguística “que
estuda inglês por conta própria”, a imagem de um aprendiz autônomo em conflito com a
imagem de aprendizes dependentes, expressa na enunciação “Um guia”.
São esses aprendizes, supostamente dependentes, que propiciam ao Expert
Collaborador permanecer na posição de detentor do conhecimento. Essas
particularidades apontadas acima parecem coadunar-se com as afirmações de Silva
(2009) e Hall (2005) no tocante ao caráter contraditório das identidades.
É nesse sentido que, no âmbito do discurso, ao mesmo tempo em que há um
sujeito aluno autônomo, que “[...] estuda inglês por conta própria via internet”
(fragmento A), há também um sujeito professor que se propõe como guia para esse
aluno. É essa contradição um dos traços que constituem o âmago do sujeito professor
que, no âmbito do English Experts, se revela aposto, sob o selo de Expert Collaborador.
Outro traço que parece marcar a constituição da identidade do Expert
Collaborador parece estar imbricado ao processo de colaboração. Detenhamo-nos um
pouco ao próximo fragmento (fragmento B):
(FRAGMENTO B)
Ao relacionar materializações linguísticas deste excerto (fragmento B) com
marcas do anterior (fragmento A), é possível depreender outros movimentos da
identidade do Expert Collaborador. Em outras palavras, observou-se que o termo
“guia” (fragmento A) parece estar relacionado com o processo de “Colaborar com o
English Experts” (fragmento B), que por sua vez, constitui o processo de construção do
Expert Collaborador.
Passemos à análise. Na sentença, “Como Colaborar com o English Experts”
(fragmento B), nota-se que o léxico “Colaborar”, iniciado em letra maiúscula, também
conhecida como letra capitular, parece significar mais do que o ato de contribuir ou
cooperar de alguma forma com os objetivos do site. Mas como perceber isso?
57
Uma vez que esse léxico não se assinala como nome próprio, nem mesmo se
situa no início da sentença, possuir a inicial redigida em letra maiúscula parece prover
pistas da possível autoridade exercida por alguns sujeitos que participam do English
Experts. Como demonstro logo a seguir, o termo “Colaborar” parece deixar à vista
algumas características da forma como os participantes desse ambiente estão
posicionados hierarquicamente.
Não é o simples ato de colaborar/cooperar que permite se tornar um
Colaborador, grafado com a com a capitular. Esse sentido de “Colaborar” parece estar
associado a atividades específicas que permitem ao indivíduo se tornar Expert
Collaborador.
Isso fica claro quando relacionamos os objetivos do English Experts aos
prerrequisitos para receber esse selo. Dado que, para obter essa insígnia, é necessário
“Colaborar com o English Experts” (fragmento B), e que seu objetivo é contribuir com
“quem estuda inglês por conta própria” (fragmento A), os sujeitos que participam tão
somente como aprendizes também deveriam ser referidos como Expert Collaboradores.
É essa comparação que enseja estabelecer a diferença entre o significado
dicionarizado de colaborar com o de “Colaborar”, proposto pelo site. Afinal, aprender
“inglês por conta própria” (fragmento A) no English Experts é indispensável para que
ele atinja seu objetivo e, mesmo assim, não autoriza esses aprendizes a se tornar Expert
Collaboradores.
Daí a percepção de que “Colaborar”, com a inicial maiúscula, encarta o intuito
de se referir ao processo de formação de Expert Collaboradores, não ao fato de
cooperar com os objetivos do site. Se bem assim, o ato de “Colaborar” (fragmento B)
emerge como mais um traço que camaleoneia – permitido o neologismo –, modificando
a cor e o papel daqueles que almejam ocupar o lugar social de professor nesse ambiente.
Em síntese, o léxico “Colaborar” parece se referir às atividades específicas que
os participantes devem realizar para obter a insígnia de Expert Collaborador. Obter esse
selo, por sua vez, é estar autorizado a guiar os aprendizes do site, ou seja, ocupar o lugar
social de professor.
Vejamos mais alguns pontos desse processo de metamorfose (fragmento C):
58
(FRAGMENTO C)
Neste recorte (fragmento C), o enunciador entremostra algumas características
que o participante deve dispor caso queira “Colaborar com o English Experts”
(fragmento B) e se tornar um Expert Collaborador. Essas características se resumem em
“gostar do idioma inglês”, “[ser] um professor de inglês ou estudante dedicado”,
“[desejar] ajudar milhares de pessoas a aprender inglês” e “desejar ter seu trabalho
reconhecido por brasileiros no mundo inteiro”.
Assim, partindo do pressuposto que todo aprendiz ou professor de língua inglesa
produz representações sobre a prática em questão, e que essas representações deixam
entrever aspectos de sua identidade (RAJAGOPALAN, 2003), ao relacionar a
etimologia da palavra professor3 aos pré-requisitos descritos, torna-se possível a
percepção de identificações do sujeito Expert Collaborador com a imagem do profeta,
aquele que professa a fé.
Esse sujeito era dedicado aos objetivos religiosos e se esforçava para percorrer
todas as cidades e aldeias do mundo, professando o evangelho, o qual era considerado
indispensável para entreabrir uma vida plena naquela época. As representações dessa
3 Etimologicamente, o termo professor, de origem latina, encarta o sentido de falar – do verbo fari –
para frente, complemento que se depreende do prefixo “pro”. Daí, professor é o que afirma para o
futuro, é o que abre as possibilidades ao aluno, é o que descortina o amanhã. Não por acaso, esse
mesmo verbo latino – fari –, em sua acepção figurada, traz o significado de profetizar. E como se
dissemina: ser professor é ser profeta. O mundo de cada pessoa se faz, no mais das vezes, limitado,
circunscrito a seu mundinho. Cabe ao professor ajudá-lo. E o faz convidando o aluno a sentir o prazer da
leitura, presente no livro. Os livros são a porta para um mundo sem limites. Viajamos para o passado e
nos tornamos contemporâneos dos dinossauros. Viajamos para o futuro e nos transformamos para
mudar o que não existe ainda. Entre tantas, cabe ao professor despertar seu aluno para um mundo
aberto, encantador, acolhedor de possibilidades várias.
59
prática se assemelham ao sujeito que se propõe a “Colaborar com o English Experts”;
afinal, esse ato parece sinônimo de fornecer conhecimentos vistos como necessário,
pelos sujeitos aprendizes. Neste caso, leem-se conhecimentos de língua inglesa.
Desse modo, procuro deixar visível que “Colaborar com o English Experts”
(fragmento B) é o meio para se tornar um Expert Collaborador (ocupar o lugar de
professor no âmbito do site). Além disso, assumir essa posição enfeixa o sinônimo de
prover os conhecimentos disciplinares aos sujeitos aprendizes.
Dado que não há modelos de comportamentos e saberes naturais do mundo,
“querer ajudar milhares de pessoas” parece se aproximar, em muito, da tarefa
desempenhada pelo profeta de repassar os conhecimentos que colaborariam para a
conformação dos sujeitos às normas vigentes na sociedade que habitavam. Em uma
palavra: disciplinamento.
As representações que veem à tona nas marcas linguísticas (fragmento C)
analisadas constroem o sujeito Expert Collaborador como detentor do conhecimento
(professor ou estudante dedicado) e modelo a ser seguido (ajudar milhares de pessoas).
Como muitos estudos já revelaram (MOITA-LOPES, 2003, 2010), esse tipo de
representação pressupõe superioridade ao conhecimento do professor – neste caso, do
Expert Collaborador – e desloca o conhecimento que os aprendizes já possuem ao
estatuto de errado.
A enunciação “quer ajudar milhares de pessoas a aprender inglês” apenas revela
o caráter disciplinar da prática do Expert Colaborador. O conhecimento provido pelo
Expert se encontra em consonância com o momento político e econômico que estamos
vivenciando.
Esse período, acentuado pelo fenômeno da globalização e intensificação das
atividades econômicas, demanda o conhecimento de uma segunda língua, em especial
do inglês. Desse modo, tal como o profeta, o Expert Collaborador tenta repassar o
conhecimento que irá colaborar para adequar os aprendizes às demandas da sociedade
atual. Afinal, o verbo colaborar, também este de origem latina, resulta do sentido de
trabalhar junto, portanto cooperar, conferir meios para que, em parceria, professor e
aluno participem na melhora da sociedade.
Daí, o fato de que “ajudar milhares de pessoas a aprender língua inglesa” pode
ser resumido como disciplinar. Ajudá-las a adquirir esse conhecimento é o mesmo que
ajudá-las a se fazer úteis nesse mundo em constante globalização.
60
Nesse sentido, percebe-se que a posição de Expert Collaborador, expressa por
identificações com o sujeito que professa, somente pode existir nos momentos em que o
inglês se faz necessário como língua de comunicação internacional. Ela parece ser
característica de sociedades que se envolvem com o fenômeno de globalização.
Segundo Crystal (1997), esse idioma se faz, dia após dia, mais presente em meio
à nossa rotina, permeada pelo intercâmbio de mercadorias com o exterior. Sua demanda
se dá, em grande parte, por ser a língua franca utilizada para a comunicação
internacional, largamente usada como meio de comunicação entre falantes de outras
línguas. Afinal, franca se diz por gozar de franquia, por ser livre e desempedida. Assim,
“ajudar milhares de pessoas a aprender inglês” novamente se rotula como sinônimo de
enquadrá-las às necessidades políticas e econômicas contemporâneas.
Vejamos outro ponto da metamorfose identitária desses participantes. Para tanto,
relembrar os quatro pré-requisitos, descritos no fragmento C, para se tornar Expert
Collaborador pode ser de valia para melhor compreensão do leitor. Deles passo a
discorrer: 1) gostar do idioma inglês; 2) ser professor ou estudante dedicado; 3) almejar
ajudar milhares de pessoas a aprender inglês; e 4) desejar ter seu trabalho reconhecido
por brasileiros no mundo inteiro.
Ao comparar os três primeiros pré-requisitos com o último – o quarto deles –
procuro entremostrar outro traço característico do sujeito Expert Collaborador; busco
evidenciar sua identidade constituída na e da tensão entre pontos de valorização e de
desvalorização.
Gostar “do idioma inglês”, ser “professor ou um estudante dedicado” e querer
“ajudar milhares de pessoas” escondem o intuito de conquistar o reconhecimento alheio,
isto é, “ter o seu trabalho reconhecido por brasileiros no mundo inteiro”.
Embora não diga explicitamente na linearidade de sua enunciação, a
materialização “deseja ter seu trabalho reconhecido por brasileiros de todo o mundo?”
identifica o Expert Collaborador como um sujeito socialmente marginalizado. Afinal,
apenas se busca aquilo que ainda não se tem.
Deste modo, percebe-se a sensação de desvalorização que atravessa os Experts
Collaboradores, os quais possivelmente buscaram ocupar esse lugar com o fito de obter
reconhecimento. Ocupar o lugar de Expert, então, parece sinônimo de tentar fugir da
condição à margem.
Neste caso (fragmento C), gostar de inglês e saber o suficiente para ajudar
milhares de aprendizes, mascara o meio para a realização do próprio desejo, isto é, a
61
obtenção do reconhecimento que ele anseia. O objetivo primeiro, “ato solidário” de
ajudar o outro, parece ser, na verdade, um ato voltado para ajudar a si mesmo a obter o
reconhecimento do outro.
Assim, por meio da análise (fragmentos A, B e C) apresentada até este
desdobramento, procuro deixar palpável que o léxico “Colaborar”, escrito com versal,
está encadeado ao processo de construção do Expert Collaborador e não ao fato de
cooperar/colaborar com o site English Experts.
Além disso, parece sobressair também, no último pré-requisito (desejar ter seu
nome reconhecido por brasileiros no mundo inteiro), a realização sempre adiada de seu
desejo. Como a educação apenas produz frutos em longo prazo, o ato de estabelecer o
critério de “ajudar milhares de pessoas” como meio para realização do próprio desejo
apenas poderá resultar no adiamento da satisfação e consequente frustração do sujeito
Expert Collaborador.
Afinal, os frutos de sua prática social apenas serão colhidos quando ele estiver
em memória e não puder mais desfrutar do reconhecimento e dos bônus advindos dela.
Desse modo, adiamento da satisfação também constitui traço que pigmenta o mosaico
do Expert Collaborador.
Em síntese, procurei dar a ver, nesta sessão, como se dá o processo de formação
do Expert Collaborador, bem como algumas representações que colorem a identidade
daqueles que ocupam ou desejam ocupar esse lugar.
Em complemento, busquei revelar como se dá o processo de formação do Expert
Collaborador e sua relação com os aprendizes. Por acréscimo, ressalto também que sua
prática de ensino-aprendizagem, em razão do público aprendiz com que o Expert
Collaborador lida, distancia-se da prática tradicional escolar. Professar cede espaço a
guiar.
3.2 Tema 2: Ser Expert Collaborador: a condição dessa cor
Nesta sessão, passo a dar primazia a elementos pictóricos, que funcionam como
insígnias identitárias e colaboram na demarcação de posições no interior do English
Experts. Vejamos, no fragmento a seguir, algumas estratégias utilizadas pelo camaleão,
tendente a marcar seu território:
62
(FRAGMENTO D)
Neste recorte, podem-se evidenciar algumas características do processo de
demarcação de posições no interior do English Experts. Ao explicar as regras e como os
Colaboradores (fragmento B) devem participar do site, o enunciador assevera que “A
cada 100 participações o usuário ganha 1 estrela” e que “Aqueles que chegam a 4
estrelas são candidatos a ganhar o selo de Expert”.
O léxico “candidatos” faculta entrever indícios da autoridade exercida pelo
sujeito Expert. Embora ceda espaço à voz de outros sujeitos
(participantes/Colaboradores), ao atingirem 400 participações, eles se tornam apenas
candidatos a receber a insígnia de Expert Collorador. Isso aponta para o fato de que se
espera algo a mais dessas participações. Mas o quê?
Considerando que elas consistem em “Colaborar” (fragmento B) com o
aprendizado de língua inglesa, para receber esse selo parece necessário reproduzir os
conhecimentos esperados pelos que já ocupam o lugar de Expert Collaborador e, em
acréscimo, são responsáveis pela administração do site. Apenas esses podem fornecer o
selo de Expert Collaborador.
Afinal, a caracterização das participações como substanciais, ou não, somente
revelam sua coincidência, ou não, com as representações (de professor, de língua, de
ensino/aprendizagem, etc.) que habitam o imaginário do sujeito que as avaliam.
Em outras palavras, é necessário se comportar como um Expert Collaborador
para ser autorizado a ocupar esse lugar. Essa autorização se dá, em parte, pelo
recebimento de estrelas que funcionam como qualificadores do sujeito que as recebe.
Por meio desses enunciados (fragmento D), percebe-se mais uma propensão a se
alterar o modo de ser professor no âmbito do English Experts. Enquanto, em ambiente
63
presencial, o professor tradicional fala a aula toda, no site analisado, parece que esse
sujeito, metamorfoseado de Expert Collaborador, começa a ceder espaço à voz do
aprendiz. Isso se evidencia pelas colaborações que são sugeridas aos participantes no
fragmento C.
Contudo, essa mudança é apenas aparente. Embora o aprendiz seja autorizado a
falar e se torne “candidato a ganhar o selo de Expert” após 400 participações, o léxico
“candidatos” assinala que ele deve se comportar como aqueles que já são Experts –
repetir o que ele deseja ouvir – para não ser ignorado. Caso contrário, serão necessários
mais de 400 participações para receber o selo de Expert. Ao que parece, é necessária a
quantidade de participações suficientes para que o Colaborador aprenda a repetir a voz
do Expert Collaborador.
Assim, ao considerar único seu conhecimento, a prática pedagógica do Expert
Collaborador pode se tornar prejudicial aos seus interlocutores. Ela pode contribuir
para levar os Colaboradores a se ver como pouco inteligentes ou em posição de
inferioridade.
Afinal, descartar os sentidos construídos pelos aprendizes e/ou Collaborador sob
esta insígnia, não substanciais, pode contribuir para minar sua autoestima. Pode incutir-
lhes a ideia de que não raciocinam ou de que não raciocinam corretamente, já que o ato
de descartá-los como errados pressupõe o conhecimento como natural do mundo.
De outro modo, visualiza-se a imposição de interpretações que possuem o
contexto sócio-histórico do professor ao aluno. Revelam-se, na interação dos sujeitos
Experts Collaboradores, concepções de conhecimento como algo natural, como algo
que deve ser apreendido.
Ignora-se seu caráter interpretativo, somente possível à luz de um contexto
sócio-histórico. Em situações de ensino/aprendizagem como essa, a imposição, ao
aprendiz, de conhecimento que ele não pode compreender colabora para fazê-lo
construir imagens negativas de si próprio, tais como: pouco inteligente, burro, atrasado,
lento, etc. Nesse sentido, o camaleão Expert Collaborador parece considerar como
cromia, somente pigmentos presentes em seu próprio mosaico.
Recordando que, em parte, o objetivo deste estudo é analisar como se desenrola
a identidade docente no English Experts, as estrelas (fragmento D) também descortinam
indícios de outras nuanças dessa trama. Elas são utilizadas como demarcadores da
quantidade de participação e parecem se apresentar como únicas insígnias necessárias
para poder se tornar Expert.
64
Outra característica que aparenta marcar a identidade dos Experts constitui o
conteúdo de suas colaborações. Elas não englobam práticas orais ou trocas de
informações que fazem uso extenso da própria língua inglesa.
Esse traço deixa ver que, para ocupar o lugar de Expert, não é necessário ter
conhecimentos – construídos na educação formal – relacionados com a docência, apenas
aqueles referentes à língua inglesa (seu uso na prática, seja oral, seja escrito). Ensinar,
nesse ambiente, parece dispensar reflexões sobre o próprio ato de ensinar e aprender,
considerando apenas o conteúdo a ser focalizado.
Patenteia-se haver a exigência apenas de conhecimentos sobre a língua inglesa
(regras gramaticais, fonológicas, vocabulário, cultura, etc.). Essa característica acentua
pontos de identificação do Expert Collaborador com a forma tradicional de ensino.
Tenta-se ensinar e aprender a língua inglesa por meio dos conhecimentos produzidos
sobre ela, de forma racionalizada, com base na crença de que sujeitos podem controlar
sua aprendizagem (REVUZ, 1998).
A ausência de práticas orais e a carência de práticas de escrita – que ultrapassem
os limites das sentenças ou frases curtas em língua inglesa –, eis alguns fatores que
corroboram essa afirmação. Isto é, a de que para ser Expert Collaborador não se faz
necessário ter conhecimento da língua inglesa, apenas conhecer sobre ela – regras
gramaticais, ortográficas, fonológicas, sintáticas, etc. Isso fica evidente na imagem que
segue (FRAGMENTO E):
65
(FRAGMENTO E)
Bauman (2010) clarifica bem essa dicotomia entre conhecimento da língua e
sobre a língua. Em relação ao primeiro, afirma que, se fôssemos questionados sobre
quais códigos usamos para nos comunicar, que regras gramaticais nos proporcionam a
interação e como deciframos o significado de ações ou mensagens a nós direcionadas,
poderíamos até não compreender a pergunta. Todavia, ele deixa evidente que esse saber
é exigido para que possamos dar forma às nossas tarefas cotidianas e, mesmo que não
possamos enunciar essas regras que nos permitem agir, rotineiramente demonstramos
habilidades que dependem de sua existência.
Em relação ao segundo – conhecimento sobre a língua –, é o que os Experts
parecem demonstrar ao atuarem, explicitam regras de funcionamento – aspectos
gramaticais, fonológicos, etc. – para que, possivelmente, os aprendizes possam controlar
sua aprendizagem. Essa forma de atuação parece fruto de identificações com a tradição
de ensino/aprendizagem baseado na crença de poder controlar esse processo.
Explicito melhor essas características por meio do quadro a seguir:
PONTOS DE IDENTIFICAÇÃO
Expert Collaborador – língua inglesa –
Ambiente online de ensino (English Experts)
66
Conhecimentos
sobre língua
Gramática, fonética, fonologia, vocabulário, ortografia,
etc.
Conhecimento da
língua
Ausente na atuação do Expert
Conhecimentos
acadêmicos sobre
à docência:
Conhecimento intuitivo ou derivado das próprias
experiências de ensino, sem formação profissional
formal.
(QUADRO II: Características da prática do Expert Collaborador)
No modelo de ensino/aprendizagem (baseado na gramática e na tradução),
acreditava-se ser suficiente o repasse de conhecimento sobre a língua para que o sujeito
pudesse racionalmente manipulá-la e construir os sentidos desejados.
Essa prática está presente também na atuação do Expert Collaborador e parece
desconsiderar o caráter constitutivo da língua, tratando-a como um instrumento de
comunicação. Assim, para o Expert, ensinar língua inglesa parece sinônimo de
instrumentalizar os aprendizes.
Esses fatores que acabo de mencionar revelam a prática do Expert Collaborador
marcada por identificações conflitantes. Parece emergir o confronto entre visões de
mundo opostas, a saber: a científica e a profética.
Enquanto, de um lado, as ações do profeta são prática e guiada pela fé, detendo-
se apenas na obra que deve ser realizada, sem se preocupar com as regras e forças que
regem sua prática, de outro lado, o cientista parece se prender aos fundamentos e regras
que supostamente regem a língua, devendo ser conhecidas e aplicadas para a realização
da atividade prática (usar a língua para comunicação).
Em síntese, o conflito entre ciência e profecia parece emergir como pigmentos
que se avizinham, mas não se misturam:
a) o religioso, que alude ao projeto divino que o profeta buscava cumprir,
repassando saberes e;
b) a científica, que busca desvendar as leis e forças ocultas que funcionam nos
fenômenos.
A partir da análise relatada nesta sessão, percebe-se o caráter contraditório das
identidades (HALL, 2005; SILVA, 2009) e que, embora de forma diferente de
professores de ambiente presencial, o Expert Collaborador também necessita se
67
submeter a um processo de treinamento que lhe autorize a ocupar o lugar daquele que
ensina.
Em suma, esse aval consiste em realizar 400 participações (obter 4 estrelas)
consideradas substanciais, e estas, avaliadas ao sabor daqueles que já são Experts
Collaboradores e responsáveis pela administração do site.
Neste caso, a estrela, correspondente ao número de “100 participações”,
funciona como o traço que pode habilitar o participante a ocupar esse lugar.
Analogamente, pode-se afirmar que, possuir quatro estrelas (Fragmento D), está para
ocupar o lugar de Expert Collaborador e poder atuar como guia no English Experts
como Expert Collaborador, assim como o diploma de licenciatura está para ocupar o
lugar de professor e poder atuar em uma instituição educacional.
Outro traço identitário constitutivo da identidade dos Experts emana da
diferença que desmembra Experts Collaboradores do grupo de Expert Collaboradores
que também são Moderadores. Analisamos-lhe no excerto abaixo:
(FRAGMENTO F)
Neste fragmento, o enunciador assevera que os “moderadores são responsáveis
pela administração do fórum”. Desse modo, tornar-se um Expert Collaborador por meio
da Colaboração (ver sessão 3.1) não implica receber o poder de também exercer as
atividades administrativas do site. Assim, essa impossibilidade de se tornar Moderador
parece marcar as identidades daqueles que se tornaram Expert Collaboradores por meio
da Colaboração.
Ao compreender essas explicações, podemos perceber que elas parecem
constituir o mecanismo que os Experts/Moderadores possuem para controlar aqueles
que desejam se tornar Expert Collaboradores. Essas regras colocam nas mãos dos
68
Experts/Moderadores a possibilidade de nunca autorizar participantes que não repitam
suas próprias respostas a ocupar esse lugar.
Isso impede que outras visões da realidade (concepções de língua, práticas de
ensino/aprendizagem, etc.) venham a confrontar a autoridade dos sujeitos que já
ocupam o lugar de Experts e são responsáveis pela administração do site. Em síntese,
esse mecanismo põe à tona a resistência por parte dos Experts/Moderadores em
abandonar o espaço já conquistado e que constitui sua zona de conforto.
3.3 Tema 3: O English Experts como ambiente de aprendizagem:
habitat líquido moderno
Nesta sessão, passo a perscrutar o papel desempenhado pelo English Experts
como espaço educacional e possíveis implicações para o ser Expert Collaborador e o
ser aprendiz/não Expert em seu interior. De outro modo, procuro perceber como o
camaleão precisa se mover nessa atmosfera, online.
No início da página principal está situado o slogan do site onde se encontra
expresso seu objetivo primeiro:
(FRAGMENTO G)
Observe que o English Experts é proposto como “um guia para quem estuda
inglês por conta própria via internet” e em nenhuma parte do site há delimitações de
horários fixos ou quaisquer outros prerrequisitos para desfrutar de suas atividades. Essa
organização parece desempenhar a função de tornar flexíveis e mais acessíveis as
práticas de ensino/aprendizagem que se encontravam enraizadas ao tempo e espaço do
ambiente de educação presencial.
Essa característica enseja que aqueles que desejam participar das atividades do
site possam acessá-lo de qualquer lugar, e a qualquer hora. Esse acesso não independe
69
de locomoção, de funcionamento do horário de expediente, etc. É preciso apenas
computador, internet e habilidade em manuseá-lo.
Assim, flexibilidade também se desfila como um dos traços que vinca a prática
de ensino/aprendizagem no English Experts. As implicações derivadas desse novo
ambiente, todavia, não se restringem à flexibilização de horários e lugares, uma delas é
o contato/confronto inesperado entre sujeitos de regiões remotas com hábitos e traços
culturais bastante distintos.
Sendo assim, percebe-se que, ao se aventurar em ambientes inexplorados, o
camaleão poderá perder as referências que utilizava para se comunicar em seu antigo
habitat (CASTELLS, 2010). Essa heterogeneidade aflora como um desafio à
comunicação, o qual se fazia bem menos presente fora do ambiente online. Esse novo
espaço aparenta lançar a prática da comunicação no terreno da ambivalência
(BAUMAN, 1999).
Essa heterogeneidade que se encontra/confronta parece se organizar em vários
subgrupos, unidos por traços identitários em comum. Em outras palavras, a liga que dá
unidade aos grupos afigura serem os traços identitários que os participantes possuem em
semelhança. Observamos como se desenrola esse fenômeno no excerto que segue:
(FRAGMENTO H)
Neste extrato, encontram-se os botões de acesso a dois grupos que se formaram
no interior do English Experts. Intitulam-se eles: “Como eu digo isso em inglês?” e
“Gramática da Língua Inglesa”.
Observe, no primeiro grupo, que a marca linguística, “isso”, deixa em aberto a
possibilidade de apresentar indagações sobre como se diz inúmeras palavras/frases em
língua inglesa. Esse objetivo amplo – indagar sobre qualquer vocábulo ou construção
sintática da língua inglesa – atrai grande contingente de participantes que deseja
aprender falar algo em inglês: há “11.115 Tópicos” e “41.633 Mensagens” em torno
deles.
70
O segundo grupo contém “3.969 Tópicos” e “16.346 Mensagens” orbitando
questões sobre “Gramática da língua inglesa”. O grande contingente de participações
desse grupo demonstra ser fruto da gama de tópicos que ele engloba, aceitando maior
heterogeneidade em seu interior, a saber: toda a gramática da língua inglesa.
Por meio desses apontamentos, podemos perceber dois traços identitários que
organizam parte da heterogeneidade de participantes que movimentam o English
Experts. Esses traços funcionam como liga que reúne, por afinidade, grupos menores
(em relação a todo o site) e mais homogêneos, a saber: 1) o desejo de aprender falar
algo em inglês e; 2) o desejo em aprender tópicos gramaticais.
Em outras palavras, os participantes do English Experts constituem um grande
grupo que se subdivide em subgrupos, estes unidos por objetivos em comum. Essa
divisão, de conseguinte, parece se acirrar, tanto mais quanto mais específicos se tornam
os objetivos de cada participante.
Ingressemos no primeiro grupo (Como eu digo isso em inglês?) para melhor
perceber essa relação:
(FRAGMENTO I)
Ao comparar este excerto (fragmento I) ao recorte anterior (fragmento H), pode-
se perceber mais veementemente que os participantes se agrupam em torno de um
assunto devido a traços identitários em comum. Enquanto, no excerto anterior, há
inúmeros participantes em torno de um tema amplo “Como se diz isso em inglês?”, em
seu interior esse mote aparenta ser mais delimitado e com o contingente de participantes
reduzido. São os tópicos de discussão que parecem organizar a heterogeneidade que
movimenta o site, desmembrando em grupos menores e mais homogêneos.
Explicitemos melhor esse ponto. Em torno do grupo “Como dizer ‘rápido como
quem rouba’ em inglês”, há apenas uma pergunta e uma resposta; a pergunta é
71
elaborada pelo participante 5; a resposta, pelo participante 4. É a resolução de uma
dúvida específica (saber como se diz “rápido como quem rouba” em inglês) que une os
participantes desse grupo.
Essa questão parece ser o meio para realização de seus desejos. Para o Expert
Collaborador, demonstra ser o meio para “ajudar milhares de pessoas a aprender
inglês” e “ter seu trabalho reconhecido” (fragmento C); quanto aos aprendizes, parece
ser o meio para realizar seu desejo de aprender inglês.
As “salas de aula” do English Experts parecem ser voláteis, não podem ser
identificadas pela estabilidade; surgem e se dissipam sem o menor planejamento e/ou
controle dos integrantes. Elas afiguram surgir com vida própria: alguém lança uma
questão (exemplo, vide fragmento I) e ela começa se formar.
Todavia, não há garantias de que irá resistir ao tempo. Sua durabilidade se
perpetua apenas enquanto possibilita que ambos os participantes realizem seus desejos,
isto é, durante o tempo em que a relação entre os participantes parece satisfazê-los
(Bauman, 2007). Embora possa haver o lançamento de questões, por algum participante,
não há garantias ou mecanismos que garanta a resposta e peropetue a existência do
grupo. O controle sobre seu nascimento, crescimento e fim parece não estar sob o
domínio de seus participantes.
Não há ares de imposição à participação, à realização de atividades, à submissão
a testes, etc. Essas são características que também parecem emergir como a diferença
(SILVA, 2009) que desmembra a prática de ensino/aprendizagem do Expert
Collaborador daquelas em ambiente presencial. O English Experts esboça pertencer ao
mundo dos líquidos (BAUMAN, 2003, 2004, 2007).
Desse modo, procuro dar a ver, ao longo dessa sessão, que a organização do
English Experts produz implicações para o comportamento dos participantes; uma delas
se refere à forma que os encontros ocorrem. Como a análise buscou mostrar, esses
grupos de ensino/aprendizagem parecem se formar e desmanchar sem a menor
possibilidade de controle ou intencionalidade dos participantes, o que parece
caracterizá-los como pertencentes ao mundo dos líquidos (BAUMAN, 2003, 2004,
2007). Além disso, diferentemente de ambientes presenciais, onde o conteúdo é
responsável por agrupar os participantes, no English Experts são seus interesses que dão
origem aos grupos.
72
Outro ponto se refere à flexibilidade de tempo e espaço; o acesso ao grupo a
qualquer horário e de qualquer lugar exige que os participantes permaneçam sempre
atentos, já que as interações sucedem sempre em um tempo inusitado.
3.4 Tema 4: O conteúdo do site: mesmo corpo, outras cores
Considerando os objetivos deste estudo, outro ponto que merece atenção se
refere ao conteúdo que circula nesse ambiente. Sendo assim, nesta sessão passo a
analisar materializações linguísticas que enunciam estratégias e conteúdos relacionados
com o ensino/aprendizagem de língua inglesa. Ao apresentar seus objetivos iniciais no
criar esse site, assim ele se manifesta:
(FRAGMENTO J)
Neste recorte (fragmento J), o enunciador assevera ter criado o site
primeiramente com o objetivo de “manter um repositório on-line com: links
interessantes de inglês, cursos gratuitos na internet e treinar um pouco o inglês escrito
(written English)” e que “[..] o número de visitantes aumentou rapidamente e o que era
hobby acabou ficando sério”. Nesse exemplo, como demonstro a seguir, é possível
visualizar mais alguns vestígios de metamorfose nos moldes de ser Expert
Colaborador/aprendiz no English Experts.
Ao explicitar que sua pretensão inicial era apenas manter um “repositório
online” de links sobre/para o ensino de inglês, e que se surpreendeu quando “o número
73
de visitantes aumentou rapidamente”, nota-se que esse novo ambiente propiciado pela
internet franqueia que o aprendiz parta em busca do conhecimento desejado.
Diferentemente das sociedades pré-modernas, o sujeito aprendiz se torna
aparentemente mais livre da espera por um professor que repasse o conhecimento
predeterminado pela instituição escolar, muitas vezes desajustado a seus anseios e
necessidades. O English Experts parece emergir como um espaço com novas demandas
para o ser professor e o ser aprendiz.
Aqui, o aprendiz não é obrigado (sob a penalidade de reprovar) a memorizar o
conteúdo do site. O Expert Collaborador, por sua vez, não necessita preparar suas aulas,
pois as informações que lhe serão solicitadas serão sempre inusitadas, não restritas ao
conteúdo programático.
Em outras palavras, o aluno caminha em busca de conhecimento de maneira
mais autônoma, lançando mão das tecnologias e ferramentas que se encontrarem
disponíveis e sem estar limitado ao currículo escolar. Neste caso, eles se utilizam
daquelas opções disponibilizadas no English Experts por participantes das mais diversas
regiões e culturas.
Mas como isso se relaciona com a identidade do Expert? Quero destacar que é
com esse sujeito aprendiz que o Expert passa a lidar no English Experts e, assim como o
camaleão, necessita adotar outras cores a medida que se confronta à outra realidade.
Como evidenciarei mais claramente, essa organização faz com que o
conhecimento a ser discutido parta das dúvidas e necessidades dos alunos, substituindo
aquele preestabelecido pela escola, levado à sala pelo professor. O Expert não carrega a
responsabilidade pelo conhecimento produzido pelo aprendiz (LÉVY, 2010).
Vejamos outras manifestações. Ao apresentar como o site deve ser utilizado, o
enunciador assim se desponta:
74
(FRAGMENTO K)
Nota-se que o site English Experts é apresentado como “um projeto colaborativo
voltado para o aprendizado do inglês” e tem como objetivo “auxiliar os estudantes
através do contato diário com o idioma”. Sua organização não se dá do mesmo modo
que “um curso tradicional (exemplo lição 1, lição 2, etc)”.
Com base nisso, denota-se que a estruturação do site permite a interação entre
indivíduos de diversas regiões e culturas. Esse arranjo garante que afluam as mais
inusitadas questões. Afinal, são inúmeras pessoas que participam do site e, por
acréscimo, constituem um grupo bastante heterogêneo, no tocante ao conhecimento e à
proficiência em língua inglesa. Aqui as dúvidas dos alunos não se circunscrevem mais
ao conteúdo programático.
Isso faz com que o Expert Collaborador esteja dispensado da atividade de
preparar aulas, bem como lhe traz à consciência o fato de que seu conhecimento nem
sempre sanará a infinidade de dúvidas que podem luzir. Afinal, essas indagações não se
restringem mais ao planejamento e conteúdo selecionados para a aula, bem como
podem, aqui e ali, coincidir com suas próprias indagações.
Essa forma de emergência do currículo enseja dispensar o sujeito Expert de
preparar aulas, exigir preparação de respostas. Não se deve dedicar atenção ao modo
como se desenrolará o encontro, o seu planejamento, mas sim às interações que se dão
sempre de modo inusitado.
Por outro lado, essa situação situa o aprendiz em uma posição de incerteza; sanar
suas dúvidas, portanto, não está mais sob a responsabilidade do Expert Collaborador.
75
Isso faz com que haja uma constante rotatividade na ocupação do lugar social de
professor.
Assim, não se pode fazer coincidir ensinar com Expert Collaborador e aprender
com aprendiz, pois ambos se reúnem ante a possibilidade de trocar conhecimentos e
todos que se consideram capazes de ensinar podem ocupar a cadeira do “Expert”. O
excerto abaixo também corrobora essa afirmação:
(FRAGMENTO L)
Neste recorte (fragmento L), percebe-se que o participante 2 se apresenta como
participante e possui um contingente de 100 participações. Isso significa que, embora
ele não possua o selo de Expert Collaborador, considera seu conhecimento suficiente
para colaborar com outros aprendizes e, ao enunciar “Hi, eu acho que letras se diz
‘Language Arts”, assume a posição destinada ao professor.
É esse movimento que chamo de rotatividade na ocupação do lugar de Expert
Collaborador, consome sua autoridade como o único detentor de conhecimento. Este
ambiente não fornece garantias ao Expert Collaborador de que somente ele ocupará o
lugar daquele que professa e a qualquer momento outro participante pode ocupá-la.
Outro fenômeno que parece se desencadear dessa organização revela ser a
deslinearização do processo de ensino/aprendizagem. Parece se iniciar um movimento
de desordenamento da linearidade que, frequentemente, vai do básico ao avançado em
cursos de língua inglesa de ambiente presencial. Aqui o conhecimento é produzido
coletivamente e de forma destotalizada, sendo o próprio aprendiz o responsável pela
construção do conhecimento que deseja (LÉVY, 2010). Analisamos este ponto no
fragmento a seguir:
76
(FRAGMENTO M)
Nesse recorte, retirado do fórum “Como eu digo isso em inglês?”, observa-se a
existência de cinco tópicos de discussão, em sua maioria propostos por estudantes
distintos. Ao analisar os cinco tópicos propostos (fragmento M), percebe-se a
fragmentação de interesses e a não linearidade que menciono acima.
O primeiro tópico é proposto pelo participante 5, com o objetivo de descobrir
“Como dizer ‘Caneta bic escrita fina, vermelha’ em inglês”. Em seguida, o mesmo
aprendiz apresenta outro tema, com o intuito de saber “Como dizer ‘Matar a charada’
em inglês”. Em terceiro lugar, o participante 8 objetiva descobrir “Como dizer
‘trespassado’ em inglês”. No quarto tópico, o participante 9 deseja saber “Como dizer
‘Não quero nada mais’ em inglês”. Por fim, no último tópico, o participante 1 lança a
questão “Como dizer ‘faço faculdade de letras (português/inglês)’ em inglês”.
Diferentemente das práticas de ensino em ambiente presencial, as questões
entreabertas e abordadas se vinculam apenas por um ponto: a curiosidade dos
aprendizes sobre como dizer algo em inglês. É a partir deste tema central, “como-eu-
digo-isso-em-inglês”, que são direcionados os tópicos apresentados no interior do
fórum.
As questões são propostas por diversos aprendizes, que nem sequer se conhecem
pessoalmente, em diferentes estágios de aprendizagem, acarretando uma não linearidade
no processo de ensino aprendizagem. Além disso, ocorre também a inversão no ponto
que move o aprendizado: parte-se do aprendiz, não mais do professor.
77
De outro modo, enquanto em cursos presenciais a organização segue uma
sequência didática, linearmente organizada, do “mais fácil” para o “mais difícil”, e que
não considera o conhecimento do aprendiz, no English Experts essa linearidade é
dispensada e segue a ordem ditada pela duvida dos aprendizes. Aqui há uma inversão: a
aprendizagem e o conteúdo parte do aprendiz, não do English Experts.
Assim, o Expert se encontra sempre na condição de imprevisibilidade sobre as
questões que virão em sua direção; o amplo leque que as questões podem abrir,
contudo, parece desobrigá-lo de respondê-las. Assim, a não obrigação de responder
questões, a imprevisibilidade e a falta de controle da direção que as discussões podem
tomar parecem constituir traços de sua identidade. São essas características que compõe
seu mosaico.
Isso evidencia o início da assunção de nova forma de organização do ensino.
Diferentemente da educação nos moldes Jesuíticos nos primórdios que, tendo em vista
seus objetivos, escolhiam os conhecimentos, valores, comportamentos e habilidades que
a instituição deveria repassar, o “currículo” no English Experts demonstra emergir das
necessidades e objetivos dos próprios aprendizes.
Esse ponto parece ser o reflexo da sociedade individualizada, onde cada sujeito
segue seu próprio caminho, não dependente do objetivo coletivo (BAUMAN, 2003). De
outro modo, não mais se adquire um “currículo” que homogeneíze os sujeitos em prol
de um objetivo único, agora cada indivíduo parte em busca dos próprios interesses.
Em outras palavras, essa prática de ensino/aprendizagem individualizada só
parece possível em ambientes onde os aprendizes já atingiram certa maturidade e
autonomia para estudar. Este acontecimento permite afirmar que, neste espaço de
aprendizagem, o Expert Collaborador adota outra forma de atuação. Aqui, a força
motriz que impulsiona a aula não deflui mais do professor ou do currículo
preestabelecido por uma instituição de ensino, mas do próprio aprendiz.
De um lado, são seus próprios interesses que asseguram sua presença e
colaboram para que o site continue existindo, de outro são as questões particulares de
cada participante a força motriz que impulsiona as interações no interior dos fóruns e
impede que o site caia no esquecimento.
Por meio desses apontamentos, procuro dar a ver que o English Experts
franqueia desencadear um processo inexistente no interior das instituições de educação
presencial: a não homogeneização e a não linearização do ensino. É desse tipo de
78
organização que surgem novas exigências, que demandam dos participantes novas
formas de ser.
Como nesse ambiente não há objetivos pré-estabelecidos e não se sabe o intuito
dos aprendizes, exige-se do Expert uma nova habilidade, distinta daquela cobrada ao
professor de ambiente presencial; aqui se faz necessário aprender a lidar com o
inesperado: não há mais um plano de aula a ser seguido ou livro didático para socorrer-
se, é necessário lidar com o inesperado e resolver a situação no ápice de sua
emergência.
Quanto aos aprendizes, precisam buscar aquilo que desejam e analisar sua
viabilidade, não basta mais virar a página do livro e passar ao exercício seguinte. Aqui o
conhecimento não deflui de um centro – livro ou professor – e se dispersa para os
alunos; distintamente, é encontrado disperso e se concentra naquele que o busca. Este,
por sua vez, é responsável pela sua confiabilidade e adequação as situações que lhe
exigem e o demandaram.
Em outras palavras, essa prática seria o embrião do processo de construção de
conhecimento autonomamente. Afinal, como é possível perceber, é necessário que cada
aprendiz avalie a adequação das informações propostas como o objetivo de suas
indagações. O próprio aluno é a autoridade final no assunto: não há livros que
respondem às próprias questões nem professores que asseguram o que deve ser
respondido.
Isso também fica evidente ao analisar o conteúdo do tópico “Como dizer ‘ cair
de bunda no chão’ em inglês”, proposto por Leandrocs 1310 no fórum “Como eu digo
isso em inglês”. Em resposta a esta questão são apresentadas as seguintes afirmações:
(FRAGMENTO N)
Aqui, a materialização “By the way, this has the slang meaning of ‘to fail
completely’” permite notar o ponto em que essa relação se diferencia daquela
79
frequentemente presente entre professor e aluno em ambiente presencial. Isto é, algumas
respostas possíveis são desfiladas pelo Expert Collaborador e outros participantes, mas
o aceite final sobre elas será desenhado pelo próprio aprendiz. O Expert Collaborador
não possui à mão a possibilidade de corrigir a lição; a perda do poder de impor ao aluno
o visto de correto/incorreto, pois deixa de pertencer ao professor.
Na relação Expert-aprendiz, é necessário que o próprio aprendiz reflita e analise
o ajustamento desse conhecimento a seus propósitos. Esse processo de reflexão sobre o
conhecimento obtido também pode ser notado a seguir:
(FRAGMENTO O)
Na asseveração “Eu tinha ouvido ‘Fall on your ass’, mas acho que é muito...
impróprio”, é possível perceber claramente a comparação entre o conhecimento
previamente trazido por ele e aquele sugerido pelo Expert, bem como seu processo de
reflexão e escolha sobre o conhecimento disponível.
Considerando que ele já “tinha ouvido ‘Fall on your ass’”, sua atitude em buscar
outras possíveis respostas parece refletir sua reflexão sobre o conhecimento apresentado
e a insatisfação com as informações já conhecidas: “mas acho que é muito... impróprio”.
Aqui, mais uma vez se faz visível a necessidade imputada ao professor de adotar
outras práticas e concepções para atuar nesse ambiente de ensino. Em parte, isso
também se dá devido à perda do poder de estabelecer a resposta final.
Exemplo claro de implicação dessa perda de poder é a ausência de testes de
qualquer natureza no site. Diferentemente de ambientes presenciais de ensino, onde a
participação em grupos de estudos depende de matrículas, e o avanço para as séries
seguintes depende da aprovação mediante constantes avaliações, no site esquadrinhado
não existem avaliações que impeçam, autorizem ou mesmo obriguem os sujeitos a
participar de alguma atividade ou fórum. Em suma, a responsabilidade sobre o
80
conhecimento produzido emerge como traços daqueles que buscam conhecimento e, por
outro lado, a perda do poder de avaliar, como traço do Expert.
Com pauta na análise apresentada até este ponto, pode-se afirmar que a educação
na sociedade atual não mais se caracteriza apenas pela comunicação face a face. Em
consequência disso, sites como o English Experts, passam a implicar novas práticas e
posicionamentos sociais para aqueles que se aventuram nesse espaço. De outro modo,
produzem implicações identitárias àqueles que compartilham esse ambiente para o
ensino/aprendizagem de língua inglesa.
De outro modo, a análise das enunciações permitiu evidenciar que, embora esse
site veicule muito daquilo que há muito se apresenta em livros didáticos e outras mídias
impressas, conhecidas, de longe, pela comunidade escolar, sua utilização nesse espaço
finda por assumir outras formas.
Algumas dessas implicações advêm do livre acesso à informação por aqueles
que dispõem dessa tecnologia. O English Experts retoma, em tela, muitas das atividades
educacionais que se encontravam fixadas em edifícios enraizados aos espaços e tempos
do ambiente presencial de ensino, mas impõe a seus participantes outras formas de
atuação.
O ponto central até aqui, o qual gostaria que o leitor notasse, é que, embora eu
não tenha me referido unicamente ao Expert Collaborador, os traços que mencionei o
cerceiam e colaboram para contornar sua identidade. Essa nova situação em que os
professores – agora metamorfoseados em Expert Collaboradores – se encontram,
constrange sua prática e, portanto, colabora para a coloração de sua identidade.
São as representações que emergirão dessa nova realidade, como ausência de
avaliação, aprendizes que passam a ocupar o lugar de Expert, que decidem que
conhecimento desejam, etc., que passará a constituir o imaginário dos participantes.
Além disso, a análise revelou que esse novo espaço proporciona a interação
entre indivíduos de inúmeras regiões com diferentes questões sobre língua inglesa,
exigindo, portanto, novas práticas dos Experts. Em ambiente presencial, geralmente
essas questões se restringem ao conteúdo selecionado para cada aula ou, por vezes, a
aulas que já ocorreram há algum tempo; no âmbito do English Experts, por sua vez,
não há previsão nem controle sobre o modo como os encontros se desenrolarão
(BAUMAN, 2007).
Em outras palavras, o English Experts se apresenta como outra realidade para o
processo de ensino-aprendizagem, e as novas necessidades geradas por esse espaço
81
implicam novas formas de ser professor e aprendiz, às quais me detenho ao decorrer
deste estudo. Assim, procuro deixar claro que não me proponho a descrever o que é o
professor – tarefa impossível pelo pouco que já discutimos acima –, mas como o
professor vem a ser nesse novo espaço: Expert Collaborador.
3.5 Tema 5: Concepção de língua: linguagem camaleônica
Nesta sessão passo a apresentar a análise de enunciações que descortinam as
concepções de língua que atravessam o imaginário dos enunciadores. Para tanto,
selecionei uma série de materializações que alçam sobre o modo que os enunciadores
acreditam se desenrolar a aprendizagem da língua inglesa. Essas materializações foram
selecionadas porque, ao explicitar como se aprende uma língua, deixam no plano do
implícito suas concepções sobre ela.
O botão “Top Dicas” se divide em diversos outros tópicos que apresentam dicas
sobre como aprender língua estrangeira, entre as quais se encontra a seguinte sugestão:
(FRAGMENTO P)
A materialização linguística “comece hoje mesmo um diário na língua que você
deseja aprender. Se não souber uma palavra, invente. O que vale é estruturar o
pensamento na língua estudada” parece dar pistas da concepção de língua que marca o
sujeito Expert Collaborador.
Especificamente, a enunciação “Comece hoje mesmo um diário na língua que
você deseja aprender” parece construir uma imagem de língua como objeto de
conhecimento, isto é, como algo que já está instituído e deve ser apreendido,
memorizado.
Além disso, a sugestão de um diário parece indicar que, para aprender línguas,
se faz necessário uma memória com grande capacidade, para que, pouco e pouco, seja
82
possível agrupar vocabulário, expressões, regras gramaticais, ortográficas, fonológicos,
etc., até que seja possível sua captura completa.
Essa representação constrói a língua como um instrumento, como algo que pode
ser aprendido por meio de estratégias e controle do próprio sujeito aprendiz, tal como
nos apropriamos de um computador para enviar um email, de uma faca para preparar o
almoço... Afinal, a construção de um diário parece revelar o desejo de registrar
acontecimentos linguísticos, de modo que, aos poucos, se torne possível capturar a
língua em sua completude.
Revuz (1998), ao discorrer sobre a visão de língua subjacente aos métodos de
ensino, argumenta nesse mesmo sentido, ao asseverar:
“A idéia de que a língua é um instrumento que a criança
novinha aprende progressivamente a manipular até um grau de
‘domínio’, mais ou menos elevado, é comumente admitida.
Estabelece-se assim um percurso que parece seguir o esquema
das gramáticas: primeiras vocalizações, primeiros fonemas,
grupos de fonemas nas primeiras palavras, que logo se
combinarão para formar pouco a pouco frases, depois
enunciados de sintaxe complexa. A criança aprenderia pouco a
pouco a se “servir” da língua como aprende a se servir de suas
mãos, de seus brinquedos, das maçanetas de portas etc.”.
Além disso, acrescento que a intenção de “estruturar o pensamento na língua
estudada” parece ser fruto de uma concepção de língua transparente e capaz de
transmitir o significado por meio de suas estruturas, independentemente do contexto
sócio-histórico do ouvinte/leitor.
De outro modo, a discursividade estrangeira vem apresentar outro recorte da
realidade, estilhaçando a impressão de que as coisas possuem um ponto de vista único,
o que pode provocar encanto ou medo. O primeiro, sendo o responsável pelo desejo em
aprender a língua estrangeira e o elemento propulsor da aprendizagem; enquanto o
segundo é o responsável pela repulsa e resistência ao estranho.
No fragmento a seguir, visualizam-se mais algumas evidências dessa concepção
de língua trabalhando por detrás da prática do enunciador:
83
(FRAGMENTO Q)
A fornecer esta dica, “Ouvir, ouvir, ouvir. Isso é fundamental.”, o enunciador
apresenta uma forma para aprender línguas, na qual é possível entrever a crença na
possibilidade de exercer controle sobre o próprio aprendizado. Além disso, o caráter
repetitivo do léxico “ouvir” também permite o vislumbre de representações do processo
de aprendizagem como uma questão de memorização, seja de vocabulário, seja de
pronúncia seja de regras; nessa perspectiva, o “fundamental” para a aprendizagem,
como ressalta a enunciação, parece ser a memorização, propiciada pela repetição.
A intenção que subjaz a essa estratégia parece ser a de expor o aprendiz a
situações de comunicação (no telefone, na mercearia, em casa, etc.), para que ele possa
agendar e memorizar estruturas que emergem na prática de linguagem. Aqui,
novamente aparece uma concepção de língua como instrumento de comunicação e de
sujeito dotado de uma razão capaz de atingir a consciência e controle do processo de
aprendizagem.
Parece ser essa representação uma das responsáveis pela formação de grupos
como o “Como eu digo isso em inglês?” (fragmento H). Esse tipo de atividade parece se
adequar à perspectiva da metodologia de gramática-tradução, a qual considerava
suficiente traduzir e adequar essa tradução às regras gramaticais.
Segundo Coracini (2003), essas concepções de língua e de aprendiz foram
defendidas por muito tempo, sob a influência da psicologia behaviorista e estruturalista.
Mais tarde, contudo, a partir de pesquisas em torno da sala de aula, essa imagem de que
a aprendizagem de línguas estrangeiras se dá sem conflito, e pode ser controlada, passa
a ser questionada.
Para ela, a língua materna é a língua que nos constitui, que nos interpela e nos
traz em um caminho sem volta ao mundo da linguagem. É essa língua que nos dá a
84
ilusão de sermos donos do sentido e que nos faz sentir estranheza ou atração pelo outro
recorte do real que a língua estrangeira vem trazer. É este medo que constitui a repulsa e
resistência em aceitar a discursividade estrangeira.
Vejamos mais um exemplo:
(FRAGMENTO R)
Nesse ponto, a sentença “Esforce-se para pensar sempre em outra língua” revela
a sugestão do enunciador para que o aprendiz se esforce para pensar na língua
estrangeira, na língua do outro. Não raro se pode ouvir/ler essa sugestão no que se refere
a aprender línguas estrangeiras, o que revela o estatuto igualitário que os sujeitos
atribuem à discursividade materna e à estrangeira (REVUZ, 1998).
Contudo, o funcionamento da linguagem sempre corresponde a um período
sócio-histórico. Se bem assim, o comportamento de linguagem do sujeito carrega a
marca de tudo que o determina, não sendo possível atribuir sentido àquilo que ainda não
o constitui.
A título de exemplo, convém pensar que, caso um aprendiz de inglês seja
brasileiro nato e disser: “Men usually like fishing”, os correspondentes desta frase serão
sempre aqueles que configuram o período histórico que o Brasil vivencia – homens,
peixes, rios e vegetação ciliar de regiões tropicais. Pois, como esse indivíduo poderia
imaginar algo que não compõe seu imaginário? Seria possível que o camaleão exibisse
pigmentos que não o constituem?
É nesse sentido que Bauman (1999) afirma que, no período sócio-histórico que o
mundo vivencia, marcado pelo fenômeno da globalização, a prática de linguagem que
usamos para nos comunicar é a mesma que pode nos desentender e o meio que podemos
usar para solucionar o problema é o mesmo que pode agravá-lo.
Em ambiente digital, onde pessoas de distintos e longínquos contextos se
encontram, o sentido atribuído às enunciações pode não corresponder à mesma
realidade a que o enunciador tenta pôr em cena. Percebido isso, os enunciadores estarão
sempre a se questionar se o que disseram corresponde ao que quiseram dizer.
85
O sentido que atribuímos à linguagem não pode corresponder a algo que não o
próprio percurso histórico do sujeito interpretante. Essas características lançam aos
habitantes do English Experts um desafio quase inexistente em ambiente presencial: a
comunicação entre culturas distintas.
Em síntese, a percepção de língua como instrumento que pode, aos poucos, ser
apropriada pelo aprendiz, e o estatuto igualitário a que são assentados língua materna e
a língua inglesa parecem ser trações que constituem a identidade do Expert
Collaborador e, consequentemente, subjazem sua prática.
3.6 Tema 6: A Interação no English Expert
Nesta sessão, passo a apresentar a análise das materializações linguísticas do site
com foco sobre o modo como se dão as interações e possíveis implicações para a
identidade dos enunciadores.
No recorte abaixo (fragmento S), o participante 1 tenta se comunicar com alguns
participantes:
(FRAGMENTO R)
Em sua tentativa de interagir, comenta estar bastante contente por ter começado
a cursar letras e, em seguida, lança uma indagação sobre como se diz em inglês “estou
na faculdade cursando letras (português/ inglês) e que logo após pretendo me
especializar em traduções?”.
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Ao iniciar sua exposição, por meio destas escolhas lexicais, “hi guys”, o
participante 1 se direciona ao coletivo. O grande número de interações que se iniciam de
modo semelhante à dessa participante deixa entrever que, nas interações do English
Experts, as questões postadas pelos aprendizes geralmente são lançadas ao ar, sem um
direcionamento específico.
Essa forma de iniciar as interações, sem direcionamento específico, semelha
sugerir que o Expert Collaborador não possui o status de fonte de conhecimento. Visto
que os participantes do English Experts se dividem entre aqueles que desejam aprender
e os sujeitos Experts, que se propõem a colaborar com os aprendizes, questões lançadas
de maneira impessoal tendem a colocar aprendizes e Experts sob a mesma equação,
retirando a prioridade da segunda.
Passamos à análise das enunciações de um dos interlocutores do oarticipante 1.
Depois dela ter postado sua questão, vários participantes colaboraram com sugestões e
explicações. Um deles é o visitante participante 2, que recomenda o termo “Language
Arts”:
(FRAMENTO T)
Embora o participante 2 ainda não seja um Expert Collaborardor, ele
aparentemente assume esse lugar ao responder a questão do participante 1. A posição
que ele toma nessa interação, mais uma vez admite perceber o Expert cedendo lugar a
outros sujeitos e desocupando o lugar de detentor do conhecimento.
Sendo assim, pode-se assegurar que essa estrutura de interação, presente no
diálogo entre o participante 1 (fragmento S) e o participante 2 (fragmento T), parece
revelar o deslocamento do professor de sua posição histórica, ou seja, daquele que
possui todas as respostas.
Entre eles, o conhecimento parece ser algo pertencente ao grupo, e todos que se
julgam aptos a compartilhar informações podem ocupar o lugar social destinado ao
professor, isto é, daquele que ensina.
87
Embora a imagem do professor permaneça, visto que sempre há o indivíduo que
solicita conhecimento e o que fornece, é interessante assinalar que a rotatividade de
participantes que ocupam o lugar daquele que ensina – de Expert – colabora para que
este perca o status de detentor de conhecimento.
Em síntese, a análise dos fragmentos S e T permite afirmar que as interações do
English Experts se diferenciam daquelas de ambiente presencial de ensino, sobretudo
por não darem primazia às respostas do sujeito Expert, preferindo tratar o coletivo como
fonte do saber.
Enquanto na escola, por exemplo, as questões geralmente derivam do aluno para
alguém em específico – de aluno para aluno e/ou de aluno para professor –, no English
Experts, na maioria das vezes, elas parecem ser direcionadas ao coletivo.
Vejamos o quadro ilustrativo abaixo:
(Quadro IV: esquema de interação no English Experts)
O quadro acima ilustra que, assim como na sala de aula presencial, em dados
momentos alguns alunos, como o participante 2, por exemplo, também assumem o lugar
daquele que ensina.
Em ambiente presencial, contudo, a primazia recai sobre as respostas do
professor, e a avaliação garante que a palavra final sobre as dúvidas se alinhem com ele.
No âmbito do English Experts, ao contrário, não há mecanismos de imposição do
conhecimento aos aprendizes. Apenas há mecanismos que lhes obriguem a repetir a voz
do Expert Collaborador, caso o aprendiz queira se tornar um deles (Ver sessão 3.2).
Embora esse ambiente tente separar aqueles que aprendem daqueles que
ensinam, atribuindo-lhes insígnias como Expert Collaborador e Colaboradores, a
88
análise das interações revela que esse controle parece falhar, que até mesmo sujeitos que
se apresentam como aprendizes e não possuem a insígnia de Expert invadem esse
espaço e desempenham a atividade de ensinar.
Ainda que Pierre Lèvy, em sua obra “Cibercultura”, não se dirija à
aprendizagem de idiomas, ele menciona o ciberespaço como favorecedor de novas
formas de acesso à informação e de novos estilos de raciocínio e de construção do
conhecimento. No caso do English Experts, procuro evidenciar, por meio da análise,
que o conhecimento parece ser construído coletivamente, deixando de ser unidirecional,
isto é, não parte apenas do professor para o aluno. Pelo contrário, qualquer participante
que se julgue apto a compartilhar conhecimento pode assumir a liderança e expressar
seu ponto de vista.
Ele assegura igualmente que, em meio à onda de informação que essa tecnologia
propicia, as instituições que eram responsáveis pela construção do sentido, como as
universidades, a mídia, etc., começam a perder esse espaço, e os indivíduos devem se
responsabilizar pela fabricação do sentido, filtrando-lhe de acordo com seus propósitos,
e os aprendizes precisam se responsabilizar pela fabricação do conhecimento que
desejam (LÉVY, 2010).
Tal como o autor descreve, procurei evidenciar que as interações no English
Experts fornecem um conhecimento destotalizado. Contudo, elas não fornecem
segurança e confiabilidade sobre ele, e o sujeito aprendiz deve sustentá-lo sobre sua
própria razão. No caso do participante 1 – bem como é provável seja de todos os outros
participantes – fica a seu próprio encargo analisar se as respostas oferecidas à sua
questão servirão a seus propósitos comunicativos; o sucesso de sua comunicação nessa
língua será, pois, a nota de sua prova.
Bauman (2004, 2007), ao discorrer sobre os relacionamentos da vida
contremporânea, pontifica que, na mesma porção que exercemos nossa liberdade e
individualidade, somo eximidos da segurança. Afirma ainda que não é possível navegar
em alto-mar e, ao mesmo tempo, permanecer ancorado na segurança do porto. Se bem
assim, à medida que esse aprendiz se liberta das amarras de um processo de
ensino/aprendizagem tradicional, precisa assumir o leme de sua embarcação. O Expert,
de sua parte, agora é livre e desobrigado de dar uma resposta ao aprendiz.
Assim, a retirada do Expert Collaborador como voz final, no que se refere ao
conhecimento, parece dar início a uma nova forma de busca pelo saber, sobre o seio da
liberdade e alicerçada no desamparo. Como não há um propósito com questões e
89
respostas já estabelecidas, o sujeito aprendiz precisa ter sempre em mente seus objetivos
comunicativos para que possa avaliar a adequação do conhecimento solicitado. Sua
própria razão deve amparar o conhecimento desejado.
Esse fato evidencia que, à proporção que a transformação da hierarquia existente
entre professor e aluno toma outra forma, e o primeiro desocupa o lugar de detentor do
conhecimento, outras exigências são postas a eles. Uma delas parece ser a necessidade
imputada a todos de sustentarem o conhecimento que requerem sobre sua própria
racionalidade. Não há mais livros didáticos ou professores que detenham a resposta
correta, nem provas que obriguem os alunos a se afinar com os objetivos do aparelho
educacional.
Embora as interações revelem representações de um conhecimento
destotalizado, vale notar que essas representações emergem principalmente de
enunciações entre aprendizes. As vozes de Experts ainda apresentam indícios de
resistência em se misturar e desaparecem em meio ao coletivo.
Vejamos isso na análise deste excerto: (fragmento U):
(FRAGMENTO U)
Nessa amostra (fragmento U), encontram-se evidências de certa resistência, por
parte do Expert, em abandonar o lugar social historicamente ocupado pelo professor.
Isso fica claro ao observar que, embora a questão “como eu digo que estou na
universidade cursando letras (Português/inglês) e que logo após pretendo me
especializar em traduções?” seja posta apenas por uma participante, por meio desta
manifestação, “Olá Pessoal”, o participante 10 insiste em se direcionar ao coletivo .
90
Percebe-se, aqui, que o sujeito Expert, ao se dirigir ao coletivo, parece persistir
em permanecer como provedor do conhecimento, sempre se direcionando aos supostos
aprendizes; contudo, no site não há vários alunos, e as questões, por sua vez,
correspondem somente, e tão somente, ao objetivo de seu autor.
Ao se dirigir a todos, por meio da enunciação “Olá pessoal”, ignorando que
supostamente apenas o participante 1 deseje a resposta àquela questão, pode-se notar
que opera sob a prática do Expert a imagem do professor que professa a uma sala de
aula lotada, onde todos possuem o mesmo objetivo e visam o mesmo conhecimento.
Desde que as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) começaram
a se expandir, observa Kenski (2010, p. 85), muitas mudanças ocorreram na dinâmica
da sociedade e das instituições que a compõem, incluindo o campo da educação no que
se refere a aprender e ensinar e, independentemente do uso mais ou menos intenso
dessas tecnologias na sala de aula, ou mesmo como sala de aula, professores e alunos
entram em contato com essas tecnologias em outras esferas da sociedade e trazem
consigo marcas desse contato.
Assim, ao analisar a enunciação do participante 7 (fragmento U), observa-se, em
sentido reverso, que, assim como as tecnologias influenciam a educação de ambiente
presencial, aquela ocorrida em ambiente online também parece receber influências de
práticas cunhadas na tradição presencial de ensino.
Há também sugestões mais detalhadas, com explicações complementares, como
as do Expert participante 7:
(FRAGMENTO V)
As escolhas lexicais do participante 7, ao se apresentar como Expert
Collaborador, também parecem denunciar identificações do lugar social ocupado por
ele em seu imaginário com o lugar do professor.
91
Embora a questão seja apresentada apenas pelo participante 1(como no
fragmento R), esta materialização linguística, “Olá pessoal”, permite notar que o Expert
participante 7 também parece ocupar o lugar social de professor, dirigindo-se ao
coletivo. Semelha desconsiderar a heterogeneidade que constitui o grupo e,
consequentemente, a variedade de propósitos dos participantes.
A análise dos quatro recortes acima (fragmentos S, T, U e V) procura clarear a
não fixidez da identidade (SILVA, 2009) que, no caso da identidade docente e discente,
assumem outras cores em ambiente digital (KENSKI, 2010). Em outras palavras, isso
evidencia que não se deve fazer equivaler o ato de ensinar apenas com professor e o ato
de aprender apenas com o aluno, pois essas atividades são apenas habilidades humanas,
e não são propriedades privadas de sua identidade.
Ao discorrer sobre a não fixidez da identidade, Moita-Lopes (2003) assevera que
as identidades são moldadas pelas relações de poder e, por isso, é importante destacar
que os sujeitos selecionam as práticas que desempenham, obedecendo a um imaginário
sobre as atividades e papéis que cada sujeito deve desempenhar no processo em que está
inserido.
Além disso, pode-se notar que, embora o sujeito professor (Expert
Collaborador) opere em ambiente online de ensino, parece fazê-lo com base em
representações de ambiente presencial, frequentemente se dirigindo ao coletivo como se
estivesse diante de uma sala de aula.
Neste capítulo, tive o intuito de apresentar a análise sobre o modo como se
desenrola a identidade docente e discente – aqui, metamorfoseados de Expert
Collablorador e aprendiz – em um site para ensino/aprendizagem de língua inglesa
intitulado “English Experts: uma guia para quem estuda inglês por conta própria via
internet”, bem como sua relação com a prática de ensino/aprendizagem desse idioma.
Para melhor analisar os traços que assinam a identidade dos sujeitos
participantes desse ambiente, subdividi a análise em temas que se configuram nas
subseções deste capítulo.
Assim, chegado ao limite que pretendi estender esta análise, passo a relatar
algumas (in)conclusões a que cheguei sobre a identidade dos participantes, bem como
algumas implicações para suas práticas de ensino/aprendizagem de língua inglesa neste
ambiente.
92
Algumas (In)conclusões
Este estudo germinou de certa inquietação a propósito da constituição da
identidade do professor e do aprendiz de língua inglesa no ciberespaço. Assim, este
texto teve o intuito de discutir o processo identitário desses sujeitos – nesse espaço, sob
o signo de Experts Collaboradores e aprendizes – bem como sua relação com a
aprendizagem de língua em ambiente online.
O estímulo em pesquisar um site se deve ao número crescente de usuários que
utilizam a internet como local de interação e fonte de informação. Parti do pressuposto
que a identidade, assim como o camaleão, está sempre em metamorfose e que o
ensino/aprendizagem de língua inglesa em ambiente online implicaria novas
pigmentações aos camaleões desse espaço. Em mais detalhes, esse pressuposto se divide
dois:
a) as Tecnologias da Informação e da Comunicação que banharam o mundo nas
últimas décadas estão alterando nossa forma de nos relacionar e comportar de modo
geral (HALL, 2005; SILVA, 2009), e
b) esse impacto encarta implicações na identidade e, consequentemente, na
forma de ensinar/aprender língua inglesa (tenha diplomação ou não) que se arrisca a
ensinar em ambiente online.
Embora descreva traços que vinquem a identidade dos participantes, não tive o
intuito de produzir uma descrição do que seja sua identidade. Apenas entreabro breves
laivos de como elas se encontravam no momento em que os enunciadores proferiram as
materializações linguísticas coletadas para este estudo, isto é, exponho a análise de um
repentino lapso de seu constante metamorfosear.
Para levar esse processo metamórfico à vista do leitor, descortino um pequeno
mosaico teórico que constitui as lentes deste estudo; foram com esses óculos, pois, que
os passos metodológicos pincelaram a análise apresentada no último capítulo, o qual
tinha o objetivo de responder às seguintes questões:
93
Como se desenrola o processo identitário do Expert Collaborador e do aprendiz
de língua inglesa no site English Experts?
Qual é a relação com sua prática de ensino/aprendizagem desse idioma?
Essas preocupações fazem parte ainda do pesquisador iniciante, sedento de
emoções em meio à onda de tecnologias que vem despencando em nossa sociedade. A
chegada neste capítulo sinaliza não o fim da metamorfose do camaleão, mas o momento
de novas camuflagens e reflexões sobre o decorrido e o porvir.
Para tanto, neste capítulo intento responder às perguntas de pesquisa que
motivaram este estudo. Discuto também a aprendizagem travada pelo pesquisador, as
contribuições que este estudo pode oferecer a outros camaleões. Por igual, as limitações
que toda pesquisa pode ofertar.
Acresça a isso o medo do desconhecido que se instaura naqueles que deparam,
num primeiro momento, com o mundo da informática. Essa não poderia ser minha
atitude diante de tema tão apaixonante, cujo desvendamento se faz indispensável.
Falava Pavese: ‘o único modo de escapar do abismo é observá-lo, e medi-lo, e sondá-lo
e descer para dentro dele”. Não foi outra minha decisão sabemos que só podemos
moldar uma faceta da realidade quando instruídos pela própria realidade.
Passo agora a expor algumas (in)conclusões sobre o desdobrar de algumas
facetas da metamorfose camaleônica ao longo de seu caminhar. Pela análise dos dados,
pude depreender, entre outras características, o caráter contraditório que colore a
identidade dos participantes.
Esse ponto se evidencia ao notar que, ao mesmo tempo em que se desejam
aprendizes autônomos, que estudam inglês por conta própria, há também um sujeito
professor (Expert Collaboradores) que se propõe como guia desses aprendizes.
É a partir dessa característica central que identifico outros traços que pigmentam
os habitantes do espaço pesquisado. São os próprios aprendizes, no exercício de sua
autonomia, que apresentam suas dúvidas e direcionam a construção de seu
conhecimento. Essa característica constitui um traço fundamental que distingue a
prática de ensino/aprendizagem desses participantes da prática daqueles de ambiente
presencial.
Tal possibilidade que os aprendizes possuem de direcionar o próprio
aprendizado convida a revelar a tendência em transferir o leme da aprendizagem para os
94
próprios sujeitos interessados em aprender. São eles que desfilam as questões das quais
emerge o currículo, que, no caso presente, se torna personalizado.
As dúvidas não se direcionam mais a um conteúdo programático, dado que o
processo de ensino/aprendizagem é que é dirigido pelas dúvidas. De outro modo, são as
dúvidas que movem o processo, não as respostas. Não bastasse, as respostas propostas
às questões não são submetidas a nenhum processo de avaliação e não forçam, pois, os
aprendizes a repetir a voz do sujeito Expert Collaborador. Aqui os aprendizes são
aparentemente “livres” para escolher aquilo que querem aprender, centrando a
aprendizagem em si mesmos. Essa parece ser outra marca fundamental que diferencia
os sujeitos e suas práticas nesse ambiente.
Em ambiente presencial, o repasse de conteúdo preestabelecido tenta centrar a
atenção dos alunos na voz do professor, bem como reuni-la sob um único objetivo; no
English Experts, pelo contrário, esse objetivo e conteúdo se multifacetam – permitido o
neologismo – tantas vezes quantos forem os interesses dos participantes. São suas
questões que direcionam o processo de ensino/aprendizagem, o qual deve se afeiçoar
aos objetivos do aprendiz.
Nesse novo ambiente, não é o conteúdo que solicita a atenção dos aprendizes,
mas seus interesses que dão origem ao conteúdo.
Os fóruns, “sala de aula virtual”, são menores do que as de ambiente presencial
e, não raro, são os objetivos dos participantes que conferem existência ao grupo; o
ambiente presencial, em contrário disso, estabelece um objetivo e força os aprendizes a
se submeter a ele. Nesse andar, a não submissão a conteúdo preestabelecido e a
avaliações parecem emergir como traços desses sujeitos aprendizes.
Visto que o objetivo deste estudo era investigar como se desenrola o processo
identitário dos participantes, pinçando, em decorrência, possíveis implicações para o
processo de ensino-aprendizagem, é interessante pontuar que esses apontamentos
sobrelevam traços que matizam a identidade desses participantes e permitem decotar
algumas alterações em sua prática de ensino/aprendizagem.
Em síntese, os professores, agora na figura de Expert Collaborador, não estão
mais incumbidos da tarefa de direcionar o processo de ensino/aprendizagem, em
consonância com os objetivos estabelecidos por uma instituição. Outro seu propósito: a
construção de conhecimento e direção que cada aprendiz tenta dirigir, por meio das
questões que apresentam. Assim, os aprendizes devem assumir a responsabilidade pela
95
construção e direção de sua própria aprendizagem. O Expert, de sua vez, se apresenta
apenas como um colaborador, como um orientador.
Outra característica que caracteriza os participantes desse ambiente é a forma
como eles se organizam, dando origem a grupos de estudo sempre voláteis. Esses
grupos parecem ser as salas de aula do English Experts. Elas são volúveis e semelham-
se afeiçoar aos moldes da sociedade líquida descrita por Bauman (2003). Elas não
podem ser identificadas pela estabilidade; surgem e se dissipam sem o menor
planejamento. Parecem aflorar com vida própria: alguém lança uma questão e ela
começa se formar.
Outro ponto que pigmenta a face externa dessas “salas de aulas” é a falta de
garantia de que elas irão resistir ao tempo. Sua durabilidade se perpetua apenas
enquanto possibilita que ambos os participantes realizem seus desejos, isto é, enquanto
a relação entre os participantes parecem satisfazê-los (BAUMAN, 2007). O controle
sobre seu nascimento, crescimento e fim não parece estar sob o domínio de seus
participantes e, estes, não são obrigados a participar de suas atividades.
Não há ares de imposição à participação, à realização de atividades, à submissão
a testes, etc. Essas são características que também parecem emergir como a diferença
(SILVA, 2009) que desmembra a prática de ensino/aprendizagem do English Experts
em relação àquela presente em ambiente presencial. O English Experts insinua pertencer
ao mundo dos líquidos (BAUMAN, 2003, 2004, 2007).
Em complemento, a análise também revelou que o modo como os participantes
abordam o processo de ensino/aprendizagem em ambiente online depende, em grande
parte, do modo como são atravessados pelas representações de língua e do lugar que
professores e alunos ocupam nesse processo em ambiente presencial.
Por outras palavras, se não pode colaborar para intuir o modo como cada Expert
e/ou aprendiz aborda o processo de ensino/aprendizagem de línguas, pode, ao menos,
evidenciar-nos que a forma como eles o fazem depende, em parte, das representações
que entrelaçam seu imaginário, muitas delas construídas desde suas primeiras
experiências na qualidade de aluno.
Sabemos também que toda representação se constrói a partir das experiências
pessoais e das experiências alheias daqueles que nos cercam e nos levam a crer nisto ou
naquilo e que influenciam nossa forma de ser. Tudo isso, grosso modo, não acontece
fora do contexto sociopolítico no qual os indivíduos habitam e são interpelados em
sujeitos.
96
Pela análise dos dados, podemos depreender que levar em conta as diversas
vozes que habitam o imaginário desses sujeitos, a heterogeneidade que os constitui,
pode colaborar para compreendermos o modo como esses indivíduos se comportam
nesse novo ambiente, bem como para refletirmos sobre as implicações que esse fato
produz para o processo de ensino-aprendizagem.
De outro modo, observar essas questões, diga-se de passagem, pode colaborar
para nos tornar mais sensíveis às dificuldades que permeiam o processo de
ensinar/aprender uma língua estrangeira em ambiente online, e – por que não? – em
cursos a distância.
Isso fica evidente quando o Expert Collaborador – ou qualquer sujeito que
venha desempenhar o papel de ensinar – se dirige ao coletivo ao responder a questão
específica de um aprendiz. Esse ato parece testificar que o professor desconsidera que,
na esfera do English Experts, não há um currículo homogêneo para todos os aprendizes
e que as dúvidas dos participantes não se relacionam, necessariamente, com o conteúdo
que se encontra no quadro-negro ou na página do livro didático.
A análise também permitiu entender que, embora o ensino/aprendizagem de
inglês se dê em uma nova base, inexistente antes do advento e da democratização do
acesso à internet, tais práticas se sustentam, em grande parte, nas representações sobre
língua. Bem assim sobre o papel do professor e do aluno, e sobre ensino/aprendizagem,
que imbricam seu imaginário, fruto de ambiente presencial de ensino.
Além disso, percebe-se que a tecnologia não implica mudanças imediatas no
modo de agir dos sujeitos, apenas enseja ações – dentro de suas representações que
lentamente serão alteradas – não possíveis antes do advento da internet. Entre elas, o
ensino a distância e o contato entre sujeitos de diferente contexto sócio-históricos.
São essas ações que, ao seu tempo, colaboram para o desenvolvimento de novas
representações que subsistirão sob as futuras práticas de ensino/aprendizagem desse
idioma. São as práticas desse novo ambiente que contribuirão para sedimentar antigas
representações, quando não para, aos poucos, reconstruí-las.
Outro ponto que a internet enfeixa alterações no processo de
ensino/aprendizagem diz respeito ao tempo e espaço das interlocuções entre aprendizes
e Expert Collaboradores. Diferentemente do contexto presencial, onde as dúvidas e
raciocínios devem se desencadear no tempo e espaço da enunciação oral, portanto
instantaneamente, no ambiente online (English Experts) os pensamentos e argumentos
são construídos no tempo e espaço da escrita, daí podem ser mais elaborados.
97
O tempo e espaço da escrita facultam novas formas de elaborar as enunciações.
As respostas às indagações dos interlocutores podem, por exemplo, não ser fruto do
conhecimento que já habitava o imaginário do sujeito respondente, mas advir de uma
pesquisa com o objetivo específico de responder à indagação. Dito de outro modo, esse
novo tempo acolhe que, aqui e ali, as ideias apresentadas nas interlocuções dos
participantes encontrem expressão nas palavras e argumentos alheios.
Em síntese, embora as ações dos participantes, em alguns momentos, pareçam
refletir representações relacionadas com o ambiente presencial, o English Experts se
impõe como outra realidade para o processo de ensino-aprendizagem, e as novas
necessidades geradas por esse espaço acarretam novas formas de ser professor e aluno.
Isso leva a induzir que, devido a um longo período de ensino/aprendizagem
atrelado ao ambiente presencial, o sentimento de identidade do Expert Collaborador
pode se tornar encadeado a esse modo de ensino, carregando representações desde as
experiências do tempo de aluno até o momento em que veio a ocupar o lugar de Expert
Collaborador.
Assim, é necessário um período de readaptação para que novas exigências
evidenciem quais representações serão substituídas, reclamando aqueles que se fazem
mais adequadas. De outro modo, apenas o exercício da Expert Collaboração, nesse
ambiente, atrelado a novas necessidades – como as impostas pelo tempo e espaço –
poderá construir representações com nova feição aos aprendizes e aos Experts, de modo
a fornecer outro sentido ao eu.
Nessa caminhada, por meio da análise das materializações linguísticas
analisadas, busquei desvelar as representações que atravessam o imaginário dos
enunciadores e como essas imagens podem esculpir implicações para o processo de
ensino/aprendizagem desse idioma.
Com o término desta pesquisa, afluem sempre novas inquietações sobre a
constituição da identidade do professor e do aprendiz de língua inglesa no ambiente
digital.
Penso que uma melhor compreensão da constituição identitária desses sujeitos é
fundamental para a construção de um olhar mais perspicaz sobre o processo de
ensino/aprendizagem de língua em ambiente online. Por igual, pode colaborar, em
acréscimo, parar melhor pensarmos cursos a distância.
Na busca de compreender como a identidade do outro se desenrola em ambiente
de ensino/aprendizagem no site English Experts, pude refletir e produzir significado
98
sobre o modo como ocorreram etapas de meu processo de formação e sobre a
constituição da minha identidade. Em adendo, pude também me tornar mais sensível ao
modo como minha identidade influencia na forma como conduzo minha prática docente
e discente de língua inglesa, assim como não consigo deixar de me atentar às cores que
assumo em cada nuança desse processo. É a ação do camaleão, imprimindo novas
facetas a meu agir, decorrência de minha percuciente reflexão a propósito do tema.
A percepção do caráter fluido da identidade, em constante metamorfose, também
me tornou mais consciente sobre o modo como a formação acadêmica e a vivência
podem influenciar nossa forma de ser, forçando-nos a mudar constantemente e a reagir
ao ambiente que nos cerca, que, não raro, permite emergir as mais inesperadas
possibilidades de traços que constituem nosso self.
Finalmente, tendo em vista a própria natureza instável e líquida das identidades e
do ciberespaço, temos percepção do caráter não conclusivo deste trabalho. Ancoro com
a esperança de ter dado alguma contribuição para o debate acadêmico acerca do
ciberespaço respeitante à identidade dos sujeitos nele circunscritos e suas implicações
para o processo de ensino/aprendizagem. O intuito é cooperar para pesquisas futuras
que visem a levar adiante esse tema, dada sua relevância em uma sociedade na qual a
comunicação mediada por computador se faz cada vez mais presente.
O inúmero contingente de redes sociais, blogs e outras plataformas online que
medeiam práticas de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras ainda recobram mais
reflexões para compreender o universo das mídias e seu papel troca de informação e na
educação na sociedade contemporânea.
99
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