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Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Saúde Coletiva Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação entre os níveis de atenção à saúde: o caso do Pólo-Base Rondonópolis, Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá (DSEI Cuiabá), Mato Grosso Karem Dall”Acqua Vargas Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Área de Concentração: Saúde e Sociedade Orientadora: Profa. Dra. Maria Clara Vieira Weiss Cuiabá 2008

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Universidade Federal de Mato Grosso

Instituto de Saúde Coletiva

Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação

entre os níveis de atenção à saúde: o caso do Pólo-Base

Rondonópolis, Distrito Sanitário Especial Indígena

Cuiabá (DSEI Cuiabá), Mato Grosso

Karem Dall”Acqua Vargas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Área de Concentração: Saúde e Sociedade

Orientadora: Profa. Dra. Maria Clara Vieira Weiss

Cuiabá

2008

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Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação

entre os níveis de atenção à saúde: o caso do Pólo-Base

Rondonópolis, Distrito Sanitário Especial Indígena

Cuiabá (DSEI Cuiabá), Mato Grosso

Karem Dall”Acqua Vargas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva/PROPGSC do Instituto de Saúde Coletiva/ISC da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva, Área de Concentração Saúde e Sociedade.

Área de Concentração: Saúde e Sociedade

Orientadora: Profa. Dra. Maria Clara Vieira Weiss

Cuiabá

2008

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V297a Vargas, Karem Dall’Acqua. Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação entre os níveis de atenção à saúde : o caso do Pólo-Base Rondonópolis, Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá ( DSEI Cuiabá ), Mato Grosso ./ Karem Dall’Acqua Vargas. Cuiabá: UFMT, 2008. 249 fls. Dissertação – Mestrado em Saúde Coletiva – Área de Concentração: Saúde e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Maria Clara Vieira Weiss. 1.Atenção Básica. 2.Estratégias Locais. 3.Descentralização. 4.Saúde Indígena. I.Título. CDU 614

É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua forma impressa como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, títulos, instituição e ano da dissertação.

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Aos meus pais, Zelcy e Ione, que despertaram e alimentaram em mim a

necessidade do conhecimento...

Ao meu marido Diogo que com seu apoio e carinho me ajudou a chegar até o

fim.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por dotar-me da sensibilidade necessária para apreender a realidade

desigual vivida por aqueles menos favorecidos e por tornar possível a conclusão

deste trabalho apesar de tantas dificuldades. Sei que esteve a meu lado por todo o

tempo.

A Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso e a Universidade Federal de

Mato Grosso; a primeira, por permitir que me ausentasse de minhas atividades

profissionais para embarcar nesta viagem rumo ao conhecimento e, a segunda, por

torná-la possível.

A Profa. Dra. Maria Clara Vieira Weiss por todo o carinho com que me

orientou durante todo este período.

A todos os profissionais da Casa de Saúde Indígena Rondonópolis e da rede

municipal de saúde de Rondonópolis por me receberem tão bem e colaborarem com

os seus relatos a fim de tornar real este trabalho. A todos vocês a minha imensa

gratidão e respeito.

Em especial ao povo Bororo e Bakairi que me premiaram com a oportunidade

de conhecê-los e por deixarem aproximar-me da realidade vivida na busca pelo

acesso aos cuidados de saúde.

Aos Professores Doutores da Escola de Administração da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul: Maria Ceci Misoczky, Neusa Cavedon, Ronaldo

Bordin e Sueli Goulart. Obrigada por tudo que aprendi durante este tempo de

convivência.

A você Prof. Paulo Delayti Motta pela sua paciência, carinho e dedicação. Foi

um imenso prazer lhe conhecer!! Meu eterno obrigado.

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“Nenhum homem possui todos os conhecimentos e é pela união social que eles se

completam uns aos outros, a fim de assegurarem o bem-estar mútuo e progredirem.

Eis porque, tendo necessidade uns dos outros, são feitos para viver em sociedade e

não isolados (Alan Kardec, 1804-1869)”.

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RESUMO

A partir de uma abordagem construtivista do processo de pesquisa pergunta-se sobre a articulação da atenção básica com os demais níveis do sistema de saúde, avaliando a adequação às normas existentes e explorando os desenvolvimentos criativos realizados no Pólo-Base de Rondonópolis (DSEI Cuiabá/MT). Este trabalho é uma avaliação qualitativa cuja estratégia metodológica foi o estudo de caso, instrumental e exploratório. Os procedimentos realizados partiram do levantamento bibliográfico, seguindo para a análise de documentos legais que estabelecem os fluxos de referência e contra-referência planejados. Através de dados secundários oficiais e de entrevistas semi-estruturadas realizadas com gestores e profissionais de saúde foram identificados os fluxos formalmente indicados pelos profissionais da CASAI Rondonópolis a todos os usuários indígenas a ela referenciados. Com os usuários em trânsito foram realizadas entrevistas abertas para identificar a satisfação dos mesmos frente aos serviços de saúde, assim como a existência de outros caminhos utilizados pelos próprios usuários na busca pelo cuidado. A análise do material empírico registrado foi feita considerando fortemente sua relação com o contexto. Os resultados indicaram que a Política Nacional de Saúde Indígena está aquém de garantir de fato o acesso dos usuários indígenas aos serviços de saúde com qualidade e não atende aos critérios de territorialidade e acessibilidade fortemente defendidos pelo modelo do Distrito Sanitário. Os fluxos formalmente indicados pelos profissionais de saúde são resultantes da associação dos elementos planejados no Plano Diretor Regionalizado e no Plano Distrital de Saúde Indígena constituindo, desta maneira, uma estratégia criativa loco-regional para garantir o acesso e continuidade em todos os níveis de atenção à saúde. Não foram identificados fluxos por conta dos usuários ressaltando a sua dependência frente às estratégias criativas desenvolvidas pelos profissionais de saúde. Especificamente para os Bororo e Bakairi foi diagnosticada baixa resolutividade das ações executadas em aldeia pela equipe multidisciplinar de saúde indígena mantida pela conveniada UNISELVA/UFMT, apontando a necessidade de estudos mais profundos sobre esta prática. Por fim, os princípios da universalidade do acesso, integralidade, eqüidade e participação social não são contemplados tendo em vista o impasse real entre o município e a Fundação Nacional de Saúde. Palavras-chave: Atenção básica, estratégias locais, descentralização, saúde indígena.

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ABSTRACT

From a constructivist approach to the research process we examine the articulation of basic care at all levels of the health-care system, evaluating the adequacy of existing norms, and exploring the creative developments carried out in the Pole-Base at Rondonópolis (DSEI Cuiabá/MT). This work is a qualitative evaluation; its methodological strategy was the instrumental and exploratory case study. The procedures carried out came from a bibliographical survey, following the analysis of legal documents that establish the flows of reference and counter-reference. Through official secondary data and half-structuralized interviews carried out with managers and health professionals, the flows formally indicated were identified by the professionals of CASAI Rondonópolis in all the indigenous users referenced. Open interviews were carried out with users in transit to identify their level of satisfaction with the health services, as well as the existence of other ways used by the health services users in search of care. The analysis of the registered empirical material was made, strongly considering its relation with the context. The results indicated that the National Politics of Indigenous Health is on the side of in fact guaranteeing the access of the indigenous users of the health services with quality and does not answer to the criteria of territoriality and accessibility strongly defended by the model of the Sanitary District. The flows formally indicated by the health professionals are resultant of the association of the planned elements in the Regionalized Managing Plan and the District Plan of Indigenous Health constituting, in this way, a loco-regional creative strategy to guarantee the access and continuity at all the levels of health care. Flows on account of the users emphasizing their dependence on the creative strategies developed by the health professionals were not identified. Specifically for the Bororo and Bakairi low decisiveness in the actions executed in the village by the multidiscipline team of indigenous health kept by the convened UNISELVA/UFMT, identifying the necessity for deeper studies on this practice. Finally, the principles of the universality of the access, completeness, fairness and social participation are not contemplated in view of the real impasse between the city and the National Health Foundation. Key-words: Basic care, local strategies, decentralization, indigenous health.

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ÍNDICE

1 INTRODUÇÃO 17 2 OBJETIVOS 20 2.1 OBJETIVO GERAL 20 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 20 3 REFERENCIAL TEÓRICO 22 3.1 AS CINCO DEFINIÇÕES PARA O TERMO ESTRATÉGIA 22 3.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS EMERGENTES

27

3.3 AS ESTRATÉGIAS FORMULADAS E A DESCENTRALIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

28

3.3.1 A Rede de Serviços e os Princípios de sua Organização no SUS 35 3.4 O SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA E AS SUAS BASES CONCEITUAIS

36

3.5 UM NOVO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: UMA ESTRATÉGIA PRETENDIDA E (AINDA) NÃO-REALIZADA

39

3.5.1 O Modelo em Defesa da Vida 44 3.5.2 O Modelo de Ações Programáticas 45 3.5.3 O Modelo de Vigilância da Saúde 45 3.5.4 O Modelo Saúde da Família 46 3.5.5 A Proposta Internacional da Promoção da Saúde 47 4 METODOLOGIA 50 4.1 OBJETO DE ESTUDO 50 4.2 LOCAL DE ESTUDO 50 4.3 TIPO DE PESQUISA 50 4.4 COLETA DE DADOS 55 4.4.1 Considerações Éticas 58 4.5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO 58 5 CARACTERIZAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E DO MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS

63

5.1 A OCUPAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E A RESISTÊNCIA DOS POVOS INDÍGENAS

63

5.2 LOCALIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO: ASPECTOS QUE DESAFIAM A ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA

76

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5.3 ASPECTOS FÍSICO-BIÓTICOS 77 5.3.1 Relevo e as Mudanças na Agricultura 77 5.3.2 Clima e Comprometimentos da Saúde 78 5.3.3 Hidrografia e a Importância dos Rios para as Comunidades Indígenas

79

5.3.4 Vegetação: a Complexidade do Cerrado 80 5.4 ASPECTOS SOCIAIS DE MATO GROSSO 81 5.4.1 Demografia: a Baixa Densidade Demográfica no Estado 81 5.4.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e as Melhorias na Qualidade de Vida

84

5.4.3 Saúde e Hospitalização 85 5.4.4 Educação, ainda Defasada 87 5.4.5 Trabalho e Renda: Precariedade e Baixa Renda 88 5.5 ASPECTOS ECONÔMICOS: EXPANSÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS

91

5.5.1 Agricultura e Pecuária: Modernização e Crescimento 91 5.5.2 Indústria: a Expansão da Agroindústria 92 5.5.3 Comércio: Emprego e Faturamento 93 5.5.4 Mercado Externo: Quadro Expressivo das Exportações 93 5.6 A ORGANIZAÇÃO DESCENTRALIZADA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO ESTADO DE MATO GROSSO

94

5.6.1 Considerações sobre a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS SUS 01/02) no Estado de Mato Grosso

95

5.7 O MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS 97 5.7.1 O SISTEMA MUNICIPAL DE SAÚDE DE RONDONÓPOLIS 108 6 A FORMULAÇÃO DO SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA

115

6.1 O PLANO DISTRITAL DE SAÚDE INDÍGENA NO DSEI CUIABÁ 129 6.1.1 O Fluxo Planejado no PDSI para o Atendimento aos Usuários Indígenas

134

6.1.1.1 Aldeia Jurigue 139 6.1.1.2 Aldeia Pobore 139 6.1.1.3 Aldeia Praião 139 6.1.1.4 Aldeia Tadarimana 141 6.1.1.5 Aldeia Merure 142 6.1.1.6 Aldeia Morada Bororo 143 6.1.1.7 Aldeia Garças 144 6.1.1.8 Aldeia Piebaga 145 6.1.1.9 Aldeia Gomes Carneiro 146 6.1.1.10 Aldeia Perigara 147 6.1.1.11 Aldeias Pakuera, Alto Ramalho, Paikun e Aturua (T.I. Bakairi, etnia Bakairi)

148

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11

7 O SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA E A SUA RELAÇÃO COM A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE

150

7.1 O FLUXO FORMAL DO DSEI CUIABÁ NAS TERRAS INDÍGENAS E AS SUAS RELAÇÕES COM O MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS

160

7.1.1 Os Índios e o Acesso à Rede Municipal de Saúde em Rondonópolis

169

7.2 O FLUXO POR CONTA DO USUÁRIO NAS TERRAS INDÍGENAS SOB A ABRANGÊNCIA DO PÓLO-BASE RONDONÓPOLIS

173

8 COMPARAÇÃO ENTRE OS FLUXOS PLANEJADOS E O FLUXO FORMAL PARA OS USUÁRIOS INDÍGENAS

177

8.1 ALDEIAS TADARIMANA, POBORE E PRAIÃO (T.I. TADARIMANA)

178

8.2 ALDEIAS GOMES CARNEIRO E PEIBAGA (T.I. TEREZA CRISTINA)

195

8.3 ALDEIAS PAKUERA, ALTO RAMALHO E PAIKUN (T.I. PAKUERA OU BAKAIRI)

206

8.4 TERRA INDÍGENA SANGRADOURO DA ETNIA XAVANTE 211 CONSIDERAÇÕES FINAIS 214 RECOMENDAÇÕES PARA OS GESTORES 220 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 222 ANEXOS 231 Anexo 1 – Formulário para identificação do fluxo formal 231 Anexo 2 – Entrevista para o profissional responsável pela saúde indígena na Secretaria de Assistência à Saúde (SAS/MS)

232

Anexo 3 – Entrevista para o Secretário Municipal de Saúde de Rondonópolis 233 Anexo 4 – Entrevista para o Chefe do DSEI Cuiabá 235 Anexo 5 – Entrevista para o profissional de saúde incluindo o Chefe da CASAI Rondonópolis, os Coordenadores de Atenção Básica e Média Complexidade, os Gerentes das Unidades de Atenção Básica, enfermeiros e técnicos de enfermagem da CASAI Rondonópolis e do município

237

Anexo 6 – Entrevista para o marcador de consultas da CASAI Rondonópolis e da Central de Regulação de Rondonópolis

239

Anexo 7 – Entrevista para o representante do Conselho Municipal de Saúde de Rondonópolis

241

Anexo 8 – Roteiro para conversa com o usuário indígena 243

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Anexo 9 – Termo de consentimento livre e esclarecido 245 Anexo 10 – Parecer do CONEP/MS 247 Anexo 11 – Parecer final do CEP/HUJM/UFMT 249

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O avanço dos bandeirantes e a quebra do Tratado de Tordesilhas 64 Figura 2 – Limites territoriais da Capitania de São Paulo

66

Figura 3 – Ilustração da localização do Estado de Mato Grosso e fuso horário brasileiro

76

Figura 4 – As 12 Regiões de Planejamento de Mato Grosso

77

Figura 5 – Regiões e Microrregiões de Mato Grosso

96

Figura 6 – Eixos viários que interligam Rondonópolis ao restante do Estado de Mato Grosso

98

Figura 7 – Os Módulos Assistenciais da Microrregião Sul Mato-Grossense

110

Figura 8 – Distribuição dos DSEIs no território nacional por ocasião de sua criação

120

Figura 9 – Rede hierarquizada das unidades de referência e contra-referência, responsáveis técnicos e integração do DSEI com a rede do SUS

122

Figura 10 – Organograma dos órgãos responsáveis pela Política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas

125

Figura 11 – Localização do Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá – MT

130

Figura 12 – Fluxos planejados para os usuários das aldeias Jurigue, Pobore e Praião

140

Figura 13 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Tadarimana

141

Figura 14 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Merure

142

Figura 15 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Morada Bororo

143

Figura 16 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Garças

144

Figura 17 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Piebaga

145

Figura 18 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Gomes Carneiro

146

Figura 19 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Perigara

147

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14

Figura 20 – Fluxo planejado para as aldeias da Terra indígena Bakairi

149

Figura 21 – Fluxo formal do Pólo-Base Rondonópolis, DSEI Cuiabá, MT

163

Figura 22 – Fluxo formal para a atenção básica realizado pelos usuários a rede municipal de saúde em Rondonópolis

170

Figura 23 – Fluxo formal para urgências e emergências

171

Figura 24 – Fluxo formal para procedimentos M1, M2 e M3 para os usuários indígenas

172

Figura 25 – Fluxo formal para os usuários da etnia Bakairi

208

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15

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – População recenseada e estimada de Mato Grosso, Região Centro-Oeste e do Brasil, 1940 a 2005

81

Tabela 2 – Taxa média geométrica de crescimento de Mato Grosso, Centro-Oeste e Brasil (%)

82

Tabela 3 – População urbana e rural em Mato Grosso, na Região Centro-Oeste e no Brasil, 1970 – 2004

83

Tabela 4 – População residente por sexo e densidade demográfica em Mato Grosso, 1980 – 2004

84

Tabela 5 – Rede hospitalar de Mato Grosso, 1999 – 2004

86

Tabela 6 – Número de leitos em Mato Grosso, 1999 – 2004

86

Tabela 7 – Pessoas ocupadas de 10 anos ou mais, por atividade principal em Mato Grosso, 2004

89

Tabela 8 – Pessoas de 10 anos o mais e valor de rendimento mensal, por sexo em Mato Grosso, 2004

90

Tabela 9 – Rendimento médio mensal das pessoas com 10 anos ou mais, economicamente ativas na semana de referência em Mato Grosso, no Centro-Oeste e no Brasil, 2004

90

Tabela 10 – Unidades prestadoras de serviço ambulatorial em Rondonópolis

112

Tabela 11 – Hospitais que compõem a rede do SUS de Rondonópolis

113

Tabela 12 – Municípios que compõem o CIS Sul Mato-Grossense

114

Tabela 13 – Demais unidades e serviços que compõem a rede do SUS em Rondonópolis

114

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16

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – As Regiões de Saúde do Estado de Mato Grosso 96 Quadro 2 – As Terras Indígenas Bororo em outros municípios mato-grossenses

107

Quadro 3 – Áreas Programáticas, resultados previstos e setor responsável conforme PDSI

133

Quadro 4 – Fluxos de referência planejados e formal para atenção básica dos Bororo residentes em Rondonópolis

181

Quadro 5 – Fluxos de referência planejados e formal para média complexidade níveis 1, 2 e 3 para os Bororo residentes no município de Rondonópolis

191

Quadro 6 – Os fluxos planejados e o formal para a atenção básica aos usuários da aldeia Gomes Carneiro, etnia Bororo

197

Quadro 7 – Os fluxos planejados e o fluxo formal de atenção básica para os usuários da aldeia Piebaga, etnia Bororo

200

Quadro 8 – Os fluxos planejados e o fluxo formal para M1, M2 e M3 para os usuários das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga, etnia Bororo

203

Quadro 9 – Os fluxos planejados e o fluxo formal para todos os níveis de atenção aos usuários Bakairi das aldeias Pakuera, Alto Rmalho e Paikun

210

Quadro 10 – Os fluxos planejados e o formal para os usuários Xavante da Terra Indígena Sangradouro

213

Quadro 11 – Terras Indígenas Xavante, DSEI Xavante, MT

213

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17

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho resultou da proposta de avaliar a articulação da atenção básica

com os demais níveis do sistema de saúde, considerando tanto a adequação às

normas existentes quanto às iniciativas criativas realizadas para garantir o acesso da

população indígena aos níveis de atenção à saúde.

Ao aceitar o convite para participar do projeto de pesquisa intitulado:

“Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação entre os níveis de

cuidado à saúde: estudo de múltiplos casos nos estados do Rio Grande do Sul,

Mato Grosso e Pernambuco” o objeto de estudo foi direcionado para a articulação

entre os níveis de atenção à saúde aos usuários indígenas sob a responsabilidade do

Pólo-Base Rondonópolis tendo em vista suas necessidades e levando em

consideração a experiência e a satisfação dos profissionais e dos índios frente a rede

de serviços do SUS. Por isso, o conteúdo deste estudo integrou o relatório final do

referido projeto que foi apresentado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq), em fevereiro de 2008.

Considerando que os princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde

(SUS) preconizam a universalidade do acesso, a integralidade da atenção, a eqüidade

e a participação social, foi criado o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena

vinculado ao SUS e sob a responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde

(FUNASA).

Entretanto, para que o acesso aos níveis de atenção à saúde se tornasse

realidade, ao longo da década de 90 e início do século XXI, a descentralização foi

regulamentada objetivando repassar aos estados e municípios as responsabilidades

sobre a gestão da atenção à saúde de todos os cidadãos brasileiros e, juntamente com

a FUNASA/MS, garantir a inclusão dos usuários indígenas no sistema.

Ainda que a Lei Arouca reafirme o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena

como o modelo de atenção voltado para as especificidades destas populações é

indispensável destacar que no momento da conclusão deste trabalho está ocorrendo

uma reorganização administrativa interna do Ministério da Saúde com a criação da

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Secretaria de Atenção Primária e Promoção da Saúde que deverá substituir a

FUNASA no que se relaciona a implementação do referido Subsistema.

Frente a este contexto partiu-se dos seguintes questionamentos para melhor

apreender as estratégias idealizadas, e as de fato realizadas, na busca pela atenção à

saúde por todos os envolvidos: Como estão formalizados os fluxos de referência

entre os níveis de atenção à saúde oferecidos aos índios do Pólo-Base

Rondonópolis? Como ocorre a articulação entre o nível de atenção básica em saúde,

que deve ser garantido pela FUNASA/MS, e os demais níveis de referência

municipal que compreendem as ações de média complexidade nível 1 (M1) citadas

pela Norma de Operacionalização da Assistência à Saúde (NOAS/SUS) 01/02?

Como ocorre a pactuação dos demais procedimentos contemplados na Tabela do

Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS) e que correspondem aos

níveis 2 e 3 da média complexidade, além dos procedimentos de alto custo, quando o

usuário é indígena? Os fluxos deliberados são de fato implementados no cotidiano ou

de acordo com a realidade local, a experiência e a satisfação dos profissionais e dos

índios, existem outras estratégias que tornam efetivo o acesso aos níveis de atenção à

saúde?

O trabalho está dividido em oito capítulos. O primeiro apresenta as

inquietações da autora frente ao objeto de pesquisa, o contexto em que o trabalho foi

realizado, assim como, seu financiador. Este capítulo compõe a Introdução da

dissertação. Do segundo ao quarto são apresentados os objetivos e os fundamentos

teórico-metodológicos que subsidiaram o estudo. A partir do quinto capítulo são

apresentados os resultados obtidos. Especificamente no quinto capítulo é apresentada

a contextualização histórica do Estado de Mato Grosso e município de Rondonópolis

com destaque para a ocupação do território durante o processo de colonização e a

resistência dos povos indígenas. Ainda neste capítulo é apresentada a situação

político-administrativa atual tanto do estado quanto do município ressaltando a

implementação dos critérios estabelecidos pela NOAS SUS 01/02 na Microrregião

Sul Mato-Grossense.

No sexto capítulo é apresentada a formulação do Subsistema de Atenção aos

Povos Indígenas de acordo com os decretos e portarias que deram forma legal aos

pressupostos da Lei Arouca, assim como é apresentado o Plano Distrital de Saúde

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Indígena para o período de 2005 a 2007, com os fluxos planejados para cada aldeia

indígena inclusa no território de abrangência do Pólo-Base Rondonópolis.

No sétimo capítulo são mostrados os fluxos formalmente indicado pelos

profissionais envolvidos aos usuários indígenas destacando as relações conflituosas

existentes entre o município e a FUNASA; e, na seqüência, já no oitavo capítulo, faz-

se a comparação entre os fluxos planejados pelo Plano Diretor Regionalizado e pelo

Plano Distrital de Saúde Indígena e o fluxo formal. Aqui também é apresentada a

avaliação das estratégias de articulação tendo como base os princípios fundamentais

e organizativos do SUS.

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20

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Avaliar a articulação da atenção básica com os demais níveis do sistema de

saúde, considerando tanto a adequação às normas existentes (estratégia deliberada),

quanto os desenvolvimentos criativos (estratégias emergentes) realizados no Pólo-

Base Rondonópolis, Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá (DSEI Cuiabá),

Mato Grosso.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Conhecer os fluxos de referência e contra-referência planejados pelo Plano

Distrital de Saúde Indígena do DSEI Cuiabá e pelo Plano Diretor

Regionalizado formulado pela Secretaria Estadual de Saúde do Estado de

Mato Grosso para a Microrregião Sul Mato-Grossense;

• Identificar os fluxos de referência e contra-referência formalmente indicado

aos usuários pelos profissionais da Casa de Saúde do Índio (CASAI)

Rondonópolis, tendo como ponto de partida a rede de atenção básica e os

processos formais de agendamento;

• Identificar os fluxos de referência realizados pelos usuários sem a mediação

dos profissionais da CASAI Rondonópolis, do município ou da conveniada

UNISELVA/UFMT na busca pelo atendimento;

• Comparar entre si os fluxos de referência e contra-referência encontrados;

• Compreender as experiências vividas pelos atores envolvidos com relação aos

fluxos de referência e contra-referência;

• Conhecer a satisfação dos atores envolvidos com relação aos fluxos de

referência e contra-referência;

• Relacionar os achados com o contexto local;

• Avaliar os achados, tendo como referência os princípios orientadores do SUS,

ou seja, os fundamentais (universalidade, integralidade, eqüidade e

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participação social) e os organizativos (descentralização, regionalização,

hierarquização e participação social).

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3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 AS CINCO DEFINIÇÕES PARA O TERMO ESTRATÉGIA

Não há um “melhor caminho” para criar estratégia, nem há um “melhor caminho” para organização. Formas muito diferentes funcionam bem em determinados conceitos [contextos] (MINTZBERG et al., 2006, p.13).

O termo “política pública” tem o mesmo significado para o setor público que

o termo “estratégia” tem para o setor privado, porém em ambos o modelo de

elaboração que predomina é a formulação racional e analítica da estratégia, ou da

política, seguida de sua operacionalização formal. Este modelo tradicional de

formulação de políticas públicas tem sido intensamente questionado e em meio às

dúvidas que surgem quanto a sua validade observa-se a tendência cada vez maior do

setor público de adotá-lo (MINTZBERG e JORGENSEN, 1995). MINTZBERG e

JORGENSEN (1995) propõem que o termo “estratégias” substitua o de “políticas

públicas”, pois o autor entende que este último está contaminado pelo seu uso

indiscriminado pelas instituições. Com base neste argumento o conceito do termo

“estratégia” neste trabalho terá relação direta com o de “políticas públicas”.

Para este autor as estratégias surgem das mais diversas formas, umas de

processos graduais, outras de processos coletivos, outras espontaneamente e outras

sem a mínima intenção de ser.

Para melhor compreensão destes conceitos MINTZBERG e JORGENSEN

(1995) esclarecem que cada grupo de estudiosos conta com um conceito principal,

um objeto de estudo do qual se apropria e elabora teorias a respeito, por exemplo, os

conceitos principais dos economistas e dos estudiosos das ciências políticas são,

respectivamente, o mercado e a política. Da mesma forma há um grupo novo de

estudiosos chamados de “teóricos da organização” que se preocupa em estudar a

própria organização. Este campo do saber oferece novos e importantes

conhecimentos sobre os processos governamentais de formulação das políticas.

MINTZBERG et al. (2006) destacam em seu trabalho a importância da teoria

para explicar a realidade das organizações defendendo que é mais ágil lembrar das

teorias do que da imensa gama de dados que se esconde por trás de cada uma delas.

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Entretanto, ressaltam que as teorias devem ser utilizadas com bom senso, nem tanto

ao extremo de desconsiderar sua importância, nem tão pouco ao outro extremo de tê-

las como insubstituíveis.

Admitindo a divisão das teorias em prescritivas (ou normativas), relativas ao

que deve ser feito, e descritivas, relacionadas ao que se faz de fato, defendem o uso

oportuno das primeiras sempre que necessárias, mas advertem que, em geral, as

prescrições com base nos dados analíticos são os problemas a serem resolvidos e não

a solução encontrada. As teorias prescritivas subsidiam a elaboração das estratégias

formuladas e as descritivas das estratégias formadas. Retomando estratégia com

significado de política pública entende-se que as políticas formuladas trazem o que

deve ser feito com relação a dada realidade social e, as políticas formadas descrevem

o que de fato se faz para superar as dificuldades impostas pela realidade local.

Por “organização” entende-se todo o espaço organizado cujo objetivo final é

produzir bens ou serviços. Neste espaço o trabalho é divido de acordo com as

funções operacionais e gerenciais e, também, é coordenado de maneira diferenciada

dependendo da perspectiva adotada pela organização. Toda a organização complexa

apresenta seis partes: um ápice estratégico, nível onde está o gerente, o presidente ou

o gestor; uma linha intermediária, nível em que se encontram os demais gerentes

e/ou coordenadores com grau de poder inferior ao anterior e disposto de forma

hierárquica; e um núcleo operacional, local onde se encontram os operadores do

sistema (MINTZBERG et al., 2006a). Além destas partes que constituem a linha de

produção fazem parte da organização a tecnoestrutura, onde estão os analistas; a

equipe de apoio, onde se encontram os serviços jurídicos, de relações públicas e

serviços gerais, e, a ideologia.

Assim, verifica-se que a formulação deliberada, a análise sistemática e a

formação emergente são processos que dão origem às estratégias. Para este trabalho

serão considerados, especialmente, os processos de formulação e de formação.

MINTZBERG (2006b) propõe cinco definições para a palavra estratégia. Para

ele estratégia pode ser um plano, pode ser um padrão, pode ser uma posição, pode ser

uma perspectiva e pode ser, também, uma manobra para enganar o oponente. Embora

a maioria dos trabalhos esteja voltada para as estratégias corporativas das empresas,

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MINTZBERG (2006b) propõe o uso destes conceitos nas organizações públicas ou

na análise da elaboração das políticas públicas governamentais.

A estratégia, como plano, representa um conjunto de diretrizes criadas para

conduzir uma situação ou uma seqüência de ações pretendidas de forma consciente.

Este tipo de estratégia apresenta duas características: a primeira, é que ela deve ser

formulada antes das ações que vão implementá-la e, a segunda, é que deve ser

consciente e proposital.

No setor público a política pública é primeiramente formulada através de leis

e regulamentos pelos políticos eleitos e, depois, deve ser implementada pelos

servidores administrativos; aqui se observa a premissa de que primeiro se concebe e

depois se aplica. O fato deste modelo tradicional de elaboração de políticas públicas

não fornecer resultados satisfatórios tem sido ignorado pelo setor público, na verdade

para o autor o planejamento estratégico é muito mais eficaz no controle de custos do

que na criação de políticas públicas diferenciadas, ou seja, de novas estratégias

(MINTZBERG e JORGENSEN, 1995).

A estratégia, como padrão, relaciona-se com o comportamento dos

envolvidos, porém este comportamento pode ser pretendido, ou não. Com esta

definição, MINTZBERG (2006b) deixa claro que definir estratégias como um plano

não basta para garantir a sua implementação e para isso é necessário encontrar uma

definição que englobe o comportamento da organização, seja ele planejado ou não.

No sentido oposto a forma tradicional de formulação de políticas públicas

verifica-se um novo modelo chamado de “emergente” ou “popular”, do qual surgem

as estratégias mais profundas do sistema. Uma estratégia pode surgir através de atos

de um indivíduo ou do comportamento coletivo, com claras intenções ou não. Em

algumas situações as estratégias emergentes surgem quando os formuladores

conhecem muito pouco sobre o assunto para que seja possível estabelecer uma

estratégia intencional viável, pois há algumas informações que estão mais próximas

dos atores situados no núcleo operacional do que aqueles que se encontram no ápice

estratégico ou linha intermediária da organização. É neste momento que se faz

importante a flexibilidade no sentido de permitir que os servidores públicos sejam,

também, formuladores de estratégias estimulando a aprendizagem ao longo do

processo (MINTZBERG e JORGENSEN, 1995).

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Sendo assim, um plano pode ou não ser posto em prática, mas há de se ter em

mente que nem todas as ações são previamente planejadas. Portanto, ao se considerar

uma estratégia como padrão deve-se considerar, também, a diferenciação entre

estratégias pretendidas, estratégias deliberadas, estratégias não-realizadas, estratégias

emergentes e estratégias realizadas. E, além disso, não se deve perder de vista os

processos pelos quais elas foram elaboradas, ou seja, se formuladas ou se formadas.

Assim, as estratégias pretendidas, as estratégias deliberadas e as estratégias

não-realizadas foram elaboradas a partir de um processo racional de formulação de

estratégias o qual separa o pensamento da ação. Já as estratégias emergentes

surgiram da prática baseada na experiência e comprometimento dos envolvidos, isto

é, foram formadas e poderão ou não se tornar estratégias deliberadas, mas são as que

de fato acontecem. A estratégia realizada é a junção do que foi pretendido e

deliberado, portanto formulado, com o que, embora não pretendido, também foi

implementado, portanto formado.

MINTZBERG (2006b) defende que não há como afirmar que uma estratégia

deliberada será exatamente implementada como foi pretendida, e, neste caso, o plano

não foi padrão. Nesses termos seria necessário que as intenções declaradas fossem

aceitas em toda a sua magnitude, sem questionamentos, além de o meio ser estático e

sem poder de influenciá-la. Contudo, também seria exagero considerar que a

estratégia emergente poderia assumir um padrão consistente sem que houvesse

qualquer intenção.

No entanto, observa-se que algumas estratégias realizadas se aproximam da

estratégia pretendida-deliberada ou da estratégia emergente, por isso que a maioria

das estratégias do tipo padrão reflete aspectos deliberados e aspectos emergentes.

Retomando as definições da estratégia proposta por MINTZBERG (2006b)

ressalta-se o terceiro significado, a estratégia como posição. Esta definição

contempla a postura adotada pela organização em relação ao ambiente, muitas vezes

combatendo outras estratégias ou estabelecendo relações de cooperação.

A quarta definição para estratégia proposta pelos autores é a estratégia como

pretexto. A estratégia como pretexto está inclusa no significado de estratégia como

plano, mas diz respeito a um plano específico. O pretexto pode até ser uma manobra,

mas sempre será uma estratégia previamente elaborada.

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Finalmente, a estratégia como perspectiva. A estratégia é uma perspectiva

enquanto expressa a maneira fixa de olhar o mundo assumida pela própria

organização. Aqui, a perspectiva significa para a organização o que a personalidade

representa para o indivíduo e faz correspondência com as dez escolas que estão

implícitas no processo estratégico: a escola de design, a escola de planejamento, a

escola de posicionamento, a escola empreendedora, a escola cognitiva, a escola de

aprendizado, a escola de poder, a escola cultural, a escola ambiental e a escola de

configuração.

MINTZBERG (2006b) afirma que a perspectiva surge muito provavelmente

por meio de experiências anteriores, entretanto o mais importante é que uma vez

estabelecida é difícil de mudá-la. “Na verdade, uma perspectiva pode se tornar tão

profundamente arraigada no comportamento de uma organização que as crenças

associadas podem se tornar subconscientes na cabeça dos seus membros

(MINTZBERG, 2006b, p.28)”. O melhor da estratégia como perspectiva é que

levanta questões relativas à difusão das intenções feitas por um grupo de pessoas e,

estas intenções, serão compartilhadas futuramente como normas e valores

profundamente arraigados.

Por fim, o autor interliga as definições anteriormente esclarecidas

destacando que, como plano, a estratégia reflete o conhecimento e o curso

estabelecido pelos líderes para a organização. Ao estudar o plano objetiva-se

descobrir o que de fato ele pretende. Já como pretexto a estratégia coloca a

organização num ambiente competitivo, dinâmico, que visa à obtenção de vantagens.

Como padrão ela está ligada ao comportamento, pois o plano está no campo das

idéias. Em outros termos, o plano é um campo vazio se não houver as ações que

materializam as intenções. A estratégia como padrão visa dar consistência ao

comportamento da organização e lança a conclusão de que as estratégias podem

surgir e serem percebidas, ou podem ser deliberadamente impostas.

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3.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS EMERGENTES

O processo de formulação das estratégias indica como as mesmas devem ser

elaboradas e implementadas, ilustrando seu lado prescritivo. Já a corrente de

pensamento que defende o processo de formação das estratégias entende que o

processo de formulação das mesmas é útil porque orienta o uso dos recursos para

atingir os fins almejados, mas nem sempre é possível se ver na prática o que foi

racionalmente estabelecido porque as estratégias, em geral, são modificadas

conforme os seus contextos locais e compreendem o comportamento das pessoas

envolvidas no mundo real das organizações.

Na defesa do uso do termo “estratégias emergentes” MINTZBERG (2006c)

adverte que na prática toda a elaboração de uma estratégia tem dois caminhos: um

deliberado e outro emergente, e que o ideal é a estratégia ser composta pelos dois. O

autor segue advertindo que uma estratégia puramente deliberada impede o

aprendizado tanto quanto uma puramente emergente impede o controle; e mais, não

existe uma estratégia puramente deliberada porque não há presidente, ou estrategista,

que saiba tudo a ponto de prever tudo o que irá acontecer e para isto elaborar um

plano totalmente amplo. Por outro lado, não há organização tão flexível que deixe

tudo acontecer ao acaso, sem que considere ou utilize, em algum momento, o

controle. A citação ilustra a elaboração das estratégias por meio de um processo:

“Assim, estratégias deliberada e emergente formam as extremidades de uma linha

contínua ao longo da qual as estratégias criadas no mundo real podem ser

encontradas. Algumas estratégias podem se aproximar de uma extremidade ou de

outra, mas a maioria fica nos pontos intermediários” (MINTZBERG et al., 2006c,

p.133).

Retomando a necessidade de se associar o pensamento e a ação, a formulação

e a implementação, segue-se a concepção do autor ao reconhecer que em muitos

casos de falência de estratégias deliberadas a causa está na separação destas duas

fases as quais na verdade são inseparáveis. Ressalta-se, ainda, que em algumas

situações, é mais inteligente permitir que as estratégias se desenvolvam gradualmente

por meio das experiências e das ações da organização: “Estrategistas inteligentes

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entendem que não podem ser sempre inteligentes o suficiente para pensar tudo com

antecedência (MINTZBERG et al., 2006c, p.132)”.

A defesa do autor é que as estratégias realizadas não precisam ser deliberadas,

elas também podem emergir, MINTZBERG et al. (2006c). Assim é possível

concluir que a proximidade de quem decide a estratégia a ser seguida e quem propõe

as alterações facilita a emergência de uma nova estratégia que não havia sido

formulada.

Porém, há situações que as mudanças vão sendo feitas à medida que

solicitadas sem que o próprio gerente ou o presidente se dê conta. Na verdade quem

vende e quem produz adotam suas próprias estratégias, e somente mais tarde alguém

da empresa percebe que os produtos foram modificados; isto ocorre quando as

estratégias oficiais da empresa foram destruídas e seus líderes estiverem buscando

novas idéias. Neste caso a estratégia do vendedor poderá ser autorizada e entrar para

o sistema.

3.3 AS ESTRATÉGIAS FORMULADAS E A DESCENTRALIZAÇÃO DO

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

ANDREWS (2006) apresentando o processo de formulação de estratégias

corporativas, entendimento presente na maioria das literaturas prescritivas de

gerenciamento estratégico, defende estratégia como o modelo de decisões que traz os

objetivos, as políticas e os planos de uma organização. Ainda que o conceito adotado

neste estudo seja a equivalência de estratégias e políticas públicas dois aspectos

destacados pelo autor são importantes: a formulação e a implementação da estratégia.

ANDREWS (2006) segue em seu trabalho e defende que ao se formular uma

estratégia se realiza uma atividade racional que incorpora outras atividades, entre

elas, a identificação de oportunidades e ameaças oferecidas pelo ambiente da

organização e a inclusão das estimativas e riscos para as alternativas a serem

escolhidas. Ao se fazer uma escolha deve-se considerar as forças, as fraquezas e os

recursos disponíveis, além disso, há de se ponderar a real capacidade por parte da

organização de lidar com as necessidades percebidas.

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Os processos intelectuais desenvolvidos pelos estrategistas de uma

organização a fim de considerar a relação entre a oportunidade e a capacidade

corporativa busca compreender e avaliar o caminho percorrido pela organização na

formulação da estratégia, ou seja, na definição do que há para se fazer, do que pode

ser feito pela organização, do que querem fazer os seus estrategistas e do que deveria

ser feito considerando a sua responsabilidade com a sociedade. Findado este

processo tem-se a estratégia formulada ou pretendida, que na concepção de

MINTZBERG et al. (2006) poderá ou não ser implementada.

Ainda seguindo as concepções de ANDREWS (2006) para que a estratégia

formulada seja efetivada, isto é, implementada, se faz necessária uma estrutura

organizacional apropriada, a existência de sistemas de informação e relacionamentos

pessoais condizentes com os objetivos estabelecidos, a realização de processos

organizacionais voltados para a avaliação de desempenho, remuneração,

desenvolvimento gerencial, e, especialmente, liderança pessoal. A liderança diz

respeito a líderes comprometidos com os objetivos traçados e não apenas seres que

simplesmente aceitam as metas almejadas pelo ápice estratégico.

Dentre as diretrizes organizacionais estabelecidas para efetivar o Sistema

Único de Saúde destaca-se a descentralização. A descentralização foi uma proposta

universal assumida pela maioria dos países do mundo desde a década de 1980,

entendida como a única maneira viável de restaurar o equilíbrio econômico quando

associada à redução das responsabilidades do Estado frente às necessidades sociais.

Contudo no Brasil a necessidade de pôr em prática o direito à saúde,

garantido na Carta Magna, deu origem às Leis 8.080/90 (BRASIL, 1990a) e 8.142/90

(BRASIL, 1990b), que foram regulamentadas através das Normas Operacionais

Básicas (NOB): NOB SUS 91, NOB SUS 93 e NOB SUS 96; e mais recentemente as

Normas Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS): NOAS SUS 01/01,

NOAS/SUS 01/02.

CARVALHO (2001) argumenta que as normas operacionais elaboradas para

implementação do SUS constituíram-se em portarias do executivo excessiva e

minuciosamente relacionadas às questões que não precisavam ser regulamentadas,

pois já estavam garantidas em lei, na Constituição Federal Brasileira (BRASIL,

1988) e na Lei Orgânica da Saúde 8.080/90 (BRASIL, 1990a).

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Embora necessária, a Política Nacional de Saúde Brasileira foi uma corrente

contra-hegemônica face às tendências de reforma nos anos 80. Assim, uma diretriz

com relativo consenso foi a descentralização dos serviços de saúde. Entretanto para

LEVCOVITZ et al. (2001) foi, e ainda é, reconhecidamente difícil a sua implantação

devido à diversidade e o dinamismo do federalismo brasileiro. Os municípios, entes

federativos com autonomia política, administrativa e financeira, com competências

constitucionais e infraconstitucionais tão bem estabelecidas, ainda apresentam entre

si, o mesmo desenho do país com relação às diferenças em tamanho, população e

desigualdades sócio-econômicas.

Outras duas diretrizes organizacionais foram elaboradas a fim de que se

atingissem os princípios de universalidade, eqüidade e integralidade dentro do

processo de descentralização: a regionalização e a hierarquização. Ambas deveriam

responder aos crescentes níveis de complexidade, entenda-se aqui densidade

tecnológica, em que os serviços estariam organizados, devendo possibilitar desta

maneira um elevado grau de resolutividade.

Assim, a descentralização dos serviços diz respeito à redistribuição das

responsabilidades quanto às ações e serviços de saúde entre os vários níveis de

governo, a partir da idéia de que quanto mais perto do fato a decisão for tomada,

maior será a chance de acerto. Assim nos anos 90 as NOBs passaram a representar

instrumentos fundamentais para a concretização da descentralização.

Contudo, com as NOBs foi estabelecido no país um modelo de

descentralização denominado “municipalização autárquica” no qual a gestão do

sistema de serviços de saúde em âmbito local é dos municípios, concorrendo em

algumas competências com a União e os estados. Este é um modelo que transforma

cada município num sistema fechado, devido às condições de habilitação de

municípios e estados, levando a deseconomia de escala, fragmentação dos serviços e

perda da qualidade. A municipalização autárquica associada com a fragilidade das

Secretarias Estaduais de Saúde, no caso do Brasil, fez com que se perdesse a noção

de regionalização (SILVA e MENDES, 2004).

Em função dos efeitos nocivos da municipalização autárquica, SILVA e

MENDES (2004) apresentaram uma proposta para substituir o modelo da

municipalização autárquica por outro, a “regionalização cooperativa”. Este modelo

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nomeia a existência de um espaço privilegiado, a microrregião de saúde, onde os

municípios continuam responsáveis pela atenção em saúde, porém organizam-se para

oferecer serviços sanitários em nível primário e secundário com qualidade e

eficiência. Ao se associarem constituem um sistema microrregional de serviços sob a

forma de uma rede de atenção à saúde baseada na cooperação gerenciada e na ação

solidária. Além disso, o modelo possibilita a tais municípios estabelecerem uma

escala adequada para a oferta de serviços de saúde de forma econômica e de

qualidade. Este modelo não tem similar na experiência internacional, por isso deve

ser construído gradativamente em nosso país.

O espaço micro-regionalizado é formado por um sentimento de pertencimento

econômico, social, cultural e sanitário, no qual se constroem redes de relações

intermunicipais e se recupera uma escala necessária ao desenvolvimento econômico

social.

O modelo de regionalização cooperativa está embasado na proposta de

sistemas integrados de serviços de saúde, no qual se observa a reestruturação dos

serviços de forma integrada e orientada pela atenção básica em saúde.

Assim, implantada no contexto da descentralização do SUS como uma

tentativa de admitir os problemas causados pela municipalização autárquica

originada e consolidada através das NOBs, a NOAS/SUS 01/01 (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2001) acolheu em seu desenho territorial os espaços dos módulos e das

regiões de saúde, propondo um planejamento regional. Contudo, foi considerada

muito complexa e frágil em seus fundamentos, os quais praticamente anularam a

nova proposta de operacionalização de territórios assistenciais (SILVA e MENDES,

2004).

A NOAS/SUS 01/01 foi revista e substituída pela NOAS/SUS 01/02

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). Apesar de apresentar algumas mudanças foi

mantida a necessidade de se organizar os espaços territoriais de maneira a

contemplar, além dos municípios, os módulos, as microrregiões, as macrorregiões e

as regiões de saúde, onde devem se articular as redes assistenciais.

As orientações da NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002)

voltadas para o processo de descentralização e regionalização hierarquizada dos

serviços de saúde propôs a elaboração planejada das ações de saúde entre os

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municípios e o Estado e estabeleceu como instrumentos de gestão o Plano Diretor

Regionalizado (PDR), o Plano Diretor de Investimentos (PDI) e a Programação

Pactuada e Integrada (PPI).

Através do PDR deve se processar a regionalização da assistência. Sua

elaboração deve estar baseada nas prioridades de intervenção coerentes com as

necessidades de saúde da população, garantindo a esta o acesso a todos os níveis de

atenção. O PDR deve ser expresso por meio da organização dos territórios estaduais

em regiões e/ou microrregiões e módulos assistenciais; da hierarquização da rede de

serviços, partindo da atenção básica a níveis maiores de complexidade; e, através da

criação de fluxos de referência e de contra-referência intermunicipais, objetivando a

integralidade da assistência e o acesso da população às ações e serviços de acordo

com as suas necessidades.

A NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) trouxe conceitos

importantes que objetivaram orientar a descentralização no âmbito estadual e que

devem constar no Plano Diretor Regionalizado (PDR):

• Região de Saúde - É o espaço territorial considerado para o planejamento da

atenção em saúde. Poderá ou não coincidir com a divisão administrativa do

Estado; contudo, a sua definição deve estar embasada nas características

demográficas, sócio-econômicas, geográficas, sanitárias, epidemiológicas,

oferta de serviços, relações entre os municípios, etc. As regiões e/ou

microrregiões de saúde devem conter um ou mais módulos assistenciais.

• Módulo Assistencial - É o espaço territorial capaz de garantir resolutividade

para um conjunto mínimo de ações em saúde a um grupo de municípios ou,

quando o município não for referência, para os seus próprios munícipes. A

este conjunto mínimo de ações dá-se o nome de primeiro nível de referência e

compõe os procedimentos de média complexidade nível 1 (M1), listados no

Anexo 3 da referida norma.

• Município-sede do Módulo Assistencial - É o município que apresenta

resolutividade em M1 para todos os seus munícipes e para as pessoas a ele

referenciadas. Pode estar habilitado em Gestão Plena do Sistema Municipal

(GPSM) ou em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A).

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• Município-pólo - É aquele que apresenta resolutividade para todos a ele

referenciados em qualquer nível de atenção em saúde desde que conste na

PPI.

Além destes conceitos a NOAS SUS 01/02 trouxe as formas de habilitação

tanto dos municípios quanto dos estados, ou seja, Gestão Plena do Sistema Municipal

(GPSM) e Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB-A) para os municípios; e Gestão

Avançada do Sistema e Gestão Plena do Sistema para os estados.

A qualificação das regiões e/ou microrregiões de acordo com a referida

norma deveria ser completada através de seu reconhecimento formal pela Comissão

Intergestores Bipartite (CIB) e a sua homologação pela Comissão Intergestores

Tripartite (CIT). Após a homologação os recursos destinados ao financiamento dos

procedimentos de M1 ofertados pelo município-sede do módulo seriam transferidos

da seguinte forma: se o município-sede estivesse habilitado em GPAB-A o repasse

seria fundo a fundo para o estado e este deveria repassá-lo para aquele; se o

município estiver em GPSM receberia fundo a fundo.

Se os municípios não optassem pelo modo de gestão GPSM deveriam optar

pelo GPAB-A e se comprometeriam, em termos gerais, a ofertar as seguintes ações

de atenção básica: atuação estratégica mínima no controle da tuberculose, eliminação

da hanseníase, controle da hipertensão arterial, controle da diabetes mellitus, saúde

da criança, saúde da mulher e saúde bucal.

Os procedimentos de M1 de que tratou a norma são: procedimentos

especializados realizados por profissionais médicos e outros de nível superior e

médio; cirurgias ambulatoriais especializadas; procedimentos traumato-ortopédicos;

ações especializadas em odontologia; patologia clínica; radiodiagnóstico; exames de

ultra- sonografia; fisioterapia e leitos hospitalares para atendimento básico em clínica

médica, pediátrica e obstétrica para parto normal. Estes procedimentos poderiam ser

oferecidos pelos municípios habilitados tanto em GPAB-A como em GPSM;

contudo, a gestão do sistema e o recebimento dos repasses deveriam obedecer aos

pressupostos da NOAS SUS 01/02.

Para a NOAS SUS 01/02 a atenção de Média Complexidade compreende o

conjunto de ações e serviços M2 e M3, ambulatoriais e hospitalares especializados e

constantes na Tabela SIA/SUS, não sendo justificada a sua oferta em todos os

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municípios do país. Tais ações ambulatoriais ou hospitalares podem ser garantidas no

âmbito regional, microrregional ou estadual, dependendo do tipo do serviço, da

responsabilidade tecnológica, das características do estado e da definição do PDR

estadual. Nessa norma a sua organização foi atribuída ao gestor estadual.

Para garantir o acesso da população aos serviços de média complexidade não

existentes no município de residência foi criado um instrumento de gestão intitulado

de Programação Pactuada Integrada (PPI), que deve contemplar a alocação de

recursos e definição de limites financeiros para todos os municípios do estado,

independente da sua condição de gestão.

A NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) também tratou dos

procedimentos de Alta Complexidade ou Alto Custo (AC), definindo a sua

responsabilidade solidária com o Ministério da Saúde e com as Secretarias Estaduais

de Saúde (SES). Ao governo federal coube a elaboração da política nacional de Alta

Complexidade e aos governos estaduais e do Distrito Federal a gestão desta política

nos seus respectivos territórios. Aqui é possível visualizar claramente a elaboração

formulada e verticalizada da NOAS SUS a qual traz implícito a idéia que é possível

separar a fase de formulação da fase de implementação, e ainda separar formulação e

gestão da mesma.

A NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) estabeleceu ainda

que os municípios habilitados em GPSM que oferecessem em seu território serviços

de alto custo, teriam sob a sua responsabilidade o desempenho das funções relativas

à organização dos serviços, visando assegurar o comando único sobre os prestadores,

enfatizando, também, que ao Ministério da Saúde caberia a definição dos valores dos

recursos destinados ao financiamento destas ações, mas a parcela a ser destinada a

cada município estaria sob a atribuição dos gestores estaduais, de acordo com a PPI e

respeitando o limite financeiro estadual. Novamente se observa o teor verticalizado e

impositivo da referida norma, motivo, entre outros, pelo qual diversos municípios e

estados não aderiram aos seus pressupostos.

A assistência em Alta Complexidade deveria ser programada no âmbito

regional ou macrorregional tendo em vista as especificidades deste grupo: alta

densidade de tecnologia, alto custo, economia de escala, quadro reduzido de

profissionais especializados e concentração de oferta em poucos municípios. A PPI

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deveria prever quando necessário, a referência para outros estados e o

reconhecimento de pacientes dos demais estados.

A NOAS SUS 01/02 não responsabilizou os municípios pela saúde indígena,

contudo, atribuiu como responsabilidade do estado habilitado em Gestão Avançada

do Sistema ou Gestão Plena do Sistema, o apoio logístico e estratégico às atividades

de atenção à saúde das populações indígenas, em conformidade com os critérios

estabelecidos pela CIT.

Por fim, o processo de implementação da NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO

DA SAÚDE, 2002) deu-se de maneira formulada e deliberada, embora por vezes

não-realizada semelhante às Normas Operacionais Básicas.

3.3.1 A Rede de Serviços e os Princípios de sua Organização no SUS

Entendendo que a saúde é um bem ao qual todos devem ter acesso, a

sociedade que excluir grupos de pessoas deste bem será uma sociedade doente,

destinada ao fracasso. Embora seja importante e necessária a evolução tecnológica

no sentido de garantir condições de saúde a dada população, não é só de um

conhecimento médico avançado, com novas tecnologias que a sociedade precisa para

garantir este acesso de forma equânime, mas sim de planejamento e organização das

formas de prestar os serviços e das diferentes maneiras de produzir atenção à saúde.

Os princípios organizacionais que norteiam o planejamento e a organização

dos serviços são: territorialidade, este garante que em todo o território de um país ou

de um sistema deva estar explícito quais unidades e com qual complexidade

prestarão atenção à população, é com este princípio que as unidades territoriais

mínimas responsabilizam-se pela atenção dos grupos humanos; cobertura, este

garante a toda a comunidade ou grupo humano unido por atividades comuns uma ou

várias equipes assistenciais que lhes prestem serviços; e resolutividade por níveis de

complexidade, este princípio expressa a organização do sistema de saúde de modo a

tornar eficaz e eficiente a utilização dos recursos disponíveis. Entenda-se por

“eficácia o cumprimento das metas propostas e por eficiente a relação existente entre

este cumprimento e a utilização dos recursos disponíveis (BECH, 2002, p. 15)”.

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Estes níveis estão organizado de forma a constituir uma “rede de atenção”,

isto é, um ordenamento dos serviços localizados em determinado território.

A forma que tem expressado a constituição desta rede no SUS é a pirâmide,

embora posicionamentos críticos proponham desmembrá-la em forma circular. De

qualquer maneira o primeiro nível deverá sempre ser a “porta de entrada” para o

sistema.

BECH (2002) classifica os níveis dos quais se trata e que constituem esta rede

de atenção à saúde, seja ela de forma piramidal ou circular, em:

• Nível Primário: este nível compreende dois sub-níveis: um mais básico, o

sub-nível 1, no qual atuam as equipes da Estratégia Saúde da Família, e, o

sub-nível tipo 2, que constitui os profissionais lotados nas policlínicas.

• Nível Secundário: compreende os Hospitais de Média Complexidade e

Ambulatórios Especializados.

• Nível Terciário: compreende os serviços de alta complexidade.

3.4 O SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA E AS SUAS

BASES CONCEITUAIS

Para orientar a organização dos sistemas municipais de saúde, na década de

90, foi elaborado com base na proposta da Organização Pan-Americana de Saúde

(OPAS) (1992), os Distritos Sanitários (MENDES, 1996). Este modelo

organizacional foi estendido para a atenção à saúde indígena e deu origem a

formulação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, o qual será amplamente

descrito neste estudo.

“Distrito Sanitário” foi um projeto de mudança das práticas sanitárias voltado

para a eficiência e a eficácia social, para a eqüidade e para a democratização.

Segundo esta estratégia organizacional, o Distrito Sanitário deveria estar instituído

num território, que poderia ser uma microrregião onde se estabeleceria relações

transacionais, ou seja, relações de negociação entre as instituições de serviços de

saúde e os conjuntos sociais. Este território deveria ser um território-processo, um

lugar democrático e de intensa negociação. Mesmo ressaltando a importância deste

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conceito, bem como da implantação do projeto sob esta base conceitual, MENDES

(1996) não negou a importância de um território-distrito, este então, seria o espaço

físico voltado para a auto-suficiência dos serviços de atenção primária, secundária e

terciária; não deveria ser construído de forma tecnocrática, ou seja, fundado na

predominância de técnicas organizacionais, ou mesmo inventado politicamente.

Demais, o território-distrito não deve ser tecnocraticamente construído ou politicamente inventado. Normalmente, esse território já existe, fruto de processos sociais de longa maturação, mais ou menos racionais, em que municípios próximos se organizam em busca de se complementarem em diversos campos, econômicos e sociais (MENDES, 1996, p.266).

Na concepção de MENDES (1996) a microrregião seria o espaço privilegiado

para a distritalização da saúde, isto é, para a organização dos serviços de acordo com

a proposta de Distrito Sanitário. Contudo, a mesma não deveria ser confundida com a

divisão em macrorregiões político-administrativas intensamente vista nos territórios

estaduais, pois estas seriam divisões a fim de facilitar a administração do território

estadual. Aqui ele também ressalta que a micro-regionalização expressaria o modo

tipicamente brasileiro de operacionalizar o Distrito Sanitário, no entanto para os

municípios haveria a necessidade de se criar outras formas de distritalização

considerando suas formações singulares.

Ainda na perspectiva da distritalização a municipalização é o melhor

caminho, mas não da forma autárquica, e sim através da cooperação entre os

municípios e destes com o estado, no sentido de garantir o acesso da população a

todos os níveis do sistema. O autor é contra o sentido de competitividade existente

entre os municípios gerado pela desconfiança mútua entre os seus governantes

(MENDES, 1996).

O distrito sanitário exige mudança radical dos entes governamentais porque, respeitadas as diferenças políticas e ideológicas próprias da democracia, permite instaurar, pela negociação permanente, a possibilidade da complementaridade e da solidariedade entre diferentes. Esse é, do ponto de vista gerencial, o fundamento do distrito sanitário (MENDES, 1996, p.267).

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A distritalização, como estratégia pretendida, considerou o Distrito Sanitário

um espaço de constante construção da cidadania e da democracia e defendeu a

organização hierarquizada na qual os serviços de saúde deveriam estar organizados

em níveis de atenção distribuídos segundo crescentes densidades tecnológicas. Em

seu trabalho, MENDES (1996) esclarece que o uso do termo densidade tecnológica,

e não complexidade tecnológica como se observa nas NOBs e NOAS, se daria pelo

entendimento que a densidade tecnológica tem relação com a instrumentalização do

serviço, ou seja, na atenção primária tem-se uma baixa densidade tecnológica o que

não significa que se terá, também, uma reduzida complexidade tecnológica.

[...] Falo de densidade tecnológica e, não, de complexidade tecnológica porque é preciso questionar a idéia de que a atenção primária é de baixa complexidade tecnológica. [...] Os níveis de atenção constituem diferentes composições tecnológicas referidas por sua densidade, seu custo e sua viabilidade para a solução de conjuntos específicos de problemas de saúde de diferentes naturezas (MENDES, 1996, p.267-268).

Assim, de acordo com a proposta da distritalização a hierarquização deveria

ser construída com base nos problemas e necessidades da população. Para os

problemas de saúde que ocorressem com relativa freqüência os serviços deveriam

dispor de rede mais ampla e para os problemas mais raros corresponderiam a

composições tecnológicas mais densas e, conseqüentemente, mais custosas.

Para MENDES (1996) o encontro da micro-regionalização e da

hierarquização se daria pela necessidade de organizar os serviços de forma a

distribuí-los, adequadamente, num espaço delimitado, buscando otimizar a

produtividade. Aqui também a cooperação seria o caminho, pois ainda é

inimaginável pensar a auto-suficiência de todos os municípios brasileiros (MENDES,

1996).

Tal qual a proposta dos Distritos Sanitários, como estratégia estruturante para

a organização dos serviços, MENDES (1996) defendeu mais duas estratégias: a

Estratégia Saúde da Família, como proposta para organizar a atenção primária no

território municipal e os Consórcios de Saúde, para os demais níveis. Porém,

ressaltou a necessária intercomplementaridade das mesmas, pois do contrário, se a

atenção primária fosse organizada sem a garantia dos demais níveis, se transformaria

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em atenção seletiva; ou se a atenção secundária e terciária fosse organizada sem a

atenção primária, refletiria na medicalização do sistema.

No contexto do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena foram adotados os

pressupostos da proposta da distritalização dando origem aos Distritos Sanitários

Especiais Indígenas (DSEIs). Estes como órgãos representantes da FUNASA, teriam

a responsabilidade pela organização hierarquizada do serviço em Terras Indígenas

com vistas para o modelo Saúde da Família. E, quanto às ações de saúde em nível

secundário e terciário também foi atribuída à FUNASA a função de articular e

pactuar com os municípios envolvidos.

ATHIAS e MACHADO (2001) chamam atenção para a noção de Distrito

Sanitário Especial Indígena que deve estar centrada na organização da prestação de

serviços de saúde pertinentes a cada realidade étnica, de forma que as ações

decorrentes sejam eficazes para determinada população indígena, sendo fundamental

a participação das diversas instâncias organizativas indígenas na formulação das

políticas do setor. As experiências devem apontar os problemas no nível

organizacional, cuja resolução deverá ser encontrada no local.

3.5 UM NOVO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: UMA ESTRATÉGIA

PRETENDIDA E (AINDA) NÃO-REALIZADA

Após ampla discussão sobre racionalização do Sistema Único de Saúde,

MENDES (1996) defende em seu trabalho que ela não poderia por si só garantir o

sucesso do sistema de saúde brasileiro. Além dela seria necessária uma completa

mudança nos modelos de atenção à saúde predominantes no Brasil: o Médico

Privatista e o Modelo Sanitarista.

BENIGNA et al. (2004) conceituam “modelos de atenção à saúde” como a

combinação de tecnologias utilizadas pela organização dos serviços, que estão

voltadas para as ações sobre o meio, sobre os grupos populacionais e usuários do

sistema. Estas tecnologias devem estar disponíveis nas unidades de serviços e devem

ser organizadas de acordo com suas diferentes densidades tecnológicas.

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TEIXEIRA (2006a) atribui três dimensões ao conceito de modelo

assistencial: a dimensão gerencial, a dimensão organizativa e a dimensão técnico-

assistencial, ou operativa. A dimensão gerencial inclui os mecanismos de condução

da reorganização das ações e serviços de saúde. A dimensão seguinte, a organizativa,

diz respeito às relações entre as unidades de serviços, tendo em vista sua disposição

em níveis hierárquicos de densidades tecnológicas; e a dimensão técnico-assistencial

ou operativa inclui as relações dos profissionais de saúde e os usuários, relações

mediadas pelos saberes e pelas tecnologias voltadas para a promoção da saúde,

prevenção de riscos/agravos e recuperação/reabilitação.

No entendimento de TEIXEIRA (2006a) para que ocorra a tão desejada

transformação do modelo de atenção à saúde é necessária a conjunção de propostas

de mudança para estas três dimensões, a saber: na dimensão gerencial, a inclusão de

novas tecnologias de gestão que proporcionem maior apreensão das reais

necessidades e problemas de saúde podem favorecer a mudança nas práticas ao

focarem as ações nas causas e não nos efeitos. Ainda na dimensão gerencial destaca-

se a importância de mecanismos de controle e avaliação do processo de prestação de

serviços no sentido de adequar a oferta às necessidades e problemas de saúde da

população, evitando desta forma que os convênios entre o setor privado e o público

sejam formas de consolidar ainda mais os perversos efeitos da lógica do mercado no

setor saúde.

Na dimensão organizativa, a autora destaca a readequação da proporção de

serviços de saúde com vistas para a ampliação da rede básica e, o incremento das

relações hierárquicas entre os níveis de densidade tecnológica, ou seja, o

estabelecimento de um pacto de responsabilidades entre os municípios envolvidos

focando para a micro-regionalização da saúde.

E, por fim, na dimensão técnico-assistencial faz-se a defesa por mudanças no

processo de trabalho em saúde numa perspectiva de superar o modelo centrado na

demanda espontânea através da ênfase na prevenção de riscos/agravos e promoção

da saúde das pessoas e dos grupos populacionais.

Para MENDES (1996) a mudança deve ser na concepção do processo saúde-

doença e no paradigma sanitário, ambos embasando as novas práticas sanitárias, ou

seja, os novos modelos de atenção à saúde.

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A construção social de um novo sistema de saúde está fundada em três categorias centrais: a concepção do processo saúde-doença, o paradigma sanitário e a prática sanitária. Essas categorias, que se interfluenciam, estão, num dado momento e numa determinada sociedade, socialmente acumuladas e determinam a forma como se estrutura a ordem governativa da cidade (MENDES, 1996, p.235).

MENDES (1996) segue sua defesa destacando a urgência de uma reforma

profunda no modo de atender a população em suas necessidades de saúde, ou seja, é

necessário que se dê uma mudança no sistema de crenças da população no que diz

respeito a sua própria concepção de saúde e de doença. Esta mudança seria

caracterizada como um processo, pois leva tempo e porque deve se concretizar num

ambiente democrático, onde diferentes atores sociais se façam presentes.

Assim, este autor faz sua análise referindo-se a evolução da concepção do

processo saúde-doença que muito lentamente se aproxima da concepção de qualidade

de vida e ainda mais lentamente se afasta de uma vinculação com as doenças e a

morte. Esta vinculação está balizada em duas fundamentações antigas sobre o

processo saúde-doença: uma é a concepção monocausal e a outra a multicausal.

Ambas sintetizam a idéia de que saúde é a ausência de doença e, portanto, a

organização dos serviços deve ser voltada para a prática médica no sentido de

prevenir e de curar. Estes elementos ideológicos são originários das concepções do

Relatório Flexner, de 1910, e constituem as bases do Modelo Médico-Assistencial

Privatista, herança do período inampsiano e modelo predominante nas práticas de

saúde do SUS, juntamente com o Modelo Assistencial Sanitarista.

Nesse contexto, o paradigma hegemônico flexneriano se expressa por meio

dos seguintes elementos: mecanicismo, biologismo, individualismo, especialização,

tecnificação e curativismo. Está completamente alinhavado com as concepções

monocausal e multicausal do processo saúde-doença e fundamenta a prática de

atenção médica vigente.

A prática da atenção médico-privatista preconiza uma quantidade cada vez

maior de serviços médicos de saúde, ofertados individualmente e destinados a curar

e/ou reabilitar; quanto mais serviços mais pessoas serão curadas. Para isto estabelece

como meios a clínica e o uso cada vez mais crescente de tecnologias avançadas. Essa

prática hegemônica admitindo como concepção de saúde a ausência de doença,

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admite também, que cada problema tem uma ou várias causas e para resolvê-lo basta

identificá-las e propor a melhor terapêutica. Esta prática está na raiz da crise da saúde

no Brasil e no mundo.

PAIM (1993b) esclarece as diferenças entre os modelos: Médico-Assistencial

Privatista e o Sanitarista. O primeiro está voltado para a demanda espontânea e

incentiva o indivíduo a buscar auxílio de saúde quando estiver doente; é o modelo

mais prestigiado atualmente, embora não contemple o conjunto dos problemas de

saúde da população. Já o segundo, o Modelo Assistencial Sanitarista corresponde à

prática tradicional de saúde pública onde os focos são as campanhas de vacinação, o

combate às epidemias, a re-hidratação oral etc, além dos programas especiais de

tuberculose, hanseníase, diabetes, saúde da criança, saúde da mulher etc.

TEIXEIRA (2006b) ao defender a “integralidade” nas suas dimensões de

sistemas integrados e articulação de práticas de saúde, destaca um dos principais

desafios para a consolidação do Sistema Único de Saúde: a reprodução do modelo

médico assistencial hospitalocêntrico e privatista. Este, segundo a autora, envolve

determinações econômicas e políticas que se consolidam nas relações entre o Estado,

as empresas multinacionais de medicamentos e equipamentos médicos e entre o

empresariado nacional e multinacional da área da saúde.

Para que ocorra a reforma do modelo de atenção há de se fazer a substituição

do paradigma flexneriano pelo paradigma da produção social da saúde cujos

elementos são originários de ações intersetoriais (MENDES, 1996).

A teoria da produção social admite que com exceção da natureza em si, tudo é

produto da ação do homem. Logo, produção social é a produção de bens e de

serviços econômicos e não-econômicos (produção política, ideológica, cognitiva,

organizativa e cultural) voltados para a acumulação de um determinado fenômeno: a

saúde como qualidade de vida. Segundo esta teoria para o fenômeno saúde não deve

existir apenas um setor responsável, no caso o setor de saúde, mas deve ser fruto da

ação de vários setores interligados o que leva às concepções de interdisciplinaridade

e intersetorialidade.

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A teoria da produção social, ao alicerçar no conceito de situação, permite romper com a setorialidade da realidade, a qual não encontra guarida no mundo das coisas. Dessa forma, a produção social da saúde, além de dar conta de um estado de saúde em permanente transformação – porque passível de acumulação e desacumulação – permite a ruptura com a idéia de um setor saúde, erigindo-a como produto social resultante de fatos econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos. O que significa, necessariamente, inscrevê-la, como campo do conhecimento, na ordem da interdisciplinaridade e, como prática social, na ordem da intersetorialidade (MENDES, 1996, p.241).

Na concepção da OPAS (1992) a saúde individual e coletiva é o resultado de

complexas interações entre os processos biológico, ecológico, cultural e econômico-

social que ocorrem na sociedade. Sendo assim, saúde não depende unicamente dos

condicionantes biológico e genético, mas depende também das relações sociais que

predominam na sociedade; por isto reforça o entendimento, que a saúde é

determinada por um processo histórico onde a própria saúde é apenas uma das

manifestações ocorridas.

Além disso, acrescenta que a situação de saúde das populações é uma das

manifestações que determina as características da sociedade, e ao mesmo tempo é a

dinâmica e a estrutura da sociedade que configura o nível de saúde da população

como um todo. A dinâmica e a estrutura de que se trata são as forças produtivas em

desenvolvimento e suas relações sociais, ou seja, é o modelo econômico e a forma

como ele se insere no sistema econômico internacional, é a organização do Estado e

as relações políticas que caracterizam a sua história. Além desse contexto social,

econômico e político, a saúde também é determinada pelas condições naturais de

onde uma sociedade se desenvolve, isto é, o clima, o solo, as características

geográficas, a hidrografia e os recursos naturais disponíveis (ORGANIZAÇÃO

PAN-AMERICANA DE SAÚDE, 1992).

Na década de 1970, frente à insuficiência das teorias monocausal e

multicausal para as doenças crônicas e de causas externas surgiram questionamentos

sobre o processo saúde-doença que se contrapunham às concepções vigentes e

buscavam articular quatro dimensões explicativas: a biologia humana, os estilos de

vida, o meio ambiente e os serviços de saúde.

Na década de 1980 durante a I Conferência Internacional sobre Promoção da

Saúde surgiu um dos documentos mais importantes da saúde pública moderna, a

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Carta de Otawa, onde a paz, a educação, a habitação, a alimentação, a renda, um

ecossistema estável, a conservação dos recursos, a justiça social e a eqüidade são

requisitos fundamentais para a saúde.

Esta nova concepção do processo saúde-doença embasa os Modelos

Assistenciais Alternativos propostos com vistas à integralidade da atenção e ao

impacto sobre os problemas de saúde (BENIGNA et al., 2004). Ao defender uma

nova prática de saúde MENDES (1996) cita como modelos alternativos: o Modelo de

Lalonde, o de Paim e Teixeira, o de Cardinal e Pageau e o Modelo de Castellanos.

TEIXEIRA (2006a) faz uma análise detalhada dos modelos de atenção à

saúde propostos para tornar efetiva a Reforma Sanitária brasileira. Esta autora fala

sobre o modelo “em defesa da vida”, o modelo de “ações programáticas em saúde”, o

modelo de “vigilância da saúde”, a proposta “saúde da família” e a proposta da

“promoção da saúde”, partindo de estratégias voltadas especificamente para o nível

micro dos processos de trabalho em saúde até as propostas que buscam mudanças em

nível macro, ou seja, no contexto da elaboração das políticas de saúde.

3.5.1 O Modelo em Defesa da Vida

O Modelo em Defesa da Vida tem sua origem nos estudos e reflexões de

docentes e pesquisadores do LAPA-UNICAMP ao longo da década de 1990. O

objeto central da análise é o processo de trabalho em saúde, e seu propósito é criar

mecanismos que favoreçam o estabelecimento de novas relações entre os gestores, os

trabalhadores e os usuários, mediadas pela autonomia e pela reconstrução das

subjetividades. Esse modelo busca substituir não só os pressupostos organizacionais

e de relação estabelecidos pelo modelo hegemônico da prática médica e sanitarista,

mas também, as propostas derivadas das idéias de descentralização, regionalização e

hierarquização de unidades de prestação de serviços pelos processos que privilegiam

o acolhimento, os vínculos, o contato e a autonomia dos trabalhadores e usuários na

organização da atenção à saúde. Dentre as vantagens desse modelo cita-se a

problematização da (des) humanização do atendimento focando para a percepção da

população frente ao sistema de saúde e a prática médica especializada, cuja

sofisticação tecnológica e o consumo de medicamentos impera. Sua lacuna, segundo

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TEIXEIRA (2006a), se é que pode se considerar isto uma desvantagem frente aos

fundamentos filosóficos e metodológicos desta proposta, é a falta de uma estratégia

macro-organizacional do sistema.

3.5.2 O Modelo de Ações Programáticas

O Modelo de Ações Programáticas é a proposta do grupo de docentes e

pesquisadores do Centro de Saúde Escola Samuel Pessoa da Universidade de São

Paulo (USP). Este modelo parte do princípio que a programação é uma tecnologia

que deve ser utilizada na reorganização do processo de trabalho. Seus defensores

propõem a intervenção das ações programáticas sobre as necessidades sociais de

saúde definidas por critérios demográficos, sócio-econômicos e culturais. Essa

proposta é uma alternativa aos programas especiais ou pacotes tecnológicos

(TEIXEIRA, 2006a) incorporados aos serviços de saúde, e derivam de

conhecimentos científicos que devem subsidiar as normas técnicas a serem seguidas

universalmente. Entretanto, estes programas têm sido implantados de forma vertical

e normativa sem levar em consideração as características específicas da população

alvo, além disso, não propõe estratégias para o nível macro-organizacional do

sistema e desconsidera as ações de prevenção de riscos e agravos, apesar de ter a

Epidemiologia como sua principal aliada.

3.5.3 O Modelo de Vigilância da Saúde

O Modelo de Vigilância da Saúde tem suas origens nas experiências

vivenciadas no âmbito do Distrito Sanitário (DS) implantado na década de 1980 que

se originou da proposta de Sistemas Locais de Saúde (SILOS). Esse modelo de

atenção surgiu como forma específica para caracterizar a integração das práticas de

saúde no território do DS e prevê a elaboração de políticas públicas saudáveis que

envolvam setores governamentais, numa perspectiva intersetorial, e organizações

não-governamentais, ambos voltados para a melhoria das condições de vida das

pessoas. Além disso, ela preconiza a reorganização das ações de vigilância

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ambiental, sanitária, epidemiológica, de assistência e de reabilitação, todas dirigidas

para o atendimento das necessidades e demandas de indivíduos e grupos

populacionais.

O termo “vigilância” foi primeiramente utilizado na década de 1950 para

representar inteligência epidemiológica tendo em vista o momento que o mundo

vivia, isto é, Pós-segunda Guerra Mundial. Mais tarde foi utilizado o termo vigilância

epidemiológica num relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) destinado a

combater a malária no mundo; em seguida a vigilância sanitária tornou-se uma

prática para controlar o consumo de alimentos pela população. E, atualmente o termo

vigilância de saúde busca expressar muito mais que a articulação entre vigilância

sanitária e vigilância epidemiológica, pois expressa a busca racional para o

enfrentamento coletivo dos problemas implicando numa visão holística, integral, de

todas as dimensões do processo saúde-doença (MENDES, 1996).

A operacionalização desse modelo conduz a valorização da regionalização e

hierarquização dos serviços de saúde, pois pretende dar conta do princípio da

integralidade tanto vertical (organização de serviços segundo níveis de densidade

tecnológica), quanto horizontal (articulação entre as ações de promoção da saúde,

prevenção de riscos, assistência e recuperação). Não propõe estratégias para o

processo de trabalho por isso dialoga com o modelo de ações programáticas tendo

em vista sua base nos pressupostos do planejamento estratégico situacional e tem se

aproximado do debate sobre a Promoção da Saúde.

A citação seguinte reforça a proposta holística deste modelo de atenção:

A vigilância da saúde como prática sanitária, portanto resposta social organizada aos problemas de saúde em todas as suas dimensões, organiza os processos de trabalho em saúde mediante operações intersetoriais, articuladas por diferentes estratégias de intervenção. As estratégias de intervenção da vigilância da saúde resultam da combinação de três grandes tipos de ações: a promoção da saúde, a prevenção da doença e a atenção curativa (MENDES, 1996, p.245).

3.5.4 O Modelo Saúde da Família

O Modelo de Atenção Saúde da Família originou-se no movimento de

reorganização da prática médica nos EUA com a finalidade de ampliar o objeto de

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trabalho para além dos indivíduos, suas famílias. Na América Latina esta proposta

foi associada primeiramente aos princípios da Medicina Comunitária e depois

absorvida pela política de organização da Atenção Primária à Saúde. As disciplinas

que fundamentam esse modelo de atenção buscam organizar um modelo balizado na

complementaridade e na hierarquização dos serviços, nas equipes multiprofissionais

de saúde, na utilização das informações epidemiológicas para o planejamento e

programação das ações de saúde e na busca pela integralidade das práticas no âmbito

da Atenção Primária, ou como se convencionou, no âmbito da Atenção Básica.

A Saúde da Família enquanto política no Brasil foi formulada para atender as

necessidades de saúde das regiões Norte e Nordeste, mais tarde foi re-apropriada e

redefinida para compor o Programa de Agentes Comunitários (PACS) e na seqüência

o Programa Saúde da Família (PSF). Portanto, a partir da década de 1990 a Saúde da

Família deixou de ser um programa verticalizado voltado para as populações

excluídas do consumo de serviços para ser considerada uma estratégia de mudança

do modelo de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde. Mais que um instrumento

de reorganização da política nacional a Saúde da Família é uma estratégia de

mudança que conjuga outras mudanças na organização da atenção de média e alta

densidade tecnológica. Contudo, também apresenta algumas lacunas que podem ser

superadas pelo modelo de Vigilância da Saúde e Promoção da Saúde (TEIXEIRA,

2006a).

3.5.5 A Proposta Internacional da Promoção da Saúde

Henry Sigerist (1891-1957) criou o termo “promoção da saúde” atribuindo

sua prática como uma das tarefas da medicina. Mais tarde o conceito de promoção da

saúde evoluiu à medida que o conceito de “saúde” também passava por

transformações. Foi no pós-guerra que a promoção da saúde passou a ser entendida

como um conjunto de atividades desenvolvidas no nível de prevenção primária de

Leavell e Clark (1987 apud TEIXEIRA 2006c).

Entretanto foi nos anos de 1970 por ocasião do Relatório de Lalonde, no

Canadá, que esta proposta passou a enfatizar as mudanças necessárias das ações

voltadas para os estilos de vida das pessoas tendo em vista os riscos a que se

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expunham. Na década seguinte, na Conferência de Otawa, também no Canadá, a

concepção de Promoção da Saúde foi apresentada como um novo “olhar” político e

técnico sobre o processo saúde-doença-cuidado, e nas sucessivas conferências

realizadas nos anos seguintes as propostas oriundas dessa concepção enfatizaram a

idéia de “cidades saudáveis”, a formulação de políticas públicas saudáveis e o

desenvolvimento da intersetorialidade das ações. Aqui a Promoção da Saúde está

associada a valores tais como desenvolvimento sustentável, cidadania, democracia,

participação e parcerias e, conduz à integração de estratégias que envolvem o Estado,

a comunidade, os indivíduos, o sistema de saúde e as parcerias institucionais numa

perspectiva de todos serem responsáveis pelos problemas e pelas suas soluções.

No Brasil as propostas embutidas na Promoção da Saúde tomaram maior

proporção nos anos de 1990 juntamente com o processo de municipalização das

ações e serviços e, em 1998, o Ministério da Saúde (MS) criou o projeto de

Promoção da Saúde tendo-o como estímulo e difusão de um conjunto de experiências

inovadoras do SUS (TEIXEIRA, 2006c). Em 2002, formulou a Política Nacional de

Promoção da Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) e abriu para a discussão.

Embora as idéias dessa proposta estejam sendo paulatinamente aderidas pela

Política Nacional de Saúde brasileira, exemplo disso cita-se o Programa de Controle

do Tabagismo, de Controle da AIDS, da Violência, pela Promoção da Paz, Programa

de Agentes Comunitários (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), uma das

formas de maior difusão e incorporação da Promoção da Saúde é a criação de

“cidades saudáveis”. Esta proposta implica numa inovada visão da gestão

governamental focada para a cidadania e para o envolvimento criativo da

comunidade nas ações intersetoriais dirigidas à melhoria das condições de vida das

pessoas (TEIXEIRA, 2006b).

Sob o ponto de vista conceitual a Promoção da Saúde leva a maiores

reflexões sobre o próprio conceito de saúde, sobre as diferenças entre prevenção e

promoção e entre risco e vulnerabilidade.

TEIXEIRA (2006c) reforça que o desenvolvimento do debate político entre

os órgãos governamentais e a população organizada nos Conselhos de Saúde sobre a

Promoção da Saúde pode substituir a ênfase dada aos aspectos gerenciais, financeiros

e organizacionais da assistência à saúde e desenvolver um processo mais amplo de

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democratização do acesso na perspectiva do empoderamento, da acumulação de

saber e de poder da população.

Ainda na opinião da autora mesmo que estas idéias fomentem reflexões e

interfiram na elaboração das políticas sociais as mesmas não dão conta de atender

aos problemas específicos da organização do modelo de atenção à saúde e se faz

importante sua integração com outros modelos tais como o da Saúde da Família e da

Vigilância da Saúde. Entretanto, sua discussão se justifica na medida em que renova

as perspectivas e abre diálogo para além do espaço da governabilidade das

instituições gestoras do sistema de saúde apontando para a reorientação das práticas

de saúde sobre as condições e modos de vida da população.

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4 METODOLOGIA

4.1 OBJETO DE ESTUDO

O objeto de estudo deste trabalho foram as estratégias utilizadas pelos atores

envolvidos a fim de garantir o acesso aos níveis de atenção à saúde para os usuários

indígenas referenciados ao Pólo-Base Rondonópolis.

4.2 LOCAL DE ESTUDO

O local de estudo foi o Pólo-Base Rondonópolis representado pela CASAI

Rondonópolis localizada no município de Rondonópolis, no Estado de Mato Grosso.

Este município encontra-se a cerca de 250 km de distância da capital Cuiabá e tem

sido referência para todos os usuários residentes na Microrregião Sul Mato-

grossense, além de alguns municípios vizinhos localizados em outras microrregiões,

por disponibilizar uma rede de serviços de saúde que contempla desde a atenção

básica até media complexidade nível 1, 2 e 3.

4.3 TIPO DE PESQUISA

O presente estudo é uma avaliação da política de saúde voltada para a

inclusão dos usuários indígenas referenciados ao Pólo-Base Rondonópolis e que dele

necessitam para dar continuidade no acesso aos serviços de saúde com qualidade em

todos os níveis de densidade tecnológica. O tipo de pesquisa escolhido para

contemplar o objeto e os objetivos propostos foi a “avaliação qualitativa delineada

pelo Estudo de Caso”.

Sendo assim, convém destacar que conceitos como eqüidade, democracia,

pluralidade, solidariedade e justiça são apenas alguns dos muitos termos que

envolvem os espaços estruturais das mais diversas ordens. Esses discursos estão

muito claramente expostos no âmbito da avaliação das políticas de saúde,

principalmente nos trabalhos que questionam os modelos tradicionais ou positivistas

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de caráter hierárquico e autoritário. Os trabalhos que se caracterizam por combater o

modelo tradicionalmente utilizado nas avaliações das políticas de saúde, na verdade,

constituem-se em movimentos contra-hegemônicos entendidos como “emergentes” e

que podem receber várias denominações, tais como avaliação participativa,

democrática, de atribuição de poder, de quarta geração, interpretativa ou crítica

(MERCADO et al., 2006).

Para AYRES (2004) a avaliação, em termos científicos, compreende um

conjunto de procedimentos sistemáticos que tem por objetivo fornecer maior

visibilidade ao “que é feito” tendo como referência o “que se pode e/ou se quer

fazer” respeitando o interesse, a efetividade, a operacionalidade e a qualidade de

ações, tecnologias, serviços ou programas de saúde.

PAZOS (2002) acredita que a avaliação tem fins muito diversos e cita como

exemplo apoiar as decisões políticas, a aprendizagem social, a promoção da

democracia e o aperfeiçoamento da gestão, etc. Já MINAYO e NETO (1999 apud

MERCADO et al. 2006) contribuem com a discussão no sentido de considerar os

atores do programa não só como objeto de análise, mas como sujeitos de auto-

avaliação, objetivando que durante o processo eles possam se apropriar da

compreensão dos dados com o intuito de fazer mudanças e melhorar as ações. Nesta

linha de pensamento a avaliação assume duas perspectivas: uma de guiar localmente

a ação informando as transformações ocorridas e, a outra, é de atualizar os modelos e

teorias dos atores a fim de que possam apreender os mecanismos postos em prática

na produção dos eventos. Estes posicionamentos teóricos com relação ao processo

avaliativo contribuem para fundamentar o objeto de estudo deste trabalho, pois

objetiva-se conhecer o que é prescrito e identificar o que de fato ocorre tendo em

vista o contexto loco-regional e as experiências vividas pelos sujeitos.

Assim, destaca-se no campo da saúde a avaliação de sistemas, organização de

serviços e da atenção à saúde, quer como ferramenta de gestão na tomada de decisões

ou alocação de recursos de forma mais adequada, quer como instrumento de

democratização e empoderamento da população.

Os modelos emergentes argumentam ser a avaliação tradicional um modelo

que se interessa especialmente pela medição do impacto, do desempenho ou dos

resultados das políticas e programas, além de priorizar o olhar de um ator somente, o

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especialista ou o profissional, excluindo os demais pontos de vista, os valores, as

experiências e as práticas de outros atores e grupos sociais (MERCADO et al., 2006).

Considerando que todo o processo de pesquisa advém de um estilo seja ele

quantitativo ou qualitativo, ainda que em alguns casos ambos possam ser associados,

é importante destacar que “avaliações tradicionais” estão pautadas em estudos

quantitativos cujo ato de medir e de analisar as relações causais entre as variáveis

tem um papel preponderante.

Os enfoques emergentes estão baseados em outros paradigmas chamados de

interpretativos, críticos ou participativos. O paradigma que fundamenta o processo

avaliativo deste trabalho é o apresentado por DENZIN e LINCOLN (2006), o

paradigma construtivista. Este baliza um modelo de avaliação que envolve a

participação de uma variedade de atores em todas as etapas do processo objetivando,

entre outros, o aprendizado.

Para DENZIN e LINCOLN (2006) todos os processos de pesquisa qualitativa

devem estar fundamentados em um dos quatro paradigmas interpretativos que os

subsidiam. “Paradigmas” são: um conjunto de crenças que fundamentam as ações do

pesquisador, isto é, refletem a maneira como o pesquisador entende o mundo a ser

investigado. Na pesquisa qualitativa os paradigmas interpretativos podem ser

divididos em quatro tipos: positivista e pós-positivista, construtivista-interpretativo,

crítico (marxista, emancipatório) e feminista-pós-estrutural.

No paradigma construtivista são admitidas diversas realidades, ou seja,

dependendo das experiências vividas o sujeito entende o papel do ser humano e a sua

realidade de forma diferente que seu semelhante. Este paradigma também expressa

uma epistemologia subjetivista onde o pesquisador e o entrevistado trabalham juntos

para compreender a realidade observada e vivida conhecendo e refletindo sobre as

diversas práticas do cotidiano. Ainda para estes autores o objetivo investigativo do

paradigma construtivista é a compreensão e a reconstrução dos fatos, isto quer dizer

que a natureza do conhecimento está na reconstrução individual que cada um dos

envolvidos, sujeitos e pesquisador, faz com as informações encontradas. O processo

investigativo construtivista está inclinado para a revelação de problemas especiais

onde o próprio pesquisador é um participante apaixonado e que se torna um

facilitador da reconstrução das diversas vozes que surgiram ao longo da pesquisa.

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Por isso, há de se ter em mente que os enfoques emergentes admitem quatro

características que contribuem para uma boa prática avaliativa: a participação, a

aprendizagem, a negociação e a flexibilidade. Entretanto, a sua característica mais

marcante é a urgência de envolver os principais atores nas políticas e programas além

de ressaltar a necessidade de se ultrapassar as abordagens disciplinares específicas

para ações inter ou multidisciplinares; inclusive, alguns deles propõem relacionar os

processos econômicos ou estruturais à dimensão subjetiva e experimental das

avaliações.

Sendo um estudo avaliativo qualitativo, ressalta-se a importância da

compreensão dos pressupostos que balizam, também, a pesquisa qualitativa. De

acordo com FLICK (2004) a pesquisa qualitativa vem sendo utilizada cada vez mais,

e à medida que os pesquisadores se deparam com novos contextos e situações nas

quais as abordagens puramente quantitativas fracassam na diferenciação de objetos,

DESLANDES e GOMES (2004) ressaltam que embora o foco da abordagem

qualitativa compreenda o significado das ações sociais, ela também está ancorada em

diferentes bases disciplinares, metodológicas e paradigmáticas; por exemplo, os

pressupostos do paradigma construtivista. Esses autores também destacam que a

abordagem qualitativa deve ser utilizada nos estudos de instituições, grupos,

movimentos sociais e conjunto de interações pessoais.

Sobre a abordagem qualitativa aplicada à gestão de programas, MINAYO et

al. (2005) lembram que em uma investigação qualitativa trabalha-se com atitudes,

crenças, comportamentos e ações, buscando entender a maneira com que as pessoas

interpretam e conferem sentido às suas experiências e ao mundo em que vivem.

Compreendendo que a inclusão dos usuários indígenas no SUS depende de

uma abordagem diferenciada levando em conta a sua diversidade étnica e cultural

acredita-se ser fundamental conhecer as estratégias que garantem a estes usuários o

acesso aos serviços de saúde, bem como a sua satisfação frente o Pólo-Base

Rondonópolis e a relação deles com os demais atores envolvidos neste contexto.

Assim, a busca por dados primários ou secundários proporcionou um aprendizado

mútuo que apontou para o fortalecimento da luta pelo empoderamento e pela

cidadania.

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Fazendo uso de uma abordagem qualitativa foi escolhido o Estudo de caso

como estratégia metodológica para este trabalho, uma vez que ele é indicado quando

se colocam questões do tipo “como” e “por quê” em situações onde o pesquisador

tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o objeto de estudo se encontra

nos fenômenos contemporâneos inseridos num contexto de vida real (YIN, 2005).

YIN (2005) ainda acrescenta que os estudos de caso podem contribuir com o

conhecimento que se tem dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais,

políticos e de grupo, e que tem se constituído numa importante estratégia de pesquisa

em diversas áreas, tais como a psicologia, a sociologia, a ciência política, o trabalho

social, a administração e o planejamento social.

Tendo em vista as questões que nortearam a autora na escolha do objeto, já

apresentadas na Introdução, o estudo de caso se mostrou como o delineamento de

pesquisa que melhor poderia contemplar a formulação do Subsistema de Atenção à

Saúde Indígena e a sua implementação no contexto do Pólo-Base Rondonópolis com

vistas para a garantia do acesso aos níveis de atenção à saúde.

GIL (1996) lembra que embora o estudo de caso se apresente com grande

flexibilidade em relação ao seu desenvolvimento, na maioria dos estudos é possível

distinguir pelo menos quatro fases: a delimitação da unidade-caso; a coleta de dados;

a análise e interpretação dos dados; e, redação do relatório. “O primeiro

procedimento consiste na delimitação da unidade que constitui o caso em estudo”

(GIL, 1996, p.121), ou seja, o Pólo-Base Rondonópolis. Entretanto, o delineamento

do caso não é uma tarefa fácil, pois segundo este autor, é difícil nos estudos de caso

determinar a quantidade de informações necessárias sobre o objeto delimitado.

Assim, como não existem limites pré-estabelecidos o pesquisador precisa de certa

intuição no sentido de perceber quais dados são suficientes para se compreender o

objeto como um todo.

STAKE (1995) identifica três tipos de estudos de caso: intrínseco, aquele que

busca o melhor entendimento de um caso particular; instrumental, em que o caso

particular é examinado principalmente em busca de informações sobre o tema. Deste

modo o caso é de interesse secundário e tem um papel de suporte; e o modo coletivo,

o qual se caracteriza em um estudo instrumental ampliado para múltiplos casos.

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Segundo YIN (2005) os estudos de caso assumem um lugar de destaque na

pesquisa avaliativa, e identifica diferentes possibilidades de aplicá-los, a saber: para

explicar os vínculos causais em intervenções que são complexas demais para as

estratégias experimentais ou de levantamentos; para descrever uma intervenção e o

contexto em que ocorre; para ilustrar certos tópicos dentro da avaliação; e, para

explorar situações nas quais a intervenção que está sendo avaliada não apresenta um

conjunto simples e claro de resultados.

Este trabalho caracterizou-se por um “estudo do caso do tipo instrumental”

porque buscou-se informações sobre o processo de descentralização e hierarquização

do SUS na Microrregião Sul Mato-grossense com ênfase no município de

Rondonópolis, sobre a formulação e implementação do Subsistema de Atenção à

Saúde Indígena e sobre a garantia do acesso aos serviços quando os usuários são

indígenas, sendo o Pólo-Base Rondonópolis de importância secundária, embora

necessária para dar suporte aos achados. Além de instrumental, este estudo também

pode ser caracterizado de “exploratório” devido ao fato das informações previamente

conhecidas serem incipientes e demasiadamente complexas para o entendimento

comum.

4.4 COLETA DE DADOS

O segundo procedimento que caracteriza o estudo de caso apresentado por

GIL (1996) consiste na coleta de dados que é feita mediante vários instrumentos.

Destes os mais utilizados, segundo este autor, são: a observação, a análise

documental, a entrevista e a história de vida. Neste trabalho foram utilizados o

levantamento bibliográfico, a análise documental, a observação não-participante, o

diário de campo e a entrevista, esta do tipo semi-estruturada e aberta. A primeira foi

realizada com os gestores, coordenadores, profissionais de serviço de saúde e

conselheiros municipais; a segunda com os usuários em trânsito (ANEXOS).

Segundo FLICK (2004) as entrevistas semi-estruturadas têm sido utilizadas

porque possibilitam o entrevistado fornecer informações não previstas e que se

correlacionam às questões previamente formuladas. Logo, a entrevista semi-

estruturada embora tenha algumas questões elaboradas contempla em seu

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planejamento certa abertura e, isto a diferencia das entrevistas padronizadas ou

estruturadas. Assim, entre os tipos de entrevistas semi-estruturadas expostas por

FLICK (2004) utilizou-se neste estudo a entrevista do tipo “semi-estruturada

centralizada no problema”. Esta aplicada principalmente na psicologia alemã

consiste na utilização de um guia da entrevista que reúne algumas questões e

estímulos narrativos.

Já a entrevista do tipo aberta consiste na elaboração de um roteiro que deve

ser armazenado na memória do entrevistador possibilitando este conduzir o

entrevistado a respostas abrangentes e profundas. Este instrumento, embora de

relativa facilidade na sua elaboração, exige grande conhecimento do entrevistador

quanto ao objeto de estudo (MINAYO, 2006).

Assim, no primeiro momento foi privilegiada a contextualização do Estado de

Mato Grosso e do município de Rondonópolis que foi feita a partir de referências

bibliográficas, análise documental e com os dados provenientes da pesquisa de

campo. Foram utilizados os acervos bibliográficos da Biblioteca Universitária do

Centro Universitário de Várzea Grande (UNIVAG) e da Faculdade de História e

Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); as informações

relacionadas à localização geográfica, aspectos físico-bióticos, sociais e econômicos

foram obtidas na página virtual da Secretaria de Planejamento do Estado de Mato

Grosso (SEPLAN/MT) (www.seplan.mt.gov.br). O levantamento histórico dos

instrumentos legais que deram forma ao Subsistema de Saúde Indígena foi obtido

através da Biblioteca Virtual da FUNASA (www.funasa.gov.br); o acesso ao PDR

foi através de solicitação oficial à Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso

(SES/MT); o PDSI foi fornecido pela Coordenação Regional da FUNASA no Estado

de Mato Grosso (CORE/FUNASA/MT). Também foram levantados artigos

científicos relacionados ao tema na Biblioteca Científica Virtual Scielo

(www.scielo.br).

Em seguida foram realizadas as entrevistas conduzindo os entrevistados ao

tema proposto, porém sem eliminar as possibilidades de novos dados e informações

serem encontrados. Assim, elas partiram de um questionamento pré-formulado que

ofereceu base para novas indagações à medida que as respostas eram recebidas. No

total foram entrevistadas 49 pessoas das quais cinco eram gestores, cinco

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coordenadores de saúde, dois gerentes de Unidade Básica de Saúde (UBS), dois

conselheiros municipais de saúde, 29 profissionais de saúde das diversas áreas de

atuação e seis usuários indígenas hospedados na CASAI Rondonópolis. Foram feitas

gravações sonoras que posteriormente foram transcritas, e observação não

participante.

A pesquisa de campo teve início logo após o período da pesquisa

bibliográfica e análise documental, e compreendeu o período entre maio e novembro

de 2007. Inicialmente foi feito contato telefônico com a Secretaria Municipal de

Saúde de Rondonópolis, Departamento de Atenção Básica, para solicitar acesso aos

dados secundários referentes ao atendimento dos índios na rede municipal de saúde.

Após o consentimento foram realizados os contatos com os gerentes das unidades de

saúde, tanto da rede básica quanto da assistência em média complexidade,

ambulatorial e hospitalar, sendo então agendadas as entrevistas.

Entretanto, no primeiro momento da pesquisa de campo foi verificado que

Rondonópolis não tinha nenhum registro oficial dos atendimentos realizados para

usuários indígenas, sendo necessário recorrer aos registros da CASAI Rondonópolis,

seguindo orientação do Setor de Ações Programáticas da Secretaria Municipal de

Saúde.

Na CASAI Rondonópolis foram encontrados registros ambulatoriais

catalogados no período de dezembro de 2006 a março de 2007, e registros

hospitalares de junho de 2006 a março de 2007. A partir destes registros foi utilizado

o Formulário de Registro de Documentos de Referência com o objetivo de levantar

dados secundários referentes aos indicadores demográficos (sexo e idade), aldeia de

residência, dia do atendimento, procedimento referenciado, nome do serviço

referenciado com o município de referência, etc. Com estes dados foi possível

estabelecer o fluxo formal para os usuários indígenas registrados, bem como os

principais atendimentos providos.

Os serviços referenciados serviram como orientadores para as entrevistas com

os profissionais mais citados nos registros da CASAI Rondonópolis. Essas

entrevistas ocorreram ao mesmo tempo em que foram entrevistados os usuários em

trânsito. Muitos dos indígenas não quiseram gravar, mas aceitaram conversar e

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fornecer as informações referentes à sua experiência e satisfação com a rede

assistencial de Rondonópolis.

Não foram identificadas em nenhum momento deste trabalho resistências

locais ao desenvolvimento da pesquisa de campo, sendo que todos os entrevistados

se mostraram interessados no tema do estudo, contribuindo da melhor maneira

possível no fornecimento de todas as informações solicitadas.

Contudo, se faz importante destacar a dificuldade de acesso geográfico ao

município de Rondonópolis devido às más condições da rodovia BR 163, além do

intenso tráfego de automóveis e caminhões, estes escoando a produção de grãos de

todo o Estado de Mato Grosso. As viagens tiveram a duração de aproximadamente

três horas e meia.

4.4.1 Considerações éticas

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital

Universitário Júlio Muller (CEP/HUJM) sob o registro 243/CPE/HUJM/06 e pela

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sob o registro 1.3204. Os

sujeitos entrevistados receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido no

início das entrevistas. Este atendeu aos critérios estabelecidos pela Resolução 196, de

10 de outubro de 1996, ou seja, através de uma linguagem acessível informou o

objetivo geral do estudo, sua justificativa e seus responsáveis dando ampla liberdade

ao sujeito de recusar a participação ou retirar seu consentimento, além de lhe garantir

sigilo e privacidade.

4.5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

Para a organização dos dados e informações coletados foi utilizada a proposta

de DESLANDES (1997) distribuindo-os em três etapas. Na primeira foram descritos

em detalhe os fluxos planejados constituídos pelo Plano Diretor Regionalizado

(PDR) e pelo Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI), e o fluxo formal indicado

aos usuários indígenas pelos profissionais envolvidos. No caso Pólo-Base

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Rondonópolis não foi identificado o fluxo por conta do usuário. Na segunda etapa se

buscou compreender as relações que alicerçam e constituem estas práticas sociais

incluindo a organização formal, entendida como fruto da ação de vários atores

sociais, bem como os processos vivenciados. Finalmente, na terceira etapa foram

analisadas as principais contradições encontradas entre os fluxos planejados e o fluxo

formal, utilizando como orientação para o ato de avaliar os princípios fundamentais e

organizacionais do SUS.

O procedimento de análise dos dados consiste em uma fase que torna

fundamental a utilização de categorias as quais devem ter embasamento teórico

consistente. A eleição de categorias consistentes torna confiável a interpretação dos

dados evitando que ocorram julgamentos implícitos, preconceitos, intuições etc.

Nesta perspectiva GIL (1996) ressalta que podem ocorrer duas situações

desfavoráveis para os estudos de caso quando não se tem categorias consistentes: a

primeira é a apresentação pura dos dados coletados; e, a segunda, é a interpretação

ampla sem que tenha ocorrido a correta análise. Aqui reside uma situação

problemática, pois o pesquisador pode ter a falsa sensação de certeza de suas

conclusões.

O presente trabalho utilizou como meio os fluxos de referência e contra-

referência estabelecidos para a população indígena, as estratégias utilizadas para

garantir tanto a inserção quanto a continuidade da atenção e a satisfação dos

usuários. Para que isso fosse possível foi criada a seguinte tipologia a fim de

organizar os achados e permitir a análise e interpretação:

• Fluxo Planejado: é o fluxo estabelecido no Plano Diretor

Regionalizado (PDR) e no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI).

O primeiro foi coordenado pela Secretaria Estadual de Saúde do

Estado de Mato Grosso (SES/MT) e consiste na organização das

Microrregiões e Regiões de Saúde e na apresentação da pactuação das

referências de saúde para cada módulo assistencial, constantes na

Programação Pactuada e Integrada (PPI); o segundo, foi coordenado

pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá (DSEI Cuiabá) e

apresenta o fluxo de referência e contra-referência planejado para

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atender a todos os povos indígenas cujas Terras Indígenas estejam

localizadas no território da sua abrangência.

• Fluxo Formal: é o fluxo formalmente indicado aos usuários pelos

profissionais de saúde das instituições envolvidas e que não segue os

fluxos de referência já estabelecidos no PDR e no PDSI. Esse fluxo é

resultante da articulação criativa entre os níveis de atenção realizado

pelos profissionais de saúde da CASAI Rondonópolis e os

profissionais da rede municipal de serviços de saúde, e tem como

principal artifício as relações pessoais.

• Fluxo por conta do usuário: é o fluxo realizado pelos usuários, sem

a mediação dos profissionais da CASAI Rondonópolis, do município

ou da conveniada UNISELVA/UFMT, na busca pelo atendimento.

A técnica de análise das entrevistas foi a “Análise do Discurso”. Esta técnica

foi criada por Michel Pêcheux que fundou na década de 1960 a Escola Francesa de

Análise de Discurso objetivando substituir a Análise de Conteúdo.

A Análise do Discurso articula três regiões do conhecimento: o

“Materialismo Histórico” como teoria das formações sociais, isto é, de como a

sociedade se forma ao longo da história; a “Lingüística” como teoria que trata dos

mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação; e a “Teoria do Discurso”

como teoria que trata da determinação histórica dos significados atribuídos às

palavras. Entretanto, em meio a essas três teorias permeia a “Teoria da

Subjetividade” tornando possível explicar o caráter implícito na formação do

significado (MINAYO, 2006b).

Seu objetivo básico é a reflexão sobre as condições de produção e apreensão

dos significados do texto, por isso foi necessário retomar o processo histórico de

colonização do Estado de Mato Grosso e município de Rondonópolis, assim como a

relação entre os pioneiros e os índios que habitavam esse território. A Análise do

Discurso apresenta dois pressupostos: o primeiro é que as palavras, a expressão ou o

que é proposto não existe em si mesmo, mas expressa a ideologia em jogo no

processo sócio-histórico onde as relações são produzidas; o segundo é que toda a

formação discursiva dissimula sua dependência das formações ideológicas.

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Orlandi, discípula de Pêcheux, trouxe essa técnica para o Brasil esclarecendo

que a Análise do Discurso é mais que descritiva e explicativa, é uma teoria crítica

que trata da determinação histórica dos processos de significação. Acrescentou que o

foco central da análise é a relação da linguagem com o contexto de produção e a sua

especificidade pode ser dividida em dois sentidos: o primeiro problematiza o que é

evidente explicando o caráter ideológico da fala, ou seja, “revelando que não há

discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia” (MINAYO, 2006b, p. 320); e o

segundo ressalta as formas de dominação política.

A Análise do Discurso cria um ponto de vista próprio de olhar a linguagem

como um espaço social de debate e conflito. Aqui o texto é considerado uma unidade

significativa, pragmática e portadora do contexto em que foi produzida. O termo

“texto” difere do termo “discurso”, pois o primeiro pode ser uma palavra, um

conjunto de frases ou um documento completo e, o segundo, é a própria linguagem

do sujeito. O texto deriva do discurso para fins de análise, mas é infinitamente

inacabado devido às inúmeras possibilidades de interpretá-lo. “A possibilidade de

múltiplas interpretações apóia-se no fato de que o processo discursivo não tem um

início preciso: ele acumula sentidos de discursos prévios e parte deles, sendo

reinterpretados pela experiência concreta do leitor, do interlocutor ou do analista”

(MINAYO, 2006b, p. 322), em outras palavras a interpretação do material empírico

depende das experiências vividas pelo pesquisador.

Mas o que não foi dito também tem lugar na Análise do Discurso, pois o

silêncio tem seu lugar na produção de significados e quando o silêncio é sobre um

tema indica a importância de sua abordagem pelo investigador.

Como uma técnica para análise de material empírico tanto Pêcheux quanto

Orlandi propõem várias operações, a adotada por este trabalho buscou seguir a

proposta de Orlandi. A proposta apresentada por ela é mais flexível e utiliza os

seguintes procedimentos: primeiramente faz-se um estudo das palavras do texto, na

seqüência a análise da construção das frases, depois realiza-se a construção dos

significados da palavra ou de um conjunto delas e, por fim, elabora-se a análise do

texto considerando o contexto em que foram ditas (MINAYO, 2006b).

A redação do relatório é a última fase para a conclusão dos estudos de caso,

segundo GIL (1996). Para este autor, também aqui os estudos de caso se diferenciam

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dos demais delineamentos pela dificuldade em determinar com precisão o que deve

constar no relatório, pois no final da pesquisa se dispõe de enorme acervo de dados

de natureza principalmente qualitativa. “Há relatórios de pesquisa em que autores

descrevem exaustivamente os dados obtidos, transcrevem documentos na íntegra,

relatam minuciosamente as observações” (GIL, 1996, p.124). De fato ao longo desta

pesquisa foi obtida imensa gama de dados o que tornou difícil a sua análise e

interpretação, bem como a redação do relatório final.

Portanto, considerando que a pesquisa qualitativa é um processo investigativo

infinitamente criativo e interpretativo a interpretação dos achados foi construída

gradativamente, inclusive ao longo da análise dos dados. À medida que se organizou

o material empírico foram feitas interpretações preliminares descritas e

posteriormente revistas. A estas interpretações foram somados os contextos

históricos e político-administrativos tanto do Estado de Mato Grosso quanto do

município de Rondonópolis.

DENZIN e LINCOLN (2006) comentam que “a prática interpretativa de

entender as descobertas do indivíduo é tanto artística quanto política [...]. Não existe

uma única verdade interpretativa. [...] o que existe são múltiplas comunidades

interpretativas, cada qual com seus critérios para avaliar uma interpretação” (p.37).

Ainda segundo estes autores a avaliação de programas é uma das principais

contribuições da pesquisa qualitativa e por isso o ato de interpretar e de avaliar

contribuem de forma significativa para a formulação de políticas públicas e sociais.

Neste estudo após a análise e interpretação do material empírico foram

avaliados os achados tendo em vista tanto os conceitos de universalidade do acesso,

integralidade da ação e participação social, quanto a descentralização, a

regionalização e a hierarquização dos serviços de saúde.

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5 CARACTERIZAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E

DO MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS

A história de Mato Grosso, como a história do Brasil, está fortemente

marcada pelo contato entre os portugueses e os povos indígenas aqui residentes.

Desde a busca por ouro, diamantes e índios para o mercado escravo até os dias atuais

com o avanço da agropecuária, o que se percebe é um constante conflito de interesses

trazidos e vividos por todos os envolvidos.

Primeiramente rico em metais preciosos, depois valioso para a agricultura,

Mato Grosso apresenta um solo fértil, irrigado pelas bacias hidrográficas que

percorrem o seu território, além de um clima favorável, tanto para o plantio de grãos,

quanto para a criação de gado. Um Estado em pleno desenvolvimento econômico.

Contudo, este desenvolvimento vem colocando em risco, sistematicamente, a

sobrevivência das diversas comunidades indígenas residentes no seu território. Esse

processo é desastroso não apenas sob o aspecto de serem elas as mantenedoras de

conhecimentos valiosos sobre a nossa biodiversidade, mas, também, e

principalmente, porque ele está destruindo os seus legados culturais e degenerando

geneticamente as suas etnias.

Neste capítulo será feito um breve histórico sobre a ocupação do Estado de

Mato Grosso, assim como serão apresentados os aspectos físico-bióticos, econômicos

e sociais que o caracteriza como o novo “celeiro do Brasil”, espaço de realização de

sonhos dos que moram e dos que ainda chegam das diversas partes do país.

5.1 A OCUPAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E A RESISTÊNCIA

DOS POVOS INDÍGENAS

Com o Tratado de Tordesilhas, em 1494, as terras do continente americano

foram divididas entre as coroas de Portugal e da Espanha. Com esta divisão Mato

Grosso ficou em um território que deveria pertencer à Espanha. Entretanto, a linha

imaginária de Tordesilhas passou gradativamente a ser invalidada devido à formação

das Entradas e Bandeiras através das quais os bandeirantes adentravam o interior do

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continente em busca de índios e ouro, fixando vilas lusitanas por onde passavam,

conforme mostra a Figura 1.

Figura 1 - O avanço dos bandeirantes e a quebra do Tratado de Tordesilhas, 1494.

Fonte: www.colegiomaededeus.com.br

As Bandeiras foram expedições de caráter mercantil que em busca de

produtos comercializáveis entravam pelo sertão. Assim, os bandeirantes paulistas

trilharam as terras de Mato Grosso em busca de índios para o trabalho escravo, pois

muitas das capitanias da Colônia não dispunham de recursos econômicos para

adquirir mão-de-obra escrava africana, de valor elevado, recorrendo ao índio vendido

a um preço menor (SIQUEIRA et al., 1990).

Com a descoberta de ouro em terras mato-grossenses ocorreu um

aceleramento do processo de ocupação do interior, principiado pelos bandeirantes e

continuado pelos imigrantes vindos de diversos lugares em busca de riqueza. Para a

Coroa portuguesa este processo de povoamento significou a efetivação do princípio

baseado no uti possidetis, princípio firmado mais tarde nos Tratados de Madri (1750)

e de Santo Ildelfonso (1777), que assegurou a posse sobre as terras ocupadas e o

estabelecimento da soberania lusitana neste território (SIQUEIRA et al., 1990).

A ocupação da região Centro-Oeste durante o século XVIII sempre esteve

ligada à busca pelo enriquecimento realizado através da captura de índios e que eram

utilizados na cultura de cana-de-açúcar, na criação de gado e no comércio em geral,

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necessários para o abastecimento interno da colônia, além da extração de metais

preciosos.

As Bandeiras surgiram diante da necessidade de piratininganos, homens

originários da capitania de São Paulo de Piratininga, desenvolver novas atividades

coloniais, uma vez que naquela capitania o cultivo da cana-de-açúcar não foi

próspero como no Nordeste. Embora a Coroa concentrasse os seus investimentos na

região nordestina, que apresentava um modelo econômico tipicamente colonial com

a cultura extensiva da cana-de-açúcar, mão-de-obra escrava africana, latifúndios e

grande produção para a exportação, ela não teve interesse em impedir as atividades

dos bandeirantes, pois estes também contribuíam abastecendo a grande lavoura

açucareira.

Assim três frentes avançavam pelo território sul-americano, uma vinda no

sentido Oeste para Leste e composta pelos espanhóis, que utilizavam os índios para

os trabalhos agrícolas, a busca de minerais e como guia para as viagens; outra de

Leste para Oeste, composta pelos portugueses bandeirantes em busca de índios e

minérios; e uma terceira frente, porém não inferior em força, composta pelos jesuítas,

que, junto a algumas populações indígenas adentraram o interior do Brasil. Os

jesuítas espanhóis mantinham contato com os índios para limitá-los nas Missões (ou

Reduções), interferindo na sua cultura através do ensino da religião católica, dos usos

e costumes ocidentais e da língua portuguesa. Nas missões, os índios eram

responsáveis pela produção dos alimentos que abastecia todo o aldeamento e o

excedente era comercializado pelos jesuítas. A primeira Missão fundada em território

mato-grossense foi a Missão de Santana, em 1750, atual Chapada dos Guimarães,

pelo Pe. Estevão de Castro (SIQUEIRA, 2002). Encurralados por essas frentes, os

índios resistiam utilizando a migração e o conhecimento da região para a fuga e a

garantia da sobrevivência em liberdade.

Conforme mostrado na Figura 2, o Estado de Mato Grosso compunha parte

do território da capitania de São Paulo governada por Rodrigo César de Meneses que

representava o poder absolutista da Metrópole portuguesa.

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Figura 2 - Limites territoriais da Capitania de São Paulo

Fonte: http://noticias.usp.br/acontece

Em 1718 a Bandeira comandada por Antonio Pires de Campos atingiu o Rio

Coxipó em busca dos índios Coxiponé, também conhecidos por Bororo. Logo após

esta Bandeira chegou outra comandada por Pascoal Moreira Cabral, em 1719, que

encontrou ouro pela primeira vez em solo mato-grossense nas barrancas do mesmo

rio e informou a Rodrigo César de Menezes, governador da capitania de São Paulo,

as atividades que aqui se desenvolviam, recebendo deste instruções para vigiá-las

com rigor (SIQUEIRA et al., 1990).

O ouro encontrado foi considerado de aluvião, pois “emergia à flor da terra”

misturando-se com a areia dos leitos e margens dos rios, esgotando-se rapidamente e

não exigindo instrumentos sofisticados para a sua mineração. As minas foram

repartidas e ficaram sob a responsabilidade dos mineiros. O trabalho era executado

basicamente por escravos negros ou índios, ao lado dos trabalhadores livres e pobres.

Com a descoberta do ouro teve início uma nova etapa de atividade, deixando

em segundo plano a busca de índios para o trabalho escravo. Os índios Bororo, que

habitavam a região, travaram extensa luta contra o grupo de Pascoal Moreira Cabral,

ao ponto de ser necessário o auxílio de outra Bandeira, comandada pelos irmãos

Antunes, para então conseguir rendê-los.

Passado este momento de luta pelo território e vencidas as resistências

indígenas foi formado o primeiro núcleo de povoamento chamado de Arraial da

Forquilha, situado às margens do Rio Coxipó. Para administrá-lo foi escolhido

Pascoal Moreira Cabral como Capitão-Mor Regente, de maneira diversa da que era

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praticada pela Coroa Portuguesa, com o objetivo de guardar as minas descobertas.

Esse Capitão-Mor Regente era a pessoa responsável pela organização jurídica,

política e administrativa da Forquilha, constituindo um poder local. Tempos depois e

com a aliança firmada com os irmãos Leme, Moreira Cabral travou intensa luta

política com a Metrópole por não ter sido indicado para a sua nomeação. Por este

motivo ele foi substituído, em 1724, por Fernão Dias Falcão. Na mesma ocasião

também foi criado o cargo de Superintendente Geral das Minas e nomeado para tal

João Antunes Maciel.

Um intenso fluxo migratório em direção às minas cuiabanas teve início e,

para abastecer este povoado recém-formado, foram estabelecidos dois trajetos

percorridos pelos viajantes, que os faziam principalmente por via fluvial. A estes

trajetos foi dado o nome de monções, que saíam de São Paulo e chegavam às zonas

mineradoras.

O primeiro trajeto monçoeiro foi utilizado de 1719 a 1724; iniciava no Rio

Tietê (antigo Rio Anhembi), seguia pelos Rio Grande, Rio Anhanduí e Rio Pardo,

atravessava por terra os Campos das Vacarias, e iniciava novamente o caminho por

via fluvial pelo Rio Meteteu, Rio Paraguai e, finalmente, navegava pelo Rio Cuiabá.

Este primeiro roteiro era extremamente difícil devido à longa travessia terrestre, que

também oferecia riscos aos monçoeiros pela presença de espanhóis na região,

obrigando-os a estabelecer novo percurso.

O segundo trajeto teve início em 1725 no Rio Tietê, passava pelo Rio Paraná,

Rio Pardo, Rio Miranda e Rio Sanguessuga, atravessava por terra o Varadouro de

Camapuã, e iniciava novamente por via fluvial pelo Rio Coxim, Rio Taquari, Rio

Paraguai, Rio São Lourenço e Rio Cuiabá. Entretanto, este novo trajeto trazia

problemas maiores que o anterior, por ser mais extenso e por acarretar confrontos

com os grupos indígenas ali instalados: os Kayapó, Paiaguá e Guaicuru. Estes grupos

se confrontavam intensamente com os colonizadores em território mato-grossense,

pois estas populações habitavam as regiões que o colonizador português estava

penetrando e atacavam para defender os seus territórios.

Os Paiaguá e os Guaicuru habitavam a região do Chaco, enquanto os Kayapó

se encontravam na região Oeste do atual Estado de Goiás. Os primeiros migraram

para o território sul mato-grossense devido à destruição da Missão de Itatim, mantida

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pelos jesuítas espanhóis, após ataque dos bandeirantes paulistas; este momento

coincidiu com o início da segunda rota de monções. Como os Guaicuru eram

excelentes montadores e os Paiaguá conheciam e guerreavam nos cursos dos rios,

ambos representavam séria ameaça às rotas de abastecimento das vilas recém-

formadas, além dos ataques terrestres pelos Kayapó.

No início da mineração ocorreu um aumento populacional rápido e

desordenado, acarretando um grande consumo de mercadorias que chegavam às

minas por um preço muito alto. A moeda utilizada era o ouro e este pouco valia

frente aos preços abusivos das mercadorias comercializadas, caracterizando um

comércio de trocas desiguais.

Em 1726, após dizimar o poder local, Rodrigo César de Menezes fixou

residência em Cuiabá e implantou um aparelho administrativo-fiscal na região. A

partir de 1728 foi estabelecido o sistema de quintação, ou seja, todo o ouro retirado

das minas era fundido na Casa de Fundição, localizada na capitania de São Paulo, e

dele retirada a quinta parte (20%), como forma de arrecadar impostos sobre o ouro

extraído. Dessa maneira, os mineradores e trabalhadores das minas tinham pouco

incentivo para permanecer nas minas cuiabanas, migrando para os sertões dos Paresi

ou retornando para São Paulo.

O governo português se preocupou com o intenso êxodo populacional da

região e tomou algumas providências no sentido de incentivar as pessoas que ali

residiam a permanecer, garantindo assim a posse do território conquistado. A

primeira medida tomada foi em 1748, quando houve a separação das minas de Mato

Grosso da capitania de São Paulo. Foi nomeado para governá-la, na categoria de

Capitão-General, Antonio Rolim de Moura, a quem coube a missão de instalar a

capital da nova capitania. Assim, foi fundada a Vila Bela da Santíssima Trindade, em

1752 na região guaporeana, próxima ao Rio Guaporé, onde já havia sido encontrado

ouro. O vale do Rio Guaporé ficava em região conflituosa, próximo do Vice-Reino

do Peru e das missões jesuíticas espanholas de Moxos e Chiquitos. Esta situação fez

com que fosse necessário firmar o domínio português no extremo oeste da capitania,

na região fronteiriça.

Assim, o governador fez aliança com os índios utilizando-os para

povoamento e a guarda da fronteira colonial portuguesa em caso de guerra. Foi

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baseado nesta estratégia que Rolim de Moura se empenhou para estabelecer as

nações indígenas, inclusive os Bororo, na raia máxima da fronteira. Os governadores

que o sucederam tiveram a mesma postura quanto à necessidade de defender e

avançar a fronteira do Brasil utilizando os índios capturados na construção de fortes e

nas atividades militares. Nessa área os índios foram extremamente importantes para

o governo português (SIQUEIRA et al., 1990).

Apesar dos incentivos e privilégios concedidos aos moradores que desejavam

se instalar na capital, o êxodo populacional continuou como conseqüência de

diversos motivos, entre eles as péssimas condições de saúde, a precária assistência

médica, a escassez de ouro e os conflitos constantes, ora com os colonos da fronteira,

ora com os índios. Embora o ouro fosse a principal atividade econômica, também

nesta fase existia o cultivo da cana-de-açúcar e a pecuária.

Na história de Mato Grosso há dois marcos importantes relacionados à cana-

de-açúcar: o primeiro se refere aos engenhos no século XVIII e meados do XIX, e o

segundo às usinas na segunda metade do século XIX. A cana-de-açúcar chegou até

as minas do Coxipó e de Cuiabá através dos colonos paulistas. Ao lado das

atividades mineradoras foram erguidas as primeiras engenhocas responsáveis pela

produção de açúcar e de aguardente, que serviam de alimento para os mineradores

que tinham nelas a principal fonte de glicose e de sacarose. Os engenhos

proliferaram ao longo das margens do Rio Cuiabá e território vizinho, uma vez que o

seu solo era adubado naturalmente devido aos períodos de enchentes, as matas eram

abundantes e o transporte facilitado devido à via fluvial.

Em 1735 a Coroa Portuguesa mandou que os engenhos fossem destruídos,

pois não via com bons olhos esta atividade, especialmente a de aguardente. Segundo

a Coroa, a aguardente causava efeitos perniciosos aos escravos, que não mineravam e

só se ocupavam das atividades relacionadas à cana. Contudo, as ordens não puderam

ser cumpridas, pois os mineiros argumentaram a importância desta atividade para a

alimentação e a nutrição da população da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá,

nome que, na ocasião, levava a capital Cuiabá.

A produção de cana-de-açúcar assim permaneceu até meados do século XIX,

momento marcado pelo capitalismo na sua fase mercantilista. Então, o objetivo

mudou: não mais bastava produzir para o consumo, mas sim em larga escala visando

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atender a população crescente de Mato Grosso e o comércio internacional. Nesta

fase, mercadorias eram trazidas da Europa para suprir as necessidades de Mato

Grosso, entre elas as maquinarias modernas responsáveis pela produção e refino do

açúcar e pela destilação de aguardente e álcool. Muitos dos antigos proprietários dos

engenhos montaram usinas, mas o consumo era intenso, pois grande parte da sua

produção era destinada para o mercado interno de Mato Grosso. O regime de

trabalho era escravista, apesar da abolição da escravatura. Os trabalhadores estavam

presos ao usineiro economicamente, pois era nos armazéns da usina que adquiriam

roupas, calçados, tecidos, fumo, fósforos e utensílios de uso pessoal, ficando

devendo ao proprietário uma vez que os seus salários eram baixos. Esta condição de

trabalho só entrou em decadência a partir do século XX, com a política getulista que

nomeou o interventor Mena Gonçalves para diminuir o poder dos coronéis, atacando

o regime de escravidão existente nas usinas. Ainda assim, este poder resistiu por

mais tempo, até que os segmentos sociais se organizaram em sindicatos, associações,

federações, dando espaço às lutas pela defesa dos seus interesses.

Embora marcado pela existência de ouro, Mato Grosso se destacou e continua

se desenvolvendo através da pecuária. No início do século XVIII, a pecuária

subsidiava as atividades mineradoras por abastecer e alimentar a população das

minas; contudo, semelhantemente ao cultivo da cana, a pecuária também se

distinguiu em duas fases: a primeira, do criatório extensivo, e a segunda, a de

fazenda e cidade.

Durante o século XVIII e primeira metade do XIX foram doadas muitas

terras, pois estas nada valiam frente aos produtos considerados objetos de fortuna,

como os escravos. Eram grandes extensões de terras nas quais o gado era criado solto

e se alimentava de pastos naturais. Este tipo de criação de gado, chamado extensivo,

dispensa maiores cuidados por parte dos criadores e por isto poucos camaradas,

homens livres e assalariados, eram suficientes para o trabalho. A criação era

destinada ao comércio interno devido ao custo elevado para a exportação e se

estendeu desde o atual território da Chapada dos Guimarães até o atual Mato Grosso

do Sul. As fazendas eram administradas pelo proprietário em regime patriarcal.

Como não era possível escolarizar nas fazendas, os filhos dos proprietários, quando

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atingiam a idade de escolarização eram internados em escolas na capital ou moravam

lá com parentes. Os filhos dos trabalhadores raramente estudavam.

Os meados do século XIX só se fizeram importantes para a pecuária após a

abertura da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que partia de Bauru, São Paulo, até

o sul do Mato Grosso, e permitiu que fosse transportado o gado em pé para outras

regiões do país. Na época anterior à sua construção, o gado era conduzido pelas

extensas estradas de terra para Minas Gerais, principalmente Uberaba onde era

engordado e posteriormente abatido. A Estrada de Ferro também trouxe outras

vantagens para o Estado de Mato Grosso, tais como a valorização das terras e do

gado, investimentos nacionais e internacionais, e o surgimento das cidades ao longo

da ferrovia e nas suas proximidades. Conseqüentemente, surgiu a indústria do

charque, sendo a primeira charqueada instalada em Cáceres, fruto de investimentos

estrangeiros. As fazendas passaram a ser cercadas e consideradas uma extensão da

cidade; as estradas que conduziam os fazendeiros até as cidades mereceram mais

cuidados e os seus filhos puderam estudar em centros maiores, como São Paulo e Rio

de Janeiro. A Estrada de Ferro estimulou a imigração de pessoas de outras regiões do

país favorecendo o surgimento de novas vilas e cidades. Assim valorizadas, as terras

de Mato Grosso passaram a ser consideradas um bom negócio, o que gerou

especulação, pois muitos as compravam não para produzir e sim para revender por

maiores preços. Este fenômeno possibilitou o ingresso de posseiros, que invadiam as

propriedades abandonadas e nelas fixavam residência, desencadeando intensos

conflitos no momento da venda das mesmas pelos seus proprietários.

A criação da Capitania de Mato Grosso ocorreu através de duas forças: uma

externa e outra interna. A força interna foi exercida pelos colonos que, em busca do

sonho do “El Dorado”, queriam se apossar destas terras e vê-las protegidas

militarmente, sendo abastecida com alimentos, instrumentos de trabalho e gêneros de

primeira necessidade. Foi neste contexto que o governo português, atuando como

força externa, criou a capitania de Mato Grosso em 29 de janeiro de 1748, cuja sede

deveria ser construída às margens do Rio Guaporé, posteriormente intitulada de Vila

Bela da Santíssima Trindade. Entre as principais questões enfrentadas pelo seu

governador, na ocasião, estavam os conflitos com os espanhóis, jesuítas e índios.

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O sonho da Metrópole portuguesa era garantir a fronteira Oeste na sua

extensão máxima; porém a resposta da Colônia não foi a esperada, devido

principalmente ao povoamento e à ação missionária. No século XVIII a Capitania de

Mato Grosso contava com uma extensa nação indígena formada por muitas tribos

contrárias à proposta colonizadora, pois para eles representava a perda das suas terras

e da sua cultura, resultando em lutas sangrentas com os colonizadores. A ação

missionária das Ordens Religiosas pertencentes à Igreja Católica teve um importante

papel durante o período colonial para conter as populações indígenas. Após a sua

expulsão pelo governo português em 1759 os índios ficaram sob o domínio de civis.

As decisões políticas, devido à importância das mesmas no desenvolvimento

econômico da Colônia, ainda no século XVIII até meados do XIX, estavam

concentradas nas províncias do Centro-Sul. O café, produzido em extensas fazendas,

tinha como base de sustentação a mão-de-obra escrava africana.

Com a transferência da Coroa para o Brasil em 1808, o tratamento ao índio

não sofreu modificações, mantendo-se através do Alvará de 17 de outubro de 1653 a

“guerra justa” contra o índio nos seguintes casos: situações em que não defendessem

as vidas e as fazendas dos vassalos da Coroa portuguesa; quando os mesmos

auxiliassem os inimigos do reino; falta do cumprimento das suas obrigações;

desobediência aos serviços reais; e prática da antropofagia. Por ocasião da

transferência da Coroa, também se estreitaram os laços entre esta e a Igreja Católica,

que assumiu a missão de catequizar e pacificar os índios.

Ainda no início do século XIX, a capitania de Mato Grosso sofreu profundas

mudanças políticas e administrativas, sendo a sua capital transferida para Cuiabá em

1821, uma vez que essa cidade havia se tornado centro de decisões políticas por fazer

parte da rota comercial. Contudo, os conflitos com as populações indígenas não

cessaram em todo o Brasil. Em 1824, durante a Assembléia Constituinte, o partido

Liberal propôs um tratamento especial para a questão indígena, que deveria ser

assumida pela nação brasileira, sugerindo um capítulo que tratasse dos

“Apontamentos para a civilização dos índios bravos do Brasil”. A proposta foi

rejeitada e em nada avançou no período colonial. Os índios sempre foram um

obstáculo aos interesses desenvolvimentistas do governo.

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Foi a partir da metade do século XIX, quando o Rio Paraguai se tornou a

principal via de acesso, comunicação e transporte entre os mercados externo e

interno, que aconteceu um acentuado desenvolvimento da capitania de Mato Grosso,

especialmente para Corumbá e Cuiabá. O Estado de Mato Grosso importou muitas

mercadorias necessárias para mudar os hábitos coloniais e despertar um maior

interesse de consumo para os seus produtos.

No Segundo Império a questão indígena se agravou e foi estabelecido que

cada província deveria ter um Diretor de Índios, responsável por resolver os

conflitos. Foi dada autonomia a cada um para estabelecer a política e a prática que

melhor lhe aprouvesse. Em Mato Grosso foi criada a Diretoria de Índios, que ficou

responsável pela resolução dos conflitos entre os índios e os colonos, utilizando leis

pré-estabelecidas e não elaboradas com a participação da população indígena, pois

não eram considerados cidadãos brasileiros.

Com a chegada de novas tecnologias ao solo brasileiro, chegou também o

pensamento de integração das nações através das linhas telegráficas e das ferrovias.

Nos últimos anos do século XIX foi proposta a construção de Linhas Telegráficas no

interior do Brasil, com o objetivo de integrar as Américas ao mundo e guardar as

regiões de fronteira, mantendo em contato o Oeste com a então capital do Brasil, Rio

de Janeiro. Contudo, ao adentrar o sertão brasileiro foi constatado que os espaços

supostamente vazios não se encontravam desabitados, já que grande parte deles era

habitado por incontáveis tribos indígenas.

Nos anos de 1910 e 1911 o Marechal Rondon elaborou, com o apoio das

autoridades, projetos e relatórios para a continuidade dos trabalhos de instalação das

Linhas Telegráficas. Entretanto, foi nesta ocasião que, juntamente com o governo

federal, estudou a criação de um organismo voltado para a pacificação dos índios, o

chamado Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que mais tarde incorporou os

sertanejos e caipiras, sendo então chamado de Serviço de Proteção aos Índios e

Localização de Trabalhos Nacionais (SPILTN).

Esta política idealizada por Cândido Mariano da Silva Rondon, concebia a

sociedade indígena como uma sociedade que vivia ainda em estado primitivo e

precisava ser integrada à civilização. Tal processo deveria se dar de forma lenta e

pacífica para que os índios se dispusessem tanto a conhecer a sociedade civilizada,

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quanto a conviver com ela. Para isto, era fundamental que gradativamente os índios

deixassem os seus hábitos primitivos e incorporassem novos valores e

comportamentos. Ao serem incorporados ao trabalho da Comissão de Rondon

chegaram a aprender o Código Morse e passaram a exercer cargos como

telegrafistas.

Porém, somente por 20 anos as Linhas Telegráficas tiveram serventia.

Superadas pelo telégrafo sem fio, todo o material foi abandonado no cerrado. Além

da aparelhagem foram abandonados os índios que, desprotegidos pelo SPI, se

acomodaram em áreas marginais urbanas e compuseram a extensa massa de

desempregados, despreparados para se integrar à sociedade capitalista. Não só os

índios destribalizados sofreram com este episódio; os que permaneceram nas suas

tribos viram as suas terras ser invadidas e cortadas por estradas, apropriadas por

particulares, sendo esquecida a proposta de demarcação.

Ao longo da construção das Linhas Telegráficas até Mato Grosso, a saúde dos

trabalhadores foi afetada por diversas doenças, entre elas a febre amarela, a

tuberculose e a varíola. Para combatê-las, junto com a comissão havia médicos que

exerciam os seus afazeres no próprio local das obras. A expedição de Rondon

também tinha outra função a de exploração da região do Mato Grosso e da

Amazônia, função que naquele momento forneceria ao governo brasileiro total

conhecimento do território nacional verificando as potencialidades e possibilidades

de contribuição para a nação brasileira e para o comércio mundial.

Neste contexto, a Comissão encontrou intensas jazidas minerais de ouro,

diamantes e ferro, assim como as riquezas da fauna e da flora do interior do Brasil,

despertando o interesse dos Estados Unidos da América. Mais tarde, este país enviou

ao Brasil uma expedição científica chefiada por Teodoro Roosevelt e orientada por

Cândido Mariano da Silva Rondon, por ser militar de vasta experiência e conhecer

intensamente a região. Esta expedição chamou-se Expedição Roosevelt-Rondon, e

permaneceu em solo brasileiro de dezembro de 1912 a maio de 1914.

Para RIBEIRO (2006), o aumento do fluxo migratório para o Estado de Mato

Grosso durante a segunda metade do século XX ocorreu, principalmente, devido a

duas variáveis. A primeira foi a partir da construção de Brasília durante o governo de

Juscelino Kubitscheck (1956/1961), de onde partiram os grandes eixos rodoviários

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que objetivaram a ocupação do interior do país e a sua integração com o litoral. A

segunda variável foram os programas de incentivo à ocupação dos “espaços vazios”

localizados na região Centro-Oeste e Amazônia, desenvolvidos durante o governo

militar do Presidente Médici (1969/1974), para a migração da segunda geração de

imigrantes europeus residentes no sul do país. Estes programas facilitaram a

instalação em terras mato-grossenses dos descendentes destes imigrantes, os quais

presenciavam os problemas sociais causados pelo reduzido acesso à terra, caso dos

gaúchos, ou como no caso dos cafeicultores paranaenses, pelos problemas oriundos

das intensas geadas de 1974/75 ocorridas naquele estado.

A política do Presidente Médici foi mantida pelos dois outros governos

seguintes, Ernesto Geisel (1974/1979) e João Figueiredo (1979/1985), e tinha por

objetivo tornar o Estado de Mato Grosso o “Portal da Amazônia”, isto é, investir para

depois, progressivamente, ocupar a Amazônia. Este aceno político também atraiu

pessoas de outras regiões, entre elas Rondônia e sul do Pará. Dentre estes programas

se destacaram o Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil

(PRONOROESTE), o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste

(PRODOESTE) e o Programa de Integração Nacional (PIN), através do qual foram

pavimentadas as rodovias BR 163, que ligou Cuiabá a Campo Grande (MS) e a BR

364, que conectou Cuiabá a Goiânia, no Estado de Goiás (GO).

Outras ações foram implementadas no sentido de apoiar a ocupação do

Estado de Mato Grosso, tais como a criação da Universidade Federal de Mato Grosso

(UFMT), a instalação dos linhões de energia elétrica a partir de Cachoeira Dourada,

GO, e a divisão do Estado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ocorrida em 1975.

Desde os anos 70 até 2007, a população cresceu de 599 mil para cerca de 2 milhões

de habitantes, e a quantidade de municípios saltou de 38 para 141 no mesmo período.

As atividades econômicas também foram ampliadas, observando-se o aumento dos

investimentos na pecuária, agricultura, indústria, comércio e setor de serviços.

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76

5.2 LOCALIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA

DO ESTADO DE MATO GROSSO: ASPECTOS QUE DESAFIAM A

ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA

O Estado de Mato Grosso faz parte da Região Centro-Oeste do Brasil,

localizado na parte sul do continente americano. Possui uma superfície de

903.357,91 km2, limitando-se ao Norte com os Estado do Pará e Amazonas, ao Sul

com Mato Grosso do Sul, a Leste com Goiás e Tocantins e a Oeste com Rondônia e

Bolívia. Devido à grande extensão Leste-Oeste, o território brasileiro abrange quatro

fusos horários situados a Oeste de Greenwich. Mato Grosso está no quarto fuso

horário apresentando, portanto, quatro horas a menos, em relação ao horário GMT

(Greenwich Meridian Time) (ABUTAKKA e LIMA, 2006) e uma hora a menos em

relação ao horário oficial de Brasília, DF, conforme mostra a Figura 3.

Figura 3 - Ilustração da localização do Estado de Mato Grosso e fuso horário brasileiro

Fonte: http://pessoais.ov.ufrj.br/nassaf/cursos

Os 141 municípios estão distribuídos em 22 microrregiões político-

administrativas, que estão agrupadas em 12 regiões de planejamento, conforme

mostra a Figura 4 e, para o IBGE, em cinco meso-regiões. O município de

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Rondonópolis unidade básica de estudo neste trabalho, é sede da V Região de

Planejamento, ou região Sudeste.

Em todo o território de Mato Grosso existem, aproximadamente, 75 terras

indígenas, 19 unidades de conservação federais, 42 estaduais e 44 municipais

distribuídas em parques, reservas, bosques, estações ecológicas e Reserva Particular

do Patrimônio Nacional (RPPN) consistindo a gestão ambiental um desafio para os

municípios e o estado.

Figura 4 – As 12 Regiões de Planejamento de Mato Grosso

Disponível em: www.seplan.mt.gov.br

5.3 ASPECTOS FÍSICO-BIÓTICOS

5.3.1 Relevo e as Mudanças na Agricultura

No Mato Grosso são encontrados planaltos, planícies e depressões. Os

planaltos são encontrados em bacias sedimentares, em intrusões e coberturas

residuais de plataforma, bem como em cinturões orogênicos. A exemplo dos

encontrados em bacias sedimentares, são encontrados: o Planalto e a Chapada dos

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Parecis, o Planalto e a Chapada dos Guimarães, e o Planalto dos Alcantilados-Alto

Araguaia. Estes tipos de planaltos se caracterizam por ser quase inteiramente

circundados pelas depressões marginais. Também constituem o planalto central

brasileiro, local onde a vegetação de cerrado original foi extensamente substituída

pela agricultura tecnificada e onde predomina o cultivo de grãos como a soja, o arroz

e o milho, como exemplo disso cita-se o intenso cultivo destes grãos na Região

Sudeste cuja sede é Rondonópolis.

As planícies correspondem a áreas essencialmente planas originadas por

deposição fluvial de sedimentos recentes. As encontradas no Mato Grosso são a

Planície e Pantanal do Rio Guaporé, Planície e Pantanal do Rio Paraguai e Planície

do Rio Araguaia (ABUTAKKA e LIMA, 2006).

Os planaltos são encontrados em cinturões orogênicos e constituem relevos

residuais sustentados por diversos tipos de rochas. São encontrados ao longo do

cinturão Paraguai-Araguaia que formam as inúmeras serras (ABUTAKKA e LIMA,

2006).

As depressões periféricas têm origem nas erosões ocorridas nos contatos das

bordas das bacias sedimentares com maciços antigos. São exemplos deste relevo as

Depressões do Norte do Mato Grosso, do Guaporé, do Araguaia, do Alto Paraguai, a

Cuiabana e a Depressão Interplanáltica de Paranatinga, município onde reside grande

parte do povo Bakairi, que utiliza os serviços de saúde de Rondonópolis.

5.3.2 Clima e os Comprometimentos da Saúde

Predominam dois tipos de clima o equatorial e o tropical continental. “A

variação das médias de temperaturas deve-se principalmente a dois fatores: ampla

extensão do território no sentido norte-sul e o fato de sua localização no interior do

continente, com reduzida influência marítima e baixa amplitude térmica”

(ABUTAKKA e LIMA, 2006, p. 25).

O clima equatorial, mais ao norte, se caracteriza por intensos episódios de

chuva associados às altas temperaturas durante o ano todo. Entretanto, o clima

tropical continental, evidenciado em quase todo o território mato-grossense, se

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caracteriza por duas estações durante o ano: a estação da seca e a estação da chuva. A

estação da seca ocorre de abril a setembro, ao mesmo tempo em que as estações

outono e inverno no restante do país, nesta ocasião a massa tropical atlântica avança

e se instala sobre o Centro-Oeste com pouca umidade, impedindo a entrada de ventos

úmidos e ocasionando a estiagem. Neste período ocorrem extensas queimadas que

contribuem com o agravamento das doenças respiratórias. A estação da chuva ocorre

de outubro a março, durante as estações primavera e verão, apresentando intensos

episódios de chuva, altas temperaturas e forte evaporação (ABUTAKKA e LIMA,

2006). É neste período que o acesso às aldeias indígenas fica ainda mais

comprometido.

5.3.3 Hidrografia e a Importância dos Rios para as Comunidades

Indígenas

O Estado de Mato Grosso abriga as nascentes dos rios que constituem as três

grandes bacias brasileiras: Bacia Amazônica, Bacia do Paraná e Bacia de Tocantins.

Os rios Juruena, Teles Pires, Arinos, Aripuanã, Roosevelt e Xingu são rios que

integram a Bacia Amazônica, que apresentam maior rapidez à medida que se

aproximam da Planície Amazônica, e são responsáveis pela drenagem da porção

Norte do Estado de Mato Grosso.

Os rios das Mortes, das Garças, Cristalino, Xavante e principalmente o Rio

Araguaia, com nascente no extremo Sul do estado e correndo para o Norte definem

os limites territoriais com Goiás e Tocantins, e integram a Bacia do Tocantins. Ao

Sul e Sudeste estão os rios que correm em direção ao Rio Paraguai dos quais cita-se

Rio Jauru, Cabaçal, Sepotuba e Cuiabá. Os rios que integram a rede de afluentes do

Rio Paraguai são lentos, correndo sobre aluviões recentes. Entre os demais elementos

que conformam a rede hidrográfica de Mato Grosso merece destaque a represa do

Rio Manso, onde se encontra a Usina Hidrelétrica do Rio Manso (ABUTAKKA e

LIMA, 2006).

O Estado de Mato Grosso é rico em recursos hídricos, mas a navegabilidade

dos seus rios é pouco utilizada, destacando-se trechos dos rios Paraguai, Guaporé,

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Juruena, Araguaia e Rio das Mortes, que apresentam potencialidade para o transporte

fluvial de cargas. Por outro lado, os rios são de fundamental importância para a

sobrevivência dos povos indígenas que dependem dos seus mananciais para

alimentação e transporte, geralmente por canoas, barcos de alumínio e barcas, como

é o caso por exemplo, do Rio Vermelho no município de Rondonópolis que é vital

para a Terra Indígena Tadarimana, etnia Bororo. Em muitos casos o acesso às aldeias

é realizado apenas através de rios, como por exemplo, a aldeia Perigara, também da

etnia Bororo, no município de Barão de Melgaço (ABUTAKKA e LIMA, 2006).

5.3.4 Vegetação: a Complexidade do Cerrado

A principal característica da vegetação do Mato Grosso é o cerrado, embora

se encontre também florestas. O cerrado é constituído por campos abertos com

árvores contorcidas e grossas de altura baixa, no máximo 12m, arbustos e plantas

herbáceas. O cerrado mato-grossense se apresenta com três tipos: campo cerrado

(Savana Parque), cerrado propriamente dito (Savana Arborizada) e cerradão (Savana

Florestada) (ABUTAKKA e LIMA, 2006). No campo cerrado prevalecem os

arbustos e as plantas herbáceas, com poucas árvores. Já o cerrado apresenta intensa

quantidade de árvores contorcidas com características peculiares e com adensamento

de arbustos e de plantas herbáceas. Nos cerradões ocorrem árvores em grande

quantidade, mas sem contorções, como nos tipos anteriores, e não apresentam

arbustos. Uma característica importante do cerrado é a presença de árvores, que

começam em geral nos pequenos pântanos dos nascedouros dos ribeirões e

constituem as Florestas de Galeria ou matas ciliares.

Entre o cerrado e as florestas também se encontram as chamadas áreas de

transição ou tensão ecológica. Apresentam vegetações indiferenciadas que se

misturam e se confundem. O Pantanal Mato-grossense é considerado um caso

particular de área ou faixa de transição entre os domínios dos Cerrados e dos Chacos

Centrais cujos “ciclos de cheias e vazantes criam condições e pressões peculiares,

que resultam em uma alta complexidade biótica” (ABUTAKKA e LIMA, 2006, p.

28). É na área do Pantanal que está localizada a Terra Indígena Perigara do povo

Bororo.

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81

5.4 ASPECTOS SOCIAIS DE MATO GROSSO

5.4.1 Demografia: a Baixa Densidade Demográfica no Estado

O Estado de Mato Grosso é a terceira maior unidade da Federação,

correspondendo aproximadamente a 10% do território nacional. Contudo, apresenta

uma das menores densidades demográficas do país: 2,8 hab./km2, apesar do intenso

fluxo migratório em meados da década de 90 e do continuado crescimento

populacional nos últimos anos. A Tabela 1 mostra, comparativamente, a evolução

populacional de Mato Grosso em relação à do Centro-Oeste e do Brasil.

Tabela 1 – População recenseada e estimada de Mato Grosso. Região Centro-Oeste e do Brasil – 1940 a 2005.

População Habitante Anos Mato Grosso Centro-Oeste Brasil

1940 192.531 1.250.982 41.236.315 1950 211.858 1.730.684 51.944.397 1960 319.248 2.942.992 70.070.457 1970 599.764 5.073.259 93.139.037 1980 1.138.691 7.545.769 119.011.052 1991 2.027.231 9.427.601 146.825.475 1996 2.235.832 10.500.579 157.070.163 2000 2.504.353 11.636.728 169.799.170 2001 2.560.537 11.885.529 172.385.826 2002 2.604.723 12.101.540 174.632.960 2003 2.651.313 12.317.271 176.871.437 2004 2.759.134 12.816.392 182.060.108 2005 2.803.274 13.020.767 184.184.264

Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.

A construção de Brasília, a implementação das rodovias ligando a nova

cidade ao Centro-Sul e ao Norte e a execução de programas governamentais voltados

para a ocupação da região, intensificaram o fluxo migratório para a região Centro-

Oeste e, principalmente, para Mato Grosso, causando um aumento da densidade

demográfica no período de 1950 a 1980, conforme mostra a Tabela 2.

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Tabela 2 – Taxa média geométrica de crescimento de Mato Grosso, Centro-Oeste e Brasil (%)

Taxa Média Geométrica de Crescimento Anual % Período Mato Grosso Centro-Oeste Brasil

1940/1950 0,96 3,30 2,34 1950/1960 4,19 5,45 3,04 1960/1970 6,51 5,60 2,89 1970/1980 6,62 4,05 2,48 1980/1991 5,38 2,04 1,93 1991/1996 1,97 2,18 1,36 1996/2000 2,87 2,60 1,97 2000/2003 1,92 1,91 1,37 2000/2004 2,45 2,44 1,76 2000/2005 2,28 2,27 1,64

Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.

A taxa média de crescimento de Mato Grosso no período de 1940 a 1950

corresponde às informações históricas sobre a baixíssima densidade demográfica

desde o início do século XX, devido ao difícil acesso ao território mato-grossense,

ausência de estradas pavimentadas, falta de incentivos à produção agrícola e de

pecuária e condições climáticas de difícil adaptação.

Na década seguinte ocorreu uma intensa migração quando, já ao final dos

anos 40, ocorreu a divulgação da produtividade das terras mato-grossenses para todo

o Brasil, principalmente para Sudeste, e posterior doação de terras devolutas do

estado para os recém-chegados, fato que impulsionou o desenvolvimento do

município de Rondonópolis. Entretanto, as dificuldades para investimentos e

manutenção da produção favoreceram a venda das agrovilas para os novos

fazendeiros e especuladores. A pavimentação das rodovias BR 364 e Cuiabá-Campo

Grande favoreceu o escoamento da produção para o Sudeste brasileiro e, apesar dos

intensos gastos com o transporte, levando à inevitável redução dos lucros, também se

constituiu em um atrativo para os novos investidores.

Ainda que durante as décadas de 50 e 60 tenha ocorrido uma crescente venda

das pequenas propriedades e o conseqüente êxodo rural, é a partir da década de 70

que se observa uma redução significativa da população em áreas rurais e o

crescimento desta nas urbanas, o que explica os relatos históricos de progressiva

formação de latifúndios no território mato-grossense, com maior foco nas regiões Sul

e Sudeste do Estado de Mato Grosso. Nas décadas de 60 a 80 houve um crescimento

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progressivo da população de Mato Grosso correlacionado com o intenso fluxo

migratório dos “sulistas” oriundos do Rio Grande do Sul e do Paraná, atraídos pelo

baixo preço das terras do cerrado, pela boa pavimentação das rodovias que

integravam o Sul e o Norte e pelos incentivos governamentais promovidos pelo

governo federal a quem desejasse ocupar o Centro-Oeste e investir. Entretanto, é

neste período que ocorre a maior migração da população rural para outras regiões

brasileiras, pois da década de 70 até o início da de 80 ocorreu uma redução de

aproximadamente 50% na população rural, sendo que o aumento na quantidade de

pessoas nas cidades mato-grossenses, não seguiu a mesma proporção. A tendência

de migração rural também é verificada na região Centro-Oeste e no Brasil, conforme

mostra a Tabela 3.

Tabela 3 – População urbana e rural em MT, na região Centro-Oeste e no Brasil, 1970-2004.

Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.

Conforme mostra a Tabela 4, no período de 1980 até 2004 ocorreu o

crescimento progressivo da população total e por km2 em Mato Grosso. Quando se

detalha este crescimento por sexo vê-se que a população masculina aumentou mais

do que a feminina, e que no ano de 2004 se igualaram sendo a proporção de um

homem para cada mulher em todo o território de Mato Grosso.

Mato Grosso Centro-Oeste Brasil Anos Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural

1970 684.189 912.901 2.437.379 2.635.880 52.084.984 41.054.053 1980 654.952 483.739 4.614.597 2.191.314 80.437.327 38.573.725 1991 1.485.110 542.121 7.663.122 1.764.479 110.990.990 35.834.485 1996 1.705.139 530.693 8.864.936 1.635.643 123.076.831 33.993.332 2000 1.987.726 516.627 10.092.976 1.543.752 137.953.959 31.845.211 2004 2.119.328 639.806 11.057.995 1.758.397 151.124.470 30.935.638

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Tabela 4 – População residente por sexo e densidade demográfica em Mato Grosso, 1980 – 2004.

Sexo Anos População Total (hab) Masculino Feminino

Densidade Demográfica (hab./km2)

1980 1.138.691 594.146 544.545 1,26 1991 2.027.231 1.048.507 977.563 2,23 1996 2.235.832 1.154.216 1.081.616 2,47 2001 2.504.353 1.287.187 1.217.166 2,76 2004 2.759.134 1.379.567 1.379.567 3,05

Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.

5.4.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e as Melhorias na

Qualidade de Vida

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tem por finalidade avaliar o

nível de desenvolvimento humano dos países considerando três indicadores:

educação, longevidade e renda. Este índice demonstra a qualidade de vida da

população, e os seus valores devem variar entre 0 e 1 e são expressos em três

categorias, a saber:

• IDH baixo: de 0 a 0,499;

• IDH médio: de 0,500 a 0,799;

• IDH alto: acima de 0,800.

Desde a década de 70 o IDH do Mato Grosso tem aumentado de forma

progressiva. No início dos anos 70 o IDH era de 0,458, considerado baixo,

aumentando para 0,767 no ano de 2000. Correlacionando as condições de vida desde

o início do século passado com a chegada dos pioneiros goianos por volta de 1906,

no município de Rondonópolis, e considerando as categorias citadas, é

compreensível o baixo índice de qualidade de vida no estado até a década de 70, fato

que também se refletiu no município citado. Isso ocorreu devido aos reduzidos

incentivos à agricultura e à pecuária dando forma à produção familiar dos pioneiros,

ao difícil acesso às terras mato-grossenses quando os seus desbravadores vinham por

via fluvial ou por terra abrindo picadas por entre a mata, à educação dependente da

presença de religiosos católicos e protestantes estrangeiros que por lá passavam e

residiam por tempo determinado, a precária assistência médica e sanitária aos

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habitantes entre outros fatores, todos conduzindo a população à uma baixa

expectativa de vida (CURY, 1973; TESOURO, 1993; ABUTAKKA e LIMA, 2006).

A partir da década de 70, o fluxo migratório e as melhorias no acesso

rodoviário facilitaram a migração, tornando possível o acesso de profissionais de

saúde residentes nos centros urbanos às áreas rurais, embora de forma itinerante. Os

incentivos à agricultura e à pecuária, e a presença progressiva do poder público como

educador assumindo as escolas fundadas pelos religiosos promoveram a melhora do

IDH no estado e em Rondonópolis. Apesar de a renda ainda ser reduzida quando

comparada com outros estados, há um aumento da qualidade de vida dos mato-

grossenses.

5.4.3 Saúde e a Hospitalização

Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES/MT),

em 2004, havia 177 hospitais no Estado de Mato Grosso, sendo 57 na rede pública,

119 na privada e um universitário. Dos hospitais públicos, cinco pertenciam à rede

estadual e 52 à municipal, e a média de leitos existentes nesses hospitais era de

aproximadamente 42 leitos por hospital. Entre 1999 e 2002 ocorreu uma redução da

rede hospitalar no estado, principalmente da rede privada, pois houve um aumento da

oferta de hospitais públicos no mesmo período, sendo estes estaduais ou municipais.

O aumento de unidades hospitalares públicas denota o aumento da procura pelos

serviços públicos hospitalares. Entretanto, houve uma retomada do aumento da rede

hospitalar privada nos anos de 2003 e 2004 superando em aproximadamente 50% a

quantidade de hospitais da rede pública. A Tabela 5 mostra essas flutuações na rede

hospitalar de Mato Grosso (ABUTAKKA e LIMA, 2006).

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Tabela 5 – Rede hospitalar de Mato Grosso, 1999-2004.

Público Anos Total Total Estadual Municipal

Universitário Privado

1999 188 51 03 48 01 125 2000 192 50 01 49 01 137 2001 178 48 03 45 01 111 2002 147 48 05 43 01 80 2003 156 52 04 48 01 82 2004 177 57 05 52 01 119

Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.

Em relação ao número de leitos (ver Tabela 6), houve significativa

diminuição de leitos privados e aumento de leitos filantrópicos em 2001, e a partir de

2002 ocorreu um significativo aumento de leitos hospitalares públicos, privados e

filantrópicos no estado, mas principalmente na rede estadual. Este indicador poderá

sugerir um aumento da procura por especialidades clínicas por reduzido investimento

em atenção básica. A comparação entre a rede hospitalar e o número de leitos sugere

uma possível concentração de profissionais especializados em menor número de

unidades hospitalares visando economia de escala e de escopo, situação observada no

município de Rondonópolis como exemplifica o depoimento a seguir:

Então eu acho que não é perfeito mas a população de Rondonópolis tem tido um bom serviço de saúde pública, inclusive não só nos postos, mas a nível hospitalar como a Santa Casa e o Hospital Regional. Este também há aproximadamente cinco anos que veio pra suprir uma deficiência de leito, e como foi projetado a uns vinte anos eu acho que está superlotado [...] (Entrevistado 1, maio, 2007).

Tabela 6 – Número de leitos em Mato Grosso, 1999-2004.

Público Anos Total Total Estadual Municipal

Privado Universitário Filantrópico

1999 7.200 1.506 142 1.364 4.564 80 1.050 2000 7.283 1.627 190 1.437 5.220 118 318 2001 5.410 1.676 192 1.484 2.852 108 774 2002 6.308 1.663 388 1.275 3.182 108 1.355 2003 6.406 1.918 388 1.290 3.218 108 1.402 2004 7.391 2.140 517 1.623 5.131 312 853

Fonte : ABUTAKKA e LIMA, 2006.

Ainda de acordo com dados da SES/MT, no ano de 1999 havia no estado 460

postos de saúde que foram reduzidos para 258 em 2004. Ambulatórios, prontos-

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87

socorros e policlínicas também diminuíram em número. No mesmo período houve

um aumento dos centros de saúde que passaram de 347 para 556 unidades de serviço.

O município de Rondonópolis, Colíder, Sinop, Várzea Grande, Cáceres,

Tangará da Serra e Barra do Garças apresentam a maior rede hospitalar e o maior

número de leitos.

5.4.4 Educação: ainda Defasada

Na década de 90 houve um aumento significativo do sistema educacional em

Mato Grosso, gerando, conseqüentemente, uma redução do analfabetismo no estado,

embora as taxas de abandono e de repetência ainda sejam significativas e mais

intensas nas populações pobres e moradores rurais devido às falhas internas do

sistema e fatores condicionantes sociais, econômicos e culturais. Em decorrência da

evasão e da repetência ocorre um desequilíbrio entre a faixa etária e o grau de

escolaridade, fazendo com que a população fique despreparada para um mercado de

trabalho que cada vez mais exige qualificação específica do trabalhador. Assim, o

estado não dispõe de trabalhadores qualificados para atender as exigências da

modernização e os indivíduos com baixos níveis de escolaridade ficam à margem do

desenvolvimento. Segundo ABUTAKKA e LIMA (2006), a baixa escolaridade da

maioria da população reduz as possibilidades de inserção na vida urbana e no

consumo moderno, pois as novas tecnologias implicam familiaridade com

mecanismos operacionais cujo conhecimento está, sem dúvida, acima da média de

grande parte da população estadual.

Porém, não só as taxas de abandono e de repetência expõem os indivíduos à

marginalidade, mas também a constante falta de vagas na rede pública de ensino,

embora, segundo dados oficiais, esteja ocorrendo a sua ampliação. Contudo, a

demanda não é completamente atendida não expressando desta forma a

universalização da educação. Os dados oficiais que têm como base o ano de 2004

demonstram que há uma maior evasão escolar no ensino médio e na educação

infantil, enquanto o ensino fundamental absorve mais de 95% da população

escolarizável (ABUTAKKA e LIMA, 2006).

Desde 1995 até 2004 a

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população mato-grossense permanece servindo-se basicamente das redes estadual e municipal, através das quais tem acesso ao ensino formal. As escolas particulares, por sua própria lógica de localização, estão presentes, preferencialmente, nos centros urbanos de maior porte, onde há população de maior poder aquisitivo para fazer face às mensalidades e despesas escolares por elas propostas (ABUTAKKA e LIMA, 2006, p. 56).

O ensino profissionalizante tem sido oferecido pelo SENAI, que possui

Centros de Formação Profissionalizantes em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis,

Barra do Garças, Cáceres e Sinop, além de Unidades Móveis de Capacitação e

convênios com empresas para a formação profissional, e pela Escola Técnica Federal

(ABUTAKKA e LIMA, 2006).

No ensino superior, merecem destaque duas universidades: a Universidade

Federal de Mato Grosso (UFMT), com sede em Cuiabá e campos avançados em 18

municípios, entre eles Rondonópolis, e a Universidade do Estado de Mato Grosso

(UNEMAT), com sede no município de Cáceres e campos avançados em mais 21

municípios mato-grossenses. No período de 1996 a 2004, houve um crescimento

significativo de faculdades privadas, que passaram de 11 para 28, permanecendo

concentradas nas grandes cidades (ABUTAKKA e LIMA, 2006).

5.4.5 Trabalho e Renda: Precariedade e Baixa Renda

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE

(PNAD-2004), citados e analisados por ABUTAKKA e LIMA (2006), no Estado de

Mato Grosso a maior parte da população empregada é do sexo masculino (60,41%), e

o trabalho feminino está concentrado em atividades sociais, comércio e atividades

ligadas à prestação de serviços em geral. Entretanto, as condições ligadas à

contribuição para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) foram

consideradas precárias, pois apenas 61% da população empregada contribuem para a

previdência social, mostrando haver um número significativo de trabalhadores

informais.

Conforme mostra a Tabela 7, a estrutura ocupacional em 2004, segundo a

PNAD, a categoria Agrícola apresentou a maior participação com 30%, vindo em

seguida o Comércio e Reparação com 18,86%, a Indústria com 9,78%, a Educação,

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Saúde e Serviços Sociais com 7,82%, os serviços domésticos com 7,63%, a

Administração Pública com 5,18%, o Transporte, Armazenagem e Comunicação

com 3,72%. No total, a população ocupada em atividades ligadas à economia urbana

era de 1.023.526 pessoas, representando 73,2% do total de pessoas ocupadas com 10

anos e mais de idade.

Tabela 7 – Pessoas ocupadas de 10 anos ou mais por atividade principal em Mato Grosso, 2004.

Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.

A Tabela 8 mostra que em relação à renda há níveis bastante baixos, além de

pessoas sem remuneração no estado, onde 47,3 % das pessoas, em 2004, se

encontravam na faixa de até três salários mínimos, 36 % sem rendimento, 8,8 %

estão na faixa de três a cinco salários mínimos, 1,8 % na faixa de 10 a 20 salários

mínimos e 0,79 % na faixa de mais de 20 salários mínimos.

Atividade do Trabalho Principal Número de Pessoas Participação % Total 1.401.007 100,00 Agrícola 420.372 30,00 Indústria 136.938 9,78 Construção 88.758 6,34 Comércio e Reparação 264.298 18,86 Alojamento e Alimentação 43.885 3,13 Transporte, Armazenagem e Comunicação 52.126 3,72 Administração Pública 72.592 5,18 Educação, Saúde e Serviços Sociais 109.547 7,82 Serviços Domésticos 106.905 7,63 Outros serviços coletivos, sociais e pessoais

39.595 2,83

Outras atividades 65.331 4,66 Atividades mal definidas ou não declaradas

660 0,05

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90

Tabela 8 – Pessoas de 10 anos ou mais e valor do rendimento mensal, por sexo em Mato Grosso, 2004.

Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.

A PNAD (2004 apud ABUTAKKA e LIMA, 2006) também demonstra que

apesar do aumento relativo da participação das mulheres no mercado de trabalho,

elas continuam ganhando menos que os homens. Quanto à situação da renda da

população estadual verifica-se que no período de 1985-2004, houve um considerável

aumento da renda média familiar per capita no Estado de Mato Grosso, conforme

mostra a Tabela 9.

Tabela 9 – Rendimento médio mensal das pessoas com 10 anos ou mais, economicamente ativas na semana de referência em Mato Grosso, no Centro-Oeste e no Brasil, 2004.

Valor do Rendimento Médio Mensal das pessoas com 10 anos de idade ou mais, com rendimento – 2004

Especificação

Total Urbana Rural Brasil 724,00 785,00 382,00 Centro-Oeste 835,00 877,00 531,00 Mato Grosso 764,00 816,00 549,00 Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.

Pessoas com 10 anos ou mais de idade Classe de Rendimento Mensal Total % Homens Mulheres

Total 2.229.552 99,95 1.110.650 1.118.902 Até ½ salário mínimo 77.542 3,47 17.488 60.054 Mais de ½ a 1 salário mínimo 326.330 14,63 137.266 189.064 Mais de 1 a 2 salários mínimos 468.547 21,01 290.365 178.182 Mais de 2 a 3 salários mínimos 183.130 8,21 137.592 45.538 Mais de 3 a 5 salários mínimos 196.323 8,80 138.581 57.742 Mais de 5 a 10 salários mínimos 109.877 4,93 78.532 31.345 Mais de 10 a 20 salários mínimos 40.916 1,83 31.347 9.569 Mais de 20 salários mínimos 17.818 0,79 14.849 2.969 Sem rendimento 802.801 36,00 259.352 543.449 Sem declaração 6.268 0,28 5.278 990

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91

5.5 ASPECTOS ECONÔMICOS: EXPANSÃO DAS DESIGUALDADES

SOCIAIS

5.5.1 Agricultura e Pecuária: Modernização e Crescimento

O forte crescimento da produção a partir da década de 80 se sustentou devido

à expansão da área cultivada e ao aumento da produtividade em relação à maioria

dos produtos nos anos que se seguiram. Os fatores que contribuíram para isto foram:

a qualidade do solo do cerrado e a modernização agrícola. A agricultura é o setor

mais importante desde então no Estado de Mato Grosso, pois é ela que movimenta as

outras atividades econômicas.

No conjunto dos principais produtos agrícolas a produção de grãos,

oleaginosas e fibras representou, no período de 1990-2004, em torno de 95% do total

da área colhida, cabendo ao cultivo da soja aproximadamente 63% dessa área. Em

2004 esta taxa chegou a alcançar 68,6%, indicando a elevada especialização da

agricultura mato-grossense e, em conseqüência, a sua maior dependência e

vulnerabilidade às oscilações do mercado destes produtos (ABUTAKKA e LIMA,

2006). Na safra 98/99, por exemplo, Mato Grosso assumiu o 3º lugar no ranking

nacional de produção de grãos, oleaginosas e fibras, o 1º lugar na produção de soja e

algodão, e o 2º na produção de arroz. Para a safra 2004-2005 foi estimado o 1º lugar

em produção de grãos, oleaginosas e fibras.

A atividade pecuária, forte componente histórico da formação econômico-

social, é amplamente predominante no espaço rural mato-grossense. A produção de

carne bovina em Mato Grosso passou de 453 mil toneladas em 2000, para 814 mil

toneladas em 2004, ocupando a 3ª posição no ranking nacional, perdendo somente

para São Paulo que detém o 1º lugar, e Mato Grosso do Sul. Considerando as

microrregiões, a bovinocultura apresenta relativa pulverização, sendo que os maiores

rebanhos mato-grossenses no ano de 2004, ou seja, acima de 400.000 cabeças,

pertencem a grandes e médios produtores com características empresariais nos

municípios de Cáceres, Juara, Vila Bela da Santíssima Trindade, Pontes e Lacerda e

Santo Antonio do Leverger (ABUTAKKA e LIMA, 2006).

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92

Quanto à bovinocultura leiteira, os maiores municípios produtores de leite são

Rondonópolis, Poxoréo, Juscimeira, Dom Aquino, Jaciara, Araputanga, Jauru, São

José dos Quatro Marcos, Barra do Bugres e Tangará da Serra. No Norte, apenas

Colíder apresenta maior densidade, pois lá se verifica a presença de frigoríficos e

fábrica de laticínios.

Além da agricultura e da pecuária, se destaca a produção de ovos e mel. Com

relação aos principais produtores de ovos de galinha, os municípios de Campo

Verde, Santo Antônio do Leverger, Tangará da Serra, Alta Floresta, Juína, Itaúba e

Mirassol D’Oeste juntos contribuem com 43% da produção estadual (ABUTAKKA e

LIMA, 2006). Na produção de mel de abelha, os maiores produtores são Barra do

Garças, Água Boa, Querência, Canarana e Cáceres.

5.5.2. Indústria: a Expansão da Agroindústria

Os resultados favoráveis de Mato Grosso na produção de grãos, oleaginosos e

fibras desde os anos 90 têm estimulado consideravelmente a expansão das atividades

da agroindústria. Esmagadoras, algodoeiras, fiações e beneficiadoras de cereais são

os segmentos que mais se destacam em termos de novos investimentos, efetuados

tanto por grandes empresas de fora do estado quanto por capitais locais. Segundo

ABUTAKKA e LIMA (2006), estudos econômicos recentes demonstram o intenso

crescimento das pequenas empresas, as chamadas micro-indústrias, que apresentam

maior flexibilidade e capacidade de adaptação às mudanças no mercado, de forma

que, quando organizadas em arranjos produtivos locais, apresentam um elevado

desempenho inovador. Porém, estas pequenas empresas enfrentam um problema

ainda a ser resolvido: o reduzido acesso aos limites de crédito para a modernização

da produção.

Assim, a agroindústria é a prática econômica que mais tem expressão no

estado. O complexo grãos/carnes ainda é dominante, inclusive no que se refere ao

beneficiamento do gado bovino, que se caracteriza pela produção de leite, carne e

couro. Entre os pólos industriais mato-grossenses estão os municípios de Tangará da

Serra e Rondonópolis. O primeiro se destaca na indústria extrativa mineral e de

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93

transformação, e o segundo, além destas, também apresenta indústrias de laticínios e

de resfriamento.

5.5.3. Comércio: Emprego e Faturamento

Nos anos de 2002 e 2003 o segmento do comércio varejista se mostrou como

o maior em termos de número de empresas, pessoal ocupado e número de

estabelecimentos. Entretanto, em termos de receita bruta de revenda e margem de

comercialização, o atacado gerou a maior parcela do total estimado pela Pesquisa

Anual de Comércio do IBGE (PAC/IBGE, 2003 apud ABUTAKKA e LIMA, 2006).

No ano de 2003, o varejo alcançou cerca de 80% dos estabelecimentos,

gerando um faturamento bruto no valor de R$ 4,39 bilhões (ABUTAKKA e LIMA,

2006). Em dezembro de 2003, estas empresas ocupavam 68,24% dos empregados no

comércio e, ao longo daquele ano, pagaram aproximadamente R$ 300 milhões na

forma de salários, retiradas e outras remunerações, o que significou um salário médio

mensal de R$ 337,30 (trezentos e trinta e sete reais e trinta centavos).

O comércio por atacado, por sua vez, foi responsável por apenas 8,60% do

total dos estabelecimentos e 18,34% do pessoal ocupado. Mesmo com menor

participação em termos de número de empresas e de pessoal, esta categoria

respondeu pela maior parcela de faturamento do comércio em geral, 59,49%, o que o

caracteriza como o segmento mais concentrado do setor comercial.

5.5.4. Mercado Externo: Quadro Expressivo das Exportações

No final dos anos da década de 80, o Estado de Mato Grosso se firmou na 10ª

posição entre os estados exportadores, ocupando a primeira posição no contexto do

Centro-Oeste. O principal produto das exportações, em 2004, foi a soja em grãos,

mesmo triturada, com 47,28%; seguindo-se o bagaço e outros resíduos sólidos da

soja, com 23,32% e o óleo de soja com 8,34%. Somente o complexo soja respondeu

por 78,94%. O algodão com 5,95%, as madeiras com 5,95% e a carne com 4,61,

complementaram o quadro das exportações (ABUTAKKA e LIMA, 2006). Desse

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94

modo, Mato Grosso se caracterizou como um fornecedor de produtos primários e

semi-elaborados, especializado em commodities e na produção de carnes e derivados.

De acordo com as informações fornecidas pela Secretaria de Planejamento

(SEPLAN) (ABUTAKKA e LIMA, 2006), a União Européia é o principal cliente das

exportações de Mato Grosso, respondendo por cerca de 51% do total, seguindo-se,

em ordem de importância, a Ásia com 30,0%, o Oriente Médio e, muito abaixo, o

MERCOSUL. Este comércio, considerado incipiente, pode ter como causa a baixa

complementaridade dos produtos de exportação mato-grossense em relação aos

países do MERCOSUL (ABUTAKKA e LIMA, 2006).

Os dados de exportação de produtos referentes ao ano de 2004 refletem a

tendência progressiva das exportações frente ao número menor de importações. Estes

dados confirmam o grande êxito da balança comercial brasileira que, em 2005,

alcançou mais uma vez valores recordes. As exportações brasileiras atingiram US$

118,3 bilhões naquele ano. Contudo, as importações alcançaram US$ 73,5 bilhões,

resultando um saldo positivo (exportação menos importação) de US$ 44,7 bilhões,

valor nunca antes atingido. Do total das exportações brasileiras, em 2005,

aproximadamente 6,07% foram provenientes das exportações do Centro-Oeste, ou

seja, US$ 7,2 bilhões, correspondendo, deste total, 57,8% às exportações do Estado

de Mato Grosso (ABUTAKKA e LIMA, 2006).

5.6 A ORGANIZAÇÃO DESCENTRALIZADA DO SISTEMA ÚNICO DE

SAÚDE NO ESTADO DE MATO GROSSO

O processo de descentralização que caracteriza o Sistema Único de Saúde

(SUS), expresso primeiramente na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), segue as

diretrizes preconizadas nas leis que regulamentam a Política Nacional de Saúde: a

Lei 8.080/90 (BRASIL, 1990) e 8.142/90 (BRASIL, 1990). Ao longo da década de

90 e início do novo século a descentralização foi regulamentada através de Normas

Operacionais que visaram a sua implantação, repassando aos estados e municípios

gradativamente as responsabilidades de gestão da atenção à saúde. No contexto da

descentralização, a Política Nacional de Saúde Indígena vem sendo implementada

como um subsistema de saúde com a finalidade de garantir o cumprimento dos

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95

princípios de universalidade e eqüidade na atenção à saúde dos povos indígenas no

território nacional, tendo como modelo os Distritos Sanitários Especiais Indígenas

(DSEIs).

Tendo em vista os documentos analisados, desde a implantação da Norma

Operacional de Assistência à Saúde (NOAS SUS 01/02) (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2002) o Estado de Mato Grosso busca atribuir aos municípios maior

autonomia na gestão do sistema de saúde municipal. Nela se expressa um novo

modelo de organização territorial no qual os municípios devem atender às suas

especificidades loco-regionais, buscando por meio da Programação Pactuada e

Integrada (PPI) parcerias intermunicipais que atendam aos princípios do SUS,

garantindo o acesso com qualidade aos serviços pela população residente nas

Microrregiões de Saúde.

5.6.1 Considerações sobre a Norma Operacional de Assistência à Saúde

(NOAS SUS 01/02) no Estado de Mato Grosso

Atualmente, Mato Grosso compreende cinco regiões de saúde, que agrupam

14 microrregiões ocupando uma área de 903.357,908 Km², com uma população de

2.749.145 habitantes, o que representa uma densidade demográfica de 2,77

habitantes por Km² (ver Quadro 1 e Figura 5). Esta divisão coincide parcialmente

com as 12 regiões da Secretaria de Planejamento (SEPLAN/MT) (ver Figura 4) e

com a área de abrangência dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas distribuídos

no estado (ver Figura 5).

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96

Quadro 1 - As Regiões de Saúde do Estado de Mato Grosso.

Nome da Região Microrregiões Componentes Microrregião Baixo Araguaia Microrregião Garças Araguaia

Região Leste Microrregião Médio Araguaia

Microrregião Baixada Cuiabana Microrregião Centro Norte Microrregião Médio Norte Microrregião Noroeste Mato-grossense

Região Centro-norte

Microrregião Vale do Arinos Microrregião Alto Tapajós Microrregião Teles Pires Microrregião Vale do Peixoto

Região Norte

Microrregião Norte Mato-grossense Região Oeste Microrregião Oeste Mato-grossense Região Sul Microrregião Sul Mato-grossense Fonte: MATO GROSSO, 2006a.

Neste estudo são analisadas as informações sobre a atenção à saúde na

Microrregião Sul Mato-grossense, da Região Sul, onde se localiza a área de

abrangência do Pólo-Base de Rondonópolis.

Figura 5 - Regiões e Microrregiões de Mato Grosso

MicrorregiãoCentro Norte

MicrorregiãoBaixada Cuiabana

MicrorregiãoSulMatogrossense

MicrorregiãoTeles Pires

MicrorregiãoGarças Araguaia

MicrorregiãoMédio Norte

MicrorregiãoMédio Araguaia

MicrorregiãoAlto Tapajós Microrregião

Vale Do Peixoto

MicrorregiãoBaixo Araguaia

Região Norte

Região Centro Norte

Região Sul

Região Leste

MicrorregiãoVale Do Arinos

MicrorregiãoOeste Matogrossense

Região Oeste

MicrorregiãoNoroeste Matogrossense

Região Leste

Região Oeste

Região Norte

Região Sul

Sedes das Regiões

Legendas

Mato Grosso - Regiões de Saúde e Sedes das Regiões

Cáceres

Barra do Garças

Rondonópolis

Sinop

Cuiabá

Fonte: SES / SAI -MT. AGO/2005 Equipe PDR

MicrorregiãoCentro Norte

MicrorregiãoBaixada Cuiabana

MicrorregiãoSulMatogrossense

Teles Pires

MicrorregiãoGarças Araguaia

MicrorregiãoMédio Norte

MicrorregiãoMédio Araguaia

MicrorregiãoAlto Tapajós Microrregião

Vale Do Peixoto

MicrorregiãoBaixo Araguaia

Região Norte

Região

Região Sul

MicrorregiãoVale Do Arinos

MicrorregiãoOeste Matogrossense

Região Oeste

MicrorregiãoNoroeste Matogrossense

Legendas

Mato Grosso - Regiões de Saúde e Sedes das Regiões

Cáceres

Barra do Garças

Sinop

Cuiabá

Fonte: SES / SAI -MT. AGO/2005 Equipe PDR

Microrregião

Fonte: MATO GROSSO, 2006a.

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97

Dentre os 141 municípios do Estado de Mato Grosso, a capital Cuiabá se

encontra habilitada em Gestão Plena de Saúde Municipal pela NOB-SUS 96

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1996) sendo que os municípios de Jaciara, Barra do

Garças, Rondonópolis, Campo Verde, Alta Floresta, Diamantino, Pedra Preta e

Primavera do Leste estão habilitados na Gestão Plena de Saúde Municipal pela

NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). Os demais municípios

habilitados são em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (MATO GROSSO,

2006).

5.7 O MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS

O município de Rondonópolis está localizado a Sudeste do Estado de Mato

Grosso e assume a posição de líder na microrregião em que está situado.

Imbricado no Vale de São Lourenço apresenta uma grande quantidade de

cursos de água que cortam seu território entre eles: rios Poguba ou Vermelho e

Arareau que banham a cidade; rios Jorigue, Itiquira, Ponte de Pedra, Tadarimana,

Poxoréu, Poguba-Xoréu e o rio São Lourenço. Está na área de cerrados e cerradões,

vegetação tropical com algumas manchas florestais onde predominam terras de

cultura (TESOURO, 1993).

Rico em barro para a fabricação de telhas e tijolos, areia, cascalho e pedra

para a construção já apresentou grande quantidade de madeira de lei, principalmente

a peroba, o bálsamo e o cedro (TESOURO, 1993). Localizado em posição estratégica

conforme mostra a Figura 6, Rondonópolis é via de acesso obrigatória entre o Norte

e Sul do país desde a construção da rodovia Cuiabá-Campo Grande, depois parte da

BR 163 e da BR 364 até Brasília; devido a isto já foi chamada de “Portal da

Amazônia”.

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Figura 6 – Eixos viários que interligam Rondonópolis ao restante do Estado

Disponível em: www.dnit.gov.br

Outros já haviam passado por estas terras em busca de ouro e diamantes

como foi o caso de Antônio Cândido Carvalho e de João Arenas Teixeira; porém, os

pioneiros deste município chegaram em 1902 tocando boiada e abrindo caminhos no

sertão do Centro-Oeste. Foi durante o governo do Presidente Campos Sales (1898-

1902) e do governo estadual de Antônio Paes de Barros que o atual município

recebeu os seus primeiros habitantes vindos de Goiás, eles chegaram à margem de

um rio de cor avermelhada e com grande correnteza, o que os impediu de atravessar,

obrigando-os a montar acampamento. Este rio mais tarde viria a se chamar Rio

Vermelho ou Poguba, denominação indígena.

Estradas... não havia; foram feitas picadas com facão e foices, e por isso, num dado momento – depois de três/quatro meses de caminhadas - , eles ficaram impossibilitados de prosseguir viagem e se fixaram nas proximidades do rio Poguba. Com o tempo, as dificuldades foram aumentando, a ferida brava tomou conta de todos, eles começaram a passar necessidades, até chegarem ao estado de miséria mesmo! Nessa época, aqui não havia outros moradores a não ser índios... Assim, em 1905, Manuel Conrado vai até a Colônia Thereza Cristina – onde havia posto telegráfico – e passa um telegrama para o posto de Alemão, em Goiás, para seu irmão José Rodrigues, pedindo ajuda. (entrevista com Dona Nair descendente de Jerônimo Lopes Esteves, pioneiro que chegou ao vilarejo em 1915) (TESOURO, 1993, p.37).

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99

Foi às margens do Rio Vermelho que se deu o primeiro contato deste grupo

comandado por Manoel Conrado com os índios Bororo. Instalados às margens do rio

a família pioneira iniciou o desmatamento com o intuito de mais tarde plantar fumo.

Contudo, as típicas condições climáticas e os freqüentes ataques de animais silvestres

às poucas novilhas trazidas dificultaram a instalação do grupo, obrigando-os a

solicitar auxílio para parentes que teriam permanecido em Goiás e atraindo mais

famílias goianas para as terras recém-descobertas.

Chegando em Capim Branco – atual General Carneiro (MT) - o José Rodrigues deixou a família e, junto aos demais homens, veio fazendo picadas – porque aquelas que tinham sido feitas por Manuel Conrado já tinham desaparecido, o mato crescera até encontrar o irmão Manuel. Só depois, o seu José buscou a família e se fixou às margens do rio Poguba. (depoimento de Dona Nair descendente de Jerônimo Lopes Esteves, pioneiro que chegou ao vilarejo em 1915) ( TESOURO, 1993, p. 37).

A partir de 1906 mais famílias goianas vieram concretizar o povoamento do

vilarejo Rio Vermelho, primeiro nome de Rondonópolis. Organizaram-se

socialmente e começaram a trabalhar nas terras. Havia entre estes e os índios uma

relação baseada na troca, principalmente para circularem pela mata até outros

municípios vizinhos e a capital. Em 1915 Rio Vermelho já possuía 60 pessoas e era

considerada uma das terras com maior número de fazendas da região. Possuía uma

rua, uma escola, um professor, um “homeopatologista” (termo utilizado para

denominar o único médico local) e um dentista ambulante.

O vilarejo formado precisava ser reconhecido pelas autoridades estaduais;

assim, os seus moradores se reuniram para resolver este impasse junto ao governador

do Estado de mato Grosso, Joaquim da Costa Marques. Após diálogo com o grupo

sob a mediação do Major Otávio Pitaluga, o Governador promulgou o Decreto-Lei

395 de 19 de agosto de 1915 (apud TESOURO, 1993), no qual determinou a reserva

de 2.000 hectares para o povoado de Rio Vermelho, nome atribuído oficialmente

devido à sua localização às margens do Rio Vermelho.

O Major Otávio Pitaluga tornou-se protetor político de Rio Vermelho. Foi

técnico da Comissão Rondon e deputado estadual. Nascido em Cuiabá no ano de

1880, estudou nesta cidade até o curso secundário seguindo para Porto Alegre onde

se matriculou na escola militar e terminou sua formação no Rio de Janeiro com o

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curso geral de Arma de Infantaria. Retornou ao Mato Grosso e ingressou na vida

política.

Em decorrência do encontro com as autoridades mato-grossenses a antiga

estrada utilizada para chegar à capital foi ampliada pelos pioneiros goianos com o

objetivo de facilitar o tráfego para o comércio, que era feito por via terrestre, a

cavalo. Também era realizado por via fluvial, descendo por canoa e ancorando em

algumas aldeias indígenas, nas quais eram deixados alguns produtos cultivados na

região.

Tudo era fabricado em Rio Vermelho, com exceção do sal, do couro e do

azeite. Os tecidos eram confeccionados, assim como os calçados eram feitos pelo

sapateiro com pele de onça e couro de boi. Em fins de 1916, foi construída a primeira

casa de comércio de Rio Vermelho com a finalidade de fornecer às famílias que ali

residiam o fornecimento de certos produtos só encontrados na capital. O

abastecimento da casa de comércio era feito sempre que o estoque ficava reduzido e

o transporte das mercadorias se dava com carros de boi.

A vida social em Rio Vermelho era rica e dentre os festejos, o mais

comemorado era o de São João, que contava com a participação dos índios Bororo e

era onde estes aprendiam a falar a língua portuguesa. Além das danças típicas dos

colonos e dos Bororo, nas festas também se viam o cururu e a catira, ao som da viola

de cocho, o adufo e a viola de pinho1 que acompanhavam o cantor noite a dentro.

Em 1918, foram organizadas as instruções para a construção do povoado do

Rio Vermelho e a conservação do seu patrimônio autorizada pelo Secretário da

Agricultura do Estado de Mato Grosso e referendada pelo agrimensor Otávio

Pitaluga. As instruções por ele assinadas determinavam que o patrimônio de Rio

Vermelho seria dividido em três zonas: a urbana, a suburbana e a rural. As instruções

também se referiram às confecções das casas no perímetro urbano, determinando que

para manter as condições de higiene deveriam escoar para as águas pluviais e os

dejectos dos animais e demais detritos orgânicos deveriam ser conduzidos para

fossas afastadas das residências.

1 O cururu e a catira são danças típicas mato-grossenses, e a viola de cocho, o adufo e a viola de pinho são os instrumentos musicais típicos da região.

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Quanto à apropriação das terras, o documento instruía que os moradores

interessados deveriam destinar uma petição apresentando as suas intenções e

compromissos de ocupação para o administrador, nomeado pelo governo do Estado

de Mato Grosso, e que teria o poder de conceder ou não o deferimento. Não há

nenhuma referência neste documento das terras ocupadas pelos índios.

Com a sua oficialização as fazendas foram transferidas para o perímetro rural

a fim de estabelecer melhores condições, convívio e bem-estar aos habitantes de Rio

Vermelho. Entretanto, com esta nova organização do vilarejo também foi proposta a

mudança do seu nome para Rondonópolis, sendo isto um dos motivos de afastamento

de algumas famílias pioneiras que viam neste momento os seus esforços subjugados.

Assim, em março de 1919 foi alterado o nome de Rio Vermelho para Rondonópolis.

Este nome surgiu da vontade de homenagear Cândido Rondon como desbravador do

Centro-Oeste por ocasião da instalação das Linhas Telegráficas.

Na década seguinte, o principal meio de comunicação, devido à rapidez e

conforto, foram as lanchas. Em fevereiro de 1920 Rondon enviou para Rondonópolis

a primeira lancha, destinada a atender os índios Bororo, e levava o nome de Rosa

Bororo em homenagem à índia que, segundo as tradições, intermediou a paz entre os

Bororo e os colonos portugueses na ocasião do contato em 1719. Depois dela, muitas

pararam no porto do Rio Vermelho entre estas a 13 de Junho, a Atalaia, a Estrela e a

Eskafa, que inclusive serviam para o transporte de madeira para outros portos com

fins comerciais. Foi ainda na década de 20 que muitas estradas foram construídas no

Mato Grosso, entre elas cita-se a que ligou Chapada dos Guimarães a Rondonópolis,

Cuiabá a Rondonópolis, Rondonópolis a Campo Grande e Rondonópolis a Santa Rita

do Araguaia (atualmente Alto Araguaia), sendo Rondonópolis o ponto intermediário

entre a capital e as outras.

Com a morte de O. Pitaluga, em 1929, Rondonópolis entrou na década

seguinte sem perspectivas de desenvolvimento, enfrentando a maior fase de

paralisação. No ano de 1938, conforme o Decreto-Lei nº 208, de 26 de outubro,

Rondonópolis passou a ser distrito de Poxoréu, município vizinho (CURY, 1973).

Na década de 40 foram iniciadas as lutas para o renascimento de

Rondonópolis, com o apoio de Rondon. Foram abertos novos comércios e uma

pousada para os viajantes que por lá passavam e utilizavam a balsa do Rio Vermelho

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para seguir viajem. Nesta ocasião se destacaram dois líderes Bororo, Tugore e

Cadete. Tugore, admirado pela sua sagacidade, recebeu de Rondon as condecorações

com a farda e a espada de General. Cadete foi o seu sucessor e auxiliou Rondon nas

suas empreitadas tendo sido designado pelos índios da tribo como “cacique das

aldeias de todas as tribos Bororos desta região” (CURY, 1973, p. 79). Foi

considerado pelos demais como um grande curandeiro e participou com Rondon de

uma das cerimônias do SPI no Rio de Janeiro, juntamente com outros chefes de

tribos, inclusive Parecis.

TESOURO (1993) relata que foi a partir de 1947 que Rondonópolis entrou

numa nova fase na qual o objetivo dos governos federal e estadual foi de instalar e

desenvolver o sistema capitalista na região com os seus elementos já conhecidos; o

mercado interno deveria ser consumidor dos produtos industrializados à medida que

aumentasse o seu poder de consumo, ao mesmo tempo que deveriam fornecer

matérias-primas e ser o celeiro de alimentos.

O sistema adotado pelo governo para povoar as terras de Rondonópolis foi o

de colônias. O colono tinha a responsabilidade de reproduzir a sua força de trabalho,

desmatar as terras e abastecer o mercado com as suas roças de milho, feijão,

mandioca e algodão, enquanto pudessem manter os seus lotes. No período de 1947 a

1950 os emigrantes vinham requerer do governo estadual os lotes gratuitos.

Para os colonos, a conquista de um pedaço de terra em que pudessem plantar

representava a conquista de um sonho, por isto observou-se grande fluxo migratório

para Rondonópolis. Assim, a região ficou recortada em pequenas propriedades, sítios

de 20 a 50 hectares, as agrovilas, formadas principalmente por matas. Nas agrovilas

foi criada uma sede em que os moradores deveriam construir as suas casas e estas

deveriam estar próximas das terras em que trabalhariam.

O processo de ocupação ocorrido entre os anos de 1947 e 1950 demonstra

que estes pequenos produtores eram antigos garimpeiros da região ou oriundos da

região nordestina. Todos desenvolveram culturas tradicionais, bem como a cria e

recria de gado para o consumo de carne e leite. A produção era do tipo familiar, com

baixa produtividade e pequeno comércio quando havia produção de excedentes.

Além dos objetivos governamentais destacados por TESOURO (1993),

CURY (1973) ressalta que Rondon tinha um sonho: ver Rondonópolis prosperar.

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103

Para tanto trouxe até Rondonópolis uma equipe de fotógrafos, repórteres e

jornalistas, dentre eles o professor Tertuliano Vieira Albergaria e o jornalista

Luciano Carneiro, com o intuito de conhecer e divulgar a região para o resto do

Brasil. O professor Tertuliano tinha fama de ser um grande propagandista e

levantador de cidades em diversos estados brasileiros. Assim, Rondon se voltou para

a última tentativa: a propaganda.

A notícia se espalhou levando até os outros estados a imagem de uma terra

farta e com futuro promissor. Os primeiros carros de transporte de passageiros se

estabeleceram e começaram a transportar os interessados, mas estes também

chegavam das mais variadas maneiras: a pé, pedindo carona ou sobre a carroceria de

caminhões. Alguns problemas surgiram porque o professor e o propagandista

venderam terras devolutas por diversas vezes de maneira que vários donos

reclamaram a posse dos terrenos.

A finalidade da Colonizadora Noretama do Tertuliano Albergaria, era a de trazer gente e povoar parte desta nossa região. Por isso, eu afirmo, com todas as letras que Rondonópolis foi formada a partir da mentira deslavada do Albergaria, que confeccionou inclusive mapas lindíssimos que mostravam, em desenhos, pessoas cortando madeira grossas – cedro – que eram jogadas no rio, enquanto outros homens já estavam esperando em Corumbá para vendê-las. (depoimento do Sr. Apotâmeo que foi um dos emigrantes ludibriados por Albergaria) (TESOURO, 1993, p. 44).

Devido aos freqüentes desentendimentos pela posse das terras “compradas”

foi necessário a nomeação do primeiro Delegado de Polícia de Rondonópolis; mesmo

assim, os problemas persistiram e a saída para os colonos foi se estabelecer nos

terrenos ainda não ocupados povoando áreas vizinhas a Rondonópolis. Diante desta

situação, o Governador do estado, Dr. Arnaldo Estevam de Figueiredo, enviou

auxílio para os colonos fornecendo mantimentos e ferramentas para a lavoura, além

de medicamentos e recursos para o controle especialmente da malária. O incentivo

destinado a Rondonópolis estimulou a vinda de mais imigrantes para a região.

No início do governo seguinte, de Fernando Correa da Costa, a doação das

terras devolutas foi interrompida e os seus títulos definitivos foram concedidos, mas

também foi interrompida a entrega de produtos e equipamentos agrícolas

proporcionando um mercado de trabalho em que a força humana era necessária para

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a abertura de novos pastos e roças, principalmente de arroz. Porém, um pedaço de

terra e algum maquinário não foram suficientes para manter grande parte da

população instalada, pois lhes faltavam escola, saúde e preço justo pelas suas

mercadorias; por isto, muitos venderam as suas propriedades para novos ocupantes,

grandes fazendeiros da região ou de outras regiões que queriam investir em terras

mato-grossenses. Estes foram comprando as pequenas propriedades que se

avizinhavam e formando os grandes latifúndios encontrados na atualidade.

Frente a tantos desencantos, a Igreja cumpriu um duplo papel: primeiro, de

divulgar a fé e, segundo, de estabelecer a educação como salvação para todos os

males da pobreza caracterizando o processo de enraizamento das pessoas no local.

Foi D.Vunivaldo tanto em Rondonópolis, quanto nos outros municípios por onde

passou, que investiu e acreditou no poder da educação. Em todas as comunidades em

que viveu sempre associou à capela uma escola, estas mais tarde foram encampadas

pelo governo estadual que assumiu a remuneração dos professores.

Em 1953 Rondonópolis foi elevada a município pela Lei nº 666, de 10 de

dezembro (CURY, 1973). E, com a chegada dos fazendeiros na década de 50,

formando propriedades de até 300 alqueires, Rondonópolis passou a comercializar

com grandes indústrias o algodão e o arroz produzido. Entretanto, ainda nesta época

a preferência dos investimentos era na pecuária, pois esta não apresentava as

incertezas da agricultura. Renascida na década de 40, Rondonópolis deu o seu salto

para o desenvolvimento na década de 60 quando chegaram os primeiros postes e fios

de energia elétrica.

TESOURO (1993) destaca que nesta década a maior parte da população

estava na área rural, o que demonstra que Rondonópolis se alicerçou no

fortalecimento da agropecuária e num comércio crescente. Contudo, apresentava um

setor de serviços insuficiente e um setor secundário quase inexistente, com apenas

cinco estabelecimentos industriais dos quais, uma madeireira, três fábricas de

produtos alimentícios e uma fábrica de bebidas.

Os primeiros investimentos na pecuária consistiram na criação de gado

leiteiro e de corte; depois, cada criador optou especificamente por um ou outro tipo,

dentre eles as raças Gir, Nelore e Holandesa. Contudo, havia um mercado restrito

para o comércio do leite, que dependia das carrocinhas que percorriam as ruas da

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cidade; para o abatimento do gado e a distribuição da carne bovina os fazendeiros

dependiam dos frigoríficos do Sudeste.

Outras dificuldades encontradas por estes fazendeiros também eram quanto

aos recursos para investimentos, os quais, obtidos nos bancos, apresentavam altas

taxas de juros, e quanto à inexistência de um pasto que suportasse as condições

climáticas da região. Foi então que os profissionais da EMBRAPA, nas décadas de

70 e 80, descobriram um tipo de semente para a formação de pasto, utilizada na

África, que se adaptou às terras do cerrado aumentando o número e a quantidade das

áreas de pastagens. Com esta descoberta foi facilitado o plantio do capim e os

fazendeiros foram abandonando o desmatamento das terras de cultura que somente

após as queimadas permitiam o nascimento de novas pastagens nativas.

Assim, o processo de colonização de Rondonópolis foi baseado na doação e

posterior venda de terras levando à necessária criação de um Cartório de Registro de

Imóveis local para facilitar e agilizar o registro dessas propriedades. Em 1959,

ocorreu a criação da comarca de Rondonópolis que até então pertencia a comarca de

Cuiabá.

O desenvolvimento da pecuária propiciou novas formas de comércio como o

arrendamento de terras para a criação do gado, esta prática chegou a alcançar lucros

de 45% para os proprietários das áreas pastoris. Este sistema de arrendamento teve

duração até o governo do Presidente Castelo Branco, de 1964 a 1967, que deu direito

aos arrendatários que permanecessem nela por mais de dois anos requerer a sua posse

definitiva baseado no pressuposto de que o legítimo proprietário da terra é quem

trabalha nela.

Em 1965 ocorreu a primeira Exposição Agropecuária e Industrial de

Rondonópolis realizada no pátio do Ginásio Estadual do município, alguns anos mais

tarde foi construído o primeiro Parque de Exposição que até hoje estimula intenso

comércio e divulga produtos agropecuários na região.

Foi nas décadas de 70 e 80 que ocorreu intenso aporte migratório de sulistas

que entusiasmados com os baixos preços das terras do cerrado, tidas como

improdutivas, transformaram-nas em extensos latifúndios de arroz e principalmente

de soja. Enquanto os pecuaristas aumentavam os seus rebanhos, também os sulistas

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investiam no plantio da soja ao longo da BR 163 beneficiando-se de tecnologia

específica para a germinação de grãos nas terras de Mato Grosso.

Atualmente, a área de Rondonópolis é de 4.165,23 km² representando

0.4611% do estado, 0.2602 % da região e 0.049 % de todo o território brasileiro;

pertence a microrregião de saúde Sul Mato-grossense, mesorregião Rondonópolis,

segundo classificação do IBGE, e região de planejamento político administrativo

Sudeste, cuja sede é o próprio município.

No ranking dos municípios mais populosos do estado, Rondonópolis assumiu

em 2000 o terceiro lugar com 150.227 habitantes e se manteve no último censo

demográfico de 2007 (resultados preliminares) na terceira colocação com pouco mais

de 160.000 habitantes. Também está na 15ª colocação na lista dos municípios com

melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado (ABUTAKKA e

LIMA, 2006). O IDH deste município de acordo com dados do

PNUD/IPEA/FIP/IBGE (2000 apud ABUTAKKA e LIMA, 2006) apresentou valores

de 0,761 para longevidade, 0,722 para renda e 0,890 para educação.

O índice educacional neste município acompanhou a tendência do restante da

nação, isto é, foi responsável pelo aumento do IDH - M (valor médio) mostrando um

nível médio de qualidade de vida dos seus munícipes, com valor total de 0,791

(AMM, 2007).

Rondonópolis se destaca como um dos maiores produtores de leite mato-

grossenses, pertencendo ao grupo de municípios que compõem a chamada Bacia

Leiteira de Jaciara. De acordo com os dados divulgados pela Associação dos

Municípios Mato-Grossenses (AMM), os rebanhos com maior expressão em 2002

foram: rebanho bovino, com 319.369 cabeças; galinhas, com 81.446; galos,

apresentando 53.905 cabeças; e, suinocultura com 43.647 unidades. Na agricultura,

as lavouras permanentes que se destacam são: os plantios de banana, 162 mil cachos;

borracha, 167 toneladas em látex coagulado; côco-da-baía, 800 mil frutos e laranja,

300 mil frutos. Rondonópolis também investe em lavouras temporárias das quais se

destacam a do abacaxi, do algodão arbóreo, este em 11ª classificação no ranking dos

maiores produtores do estado, arroz, feijão, mandioca, milho, soja e sorgo.

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Outra atividade exercida é a extração vegetal com os seguintes valores em

toneladas: carvão vegetal, 187t; lenha, 46.692t e madeira em tora, 139t (AMM,

2007).

No seu território está localizada a Terra Indígena Tadarimana da etnia

Bororo, homologada em 29 de outubro de 1991, pelo Decreto 300 (BRASIL, 1991)

apresentando uma extensão de 9.785ha (ISA, 2007). A administração regional é

responsabilidade da instância FUNAI/Rondonópolis. A saúde dos Bororo nela

residentes está sob a responsabilidade do DSEI Cuiabá, Pólo-Base Rondonópolis.

Nesta Terra Indígena existem quatro aldeias: aldeia Tadarimana com

aproximadamente 235 pessoas, aldeia Pobore com 27, aldeia Praião com 38

integrantes e aldeia Jurigue, com 29 componentes (FUNDAÇÃO NACIONAL DE

SAÚDE, 2007). Contudo faz-se necessário considerar que a população indígena

Bororo está distribuída em mais cinco Terras Indígenas, conforme mostra o Quadro

2.

Quadro 2 - As Terras Indígenas Bororo em outros municípios mato-grossenses Terras Indígenas

Município Área População FUNAI (Regional)

FUNASA (DSEI)

Situação Jurídica

Jarudore

Poxoréu 4.706ha

Sem registros

Rondonópolis

Cuiabá

RESERVADA Dec. 684 31.12.1945

Merure

General Carneiro e Barra do Garças

82.301ha

524 pessoas da etnia Bororo

Rondonópolis

Cuiabá

HOMOLOGADA Dec. 94.014 11.02.1987

Perigara

Barão de Melgaço

10.740ha

96 pessoas da etnia Bororo

Cuiabá

Cuiabá

HOMOLOGADA Dec. 385 24.12.1991

*Sangradouro

Poxoréu, Novo São Joaquim e General Carneiro

100.280ha

858 pessoas das entre as etnias Bororo e Xavante

Barra do Garças

Xavante

HOMOLOGADA Dec. 249 29.10.1991

Tereza Cristina

Santo Antônio do Leverger

34.149ha

358 pessoas da etnia Bororo

Rondonópolis

Cuiabá DECLARADA Prt. 1.134 30.09.2005

Fonte: ISA, 2007;BRASIL, 1987, 1991. * Esta Terra Indígena comporta duas etnias: a Bororo e a Xavante e já foi denominada de Terra Indígena de Volta Grande.

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5.7.1 O SISTEMA MUNICIPAL DE SAÚDE DE RONDONÓPOLIS

No início do século XX, com a chegada dos goianos, os cuidados em saúde

eram realizados conforme o conhecimento tradicional das famílias recém-chegadas e

dos índios que conheciam os segredos das plantas nativas. Em 1925 chegou o

primeiro grupo de estrangeiros formado por 40 americanos, dentre eles um casal de

médicos protestantes que, além de dar assistência médica à população, atendia os

vilarejos vizinhos e as aldeias indígenas.

Com o decorrer do tempo e com o aumento da incidência de doenças

tropicais, entre elas a difteria, a febre amarela, o impaludismo e o “fogo selvagem”,

sendo esta até hoje diagnosticada na região, surgiu a necessidade da atenção clínica

especializada. Nestes tempos, décadas de 40 e 50, os colonos recebiam assistência

médica e farmacológica com a vinda periódica de médicos da capital. Em 1953 foi

fundado o primeiro hospital que recebeu o nome de “Hospital Samaritano” contando

com 22 aposentos, 21 leitos, sala de cirurgia e laboratório.

O seguinte depoimento evidencia a construção do sistema municipal de saúde

em Rondonópolis tendo em vista os princípios de regionalização e hierarquização

dos serviços de saúde: “Nossa eu cheguei aqui há 11 anos atrás, eu passei no

concurso, eu vim cair no Pronto Socorro do município onde nunca tinha havido

enfermeira antes, naquela época ainda você lavava a seringa de vidro” (Entrevistado

25, maio, 2007).

Os investimentos no setor do agronegócio no início desta década levaram a

um significativo incremento dos serviços de saúde da rede pública e privada, atraindo

profissionais das diversas regiões do país, os quais, semelhantemente ao período de

colonização, vieram em busca do “El Dorado”, como nos conta o relato a seguir:

Rondonópolis era uma cidade que tinha um único hospital que era a Santa Casa [...] por muito tempo os médicos que chegavam eventualmente não podiam entrar naquele lugar [...]. No governo do Blairo que foi o prima do governo [...] então eles tinham muito dinheiro, muito dinheiro mesmo [...] o que aconteceu? Expansão de serviços na regional fizeram o Hospital Regional que estava aí parado e expandiu serviços em todos os lugares [...]. Então era esta a realidade aqui, sobrava dinheiro [...]. Quando expandiu os serviços, que fizeram o Hospital Regional, o Samu, o PA, começou a vir médicos novos e aí a qualidade começou a aumentar um pouco porque

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essas pessoas [...] vieram pra trabalhar no Hospital Regional e foram absorvidos pela Santa Casa [...] (Entrevistado 3, maio, 2007).

Portanto, com a implantação do SUS no final da década de 1980 e o processo

de descentralização e regionalização validado através das NOBs e Normas de

Assistência à Saúde (NOAS), que vieram nos anos seguintes, fizeram de

Rondonópolis a principal referência para atenção à saúde de seus habitantes e dos

munícipes vizinhos. Atendendo aos pressupostos da NOAS SUS 01/02

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) este município, que conta com aproximadamente

160.000 habitantes, está localizado na Microrregião Sul Mato-grossense, cuja área é

de 89.476.23 km2, a qual apresenta cerca de 390 mil habitantes (MATO GROSSO,

2006).

A Microrregião Sul Mato-Grossense compõe-se de 19 municípios, todos

habilitados de acordo com a NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002), a

saber: Alto Araguaia (Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada – GPAB-A); Alto

Garças (GPAB-A); Alto Taquari (GPAB-A); Araguainha (GPAB-A); Campo Verde

(GPSM); Dom Aquino (GPAB-A); Guiratinga (GPAB-A); Itiquira (GPAB-A);

Jaciara (Gestão Plena do Sistema Municipal - GPSM); Juscimeira (GPAB-A);

Paranatinga (GPAB-A); Pedra Preta (GPSM); Poxoréu (GPAB-A); Primavera do

Leste (GPSM); Rondonópolis (GPSM); Santo Antônio do Leste (GPAB-A); São José

do Povo (GPAB-A); São Pedro da Cipa (GPAB-A); e, Tesouro (GPAB-A).

A sede do Escritório Regional de Saúde (ERS) fica no município de

Rondonópolis a 220 km da capital Cuiabá.

A Figura 7 mostra a disposição dos módulos assistenciais tendo como

referência a metodologia estabelecida pela NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2002) para a microrregião Sul Mato-Grossense. Esta microrregião

apresenta oito módulos assistenciais dentre estes quatro são módulos assistenciais

para sua própria população: Dom Aquino, Pedra Preta, Guiratinga e Alto Araguaia.

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Figura 7 - Os Módulos Assistenciais da Microrregião Sul Mato-grossense

Inserir mapa

Primaverado Leste

Santo Antôniodo Leste

Poxoréu

Tesouro

Guiratinga

Araguainha

Alto Taquari

Alto Araguaia

Itiquira

Pedra Preta

SãoJosédo Povo

Rondonópolis CIS

Juscimeira

São Pedroda Cipa

Alto Garças

Dom Aquino

CampoVerde

Mato Grosso : Microrregião Sul Matogrossense e a Configuração de Módulos Assistenciais

Jaciara

Município Adscrito ao Módulo Assistencial

Mapas :

Município Módulo Assistencial para sua própria população

LEGENDAS

Município Sede deMódulo Assistencial

Sigla: CIS

Indicam o Município sede do Consórcio Intermunicipal de Saúde

Paranatinga

Indicam que a sede de módulo da microrregião coincide com o Município Polo

Indicam a sede de módulo de referência para aquele Município

Setas negras:

Setas vermelhas :

Município Habilitado em Gestão Plena Municipal

Fonte: SES / SAI -MT. AGO/2005

Equipe PDR

Fonte: MATO GROSSO, 2006a.

O primeiro módulo assistencial compreende quatro municípios: Jaciara, Dom

Aquino, São Pedro da Cipa e Juscimeira. Sua sede é Jaciara que referencia para

Rondonópolis os pacientes que necessitam de procedimentos M2, M3 e AC. O

município de Jaciara está habilitado em GPSM e conta com quatro especialidades

hospitalares: cirurgia, pediatria, obstetrícia e clínica médica.

O segundo módulo assistencial da microrregião Sul Mato-grossense tem sede

em Campo Verde. Este município, também habilitado em GPSM, é módulo

assistencial para os seus próprios munícipes e referencia para Rondonópolis os

procedimentos de M2, M3 e AC. O terceiro módulo assistencial tem sede em

Primavera do Leste, habilitado em GPSM, sendo referência para os munícipes de

Santo Antônio do Leste. A partir do município sede os pacientes são encaminhados

para Rondonópolis em casos de M2, M3 e AC.

O quarto módulo é o de Guiratinga cujo município é módulo para os seus

próprios munícipes, encaminhando para Rondonópolis somente para procedimentos

M2, M3 e AC.

O quinto módulo semelhante ao anterior, é em Pedra Preta, cuja habilitação

de acordo com a NOAS SUS 01/02 é em GPSM. Este município somente referencia

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111

para Rondonópolis procedimentos M2, M3 e AC, e não é referência para nenhum

outro município.

Dom Aquino, módulo assistencial para ele mesmo, é o sexto módulo

assistencial da microrregião e referencia os seus munícipes em procedimentos M1

para o município de Jaciara. O sétimo módulo é o de Alto Araguaia, sendo ele

também um módulo em si mesmo, referenciando os seus munícipes para

Rondonópolis para procedimentos M2, M3 e AC.

O último módulo, cuja sede é o município de Rondonópolis, é referência para

procedimentos de média complexidade nível 1 (M1) para os munícipes de nove dos

dezenove municípios da Microrregião Sul Mato-grossense: Itiquira, Alto Taquari,

Alto Garças, Araguainha, Tesouro, Poxoréu, São José do Povo, e Paranatinga, e para

os seus próprios munícipes. Oferece também alguns procedimentos de média

complexidade nível 2 (M2) e nível 3 (M3) para todos os municípios da microrregião

e referencia para Cuiabá parte dos pacientes psiquiátricos, cirurgia obstétrica, clínica

médica e pediátrica, além dos pacientes de alto risco.

Rondonópolis também assume o papel de município-pólo para:

• Região Sul/Microrregião Sul: Alto Taquari, Araguainha, Campo Verde, Dom

Aquino, Guiratinga, Itiquira, Juscimeira, Paranatinga, Pedra Preta, Poxoréu,

Primavera do Leste, São José do Povo, São Pedro da Cipa, Santo Antônio do

Leste e Tesouro;

• Região Leste: Campinápolis, Cocalinho, Ribeirão Cascalheira, Ribeirãozinho,

São José do Xingu e Torixoréu;

• Região Centro-Norte: Santo Antônio do Leverger;

• Região Norte Mato-Grossense: União do Sul e Vera.

A rede física municipal instalada para atender as necessidades ambulatoriais

de saúde da população regional, conforme mostra a Tabela 10, conta com três postos

de saúde, cinco centros de saúde, uma policlínica, um ambulatório hospitalar –

Hospital Municipal de Rondonópolis - um centro de especialidades (CEADAS), uma

clínica de fisioterapia – Centro de Reabilitação do Deficiente Físico Nilmo Junior,

três centros odontológicos, uma unidade de terapia renal substitutiva, 27 unidades de

saúde da família na zona urbana e duas na área rural, um laboratório central para

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112

análises clínicas, oito farmácias básicas e uma farmácia de manipulação, uma central

de regulação, uma central de ambulância, dois Centros de Atendimento Psicossocial

(CAPS) e um centro de dermatologia.

Tabela 10 - Unidades prestadoras de serviço ambulatorial em Rondonópolis

Rede Ambulatorial Unidades Feder

al Estadual Municip

al Filantrópica

Privada Outros

Total

Posto de Saúde - - 03 - - - 03 Centro de Saúde - - 05 - - - 05 Policlínica - - 01 - - - 01 Ambulatório de Hospital Geral - 01 01 01 - - 03 Centro de Especialidades - - 01 - - - 01 Clínica de Fisioterapia e Reabilitação - - 01 - - - 01 Centro Odontológico - - 03 - - - 03 Unidade de Coleta e Transfusão (UCT) - 01 - - - - 01 Banco de Sangue - 01 - - 01 - 02 Agência Transfusional (AT) - 01 - - - - 01 Unidade de Terapia Renal Substitutiva - - 01 - - - 01 Unid. De Saúde da Família – Z. Urbana - - 27 - - - 27 Unid. Saúde Família – Z. Rural - - 02 - - - 02 Lab. Central Análise Clínica - 01 01 - - - 02 Farmácia Básica - - 08 - - - 08 Central de Regulação - 01 01 - - - 02 Central de Ambulância - - 01 - - - 01 CAPS - - 02 01 - - 03 Farmácia de Manipulação - - 01 - - - 01 Centro de Dermatologia - - 01 - - - 01 Fonte: MATO GROSSO, 2006b.

A rede ambulatorial municipal se completa com unidades de serviço de saúde

estaduais, a saber: um ambulatório hospitalar estadual localizado na área

ambulatorial do Hospital Regional Irmã Elza Giovanela, uma unidade de coleta e

transfusão (UCT) estadual, um banco de sangue estadual, uma Agência

Transfusional (AT) estadual, um laboratório central de análises clínicas estadual e

uma central de regulação. Já a iniciativa privada contribui com uma unidade de

coleta de sangue e a filantrópica com um ambulatório hospitalar e um Centro de

Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS), ambos vinculados ao Hospital

Paulo de Tarso.

Conforme mostra Tabela 11 a rede hospitalar é composta por um hospital

estadual, o Hospital Regional Irmã Elza Giovanela, um municipal, o Hospital e

Pronto-Socorro de Rondonópolis, um filantrópico, o Hospital Paulo de Tarso e dois

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113

hospitais privados, a Santa Casa de Misericórdia com atendimento obstétrico e

pediátrico e o Hospital São José, com atendimento pediátrico. O Hospital Regional

Irmã Elza Giovanella oferece serviços em traumato-ortopedia, oftalmologia,

otorrinolaringologia, neurologia e cardiologia, além de dispor de uma unidade de

pronto socorro e é referência para internações em urgência e emergência para toda a

população da microrregião através do Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS) Sul

Mato-grossense constituído em 1998 e que conta com a adesão dos 19 municípios,

conforme é mostrado na Tabela 12.

Tabela 11 – Hospitais que compõem a rede do SUS de Rondonópolis REDE HOSPITALAR Unidades Federal Estadual Municipal Filantrópica Privada Outros Tota

l Hospital Geral - 01 01 01 02 - 05 Hospital Psiquiátrico

- - - 01 - - 01

Pronto Socorro Geral

- 01 01 - - - 02

Outros - - - - - - - Fonte: MATO GROSSO, 2006b.

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114

Tabela 12 - Municípios que compõem o CIS Sul Mato-grossense Ano e nº total de habitantes por município Município 2002 2003 2004 2005 2006

Extensão Km2222

Alto Araguaia

11.545 11.607 11.738 11.811 11.884 5.538

Alto Garças 8.341 8.344 8.350 8.353 8.348 3.660 Alto Taquari 4.784 4.926 5.226 5.392 5.556 1.395 Araguainha 1.339 1.332 1.319 1.312 1.304 689 Campo Verde 19.587 20.685 22.991 24.267 25.532 4.795 Dom Aquino 8.346 8.313 8.243 8.204 8.168 2.205 Guiratinga 12.201 11.995 11.562 11.323 11.084 5.358 Itiquira 9.451 9.568 9.813 9.949 10.083 8.634 Jaciara 24.849 25.337 26.363 26.930 27.494 1.659 Juscimeira 12.298 12.406 12.635 12.762 12.889 2.205 Paranatinga 15.481 15.545 15.681 15.755 15.830 24.178 Pedra Preta 14.113 14.346 14.835 15.106 15.375 4.193 Poxoréo 19.220 18.845 18.056 17.619 17.186 6.923 Primavera de Leste

45.608 48.278 53.881 56.982 60.059 5.472

Rondonópolis 155.803 158.391 163.824 166.830 169.811 4.165 Santo A. Leste

1.975 2.020 2.113 2.165 2.216 3.597

São José do Povo

3.080 3.091 3.113 3.126 3.142 444

São Pedro da Cipa

3.536 3.556 3.596 3.618 3.639 344

Tesouro 2.832 2.693 2.402 2.242 2.084 4.017 TOTAL 374.389 381.278 395.741 403.746 411.684 ---- Fonte: MATO GROSSO, 2006b.

Outras unidades e serviços completam a rede de serviços do Sistema Único

de Saúde em Rondonópolis conforme mostra a Tabela 13.

Tabela 13 - Demais unidades e serviços que compõem a rede do SUS em Rondonópolis Unidades Federal Estadual Municipal Filantrópica Privada Total Centro de Zoonoses

- - 01 - - 01

Serviço de Vigilância Sanitária

-

01

01

-

-

02

Laboratório de Análises Clínicas

-

01

01

01

10

13

Serviço de Radiodiagnóstico Médico

-

01

02

01

02

06

Serviço de Radiodiagnóstico Odontológico

-

-

02

-

02

04

Unidade Móvel - 02 08 - - 10 Outros (odontomóvel)

-

-

01

-

-

01

Samu - - 01 - - Fonte: MATO GROSSO, 2006b.

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115

6 A FORMULAÇÃO DO SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE

INDÍGENA

A saúde das populações indígenas na época da colonização era assistida pelos

missionários que tinham como “missão” a sua catequização. Já no século XX com a

expansão das fronteiras econômicas para o Centro-Oeste do Brasil e a construção das

linhas telegráficas e das ferrovias houve intenso massacre dos índios que habitavam

essas terras, especialmente o Mato Grosso. Foi criado, então, o Serviço de Proteção

ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN). Este órgão estava

vinculado ao Ministério da Agricultura e se destinava a “proteger” aquelas

populações, visando a sua integração progressiva à sociedade nacional, bem como a

integração das suas terras ao sistema produtivo nacional. Mais tarde a denominação

mudou para Serviço de Proteção ao Índio (SPI), mas a atenção à saúde dos povos

indígenas continuou de forma desorganizada e esporádica.

Na década de 50 foi criado o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA),

vinculado ao Ministério da Saúde, que tinha por finalidade levar até essas populações

as ações básicas de saúde que incluíam a vacinação, o atendimento odontológico e o

controle da tuberculose e de outras doenças transmissíveis.

Em 1967 o SPI foi extinto e no seu lugar foi criada a Fundação Nacional do

Índio (FUNAI), vinculada ao Ministério da Justiça. Baseada no sistema do SUSA, a

FUNAI criou as Equipes Volantes de Saúde (EVS), que realizavam atendimentos

esporádicos de consulta médica, imunização e supervisão do trabalho dos auxiliares e

atendentes de enfermagem residentes em áreas indígenas (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2002c). Devido à falta de recursos e à organização inadequada da

assistência, entre outros motivos, as EVS foram se fixando nos centros urbanos e

tornando ainda mais esporádica a sua presença nas aldeias. Na realidade, poucos

destes integrantes eram qualificados para prestar atendimentos em saúde,

especialmente os que ficavam nas terras indígenas executando ações assistenciais

curativas e emergenciais.

Na década de 80, no contexto da redemocratização do país, o Movimento de

Reforma Sanitária teve na VIII Conferência Nacional de Saúde (MINISTÉRIO DA

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116

SAÚDE, 1986a) traçadas as novas bases da Política Nacional de Saúde. Esta

Conferência e a seguinte (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1993a) propuseram a

realização de outras duas conferências que tratassem especificamente da atenção à

saúde indígena: a I Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio (I CNPSI)

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1986a) e a II Conferência Nacional de Saúde dos Povos

Indígenas (II CNSPI) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1993b), realizadas

respectivamente, nos anos de 1986 e 1993. Ambas defenderam a elaboração de um

modelo diferenciado e baseado na estratégia de Distritos Sanitários Especiais

Indígenas (DSEI), como meio para garantir a esses usuários o acesso universal e

integral à saúde. Voltado para as necessidades percebidas pelas comunidades os

DSEIs deveriam garantir a participação destes usuários desde o planejamento até a

execução da política de saúde indígena ainda a ser elaborada.

A elaboração da proposta dos DSEIs teve por fundamentação a Constituição

Federal Brasileira (BRASIL, 1988) que reconheceu e afirmou a importância das

organizações socioculturais dos povos indígenas assegurando-lhes a capacidade civil

plena, tornando obsoleta a tutela e estabelecendo a competência da União para

legislar e tratar das questões que os envolvessem.

Em 1999, o Decreto 3.156, de 27 de agosto (BRASIL, 1999a), dispôs sobre

as condições para a prestação de assistência à saúde dos povos indígenas no âmbito

do SUS, alterando os dispositivos do Decreto 564 de 8 de junho de 1992 (BRASIL,

1992) e do Decreto 1.141 de 19 de maio de 1994 (BRASIL, 1994). De acordo com

este último as atividades de prevenção à saúde eram de responsabilidade da

FUNASA e as de assistência da FUNAI, se tornando conhecido ironicamente entre

os profissionais de saúde como o Decreto da atenção à saúde do “índio em pé” e do

“índio deitado”.

O Decreto 3.156/99 estabeleceu a responsabilidade da União sobre a saúde

indígena, respeitando os princípios e diretrizes do SUS. Enfatizou que as ações e

serviços prestados não deveriam prejudicar as que fossem desenvolvidas pelos

municípios e estados. Assegurou ainda, que ao Ministério da Saúde caberia a

formulação de políticas voltadas para a promoção, prevenção e recuperação da saúde

destas populações. Tais ações deveriam ser executadas pela Fundação Nacional de

Saúde (FUNASA) por intermédio dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas

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117

(DSEI) em terras indígenas, assegurando a atenção básica. Dentre as diretrizes

traçadas é de particular importância para este estudo a garantia de acesso aos índios e

às comunidades indígenas às ações de nível primário, secundário e terciário do

Sistema Único de Saúde. O Decreto 3.156/99 também dispôs sobre a formação dos

Conselhos Indígenas Distritais e Locais, suas atribuições e composição, atendendo ao

princípio de participação social no SUS.

Verifica-se a partir deste Decreto que toda a elaboração do modelo de atenção

à saúde indígena recomendado pelas Conferências de Saúde Indígena segue a

corrente de pensamento balizada pelo caráter prescritivo das estratégias, no qual o

ato de pensar precede a execução das ações não proporcionando o aprendizado e

acarretando a inconsistência do modelo, como veremos ao longo deste trabalho.

Tendo em vista as competências dos municípios de caráter facultativo

previstas no Decreto 3.156/99 (BRASIL, 1999a), o Ministério da Saúde estabeleceu,

através da Portaria 1.163, de 14 de setembro de 1999 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

1999a), as responsabilidades na prestação da assistência à saúde dos povos indígenas

e criou os fatores de incentivo para a atenção básica e de assistência ambulatorial,

hospitalar e de apoio diagnóstico. Reafirmando que a execução das ações de saúde

seria de responsabilidade da FUNASA reiterou que este órgão deveria fazê-lo em

estreita articulação com a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS/MS) atendendo às

políticas e diretrizes definidas para a atenção à saúde dos povos indígenas no Brasil.

Esta possibilidade representa claramente um plano específico das instâncias

superiores, para tornar legal a articulação entre a FUNASA/MS e os outros entes

federativos, talvez vislumbrando para o futuro a municipalização das ações de saúde,

uma vez que esta foi recomendada pela IX Conferência Nacional de Saúde

(BRASIL, 1993a) e naquele momento a inclusão dos usuários indígenas nas redes

municipais e estaduais de saúde representava um impasse a ser resolvido. Este

conflito de opiniões perdura até os dias atuais como será apresentado nos próximos

capítulos deste trabalho.

Dentre as atribuições definidas para a FUNASA destaca-se que cada Distrito

deve contar com uma rede hierarquizada de serviços para a atenção básica dentro das

terras indígenas, e que o acesso aos serviços de maior complexidade localizados fora

dos territórios indígenas deve ser articulado e pactuado com os gestores municipais e

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118

estaduais. Portanto, é atribuição da FUNASA/DSEI garantir e executar os

encaminhamentos dos usuários indígenas para média e alta complexidade na rede de

serviços já existentes. Esta atribuição é afirmada em todos os instrumentos legais

emitidos pela FUNASA ou pelo Gabinete do Ministro, entretanto consiste em uma

estratégia pretendida e não realizada no território de abrangência do DSEI Cuiabá,

especialmente o Pólo-Base Rondonópolis situação observada e relatada neste

trabalho.

Entretanto, a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a)

determinou, também, as responsabilidades da Secretaria de Assistência à Saúde

(SAS) para organizar a assistência à saúde dos povos indígenas identificando os

municípios com áreas indígenas e as suas estruturas assistenciais de referência,

devendo estas unidades federadas atuar complementarmente no custeio e na

execução das ações de atenção à saúde do índio, promovendo as adaptações

necessárias na estrutura e na organização do SUS para recebê-los. Também foi

atribuída a SAS a responsabilidade, juntamente com a FUNASA, de garantir o

acesso destes usuários a todos os níveis de atenção à saúde no âmbito do SUS.

Para incentivar as ações em atenção básica, a ser realizadas por municípios,

foi criado o Fator de Incentivo de Atenção Básica (FIAB), destinado a apoiar a

implantação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e de Equipes Multidisciplinares de

Saúde Indígena (EMSI). Essas equipes deveriam ser formadas por médico, dentista,

enfermeiro, auxiliar de enfermagem e AIS. A Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 1999a) atribuiu à FUNASA a responsabilidade para informar à SAS sobre a

composição e o número das EMSI que seriam contratadas pelo município candidato

a receber o Fator de Incentivo da Atenção Básica (FIAB). Esta é uma maneira de

submeter o município ao aval da FUNASA e mantê-lo como órgão responsável pela

execução das ações em saúde aos povos indígenas. Após a contratação o valor do

incentivo seria acrescido ao teto financeiro municipal e transferido fundo a fundo,

diretamente pela SAS/MS.

Retomando as definições de estratégia defendidas por MINTZBERG et al.

(2006b) é possível identificar no parágrafo anterior exemplos das definições de

estratégia como pretexto e como perspectiva ligada a escola de poder, ou seja, os

incentivos caracterizam claramente um pretexto para envolver os municípios e os

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119

estados na garantia de acesso dos povos indígenas no SUS. No entanto, também é

facilmente observada a perspectiva da FUNASA/MS em reafirmar-se responsável

pela identificação dos municípios que deveriam participar desta articulação,

perspectiva esta que mostra a tendência da FUNASA em centralizar as decisões no

seu âmbito. Este fato dificulta as relações de cooperação entre os entes federativos

em questão e o próprio Ministério da Saúde na figura da FUNASA dada à

especificidade do federalismo brasileiro onde os municípios e os estados constituem-

se em entes federativos com autonomia política, administrativa e financeira, portanto

com poder de decisão.

Mas apesar de a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a) ter

criado o FIAB ela não estabeleceu o seu valor, indicando que uma nova

regulamentação definida pela SAS e pela FUNASA deveria fazê-lo. Esta definição

só veio a se realizar em 2007, como será visto a seguir.

Quanto ao Incentivo de Assistência Ambulatorial, Hospitalar e de Apoio

Diagnóstico para a população indígena, a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 1999a) o destinou aos estabelecimentos hospitalares que assistissem estes

usuários, considerando suas especificidades na assistência. O valor a ser repassado

também deveria ser definido pela SAS e incidir sobre os procedimentos pagos

através do Sistema de Internação Hospitalar (SIH/SUS), não podendo ultrapassar

30% da produção das AIHs aprovadas.

A Lei 9.836 de 23 de setembro de 1999, a Lei Arouca (BRASIL, 1999b),

assim denominada pela participação do Deputado Federal Sergio Arouca na sua

defesa no Congresso Nacional, alterou a Lei 8.080/90 (BRASIL, 1990a) em seu

artigo 19, criando no Sistema Único de Saúde (SUS) um Subsistema de Atenção à

Saúde Indígena e organizando-o em Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).

Essa lei estabeleceu o relacionamento entre o subsistema de saúde e os órgãos

responsáveis pela política indigenista; permitiu uma atuação complementar por parte

de estados, municípios e organizações não-governamentais; determinou a

necessidade de diferenciação na organização do SUS para atender às especificidades

da atenção intercultural em saúde, recuperando o princípio de eqüidade das ações de

saúde; possibilitou, também, a representação indígena no Conselho Nacional de

Saúde, nos conselhos estaduais e municipais; estabeleceu o financiamento no âmbito

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120

da União para os DSEI; adotou uma concepção de saúde integral e diferenciada;

aplicou os princípios do SUS de descentralização, hierarquização e regionalização ao

subsistema de saúde indígena.

Através da Portaria 852, de 30 de setembro de 1999 (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 1999b), emitida pela FUNASA/MS, foram criados os Distritos Sanitários

Especiais Indígenas e definidas as suas atribuições (ver Figura 8). Esta portaria

reiterou o disposto no Decreto 3.156/99, atribuindo ao DSEI, dentro do âmbito da

FUNASA, a responsabilidade sobre a execução das ações direcionadas para a

promoção, prevenção e recuperação da saúde do índio. Definiu, ainda, a competência

desta unidade sobre determinado território indígena, assim como a sua

responsabilidade para organizar os serviços de saúde de forma hierarquizada,

garantindo a participação e o controle social. Definiu, também, as atividades

pertinentes ao Chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena e ao Coordenador

Regional da FUNASA, entre as quais, destaca-se a articulação com as Secretarias

Estaduais e Municipais de Saúde que participam da rede de serviços do Distrito,

visando integrar as ações do DSEI ao SUS.

Figura 8 – Distribuição dos DSEIs no território nacional por ocasião de sua criação

Fonte: Ilustração dos DSEI criados pela Portaria 852/1999b.

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121

No entanto, no Estado de Mato Grosso houve impasses para a criação dos

DSEIs devido ao processo de discussões interinstitucionais para a distritalização da

saúde indígena, que vinha ocorrendo desde o início da década de 90 entre os

prestadores de serviços públicos e filantrópicos, como a Fundação Nacional do Índio

(FUNAI), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Operação Amazônia Nativa

(OPAN), a Missão Salesiana e a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e os

povos indígenas cujos territórios estavam em discussão. Como resultado foi proposta

a criação de oito DSEIs, mas o Departamento de Saúde Indígena (DESAI/FUNASA)

apresentou a recomendação para a criação de três DSEIs no Estado de Mato Grosso:

Cuiabá, Xavante e Xingu, e outros quatro com estados vizinhos: Vilhena (RO/MT),

Araguaia (GO/TO/MT), Kayapó (PA/MT) e Porto Velho (AM/RO/MT) (ver Figura

8).

Assim, nos últimos anos uma extensa legislação vem sendo publicada com a

finalidade de adequar o acesso dos povos indígenas à atenção à saúde, visando

garantir os princípios do SUS. Neste contexto, a organização física dos Distritos

Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) foi legalmente definida pela Portaria 479, de

13 de agosto de 2001 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001), emitida tendo em vista a

necessidade de estabelecer as diretrizes para elaboração de projetos de saúde,

abastecimento de água, melhorias sanitárias e esgotamento sanitário em áreas

indígenas. De acordo com o estabelecido nesta Portaria a organização dos serviços

do DSEI deveria ser hierarquizada e composta por cinco estabelecimentos: Posto de

Saúde Indígena Tipo I (PS I); Posto de Saúde Indígena Tipo II (PS II); Pólo-Base

Tipo I (PB I); Pólo-Base Tipo II (PB II); e, Casa de Saúde do Índio (CASAI)

conforme mostra a Figura 9.

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122

Figura 9 - Rede hierarquizada das unidades de referência e contra-referência, responsáveis técnicos e integração do DSEI com a rede do SUS

Fluxo de Referência e Contra-Referência no Âmbito do DSEI

PS I

AIS

Auxiliar de Enfermagem

PS II

PB I

EMSI

PB II

CASAI

Rede do SUS

Legenda

As setas representam os fluxos de Referência e Contra-referência no DSEI e entre ele e a rede do SUS

Enfermeiro e Auxiliares de Enfermagem da

CASAI

Fonte: Adaptado do Plano Distrital de Saúde Indígena/DSEI Cuiabá, 2005-2007.

O Posto de Saúde Tipo I (PS I) deve representar a porta de entrada da rede

hierarquizada de serviços de saúde. Sua infra-estrutura deve ser a necessária para que

o AIS desenvolva as suas atividades nas aldeias. O AIS é um membro da aldeia

capacitado pela FUNASA e supervisionado pela equipe multidisciplinar de saúde

indígena. Sua base de atuação é a família indígena, devendo, através de visitas

domiciliares, promover a educação sanitária, assistência primária, vigilância em

saúde, prevenção e controle de doenças (MS, 2001). O PS I deve permitir as

seguintes atividades: acompanhamento do desenvolvimento infantil e de gestantes;

atendimento aos casos de doenças mais freqüentes (infecção respiratória aguda,

diarréia, malária, etc.); acompanhamento de pacientes crônicos e submetidos a

tratamentos de longa duração; primeiros socorros; promoção da saúde e prevenção de

doenças mais prevalentes; acompanhamento de imunização; ações de educação

sanitária; comunicação via rádio e atividades que ofereçam suporte à equipe

multidisciplinar.

O Posto de Saúde Tipo II (PS II) deve servir de referência para o AIS e

apoiar a equipe multidisciplinar. A sua principal característica, e que o diferencia do

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123

anterior, é a presença obrigatória do auxiliar de enfermagem. As ações que deve

executar são todas as realizadas no Posto de Saúde Tipo I, acrescidas de controle das

doenças transmissíveis, coleta de material para exame, vigilância epidemiológica e

nutricional, informação em saúde, coleta e análise sistemática de dados e atividades

de apoio à equipe multidisciplinar (MS, 2001).

O Pólo-Base é um estabelecimento de saúde do DSEI que deve servir de

referência para o AIS do Posto de Saúde Tipo I, e para o auxiliar de enfermagem do

Posto de Saúde Tipo II. São definidos 02 (dois) tipos: Pólo-Base Tipo I (PB I) e

Pólo-Base Tipo II (PB II). O Pólo-Base Tipo I deve estar localizado em terras

indígenas e deve realizar todas as atividades dos Postos de Saúde acrescidas de:

capacitação, reciclagem e supervisão dos AIS e auxiliares de enfermagem; coleta de

material para exame; esterilização de materiais; imunizações em atividades de rotina;

coleta e análise de dados; investigação epidemiológica; informações sobre a

ocorrência de doenças; prevenção de câncer ginecológico através de

exame/coleta/consulta, podendo realizar outras atividades compatíveis com o

estabelecimento. Estas atividades devem ser conduzidas pela equipe multidisciplinar

lotada permanentemente na área e composta por médico, enfermeiro, odontólogo e

auxiliares de enfermagem.

Já o Pólo-Base Tipo II deve se localizar no município de referência. Sua

estrutura física deve ser compatível com serviços de apoio técnico e administrativo.

Neste estabelecimento não devem ser realizadas atividades de assistência à saúde,

pois as necessidades dos usuários devem ser sanadas em unidades de assistência do

SUS da rede municipal. Suas atividades são: armazenamento de medicamentos e

material de deslocamento para outras terras indígenas; comunicação via rádio;

investigação epidemiológica, informações sobre a ocorrência de doenças, elaboração

de relatórios de campo; coleta, análise e sistematização de dados; planejamento das

ações das equipes multidisciplinares; organização das campanhas de vacinação; e

administração.

Além dos Postos de Saúde dos Pólos-Base, o DSEI conta com a Casa de

Saúde do Índio (CASAI), estabelecimento de apoio localizado em municípios

estratégicos para receber e apoiar o índio que vem referenciado de uma aldeia para

ser assistido na rede do SUS. Deve ser conduzida por um Chefe cujas atribuições

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são: providenciar o recebimento de pacientes encaminhados pela equipe

multidisciplinar do próprio DSEI e/ou de outro Distrito Sanitário Especial Indígena;

prestar assistência de enfermagem aos pacientes pós-hospitalizados e em fase de

recuperação; providenciar o acompanhamento de pacientes para consultas, exames e

internações hospitalares; fazer a referência e contra-referência com a rede do SUS e

com os Pólos-Base; e articular o retorno, quando necessário (BRASIL, 1999;

MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).

Esta recomendação legalmente instituída representa, como comentado

anteriormente, uma estratégia pretendida e em parte deliberada no território de

abrangência do DSEI Cuiabá, Pólo-Base Rondonópolis. Aqui foi possível verificar

que a rede organizada de forma hierárquica nas terras indígenas não foi

implementada, fomentando a criação de estratégias locais para garantir o acesso

destas populações aos serviços de saúde municipais. Além da CASAI Rondonópolis

foram construídos alguns Postos de Saúde tipo I e tipo II que como será descrito no

Capítulo 4 promovem o encaminhamento para a CASAI Rondonópolis e esta

responsabiliza-se pela inclusão dos usuários na rede do município. Também constitui

uma estratégia pretendida e não realizada a atenção em saúde visando a

recomendação internacional da Promoção da Saúde nas terras indígenas cuja

responsabilidade seria da FUNASA/MS.

A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas foi aprovada

em 31 de janeiro de 2002, pela Portaria 254, do Ministério da Saúde (MINISTÉRIO

DA SAÚDE, 2002c), considerando as disposições publicadas e descritas acima, e

estabeleceu a Comissão Intergestores Bipartite (CIB) como espaço de articulação

entre estado, município e FUNASA/DSEI. Além disso, trata de questões sobre a

preparação de recursos humanos para atuação em contexto intercultural, incluindo o

Programa de Formação de Agentes Indígenas de Saúde sob a responsabilidade do

DSEI; monitoramento das ações em saúde desenvolvidas no âmbito do DSEI dentro

da perspectiva do Sistema de Vigilância da Saúde, identificando os seus fatores

condicionantes e determinantes, estabelecendo prioridades na alocação de recursos e

orientações que facilitem a participação da comunidade; articulação dos sistemas

tradicionais indígenas de saúde com as práticas modernas de atenção; promoção e

uso adequado de medicamentos, etc.

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125

A implantação desta política requer a adoção de um modelo complementar e

diferenciado de serviços voltado para a proteção, promoção e recuperação da saúde

das populações indígenas. Para a sua efetivação se faz necessária a criação de uma

rede de serviços em terras indígenas que tenha por objetivo superar as deficiências de

cobertura, acesso e aceitabilidade do Sistema Único de Saúde por esta população. Os

órgãos envolvidos desde a formulação até a sua implementação, conforme mostra a

Figura 10, foram definidos em Portaria específica emitida pelo Gabinete do Ministro

da Saúde: a Portaria 70/GM de 20 de janeiro de 2004 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

2004).

Figura 10 - Organograma dos órgãos responsáveis pela Política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas

Ministério da Saúde

FUNASA/SAS

DESAI

CORE

DSEI/Condisi

Estados,Municípios,

Organizações Governamentais e Organizações Não-Governamentais

Organizações responsáveis pela saúde dos povos indígenas

Fonte: Adaptação da Portaria 70/2004.

Segundo as competências estabelecidas pela Política Nacional de Saúde

Indígena compete:

- ao Ministério da Saúde formular, aprovar e normatizar a Política Nacional de

Atenção à Saúde dos Povos Indígenas;

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126

- à FUNASA as funções de coordenar, normatizar e executar as ações de atenção à

saúde dos povos indígenas, observando os princípios e diretrizes do Sistema Único

de Saúde (SUS);

- ao Departamento de Saúde Indígena da Fundação Nacional de Saúde

(DESAI/FUNASA), entre outras funções, planejar, coordenar e garantir a assistência

farmacêutica; coordenar e executar o sistema de informação; propor normas,

critérios, parâmetros e métodos para a alocação dos recursos financeiros; controlar a

qualidade e avaliar as ações de saúde voltadas para os povos indígenas;

- às Coordenações Regionais da Fundação Nacional de Saúde (CORE/FUNASA)

coordenar e articular, no âmbito de cada unidade federada, a execução das ações de

saúde indígena: planejar, em conjunto com o DSEI, as ações integrais de saúde

indígena, e articular junto à CIB o fluxo de referência de pacientes do distrito

sanitário aos serviços de média e alta complexidade do SUS, entre outros.

A Portaria 70/GM/2004 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004) também dispôs

sobre as competências do DSEI, do Conselho Distrital de Saúde Indígena

(CONDISI), dos estados e municípios, das instituições governamentais e das não

governamentais. Reafirmou a competência do DSEI para planejar, coordenar e

executar as ações de saúde em sua área de abrangência, executar o fluxo de

referência e contra-referência para média e alta complexidade, articular as práticas de

saúde com a medicina tradicional respeitando as características culturais de cada

etnia; e definiu o Chefe do DSEI como autoridade sanitária responsável pela saúde

na área de abrangência do Distrito. Esta definição constitui razão de impasses

interinstitucionais que resultam na discussão sobre a autonomia do gestor municipal

de saúde sobre as terras indígenas localizadas em seu território municipal como será

relatado por um gestor entrevistado durante o período de coleta de dados deste

trabalho.

Ao CONDISI, a Portaria 70/2004 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004) reiterou

funções de aprovação e acompanhamento da execução do Plano Distrital de Saúde

Indígena, o acompanhamento das ações dos Conselhos Locais de Saúde Indígena e o

controle social das atividades relacionadas à saúde dos povos indígenas. Aos estados,

municípios, instituições governamentais e não-governamentais ficou assegurada a

atuação complementar na execução das ações de atenção à saúde dos índios, mas

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reservou à FUNASA a competência para definir, de acordo com as características das

populações envolvidas, quais ações complementares ficariam a cargo das entidades

citadas.

Em 2005, tendo em vista a necessidade de implementar as práticas de saúde

voltadas para as especificidades étnicas e culturais, e buscando garantir a

integralidade da ação através da participação de várias instâncias de gestão do SUS

na atenção à saúde aos povos indígenas, o Ministério da Saúde editou uma nova

Portaria: a Portaria 1.088/2005 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Esta portaria

dispôs sobre a necessidade da elaboração de um Termo de Compromisso que deveria

ser submetido à apreciação da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), da Comissão

Intergestores Tripartite (CIT) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para depois

ser empregado na pactuação com os gestores municipais e estaduais.

Esta mesma Portaria dispôs sobre a inclusão do Agente Indígena de

Saneamento (AISAN) e do Auxiliar de Consultório Dentário na equipe

multidisciplinar de saúde indígena já constituída por médico, enfermeiro,

odontólogo, auxiliar de enfermagem e Agente Indígena de Saúde (AIS). Criou,

também, os núcleos de composição das Equipes Multidisciplinares de à Saúde

Indígena (EMSI), a saber:

1. Núcleo Básico de Atenção à Saúde Indígena - responsável pela execução das

ações básicas de atenção à saúde e composto por enfermeiro, auxiliar de

enfermagem, AIS e AISAN.

2. Núcleo de Referência de Atenção Básica à Saúde Indígena - responsável pela

atenção básica à saúde da população indígena nos Pólos-Base e na rede

integrada do SUS, composto por médico, odontólogo e auxiliar de consultório

dentário.

3. Núcleo Matricial de Atenção Básica à Saúde Indígena - responsável pela

execução das ações de atenção integral à saúde dos índios na área de

abrangência do DSEI e da rede integrada do SUS, composto por profissionais

que atuam na saúde indígena e que a equipe mínima multidisciplinar não

contempla.

A Portaria 1.088/2005 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005) foi suspensa por

duas vezes para a análise de impactos financeiros e apreciação da CIT e após estas

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duas suspensões caiu em esquecimento. Entre outros exemplos, já citados neste

estudo, a emissão da Portaria 1.088/2005 representa o caso mais claramente

identificado de formulação de uma estratégia quando esta forma de elaboração de um

plano não condiz com a realidade local, regional ou nacional, ou seja, esta Portaria

foi criada, preconizou alguns critérios, mas não foi implementada exemplificando,

também, uma estratégia pretendida e não realizada.

Em 2006, através da Portaria 645 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006a), o

Ministério da Saúde instituiu o Certificado Hospital Amigo do Índio, que deveria ser

oferecido aos estabelecimentos de saúde que fizessem parte da rede do Sistema

Único de Saúde (SUS), contudo sem que este certificado representasse um incentivo

financeiro. Para que fosse concedido tal certificado o estabelecimento deveria

contemplar certos critérios que visasse incentivar o respeito às especificidades dessas

comunidades, promovendo as adaptações necessárias na estrutura e organização do

SUS e propiciando a integração e o atendimento em todos os níveis de assistência.

Ainda em 2006 a IV Conferência Nacional de Saúde Indígena (MINISTÉRIO

DA SAÚDE, 2006b) recomendou a autonomia gestora dos DSEIs, sendo instituído,

através da Portaria 394, de 24 de abril de 2006 (FUNDAÇÃO NACIONAL DE

SAÚDE, 2006), o Grupo de Trabalho de Re-estudo da Área de Abrangência dos

DSEIs.

Recentemente, através da Portaria 2.656 de 17 de outubro de 2007

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007), o Ministério da Saúde regulamentou os valores

dos Incentivos Financeiros para a Atenção Básica (IAB – PI) e para a Atenção

Especializada (IAE – PI) aos povos indígenas, revogando a Portaria nº. 1.163/99

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a). Também estabeleceu critérios e prazo para a

elaboração do Termo de Compromisso a ser utilizado na pactuação entre o

DSEI/FUNASA e os municípios, tornando-o um instrumento obrigatório na ocasião

da pactuação.

Cabe ressaltar que antes da Portaria 2.656/2007 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

2007) as pactuações eram feitas verbalmente entre o DSEI e o município, e

oficializadas através de um memorando interno da FUNASA para a Secretaria de

Assistência à Saúde (SAS) responsável pelo repasse dos incentivos.

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6.1 O PLANO DISTRITAL DE SAÚDE INDÍGENA NO DSEI CUIABÁ

A principal atribuição dos DSEIs é proporcionar ao usuário indígena ações de

nível primário em saúde, seja de forma direta ou indireta, quando a execução das

atividades é atribuída a Organizações Não-Governamentais (ONGs), Fundações

Universitárias ou por Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

(OSCIPs) além da responsabilidade por garantir o acesso do paciente indígena à rede

hierarquizada de serviços do SUS quando as suas necessidades somente poderão ser

atendidas com ações de média e/ou alta complexidade. Estas, por sua vez, devem ser

oferecidas a todos os usuários indígenas pelos estados e municípios de forma

pactuada e integrada no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI).

O Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI) é o instrumento utilizado pelo

DSEI para a gestão dos serviços e das ações em saúde para todos os povos sob a sua

jurisdição. Este instrumento de gestão deve ser elaborado com a participação das

populações indígenas, através dos seus Conselhos Locais e Distritais, sendo

conduzido pelo DSEI e homologado pela FUNASA para posterior execução,

demonstrando mais uma vez o caráter prescritivo implícito na formulação da sua

estratégia de ação.

No Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá (ver Figura 11), segundo

informações constantes no PDSI, a atenção básica é realizada por intermédio de dez

Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), sendo que a elas estão

integrados os 45 Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e os 28 Agentes Indígenas de

Saneamento (AISAN). Todos estes profissionais são contratados pelas instituições

conveniadas OPAN, Halitinã e UNISELVA/UFMT, e atuam em 31 Postos de Saúde

localizados nas aldeias.

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Figura 11 - Localização do Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá - MT

Disponível em: www.funasa.gov.br

Disponível em: www.funasa.org.br

As unidades seguintes para referência deveriam ser os Pólos-Base tipo I

localizados em terras indígenas onde deveria manter diariamente uma Equipe

Multidisciplinar de Saúde responsável pelos procedimentos referidos na Portaria

479/2001 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). No entanto os usuários são

encaminhados a um dos cinco Pólos-Base de Saúde (PBS): Cuiabá, Rondonópolis,

Tangará da Serra, Brasnorte e Chiquitano, que constituiriam a primeira referência

para os agentes indígenas de saúde que atuam nas aldeias, com o apoio de 11 centros

de saúde em municípios próximos. Aqui também se faz importante ressaltar que no

âmbito do DSEI Cuiabá o Pólo-Base Rondonópolis constitui-se de um Pólo-Base

tipo II e pela CASAI Rondonópolis, demonstrando claramente a incompatibilidade

do que foi formulado e o que de fato foi implementado.

Ainda constituem parte da organização do DSEI Cuiabá-MT, três Casas de

Saúde do Índio (CASAI), localizadas nos municípios de Cuiabá, Rondonópolis e

Tangará da Serra, que contribuem com o acolhimento, alojamento e alimentação dos

pacientes e acompanhantes, e também prestam serviços de assistência de

enfermagem integral, além de providenciar a regulação dos pacientes na rede do

SUS. Esta regulação será amplamente descrita e analisada nos próximos capítulos,

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contudo convém antecipar que no caso Pólo-Base Rondonópolis os profissionais não

só regulam, mas desenvolvem atividades de articulação com os profissionais

municipais no sentido de garantir o acesso aos níveis de atenção, tornando claro o

impasse que há entre a FUNASA/MS e o município.

Segundo informações obtidas no CORE/FUNASA, a partir dos Pólos-Base de

Saúde, os usuários que não apresentarem resolutividade são encaminhados para a

rede do SUS das mais variadas formas e de acordo com as realidades locais. Esses

encaminhamentos podem ser para:

a) serviços especializados na sede do próprio município ou no mais próximo;

b) hospital local de pequeno porte com baixa complexidade e resolução (algumas

clínicas básicas e equipamentos de terapia e/ou diagnóstico);

c) hospital regional de médio porte com média complexidade e resolução; ou

d) hospital geral especializado de grande porte em alta complexidade e

resolutividade.

Verifica-se que no discurso da instituição, como também se observará no

fluxo planejado no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI), os Pólos-Base de

Saúde ora só existem no imaginário da FUNASA, ora se fazem presente somente no

PDSI.

O DSEI Cuiabá conta com 13 hospitais em Mato Grosso que recebem

incentivos para atendimento aos povos indígenas, além da rede do SUS, incluindo os

laboratórios de apoio diagnóstico. Dentre estes hospitais convém ressaltar que, no

caso Pólo-Base Rondonópolis, o Hospital São Marcos Ltda recebe o incentivo,

porém encontra-se desativado demonstrando claro descontrole da FUNASA/MS

frente ao repasse e prestação de contas por parte da unidade de serviço. Esta

preocupante situação aponta para uma urgente reavaliação dos critérios estabelecidos

para a contratação dessas unidades hospitalares. Assim, é desta forma que, segundo o

Plano Distrital de Saúde Indígena, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena através

do DSEI/Cuiabá atende ao critério de regionalização da rede de serviços do SUS.

Como mostra a Figura 9, este é um distrito bastante complexo devido à

atenção à saúde de vários povos indígenas diferenciados quanto à cultura e à

localização dos seus territórios em regiões econômica, social e ambiental cujas

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características influenciam diretamente o processo saúde-doença e o acesso aos

serviços de saúde.

Conforme mostra o Quadro 3, os programas de saúde priorizados no Plano

Distrital de Saúde Indígena (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007) estão

voltados para a vigilância nutricional, saúde da mulher, saúde da criança,

imunização, controle de DSTs/AIDS, uso abusivo de álcool e drogas, malária,

leishmaniose e doença de Chagas, hipertensão arterial e diabetes, saúde bucal e

medicamentos. São previstas ainda capacitações de conselheiros e a realização de

reuniões ordinárias do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI). Ainda que

tratem de necessidades de saúde definidas pelo perfil epidemiológico predominante

na maioria dos brasileiros, a elaboração dos programas apresentados no Quadro 3

condiz com a formulação verticalizada das ações fundamentada no Modelo

Assistencial Médico-Privatista e no Modelo Assistencial Sanitarista ao contrário do

que a proposta dos Distritos Sanitários defendida por MENDES (1996) orienta, ou

seja, um modelo organizacional que tenha como embasamento para as necessárias

mudanças na prática de saúde o Modelo Vigilância da Saúde. Este podendo dialogar

com o Modelo de Ações Programáticas ou Modelo Saúde da Família ou, ainda, a

proposta internacional da Promoção da Saúde.

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Quadro 3 - Áreas programáticas, resultados previstos e setor responsável conforme o PDSI ÁREA PROGRAMÁTICA RESULTADOS (METAS) SETOR

RESPONSÁVEL Vigilância Nutricional Implementar o Programa de Vigilância

Nutricional Halitinã, OPAN e UNISELVA

Saúde da Mulher Implantação do Programa de Saúde da Mulher PCCU

DSEI e Instituições Parceiras

Saúde da Criança Redução de incidência de infecções respiratórias agudas Redução de Incidência de Diarréia

Halitinã, OPAN e UNISELVA

Controle das Doenças Imunopreviníveis

Coberturas vacinais nos níveis preconizados pelo Programa Nacional de Imunização

Halitinã, OPAN e UNISELVA

Controle das DSTs/AIDS Garantir a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das DSTs/AIDS nas aldeias Uso abusivo de álcool e drogas

DSEI, Instituições parceiras e EMSI

Controle das Doenças Transmitidas por Vetores

Garantir o controle da prevalência de malária, leishmaniose tegumentar e doença de Chagas

DSEI e EMSI

Saúde Bucal Programa de Saúde Bucal Profissionais, equipamentos e material permanente. Confecção de próteses Prevenção

DSEI, Instituições parceiras e EMSI

Doenças Crônico-Degenerativas

Garantir o controle e acompanhamento de portadores de hipertensão arterial e de Diabetes

Halitinã, OPAN e UNISELVA

Assistência Farmacêutica Aumentar o acesso e a satisfação do usuário em relação aos medicamentos Diminuir a perda de medicamentos e adequação do local de armazenamento

DSEI

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

Além das morbidades existentes em todos os Pólos-Base, tais como

tuberculose, leishmaniose, infecções respiratórias agudas, doenças diarréicas, DSTs,

etc., existem também as especificidades de cada Pólo-Base, influenciadas pela

localização geográfica das aldeias e o contato dos seus habitantes com a sociedade

envolvente. Como exemplo das implicações das relações ambientais com a saúde se

nota, no Pólo-Base de Rondonópolis, problemas relacionados ao alcoolismo, fator

responsável por morbidade e mortalidade por causas externas.

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6.1.1 O Fluxo Planejado pelo PDSI para o Atendimento aos Usuários

Indígenas

O fluxo planejado é o fluxo estabelecido no Plano Diretor Regionalizado

(PDR) e no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI). O primeiro, foi coordenado

pela Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Mato Grosso (SES/MT) e, consiste

na organização das Microrregiões e Regiões de saúde e na apresentação da pactuação

das referências de saúde para cada módulo assistencial constantes na Programação

Pactuada e Integrada (PPI), já demonstrados para a Microrregião Sul Mato-grossense

no Capítulo 2. O segundo, foi coordenado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena

Cuiabá (DSEI Cuiabá) e, apresenta o fluxo de referência e contra-referência

planejado para atender a todos os povos indígenas, cujas Terras Indígenas estejam

localizadas no território da sua abrangência que se sobrepõe aos limites geográficos

municipais previamente estabelecidos.

Segundo o PDSI 2005-2007 (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007)

o Pólo-Base Rondonópolis é oficialmente responsável pela atenção à saúde dos

Bororo, e para o atendimento destes usuários conta com duas Equipes

Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) assim distribuídas:

1) EMSI 1: composta por um médico, um enfermeiro, um odontólogo, três

técnicos de enfermagem, três agentes indígenas de saúde (AIS) e quatro

agentes indígenas de saneamento (AISAN). Esta EMSI é responsável pelas

aldeias Gomes Carneiro, Tandarimana, Jurigue, Pobore, Praião e Piebaga.

2) EMSI 2: composta por um médico, um enfermeiro, um odontólogo, três

técnicos de enfermagem, quatro AIS e dois AISAN. Esta EMSI é

responsável pelas aldeias Merure, Morada Bororo, Garças, Perigara e

Aterradinho.

As equipes multidisciplinares de saúde indígena e os outros profissionais são

contratados pela Fundação UNISELVA/UFMT, como é esclarecido pelo depoimento

a seguir:

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135

Então a ONG vai lá se apresenta, manifesta o interesse de trabalhar [...]. Então aqui, por exemplo, nós estamos pactuando na atenção à saúde, então levando em conta que vamos elencar todas as ações por bloco: atenção à saúde, encargos sociais [...] por exemplo, aqui nós pactuamos com esta conveniada a UNISELVA a contratação de 15 AIS, 15 agentes de saúde indígena este valor aqui está pra 12 meses, cada agente recebe cerca de um salário mínimo que vai multiplicar por 12, vezes 15 e que vai dar este valor aqui; aqui é o AISAN que é o agente indígena de saneamento, são 17 AISAN, técnicos de enfermagem e assim sucessivamente. Aí depois a gente entra no, por exemplo, mão-de-obra eventual, pactuamos vinte dois reais que é para assessoria contábil, geralmente este setor fica na sede da conveniada (Entrevistado 2, setembro, 2007).

O depoimento anterior não relata se há, ou não, envolvimento direto das

comunidades indígenas na escolha ou aprovação da conveniada a ser contratada

conforme preconiza a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.

Portanto, aponta para a não contemplação do princípio da participação social tanto

como princípio fundamental orientando para a democratização dos serviços de saúde,

quanto como princípio organizativo valorizando as instâncias de discussão, no caso o

Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI). Ainda assim é possível verificar

que os recursos destinados à conveniada são parte dos recursos do DSEI e devem ser

empregados na execução dos programas de saúde elaborados pelo Distrito sobre a

orientação das instâncias superiores da FUNASA/MS, não contemplando a

recomendação da referida política para a orientação das ações de saúde tendo em

vista as especificidades locais. Um gestor, ao discutir esse processo, relatou que

Os programas eles já vêem das diretrizes da FUNASA. É a FUNASA que estabelece as diretrizes dentro da sua instância institucional que é a saúde dos povos indígenas e saneamento, a partir destas diretrizes nós fazemos através do planejamento estratégico, nós pensamos nos objetivos estratégicos e que também são pensados a nível central. [...] O DSEI operacionaliza os programas no sentido de monitorá-los, acompanhá-los e implementá-los. [...] Então é assim [deveria ser] isto aqui é um Plano Distrital, certo, então nós pensamos num Plano Distrital que é para eu definir, eu tenho, por exemplo, em 2000, nós tínhamos saúde da família, saúde da criança, programa saúde da mulher e imunização, hoje nós temos 13 programas. Então o Distrito em si ele cresceu, hoje nós temos tuberculose e hanseníase, nós temos núcleo de vigilância ambiental, nós temos saúde mental, hoje saúde do adulto que nós acrescentamos este ano, então nós temos uma série de programas, né, que são programas de governo. Então a medida que você vai implantando e implementando os programas faz-se necessário os coordenadores dos programas, porque senão dependendo da área do profissional ele não vai ser capaz, por exemplo, nós temos os

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fisioterapeutas, cada um tem sua especificidade e sua importância, né. Então a medida que vamos implantando um programa é preciso que tenha um profissional à frente dele porque os programas eles são operacionalizados em área e o coordenador destes programas fica aqui, na estrutura do Distrito. E os insumos necessários para operacionalizar este programa eles saem daqui, eles são pensados aqui nesta unidade, dentro do Distrito e a aquisição propriamente dita, os processos de compra, a contratação, são feitas aqui. [...] O Distrito que contrata e muitas vezes a conveniada. [...] tudo o que nós precisamos pra suprir as necessidades de insumos e serviços nós apenas pedimos, nós fazemos um documento chamado de pedido de bens e serviços, nós temos um teto orçamentário pra trabalhar [...], então nós temos que colocar todas as nossas necessidades, isto fora o orçamento que foi destinado para as ONGs. Cada uma das ONGs, a OPAN, a UNISELVA, a HALITINÃ tem um teto. [...] Então nós temos aqui os programas e os desdobramentos dele né, as etapas, as metas que nós temos que alcançar [...] na verdade o que seria o ideal [...] aí a Presidência vem e fala: olha vocês têm um teto de 11 mil pra dividir e então se tem que adequar este teto de 11 mil, e se tem a OPAN, a Associação HALITINÃ, tem a Fundação UNISELVA, certo, a gente tem três instituições pra dividir. Agora como é esta divisão de dinheiro é de quem tem mais força política. Então por isto que esta gestão, esta interlocução ela é feita diretamente com a Presidência da FUNASA, é uma gestão política e política partidária também que acaba tendo peso (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Este depoimento também se contrapõe ao que consta no PDSI no que se

refere aos caminhos percorridos para a sua elaboração,

Toda a equipe técnica do DSEI Cuiabá participou da capacitação para elaboração do novo modelo do Plano Distrital de Saúde para o período de 2005 a 2007. A seguir foi elaborado um cronograma de visitas às aldeias para colher a opinião das comunidades indígenas sobre o modelo de assistência à saúde em vigor, incluindo também as solicitações das comunidades para constar no novo Plano Distrital de Saúde. As visitas foram realizadas pelos técnicos do DSEI, acompanhados pelos coordenadores das instituições parceiras à FUNASA, com a presença dos profissionais de saúde que atuam nas aldeias e membros do Conselho Local de Saúde de cada aldeia. [...] Todas as sugestões e críticas registradas nas reuniões foram consideradas na elaboração do Plano Distrital, realizada pelos técnicos do DSEI. Em seguida os esboço do Plano foi novamente apresentado nas aldeias, para fechamento final com as comunidades indígenas, contando com a presença dos conselheiros locais e distritais de saúde. Finalmente o Plano foi submetido à apreciação do CONDISI, em reunião extraordinária realizada com esta finalidade específica [suposto espaço para data da reunião]. As maiores dificuldades enfrentadas para a elaboração deste Plano Distrital foram relacionadas ao transporte dos técnicos do DSEI e coordenadores das instituições parceiras até as aldeias, pois o DSEI não dispõe de veículos para acompanhamento e supervisão das ações de saúde desenvolvidas em sua área de abrangência. Devido a esta

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dificuldade houve atraso no prazo previsto para a conclusão do Plano (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007, p.3).

SPOSATI e LOBO (1992) analisam o controle social e as faces que os atores

podem dar a este instrumento de controle e participação nas decisões relacionadas à

gestão dos serviços públicos, em especial os da saúde. O controle social tem como

pressuposto maior a alteridade, o reconhecimento da existência e da importância do

outro nas arenas de discussão, e isto abre um espaço para uma pertinente

consideração tendo como objeto o depoimento acima transcrito.

Assim, a alteridade poderá ser distorcida e dar ao controle social pelo menos

três formas: alteridade cooptada, que tem na desinformação a fragilidade da

representação, facilitando a cumplicidade para interesses restritos; a alteridade

subalternizada, onde o outro é considerado uma visita no espaço supostamente social,

coletivo, e para que o assunto não tome proporções não compreendidas, a sua

importância é amenizada podendo ter informações ocultadas com o intuito de não

constranger a “visita”; e, a terceira, denominada de alteridade tutelada, é o espaço da

tecnoburocracia onde os técnicos, supostamente detentores do conhecimento, têm o

poder popular de advogar a causa.

No âmbito do DSEI Cuiabá e do município de Rondonópolis existem as três

formas de “alteridade” quando o outro é o índio usuário da rede de serviços de saúde.

A alteridade cooptada é identificada pelo desconhecimento por parte da população

indígena sobre a organização do SUS e a garantia do acesso universal a todos os

habitantes deste país, independentemente de raça, cor, religião, assim eles ficam

dependentes da articulação e da presença dos profissionais da CASAI Rondonópolis;

sem conhecimento não há opinião e isto fragiliza o sujeito como ser democrático e

participante. A alteridade subalternizada está claramente identificada na ausência dos

Bororo na composição do Conselho Municipal de Saúde (embora não seja

obrigatória em virtude de lei) ou a sua presença em situações pontuais como no caso

do recurso acumulado nos cofres do município. E enfim, a alteridade tutelada

subsidia a FUNASA e a conveniada na advocacia do índio, mesmo que não se admita

oficialmente está ele sendo considerado relativamente incapaz, ou por desconhecer,

ou por ser reduzido a um caso particular no qual a manutenção da sua cultura termina

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por ser um argumento para forças institucionais se manterem no poder. Esta última

consideração não tem por objetivo desmerecer o papel dos grupos socialmente

organizados nos quais alguns indivíduos assumem a defesa dos menos favorecidos,

como por exemplo o movimento indígena, mas ressaltar a importância da autonomia

e da autodeterminação de todos os cidadãos brasileiros, e neste caso os índios do

DSEI Cuiabá.

Assim, mesmo que a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos

Indígenas garanta a participação social através dos Conselhos Locais e do CONDISI,

é clara a sua verticalidade na elaboração do PDSI no âmbito deste Distrito, assim

como a falta de articulação entre os espaços de discussão com os seus equivalentes

na comunidade envolvente. Os depoimentos a seguir reforçam esta análise.

Os programas eles já vêem das diretrizes da FUNASA. É a FUNASA que estabelece as diretrizes dentro da sua instância que é a saúde dos povos indígenas e o saneamento a partir destas diretrizes nós fazemos através do planejamento estratégico, nós pensamos os objetivos estratégicos e que também são pensados a nível central (Entrevistado 2, setembro, 2007). Eu nunca participei, não me convidaram também, né. Sempre faziam reunião aqui com negócio de saúde, aí dispois eu vi que já tá no caminho do bem, no caminho que é pra sê, aí eles pararo, né (Usuário 3, junho, 2007).

É necessário que esta situação avance para se compor um espaço de fato

democrático, onde em respeito às diferenças se permita e reconheça a presença do

diferente, e assim se conceba o processo de construção do direito à saúde de forma

coletiva.

A seguir são descritos os fluxos planejados para cada uma das dez aldeias

Bororo estabelecidos no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI). Deve ser

ressaltado, no entanto, que no caso da aldeia Aterradinho o PDSI não dispõe de

informações sobre caracterização do acesso aos serviços de saúde e composição

populacional, embora conste na lista de aldeias atendidas pela EMSI 2.

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6.1.1.1 Aldeia Jurigue

Esta aldeia está localizada em Rondonópolis e não tem Posto de Saúde

próprio, utilizando a unidade localizada na aldeia de Tandarimana, a 20 minutos de

distância por acesso terrestre. O pólo-base da sua referência é o de Rondonópolis,

que regula os pacientes para o Posto de Saúde Municipal. O acesso desta aldeia ao

pólo-base é feito por via terrestre e leva aproximadamente duas horas (ver Figura

12).

A CASAI fica no município de Rondonópolis. Contudo, os serviços de saúde

de média e alta complexidade estão no município de Cuiabá, ao qual os usuários são

conduzidos, também via terrestre, levando aproximadamente cinco horas (Figura 9).

Nesta aldeia vivem nove pessoas.

6.1.1.2 Aldeia Pobore

Esta aldeia também está localizada em Rondonópolis. Como na anterior, não

tem Posto de Saúde no seu território, utilizando o posto localizado na aldeia de

Tandarimana, a 30 minutos por via terrestre. O pólo-base de referência é o de

Rondonópolis e os seus usuários são conduzidos ao Posto de Saúde Municipal por

deslocamento terrestre que leva 2h20min (ver Figura 12). Também utilizam a

CASAI de Rondonópolis quando necessitam. A atenção de média e alta

complexidade é oferecida no município de Cuiabá localizado a aproximadamente

seis horas de viagem de acesso terrestre. Sua população é de 35 pessoas.

6.1.1.3 Aldeia Praião

Também localizada em Rondonópolis, não possui Posto de Saúde próprio e

utiliza os serviços de saúde oferecidos no PS de Tandarimana a 20 minutos de

viagem por via terrestre. Seus habitantes são referenciados ao Posto de Saúde

Municipal pois não lhes é proporcionado um Pólo-Base legalmente preconizado (ver

Figura 12). A CASAI está localizada no município de Rondonópolis distando da

aldeia duas horas por via terrestre. Semelhantemente às outras aldeias, os serviços de

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média e alta complexidade são referenciados para o município de Cuiabá, distando

cinco horas de viagem por acesso terrestre. Apresenta uma população de 29 pessoas.

Figura 12 - Fluxos planejados para os usuários das aldeias Jurigue, Pobore e Praião

Aldeias Jurigue, Pobore ePraião (Rondonópolis/MT)

Aldeia Tadarimana

PS

CASAI

(Rondonópolis)Rede do SUS

(Cuiabá/MT)

Posto de Saúde Municipal (Rondonópolis/MT)

Legenda

As setas representam o fluxo de referência para os usuários das aldeiasJurigue, Pobore e Praião.

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

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6.1.1.4 Aldeia Tadarimana

Também localizada na área rural do município de Rondonópolis, apresenta

um Posto de Saúde que presta serviços aos seus habitantes e aos demais que não têm

no seu território esta unidade de serviço. Contudo, não dispõe de Pólo-Base como

preconizado em lei, fazendo uso do Posto de Saúde Municipal de Rondonópolis,

distando 1h30min por via terrestre. Como todas as aldeias já mencionadas, os seus

habitantes utilizam a CASAI localizada na área urbana de Rondonópolis e os

serviços de média e alta complexidade são referenciados para Cuiabá, distando

quatro horas de viagem por via terrestre. Esta aldeia conta com 229 habitantes. A

Figura 13 mostra o fluxo planejado para esta aldeia.

Figura 13 - Fluxo planejado para os usuários da aldeia Tadarimana

Posto de Saúde

Rede do SUS (Cuiabá/MT)

CASAI (Rondonópolis/MT)

Aldeia Tadarimana (Rondonópolis/MT) LegendaAs setas representam o fluxo de referência para a aldeiaTadarimana.

Posto de Saúde Municipal (Rondonópolis/MT)

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

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6.1.1.5 Aldeia Merure

Esta aldeia está na área rural do município de General Carneiro, MT,

apresentando no seu território um Posto de Saúde e Pólo-Base instituído na própria

aldeia. A CASAI, utilizada quando necessário, fica no município de Aragarças, GO,

distando duas horas de viagem por acesso terrestre. A atenção em média e alta

complexidade é oferecida no município de Cuiabá, a quatro horas de viagem via

terrestre. A população total desta aldeia é de 400 habitantes. A Figura 14 mostra

diagramaticamente o fluxo planejado para esta aldeia.

Figura 14 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Merure

Aldeia Merure(General Carneiro/MT)

CASAI(Aragarças/GO)

Rede do SUS

(Cuiabá/MT)

Legenda

As setas representamos fluxos de referência e contra-referência para os usuários da aldeia Merure.

Posto de Saúde ePólo Base

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

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6.1.1.6 Aldeia Morada Bororo

Também localizada na área rural de General Carneiro, tem no seu território

um Posto de Saúde. Porém, os serviços de maior complexidade são referenciados ao

Pólo-Base da aldeia Merure, distante a trinta minutos por via terrestre. A CASAI

utilizada é a do município de Aragarças, GO, referência do DSEI Xavante, distante

duas horas e trinta minutos por via terrestre. Igualmente às demais aldeias os serviços

de média e alta complexidade são proporcionados em Cuiabá distante 3h30min de

viagem por via terrestre. Conta com uma população de 68 pessoas. A Figura 15

demonstra o fluxo planejado para os usuários da aldeia Morada Bororo.

Figura 15 - Fluxo planejado para os usuários da aldeia Morada Bororo

Aldeia Morada Bororo(General Carneiro/MT)

Aldeia Merure(General Carneiro/MT)

CASAI (Aragarças/GO)

Rede do SUS (Cuiabá/MT)

Posto de Saúde

LegendaAs setas representam os fluxos de referência para os usuáriosda aldeia Morada Bororo.

Pólo Base

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

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6.1.1.7 Aldeia Garças

Localizada na área rural do município de General Carneiro, conta com um

Posto de Saúde. O Pólo-Base utilizado fica na aldeia Merure, distante a 30 minutos

por acesso terrestre. A CASAI utilizada fica em Aragarças, GO, distante duas horas

de viagem por via terrestre. A atenção em saúde de média e alta complexidade é

referenciada para o município de Cuiabá, não havendo informações da distância e do

período em horas da viagem no Plano Distrital. Esta aldeia abriga 91 pessoas. A

Figura 16 mostra graficamente o fluxo planejado para esta aldeia.

Figura 16 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Garças

Aldeia Garças (General Carneiro/MT)Aldeia Merure(General Carneiro/MT)

CASAI (Aragarças/GO)

Rede do SUS (Cuiabá/MT)

Posto de Saúde

LegendaAs setas representam os fluxos de referência para os usuários da aldeia Garças.

Pólo Base

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

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6.1.1.8 Aldeia Piebaga

A aldeia Piebaga está localizada nos arredores do município de Santo

Antônio do Leverger, MT, e no seu território tem um Posto de Saúde. O Pólo-Base

de referência é a própria CASAI, localizada no município de Rondonópolis, distante

uma hora de viagem por via terrestre. Os serviços de média e alta complexidade

oferecidos estão no município de Cuiabá, distante três horas por via terrestre. Esta

aldeia conta com 100 habitantes. A Figura 17 mostra de forma gráfica o fluxo

planejado para esta aldeia.

Figura 17 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Piebaga

Aldeia Piebaga (Santo Antônio do Leverger/MT)

Posto de Saúde

CASAI

(Rondonópolis/MT)Rede do SUS(Cuiabá/MT)

Legenda

As setas representam os fluxos de referência para os usuários da aldeia Piebaga.

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

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6.1.1.9 Aldeia Gomes Carneiro

Localizada na área rural de Santo Antônio do Leverger, MT, conta com um

Posto de Saúde e um Pólo-Base no seu território. A CASAI utilizada é a de

Rondonópolis, distante duas horas por via terrestre. Analogamente às demais aldeias

utiliza os serviços de média e alta complexidade oferecidos no município de Cuiabá,

distante cinco horas de acesso terrestre (ver Figura 18). Sua população é de 309

pessoas.

Figura 18 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Gomes Carneiro

Aldeia Gomes Carneiro(Santo Antônio do Leverger/MT)

Posto de Saúde e Pólo Base

CASAI (Rondonópolis/MT)

Rede do SUS (Cuiabá/MT)

LegendaAs setas representamos fluxos de referência para os usuários da aldeia Gomes Carneiro.

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

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6.1.1.10 Aldeia Perigara

Localizada no município de Barão de Melgaço, MT, conta com um Posto de

Saúde e um Pólo-Base. A CASAI de referência está no município de Cuiabá, bem

como os serviços de média e alta complexidade, distante uma hora por via fluvial

acrescida de duas horas por via terrestre. A população desta aldeia é composta por 83

pessoas. A Figura 19 mostra o fluxo planejado para esta aldeia.

Figura 19 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Perigara

Aldeia Perigara(Barão de Melgaço/MT)

CASAI (Cuiabá/MT)

Rede do SUS (Cuiabá/MT)

Legenda

As setas representamos fluxos de referência e contra-referência para os usuários daaldeia Perigara.

Posto de Saúde e Pólo Base

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.

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6.1.1.11 Aldeias Pakuera, Alto Ramalho, Paikun e Aturua (T.I.Bakairi, etnia Bakairi)

A Terra Indígena Bakairi localizada parte em Paranatinga e parte em Planalto

da Serra, foi homologada pelo Decreto 293, de 30 de outubro de 1991 (BRASIL,

1991) e está sob a administração regional da FUNAI Cuiabá. Suas ações em saúde

estão sob a responsabilidade do DSEI Cuiabá que repassa parte das suas atribuições à

Fundação UNISELVA. A Terra Indígena Bakairi possui uma área de 61.405ha onde

residem 415 índios em nove aldeias: Pakuera, Aturua, Cabeceira do Azul, Iahodo,

Kaiahoalo, Kuiakware, Alto Ramalho, Paikun e Sawopa. Dentre as ameaças que os

povos indígenas em geral enfrentam, se destaca a presença de conflitos fundiários

devido à presença de fazendeiros nos seus limites fronteiriços. A Missão Católica ali

sediada estimula e desenvolve três projetos de valorização cultural: um projeto de

valorização do patrimônio imaterial; outro de preservação cultural, memória e

patrimônio; e outro de produção audiovisual (ISA, 2008).

Segundo o PDSI 2005/2007 (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007)

o Posto de Saúde da aldeia Pakuera é referência para os seus próprios habitantes e

para as seguintes “aldeias satélites”: Cabeceira do Azul, Iahodo, Kaiahoalo,

Kuiakware, Alto Ramalho, Paikun e Sawopa. A aldeia Aturua possui o seu próprio

Posto de Saúde, que também deve fazer o mesmo fluxo planejado para a aldeia

Pakuera (ver Figura 20).

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Figura 20 – Fluxo planejado para as aldeias da Terra Indígena Bakairi

Ald. Sawopa

Ald. Paikun

Ald. Alto Ramaho

Ald. Kuiakware

Ald. Kaiahoalo

Ald. Iahodo Ald. CabeceiraAzul

Aldeia Pakuera

Posto de Saúde Municipal(Paranatinga)

CASAI Cuiabá

Rede do SUS(Cuiabá)Ald. Aturua

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DA SAÚDE, 2007.

Assim, para a Terra Indígena Bakairi o PDSI estabelece a seguinte

organização dos níveis de atenção à saúde: um Posto de Saúde tipo II na aldeia

Pakuera. Esta aldeia é referência para o atendimento em nível primário sub-nível 1

para os seus habitantes e os residentes nas aldeias satélites. Quando necessário, estas

unidades devem encaminhar os usuários para o posto de saúde municipal de

Paranatinga; se as necessidades forem de procedimentos de maior complexidade os

usuários devem ser encaminhados para a CASAI Cuiabá e desta para a rede de

serviços de saúde na própria capital, pois pertencem ao Pólo-Base de Cuiabá e não ao

Pólo-Base Rondonópolis, como mostra a Figura 20. É pertinente ressaltar que o

trajeto da aldeia Pakuera até o município de Paranatinga leva aproximadamente três

horas de viagem por via terrestre; e de Paranatinga até Cuiabá aproximadamente oito

horas, pois a distância entre os dois municípios é de 450km.

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7 O SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA E A SUA

RELAÇÃO COM A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE

Com o reconhecimento constitucional da importância das sociedades

indígenas e da competência da União para legislar e tratar das questões que as

envolvem teve início um processo de reconhecimento e extensão de direitos sociais

voltados para os povos indígenas, dentre eles, o direito à saúde. Assim,

aproximadamente dez anos após a criação do Sistema Único de Saúde foi criado o

Subsistema de Saúde Indígena como componente do SUS. Desta maneira, foi

atribuída à FUNASA/MS a responsabilidade de garantir a todos os povos indígenas a

universalidade do acesso aos níveis de assistência, a integralidade da assistência, a

participação social e a eqüidade. Um dos gestores entrevistados descreve essa

situação da seguinte forma:

Então nós temos o Sistema Único de Saúde e nós temos o Subsistema de Saúde, que é o DSEI, cuja finalidade seria a saúde indígena neste Sistema Único de Saúde. É, este sistema aqui da mesma forma como nós temos um sistema hierarquizado, descentralizado e tal, nós temos que ter e observar isto também (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Entretanto, desde que assumiu tais responsabilidades a FUNASA não dispõe

nem de recursos humanos, nem de infra-estrutura suficientes para a execução desta

função. Os depoimentos nos esclarecem que a instituição passa por um momento de

impasse quanto a sua existência e permanência no cenário nacional como executora

da atenção à saúde dos povos indígenas, contrariando ao que foi estabelecido desde o

Decreto 3.156/99 (BRASIL, 1999a) e Lei Arouca (BRASIL, 1999b).

Digamos que daqui a dez anos se nós não garantirmos a construção física vai ocorrer a descentralização [municipalização] a qualquer momento porque as adesões pelo Pacto da Saúde já estão ocorrendo, que é a consolidação do SUS. Então eu costumo dizer o seguinte: daqui uns dez anos quando nós sairmos de cena, porque o Distrito Sanitário tinha uma vida útil predeterminada que eram quatro anos e nós já estamos indo pra oito. [...] Aí então este Acórdão ele puxou a orelha da FUNASA porque em 2004 a Portaria 70 que diz que nós do Distrito Sanitário somos autoridade sanitária [...] a FUNASA teria que suprir de medicamentos, de combustíveis, de hora-vôo, então são ações específicas da instituição que ela não pode terceirizar, não poderia passar para o convênio. Só que

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a FUNASA teimou e continuou pactuando estas ações, até porque é muito mais rápido [...] nós trabalhamos com uma legislação engessada, arcaica, pra outra realidade que não a indígena, que tem que ser tratada com especificidades e com diferença, mas a lei não abriu espaço pra isto; em função disto a gente vive apanhando. Aí o que aconteceu? O Acórdão 823, que é de junho de 2005, veio e chamou a FUNASA pra responsabilidade de novo e disse: olha lá em 2004 naquelas portarias ministeriais saiu que vocês teriam que assumir essas atribuições aqui. E deu um bode danado. E com isso a FUNASA teve que propor uma repactuação com as conveniadas e que foi o que aconteceu agora no início deste ano, ou seja, ela teve que retomar as responsabilidades dela e deixar quase que especificamente a contratação de profissionais pros convênios. Até então ela pactuava tudo que você possa imaginar. Aí depois veio o Tribunal de Contas da União e diz: vocês estão burlando a Constituição Federal porque vocês não estão fazendo concurso público e isto é uma forma de burlar a Constituição porque este monte de profissionais que estão aí [...]. São 34 Distritos Especiais no Brasil, imagina só aqui em Mato Grosso são quatro Distritos: o Xavante, o Kaiapó, o Xingu e o Cuiabá, né, e a força de trabalho só aqui no DSEI Cuiabá são trezentos e poucos funcionários, então quando se pára pra pensar trabalhando no serviço público a princípio só que nós temos vários vínculos e tal, mas todos eles de certa forma burlaram a Constituição que diz que emprego público, que cargo público só mediante concurso público, né. E isto tá dando pano pra manga aí pra FUNASA porque ela tem um déficit de pessoal de três mil e quatrocentos pessoas, praticamente está sendo obrigada a fazer um concurso, não dá pra fazer às pressas, pra fazer concurso não está nem na governabilidade do Presidente da FUNASA e sim da Casa Civil, do Ministério do Orçamento [...], vagas precisam ser aprovadas, o processo é lento. Aí começam a comentar: ah mas o subsistema deveria funcionar só quatro anos, já está indo pra oito, será que vale a pena ainda? (Entrevistado 2, setembro, 2007).

A informação de que as atividades da FUNASA/MS deveriam ser conduzidas

por tempo predeterminado não condizem com os pressupostos da Política Nacional

de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas que reafirma o Subsistema de Atenção à

Saúde Indígena como estratégia de atenção à saúde dos povos indígenas. Outro

aspecto a ser destacado no depoimento anterior é a incapacidade em recursos

humanos da instituição, tendo em vista que, tanto no momento de criação do SUS

quanto do Subsistema o Brasil encontrava-se sobre forte influência do Fundo

monetário Internacional (FMI), órgão contrário a ampliação das atividades do Estado

como nação, o que não justifica a atual conjuntura da rede hierarquizada nas terras

indígenas. Assim, até os dias atuais, assegurada por normatizações específicas, a

FUNASA/MS faz convênios com organizações não governamentais e

governamentais no sentido de assegurar o direito à saúde dos índios, como observado

no seguinte depoimento:

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[...] porque nós assumimos em 99 de supetão, então a coisa veio, é claro tiveram algumas conversas [...] definiram como seria o Subsistema [...]. Só que a FUNASA não fez concurso público, ela não se preparou, nem se qualificou [...] por exemplo nós temos aqui a Associação Halitinã e ela só cuida dos Paresi; nós temos a Fundação UNISELVA que cuida dos Bororos, Bakairi, Umutina e Guató; Irantxe, miki, Enawene nawe é a OPAN. [...] quer ver é igual quando você vai pactuar com o município, o que eu posso regular para o município, o que eu posso garantir de consultas, de exames por exemplo, na Policlínica do Coxipó ou na Policlínica Odontológica do Coxipó: olha eu tenho uma demanda tal e eu gostaria de saber qual a periodicidade que eu posso mandar e quantas pessoas eu posso mandar e pra quais procedimentos (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Especificamente importante para a relação entre a FUNASA/MS e os

municípios foi a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a), pois ela

criou o “Fator de Incentivo de Atenção Básica” destinado a apoiar a implantação de

AIS e EMSI para atender as comunidades indígenas, numa clara tentativa de

aproximar a FUNASA/MS dos municípios que nos seus limites territoriais

apresentassem terras indígenas. No entanto, o cumprimento do estabelecido pela

Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a) apresenta problemas, como é

relatado pelo gestor:

[...] aí em 2002 teve um Diretor que atentou para a Portaria 1.163 e ele falou: mas espera aí, então nós temos uma outra fonte de recurso onde nós podemos buscar contratação de pessoal especificamente de equipes multidisciplinares de saúde indígena que é o recurso da SAS. Então a SAS, a Secretaria de Atenção à Saúde, que é um órgão ligado ao Ministério da Saúde, ele tem um recurso que é o recurso do PAB variável e por força da Lei Orgânica do SUS que é a LOSUS 8.080 de 90 e a 8.142 de 90, esta Lei obriga o governo federal a repassar somente fundo a fundo municipal ou estadual, então como este não pode vir diretamente pra FUNASA por força de Lei, certo, então qual foi a grande sacada deste Diretor quando ele viu esta lei e disse: temos uma outra fonte de recurso pra contratação aí de equipes multidisciplinares de saúde indígena (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Embora a FUNASA tenha atribuições não delegáveis, estas podem ser

complementadas pelos municípios e/ou estados. Assim, representada pelo seu

Coordenador Regional ou Chefe de Distrito, foi estabelecida a prática de acordar

verbalmente com o município em questão o emprego do recurso a ser transferido

fundo a fundo, encaminhando a solicitação para a Secretaria de Atenção à Saúde

(SAS) do Ministério da Saúde através de um memorando; então o pacto era validado

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153

com o repasse mensal do valor solicitado. O seguinte relato de um gestor é bastante

esclarecedor:

Em alguns municípios é mais fácil e em outros a gente encontra mais dificuldade. As nossas pactuações têm ocorrido verbalmente [...] na verdade elas deveriam ser oficializadas e tratadas de forma institucional. Então nós temos aqui a Prefeitura Municipal de Rondonópolis, nós temos aqui duas situações. Aqui nós temos o DSEI Cuiabá e nós temos aqui o Pólo-Base de Rondonópolis que ficaria normal em Rondonópolis, aí vem o governo federal aqui e repassa o recurso da SAS do Ministério da Saúde para a Prefeitura de Rondonópolis. Este recurso aqui ele é específico pra contratar equipe multidisciplinar de saúde indígena [...]. Aí entra o Chefe do Distrito aqui ele vem e conversa com o gestor municipal, Prefeito ou Secretário Municipal de Saúde, diz: olha nós temos um recurso que é da Secretaria de Atenção à Saúde, que é do PAB, Piso de Atenção Básica Variável, aí se vocês quiserem pactuar conosco a contratação de [...] (Entrevistado 2, setembro, 2007).

[...] a FUNASA definia quanto ia para os municípios, pactuava, isto não era uma coisa estruturada. Os atores que iam e negociavam [...] e aí a FUNASA depois que fazia esta pactuação local encaminhava o memorando para a SAS referindo o valor e os profissionais (Entrevistado 3, outubro, 2007).

Na ocasião da vigência da Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

1999a) além de se tratar de um recurso destinado à atenção à saúde das comunidades

indígenas, quem tinha a responsabilidade sobre a indicação do município a recebê-lo

era a FUNASA/MS, que também devia determinar o destino do recurso

remanescente em fundo municipal quando por alguma razão não fosse utilizado. No

entanto, embora a responsabilidade de indicação tenha sido reiterada pela Portaria

2.656/2007 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007), é importante ressaltar que não é

mais permitido utilizar este recurso para outros fins que não os especificados nesta

portaria. Ainda assim, observa-se que o município fica dependente das orientações da

FUNASA/MS e isto tem sido causa de impasses interinstitucionais, além de

dificultar as pactuações locais, como relatado pelo gestor 2:

Aí entra o Chefe do Distrito ele vem conversa com o gestor municipal [...] eles se sentem laranja, né, porque você diz: olha eu tenho deste recurso porque eu preciso contratar pessoal pra trabalhar pra nós, mas eu preciso de uma prefeitura. Então eles se sentem laranja e perguntam: mas o que eu ganho com isso? E daí esse dinheiro vem pra mim, eu contrato pra vocês e ainda vou pagar os encargos sociais? Percebe como é complicado? Por exemplo, um salário de um médico é cinco mil e

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quinhentos reais, segundo a tabela da SAS e o odontólogo é quatro mil e quinhentos reais, e esse valor aqui é líquido. Então aí você tem que convencer a prefeitura pra ela pagar os encargos sociais destes profissionais. Quer dizer, depende do ponto de vista, é uma coisa que precisa ser muito bem trabalhada e com muito cuidado, porque se a gente partir do princípio que é uma responsabilidade social do prefeito e do gestor municipal porque aqueles indígenas são munícipes dele e são eleitores dele [...]. Eu acredito que a FUNASA só não saiu de cena ainda por causa da resistência de alguns gestores. Salvo o Pacto pela Saúde que está comprando as adesões, eles estão financiando a atenção básica e não deixa de ser uma moeda de troca: olha eu vou financiar tudo o que vocês quiserem mas vocês têm que atender todas as pessoas inclusive o índio. Só que a gente ainda tem pessoas que falam: eu não quero saber de índio aqui. Eles criam associações, eles desviam o caminho: olha eu não quero saber desse povo aqui, resolva isto lá que eu pago por aqui. Esta é a realidade. [...] O objetivo é convencer eles a receber o meu recurso, eu resolvo o meu problema e que na verdade o meu problema é o problema do município (Entrevistado 2, setembro, 2007).

O segundo depoimento evidencia uma clara condução das normatizações para

o incremento do processo de municipalização da saúde, inclusive a saúde dos povos

indígenas. Entretanto, deve se observar que este caminho é insistentemente contrário

às reinvindicações daqueles que defendem a autonomia do DSEI com o

fortalecimento do Subsistema. Ainda neste depoimento observa-se evidências de

discriminação étnica o que torna claro, também, que ao mesmo tempo que o processo

de municipalização da saúde indígena toma forma legal através do Pacto de Gestão

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006c) ocorrem resistências por parte de alguns

gestores municipais quanto a garantia do acesso aos serviços de saúde pela

população indígena.

A partir de 2006, por ocasião da discussão e regulamentação do Pacto pela

Saúde, que entre outros critérios estabeleceu o repasse fundo a fundo através de

cinco blocos de financiamento, juntamente com a posterior regulamentação da

Política Nacional de Atenção Básica, foi retomada uma discussão, iniciada pela

FUNASA/MS em 2005 e referida na portaria 1.088 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

2005) que desde aquele momento foi esquecida, ou seja, sobre a regulamentação e o

controle do recurso.

Agora, já não diretamente na SAS, mas sob a responsabilidade do

Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS), a discussão

tomou proporções legais e entrou em vigor a Portaria 2.656/07 (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2007) que regulamenta o repasse dos recursos para as ações em saúde

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voltadas para a população indígena e realizadas pelos municípios e/ou estados. Na

visão de dois gestores entrevistados,

[...] O que aconteceu ao longo dos anos, de 2002 pra cá. Em 2002 quando o Ubiratan, o primeiro Diretor de Saúde Indígena da FUNASA, quando ele teve esta sacada aqui então ele buscou um valor e o valor era pouco, irrisório, mas necessário que atendia as necessidades, tá. Aí aos poucos, ao longo dos anos este valor foi subindo de forma que este ano quando nós fizemos a conta, nós observamos que o que se gasta hoje com o recurso da SAS corresponde a quase setenta por cento do valor que se gasta com o recurso próprio, teve uma escala assustadora. Isto é a municipalização. E aí você me responde agora por quê você acha que veio esta medida aqui [refere-se à Portaria 2.656/07]: vamos segurar a municipalização. Opa espera aí vamos segurar a municipalização por aqui ó [refere-se à redução do valor do recurso para a contratação de equipes multidisciplinares] (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Este recurso antes ficava diretamente na SAS [...]. A partir do ano passado inclusive com a formação dos blocos [...] que ele compõe o PAB Variável, esta parte que cabe à Atenção Básica passou a fazer parte do Departamento de Atenção Básica, então quem responde por isto é o DAB (Entrevistado 3, outubro, 2007).

Esta nova discussão foi fomentada pelo Conselho Nacional de Secretários

Estaduais de Saúde (CONASS) e pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais

de Saúde (CONASEMS), ambos solicitando maior autonomia sobre o recurso que

integra os recursos do Piso de Atenção Básica destinado aos municípios, além de ter

sido pauta da IV Conferência Nacional de Saúde Indígena (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2006b), que recomendou a autonomia do DSEI. Um dos gestores

entrevistados relatou que

[...] isto foi pauta de CONASEMS e CONASS. O próprio CONASEMS pediu que se fizesse uma reformulação geral da 1.163 e que isto não ficasse só nos incentivos, essa era uma demanda reprimida para as autoridades municipais e estaduais de saúde (Entrevistado 3, outubro/2007).

Entre as regulamentações trazidas pela Portaria 2.656/07 (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2007) cabe destacar o Termo de Compromisso, que é o instrumento que

formaliza a pactuação entre a FUNASA/MS e o município, o estabelecimento de

valores fixos loco-regionais per capta e por equipe multidisciplinar de saúde, assim

como a proibição do uso do recurso para fins não discriminados, e aceitando a sua

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devolução para o Fundo Nacional de Saúde, demonstrando assim uma maior

preocupação por parte do governo federal com o controle deste recurso. Como

relatou um dos gestores entrevistados,

Isto coloca um limite. Na Amazônia Legal nem tanto[...] porque antes tinha um per capita que variava de 3,00 a 16.000,00 e se tinha estes valores sem nenhum critério. [...] o que eles não usavam do recurso era utilizado pra construir CASAI, por exemplo, e o que a gente propõe é que este recurso volte se não utilizado (Entrevistado 3, outubro, 2007).

Espera-se que a regularização destes valores proporcione maior controle

sobre o seu uso, uma vez que ele deve representar apenas um incentivo para ações e

procedimentos de saúde, não devendo ser necessariamente empenhado para a

contratação de equipes multidisciplinares, AIS e AISAN. Como relatou um gestor,

O fato de ela [a Portaria 2.656/07] ter alguns artigos que fale sobre a equipe não vincula o recurso a isto, o recurso é para financiamento em atenção básica. [...] pode ser a própria equipe que atua a receber. Vai pactuar números de consultas e de procedimentos ou vai garantir que o profissional vá até a aldeia, atenda na unidade, lá no posto (Entrevistado 3, outubro, 2007).

Fica evidente que embora estes recursos saiam dos cofres da União,

responsável pela gestão e execução das ações de saúde aos povos indígenas, eles são

destinados aos cofres municipais e mesmo que o seu uso deva ser resultante de um

consenso entre as instâncias envolvidas, dentre elas a FUNASA/MS, não deve ser

entendido como um recurso que venha a fazer parte das ações da FUNASA/MS, pois

para isso ela dispõe de recursos próprios. Em última análise, o IAB-PI deverá ser

destinado às ações voltadas para os povos indígenas, mas sob a responsabilidade do

município atuando de forma complementar às da FUNASA/MS. O relato de um dos

gestores confirma que, “[...] com o Pacto [...] com a portaria 204, que regulamenta os

blocos de financiamento, fica claro que é para estados e municípios, a FUNASA/MS

tem um orçamento próprio que é quase o dobro deste valor só pra custeio, fora

capital” (Entrevistado 3, outubro, 2007).

Tendo este contexto geral na busca por maiores esclarecimentos quanto ao

atendimento aos povos indígenas pelo município de Rondonópolis foi constatado um

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conflito interinstitucional ocorrido no primeiro semestre do ano de 2007 ligado ao

repasse deste incentivo. Não há um consenso quanto às razões que levaram o

município a deixar tal recurso acumular no fundo municipal. Entretanto, fica muito

claro que uma vez bloqueado e impedido de ser devolvido conforme a legislação

vigente, na ocasião a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a), o seu

emprego deveria ser fruto de orientação da FUNASA/MS. Foi neste momento que o

conflito se instalou com sérios prejuízos para a garantia do acesso e a qualidade do

atendimento aos usuários Bororo.

Em alguns momentos ficou claro que a prefeitura teria como objetivo utilizar

este recurso para incrementar os serviços de saúde municipais já existentes e

disponíveis ao acesso da população indígena, mas isto, até o momento de finalização

da coleta de dados pelas entrevistas, ainda estava em negociação como comprova a

declaração a seguir:

[...] tem um repasse que é feito todos os meses e este repasse estava acumulado, parado numa conta da prefeitura. [...] O prefeito esteve in loco neste CASAI [...] e nós observamos que realmente as instalações eram muito ruins [...] foi aonde o prefeito juntamente com todo o conselho dos índios [...] decidimos comprar com aquele dinheiro que estava parado [...] uma Van e estar melhorando as condições físicas da CASAI. Então hoje nós temos uma unidade [...] onde a gente propôs com mais este dinheiro que está acumulado estar melhorando este nosso posto de saúde da COAB pra estar dando atendimento diferenciado para o índio. [...] então está sendo estudado, eles estão conversando, nós vamos estar analisando realmente o que for melhor pra eles, se vai ser realmente mexido na CASAI ou se vamos ter uma unidade [...] que atenda em separado o índio do branco [...] (Entrevistado 1, maio, 2007)

Porém, não há conhecimento, por parte da Secretaria Municipal de Saúde de

Rondonópolis, da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e dos

seus pressupostos, acarretando, dessa maneira, um precário entendimento do critério

da especificidade étnica e cultural, confundido em alguns depoimentos como a

defesa de privilégios comprometendo, portanto, a integralidade das ações em saúde.

Além disto, disputas institucionais ligadas à gestão propriamente dita da saúde

indígena, também caracterizada pela disputa de poder sobre o território, são razões

que assumem maior importância tanto no âmbito da FUNASA/MS quanto do

município. Quem de fato é o gestor da saúde indígena? O município, órgão federado

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autônomo sobre o seu território ou a FUNASA/MS órgão do Ministério da Saúde

responsabilizada pela inclusão dos usuários indígenas no Sistema Único de Saúde?

Segundo relatos obtidos na pesquisa de campo essa dualidade é também sentida em

termos operacionais, como mostra a seguinte fala:

Então esta Portaria 70 que diz que nós do Distrito Sanitário somos autoridade sanitária [...] só lá naquela portaria tá, porque a gente não tem autoridade nenhuma na verdade. Você quer ver, pega o distrito aqui, nós temos dezesseis municípios, cada gestor municipal é uma autoridade municipal, ele é uma autoridade sanitária no seu município, unidade da federação. E o Chefe do Distrito? Eles são autoridades sanitárias também do Distrito Sanitário cuja jurisdição abrange os dezesseis municípios, quem é a autoridade sanitária? [...] No âmbito do Subsistema tem uma autoridade sanitária que é o Chefe do Distrito, mas a partir do momento que eu entro na jurisdição municipal, do gestor municipal, que é o Secretário Municipal de Saúde e aí? Que autoridade tem o Chefe do Distrito? E vice-versa (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Em meio a este conflito não se identifica uma proposta efetiva de implantar e

implementar os princípios da referida política. Vincula-se o recurso ao sentido de

uma justa recompensa por prestar o serviço a quem dele necessita; porém, como este

não está sendo repassado fica estabelecida uma condição de igualdade destes

usuários com os outros munícipes na disputa pelo atendimento, condição que é

mediada e facilitada pela CASAI Rondonópolis. O depoimento a seguir é bastante

ilustrativo dessa situação.

Então foi feita a proposta, foi aprovada, só que não está acontecendo, um está cumprindo sua parte, nunca deixou de fazer [...], só que o recurso não está vindo, está bloqueado. [...] mas de uma maneira geral o atendimento está aí e é a mesma qualidade da população geral [...] ele é atendido como qualquer outro usuário, mas não se dá aquela preferência como cem por cento que é o que se pretendia se tivesse aquela ampliação[...] de ter aquele controle todo (Entrevistado 2, maio, 2007)

Se não se vislumbra um entendimento entre instâncias meso-gestoras quanto

ao repasse dos recursos e, conseqüentemente, a um atendimento diferenciado para os

usuários indígenas, não se pode dizer o mesmo em nível micro-gestor, pois os

profissionais tanto da CASAI quanto das unidades de serviço municipal

desenvolvem cotidianamente estratégias emergentes que garantem o acesso dos

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usuários indígenas aos diferentes níveis de complexidade da atenção em saúde.

Como relatou um dos gerentes,

Às vezes tem dois indiozinhos agendados e elas chegam com quatro, a gente consegue O agendamento pré-natal sempre é feito anteriormente [...] chega hoje alguém procurando eu vou ali no caderno e vejo [...] está cheio mas não é prolongado, então a gente agenda ela vem, aí quando sai desta consulta já deixa a próxima remarcada. [...] este atendimento aqui nesta cidade ajuda muito porque, poxa, eles chegarem ali, precisarem de um pediatra vim aqui e a gente conseguir encaixar [...] (Entrevistado 25, maio, 2007).

Entretanto, não há conformidade entre os depoimentos quanto ao local mais

adequado para o atendimento a estes pacientes. Alguns defendem o estabelecimento

de uma equipe multidisciplinar de saúde na CASAI Rondonópolis sob o argumento

de facilitar o acesso; para outros, a melhor opção está em incrementar os serviços já

existentes, sendo que esta solução conta com o apoio de alguns usuários indígenas.

Um entrevistado se mostrou preocupado com essa situação e comentou como o

prefeito tentou resolver, ou atenuar o problema.

[...] talvez seria melhor se tivesse um local, um centro de saúde de referência deles, como o Centro de Saúde da Cohab pra eles não ficarem andando muito dentro da cidade [...] ou então se eles estivessem sendo atendido mais próximo lá da CASAI, seria melhor pra eles, pra eles ter uma referência. Aí foi que o prefeito propôs pra aumentar este centro de saúde pra atender e ser referência deles, dos índios Bororo e da população branca, daí que eles não aceitaram, diz que se fosse pra arrumar aqui tinha que arrumar lá na CASAI que não tinha um alojamento digno, que precisava de reformas lá. Aí que ele fez uma apartamento lá e tal, e comprou a Van com o dinheiro, mas diz que ainda restava do dinheiro ainda e este dinheiro ainda está por aí (Entrevistado 19, maio, 2007).

Considerando os posicionamentos ambíguos não se deve esquecer que a

CASAI deve ser um local de apoio aos usuários indígenas que necessitam do

atendimento, acolhendo o usuário e os seus familiares, e não uma unidade que

ofereça atendimento em saúde. Caso contrário há risco de se construir um sistema de

saúde voltado para os povos indígenas paralelo ao sistema nacional de saúde, não

reconhecendo este último como uma política de estado universal direcionada pela

eqüidade.

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7.1 O FLUXO FORMAL DO DSEI CUIABÁ NAS TERRAS INDÍGENAS E

AS SUAS RELAÇÕES COM O MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS

O fluxo formal é o fluxo formalmente indicado aos usuários pelos

profissionais de saúde das instituições envolvidas e que não segue os fluxos de

referência já estabelecidos no PDR e no PDSI. Esse fluxo é resultante da articulação

criativa entre os níveis de atenção realizado pelos profissionais de saúde da CASAI

Rondonópolis e os profissionais da rede municipal de serviços de saúde, e tem como

principal artifício as relações pessoais.

Este fluxo representa claramente as estratégias emergentes defendidas por

MINTZBERG et al. (2006b). Para melhor compreender a descrição a seguir, convém

lembrar que o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deve assegurar o acesso do

usuário à rede de assistência em saúde, ainda na aldeia, através de um modelo

organizacional hierarquizado dividido em Postos de Saúde tipo I e II, Pólo-Base tipo

I e II e CASAI. Com exceção da CASAI e Pólo-Base tipo II os outros dois devem

estar em terras indígenas, como é confirmado no depoimento a seguir:

[...] então nós temos o Sistema Único de Saúde e nós temos o Subsistema de Saúde, que é o DSEI, cuja finalidade seria a saúde indígena neste Sistema Único de Saúde. [...] nós temos a responsabilidade pela atenção integral aos povos indígenas, mas especificamente a atenção básica. Por que integral? Porque a partir do momento que é de nossa responsabilidade pegar o índio que está na comunidade e levar para a primeira referência. (Entrevistado 2, setembro, 2007).

BECH (2002) esquematiza o modelo de atenção em saúde segundo os

critérios de organização dos recursos. Desta maneira, o primeiro nível de atenção em

saúde deveria contemplar dois sub-níveis: o sub-nível 1, que equivale à atuação das

equipes do Programa Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários

(PACS), e o sub-nível 2, equivalente às policlínicas e centros de saúde. Os demais

níveis de atenção, secundário e terciário, deveriam, através de tecnologias de

densidade tecnológica crescente, oferecer resolutividade em hospital/ambulatório

especializado e hospital/alta tecnologia, respectivamente. Este modelo auxilia a

compreensão do modelo de atenção em saúde estabelecido pela Política Nacional de

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Atenção à Saúde dos Povos Indígenas para a organização hierarquizada dos serviços

de atenção básica em terras indígenas considerando seus saberes culturais e práticas

tradicionais de auto-cuidado. O depoimento a seguir caracteriza bem esse modelo.

Então nós temos aqui a aldeia, em cada aldeia desta geralmente nós temos um Posto de Saúde e neste Posto de Saúde é onde trabalha o AIS e o AISAN, é o Agente Indígena de Saúde e o agente indígena de saneamento, que são os profissionais que atuam diretamente nas aldeias, tá. A primeira referência deles vai ser o Pólo-Base tá, então digamos que aqui seria o Pólo-Base de Rondonópolis. Então eu estou falando da estrutura de referência deles, [...] se nós não garantirmos resolutividade na atenção básica neste Pólo-Base aqui, que ficam as equipes multidisciplinar de saúde indígena, o supervisor de saneamento, então se eu não encontro resolutividade aqui [na verdade tudo aqui já é o SUS], aí eu vou referenciá-lo pra o primeiro município de referência (Entrevistado 2, setembro, 2007)

Portanto, o nível primário no seu sub-nível 1 que está representado pelos

Postos de Saúde tipo I e tipo II, que devem estar lotados pelo AIS, pelo AISAN e

pelo Técnico de Enfermagem, cujas funções são equivalentes ao do Agente

Comunitário de Saúde da rede municipal, embora em terras indígenas deva ser

valorizadas as práticas tradicionais de cuidado. O sub-nível 1 também está

representado pelo Pólo-Base tipo I onde deve estar lotada a Equipe Multidisciplinar

em Saúde (EMSI) equivalente a Equipe Saúde da Família. Os demais níveis de

atenção, o sub-nível 2, o secundário e o terciário, devem ser contemplados na rede de

serviços municipal e/ou estadual, sendo de responsabilidade da CORE/FUNASA e

DSEI/FUNASA a integralidade das ações. Cabe ressaltar que o Pólo-Base tipo II e a

CASAI não têm unidades equivalentes na organização da rede para os usuários não

indígenas, pois essas unidades foram criadas para dar suporte aos índios em trânsito

submetidos a cuidados de saúde.

Ainda assim, não é esta a organização que se observa no âmbito do DSEI

Cuiabá, especificamente no Pólo-Base Rondonópolis, onde se verifica uma

reorganização interna na qual o Pólo-Base tipo I é “virtual” - termo utilizado pelos

profissionais do DSEI para mostrar que a sua existência é só no PDSI, e não

materialmente, como demonstra o relato à seguir.

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Então aqui nós temos a sede da Coordenação Regional, ela é uma unidade gestora e nós somos Distrito Sanitário, apesar de sermos chamados de autoridade sanitária nós somos gestores das ações e das responsabilidades, só, porque os gestores dos recursos é a Coordenação Regional ta, então aqui nós temos desdobramentos, nós temos as Casas de Saúde do Índio, por exemplo nós temos a CASAI Rondonópolis, a CASAI de Tangará da Serra e tem a CASAI Cuiabá. Nós temos três Casas de Saúde e temos os Pólos Base que são virtuais enquanto estrutura organizacional da FUNASA e que está no regimento interno e tudo mais. [...] Ela não existe fisicamente. O único Pólo-Base físico, com estrutura física que nós temos no âmbito do Distrito Cuiabá é o do Bacaval que fica nos Parecis, lá no município de Campo Novo do Parecis, a conveniada lá é a Associação HALITINÃ. [...] É uma bandeira de luta minha tornar estes Pólos-Base virtuais em físicos, porque os Pólos- Base virtuais são os PSFs indígenas de amanhã, porque o que nós temos de PSF hoje, estas Policlínicas, estas estruturas físicas que ofertam a atenção básica à população não indígena, na população indígena em área indígena deveriam ser os Pólos-Base (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Em Rondonópolis, o Pólo-Base não constitui uma unidade física localizada

em uma aldeia estrategicamente escolhida para lotar a Equipe Multidisciplinar de

Saúde Indígena (EMSI), mas sim corresponde a um território amplo que se sobrepõe

aos limites geográficos de três municípios: Barão de Melgaço, Santo Antônio de

Leverger e Rondonópolis, podendo receber pacientes indígenas de outros municípios

e de outras microrregiões. O Pólo-Base Rondonópolis tem na CASAI Rondonópolis

a sua sede e está localizado no município de Rondonópolis.

Este território de abrangência intermunicipal equivale também ao espaço de

atuação da Fundação UNISELVA/UFMT, responsável pelas atividades em saúde

realizadas nas aldeias. As ações que deveriam estar disponibilizadas aos usuários

indígenas no Pólo-Base tipo I, são supridas pela rede municipal a partir dos centros

de saúde. A Figura 21 mostra esquematicamente essa reorganização que expressa o

fluxo formal estabelecido pelos profissionais tanto da CASAI Rondonópolis quanto

do município, para dar a estes usuários a garantia do acesso aos serviços de saúde.

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Figura 21 – Fluxo formal do Pólo-Base Rondonópolis, DSEI Cuiabá, MT

Aldeia Praião

Aldeia Pobore

Aldeia Tadarimana

CASAI /Rondonópolis

Aldeia Gomes Carneiro e Piebaga

Pólo Base deRondonópolis

Rede Municipalde Saúde(Rondonópolis/MT)

Aldeias Pakuera, Alto Ramalho e Paikun

Aldeia Sangradouro

Fonte: Ilustração com base nos depoimentos dos entrevistados, colhidas no período de maio à outubro, 2007.

Na Terra Indígena Tadarimana, localizada nos limites geográficos do

município de Rondonópolis, as aldeias menores, Pobore e Praião estão sob os

cuidados dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e de Saneamento (AISAN). Estes

referenciam os pacientes para a aldeia Tadarimana onde fica lotado um técnico de

enfermagem, que tem ligação direta com a CASAI de Rondonópolis através de rádio

ou telefone. A CASAI é quem se responsabiliza por referenciar este usuário aos

serviços de saúde municipal, respeitando as necessidades dos pacientes e os níveis de

complexidade. Este fluxo formalizado entre os profissionais foi relatado por um

usuário indígena da seguinte forma: “Aí a gente liga de lá [...] o postinho de saúde lá

da aldeia tem enfermeiro aí se tem problema eles pedem lá pelo rádio se pode ser

marcada a consulta, aí a pessoa vem no carro. [...] precisando aquele paciente ele só

entrega aí na CASAI, né! “(Usuário 1, junho, 2007).

As aldeias Pakuera, Alto Ramalho e Paikun são da etnia Bakairi e, segundo o

Plano Distrital de Saúde Indígena, deveriam ter como referência o município de

Cuiabá. Entretanto, utilizam a rede de saúde municipal de Rondonópolis. Além desta

etnia, também foram encontrados registros de usuários da etnia Xavante residentes

na aldeia Sangradouro. Os Xavante são de responsabilidade do DSEI Xavante e,

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portanto, têm no território deste Distrito as referências planejadas. Já os integrantes

das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga, Bororo residentes no município de Santo

Antônio do Leverger, são em grande quantidade registrados pela CASAI

Rondonópolis, embora para o PDSI o município de referência deveria ser Cuiabá.

O fluxo de referência formal é um exemplo do exercício do princípio da

integralidade quando reflete a existência de uma rede local de assistência baseada na

experiência dos profissionais de saúde e na satisfação dos usuários. Embora o

princípio da integralidade tenha em si um conceito mais ampliado, é possível analisá-

lo à luz dos conceitos de estratégia emergente e estratégia realizada de MINTZBERG

et al. (2006b). Neste caso, a estratégia emergente é a própria estratégia dos

profissionais da CASAI de articular as ações de saúde com os profissionais de saúde

do município para inserir os usuários indígenas na rede de atenção à saúde uma vez

que não está prevista no plano, exceto para as ações nos Centros de Saúde como já

foi demonstrado no Capítulo 3. Aqui a estratégia emergente corresponde às práticas

locais exercidas pelos atores com o objetivo de garantir a assistência à saúde dos

índios em todos os níveis de atenção oferecidos pela rede municipal de saúde. Já a

estratégia realizada se confirma através do fluxo formal, pois a sua prática apresenta

alguns elementos dos fluxos planejados de forma combinada2. MINTZBERG et al.

(2006c) ao discorrer sobre a formação das estratégias esclarece o processo de

moldagem destas à medida que são implementadas e, recordando o exemplo do

oleiro e do gerente é possível se verificar a recondução das ações no âmbito do Pólo-

Base Rondonópolis a começar pelo seu próprio conceito.

MATTOS (2004) identifica pelo menos três sentidos para o princípio da

integralidade: o primeiro diz respeito à articulação das ações preventivas com as

assistenciais; o segundo se refere à organização dos serviços de saúde; e o terceiro

está voltado para as práticas de saúde.

Embora o princípio da universalidade do acesso garanta o direito à saúde a

todos os cidadãos brasileiros, a FUNASA foi responsabilizada por torná-lo legítimo

aos povos indígenas. Assim, a garantia da integralidade como princípio fundamental

2 Os fluxos planejados são as estratégias deliberadas. No Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI) o elemento apresentado é a CASAI Rondonópolis; e no caso do Plano Diretor Regionalizado (PDR) o elemento planejado que complementa a estratégia emergente é a rede municipal de saúde de Rondonópolis.

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relativo às ações entre os serviços de saúde voltado para os usuários indígenas

oficialmente cabe à FUNASA. Através do DSEI a FUNASA deve garantir a

organização hierarquizada dos serviços de saúde na área indígena garantindo as

ações de atenção básica a todos os seus habitantes, seja de forma direta, seja através

de parcerias com ONGs ou municípios. Também cabe a ela, por meio do CORE e do

DSEI, garantir o acesso destes usuários a qualquer outro nível de atenção. Este

princípio deve ser garantido através da pactuação entre as instituições envolvidas

caracterizando a estratégia como posição adotada pela organização frente ao meio.

Porém, nem sempre este pacto é firmado e freqüentemente ocorrem conflitos

relacionados à responsabilidade pelas ações e pelo recebimento de incentivos ao

atendimento, não estando voltado para o direito universal à saúde e tão pouco à

diversidade étnica e cultural dos povos indígenas. Isto fica flagrante no seguinte

depoimento de um dos gestores.

Veja só a PPI é um momento que a FUNASA não despertou ainda que ela teria que estar participando, fica muito da gente, fica muito da compreensão, entendimento, da responsabilidade e do interesse de cada Chefe do Distrito, digamos assim. Na medida do possível eu tenho procurado conversar com os municípios até por conta desta história do Pacto da Saúde [...] e a gente deveria na verdade estar pactuando junto com eles porque o problema é que nós da FUNASA não conseguimos descer do altar ainda, entendeu? E eu reconheço isto, nós ficamos na quase contramão do sistema, porque a gente só despertou pro SUS quando levou um susto, porque até então a própria FUNASA, a própria direção da FUNASA não tinha despertado pra isso, e o SUS ele vem sendo discutido desde 1982, já se discutia o SUDS né, e a gente só começou a despertar: opa, espera aí! Aí é que nós começamos a fazer a descentralização, por exemplo a utilizar a tecnologia de controle das doenças, das endemias, quando passamos a distribuir as unidades de saúde para os municípios, foi em 1992, as endemias foi mais pra frente em 1997, aí passamos as endemias, aí depois mudou a missão da instituição e tal, fomos assumindo outras funções, outras atribuições e em 1999 assumimos a saúde indígena e eu diria, eu arrisco em dizer que foi em meados da década de 90 que a FUNASA despertou que nós estávamos no SUS, que nós éramos o SUS e até hoje o que eu observo é assim que precisa descer do altar ainda e dizer que nós somos o Sistema Único de Saúde e que nós precisamos estar pactuando junto. É, só que assim, é, eu fico preocupado porque nós temos que ter uma diretriz, um norte da direção maior da instituição dizendo que rumo tomar, por exemplo você pega o Pacto pela Saúde, por exemplo, lá na página [...] é a única referência que eles fazem da FUNASA, então eu acredito que a FUNASA ela continua tendo a responsabilidade pelas ações da saúde indígena mas assim, é uma citação muito curta, muito pequena, bem específica e pontual. Eles citam em duas linhas e ponto final e você não vê mais falar em FUNASA em lugar nenhum [...] o que eu quero dizer é

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o seguinte que quando você tem instituições ainda que sejam de bens comuns, pensando em uma finalidade única mas agindo de forma diferente fica complicado, você não tem uma sinergia, a tão falada transversalidade entre as instituições, entre os Ministérios e entre as esferas de governo (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Atualmente, não há pactuação entre a FUNASA/DSEI Cuiabá e o município

de Rondonópolis, situação fortemente demonstrada nos depoimentos. Porém, entre

os municípios de abrangência do Pólo-Base de Rondonópolis se destaca Santo

Antônio do Leverger pela situação diferenciada com que administra o Incentivo de

Atenção Básica para os Povos Indígenas (IAB-PI). Este município recebe no seu

fundo R$ 73.350,00 (setenta e três mil, trezentos e cinqüenta reais) oriundos dos

cofres da União, repassa este valor para uma Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público (OSCIP), o Instituto Creatio, que contrata grande parte dos

profissionais que atuam na CASAI Rondonópolis, unidade sob a responsabilidade do

DSEI/FUNASA e localizada no município de Rondonópolis. Um dos gestores

entrevistados descreve bem essa situação.

E aí Santo Antônio já é uma outra história [...] o recurso vem fundo a fundo e a prefeitura municipal é que se conveniou ao Instituto Creatio [...] então o Ministério da Saúde repassa pra cá, para prefeitura municipal que repassa para o Instituto Creatio e que contrata os profissionais [...] então aqui é administração indireta (Entrevistado 2, setembro, 2007)

Contudo, além da complementaridade por parte dos municípios às ações da

FUNASA, ela poderá efetivar convênios com Organizações Não-Governamentais

(ONGs), Fundações Universitárias e/ou Associações Indígenas no sentido de garantir

a atenção básica em terras indígenas. Isto ocorre em todo o território nacional e tem

base legal na Lei Arouca (BRASIL, 1999b), sendo que este processo deve ser

formalizado através da Planilha de Intenções de Trabalho acordada entre a ONG e a

FUNASA.

Esse procedimento no âmbito do DSEI Cuiabá, bem como na maioria dos

Distritos Sanitários Especiais Indígenas em todo o país, se faz necessário devido à

incapacidade física e de recursos humanos do próprio DSEI para executar as ações

em saúde em toda a sua área de abrangência. Assim, as ações em saúde estão

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divididas da seguinte maneira entre as conveniadas: Associação Halitinã, atende os

Paresi; a Fundação UNISELVA, os Bororo, os Bakairi, os Umutina e os Guató; e a

OPAN, os Enawene Nawe, Miki e Irantxe.

Observa-se uma situação peculiar quanto ao atendimento dos Nambiquaras.

Os integrantes desta etnia manifestaram descontentamento em relação ao

atendimento prestado. Então, o Distrito assumiu as ações, mas os novos profissionais

contratados são mantidos pela mesma organização não-governamental rejeitada, a

OPAN, conforme relatou um gestor:

[...] lá por 2005 eles entenderam que a OPAN não tinha mais condições de cuidar da saúde deles [...] aí nós criamos um meio termo entre a OPAN e o DSEI [...] nós fizemos um misto de gestão, os profissionais foram contratados pela OPAN, mas a gestão direta é do Distrito (Entrevistado 2, setembro/2007).

O convênio com as ONGs tem início de um modo geral com a manifestação

da ONG formalizando o seu interesse em trabalhar com determinada etnia ou

território esclarecendo a sua experiência na condução destes trabalhos, capacidade

estrutural e de recursos humanos para as ações, plano de ação, etc. Depois de

manifestada a intenção, que poderá ser no DSEI ou no CORE, quem decide é a

Presidência da FUNASA e, para isto, também são levadas em consideração questões

políticas e políticas partidárias, como mostra este depoimento:

[...] mas geralmente elas apresentam um protocolo de intenções se candidatando e dizendo que capacidade que elas têm, qual foi a experiência que elas tiveram e a força de trabalho delas, mostrando seu perfil. Os manifestos são os desejos de trabalhar e em que região que eles gostariam [...] a princípio é isto, mas aí tem uma coisa que é a questão política que é feita diretamente na Presidência da FUNASA. [...] A porta de entrada pode ser até o DSEI mas geralmente a Presidência da Funasa que é procurada (Entrevistado 2, setembro, 2007)

Estes convênios têm uma vigência de no máximo cinco anos, mas durante

esse período eles são renovados anualmente. Antes da renovação é habitual uma

recontratação das ações e confirmação da intenção de continuar por parte das

instituições envolvidas. Como relatou um gestor,

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Todos os convênios, por lei, não podem ser superior ao período de cinco anos [...] e aí eles têm uma vigência anual, isto é, a cada 12 meses a FUNASA antes do término do convênio eles propõem a re-pactuação das ações [...] quatro meses antes eles propõem a continuação, porque se não vão continuar a FUNASA tem que procurar outra pra que as ações não tenham prejuízo (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Destaca-se neste processo a necessária apreciação do CONDISI da proposta e

da organização requerente tendo em vista os pressupostos da Portaria 70/2004

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004), contudo este momento não foi relatado pelos

entrevistados. A dimensão do princípio da integralidade que se relaciona com a

prática de saúde (MATTOS, 2004), aparentemente, também não está contemplada

nas práticas da conveniada UNISELVA nas aldeias Bororo e Bakairi, pois essa

deveria contratar várias equipes de modo que ficassem fixas e estabelecessem

vínculos com a comunidade atendida, porém o que se vê são equipes

multidisciplinares de saúde indígena itinerantes e com intensa rotatividade nas

aldeias, conforme consta dos seguintes relatos:

Nós temos aqui, por exemplo, 11 equipes multidisciplinares de saúde indígena em todo o DSEI. Temos equipes itinerantes, digamos assim, elas trabalham 20 dias em área e descansam 10 dias, poderiam ficar por exemplo mais fixas em determinada região mas daí por jogo de cintura das conveniadas ao invés de contratar mais de uma equipe eles fazem rotatividade em áreas diferentes (Entrevistado 2, setembro, 2007).

Hoje dotô Jaime vem, não sei se vai vim mesmo pra fazê trabaio lá na aldeia fica uma semana lá. [...] consultando todo mundo, a central que é Tadarimana, Jurigue, Praião e Pobore (Usuário 3, junho, 2007).

A apropriação das reflexões feitas por MATTOS (2004, p.1.414) de que

“Defender a integralidade é defender antes de tudo que as práticas em saúde no SUS

sejam sempre intersubjetivas, nas quais profissionais de saúde se relacionem com

sujeitos, e não com objetos”, aponta para a conclusão que as equipes

multidisciplinares de saúde indígena realizam ações focalizadas, fragmentadas e de

reduzida qualidade colocando em risco a aplicabilidade dos princípios fundamentais

do SUS.

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7.1.1 Os Índios e o Acesso à Rede Municipal de Saúde em Rondonópolis

Dentre as unidades ambulatoriais e hospitalares municipais de Rondonópolis

a população indígena utiliza com maior freqüência: o Centro de Saúde Arnaldo

Foster, comumente denominado Posto de Saúde da COHAB; o Centro de Saúde

Jardim Guanabara, também identificado pela população como FUSMAT (antiga

Fundação de Saúde de Mato Grosso); o ambulatório hospitalar e unidade de pronto-

atendimento do Hospital e Pronto-Socorro Municipal de Rondonópolis; a Santa Casa

de Misericórdia; o Hospital Regional Irmã Elza Giovanella; o centro de

especialidades (CEADAS); e a policlínica.

O fluxo formalmente indicado pelos profissionais de saúde aos usuários

indígenas para garantir o acesso à rede hierarquizada de serviços de saúde no Pólo-

Base Rondonópolis, desde os postos de saúde nas aldeias até as unidades de saúde

municipais, pode ocorrer de três maneiras. A primeira diz respeito ao acesso do

usuário aos serviços de atenção básica de saúde, como demonstrado na Figura 22. De

acordo com os registros e relatos, o usuário sai da aldeia em busca de tratamento de

saúde, se hospeda na CASAI e é acompanhado pelos seus profissionais até as

Unidades Básicas de Saúde, entre as quais a mais utilizada, devido à proximidade da

CASAI Rondonópolis é o Posto de Saúde da COHAB. Este oferece atendimento

médico em três especialidades básicas: ginecologia/obstetrícia, pediatria e clínica

médica, consulta de enfermagem pré-natal e curativos em geral.

Após a consulta médica o usuário retorna para a CASAI. Caso tenham sido

solicitados exames laboratoriais o usuário é encaminhado para outro centro de saúde

denominado Centro de Saúde Jardim Guanabara (ou FUSMAT) para agendar e/ou

realizar o procedimento solicitado. Dali voltará para a CASAI, onde aguardará o

resultado ou voltará para a aldeia e aguardará contato via rádio ou telefone para

retornar a Rondonópolis para nova consulta.

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Figura 22 - Fluxo formal para atenção básica realizado pelos usuários indígenas na rede municipal de saúde em Rondonópolis

Posto de Saúde

Aldeia

CASAICASAI Posto de Saúde da Coab

As setas verdes identificam o fluxo de referência

As setas amarelas identificam a contra-referência

Centro de Saúde Jardim Guanabara

Fonte: Informações obtidas na CASAI Rondonópolis durante o período de coleta de dados.

A segunda maneira está relacionada às necessidades de urgência e

emergência tendo o Hospital e Pronto-Socorro Municipal e a Unidade de

Atendimento de Urgência e Emergência do Hospital Regional Irmã Elza Giovanella

como locais de primeiro atendimento. Neste caso, os usuários indígenas, quando

dispõem de carro na aldeia, se deslocam para a unidade hospitalar entrando em

contato com a CASAI durante o percurso ou ao chegar na unidade. Se não tiverem

meio de transporte imediato e à sua disposição, solicitam para a CASAI e esta manda

um carro para buscar o paciente e seus familiares. Assim, somente em situações de

emergência os usuários se dirigem às unidades de saúde sem o acompanhamento dos

profissionais de enfermagem da CASAI; contudo os mesmos são avisados durante o

trajeto da aldeia até o município ou no momento da chegada. A Figura 23 mostra

graficamente o fluxo formal para a urgência e emergência.

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Figura 23 – Fluxo formal para urgência e emergência

Posto de Saúde

da AldeiaCASAI

Hospital e Pronto Socorro Municipal deRondonópolis

Hospital RegionalIrmã Elza Giovanela

Hospital São José

Santa Casa deMisericórdia

Legenda

Setas VerdesIndicam o fluxo dereferência para procedimentos de urgência e emergência.

Fonte: Informações obtidas na CASAI Rondonópolis durante o período de coleta de dados.

A terceira maneira lida com o acesso aos procedimentos especializados.

Nestes, o paciente sai do Posto de Saúde da aldeia e busca, através da CASAI, para

ser atendido como demonstrado na Figura 24. A rede especializada é amplamente

utilizada pelos índios que são encaminhados via Central de Regulação (CER) ou, em

casos de urgência e emergência, através do Pronto-Socorro Municipal ou Unidade de

Atendimento de Urgência e Emergência do Hospital Regional Irmã Elza Giovanella.

Para procedimentos M1, M2 e M3 os pacientes Bororo, independente da

unidade de referência, seja ela o Posto de Saúde ou a rede hospitalar do SUS, passam

pela CASAI para que esta os encaminhe. Este encaminhamento se dá da seguinte

forma: se os procedimentos solicitados são oferecidos pelo Centro de Especialidades

(CEADAS), Policlínica e Hospital Paulo de Tarso, os profissionais de enfermagem

da CASAI Rondonópolis articulam com a Central de Regulação as consultas e/ou

exames necessários; mas, se o procedimento solicitado for fisioterapia a própria

CASAI refere o paciente diretamente ao Centro de Reabilitação do Deficiente Físico

Nilmo Junior, unidade de reabilitação sob gestão municipal ou à Clínica de

Fisioterapia Dr. Alcides, conveniada à rede do SUS; se a necessidade for

odontológica os pacientes são encaminhados para a APAE. Se necessário, os

pacientes permanecem hospedados na CASAI até o término do tratamento ou então

retornam para as aldeias. A Figura 24 mostra esses fluxos.

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Figura 24 – Fluxo formal para procedimentos M1, M2 e M3 para os usuários indígenas

Posto de Saúde

da Aldeia

CASAI

Central de Regulação

Centro de Reabilitaçãodo Deficiente FísicoNilmo Junior ou ClínicaDe Fisioterapia Dr. Alcides eAPAE

CEADAS, Policlínicas eHospital Paulode Tarso

Hospitais SUS

Centros de Saúde

Legenda

Setas VerdesIndicam o fluxo de referência para procedimentos M1, M2 e M3.Setas LaranjasIndicam a contra-referência para os procedimentos M1, M2E M3.

Fonte: Informações obtidas na CASAI Rondonópolis durante a coleta de dados.

Para todos os procedimentos observa-se a presença dos profissionais da Casa

de Saúde do Índio (CASAI) encaminhando e/ou acompanhando os pacientes às

unidades de serviço. Devido a isto, a contra-referência ocorre na mesma proporção

em que se dá o acesso aos serviços, como mostram os seguintes depoimentos:

[...] Os Bororo só são encaminhado pra cá e daqui pra Cuiabá é encaminhado pela CASAI ou pelo Hospital mas com o conhecimento da CASAI. Mas Rondonópolis, graças à Deus, é uma cidade que quase tudo se resolve aqui e de todas as unidades que eu conheço esta daqui sempre foi em primeiro lugar pelo fato de Rondonópolis ter quase tudo e ser atendido aqui. Então, quando os Bororo sai é encaminhado pela CASAI ou pelo médico direto pra Cuiabá, inclusive é a gente que leva e traz (Entrevistado 30, junho, 2007). [...] É assim que funciona eles saem da aldeia, porque lá não tem a equipe que deveria ter, lá os auxiliares de enfermagem encaminham pra cá, por exemplo: [...] o paciente está sentindo dor torácica, apresentando temperatura o que que você acha? Ele já tomou tal medicação na aldeia, já usou isto, isto e isto e não está apresentando melhora. Aí eu falo: Manda pra mim. Aí manda pra CASAI, faz uma pré-consulta comigo, aí o técnico acompanha até a unidade pra tratar, até o PA, tipo assim, aí no PA consulta com um clínico. Só que às vezes eu não gosto de ir lá no PA, porque lá é mais urgência e emergência, o que que eu estou fazendo? Estou tentando consultas em postos de saúde, porque a consulta é mais detalhada, conversa com o médico; no PA é mais urgência e

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emergência, rapidão e aí a gente tenta vagas nas unidades hospitalares pra consultar com um clínico e de lá ele encaminha para um especialista tipo otorrino, um obstetra, um neuro. Aí a gente vai e vê a questão da vaga na central de vagas e vê se consegue regular este paciente para um especialista, só que é um pouco mais demorado. Agora se o clínico avaliando lá ele vê que a questão é mais séria, é grave, ele já encaminha de imediato de lá já vai logo, não aguarda não. [...] Então é assim eles saem da aldeia tem a folha de encaminhamento né, que são estas aqui. Aqui tem a data, a aldeia de origem, por exemplo Tadarimana, o destino, vamos supor pra CASAI, a pessoa ou paciente põe o nome dele aqui, o sexo, a idade, a ação demandada, o procedimento, se é emergência ou urgência põe um xizinho aqui. Aqui neste espaço conta a história do paciente, o que ele referiu lá na aldeia, por exemplo cefaléia, dor torácica, o auxiliar coloca isto lá na aldeia e o auxiliar assina aqui, manda pra mim. Chegando aqui a gente ouve a história dele na pré-consulta, manda para as unidades pra ser atendido, atendeu lá, o médico fez prescrição, chegando aqui eu sei que eles estão tomando medicação de 6 em 6 horas, de 8 em 8 horas, de 12 em 12, na hora certinha, lá na aldeia eu não tenho esta certeza se ele vai tomar. Lá é o seguinte a medicação chega com o paciente, aqui os meninos preparam a medicação e dizem: Esta aqui você vai tomar as 14 horas lá na sua casa. Aí eu me pergunto será que ele tomou esta medicação? Por isto se for um caso mais grave eu deixo ele comigo aqui e quando eu vejo que ele apresentou melhora ele vai pra aldeia, aí eu coloco falta tomar mais tantos dias a medicação, aí quando ele volta pra aldeia é a contra-referência e aqui neste espaço de contra-referência eu relato tudo o que ele fez, foi consultado com tal doutor, em tal unidade, foi avaliado isto, isto, fez tal exame, foi diagnosticado tal situação e foi prescrito tal medicamento, aí coloca os cuidados tudo certinho que tem que ser feito lá na aldeia, se tiver retorno anoto: Aguardar agendamento de retorno que será dia tal. [...] Aí se for, por exemplo no dia 15, ele tem que estar aqui no dia 14, ele vem um dia antes (Entrevistado 28, maio, 2007).

7.2 O FLUXO POR CONTA DO USUÁRIO NAS TERRAS INDÍGENAS

SOB A ABRANGÊNCIA DO PÓLO-BASE RONDONÓPOLIS

O fluxo por conta do usuário é aquele realizado sem o auxílio dos

profissionais de saúde sejam da FUNASA, sejam do município. Este fluxo mostra os

próprios caminhos que o usuário utiliza para garantir o seu acesso à determinada rede

de serviços.

Não foi encontrado nenhum relato que indicasse a existência deste fluxo no

Pólo-Base Rondonópolis. Ao contrário os índios demonstram intensa dependência

dos profissionais de saúde da CASAI Rondonópolis para ter acesso aos serviços de

saúde municipais. Esta dependência é em parte explicada pela história de dominação

sofrida pelas comunidades indígenas Bororo, Bakairi e Xavante.

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Com base nos depoimentos fica uma dúvida, ainda por ser esclarecida em

estudos futuros, a respeito da existência de preconceito no atendimento aos usuários

indígenas, como evidenciam os depoimentos a seguir.

Aqui no município, desde a época que eu trabalhava com a saúde indígena e até hoje eles são bem aceitos, os índios; o pessoal aceita bem, eles são bem atendidos algum ou outro médico que diz assim: Ah, mas estes índios têm verba exclusiva pro médico atender eles, o que eles vêm fazer aqui! E eu falo assim: Olha doutor estes médico eles é volante, ele não mora só numa aldeia, enquanto ele está numa aldeia o outro índio adoeceu, foi picado por uma cobra, aconteceu acidente, e aqui é a referência deles e a gente tem que trazer eles aqui. Aí ele fica nervoso e eu falo: financeiro eu não entendo de financeiro, o senhor procure o setor financeiro e vai lá conversar porque eu só entendo de assistência, que a pessoa tem que ser atendida e é aqui que é o local de trazer ele! Então eu falava assim quando eu trabalhava, entendeu? Algum ou outro profissional que se referia a isto, mas do contrário são bem assistidos as pessoas são bem atendidos por eles (Entrevistado 23, maio/2007). Assim ao meu ver esta questão é boa, eu até agora não tive nenhum problema com a equipe médica da cidade, o povo é bem atendido, nunca tive divergência com médico nenhum, todos atendem muito bem [...], a questão dos exames né, atendem direitinho, tudo certinho (Entrevistado 22, maio, 2007)

Atualmente, o maior problema encontrado pelos usuários indígenas e pelos

profissionais dos serviços municipais é a dificuldade de comunicação e o despreparo

dos profissionais para atender esta população diferenciada, conforme mostra o

depoimento a seguir:

Olha na verdade, eu até me surpreendo porque a faculdade não dá base nenhuma pra gente atuar na saúde indígena e eu fiquei sabendo que tinha esta vaga, deixei meu currículo em Cuiabá e fui chamado pra atuar aqui só que, tudo bem os procedimentos quanto aos índios e não-índios é a mesma coisa, só que a cultura é diferente, é mais trabalhoso trabalhar com eles do que com os não-índios, entendeu? [...] Na fala, na língua deles. [...] Em relação aos médicos eles atendem sem problema nenhum, o único problema com relação aos médicos é quando eles atendem Xavantes, porque alguns Xavantes não falam português; aí não tem comunicação, agora mesmo veio uma criança com desidratação e a mãe não fala português, aí não tem aquela troca de informação, então a gente pede quando vem alguém pra cá que venha alguém que fale o português. E na internação o pessoal dos hospitais pede que vá alguém acompanhar e que acaba ficando lá junto na internação, o ideal é que a gente tivesse aqui uma enfermaria só pra atendê os índios, uma enfermaria indígena igual Brasnorte, lá tem uma área indígena, um Pólo-Base indígena e aqui já que Rondonópolis recebe este dinheiro deveria já ter implantado nas

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unidades Santa Casa, São José, nos hospitais a enfermaria indígena para atender o índio ali dentro (Entrevistado 23, maio, 2007).

Ao ser interrogado sobre a qualidade de um possível atendimento a um

usuário que por ventura chegasse sozinho a uma unidade de serviços de saúde, um

entrevistado relatou:

Eles chegariam lá e ficariam meio perdido, porque tem toda aquela parte de documento, as vezes perguntam uma coisa pra eles e eles não vão saber falar. E quando eles vão acompanhado, quando a gente fala é o paciente X elas sabem até o que o paciente tem, elas conseguem imaginar o que o paciente pode estar sentindo, aí eles têm dificuldade pra passar pros médicos, eles têm facilidade de passar pra gente, lá eles ficam inibido e acabam não passando e aí onde pode acontecer de prescrever um medicamento que não vai surtir efeito porque faltou informações (Entrevistado 23, maio, 2007).

MACHADO et al. (2007) defendem uma outra dimensão da integralidade.

Para eles a integralidade é tratada como eixo norteador da educação em saúde

visando o exercício do trabalho em equipe desde a formação do profissional. Estes

autores defendem também, a existência de estratégias que favoreçam o diálogo, a

troca, a transdisciplinaridade entre os diversos saberes, formais e não-formais, que

possam contribuir com as ações de promoção à saúde tanto a nível individual quanto

coletivo. Então, se é para ser assim, os depoimentos transcritos levam à conclusão de

que alguns dos profissionais envolvidos com o atendimento ao índio não estão

preparados para fazê-lo. A preparação profissional é precária e seletiva tanto para a

condução das estratégias de atuação que poderiam associar a prevenção e a

assistência, quanto na prática do acolhimento, na compreensão dos saberes culturais

que conduzem às ações de aceitação ou de negação do procedimento estabelecido.

Esta situação é evidenciada no seguinte depoimento:

[...] Agora eu acho que teria que ter, inclusive eu já havia comentado com a enfermeira do Pólo Regional, sobre a necessidade de preparar a equipe dos hospitais para o atendimento indígena, capacitação com toda a equipe médica, toda a equipe, entendeu? Teria que ter esta capacitação inclusive [...] ficou de ver isto e ficou de chamar eu e um outro profissional que também trabalha aqui e é índio pra estar indo nos hospitais pra falar com os médicos sobre a capacitação para o atendimento aos povos indígenas. [...] Eu fiquei sabendo que vai haver uma pós na UFMT em saúde indígena e que a prioridade era o pessoal

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que já trabalhava em área. Eu fiz o curso básico de antropologia com o antropólogo Edson lá na Chapada, muito bom. Lá eu aprendi todo o perfil do índio de todas as etnias, foi muito bom, foi bem básico né, e lá me falaram desta pós que iria acontecer em Cuiabá. E eu acho que todo o profissional que trabalha com saúde indígena tem que ter uma capacitação em antropologia, porque entra, e a gente não sabe como mudar a cabeça destes índios de um dia pro outro. Nem é mudar, eles têm os costumes deles, a tradição deles e eu não vou conseguir mudar. E muitos funcionários quando entram aqui pra trabalhar eles querem que seja igual o branco, não vai ser igual o branco. O jeito de falar, a postura deles, tudo isto não vai ser nunca igual a nós. A questão dos acompanhantes quando vêm pacientes pra cá, agora diminuiu, mas antes vinha até cinco acompanhantes e eu acabo conversando com eles e retornam os outros ficando um só, mas o índio quando adoece a família adoece, aí eles vêm pra cá porque quanto mais próximo do paciente melhor, ocorre aquela troca de energia positiva e a pessoa vai melhorar mais rapidamente. Se o paciente está aqui na CASAI e a família está lá na aldeia eles não ficam tranqüilos, aí acaba vindo todo mundo. Tem muita gente que não entende a saúde indígena, acha um absurdo! Mesmo este curso de capacitação precisaria para os nossos técnicos de enfermagem, lógico não tão aprofundado quanto uma pós-graduação ou numa faculdade né, eu acho que esta capacitação em antropologia não teria que ser só para a equipe de saúde, teria que ser também para os Chefes de CASAI, para que todos entendessem por que as vezes a CASAI lota, por que vem tanta gente, às vezes eles não entendem isto. Eu fiz a capacitação na Chapada, a gente fala pra eles e eles não acreditam, eles falam que isto não existe: Eles são assim porque eles querem ser mesmo! Não entendem que é a história deles! (Entrevistado 23, maio, 2007).

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8 COMPARAÇÃO ENTRE OS FLUXOS PLANEJADOS E O

FLUXO FORMAL PARA OS USUÁRIOS INDÍGENAS: ACESSO

E UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

Das 10 aldeias Bororo, citadas no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI)

(FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007), pacientes de somente seis foram

registrados pela CASAI de Rondonópolis: as aldeias Tadarimana, Pobore e Praíão no

município de Rondonópolis; as aldeias Gomes Carneiro e Piebaga no município de

Santo Antônio do Leverger; e a aldeia Merure no município de General Carneiro.

Não foi possível identificar se as demais (Jurique, Garças, Morada Bororo e

Perigara) seguiram o fluxo planejado, formal ou, se para estas aldeias ocorre algum

fluxo por conta do usuário em busca do acesso, tendo em vista que o objeto de estudo

foi o Pólo-Base Rondonópolis e a aprovação do CONEP ressaltou a atuação da

equipe de pesquisa fora das aldeias.

Entretanto, pacientes das etnias Bakairi e Xavante foram citados nos mesmos

registros como usuários da rede municipal de saúde do município de Rondonópolis.

É o caso das aldeias Pakuera, Alto Ramalho e Paikun da etnia Bakairi no município

de Paranatinga; da aldeia Sangradouro da etnia Xavante no município de General

Carneiro. A aldeia Sangradouro divide o território de ocupação com a aldeia Merure

do povo Bororo e, embora sejam etnias rivais, os usuários são acolhidos da mesma

maneira pelos profissionais da CASAI sem alterar significativamente a dinâmica da

unidade, como confirmam os seguintes depoimentos:

Não, na nossa dinâmica não, o que pode ocorrer é que Bororo não gosta de Xavante e não simpatiza muito com Bakairi; então é entre eles e não nós, pra mim particularmente, chegou aqui é índio e tudo igual, e é atendido tudo igual (Entrevistado 23, maio, 2007). Os Bororo não queriam que a gente atendesse nem Bakairi e nem Xavante aqui dentro. Eles queriam só a etnia deles, mas aí é uma briga entre eles. A CASAI tem que atender qualquer índio que bater aqui. Tranqüilo, porque quanto ao agendamento tanto agendo para Bakairi, para o Bororo e para o Xavante. [...] Eu procuro separar, eu não deixo no mesmo quarto o Bororo, o Bakairi e o Xavante. Outra coisa quando vem Bakairi pra cá eu já agendo a consulta e se o médico não pede exame no dia seguinte já volta, Eu já peço as passagens pra Cuiabá de ida e volta pra não dar problema aqui dentro (Entrevistado 31, maio, 2007).

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Os nossos são Bororo, todos são Bororo, mas nós atende outras etnias também, o Bakairi e o Xavante. Mas casualmente, não é repetido, direto. Como a Casa de Saúde do Índio é nacional, a gente tem que atender todo o índio que chegar no nosso portão, então nós atende todos os que chega. O Xavante é difícil acontecer, mas acontece, e nós atende ele mesmo que o Bororo não aceite. O Bororo não gosta, eles têm rivalidade, mas nós atendemos (Entrevistado 4, maio, 2007).

8.1 ALDEIAS TADARIMANA, POBORE E PRAIÃO (T.I. TADARIMANA)

A aldeia Tadarimana está localizada na área rural de Rondonópolis, na Terra

Indígena Tadarimana (T.I. Tadarimana). Tem um Posto de Saúde tipo II na qual fica

lotado um auxiliar de enfermagem e onde se hospeda a Equipe Multidisciplinar de

Saúde Indígena (EMSI), contratada pela Fundação UNISELVA, responsável pela

assistência à saúde dos seus moradores. Próximo a esta aldeia existem mais duas

aldeias menores, ditas “aldeias satélites”, Pobore e Praião, cujos moradores utilizam

os mesmos serviços de saúde oferecidos para os da aldeia Tadarimana.

De acordo com o PDSI, e utilizando o modelo de BECH (2002) para maior

compreensão, todas as ações caracterizadas como de nível primário sub-nível 1

deveriam ser garantidas pela Fundação UNISELVA em caráter permanente a todos

os moradores desta aldeia atendendo às orientações da proposta da Promoção da

Saúde também dialogando com o Modelo Saúde da Família. Porém, no Livro de

Registros de Atendimentos Ambulatoriais da CASAI Rondonópolis, há registros de

procedimentos realizados nos usuários indígenas nos postos de saúde de

Rondonópolis que vão desde consultas médicas até procedimentos individuais

preventivos e educação em saúde, demonstrando claramente a ineficiência do

planejamento destas ações pela conveniada e pelo Distrito Sanitário Especial

Indígena (DSEI). Estes achados evidenciam claramente a reprodução do modelo

médico hegemônico focado na concepção de saúde como ausência de doença e não

como qualidade de vida. A análise comparativa entre os fluxos planejados e o formal

demanda uma reflexão sobre os princípios básicos (ou fundamentais) do SUS, bem

como os princípios organizativos considerando os contextos locais.

BECH (2002) conceitua “territorialidade” como o espaço demograficamente

delimitado, espaço físico, onde devem atuar as unidades de saúde responsáveis pelos

grupos humanos ali estabelecidos. Este conceito vem de encontro com o de território-

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físico defendido por MENDES (1996). Ampliando o conceito de territorialidade,

“território” não pode ser somente um espaço estaticamente delimitado, apenas um

espaço físico. Território é um espaço onde circulam pessoas e estas não seguem

necessariamente a organização administrativa, pensada e planejada. Território é um

espaço vivo onde as pessoas vivem as suas diferentes realidades e por isto é preciso

focar nos problemas que envolvem o território geográfico, o território como um

espaço político, o território como uma unidade federativa, como um espaço

comunitário e como um lugar de expressão cultural para que as ações

governamentais sejam efetivas (BOUSQUAT e OLIVEIRA, 2006; RIBEIRO, 2007).

Este incremento reflexivo sobre a concepção de território reflete o conceito de

território-processo (MENDES, 1996). Portanto, o espaço físico que delimita o

território de atuação do município de Rondonópolis, tornando-o responsável por seus

habitantes, contempla também o território enquanto espaço vivo, conforme mostram

os seguintes depoimentos:

[...] Os Bororo só são encaminhados pra cá e daqui pra Cuiabá, é encaminhado pela CASAI ou pelo Hospital, mas com o conhecimento da CASAI. Mas Rondonópolis, graças à Deus, é uma cidade que quase tudo se resolve aqui, e de todas as unidades que eu conheço esta daqui sempre foi em primeiro lugar pelo fato de Rondonópolis ter quase tudo e ser atendido aqui. Então quando o Bororo sai é encaminhado pela CASAI ou pelo médico direto pra Cuiabá, inclusive é a gente que leva e que traz (Entrevistado 1, maio, 2007). [...] Tanto que muitos pacientes que ficam doentes na aldeia não querem ir pra Cuiabá, preferem vir pra cá, não sei se é mais perto, ou é prioridade deles (Entrevistado 2, junho, 2007). A [...] esta técnica de enfermagem que eu te falei que já está aposentando disse que foi reunido uma equipe de índios lá em Cuiabá para falar da qualidade da assistência das CASAI, e eles disseram que das CASAI do Mato Grosso a melhor é a daqui de Rondonópolis. Eu fiquei até feliz por isto porque a qualidade da assistência, a agilidade da assistência, das consultas né, [...] também por isto a procura destes pacientes é pra cá (Entrevistado 5, maio, 2007). Eu vim exame de é [...] eu sinto pobrema de cabeça, dor assim. Aí eu já fiz RX, já peguei todo o resultado, falta só ir no médico, mas falta só um exame chegar, aí quando este exame chegar eu vou no médico, aí eu vou embora. [...] Os exames aqui foi tudo fácil porque eles já tinha colocado vaga né. Eles manda chamá quando eles agenda, né. [...] Recebe, recebe bem. Eu acho que ta tudo bom. Este enfermeiro aí eu achei ele muito bom da veis que eu vim aqui com meu guri, ele é atencioso, a gente vai na consulta ele pergunta o que deu lá, quando que tem que voltá (Usuário 2, junho, 2007).

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Outro princípio organizacional da rede de serviços a ser considerado nesta

análise comparativa é o da cobertura. “Cobertura” é o critério que estabelece a

existência de uma ou mais equipes assistenciais prestando serviços em saúde a um

grupo de pessoas (BECH, 2002). Este critério não está sendo contemplado pelo

município uma vez que não há equipes multidisciplinares atuantes nas aldeias e que

façam parte do quadro de profissionais da rede municipal de saúde de Rondonópolis.

Exceção a isto são os “mutirões”, ações propostas pelo município, mas que não têm

regularidade e não utilizam os pressupostos da Promoção da Saúde, ou seja, ações

intersetoriais voltadas para o desenvolvimento sustentável e promoção da cidadania.

Por outro lado, a FUNASA deveria prestar assistência em nível primário aos índios

Bororo; contudo, como já relatado e analisado as Equipes Multidisciplinares de

Saúde Indígena (EMSI) são itinerantes, com ações pontuais e fragmentadas. Dessa

forma, o princípio da cobertura se encontra ameaçado tanto pela falta de ações

realizadas pelo município de forma complementar quanto pela FUNASA através da

conveniada nas aldeias Tadarimana, Pobore e Praião.

Seguindo a análise, se o princípio da cobertura não se aplica à realidade

destas aldeias, há também comprometimento do pressuposto organizacional:

“estratégia única”. “Os serviços de saúde devem ter uma estratégia comum em cada

um dos níveis de atenção, assim como direção única, sem deixar de respeitar o que

cada setor ou território possui de particularidades” (BECH, 2002, p.15). Este

conceito reforça a prática da integralidade em todas as suas dimensões, mas mais

especificamente na que se relaciona com as práticas de saúde nas aldeias e nas

unidades de serviço da rede municipal. Considerar as especificidades culturais e

étnicas nas práticas de saúde por parte dos profissionais não é somente um princípio

organizativo, mas um pressuposto básico para que se garanta de fato o direito à

saúde; portanto, ele deve ser um objetivo a ser sempre alcançado.

Conforme mostram os depoimentos a seguir, a maioria dos procedimentos

utilizados pelos Bororo na rede básica de saúde municipal são os ginecológicos, os

obstétricos e os pediátricos:

A maioria são os ginecologistas com os pré-natais e as crianças com problemas respiratórios (Entrevistado 1, maio, 2007).

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São as doenças respiratórias, né. A parte da diarréia não é muito porque eles usam muito o leite materno, agora bronquite, bronquiolite, pneumonia, viroses (Entrevistado 10, junho, 2007). Tem muita criança, muita gestante e também casos de DSTs; e os demais é clínico mesmo, machuca ali, ou uma picada de cobra; também aparece muito, casos de ortopedia porque lá na aldeia eles jogam muita bola (Entrevistado 14, maio, 2007).

O Quadro 4 mostra os fluxos planejados para a atenção básica, PDSI e PDR,

comparados com o fluxo formalmente indicado pelos profissionais à comunidade

Bororo de Rondonópolis.

Quadro 4 - Fluxos de referência planejados e formal para atenção básica para os Bororo residentes em Rondonópolis

Fluxos Planejados Procedimentos Grupo PDSI PDR

Fluxo Formal

Consulta Pré-natal 02 PS Tadarimana (EMSI) ou PS Rondonópolis

Rondonópolis PS Tadarimana (EMSI) e/ou CASAI Rondonópolis - PS Rondonópolis

Consulta em pediatria 02 PS Tadarimana (EMSI) ou PS Rondonópolis

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

Procedimentos individuais preventivos e de dentística (odontologia)

03 PS Tadarimana (EMSI)

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

Assistência às doenças prevalentes na infância

00 PS Tadarimana (EMSI)

Rondonópolis CASAI Rondonópolis - PS Rondonópolis

Consulta em clínica médica 02 PS Tadarimana (EMSI) ou PS Rondonópolis

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

Consulta em ginecologia e obstetrícia

02 PS Tadarimana (EMSI) ou PS Rondonópolis

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

Assistência ao parto 02 PS Tadarimana (EMSI)

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

Educação em saúde (Palestra em psicologia)

04 PS Tadarimana e/ou PS Rondonópolis

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

PPD 01 PS Tadarimana e/ou PS Rondonópolis

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

Procedimentos especializados realizados por médico, enfermeiro e/ou nível médio

07 PS Tadarimana e/ou PS Rondonópolis

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

Consulta/atendimento de urgência em clínicas

02 PS Tadarimana e/ou PS

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – PS

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médicas Rondonópolis Rondonópolis Eletrocardiograma 17 PS Tadarimana

e/ou PS Rondonópolis

Rondonópolis *CASAI Rondonópolis – PS Rondonópolis

Atendimento médico de urgência com observação de até 8 horas

02 PS Tadarimana Rondonópolis **CASAI Rondonópolis - PS Rondonópolis

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS DE MAIO A NOVEMBRO, 2007. * Como no PS de Tadarimana não há eletrocardiógrafo, este exame é oferecido no Centro de Saúde Jardim Guanabara. ** Os pacientes com necessidades médicas em caráter de urgência, em geral por acidentes ofídicos e hipertensão arterial, são conduzidos ao Hospital e Pronto Atendimento Municipal de Rondonópolis.

Quanto às gestantes moradoras em Tadarimana, sabe-se que deveriam ser

atendidas no PS de Tadarimana e o parto realizado na própria aldeia, como parte da

manutenção dos costumes culturais, uma vez que este momento tem significado

diferenciado para as populações indígenas. Embora este seja um conceito

antropológico conhecido e aceito pela maioria dos profissionais envolvidos, este

depoimento chamou a atenção para a especificidade deste momento:

[...] Era um sonho meu atender índios, e eu sempre tive na minha cabeça que parto de índio era uma coisa muito tranqüila quando na realidade nós temos observado na prática aqui que não é [...] nós temos uns partos normais difíceis que acabam virando cesariana, eu já tive experiência; então deixar um trabalho desse só para a aldeia onde não tem suporte é complicado. Porque quando está correndo tudo bem, está correndo tudo bem, mas parto normal não é bem assim, elas têm que ter um nível de atenção igual a toda mulher e pelo jeitinho delas até mais, porque elas não sabem reclamar, pelo menos com a gente aqui, não sei lá na aldeia, mas o trabalho de parto delas [...] aí elas diferem bem do branco porque elas não são de gritar, chorando, implorando cesárea, não acontece isto! Elas ficam quietinhas até a hora de darem a luz, entendeu? É diferente, mas isto não significa que elas não mereçam atenção, eu acho que até tem que tomar cuidado porque como elas ficam quietinhas se o médico não tomar cuidado ele perde o parâmetro! (Entrevistado 11, junho, 2007).

Assim, segundo informações da CASAI e do PS municipal de Rondonópolis,

mesmo quando as gestantes indígenas recebem o primeiro atendimento na aldeia, são

encaminhadas para a rede municipal para integrar o programa Saúde da Mulher e, na

ocasião do parto, ser atendidas na rede hospitalar, contrariando claramente o que foi

proposto pelo Modelo Assistencial da Vigilância da Saúde que fundamenta as

práticas de saúde nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas e, em última análise,

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contraria o Plano Distrital de Saúde Indígena que preconiza a Saúde da Mulher e da

Criança como áreas programáticas a serem contempladas ou pela UNISELVA ou

pelo DSEI em terras indígenas. Para as pacientes das aldeias Pobore e Praião, a

assistência ao parto também é oferecida na rede hospitalar municipal, principalmente

pela Santa Casa de Misericórdia. De maneira semelhante à das grávidas da aldeia

Tadarimana, o acompanhamento pré-natal é feito nos postos de saúde da rede

municipal, inclusive quando a Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI)

esteve na área.

[...] Existe um médico que ele é contratado pelos índios e eu acho que é o estado que paga ele. [...] Eu estou falando pra você porque eu recebo muitas cartinhas dele com as gestantes índias e elas já passaram por ele, né. [...] Mas não sei te explicar o motivo que já é uma prática de algum tempo das gestantes índias virem a este posto de saúde quando eu trabalho aqui, então eu tenho um grande movimento de atendimento destas índias aqui. Eu tenho feito, ou tento fazer, com maior carinho. Acho que elas têm ficado satisfeitas com o nosso atendimento, e até também porque eu dou plantão na Santa Casa, porque aqui é o atendimento do pré-natal, e na Santa Casa é o hospital aqui do município que é conveniado com o SUS que quando elas vão ganhar nenê elas vêm pra cá. Então como eu faço plantão lá, eventualmente acontece de os pré-natais que eu tenho feito acabar nascendo comigo também. Então talvez por estes atendimentos acabou criando um certo vínculo (Entrevistado 10, junho, 2007).

Os procedimentos odontológicos individuais preventivos deveriam ser

realizados no PS de Tadarimana quando da presença do profissional odontólogo

integrante da EMSI, mas os registros da CASAI mostram estes procedimentos,

juntamente com os de dentística, sendo realizados na APAE municipal de

Rondonópolis, supostamente devido às condições inadequadas para o atendimento na

aldeia, fazendo com que as ações fiquem comprometidas.

Assim, todos os procedimentos registrados pela CASAI Rondonópolis,

embora de responsabilidade principalmente do DSEI Cuiabá e da conveniada, são

oferecidos pelo município respeitando o planejado para a microrregião e definido no

Plano Diretor Regionalizado (PDR), mas com a articulação da CASAI

Rondonópolis. Observa-se aqui uma situação ambígua quanto à inserção dos

pacientes indígenas na rede de serviços de saúde do SUS, pois mesmo existindo uma

equipe teoricamente voltada para o atendimento nas terras indígenas em nível

primário, o município oferece, simultaneamente, os mesmos serviços tanto à

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população não indígena quanto à indígena. Esta situação aponta para a necessidade

de adequar as práticas de saúde da EMSI considerando as especificidades culturais

dos povos indígenas, onde os profissionais devem voltar as suas ações para a

promoção da saúde no ambiente em que vivem os grupos sociais.

Embora não se pretenda aqui fazer uma análise profunda sobre a situação dos

serviços de saúde e os seus respectivos financiamentos, objeto de intensos debates

tanto nacionais quanto internacionais, se faz necessário considerar que com muita

freqüência se vê o fenômeno da “mercantilização da saúde” na nossa sociedade.

Neste sentido, NOGUEIRA e PIRES (2004, p.756) relataram que:

A estreita relação entre o direito à saúde e o fundo público [...] mostra que o potencial das ações e serviços de saúde ultrapassa o papel da regulação política da força de trabalho, sendo, também, uma atividade potencial e crescentemente lucrativa que envolve diversos setores produtivos, desde os produtores de insumos e pesquisas até as intervenções, via atendimento médico e hospitalar à população.

No contexto loco-regional em estudo, o Pólo-Base de Rondonópolis e a sua

relação com a rede municipal de saúde, se observa o citado fenômeno com muita

clareza ao se deparar com o conflito interinstitucional já comentado relacionado ao

Incentivo de Atenção Básica aos Povos Indígenas (IAB-PI). É certo que as práticas

de saúde demandam recursos para garanti-las e que os mesmos devem ser fruto dos

esforços dos três entes federativos: União, estados e municípios; contudo, não devem

constituir obstáculos ao bem maior que é o direito universal do acesso à saúde.

A Carta Magna (BRASIL, 1988) brasileira traz no seu texto dois artigos

pertinentes para a reflexão e posterior análise contextual sobre os direitos sociais e o

direito à saúde:

Art. 6 São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

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No campo jurídico, “direito” pode assumir pelo menos três significados e

ainda ser diferenciado em direito individual e direito coletivo. Assim, para

DALLARI e FORTES (1997) “direito” é um sistema de normas que regulamenta o

comportamento do indivíduo na sociedade; “direito” é sinônimo de justiça; e,

“direito” pode ainda ter um sentido subjetivo. Embora seja importante conhecer estes

significados do termo direito, para o setor saúde é fundamental que se tenha em

mente as suas dimensões individual e coletiva.

O direito individual está associado à liberdade do indivíduo, e no caso

específico da saúde diz respeito à liberdade de escolha, por exemplo, quanto ao tipo

de tratamento e as condições de trabalho. Já no plano social, o direito à saúde se

relaciona tanto às obrigações dos indivíduos visando o bem comum, como por

exemplo, a vacinação, o isolamento em caso de alguma doença infecto-contagiosa,

ao controle do meio-ambiente, etc; quanto à garantia da oferta de atenção à saúde a

todos que deles necessitam (NOGUEIRA e PIRES, 2004).

Portanto, o direito universal à saúde não só garante aos Bororo o acesso a

todos os serviços públicos, municipais e estaduais, como também garante, na forma

da lei, um atendimento diferenciado, não entendo esta diferenciação com caráter de

privilégio, mas respeitando as escolhas desses pacientes em se submeter ou não a um

determinado procedimento. Assim, embora estes usuários tenham acesso aos serviços

de saúde e não tenha ocorrido nenhum depoimento que revelasse o contrário, é certo

que isso ocorre devido à articulação dos profissionais envolvidos e é com pesar que

se constata um risco iminente de não contemplá-lo nas instâncias superiores das

instituições envolvidas.

Embora sem a lei não se garanta a igualdade de todos, também não é só com a

sua existência que se garante o acesso de todos aos serviços de saúde. Sendo assim, é

importante a análise das condições de acesso vividas pelos usuários indígenas

Bororo.

TRAVASSOS e MARTINS (2004) fazem uma extensa revisão bibliográfica

sobre os instrumentos utilizados por diversos autores para avaliar acesso e

acessibilidade. Acesso, segundo estas autoras, apresenta um conceito complexo,

impreciso e pouco claro quando relacionado ao uso dos serviços de saúde, além de

variar conforme o autor, conforme o momento e principalmente conforme o

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contexto. Assim, é melhor falar sobre utilização dos serviços, tendo em vista que o

termo acessibilidade também é amplamente utilizado e interpretado, bem como

dividido em subcategorias, por exemplo, acessibilidade sócio-organizacional,

acessibilidade geográfica, etc.

RAMOS e LIMA (2003) utilizam três subcategorias para classificar os

achados sobre acesso: acesso geográfico, acesso econômico e acesso funcional. Da

mesma maneira serão utilizados estes tipos de acesso para analisar os achados neste

estudo.

Sendo o acesso geográfico caracterizado pela forma e tempo de

deslocamento, e distância entre a residência do usuário e o serviço de saúde, segundo

RAMOS e LIMA (2003) o tempo ideal seria de 30 minutos entre a residência do

usuário e a unidade de serviço, com a forma de deslocamento terrestre. Para as

aldeias da Terra Indígena Tadarimana a única forma de deslocamento é por viatura

da FUNAI ou da FUNASA/MS. A primeira fica constantemente na aldeia e a

segunda fica na CASAI e é disponibilizada para buscar os usuários quando

necessário. Aqui é importante destacar dois depoimentos que revelam as dificuldades

encontradas.

[...] assim porque as vezes falta é verba aqui pra nós pra comprá alguma coisa pro carro pra manter, porque se não tiver o carro pra levar pro hospital não tem jeito. Se você não tem o carro pra ir buscar na aldeia às vezes passa da hora também né. [...] A CASAI só atende a saúde, a CASAI só vai na aldeia buscar os que têm problema de saúde, fazer uma consulta, um exame, um raio X. Agora problema da outra, da parte burocrática deles, da parte de iniciação da FUNAI, a FUNAI tem um caminhão lá que vai buscá eles e que traz eles pra fazê a comprinha deles, pra receber o dinheirinho deles, é a FUNAI que traz. Só que muitas vezes a FUNAI tem o carro lá e não tem o combustível pra ponhá no carro, aí eles solicita pra gente, por eles sê já de idade precisá buscá o dinheirinho deles, comprá a comida deles, senão eles vão ficá doente, então muitas vezes a FUNASA/MS compratilha com este abastecimento deste carro que eles têm, mas não é sempre. A gente pede pra Cuiabá pra vê se Cuiabá libera pra gente se der (Entrevistado 8, maio, 2007). Da aldeia Tadarimana, daqui 40km, olha daqui é mato que vai daqui lá na aldeia. É muita dificuldade da aldeia aqui; da viatura que precisa porque lá não tem viatura lá dentro. O carro de uma unidade da aldeia tá na oficina, porque sempre lá tem primeiro lugá o carro da saúde né, que é a Toyota, e hoje nem a F4 mil nem a Toyota de saúde. Ocê passa no rádio o caso da doença urgente tem que í o carro daqui da CASAI pegá paciente lá na aldeia, o que tá acontecendo na nossa aldeia. Muita gente fica doente, acaba não vindo pra cidade tratá. Tem as veis que [pausa],

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ah muita dificuldade porque Toyota tando lá, carro de saúde, porque de repente alguém fica doente, passa rádio, carro não tá aqui, até carro chegá, até ele í lá na aldeia, paciente já [...], né, passa necessidade né, sendo que num tem como carro de saúde lá na aldeia, fica doente já na hora já trais pra CASAI daqui manda pro hospital. E hoje nóis tá sem carro lá na aldeia (Usuário 3, junho, 2007).

O tempo de deslocamento desses usuários, segundo o PDSI, é de 1h30min até

Rondonópolis e cerca de 4h até Cuiabá; mas, segundo depoimentos, há controvérsias,

e quando a estrada está em boas condições o tempo necessário para se deslocar da

aldeia Tadarimana até Rondonópolis é menor.

Aqui na saúde do município quem feis esta casa aqui foi o prefeito, feis a reforma, estrada tá uma delícia num gasta 40km, vai visitá lá, pega asfalto depois sai do asfalto, pega cascalho até lá na aldeia! Estradão, prefeito pôs a máquina, retocô a estrada, tá boa, porque esta estrada vale pra muita coisa, conforme doença urgente a estrada tá boa, poquinho, 15 minuto, 10 minuto ce tá aqui. Agora se a estrada tá ruim o tempo que gasta 15 minuto nóis gasta 30, 40, porque a estrada tem que corrê devagá e o paciente coitado tá sofrendo né! (Usuário 3, junho, 2007).

Conforme mostra o depoimento, a distância da aldeia Tadarimana até

Rondonópolis é de aproximadamente 40km é importante lembrar que nela os

usuários de Pobore, Jurigue e Praião devem receber o atendimento da EMSI.

Contudo, também é dela que os mesmos saem quando encaminhados para

Rondonópolis. A busca pelos serviços de saúde neste município não está somente

ligado ao fato de a aldeia estar próxima da área urbana municipal, mas sim pelo

acolhimento dos profissionais da CASAI e pelas experiências vividas por todos,

caracterizando o acesso funcional à rede de serviços de saúde que, segundo Adami

apud RAMOS e LIMA (2003) se define “ quanto a necessidade dos serviços serem

oportunos, contínuos, atenderem a demanda real e serem capazes de assegurar o

acesso à outros níveis hierárquicos do sistema” (p.28).

Nos depoimentos a seguir fica claro como são organizados os agendamentos

diários para as consultas em pediatria, clínica médica e exames de raio X.

Antigamente não era assim, hoje por exemplo tem senha no médico, ocê tem uma ficha lá e ocê é atendido, o branco pode tá na frente mas tem médico esperando ocê. É só chegá lá já tem ficha lá né (Usuário 3, junho, 2007).

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[...] No caso do clínico e do pediatra a gente não tem mais aquela prioridade porque antes tinha aquela prioridade, a gente ligava e cada unidade de saúde tinha duas vagas para clínico, agora não, a gente tem que ir lá e geralmente a gente leva o acompanhante e deixa ele lá, e ele pega ficha; ou o próprio paciente, dependendo da idade se for adulto; antes era cedo tinha que chegar lá às seis horas e lá pelas oito e meia ou nove horas eles já entregam a senha né, aí o paciente volta, almoça e desce pra consulta. E o pediatra também era mesma coisa, mas pra pediatra é mais fácil a gente chega conversa com as meninas, a gente fala que não está bem e é paciente indígena, né, aí a gente está sempre conseguindo uma vaguinha. Lá na policlínica a gente sempre conversa com um ou com outro e eles sempre encaixa um, dois a mais. (Entrevistado 2, junho, 2007). [...] É antes era assim a gente ia antes lá pra agendar pra o outro dia e era só chegar com o paciente pra ser atendido e agora não, tem que pegar a ficha e esperar pra depois consultar com o médico (Entrevistado 4, junho, 2007).

Porém, também fica claro que na ocasião do repasse havia maior facilidade na

articulação entre a CASAI Rondonópolis e os serviços de saúde municipais da rede

de atenção básica, tendo em vista que a CASAI não é uma unidade de serviço

cadastrada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e que

portanto, não tem cotas (vagas) pré-estabelecidas. O impasse frente ao repasse do

IAB-PI causou alterações na dinâmica das regulações dificultando o acesso dos

usuários indígenas aos serviços num primeiro momento sendo retomada a articulação

no momento seguinte após intervenção do Escritório Regional de Saúde de

Rondonópolis. Aqui se verifica que o acesso funcional desses usuários aos serviços

de saúde tem sido testado com freqüência. No dizer de um dos entrevistados,

Tem época que não tem jeito, são muitos exames e eles não têm paciência de esperar, aí vem aquele monte de pedido de raio X , mas a gente dá graças à Deus, está caminhando bem, eu acho que eles não têm o que reclamá não. A [...] lá de Cuiabá disse que por mês era um cardiologista, um especialista por mês em Cuiabá, era a maior dificuldade pra conseguir um especialista lá em Cuiabá, e aqui é um por semana que a gente consegue (Entrevistado 2, junho, 2007).

Este depoimento confirma que o processo de utilização dos serviços de saúde

resulta da interação entre o usuário e o profissional do serviço, e mais, que o usuário

é responsável pelo primeiro contato com o serviço e que cabe ao profissional dar

continuidade conforme defendido por TRAVASSOS e MARTINS (2004). Assim, o

usuário busca no posto de saúde da aldeia resposta para a sua condição enferma e o

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posto o encaminha para a CASAI Rondonópolis e esta articula com as unidades de

serviço da rede de saúde municipal para garantir a continuidade do acesso.

O acesso econômico se dá pela facilidade ou dificuldade de o usuário ser

atendido, considerando forma de deslocamento, procedimentos, obtenção de

medicamentos, custo de deslocamento, de procedimentos, de medicamentos e

condição social atual (RAMOS e LIMA, 2003). Para os usuários indígenas, a maioria

dos procedimentos é realizada na rede pública de saúde e, eventualmente, são

encaminhados para a rede privada, neste caso sob a responsabilidade do DSEI

Cuiabá, como mostra o depoimento a seguir.

É bom atendimento principalmente porque pra ela não tem fila, já o médico dela já atende, vai direto lá, entende. Agora não sei os outro, né. [...] nóis pega remédio dela tudo comprado, consultas, exame dela, tudo é pago, quem paga é a UNISELVA. É só partículá, por causa desta doença dela, consulta, exame é só partículá (Usuário 3, junho, 2007).

Convém recordar que Rondonópolis não recebe o IAB-PI no seu fundo

municipal como Santo Antônio do Leverger e Paranatinga, mas tem registrado no

cadastro do Fundo Nacional de Saúde (FNS) duas unidades hospitalares: a Clínica

São José e o Hospital São Marcos Ltda, sendo que ambos recebem o Incentivo

Assistencial Ambulatorial, Hospitalar e de Apoio ao Diagnóstico à População

Indígena nos respectivos valores de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e de R$ 1.000,00

(mil reais). É importante ressaltar o descontrole sobre o repasse deste incentivo, pois

de acordo com o depoimento transcrito a seguir, o Hospital São Marcos Ltda. não

atende mais a população indígena, pois não se encontra em funcionamento.

E aqui os hospitais eles recebem o incentivo, né, a Santa Casa recebe todo mês mil trezentos e setenta e cinco reais, o Hospital São Marcos recebe mil reais, que está até fechado e ainda recebe este dinheiro. Não sei pra onde está indo este dinheiro e nunca atendeu o índio desde quando eu entrei aqui. Eu entrei aqui, quer dizer eu assumi a CASAI em vinte e três de agosto de dois mil e seis, e ele vem recebendo este incentivo que se chama IAPI e aí eu pedi pro José Maurício na época que ele veio aqui na nossa região pra ele ver esta questão e repassar para o PA, né, lá eles atende mais os índios (Entrevistado 1, maio, 2007.

A legitimidade do direito ao acesso em todos os serviços de saúde municipais

e/ou estaduais devido à condição de munícipe atende ao fluxo planejado pelo Plano

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Diretor Regionalizado (PDR), coordenado pela Secretaria Estadual de Saúde e

pactuado pelos municípios da microrregião Sul Mato-Grossense. Neste ponto se faz

necessário lembrar que a Coordenação Regional da FUNASA/MS

(CORE/FUNASA/MS), não participa desta pactuação, embora seja preconizada

pelos instrumentos jurídicos descritos e discutidos no Capítulo 3, não estabelecendo

vínculos legais e planejados com os demais, visando garantir o acesso aos serviços e

promovendo o que a sua criação objetivou: a inclusão destes usuários no Sistema

Único de Saúde.

A função de articulação fica a cargo dos profissionais da CASAI

Rondonópolis que, embora vinculados à FUNASA/MS, devem responder pela

execução deste pressuposto, assim como pelo acolhimento e acompanhamento dos

pacientes e dos seus familiares, mas, contudo, essa atividade de regulação deveria ser

precedida da pactuação entre as instituições gestoras. Talvez seja a dificuldade para

apreender de quem é a responsabilidade da gestão em saúde nas terras indígenas que

se localizam nos limites geográficos municipais, se do gestor municipal ou se do

Chefe do Distrito, que dificulte a comunicação entre estas instituições, acarretando

sérios problemas aos usuários.

Convém reforçar que o princípio da integralidade está em risco, contemplado

de forma frágil através das atividades dos profissionais da CASAI Rondonópolis que

buscam atender às necessidades em saúde destes usuários. Além disso, as atividades

nas terras indígenas estão sob a responsabilidade da UNISELVA, que visivelmente

apresenta dificuldades para atender ao que se propõe: promoção, proteção,

recuperação e reabilitação de todos os habitantes destas aldeias.

No entanto, para contemplar o princípio da integralidade, se faz necessário

um plano de atuação voltado para as necessidades dos índios e das suas famílias

ainda na aldeia, seja pela conveniada, seja pelo município, mas que leve em

consideração as estratégias reais e criativas já desenvolvidas no local. Assim, uma

reorganização das unidades de atendimento nas terras indígenas, como: postos de

saúde equipados com rádio ou telefone, facilitadores da comunicação entre o auxiliar

de enfermagem e a CASAI Rondonópolis; materiais e equipamentos para a prestação

de primeiros socorros aos pacientes; uma viatura ou ambulância para conduzi-los até

a área urbana do município; e a manutenção da CASAI seria mais adequado, tanto do

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191

ponto de vista humanizado quanto administrativo-orçamentário, do que uma rede

organizada hierarquicamente, como proposto pela Política Nacional de Saúde

Indígena, mas que não se concretiza na realidade da saúde dos povos indígenas sob a

abrangência do Pólo-Base Rondonópolis.

Assim, se a UNISELVA tem dificuldades para atender ao que deveria, se o

município não apresenta uma proposta de atenção à saúde voltada para a

especificidade étnica e cultural desta população no que se relaciona às suas

necessidades na aldeia, mesmo que numa perspectiva de complementaridade às ações

programadas pela FUNASA/MS, e a Secretaria Estadual de Saúde se abstém de

qualquer responsabilidade frente a isto. Resta então concluir que, neste caso, a

existência da CASAI e o comprometimento dos seus profissionais é fundamental

para a garantia do acesso equânime e integral destes pacientes a qualquer nível de

atenção da rede municipal de saúde.

Nos fluxos de referência para o atendimento em média complexidade, pois

não há registros de procedimentos de alta complexidade, é ainda maior o

descompasso entre o planejado deliberado no PDSI e o que de fato ocorre, que é o

fluxo formalizado pelos profissionais da CASAI Rondonópolis conforme mostra o

Quadro 5.

Quadro 5 - Fluxos de referência planejados e formal para média complexidade níveis 1, 2 e 3 para os Bororo residentes no município de Rondonópolis

Média Complexidade – M1 Fluxos Planejados Procedimentos Grupo

PDSI PDR Formal

Atendimento médico com observação de 24 horas

07 CASAI Rondonópolis – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Exames ultra sonográficos 14 CASAI Rondonópolis – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Exames de hematologia 11 CASAI Rondonópolis – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Exames de imunologia 11 CASAI Rondonópolis – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Exames parasitológicos 11 CASAI Rondonópolis – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Radiodiagnóstico 13 CASAI Rondonópolis

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –

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– Cuiabá Rondonópolis Patologia clínica 11 CASAI

Rondonópolis - Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Média Complexidade – M2 Atendimentos especializados em ortopedia

07 CASAI Rondonópolis -Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Procedimentos traumato-ortopédicos

09 CASAI Rondonópolis -Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rndonópolis –Rondonópolis

Patologia clínica 11 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Radiodiagnóstico 13 CASAI Rondonópolis -Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Exames complementares e triagem neonatal

11 CASAI Rondonópolis -Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Fisioterapia 18 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Média Complexidade – M3 Procedimentos especializados (neurologia, dermatologia, endocrinologia, otorrinolaringologia, *penumologia)

07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Atendimento pré-hospitalar emergência e trauma I

07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Exame de Patologia Clínica 11 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Eletroencefalografia 17 CASAI Rondonópolis -Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis –Rondonópolis

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007. Observações: * Os casos de pneumologia foram registrados na aldeia Pobore e os atendimentos foram realizados no CEADAS.

Na hipótese de se pôr em prática os fluxos planejados pelo PDSI seria

necessária uma ambulância com saída diária de Rondonópolis à Cuiabá a fim de

garantir o acesso aos serviços de saúde na capital. Além disso, seria imprescindível

que a rede municipal de serviços de saúde do município de Cuiabá fosse um exemplo

de eficiência e qualidade no atendimento. Ainda que nestes termos, a implementação

do PDSI se mostra um movimento contrário do que se quer, atualmente, para a

Política Estadual de Saúde: a descentralização dos serviços e a qualificação das

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193

microrregiões de saúde para níveis de maior complexidade com o intuito de

desafogar as unidades de saúde de Cuiabá, referência para a maioria dos municípios

estaduais.

Além destas questões organizacionais e de logística, ressalta-se a aparente

desconsideração no planejamento dos fluxos de referência quanto ao bem-estar do

paciente indígena submetendo-o a um desgaste emocional e físico ao se propor o seu

transporte por aproximadamente 250 km, ao invés de garantir o seu atendimento no

próprio município a que pertence, a não mais de 40 km.

De acordo com as informações fornecidas pelos profissionais da CASAI, em

geral, as necessidades de traumatologia e ortopedia são devido a traumas ocorridos

pela intensa prática de esportes (futebol) e/ou de origem crônico-degenerativa, como

é o caso das discopatias degenerativas e artropatias, principalmente de joelho. As

sessões de fisioterapia, condutas voltadas para a reabilitação e a prevenção de

complicações, são realizadas, na sua maioria, numa clínica particular conveniada

com o SUS e não pelo Centro de Reabilitação para Deficientes Físicos Niumo Junior,

unidade de serviço vinculada à rede municipal de saúde. Contudo, os

encaminhamentos devem conter autorização desta unidade municipal para a unidade

conveniada; por isto, nos livros de registros, o local referenciado é o próprio Centro

de Reabilitação. As condutas fisioterapêuticas a que são submetidos os usuários são

especificamente na área de traumato-ortopedia.

Os livros de registros citam casos de malformação congênita em algumas

crianças indígenas, como por exemplo, a hidrocefalia, o que tem conduzido as mães

indígenas ao controle de natalidade através do programa municipal. Esta conduta

submete estas mulheres a sérias restrições para a vida social na aldeia devido às

incisões cirúrgicas necessárias para a realização dos procedimentos; além disso,

limita a reprodução colocando em risco a sobrevivência da etnia. Mas, nem as

penalidades sofridas, nem tão pouco as preocupações relacionadas à sobrevivência

do seu povo podem inibir o desejo de se submeterem a estas práticas da medicina

moderna quando frente ao sofrimento de dar à luz a crianças portadoras de

necessidades especiais, ou a recém-nascidos que irão a óbito por condições

incompatíveis à vida. Estes casos necessitam de estudos voltados para detectar as

possíveis causas destas alterações congênitas, que poderão estar: no alto índice de

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alcoolismo, inclusive crianças se embriagam; na proximidade das grandes plantações

de grãos em que estas aldeias se localizam, submetendo os seus moradores a cargas

excessivas de agrotóxicos; e na consangüinidade.

Ainda assim, as crianças com necessidades especiais não são submetidas a

tratamento fisioterapêutico ou de terapia ocupacional devido à resistência cultural e

ao difícil acesso viário à área urbana. Estas condutas requerem regularidade no

atendimento e são de longa duração e, dependendo do caso, são para vida toda.

Semelhante aos procedimentos em atenção básica, para os de média

complexidade a presença dos profissionais da CASAI Rondonópolis é de

fundamental importância para a garantia do acesso aos serviços de saúde.

Compreende-se, desta forma, que o fluxo formalizado por estes profissionais

aproxima os usuários das unidades de saúde, incluindo-os na rede municipal, fazendo

uso de relações pessoais com os profissionais municipais.

Para os procedimentos de média complexidade, que requeiram internação de

até 24 horas, os pacientes são conduzidos pela CASAI Rondonópolis para o Hospital

e Pronto Atendimento Municipal; deste, se necessário, são encaminhados para o

Hospital Regional, em casos principalmente de traumatologia e ortopedia, ou para os

hospitais conveniados com o SUS, como a Santa Casa de Misericórdia ou o Hospital

São José, em casos de ginecologia, obstetrícia e pediatria. Mas, quando os

procedimentos necessários não são em caráter de urgência e emergência, uma vez

solicitados são “negociados” pelas técnicas de enfermagem na Central de Regulação

e encaminhados para o Centro de Especialidades (CEADAS) do município. O ato de

“negociação” consiste no encaixe destes pacientes na lista de usuários a ser regulados

para as especialidades clínicas, pois a título de lembrete, não há pactuação de cotas

entre o município e a CORE/FUNASA/MS. Sem esta prática os usuários teriam que

se submeter a seqüência normal de regulação dos procedimentos válida para os

outros munícipes de Rondonópolis.

Ao se comparar o fluxo planejado no PDSI com o fluxo formal, o que se

verifica é que o planejado no PDSI negligencia determinados aspectos, tais como

transporte, custo-benefício e bem-estar, assim como o conceito de acessibilidade,

propondo um longo percurso a ser percorrido até a unidade de atendimento em

Cuiabá. Esta comparação também evidencia uma adaptação loco-regional

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objetivando atender as necessidades desta população utilizando os recursos

disponíveis. Assim, no fluxo formal para o acesso à rede municipal de saúde

aparecem elementos do fluxo planejado no PDSI, a CASAI Rondonópolis, e do

Plano Diretor Regionalizado (PDR), ou seja, a própria rede municipal de saúde de

Rondonópolis.

8.2 ALDEIAS GOMES CARNEIRO E PIEBAGA (T.I. TEREZA

CRISTINA)

Estas duas aldeias estão localizadas dentro dos limites geográficos do

município de Santo Antônio do Leverger, na microrregião Baixada Cuiabana, região

Centro-Norte. Entre os municípios mato-grossenses que fazem fronteira com ele

quatro são considerados importantes para este trabalho: Campo Verde,

Rondonópolis, Barão de Melgaço e Cuiabá devido às relações que mantêm entre si

para garantir o acesso aos serviços de saúde aos seus habitantes ou pela presença de

índios Bororo em seus limites territoriais.

Santo Antônio do Leverger está a aproximadamente 30km de distância de

Cuiabá, com uma extensão territorial de aproximadamente 12.000 km2, com um total

aproximado de 19.000 habitantes e IDH de 0,71. Apresenta um clima tropical quente

e subúmido com temperatura média anual de 24 graus a mínima e 42 graus Celsius a

máxima (AMM, 2007).

O município tem sua habilitação de acordo com a NOAS SUS 01/02

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) em GPAB-A e para procedimentos de média e

alta complexidade o PDR apresenta duas opções: uma é o município de Campo

Verde, localizado na microrregião Sul Mato-grossense e habilitado em GPSM, que

pactua com Rondonópolis os procedimentos de média complexidade nível 2 e 3 (M2

e M3), tendo Cuiabá como referência para alta complexidade, assim como a maioria

dos municípios do Estado de Mato Grosso. A outra opção de referência para todos os

procedimentos de média e alta complexidade é a capital Cuiabá (ver Quadro 8).

O território deste município já era habitado pelos índios Bororo que até hoje

habitam a Terra Indígena Tereza Cristina (T.I. Tereza Cristina), contando com as

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aldeias Gomes Carneiro e Piebaga. Estas duas aldeias têm Postos de Saúde e devem

receber a visita da Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI) da mesma

maneira que a aldeia Tadarimana; porém, para Piebaga a referência planejada para os

casos que necessitam de atenção em níveis de maior complexidade, ou quando a

EMSI não está na área, é a própria CASAI de Rondonópolis, conforme ilustrado nas

Figuras 18 e 19 .

Para a aldeia Gomes Carneiro, o PDSI admite a existência de um Pólo-Base

tipo I na própria aldeia considerando que lá os seus moradores são assistidos em

todos os procedimentos de atenção básica, necessitando da CASAI de Rondonópolis

somente para os casos de média e alta complexidade, sendo então encaminhados para

Cuiabá. Entretanto, verifica-se que na aldeia Gomes Carneiro não existe um Pólo-

Base tipo I e sim um Posto de Saúde tipo II, com a presença de um técnico de

enfermagem. Já na organização estabelecida no PDSI para a aldeia Piebaga, observa-

se que o próprio plano desconfigura a organização dos níveis de atenção

estabelecidos pela Política Nacional de Saúde Indígena, quando referencia a CASAI

Rondonópolis como unidade de atendimento, pressupondo que nela exista uma

equipe multidisciplinar de saúde indígena à disposição para dar assistência, ainda

numa perspectiva de reprodução do modelo médico hegemônico. Na realidade, o que

existe é uma CASAI, onde ficam o enfermeiro responsável e sua equipe de

enfermagem, e um Pólo-Base tipo II com funções administrativas, ambos no mesmo

local, mas com funções diferentes.

Assim, verifica-se que os princípios de territorialidade, cobertura, estratégia

única e resolutividade por níveis de complexidade não estão contemplados na Terra

Indígena de Tereza Cristina, apontando para a necessidade de reorganização da

atenção à saúde dos Bororo nestas aldeias e implementação organizativa da estratégia

estruturante para os serviços de saúde, os Distritos Sanitários (MENDES, 1996). Nos

registros ambulatoriais da CASAI Rondonópolis as aldeias que mais utilizam os

serviços de saúde da rede municipal de Rondonópolis são Tadarimana, Gomes

Carneiro e Piebaga, conforme evidencia o depoimento a seguir: “Todo mundo vem

pra cá, a Gomes Carneiro só vem pra cá [refere-se ao município Rondonópolis]

(Entrevistado 9, maio, 2007).”

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O Quadro 6 compara os fluxos de atenção básica para aldeia Gomes Carneiro

e o Quadro 7 para a aldeia Piebaga.

Quadro 6 – Os fluxos planejados e o formal para a atenção básica aos usuários da aldeia Gomes Carneiro, etnia Bororo

Fluxos Planejados Procedimentos Grupo PDSI PDR

Formal

Consulta em clínica médica 02 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Atendimento médico de urgência com observação (até 8 horas)

02 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Assistência ao parto 02 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta de pré-natal realizada por médico

02 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta em pediatria 02 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Procedimentos individuais especialmente preventivos em odontologia

03 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Procedimentos individuais em dentística (odontologia)

03 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Educação em saúde (Palestra em psicologia)

02 PS General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta pré-natal realizada por médico

02 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Teste específico para diabetes mellitus

07 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Eletrocardiograma 17 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Teste imunológico pra gravidez 11 PB General Carneiro

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007.

A rede de serviços municipal de Rondonópolis é utilizada em toda a sua

amplitude mostrando a ineficácia da formulação do PDSI e dos serviços de saúde

realizados na área indígena. O perfil dos pacientes das aldeias Gomes Carneiro e

Piebaga não se diferencia muito daquele das aldeias Tadarimana, Pobore e Praião, o

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que leva a indagar sobre a adequação desses procedimentos à diferenciação étnica

atribuída aos DSEIs.

As consultas em clínica médica normalmente ocorrem no Centro de Saúde

Jardim Guanabara, Policlínica e Posto de Saúde da COAB. As consultas médicas

(pediatria, clínica médica e obstetrícia) que necessitam de um período de observação

de até 8 ou 24 horas são realizadas no Hospital e Pronto Atendimento Municipal de

Rondonópolis. Após este primeiro atendimento, caso seja necessário, o paciente é

encaminhado para os hospitais de referência com nível de complexidade maior,

Hospital Regional, Santa Casa de Misericórdia e Hospital São José; se não, retornam

para a CASAI Rondonópolis de onde voltam para a aldeia. Para as necessidades de

urgência e emergência ocorridas na aldeia, os pacientes são trazidos até o Hospital e

Pronto Atendimento Municipal de Rondonópolis com viatura própria; mas, durante o

trajeto, os profissionais da CASAI são comunicados e devem se dirigir para a

unidade para acompanhá-los no procedimento.

A assistência ao parto das gestantes indígenas de Gomes Carneiro e de

Piebaga é feita pela Santa Casa de Misericórdia, seja ela situação de

urgência/emergência ou não. Os livros de registros não fornecem informações sobre

o tipo de parto, se normal ou cesariana; contudo na entrevista com o Médico Obstetra

mais citado foi informado que em geral são partos difíceis que requerem cuidados

especiais e, na experiência dos demais profissionais, são pacientes fáceis de atender.

Assim, as pacientes que a gente tem acesso, que vêm ter bebê aqui com a gente está tudo bem, porque onde elas vivem existem técnicos de enfermagem que orientam e que cuidam delas. Então isto torna mais fácil, quando elas já vêm pra cá elas já estão meio preparadas e a gente só vai fazer o resto dos cuidados. [...] porque as vezes tem mãezinha que vem pra cá e já chega com bebê. Já ganhou o bebê lá e já vem com o bebê no colo, aí a gente só vai fazer o resto dos cuidados né, que é orientar direito a mãezinha, a gente vê que está tudo bem com o bebê. Elas são os tipos de pacientes que dão menos trabalho, [...] indígenas são ótimas cuidar delas! (Entrevistado 11, julho, 2007).

Mas, os profissionais reforçam a necessidade de ter acompanhantes para

facilitar a comunicação, como mostra o seguinte depoimento.

[...] tem mesmo que ter uma pessoa acompanhando, uma pessoa que já entende a cultura deles, convive com eles pra estar acompanhando

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porque é uma, como posso dizer, é um pessoal de cultura diferente e que não se adapta ao nosso meio tão fácil, ele se adapta entre aspas. Você tirou os costumes deles e colocou o nosso costume, então pra ele isto causa sofrimento [...]. Então precisa ter uma pessoa instruída que realmente entende eles e que realmente convive com eles pra que esteja passando isto pra gente (Entrevistado 5, julho, 2007).

As consultas de pré-natal e o acompanhamento, embora as mulheres

indígenas com freqüência, cheguem à unidade de saúde já com a gravidez avançada,

foram realizadas em maior número no Centro de Saúde Rio Vermelho da rede

municipal de Rondonópolis.

Se, por um lado, a extensa relação de procedimentos clínicos, em nível

primário, utilizados pelos moradores das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga

demonstram a intensa falta de assistência em saúde por parte da conveniada

responsável por estas aldeias, por outro também refletem a ineficácia do município

ao assistir os seus munícipes indígenas nas suas necessidades de saúde em qualquer

nível de atenção. Convém lembrar que o município de Santo Antônio do Leverger

recebe dos cofres da União um IAB-PI de aproximadamente R$73.500,00 (setenta e

três mil e quinhentos reais) mensais, que correspondem a cerca de 50% do Piso de

Atenção Variável. O Incentivo de Atenção Básica dos Povos Indígenas (IAB-PI) é

utilizado para a contratação de profissionais de saúde atuantes na própria CASAI

Rondonópolis. Uma entrevistada relatou que

Santo Antônio recebe, mas nunca faz nada em Gomes Carneiro e Piebaga para os índios que moram lá, mesmo porquê é muito longe pra ir lá; então termina que Rondonópolis atende o município de Santo Antônio. O contato que existe é entre o chefe de posto, mas a saúde mesmo de Piebaga e Gomes Carneiro é atendida em Rondonópolis. É atendido todo mundo aqui, e a prefeitura daqui nunca fez questão porque sabe a dificuldade que é ir pra lá, então atende todo mundo. O prefeito chegou a ir numa reunião e falou que estava recebendo doze mil por mês, foi em 2005 que ele falou que esse dinheiro era pra ajudar em saúde, mas ele nunca ajuda a saúde. O negócio de saúde é todo aqui em Rondonópolis (Entrevistado 1, junho, 2007).

Quanto à situação na aldeia Piebaga, o Quadro 7 mostra a relação de

procedimentos registrados e a comparação dos fluxos de referência para a atenção

básica aos moradores desta aldeia.

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Quadro 7 – Os fluxos planejados e o fluxo formal de atenção básica para os usuários da aldeia Piebaga, etnia Bororo

Fluxos Planejados Procedimentos Grupo PDSI PDR

Formal

Assistência ao parto 02 PS Piebaga e/ou CASAI Rondonópolis

Santo Antônio do Leverger

*CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta/atendimento de urgência em clínicas básicas

02 PS Piebaga e/ou CASAI Rondonópolis

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta em ginecologia e obstetrícia

02 PS Piebaga e/ou CASAI Rondonópolis

Santo Antônio do Leverger

**CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Educação em saúde (Palestra com Psicólogo)

02 PS Piebaga Santo Antônio do Leverger

***CASAI Rondonópolis

Consulta em clínica médica, pediatria

02 PS Piebaga e/ou CASAI Rondonópolis

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

PPD 01 PS Piebaga e/ou CASAI Rondonópolis

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Coleta de material para exame citopatológico

07 PS Piebaga e/ou CASAI Rondonópolis

Santo Antônio do Leverger

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007. * As gestantes são encaminhadas para a Santa Casa de Misericórdia na ocasião do parto, semelhantemente às gestantes de outras aldeias Bororo. ** Estes atendimentos foram realizados no Centro de Saúde Rio Vermelho. *** O procedimento de educação em saúde foi promovido pela Secretaria Municipal de Saúde de Rondonópolis.

Pelo PDSI, quando os pacientes da aldeia Piebaga necessitam de

atendimentos não oferecidos no posto de saúde da aldeia, eles também devem ser

encaminhados para a CASAI de Rondonópolis, pois esta equivale ao Pólo-Base tipo

I. Contudo, o que se observa é que a maioria dos atendimentos em saúde é buscada

em Rondonópolis na rede pública de saúde. Com relação a isto cabe ressaltar

algumas situações relevantes: nem os índios Bororo residentes em qualquer destas

aldeias compõem o número de munícipes de Rondonópolis, nem há alguma

pactuação entre os municípios vizinhos para tal atendimento, e nem tão pouco entre o

município de Rondonópolis com o CORE/FUNASA/MS. O que se presume que haja

é um acordo entre a CORE/FUNASA/MS e o município de Santo Antônio do

Leverger para, através do Instituto Creatio, contratar os profissionais lotados na

CASAI Rondonópolis.

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As ações planejadas e estabelecidas no PDSI para garantir o acesso aos

serviços de média complexidade nível 1 (M1) voltadas para atender as populações

Bororo destas duas aldeias evidenciam novamente o descaso em relação ao paciente

ao submetê-lo a um percurso de aproximadamente sete horas de viagem, duas horas

aproximadas da aldeia até a CASAI Rondonópolis mais cinco horas de viagem pela

BR 163 até Cuiabá. Esta situação poderia ser resolvida entre as instituições

envolvidas, a Secretaria Municipal de Saúde e a CORE/FUNASA/MS, ao firmarem

um pacto para estes procedimentos, ou os municípios envolvidos poderiam fazê-lo;

contudo, o que se vê é a completa alienação de todos os envolvidos.

Se o PDSI não atende as necessidades dos usuários indígenas, no PDR o

fluxo de referência está ainda mais aquém ao propor duas referências: Campo Verde

e Cuiabá. O município de Campo Verde surge neste contexto porque é referência

para todos os munícipes de Santo Antônio do Leverger; portanto, os índios Bororo

moradores neste município também teriam essa referência. Porém, sem a

interferência da CASAI Rondonópolis acredita-se ser difícil o acesso destes

pacientes à rede de serviços do município de Campo Verde, além de não ser este

município historicamente referência para os mesmos usuários ao buscar a atenção

médica moderna.

Por outro lado, a referência Cuiabá também não atende às necessidades destes

usuários, pois eles preferem ir até Rondonópolis para ser atendidos, e depois retornar

para as aldeias do que passar pela rede municipal de Santo Antônio de Leverger e ser

encaminhados para Cuiabá. Associado a esta preferência é reconhecidamente mais

compatível com os conceitos de acesso (acesso geográfico, econômico e funcional)

que estes pacientes sejam encaminhados para a rede de serviços de Rondonópolis do

que deslocá-los das aldeias até Rondonópolis e de lá para Cuiabá.

Assim, se as condições de acesso são maiores em Rondonópolis, novamente a

articulação e a cooperação solidária seria a solução para tornar a estratégia emergente

em estratégia deliberada, ou seja, o fluxo formal em fluxo planejado, e garantir, de

fato e de direito, a assistência à saúde dos Bororo residentes em Santo Antônio do

Leverger na rede municipal de Rondonópolis. Isto não só seria uma atitude de bom

senso como atenderia os critérios de territorialidade, cobertura e estratégia única

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202

voltados para a organização de um sistema de saúde equânime, como mostram os

seguintes depoimentos.

Eu penso que é uma coisa em que um ajuda o outro e eu acredito que se realmente uni e pôr pra frente a coisa vai melhorar bastante. A gente consegue muita coisa. Eu acho que tem coisas muito pequenas que você é que deixa de fazer, agora se você uni, você consegue fazer muita coisa porque é importante sim a parceria entre os dois, muito importante, porque a FUNASA/MS está em Cuiabá e o município está aqui, então, se os dois estão juntos a gente procura eles aqui, facilita o trabalho da gente (Entrevistado 1, maio, 2007). Eu acho um excelente negócio, porque eu acho muito difícil por exemplo a FUNASA/MS ela contratar sozinha um neurologista pra ir lá na aldeia de vez em quando ou um otorrinolaringologista, um ginecologista, um pediatra. Isto seria uma coisa de primeiro mundo e isto iria encarecer demais o sistema, aí eu teria que entrar na verba da FUNAI, entrar em Brasília, ver quem está com esta grana, porque saúde custa dinheiro [...] então eu acho que este sistema de contratar vários especialistas para o especialista ir, eu acho que na prática vai ser muito difícil funcionar porque vai ficar muito caro e vai ficar quase inoperante; ou as vezes vai pagar um profissional que ele pouco vai na aldeia pra trabalhar porque ele vai ser requisitado muito pouco dependendo do tamanho das aldeias, entendeu? [...] então eu acho mais prático utilizar a estrutura já montada pelo município (Entrevistado 15, junho, 2007).

O Quadro 8 sintetiza os fluxos de referência para a média complexidade nos

níveis 1, 2 e 3 para os Bororo das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga.

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203

Quadro 8 – Os fluxos planejados e o fluxo formal para M1, M2 e M3 para os usuários das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga, etnia Bororo

Média Complexidade – M1 Fluxos Planejados Procedimentos Grupo

PDSI PDR Fluxo Formal

Atendimento médico com observação de 24 horas

07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Campo Verde

CASAI Rondonópolis - Rondonópolis

Exames ultra sonográfcos 14 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Campo Verde

CASAI Rondonópolis - Rondonópolis

Exames em patologia clínica 11 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Campo Verde

CASAI Rondonópolis - Rondonópolis

Radiodiagnóstico 13 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Campo Verde

CASAI Rondonópolis - Rondonópolis

Consulta ortopédica com imobilização provisória

07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Campo Verde

CASAI Rondonópolis - Rondonópolis

Média Complexidade – M2 Fisioterapia 18 CASAI

Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Atendimentos especializados em ortopedia

07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta em psiquiatria 07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis - Rondonópolis

Consulta em cardiologia 07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta em clínica cirúrgica 07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Exames complementares e triagem neonatal

11 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Radiodiagnóstico 13 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Cultura para BAAR 11 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Antígeno prostático específico (PSA)

11 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Patologia Clínica 11 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta em ortopedia 07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Média Complexidade – M3

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204

Consulta em urologia 07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta em pneumologia, endocrinologia, neurologia, otorrinolaringologia e dermatologia

07 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Tomografia 13 CASAI Rondonópolis –Cuiabá

Cuiabá ou Rondonópolis

CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007.

As informações obtidas na CASAI Rondonópolis revelam que os

procedimentos especializados, que necessitam de internação por até 24 horas, são

oferecidos no Hospital e Pronto Atendimento Municipal de Rondonópolis. Após este

período, se a internação indicar mais tempo os pacientes são encaminhados para os

hospitais da rede pública ou conveniados a ela: o Hospital Regional, a Santa Casa de

Misericórdia e o Hospital São José.

Os exames ultra sonográficos registrados foram realizados na Santa Casa de

Misericórdia, tanto em usuárias internados, quanto nos que estavam no ambulatório,

evidenciando que esta unidade hospitalar também oferece procedimentos

ambulatoriais às pacientes indígenas. Os exames em patologia clínica (hematológicos

e de microbiologia) foram coletados no Centro de Saúde Jardim Guanabara e

enviados para análise ao Laboratório Central do município; já os exames realizados

nos pacientes internados foram coletados e analisados no próprio laboratório da

Santa Casa de Misericórdia.

Como nos casos de Tadarimana, os procedimentos em traumatologia

realizados foram em decorrência de traumas ocorridos pela prática de esportes nas

aldeias. Os usuários são recebidos no Hospital e Pronto Atendimento Municipal e, se

for necessário procedimentos de maior complexidade eles são referenciados para o

Hospital Regional Irmã Elza Giovanela.

Convém destacar que, exceto os procedimentos oferecidos pelo Hospital e

Pronto Atendimento Municipal de Rondonópolis, todos os outros são regulados pela

Central de Regulação através da articulação e encaminhamento realizado pelos

profissionais da CASAI Rondonópolis.

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205

Seguindo uma tendência de planejamento do Distrito Sanitário Especial

Indígena Cuiabá (DSEI Cuiabá) observa-se que para atender às necessidades de

saúde em média complexidade níveis 2 e 3 (M2 e M3) aos Bororo dessas duas

aldeias, novamente a referência é Cuiabá com todas as dificuldades apresentadas por

este município, em termos de eficiência e qualidade na assistência, tais como:

número limitado de vagas acarretando intensa demora no atendimento, que por sua

vez expõe todos os pacientes a um número maior de complicações e seqüelas;

reduzido número de profissionais especializados nas mais diversas áreas de atuação,

sobrecarregando os que estão na rede de serviços e, conseqüentemente, reduzindo a

qualidade da assistência; insatisfação salarial que contribui para a queda da

qualidade dos serviços oferecidos e compromisso com os usuários; poucos leitos

hospitalares à disposição da população, entre outros.

Neste contexto, o PDSI se mostra um plano pouco adaptado às necessidades

dos usuários indígenas, além de evidenciar o pouco conhecimento por parte dos seus

elaboradores quanto aos caminhos historicamente construídos por eles na busca da

cura. Por outro lado, o PDR, mesmo apresentando as duas opções aos habitantes do

município de Santo Antônio do Leverger, não oferece um caminho facilitado para

estes usuários, uma vez que se os mesmos necessitassem dos serviços de média

complexidade em Cuiabá teriam que ser encaminhados pelo próprio município de

origem. Ora se não há registros de que os moradores destas aldeias são atendidos na

rede municipal de saúde de Santo Antônio do Leverger, é pouco provável que se

desloquem sozinhos para Cuiabá.

Seguindo na análise, o outro fluxo proposto pelo PDR no qual os usuários

indígenas deveriam ter o atendimento de atenção básica na rede municipal de Santo

Antônio do Leverger, esta deveria encaminhá-los ao município de Campo Verde a

fim de serem atendidos em média complexidade nível 1 (M1) e só daí seriam

encaminhados para Rondonópolis nos casos de média complexidade níveis 2 e 3 (M2

e M3), pois Campo Verde é módulo assistencial para si e para Santo Antônio do

Leverger, sendo que Rondonópolis é o município-pólo da microrregião. Entretanto,

seria extremamente difícil os usuários Bororo das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga

percorrer este caminho devido à inexistência de uma CASAI, instituição fundamental

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206

para a garantia do acesso e facilitadora do diálogo destes usuários com os demais

profissionais de saúde.

Outro aspecto a ser considerado, e aqui não só afetando os usuários

indígenas, mas todos os munícipes, é a excessiva burocracia que requer a regulação

dos procedimentos aos usuários que compõem a lista de referenciados tendo em vista

que o número de vagas na rede de saúde se mostra reduzido na maioria dos

municípios, acarretando demora no atendimento. Associado a isto se observa o longo

percurso percorrido desde a aldeia até os municípios de referência, de maneira que as

aldeias Gomes Carneiro e Piebaga se localizam próximas de Rondonópolis e mais

distantes de Campo Verde e de Cuiabá. Portanto, conclui-se que se os fluxos

planejados não conseguem satisfazer às necessidades dos usuários indígenas, estes,

com o auxílio dos profissionais, buscam outros fluxos mais compatíveis com as

realidades loco-regionais.

Analisando a adequação do atendimento aos princípios fundamentais do SUS

observa-se que a universalidade e a igualdade do acesso estão contempladas, mas

quem garante o acesso às unidades de atendimento não é Santo Antônio de Leverger

e, sim, Rondonópolis na sua rede de serviços de saúde. Além disso, a integralidade

na atenção à saúde se encontra deficiente devido à precária atenção básica realizada

pelas EMSI contratadas pela UNISELVA nas aldeias.

8.3 ALDEIAS PAKUERA, ALTO RAMALHO E PAIKUN (T.I. PAKUERA

OU BAKAIRI)

Nos Livros de Registros Ambulatoriais da CASAI Rondonópolis foram

encontrados registros de pacientes da etnia Bakairi que estiveram sob a

responsabilidade dos profissionais desta casa de saúde e das unidades de saúde

municipais, embora pertençam oficialmente ao Pólo-Base Cuiabá. Os pacientes eram

moradores das aldeias Pakuera, Alto Ramalho, Paikun e Aturua, todas localizadas na

T.I. Bakairi, no município de Paranatinga.

Durante os trabalhos de campo foi possível entrevistar um paciente da aldeia

Aturua que estava hospedado na CASAI Rondonópolis aguardando os resultados de

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207

exames laboratoriais para retorno médico. Foi-lhe perguntado o por quê da busca por

atendimento em Rondonópolis e não em Cuiabá. Então ele explicou:

Nóis temo que esperá vaga, nóis viemo pra cá porque lá em Cuiabá o atendimento pra nóis não tá bom não. Sempre nóis vai pra lá quando nóis vai fazê tratamento nóis vai pra lá, mais lá eles tão muito parado, meu pai foi lá, ele tá com os osso do joeio tudo quebrado né, aí eles tiraram raio X e ele foi pra lá, ele tem pobrema de vista, pobrema de coração, e voltô do memo jeito. [...] Aqui o tratamento é mais rápido, fais tempo que eu venho consultá aqui com este pobrema que eu sinto a respeito de saúde (Usuário 2, junho, 2007).

A etnia Bakairi se distribui em duas terras indígenas: a T. I. Pakuera ou

Bakairi, distribuída nos municípios de Paranatinga e Planalto da Serra; e a T. I.

Santana no município de Nobres. Estes municípios estão no Estado de Mato Grosso,

mas em microrregiões de saúde diferentes: Paranatinga e Planalto da Serra estão,

respectivamente, nas microrregiões Sul Mato-grossense e Baixada Cuiabana e,

Nobres na Microrregião Centro-Norte.

O PDSI estabelece um fluxo de referência para estas aldeias conforme

mostrado na Figura 20; porém, o que acontece de fato é que os Postos de Saúde das

aldeias Pakuera e Aturua se comunicam com a CASAI Rondonópolis, e esta recebe e

encaminha o usuário através da rede municipal de saúde em Rondonópolis como

ilustra a Figura 25 e confirma o depoimento a seguir.

Aqui nós temos muito mais prioridade que em outros municípios no agendamento. Exemplo disso nós temos pacientes de Paranatinga, que lá demora um ano ou dois pra fazê um exame e as vezes nem consegue fazer o exame, vem pra cá e consegue em uma semana (Entrevistado 3, junho, 2007).

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208

Figura 25 – Fluxo formal para os usuários da etnia Bakairi

Fonte: Informações obtidas na CASAI Rondonópolis durante o período de coleta de dados.

A distância entre os dois municípios, Paranatinga e Cuiabá, é de

aproximadamente 275km e consome, aproximadamente, três horas para ser

percorrida. Assim, tanto o acesso funcional como o geográfico é maior quando se

considera o município de Rondonópolis, e não Cuiabá.

A outra Terra Indígena é a Santana e está localizada em Nobres. Foi

homologada pelo Decreto 98.143 de 15 de setembro de 1989 (BRASIL, 1989) e a

FUNAI/ADR Cuiabá administra o seu território. As ações em saúde também estão

sob a responsabilidade do DSEI Cuiabá, e não há referências de usuários residentes

nesta Terra Indígena nos registros da CASAI Rondonópolis. Como, o município de

Nobres recebe R$ 10.750,00 (dez mil setecentos e cinqüenta reais) no seu fundo pelo

repasse do IAB-PI, supõe-se que este incentivo esteja subsidiando as ações em

atenção básica para os usuários Bakairi lá residentes.

De acordo com o PDSI, o PS das aldeias Pakuera e Aturua (Terra Indígena

Bakairi) recebem a visita da EMSI da conveniada UNISELVA, que atende as

necessidades de atenção básica de toda a população destas aldeias e das aldeias

Rede do SUS(Rondonópolis)

CASAI Rondonópolis

Aldeia Pakuera

Aldeia Aturua

LegendaAs setas representam o fluxo formalpara os usuários da etnia Bakairi

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satélites a ela referenciadas, sempre numa perspectiva de reprodução dos modelos

assistenciais Médico-Privatista e Sanitarista.

Segundo o PDR, Paranatinga está habilitado em GPAB-A pela NOAS SUS

01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) e tem pactuado com Rondonópolis as

ações em média complexidade níveis 1, 2 e 3 (M1, M2 e M3); portanto, deve

assegurar as ações em atenção básica para todos os seus munícipes inclusive os

índios. Este município tem cadastrado no Fundo Nacional de Saúde (FNS) dois

estabelecimentos: o Hospital e Maternidade São Benedito e a Prefeitura Municipal de

Paranatinga, sendo que esta recebe R$ 114.000,00 (cento e quatorze mil reais) no seu

fundo referente ao IAB-PI. É lamentável constatar que as ações a que se destina este

recurso parecem não chegar ao seu destino, mesmo quando ele constitui mais de 50%

dos recursos repassados pela União ao município.

O Hospital e Maternidade São Benedito recebe R$ 4.374,00 (quatro mil

trezentos e setenta e quatro reais) mensais relativos ao repasse fundo a fundo do

Incentivo Assistencial Ambulatorial, Hospitalar e de Apoio ao Diagnóstico à

População Indígena (IAE-PI). Portanto, embora tenha sido pequeno o número de

usuários registrados pela CASAI Rondonópolis, verifica-se que os mesmos buscam

neste município atenção em saúde que deveria ser oferecida na aldeia ou na rede

municipal de saúde de Paranatinga. Estes dados apontam, para a necessidade de ser

investigado com maior profundidade as razões que levam os moradores destas

aldeias a se deslocarem até Rondonópolis a fim de receber atendimento em saúde,

assim como os meios de transporte e a alocação de recursos para isto. Assim,

semelhantemente aos Bororo, estes usuários utilizam amplamente a rede de serviços

de Rondonópolis, desde a atenção básica até a média complexidade nível 3 (M3).

Tendo como conceitos norteadores para esta discussão aqueles já discutidos

para os Bororo nas Terras Indígenas Tadarimana e Tereza Cristina, o caso da T.I.

Bakairi aponta para sérias restrições ao princípio da universalidade do acesso e

integralidade. Os depoimentos também apontam para dificuldades de acesso nas suas

dimensões geográfica, econômica e funcional aos serviços de saúde da rede

municipal de Paranatinga e desta para Cuiabá, apesar de o recurso ser de valor

consideravelmente alto. Com os dados encontrados também se constata que os

critérios de territorialidade, cobertura e estratégia única estão ameaçados; por isso, o

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210

acesso aos serviços de saúde se consolida através da conformação de um novo fluxo

de referência que tem em outra rede de serviços a garantia do atendimento.

Semelhante aos Bororo, a CASAI Rondonópolis se encarrega de articular o

atendimento destes usuários na rede de serviços de saúde de Rondonópolis,

contemplando os princípios de universalidade e eqüidade do acesso a todos os níveis

de atenção. O Quadro 9 mostra os fluxos de referência planejados e formal para os

usuários Bakairi e consolida o não cumprimento das estratégias deliberadas, e sim da

estratégia emergente3 (MINTZBERG et al., 2006b).

Quadro 9 – Os fluxos planejados e o fluxo formal para todos os níveis de atenção para os usuários Bakairi das aldeias Pakuera, Alto Ramalho e Paikun

Atenção Básica – AB Fluxos Planejados Procedimentos Grupo

PDSI PDR Formal

Assistência ao parto 02 PS Pakuera e/ou PS Paranatinga

Paranatinga *CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta/atendimento de urgência em clínicas básicas

02 PS Pakuera e/ou PS Paranatinga

Paranatinga CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Teste imunológico pra gravidez

11 PS Pakuera e/ou PS Paranatinga

Paranatinga CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

PPD 01 PS Pakuera e/ou PS Paranatinga

Paranatinga CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Média Complexidade – M1 Exames ultra sonográficos 14 *CASAI Cuiabá

– Cuiabá Rondonópolis CASAI

Rondonópolis – Rondonópolis

Atendimento médico por observação por até 24 horas

07 CASAI Cuiabá – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Média Complexidade – M2 Atendimentos especializados em ortopedia

07 CASAI Cuiabá – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta em cardiologia 07 CASAI Cuiabá – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Consulta em oftalmologia 07 CASAI Cuiabá – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Exames complementares e 11 CASAI Cuiabá Rondonópolis CASAI

3 Para o caso Bakairi o fluxo formal é uma estratégia emergente, pois não apresenta elementos das estratégias deliberadas combinados, como no caso dos Bororo.

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triagem neonatal – Cuiabá Rondonópolis – Rondonópolis

Média Complexidade – M3 Consulta em otorrinolaringologia e dermatologia

07 CASAI Cuiabá – Cuiabá

Rondonópolis CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007.

8.4 TERRA INDÍGENA SANGRADOURO DA ETNIA XAVANTE

Os índios Xavantes habitam 11 Terras Indígenas, conforme mostra o Quadro

11 e todas estão sob a responsabilidade do DSEI Xavante. Entretanto, nos registros

da CASAI Rondonópolis foram encontradas referências a usuários originários da

Terra Indígena Sangradouro/Volta Grande, localizada em três municípios mato-

grossenses: General Carneiro, Poxoréu e Novo São Joaquim. Na T. I. Sangradouro os

Xavantes dividem o território com os índios Bororo, embora sejam grupos

historicamente rivais.

Esta Terra Indígena é atravessada pela Rodovia BR 070, que liga Cuiabá a

Barra do Garças e apresenta uma vegetação de cerrado banhada pela Bacia Araguaia.

Aqui se encontram duas organizações indígenas: a Associação da Comunidade

Bororo, da aldeia Kudorojari Sangradouro, e a Associação Xavante Warã, dos índios

Xavante.

Entre as últimas notícias divulgadas amplamente pelos jornais locais e

nacionais está o alto índice de mortalidade infantil cujas causas de maior destaque

são a desnutrição e a desidratação. Também a falta de saneamento nas aldeias

contribui significativamente para o agravamento dos quadros de morbidade e de

mortalidade das pessoas, especialmente as crianças, que ingerem alimentos

contaminados, uma vez que, freqüentemente, as necessidades orgânicas são feitas

nos fundos das casas de alvenaria em que moram (ISA, 2008). O depoimento a

seguir destaca o alto índice de desnutrição dos usuários desta etnia:

Na minha opinião, hoje, o grande problema do índio, pelo menos aqui na nossa região, é um problema de alimentação, uma desnutrição absurda. Lógico, não tenho dados pra dizer com as crianças, mas a gente vê na televisão. Mas os adultos que eu atendo a gente vê que são pessoas

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212

desnutridas [...], hoje em dia o que a gente vê, porque eu pergunto pras enfermeiras que vêm aqui junto com os índios, ninguém faz nada, fica esperando a alimentação cair do céu ou ganha uma cesta básica [...] (Entrevistado 11, maio, 2007).

Mas, além destes problemas, têm merecido freqüente destaque na mídia os

conflitos de terras entre os índios e os fazendeiros da região.

Embora historicamente rivais, os índios Xavante dividem o território de

Sangradouro com os Bororo e também utilizam a CASAI Rondonópolis,

ocasionalmente. Segundo os profissionais da CASAI Rondonópolis, quando na

mesma ocasião índios Bororo e Xavante se encontram hospedados, são necessários

certas práticas para que não ocorram conflitos, como por exemplo, a separação dos

ambientes de convivência.

Os registros oficiais também informam que os Xavante buscam na rede

municipal de saúde de Rondonópolis procedimentos associados principalmente à

atenção básica. Estes pacientes, em geral, são encaminhados pelos profissionais do

município de General Carneiro ou de Barra do Garças e não dependem da CASAI

Rondonópolis para articular a sua regulação, pois quando chegam à CASAI já estão

com o procedimento agendado.

A reduzida presença nos registros oficiais reforça, em princípio, o fluxo

planejado no PDR, pois a presença da CASAI se dá pelo acompanhamento aos

serviços de saúde e durante a fase de recuperação do paciente até o seu retorno à

aldeia. Os Xavante dependem muito pouco dos serviços de articulação desenvolvidos

pela CASAI Rondonópolis, situação contrária aos usuários oriundos das etnias

Bororo e Bakairi. O Quadro 10 mostra o fluxo planejado pelo PDSI e o formal para a

assistência aos Xavante. Neste caso, para avaliar a presença contemplada nos

princípios do SUS voltados para a atenção em saúde desta população indígena são

necessários estudos mais aprofundados, não objeto deste trabalho, uma vez que a

unidade de análise é o DSEI Cuiabá no seu Pólo-Base Rondonópolis, e não no DSEI

Xavante.

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Quadro 10 – Os fluxos planejados e o fluxo formal para os usuários Xavante da Terra Indígena Sangradouro Procedimentos Atenção Básica Grupo Fluxo Planejado

PDR Fluxo Formal

Consulta/atendimento de urgência em clínicas básicas

02 General Carneiro CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Procedimentos Média Complexidade

Grupo Fluxo Planejado PDR

Fluxo Formal

Exames complementares e triagem neonatal

11 Barra do Garças CASAI Rondonópolis - Rondonópolis

Patologia Clínica 11 Barra do Garças CASAI Rondonópolis – Rondonópolis

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006a. Quadro 11 – Terras Indígenas Xavante, DSEI Xavante, MT

Terras Indígenas

Situação Jurídica/2008

FUNAI Regional

Área de Ocupação

(ha)

População Municípios

Areões Decreto s/n 02/10/1996

Água Boa 218.515 832 Água Boa

Areões I e II Em identificação

Água Boa 24.450 (TI Areões I) 16.650 (TI Areões II)

- Nova Nazaré

Chão Preto Decreto s/n 30/04/2001

Nova Xavantina

12.740 56 Campinápolis

Maraiwatsede Barra do Garças

165.241 - Bom Jesus do Araguaia; São Félix do Araguaia; Alto Boa Vista.

Marechal Rondon

Decreto s/n 02/10/1996

Barra do Garças

98.500 500 Paranatinga

Parabubure Decreto 306 30/10/1991

Campinápolis

224.447 3.162 Nova Xavantina

Pimentel Barbosa

Decreto 93.147 20/08/1986

Nova Xavantina

328.966 1.667 Ribeirão Cascalheira e Canarana

Sangradouro Decreto 249 30/10/1991

Barra do Garças

100.280 858 Poxoréu, Novo Joaquim e General Carneiro

São Marcos Decreto 76.215 08/09/1975

Barra do Garças

188.478 1.813 Barra do Garças

Ubawawe Decreto s/n 30/08/2000

Nova Xavantina

52.234 349 Santo Antônio do Leste

Fonte: ISA, 2008; BRASIL, 1975, 1986, 1991, 2000, 2001.

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214

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo histórico da colonização do Estado de Mato Grosso, desde o

avanço das Bandeiras até a organização político-administrativa atual, permitiu maior

compreensão dos dados coletados no município de Rondonópolis. A história de

colonização do Estado reportou aos primórdios do processo de dominação que, ainda

hoje, impera no mundo e é a maior causa das desigualdades sociais: o colonialismo.

Num mundo dividido entre Portugal e Espanha, a busca desenfreada por metais

preciosos, levava os homens a se aventurar em grandes navegações para a conquista

dos continentes ainda desconhecidos. Terra fértil e metais preciosos foram as

maiores riquezas encontradas por aqui e, assim, a metrópole declarou o Brasil sua

colônia tratando de explorá-lo.

Entretanto, também aqui viviam outros habitantes não tão preocupados com o

valor atribuído aos metais que emergiam à flor da terra cujo modo de vida e

organização social contrariava os exploradores portugueses e espanhóis. Vieram

muitos navios a fim de dar continuidade ao processo de ocupação do novo continente

e foram criadas vilas que posteriormente foram elevadas a capitanias, entre elas a

Capitania de São Paulo, cujo território, desconsiderando o Tratado de Tordesilhas,

abrangia o Estado de Mato Grosso.

As principais características do colonialismo mercantilista foram

vislumbradas no avanço das Bandeiras em busca de metais preciosos e índios para

compor a mão-de-obra escrava demasiadamente cara quando africana. O

mercantilismo, e na seqüência o imperialismo, deixaram marcas até hoje observadas

na organização social dos povos indígenas, situação verificada por ocasião das

entrevistas aos usuários Bororo e Bakairi. A descoberta do ouro, as plantações de

cana-de-açúcar, a pecuária no início extensiva e depois para o corte aceleraram a

ocupação de Mato Grosso garantindo os novos limites fronteiriços, entretanto

contribuíram de forma significativa para a completa desestruturação dessas

comunidades.

Mais tarde, já no século XX, era preciso ocupar de fato todo o território mato-

grossense e mais precisamente após os anos 50 houve um fluxo intenso de imigrantes

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da região Sul do país que vinham com este propósito. Assim, através da história foi

possível acompanhar a conquista gradativa e desenfreada das terras mato-grossenses

e ao mesmo tempo se viu pouca preocupação oficial com a condição imposta às

comunidades tradicionais indígenas ainda aqui residentes.

Atualmente, as principais atividades de trabalho no Estado de Mato Grosso

são a agropecuária e o comércio, com destaque para o mercado externo na

exportação de soja, dentre outros produtos primários como o algodão, a madeira e a

carne para a União Européia, a Ásia e o Oriente Médio. O avanço do agronegócio no

Mato Grosso permite que conflitos históricos sobre a posse da terra e o uso não

sustentável das suas riquezas se perpetuem, interferindo no modo de vida das

comunidades indígenas.

Os efeitos do desmatamento têm afetado substancialmente as fontes

principais de sobrevivência destes povos, tornando escassa a caça, as condições do

extrativismo e a pesca, que está substancialmente afetada pela contaminação dos

mananciais pelos agrotóxicos utilizados nas lavouras de grãos. A conseqüência mais

significativa disto é a escassez dos alimentos naturais tradicionais, que gera uma

crescente dependência de recursos federais para a aquisição de alimentos

industrializados, induzindo à incorporação de novos hábitos de vida que acabam

contribuindo, tanto para desintegrar os ritos sociais, como para o desenvolvimento de

doenças crônico-degenerativas.

O conhecimento sobre o uso das plantas medicinais para o auto-cuidado

também se encontra ameaçado pelo contato com a sociedade envolvente, pois os

novos hábitos descaracterizam a compreensão da origem das doenças no contexto

tradicional. Algumas etnias ainda resistem a este avanço tecnológico, mas

dificilmente conseguirão escapar ilesas deste processo.

Considerando esse contexto extremamente desfavorável à sobrevivência das

etnias indígenas do Mato Grosso, fica evidente que este contraste descomunal entre a

produção de riquezas e os efeitos perversos gerados demanda, não apenas, a

elaboração de Políticas Públicas que resguardem os direitos de todos os povos

indígenas à educação, à saúde, à organização comunitária, à preservação cultural e às

alternativas econômicas sustentáveis, mas principalmente que essas políticas sejam

eficiente, eficaz e efetivamente implementadas.

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A história continuou, e o Brasil adquiriu dívidas sociais intensas com sua

população à medida que o modelo de desenvolvimento capitalista foi se

consolidando. Após vários anos de ditadura, no processo de redemocratização do

país nos anos 80 foi criada a Política Nacional de Saúde que trouxe a universalidade,

a integralidade, a eqüidade e a participação social como princípios fundamentais do

SUS a serem gradualmente efetivados através da descentralização política,

administrativa e econômica dos estados e dos municípios. Este processo se deu

através da implantação das Normas Operacionais Básicas e das Normas de

Assistência à Saúde, esta última preconizando o PDR, a PPI e o PDI como

instrumentos de gestão responsáveis pela efetivação do princípio da regionalização e

da hierarquização dos serviços, mais uma vez o caráter impositivo da formulação de

estratégias se faz presente. Além disso, a pactuação precursora de uma gestão

solidária está longe de se fazer efetiva, ao menos no âmbito da Microrregião Sul

Mato-Grossense, cujo município de Rondonópolis se responsabiliza pela assistência

da grande maioria dos habitantes da região ao recebê-los sob as mais diversas

situações.

Essa política de Estado disposta a elevar o Brasil em níveis admissíveis de

qualidade de vida de sua população, também trouxe uma preocupação oficial com a

saúde das populações indígenas. No entanto o resultado foi uma política nacional

voltada para a diversidade através de sua formulação desconectada das reais

condições destes usuários afastando-se cada vez mais de seu propósito, a inclusão

desses no Sistema Único de Saúde, por isso é necessário o reconhecimento da

importância das definições de estratégia propostas por MINTZBERG e

colaboradores (2006). O Plano Distrital de Saúde Indígena distante de originar-se do

diálogo com a sociedade indígena também falha ao reproduzir o modelo médico

hegemônico desconhecendo as orientações do modelo assistencial que embasou a sua

elaboração.

O fluxo formalmente indicado pelos profissionais de saúde tanto da CASAI

Rondonópolis, quanto da rede municipal de saúde de Rondonópolis, consiste na

versão adaptada do fluxo planejado pelo PDR e pelo PDSI às realidades conflituosas

desencadeadas entre as instâncias gestoras que acarretam sérios prejuízos à

concepção de direito à saúde, cidadania e democracia.

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Comparar os fluxos de referência planejados pelos Planos com o fluxo formal

identificado por ocasião do trabalho de campo permitiu também identificar os

descompassos existentes entre o que foi pretendido e o que de fato acontece.

Compreender as experiências vividas pelos profissionais de saúde na busca por

garantir o acesso dos usuários indígenas revelou o comprometimento dos mesmos

com os princípios fundamentais do SUS, ainda que em condições ambientais

desfavoráveis. A satisfação dos usuários indígenas, frente aos serviços garantidos,

mostrou total desconhecimento desses com relação às dificuldades enfrentadas por

aqueles ao longo do processo de regulação.

O trabalho desenvolvido permitiu, também, atestar que ainda existem dois

desafios básicos para que o Sistema Único de Saúde efetive os princípios

fundamentais que o estruturam. O primeiro, está na urgência em mudar o modelo

assistencial de saúde, pois quase vinte anos passaram e ainda é possível identificar o

predomínio do modelo assistencial médico-privatista e do modelo sanitarista nas

nossas práticas de saúde. Esta predominância também se mostra na organização dos

serviços com vista para as ações especializadas e de alto custo em detrimento da

valorização dos conhecimentos populares e das práticas de saúde tradicionais,

especialmente nas relativas aos povos indígenas.

O segundo desafio identificado está em preparar profissionais de saúde sob a

perspectiva de substituir a concepção de saúde como ausência de doença, o que

estimula a demanda por serviços médicos, pela concepção que saúde representa, em

primeira instância, qualidade de vida.

Estes desafios conduzem ao momento que sucedeu a criação do SUS quando

diversas propostas surgiram no sentido de reorientar e reorganizar este sistema nos

três âmbitos: nacional, regional e local, embora umas se aproximaram mais do nível

macro, outras se preocuparam em tratar das relações entre os atores no nível micro.

Para melhor compreender a realidade encontrada buscou-se nos modelos de

atenção dito “alternativos” argumentos para analisar as práticas de saúde e a

organização hierarquizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do

DSEI Cuiabá, Pólo-Base Rondonópolis.

O projeto de Distrito Sanitário traz conceitos de grande relevância, tais como,

território-processo, território-físico, regionalização e hierarquização dos serviços,

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porém não propôs de que forma as ações de saúde em nível primário, secundário e

terciário deveriam ser conduzidas. Esta lacuna abre o diálogo entre este modelo de

atenção com outras estratégias, por exemplo a Saúde da Família, a Promoção da

Saúde e o Modelo de Ações Programáticas (MENDES, 1996; TEIXEIRA, 2006).

Elaborar uma estratégia que contemplasse a diversidade dos povos indígenas

do Brasil foi no mínimo um avanço para um país que retomava os caminhos da

democracia e do respeito aos direitos de cidadania.

Entretanto, os achados de campo evidenciaram que a formulação pretendida e

deliberada não se fez realidade no território do DSEI Cuiabá, Pólo-Base

Rondonópolis, pois a proposta de complementaridade por parte da rede municipal de

saúde passou a representar a efetiva garantia do acesso aos serviços de saúde com

todos os seus níveis de complexidade para o usuário indígena. A formulação do

Subsistema reflete uma prática cada vez mais comum no âmbito da gestão pública

neste país, ou seja, a formulação de políticas em descompasso com as realidades

locais a que se destinam.

Por fim, o que se viu no Pólo-Base Rondonópolis foi uma política nacional,

que ao impor seus critérios através da centralização de poder da FUNASA/MS abriu

espaço para a competição inter-institucional, para o despreparo técnico e para o

ajuste de interesses alheios aos da satisfação dos usuários e que excluem a

experiência dos profissionais de saúde envolvidos. Além disso, intensas discussões

vieram à tona, entre elas o impasse sobre a responsabilidade sanitária nos territórios

indígenas, antes disputada entre a FUNAI, órgão do Ministério da Justiça (MJ), e a

FUNASA, órgão do Ministério da Saúde (MS), agora entre esta e o município.

Este achado reporta a necessária retomada da discussão do critério de

descentralização para os territórios indígenas, diretriz do Sistema Único de Saúde,

tendo em vista que sobre esses parece haver “mandes e desmandes” pondo em risco

o acesso e a garantia da continuidade dos atendimentos à saúde destes usuários, além

de dificultar a elaboração de estratégias emergentes fundamentadas nas práticas

cotidianas já consolidadas.

Por fim, como processo avaliativo com abordagem qualitativa este trabalho

tornou possível a avaliação das estratégias utilizadas pelo DSEI Cuiabá, Pólo-Base

Rondonópolis, tendo em vista os princípios fundamentais e organizativos do SUS.

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Embora amplamente discutido nos capítulos anteriores, convém ressaltar que esses

princípios não são contemplados devido aos conflitos entre o município e a

FUNASA/MS.

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RECOMENDAÇÕES PARA OS GESTORES

Partindo do pressuposto que todo o trabalho científico deve ser relevante, este

estudo recomenda algumas ações à FUNASA/MS, ao Conselho Municipal de Saúde

de Rondonópolis e a UNISELVA/UFMT, a fim de tornar o acesso com qualidade

dos usuários indígenas efetivo em todos os níveis de atenção à saúde. Estas sugestões

têm por objetivo a implementação do princípio da participação social tanto através

dos órgãos colegiados, CONDISI e Conselho Municipal de Saúde, como por meio

das ações individuais, ou de grupo, amplamente defendidas ao longo deste estudo.

Assim, a primeira recomendação está relacionada a esse princípio: garantir a

participação efetiva das lideranças indígenas na elaboração do Plano Distrital de

Saúde Indígena, assim como dos profissionais de saúde envolvidos, tanto da CASAI

Rondonópolis, quanto da UNISELVA/UFMT. Além disso, recomenda-se que sejam

transformadas em estratégias deliberadas, e realizadas, as estratégias criativas

desenvolvidas pelos profissionais de saúde da CASAI Rondonópolis para garantir o

acesso dos usuários Bororo, Bakairi e Xavante na rede municipal de saúde, inclusive

a reabilitação de Rondonópolis para receber o Incentivo de Atenção Básica aos

Povos Indígenas (IAB-PI).

Relacionado a este incentivo recomenda-se a desabilitação do Hospital São

Marcos Ltda reconhecidamente desativado por todos os entrevistados e que ainda

continua recebendo em seu fundo o Incentivo de Atenção Especializada aos Povos

Indígenas (IAE-PI) como denunciado neste trabalho.

Além de garantir a participação dos atores envolvidos, especialmente as

lideranças indígenas, no processo de elaboração do PDSI, é urgente a elaboração do

Termo de Pactuação que deverá apresentar os profissionais contratados, a carga

horária de trabalho, as metas previstas e os indicadores a ser alcançados, para que

seja possível a universalidade do acesso e a integralidade da atenção com vistas para

a eqüidade.

A recomendação seguinte diz respeito à capacitação de pessoal técnico para a

atuação tanto nas aldeias quanto na CASAI Rondonópolis, assim como, os

profissionais de saúde municipais tendo em vista que todos realizam práticas de

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saúde voltadas para esses usuários. A estratégia que deve permear os cursos de

capacitação para este público alvo, deve ser fundamentada nos pressupostos do

modelo de Distrito Sanitário e Promoção da Saúde tendo em vista a importância das

ações intersetoriais, do fortalecimento da cidadania, do empoderamento, do respeito

às práticas culturais e do direito à saúde.

Esta recomendação complementa a anterior reforçando a atuação voltada para

a atenção primária por parte da conveniada em terras indígenas cumprindo os

pressupostos da Política Nacional de Saúde Indígena e o modelo assistencial do

Distrito Sanitário Especial Indígena.

E, por fim, recomenda-se que o CORE e o DSEI Cuiabá representem os

direitos dos usuários indígenas, especialmente Bororo e Bakairi, na PPI promovendo

a pactuação do acesso aos serviços municipais de saúde tendo como referência as

práticas já desenvolvidas pelos profissionais de saúde da CASAI Rondonópolis.

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________ Portaria 95, de 26 de janeiro de 2001. Regulamenta a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS SUS 01/01 que amplia as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica; define o processo de regionalização da assistência e dá outras providências [acesso em 10 out 2007]. Disponível http://siops.datasus.gov.br/Documentacao/NOAS%2001%20de%202001.pdf

________ Portaria 479, de 13 de agosto de 2001. Estabelece as diretrizes para a elaboração de projetos de estabelecimentos de saúde, de abastecimento de água, melhorias sanitárias e esgotamento sanitário em áreas indígenas [portaria na internet].[acesso em 20 jul 2007]. Disponível em: http://www.funasa.org.br ________ Portaria 373, de 27 de fevereiro de 2002a. Aprova na forma do anexo desta Portaria a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS SUS 01/02 que amplia as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica; estabelece o processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca de maior eqüidade; cria mecanismo para o fortalecimento da capacidade de

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gestão do Sistema Único de Saúde e procede a atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios. Diário Oficial da União. 28 fev 2002; Seção 1: 52.

________ Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde (Documento para Discussão). Brasília, DF, 2002b [acesso em 10 jan 2008]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_prom_saude.pdf

________ Portaria 254, de 31 de janeiro de 2002c. Aprova a política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas e dá outras providências. Diário Oficial da União. 6 fev 2002; Seção 1: 46-49.

________ Portaria 70, de 20 de janeiro de 2004. Aprova as Diretrizes da Gestão da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas [portaria na internet].[acesso em 20 jul 2007]. Disponível em: http://www.funasa.org.br

________ Portaria 1.088, de 4 de julho de 2005. Dispõe sobre a definição dos valores do incentivo financeiro de atenção básica de saúde aos povos indígenas e sobre a composição das equipes multidisciplinares de atenção à saúde indígena [portaria na internet].[acesso em 20 jul 2007]. Disponível em: http://www.funasa.org.br

________ Portaria 645, de 27 de março de 2006a. Institui o Certificado Hospital Amigo do Índio a ser oferecido aos estabelecimentos de saúde que fazem parte da rede do Sistema Único de Saúde (SUS)[ portaria na internet].[acesso em 23 jul 2007]. Disponível em: http://www.funasa.org.br

________ Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Indígena. Rio Quente, GO; 2006b.

________ Departamento de Apoio à Descentralização. Diretrizes operacionais dos Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. Brasília, DF; 2006c.

________ Portaria 2.656, de 17 de outubro de 2007. Dispõe sobre as responsabilidades na prestação da atenção à saúde dos povos indígenas no Ministério da Saúde e regulamentação dos Incentivos de Atenção Básica e Especializada aos Povos Indígenas [portaria na internet].[acesso em 30 out 2007]. Disponível em: http://www.funasa.org.br

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ANEXOS

Anexo 1 – Formulário para identificação do fluxo formal.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

NÚMERO DE ORDEM

FORMULÁRIO DE REGISTRO DE DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA

1.MUNICÍPIO: 2.MÊS REF.:

3.PESQUISADOR: 4.LOCAL DE COLETA DOS DOCUMENTOS:

USUÁRIO ORIGEM DESTINO FLUXO

ORDEM

5.SEXO

1.MASC 2.FEM

6.IDADE

7.SIT RESIDÊNCIA*

8.SERVIÇO DE ORIGEM*

9.TIPO DE DOCUMENTO

10.DATA

ATENDIMENTO

11.PROCEDIMENTO REFERENCIADO

(exame ou especialidade)

12.NOME DO SERVIÇO REFERENCIADO

(local) 13.MUNICÍPIO

14.DATA

ATENDIMENTO

15.COMPARECEU

1.SIM 2.NÃO

99.NÃO EXISTE

16. RECURSO UTILIZADO

1. PROPRIO 2. SUS (MS;

SES)

17.COMPLEXIDADE

18.GRUPO

1

2

3

4

5

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Anexo 2 – Entrevista para o profissional responsável pela saúde indígena na Secretaria de Assistência à Saúde (SAS/MS)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Entrevistado (a): _____________________________________________________ Data da entrevista: ____/____/____

ENTREVISTA PARA O PROFISSIONAL RESPONSÁVEL PELA SAÚDE INDÍGENA NA SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE – SAS/MS

1 Em que contexto a Portaria 2.656/07 foi elaborada? Quem participou deste processo? 2 Como a SAS deverá se fazer presente desde o planejamento até a execução das ações de atenção à saúde indígena? Como esta participação ocorria ainda na vigência da Portaria 1.163/99? 3 A que ações os incentivos IAB-PI e IAE-PI se destinam exatamente? Como deverão ser executadas? 4 Como os valores estabelecidos nessa portaria foram elaborados? A quem caberá o pagamento dos encargos sociais referentes a contratação dos profissionais? 5 Como poderá o município utilizar o IAB-PI? De forma direta? Ou poderá lançar mão de OSCIPs e/ou outras organizações? 6 No artigo 5 a nova portaria trata da composição das EMSI, onde estes profissionais deverão atuar, na aldeia ou nas unidades de serviço já disponíveis na rede municipal? 7 De que maneira a SAS participará da escolha dos estabelecimentos que deverão receber o IAE-PI? Quais os critérios para esta escolha além do Certificado Hospital Amigo do Índio? 8 Como a SAS se fará presente na PPI dos serviços especializados? 9 No artigo 7 a portaria determina os critérios para os municípios e os estados receberem os incentivos, como este processo ocorria na vigência da Portaria 1.163/99? 10 No artigo 11 a portaria trata das atribuições dos estados entre elas o apoio técnico aos municípios, às CORE e aos DSEI, o que é este apoio técnico? 11 Retomando o papel da SAS, como esta deverá participar da organização da atenção à saúde indígena no âmbito nacional? 12 Que instrumentos utilizará para viabilizar a atenção dos povos indígenas junto aos estados e municípios? 13 Da mesma maneira como a SAS garantirá o acesso a todos os níveis de atenção à saúde aos povos indígenas? 14 A nova portaria estabelece o monitoramento dos incentivos através da utilização dos sistemas nacionais de informação, como este processo se dava na vigência da Portaria 1.163/99?

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Anexo 3 – Entrevista para o Secretário Municipal de Saúde de Rondonópolis

Data da entrevista: ____/_____/_______

Município: ________________________________

Entrevistador: _____________________________________

Nome do Entrevistado:_________________________________

ENTREVISTA COM O GESTOR DO MUNICÍPIO

(SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE)

1 Qual é a sua formação?

2 Há quanto tempo é responsável pela saúde do município?

3 Quais são as áreas prioritárias de saúde no município?

4 Como o Sr. percebe a saúde no seu município?

5 Quais são as maiores qualidades do sistema de saúde do seu município?

6 Na sua opinião, quais são os maiores problemas do sistema de saúde de seu município?

Enfatizar os seguintes aspectos: estrutura, recursos humanos e sanitário

(patologias/agravos)

7 Por gentileza, fale sobre a sua percepção quanto a saúde dos índios residentes neste município.

8 A sua Secretaria atende usuários indígenas que residem em outros municípios? Existe maior procura em determinado período do ano?

9 O que o Sr. acha de atender os índios residentes em Rondonópolis e os que residem em outros municípios vizinhos?

10 Qual a orientação da sua Secretaria quanto ao atendimento a estes usuários?

11 Há algum tipo de acordo (formal ou tácito) entre o município e a FUNASA/MS para o atendimento destes usuários?

12 O Sr. tem conhecimento se há atendimento de usuários indígenas deste município em outros municípios?

13 O Conselho Municipal de Saúde discute o atendimento dos usuários indígenas neste município? Se sim, quais são os tópicos discutidos e como são encaminhados?

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

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14 Algum dos representantes indígenas participa das reuniões do Conselho Municipal de Saúde como ouvinte ou como membro? O inverso ocorre?

15 A última Conferência Municipal de Saúde contemplou discussões acerca da assistência à saúde dos usuários indígenas (sim/não)? Se sim, quais?

16 O Sr. tem conhecimento quanto custa o atendimento dos índios para o município?

17 O município tem em seu planejamento algum recurso direcionado ao atendimento para os usuários indígenas?

18 Existe articulação de entre os diversos setores (ambiente, saúde e planejamento) que contemple a integralidade da ação em saúde e em especial os usuários indígenas? Como ela ocorre?

19 O Sr. acredita num trabalho em conjunto com a FUNASA para oferecer melhor cobertura de atendimento para a população do seu município descendentes dos povos indígenas considerando a estrutura física e os recursos humanos existentes? Se sim, como seria este trabalho?

20 Como foi feito/definido o processo de regionalização da saúde local? (PPI, PDR). Quem conduziu esse processo? Quanto tempo levou?

21 Existem registros deste processo?

22 Que fatores anteriores importaram na definição das referências?

Verificar: negociações informais, fluxos já estabelecidos pelos usuários,

distância.

23 Qual a sua opinião dos atendimentos/resultados prestados pelos serviços de referência?

24 Sr. Secretário você tem conhecimento de como os usuários indígenas, em especial os Bororo chegam às unidades de serviço em saúde de seu município?

25 Gostaria de fazer mais algum comentário sobre o Sistema de Saúde na região de fronteira?

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Anexo 4 – Entrevista para o Chefe do DSEI Cuiabá/MT

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Nome do Entrevistado:

Data da Entrevista: ____/____/____ Município: _________________

ENTREVISTA COM O CHEFE DO DSEI CUIABÁ/MT

1 Quais os municípios que se encaixam no território de atuação do Pólo-Base Rondonópolis?

2 Como está organizada a oferta de ações básicas em saúde no Pólo-Base Rondonópolis? Quais etnias a ele são referenciadas?

3 Como são firmados os convênios com as ONGs dentro da jurisdição do DSEI Cuiabá?

4 Quais os critérios utilizados para a assinatura dos convênios?

5 Em que nível se dá (local, regional ou federal)?

6 Qual o período de duração destes convênios?

7 Quanto a alocação dos recursos voltados para a Atenção Básica de quem é a atribuição?

8 Qual a relação da FUNASA com a SAS/MS (lembrar da Portaria 1.163/99)?

9 Como está pactuada a relação entre o Instituto Creatio e o DSEI/FUNASA?

10 Quais os serviços de saúde atribuídos a UNISELVA e quantas equipes de saúde estão disponíveis?

11 Se à UNISELVA cabem as ações básicas em saúde praticadas nas aldeias, por quê os serviços de saúde básica do município de Rondonópolis são utilizados? O que está pactuado para os índios que não estão nos limites geográficos do município de Rondonópolis?

12 De acordo com a NOAS SUS 01/02 as ações em saúde de média e alta complexidade devem ser pactuadas entre os municípios e o estado. Para garantir o acesso aos serviços de saúde à população indígena a regulamentação do Subsistema atribui ao DSEI/CORE a responsabilidade por esta integração então como se dá esta pactuação? Existe algum documento que as instituições devem assinar para firmar este acordo?

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13 As ações em saúde estão garantidas na PPI do Estado de Mato Grosso em especial para a Microrregião Sul Mato-Grossense nestas ações está garantido o acesso dos usuários indígenas aos serviços de saúde?

14 Como o Sr. vê a complementaridade das ações em saúde básica e de média/alta complexidade pelos municípios?

15 Quanto ao Incentivo de Atenção Básica aos Povos Indígenas destinados aos municípios que têm Terras Indígenas, como se dá? Quem está responsável por fazer esta ponte entre os índios que necessitam dos serviços e o município em questão? Qual o papel da SAS neste processo de organização e repasse do fator de incentivo?

16 A que se destina especificamente este incentivo?

17 Por falar em IAB-PI na mesma portaria que estabelece a maneira pela qual deverá ser firmado, também, há orientações referentes a uma nova organização dos serviços em saúde no âmbito do DSEI, como se dá esta organização em Núcleo Básico de Atenção à Saúde Indígena, Núcleo de Referência de Atenção Básica à Saúde Indígena e Núcleo Matricial de Atenção Básica à Saúde Indígena (lembra da Portaria 1.088/2005)?

18 Quais as dificuldades encontradas para executar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena?

19 Qual sua opinião sobre as novas diretrizes para a descentralização e regionalização propostas pelo Pacto de Saúde/2006?

20 Como está sendo repassado os recursos para a saúde indígena aos municípios segundo o critério dos 5 blocos?

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Anexo 5 – Entrevista para o profissional de saúde, incluindo o Chefe da CASAI Rondonópolis, os Coordenadores de Atenção Básica e de Média Complexidade, os Gerentes das Unidades Básicas Saúde, enfermeiros e técnicos de enfermagem da CASAI Rondonópolis e do município.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Data da entrevista: ____/_____/_______ Município: _________________________

Serviço de Saúde:_____________________________________________________

Entrevistador: ________________________________________________________

Nome do entrevistado: _________________________________________________

Função: _____________________________________________________________

ENTREVISTA COM OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

1 Qual é a sua formação?

2 Há quanto tempo o (a) Sr.(a) atua neste Serviço de Saúde?

3 Quais são as áreas prioritárias de saúde no município?

4 Como o Sr. percebe a saúde no seu município?

5 Quais são as maiores qualidades do sistema de saúde do seu município? E da FUNASA/MS para a população indígena?

6 Na sua opinião, quais são os maiores problemas do sistema de saúde de seu município? E da FUNASA/MS?

(Enfatizar os seguintes aspectos: estrutura, recursos humanos e sanitário

(patologias/agravos)

7 Por gentileza, fale sobre o trabalho de saúde voltado para a população indígena.

8 Este município recebe usuários indígenas de outro município?(Se sim), o atendimento desta demanda interfere na dinâmica do serviço? De que forma?

Também verificar: Existe algum programa de prevenção em sua unidade que prevê a

incorporação de usuários indígenas? Quais?

9 O Sr. saberia me dizer quais são os tipos de atendimentos mais procurados nesta unidade pelos usuários indígenas?

10 Como faz para identificar os usuários indígenas?

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11 O Sr. tem conhecimento se usuários indígenas residentes neste município buscam atendimentos em serviços de saúde em municípios vizinhos? Se sim, quais serviços? Que motivos o Sr. considera que as pessoas teriam para procurá-los?

12 O Sr. acha que deveria haver um projeto conjunto entre o município e a FUNASA/MS para melhor atender a população indígena? Se sim, quais seriam as prioridades desta proposta?

13 Gostaria de fazer mais algum comentário sobre o Sistema de Saúde na região?

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Anexo 6 – Entrevista para o marcador de consultas da CASAI Rondonópolis e da Central de Regulação de Rondonópolis

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ENTREVISTA PARA MARCADOR DE CONSULTAS/PROCEDIMENTOS Data da entrevista: ____/_____/_______ Município: ______________________ Local de Trabalho: _________________________________________________ Entrevistador: _____________________________________________________ Nome do entrevistado: ______________________________________________

1 Qual é a sua formação/função?

2 Há quanto tempo o Sr. agenda as consultas?

3 Como o Sr. percebe a saúde no seu município?

4 Esta unidade recebe encaminhamentos de brasileiros residentes no outro lado da fronteira? O que se faz?

5 Esta unidade recebe encaminhamento de estrangeiros? O que se faz?

6 Quais são os tipos de atendimentos mais procurados nesta unidade por brasileiros residentes no outro lado da fronteira?

7 Quais são os tipos de atendimentos mais procurados por estrangeiros nesta unidade?

8 Nesta Unidade é feito algum registro dos atendimentos prestados aos brasileiros residentes no outro lado da fronteira e/ou estrangeiros? Que tipo de registro?

(Verificar também: quantidade de informações existentes nestes registros, o

que é feito com essas informações, pedir para ver e bater cópias xérox).

9 Como faz para identificar os brasileiros residentes no outro lado da fronteira e os estrangeiros?

10 O Sr. tem conhecimento de moradores deste município que buscam atendimentos em serviços de saúde do outro lado da fronteira? Se sim, quais serviços? Como eles conseguem tais atendimentos?

11 Como o Sr. faz para encaminhar uma pessoa para determinado serviço?

(Verificar: Que documento precisa? Qual a orientação que ele tem? Qual

orientação que ele dá? Ele conhece a PPI?)

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12 Qual o tempo de espera para marcação de consulta? (Como atende a demanda reprimida?).

13 Existe um controle de comparecimentos ou não às consultas/procedimentos agendados? Como é feito? O que vocês fazem com essa informação?

14 O Sr. tem noção do que os pacientes pensam sobre os serviços para os quais eles são encaminhados? Fale sobre isso.

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Anexo 7 – Entrevista para o representante do Conselho Municipal de Saúde de Rondonópolis.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Data da entrevista: ____/_____/_______ Município: ________________________ Entrevistador: ______________________________________________________ Nome do Entrevistado: _______________________________________________ ENTREVISTA PARA REPRESENTANTE DO CONSELHO MUNICIPAL DE

SAÚDE 1 Quem o Sr. representa no Conselho Municipal de Saúde? 2 Qual é a sua formação? 3 Há quanto tempo participa do Conselho Municipal de Saúde? 4 Você recebeu alguma formação para a atividade de conselheiro? 5 Quais são as áreas prioritárias de saúde no município? 6 Como o Sr. percebe a saúde no seu município? 7 Quais são as maiores qualidades da saúde no seu município? 8 Na sua opinião, quais são os maiores problemas do sistema de saúde de seu município? (Enfatizar os seguintes aspectos: estrutura, recursos humanos e sanitário

(patologias))

9 É de seu conhecimento as condições de saúde dos usuários indígenas residentes neste município? 10 Alguém representante do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) participa das reuniões do CMS? O inverso ocorre? 11 Como são as reuniões do CMS? (recebimento de pauta antecipadamente, freqüência dos membros, convocação

prévia e horário)

12 O Conselho Municipal de Saúde discute o atendimento dos usuários indígenas? Se sim, quais são os tópicos discutidos e como são encaminhados? 13 O Sr. tem conhecimento de quanto o município gasta com o atendimento prestado a esses usuários? 14 O Sr. tem conhecimento de quais são os tipos de atendimento mais procurados no município pela população indígena? 15 O Sr. tem conhecimento de algum acordo (formal ou informal) entre o município e a FUNASA/MS? Quais são? 16 O Sr. tem conhecimento se usuários indígenas utilizam algum serviço em outro município? 17 A última Conferência Municipal de Saúde contemplou discussões acerca da assistência à saúde aos usuários indígenas? (sim/não) Se sim, quais? 18 Na sua opinião, como deveriam funcionar os serviços de saúde voltados para o atendimento dos usuários indígenas neste município?

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19 O CMS participou do processo de regionalização? 20 O Sr. tem conhecimento de como essas pessoas resolvem seus problemas de saúde quando não conseguem o atendimento ou os encaminhamentos necessários? 21 O que o Sr. pensa sobre os encaminhamentos para atendimento em saúde fora do município? 22 Qual a sua opinião sobre o processo de participação, discussão e de deliberação do CMS em relação às políticas de saúde, investimento e custeio? Perguntar sobre:

� execução do Plano Municipal de Saúde;

� impacto das ações realizadas de saúde junto à população;

� cumprimento das deliberações do Conselho;

� funcionamento da rede de serviços de saúde;

� resultado das denúncias encaminhadas ao Conselho;

� utilização dos recursos financeiros destinados à saúde

23 Como é ser conselheiro de saúde? 24 Quais estratégias têm sido adotadas no município para o fortalecimento da participação social? 25 Como é a relação do CMS com outras entidades públicas? (Ministério Público, Conselho Tutelar, FUNASA/MS) 26 Gostaria de fazer mais algum comentário sobre o Sistema de Saúde na região?

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Anexo 8 – Roteiro para conversa com usuário indígena.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ROTEIRO PARA CONVERSA COM USUÁRIO 1 Motivo da vinda ao serviço de saúde 2 Acesso à unidade de saúde 2.1 Identificar:

- formas de acesso, - distância, - tempo de deslocamento, - acessibilidade física, - possíveis dificuldades.

3 Percepção do usuário sobre a forma de recepção nas unidades 3.1 Identificar:

- forma de acesso ao serviço e possíveis dificuldades; - identificar forma de agendamento

4 Resolução do problema/causas para não resolução 4.1 Mede a resolutividade do serviço do ponto de vista do usuário 5 Necessidade de retornar à unidade 5.1 Itens como: não conseguiu atendimento no dia, profissional não estava, etc. 6 Necessidade de realização de exames complementares 6.1 Identificar:

- local; - forma de ida/volta; - documentos de encaminhamento

7 Formas de aquisição de medicamentos prescritos 8 Referenciamento para outro serviço 8.1 Identificar:

- local; - forma de ida/volta; - documentos de encaminhamento

9 Referenciamentos anteriores 10 Etnia do usuário

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10.1 Identificar: - motivo da busca de atendimento no Brasil ou no país vizinho 11 Influência do “ser índio” no atendimento 12. Percepção sobre o atendimento 13. Sugestões para a melhoria dos serviços de saúde utilizados.

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Anexo 9 – Termo de consentimento livre e esclarecido.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da Pesquisa: Avaliação das estratégicas loco-regionais de articulação entre os níveis

de cuidado à saúde: estudo de múltiplos casos nos estados do Rio Grande do Sul, Mato

Grosso e Pernambuco

Pesquisadores Responsáveis: Profª. Drª. Maria Ceci Misoczki e Maria Clara Vieira Weiss

Esclarecimentos sobre a pesquisa: Este estudo tem por objetivo avaliar a articulação da

atenção básica com os demais níveis do sistema de saúde, considerando tanto as estratégias

oficialmente determinadas, quanto as desenvolvidas de forma criativa, resultado das práticas

do dia-a-dia realizadas nos contextos loco-regionais, tendo como um dos estudos de caso o

DSEI Cuiabá – MT, em seus Pólo-Base de Rondonópolis e Tangará da Serra.

As informações serão obtidas através de documentação registrada oficialmente nas

unidades de serviço em saúde utilizadas pelos usuários indígenas referenciados aos Pólo-

Base citados acima, inclusive as Casas de Saúde Indígena - CASAI, observação direta das

práticas de cuidado aos pacientes, aplicação de questionários adequados aos diferentes

participantes no processo – profissionais de saúde, gestores e reguladores dos procedimentos

clínicos, assim como entrevistas em profundidade com alguns usuários e líderes locais. Estas

entrevistas têm como objetivo identificar o nível de satisfação do usuário e dos demais

profissionais envolvidos no processo que busca garantir o acesso com qualidade dos serviços

de saúde oferecidos nas unidades de referência.

Esclarecemos que a pesquisa não faz parte de nenhum programa de governo e não

oferece nenhum risco para os entrevistados mas, se por ventura, as perguntas causarem

algum constrangimento asseguraremos que as mesmas serão interrompidas. A pesquisa

contribuirá na qualificação dos trabalhadores de saúde com os quais a equipe de pesquisa

estará interagindo, considerando tanto a construção coletiva dos conhecimentos obtida com a

prática do dia-a-dia quanto a experiência em procedimentos já estabelecidos de pesquisa.

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Qualquer informação adicional sobre o estudo pode ser solicitada a qualquer

momento para a Prof. Drª Maria Clara V. Weiss (ISC/UFMT) telefone (65) 3615-8881 ou

Maria Ceci Misoczki (EA/UFRGS) telefone (51) 3316-3086 e/ou Karem Dall”Acqua Vargas

telefone (65) 3023 4421.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Participantes da Pesquisa

Eu, ................................................................................................................. estou informado

dos objetivos, procedimentos, riscos e benefícios desta pesquisa, descritos acima.

Entendo que terei garantia de confidencialidade, ou seja, que apenas dados consolidados

serão divulgados e ninguém além dos pesquisadores terá acesso aos nomes dos participantes

desta pesquisa. Entendo também, que tenho direito a receber informações adicionais sobre o

estudo a qualquer momento, mantendo contato com os pesquisadores principais. Fui

informado ainda, que a minha participação é voluntária e que se eu preferir não participar ou

deixar de participar deste estudo em qualquer momento, isso NÃO me acarretará qualquer

penalidade.

Compreendo tudo o que me foi explicado sobre o estudo a que se refere este documento e

concordo em participar do mesmo.

PARTICIPANTE: ...............................................................................................

PESQUISADOR: ................................................................................................

LOCAL: .............................................................. DATA: ......./ ......../ 2007.

OBS.: Autorização solicitada antes das entrevistas

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Anexo 10 – Parecer do CONEP/MS.

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Anexo 11 – Parecer final do CEP/HUJM/UFMT