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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA CLAUDIA WANESSA ROCHA POLETTO BRASIL DE SÁRI: INDIANIDADES NOS FLUXOS TURÍSTICOS ENTRE BRASIL E ÍNDIA CUIABÁ – MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

CLAUDIA WANESSA ROCHA POLETTO

BRASIL DE SÁRI: INDIANIDADES NOS FLUXOS TURÍSTICOS ENTRE BRASIL E

ÍNDIA

CUIABÁ – MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

CLAUDIA WANESSA ROCHA POLETTO

BRASIL DE SÁRI: INDIANIDADES NOS FLUXOS TURÍSTICOS ENTRE BRASIL E

ÍNDIA

CUIABÁ – MT 2012

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção do título de mestre em Estudos de Cultura Contemporânea na Área de concentração: Estudos Interdisciplinares de Cultura. Linha de Pesquisa: Epistemes Contemporânea Orientadora: Prof.ª Dr.ª Dolores Cristina Gomes Galindo – UFMT Co-Orientador: Prof. Dr. Cláudio Costa Pinheiro - FGV/RJ

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P765b Poletto, Claudia Wanessa Rocha.

Brasil de sári: indianidades nos fluxos turísticos entre Brasil e Índia. Claudia Wanessa Rocha Poletto. -- Cuiabá (MT): Instituto de Linguagens/IL, 2012.

148 f.: il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea).

Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Linguagens. Programa de Pós - Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea.

Orientadora: Profª. Drª. Dolores Cristina Gomes Galindo. Co-orientador: Prof. Dr. Cláudio Costa Pinheiro. Inclui bibliografia.

1. Indianidade – Fluxo turístico. 2. Turismo – Brasil – Índia. 3. Yoga

- Transnacionalização. I. Título. CDU:

316.7:379.85(540)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

__________________________________ PROF. DR. MARCOS REIGOTA

Examinador Externo (UNISO – Universidade de Sorocaba)

________________________________ PROF. DR. YUJI GUSHIKEN

Examinador Interno (ECCO/UFMT)

________________________________ PROF.ª DR.ª LUDMILA BRANDÃO

Suplente (ECCO/UFMT)

______________________________ PROF.ª DR.ª DOLORES CRISTINA GOMES GALINDO

Orientadora (ECCO/UFMT)

____________________________ PROF. DR. CLÁUDIO COSTA PINHEIRO

Co-Orientador (FGV/RJ)

CUIABÁ-MT 2012

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Aos meus pais, Arlete Rocha e Tadeu Poletto.

Suas escolhas de vida foram movidas pela coragem e generosidade. Meus eternos inspiradores.

Ao Claudio Duarte.

Incansável mediador da yoga no Brasil. Sua trajetória na yoga se assemelha aos passos de um elefante: firmes, mas com leveza.

À Dolores Galindo.

Pesquisadora como um estilo de vida. Uma frondosa companhia.

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Brasil de Sári,

uma imagem a se pensar.

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AGRADECIMENTOS Esta dissertação é fruto de um amplo trabalho colaborativo que envolveu colegas,

profissionais, instituições, família e amigos. Sejam através de sugestões, orientações,

diálogos, suporte, mediação e afetos, todos estes componentes foram cruciais para o

desenvolvimento desta pesquisa. Outro fator extremamente relevante para este estudo ter sido

concretizado foi o acolhimento da ideia ainda seminal, pelo Programa de Pós-Graduação em

Estudos de Cultura Contemporânea (UFMT).

Inicialmente gostaria de agradecer a orientadora deste trabalho, Prof ª. Drª. Dolores

Galindo. Com sensibilidade e dedicação, até hoje me pergunto como ela conseguiu delinear a

pesquisa para um diálogo entre turismo e yoga. Lembro que a palavra orientador vem de

oriente, onde nasce o sol. Orientação, a arte de orientar, advém desta bonita imagem: aquele

que aponta (ilumina) o caminho do orientado. Distancio aqui da perspectiva hegemônica e

binária do termo oriente e fico com sua poesia etimológica. O trabalho da Profª. Drª. Dolores

Galindo foi além de intelectual, foi artesanal: costurando fatos e vislumbrando possibilidades

no texto dissertativo.

Sob esta indicação orientativa, tive a salutar contribuição do Prof. Dr. Cláudio Costa

Pinheiro como co-orientador neste trabalho. As suas sinalizações foram pertinentes e valiosas

associando o como um importante interlocutor nas questões Brasil-Índia.

Ao Prof. Dr. Marcos Reigota em aceitar participar da banca examinadora. A sua

experiência transnacional acadêmica proporcionou reflexões importantes ao trabalho,

oxigenando ideias e provocando novas discussões.

Ao Prof. Dr. Yuji Gushiken com a sua participação como examinador interno. Sempre

atento aos fluxos contemporâneos, as suas colocações trouxeram contribuições à pertinência

temática.

À Profª. Drª. Ludmila Brandão por prontamente aceitar a suplência na banca

examinadora.

Ao Prof. Claudio Duarte, diretor do Instituto de Yóga Clássico de São Paulo. A sua

colaboração em conceder o espaço para as entrevistas e a mediação nos contatos com as

entrevistadas foram determinantes para esta pesquisa. Ressalto, ainda, a importância de sua

intermediação com o Consulado da Índia em São Paulo em apoiar a presente pesquisa. Seu

trabalho com a yoga vai muito além dos mats, abrange uma constelação de pessoas e

instituições. Namaste, sempre.

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Ao Consulado da Índia em São Paulo, pelo apoio institucional dado desde 2009 à

pesquisa, manifestando o seu interesse em corroborar a realização de estudos acadêmicos

sobre as relações Brasil-Índia.

À CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela bolsa

de estudo concedida a este estudo.

À Profª. Drª. Mary Jane Spink, pela inclusão no grupo de pesquisa “Práticas

Discursivas e Produção de Sentidos” PUC/SP, fazendo-se presente neste trabalho na

discussão teórica. Agradeço também a viabilização de diálogos na mesa redonda durante o

último encontro da ABRAPSO em Recife, 2011.

Às entrevistadas: Rosana Khoury, Narani Verardi, Tereza Buturi e Millena Simões.

Importantes participantes sem as quais não seria possível alcançar os resultados desta

pesquisa. A cada uma dela, 108 vezes obrigada e namaste.

À Leihge Roselle R. Pereira, graduanda em psicologia que trabalhou diretamente na

dissertação. A sua colaboração, disponibilidade, dedicação, empenho e responsabilidade só

acrescentaram positivamente na pesquisa. Novos trabalhos colaborativos virão.

A todos integrantes do grupo de pesquisa TECC – Tecnologias, Ciências e

Contemporâneo: Andrea Basílio Chagas, Angela Coradini, Anny Rodrigues, Danielle Milioli,

Diego Larrea Arasa, Leihge R. Pereira, Renata Rodrigues e Vanessa Ferraz Leite. Aos

visitantes colaboradores do grupo: Patrícia Ferreira Souto e Wuldson Marcelo.

À Silvia Frias, por acompanhar pacientemente meus textos acadêmicos (ou não) desde

a graduação. Seu humor inteligente batizou o nome desta dissertação “Brasil de Sári”, ainda

quando era um pré-projeto no processo seletivo. Agradeço suas leituras “desapegadas” e

amizade.

Às pessoas do meu convívio extra-acadêmico. Relações de apoio, carinho, afeto,

aconchego, compreensão e diálogo; próximas ou distantes (geograficamente), mas sempre

presentes em minha vida: André, Bárbara, Fábio, Graça, Magda, Máuria, Manoela, Oseny,

Telma, Vanessa e Walgor.

E, carinhosamente, agradeço a minha família, meus pais, Arlete e Tadeu, eternos

migrantes, e aos meus irmãos, em especial, ao Felipe, que dedicou parte do seu tempo de

folga me acompanhando em circuitos indianos nos Estados Unidos. O suporte em todos os

sentidos proporcionado pela minha família foi e é extremamente importante em minha

trajetória pessoal e profissional.

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RESUMO As relações entre o Brasil e a Índia são conhecidas há séculos ao mencionarmos as rotas mercantis entre Europa, Américas e Ásia em tempos coloniais. Este trabalho busca analisar indianidades nos fluxos turísticos entre Brasil e Índia na contemporaneidade.Os fluxos provocam mobilidades e circulação de pessoas, artefatos, ideias e informações. Esboçamos nesta pesquisa, a noção de indianidades que pode ser compreendida como uma gama de repertórios que tenta fixar e disseminar predicativos inerentes à Índia apropriada pela indústria do turismo. Ressaltamos que indianidades também está associada a uma abordagem política de movimentos identitários dentro e fora da Índia. Este trabalho explora a pertinência temática por meio de quatro dimensões: 1) propagandas de pacotes turísticos comercializados por agências de viagens brasileiras; 2) relatos de viagens à Índia por turistas viajantes brasileiros; 3) narrativas ficcionais que abordam incidentes de viagens à Índia e aos Estados Unidos, país que acolhe uma expressiva diáspora indiana; 4) objetos de viagens trazidos como souvenirs ou mercadorias. Sinalizamos que a yoga atravessa toda a dissertação de forma fluida, tanto como um repositório de informações sobre a Índia, como uma prática que vem sendo transnacionalizada, impulsionando turistas de todo o mundo em busca do berço da yoga. Palavras-chave: fluxos turísticos transnacionais; propagandas turísticas; relatos de viagem; narrativas ficcionais; objetos de viagem; indianidades; yoga.

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ABSTRACT

The relationship between Brazil and India is known for centuries when mentioned as mercantile rote among Europe, Americas and Asia in the colonial times.This resource seeks to analyse indianess in touristic capabilities between Brazil and India. The flow provoke motion and circulation of people, craft creation, ideas and information. We may added to this source the consistency of indianess which can be comprehended as one gram of repertoires that try to fix up as well as exterminate some values ineherent in India through the tourism industry.It’s important to say that indianness also is associated into a politic discussion related to an indentity circulation movements inside and outside of India. This resource explore the relevance thematic through four dimenssion point of view: 1) advertising of comercial turistic packages by brazilian travel agencies; 2) reports by brazilian tourists people who travel to India; 3) Fiction narrative related to incidents that happen in India and United States, which country embrace a significant Indian population; 4) Travel objects brought as souvinirs or markets. It’s blatant that yoga cross this statement in some way smoothly, as a reserve of information about India, as well as a kind of pratice that has becoming a transnationalized attracting a large number of tourists from all over the world those who are looking for the headquarters of the yoga.

Keywords: transnational tourist flows; tourist advertisements; travel reports; fictional narratives; objects of travel; indianness; yoga.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17

CAPÍTULO 1: PURAKA

INDIANIDADES EM PACOTES TURÍSTICOS ............................................................... 27

1. Agências de viagens e turismo na promoção de fluxos turísticos ........................................ 31

2. Incredible India: campanha governamental da destinação turística Índia ........................... 34

3. Ponto de partida, Brasil; Destino, Índia: rotas metodológicas ............................................. 36

4. Pacotes turísticos: Índia “sob encomenda” ........................................................................... 39

5. Indianidades comercializadas: repertórios de espiritualidade, exotismo e bem estar em pacotes turísticos .................................................................................................................. 42

5.1 O enaltecimento do exotismo ........................................................................................ 46

5.2 Espiritualidade, tornar “palpável” o intangível .............................................................. 50

5.3 Em busca do bem estar, do exótico e espiritual à prestação de serviço ......................... 53

6. Yoga Journeys: quando os repertórios se mesclam .............................................................. 56

CAPÍTULO 2: KUMBHAKA

VIAGENS À ÍNDIA: RELATOS NA VOLTA PARA CASA ....... ..................................... 62

1. Apontamentos metodológicos sobre as narrativas de viagens por meio de entrevistas ....... 65

2. Viagens à Índia: pesquisas contemporâneas ......................................................................... 67

3. Narrativas sobre a viagem .................................................................................................... 69

3.1 Os preparativos até o embarque ..................................................................................... 69

3.2 Na Índia ou durante a viagem ........................................................................................ 73

3.2.1 Do Taj Mahal ao cosmopolitanismo indiano ....................................................... 73

3.2.2 Ashrams: experiências (quase) austeras ............................................................... 79

3.2.3 A Índia de verde-amarelo? O líder espiritual brasileiro ...................................... 83

4. Narrando os desdobramentos de uma viagem à Índia: a palestra “Meditar, comer, viver” . 86

5. Considerações sobre os relatos de viagem à Índia ............................................................... 92

CAPÍTULO 3: RECHAKA

NARRATIVAS FICCIONAIS: ÍNDIA, BRASIL E ESTADOS UNID OS ........................ 93

1. Narrativas ficcionais ............................................................................................................. 94

2. Narrativas ficcionais: incidentes e indianidades ................................................................... 95

2.1 Cheiro de sândalo ........................................................................................................... 95

2.2 Uma família indiana, um templo e nós .......................................................................... 98

2.3 Um circuito de paisagens indianas nos Estados Unidos .............................................. 102

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2.4 Entre cerimônia e comércio: um anel encontrado e um par de tênis “levado” ............ 108

CAPÍTULO 4: SUNYAKA

OBJETOS QUE VIAJAM E CONTAM HISTÓRIAS ............. ........................................ 111

1. Alguns estudos sobre objetos nos fluxos turísticos ............................................................ 116

2. Percursos para se estudar os objetos trazidos das viagens à Índia ...................................... 120

3. Breve inventário dos objetos .............................................................................................. 121

4. Objetos que acenam indianidades ...................................................................................... 125

5. Objetos que criam ambiências de indianidades .................................................................. 127

6. Objetos que perenizam a viagem: atravessamentos de afetos ............................................ 131

7. Quando as turistas se tornam objetos turísticos .................................................................. 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 144

ANEXOS ............................................................................................................................... 151

Anexo A. Entrevistas

Anexo B. Matéria “Uma lágrima pela Índia”

Anexo C. Mapa objetos - relatos

Anexo D. Material de divulgação das agências de viagens

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Indianidades e scapes nos fluxos turísticos Brasil-Índia.......................................22 Figura 2: Foto da campanha turística governamental indiana no aeroporto de Delhi..........36 Figura 3: Mapa da Índia........................................................................................................37 Figura 4: O exotismo traduzido pelas vestes coloridas das indianas....................................47 Figura 5: Parte das imagens do newsletter do roteiro “Grupo Simplesmente yoga”............49 Figura 6: O Taj Mahal como imagem central da comercialização do destino turístico Índia Figura 7: Imagem da chamada do roteiro de viagem – newsletters......................................49 Figura 8: Parte das imagens de divulgação via newsletter do roteiro “Templo e praias do sul da Índia”................................................................................................................................52 Figura 9: Templo hinduísta mostrado pela agência A1.........................................................53 Figura 10: Imagens do SPA Ananda na Índia.......................................................................54 Figura 11: Imagens de yoga no SPA Ananda........................................................................55 Figura 12: Imagem da chamada do grupo de viagem “Grupo Shanti”..................................58 Figura 13: Millena Veruska no Taj Mahal, foto postada em seu blog...................................76 Figura 14: Narani em sua palestra. Suzano/SP.......................................................................87 Figura 15: Homem nu durante o festival religioso Kumbha Mella........................................89 Figura 16: Encomenda sendo preparada pelo correio............................................................90 Figura 17: Ônibus enfeitado na cidade de Delhi ..................................................................91 Figura 18: Divulgação eletrônica da palestra “Meditar, comer e viver”................................91 Figura 19: Restaurante indiano fast-food nos EUA...............................................................97 Figura 20: Gulab Jamoon: doce da culinária indiana............................................................98 Figura 21: Estátua de Hanuman no templo à esquerda, imagem da divindade à direita.......99 Figura 22: Troca de e-mails e contatos com as pessoas da comunidade no tempo de Hanuman...............................................................................................................................102 Figura 23: Templo Hindu da Florida, Tampa........................................................................103 Figura 24: Centro Cultural da Índia nos EUA (Tampa/FL)...................................................104 Figura 25: Interior do Centro Cultural da Índia.....................................................................105 Figura 26: Mural de doações..................................................................................................106 Figura 27: Bazar indiano nos EUA........................................................................................106 Figura 28: Restaurante indiano delivery nos EUA.................................................................107 Figura 29: Oferenda à Ganga.................................................................................................108 Figura 30: Tereza Buturi com uma de suas saias indianas.....................................................123 Figura 31: CD de yoga e capas de tapetes de yoga (yoga mats)............................................124 Figura 32: Pacote de chá indiano...........................................................................................125 Figura 33: Os sapatos indianos de Millena Simões................................................................126 Figura 34: Escola de yoga e o conjunto de objetos indianos..................................................128 Figura 35: Objetos indianos expostos na casa da Rosana Khoury.........................................129 Figura 36: À esquerda: Ano: 2011. Local: Escola de Yoga em São Paulo. Pano pendurado como decoração. À direita: Rosana havia acabado de ganhar o mesmo pano em 2009 em um templo hindu na cidade de Ayodhya – Índia.........................................................................130 Figura 37: Perfume Kenzo: indianidade.................................................................................130 Figura 38: Echarpe: um presente de Narani Verardi...............................................................131 Figura 39: Instrumento musical do Rajastão...........................................................................132 Figura 40: Instrumento musical exposto na sala de estar........................................................134 Figura 41: Anel astrológico.....................................................................................................134 Figura 42: Alguns dos objetos comercializados por Rosana trazidos de sua viagem.............135

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Figura 43: Bolsa com a imagem da deusa Lakshmi...............................................................136 Figura 44: Millena e seu cabelo: “atração turística” na Índia................................................137 Figura 45: Pele clara e cabelos loiros: Tereza Buturi tornou-se atração................................138

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Canais de distribuição do turismo.........................................................................33 Quadro 2. Pacotes turísticos à Índia......................................................................................39 Quadro 3. Repertórios: bem estar, espiritualidade e exotismo..............................................44 Quadro 4. Mapa temático: Aeroporto Internacional Indira Gandhi......................................74 Quadro 5. Mapa temático: turismo em Rishkesh...................................................................80 Quadro 6. Inventário dos objetos de viagem........................................................................122

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BJP: Bharathya Janata Party CII: Câmara de Comércio Brasil Índia GDS: Global Distribuition System GPS: Global Positionig System PATA: Pacific Asia Travel Association SPA: Sanitas Per Aqua STS: Social, Technology and Science UNWTO: United Nations World Tourism Organization WTTC: World Travel and Tourism Council

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GLOSSÁRIO

Ashram: Lugares dedicados às práticas espirituais por meio de rituais, yoga e serviços altruístas. De origem hinduísta, liderados por um mestre ou guru. Ganesha: Considerado um dos principais deuses do panteão hindu. Toda oblação deve ser dirigida a ele primeiro. É o removedor dos obstáculos, tem a forma humana com uma cabeça de elefante Lakshmi: Deusa hindu vinculada à prosperidade espiritual e material. Namaste: Saudação em sânscrito que significa “O Deus que há em mim, saúda o Deus que há em você”. Pranayama: Técnicas respiratórias advindas da yoga. Puja: Cerimônia, oferenda, parte da ritualística hindu. Shiva: Compõe a tríade hindu (trimurti) da criação, destruição e manutenção, juntamente com os deuses Visnhu e Brahma. Shiva é associado ao transmissor principal da yoga no planeta. Swami: Monge hindu. Há várias ordens de swamis na Índia. Yoga: Filosofia e prática que tem suas raízes históricas no hinduísmo. O hatha yoga, uma de suas linhas clássicas, foi a mais difundida fora da Índia. É associada às técnicas (ascéticas ou não) como meditação, restrição alimentar, posturas corporais e exercícios respiratórios. Apesar do termo yoga na língua sânscrita ser etimologicamente masculino (terminado com a letra a), neste trabalho, foi utilizado de acordo com concordância gramatical feminina em nossa língua: a yoga. Vale ressaltar que, de acordo com o novo acordo ortográfico da língua portuguesa, o y (épsilon) foi incorporado ao alfabeto tornando-se uma vogal (SILVA, 2008). Anteriormente, a palavra yoga era considerada estrangeira, sendo adaptada para ioga. Atualmente a grafia yoga já pode ser utilizada normalmente na língua portuguesa.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho de dissertação foi acolhido pelo programa interdisciplinar de pós-

graduação em Estudos de Cultura Contemporânea. Em um panorama geral, a nossa proposta

de pesquisa se volta às relações entre dois países geograficamente distantes, Brasil e Índia,

por intermédio de seus fluxos turísticos. Buscamos analisar e problematizar a cultura e o

turismo em termos processuais, em que o trânsito de práticas, pessoas e objetos se fazem

presentes pelas indianidades nos fluxos turísticos. É importante ressaltar que a yoga atravessa

todo esse trabalho - podendo ser um ponto de partida para um público específico, que procura

viajar à Índia, em busca da espiritualidade, exotismo e bem estar – ou que permeia a relação

da pesquisadora com o país, nos levando a refletir sobre o trânsito de indianidades no Brasil

pelos fluxos turísticos. Sabe-se que a yoga se transnacionalizou, pois impulsiona turistas de

todo o mundo em busca de práticas e estudos em seu país de origem, Índia, as chamadas

“yoga journey” ou “yoga tourism” (STRAUSS, 1997; AGGARWAL et al, 2008).

O turismo vem se tornando um campo das ciências sociais e humanas na

contemporaneidade. Os estudos sobre o turismo emergiram de várias disciplinas, como

economia, sociologia, antropologia, psicologia, etc. (LOHMANN e PANOSSO NETTO,

2008). Várias tipologias, modalidades, sistemas, modelos e conceitos foram e são utilizados

para a compreensão do turismo como campo de estudo. No início dos anos 80, Jafari e Ritchie

(1981 apud PANOSSO NETTO, 2005) propuseram que o turismo poderia ser compreendido

pela forma multidisciplinar ou interdisciplinar. Em outras palavras, o campo de estudo

“turismo” se situaria no centro, e as disciplinas estariam ao redor deste núcleo temático.

Preferimos pensar que o turismo pode funcionar como tropo para refletir sobre as dinâmicas

contemporâneas dos fluxos de pessoas e bens, ao invés de necessariamente ser o centro das

reflexões interdisciplinares.

Para este trabalho, dialogamos com aportes advindos de vertentes de estudos que

escapam de uma abordagem exclusivamente utilitarista do turismo (McRAE, 2003;

FRANKLIN e CRAIG, 2001; FRANKLIN, 2003; URRY, 2001; URRY e ROJEK, 1997;

EDENSOR, 2001). Contemplamos também a literatura pós-colonial, sobretudo, vinculada a

questões relativas ao nominado Oriente (SAID, 2007; BHABHA, 1998; CHATTERJEE,

1993; SPIVAK, 1994; ROY, 1998). Por fim, com noções da Psicologia Social que

subsidiaram o estudo de práticas que, de outra maneira, se perderiam na macrodinâmicas das

relações de poder (SPINK, 2003, 2010; POTTER e WETHERELL, 1987).

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O turismo tem suas raízes históricas em peregrinações religiosas, competições

esportivas (olímpicas), e viagens em águas termais, com o intuito de reequilibrar a saúde

(ANDRADE, 2002). Um dos pioneiros em esquematizar viagens por meio de pacotes

turísticos foi o inglês Thomas Cook. Em meados do século XIX, idealizou e articulou um

“produto” que envolvia a combinação da venda de bilhetes de trem, navios a vapor e entradas

de jogos. Para operacionalizar comboios de viajantes, o seu trabalho se constituiu em

contactar e negociar com fornecedores e repassar a venda para seus clientes. Sua função

básica foi de mediação. A comercialização das viagens organizadas foi nominada de “pacote

turístico”, cuja comprovação de compra era efetuada pelo voucher, uma espécie de recibo.

Isto conferiu a Cook uma histórica indicação como sendo um dos primeiros agentes de

viagens, vindo a ser uma ocupação profissional em vigor até hoje. (PETERS, 2006;

GOELDNER et al, 2002).

O turismo na contemporaneidade expressa modos de vida em que os deslocamentos e

permanências temporárias se fazem presentes. O processo de globalização dos fluxos de várias

naturezas ajuda a criar, a construir e a divulgar paisagens humanas e não-humanas, todas

fundamentais para o turismo. Falar sobre turismo é falar sobre dinâmicas complexas que

criam novas ordenações de internacionalização e transnacionalização (HANNERZ, 1997;

APPADURAI, 1996; CANCLINI, 2003). É importante frisar que a indústria turística possui a

característica peculiar de provocar o cruzamento entre produtores de bens e prestadores de

serviços para operacionalizar viagens. Vinculado ao setor terciário de produção econômica, o

turismo é considerado como uma expressiva fonte geradora de divisas (BENI, 2004;

GOELDNER et al, 2002).

A expansão do turismo se deu principalmente após a Segunda Guerra Mundial,

impulsionada por múltiplos fatores, tais como: a “cultura de paz”, permitindo os

deslocamentos seguros; o caráter econômico que a atividade faz jus, seja pelo seu efeito

multiplicador1 ou pelo crescimento do capitalismo transnacional (MIGNOLO, 2003), e, por

fim, o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação e transportes, possibilitando a

difusão e interconexão entre culturas (GRABURN et al, 2009; LEMOS, 2001).

É importante frisar que a estratégia em posicionar o turismo como fonte geradora de

renda foi acentuada nos países em desenvolvimento. No cenário pós-colonial, ex-colônias

foram aconselhadas por seus próprios ex-colonizadores a abrirem seus mercados aos

investidores externos e a desenvolverem políticas voltadas ao turismo (GRABUN et al, 2009).

1 “para cada US$ 1,00 gasto em turismo geravam-se US$2,23 em renda na economia espanhola” (LEMOS, 2001, p. 29).

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A dinâmica de depender do capital estrangeiro para a promoção da atividade turística refez, de

certa maneira, a lógica colonialista. O turismo pode se configurar como um capítulo

atualizado das relações coloniais pelo modelo de dependência (LEWIS, 1972 apud KOHLER,

2009), ou ainda ser considerado uma vertente da colonialidade global, em que um padrão de

poder operado pela naturalização de hierarquias territoriais, raciais, culturais e epistêmicas

que possibilitam a reprodução de relações de dominação, estendidas até o presente momento

(RESTREPO, 2004).

Na discussão entre turismo e colonialismo, MacCannell (apud McRAE, 2003) elucida

que o turismo simplesmente re-performa as perversões da colonização. Para o autor, a

capacidade de consumo do “primeiro mundo”, sobre as alteridades do “terceiro mundo” no

turismo, valida e produz um nós/eles, dominante/subordinado que compõem uma relação

desigual e diferenciada de poder.

Mas, diante da crise acentuada que assola a Europa e Estados Unidos, não podemos

ignorar que países emergentes como Brasil e Índia2 estão reestruturando o fluxo de capital em

todo o mundo. O Brasil recentemente foi considerado a sexta economia mundial, a frente do

Reino Unido. Já a Índia ocupou o oitavo lugar com a previsão de ultrapassar o Brasil em 2013

(CARTACAPITAL, 2011). Resta-nos indagar como esta nova ordem econômica e política

afetarão os fluxos turísticos internacionais, especialmente entre Brasil e Índia, daqui para

frente.

A Índia como destinação turística internacional se desenvolveu dentro da prerrogativa

de incrementar a economia por intermédio do afluxo de capital estrangeiro. O turismo interno

movimenta aproximadamente 37 (trinta e sete) crore3, ou seja, trezentos e trinta e sete

milhões de viajantes domésticos anualmente, provenientes principalmente de peregrinações

(PATHANIA e KUMAR, 2008). A estimativa da contribuição do turismo na geração de

empregos no país, incluindo os indiretos, é de um aumento de 2,3% ao ano a partir de

2011, chegando até 8,1% no ano de 2021. O investimento de capital ligado ao turismo é de

4,7% sobre o total de capital econômico de investimentos no país em 2011. A previsão de

entrada de turistas estrangeiros na Índia em 2011 chegou a ultrapassar a marca de seis milhões

de visitantes. Até o ano de 2021, a previsão é de que este número seja de aproximadamente

onze milhões (WTTC, 2011).

Entre as expressivas marcas em termos de movimentação econômica que o turismo

gera na Índia na contemporaneidade , podemos citar que as viagens ao país por estrangeiros

2 Compõem o acrônimo BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China, e recentemente a inclusão da África do Sul. 3 Crore é uma unidade que faz parte do sistema numérico sul asiático. Cada crore equivale a dez milhões.

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foram impulsionadas pelo colonialismo de um determinado momento histórico de domínio

político (BANDYOPADHYAY, 2009).

Falar sobre turismo na Índia é não esquecer o seu passado colonial, cujos contornos

territoriais foram alcunhados de oriente. O denominado Orientalismo advém de um contexto

histórico colonialista europeu, cuja finalidade se estendia desde a dominação geopolítica até a

sua institucionalização como disciplina acadêmica (SAID, 2007).

A dicotomia instituída entre Ocidente e Oriente, colonial/moderno (MIGNOLO, 2003)

possibilitou relações de dominação refletindo em hierarquias que vão desde as extensões

territoriais às epistêmicas (RESTREPO, 2004). Partindo desta premissa, a Índia, cuja

localização geográfica está inserida na região leste do planeta, também fez parte da

homogênea concepção orientalista. Ainda na contemporaneidade este fato se repete como,

por exemplo, em técnicas de propagandas (instrumentos da globalização), que operam a

homogeneização da cultura4 (APPADURAI, 1996). Em propagandas turísticas sobre a Índia,

tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, elas endossam o sentido de antiguidade, exotismo

(incluindo pobreza), pluralidade cultural e repositório de espiritualidade ao país

(BANDYOPADHYAY, 2009). Parece que “o oriente está num passado, nunca autorizado a

ser moderno ou contemporâneo”5 (McRAE, 2003, p. 248. Tradução nossa).

Dessa maneira a globalização não homogeneiza a cultura, como Appadurai (1996) nos

elucida; se incorrêssemos neste errôneo argumento não vislumbraríamos os fluxos em termos

processuais da cultura (HANNERZ, 1997). As sociedades na contemporaneidade estão

caracterizadas por fluxos, sejam eles de informações, imagens, ideias, capital, mercadorias,

pessoas e trabalho (APPADURAI, 1996; HANNERZ, 1997; ELLIOTT e URRY, 2010). Para

Hannerz (1997) o termo fluxo pode ser entendido como constantes movimentos que recriam a

cultura, um dinamismo que geralmente é conferido à globalização. O processo de

globalização atualmente não pode ser considerado um fenômeno novo, remonta desde o

século XV através das explorações transatlânticas (MIGNOLO, 2003). Podemos entender que

“o processo de globalização é um espaço para a exposição da diversidade de idéias,

sentimentos e experiências originadas em vários lugares do planeta” (REIGOTA, 1999, p.

45). Na contemporaneidade, os fluxos turísticos possibilitam a criação, atualização e

manutenção deste espaço expositivo. O processo de globalização gerou ainda mobilidades na

era atual que, por sua vez, interferem nos modos de vida. Estas mobilidades podem ser

4 Para Appadurai (1996) é errôneo afirmar que a globalização homogeneíza a cultura, há instrumentos que fazem esta operação. 5 “The Oriente is in the past, never allowed to be modern or contemporary”

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divididas em: corporal, virtual, imaginativa, comunicativa e de objetos; as viagens

prioritariamente envolvem deslocamentos corporais e arranjos heterogêneos (ELLIOTT e

URRY, 2010). Neste sentido, se torna relevante estudar viagens e turismo como expressões

contemporâneas de uma cultura marcada pela mobilidade. Abarcar os fluxos turísticos

transnacionais entre dois países emergentes e díspares culturalmente, como o Brasil e a Índia,

corrobora a assertiva que movimentos geram conexões (ELLIOT e URRY, 2010).

A alusão da veste feminina tipicamente indiana, o sári, “vestindo” o Brasil, não foi

escolhida aleatoriamente para o título desta dissertação: “Brasil de Sári: indianidades nos

fluxos turísticos entre o Brasil e a Índia”. Buscamos esta imagem, pois ela sinaliza

indianidades nos fluxos turísticos entre o Brasil e a Índia. Nestes circuitos, trafegam práticas,

materialidades, expressões artísticas e ideias. Os fluxos turísticos transnacionais atravessam

fronteiras e mobilizam humanos e não-humanos para que os deslocamentos e acolhimentos

temporários aconteçam entre diferentes culturas.

O mundo não se configura mais em centro(s) e periferia(s), no cenário pós-colonial. A

ordem encontra-se muito mais complexa, sobreposta, disjuntiva e articulada por meio de

scapes. Estes remetem tanto à idéia de paisagens como de fluxos de artefatos (tecnoscapes),

de repertórios na mídia (mediascapes), de pessoas (ethnoscapes), de capital (financialscapes)

e, por fim, de relações de poder que remetem ao longo tempo da história (ideoscapes)

(APPADURAI, 1996).

No presente trabalho, privilegiamos o estudo da circulação de repertórios sobre a

Índia, divulgados em produtos midiáticos relacionados à comercialização de viagens, e o

movimento transitório das viagens, feito por um pequeno grupo de brasileiras, por meio de

narrativas e objetos. Este panorama, tendo como o vórtice as viagens à Índia, foi articulado

pelos scapes; o fluxo de artefatos (souvenirs), technoscapes, e de pessoas (turistas),

ethnoscapes, os quais têm como ponto de articulação uma reflexão mais ampla sobre

indianidades e, portanto, às relações de produção de alteridades, o que nos conduz a

desdobramentos reflexivos quanto aos ideoscapes (ver figura 1).

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Figura 1. Indianidades e scapes nos fluxos turísticos Brasil-Índia

Conforme a figura 1, as indianidades são transportadas pelos fluxos e são efeitos

destes mesmos fluxos. Compreendemos indianidades como sendo repertórios que tentam fixar

características étnicas, estéticas, religiosas e folclóricas sobre a Índia para a sua circulação

como destinação turística internacional.

Para Spink (2010), os repertórios circulam de várias maneiras na sociedade, incluindo

no processo de aprendizagem da linguagem; a autora diz que ainda podemos aprendê-los

informalmente, pois convivemos com usos e conteúdos diversificados de momentos históricos

e sociais distintos.

Muito utilizada na Psicologia Social, a noção de repertórios ajuda a compreender

discursos e imagens. Pode ser entendida como aglomerado de descrições, termos, figuras de

linguagens e lugares-comuns que gravitam em torno de metáforas e também de imagens,

utilizando construções de discursos próprios (POTTER e WETHERELL, 1987), “porque as

imagens são também elas produtoras de repertórios” (SPINK, 2010, p.33). Em uma

perspectiva ampliada repertórios incluem, também, elementos não discursivos tais como

objetos, desbordando o privilégio da linguagem que marcou os primeiros estudos empregados

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nesta noção, e que terminavam por afirmar dicotomias (instituídas pelo hábito) entre

elementos discursivos e materiais (SPINK, 2003).

O termo indianess e/ou hinduness6 se refere ao trânsito da unicidade identitária indiana

dentro e fora do país, agenciadas por atores específicos (raça, gênero e classe). Na Índia,

Hindutva (hinduness, hinduidade) pode ser compreendida como uma identidade nacional e

religiosa, construída por grupos nacionalistas hindus na contemporaneidade (EDENSOR,

1998; ROY 1998). Partiram de uma concepção homogênea de unidade nacional pela religião

hinduísta para enfatizar a sua proeminência sobre grupos minoritários, em especial os

mulçumanos; “hinduttva é, também, no discurso nacionalista hindu contemporâneo, uma

identidade diaspórica” (OLIVEIRA, 2010, p. 204).

Neste trabalho não nos distanciamos dos empregos políticos do termo indianidade,

pois notamos que a sua contextualização não poderia ser apartada das viagens e turismo que

envolvem a Índia. A nossa compreensão se aproximou da autora indiana Parama Roy (1998).

Ela buscou problematizar a circulação de indianidades (indianess) e hinduidade (hinduness)

dentro e fora da Índia no período colonial. O fio condutor deste estudo foi a relação “mestre-

díscipulo”, entre o monge indiano Swami Vivekananda e a européia Margaret Noble, no fim

do século XIX e início do século XX. Para a autora, a discípula estrangeira se “hinduizou” por

meio do discurso filosófico-religioso (político também) de Vivekananda. O desdobramento

desta “hinduinização”, ou apropriação de elementos da cultura indiana, acabou por fazê-la

mudar para Índia e ingressar na política local.

Já Vivekananda, só pôde se tornar “Vivekananda” (monge, hindu, indiano, homem)

por meio de suas viagens à Inglaterra e aos Estados Unidos. O conceito metafórico de nação

não pode ser imaginado, exceto, na relação com o estrangeiro, em um processo de

reconhecimento e negação pelo de fora. Estes deslocamentos permitiram-lhe conceber o

horizonte nacional de um espaço geográfico e moral designado de “Índia”: “ele descobre a

Índia em Chicago”7 (ROY, 1998, p. 114, tradução nossa). Este estudo de Roy (1998) permite

refletir que as indianidades só acontecem quando postas em circulação, sejam elas dentro ou

fora da Índia.

A saga de Swami Vivekananda8 ilustra o trânsito de repertórios de indianidades. Estas

viagens contribuíram para a disseminação da yoga, como filosofia associada à “liberdade” e a

uma prática de bem estar (STRAUSS, 1997; ROY, 1998). Repertórios de indianidades

6 A tradução mais apropriada para a língua portuguesa é indianidade e hinduidade. 7 “He discovers India in Chicago” 8 Discípulo do guru Ramakrishna

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atravessam países do continente europeu e americano, tendo a yoga um papel crucial nesta

circulação (STRAUSS, 1997). É o mesmo exemplo do movimento transnacional que as artes

marciais fizeram por intermédio da indústria cinematográfica hollywoodiana (APPADURAI,

1996).

Podemos complementar que as indianidades constituem um exercício imaginativo,

uma prática social que produz fatos quando circulam pelas dimensões culturais

(APPADURAI, 1996). O tráfego de determinadas “paisagens” indianas, feito por imagens,

textos e objetos, faz com que se tornem repertórios sobre a Índia, ou seja, indianidades. A

fixidez dos repertórios é o que gera os estereótipos (BHABHA, 1998) quando associados às

indianidades.

Por exemplo, sabemos que o Taj Mahal é um atrativo turístico de representatividade

internacional. As viagens à e na Índia estão associadas ao monumento. As imagens e os

discursos circulam por meio de campanhas publicitárias, fotografias pessoais, relatos, objetos

(souvenirs) e roteiros turísticos. No caso do Taj, Lury (1998) clarifica que monumentos

históricos deste porte são considerados traveller-object, onde o que se desloca é a sua

imagem; sendo fortemente indexados à cultura local. O Taj Mahal se tornou um repertório de

indianidade sobre a Índia, a sua imagem ilustra desde embalagens de condicionadores para

cabelos 9, a rótulos de comida congelada (EDENSOR, 1998). Isso faz com que o ícone

turístico se torne quase que uma obrigatoriedade (implícita ou não) de visita para os turistas,

fazendo parte da oferta da indústria turística que movimenta a destinação Índia.

Em se tratando de associações entre humanos e não-humanos, dicotomias podem ser

desfeitas no ato da pesquisa: residência/viagem, trabalho/lazer, campo/não-campo (ELLIOT e

URRY, 2010; P.SPINK, 2003). Gostaríamos de relatar a importância de alguns equipamentos

no processo da pesquisa. Foram colaboradores essenciais: computadores portáteis, celular,

impressoras, gravadores, pen drives, máquina fotográfica, etc.; tecnologias e mobilidades que

permitiram a confecção deste trabalho durante o trânsito e permanência em diversos lugares,

tais como: Cuiabá (MT), São Paulo (SP), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte

(MG), Goiânia (GO), Salvador (BA), Tampa (EUA) e Índia.

Este trabalho está dividido em quatro partes. No primeiro capítulo nos voltamos às

propagandas divulgadas na internet que comercializavam pacotes turísticos à Índia por

agências de viagens brasileiras. Buscamos analisar repertórios imagéticos e textuais que

envolviam a destinação turística “Índia”. Estes repertórios estão atrelados ao que os estudos

9 No Brasil uma conhecida marca de cosméticos para cabelos lançou no mercado um condicionador intitulado de “Mistérios do Oriente”. A imagem ilustrativa de Oriente contida na embalagem era o Taj Mahal.

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pós-coloniais vêm apontando como essencializações do Outro oriental (McRAE, 2003; SAID,

2007).

No segundo capítulo abordamos a “volta para casa”, o retorno das viagens à Índia por

um grupo de brasileiras. São narradas as viagens de quatro professoras de yoga. Elas

relataram suas experiências por meio de entrevistas abertas. Os relatos de viagens permitem

contar as experiências de forma fluida e, por vezes, não coerentes entre si. Sinalizam o

cotidiano vivido nas viagens. Os relatos são entremeados de depoimentos que envolveram

desde a preparação da viagem até desdobramentos da própria viagem convertida em palestras.

Como bem argumenta Peters (2006), as viagens não somente usam o tempo, mas também,

produzem o tempo e, neste caso, as narrativas no retorno reverberam uma viagem que parece

nunca terminar.

No terceiro capítulo utilizamos o recurso das narrativas ficcionais (REIGOTA, 1999)

contando alguns incidentes vividos pela pesquisadora entre Brasil, Índia e Estados Unidos.

Tanto as suas viagens à Índia quanto aos Estados Unidos foram contempladas por mostrarem

os fluxos turísticos e diaspóricos transnacionais. A trajetória desta pesquisa foi influenciada

por tais conexões onde valida a tendência contemporânea de mobilidades como modos de

vida (ELLIOTT e URRY, 2010).

No quarto capítulo discutimos o chamamos de “materialidades das viagens” à Índia

através dos objetos trazidos ao Brasil. Sabemos que os turistas estão entrelaçados com objetos

de várias naturezas (URRY e ROJEK, 1997; FRANKLIN, 2003). Os objetos possuem

capacidade de agência, produzindo efeitos através das relações no turismo (LATOUR, 2008;

FRANKLIN, 2003). Assim, identificamos duas performances dos objetos de viagem: 1)

objetos que criam ambiências de indianidades e 2) objetos que perenizam a viagem:

atravessamentos de afetos.

Os nomes dos capítulos foram associados às fases respiratórias da hatha yoga. São as

técnicas respiratórias que conduzem toda a prática. A primeira, puraka, é o ato de inspirar, o

fôlego inicial. A segunda fase, kumbhaka, é a retenção do ar nos pulmões. A terceira se

configura na expiração, rechaka, o movimento da saída do ar retornando ao ambiente. A

quarta e última fase, sunyaka, a ausência de ar e de movimento, a manutenção do vazio para

que um novo ciclo se inicie. São os fluxos e contra-fluxos de ar que a todo instante realizamos

sem pensar na respiração, mas na prática de hatha yoga inverte-se: pensa-se para respirar.

O ritmo cíclico que rege a respiração na yoga não bloqueia os movimentos oscilantes

que a mesma está sujeita. Assim como o ato de pesquisar, que está sempre aberto aos fluxos

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da pertinência temática, tentar estancar esta condição equivale ao mesmo que trancar a

respiração, desfalecendo por asfixia, engessando o campo-tema. Vale lembrar que a repetição

do ato respiratório não exaure o manancial de ritmos que modela os ciclos, sempre flexível

para novas possibilidades.

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*Primeiro movimento do ciclo da respiração, o ato de inspirar. O fôlego primário para a circulação do ar.

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO 1111

INDIANIDADES EM PACOTES TURÍSTICOSINDIANIDADES EM PACOTES TURÍSTICOSINDIANIDADES EM PACOTES TURÍSTICOSINDIANIDADES EM PACOTES TURÍSTICOS

PURAKAPURAKAPURAKAPURAKA****

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28

As expectativas encerradas dentro de ideologias coloniais de alteridade servem para familiarizar o turista com o estranho, fora dos padrões, antes mesmo de ser encontrado. A noção que culturas ‘primitivas’ mantiveram uma autenticidade perdidas para o sujeito contemporâneo, constrói uma nostálgica fascinação sobre o outro (McRae, 2003, p. 239. Tradução nossa).

assar réveillon, praticar yoga, apresentar trabalhos acadêmicos ou fechar

negócios: todas estas viagens se utilizam de uma gama de componentes

operacionais turísticos cada vez mais complexos para gerar deslocamentos e

acolhimentos temporários. A Índia, convertida em tema de telenovela e filmes premiados10,

adquiriu destaque. Dentre os quinhentos guias turísticos comercializados pela renomada

Lonely Planet, o destino Índia encontra-se entre os seis mais vendidos atualmente (LONELY

PLANET, 2011). Investimentos no setor e projeções da Pacific Asia Travel Association

(PATA) estimam um crescimento no setor turístico de 4,9% ao ano até 2012 (UNWTO,

2010).

Após a independência da Grã-Bretanha, em 1947, as aberturas econômica e política

delinearam um novo (velho) país. Um contingente populacional na casa das centenas de

milhões que se mistura a um patrimônio cultural milenar e com as mais avançadas tecnologias

da informação na atualidade (KAMDAR, 2008). A promoção da marca “Índia” em mercados

emergentes como o Brasil encontra-se em expansão. O evento “The India Show”, realizado

em São Paulo (março de 2011), sob auspícios da Confederação Indiana de Indústria (CII),

apoiado pela embaixada indiana, e pela Câmara de Comércio Brasil Índia, teve uma agenda

de discussão pautada em bens e serviços que incluiu o setor de “Turismo e Viagens” para

intensificar o comércio bilateral (INDIASHOW, 2011).

Na contramão da crescente expansão da Índia, que desponta em setores estratégicos

como informática, e dos significativos acordos multilaterais que vem sendo firmados

(PINHEIRO, 2010), repertórios associados à antiguidade, espiritualidade, pobreza e exotismo

se recusam a desaparecer no consumo turístico da Índia por europeus e norte-americanos

(BANDYOPADHYAY, 2009).

10 Em 2009, com a novela “Caminho das Índias”, um público diverso daquele que buscava o país entrou nas rotas do turismo, um público bastante diferente do segmento dos professores de yoga ou dos envolvidos nos negócios bilaterais Brasil-Índia. No ano anterior, o premiado filme “Quem quer ser milionário?” (2008), também, levou turistas de vários países às terras indianas, isto sem falar do filme “Comer, rezar e amar” (2010) cujo impacto no turismo indiano chegou a ser apelidado “efeito Júlia Roberts”.

P

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Há poucos estudos sistematizados sobre a comercialização da destinação turística

Índia no mercado brasileiro. Quais são as maneiras de falar e visualizar a Índia que circulam

nas agências de viagens e turismo que mercantilizam deslocamentos àquele país? É possível

identificar repertórios de “indianidades” atrelados ao destino turístico Índia no Brasil? São

estas as perguntas que guiam o nosso texto.

Para explorarmos as nossas questões estruturamos o texto da seguinte maneira: no

primeiro segmento, abordamos como a Índia se insere no turismo contemporâneo, explorando

duas dimensões a propaganda governamental e os resultados de pesquisas sobre experiências

de ocidentais que viajaram à Índia. No segundo momento, explicamos os passos

metodológicos. Passamos então, à caracterização das agências de viagem estudadas,

descrevendo seus pacotes e roteiros. E, por fim, num quarto segmento, analisamos os pacotes

comercializados a um nicho específico, professores, praticantes e interessados pela yoga que

constituem um dos fluxos mais estáveis de turismo Brasil-Índia, as Yoga Jorneys.

A despeito das flutuações nos públicos que adquirem pacotes com destino à Índia,

interessa-nos um nicho mais estável e segmentado. São professores ou praticantes de yoga,

estes, figuram na página oficial da embaixada da Índia no Brasil, materializando o que

nomeiam como o “enorme interesse” brasileiro na cultura, religião, artes e filosofia indiana

(http://www.indianembassy.org.br > acessado em 21 de fevereiro de 2011). Praticantes e

professores de yoga se constituem um público alvo para os pacotes turísticos por atribuírem

programações específicas de práticas e estudos de yoga na Índia. Isto se deve pelo fato do país

ser considerado o berço desta filosofia milenar. Atualmente, a yoga encontra-se em

disseminada em todo o mundo, e cresceu exponencialmente como uma técnica de bem estar,

de autoconhecimento e de “liberdade” (STRAUSS, 1997).

Entendemos que o termo indianidade neste estudo se refere aos repertórios lingüísticos

e imagéticos que sinalizam a Índia como destinação turística internacional. São as

características indexadas ao contexto cultural indiano que modelam as indianidades

circulantes no turismo e que, por sua vez, são alimentadas por repertórios. A indianidade

pode ser compreendida, em um primeiro momento, por um movimento político de construção

e afirmação identitária, que acabou por repercutir em propagandas turísticas, sítios de

visitações, souvenirs e perfomatividades.

Indianness (indianidade) discutida por Roy (1998) está atrelada ao conceito de

comunidades imaginadas de Benedict Anderson e ao de nação desenvolvida por Ernest

Renan. A autora argumenta que a indianness tem uma estreita ligação com hinduness - uma

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concepção identitária indiana baseada em princípios hinduístas. Para Oliveira (2010) a

“hinduidade” ou hinduness, tem correspondência direta com movimentos políticos nacionais e

transnacionais como o BJP11 e o VHP12 por meio de uma construção da identidade nacional-

religiosa (hindu) após a independência indiana.

O autor indiano Chatterjee (1993) questiona a discussão de nação imaginada e diz que

até mesmo a imaginação deveria permanecer colonizada para sempre. O modelo de

modernidade já havia sido proclamado pela Europa e América, cabendo ao mundo pós-

colonial adotar o mesmo sistema. O resultado foi que a imaginação nacionalista indiana pôde

se posicionar “não sobre uma identidade, mas sim, sobre uma diferença com formas

“modulares” da sociedade nacional propagadas pelo ocidente” (CHATTERJEE, 1993, p. 5.

Tradução nossa)13. O autor esclarece que, no caso da Índia, é inegável a evidência de um

nacionalismo anticolonial, iniciado muito antes da luta pela independência. Para isto, a

divisão binária de domínios do mundo social das instituições, e das práticas em material e

espiritual foi crucial, já que duas soberanias estavam em jogo. O primeiro domínio seriam as

conquistas tecnológicas, científicas e econômicas que o ocidente se sobrepujava em relação

aos países do leste, enfim, um modelo notadamente considerado superior a ser estudado e

replicado em todo o mundo. Já o segundo domínio, o espiritual (interno), era a marca

essencial da identidade cultural. O sucesso se deu ao imitar as habilidades ocidentais do

domínio material e a necessidade de se preservar uma cultura espiritual distinta. Assim, o

estado colonial na Índia foi apartado do domínio interno da cultura nacional, o que gerou um

audacioso projeto de “moldar uma cultura moderna nacional que não é, no entanto, ocidental”

(CHATTERJEE, 1993, p. 6. Tradução nossa)14.

É importante pontuarmos esta perspectiva de nacionalismo anticolonial esboçado por

Chatterjee (1993), pois ela pode ser associada à noção de indianidades circulantes em

agências de viagens brasileiras que comercializam a Índia. Um dos repertórios condizentes

encontrados em propagandas turísticas durante este estudo é o da espiritualidade. Podemos

deduzir que estes repertórios atrelados à Índia – indianidades – ora vêm de um olhar

estrangeiro, ora vêm de dentro. Porém, só ganham sentido quando postos em circulação, ou

11 Bharathiya Janata Party: Partido do Povo Indiano 12 Vishva Hindu Parishad: Conselho Mundial Hindu 13 “not on an identity but rather on a difference with the "modular" forms of the national society propagated by the modern West” 14 “to fashion a modern national culture that is nevertheless not western”

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seja, quando “viajam” pelas dimensões globais (APPADURAI, 1996). É neste fulcro que a

indústria turística se apropria das indianidades.

1. Agências de viagens e turismo na promoção de fluxos turísticos

Na contemporaneidade os fluxos turísticos se intensificaram pela expansão dos meios

de comunicação e inovações tecnológicas no setor dos transportes. Os deslocamentos de

pessoas que podem circular, virtual ou geograficamente, criam ordenações espaciais

complexas e, junto a estas, novas paisagens (APPADURAI, 1996). O consumo de

deslocamentos, como lembra Bauman (1999), inaugura novas polarizações: para alguns, a

liberdade de circular; para outros, a prisão numa localidade que inelutavelmente se move sob

seus pés. Ou ainda, àqueles que têm o capital de rede15 para usufruir de uma vida móvel

(incluindo viagens) onde terceiros, relativamente “imobilizados”, possibilitam as mobilidades

dos primeiros (ELLIOTT e URRY, 2010).

A circulação de bens e pessoas por intermédio do turismo gera novas estruturas

(CANCLINI, 2003) e ordenações espaciais, porém, isto não significa que estão isentas de

disjunções e de hierarquias, seja entre aqueles que se deslocam, seja entre aqueles que têm

como incumbência receber as pessoas que se movem entre as suas ruas (BAUMAN, 1999).

Agências de viagens e turismo comercializam serviços como: cotações, reservas e

vendas de diárias de hotéis, passagens, seguros, passeios, estadias em cruzeiros, aluguel de

veículos, pacotes turísticos, etc. Seus ganhos são provenientes de comissões sobre os

“produtos” vendidos. Trabalham pela intangibilidade de seus serviços, os quais não podem ser

tocados, vistos, degustados ou cheirados antes da viagem (SWARBROOKE e HORNER,

2002). Ao mesmo tempo, é uma indústria que promove a vontade de viajar, de conhecer

outros mundos, de aventurar-se e de saciar o desejo de “fugir do ordinário”.

Ao entrar em uma agência de viagens nos deparamos com vários materiais de

divulgação, como cartazes e panfletos repletos de imagens e textos que acenam horizontes

que ultrapassam aquele espaço. Até mesmo a decoração de vários destes estabelecimentos se

dá por meio de paisagens: grandes painéis com cenários paradisíacos, em que atrativos

turísticos emblemáticos tentam encantar os clientes pelos olhos, daí a conotação imagética ser

tão essencial à indústria turística.

15 Capital-network

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32

Antes da onipresença das páginas eletrônicas e da comunicação imediata pelos e-

mails, era necessário receber um material impresso, assistir a um vídeo, ou ainda, deslocar-se

até uma agência para visualizar o destino num cartaz ou prospecto; materiais estes que, muitas

vezes, não podiam ser levados para além dos limites físicos do estabelecimento.

Com a consolidação e credibilidade do comércio eletrônico, a configuração da

comercialização de serviços de viagens vem sofrendo mudanças. Se antes o cliente

necessitava se deslocar até uma agência para consultar e comprar seu pacote, atualmente ele

acessa a uma gama de informações sobre o destino, e efetua a compra de qualquer lugar pelo

computador e cartão de crédito.

Os roteiros fazem parte da dinâmica dos pacotes turísticos. O roteiro é uma espécie de

seleção do que ver, fazer e visitar. Os pacotes são um mix de serviços que podem incluir

passagens, hospedagem, receptivo, entretenimento, locação de veículos, etc. O pagamento é

feito de maneira global, ou seja, o cliente despende um valor único por todo complexo de

produtos e serviços. Cabe ao agente ou operador de viagens repassar o pagamento recebido

aos fornecedores.

A operadora turística é a empresa que monta um roteiro juntamente com todos os

componentes necessários para operacionalizar a viagem, após a negociação direta com os

fornecedores (GOELDNER et al, 2002). A operadora geralmente vende o pacote turístico

pronto às agências de viagens conforme o esquema dos canais de distribuição (quadro 1).

Na verdade, os operadores turísticos são responsáveis pelo planejamento, elaboração, marketing, reserva e, mesmo operação de pacotes turísticos, vende-os diretamente para o consumidor final ou por intermédio de uma rede de canais de distribuição como agências de viagens e internet (LOHMANN e PANOSSO NETO, 2008, p. 297).

Já os agentes de viagens são intermediários entre os fornecedores e os consumidores.

As agências são remuneradas com comissões adquiridas na venda de “pacotes de viagens,

bilhetes de transportes e atrações turísticas, acomodações, locação de veículos e seguros de

viagens” (LOHMANN e PANOSSO NETO, 2008, p. 293).

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Quadro 1. Canais de distribuição do turismo

Prestadores de serviços: transportes, hospedagem, alimentação, resorts, recreação, entretenimento, etc.

Canal direto: Internet; Telefone; Escritório de fornecedores Clientes: individuais, grupos a passeio ou a negócios, etc.

Fonte: Adaptado de Goeldner et al, 2002

Em qualquer divulgação sobre destinações turísticas, algumas informações são

selecionadas por serem consideradas pertinentes e outras são descartadas. Um bom exemplo

deste recorte informacional são os guias turísticos que indicam, sugerem e avaliam lugares,

estabelecimentos e atividades. Eles tentam contextualizar o turista-leitor do que poderá

encontrar na destinação turística escolhida.

Para que a promoção seja feita por meio de publicidade e canais de vendas

(SWARBROOKE e HORNER, 2002) são necessários marketing aplicado ao turismo, que

Beni (2004, p. 208) nos explica:

O marketing de Turismo pode ser definido como um processo administrativo através do qual as empresas e outras organizações de turismo identificam seus clientes (turistas), reais e potenciais, e com eles se comunicam para conhecerem e influenciarem suas necessidades, desejos e motivações nos planos local, regional e internacional em que atuam, com o objetivo de formular e adaptar seus produtos para alcançar a satisfação [...]

O consumo midiatizado de viagens, imagens e textos compõem uma primeira instância

da experiência, e não a antecipação de algo a viver posteriormente (LIPOVETSKY, 2007). As

ilustrações e relatos fazem próximo o distante, criando experiências sensoriais de uma

paisagem que se deseja conhecer e fazem fugir do cotidiano. As imagens e os textos nas

Agente de

viagem

Operadora turística

Agente de Viagem

Operadora turística

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34

propagandas turísticas devem ser mais do que uma pessoa normalmente esperaria (URRY,

2001), devem anunciar possibilidades de experiências que só podem ser vividas lá.

2. Incredible India: campanha governamental da destinação turística Índia

A campanha governamental de marketing turístico intitulada de “Incredible India” 16 é

emblemática, em que indianidades são produzidas e vinculadas pelo governo. Marcada por

um forte uso da internet, tem como um dos principais destinatários, turistas internacionais,

além de empresas ligadas ao turismo como: hotéis, agências, restaurantes e transportadoras

(DWIVEDI, 2009). No bojo das ações para desenvolver o turismo no país, foi criado o prêmio

“National Tourism Awards” para congratular as “melhores performances” de operadoras de

turismo. Concomitantemente, foram elaborados “produtos” por meio da segmentação de

atividades, paisagens ou patrimônio cultural. Estes produtos foram classificados em onze:

1)Esporte e aventura, 2)Desertos, 3)Eco Turismo, 4)Trens luxuosos, 5)Praias, 6)Vida

selvagem, 7)Retiros interessantes, 8)Retiros reais (de realeza), 9)Eventos - MICE (Mettings,

Incentives, Conferences & Exhibitations), 10)Bem estar e saúde, 11)Espiritualidade

(INCREDIBLEINDIA, 2011).

Cada um dos nichos elencados desdobra-se como produto turístico a ser consumido

sob a forma de roteiros, nos quais podem ser comercializados isoladamente ou em pacotes. É

interessante notar que as categorias dos produtos turísticos têm que produzir “unidades” e

agregar heterogeneidade de práticas que caracterizam a dinâmica de qualquer país. Assim, na

Índia, o que chamar de espiritualidade? Para resolver os problemas espinhosos da diversidade,

no produto “Espiritualidade”, foram citadas seis das principais religiões do país: Hinduísmo,

Jainismo, Budismo, Islamismo, Siquismo e Cristianismo (INCREDIBLEINDIA, 2011). Neste

nicho, o “produto” inclui a sugestão de visitas em lugares sagrados e templos, bem como

informações sobre cada crença, feriados santos ou datas significativas e peregrinações.

Em campanhas e treinamentos voltados ao turismo, enfatiza-se que o turista deve ser

considerado uma divindade. Para tanto, o Ministério do Turismo Indiano utiliza a frase de

cunho filosófico-religioso que atribui essa conotação: “Atithi Devo Bhava”, que significa “O

convidado é Deus” (BANDYOPADHYAY e MORAIS, 2005, p. 1013). Ou seja, a promoção

de uma hospitalidade quase que religiosa em que o turista deve ser tratado como Deus. A

16 “Pode-se traduzir como “Índia incrível”, ou ainda, “Índia impressionante”, de acordo com o slogan em português promovido pelo Consulado Geral da Índia em São Paulo.

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concepção nacional embasada no domínio espiritual (Chatterjee, 1993) reverbera em políticas

de divulgação governamental gerando performatividades inseridas no mercado turístico local.

Sob o enfoque estratégico de desenvolvimento interno por intermédio do turismo, os

autores indianos Pathania e Kumar (2008) discorrem que o governo local considera o turismo

como um importante meio de crescimento econômico e de geração de empregos. Segundo os

autores, no ano de 2005, o turismo arrecadou 30,2 % a mais que o ano anterior em relação à

entrada de divisas estrangeiras. Atualmente, o turismo já é a maior fonte de divisas

estrangeiras no país. Eles argumentam que, para poder fomentar e aumentar o fluxo

internacional de turistas à Índia, o governo vem adotando políticas de isenções fiscais,

flexibilização de políticas sobre voos fretados, e aumento do marketing turístico internacional,

a exemplo da campanha “Incredible India” 17.

A Índia, assim como outros países emergentes, a exemplo do Brasil e Cingapura, vem

se tornando um Destino Global de Saúde (YIM, 2007; PATHANIA e KUMAR, 2008). O

setor governamental de turismo da Índia reserva um espaço especifico ao turismo médico, no

endereço, www.medical-tourism-india.com (acessado em 21 de fevereiro de 2011), várias

facilidades no cuidado com a saúde são enfatizadas, dentre elas o preço, a mão-de-obra e a

tecnologia.

Em viagem à Índia, em 2009, observamos no aeroporto um grande cartaz da campanha

“ Incredible India”. A categorização da yoga como uma prática de saúde, não deixa de fazer

com essa circule atrelada a nostálgica ideia de repertórios de espiritualidade. Dessa maneira,

as imagens de bem estar se juntam à atmosfera de espiritualidade. Isso não é peculiaridade da

yoga. Na campanha, uma mulher (sugestivamente indiana) pratica posturas de yoga em

roupas brancas tendo como cenário de fundo paisagens montanhosas (ver fig. 2 ). A yoga fica

entre a prática espiritual para iniciados e uma atividade de bem estar. No turismo

contemporâneo, não só pessoas transitam, práticas também se deslocam.

17 Ver http://www.incredibleindia.org

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36

Figura 2. Foto da campanha turística governamental indiana no aeroporto de Delhi Fonte: Fotografia realizada em viagem de campo

Para McRae (2003), a persistência de repertórios ligados ao exotismo seria efeito de

práticas colonialistas que atravessam o turismo e produzem engessamentos e essencialismos.

Falar da Índia com reduto de espiritualidade é, de certa maneira, aprisioná-la à produção do

exótico e de uma nostalgia idílica. O aprisionamento do “outro” e, também, o ato de copiá-lo,

é incompleto. Escapa às políticas (colonialistas) de produção de alteridade nas pequenas

astúcias do cotidiano que aparecem nos relatos de viagens de estrangeiros, nas conversas do

cotidiano, no dia a dia que desafia os fluxos homogeneizantes.

Voltemos à imagem da campanha publicitária Incredible India (figura 1). O que

podemos ver nela? Uma indiana em pose de yoga ou uma estrangeira? A prática de yoga se

transnacionalizou (STRAUSS, 1997); a moça que vemos na foto mostra uma performance que

muito se assemelha a das freqüentadoras de estúdios urbanos de yoga ao redor do mundo.

Neste contexto, os marcadores identitários tornam-se tênues na mesma medida em que são

acentuados como atrativos turísticos. Perguntas dicotômicas se mostram frágeis diante de

interpenetrações que produzem fogos cruzados entre mimetismo (cópias infiéis) e

mestiçagens (misturas) (GRUZINSKY, 2001).

3. Ponto de partida, Brasil; Destino, Índia: rotas metodológicas

Entre dois oceanos, desertos, monções, praias, calor, neve e, moldurada pela

cordilheira do Himalaia ao norte, a Índia compõe cenários contrastantes. Contraste, aliás, é

uma palavra-chave para falar sobre o país, além do incremento do poder de consumo que

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transita paralelamente ao alto índice de pobreza da população (KAMDAR, 2008; SINGH,

2011). Na Índia se fazem presentes práticas consideradas espiritualizadas e

rave, famosas entre o público de música eletrônica. A

ritmo de música eletrônica,

90, em alusão a cidade de Goa.

O que deste cenário heterogêneo é selecionado para o consumo turístico direcionado

aos praticantes de yoga? Como se consegue apagar os vestígios do que não é autenticamente

espiritualizado? São estas indagações que

Após a tensa divisão geopolítica com o fim do império britânico, na metade do século

XX, a Índia está dividida em vinte e oito estados e sete territórios.

dividido em quatro pólos turísticos (com rotas e atrativos) conforme constata

de divulgação produzido pelo Consulado indiano no Brasil

cidades de Rishkesh, Varanasi, Agra, Delhi e Jaipur; 2) Sul, pelos estados de Kerala e Tamil

Nadu, 3) Índia Ocidental, com

Somnath e 4) “Índia oriental”, recortada por Calcutá, Darjeeling, Kalimpong, Sikkin, Assm,

Meghalaya, Bhuvaneshwar, Puri, Konarak.

Fonte: Atuando como qualquer pessoa em busca de um destino turístico com embarque entre

outubro de 2010 e fevereiro de 2011, lançamos a expressão “viagens à Índia” no mecanismo

alto índice de pobreza da população (KAMDAR, 2008; SINGH,

se fazem presentes práticas consideradas espiritualizadas e

o público de música eletrônica. A importância disso é tamanh

sica eletrônica, da família do Trance, chamado de Goa Trance

em alusão a cidade de Goa.

O que deste cenário heterogêneo é selecionado para o consumo turístico direcionado

praticantes de yoga? Como se consegue apagar os vestígios do que não é autenticamente

espiritualizado? São estas indagações que abordamos nos tópicos seguintes.

Após a tensa divisão geopolítica com o fim do império britânico, na metade do século

ia está dividida em vinte e oito estados e sete territórios. O país

em quatro pólos turísticos (com rotas e atrativos) conforme constata

de divulgação produzido pelo Consulado indiano no Brasil. Estes pólos

Rishkesh, Varanasi, Agra, Delhi e Jaipur; 2) Sul, pelos estados de Kerala e Tamil

Nadu, 3) Índia Ocidental, com Mumbai, Goa, Gurajat, Chowpatty, Palitana, Junagadh,

Somnath e 4) “Índia oriental”, recortada por Calcutá, Darjeeling, Kalimpong, Sikkin, Assm,

Meghalaya, Bhuvaneshwar, Puri, Konarak.

Figura 3: Mapa da Índia Fonte: <http://www.indiatourismmilan.com/ acessado em 26/09/11

Atuando como qualquer pessoa em busca de um destino turístico com embarque entre

outubro de 2010 e fevereiro de 2011, lançamos a expressão “viagens à Índia” no mecanismo

37

alto índice de pobreza da população (KAMDAR, 2008; SINGH,

se fazem presentes práticas consideradas espiritualizadas e, também, festas

importância disso é tamanha que há um

oa Trance, criado nos anos

O que deste cenário heterogêneo é selecionado para o consumo turístico direcionado

praticantes de yoga? Como se consegue apagar os vestígios do que não é autenticamente

nos tópicos seguintes.

Após a tensa divisão geopolítica com o fim do império britânico, na metade do século

O país também pôde ser

em quatro pólos turísticos (com rotas e atrativos) conforme constatamos em material

. Estes pólos são: 1) Norte, com as

Rishkesh, Varanasi, Agra, Delhi e Jaipur; 2) Sul, pelos estados de Kerala e Tamil

Mumbai, Goa, Gurajat, Chowpatty, Palitana, Junagadh,

Somnath e 4) “Índia oriental”, recortada por Calcutá, Darjeeling, Kalimpong, Sikkin, Assm,

acessado em 26/09/11>

Atuando como qualquer pessoa em busca de um destino turístico com embarque entre

outubro de 2010 e fevereiro de 2011, lançamos a expressão “viagens à Índia” no mecanismo

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de busca Google. Dentre o universo de agências on line, nossa amostra se voltou para duas,

que vamos nos referir, ao longo deste trabalho, como A1 e A2. Elas ofereceram interessantes

fontes de análises já que comercializavam pacotes turísticos à Índia - yoga e de bem estar. Ao

lidarmos com os produtos vendidos pelas agências de viagens, estamos dialogando com a

perspectiva de turismo organizado (ANDRADE, 2002; BENI, 2004), em que a intervenção do

agente é preponderante. A primeira delas disponibilizava pacotes para todos os continentes do

mundo, incluindo a Índia sob duas perspectivas: 1) viagens exóticas e 2) viagens com destino

à Ásia. A segunda agência, por sua vez, dividiu suas viagens por temáticas: “gastronomia”,

“aventura”, “Brasil”, “roteiros sugeridos” e, finalmente, “viagens de conhecimento” na qual a

Índia estava inserida.

O material analisado foi buscado nos sites de duas agências de viagens e em

informativos eletrônicos (newsletters), recebidos via e-mail cadastrado na página eletrônica de

uma das agências. Nos sites foi possível encontrar a divulgação dos roteiros, lugares e

atividades previstas, além de um rol de informações detalhadas como: vacinas, vistos, valores,

datas e outras particularidades. Já os newsletters, constituíam chamadas resumidas das

viagens, enfatizando imagens com poucos textos informativos. Percebe-se que o uso da

internet para a busca e o planejamento de viagens é uma forte e inegável tendência. (PAN e

LI,2011). As propagandas turísticas analisadas participam dos midiascapes, pois possuem a

capacidade de produzir e disseminar informações por meio de uma complexa concatenação de

imagens e textos (APPADURAI,1996).

Para análise, tomamos como horizonte duas perguntas: quais são os pacotes ofertados

com destino à Índia? Quais repertórios são comercializados nas imagens e textos

disponibilizados nos anúncios dos pacotes?

Após selecionarmos as agências de viagens pelos sites, buscamos realizar um

levantamento de todos os pacotes turísticos comercializados à Índia. Nossa análise se voltou

para os textos e as imagens que promoviam as viagens. Classificamos os pacotes em dois

tipos: generalistas e especializados. Para facilitar a compreensão desta divisão, elaboramos

um quadro elencando todos os pacotes e suas respectivas programações. Posteriormente,

iniciamos a verificação da existência de possíveis repertórios associados à Índia, assim,

pudemos identificar três repertórios recorrentes nos pacotes: exotismo, espiritualidade e bem

estar. Novamente, utilizamos o recurso de um quadro de sistematização contendo cada

repertório e os respectivos termos e imagens que os compunham.

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4. Pacotes turísticos: Índia “sob encomenda”

Na pesquisa às páginas eletrônicas, localizamos doze pacotes (quadro 2), sete deles

classificamos como “especializados” por terem nichos específicos, sendo que quatro eram

exclusivos para praticantes e simpatizantes de yoga. Os demais consistiam em: um roteiro de

aventura - trekking na região da cidade de Almora; uma viagem conjugada com Nepal voltada

para estudos filosóficos e um pacote com estadia em SPA na região do Himalaia. Os outros

cinco pacotes que localizamos não se destinavam a públicos específicos, que chamaremos

“generalistas”, sendo eles: 1)“Rajastão Tradicional”; 2)“Triângulo Dourado” (Agra, Jaipur e

Délhi) 3)uma viagem ao Nepal; 4) um roteiro destinado ao réveillon no deserto de Thar; 5)

uma viagem para Ladakh (região tibetana na Índia).

Quadro 2. Pacotes turísticos à Índia

Tipos de pacotes

Título da viagem/ agência

Descrição resumida da viagem

Itinerário das cidades/lugares a serem visitados

Especializado

1) “Almora: Trekking na Índia”

Viagem à Almora, 400km de Délhi. Atividades como: caminhadas por florestas, terraços de arroz. Seis dias de trekking.

Dia 1: Chegada em Délhi; Dia 2: Delhi – Kathgodam;Dia 3 : Kathgodam – Almora; Dia 4 : Almora;Dia 5: Almora – Deora Village; Dia 6: Deora Village – Paliu Village; Dia 7: Paliu Village – Vridh Jageshwar;Dia 8: Vridh Jageshwar – Almora;Dia 9: Almora – Kathgodam – Delhi;Dia 10: Delhi;Dia 11: Delhi e vôo de volta ou começo da extensão

A2

Generalista

3)“Índia, Programa SPA 2010/2011 – 4 dias”

Três noites de hospedagem no Ananda in the Himalayas (SPA), consulta com especialistas, atividades físicas personalizadas, diversos tipos de massagens e tratamentos, refeições balanceadas, aulas personalizadas de yoga e workshops e traslados.

Não é mencionado, apenas o período de vigência da tarifa publicada: de 16/10/10 à 30/04/11.

A1

Especializado

4) “Filosofias da Índia e do Nepal”

Viagem de dezenove dias dividida em duas partes: Índia e Nepal. O pacote inclui práticas meditativas e aulas sobre filosofia dos povos visitados.

Dia 1 - São Paulo – Johanesburgo; Dia 2 – Johanesburgo – Mumbai; Dia 3 – Mumbai – Aurangabad; Dia 4 - Aurangabad;Dia 5 – Aurangabad – Delhi; Dia 6 – Delhi; Dia 7 – Delhi – Agra;Dia 8 – Agra – Jhansi – Orchha; Dia 9 – Orchha – Khajuraho;Dia 10 – Khajuraho; Dia 11 – Khajuraho – Varanasi; Dia 12 – Varanasi;Dia 13 – Varanasi – Kathmandu;Dia 14 – Kathmandu;Dia 15 – Kathmandu;Dia 16 – Kathmandu;Dia 17 – Kathmandu – Delhi – Mumbai;Dia 18 – Mumbai;Dia 19 – Mumbai – Johanesburgo – São Paulo

A2

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40

Especializado (Yoga Journey)

5) “Templos e Praias do Sul da Índia”

Viagem conduzida por dois professores de yoga. Visitas em templos, ashrams e praias. Práticas de yoga, de meditação e estudos filosóficos. Possibilidade de extensão até as cidades de Delhi e Agra.

Dia 1: São Paulo – Johanesburgo;Dia 2: Johanesburgo – Mumbai;Dia 3: Mumbai – Kochi;Dia 4: Kochi – Kumarakom;Dia 5: Kumarakom;Dia 6: Kumarakom;Dia 7: Kumarakom – Thekkady;Dia 8: Thekkady;Dia 9: Thekkady – Madurai;Dia 10: Madurai;Dia 11: Madurai – Thanjavur ;Dia 12: Thanjavur;Dia 13: Thanjavur – Chidambaram – Pondicherry;Dia 14: Pondicherry – Tiruvannamalai;Dia 15: Tiruvannamalai;Dia 16: Tiruvannamalai;Dia 17: Tiruvannamalai;Dia 18: Tiruvannamalai – Mamallapuram;Dia 19: Mamallapuram;Dia 20: Mamallapuram – Chennai;Dia 21: Chennai;Dia 22: Chennai;Dia 23: Chennai – Mumbai;Dia 24: Mumbai – Johanesburgo – São Paulo

A2

Especializado (Yoga Journey)

2) “Grupo Shanti – Rajastão”

Visitas a cidades sagradas e históricas, escolas de yoga e ashrams. Passeios em feiras indianas. Atividades de práticas diárias de yoga. Possibilidade de extensão da viagem: permanência de 40 dias para estudos e meditação no Ashram Swami Dayananda.

12/02/11: São Paulo – Europa;13/02/11: Europa – Delhi;14/02/11: Delhi;15/02/11: Delhi – Jaipur;16/02/11: Jaipur ;17/02/11: Jaipur – Pushkar;18/02/11: Pushkar ;19/02/11: Pushkar;20/02/11: Pushkar – Khimsar;21/02/11: Khimsar – Jaisalmer;22/02/11: Jaisalmer; 23/02/11: Jaisalmer – Manwar; 24/02/11: Manwar – Jodhpur; 25/02/11: Jodhpur; 26/02/11: Jodhpur – Ranakpur – Udaipur; 27/02/11: Udaipur;28/02/11: Udaipur – Delhi; 01/03/11: Delhi – Europa – São Paulo

A2

Especializado (Yoga Journey)

6) “Grupo Simplesmente Yoga”

Visita a um ashram numa vila de pescadores no sul da Índia no estado de Kerala. Visita à comunidade de Auroville e o ashram de Ramana Maharishi. Viagem conduzida por um professor de yoga e o acompanhamento de um sacerdote brâmane. Possibilidade de extensão ao norte da Índia (Rishkesh e Agra).

03/01/11: Brasil – Johanesburgo;04/01/11: Johanesburgo – Mumbai;05/01/11: Mumbai;06/01/11: Mumbai – Trivandrum – Amritapuri;07/01/11: Amritapuri;08/01/11: Amritapuri;09/01/11: Amritapuri;10/01/11: Amritapuri – Cochin – Chennai – Auroville

11/01/11: Auroville;12/01/11: Auroville;13/01/11: Auroville;14/01/11: Auroville – Tiruvannamalai (Arunachala);15/01/11: Tiruvannamalai (Arunachala);16/01/11: Tiruvannamalai (Arunachala);17/01/11: Tiruvannamalai (Arunachala);18/01/11: Tiruvannamalai (Arunachala) – Chennai – Mumbai;19/01/11: Mumbai – Johanesburgo – Brasil

A2

Especializado (Yoga Journey)

7) “Grupo Padma: Conheça a Índia e a si mesmo”

Viagem com peregrinação a cidades sagradas onde mestres de yoga e vedanta viveram. Roteiro conduzido por três professores de yoga. Na cidade de Rishkesh intensivo de estudo sobre o vedanta, mantras e yoga com direito a certificado.

07/01/11: São Paulo – Europa;08/01/11: Europa – Delhi;09/01/11: Delhi;10/01/11: Delhi – Jaipur;11/01/11: Jaipur ;12/01/11: Jaipur – Agra;13/01/11: Agra;14/01/11: Agra – Orchha;15/01/11: Orchha – Kajuraho;16/01/11: Kajuraho – Varanasi;17/01/11: Varanasi;18/01/11: Varanasi – Delhi;19/01/11: Delhi – Rishkesh;20/01/11: Rishkesh;21/01/11: Rishkesh;22/01/11: Rishkesh;23/01/11: Rishkesh;24/01/11: Rishkesh – Hardwar – Rishkesh;25/01/11: Rishkesh – Delhi;26/01/11: Delhi;27/01/11: Delhi – Europa;28/01/11: Chegada a São Paulo

A2

Generalista

8)“Ladakh: Uma experiência tibetana na Índia”

Viagem a região habitada mais alta do mundo, na região do Himalaia e

Dia 1: Chegada em Delhi;Dia 2: Delhi;Dia 3: Delhi – Leh;Dia 4: Leh;Dia 5: Leh;Dia 6: Leh – Alchi;Dia 7: Alchi – Lamayuru;Dia 8: Lamayaru – Leh;Dia 9: Leh – Delhi;Dia 10: Saída de Delhi

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41

A2 Karakoram. Ladakh é conhecida como pequena Tibet, a viagem evoca a viver um mundo que está perto do esquecimento. Mística, intocada e remota são adjetivos usados para designar Ladakh.

Generalista

9) “Delhi, Udaipur, Jaipur e Agra 2010 – 10 dias”

Roteiro de dez dias que envolve o chamado “Triângulo Dourado”, as principais cidades turísticas da Índia: Delhi – Agra – Jaipur.

Dia 1: Delhi;Dia 2: Delhi;Dia 3: Delhi – Udaipur;Dia 4: Udaipur; Dia 5: Udaipur – Jaipur;Dia 6: Jaipur;Dia 7: Jaipur – Fatehpur Sikri – Agra;Dia 8: Agra;Dia 9: Agra – Delhi;Dia 10: Delhi

A1

Generalista

10) “Rajastão Tradicional”

Viagem de quatorze dias pelo estado do Rajastão, incluindo Agra (Taj Mahal) e Delhi. Visitas a palácios de marajás que hoje se converteram em hotéis.

Dia 1: Chegada em Delhi;Dia 2: Delhi;Dia 3: Delhi – Udaipur;Dia 4: Udaipur;Dia 5: Udaipur – Ranakpur – Jodhpur;Dia 6: Jodhpur;Dia 7: Jodhpur – Pokaran – Jaisalmer;Dia 8: Jaisalmer;Dia 9: Jaisalmer – Manwar;Dia 10: Manwar – Jodhpur – Jaipur;Dia 11: Jaipur ;Dia 12: Jaipur – Agra;Dia 13: Agra – Delhi;Dia 14: Saída de Delhi

A2

Generalista

11) “Índia e Nepal”

Roteiro conjugado de quatorze dias no Nepal e na Índia. Visitas a templos, palácios, montanhas.

Dia 1: Chegada em Delhi;Dia 2: Delhi;Dia 3: Delhi – Jaipur;Dia 4: Jaipur ;Dia 5: Jaipur – Agra;Dia 6: Agra;Dia 7: Agra – Orchha – Kajuraho;Dia 8: Kajuraho;Dia 9: Kajuraho – Varanasi;Dia 10: Varanasi;Dia 11: Varanasi – Kathmandu;Dia 12: Kathmandu ;Dia 13: Kathmandu;Dia 14: Kathmandu – Delhi e vôo de volta

A2

Generalista

12) “Índia: Um réveillon no deserto de Thar”

Viagem de dezesseis dias incluindo o réveillon no deserto de Thar (Rajastão) no Manvar Desert Camp. Passeios no deserto, palácios e fortes. Visita ao Taj Mahal (Agra). Acompanhamento de guia especializado indiano em língua portuguesa.

De 25 de dezembro de 2010 a 8 de janeiro de 2011.

A2

Legenda: A1: Agência de viagens 1 / A2: Agência de viagens 2

É importante pontuar que a diferença entre os pacotes generalistas e os especializados

não foi entendida em função dos lugares a serem visitados, mas sim, pelo público alvo e pelas

atividades programadas, que remetiam a interesses relacionados à yoga, como práticas

matinais. Na análise das destinações, observamos que os pacotes especializados, “Yoga

Journeys”, eram voltados para as cidades de Rishkesh, Varanasi, Agra, Delhi e Jaipur (norte

da Índia), e também, por certas localidades no estado de Kerala e Tamil Nadu (Sul da Ìndia).

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE

42

Notamos que na divisão governamental de pólos pelo consulado, citada anteriormente, a

“Índia ocidental” e a “Índia oriental” não foram alcançadas por estas viagens.

Os pacotes especializados anunciavam uma Índia exótica, idílica e espiritualizada. Por

adequação aos roteiros das “Yoga Journeys”, os espaços “espiritualizados” foram

privilegiados e inseridos nos itinerários guiados por especialistas, compondo “uma rede

organizada, um efeito relacional” (SPINK, 2003, p.4) de autenticidade da cultura indiana.

Neste tipo de turismo especializado, tudo é passível de ser programado: visitas em templos

religiosos, práticas de meditação, compras em bazares tradicionais, estudos da filosofia

indiana e, até mesmo, a realização de serviços voluntários. Estas atividades, incluídas nos

roteiros, proporcionavam facilidades e confortos devidamente ajustados para se ter uma

experiência de alteridade - um script turístico meticulosamente moldado.

5. Indianidades comercializadas: repertórios de espiritualidade, exotismo e bem estar

em pacotes turísticos

Mesmo na contemporaneidade, atravessada pelos fluxos da globalização, onde a

cultura pode ser entendida em termos processuais e dinâmicos (HANNERZ, 1997), o aspecto

estático, nostálgico e primitivo é enfatizado pelas propagandas turísticas

(BANDYOPADHYAY e MORAIS, 2003). Os repertórios de bem estar, espiritualidade e

exotismo, possibilitam compreender o jogo de essencialização de uma cultura, apropriando-os

pela indústria turística, principalmente pelas divulgações.

Questionamo-nos sobre os repertórios que molduram a Índia, principalmente a

correlação entre o nacionalismo e a construção de identidade(s), que “respingaram” nas

propagandas turísticas: “de fato, pode-se argumentar que a “identidade indiana”, como

conjunto de identificações com um estado-nação, foi o resultado da resistência e luta contra o

colonialismo e não algo que existiu antes desse período” (BRAH, 2006, p. 340). O

neocolonialismo iniciado em meados dos anos 40, a partir de uma elite, forjava identidades ao

país (SPIVAK, 1994); uma nação pode significar o que seus membros quiserem significar

(ROY apud Anderson, 1998). Roy (1998) e Edensor (1998, p.39) apontam que indianness

também refere-se ao conceito contestado sobre a nação indiana, e que atualmente é debatido

com grande intensidade, dentro e fora do país, refletindo a crise de que como a nação deve e é

representada.

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43

Os roteiros turísticos são alinhavados para que a trama possa gerar efeitos de

indianidades sob as quais são vendidas. A circulação de possíveis experiências, sempre

autênticas, de alteridade aos turistas estrangeiros, faz emergir apenas os elementos

condizentes da diferença da cultura indiana, criando um cenário turístico controlável.

Um estudo realizado por Bhatthacharyya (1997) analisou um dos guias turísticos mais

conhecidos mundialmente, o Lonely Planet, na sua edição sobre o destino Índia. A autora

buscou saber as características e estilos de narrativa do guia, analisando textos e imagens que

representassem a Índia. Foi identificado que a narrativa utilizada era impessoal, chamada pela

autora de “narrador implícito”. Este tipo de composição textual era caracterizado por

elementos de autoridade e onipresença, pois além de mediar previamente experiência(s) do

turista-leitor no país, ainda os alertaria sobre as condições culturais ou infra-estruturais

julgadas como exóticas ou deficitárias.

Na pesquisa em questão, Bhatthacharrya (1997) dividiu o rol de fotografias em três

categorias para análise, sendo: 1) mundo natural (lugares geofísicos e biológicos); 2) sítios

históricos (monumentos como o Taj Mahal); 3) vida social (típicas cenas socioculturais de

importância). Uma das conclusões apontadas pelo estudo foi que a Índia retratada no guia é

muito mais um discurso ocidental direcionado aos turistas ocidentais, que propriamente um

discurso sobre Índia; o Lonely Planet India “perpetua a visão de um Oriente como

espetáculo” (SAID, 1979, p.158 apud BHATTACHARYA, 1997, p. 387. Tradução nossa)18.

Espetáculos a parte, o estudo acima pode demonstrar que o Lonely Planet versão Índia foi

supostamente elaborado por especialistas não-indianos carregados de juízos de valor

remetendo ao discurso do orientalismo, só que agora aplicado ao turismo (SAID, 2007).

Discutindo o estudo realizado por Bandyopadhyay e Morais (2005), os autores

analisaram materiais de divulgação (revistas, jornais, sites, brochuras, etc.) sobre o destino

turístico “Índia”. Produzidos nos Estados Unidos e na Índia pelo governo indiano, em ambos

os casos, as divulgações eram destinadas ao público americano. Os autores utilizaram o

método de “temas dominantes”, selecionando as fontes dos dados e agrupando-as por temas

recorrentes. Nos materiais americanos se depararam com temas como: “diversidade cultural”,

“riqueza cultural”, “espiritualidade e bem estar”, “vida diária”, “beleza natural” e “tratamento

luxuoso”. Já na divulgação governamental indiana encontraram: “bem estar e crescimento

pessoal”, “diversidade cultural”, “riqueza cultural”, “beleza natural” e “tratamento ‘real’ e

modernidade”. A maior convergência analisada entre os materiais de divulgação americano e

18 “perpetuates the view of the Oriente as spectacle”

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indiano era no quesito “espiritualidade e bem estar” e riqueza cultural. A maior dissonância

encontrada era relativa à vida cotidiana, em que mídias americanas apontavam pobreza, ruas

cheias de vacas ou estradas esburacadas, enquanto que a mídia indiana mencionava apenas

“contrastes culturais”.

Considerando estudos anteriores sobre Índia, turismo e Oriente (SAID, 2007;

BANDYOPADHYAY e MORAIS, 2005; BHATTACHARYA, 1997), os repertórios de

indianidades neste trabalho foram concatenados a partir da análise do material de divulgação.

Os repertórios neste trabalho estão elencados em três temáticas: bem estar, espiritualidade e

exotismo. As suas descrições e ilustrações estão organizadas no quadro abaixo (quadro 3).

Quadro 3. Repertórios: bem estar, espiritualidade e exotismo

Repertórios Descrição Ilustrações de repertórios

Bem estar Imagens e textos que remetem cuidados com o corpo. Assim como a yoga e a meditação foram associadas com bem estar no final do século XIX e século XX, na contemporaneidade isto persiste através do repertório de (re)equilíbrio da saúde física, mental e emocional através das técnicas indianas. Uma concepção diferente de bem estar distanciada das intervenções da medicina alopática e terapias psicologistas.

Imagens: - Pessoas em poses de yoga e meditação (fig. 3 e 4) Texto: - Programação em SPA no Himalaia – A1

Espiritualidade Fragmentos de concepções filosóficos-religiosos que evocam a perspectiva espiritualista milenar da Índia. Sítios sagrados, cerimônias e rituais são utilizados para serem comercializados através de repertórios de espiritualidade.

Imagens: - Templos hindus (fig. 6 e 7) - Cerimônia (fig.5) - Divindades hinduístas (Fig. 6 e 7) Texto: - “uma peregrinação a cidades sagradas – onde Mestres de Yoga e Vedanta viveram e ensinaram – a templos, escolas de yoga e ashrams” - A2/ Grupo “Grupo Padma”. - “Travaremos contato com a riquíssima mitologia hindu pela narração dos diferentes mitos desta tradição, que serão contados conforme visitarmos os lugares associados a esses mitos.” - A2/ Grupo “Grupo Shanti” -“Finalizamos o roteiro na Índia com a cidade mais indiana de todas, a fantástica Varanasi, cidade de Shiva, onde os pressupostos da vida e da morte se encontram.”- A2/ Grupo “Filosofia da Índia e do Nepal” - “Terminaremos nosso passeio no Dasaswamath Gath, o mais importante gath (escadarias dando para o sagrado rio Ganges), e aonde, no nascer e no pôr-do-sol centenas de fiéis vêm se purificar. À tarde, passeio a Sarnat, local onde Buda fez sua primeira pregação” – A2/ Roteiro: “Índia e Nepal”

Exotismo A busca pelo exótico foi problematizada pelos estudos pós-coloniais. O enaltecimento de alteridades abarca aquilo que pode produzir diferença a partir do outro de fora. O repertório de exotismo é composto por imagens e textos que realçam a diversidade e multiplicidade

Imagens: - Taj Mahal (fig. 10) - Postura avançada de yoga (fig. 11) - Bazares indianos (fig. 9) - Ashram Auroville (fig. 9) - Divindades hinduístas (fig. 6 e 7) - Mulheres em vestes coloridas (fig. 8) Texto:

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cultural da Índia em relação à do Brasil. Para isto, são usadas as paisagens indianas humanas e não-humanas através de descrições e imagens: estilo de roupa, monumentos arquitetônicos, performances gestuais, animais, etc.

- “um país tão exótico”- A2/ Roteiro: “Templos e praias do sul da Índia” - “visitaremos as multicoloridas feiras indianas” – A2/ Roteiro: “Grupo Shanti” - “Essa região é conhecida como terra dos Rajás – reis e guerreiros rajputs – terra de sonhos e mitos com seu deserto de noites estreladas, belos palácios e imensas fortalezas”- A1/ Roteiro: “Delhi, Udaipur e Agra 2010” - “[...]passando por campos floridos de mostardas, onde pode-se observar mulheres com seus sáris coloridos e outras situações pitorescas pelo caminho”. ”- A1/ Roteiro: “Delhi, Udaipur e Agra 2010” - “É do Rajastão a maior parte das imagens e paisagens que temos de Índia, camelos e elefantes, desertos e palácios, fortes e mulheres com seus coloridos sáris e jóias.” - A2/ Roteiro: “Rajastão Tradicional” - “Convidamos você a participar de uma experiência fascinante neste Reveillon: passar essa noite no Deserto de Thar sob as estrelas. Um oásis de rara exclusividade” – A2/ Roteiro: “Índia – um réveillon no deserto de Thar”

Bandyopadhyay (2009), em estudo realizado nos Estados Unidos, buscou comparar

imagens sobre a Índia na literatura britânica do século XIX e nas divulgações turísticas

contemporâneas. As suas fontes foram divididas em duas partes: 1) a literatura de viagens do

século XIX, estudando as obras Bits about India de Holcomb, 1888; India and its People de

Read, 1858; The Oriental and its People de Hauser, 1876; 2) materiais turísticos de

divulgação tais como brochuras, artigos, revistas, guias turísticos e jornais dos Estados

Unidos (Leisure + Travel, National Geographic Traveler, Wall Street Jounal, New York

Times e Los Angeles Times). A partir do material analisado, contrastando entre dois períodos

diferentes, Bandyopadhyay (2009) subdividiu os repertórios turísticos sobre a Índia em quatro

categorias: atemporal, pobreza, mulheres exóticas e homens efeminados.

Compõe o repertório de atemporalidade a celebração de uma Índia como refúgio de

espiritualidade, não maculada pela passagem do tempo. A pobreza remete ao país como um

grande mercado aberto ao olhar do ocidental. Sobre as mulheres e homens, as primeiras são

ligadas a um exotismo sensual, principalmente com imagens associadas ao hinduísmo, ou

ainda ao desamparo. Já os homens contrastam com a masculinidade do homem ocidental por

denotarem o caráter do sagrado; identificados por roupas coloridas e tradicionais, como batas,

turbantes e dhotis19.

Uma das principais conclusões de Bandyopadhyay (2009) é que o turismo vem

enfatizando a superioridade ocidental diante de uma Índia “parada no tempo” à espera do

19 Peça de roupa masculina composta por um tecido contínuo de mais ou menos quatro menos. Conforme a sua dobradura molda-se uma espécie de saia e ou short-saia, pode ser longa ou curta.

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interesse pelo exótico que a demarca como um “outro”. A ênfase dada ao passado no turismo,

conforme o autor indiano apontou em seu estudo, também foi identificada por Beneduzi

(2009, p. 50) em seu estudo sobre italianidade no Brasil:

A nostalgia de um tempo melhor que existiu no passado marca a sua positividade e segurança, pois se contrapõe a realidade do presente – sempre negativa – e a insegurança do futuro, o qual se apresenta etéreo. Essa realidade produz um mercado turístico que se propõe a vender emoções ao nostálgico, promovendo o reconhecimento deste lugar estranho que é o passado [...].

As características encontradas pelo autor vão ao encontro do Orientalismo estudado por

Edward Said (2007), em que obras literárias agenciadas pelo colonialismo falavam de uma

“área [Oriente] de interesse definida por viajantes, empresas comerciais, governos, expedições

militares, leitores de romances e de relatos de aventuras exóticas” (2007, p. 226). Por meio de

rótulos amplos, multiplicidades foram reduzidas a uma espécie de abstração cujas extensões

territoriais são variáveis – o “Oriente”.

5.1 O enaltecimento do exotismo

Para adentrarmos no repertório de indianidade, o “exotismo”, começaremos pelas

próximas imagens (fig. 4), onde são mostradas mulheres indianas com vestes coloridas

consideradas tradicionais: véus, saias, sáris, colares dourado e pulseiras coloridas. Este

repertório, talvez, seja o mais antigo dentre os que identificamos, pois a Índia assim como o

Brasil e outras ex-colônias, ocuparam o lugar do exótico – do maravilhoso – na imaginação

ocidental das viagens de colonização precursoras do turismo contemporâneo.

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Figura 4: O exotismo traduzido pelas vestes coloridas das indianas Fonte: Home Page da Agência de viagem A2, 2010

Por que utilizar estas imagens em propagandas turísticas do destino Índia? De um

lado, estas imagens são o resultado da imaginação nacionalista indiana onde a diferença em

relação ao ocidente foi intensificada e propagada (CHATTERJEE, 1993); do outro, é a ideia

de que o exotismo está muito atrelada ao Orientalismo: uma projeção do Oriente no ocidente

(SAID, 2007), onde “um aspecto importante do discurso colonial é a sua dependência do

conceito de “fixidez” na construção ideológica da alteridade” (BHABHA, 1998, p. 105). O

encontro com o “diferente” produz a alteridade celebrada nestas propagandas turísticas em

que:

[...] o outro aparece sob a rubrica do curioso e do exótico. Além de não questionar as relações de poder envolvidas na produção da identidade e da diferença culturais, essa estratégia as reforça, ao construir o outro por meio das categorias do exotismo e da curiosidade. Em geral, a apresentação do outro, nessas abordagens, é sempre o suficientemente distante, tanto no espaço quanto no tempo, para não apresentar nenhum risco de confronto e dissonância (SILVA, 2000, p. 99).

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Supõe-se que “um grupo identificado como culturalmente diferente é internamente

homogêneo, quando esse, patentemente, nao é o caso” (BRAH, 2006, p. 337).

Bandyopadhyay (2009) já tinha observado a fixidez do repertório de exotismo em

propagandas turísticas americanas sobre a Índia, confirmando que “formas textuais e visuais

reproduzem discursos de alteridade” (EDENSOR, 1998, p. 13). Isso também foi notado em

nossa análise. O enaltecimento do exótico em propagandas turísticas sobre a Índia, advém de

um jogo entre imagens, (figuras de) linguagens e sensoriedades que essencializam o país, em

que camelos, macacos, palácios, templos, turbantes, sáris, estátuas em poses de meditação

formam paisagens que diferem com as do cotidiano brasileiro.

A versão orientalista voltada ao turismo (que arriscaríamos em nominar de

“orientalismo turístico”) seria a propagação de viagens à Índia na contemporaneidade, por

intermédio de meios midiáticos e artefatos que ressoam um oriente imaginado em cima de

repertórios homogeneizantes de indianidades: “[...] representações turísticas tendem a retratar

destinações [norte rico, ver Elliott e Urry, 2010] como um estado de estagnação do

Orientalismo inalterado, aberto para todas as fantasias exóticas” (BANDYOPADHYAY e

MORAIS, 2005, p. 1008. Tradução nossa)20.

Passemos para a análise textual de um trecho do pacote “Templos e praias do sul da

Índia”: “Preparamos essa viagem pensando não só nos lugares que vamos visitar, mas nas

experiências que podemos ter em um país tão exótico [...]” (A2, 2010. Grifo nosso). Neste

trecho, o próprio termo exótico é associado à Índia. O contexto turístico contemporâneo

reproduz a lógica do discurso colonial (homogeneizante e estereotipado) ao apontar a

exoticidade indiana, e também é criado um capital simbólico21 por meio das viagens a um país

tão exótico.

Na próxima imagem (fig. 5), seguindo a seqüência da esquerda para direita: 1) a

comunidade Ashram de Auroville na cidade de Pondicherry; 2) templos e ashrams da cidade

de Rishkesh; 3) a típica venda de pós coloridos nos bazares. Nesta última, as múltiplas cores,

fortes e contrastantes, ilustram o quadro vivo de exotismo associados ao oriente (SAID,

2007). A cor também faz parte deste repertório de indianidade, como sinalizador da cultura

indiana, conforme o trecho a seguir de um dos pacotes: “Visitaremos as multicoloridas feiras

indianas, conheceremos a excepcional cultura deste país, sua história e seu passado” (A2,

2010. Grifo nosso).

20 “[...]touristic representations tendend to portray destinations as stagnant in a state of unchanged Orientalism, open to all exotic fantasies” 21 No sentido de Bourdieu

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Figura 5: Parte das imagens do newsletter do roteiro "Grupo Simplesmente Yoga" Fonte: newsletter da Agência A2, 2010.

Quando se fecha a Índia em uma “caixa de estranheza”, ou melhor, quando é

engessada pelos repertórios de indianidades em propagandas turísticas, não há espaço para os

fluxos contemporâneos que o país vem passando. Cria-se a ilusão de que “modos de viver e

de pensar são puros, estáveis, eternos” (HANNERZ, 1997). Os repertórios de indianidades

aprisionam a própria Índia numa “camisa de força” que parece ser impossível se desvencilhar

na indústria turística.

Outro elemento imagético que podemos associar a categoria de exotismo é o Taj

Mahal. Um ícone que traduz este país na maioria das propagandas turísticas. A imagem do

Taj nos roteiros estudados pôde acionar algumas ações/performances que nos remetem ao

aspecto romântico, exótico e idílico do Oriente (EDENSOR, 2001; SAID, 2007).

Dos doze pacotes estudados, quatro deles literal e metaforicamente “vendiam” o Taj

Mahal. Destes quatro, dois ofereciam “extensões”, ou seja, ao término da programação

regular do pacote, o turista poderia estender sua estadia na Índia para visitar o Taj. Na

próxima figura (fig. 6) vemos a emblemática visão do mausoléu mulçumano promovida pela

agência A1 em sua página eletrônica. Esta imagem era a principal referente nos pacotes à

Índia:

Figura 6: O Taj Mahal como imagem central da comercialização do destino turístico Índia

Fonte: Home Page da Agência de viagem 1, 2010.

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A seguir, a descrição da programação parcial de dois roteiros que envolvem a cidade

de Agra e o Taj Mahal, tanto pela agência A1 quanto pela A2. Em ambas, o texto é narrado

pela perspectiva histórica do monumento:

8º dia – Agra: Após o café da manhã, visita panorâmica ao Taj Mahal,maravilhoso monumento em mármore branco construído pelo imperador Shah Jahan em homenagem a sua linda esposa, a princesa Mumtaz Mahal e levou 22 anos para ser finalizado. Em seguida visita ao Forte Agra, construído em arenito avermelhado, na mais original forma das arquiteturas Islâmica e Hindu e abriga palácios, palacetes salas de audiências, bazares, lagos e mesquitas. Tarde livre, para desfrutar das diversas atividades que o hotel oferece ou percorrer as ruas principais do comércio, visitando pitorescas lojas de artesanato, tecelagens, bijuterias e joalherias. (A1, 2010).

26/02/2011 - 8º dia - Agra - Orchha Bem cedo iremos visitar um dos pontos altos da viagem: visita ao Taj Mahal. Esse indescritível monumento, construído em 1630 pelo Imperador Shah Jahan, é um mausoléu em mármore branco e com pedras semipreciosas incrustadas, em homenagem à rainha Mumtaz Mahal. (A2, 2010)

5.2 Espiritualidade, tornar “palpável” o intangível

Passemos ao repertório de “espiritualidade”, que chamamos de palpável para guardar o

caráter paradoxal que a marca, o fato que pressupõe o trabalho de tornar material o que seria

intangível – o espiritual, o transcendente.

Iniciemos a discussão desta seção com a imagem a figura 7. É mostrada a performance

de um grupo de homens vestidos uniformemente com incensários na mão, provavelmente em

algum ritual religioso. A nebulosa imagem da fumaça evoca o cheiro do sagrado, a sincronia

dos movimentos corporais mostra uma disciplina quase que ascética, à platéia que assiste,

desperta a vontade de também estar lá. Não importa se o turista profere ou não a mesma

crença religiosa; a imagem pode acionar o efeito da sacralidade como um espetáculo pronto

para ser participado e observado nas viagens turísticas; “o turismo sempre envolveu

espetáculo” (URRY, 2001, p. 122).

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Figura 7: Imagem da chamada do roteiro de viagem – newsletters Fonte: Home Page da Agência de viagens A2, 2010.

O título da imagem acima (fig.7) é bem significativo: a associação de

autoconhecimento em viagens à Índia. A palavra Padma significa flor de lótus. Neste

contexto de repertórios é utilizada como símbolo de espiritualidade a metáfora da flor de lótus

nasce no lodo em busca da luz. Vale também dizer que a flor de lótus tornou-se uma

logomarca do partido político conservador de direita BJP (Bharatiya Janata Party). O anúncio

deste pacote – Grupo Padma - privilegiava os lugares como ashrams e cidades sagradas como

se pode notar pelo seguinte trecho:

“Esta viagem é um convite para todos aqueles que queiram conhecer a Índia, em uma peregrinação a cidades sagradas – onde Mestres de Yoga e Vedanta viveram e ensinaram – a Templos, Escolas de Yoga e Ashrams em que o ensinamento permanece num fluir tradicional e constante” (A2, 2010).

Os termos como “sagrado”, “mestre” e “peregrinação” inserem-se no repertório de

espiritualidade nos pacotes turísticos analisados. Estes predicados sintetizam e demarcam o

que seria espiritual em meio ao mundano.

Em outro pacote chamado de “Grupo simplesmente yoga” o exercício de imaginação

da Índia “espiritual” perfaz o itinerário. O ponto alto desta viagem se dá na visitação de um

importante ashram no sul da Índia. Este fato se deve ao carisma e a popularidade do líder

deste lugar, Ramana Maharshi, morto em meados do século passado. O mestre ficou

conhecido no ocidente, pois teve vários discípulos e devotos - europeus e americanos - que

divulgaram a sua história de vida (ALEXANDER, 2006; OSBORNE, 1970). Ao

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caracterizarem a viagem (que tem no seu título “yoga”) como uma oportunidade de

crescimento espiritual, notamos a hibridez da yoga ao ser associada em repertórios de

indianidades de bem estar e espiritualidade. A eficácia dos repertórios de indianidades no

turismo jaz, na repetição, “uma cadeia contínua e repetitiva de outros estereótipos [...] têm de

ser contadas (compulsivamente) repetidamente” (BHABHA, 1998, p. 120). No trecho abaixo,

o texto descreve a viagem como uma jornada espiritual, distanciando-o do termo “turistas”, ao

utilizar “peregrinos”:

[...] por fim, conheceremos Tiruvanamalai, onde viveu um dos grandes santos da Índia, Ramana Maharshi, junto à auspiciosa montanha Arunachala.Esta viagem é aberta a pessoas que desejem compartilhar uma incrível jornada de crescimento pessoal, cultural e espiritual com um grupo de sinceros peregrinos do autoconhecimento (A2,2010, grifo nosso).

Bauman (2003) comenta que, no turismo, em princípio, tudo pode ser considerado

como uma atração – branding22, a “[...] Índia desenvolve e comercializa a si mesma como

uma marca” (BANDHYOPADHYAY e MORAIS, 2005, p. 1017. Tradução nossa)23.

Figura 8: Parte das imagens de divulgação via newsletter do roteiro “Templo e praias do sul da Índia” Fonte: Home Page da Agência de viagem 2, 2010.

O país se tornou uma marca de “viagens espirituais” no mercado dos pacotes

turísticos, as imagens mostradas a seguir (fig. 8 e 9) ilustram a “Índia espiritual” por

intermédio das edificações de templos hindus e divindades. Salientamos que estas imagens

transitam nos repertórios de indianidade de exotismo; seres com pele azulada, múltiplos

braços e cabeças, ou ainda, metade humano, metade animal, compõem o cenário “autêntico”

22 Brand em inglês significa “marca”, no contexto de Bauman poderíamos traduzir como “fazendo marca”. 23“ India develops and markets it self as a brand”

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nestas propagandas turísticas. Sobre estas paisagens divulgadas, Edensor (1998) diz que a

construção dos lugares turísticos se deu pela geografia religiosa indiana, onde o hinduísmo é a

crença de 85% da população: “A Índia é fixada como Hindu e é amplamente concebida como

sinônimo de hinduísmo24” (EDENSOR, 1998, p. 28, tradução nossa). Roy (1998) esclarece

que o projeto pós-colonial de construção de identidade indiana tem relação com a

“hindunização”.

Figura 9: Templo hinduísta mostrada pela agência A1 Fonte: Home Page da Agência de viagem A1, 2010.

No pacote “Grupo Shanti”, que também faz parte das Yoga Journeys, encontramos a

seguinte programação: “Acordaremos bem cedo para praticar e absorver a atmosfera de

religiosidade com vários peregrinos fazendo pujas (oferendas religiosas) no lago, ouvir os

fiéis cantando hinos religiosos” (A2, 2010). É importante ressaltar que fazem parte das

atividades previstas neste roteiro, o contato com as manifestações religiosas, uma

concatenação de experiências sensoriais que precisa ser efetivada na viagem, com a garantia

de que elas aconteçam.

5.3 Em busca do bem estar, do exótico e espiritual à prestação de serviço

Antes de falarmos sobre a categoria “bem estar”, abordaremos o denominado

“Turismo de Saúde” (healthcare tourism). Praticado desde a antiguidade grega com banhos

24 “India is inscribed as hindu and is widely conceived as synonymous with hinduism”

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termais, atualmente encontra-se desdobrado em três vertentes: 1) SPAS e terapias alternativas

que incluem massagens, ervas, aromaterapia, acupuntura, homeopatia, ayurveda25, meditação,

yoga e outros; 2) cirurgias estéticas; 3) tratamento médico (YIM, 2007). Pathania e Kumar

(2008) fazem uma tênue diferenciação quando mencionam o turismo médico e o turismo de

saúde praticado na Índia. O primeiro seriam as viagens com foco em intervenções cirúrgicas,

tratamentos de doenças agudas e procedimentos odontológicos; o segundo estaria voltado para

práticas locais de bem estar como yoga e ayurveda. Os autores mencionam que slogan como

Tratamento de primeiro mundo com valores de terceiro mundo clamam por atrair turistas-

pacientes à Índia, principalmente americanos e europeus.

Um dos roteiros analisados -“SPA no Himalaia”- condiz com a referência de Índia

como centro de “bem estar”. O texto deste pacote continha a programação que incluía

consultas com especialistas, atividades físicas personalizadas, diversos tipos de massagens e

tratamentos, refeições balanceadas, aulas personalizadas de yoga e workshops. O próprio

layout do site do SPA, oferecido pela agência por um link, usava os símbolos dos chakras26

como vetores de design da página eletrônica, os temas como yoga (fig.10 e 11), meditação e

medicina ayurvédica eram os chamarizes do empreendimento.

Figura 10: Imagens do SPA Ananda na Índia Fonte: ANANDASPA, 2011

25 Antigo sistema indiano de abordagem para a prevenção, manutenção e restauração da saúde. Técnicas que envolvem massagens, uso de ervas, dietas, etc. de acordo com as três qualidades (doshas: vata- kapha-pita) que norteiam o tratamento. (MOHAN e MOHAN, 2006). 26 Chakras em sânscrito significa roda. Na filosofia e medicina indiana se relaciona aos vórtices energéticos do corpo sutil.

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Neste caso, a meditação foi encontrada como um produto, com valor de três mil

rúpias27 e a duração de sessenta minutos: “Meditação é a nossa especialidade e é o

componente central em tudo o que fazemos no Ananda (SPA). As técnicas que oferecemos

são baseadas na antiga tradição indiana, contudo, imediatamente prática para a vida

moderna.” (ANANADASPA, 2011. Tradução nossa)28 (fig. 11).

Figura 11: Imagens de yoga no SPA Ananda Fonte: ANANDASPA, 2011

Os benefícios das práticas de yoga e meditação são divulgados em vários meios

midiáticos tais como: revistas, sites, programas de TV e até mesmo em artigos científicos. São

informações que circulam globalmente29. É possível comercializar a meditação como um

produto turístico indiano de bem estar? Sim, parece que sim, pelo repasse das técnicas, como

meditar, atrelando-as ao lugar, ou seja, onde meditar. É justamente a alusão ao espaço

geográfico indiano, “meditar na Índia”, que o país inscreve sua singularidade como sendo o

lugar ideal e autêntico para a meditação; a indústria turística apropria desta ideia

comercializando-a como subproduto ou acessório de hospitalidade, como o caso do pacote no

SPA indiano.

Sabemos que um SPA brasileiro não difere muito do indiano ou americano em termos

de técnicas e serviços, porém, devemos ressaltar o apelo que a meditação toma quando

inserida no mercado turístico indiano contextualizando um repertório de prática de

indianidade. Sabemos que as técnicas de meditação em sua origem têm a ver com um

27 Moeda indiana, rúpia. Cada dólar americano equivale aproximadamente cinqüenta rúpias. 28 “Meditation is our specialty and is the central component in nearly everything we do at Ananda. The techniques we offer are grounded in ancient Indian traditions, yet immediately practical for modern needs”. 29 Podemos conferir a esta circulação de informações aos mediascapes.

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exercício não são só mental, mas, espiritual. A política em posicionar a meditação associada

ao bem estar já havia sido propagada por Swami Vivekananda no final do século XIX, como

abordamos anteriormente (STRAUSS, 1997; ROY, 1998). Mas, ao ampliarmos a discussão,

vemos que este fato de outrora tem relação direta com o nacionalismo anticolocial de

disseminação da cultura indiana (CHATTERJEE, 1993). Notamos com isso que as

performances das técnicas de cuidado com a saúde física, mental e emocional como a yoga e a

medicina ayurvédica, proliferam-se em propagandas turísticas quando associadas à Índia,

(re)afirmando-a como um centro de bem estar, sejam elas governamentais ou privadas.

No turismo, produtos que oferecem a yoga como bem estar não pertencem somente

aos repertórios de turismo na Índia, configuram-se como tradução da busca por bem estar.

Assim, por exemplo, em uma matéria no jornal The New York Times (HIGGINS, 2010),

grandes cadeias hoteleiras nos Estados Unidos como Hyatt, Four Seasons e Marriot já

agregaram a yoga como serviço aos hóspedes: “Yoga vem se tornando um tipo de amenidade

quase que obrigatória [...] Hóspedes querem aliviar o stress, ir à internet checar e-mail e

depois fazer cinco minutos de yoga. É o yin e yang da viagem30” (HIGGINS, 2010.Tradução

nossa), disse o professor indiano de marketing da escola de administração da Universidade de

Cornell, Chekitan Dev. A matéria ainda menciona os “Combo Yoga”, onde curiosas

programações híbridas envolvem a yoga com algum outro tipo de atividade de lazer: “yoga e

chocolate”, “yoga e vinho”, “yoga e ski” e “yoga e cavalos (hipismo)”. Notadamente são

performances que a yoga adquire quando apropriadas por empreendimentos turísticos.

6. Yoga Journeys: quando os repertórios se mesclam

O que é yoga? Quando se menciona “yoga” , geralmente é associada à imagem de uma

postura corporal quase que acrobática, ou então, a uma pessoa meditando com as pernas

cruzadas e olhos fechados. Porém, tais imagens ilustram repertórios associados à yoga. Estas

posturas corporais compõem uma das linhas da yoga, conhecida como hatha yoga31. O termo

30 “Yoga is becoming a must-have amenity[...]Guests want to be able to stress out and go and go on internet and check e-mail, and then take five minutes and do yoga. It’s the yin and yang of travel.” 31 A Hatha Yoga tem como princípio a manutenção da saúde física, emocional e mental do praticante. Não é um ramo filosófico ou devocional, e sim, prático. Para atender seu objetivo, são desenvolvidas posturas corporais (asanas), técnicas de respiração (pranayama) e de purificação (kriya), exercícios de introspecção (pratyahara) e práticas de meditação (dhyana).

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yoga vem do sânscrito, da raiz yuj que significa ligar, jungir e unir. Yoga pode ser mapeada

em vários textos religiosos, como o Bhagavad Gita e Upanishades, e em textos filosóficos

como “Yoga Sutras” de Patanjali. Embora comumentemente associada à Índia, a expansão das

técnicas, os artefatos e as práticas fazem da yoga contemporânea um fluxo transcultural

(RAVINDRA, 2006). É sobre a perfomance da yoga transnacional, desdobrada no fluxo

turístico Brasil-Índia, que moverá a discussão deste item.

Para falarmos sobre o movimento de “exportação” da yoga para fora da Índia, é

interessante apontar Swami Vivekananda, que disseminou algumas facetas da filosofia e

religião indiana nos Estados Unidos e Europa no fim do século XIX e no início do século XX

(STRAUSS, 1997). Ele ganhou bastante notoriedade pelo seu discurso e performance no

Parlamento Mundial de Religiões em Chicago (EUA) no ano de 1893. Abordou temas como

hinduísmo, vedanta e yoga e esta foi atribuída por ele pelo viés de bem estar e “liberdade”

(STRAUSS, 1997). Roy (1998) comenta que o discurso de Vivekananda estava baseado em

valores associados a uma releitura do hinduísmo, onde o ressentimento anticolonialista e a

afirmação da ascendência hindu eram propagados não só em países do oeste, mas também

dentro da própria Índia, hinduness (hinduidade).

Podemos também mencionar o papel da Sociedade Teosófica em termos de divulgação

da yoga e de filosofias indianas fora da Índia (ALEXANDER, 2006). No Brasil, apontamos

para o nome de Caio Miranda, militar e integrante da Sociedade Teosófica que se tornou

professor de yoga (MIRANDA, 1961). Publicou várias obras sobre o assunto em meados do

século XX. A partir dele, outros professores disseminaram as técnicas no Brasil por meio de

publicações e espaços especializados.

Esta presença da Índia no Brasil deu origem a alguns estudos acadêmicos sobre tema.

Sobre yoga no Brasil localizamos a dissertação de Duarte (2009), que aborda as mediações

culturais através da yoga ensinada pelo professor brasileiro José Hermógenes e a tese de

doutorado de Gonçalves (2008), que discorre sobre o imaginário coletivo em relação aos

professores de yoga brasileiros.

O que se percebe atualmente é a pulverização de informações relacionadas à yoga,

assim como uma rede atrelada a ela, como cursos, estúdios, praticantes, professores,

equipamentos, roupas, mídia e viagens.

De acordo com Sharpley e Sundaram (2005) nos anos 60, a Índia tornou-se popular

entre turistas estrangeiros, ávidos por experiências espirituais. Grupos de rock como Beatles e

Rolling Stones visitaram o país, sendo uma forte referência de divulgação na época. Adeptos

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de filosofias no estilo “paz e amor” e do movimento “contracultura”, também se fizeram

presentes como turistas neste período. A partir da década de 80, os autores apontam para um

crescimento e consolidação de especialistas e operadores turísticos pela comercialização das

“Yoga Jorneys”, pacotes turísticos especializados para a prática de yoga.

Ao selecionar os pacotes turísticos à Índia, comercializados por agências de viagens

brasileiras, identificamos as Yoga Jorneys, caracterizadas como viagens que associavam

práticas e estudos de yoga durante as suas programações. Dos sete roteiros especializados que

citamos anteriormente, quatro deles incorporaram a yoga nos pacotes. As programações

tinham a duração entre dezessete e vinte e quatro dias. Três dos quatro pacotes apresentaram a

possibilidade de estender a viagem entre quatro, onze e quarenta dias, as chamadas

“extensões” nas cidades de Delhi, Rishkesh e Agra. O maior período de estadia era destinado

à hospedagem em um ashram na cidade de Rishkesh.

Passemos para análise da próxima imagem (fig.12), que faz parte do material de

divulgação de uma das agências estudadas. Vemos uma moça vestida com roupas coloridas e

tradicionais, em um cenário árido, possivelmente um deserto, remetendo à solidão e

austeridade. A moça desempenha uma postura corporal da yoga (asana) bastante avançada.

Notamos que as Yoga Journeys transitam entre os três repertórios de indianidades: bem estar,

espiritualidade e exotismo, este último, por exemplo, foi mostrado não só pela elasticidade

corporal da moça (fig.12), mas também, pela paisagem desértica e suas roupas, o que de certa

maneira contrasta com as práticas em estúdios de yoga urbanos. Estas imagens nas

propagandas turísticas acionam dispositivos que operam a aproximação, através da yoga, e

distanciamento, pela alteridade.

Figura 12: Imagem da chamada do grupo de viagem "Grupo Shanti" Fonte: Home Page da agência de viagens 2, A2, 2010

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59

Encontramos uma particularidade nestas Yoga Journeys: o crucial papel dos

especialistas que acompanham os grupos. Além de eles serem um tipo de guia de turismo,

todos têm experiência profissional como professores de yoga, e, na bagagem curricular,

viagens à Índia. Deduzimos que este tipo de conhecimento proporciona uma noção de

segurança, familiaridade e aprendizado aos turistas. Nas fotografias de divulgação alguns

destes profissionais usavam vestes tradicionais indianas para as suas apresentações, como o

uso de véu sobre a cabeça, tilak (sinal hinduísta), sáris e mantos coloridos, em cenários

possivelmente indianos. Percebemos que estas fotos atestam e enfatizam o “estive lá”. O know

how destes profissionais é aproveitado pela agência (A2) para potencializar a proposta da

dimensão da viagem como a apresentação de uma das profissionais:

No que se refere aos acompanhantes das Yoga Journeys, a agência A2 tinha um

quadro de cinqüenta e dois especialistas das mais diversas áreas, como gastronomia e artes,

sendo que doze deles, 23,1% do total, eram especialistas em yoga.

Passemos adiante para o texto de divulgação do roteiro “Grupo Shanti” que se inicia

da seguinte maneira:

Esta proposta de viagem foge às convencionais, centradas no turismo, no lazer e nas compras. Visitaremos cidades sagradas e históricas, escolas de Yoga e ashrams, rurais e urbanos. Visitaremos as multicoloridas feiras indianas, conheceremos a excepcional cultura deste país, sua história e seu passado. (A2, 2010. Grifo nosso).

A Índia vendida no pacote acima está moldurada, para não dizer parada no tempo, em

um cenário idílico: Índia “fonte ou berço da yoga” que tenta se desvincular da idéia de que as

práticas turísticas usuais na contemporaneidade - como lazer e compras - não poderiam estar

imbricadas às performances consideradas autênticas e espirituais. Celebra-se um passado

imaginado e ignora-se o presente mutante e híbrido. Kaplan (2005) diz que no turismo há uma

espécie de fantasia pela “exotização” do passado de um país, ao fixá-lo em uma imagem que

pouco corresponde ao cenário contraditório, que marca os lugares contemporâneos.

Especialista em Yoga e Yogaterapia, professora do curso para formação de professores de Yoga, direciona seus estudos para a observação e análise corporal, desenvolvendo projetos de Yogaterapia contra depressão, estresse e suas complicações. Estudou no Ashram Niketan Sarasvati e Ashram Swami Dayananda na Índia. (A2, 2010, grifo nosso)

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Podemos, assim, enxergar uma yoga híbrida, ora atributo de bem estar, ora quesito de

espiritualidade, ou ainda, de exotismo. A fixação da yoga em repertórios de bem estar,

espiritualidade e exotismo permitiram o seu trânsito no ocidente, fazendo com que adquirisse

popularidade. Moduladas pelos resquícios do discurso colonialista concomitantemente ao

nacionalismo anticolonial, as Yoga Journeys aparecem articuladas sob arranjos turísticos que

produzem, cuidadosamente, uma Índia homogênea que tem suas contradições e singularidades

obscurecidas nas propagandas de pacotes turísticos estudados.

As indianidades inseridas nos roteiros de yoga produzem efeitos que amplificam a

busca por jornadas em uma Índia diferente do cotidiano ocidental. Cabe indagar até que ponto

estes deslocamentos indicam encontrar nos roteiros aquilo que, de antemão, já se espera

encontrar. Como no trecho em epígrafe, deparamo-nos com uma nostálgica fascinação sobre o

outro (McRAE, 2003), mas, também com um intenso controle no desenho do outro possível, e

reafirmando indianidades que se deseja encontrar.

A Índia direcionada aos professores e praticantes de yoga, não coincide com a

aceleração econômica e tecnológica que tem alterado a dinâmica dos grandes centros urbanos,

tampouco pelo clima de tensão política que vem provocando intensas mudanças nos países

daquela região. Também é uma Índia bastante diferente daquela comercializada para

empresários. Se juntarmos as várias “faces”, comporíamos uma Índia? A resposta é não.

Distanciemo-nos do perspectivismo. Diferentes perspectivas somadas não nos dão acesso a

uma “Índia multifacetada”. Falemos em multiplicidades. Logo, as diversas indianidades

formam paisagens disjuntivas (APPADURAI, 2000).

As propagandas dos pacotes analisados colocam em circulação referências textuais e

imagéticas aos itinerários, carregadas de repertórios de indianidades, produzindo assim,

paisagens turísticas indianas prontas a serem visitadas. Constatou-se que não é mostrada a

Índia contemporânea, atravessada pelos fluxos da globalização, mas sim, um país homogêneo

e estático, moldurado pelo passado. Os temas vinculados aos repertórios têm resquícios do

discurso colonial por reificar a Índia por meio de atributos essencialistas (McRAE, 2003;

FRANKLIN e CRAIG, 2001). Cidades como Bangalore, por exemplo, que é considerada o

“vale do silício indiano”, pois abastece uma sofisticada rede de importação e exportação na

área de T.I (tecnologia da informação), não foi mencionada ou inserida nos roteiros dos

pacotes estudados.

Se, neste capítulo foram apontadas as paisagens que influenciam e impulsionam as

propagandas turísticas do destino “Índia”, resta saber como estas paisagens de indianidades

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foram vivenciadas por turistas em suas viagens. Uma das formas de compreender esta

indagação seria por meio das narrativas e dos objetos trazidos das viagens, ou seja, a volta

para casa que pode reverberar e revelar outras e novas indianidades. Os próximos capítulos

abordarão estas temáticas sobre o retorno das viagens.

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*Técnica respiratória que consiste na retenção de ar nos pulmões, sem movimentos de entrada ou saída

do ar.

CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2

VIAGENS À ÍNDIA: VIAGENS À ÍNDIA: VIAGENS À ÍNDIA: VIAGENS À ÍNDIA: RELATOSRELATOSRELATOSRELATOS NA VOLTA PARA CASANA VOLTA PARA CASANA VOLTA PARA CASANA VOLTA PARA CASA

KUMBHAKAKUMBHAKAKUMBHAKAKUMBHAKA****

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De onde vinham essas histórias todas? Parecia que bastava Rashid abrir a boca, com um sorriso rosado e rechonchudo, e lá vinha uma saga novinha em folha, completa [...](RUSHDIE, 2010, p. 11)

s viagens vão além de provocar deslocamentos temporários, elas continuam

no regresso por meio das histórias contadas pelos viajantes. Para Peters

(2006), as viagens não somente usam o tempo, mas também, produzem

temporalidades e, neste caso, as narrativas na volta para casa reverberam uma viagem que

parece nunca terminar. Contadas em rodas informais de conversas com amigos e familiares,

publicadas na internet em sites, blogs, redes sociais ou mesmo sistematizadas em palestras, as

narrativas são atravessadas por experiências, incidentes, histórias, objetos e fotografias

perpetuados no tempo. Falamos de presenças imaginadas que se produzem e se transformam

antes, durante e depois das viagens (ELLIOTT e URRY, 2010).

As narrativas sobre grandes viagens feitas por navegantes, aventureiros, exploradores,

cientistas, sobretudo, aquelas escritas até o século XIX, atuaram como importantes fontes de

informação sobre aquilo que estava além mar. Tais narrativas constituem o que se conhece

como relatos de viagem, um gênero literário com características próprias. Este gênero exerceu

grande popularidade na Europa no século XIX e “consistia, principalmente, no registro do

escritor acerca de um lugar, privilegiando fatos ou instantâneos que melhor se amoldassem ao

seu interesse narrativo” (DUARTE, 1999, p. 61).

Lançando um olhar político sobre os relatos de viagem escritos, estes são

significativos instrumentos de construção e circulação de repertórios imperialistas sobre o

outro colonial a partir do século XVII, o que vem sendo apontado pelos estudos pós-coloniais.

Certamente, a Índia com seu passado colonial, foi alvo de expedições e relatos de viajantes

que tinham um caráter condizente com a lógica européia de dominação (SAID, 2007).

Viagens que reafirmavam a geografia imaginativa fundada na linha divisória entre Oriente e

Ocidente (SAID, 2003) e que, também a questionavam, pois narrar implica se posicionar no

curso dos eventos, gerando saberes que problematizam, justamente, o que se busca reafirmar

(BHABHA, 1998).

Ao longo do século XX, os relatos de viagem, mesmo aqueles que em sua época eram

considerados como narrativas de pouco valor informativo, passaram a ter estatuto privilegiado

como fontes históricas e antropológicas. O mesmo estatuto, entretanto, não vem sendo

observado com relação aos relatos de viagens contemporâneos escritos por turistas,

A

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64

considerados inferiores porque estão inseridos no mercado de massa (PISCITELLI, 2002). É

neste sentido que a distinção entre turistas e viajantes, bem como o emprego destes termos, se

torna tema de controvérsia: a quem conferir a designação turista? A quem nomear viajante?

Pensamos que ao invés de uma dicotomia entre viajantes e turistas baseada em juízos

normativos, optamos por empregar uma expressão composta pelos dois termos - “turistas

viajantes” que deriva da nomeação tourist travellers (ELLIOTT e URRY, 2010).

Na contemporaneidade, os relatos de viagem adquiriram novas performances nas

dinâmicas dos fluxos turísticos, principalmente em destinações internacionalizadas como a

Índia. Estes relatos não só contam uma viagem, mas também informam, podendo ainda,

comercializar lugares. A utilização de termos, descrições pontuadas ou expressões locais

reforçam o discurso do testemunho da viagem contada de tal maneira que “o capital narrativo

é parte essencial da experiência turística – a aventura de viagem deve ser contada, a

experiência não é completa sem o seu relato” (MARQUES, 2010, p. 422).

Neste trabalho, estudamos as narrativas de viagens à Índia contemporâneas de um

pequeno grupo de brasileiras praticantes de yoga. Discorremos sobre narrativas de viagens à

Índia feitas por um pequeno grupo de turistas viajantes brasileiras. Visando questionar as

fronteiras valorativas entre turismo e viagem, utilizamos a expressão relatos de viagem,

também, para as histórias contadas por pessoas que embarcaram em viagens turísticas. Nossa

chave de acesso às turistas viajantes foi a yoga, pois todas eram professoras.

As turistas viajantes com quem conversamos buscaram o destino Índia pela relação

com a yoga, país ao qual atribuem o florescimento da sistematização das técnicas que se

espalharam ao redor do mundo, mas que lá teriam sua origem, sendo parte necessária de um

percurso de formação. É neste sentido que os relatos deste capítulo também são atravessados

pela yoga. Mantivemos os nomes, tanto das participantes quanto das instituições, pois não foi

apresentada nenhuma objeção em relação a esta exposição, havendo sido explicitado

consentimento por parte das pessoas com as quais conversamos.

O argumento deste texto está dividido quatro seções. A primeira aborda os aspectos

metodológicos envolvidos. A segunda discorre sobre as pesquisas contemporâneas em que as

viagens à Índia se configuraram temática central. A terceira seção aborda trechos das

narrativas distribuídos na preparação, em incidentes narrados durante a viagem e

desdobramentos das mesmas. Nesta parte, percorremos um trajeto que foi das visitações ao

Taj Mahal até o cosmopolitanismo indiano na cidade de Hyderabad, bem como falamos a

respeito das experiências em ashrams indianos, lugares estes tão divulgados pelas

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propagandas turísticas àquele país, culminando na curiosa presença de um líder espiritual

brasileiro em solo indiano. A última seção discute o desdobramento da viagem de uma das

participantes através de palestras que narravam a sua experiência de viagem prolongada de

um ano entre a Índia e o Nepal.

1. Apontamentos metodológicos sobre as narrativas de viagens por meio de entrevistas

As participantes das entrevistas foram selecionadas por terem ido à Índia em período

recente a época da realização das entrevistas. Elas freqüentavam o mesmo núcleo de yoga na

cidade de São Paulo. O agendamento das entrevistas foi feito por de e-mail e mediação do

professor de yoga das participantes, Claudio Duarte. O apoio do “Instituto Yóga Clássico de

São Paulo”, coordenado pelo professor Claudio Duarte, foi fundamental, com permissão até

para que as entrevistas fossem realizadas nas dependências do espaço de yoga.

Das quatro entrevistas realizadas, três foram no Instituto localizado num bairro de

classe média alta paulistana. As três entrevistadas neste espaço foram: Tereza Buturi, Narani

Verardi e Millena Simões. A outra entrevista foi feita na casa de uma das entrevistadas,

Rosana Khoury e em sua escola de yoga “Ganapati Yóga”, situada no centro de São Paulo.

Também foram obtidas algumas narrativas na palestra intitulada “Meditar, comer e viver”,

promovida por Narani Verardi. Este evento foi realizado no dia 17/04/2011, em Suzano-SP,

na “Clínica Masuda: espaço qualidade de vida”, localizado, também, no centro da cidade.

Para Peter Spink (2003, p. 22), “contar histórias é (...) uma ação importante na vida

cotidiana. Quantas vezes, quando pessoas querem relatar uma experiência importante, uma

inovação ou ação social [ou uma viagem], se sentem mais confortáveis narrando o processo”.

Foi neste sentido que optamos em estudar as narrativas por meio de entrevistas abertas. Não

queríamos engessar as narrativas com perguntas sistematizadas a todas. A fluidez das

conversas permitiu a emergência de diferentes assuntos e temas entre as participantes.

Três entrevistas tiveram o áudio gravado e, concomitantemente, foram realizados

apontamentos em um caderno de notas. Uma das quatro entrevistas, juntamente com a

palestra, foi registrada com anotações e fotografias. Os objetos trazidos da Índia mostrados

pelas participantes foram fotografados. O acervo pictórico gerado pelas entrevistas foi de 98

(noventa e oito) fotos. O tempo médio das três entrevistas foi de duas horas, igualmente para a

palestra. Apenas uma das entrevistas durou cinqüenta minutos.

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O grupo composto pelas participantes desta pesquisa foi de mulheres, entre 28 e 53

anos. No que se refere ao gênero e à yoga, um estudo realizado por Ferreira (2005) sobre o

perfil de praticantes de yoga na cidade do Rio de Janeiro apontou que 71,8% da amostragem

eram compostos por mulheres. Mostrou-se que o gênero feminino tem a maior incidência, o

que coincidiu com o perfil das entrevistadas em nosso estudo.

A familiaridade com determinados termos de yoga e conteúdos referentes à Índia

facilitaram a compreensão das narrativas e a fluidez na interaminação dialógica com as

entrevistadas. As conversas estavam carregadas de palavras pertinentes ao contexto dos

praticantes de yoga, tais como: swami, Shiva, Ganga, asanas, puja, pranayama, etc, termos

bastante familiares, pois faziam parte do nosso léxico. Notamos esta incidência de referências

sobre yoga e Índia somente ao transcrever as entrevistas, após alguns dias delas. Talvez a

distância temporal da pesquisa, do “estar lá” e “escrever aqui” 32, tenha exposto esta

particularidade ignorada no momento das conversas.

Nas entrevistas, as participantes nos contaram as suas viagens à Índia. Evitamos o

método estruturado com perguntas pré-fixadas, porém, algumas temáticas roteirizaram o

diálogo, bem como a sugestão de que mostrassem objetos trazidos, a fim de evitar um total

desvio das conversas diante do tema da pesquisa (GIARD, 1996).

As temáticas sugeridas foram: preparação da viagem, objetos trazidos, alteridades e

experiências. Assim, as entrevistas estiveram próximas do ato cotidiano das conversas em sua

fluidez (MENEGON, 1999; MIGNOLO, 2003, SPINK, P., 2003). E, ao escrever sobre estas

viagens, tornamo-nos, também, narradores. Buscamos considerar a contradição

contemporânea de qualquer localidade turística: passado/presente, tradicional/moderno,

essencializações/fluxos se fizeram presentes. As narrativas sobre as viagens não foram

lineares, mas repletas de incidentes, característica que buscamos preservar ao analisá-las, ou

melhor, contá-las. O que chamamos de antes, durante e depois ocorreram no tempo presente

das entrevistas, dizem, portanto, de presenças imaginadas mais do que de momentos

estanques.

32Geertz em “Obras e vidas” problematiza a escrita etnográfica: um texto situacional em que a presença do autor (pesquisador) não deve ser ignorada, onde a produção do texto também é atravessada pela temporalidade.

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2. Viagens à Índia: pesquisas contemporâneas

As pesquisas que discutimos nesse tópico indicam algumas produções acadêmicas

realizadas sobre a destinação turística Índia na contemporaneidade. Iniciemos com o estudo

da autora portuguesa Sandra Marques (2010), que tratou sobre narrativas de turistas à cidade

de Kolkota na Índia. Concluiu-se que os relatos na contemporaneidade sobre lugares e outros

distantes “não são a expressão da estranheza provocada por um primeiro contacto, mas, antes,

o resultado do convívio de séculos com limitadas construções discursivas” (2010, p. 437).

Outro estudo aborda as motivações de viagens à Índia e experiências entre turistas

estrangeiros, que os autores nominaram de ocidentais. O local da pesquisa foi no Ashram33 Sri

Aurobindo e na comunidade Auroville, na cidade de Pondicherry - região sul (SHARPLEY e

SUNDARAM, 2005). A comunidade foi fundada por Aurobindo com o objetivo de promover

uma convivência fraterna entre os integrantes, baseada em princípios universais. Em vinte e

oito entrevistas semiestruturadas, realizadas em cafés, uma vez que o acesso aos locais

internos considerados sagrados era controlado, o estudo mostrou que poucos responderam

haver viajado à Índia e visitado o ashram para satisfazer uma necessidade espiritual. Alguns

estavam ali movidos pela curiosidade muitos, para aprender e praticar yoga, e outros,

simplesmente, porque fazia parte do roteiro turístico. Chamou a atenção dos pesquisadores

que alguns dos entrevistados reconheceram a artificialidade do lugar; outros, mesmo não

motivados por busca espiritual, a visita ao ashram proporcionou-os certa experiência de

realização espiritual.

Seguindo a análise do turismo praticado na Índia por estrangeiros, o estudo realizado

por Chaudhary (2000) buscou saber as percepções do pré e pós-viagem. Com base em uma

amostragem de 152 pesquisados, foram aplicados questionários estruturados. Coletaram-

sedados sócio-demográficos, tendo como objetivo principal conhecer as atitudes dos turistas

estrangeiros através do discurso de (multi) atributos. Os atributos escolhidos foram

identificados previamente em artigos na mídia sobre a Índia e também em um pequeno

levantamento entre turistas estrangeiros. A pesquisa foi voltada a instrumentar alternativas

para o incremento do turismo indiano. Ela foi realizada durante dois anos, nas cidades de

Delhi, Pune e Chandigrah, em aeroportos e hotéis. A maioria dos turistas encontrados foi de

homens, entre trinta e cinqüenta anos, solteiros e europeus que viajavam por conta própria,

sem pacote turístico ou suporte de agência. As principais motivações identificadas foram a

33A palavra ashram provém da raiz sânscrita srama que significa “exercício religioso” ou um retiro espiritual hindu liderado por um sábio -Guru.

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crença e o interesse em diversas seitas religiosas. Dentre as expectativas (pré-viagem)

positivas levantadas, o patrimônio cultural foi o mais citado. No rol das negativas, a falta de

segurança foi evidenciada em maior escala. Na verificação da satisfação (pós-viagem), houve

convergência entre a expectativa e a satisfação no item que se refere a patrimônio cultural,

sendo a falta de qualidade nos serviços turísticos o problema mais apontado.

Em um recorte diferente, Dwivedi (2009) se debruçou na análise de depoimentos,

relatos e fóruns de discussão de usuários que compartilharam suas experiências positivas e

negativas em rede (presumidamente turistas que viajaram para e na Índia). Em etnografia

aplicada à internet, foram analisadas duas comunidades “Lonely Planet’s the Thorn Tree”

(400.675 membros/2007) e “Indiamike.com” (29.236 membros/2008). A pesquisa pôde

constatar que os depoimentos positivos e negativos se misturavam. Comentários atuavam ora

como dicas, orientações, ora como conselhos ou advertências. Eis um exemplo:

Imagina Michel Jackson chegando ao aeroporto com milhares de fãs gritando contidos por uma corda…Nós passamos os próximos dez minutos dizendo ‘não, muito obrigado’ para todos que ofereciam taxi, rickshaw ou hotéis […]Agra era longe de tudo e foi o pior lugar que estive na Índia para visitar...distante do Taj, Agra para mim é suja, congestionada, um aborrecimento, pesadelo constante, um lugar que eu nunca desejo voltar....por que eles nao podem mudar o Taj para um lugar tranquilo? (ibidem, 2009, p. 230, tradução nossa) 34

O artigo levantou alguns tópicos apontados pelos turistas, tais como: água potável,

higiene da comida, distúrbios estomacais, pechincha como experiência genuinamente indiana,

falta de limpeza nos hotéis, trânsito caótico, segurança das mulheres turistas, poluição,

barreiras lingüísticas, música indiana, festivais, falta de manutenção em lugares históricos,

hospitalidade dos indianos. Pobreza e sujeira se evidenciaram na maioria dos comentários dos

usuários. O dado tido como surpreendente consistiu que a Índia foi mencionada como

“mística” apenas duas vezes, ao contrário de outras destinações ao redor do mundo que foram

92 (noventa e duas) vezes caracterizadas pelo mesmo adjetivo. A prisão à temporalidade e

espiritualidade vinculada historicamente à Índia se abre à complexidade.

34 “Imagine Michel Jackson arriving at an airport with thousand of screaming fans being held back by ropes…we….spent the next ten minutes or so saying ‘no thank you’ to everybody offering taxi’s, rickshaws and hotels […] Agra was far and away the worst place I have ever been to in India for touts…apart from the Taj, Agra to my mind is a dirty, congested, constant hassle nightmare of a place I will never go back to…why can’t they just move the Taj somewhere peaceful?”

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Pesquisas contemporâneas, como estas acima, indicam que os fluxos turísticos na

Índia são permeados de repertórios de indianidades, alguns deles convergentes aos que

comentamos no primeiro capítulo, e outros que apareceram nos relatos de turistas,

notadamente estrangeiros.

3. Narrativas sobre a viagem

3.1 Os preparativos até o embarque

Por se tratar um destino internacional e atravessado por alteridades, buscamos saber

sobre o lado operacional e prático do deslocamento, além da ideia de escolher a Índia como

destinação turística. Para iniciar as conversas, abrimos pelo tema da preparação até o

momento do embarque, tentando estabelecer um ponto de partida das narrativas.

A primeira entrevistada, MillenaVeruska Simões, 28 anos, casada, sem filhos. Sempre

teve a intenção de visitar a Índia. Para ela viajar àquele país é uma experiência necessária a

qualquer professor que queira trabalhar com yoga; um ponto de passagem obrigatório

conforme a sua fala: “[...] porque eu acho o seguinte, que yoga é como o inglês, quem é

professor de inglês tem que pelo menos uma vez fazer um intercâmbio [...]”.

A comodificação também atravessa a yoga na contemporaneidade. Antes, as técnicas

eram transmitidas por iniciações através de um mestre (ALEXANDER, 2006), hoje,

professores e instrutores de yoga são formados em cursos profissionalizantes, alguns, em

centros universitários. A yoga se transnacionalizou conforme aponta Strauss (1997), porém, a

Índia ainda é um ponto de referência para praticantes que buscam o aperfeiçoamento.

Millena Simões decidiu se juntar ao grupo do seu professor de yoga na jornada anual

que faz à Índia. No mês de junho de 2010 ela comprou a passagem aérea com embarque

marcado para dezembro de 2010. No período de aproximadamente de seis meses

antecedentes, a sua preparação consistiu em algumas ações: aumentou o número de práticas

de yoga durante a semana, se tornou vegetariana, saiu do trabalho no qual exercia o cargo

desecretaria, fez checkup médico e comprou livros sobre yoga: “(...) então eu fui atrás de

alguns livros sobre yoga, chakras, este tipo de coisas, para começar a me preparar (...)”. O

seu desempenho em relação às técnicas da yoga exerceu uma especial atenção, pois ela não

queria chegar despreparada.

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Outro ponto bastante comentado por Millena era a questão da saúde e higiene na Índia.

Ela assistiu palestras sobre como lidar com as insalubridades higiênicas, especificamente as

do continente asiático, em explanações promovidas pelo Hospital das Clínicas em São Paulo.

Lá mesmo tomou vacinas como a da febre amarela, exigida pelo governo indiano, e outras

adicionais como antitétano e hepatite.

Alertada por uma amiga que já tinha viajado para a Índia, Millena levou um pequeno

arsenal de remédios em caso de eventuais desconfortos, principalmente, os conhecidos

distúrbios estomacais acometidos em muitos turistas estrangeiros na Índia35. Munida com um

estoque de álcool gel e lenços de papel (e umedecidos também), estes valiosos agentes de

assepsia garantiram a viajante uma espécie de “tranqüilidade higiênica” para poder usufruir o

seu tour:

“quando a gente pensa em Índia aqui, principalmente porque teve a novela, então a gente tem uma visão de Índia que tudo é colorido, assim, a gente imagina um cenário e a gente sabe que tudo é muito diferente daqui da nossa realidade, então você fica, poxa, e aí? Como que é? Então a Rosana já tinha me falado: “olha é bem diferente, têm certas coisas que você vai precisar levar”(...)“você precisa levar lenço de papel, você precisa levar álcool gel”, este tipo de coisa né, lenço umedecido, esse tipo de coisa eu já sabia que não podia faltar (...)eles têm muita dificuldade, porque eles usam água no sanitário, não tem papel higiênico, então pra gente é um pouco complicado”.(Millena Simões)

Percebe-se no relato acima que a informação repassada por Rosana Khoury, outra

viajante do grupo, que já havia estado na Índia, mediou a preparação de Millena para a

adaptação intercultural, quase nunca isenta de problemas (HOTOLLA, 2004). Aqui a ênfase

da pré-viagem foi dada ao não-humano menos transcendental possível: o papel higiênico. A

preparação da viagem não escapou da micro-prática cotidiana da turista. Millena disse: “Sou

um pouco neurótica (risos) então, isso, assim, a primeira coisa que comprei e comprei

bastante (...)”.

Millena Simões também fez seguro de viagem de assistência médica. A última etapa a

preparação foi providenciar o visto indiano que “foi super tranqüilo, de um dia pro outro”.

35 O nome do blog intitulado “www.indiagestao.blogspot.com” criado por Sandra Duarte, residente na Índia desde 1999 foi inspirado nos relatos de diversos estrangeiros na Índia acometidos por distúrbios estomacais, inclusive vários deles encontram-se postados no blog.

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Ela explicou que o visto indiano requerido no consulado geral em São Paulo é expedido em

um dia útil, quando solicitado presencialmente.

Outra entrevistada era Tereza Buturi, professora de yoga e de dança circular e sagrada,

com formação acadêmica em Educação Física, divorciada, mãe de dois filhos. Decidiu viajar

apenas um mês antes do embarque do grupo (o mesmo de Millena Simões). Impulsionada

pelas práticas de yoga ela nos contou sobre a sua busca pela Índia:

“Não tinha aquela fissura de ir para Índia (...) Eu fui com esse intuito, o lado espiritual também, dos templos hindus (...) de conhecer como é mesmo a Índia, como é estar na Índia, como é praticar yoga na Índia, meditação (...) aí quando eu falei “eu vou”, eu comecei a mexer os pauzinhos pra tudo, comprei a passagem, liguei, fiz tudo (...)”. (Tereza Buturi)

Praticar yoga na Índia foi uma expectativa gerada em todas as entrevistadas. Desta

maneira, o verbo “praticar” deve ser ressaltado, pois o “fazer algo” faz parte de uma tendência

contemporânea no turismo. Franklin e Crang (2001) sinalizam a mudança do status do

contemplar para o agir e o praticar. Para este nicho de turistas a busca pelas práticas de yoga é

por um serviço que promova bem estar.

Tereza não mencionou os seus meandros preparatórios à Índia. Foi importante notar

isso, deixando-a livre para relatar a sua viagem. Em termos metodológicos, insistir em

perguntas a fim de exaurir mais conteúdos é um tipo de violência que o pesquisador pode

cometer, principalmente quando não percebe a finalização do enunciado pelo entrevistado

(SPINK, 2010). Neste caso, Tereza havia encerrado a sua fala sobre a preparação, apontando

para outro horizonte mais pertinente a sua viagem: a experiência em ashrams na cidade de

Rishkesh.

A terceira entrevistada foi Narani Khusala Verardi. Professora de yoga, 36 anos,

solteira, sem filhos, neta de indiano, acadêmica de psicologia e formada em Geologia. Passou

doze meses, de dezembro de 2009 a dezembro de 2010, entre Índia e Nepal, para estudos,

práticas de yoga, meditação, naturopatia e turismo. Foi a entrevistada que mais tempo

permaneceu na Índia. Ao ser indagada sobre o interesse pela Índia, ela respondeu:

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“Desde criança eu tinha assim, essa coisa. Não sei da onde que vinha. Talvez assim...porque eu tenho descendência, eu sou descendente de indiano, o meu avô era indiano, então, eu sempre fui criada.. “ah...a Índia”, ele nunca passou nada pra gente...nunca incentivou, mas assim, minha mãe, minhas tias sempre deram muita importância...muita!E aí desde criança eu tinha essa vontade de conhecer, de ficar lá, de ver como é a cultura deles, de vivenciar um pouquinho.” (NaraniVerardi)

Narani contou que a sua preparação foi iniciada pelo menos um ano antes do

embarque, o maior dentre todas as entrevistadas. Alguns tópicos envolveram a sua pré-

viagem, como: guardar dinheiro; leitura de livros36; compra de passagem aérea; visto indiano

e a matrícula em curso de yoga.

Narani Verardi buscou na internet inscrever-se previamente em curso de yoga que

fosse reconhecido pelo governo indiano. Ela pontuou diversas vezes que o seu principal

objetivo na Índia era o de estudar e praticar yoga. Procurava uma escola de yoga que fosse

“genuinamente” indiana, conforme o trecho da sua fala:

O meu objetivo era ir pra lá para ir para estudar, eu queria isso! Eu queria na verdade...fui pesquisar escolas, universidades...e eu achava que era tudo assim...coisa pra estrangeiro...voltada só para estrangeiro...e eu queria um foco mais pra eles mesmos, pra indianos. (NaraniVerardi)

Ela buscou um local onde as imagens dos sites fossem determinantes em sua escolha.

Ela descartava os sites que mostravam fotos de estrangeiros praticando yoga. A sua decisão

foi em optar por uma escola na cidade de Delhi, cujo curso era inteiramente ministrado em

híndi. Após a sua inscrição, juntamente com os outros dois professores de yoga do seu grupo

de viagem, o coordenador do curso abriu uma exceção: eles poderiam ter aulas em inglês.

Rosana Khouri, a quarta e última entrevistada. Professora de yoga, 53 anos, casada,

mãe de um filho, tem uma escola de yoga na região central de São Paulo – “YógaGanapati”.

Foi para Índia por três vezes e disse que nenhuma viagem é igual: “sempre tem diferença”.

“Sempre vou descobrindo algo que não conhecia, por exemplo: o lado antigo de Delhi[...]o

lado antigo das lojas, são mais baratas.”.

A sua terceira viagem foi com o grupo de Millena Simões, Tereza Buturi e Claudio

Duarte. A programação foi inteiramente elaborada e organizada pelo líder do grupo, o

36 “Planeta Índia” de Mira Kamdar e “Tentações do Ocidente” de Pankaj Mishra

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professor Claudio Duarte, sendo que as demais pessoas, como Rosana, apenas aderiram ao

roteiro. Para ela, era um sonho conhecer o deserto do Rajastão, talvez a mais exótica das

experiências em termos de viagens à Índia. Rosana nos contou que a compra de sua passagem

aérea foi feita pela internet. Este fato nos traz a reflexão que as vendas diretas, sem a

intermediação de agências de viagens, refletem uma tendência nos canais de distribuição de

produtos turísticos. Esta prática vem se justificando, pois “em termos de custo de venda, o site

da empresa pode representar até quatro vezes menos do que uma reserva via GDS [Global

Distribuition System37] (LOHMANN e PANOSSO NETTO, 2008). Esta tendência facilita o

chamado “turismo individual” em que turistas compram seus produtos turísticos sem a

mediação das agências de viagens (ANDRADE, 2002).

O embarque de todas as entrevistadas foi na cidade de São Paulo, Aeroporto

Internacional de Guarulhos. Todos os voos não eram diretos, mas sim, mediados por grandes

hubs38 europeus. A cidade escolhida para o desembarque foi Nova Delhi no Aeroporto

Internacional Indira Gandhi.

3.2. Na Índia ou durante a viagem

3.2.1. Do Taj Mahal ao cosmopolitanismo indiano

Entre as práticas relatadas pelas entrevistadas, o cotidiano de suas viagens foi

comentado. Entre estupefações e elogios, o aeroporto indiano acabou virando atração turística

após a finalização de sua reforma. Sobre este tema, “aeroporto”, organizamos as falas pelo

método de mapas (SPINK, 2010) como segue abaixo (quadro 4). Os mapas permitem mostrar

as falas das entrevistadas conforme as temáticas abordadas.

37 Mecanismo de reservas e vendas via programas de computadores, onde várias empresas (companhias aéreas, redes hoteleiras, locadoras de veículos, seguradoras de viagens e etc) expõem seus produtos num único canal de reserva e distribuição. Com a internet, as operações via GDS tornaram-se onerosas. 38Os hubs são a abreviação de hub n’spoke(nós e aros) que condiz com a dinâmica operacional entre rotas aéreas e terminais aeroportuários, ver Lohmann Palhares (2002).

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Quadro 4. Mapa temático: Aeroporto Internacional Indira Gandhi

Entrevistadas Tema: Aeroporto Internacional Indira Gandhi

Tereza Buturi Assim que você chegou à Índia, qual foi a sua primeira impressão? Ah! Foi aqueles mudras [gestos com as mãos de yoga] maravilhosos do aeroporto! (risos) Eu falei: “Meu Deus! Eu tô na Índia (risos) que coisa maravilhora né?!”. Os mudras né, grandes, enormes! Assim, sabe? Eu achei muito legal! Eu falei: “Nossa! Olha que coisa linda, maravilhosa esses mudras, né? O que me chamou mais atenção foi os mudras. Eu olhei assim e falei: “Nossa que maravilha meu Deus! Olha agora eu tô na Índia mesmo!”. Onde você vai achar mudras assim, tão grandes, você chegou a ver essa parte? Depois que reformaram? - Não, só por fotos (da outra entrevistada, Millena) Então, exatamente. Eu falei: “Nossa! Que maravilha, eu tô na Índia mesmo!”.

Millena Simões Primeiro, uau, que aeroporto que é esse né? Porque você...(ela pergunta ao professor se ele já havia visto aeroporto depois da reforma, ele responde que não, que só havia visto em reforma) Eu não esperava aquela estrutura, não esperava que fosse tão bonito, enfim, o primeiro impacto incide em todo em todo mundo inclusive de quem já...

Você tirou algumas fotos do aeroporto, certo? (ela mostra as fotos do aeroporto) fiz questão de tirar, porque o que me chamou a atenção foi justamente de ser moderno, embora eu achei absurdo ter carpete no aeroporto, né, gente como é que coloca carpete no aeroporto inteiro, tudo com carpete, algumas áreas próxima das companhia que não tem, a área de desembarque toda com aquelas esteiras enormes e carpete envolta, eu falei, gente absurdo né, não sei é uma questão de parecer luxuoso ou alguma coisa do gênero mas, essas fotos como está próximo ao balcão você vai ver o carpete, eu achei assim, gente imagina a manutenção disso, eu achei engraçado e ao mesmo tempo eu achei estranho, eu achei, não que estranho mas, o que chamou atenção foi o contraste, embora fosse moderno o fato deles terem colocados os mudras [gestos realizados com mãos, técnica da yoga] que é uma coisa bem característica né, quem não conhece, claro de repente você tá indo pra Índia à negócios, a pessoa fala o que será que é isso né, você não tem ideia, mas quem tem uma noção, chama muito atenção, eu achei muito bonito! (ela continuar a mostrar as fotos do aeroporto e dos mudras de enfeite e continua um tanto quanto indignada com os carpetes). O aeroporto é um ponto turístico então? É! É enorme, é bem grande, tá super moderno, tá super bonito...primeiro mundo...(risos)

Rosana Khoury “Como modernizou!”

O próximo tema apontado pelas entrevistadas foi Taj Mahal. A visita e o valor da

entrada no ícone turístico Taj Mahal39 foram bastante contestados. Para visitá-lo (e

conseqüentemente tirar fotografias), é necessário pagar uma entrada com valor diferenciado

para visitantes estrangeiros e indianos.

A atitude de Narani Verardi foi de protestar em relação à visita ao mausoléu. Ela e seu

grupo decidiram visitar outro monumento, pois considerou um “absurdo” tal diferenciação de

39 Entende-se aqui que o Taj Mahal faz parte do tipo de objeto de viagem “traveller-object”, em que o que se desloca é a sua imagem e não o objeto em si (LURY, 1997).

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valores. Este tipo de performance pode ser entendido como uma fuga de ações normativas

que Edensor (2001) chama de “performances turísticas não-conformistas” 40. Estas se

desdobram em: performances cínicas, resistentes, improvisadas e involuntárias. No caso de

Narani, pode-se falar em performance resistente: “turistas nunca são compelidos a agirem em

performances específicas conformistas”41 (EDENSOR, 2001, p. 76. Tradução nossa), eles

podem inclusive usar táticas para reapropriar o espaço (CERTEAU, 1994). Segue a fala

abaixo onde é apontada a resistência performática:

“Tá, a gente foi até Agra, aí a gente visitou um outro Taj que tem lá, mas a gente não chegou a visitar o Taj Mahal... - Por quê? Ah...na verdade eu não tinha muito interesse, porque o Taj Mahal pra mim eu já tinha visto tanto na televisão e...aí a gente chegou lá, todos os lugares que você tem que visitar lá na Índia você tem que pagar uma entrada...a gente tava acostumado a pagar cem, duzentas rúpias para entrar em qualquer lugar...a gente chegou lá no Taj Mahal o cara pediu oitocentas! A gente achou um absurdo! Então a gente decidiu que a gente não ia entrar lá...por protesto! E aí a gente visitou um outro Taj, de acordo com o Claudio, um lugar mais antigo que o Taj Mahal, e tava assim vazio e lá a gente ficou horas, deu pra visitar super tranqüilo...” (NaraniVerardi)

Já Millena Simões ficou inconformada em ter que pagar setecentas e cinqüenta rúpias,

ao invés das vinte rúpias para residentes indianos. Além do valor diferenciado, ela ainda

frustrou-se: “Tá, e aí? Eu esperava mais. Eu tô no Taj Mahal, pensei que a sensação fosse

diferente”. Mas mesmo frustrando-se, ela publicou a sua foto (fig. 13) no Taj em seu blog

www.yogadalua.blogspot.com. Esta foto com mais outras cinqüenta e uma fotos “contam” a

sua viagem à Índia. Interessante notar que, assim como o blog de Millena, muitos outros42

também contêm relatos de turistas brasileiros em viagens à Índia. Talvez estes diários

eletrônicos, publicados em rede, possam merecer uma atenção para futuros estudos que

possam abordar os fluxos turísticos entre o Brasil e a Índia.

40 “Non-conformist tourist perfomances” 41 “tourists are never compelled to enact specific conformist performances” 42www.indiagestao.blogspot.com; www.rafaelnaindia.blogspot.com; www.glaucotavaresnaindia.blogspot.com

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Figura 13: MillenaVeruska no Taj Mahal, foto postada em seu blog

Sobre a visita no Taj Mahal Tereza Buturi disse: “Pra mim não foi tudo aquilo que o

pessoal fala, lógico, é uma das sete maravilhas do mundo, mas...”. Millena e Tereza

posicionam-se sob a performance irônica ou cínica onde “os turistas questionam cinicamente

o significado do Taj Mahal e enfraquecem a noção ortodoxa sobre como a atração deve ser

contemplada sob o olhar romântico e com intensa seriedade” 43 (EDENSOR, 1998, p. 75.

Tradução nossa).

Passemos para o próximo tema apontado em comum pelas participantes: compras.

Millena Simões declarou enfaticamente: “O comércio é fascinante!”. Para trazer souvenirs

das viagens, é necessário adquiri-los mediante compra. O turismo movimenta a circulação de

bens e serviços gerando um efeito multiplicador (LOHMANN e PANOSSO NETTO, 2008).

Ir às compras é uma das atividades mais praticadas no turismo contemporâneo. Para turistas

americanos, por exemplo, comprar é considerado a segunda atividade mais importante em

viagens fora do país (FRANKLIN, 2003). As compras tiveram bastante importância por

nossas entrevistadas: valores, bazares tradicionais, diversidade de mercadorias e barganha

foram alguns dos assuntos mencionados.

De acordo com Diwivedi (2008), a barganha entre turistas e comerciantes locais foi

considerada como uma prática obrigatória e autêntica para quem visita o país em grupos

virtuais sobre viagens à Índia. O ato de barganhar e de tomar chá ao comprar uma mercadoria

foi comentado por Millena Simões:

43 “The tourists are cynically questioning the significance of the Taj and undermining orthodox notions about how the attraction should be gazed upon romantically and beheld with intense seriosness”

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“ [...] o pessoal disputando para te vender e...querendo que você compre, enfim...e tentando negociar, a questão da negociação eu achei muito divertida, tem que barganhar! (risos) muito legal, achei muito divertido[...]O comércio é fascinante! É uma coisa...as pessoas são muito simpáticas, elas querem te atrair, querem saber da onde você é, daí tentam falar em espanhol em algumas cidades pra tentar conversar e começam a perguntar, e quanto que você quer pagar, e tal..é muito engraçado...te convidam para tomar um chai[chá indiano], e vai te envolvendo né, te tratam como um amigo, que é pra você comprar. (Millena Simões)

Além da prática de barganhar pelas mercadorias, as relações amistosas entre turistas e

comerciantes apontadas por Millena, perfazem a lógica da transitoriedade estabelecendo uma

sociabilidade comodificada, em que os comerciantes e prestadores de serviços comercializam

suas “amizades” (LAWSON e JAWORSKI, 2007).

Os mercados chamados de “bazares” foram citados por todas as entrevistadas. Elas

definiram como lugares tradicionais e autênticos para compras. Para Certeau at el (1996, p.

158) “o mercado é um importante ponto de referência sociológico para a compreensão das

relações humanas”. Este estudo não foi até mercados indianos, eles foram trazidos até a

pesquisa pelas narrativas das entrevistadas.

Quando questionada o porquê de uma das entrevistadas querer comprar em bazares

indianos, Tereza Buturi respondeu da seguinte maneira: “Porque eu queria coisa indiana, não

queria muvuca...que era...que tinha muita loja da Adidas, muito shopping, eu queria ir nas

coisas indianas, na muvuca indiana!”. Já Rosana Khouri teceu comentários sobre um

comércio que visitou em Nova Delhi: “[...] bem indiano, onde turista não vai [...] comércio

bem popular e tradicional”. Tanto para Tereza quanto para Rosana, o comércio fora do

enclave turístico estava atrelado a uma ideia de tradicional e autenticidade. Notamos que, para

elas, quanto menos “contaminação” pela presença de turistas no comércio local, mais

autêntica a mercadoria e a experiência da compra.

Narani nos contou sobre as suas andanças pela cidade de Rishkesh em que gostava de

ir aos bazares fora do bairro turístico onde estava hospedada. Sua alegação era que, além de

baratos, se aproximavam mais com a cultura local. O comércio local foi um dos principais

espaços44comentados pelas entrevistadas, onde as relações, ainda que efêmeras, foram

estabelecidas e também desfeitas (LAWSON e JAWORSKI, 2007). Não era apenas comprar

44 Espaço para Certeau (1994) é um lugar praticado. Os bazares eram os lugares onde as turistas podiam praticar as trocas para obterem suas mercadorias, talvez muito mais pela experiência de se realcionarem com os indianos que as próprias mercadorias.

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as mercadorias, era olhar, visitar, conhecer e conversar, um afã de buscar o contato com a

cultura mais autêntica e o menos turística possível. A próxima fala de Millena Simões mostra

que muitas das suas mercadorias foram compradas mais pela relação estabelecida entre ela e

os comerciantes que a própria mercadoria em si:

“Eles são muito bons! (risos) o povo fala de judeus com o comércio, mas o indiano é muito... “esse é meu amigo” e tal e te envolve e você fica até com dó, que pra você nem é tão caro, claro, que se você pensar na moeda deles, você vai falar ‘puxa, mil rúpias, por exemplo, nem é tanto assim dependendo do objeto né’... Tá tudo bem...você sabe que tá pagando caro, mas você acaba levando às vezes, porque a pessoa foi super simpáticos, ela te envolveu, você acaba levando”. (Millena Simões)

Nem só de bazares tradicionais indianos vive a Índia. Os fluxos da globalização

também vêm atravessando o país como em qualquer outro país emergente. Este fato pode ser

relatado por Millena Simões. O entusiasmo na sua fala e gestos mostraram a “descoberta” de

uma outra Índia, diferentemente da que vinha conhecendo por intermédio dos ashrams e

templos hindus.

Ela contou que, ao visitar um amigo indiano na cidade de Hyderabad, pode notar o

cosmopolitanismo indiano. Ela viajou de avião pela companhia aérea Kingfisher, uma das

maiores da Índia, embarcando do aeroporto em DehraDun próximo da cidade de Rishkesh em

que estava hospedada. Em Hyderabad se sentiu muito bem, “cara de casa!”, disse ela.

Conheceu vários estrangeiros que trabalhavam diretamente na área de tecnologia da

informação. Conversou com pessoas que trabalhavam no Facebook.

Comeu em restaurantes e lanchonetes transnacionais como o Hard Rock, McDonalds e

Subway. Foi em danceteria, mas frustou-se pelo horário de funcionamento até a meia-noite.

Freqüentou shopping centers, comprou maquiagens da MAC, perfumes da Dior, calças da

Tommy Hilfiger. Enfim, paisagens e mercadorias de uma cidade bem parecida com a sua

cidade natal de São Paulo. Para Millena, não ouvir as tradicionais “musiquinhas indianas” era

uma espécie de alívio, e falou: “o pessoal de lá [de Hyderabad] é mais ocidentalizado, usam-

se mais jeans e blusa e não batas”.

As grandes marcas transnacionais procurada por Millena na Índia sinalizam que

instrumentos como campanhas publicitárias e estilos de roupas tornam homogênea a cultura

da globalização (APPADURAI, 1996). Ela comprou e usufruiu de mercadorias e serviços que

são comercializados tanto em São Paulo quanto em Hyderabad.

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Conclui-se que os objetos transnacionais comprados por Millena em Hyderabad se

configuraram como tripper-objects pela perspectiva dos três tipos de viagem de Lury

(1997)45, pois estes não estavam vinculados a convenção culturais ou laços legais restritivos

do lugar de origem. A Índia “ocidentalizada”, conforme termo dado por Millena durante a

entrevista, a surpreendeu; o exotismo deu espaço para o familiar; as grandes marcas

internacionais alteraram o status de pobreza e atraso para uma noção de sofisticação e

“modernização” do país, assinalando a sua ascensão como potência mundial (KAMDAR,

2008).

3.2.2 Ashrams: experiências (quase) austeras

A noção de “autenticidade encenada” desenvolvida por MacCannel na década de

setenta atribuiu que os turistas estão condenados a fracassar pela busca da autenticidade. A

indústria turística cria e divulga atrações somente para seu público consumidor; este, sabendo

que tudo faz parte de um cenário, acredita que o “real” ou autêntico encontra-se nos

bastidores. Entretanto, a mesma indústria turística responde este esquema fazendo com que o

cenário se pareça como um bastidor, criando assim mais um cenário (GRABURN et al, 2009).

De acordo com MacCannel, os turistas esperam ultrapassar as superficialidades inerentes ao

turismo para alcançarem uma apreciação mais profunda da sociedade e cultura (KAPLAN,

2005). Mas, para Urry (2001), não existem experiências turísticas consideradas autênticas.

Os ashrams indianos poderiam ser entendidos como núcleos que propiciam práticas

de yoga e filosofias tradicionais como performances produtoras de espaços e práticas

turísticas (EDENSOR, 2001). Em certo sentido, as experiências em ashrams tentam se

distanciar da pressuposta superficialidade de práticas turísticas, como o aspecto lúdico e não

reflexivo (EDENSOR, 2001), por serem lugares associados à espiritualidade indiana.

Para três das entrevistadas, Rishkesh, considerada a “cidade mundial da yoga”, era o

lugar ideal para formalizar a tão almejada experiência autêntica de yoga. As três

permaneceram na cidade, hospedadas em ashrams, em períodos maiores que um mês. Elas

nos sinalizaram que a estadia em Rishkesh diferenciava-se das programações turísticas

normais que visavam visitações breves em vários espaços.

45Ver TouringCultures, capítulo 4 “The objectsoftravel” por Celia Lury (1997).

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Novamente recorremos a técnica dos mapas (quadro 5) para dimensionar a diferença

apontada pelas entrevistadas entre o turismo na Índia e a permanência em ashrams na cidade

de Rishkesh:

Quadro 5. Mapa temático: turismo em Rishkesh

Entrevistadas Diferenças entre práticas turísticas “normais” e as de Rishkesh em ashrams NaraniVeradi “Uma coisa é você tá passeando né, como turista, tirando fotos, aquela coisa de turista

mesmo...(risos)...e assim... é diferente...lá [Rishkesh] que eu procurei praticar mesmo, as aulas”.

Tereza Buturi “Eu acho assim quando você viaja pela Índia, e nós viajamos por várias cidades né, é....você não tinha tempo de parar sabe, e...você ficava em muitos hotéis e o hotel...era confortável dos hotéis, mas assim, você tava numa outra energia, de comprar, de conhecer a cidade, de passear, de ir em templos hindus, era outra coisa, era outra proposta. Aí quando você pára, Claudia, como eu parei em Rishkesh, aí é outra proposta, aí você pára para meditar, praticar yoga...”

Millena Simões Entao, eu acho que...por exemplo Rishkesh, é um lugar acolhedor e é muito barato, então é um lugar que você pode passar algum tempo assim, pra ficar sozinha, pra praticar yoga, pra praticar meditação, sabe? E sem aquele stress de viaja pra lá, viaja pra cá..anda pra lá...sabe?...é um lugar que você pode ir, então, como eu conheço pessoas, agora eu posso ir, posso ligar, agora, eu converso por email, estão no meu facebook, então...por mais que seja um dono de uma pousada vai...mas eu falo “tô indo pra aí”, eu fico lá, fico no ashram, eu sei que é barato, eu já tô acostumada, então...é um lugar que não vou me sentir mal assim, então, eu fico ali, não gasto muito, o lugar é bom, a energia é boa e tudo bem!

Algumas das narrativas puderam reafirmar a existência de estereótipos associados à

figura do indiano como sábio, velho e não-moderno (FRANKLIN e CRANG, 2001); a busca

do turista estrangeiro pela sapiência e espiritualidade indiana conforme notamos no trecho a

seguir:

“Então, você desce às cinco e meia da manhã, você senta pra praticar yoga, aí tem um swami quando ele está no templo, ele estava lá né, no ashram, daí ele senta ele fala um pouquinho de Deus, ele fala assim que o quanto as pessoas estão voltadas só para o lado material, vem pra Índia só pra comprar, comprar, mas elas não se preocupam para se voltar para si, e parar, sabe? E respirar corretamente...sentar, meditar, sabe? Ele falou muito dessa importância, de você tá meditando realmente, tá fazendo as respirações, os pranaymas[técnica yóguicas de respiração] e achei muito legal por causa disso. O Swami lá muito gente fina, assim sabe, um senhorzinho com aquela barba branca, sabe, tranqüilo, sabe, conversa com você tranquilamente, você senta lá...” (Tereza Buriti)

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Os ashrams de outrora eram lugares onde os ensinamentos de mestres hindus eram

transmitidos aos discípulos e devotos, os quais executavam serviços altruístas e práticas

ascéticas (ALEXANDER, 2006). Atualmente, os ashrams configuram-se como

estabelecimentos de hospedagem e escolas de yoga para turistas. O próximo relato de Narani

sinaliza um complexo turístico yóguico46:

“E essa coisa de yoga, de visitar templos, participar de pujas, tudo isso faz parte do turismo...e...porque os ashrams em Rishkesh são voltados pra isso, aquela concepção que a gente tinha, de se internar num ashram, vai fica lá, vai trabalhar, vai estudar, toda aquela coisa...não existe mais... - Os ashrams são voltados para o turismo? Pra isso. São tipo uma pensão, você aluga um quarto, aí, se você quiser você participa das aulas, não é obrigatório, e tanto que eu cheguei a ficar hospedado num ashram e fazia aula em outro. Sabe? O único ashram que eu fiquei que exigia um pouco mais, que o Swami[monge hindu] realmente cobrava, foi quando eu fiquei no Kriya, no Kriya Yoga. Eu cheguei a ver ele cobrando as pessoas, lá eles têm, todos têm, tipo um horário de prática, de almoço, e...só que lá eu cheguei a ver o Swami cobrando, tipo: “Ó, você não tá vindo fazer a prática”. (NaraniVerardo)

Talvez o rigor austero de antes foi afrouxado para que os turistas estrangeiros

pudessem usufruir uma experiência yogue mais amena e confortável possível. Isso pode

indicar que os ashrams atualizaram-se ao adequarem práticas e estrutura física para seu

público alvo: turistas estrangeiros.

Porém, ainda há aqueles que buscam justamente a austeridade nos ashrams. Tereza

Buturi comentou sobre as suas práticas ascéticas de yoga que incluíam voto de silêncio e

jejuns. A performatividade das atividades do cotidiano no ashram norteou a sua experiência:

“ [...] eu fui em todas as meditações que tinham, eu praticava três horas e meia de hatha yoga por dia [...] Eu fiz três dias de mouna[voto de silêncio] E só almoçava, só fazia uma refeição ao dia...ele [swami] falou: “você faça uma refeição só e fique em mouna”...e...então eu achava legal isso aí também [...] - E essa experiência foi boa, de austeridade? Eu achei...porque eu só assim bem disciplinada...a Millena mesmo falou, eu passei um mês lá e só faltei um dia de meditação,porque eu fui dormir muito tarde, e eu queria ficar até mais tarde, mas assim,

46Assim como há o complexo turístico Disney em Orlando nos Estados Unidos, onde vários hotéis encontram-se dentro dos parques temáticos da Disney.

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todos os dias eu estava lá cinco e meia da manhã...Então nesse ponto eu sou muito disciplinada...Eu acho importante! Foi falado muito isso, indiano é muito disciplinado e brasileiro não tem disciplina.”(Tereza Buturi)

Práticas de yoga, palestras com temas de espiritualidade e a simplicidade das

acomodações proporcionam experiências estéticas condizentes às procuradas nos ashrams.

Narani nos contou um incidente curioso: a sua performance de praticar yoga,

aprendida no Brasil, gerou interferência na Índia, considerada o berço da yoga. Houve outro

movimento conforme pode-se notar na sua fala abaixo. Ela foi à Índia para estudar yoga, mas

em dado momento, foi ela quem ensinou yoga lá:

“Aquela coisa:“Respira...fecha os olhos...interioriza...”, lá não! Ninguém fecha olho, sabe, ninguém sabe respiração, então, era super engraçado que algumas aulas que eu pratiquei na Índia, eu percebi isso, depois eu ficava rindo, é hiperautomático,eu tô acostumada a praticar assim, eu começo a praticar é automático: fechar o olho, respirar e eles viam que eu tava fazendo isso, daí eu comecei a perceber que o professor mandava os outros fazerem! Eu achava muito engraçado”. (NaraniVerardo)

Millena mencionou que o seu grupo procurava “coisas mais puras, mais essência”,

isto em relação à yoga e aos templos, porém, para ela isto era muito difícil. Questionei-a sobre

o porquê da dificuldade, então ela disse: “tudo é comércio”. Para corroborar sua resposta citou

o exemplo de que quando visitava um templo, os sacerdotes ofereciam a prasada [oferenda de

comida], mas que para recebê-la tinha que dar algumas rúpias. Este tipo de prática gerou um

incômodo em Millena. Ela disse que, para visitar os templos mais “originais” , era necessário

andar muito. Estes templos “originais” eram mais “simples, sem filas e não eram

esquematizados”. E, quase que em um desabafo frustrado, completou: “Muita coisa do yoga

ou espiritual se perdeu, não sei se são as campanhas ou se são os estrangeiros, virou um

ciclo...”. Algo similar foi comentado por Narani sobre a dificuldade em achar um mestre na

Índia contemporânea:

“Ah! mas é assim o país, está se ocidentalizando, mas sei lá...de repente você tropeça num mestre no meio desse povo todo!”. - Você tinha essa vontade? Eu queria conhecer alguém assim...,mas...é muito difícil. Primeiro, porque é muita gente, até achar um no meio daquele povo todo (risos) mas... - Isso te frustrou?

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Não. Não. Não porque você vai vendo a realidade assim, eu sabia que era uma coisa, lógico, você tá dentro do yoga, você tá fazendo esse trabalho, lógico que seria muito legal encontrar uma pessoa assim né? Um mestre...mas...tem que ver pelo lado prático da coisa, que é muito difícil de alguém atingir um grau desse, né, então você...eu fui, eu conheci muita gente boa, vários Swamis, vários professores me transmitiram coisas muito legais, muito importantes, mas aquela questão “meu mestre”, não. Porque é tão difícil hoje, sei lá, talvez em até identificar, né? (NaraniVerardi)

Estes relatos assemelham-se de alguma maneira com o livro do inglês Paul Brunton,

“A Índia secreta”. Nesta obra, o autor relata sobre as suas dificuldades e desilusões, por meio

de encontros com supostos mestres. Ele narra a sua experiência de ter viajado à Índia em

meados dos anos trinta em busca de autênticos mestres espirituais indianos; por fim, ele

acabou encontrando um, Ramana Maharshi.

3.3.3. A Índia de verde-amarelo? O líder espiritual brasileiro

Por tantas vezes lêem-se histórias de estrangeiros que foram à Índia em busca do

sagrado ou de mestres, como Paul Brunton que comentamos ao final da seção anterior. Mas, e

se dissermos que há na Índia um líder espiritual (cultuado por muitos seguidores como

mestre), só que brasileiro. Causaria alguma perplexidade? Talvez sim, ou minimamente

curiosidade. Em termos de se fazer pesquisa as surpresas instigam, insuflam reflexões e

questionamentos; é enxergar a emergência de novos atores, desconhecidos ou despercebidos.

Nas narrativas das viagens à Índia, a incidência de uma informação contada por quase

todas participantes chamou-nos atenção: a existência de um brasileiro que anualmente passa

uma temporada na cidade de Rishkesh. O líder chamado Prem Baba47 tem seu nome em

sânscrito que significa pai do amor. Narani falou: “Eu fiquei sabendo que ele existia lá!

(risos) Eu nunca imaginei que pelo nome que ele fosse brasileiro, alguma coisa assim...”.

Prem Baba vem angariando uma legião de devotos, admiradores, visitantes e curiosos,

principalmente entre o público brasileiro, em seu ashram chamado “Sachcha Mission” foi

fundado em 2001 (PREMBABA, 2011). Mas foi Millena Simões, nossa primeira entrevistada

que nos apresentou a Prem Baba:

47 Conforme intervenção durante a entrevista de Millena, o professor Claudio Duarte afirmou que o primeiro nome de Prem Baba é Jander e que este foi seu aluno de hatha yoga.

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“Prem Baba é uma pessoa de São Paulo, você pode procurar na internet você vai ver [...] Ele tem uma espécie de ashram em Rishkesh muito freqüentado por brasileiros que vão para lá especificamente para participar das atividades destes ashram, então, chegam a ficar lá por seis meses né, então como são basicamente brasileiros, então se fala português, algumas aulas, por exemplo, de yoga e tal, são em inglês e tem tradução para o português ou vice-versa, então muita gente que não fala inglês e sem dinheiro, vai só para ficar lá, então como é uma cidade bem barata, alimentação é barata e no próprio ashram eles dão a própria comida de graça, então muita gente fica lá”. (Millena Simões)

Tereza Buturi foi a mais entusiástica em relatar a experiência. Ela participou de várias

atividades no ashram, tais como: palestras, aulas de yoga e trabalho voluntário. Apesar de ter

gostado e aproveitado, o atrativo principal do ashram era a língua portuguesa. Tereza não

tinha fluência em inglês, o que dificultava o entendimento das atividades no ashram em que

ficou hospedada; então, a alternativa do espaço do Prem Baba em se falar português

proporcionou maior interação nas atividades cotidianas de Tereza em Rishkesh, que acabou

reencontrando conhecidos por lá:

“Pra você é importante isso né? Falar isso, eu não achei que ia encontrar tanto brasileiro lá, inclusive, duas amigas e cheio de estrangeiro também. Então, olha o que acontecia, olha que coisa boa, quando uma estrangeira ia dar aula de hatha yoga, tinha uma tradutora pro português [...]Ele [Prem Baba]é brasileiro, ele é brasileiro, o Prem Baba. Ele tem um satsanga, acabei descobrindo ele lá, não conhecia né!?” (Tereza Buturi)

A importância da fluência da língua inglesa na Índia foi apontada por todas as

entrevistadas. Millena formulou a seguinte frase em relação ao resultado da restrição do inglês

associando-o ao Prem Baba: “a não ser que você vai pro Prem Baba daí você pode só falar o

português...”. Rosana contou-nos que fez aulas particulares de inglês motivada pelas suas

viagens à Índia. Quase neste mesmo caminho, Tereza nos disse: “Eu tive essa dificuldade

entendeu? Eu vou fazer um curso esse ano, mas eu não falo inglês, igual a Millena por

exemplo, ela se vira super bem.”Narani também falou da associação do português ao fluxo e

visitantes brasileiros no ashram: “Porque eu conheci brasileiros que não falavam bem o

inglês e iam lá porque era o único que eles conseguiam entender!”.

Narani também nos contou a sua experiência de ter participado de uma atividade do

ahsram, além de nos dizer que o Prem Baba vem movimentando a cidade em termos de fluxo

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de turistas, em sua maioria, formado por brasileiros. Os próprios comerciantes de Rishkesh já

associavam o nome do Prem Baba com o Brasil e os brasileiros: “Porque a principal

pergunta lá é da onde você é, né! Da onde você veio, daí você fala que é do Brasil, eles já

perguntam: “Ah! Você veio com o Prem Baba?”. Tanto Narani quanto Millena contaram que

viram em alguns estabelecimentos, fotos do mestre brasileiro ao lado de divindades hindus,

ou ainda, expostas em altares. Segue um trecho sobre o contato de Narani com Prem Baba e

seu ashram:

“Então, quando eu tava lá ele também tava, ele...eu fui assistir o Sat sanga [nome dado para reuniões e conversas com pessoas sábias ou santas para o hinduísmo] dele, uma vez, porque como eu tava fazendo esse curso de meditação e os horários eram bem próximos, não dava tempo de sair da aula e ir pra lá, mas daí, eu consegui sair um dia, eu falei: “Não, tenho que ir lá, pra ver...”. Eu sei que tava e ele leva em torno de trezentos brasileiros! E...fica lotada a cidade de brasileiros e o povo vai com ele mesmo, porque assim...eu fui na palestra dele, achei boa, mas...mas assim, sei lá se isso é preconceito, mas no final, as pessoas levantam, tem o Sat sanga, ele oferece uma fruta, não sei se é sempre assim, daí as pessoas fazem uma fila, vai lá e tem que beijar os pés dele, e ele te dá uma fruta. Isso foi uma coisa que eu me recusei! (risos) Eu até saí da sala, falei: “Não! Não quero nem ver isso!”. Mas, assim, não sei se é um pouco de preconceito porque o cara é brasileiro...Talvez se ele fosse indiano teria uma outra visão...Mas assim, essa coisa de beijar os pés de uma pessoa, eu ainda não evolui a esse ponto (risos), mas ele assim, a grande maioria do público dele é brasileiro.” (NaraniVerardo)

Pela narrativa acima de Narani, podemos comentar a performance dos devotos (que

não deixam de ser turistas) sobre o ato de beijar os pés de Prem Baba. Atitudes de turistas em

sítios de visitações na Índia foi alvo de estudos para Edensor (2001; 1998). O autor afirma que

turistas podem ser considerados como performers e esclarece:

Assim quando os turistas entram em cenários particulares, eles são usualmente informados por discurso, prática pré-existentes, normas incorporadas que ajudam a guiar suas orientações performativas e alcançar um consenso de atos sobre o que fazer. Aqui então, performance é uma ‘discreta concretização de pressupostos culturais’ (EDENSOR, 2001, p. 71. Tradução nossa)48.

48 “Thus when tourists enter particular stages, they are usually informed by pre-existing discursive, practical, embodied norms which help to guide their performative orientations and achieve a working consensus about what to do. Here then, performance is a ‘discrete concretization of cultural assumptions’”.

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O que Narani presenciou foi a peculiar performance de rituais e gestos hindus

apropriados por brasileiros (possivelmente quase nenhum hinduísta), executados na Índia para

um brasileiro. O líder, por sua vez, também desempenhava performances para seu público.

Diante disto surgem-nos perguntas: por que brasileiros viajam até a Índia para venerar

um mestre brasileiro? Como os indianos lidam com a interferência do Prem Baba em

Rishkesh? Por que práticas, gestos e rituais indianos, são executados por brasileiros para um

brasileiro, porém, em plena Índia? Estas e outras perguntas, ainda sem respostas, pairam sobre

o Prem Baba e seu núcleo em Rishkesh. Estudos futuros merecem ser aprofundados.

O que conseguimos notar foi que alguns dos efeitos gerados por Prem Baba sinalizam

o que Appadurai (1996) chama de ethnoscape e sodalities49: o primeiro condiz com os

deslocamentos de indivíduos ou grupos (Prem Baba e seus seguidores brasileiros) onde a

urdidura de estabilidades encontra-se em qualquer lugar (o ashram em Rishkesh como núcleo

agregador), através de um arranjo móvel daqueles que desejam deslocar-se (o fluxo dos

turistas/seguidores de Prem Baba entre Brasil e Índia); e o segundo, sodalities, condiz com a

característica transnacional de grupos na contemporaneidade em que uma “imaginação

compartilhada [a figura do mestre iluminado de Prem Baba] e torna-se uma ação coletiva

[viagens à Índia para o ashramde Prem Baba por um grande número de brasileiros]”50 (1996,

p. 8. Tradução nossa).

4. Narrando os desdobramentos de uma viagem à Índia: a palestra “Meditar, comer,

viver”

O convite realizado por Narani Verardi para assistir a sua palestra intitulada “Meditar,

comer e viver” foi prontamente aceito. Esta palestra narra sua experiência de viagem à Índia

no período de um ano (de dezembro de 2009 a dezembro de 2010). O evento foi realizado em

Suzano-SP. Para assistir à palestra, foi necessário deslocamento até a cidade, uma viagem

curta de uma hora de duração do terminal Tietê até a parada final em Suzano.

Ao avistar Narani, que gentilmente se ofereceu para nos dar carona, fomos

interpelados pelas suas vestes: bata branca (a mesma mostrada um dia antes na entrevista em

São Paulo), calça branca, uma pequena bolsa indiana e um japa mala (uma espécie de rosário)

49Na antropologia, sodalities é a noção em que grupos de não-parentes se organizam para um propósito específico. 50“of moving from shared imagination to collective action”.

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de cristal no pescoço (fig. 14). Logo pensamos: “A indianidade já começou a ser

performada”.

Ao adentrar a sala, o mesmo espaço destinado às aulas de yoga, Narani nos acomodou

no chão, entre colchonetes e almofadas. Um pequeno quadro de uma divindade hindu

compunha o ambiente e o lap top estava sobre uma cadeira para mostrar as fotografias em

slides preparadas.

Figura 14: Narani em sua palestra. Suzano/SP

Todos estavam sentados, em posição que formava uma meia lua. A palestra foi

iniciada pela justificação do tema, onde Narani explicava que era uma espécie de plágio sobre

o nome do recente filme estrelado por Julia Roberts “Comer, Rezar e Amar”, no qual uma

parte da história se passa na Índia.

O primeiro slide na apresentação continha os seguintes dizeres: “Bem-vindos à Índia”.

Narani descreveu como um país fascinante, com um povo religioso, de cultura rica e com

pessoas alegres. Um lugar onde fez amizades. Utilizando as fotos ela narrou sua viagem. A

interação com público presente foi imediata, perguntas e comentários atravessavam a

apresentação, alternada entre a curiosidade e a perplexidade.

Entre risos e olhares aguçados para a tela do computador sobre a cadeira, Narani

mostra o ponto de partida da sua viagem, o ashram onde se hospedou: “a sua casa” como

divertidamente confundiu-se na entrevista no dia anterior. Ela mostrou o quarto onde dormia,

caracterizando-o como “bem simples”. A austeridade é evocada neste momento da

apresentação de Narani, ao mostrar o ashram budista onde praticou uma técnica de meditação

de dez dias de silêncio e clausura, chamada de Vipassana. Interessante notar que este ashram

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e esta experiência não foram relatadas durante a entrevista no dia anterior. Ela continuou a

mostrar as fotos e nos “levou” até o Himalaia e declarou: “Quando você chega lá tem uma

paz que nunca vi!”.

A primeira parte da palestra era intitulada “Rezar”. Ela falou sobre a sua experiência

em ter participado de um curso de yoga em Délhi. Salientou que o professor fez uma exceção

para ela e o grupo, pois o curso era destinado só para indianos, situação bem enfatizada, por

sinal. Comentou também que havia feito o curso de sânscrito realizado nas dependências do

correio em Rishkesh: “Bem típico, bem rústico”.

Já na segunda parte da palestra “Comer”, Narani mostra a foto de um prato de comida

indiana. Olhares e curiosidades aguçadas as perguntas logo vieram:

(perg.) É bem temperada a comida? (Narani)-No começo sim, mas depois me acostumei, não tem garfo, o prato é de alumínio ou também você come com as mãos. (perg.)Não tem guardanapo? (Narani)- Não! (perg.)Picadinho sem carne? (Narani)- Eu tive uma experiência, eu escolhi uma sopa que quando chegou tinha carne, pedi para trocar. Não comem carne bovina e nem bebida alcoólica, só em restaurante de alto padrão ou para estrangeiros. (perg.) Eles cozinham em fogareiros? (Narani)-Fogão é muito caro, agora que está chegando...cadeira por exemplo não tem (o público caiu na risada) (perg.) Não tem cadeira e nem garfo? (Narani)- Raramente eu via garfo...

Na terceira parte da palestra, “Viver”, pequenos trechos do seu cotidiano foram

contados. Notei que alguns dos ouvintes faziam intervenções com comentários ou perguntas

com informações de cenas mostradas na novela global “Caminho das Índias”. Por exemplo,

sobre o festival popular chamado de Holi (festa das cores) Narani disse: “Eles saem na rua

jogando tinta uns nos outros...”. Em seguida veio um comentário de um ouvinte: “Eu acho

que essa festa passou na novela Caminho das Índias”. Percebi que em alguns momentos a

novela brasileira desempenhou um papel de exercício de imaginação sobre Índia para o

público presente que ouvia Narani.

Ela volta ao assunto das cerimônias e diz que “pra eles tudo é muito sagrado”.

Discorre sobre o festival de Kumbha Mela, que organizado a cada doze anos e que ela

participou, por coincidir com o período que esteve lá. A palestrante mostrou fotos de homens

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nus que participavam do festival, cobertos somente de cinzas (fig. 15). Algumas risadas foram

dadas neste momento pelo “exotismo” causado pela foto: “A recorrência destes temas/

objectos conotados com estranheza e exotismo foi conservada até a contemporaneidade”

(MARQUES, 2010, p. 424) em relação ao escopo do discurso colonialista que influenciava o

gênero literário de viagens a partir do século XVI. Então, um ouvinte perguntou: “Eles não se

vestem?”. Ela respondeu: “Alguns usam tangas e outros... bem à vontade”. A mesma pessoa

perguntou: “Você mostrando sobre a religiosidade deles, eles não trabalham?”. Talvez esta

pergunta tenha surgido pelo fato de que Narani, até neste momento da palestra, havia relatado

temas (falas e fotos) ligados a religiosidade.

Figura 15: Homem nu durante o festival religioso KumbhaMella

Narani responde: “Durante as férias e feriados que eles participam das festividades.”

E continua dizendo: “Aqui a gente já deturpou um pouco”. Ela fez uma comparação com os

feriados brasileiros, e ainda mencionou o exemplo da cidade de Aparecida, no interior

paulista. A mesma pessoa da pergunta anterior justificou-se: “A gente vê na TV e pensa que

eles não fazem nada e você explicando isso a gente entende...”. Narani continuou a dar a sua

opinião comparativa: “Não é igual aqui, chega sexta-feira santa e desce para a praia. Lá

não, eles aproveitam essas datas para se purificarem, rezarem.”.

Então ela diz: “Eu preciso mostrar isto!” (fig.16). Era a foto de um pacote que seria

despachado pelo correio. O embrulho era quase artesanal, todo costurado e continuou

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dizendo: “Ele costura o pacote, a caixa!”. Então perguntaram: “Ninguém tem stress lá de

esperar”. Ela respondeu: “Não, eles são tranqüilos”.

Figura 16: Encomenda sendo preparada para o correio

Outro assunto em pauta foi o trânsito, o caos das vias, as vacas transitando e a

decoração dos carros (fig. 17): “O trânsito para por causa das vacas, a relação deles com a

natureza é muito legal.”.

Surgiu um interessante comentário de uma das ouvintes: “A Índia como potência eles

não mostram, a parte que você mostrou, a religiosidade é que falam, eu fui ver a riqueza no

filme “Quem quer ser milionário””. Narani respondeu: “O que está acontecendo é um

processo de ocidentalização.”.

Diante da narrativa de Narani que estava evocando em grande parte repertórios de

espiritualidade, pluralidade cultural e exotismo, o questionamento da ouvinte nos fez refletir

sobre a construção e replicação de discursos que circulam entre turistas que viajaram à Índia.

Neste momento, houve uma fissura destes repertórios. A Índia contemporânea como uma

potência emergente já começou a ser divulgada (e repetida) nos fluxos midiáticos em escala

global - mediascapes (Appadurai, 1996).

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Figura 17: Ônibus enfeitado na cidade de Délhi

Narani contou que o formato da palestra “Meditar, comer e viver” surgiu a pedido de

suas colegas, professoras de yoga. Elas queriam informações sobre as experiências vividas

por Narani na Índia. A primeira palestra foi realizada na escola de yoga de Rosana Khoury

(uma das entrevistadas neste trabalho). O público destas palestras, em geral, é formado por

alunos de yoga ou simpatizantes. Narani contou que a palestra é um dos desdobramentos de

sua viagem, pois ainda pretende realizar workshops conforme disse: “passar adiante o que

aprendi lá”. Na próxima figura (fig. 18) é mostrado o banner eletrônico de divulgação da

palestra de Narani:

Figura 18: Divulgação eletrônica da palestra “Meditar, comer e viver”

As experiências da viagem à Índia de Narani tornaram a palestra “Meditar, comer e

viver”, um momento propício para entender os desdobramentos da viagem. Narani moldou a

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sua narrativa (também pictórica) pontuando sua experiência entre ashrams, templos e

pequenos incidentes do cotidiano vivido. Juntamente com sua roupa e acessórios (bata e japa

mala) compuseram paisagens indianas: religiosa, exótica, austera, colorida, idílica e amistosa.

Enfim, paisagens que criaram “mundos imaginados” (APPADURAI, 1996, p. 33) sobre a

Índia. A entrevista foi narrada de uma maneira, e a palestra, de outra. Na verdade o que

diferenciou uma da outra foi a performance de contar a viagem.

5. Considerações sobre os relatos de viagem à Índia

As narrações constituem um importante processo de recordação. São práticas que

produzem “fatos” no turismo; dispositivos mnemônicos para lembrar viagens (EDENSOR,

1998), e, também, fontes para produção de novas formas de falar sobre o local onde se esteve.

Contar e inventar histórias se confundem como partes do próprio ato de narrar.

As viagens à Índia tiveram alguns desdobramentos: Rosana Khoury decorou sua

escola de yoga e casa com os objetos trazidos de lá; Millena Simões entusiasmou-se com a

Índia contemporânea de Hyderabad, até com a intenção de morar lá; Tereza Buturi mencionou

a intenção em repassar suas práticas de yoga vividas em Rishkesh com mais convicção aos

seus alunos; e, por último, NaraniVerardi aproveitou a ocasião da viagem e formatou a

palestra “Meditar, comer e viver”, contanto as suas experiências de viagem. Mas, o ponto

comum em todas, era a vontade de retornar à Índia. A Índia como destino turístico ainda

possui forte apelo para todas elas. Vale apontar para que estudos futuros possam abarcar a

circulação de discursos médicos, literários e midiáticos sobre a Índia no Brasil.

Se fossemos inquirir novamente as participantes a contarem suas viagens à Índia,

certamente narrariam outras histórias, ou ainda, as mesmas, só que de maneira diferente,

tornando-as novas. O manancial dos relatos de viagem não se esgota facilmente, assim como

acontecia com Rashid, personagem da epígrafe no início deste artigo, bastava “abrir a boca” e

“lá vinha uma saga novinha em folha, completa.”

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* Movimento respiratório de expiração. Após a circulação interna do ar, o retorno ao ambiente.

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO 3333

NARRATIVAS FICCIONAIS: ÍNDIA, BRASIL E ESTADOS NARRATIVAS FICCIONAIS: ÍNDIA, BRASIL E ESTADOS NARRATIVAS FICCIONAIS: ÍNDIA, BRASIL E ESTADOS NARRATIVAS FICCIONAIS: ÍNDIA, BRASIL E ESTADOS UNIDOSUNIDOSUNIDOSUNIDOS

RECHAKARECHAKARECHAKARECHAKA****

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Que cultura de hoje, seja japonesa, árabe, européia, coreana, chinesa ou indiana, não manteve contatos longos, íntimos e extraordinariamente ricos com outras culturas? Não há exceção alguma nesse intercâmbio (SAID, 2003, p. 330).

esta parte do trabalho apresentaremos o relato da própria pesquisadora sobre suas

viagens à Índia (impulsionada pela yoga) e aos Estados Unidos, onde travou contato

com a comunidade indiana diaspórica. Consideramos importante inserir esta

exposição reflexiva por meio de narrativas ficcionais (REIGOTA, 1999), pois, em todo o

momento da pesquisa, este arcabouço de experiências pessoais e profissionais acompanhou a

trajetória intelectual da pesquisadora.

Debruçamos-nos sobre as narrativas construídas a partir de viagens da pesquisadora

Claudia Wanessa Rocha Poletto à Índia e aos Estados Unidos. Consideramos importante

relatar estas narrativas, pois, desde a ideia seminal quanto à trajetória extra-acadêmica de

professora de hatha yoga, o percurso desenvolvido neste trabalho, por meio destas

experiências permitiu refletir sobre os fluxos transnacionais de pessoas, artefatos,

informações, ideias, logo, o trânsito de indianidades.

1. Narrativas ficcionais

Para tanto, nos inspiramos no trabalho de Marcos Reigota (1999), pelas narrativas

ficcionais em seu livro “Ecologistas”. O autor, em princípio, tentou utilizar-se do método

etnográfico para a elaboração textual de seu trabalho. Porém, na medida em que refletia sobre

a técnica etnográfica para o seu contexto de pesquisa e pesquisador, viu-se em dificuldades

para enquadrar as suas “ideias, sentimentos e experiências” com o método. Seus dados se

constituíram de convivências cotidianas, conversas informais e relações profissionais e

pessoais. Para preservar suas “fontes” e não expor as suas intimidades, o autor encontrou a

alternativa de “embaralhar” fragmentos de fatos reais destas várias pessoas e as “colou”

construindo personagens ficcionais. De acordo com Reigota (1999), as narrativas relacionam-

se com memórias em que os eventos geram repercussões, “não são verdades, nem mentira,

mas uma forma criativa [...] de organizar e comunicar situações vividas e imaginadas”

(REIGOTA, 1999, p. 80).

N

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As narrativas ficcionais desenvolvidas por Reigota (1999) contemplaram personagens

como ecologistas, apontando as suas “errâncias” e nomadismos em atuações internacionais,

características comuns nestes personagens. Ao abordar questões teóricas como globalização,

políticas ecologistas, porosidade identitária na contemporaneidade e validação da produção

científica e intelectual do hemisfério sul, o autor utiliza as múltiplas faces dos/das ecologistas

e os diversos cenários para contextualizar e acenar modos de vida, mais complexos e difusos.

Como método de pesquisa, as narrativas ficcionais podem ser acusadas de não

apresentarem valor literário e teor científico que as validem, todavia, elas se embasam em

dois critérios: o compromisso ético e a pertinência temática (REIGOTA, 1999). Em nosso

caso, o argumento que mais nos levou ao método das narrativas ficcionais foi a pertinência

temática por meio das indianidades nos fluxos transnacionais, incluindo os fluxos turísticos.

As viagens internacionais possibilitam contatos entre turistas viajantes e residentes

(imigrantes ou não):

Através da multiplicidade de encontros e desencontros cotidianos entre pessoas de diferentes origens sociais e culturais, as/os ecologistas “desfixados” se posicionam constantemente diante de suas (auto) referências e das (auto) referências dos seus interlocutores. A fragilidade e a porosidade identitária que permitem muitas entradas e saídas, num processo circulatório constante, se manifestam concretamente no encontro ou desencontro com o/a outro/a [...] (REIGOTA, 1999,p. 88).

Nesta seção do trabalho a “voz” desta pesquisa se deslocará para primeira pessoa do

singular. Justificamos esta alteração por atribuir que as experiências vividas pela pesquisadora

possam ser contadas a partir de incidentes embaralhados com as construções de personagens.

2. Narrativas ficcionais: incidentes e indianidades

2.1 Cheiro de sândalo

Estive na Índia em 2009 durante um mês. Embarquei com muita imaginação em jogo.

A exemplo das entrevistadas, a minha mola propulsora até o país foi a yoga. Também não fui

sozinha: Rosana Khoury e Claudio Duarte e mais duas professoras de yoga fizeram parte do

grupo. Percorremos um roteiro elaborado pelo professor Claudio Duarte, inspirado no épico

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indiano “Ramayana”, um texto milenar que conduzia nossos passos na Índia. A viagem

dividiu-se em três partes: ao norte, com as cidades de Rishkesh, Agra, Nova Delhi e Ayodhya;

ao sul, visitamos Chindanbaram, Chennai, Tiruvanammalai, e por fim, fomos até o Sri Lanka.

No retorno, a exemplo de muitos turistas, minha bagagem estava repleta de souvenirs

e quinquilharias, dentre elas, óleos de sândalo, pequenos frascos com um líquido viscoso

amarelado, extremamente cheiroso. O óleo essencial de sândalo é extraído a partir de suas

árvores. Na época da viagem, muitos comerciantes me informaram que a extração do sândalo

havia sido banida por questões ambientais. Porém, uma boa parcela de óleos sintéticos e

misturados, abastecia o mercado local. A pasta de sândalo é usada em cerimônias religiosas

hindus (puja), assim como a sua essência é utilizada em incensos e na medicina indiana

ayurvédica. Entre a legitimidade do óleo a conservação ambiental, o cheiro do sândalo tem

cheiro de Índia. Esta afirmação obteve sua constatação em terras bem distantes da Índia, que

não era o Brasil, mas os Estados Unidos.

Seguindo os fluxos de pessoas que imigram para outros países, parte da minha família

integra os ethnoscape de Appadurai (1996). Minha mãe e irmão moram nos Estados Unidos

há mais de uma década. Somos uma família “transnacional”, pois ambos formaram novas

famílias com cidadãos americanos.

A nossa estratégia para amenizar a saudade e distância é nos comunicarmos

regularmente. Nossas rotinas de aproximação envolvem contatos via telefones, skype, e-mails,

facebook, MSN, e, por fim, viagens. Em umas delas, exatamente a última, imersa e motivada

pela pesquisa sobre Índia e indianidades, visitei restaurantes indianos, mercados (bazares)

indianos, templo hindu, centro cultural indiano e estúdio de yoga. Nestas visitas “informais”,

conversei com indianos, degustei comidas indianas, participei de cerimônias hinduístas,

pratiquei yoga e comprei incensos indianos também. Notei que, diferentemente do Brasil,

havia uma vasta diáspora formada por indianos e indos-americanos que vive e trabalha nos

Estados Unidos. O título desta subseção se justifica por um incidente que tem relação com o

cheiro de “Índia”, o sândalo.

Conheci Prakash Das Krishna, um homem de 34 (trinta e quatro) anos residente nos

Estados Unidos há 4 (quatro) anos. Casado com uma indiana, pai de duas filhas, Prakash

mudou-se para a cidade de Tampa, na Flórida, em busca de uma vida melhor. Seu pai,

engenheiro civil, já estava no país há mais de oito anos com sua mãe e avó paterna. O vínculo

e o suporte familiar pesaram na sua decisão de mudança, além da possibilidade de ascensão

econômica.

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Vindo do sul da Índia, do Estado de Kerala, a cor da sua pele escura denotava a

característica ancestral dos dravídicos. Sua religião era o cristianismo, e não o hinduísmo,

como eu julgava ser. Assim que chegou ao país abriu um pequeno trailler para a

comercialização de comidas típicas indianas. O negócio de Prakash se expandiu. Conheci seu

terceiro restaurante, uma espécie de fast food de comida indiana. O layout conhecido das

lanchonetes fast food americanas (como o McDonalds) foi copiado, ou melhor, apropriado e

adaptado para o restaurante (fig. 19).

Figura 19: Restaurante indiano fast-food nos EUA

Ao fazer o meu pedido no caixa, Prakash gentilmente me atendeu. Enquanto escolhia

os meus pratos favoritos (provados na Índia) ele sentiu algo familiar em mim, o cheiro. Eu

mal me lembrava que estava usando naquele momento o óleo de sândalo (que freqüentemente

uso), porém, Prakash imediatamente me perguntou: “Sândalo? Você está usando sândalo?”,

respondi que sim, que havia comprado na Índia e gostava muito usar. Então ele falou:

“Ninguém aqui usa ou conhece sândalo, isso é coisa da Índia”: “O olfato atinge mais o

psiquismo do que a audição ou a visão; ele parece mergulhar nas raízes da vida”

(CORBIN,1987, p. 14).

Por causa deste incidente olfativo, travamos um diálogo “transnacional” sobre a minha

viagem à Índia e a sua história como imigrante nos Estados Unidos. O olfato é consagrado

como um sentido que pode simpatizar ou antipatizar os seres (CORBIN, 1987). Prakash

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contou que, quando chegou aos Estados Unidos, ficou impressionado com o poder de

consumo no país, uma realidade socioeconômica bem diferente do seu país de origem. Nos

Estados Unidos comprou um carro, algo impensável na Índia. Curioso em saber os motivos

que me levaram à Índia, contei-lhe brevemente o meu interesse pela yoga e relatei as cidades

visitadas. Uma em especial chamou a sua atenção: Tiruvanamallai. Ele sabia que esta cidade

comporta um dos ashrams mais conhecidos no sul do país, do guru Ramana Maharshi.

Entre gulab jamoon, sobremesa a base de leite em pó (fig. 20) e lassi (bebida feita a

partir de iogurte), perguntei-lhe se ele havia notado que nos Estados Unidos os indianos não

praticavam yoga nos estúdios.

Figura 20: Gulab Jamoon: doce da culinária indiana

Fiz esta observação, pois havia acabado de sair de um e não tinha visto nenhum

indiano. Ele me respondeu que sim, já havia percebido isto. A yoga na Índia, disse ele, faz

parte do curriculum escolar, e que a sua transmissão autêntica se dava na relação mestre-

díscipulo e não em estúdios como acontecia nos Estados Unidos. Disse ainda que a yoga é

uma prática cotidiana em sua cultura, esclarecendo que nem todo indiano é adepto.

2.2 Uma família indiana, um templo e nós

Em nossa programação, elegemos a visita ao Taj Mahal como parte do nosso roteiro.

Ao chegarmos em Agra, fomos recepcionados com um intenso congestionamento, parados no

trânsito, fiquei contemplando da janela do carro uma grande placa que anunciava cursos

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99

técnicos e superiores em turismo e administração. Nas imagens do anúncio, notei que as

moças indianas que ilustravam a propaganda estavam vestidas como aeromoças. Os textos

estavam tanto em híndi quanto em inglês, anunciando carreiras promissoras e bem sucedidas

pelo turismo. Agra é considerada uma cidade extremamente turística na Índia por sediar o

monumento mais famoso do país, o Taj Mahal. O slogan da cidade “Clean Agra, Green

Agra”51 é uma amostra de que a política de tornar a cidade limpa e verde pode favorecer a

recepção de mais turistas estrangeiros.

Após o pernoite em Agra com a visita no Taj, partimos para uma pequena cidade:

Ayodhya. Pacata e sem nenhum indício de turismo internacionalizado como em Agra, porém,

importante local de peregrinação hindu. A nossa visita e permanência na cidade aproximou-se

da concepção hinduísta, pois estávamos interessados em conhecer o local do nascimento do

deus Rama, cuja história é contada no épico Ramayana.

Foi em um dos templos que visitamos, dedicado a Hanuman52 (fig. 21), que

conhecemos Anand e sua família. Fomos interpelados por eles, pois a nossa condição de

estrangeiros (roupas, gestos, língua, características físicas, etc) chamou-lhes a atenção. Neste

diálogo amistoso, Anand e sua irmã nos apresentaram para outros freqüentadores do templo.

Em pouco tempo, a notícia que um grupo de turistas estrangeiros estava no templo, espalhou-

se pela cidade. O templo ficou repleto de moradores curiosos com a nossa presença. Muitos

fizeram apresentações espontâneas, como cantar e recitar poesias (em híndi), e algumas

crianças foram devidamente enfeitadas para dançar. Um pequeno espetáculo gratuito foi

armado para nós, os turistas. A nossa presença no templo causou interferência, ao ponto de

concedermos entrevistas para uma emissora de TV local, nos tornando matéria de jornal.

Figura 21. Estátua de Hanuman no templo à esquerda, imagem da divindade à direita

51 Agra limpa, Agra verde. 52 Divindade hindu metade-homem, metade-macaco. Fiel discípulo do deus Rama.

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100

Depois de muitas e muitas fotografias, apresentações culturais e entrevistas no

pequeno templo de Hanuman, fomos para o hotel acompanhados de Anand e sua família. Ao

nos despedirmos no saguão do hotel, convidamos nossos novos amigos para que no dia

seguinte, ali mesmo no hotel, pudéssemos tomar o café da manhã juntos. O convite foi

prontamente aceito por todos. Lembro-me que a escolha do hotel foi influenciada pela

indicação do guia turístico “Lonely Planet”, como sendo um dos melhores na cidade. Aliás,

este mesmo guia gerou uma interferência significativa durante a nossa viagem.

Consultávamos o nosso “oráculo” buscando recomendações de hotéis, restaurantes, templos e

atrações condizentes com os nossos interesses e bolsos.

No dia seguinte fui recebê-los na porta do hotel no horário combinado. Eles chegaram

pontualmente e de bicicleta. Fazia muito frio naquele dia e uma leve neblina encobria a

cidade. Entre chás e nan53 sentei-me ao lado de Anand e começamos a conversar

despreocupadamente, já que apenas Anand e sua irmã falavam inglês. Seu pai pediu para

Anand nos avisar que ele teria apenas uma hora de disponibilidade conosco, já que precisava

ir para o seu trabalho, de contador. Os gestos, mímicas e traduções fizeram parte da nossa

“conversa”.

Anand estava terminando a graduação em psicologia. Fiquei bastante curiosa em saber

a grade curricular do curso, porém, sem sucesso. Seu celular tocava toda hora, conversas

breves em híndi. Pedi-lhe seu e-mail para trocarmos fotos e mantermos contato. Ela me

passou e disse que não abria diariamente, pois não tinha internet em casa. Aos 23 anos, ainda

estava solteira, mas por pouco tempo. Anand confidenciou-me que seus pais já haviam

“arranjado” seu futuro marido. Ela não o conhecia, só sabia que ele morava em Delhi e que

trabalhava na área da computação. Viu-o apenas por foto. Seu maior receio não era casar, mas

sim, deixar sua família para poder acompanhar o seu futuro (desconhecido) marido.

Particularmente, já sabia desta prática dos casamentos arranjados, por livros, internet e TV,

mas era a primeira vez que conhecia alguém prestes a casar-se desta maneira.

Tentado ser cuidadosa, para não parecer preconceituosa, perguntei-lhe se ela estava de

acordo com o casamento: prontamente respondeu-me que sim. Para driblar o meu

descontentamento com a resposta, pois desejava que ela “escolhesse” o seu companheiro,

mais uma vez inquiri-lhe o porquê da sua resposta. Ela me deu um sorriso e, novamente, me

respondeu: “porque confio nos meus pais, eles sabem o que é melhor para mim, eles não

gostariam de me ver sofrer, assim, tenho a certeza que sabem o que estão fazendo”. Diante

53 Típico pão feito na hora. Bastante apreciado por nós pela forma achatada e textura macia.

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101

desta resposta não insisti mais no assunto. Ela perguntou se eu era casada ou tinha namorado,

pois disse que tinha ouvido falar que no Brasil os relacionamentos eram mais liberais que na

Índia. Éramos mulheres curiosas com os modos de vida de cada uma.

Anand contou-me que sua família era hindu, da casta dos brâmanes. Sempre foi

vegetariana e acompanhava diariamente a sua mãe no templo (o mesmo que a conheci) para

fazer orações e oferendas. Aliás, neste dia em que conversamos no café da manhã do hotel,

sua mãe não estava, apenas seu pai e sua irmã. Perguntei por sua mãe e Anand respondeu-me

que ela não podia se ausentar de casa por conta dos serviços domésticos.

Após terminarmos o café da manhã, Anand me explicou como chegar até o cyber café

da cidade, pois no hotel em que estava hospedada não havia internet. Novamente marcamos

de nos encontrar no outro dia só que agora, para jantarmos. Eu, juntamente com o grupo, fui

caminhando até o cyber. O café ficava na sobreloja de uma pequena mercearia que vendia

grãos a granel, ainda pesados em balanças, como eu via na minha infância. Subi a estreita

escada que dava acesso ao cyber. Para minha surpresa, a velocidade da internet era rápida e o

serviço era barato. Lotada de adolescentes, em sua maioria meninos, disfarçadamente espiei

as telas dos computadores até chegar a minha máquina. Vi que chats como o MSN, páginas

do Orkut e jogos tinham liderança ali, similarmente aos programas usados por adolescentes

brasileiros. Após enviar e responder e-mails retornei ao hotel com o grupo.

No outro dia conforme combinado, esperamos a família de Anand no restaurante do

hotel. Desta vez, a irmã de Anand sentou-se perto de mim. Padma era mais nova, tinha 19

anos, estava no primeiro ano do curso de artes. Ela falou sobre a dança no estilo

boolywoodiano, que a atraía e que cantava hinos hinduístas desde pequena. Ela era mais

extrovertida que Anand e, ao contrário da irmã, não queria se casar. Padma tinha sonhos mais

contemporâneos: queria ser cantora e bailarina famosa do cinema boolywoodiano.

Tentando conhecer a história de cada membro da família, foi Padma quem me falou

sobre seu irmão mais velho, Amitt. Aos vinte e cinco anos, o rapaz estava prestes a formar-se

em engenharia civil. Foi para Chennai (sul da Índia) estudar. Fazia dois anos que não se viam

e os contatos telefônicos por celular eram freqüentes entre ambos. Isto só era facilitado, disse

Padma, porque eram clientes da mesma operadora, Vodafone, e os bônus constantes

possibilitavam manter o contato. Padma me contou que era mais próxima do irmão que da

irmã; ele também se casaria em breve com uma esposa “arranjada”, brâmane também. Ela

disse que provavelmente seu irmão não moraria mais em Ayodhya com a família. O rapaz

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seria contratado na empresa multinacional onde fazia estágio em Chennai assim que se

formasse, o que o levaria a assumir um cargo em Cingapura por dois anos.

Ao nos despedirmos da família naquela noite, trocamos pequenas lembranças e

abraços. Ainda guardo (e uso) os bonitos brincos que ganhei de Anand. Apesar da brevidade

dos encontros, estes não foram isentos de empatia. Continuei a comunicar-me com Anand

algumas vezes depois que retornei ao Brasil, via e-mail. A última vez em que trocamos

mensagens, ela contou-me que estava grávida do seu primeiro filho e morando em Nova Delhi

com seu marido e sogra. Padma continuava no curso de artes, dando aulas de dança, mas

ainda insistia em não querer se casar, o que estava gerando conflitos com os pais. Perguntei a

Anand sobre a família toda, incluindo Amitt que não havia conhecido pessoalmente. Ela disse

que o irmão já estava em Cingapura trabalhando, mas que voltaria à Índia somente para casar-

se.

Ainda guardo algumas imagens de Hanuman, o deus macaco, o mesmo do templo em

que conheci Anand e sua família, como também fotografias com pessoas da comunidade que

conhecemos no templo (fig. 22).

Figura 22. Troca de e-mails e contatos com as pessoas da comunidade no templo de Hanuman

2.3 Um circuito de paisagens indianas nos Estados Unidos

Em minha estada nos Estados Unidos, em Tampa, Flórida, passei quase cinqüenta dias

entre estudos, pois já estava desenvolvendo esta pesquisa e encontros com familiares e

amigos. Pesquisando na internet localizei um templo hindu, um centro cultural, cinco

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restaurantes, dois bazares indianos e algumas dezenas de estúdios de yoga. Elaborei uma

pequena lista com os endereços destes lugares, pois queria visitar alguns deles. Para

concretizar minha empreitada mobilizei familiares e amigos, pessoas que até então só haviam

entrado em contato com a diáspora indiana em ambientes de trabalho e escolares. Tive que

conciliar a disponibilidade de tempo deles em me acompanhar, com a minha ansiedade quase

frenética, movida pela curiosidade e questões teóricas.

Logo na primeira semana conseguimos visitar o tempo hindu (fig. 23). Nesta visita fui

acompanhada do meu irmão, que dirigia, e minha amiga americana Linda, arquiteta que

estava curiosíssima em conhecer um templo hindu. Ela estava interessada em ver a obra

arquitetônica que tinha ouvido dizer que era singular; eu, na inédita experiência em visitar um

templo hindu fora da Índia, o contato cultural-religioso me interessava. Tanto meu irmão

quanto Linda visitavam pela primeira vez um templo hinduísta em suas vidas.

Figura 23: Templo Hindu da Florida, Tampa

Afastado do centro da cidade, levamos em torno de trinta minutos com ajuda do GPS

(Global Positioning System) para chegar até lá. Quando avistei o templo fiquei atônita,

parecia que estava na Índia! De fato, eu não estava, mas a interpelação que aquela estrutura

arquitetônica causou em mim foi tal que me esqueci que estava nos Estados Unidos. Havia

visitado um templo muito similar a este na Índia. Inaugurado oficialmente em abril de 2006, o

templo era dedicado a Vishnu, um dos deuses que compõem a tríade masculina hindu.

Ao entrarmos no templo, fomos recebidos cordialmente e nos solicitaram que

tirássemos os nossos sapatos. Então nos mostraram o local do salão central em que as

cerimônias eram organizadas, um andar acima de onde estávamos. Quando chegamos até o

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salão notei que, de estrangeiros, só eu, meu irmão e minha amiga. Os olhares à Linda eram

perceptíveis, seus cabelos loiros e olhos azuis sinalizavam que ela era americana e não-hindu.

Parecia que o templo não era freqüentado por “estrangeiros”, por isso, a curiosidade nos

olhares. Comentei este fato em voz baixa com Linda e ela me disse que também estava se

sentido um pouco “out”. Foi, no mínimo, irônico ouvi-la dizer que se sentiu “estrangeira” em

seu próprio país.

Assistimos a cerimônia para Ganesha, fizemos as performances gestuais condizentes

aos do ritual. Muitos deles haviam aprendido nos templos hindus na Índia. Meu irmão e Linda

olhavam e seguiam atentamente os outros, para que não cometessem nenhuma gafe. Quando

acabou a cerimônia descemos em um amplo salão onde comercializavam comidas indianas a

um valor módico de dois dólares a refeição. Aproveitamos a ocasião e almoçamos por ali

mesmo. Terminamos a nossa refeição e eu observava que tanto as mulheres quanto os homens

vestiam-se em trajes típicos; nada de calça jeans ou camisetas, somente sáris, dhotis, punjabis

e batas. Famílias inteiras de várias gerações se faziam presentes na cerimônia e no salão das

refeições. As conversas entre eles eram, em sua grande maioria, em híndi e talvez em outras

línguas indianas, menos em inglês.

Ao voltarmos para o carro, vimos uma placa no mesmo terreno do templo indicando

ser o centro cultural indiano. Em poucos passos, estávamos no local (fig. 24).

Figura 24: Centro Cultural da Índia nos EUA (Tampa/FL)

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105

O local era amplo com dois salões de festas, pedimos autorização para tirarmos fotos

para um senhor que trabalhava lá. Ele nos disse que na noite anterior teve uma grande festa de

casamento. Perguntamos se o casamento era entre indianos, e ele disse com um sorriso largo

que sim, os noivos eram hindus e que o casamento havia sido acordado entre os familiares

ainda na Índia quando eram crianças. Apesar de interrompermos o seu trabalho, pois estava

coordenando a equipe de limpeza no salão, o senhor que aparentemente passava henna nos

cabelos para encobrir os fios brancos, nos mostrou gentilmente o centro cultural (fig. 25).

Figura 25: Interior do Centro Cultural da Índia

Deparamos-nos no corredor central do centro com dois grandes murais com

fotografias de indianos e seus respectivos nomes, a maioria com a titulação de doutor. Meu

irmão comentou que muitos residentes indianos nos Estados Unidos eram médicos, com fama

de serem “excelentes profissionais”. Notamos que nos murais tinham os seguintes dizeres:

“$12.500 + wall of honor donor” e “$25.000 + wall of honor donor” (fig. 26). Traduzindo,

esta seria a quantidade doada por cada membro daquela comunidade ao centro cultural: em

um mural os que doaram doze mil e quinhentos dólares e, no outro, os que doaram vinte e

cinco mil dólares.

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106

Figura 26: Mural de doações

Após alguns dias pedi à minha mãe para me levar em um bazar indiano que tinha visto

na internet. Novamente o GPS foi acionado. Depois de trajeto que durou quarenta minutos de

carro, chegamos ao local indicado. Era uma espécie de mercearia (fig. 27), onde eram

comercializados produtos indianos, em sua maioria, artigos alimentícios. Havia também

incensos, livros, CDs e DVDs, principalmente com filmes e trilhas sonoras bollywoodianas.

Conversei brevemente com a única pessoa que trabalhava no local, um rapaz indiano.

Contei-lhe que estava ali para uma visita sobre os estudos que vinha fazendo sobre Índia e

pedi-lhe permissão para tirar algumas fotos. Ele prontamente aceitou. Aproveitei a minha ida

e comprei alguns incensos (os mesmos que já havia adquiridos na Índia).

Somente ao sair é que notei que a vitrine do bazar funcionava como um mural.

Cartazes e panfletos expunham endereços de astrólogos indianos em Tampa, propagandas de

agências de viagens especializadas em passagens aéreas à Índia e datas de eventos

direcionados à comunidade indiana.

Figura 27: Bazar indiano nos EUA

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107

Entre os ambientes que (re)criam paisagens indianas nos Estados Unidos, e a forte

presença de indianos imigrantes e descendentes no país, os restaurantes da culinária indiana

foram o meu ponto de partida. Consegui visitar três restaurantes, um deles, anexo à loja de

conveniências de um posto de gasolina (fig. 28), situado bem próximo de um shopping center.

Apesar da especialidade da casa ser o sistema delivery, (entregas), havia algumas mesas onde

pudemos nos sentar e fazer nossas refeições, eu e meu irmão, em sua primeira experiência

com comida indiana.

Figura 28: Restaurante indiano delivery nos EUA

Com meu campo-tema (P. SPINK,2003) me acompanhando a todo instante, cliente e

pesquisadora ao mesmo tempo, conversei com o proprietário do restaurante. Vindo do sul da

Índia, ele se estabeleceu nos Estados Unidos recentemente, pouco mais de oito meses, à época

da nossa conversa. Ele, juntamente com sua mulher e o filho caçula, tinha escolhido Tampa

por causa do clima ameno da Florida, e também pela presença da comunidade indiana naquela

localidade, o que facilitaria a abertura do seu negócio. Sunil era seu nome e, para minha

surpresa, ele era cristão e não hindu, como havia imaginado (talvez até aquele momento eu

tivesse estereotipado que todo indiano fosse hindu).

Sunil permitiu que fotografasse o seu restaurante e o cardápio. Disse que sua clientela

era composta, em noventa por cento, por indianos. Seus funcionários também eram indianos

só que, ao contrário da Índia, sua cozinha era comandada por mulheres e não homens. Este

fato causou estranheza em Sunil no início, mas depois comentou que estava apreciando

trabalhar com elas pela primeira vez desde que havia fechado o seu restaurante na Índia se

mudado para os Estados Unidos. Quando Sunil trouxe o nosso pedido, deixou conosco

algumas revistas indianas para folhearmos enquanto comíamos. Apenas pudemos folhear

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108

mesmo, pois ler em tamil nadu era uma tarefa impossível para nós, e ele, de antemão, sabendo

disso, deu-nos uma vigorosa gargalhada e disse que estaria por perto caso quiséssemos

alguma tradução.

2.4 Entre cerimônia e comércio: um anel encontrado e um par de tênis “levado”

Estava em Rishkesh ao norte da Índia, situado no sopé do Himalaia, era o meu sexto

dia na Índia. Um frio de congelar os ossos, para quem estava acostumada com uma

temperatura média de trinta e oito graus em Cuiabá. Já era noite e havíamos combinado de

assistir um arati, cerimônia hindu realizada todos os dias no fim da tarde, às margens do rio

Ganges. Chegando ao local da cerimônia, tivemos que tirar os nossos sapatos para subir as

escadarias, em que acontecia o ritual. Os mantras e as oblações conduziram o evento.

Olhei ao meu redor e havia muitos turistas estrangeiros tirando fotos ou filmando.

Como turista, eu também fiz as duas coisas, e nem sei o motivo, pois devo ter assistido a

filmagem duas vezes apenas. Muitas crianças indianas estavam no local comercializando

oferendas (fig. 29). Eram delicadamente feitas com flores, incensos e uma pequena lamparina

de barro.

Figura 29: Oferenda à Ganga

A oferenda era para ser ofertada à Ganga, deusa que batizou o nome do rio, ao fim da

cerimônia. O custo para reverenciar a deusa com uma oferenda era de apenas dez rúpias. Mais

que pelo ato de adoração, comprei uma peça de uma menina que deveria ter uns dez anos de

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idade. A criança tinha um lindo sorriso e dava para notar que era bastante tímida, ao contrário

dos seus colegas que me interpelavam insistentemente. Percebi que as crianças ofereciam as

oferendas como souvenirs para nós, turistas viajantes estrangeiros. Um souvenir efêmero,

apenas para ser fotografado, já que tínhamos que lançá-lo ao rio. A interpelação de crianças

comercializando pequenas lembranças a turistas não era novidade, pois havia notado este tipo

de prática acontecer comigo em praias do nordeste brasileiro. O Brasil e a Índia têm lá suas

convergências no turismo.

Ao fim da cerimônia retornei ao local destinado aos sapatos. Para minha surpresa (e

raiva também) meu tênis, o único em minha bagagem, havia sido “levado”. Tentei perguntar

aos “guardadores” de sapatos descrevendo o meu tênis, mas nada, nem sinal dele. Sem êxito,

saí andando descalça em busca de um sapato nas pequenas lojas localizadas próximos ao

arati. Devo ter entrado em umas trinta lojinhas e barracas, mas continuava descalça. Nada de

sapatos ou chinelos até chegar ao nosso hotel que ficava na outra margem do rio.

Atravessei a ponte, já em direção do hotel, e tentei encontrar algum sapato no

comércio dali. Finalmente havia encontrado a mercadoria que estava fazendo tanto falta para

os meus pés naquele momento: uma sapatilha preta bastante confortável (que me acompanhou

durante toda a viagem). Aproveitei a compra e comecei a olhar as mercadorias da loja, bem

equipada para praticantes de yoga estrangeiros iguais a mim. Livros em inglês sobre yoga

(muito deles americanos), incensos, CDs, DVDs, camisetas, mats (tapetes para prática de

yoga) de origem chinesa, além de alguns acessórios como jóias. Fiquei interessada em vários

objetos da loja, mas o que mais chamou a minha atenção foi um anel com a imagem de

Ganesha. O anel já me era familiar. Tive um exemplar bastante similar que havia ganhado de

presente no Brasil, porém, em uma de minhas viagens, ele se extraviou. Fiquei bastante

ressentida pela perda e esperançosa de, quem sabe, encontrar um anel de Ganesha na Índia

para substituir a perda do outro.

Sem qualquer dúvida, comprei o anel de Ganesha. O atendente, um simpático rapaz

indiano, rapidamente embrulhou-o e colocou em uma pequena sacola de pano. Os sapatos já

estavam em meus pés, faltando apenas o pagamento. O valor total da minha compra foi

prontamente convertido em dólares e em reais. Ele me disse que tinha muitos clientes

brasileiros e, por isso, já sabia fazer a conversão cambial para facilitar a venda. Perguntei-lhe

qual é o perfil dos seus clientes brasileiros. Ele me disse que muitos eram professores e

praticantes de yoga, e que acabou tornando-se amigo de muitos deles, pois anualmente

retornavam a Rishkesh.

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110

Nossa conversa foi interrompida por dois turistas estrangeiros, um casal de argentinos.

Os dois buscavam saber valores de japas malas, uma espécie de rosário utilizado para contar

mantras na yoga. O atendente respondeu-lhes em espanhol. Em um espaço de cinco minutos,

ele falou em híndi com seu auxiliar, em inglês comigo e em espanhol com os argentinos.

Estávamos todos ali, naquela pequena loja na Índia, em Rishkesh: latinos e indianos

mediados pelas mercadorias locais e transnacionais e atravessados pela yoga. Latinos em

busca de artefatos que pudessem traduzir a relação com a yoga e indianos, pela fonte de

renda.

Fui embora para o hotel, devidamente calçada e com o anel de Ganesha. Ao entrar no

saguão do hotel o recepcionista me perguntou se estava feliz; respondi que sim, apesar de

terem “levado” meu tênis. Pensei: “vão-se os tênis, mas encontram-se anéis”, de Ganesha,

lógico.

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111

*Ausência de movimentos respiratórios. Manutenção do vazio para que um novo ciclo respiratório se inicie.

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO 4444

OBJETOS QUE VIAJAM E CONTAM HISTÓRIASOBJETOS QUE VIAJAM E CONTAM HISTÓRIASOBJETOS QUE VIAJAM E CONTAM HISTÓRIASOBJETOS QUE VIAJAM E CONTAM HISTÓRIAS

SUNYAKASUNYAKASUNYAKASUNYAKA

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Um souvenir é um predicado de uma história que pode ser contada

(HITCHCOCK e TEAGUE, 2000)

a contemporaneidade, o turismo constitui uma importante faceta das novas

formas transnacionais de vida influenciadas por intensos deslocamentos e

permanências temporárias. O turismo entre continentes distantes

geograficamente nos fala de modos de vida, nos quais as fronteiras rígidas e demarcadas de

outrora, tornaram-se porosas, fluidas e intercambiantes. O aumento dos fluxos turísticos

transnacionais tornou-se um dos efeitos imediatos da mobilidade contemporânea, alicerçado

sob inovações tecnológicas nos transportes e comunicação (ELLIOTT e URRY, 2010). Neste

deslocar-se, materialidades são mobilizadas; nas bagagens, pequenas lembranças, mercadorias

ou até mesmo quinquilharias transitam e se tornam objetos de viagem, os chamados souvenirs

(LURY, 1997).

Se turismo é viajar entre pontos de origens e destinos por que ignorar ou desconsiderar

a participação e a agência, dos objetos nas viagens? Assim como as pessoas viajam, os

objetos também viajam, criando relações complexas. Pesquisas sobre materialidades no

turismo foram realizadas, contemplando desde souvenirs como repositórios de lembranças a

meros reflexos de representações culturais (FRANKLIN, 2003; URRY e ROJEK, 1997;

MORGAN e PRITCHARD, 2005; LURY, 1997; HITCHCOCK e TEAGUE, 2000;

GRABURN, 1976; FREIRE-MEDEIROS e CASTRO, 2002; FRANKLIN e CRANG, 2001;

APPADURAI, 2008). Este capítulo dialogará com a perspectiva, relativamente recente dos

estudos sobre turismo, de uma vertente da cultura turística que são suas materialidades

(FRANKLIN e CRANG, 2001).

Indo além de uma acepção teleológica ou representativa, para Latour (2008), os

objetos possuem capacidade de agência, ou seja, coisas que produzem efeitos nas relações no

turismo (FRANKLIN, 2003). De fato, os turistas se relacionam a todo instante em suas

viagens com os não-humanos: visitar museus e observar seus artefatos, manipular postais,

manusear máquinas fotográficas, pegar e guardar bilhetes, se deslocar através de aeronaves e

automóveis, ingerir comidas e bebidas, comprar souvenirs, enfim, uma gama de atividades

atravessadas por componentes heterogêneos que geram materialidades relacionais

(FRANKLIN, 2003; LAW, 2009).

N

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113

Buscamos nos aproximar neste estudo de uma concepção menos assimétrica entre

humanos e não-humanos, em que dicotomias podem ser desfeitas quando as compreendemos

pela perspectiva de associação entre o social e material, por meio das interações (LATOUR,

2008; SPINK, 2003). Os objetos geram efeitos que orientalizam ou indianizam pessoas e

lugares no Brasil. Também chamados de “artes turísticas”, como bem apontou Graburn et al

(2009), os objetos viajam bem mais que seus produtores e disseminam contextos

socioculturais sobre as destinações de onde vieram.

Assim como analisamos propagandas turísticas sobre a Índia, circulantes na internet

por agências de viagens brasileiras, e escutamos as narrativas de viagens ao país, esta última

parte da pesquisa estará voltada para objetos trazidos ao Brasil de viagens à Índia, buscando

compreender as interações produzidas por tais artefatos. Em períodos variados de

permanência - de um mês a um ano, os objetos (e imagens) tornam-se as “materialidades” no

regresso para casa e também nos contam histórias.

Para Appadurai (1996), sempre houve transações culturais por intermédio de

mercadorias e viajantes, porém, “a nova economia cultural global tem que ser considerada

uma ordem complexa, estratificante, disjuntiva [...]”. (APPADURAI, 2004, p. 50). Os objetos

de viagem inserem-se num cosmopolitanismo global, em que distâncias são encolhidas por

redes interdependentes advindas dos processos de globalização, que aceleraram mobilidades

entre pessoas, informações, práticas e bens (ELLIOTT e URRY, 2010; OLIVEIRA, 2010;

LURY, 1997).

Que os objetos não falam, disso sabemos. Mas, então, como podemos afirmar que

contam histórias? Podemos fazê-lo quando entendemos que estes contam histórias por meio

de interlocutores. Para Franklin (2003), os objetos falam diretamente com os turistas pela

interpelação:

[...] a interpelação consiste um objeto saudando um indivíduo, falando diretamente de forma significativa para eles, ligando-os em uma ideia, mas também em uma comunidade de outros que compartilham uma relação similar” (FRANKLIN, 2003, p. 132. Tradução nossa)54.

Nos fluxos turísticos entre Brasil e Índia, objetos entrelaçam histórias e pessoas,

criando conexões entre espaços transnacionais. Podemos contá-las recorrendo a sua biografia

(APPADURAI, 2008) ou, como no nosso caso, por meio de efeitos, que podem não compor

54 “Interpellation consists of an object hailing na individual, speaking directly and meaningfully to them, binding them into na Idea but also a community of others who share a similar relationship”.

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114

biografias, o que não lhes tira sua actância (GALINDO et. al., 2011). Mesmo nas residências

ou outros espaços fixos, os objetos trazidos da Índia na companhia dos seus interlocutores,

vão compondo indianidades e pessoalidades, assumindo, portanto, recalcitrância ainda que

permaneçam em constante viagem.

Os fluxos turísticos através dos objetos indicam a possibilidade de pensá-los como

lembranças, histórias (metonímias), materialidades e efeitos. Podem ainda ser informantes

que provam ou materializam de fato a experiência da viagem (HITCHCOCK e TEAGUE,

2000; MORGAN e PRITCHARD, 2005). Não são objetos insignificantes, mudos ou inertes

(FRANKLIN, 2003; APPADURAI, 2008; MORGAN e PRITCHARD, 2005), ao contrário, os

souvenirs podem sinalizar a ressurgência de práticas sociais “apagadas” pelo tempo quando

postas novamente em circulação pelo turismo (FRANKLIN e CRANG, 2001).

No caso deste trabalho, os objetos de viagem que contam histórias, também trazem a

questão da orientalização e indianização de ambientes e pessoas através das materialidades. É

significativo contextualizar o que entendemos sobre estes processos, nos quais os objetos

trazidos das viagens à Índia estão imersos.

A ação dada ao termo oriente tornou-se verbo: orientalizar. Na língua portuguesa e

espanhola significa dar algo ou a alguém características da cultura oriental, ou ainda, adquirir

hábitos ou costumes orientais. No inglês é tornar-se ou considerar-se como oriental 55. Porém,

uma pergunta se faz necessário: o que é oriente?

A noção trabalhada por Said (2002) sobre Orientalismo propõe pensar sobre o

nominado Oriente que tem suas premissas no colonialismo europeu. Said mostrou a

construção (e invenção) do Oriente por intermédio de Foucault, pela formação discursiva

(MIGNOLO, 2003). Ele pôde esmiuçar, embasado em literatura, que a divisão binária do

planeta em oriente-ocidente referia-se às relações de poder ao invés de simples polaridades

geográficas e culturais. A orientalização também ocorreu através de artefatos (cerâmicas,

tecidos, tapetes) e na produção intelectual institucionalizada academicamente (SOONER,

2008; SAID, 2007).

É necessário pontuar que o chamado Oriente nasceu de um contexto colonial

influenciado com prerrogativas da modernidade, onde a busca e a domesticação do Outro era

uma agência calculada política e economicamente. O discurso e imagens sobre este Outro

oriental não foram elaborados aleatoriamente. Foram homogeneizados e essencializados em

estereótipos pela perspectiva do homem-branco-cristão-europeu. Bhabha (1998) pontua a

55 http://www.dicio.com.br/orientalizar/ ; http://www.wordreference.com/definicion/orientalizar http://dictionary.reverso.net/english-definition/Orientalisation. Acessado em 13 de setembro de 2011.

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importância da fixidez na construção ideológica da alteridade por parte do discurso colonial,

sendo o estereótipo a sua principal estratégia. Falar sobre Orientalismo é também falar sobre

determinados repertórios, tais como: exótico, bárbaro, atrasado, lascivo, místico,

supersticioso, etc. Cristalizados pela replicação de discursos (e práticas), estes e outros

repertórios moldaram a concepção sobre uma diversidade de povos e culturas no leste do

planeta.

Neste trabalho, a indianização advém do arcabouço do orientalismo (SAID, 2007),

porém, com as especificidades inerentes da Índia. O termo indianidade utilizado neste estudo,

refere-se às características sinalizadoras criadas para distinguir a nacionalidade indiana que,

ao juntar as diversas partes, não formam uma Índia como destinação turística internacional

por intermédio de repertórios imagéticos e de predicados. Alguns dos predicados utilizados no

turismo foram construídos e criados com auxílio de projetos nacionalistas dentro e fora da

Índia. Países com lastros colonialistas, como Brasil e Índia, utilizam-se de questões étnicas e

folclóricas para afirmarem a sua tradição. Eles constroem as suas identidades de modo a

torná-las fixas, e, ao mesmo tempo, flexíveis o suficiente para que novos nichos de turistas

possam ser acionados.

Indianidades se materializam e traduzem em objetos de viagem pelos efeitos que estes

geram tanto em ambientes quanto em pessoas. Vale lembrar que estamos falando de objetos

adquiridos durante viagens à Índia por turistas, porém, muitos dos mesmos objetos poderiam

ser facilmente comprados em lojas especializadas de artigos indianos ou feiras hyppies. Mas o

que leva viajantes a adquirir estes objetos na Índia durante as suas viagens? O que fazem com

estes objetos quando regressam às suas casas? Haveria um interesse pelo Outro oriental

sintetizado nos souvenirs? (SPOONER, 2008). São estas indagações que procuraremos

responder neste capítulo dedicado aos objetos de viagens.

Em um primeiro momento apresentamos alguns estudos realizados na área do turismo

sobre objetos. Posteriormente, mostramos os percursos metodológicos usados neste capítulo.

Em seguida, na terceira seção, sintetizamos em um breve inventário, os objetos mostrados

durante as entrevistas. Já na quarta, quinta e sexta parte, dividimos os objetos em três temas

correspondentes: 1) objetos que acenam indianidades por interpelar a circulação de

repertórios; 2) objetos que criam ambiências de indianidades, ao mostrar a actância de tais

objetos quando expostos em ambientes e 3) objetos que perenizam viagens, evocando

lembranças e retendo afetos. A última parte deste capítulo aborda a inversão dos papéis entre

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116

objetos e pessoas, falamos de um relato no qual turistas se tornaram “objetos” durante uma

viagem.

1. Alguns estudos sobre objetos nos fluxos turísticos

Para falarmos sobre as materialidades que transitam nas viagens turísticas entre Brasil

e Índia, apresentaremos alguns estudos sobre turismo e seus artefatos “viajantes”.

Em caráter programático, a revista Tourist Studies (FRANKLIN e CRANG, 2001) em

seu editorial, aponta a importância para a ampliação de pesquisas voltadas às coisas - objetos

híbridos (humanos e não-humanos) que trafegam no turismo. Os autores citam um estudo

realizado por Ewins em sua tese de doutorado em 1999, em que discorria sobre souvenirs

feitos com tecidos feitos de cascas nas Ilhas Fiji. Estes objetos sinalizaram a eflorescência da

prática tradicional fijiana de intercâmbios de bens (tecidos de cascas) pelos fluxos comerciais

do turismo local através dos souvenirs. Outro estudo sinalizado pelos autores é o de Celia

Lury (1997) o qual está inserido no livro Touring Cultures que abordaremos a seguir. Alguns

dos artigos encontrados no Tourist Studies nos auxiliaram a encontrar outras referências

pertinentes para esta pesquisa.

O capítulo intitulado “Objetos de viagem”, trabalhado por Celia Lury (1997), busca

entender as relações entre pessoas e objetos adquiridos em viagens. Assim, o capítulo propõe

e descreve três tipos de objetos: traveller; tripper e tourist-objects56. O primeiro traveller-

object diz respeito aos objetos como artesanatos, itens históricos, políticos ou religiosos; obras

de arte e etc – em relação à cultura popular ou nacional. Eles são, em sua maioria, fortemente

indexados nos seus lugares de origem, “eles são objetos cujo significado é considerado

imanente – os quais o lugar e a cultura estão juntos num suave movimento pelo espaço como

conseqüência de práticas de ligação ou simbólica” 57 (LURY, 1998, p. 78. Tradução nossa).

Neste tipo, o que geralmente circula ou se desloca, são suas imagens e não os objetos em si.

O segundo tipo, tripper-objects, ao contrário dos traveller, eles são fracamente

indexados, não estão vinculados a convenção ou laços legais restritivos do lugar de origem.

Seus significados são continuamente reconstituídos em seus contextos finais domiciliares.

56 Traveller e tripper-object têm a mesma tradução para o português, objeto-viajante. Ainda há uma dificuldade de tradução para distingui traveller de tripper para a língua portuguesa. Já a tradução de Tourist-object é objeto-turista. 57 “They are objects in which meaning is deemed immanent – in which place and culture are bound toghether in a smooth movement through space as a consequence of practices of symbolic binding...”

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Eles não são somente os souvenirs ou outros objetos tipicamente turísticos, mas também, os

“objetos achados” como conchas encontradas na praia, bilhetes, caixas de fósforos, sacolas,

embalagens, etc. As fotografias e postais também são considerados tripper.

Já os últimos, tourist-objects, situam-se entre os dois anteriores - traveller e tripper.

São aqueles que transitam nas relações entre viagens e residência produzindo uma objetivi-

dade58 que não são nem fechados ou abertos. Os tourist-objects situam-se entre os travellers e

trippers; portanto, tais objetos são mediamente indexados com referências de origem: “entre

aberto e fechado em seu significado, e entre lá e aqui em sua jornada” 59 (LURY, 1998, p.79.

Tradução nossa). Os tourist-objects incluem uma gama de objetos desde vestuário, produtos

alternativos de saúde até tipos de comida. Para o autor, estes artefatos também fazem parte de

um cosmopolitanismo global. Seu argumento é que eles são “contaminantes” por não terem

fronteiras fixadas. Estes artefatos ainda contribuem para formação de novas hierarquias e

transformam as condições dos objetos. O autor amplia a noção de cosmopolitanismo para

cosmopolitanismo global. Na primeira, somente pessoas estão abertas para o outro; na

segunda, os objetos assim como as pessoas, também se encontram abertos para o outro; a

circulação dos objetos de viagem permitiu ao autor construir esta noção.

Um dos autores que compõe o editorial do Tourist Studies, Franklin (2003), direciona

um capítulo sobre os objetos no turismo, chamado de objetos turísticos. O autor dialoga com

a perspectiva de Appadurai (2008), onde as mercadorias têm vida social, assim como as

pessoas, com a noção de materialidade relacional de Law (2009), e, por último, com os

estudos sobre objetos de viagem de Lury (1997). Para Franklin (2003), a existência do

turismo encontra-se inseparável e associada aos objetos, ela depende deles. Neste sentido, o

valor do conceito de interpelação tem notoriedade em sua análise. A interpelação é entendida

como outro modo que os objetos entram na vida social e causam efeitos no turismo como, por

exemplo, sentir a areia sob os pés ou cheirar uma deliciosa comida.

Outra obra a ser comentada é Souvenirs: the material culture of tourism organizado

por Hitchcock e Teague (2000). O livro elenca dezenove estudos de caso sobre souvenirs e

turismo. Os organizadores afirmam que os souvenirs funcionam como uma espécie de

mementos de lugares e de ocasiões vividas durante as viagens dos turistas. Assim como as

fotografias, os souvenirs também reportam as experiências comuns das viagens como

transportadores de mementos. Eles apontam que os souvenirs como roupas e jóias podem ser

58 “Object-ness”: uma espécie de trocadilho com o excesso de “objeto”, neste sentido, aqui, traduzimos como “objetivi-dade”. 59 “in between open and closed in their meaning, and in between there and here in their journeying”

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118

compreendidos para alguns turistas como expressões de gosto e identidade e, para outros,

como uma forma de tornarem-se colecionadores e especialistas de determinados objetos.

Quando expostos em casas ou outros ambientes os souvenirs podem operar como

informantes: eles “dizem” às outras pessoas sobre as viagens realizadas. Eles provam as

viagens. Para Hitchcock e Teague (2000) os souvenirs podem ser entendidos sob quatro eixos

temáticos: 1) autenticidade, 2) identidade, 3) consumo e comodificação, 4) desenvolvimento.

Outro estudo bastante significativo sobre os souvenirs foi o de Morgan e Pritchard

(2005). Realizado na Inglaterra, os dois pesquisadores foram os protagonistas da própria

pesquisa, utilizando-se do método auto-etnográfico. Eles narraram a biografia de objetos

trazidos de suas próprias viagens, como enfeites, CDs, roupas e etc, e ainda relataram as

performances destes objetos em suas casas e no cotidiano. Os souvenirs turísticos foram

apontados como importantes fontes de estudos, porém, ainda pouco explorados. Os

pesquisadores buscaram dados sobre as relações entre materialidades, turismo e construções

de identidades, por intermédio dos objetos como touchstones60 de memórias. Os souvenirs

(re)criaram experiências turísticas polisensoriais que mediaram o tempo e o espaço.

Os souvenirs também foram tema de estudo pelo antropólogo Nelson Graburn, nos

anos setenta no livro Ethnic and Tourist Arts. Pejorativamente chamados de “artes de

aeroporto”, estas mercadorias foram muitas vezes consideradas como vilãs da autenticidade

cultural. O autor identificou que, muitos dos artefatos ditos tradicionais (funcionalistas e

ritualísticos), eram fabricados mais para saciar o desejo e expectativa dos turistas, do que para

satisfazer as normas culturais dos artesãos. No fim dos anos 2000, o autor identifica a fluidez

da trajetória dos souvenirs ao dizer que: “trabalhos mais recentes mostram que o campo das

artes turísticas é dinâmico e suas categorias são maleáveis; objetos criados para uso local

podem acabar sendo vendidos como “arte turística” e vice-versa” (GRABURN et al, 2009, p.

23).

A autora Kaplan (2005), ao refletir sobre os deslocamentos contemporâneos incluindo

viagens turísticas, observa tipos de registros bastante pertinentes, como: tirar fotografias,

escrever em diários e adquirir souvenirs. Estas práticas tornaram-se tecnologias de

documentar o “real”. A autora argumenta que os souvenirs podem ainda desenvolver relações

com os autóctones, pois os objetos atestariam uma “marca” de autenticidade.

No Brasil, Freire-Medeiros e Castro (2007) realizaram uma pesquisa que para obter

dados da representação turística da cidade do Rio de Janeiro, refletida nos objetos de interesse

60 Critério ou teste para determinar a qualidade ou autenticidade de uma coisa ou ainda, a parte da quintessência.

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para os turistas: souvenirs. Eles constataram que repertórios de imagens estereotipadas e

“clichezadas” transitam nos artefatos turísticos fabricados para “exportação cultural”, seja

através das paisagens ou habitantes. No caso do Rio Janeiro, o Cristo Redentor e Pão de

Açúcar tiveram maiores incidências na reprodução de tais repertórios. Além disso, eles

problematizaram a questão de que os souvenirs podem indicar uma espécie de autoridade de

“quem esteve lá”; o encontro com a alteridade é materializado e trazido para casa através

destes objetos. Esta assertiva ajuda entender sobre a estética da descontextualização proposta

por Appadurai (2008, p. 45) quando “utensílios e artefatos do “outro” são exibidas em casas

ocidentais, movidas pela busca de novidade”.

Referente aos estudos sobre turismo e materialidades na Índia, encontramos o de

Edensor (1998) no livro Tourist at the Taj. Ele realizou a coleta de dados empíricos pelo

método etnográfico em três períodos: 1993, 1994 e 1997. Dentre a sua análise, as fotografias

tiradas por turistas no mausoléu e os souvenirs comercializados ao redor do sítio de visitação,

nos interessaram para este capítulo. O autor apontou que tirar fotografias do e no Taj era uma

das atividades que mais despendia tempo entre os turistas. Isso traduzia uma tentativa dos

turistas em capturar e materializar a contemplação do monumento por meio das fotografias. O

autor considera que em sítios turísticos como o Taj Mahal é quase um dever, implícito ou

explícito, do turista tirar fotografias. É um típico caso de traveller- object (Lury, 1997) já que

o objeto não pode ser transportado em si, mas somente através de sua imagem. Já os

souvenirs, como as miniaturas do mausoléu em mármore, tinham diversos significados (e

performances) para, pelo menos, três categorias de turistas. Os primeiros, turistas indianos

mulçumanos, viam e compravam com “bons olhos” as peças, principalmente pelo fato que o

Taj Mahal é uma construção islâmica - uma criação de Alá. Os segundos, turistas hindus, não

compravam as miniaturas por associá-las ao mausoléu, pois para os hindus, os corpos não são

enterrados e, sim, cremados. A ligação do Taj como um lugar de mortos e a pequena

lembrança poderia gerar efeitos indesejáveis para as residências, ou seja, recusavam-se a levar

um artefato que pudesse trazer mau agouro em seus lares. Já os turistas estrangeiros procuram

os souvenirs pela qualidade, independentemente da concepção religiosa do monumento.

De modo geral, notamos que pela própria trajetória da expansão do turismo

contemporâneo, os estudos sobre os objetos (inicialmente pelos souvenirs) tiveram seu aporte

por meio da antropologia. Da década de setenta até agora, os diálogos abriram-se para outros

campos. Os estudos realizados por John Law na Social, Technology and Science – STS

influenciou amplamente o trabalho de Franklin (2003), que, por sua vez, foi influenciado pela

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120

pesquisa sobre os objetos de viagem de Lury (1997), cujo trabalho ancorou-se nos estudos de

George Marcus e Arjun Appadurai em um encontro interdisciplinar entre turismo e

antropologia.

2. Percursos para se estudar os objetos trazidos das viagens à Índia

O método não estava fixado previamente para este capítulo, foi sendo modelado de

acordo com as prerrogativas da pesquisa. Dentro da perspectiva pós-construcionista, o método

é a descrição do “onde”, “como” e “o que” de fazer a pesquisa. Para Peter Spink (2003), o

método constitui-se nas maneiras de estar no campo. Para o autor, o campo pode ser

entendido como tema, tornando-se campo-tema. O campo-tema não se trata de lugar, mas de

pertinência temática que atravessa todo o tempo de elaboração da pesquisa, incluindo pessoas

e eventos.

Assim, foi solicitado para quatro entrevistadas que contassem as suas viagens e que

nos mostrassem alguns de seus objetos incluindo fotografias. As entrevistadas foram

selecionadas por terem retornado da Índia recentemente no período aplicado das entrevistas,

de 14 a 18 de abril de 2011. As pessoas com quem conversamos eram mulheres, professoras

de yoga entre 28 a 53 anos, 3 (três) residentes na cidade de São Paulo e 1 (uma) em

Suzano/SP.

O contato prévio para o agendamento das entrevistas foi por e-mail. As entrevistas se

deram em três lugares: o primeiro na escola de yoga “Instituto de Yóga Clássico de São

Paulo” na capital paulistana; o segundo na casa de uma das entrevistadas (Rosana Khoury); e

o último, na escola de yoga também da Rosana Khoury.

As entrevistadas levaram os objetos em sacolas, mochilas e bolsas. As entrevistadas

usaram ônibus, metrô, trem e carro para completarem o trajeto até a escola. Já os objetos da

casa e escola de yoga da Rosana Khoury foram fotografados em seus ambientes usuais.

Pensava-se, em princípio, que as fotografias seriam bastante comentadas. Buscar conhecer as

viagens das entrevistadas com auxilio dos álbuns foi uma das estratégias utilizadas. Porém, as

entrevistadas não deram importância às fotografias. Somente duas entrevistadas mostraram

algumas (das milhares de) fotos. Como atualmente é usual arquivar as fotografias digitais não

as imprimindo, o trabalho operacional de gravar as fotos e disponibilizá-las em um laptop no

local da entrevista, gerou a quase nulidade (ou inutilidade) delas. Porém, as fotografias

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121

“funcionaram” como forma de registro dos objetos para a pesquisa. Ao contrário das

fotografias, os objetos mostraram-se atores participantes da pesquisa. Apesar de não terem

voz, eles contavam histórias através de suas interlocutoras e sinalizavam efeitos.

Partindo de uma perspectiva pós-construcionista, alguns dos objetos mostrados

durante a entrevista configuraram-se como objetos contadores de história. Peter Spink (2003)

diz que um campo-tema é considerado “multi-temático”, pois é sempre potencial, com

múltiplas faces e materialidades. Ele também acontece em muitos lugares diferentes entre

pessoas e eventos distintos. Nesta pesquisa, os objetos trazidos da Índia configuraram-se

como um campo-tema.

Para registro, os objetos mostrados durante a entrevista foram fotografados. As fotos

dos objetos foram inseridas nas entrevistas transcritas. Para estudo do material, em uma

primeira tentativa, havíamos elaborado um quadro com as fotografias dos objetos associados

com possíveis categorias de performances estas, por sua vez, atreladas a repertórios (bem

estar, caridade, religiosidade, exotismo, etc.). Porém, este método de organização e análise,

cristalizou os objetos fechando-os em categorias fixas. Estas categorias “silenciaram” as

histórias dos objetos contadores de histórias.

Buscamos então um segundo recurso metodológico, os mapas (Ver anexo C, Mapa

objetos-relatos). Cada fotografia com o(s) objeto(s) foi vinculada com seus respectivos

relatos. Estas narrativas foram tanto das entrevistadas quanto da pesquisadora. A técnica dos

mapas permite analisar práticas discursivas, bem como, organizar conteúdos de uma interação

discursiva que acontece durante as entrevistas, além de que “o mapa é uma tabela onde as

colunas são definidas tematicamente” (SPINK, 2010, p. 39). No nosso caso, a temática

(coluna) foi estruturada por intermédio dos objetos mostrados nas fotografias. Estes mapas

indicaram que os objetos trazidos das viagens executavam duas performances. A primeira que

eles contavam histórias, trazendo à tona narrativas das viagens com lembranças e afetos; a

segunda, que eles indianizavam ambientes e pessoas. Passemos, então, aos objetos

propriamente ditos na próxima seção.

3. Breve inventário dos objetos

Nas entrevistas realizadas, diversos objetos foram mostrados, registrados por meio de

fotografia, individualmente ou agrupados. Abaixo (quadro 6) segue a esquematização do

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122

inventário sobre os objetos de viagem. Inventariamos a partir da elaboração do mapa objetos-

relatos (Ver anexo B) conforme foi explicado acima. O método de inventariar os objetos

permitiu categorizá-los e identificar a maior e menor recorrência entre eles.

Quadro 6. Inventário dos objetos de viagem

OBJETOS

OCORRÊNCIA*

RECORRÊNCIA

Estátuas de divindades hindus O1; O2; O11; O19; O20; O24; O56; O65; O81; O82;

10

Enfeites: panos decorativos (sáris), porta-incenso, estátuas de elefantes

e camelos e etc.

O16; O18; O21; O51; O52; O54; O55; O57;O60; O64; O67 e O68**; O77; O79;

O79; O80; O83; O85;

18

Impressos: postais, livros, calendários, agendas

O7; O8; O10; O35; O41; O61;O84; O86 08

Vestuário e acessórios: roupas, echarpes, sapatos e bolsas

O3; O6; O12; O13; O14; O15; O23; O34; O36; O37; O38; O39; O40; O42;

O43; O44; O58; O59; O62; O67 e O68**; O76;

22 (+)

Jóias: anéis, pulseiras, colares O17; O25; O26; O27; O28; O29; O30; O31; O45; O66; O67 e O68**; O74;

O75;

14

Saúde/estética: óleos essenciais naturais,

perfumes, maquiagem

O22; O67 e O68 **; O69; O70; O71; O72;

07

Equipamentos de yoga: capas para tapetes de prática

O9 01 (-)

Objetos “achados”: sacolas, materiais promocionais

O46; O63 02

Produtos alimentícios O32; O33; 02 Artesanatos étnicos: instrumentos

musicais e bonecos O47; O48; O49; O53;

04 Artesanatos de papelaria O4;O5; O67 e O68**; 03

CD’s O73 01 (-) (*) Objetos fotografados listados em anexo. (**)O67 e O68 – um conglomerado de quinquilharias alocadas na gaveta do guarda-roupa de Rosana Khoury: bindis, perfumes, óleos, chaveiros, pulseiras, maquiagem, pasta de sândalo, mini-caderno. A imagem O50 não entrou no quadro. Trata-se de um pequeno cartaz sobre a palestra de Narani Verari;

A maior recorrência dentre os objetos foi a categoria vestuário, com 22 (vinte e duas)

vezes. Composta por saias, batas, punjabis, echarpes (pashminas) e camisetas de Ganesha:

“ao comprar uma roupa, o consumidor é, parece, ser encorajado para comprar outra cultura,

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123

outro estilo ‘autêntico’ de vida” (LURY, 1997, p. 84, tradução nossa) 61. A entrevistada

Tereza Buturi nos oferece um bom exemplo sobre esta assertiva de Lury (1997). Ela

entusiasticamente iniciou a nossa conversa através e especificamente pelas saias indianas (fig.

30).

Figura 30: Tereza Buturi com uma de suas saias indianas

O enorme interesse de Tereza Buturi pelas roupas foi justificado pela atividade

profissional como professora de dança circular sagrada. Ela sinalizou que uma das suas

aspirações de ir à Índia era comprar saias:

“Eu trouxe várias coisas da Índia, como eu sou professora de dança circular sagrada [...] eu trouxe umas cinco, seis saias, mas não deu para carregar tudo [...] Eu trouxe pra você ver, eu comprei essa azul que adorei [...].Eu comprei essa saia, e achei...é difícil achar uma saia de uma cor só, comprei essa branca linda! Tá vendo? Rodada! Porque a dança circular resgata o feminino! Além de ser uma dança sagrada, você dança para o universo, você dança para a paz no universo! Então...e resgatar o feminino! Então o feminino é para você estar de saia! - E você já foi para Índia para comprar saias? Pra comprar saia! Por quê? Porque a dança circular é sempre de saia!” (Tereza Buturi)

61 “In buying the cloth, the consumer is, it seems, being encouraged to buy another culture, another, ‘authentic’, way of life”.

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124

Historicamente, a Índia no século XVII foi a maior produtora e exportadora de tecidos

do mundo e o apelo para a produção industrial doméstica – swadeshi, foi bandeira política no

movimento pela independência (BAYLY, 2008). As roupas possibilitam o tráfego de

indianidades, um estilo que circula globalmente chegando a se tornar homogeneizante –

“roupas indianas”, mas não hegemônico (APPADURAI, 1996). Materializam lembranças e

afetos das viagens à Índia, ou ainda, um estilo de roupa que pode expressar políticas e modos

de vida. São vestes que “perambulam” em vários ambientes com e por meio de suas usuárias.

Após o vestuário, os enfeites tiveram 18 (dezoito) vezes recorrências entre os objetos,

ficando em segundo lugar. Alguns deles puderam ser registrados em seus locais habituais de

decoração: escola de yoga e residência de Rosana. As jóias ocuparam o terceiro lugar.

Colares, brincos, pingentes e anéis principalmente feitos de pedras e prata, foram recorrentes

por 14 (quatorze) vezes. Isto se deve pelo baixo valor de comercialização. As estátuas de

divindades hindus, especialmente Ganesha, ficaram em quarto lugar por 10 (dez) recorrências.

Já os objetos com menor recorrência foram CDs e capas de tapetes para a prática de yoga -

yoga mats (fig.31). Ambos os objetos tinham um tema em comum: yoga.

Figura 31: CD de yoga e capas de tapetes de yoga (yoga mats)

O inventário possibilitou identificar a recorrência dos objetos. Porém, isso não quer

dizer que esta sistematização tenha os fechado em seus usos. Por exemplo, um pacote de chá

(fig. 32) trazido da Índia pode ser considerado um souvenir (memento de memória) em

algumas circunstâncias. Durante a entrevista, a mercadoria produziu o efeito de lembrança

turística ao invés de “bebida”.

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125

Figura 32: Pacote de chá indiano

Os efeitos dos objetos de viagem dão-se na medida em que relacionam-se; as

materialidades são produzidas concomitantemente com as socialidades, uma existe a partir da

outra e vice-versa (SPINK, 2003; FRANKLIN, 2003). A matéria não é dada, ela é relacional,

precisa ser feita. No campo da STS (Science, Technology and Society) a materialidade é

compreendida como efeito relacional (LAW, 2009). Assim, entendemos que os objetos

trazidos das viagens à Índia podem transitar entre as categorias do inventário na medida em

que são postos nas relações.

4. Objetos que acenam indianidades

Para relatar as histórias dos objetos trazidos das viagens, usamos a interaminação

dialógica, onde as múltiplas falas (objetos, entrevistadas, entrevistadora e ausentes-presentes-

na-pesquisa) produziram sentidos pela interação (SPINK, 2010; P.SPINK, 2003). Nesta

seção, as vozes de diferentes interlocutores ajudaram a contar incidentes, trajetórias, usos e

práticas. Em alguns trechos, as falas das entrevistadas mesclam-se com a nossa voz em

relação aos objetos, é a interaminação dialógica por meio das múltiplas vozes que Spink

(2010) nos aponta.

Um pequeno incidente nos fez refletir sobre os objetos e as suas performances em

relação às viagens à Índia e seus desdobramentos no regresso para casa. Chegando ao local

marcado para a realização das entrevistas, na cidade de São Paulo, deparamos com uma moça

que conversava ao celular. Alta, morena, vestida com uma bata roxa, usava bolsa e sapatos

bordados de forma bastante colorida, possivelmente de origem indiana; aquele estilo de roupa

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126

já era bastante conhecido para nós. No momento em que a vimos, um palpite foi lançado:

provavelmente seria a pessoa a ser entrevistada. Quando fomos apresentadas, era exatamente

a mesma moça que calçava os sapatos coloridos (fig. 33).

Figura 33: Os sapatos indianos de Millena Simões

Foram os sapatos que nos levaram a identificá-los, por força de sua cor e forma, como

sendo produzidos na Índia. Logo, deduzimos que era ela a pessoa que recém havia retornado

de viagem e que faria parte da nossa pesquisa. Os sapatos tanto nos apresentaram à

entrevistada, como mediaram previamente a nossa conversa. Este incidente vai ao encontro do

argumento de Appadurai (2008) em que as coisas, assim como as pessoas possuem uma vida

social; são nas coisas que estão inscritos usos, formas e trajetórias.

Nos fluxos turísticos, o trânsito de mercadorias gera complexas relações entre

predileções e autenticidade. Brian Sooner (2008) estudou os tapetes orientais e a questão da

autenticidade, buscando entender o interesse ocidental pelo Outro sintetizado em tapetes.

Problematizou que a orientalização através de artefatos teve início com tecidos e cerâmicas,

em que o Classicismo e o Romantismo rejeitavam a concepção do “lugar-comum”. Assim,

peças consideradas “exóticas” eram enaltecidas e valorizadas. Estas mercadorias decorativas

já tinham expressividade muito antes dos efeitos da Revolução Industrial. Entre critérios

subjetivos, atributos objetivos e escolhas culturais, a autenticidade é inspirada no interesse

pelo Outro e seus produtos. Portanto, os tapetes orientais são objeto que suprem em certos

setores da vida social, a obsessão pela distinção.

O estudo da autenticidade e orientalização por meio dos tapetes realizado por Sooner

(2008) pode ser usado para refletir sobre o incidente com os sapatos indianos de Millena

Simões. Primeiramente, porque a necessidade da autenticidade foi derivada pelo interesse de

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127

ir até o Outro (viagem à Índia) e trazê-lo materializado nos sapatos. E, segundo, porque

“objetos são usados para se fazerem afirmações pessoais, para dizer algo sobre quem se é em

relação aos outros” (APPADURAI, 2008). Os sapatos neste incidente produziram o efeito de

identificar a pessoa que andava sobre eles, enfim, eles sinalizaram uma indianidade

apropriada por Millena. Qualquer coisa que modifica um estado é um ator, ou melhor, na

linguagem latouriana é um actante, inclusive os não-humanos (LATOUR, 2008). A

capacidade de agência e de gerar efeitos também acontece com os objetos. Os sapatos

indianos de Millena Simões foram actantes neste incidente e nos interpelaram (FRANKLIN,

2003).

Logo após o incidente, sentimo-nos num pequeno bazar indiano transportado para a

escola de yoga onde foi realizada a maior parte das entrevistas. Entre diversos objetos trazidos

das viagens, verificamos batas, camisetas, saias, calças, livros, enfeites, CD’s, postais, anéis,

pulseiras, estátuas, echarpes, óleos essenciais, chás, temperos e japa malas (espécie de rosário

hinduísta). Eles deslocavam de algum modo a Índia ao Brasil. Estes objetos estavam

envolvidos num conglomerado circuito de memórias, sentidos, performances e materialidades

que atravessavam as narrativas das viagens.

Interessamo-nos pelos efeitos produzidos através objetos. Para isto abordaremos a

criação de ambiências e de perenização dos afetos experimentados durante a viagem.

5. Objetos que criam ambiências de indianidades

Começamos esta seção com o argumento de que indianidades podem ser trazidas

através de objetos de viagem. A próxima figura (fig. 34) mostra a “atmosfera indiana” trazida

por meio de objetos adquiridos em três viagens à Índia por Rosana Khoury. Muitos deles

foram alocados em sua escola de yoga: sáris que transformaram-se em panos decorativos,

quadros de imagens de divindades hindus fixadas na recepção, almofadas com estampas

coloridas de elefantes, entre outros objetos.

Foi notado que estas materialidades são performáticas, pois elas produzem efeitos de

indianizar o ambiente da escola de yoga de Rosana. Estes objetos corroboram a ideia de yoga

associada à Índia. Eles “provam” as viagens de Rosana em sua busca pela Índia como o berço

da yoga. Estes objetos decorativos (e olfativos, pois Rosana faz o uso de incensos indianos em

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128

sua escola) acenam uma indianidade (re)produzida: eles trazem “pedaços” da Índia até os

alunos.

Figura 34: Escola de yoga e o conjunto de objetos indianos

Outro exemplo de indianização de objetos de viagem em ambientes foi encontrado na

residência de Rosana Khoury. Expostos como enfeites, os objetos decoravam o ambiente da

casa com toques indianos. Estantes, mesa de centro, lareira e rack de TV alocavam os

souvenirs (fig. 35).

Os fluxos turísticos com o trânsito de objetos permitem que estes possam ser

utilizados como decoração de casa (GORDON, 2002). Indo além de simples enfeites

decorativos, eles podem apontar um status de prestígio aos turistas que adquirem artefatos

étnicos adquiridos em viagens internacionais (GRABURN, 1979 apud MORGAN e

PRITCHARD, 2005).

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Figura 35: Objetos indianos expostos na casa da Rosana Khoury

Conforme visualizado na figura 23, os objetos trazidos de viagens à Índia por Rosana

transformaram-se pelas reapropriações e usos (CANCLINI, 2005). Em sua casa, eles

sinalizavam mementos das viagens e também a sua relação com a yoga e a Índia. O leque

feito com penas de pavão (fig.35) não estava naquele momento sendo usado para abanar, mas

sim, como enfeite de mesa da sala de estar. Incensários (fig. 35 - primeira coluna à esquerda)

geralmente usados em pujas, cerimônias hindus, eram utilizados tanto para decorar a lareira,

quanto como porta-incenso.

A figura 36 mostra um pano indiano pendurado como decoração na escola de yoga de

Rosana Khoury. Em visita a templo hindu na cidade de Ayodhya, no norte da Índia, em 2009,

um dos swamis (sacerdote) a presenteou com o pano. Uma cidade fora do circuito turístico

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tradicional62. O pano mostrado retrata dois momentos: em 2011, como item de decoração na

escola de yoga, e em 2009, como presente.

Figura 36: À esquerda: Ano: 2011. Local: Escola de Yoga em São Paulo. Pano pendurado como decoração. À direita: Rosana havia acabado de ganhar o mesmo pano em 2009 em um templo hindu na cidade de Ayodhya – Índia

As grandes marcas internacionalizadas, assim como o turismo, também se apropriam

de traços culturais para abarcarem determinados nichos de mercados e consumidores. O

perfume da marca Kenzo, mostrado na foto (fig. 37), tem um história curiosa para se pensar

nos fluxos de objetos que buscam tornar-se indianizantes para serem inseridos em mercados

internacionais.

Figura 37: Perfume Kenzo: indianidade

62 A maioria dos pacotes e roteiros comercializados na Índia tem o chamado “Triangulo Dourado”, que inclui Delhi (capital) e Jaipur (cidade turística situada na parte desértica) e Agra (local o Taj Mahal). (EDENSOR, 1998).

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O perfume foi comprado pela Rosana Khoury em uma loja duty free no aeroporto de

Paris, enquanto aguardava a conexão do voo ao Brasil. A coleção do perfurme “Amour” tem a

sua escrita em sânscrito e um dos seus componentes é o extrato de sândalo, árvore de origem

asiática muito apreciada na Índia pelo seu aroma.

Estava junto com Rosana durante esta compra em 2009, pois viajamos no mesmo

grupo à Índia neste ano. Quando fui entrevistá-la, em 2011, lembrei do perfume e da cena do

aeroporto, quando ela perguntou para as atendentes a respeito de um perfume “Índia” da

marca Kenzo. Resolvi perguntar sobre o tal perfume, se ela havia comprado-o só porque tinha

a menção de Índia (pois o nome da coleção é grafado em sânscrito), ela respondeu

categoricamente que sim, caso contrário não teria comprado.

6. Objetos que perenizam a viagem: atravessamentos de afetos

Os objetos trazidos das viagens à Índia também carregavam histórias consigo. Foi

notado que muitas histórias vinham à tona através dos objetos. Eles nortearam as falas das

entrevistadas.

Um dos contadores de história é uma echarpe branca estampada de marrom (fig. 38).

Narani Verardi ganhou-a de presente. O objeto foi atravessado de afeto - porque ganhou de

uma família indiana - e de “modernidade”, pois Narani julgou a estampa ser menos

tradicional. Por isto, considerou importante mostrá-lo neste estudo.

Figura 38: Echarpe: um presente de Narani Verardi

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A echarpe trouxe a história dela durante a hospedagem na casa da família indiana.

Uma relação de afeto foi construída. Narani compartilhou a intimidade pela convivência

enquanto hóspede e a trouxe, simbolizada na echarpe:

Então isso daqui...eu também ganhei, de uma família, eu fiquei na casa de uma família em Délhi, quando eu fui fazer a minha prova, e quando eu vim embora, ela me deu essa echarpe, assim, eu trouxe ela porque eu achei legal, porque ela é uma estampa bem moderna, então achei que pra você seria interessante... - Você então ficou hospedada numa casa de indianos?Como você achou essa família? Fiquei! Assim, foi uma experiência muito legal! Porque eu pude estar em contato com eles [indianos]. Na verdade eu aluguei o quarto, só que, eu participava da diária da vida deles, então, eu fazia as refeições com eles, morava assim, o casal com dois filhos, e a sogra, mãe do rapaz, e essa era a casa da filha do meu professor, então, porque lá é assim, elas se casam e vão morar na casa da família do marido, nesse caso, só morava a mãe dele, e, então, eu participava, então, como eu ficava lá direto, eu fazia as refeições, é, eu brincava com as crianças, eu tinha toda a liberdade assim...tanto que chegou uma hora assim que eu até ajudava na cozinha, na rotina, até comida pro nenê, eu dava (risos), porque eu percebi que era uma coisa eles não abrem muito...e você...que nem o menino mais novo tava com um ano, e quando eu cheguei lá ele começou a me chamar de tia! Que não é uma coisa, pelo que eu entendi, não é igual aqui: “Vai com a tia”, chama qualquer um de tia, lá não, só chamam de tia, quem for tia mesmo, e ele começou a me chamar de tia, e ele só me chamava de tia, isso pra eles já teve um valor grande, eu percebi, e...assim, foi muito rápido, eu fiquei lá uns quinze dias mais ou menos, e nesse período de tempo, eu já me sentia parte da família deles, tanto que a mãe, né, mais velha, ela chegou um dia e falou pra mim: “Se você quiser você pode me chamar de mãe!”. Então assim, pra mim, foi muito importante! - Quando você me mostrou isso (pego o echarpe) vem toda essa história?É...daí você vai lembrando das coisas, é legal! Eu achei interessante, assim, pela estampa, é uma coisa mais moderna, lá em Délhi e...já tão mais assim se abrindo...Então você já vê, todas usam calça jeans, todas...usam...você já vê tipo roupas bem ocidentais mesmo, então, eu achei legal...

O próximo objeto mostra um instrumento musical que foi comprado por Tereza Buturi

e também por Rosana Khoury (fig. 39). A história que envolve este objeto é permeada pela

caridade. Elas compraram no estado do Rajastão, na cidade de Pushkar, onde há muitas

comunidades nômades de artistas, que sobrevivem da venda de instrumentos musicais

artesanais e de apresentações artísticas improvisadas para turistas. Rosana foi interpelada por

uma jovem garota de 16 anos, chamada Rajuri, para que comprasse algum souvenir.

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Figura 39: Instrumento musical do Rajastão

Interessada em comprar, Rosana começou a conversar com ela e descobriu a extrema

pobreza em que a família da garota vivia e disse: “Essa menina mudou a viagem”. Então, o

grupo de professores foi visitar a casa dela: “A gente queria saber mais sobre a vida dela”

disse Rosana. A moradia não passava de uma barraca improvisada sem teto. Comovidos com

a situação da família, os integrantes do grupo resolveram ajudar, comprando instrumentos que

nem sabiam tocar; o intuito era de ter o objeto como lembrança, souvenir e de ajudar àquela

família. Conforme Rosana disse, ela com os outros três turistas viajantes do grupo juntaram

um montante de dez mil rúpias para doar à família de Rajuri. A quantia dava para construir

uma casa.

O grupo, ainda tocado pela situação de pobreza, articulou o contato com uma

Organização Não Governamental local para auxiliar não só a família, mas também, toda a

comunidade. Esta história chegou a ser publicizada por um dos componentes do grupo, o

professor Claudio Duarte, na matéria intitulada: “Uma lágrima pela Índia” (ver anexo B). O

professor de yoga conta a sua experiência de viagem à Índia e compartilha o intuito de fazer

um projeto social para a comunidade indiana: “Nossa ideia, é conseguirmos uma “escola

comunitária” para as crianças e adolescentes locais [...] É um trabalho duro, mas prazeroso e

transformador, tanto para a comunidade quanto para nós” (DUARTE, 2011, p. 98).

Rosana Khoury nos disse que a mesma doação feita pelo grupo suscitou disputa na

repartição entre o tio e a mãe de Rajuri. O objeto, em si, o instrumento musical, não foi

comprado para ser tocado, mas sim, para ajudar os seus fabricantes e tocadores. Ele virou

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objeto de decoração na sala de estar de Rosana Khoury (fig. 40), e um memento de lembrança

(souvenir) para Tereza Buturi.

Figura 40: Instrumento musical exposto na sala de estar

O grupo de turistas viajantes foram além de comprar um mero souvenir exótico ou

autêntico de um outro “não-moderno”, eles estabeleceram uma relação de empatia e de

caridade através do encontro. Foi o instrumento musical que permitiu que eles chegassem até

os modos de vida dos seus tocadores e fabricantes, e não o contrário. É por uma compreensão

mais fluida e flexível sobre as relações turísticas que conseguimos estudar o turismo além das

dicotomias entre turistas, residentes e materialidades (FRANKLIN e GRAIG, 2001).

O próximo relato é de Tereza Buturi em que mostra o seu anel feito de acordo com a

sua pedra astrológica (fig. 41).

Figura 41: Anel astrológico

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O objeto trouxe a história do seu mapa astral com as previsões. As orientações do uso

do anel com a pedra mais adequada de acordo com o mapa foram repassadas à Tereza

conforme nos contou:

“Eles trabalham muito com pedras e barato! Mandei fazer esse anel, tá vendo? Eu fiz meu mapa [astrológico]... Eu fiz o meu mapa com o Swami, aí como você entra no ashram do Kriya Yoga, o Swami olha o seu mapa, ele faz o seu mapa, você acredita? Aí ele falou assim: “Você vai passar por um momento turbulento...você tem que comprar essa pedra (ela fala o nome mas eu não entendo, algo com Gomad) você manda fazer um anel, usa nesse dedo (ela mostra o dedo)”, porque tem o dedo certo para usar, “e você usa direto esse anel”. Daí eu falei: “Tá bem então”. Eu mandei fazer lá, esse anel (ela mostra o anel novamente) e essa pedra só tem lá! E eu até perguntei: “Swami, eu tô no caminho certo da profissão?” (risos), e ele falou: “Você...essa profissão é arte, yoga é arte, você nasceu pra professora de hatha yoga mesmo, é seu caminho”, ele falou: “Você nasceu pra isso, pra trabalhar com hatha yoga”, aí eu falei: “Não, tudo bem, só queria saber se tava no caminho certo”, ele falou: “Você tá”...”

Assim como Tereza, Rosana também trouxe anel, aliás, vários anéis, mas não

astrológico como o de Tereza. Juntamente com outros objetos trazidos da Índia, Rosana

comercializou incensos, sapatos, óleos essenciais e de sândalo, brincos, etc. (fig. 42) para uma

clientela composta por seus alunos e colegas professoras de yoga. Esse pequeno comércio

informal ajudou-a cobrir parte de suas despesas de viagem.

Figura 42: Alguns dos objetos comercializados por Rosana trazidos de sua viagem

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O próximo objeto (fig. 43) trata-se de uma bolsa de lona com a estampa da deusa

hindu Lakshmi, vinculada a prosperidade. Comprada por Narani Verardi, esta bolsa foi usada

constantemente no período de um ano em que passou entre a Índia e Nepal:

Figura 43: Bolsa com a imagem da deusa Lakshmi

“Essa é a bolsa que eu usava lá no dia a dia. Que é aquelas bolsa de sacolão (risos) tá até imunda a bolsa, não lavei, - Por quê? Se eu lavar vai desbotar inteirinha... - Uma bolsa com uma divindade hindu? Sempre com divindades... - Mas essa bolsa que você comprou com a imagem hindu (aponto para a bolsa com a Lakshmi), não foi nem tanto pela divindade? Não...eu queria uma bolsa dessa! Eu queria uma bolsa dessa, e todo mundo tinha uma bolsa dessa! Eu via todo mundo andando com uma bolsa dessa lá, os indianos, né, aí eu falei: “Ah! eu quero uma!”, mas eu não achava! No começo eu via de monte, aí quando eu vi que eu cismei que eu queria, daí eu não achava mais pra vender, daí eu procurei, procurei, e de repente eu achei numa loja, não tinha escolha, só tinha essa, era essa, e acabou. Aí eu comprei essa, aí depois que eu comprei essa, acho que...um dia depois ou dois, vi uma outra lojinha com milhares...aí eu comecei a ver de novo, um monte (risos). Tanto que só tinha grande assim, daí depois eu comecei a ver em outros lugares bolsas menores, e tal, mas daí já comprei aquela, não vou... - Por isso que você comprou? Nem tanto pela divindade... Não, não, uma coincidência que só tinha ela na loja, então eu...no caso da Lakshmi, é uma deusa que eles realmente cultuam assim, todas as loja e todo o comércio tem uma imagem dela, junto com Ganesha, porque ela é a deusa da fortuna, pra eles...”

Ela via a bolsa sendo usada por muitos indianos. O impulso foi o de adquirir um

objeto que fazia parte do cotidiano dos indianos. Talvez fosse uma tentativa em se sentir mais

próxima de micro práticas sociais indianas por intermédio da bolsa.

7. Quando as turistas se tornam objetos turísticos

A busca por experiências é uma das características que move o turismo, não isenta de

possíveis assimetrias. O encontro com o outro faz parte da dinâmica turística contemporânea.

De um lado, “os relacionamentos turísticos surgem de um movimento das pessoas para várias

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destinações e sua permanência nelas” (URRY, 2001, p. 17); de outro, estas relações (e

permanências temporárias) não estão isentas de contradições, tensões e ambigüidades.

Millena Simões falou sobre o seu desconforto inicial ao ser abordada para tirar fotos

com indianos e de ser alvo de olhares e comentários. Neste caso, curiosamente, o “olhar do

turista” (URRY, 2001) inverteu-se para o olhar do não-turista sobre o próprio turista:

“No começo eu me incomodava mais e depois acabei me acostumando de tudo mundo ficar olhando né?! Como se você fosse um extraterrestre...olhando, olhando, e...às vezes curioso, cochichando entre si, então você se sente mal às vezes, algumas pessoas pedem para tirar foto com você, que você é diferente, enfim...” “Tipo, meu cabelo né, não existe lá...praticamente, até tem um pessoal do sul que tem o cabelo crespo, mas tem pouco cabelo, cabelo comprido...então...” “Uma atendente me perguntou: Como você faz esse cabelo?”, eu falei: “olha esse cabelo eu não faço, esse cabelo é meu, ele é assim”, e até brinquei com ela, eu falei: “olha, você tem que nascer de novo” (risos), “seu cabelo é muito bom...”, brinquei com ela, então tinha essa questão, era muito engraçado, “olha...o cabelo...”. “E acho, bom, eu acho que tirei assim... com certeza pelo menos umas dez fotos, porque em Rishkesh às vezes eu tava na ponte e na ponte tem muito turista indiano, assim, passando...e tem muitos profissionais que ficavam tirando fotos, daí eu me lembrei de várias vezes que eu passei na ponte e aí: “vamos tirar uma foto?”, ou então, sem me pedir tiravam foto, sem autorização. E mesmo durante a viagem pelo Rajastão, algumas pessoas: “posso tirar uma foto com você?”...era muito engraçado...” “Você imaginava que você teria esse “assédio”? Não! Eu ficava brava, porque gente, não é possível, eles estão careca de receber turistas daqui, porque ficam encucando com gente, né...gente, tá cheio de turista aqui, porque que...né...tão diferente assim, era engraçado!”

Neste caso percebe-se que o cabelo de Millena Simões foi o chamariz (fig. 44). O

rótulo de “turista estrangeira” assume uma “identidade monolítica” como turista, conforme é

apontado por Lawson e Jaworski (2007). Jokinen e Veijola (1997) também rejeitam a ideia da

fixidez de uma suposta “identidade” de turista, pois esta é elaborada num contexto situacional,

relacional e performativo.

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Figura 44: Millena e seu cabelo: “atração turística” na Índia

Millena, um tanto incomodada pelo olhares tornou-se um traveller-object63. Ela

produziu o efeito de atração turística para os indianos. Um jogo da diferença em que “a

viagem obriga quem viaja a sentir-se “estrangeiro”, posicionando-o, ainda que

temporariamente, como o “outro”” (SILVA, 2000, p. 88). Millena foi alvo de fotografias. Ela

foi o “outro”; um objeto passível a ser “capturado” somente pelas imagens, assim como

atrações turísticas, que só podem se deslocar através de imagens fotografadas in loco.

Tereza Buturi relatou sobre a sua experiência de ter sido diferenciada como turista

estrangeira, principalmente, pela cor da sua pele (fig. 45). Muitos indianos queriam além de

tirar fotos com ela, saber de onde era. A alteridade causada pelas suas características física a

tornou um objeto, causando interferência nos lugares em que passava.

Figura 45: Pele clara e cabelos loiros: Tereza Buturi tornou-se atração

63 Ver a noção sobre traveller-object desenvolvido por Celia Lury (1997) neste capítulo.

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139

Um ponto importante da dissertação, e que também merece maior atenção em

trabalhos futuros, está relacionado com os objetos trazidos das viagens que refletem

momentos de solidariedade, afetividade e de encontro/desencontro com o outro, com a Índia

contemporânea e que se manifestam nas narrativas e sentimentos contidos na echarpe, no

instrumento musical e no anel.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho optamos por estudar as viagens como constituintes de fluxos turísticos

entre Brasil e Índia. Consideramos o termo fluxo mais condizente com a ideia de mobilidade e

circulação transnacional, em que as indianidades se fizeram presentes; efeitos de

configurações complexas de socialidade, relacionalidade, organizações regionais e

instituições globais (ELLIOTT e URRY, 2010). Compreendemos indianidades como

repertórios imagéticos e textuais que sinalizam a Índia enquanto destinação turística

internacional.

Ampliamos e dialogamos com os scapes descritos por Appadurai (1996).

Primeiramente, com os mediascapes e ideoscapes: canais de trânsito para repertórios de

indianidades em propagandas turísticas de agências de viagens brasileiras. A incidência da

circulação de pessoas em viagens à Índia, e pela comunidade da diáspora indiana nos Estados

Unidos, constituiu-se o ethnoscape. Os objetos trazidos das viagens estavam imbricados ao

technoscapes, ou seja, o fluxo de artefatos.

Não encontramos imagens que aludissem indianidades por meio de shopping centers,

ou construções em arquitetura arrojada, e nem de indianos portando celulares ou vestidos com

roupas ditas “ocidentais”. Isso não convém para a construção do repertório de identidade

autêntica indiana apropriada pela indústria turística. As imagens e textos das propagadas dos

pacotes turísticos enfatizavam os aspectos antigo, idílico, exótico, religioso e multicultural,

que insistem e resistem em não desaparecer, mesmo sob a égide do intenso crescimento das

metrópoles e da economia daquele país. Vimos três repertórios de indianidades que foram

prioritariamente utilizados nas propagandas de pacotes turísticos: bem estar, exotismo e

espiritualidade. Nenhum destes repertórios são atributos da Índia, mas sim, características

contingentes que se dão na medida em que são performatizados (BRAH, 2006).

Notamos que a yoga exerceu um papel fundamental e fluido durante todo o trabalho,

permeando a pesquisa em diferentes posicionamentos. Em um primeiro instante, pela própria

trajetória extra-acadêmica da pesquisadora, em sua relação com a yoga como praticante e

professora. Depois, como repositório de informações sobre a Índia para um nicho de mercado

em pacotes turísticos denominados de “yoga journey” ou “yoga tourism” (AGGARWAL et

al, 2008). A referência à yoga é recorrente em propagandas turísticas governamentais e

empresariais para a promoção do destino “Índia” impulsionando professores, instrutores e

praticantes de yoga brasileiros a buscar a Índia como seu berço cultural. Algumas dessas

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viagens tiveram como desdobramentos palestras no Brasil e em projetos comunitários na

Índia.

Os relatos das viagens à Índia, por meio de suas narrativas e imagens, retratam o

acesso a bens culturais globalizados da classe média brasileira. Dividimos os relatos em três

temporalidades, o antes, o durante e o depois, na volta para casa. Os preparativos para o

embarque incluíram uma gama de micro práticas (vistos, vacinas, passagens, dinheiro,

estoque de papel higiênico, etc.) e referências bibliográficas sobre a Índia contemporânea e

literaturas técnicas sobre yoga. As experiências em ashrams na cidade de Rishkesh contadas

por três das quatro entrevistadas nos mostraram a incidência de um complexo turístico que é

abastecido por turistas estrangeiros em busca de práticas e estudos sobre yoga e

espiritualidade indiana.

A Índia contemporânea, desenvolvida pelos fluxos da globalização e abertura

econômica, foi narrada por meio de experiências nas cidades cosmopolitanas como a de

Hyderabad, onde foram encontradas marcas internacionais e empresas transnacionais. A

estrutura sofisticada do aeroporto internacional em Delhi foi relatada em entrevistas com

estupefação. Estas narrativas fissuram a ideia monolítica de uma Índia parada no tempo e

contrariam o discurso (colonial) do oriente sem máculas da modernização (McRAE, 2003;

FRANKLIN e CRAIG, 2001).

Também é importante mencionarmos o desdobramento dos relatos de viagem sob o

formato de palestra. A experiência prolongada na Índia de uma das entrevistadas foi narrada a

terceiros onde o aspecto cultural e religioso tiveram destaque em sua explanação. As imagens

de templos, ashrams e festivais religiosos reafirmavam a sua fala. Interessante notar que, a

narrativa da palestra se aproximou dos repertórios de indianidades (exotismo, bem estar e

espiritualidade), encontrados em propagandas turísticas sobre a Índia, vinculadas por agências

de viagens brasileiras.

Contemplamos em nosso estudo as narrativas ficcionais (REIGOTA,1999) ao

problematizarmos por intermédio de cenários e personagens recortados em incidentes, viagens

que tornam fluidas dicotomias entre profissional/pessoal, local de trabalho/casa,

presença/ausência, centro/periferia, inclusão/rejeição de experiências, sentimentos e ideias

(REIGOTA, 1999; ELLIOTT e URRY, 2010). As narrativas ficcionais sobre as viagens

contemporâneas à Índia colocam em jogo heterogeneidades que se relacionam na medida em

que se encontram, sejam entre pessoas ou artefatos.

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Os modos de vida em família na contemporaneidade também foram abarcados em

nossas narrativas ficcionais, onde estes estão cada vez mais pluralizados, diversificados e

reconstituídos (ELLIOTT e URRY, 2010), contextualizados por meio das migrações que

fizeram parte de gerações de famílias indianas e latinas também. A circulação de pessoas,

artefatos, informação e ideias (APPADURAI, 1996), (re)criam paisagens indianas nos

Estados Unidos, pelo viés da diáspora indiana.

Os objetos trazidos das viagens à Índia se constituíram artefatos interpelativos de

lembranças, sentimentos e indianidades. A actância destes objetos reside em sua capacidade

de ação (LATOUR, 2008): sinalizar e criar ambiências de indianidades, perenizar afetos e

estimular solidariedades. Alguns dos objetos foram adquiridos com o intuito de comercializá-

los informalmente, outros, como presentes a parentes e amigos, e, muitos deles, para serem

usados cotidianamente (vestuário, enfeites, óleos essenciais, etc.).

Vale lembrar que os objetos de viagem estavam abertos, ou seja, não determinados em

seu uso. Suas performances eram desempenhadas na medida em que se relacionavam: um

pano ganhado num templo hindu tornou-se um objeto decorativo em uma escola de yoga; um

pacote de chá durante a entrevista configurou-se como souvenir; um anel com a pedra

astrológica condizente ao mapa astral transformou-se em amuleto e objeto que trazia à tona as

orientações de um swami.

Notamos que alguns dos objetos adquiridos e trazidos nas bagagens tinham relação

direta com a yoga: imagens de divindades hinduístas (estátuas, camisetas, pingentes, etc.),

CDs, capas para yoga mat (tapetes para práticas de yoga), japa malas e livros técnicos.

Porém, nem só de yoga vivem os fluxos turísticos Brasil-Índia. As indianidades postas

em circulação, por meio das narrativas, propagandas turísticas e objetos adquiridos em

viagem, mostram que determinados repertórios atrelados à Índia, ora contém resquícios da

fixidez do discurso colonialista, Orientalismo (SAID, 2007; BHABHA,1998), ora

reminiscências de um audacioso projeto de imaginação e soberania da cultura indiana,

fundamentado no movimento nacionalista anticolonial (CHATTERJEE,1993).

Sabe-se que as falas sobre a Índia pelos turistas (e que neste trabalho ampliamos para

os objetos) são, também, oriundos de referências que estes tiveram sobre o país anteriormente

a viagem, assim, disseminando determinados repertórios (MARQUES, 2010). Para ilustrar

um exemplo desta afirmação, podemos evocar o Taj Mahal, que apareceu como o “ápice” em

pacotes turísticos, sendo visita obrigatória (mesmo contrariadas) pelas professoras de yoga

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143

que entrevistamos. O monumento tornou-se um repertório de indianidade associado a viagens

à Índia.

As relações entre o Brasil e a Índia remetem às rotas comerciais de um passado

colonial em comum. Geograficamente distantes e com culturas díspares, o Brasil e a Índia

apontam como países emergentes no cenário global cimentados em acordos multilaterais e

acrônimos como BRIC64 (PINHEIRO, 2010; KAMDAR, 2008). Falar das relações entre

Brasil e Índia é falar sobre a circulação de pessoas, artefatos, informações e ideias

(APPADURAI,1996), e o turismo compõe um importante nó que entrelaça estas relações.

O turismo na contemporaneidade pode ser compreendido como uma das maiores

indústrias que movimenta mais de sete trilhões de dólares em todo o mundo (ELLIOTT e

URRY, 2010). Com mais de um bilhão de turistas viajando todo o ano, o turismo está entre

os Zeitgeist65 da pós-modernidade (NOY, 2004). As mobilidades corporais através de viagens

também expressam estilos de vida para aqueles que escolhem e podem viajar, ao contrário

daqueles que são obrigados a se deslocarem como os refugiados e exilados, ou os

“imobilizados” (SAID, 2003; McRAE, 2003; ELLIOT e URRY, 2010; APPADURAI, 1996).

Em face do expressivo volume movimentado pela indústria turística e das

interferências nos modos de vida, os fluxos turísticos entre Brasil-Índia e a circulação

transnacional de indianidades estudados neste trabalho, abrem-se para possibilidades de

pesquisas posteriores.

A presença de um “mestre” brasileiro na Índia, que convence seus seguidores a lhe

beijar os pés em troca de palavras “de sabedoria” e de uma fruta, merece ser aprofundado em

estudos futuros por sinalizar traduções e interferências sócio-culturais que trafegam nos fluxos

turísticos entre Brasil e Índia.

Entre os objetos, vale questionar se os espaços de yoga que criam ambiências de

indianidades se utilizam desta estratégia para angariar adeptos, ou ainda, para influenciar as

suas práticas, podendo estender tal questão para outros ambientes, como restaurantes indianos

no Brasil.

Estas e outras indagações possibilitam que a pertinência temática continue

“respirando”, sempre aberta aos fluxos do campo-tema. Do mesmo modo que os capítulos

deste trabalho correspondiam a uma fase respiratória, encerramos este ciclo de pesquisa

vislumbrando novos estudos, outros ciclos.

64 Brasil, Rússia, Índia e China. 65 Espírito da época

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

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ANEXO A

ENTREVISTAS

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Entrevistada: Millena Veruska Simões, praticante e professora de yoga Data: 15/04/11 Local: Instituto Yóga Clássico Claudio Duarte - São Paulo/SP

Me fale um pouco sobre você, yoga... Eu conheci a yoga há uns dois anos quando, a Denia que era uma formanda falou que daria um cartão e que também tem o curso de formação, daí eu comecei a fazer o curso, eu era secretária e fazia o “formação”, em agosto [2010] eu decidi sair do trabalho eu já tinha comprado a passagem para ir com o Claudio em janeiro, já tinha negociado as minhas férias para janeiro aquela história toda, nós compramos a passagem em junho [2010] mas aí eu resolvi sair do trabalho, no começo de dezembro a Teresa falou que ia ficar um mês aí eu resolvi ficar com ela, só que depois que já tava lá, eu resolvi ficar mais um. Quando surgiu a ideia para você ir à Índia? Quando eu vim fazer a entrevista [risos] eu já perguntei pra ele [Prof. Claudio Duarte] porque eu acho o seguinte que yoga é como o inglês quem é professor de inglês tem que pelo menos uma vez fazer um intercâmbio que é diferente quando te perguntam se você já morou fora: “não,nunca, aprendi inglês só aqui” acho que yoga é a mesma coisa, então quando vim fazer a entrevista eu já perguntei pro Claudio: “e aí, o pessoal vem fazer o formação [curso para formação de professor de yoga] você costuma ir para Índia, como que é”, aí ele falou: “eu vou todo ano lá pra março, abril vou começar a organizar aí eu aviso, quem quiser, se organiza”, daí acho que quando foi abril ou maio ele começou a se organizar, e eu decidi ir. Então você já tava com essa ideia bem fixa de ir para Índia? Eu queria ir, não necessariamente no primeiro ano [do curso] mas que eu gostaria de ir, achava que era importante. De abril, maio você se organizou para essa viagem, mas quando efetivamente falou: “agora eu vou”? Em junho, ninguém acreditava né, eu tinha acabado de começar o curso, e aí a Rosana e o marido dela falaram: “nossa mas você vai mesmo?”, vou, até eu comprar a passagem eles não tavam acreditando muito que eu iria, eu acho, tanto que ela me falou, porque tem muita gente que fala que quer ir, que quer ir, chega na hora de comprar a passagem, muitos falam: “ah não vai dar, não tenho dinheiro ou não vou ter tempo”, e eu não, eu vou mesmo. Neste decorrer de tempo entre junho e dezembro, como é que foi a sua preparação, do momento que tinha decidido até o momento de embarcar. Então, quando nós compramos em junho, eu passei os meses de junho e julho, pois tinha meu trabalho ainda, não pensei muito nisso, mas a partir do momento que decidi sair do trabalho, bom, agora vou ter tempo livre eu preciso praticar mais, estudar mais, como eu só fazia a prática na sexta-feira no formação, eu resolvi fazer mais duas vezes aqui [escola de yoga] e uma vez por semana com a professora Sueli Maria, eu fazia três vezes por semana mais o formação, pois achava que era importante, eu comecei a comprar vários livros , comecei a conversar com o Claudio o que que era legal, comecei nas revistas [Revista Planeta, várias edições sobre yoga] aí no final delas tem algumas que indicam alguns livros, têm algumas edições que são bem antigas, daí fui em sebos pra comprar, quanto mais antiga melhor,né, têm coisas mais originais, enfim foi o que ele me disse, que as traduções vão mudando e aí algumas coisas se perdem, então eu fui atrás de alguns livros sobre yoga, chakras, este tipo de coisas, para começar a me preparar. Então suas leituras foram não sobre Índia neste momento, mas sobre yoga? Sobre yoga, sobre yoga, daí eu ganhei um guia por exemplo de uma amiga, nem me liguei de trazer. Voce lembra qual era o guia? Não mas eu posso te falar depois. Intervenção do professor : “Não era o Lonely Planet?”. Não, aquele comprei na Índia. É um que é bem ilustrado, então eu comecei a ler um pouquinho pra tentar entender, aí o Claudio depois ele entregou um material pra gente, uns mapinhas, ele fez reunião com a

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gente e eu li um pouquinho sobre Rajastão que eu sabia que era um dos lugares que a gente tava planejando visitar, então foi assim que eu me preparei, mas é claro que nunca...quando chega lá é diferente, daí eu comecei a perguntar para Rosana [que já havia estado na Índia anteriormente] como que é, o que que eu tenho que levar eu tava muito preocupada com o que eu preciso levar, né. Por que te deu esta inquietação sobre o que precisava levar? Porque....quando a gente pensa em Índia aqui, principalmente porque teve a novela, então a gente tem uma visão de Índia que tudo é colorido, assim, a gente imagina um cenário e a gente sabe que tudo é muito diferente daqui da nossa realidade, então você fica, poxa, e aí? Como que é? Então a Rosana já tinha me falado: “olha é bem diferente, têm certas coisas que você vai precisar levar”. e não me falou o que especificamente era, então um pouco antes de viajar, eu falei pra ela, vou comprar, por exemplo, lenço de papel, “você precisa levar lenço de papel, você precisa levar álcool gel”, este tipo de coisa né, lenço umedecido, esse tipo de coisa eu já sabia que não podia faltar. Então, mais em relação com os aspectos da higiene? É, eles têm muita dificuldade, porque eles usam água no sanitário, não tem papel higiênico, então pra gente é um pouco complicado, o ideal é sempre que você tenha uma bolsa pequena, que você tenha espaço pro álcool gel e pro lenço de papel e se você quiser, lenço umedecido. E isso te preocupou de alguma maneira, ou não, esses cuidados com a higiene pessoal? Antes de ir? É. Com certeza! Sou um pouco neurótica (risos) então, isso, assim, a primeira coisa que comprei e comprei bastante e ainda trouxe um pouquinho. E aí depois desta etapa, qual foi outra medida que você foi articulando no antes da viagem? A questão do dinheiro né, porque quando foi em dezembro eu descobri que iria ficar um mês a mais, num ashram, provavelmente, era o quanto eu tenho que levar em dinheiro né. Mas você falou que descobriu que iria ficar um mês a mais, como foi isso? Eu tinha essa ideia, pois não taria trabalhando, teria tempo livre, e aproveito já que a Índia não é aqui do lado, não sei quando vou poder voltar, então vou aproveitar o tempo, praticando yoga, meditação, enfim, pra agregar em termos de prática, cultura e etc. Mas essa sua extensão da viagem no ashram você estava pensando em nível pessoal ou profissional? As duas coisas. Mas para ficar sozinha era complicado né, pô, não conheço nada, até mesmo casada, então, era complicado, ia ficar lá e aí, você nem foi ainda e nem sabe como vai ser. Então na verdade você havia tido a decidido ficar mais um período mas não sabia onde iria ficar? Não sabia onde ia ficar, não sabia se iria, eu queria, mas teve esse impasse e aí, onde vou ficar, então comecei a tentar entrar em contato com a Narani, que ela ficou lá um ano, e primeiro não consegui, só consegui falar com ela mesmo em dezembro, quando tinha decidido ficar de fato mais um mês num ashram para tentar esclarecer algumas coisas, e a principio decidi que iria ficar no mesmo ashram que ela estava, que era o Ved Niketan, que no fim não fiquei, daí ela me explicou: “olha, não vai idealizando muita coisa, porque se você está pensando que ficar lá vai encontrar uma prática de yoga maravilhosa, você vai se decepcionar, conheça alguns ashrams, veja como é a prática e às vezes uma coisa que não é legal para mim pode ser para você, então analisa e veja onde compensa mais para você, você vê qual é teu perfil”, então quando a gente chegar lá a gente vê e decide de fato onde a gente vai ficar. A primeira etapa foi decidir, depois comprar a passagem, depois começar a guardar dinheiro, tomou esses cuidados com a higiene pessoal, começou a busca o lugar da extensão da viagem, depois do roteiro com o grupo e qual que foi o próximo passo antes de embarcar? (risos) Eu fui ao médico e falei que quero fazer um check up, com medo de ter algum problema lá, e aí se eu precisar de médico, como que é minha filha, dependendo da cidade você vai ter uma estrutura mediana dependendo....vamos rezar pra tudo dar certo, então, eu decidi ir ao médico principalmente que tava há alguns meses sem comer carne já, quase um ano, então você fica um pouco preocupada. Então você estava num processo de se tornar vegetariana? Isso! Entao fiz um check up, fiz vários exames pra ver se tava tudo ok, quero sair daqui com minha saúde está 100% pra eu ir tranqüila, se acontecer alguma coisa, foi alguma coisa que comi, sei lá, e aí tem a questão da vacina que tem que tomar. Eu fui no Hospital das Clínicas aqui em São Paulo que a Arlete me indicou [professora de yoga que já tinha ido à Índia] tinha me indicado: “se você for lá eles

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podem te indicar outras vacinas”, normalmente eles perguntam qual a região que você vai, eles têm uma preocupação diferente do aeroporto por exemplo, que só é a febre amarela. Eles fazem uma....são vária pessoas, vários viajantes e aí eles explicam, normalmente eles falam de Índia, África esses lugares, daí eles falam: “olha, o que é a malária, quais são os sintomas, quais são os cuidados básicos de higiene, cuidados com a água, indicam alguns repelentes”, algumas coisas assim, que você, que pode te ajudar nessa viagem, e aí se você tem carteirinha de vacinação, eles olham e daí indicam : “seria bom se você tomasse anti-tétano ou de hepatite”, alguma coisa assim... E você tomou? Eu tomei, eu tomei de hepatite B, aquela de três doses, febre amarela e anti-tétano, aquela que é bem doída. E você chegou a fazer algum seguro saúde? Fiz! Seguro saúde e depois estendi também, não queria ficar lá sem essa segurança, qualquer coisa em algum lugar iam te encaixar, e depois o último passo, foi o visto, porque como é válido a partir daquele momento que você foi buscar e então você não pode fazer com muita antecedência se você quiser ficar mais tempo, senão você pode perder tempo, então essa era uma outra preocupação, mas foi super tranqüilo, de um dia pro outro. Aí então a próxima etapa foi o embarque. Vocês foram via Europa né? Isso, Frankfurt. E quando você chegou à Índia, qual foi seu primeiro impacto? Primeiro, uau, que aeroporto que é esse né? Porque você...(ela pergunta ao professor se ele já havia visto aeroporto depois da reforma, ele responde que não, que só havia visto em reforma) Eu não espera aquela estrutura não espera que fosse tão bonito, enfim, o primeiro impacto incide em todo em todo mundo inclusive de quem já... Você tirou algumas fotos do aeroporto, certo? (ela mostra as fotos do aeroporto) fiz questão de tirar, porque o que me chamou a atenção foi justamente de ser moderno, embora eu achei absurdo ter carpete no aeroporto, né, gente como é que coloca carpete no aeroporto inteiro, tudo com carpete, algumas áreas próxima das companhia que não tem, a área de desembarque toda com aquelas esteiras enormes e carpete envolta, eu falei, gente absurdo né, não sei é uma questão de parecer luxuoso ou alguma coisa do gênero mas, essas fotos como está próximo ao balcão você vai ver o carpete, eu achei assim, gente imagina a manutenção disso, eu achei engraçado e ao mesmo tempo eu achei estranho, eu achei, não que estranho mas, o que chamou atenção foi o contraste, embora fosse moderno o fato deles terem colocados os mudras [gestos realizados com mãos, técnica da yoga] que é uma coisa bem característica né, quem não conhece, claro de repente você tá indo pra Índia à negócios, a pessoa fala o que será que é isso né, você não tem ideia, mas quem tem uma noção, chama muito atenção, eu achei muito bonito! (ela continuar a mostrar as fotos do aeroporto e dos mudras de enfeite e continua um tanto quanto indignada com os carpetes). O aeroporto é um ponto turístico então? É! É enorme, é bem grande, tá super moderno, tá super bonito...primeiro mundo...(risos) E como foi que transcorrendo a sua viagem?Cenários... O primeiro impacto é o transito, e embora as pessoas avisam que é complicado você não tem ideia, você só consegue perceber quando você ta lá, é uma loucura, muita gente, alguns lugares não tem mão certa, vem vindo um carro na direção contrária, então isso é bem impactante, “gente o que tá acontecendo?”, atravessar a rua...o que chama a atenção também é o comércio de rua, né...ao mesmo tempo que você tem lugares assim...com estilo mais contemporâneo, mais europeu, que é a “Conaut” [famosa rua de comércio da cidade de Nova Delhi], então, aí no lado você tem uma rua com uma barraca com umas mulheres vendendo coisas que elas bordam, ou então, uma área que tem muita gente, muitas barracas, muitas roupas, e o pessoal disputando para te vender e...querendo que você compre, enfim...e tentando negociar, a questão da negociação eu achei muito divertida, tem que barganhar! (risos) muito legal, achei muito divertido... E teve alguma situação digamos assim “pitoresca” nestas suas negociações? Sim, teve uma cidade que agora não vou lembrar o nome que a gente tava procurando sapato e aí tava um pouco caro, era uma barraca de rua, daí a Rosana comprou um sapato por um valor “x”, e eu e a Teresa estávamos interessadas, mas não compramos porque a gente achou caro, e ela comprou, ok, daí a gente saiu, ok tava muito caro “não quero”, a gente entrou numa outra loja, virou a esquina e o

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vendedor foi atrás da gente e largou a barraca, seguiu a gente, daí me chamou de canto e disse “pra você faço mais barato...”, “como assim? Você vendeu pra minha amiga mais caro?” (ela começa a cochichar encenando a fala do indiano vendendor) “não, não...mas você quer levar, quanto você quer pagar e tal...eu faço mais barato”. Essa foi uma situação de negociação que eu achei mais inusitada. O cara foi atrás da gente, no outro quarteirão e a gente já tinha andando, virado o quarteirão à direita, ele foi atrás e ainda me ofereceu de canto, mais barato, com a maior cara de pau que a minha amiga tinha pago... O trânsito... O comércio... O comércio é fascinante! É uma coisa...as pessoas são muito simpáticas, elas querem te atrair, querem saber da onde você é, daí tentam falar em espanhol em algumas cidades pra tentar conversar e começam a perguntar, e quanto que você quer pagar, e tal..é muito engraçado...te convidam para tomar um chai [chá indiano], e vai te envolvendo né, te tratam como um amigo, que é pra você comprar. E você percebeu isso muito mais com os turistas, esse tipo de tratamento? Sim! Sim, com o indiano eles também tem que barganhar pelo que entendi, pelo que perguntei para indianos, mas muito menos do que a gente, o que se percebe é que muitos lugares o valor pra indiano é um e pra turista é outro, bem mais alto (ênfase), e tem outras coisas do tipo “meu cartão não ta funcionando, vamo ali na loja do meu amigo”, daí você chega lá, é loja de parente que tem pedras, que tem jóias, ou loja de arte, “senta aí enquanto eu pego o cartão, toma um chai”, que é pra você olhar e pra ver se você se interessa em levar alguma coisa...então tem bastante isso também... Essa prática comercial... Eles são muito bons! (risos) o povo fala de judeus com o comércio, mas o indiano é muito... “esse é meu amigo” e tal e te envolve e você fica até com dó, que pra você nem é tão caro, claro, que se você pensar na moeda deles, você vai falar “puxa, mil rúpias, por exemplo”, nem é tanto assim dependendo do objeto né...tá tudo bem...você sabe que tá pagando caro, mas você acaba levando às vezes, porque a pessoa foi super simpáticos, ela te envolveu, você acaba levando... Mas pelo atendimento que pela mercadoria? (ela concorda), depois a gente pensa “por que comprei isso?”, “gente, como assim?”... lá eu paguei 400 rúpias, que raiva e aqui ta 100!! Daí você fala, não tudo bem, daí você para de pensar, chega uma hora que se eu for pensar que todo negócio que fiz não foi legal, você fica louca... O importante é que ali eu ganhei, aqui eu perdi, no fim...tem...consegue equilibrar. Bom, já que a gente está falando sobre as coisas, dá para você mostrar um pouquinho do que você comprou por lá... Entao, coisa que eu gostei muito... assim, pelo menos eu não vejo, não sei se tem em lojas especializadas, enfim...entao são coisas de pedras.Esse Ganesha (figura 1) de quartzo rosa, que eu comprei em Delhi, na hora em que eu vi eu achei assim: “eu não vou achar em lugar nenhum, o mais lindo que já vi...”depois você chega em outro lugar e tem um monte...ai que ódio.

Figura 3 Ganesha em quartzo rosa e outras estátuas hindus

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Agora esse aqui (figura 2) eu não achei em lugar nenhum...tá...a gente comprou em Pushkar, era uma senhora que tava na porta do hotel e ela mesmo, ou o filho ou algum parente eles faziam, entalhavam tal...ali na hora você via que eles tavam fazendo, então é um design diferente, é uma proposta diferente de tudo que eu vi, entendeu? Então, eu achei muito legal.

Figura 4 Ganesha em "design diferente"

A primeira vez que eu vi isso (foto 3) eu achei fantástico! Num templo de Lakshmi em Delhi, eu falei “não vou achar mais...” fiquei super arrependida de não ter comprado, e no fim, eu achei em outro lugar, enfim...eu achei legal, achei bacana, que é o namaste [comprimento indiano manifestado com as mãos] com a Lakshmi e o Ganesha [divindades hinduístas], é diferente.

Figura 5 Namaste

Tem muita coisa que a gente vê lá que você tá cansada de ver em São Paulo, enfim, tem outras coisas que você não costuma ver e que acaba te encantado, e aí...tem óleo massagens (ela mostra os frascos de alguns óleos trazidos de lá) porque aqui é meio complicado de comprar né, esse aqui eu comprei numa farmácia ayurvédica [medicina tradicional indiana], que eu fiz uma consulta com uma pessoa lá da própria farmácia e ele indica lá algumas coisas. E como foi a experiência da sua consulta? Então, claro que...a pessoa é dona da farmácia, você sabe né, essas coisas acontecem né, ele vai te indicar um remédio... mas nem me lembro quanto eu paguei, mas foi baratinho, e..ele acertou muito assim...de ver, de sentir ali o pulso, de conversar, é...então “você ta algum problema aqui”, daí você : “é realmente...eu sinto...”. A sua comunicação facilitada porque você fala inglês? Isso! Inglês é primordial. Não recomendo ir à Índia quem não fala inglês. Você acha muito importante o inglês?

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Eu acho! É muito complicado, a não ser que você vai pro Prem Baba daí você pode só falar o português... Quem que é Prem Baba? Prem Baba é uma pessoa de São Paulo, você pode procurar na internet você vai ver (intervenção do professor: “diga à ela que ele é ex-aluno do Claudio e que se chama Jander) (risos dela) que foi aluno do Claudio, que eu não sabia, enfim... Ele tem uma espécie de ashram [local para práticas e estudos espirituais] em Rishkesh muito freqüentado por brasileiros que vão para lá especificamente para participar das atividades destes ashram, então, chegam a ficar lá por seis meses né, então como são basicamente brasileiros, entao se fala português, algumas aulas por exemplo de yoga e tal, são em inglês e tem tradução para o português ou vice-versa, então muita gente que não fala inglês e sem dinheiro, vai só para ficar lá, então como é uma cidade bem barata, alimentação é barata e no próprio ashram eles dão a própria comida de graça, então muita gente fica lá. Se você gosta da proposta né, essa pessoa em São Paulo, tem um Satsanga [reunião com mantras, palestras voltadas para espiritualidade] uma vez por mês e as pessoas conhecem isso, a música é boa, acabam gostando e querem ficar lá. E você chegou a conhecer lá? Eu fui para conhecer, especialmente, não me agrada a proposta, já tinham me convidado para participar em São Paulo, e eu não fui, porque achei que não era pra mim, mas tem muitos brasileiros que gostam, então...Fui, participei do satsanga... Você viu bastantes brasileiros neste ashram? Praticamente só brasileiros! Não funciona exatamente como ashram porque não tem lugar pra dormir, até onde eu sei, as pessoas ficam ali o dia todo! Então de manha tem meditação, tem aula de yoga, tem o satsanga, a tarde, tem mais aulas, tem a parte de música, então tem atividade o dia todo. Então as pessoas só saem de lá pra comer, se não quiserem comer a comida que eles fornecem, e pra dormir. Então, você não fala inglês, é uma alternativa esse ashram e muita gente vai sem dinheiro. E quando você chega em Rishkesh e diz que é brasileira, a primeira pergunta que te fazem é “se você foi, ou tá no ashram do Prem Baba” E você percebeu nessas perguntas algum tipo de insinuação? Não. Por quê? Porque que eu percebi, como vai muito brasileiro, então ele [Prem Baba] ajuda muito o comércio. Porque em muito comércio indiano tem foto dele nas lojas. Em restaurantes... Com foto dele? É! Do Prem Baba. (interrupção na gravação) - Ela continua dizendo nesta parte da entrevista que as fotos do mestre brasileiro nas lojas indianas funcionam para ela como um tipo de “convencimento”, e que muitas lojas fecham quando a temporada do Prem Baba encerra-se em Rishkesh, então por isso, muitos brasileiros que visitam esta cidade ficam estigmatizados ou associados com a figura dele. Em conversas informais com moradores locais indianos, ela apontou que alguns não o vê com bons olhos, pois ele não conhece bem as regras (rituais), inclusive um deles ao visitar o ashram com ela questionou o que que era aquilo, enquanto outros falavam que ela precisava ir lá. Para Millena há um tipo estereotipado dos freqüentadores do ashram, são mais mulheres que se vestem de branco e algumas raspam a cabeça. Para ela lá “tem cara de igreja” e é mais um espaço de convivência (social). - O próximo assunto da conversa foi sobre a sua estadia em Rishkesh. Ela se hospedou por um mês no Kriya Yoga Ashram e o outro mês numa pousada familiar (guest house). No ashram ela fez uma iniciação na linha de yoga chamada de Kriya, e tentava cumprir a programação do espaço que oferecia às cinco e meia da manhã meditação, em que os hospedes eram avisados por espécie de “sirene” feita através de uma concha, ela chegou a imitar o barulho que às vezes era irritante, já às quatro da tarde havia aulas de yoga e às seis da tarde meditação novamente. Neste período no ashram ela dividiu o quarto com sua colega de viagem, Teresa. As únicas exigências das duas é que o quarto tivesse banheiro convencional, isso quer dizer, vaso sanitário nos moldes ocidentais e principalmente, chuveiro, pois muitos dos “chuveiros” indianos são por meio de baldes e canecas e com isso para Millena era praticamente impossível tomar banho desta maneira, pois ela se preocupava em lavar seu cabelo da mesma maneira que no Brasil, com água corrente e abundante. A sua rotina era pacata, de

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manhã praticava hatha yoga, de tarde meditava, depois ia para internet, fazer ligações ou lavar sua roupa e a noite, comia e lia, pois no seu quarto não havia televisão. - Neste tempo em que ficou na cidade considerada a cidade mundial da yoga, pôde realizar uma breve viagem até o Himalaia por quatro dias, visitou cidades sagradas que após muita propaganda e insistência do próprio dono da pousada em estava hospedada, acabou concordando em pagar vinte mil rúpias pela viagem personalizada, onde o dono a conduziu durante esta viagem turística. - Dentre a situação desagradável que passou por lá, o distúrbio intestinal que durou três dias foi amenizado com a ingestão de antibiótico prescrito pelo Hospital das Clínicas, onde tomou as vacinas. Ela comentou que água na Índia para beber, só se for mineral e que um descuido dela gerou o problema. - Agora talvez seja a parte mais interessante de sua viagem. Percebi um entusiasmo em na sua fala, os gestos ficaram mais intensos e alegres. Como se fosse a descoberta de outra Índia. Millena foi visitar um amigo indiano que havia conhecido em Rishkesh na cidade de Hyderabad. Foi de avião pela companhia aérea Kingfisher por Dehra Dun e passou nove dias na cidade cosmopolitana. Lá se sentiu muito bem: “cara de casa!” disse ela. Hospedou-se na própria casa do amigo indiano, conheceu vários estrangeiros que trabalhavam diretamente na área de tecnologia da informação. Trocou ideias com pessoal que trabalhava no Facebook, visitou o restaurante Hard Rock, foi em danceteria (embora o funcionamento fosse até a meia noite apenas), freqüentou shopping centers, comprou maquiagens da MAC, perfumes da Dior, calças da Tommy Hilfiger e ainda comeu Mc Donald’s e Subway, enfim, uma cidade bem parecida com a sua cidade natal, São Paulo no Brasil. Percebe-se através deste relato os fluxos de grupos e marcas transnacionais (seja na Índia ou em São Paulo) que operam nos turistas uma certa ambiência de familiaridade. Para Millena, não ouvir as tradicionais “musiquinhas indianas” era uma espécie de alívio, e falou: “o pessoal de lá é mais ocidentalizado, usam-se mais jeans e blusa e não batas”. - Após sua experiência de “civilidade” indiana na cidade de Hyderabad conforme ela disse, voltou para a cidade de Rishkesh e logo após foi até o distrito de Noida, próximo de Delhi. Lá ela foi visitar os pais de seu amigo. Visitou shopping centers novamente. Os pais de seu amigo eram “super modernos, cabeça aberta”, viajavam para fora do país e eram considerados cosmopolitanos para ela. Chegou a comer pizza, aliás, pizza era algo que estava sentindo bastante falta de comer, juntamente com brigadeiro. - Entre as trivialidades não menos importantes para esta pesquisa, Millena contou sobre a sua dificuldade em manter as unhas “feitas” durante os três meses na Índia. Para se prevenir, levou os apetrechos necessários do Brasil, “tive duas experiências horríveis, uma num SPA em Noida, pois eles não tiravam as cutículas e fui atendida por um homem! Tive que aprender a fazer.”. A outra experiencia foi “fazer o buço” na Índia com uma técnica que já conhecia e fazia no Brasil, a de linha. Aliás, para ela além delas (indianas) fazerem muito melhor e mais rápido que no Brasil, era muito mais barato, apenas dez rúpias. - Neste ponto da entrevista a questiono sobre a sua viagem com grupo de São Paulo, pois até então ela não havia mencionado sua experiência de viajar na Índia com o grupo através de um roteiro previamente organizado. Então, ela consulta o professor que estava próximo de nós sobre o itinerário percorrido. Ela mencionou que eles não tinham muito tempo, era em torno de dois a três dias em cada cidade, e muita estrada percorrida, já que visitaram o deserto situado no estado do Rajastão. Millena disse que o motorista não era bom “preguiçoso e resistente”. No Rajastão ela disse que as cidades eram bonitas, mas as mulheres tinham cara de sofrimento, pois eram muito trabalhadoras e isso a incomodou bastante. O comércio era composto em sua maioria por homens. Percebeu nesta região que os comerciantes eram muito amorosos e que realmente queriam conhecer e ajudar o grupo de alguma maneira. Vivenciou um contraste: muitos dormindo na própria loja em que trabalhavam e a visita num imenso e luxuoso palácio de rajas (reis): “foi meio chocante”. - Então, ela passa para a visita com o grupo no Taj Mahal (figura 4). Ficou inconformada em saber (e pagar) a diferença de valor para indianos, que eram vinte rúpias, e para os estrangeiros, setecentos e cinqüenta rúpias. Achou bonito, grande, mas não foi o que chamou a atenção dela na Índia: “Tá, e aí? Eu esperava mais. Eu tô no Taj Mahal, pensei que a sensação fosse diferente”. Na verdade o que chamou mais atenção dela foi a sua própria reação ao invés do impacto da visita no monumento.

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Figura 6 Millena no Taj Mahal. Foto publicada no seu blog

- Ao continuar a conversa sobre os lugares visitados, ela mencionou que o grupo procurava “coisas mais puras, mais essência”, isto em relação a yoga e templos e que isto, era muito difícil. Questionei-a o porquê era tão difícil, então, ela disse: “tudo é comércio” e citou o exemplo de que quando se visita um templo, eles oferecem a prasada [oferenda de comida], mas que tem que dar dinheiro, um certo incômodo conforme ela e continuou dizendo que os templos mais “originais” tinha que andar muito, eram mais “simples, sem filas e não eram esquematizados”. Indo nesta temática de originalidade ela disse: “Muito coisa do yoga ou espiritual se perdeu, não sei se são as campanhas ou se são os estrangeiros, virou um ciclo...”. - Da espiritualidade “perdida” para os avanços em termos de crescimento ou modernização que a Índia vem passando, ela se inquietou muito com as questões ambientais e disse: “A Índia está se desenvolvendo, as sacolas plásticas e garrafas [descartáveis] também”. O que a impactou foi o lixo jogado no rio Ganges: “O rio tão sagrado e tanto lixo! Eles não tem educação!”. (Continuação da gravação) (ela volta a mostrar os objetos) Então, nos visitamos uma ONG [Urmul] daí eu comprei batas, essa que estou vestindo inclusive (figura 5). Essa daqui também (aponto para a bata)? Sim, mas essa eu acho que vou vender pras meninas, na verdade, porque nem me serve mais.... porque na verdade como eu perdi muito peso, perdi dez quilos, tem muita coisa que era minha e não serve mais... Então o que não serve você vai vender? Vou. Algumas coisas eu dei de presente enfim...é...o povo [colegas de curso de yoga] pediu “traz alguma coisa pra gente, diferente e tal...”, eu disse tá bom, não fui com esse intuito, se eu conseguir trazer alguma coisa, ok, senão não vou perder meu sono... Não foi o objetivo, mas você aproveitou o ensejo? Sim.

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Figura 7 Millena Simões vestida com a bata comprada numa ONG indiana

(continuamos a ver os objetos) O que mais? Então, esse é de lá...isso eu comprei num hotel, não me serve mais, nem cheguei a usar (risos)...daí eu comprei alguns envelopes (figura 6) que eu achei diferente...bem típico...né...que a gente não tem aqui, não desse jeito, pelo menos eu nuca vi, e ainda tem algumas estatuazinhas (ver figura 1) que comprei num templo que a gente foi, que a gente andou muito em Pushkar, a gente subiu uma escadaria imensa...1576 degraus (ela dá risadas ao responder a confirmação do número de degraus pelo professor) então eu comprei umas estatuazinhas...

Figura 8 Envelopes

Todas as estátuas compradas são de divindades hindus? Sim. Daí o Claudio [professor] tem que ajudar, eu só sei qual é a Durga (risos)... E por que você comprou essas divindades, tipo Ganesha? Ai... Ganesha porque eu adoro! Você sempre gostou? Sempre gostei de Ganesha...e...enfim, eu comprava porque eu me identificava, achava bonito... Você sempre gostou de Ganesha antes ou após a yoga? Não...sempre gostei...antes eu já gostava...

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Mas se intensificou isso com a yoga, no caso essa busca e compra pelas divindades? Sim! Porque daí eu comecei a entender mais, estudar mais, me informar, perguntar... Comprei capinha de mat [tapete para prática de yoga] que eu achei legal (figura 7).

Figura 9 Capas de tapetes para prática yoga

Ah! Que eu gostava muito, comprei tipo um caderno com papel reciclável, achei super legal, feito a mão, enfim, com divindades na capa (figura 8).

Figura 10 Caderno com capa de divindade

Tinham outras estampas ou só tinha de divindades? Não...tinha com flor de lótus, tinha com palácio, mas eu... Você acabou optando pelas as que tinham divindades? Sim, sim...camisetas com divindades (figura 9), todas minhas são de Ganesha...todas!

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Figura 11 Camiseta com Ganesha na estampa

Comprei lenços também, as famosas pashiminas [echarpes indianos], na verdade não chega ser pashimina, mas eles falam que é e a gente acredita...tem a verdadeira pashimina que é uma lãnzinha do bigode do bode, mas daí eles vendem outra coisa, é pashimina com seda, pashimina com algodão, pashimina com não sei o quê...aí você acredita né... Quando você pega essas coisas, manipula essas coisas, você lembra da sua viagem, você lembra dos momentos que você tava comprando? Ah sim! Por exemplo, o que eu comprei no templo, pô, andei pra caramba pra chegar lá, comprei isso aqui lá (ela mostra algumas estátuas hindus), vou lembrar que foi em Pushkar, foi no templo que a gente subiu e levou o maior tempo...e...vou lembrar...esse aqui (ela mostra a estátua de Ganesha preta, ver figura 2) vou lembrar da senhorinha que tava todo santo dia na porta do hotel, batendo: “quer comprar?” , então, esse aqui (ela mostra Ganesha em Quartzo rosa, ver figura 1) que achei lindo e maravilhoso e que achei nunca mais ia achar...daí eu achei...isso aqui é do empório, da ONG, que tem um valor diferenciado...uma ONG de mulheres que você sabe que são carentes, então... Então, essa bata da ONG tem um valor diferenciado pra ti? Sim, sim!Essa aqui (apontada para a bata que estava usando) eu já usei lá, usei aqui, vim com ela e...eu precise ter, por mais que eu vende, ou dê de presente, mas é uma coisa que preciso ter, é uma coisa que eu vou olhar e vou lembrar, né, “pô, essa aqui que estou vestindo é da ONG...e tal”. Os caderninhos também remetem a isso que você está falando, né? É...esse caderninho eu comprei em Jadpur, que tem em vários lugares, várias pessoas que fazem,mas você sabe que foi feito a mão em papel reciclado...Chama a tenção...Os anéis, bijuterias (ela mostra os objetos)... tem essas que estou usando (ela mostra os anéis das mãos) e....têm umas que eu trouxe pras meninas (figura 9). Pra vender ou para dar? Eu trouxe pra dar e já dei algumas, e daí elas “traz alguma coisa pra gente que tenha Ganeshinha, que tenha OM [mantra sagrado]”...eu falei “ah, tá bom”. E livros (figura 10) também pelo que estou vendo aqui... É...tem mais, é que estão chegando...

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Figura 12 Livros e pingentes

Você fez isso (a compra dos livros) como investimento também? É, eu trouxe bastantes livros. Tem os postais (figura 11) também que você se apaixona...Ó...tudo de Ganesha...presta atenção, não, peraí....(ele mostra os diversos postais) De paisagens indianas e de divindades hindus, isso? Sim! (Nota-se que as “paisagens” são compostas por humanos)

Figura 13 Postais

Shiva [um dos principais deuses que compõe a tríade hinduísta] também tem bastante, e lá eu descobri que eu me identifico com Shiva também...descobri um certo significado dele na minha vida, então... Você gostaria de comentar sobre isso? É porque assim...quando...antes de eu fazer o curso, né, na época eu visitava alguns hotéis, alguns lugares, fazia massagem indiana, tal...e tinha alguns trabalhos com música, mantras, daí eu já conhecia alguma coisa da cultura indiana, antes do yoga, né, uma das primeiras mantras que eu ouvi, música, era sobre Shiva e eu não tinha a menor ideia que estavam falando, mas eu gostava, me fazia bem, assim, aquilo era legal, mas não tinha a menor ideia do que tavam falando, do que que era né, aí lá... eu descobri, eu fui perguntando, fui lendo, fui vendo, a figura (com ênfase) de Shiva como meio que destruidor, transformador, aí eu fui fazendo algumas correlações com a minha vida pessoal...assim...presença mesmo...né...então...até conversando com as outras pessoas “pô, mas e aí, você foi escolher”...o Claudio não gosta muito disso... “foi escolher algum deus para ser devota”...daí

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fiquei pensando: eu gosto de Ganhesha por esta questão de... menino, cabeça de elefante, ser bonito, ser interessante, prosperidade, abrir caminho, mas, eu falei que se for escolher para ser devota, escolhi Shiva...então...eu comecei a me interessar mais pela história, pra saber que era, o que ele faz, o que ele representa e...enfim...Me chama atenção, eu gosto... Então o fio que te puxou para adentrar esse mundo, da cultura indiana, lógico que teve um aprofundamento com a yoga, mas foi através de uma música? Um mantra? Sim, sim...porque daí... Sua “chave de entrada”? É... eu comecei a freqüentar alguns lugares, tipo hotel...que tem massagem, que tem trabalho, tipo dança circular...sei lá, isso tipo de coisa...daí você começa a ouvir, então, você ouve lá os mantras, de repente uma citação, um deus...você vê uma imagem, aí...você faz as terapias, daí você fala “pô, eu gosto disso...né...eu me identifico”, então, o que posso fazer dentro disso? Ah! Yoga né... yoga é legal, me sinto bem, então, vou procurar a praticar e aí... Não seria então tanto a sua “chave entrada” para, digamos assim, neste universo, pela música, mas, pelas terapias... Pelas terapias! Que aí tem um desdobramento na música...que as imagens que você foi visualizando e aproximando nisto tudo... É...exatamente. (continuamos a manipular os postais) Vamos tirar os Ganeshas aí e por mais coisas de paisagens?! Porque o povo vai falar “gente, só tem Ganesha na Índia?” (risos). Eu gostava muito de pegar de mulheres, tá vendo? (figura 12) elas trabalhando...tá vendo? como eu te falei... (o professor questiona a Millena: “pegar o que? E ela responde “pegar os postais que tinham mulheres”)...Olha que cara de sofrimento?!É disso que eu tava falando...entendeu?! Praticamente só mulheres...

Figura 14 Postais de mulheres indianas

(continuamos a ver as coisas esparramadas pelo chão da escola) (Peguei as estátuas hindus me remeteu aos templos onde ela havia os comprado, então veio a seguinte pergunta) E os templos, como foi a sua experiência nos templos? Você disse que foi naquele templo que subiu a escada de mil e poucos degraus, além da prasada que você comentou antes, a oferta de alimentos...mediante (dinheiro)... Tem aquele templo que você vai lá, dá um dinheirinho, o cara pinta a sua testa, te dá uma prasada e você fica feliz e tudo bem. Agora têm outros, que você visita que são mais distantes, mais antigo, e tal... que realmente você sente que é uma coisa mais pura, no sentido de cultura, no sentido de

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preservação daquele ambiente, sabe....então você sente uma energia diferente, você sente que ali é diferente... E isso porque você sente e não porque você sabe? Não...meio que óbvio que você sabe que quando você chega lá e não tem estrangeiro, você fala: “uhhh....esse é o lugar!”, né...aí você não vê muito comércio em volta, você tem que andar muito a pé para chegar, então...(ela responde o professor que ele a questiona quais, ela responde: “aquele da escada e daquele das mulheres”, ele responde: “ah! tá – Gayatri e Durga) Então... Então, onde não tem muito estrangeiro, neste sentido você “sente” o lugar, que o lugar é mais puro, mais tradicional... Sim! Não tem tanto comércio...E a sua sensação ao adentrar esse lugares (templos) mais remotos, mais “tradicionais”, te deu um certo tipo de “privilégio”, de exclusividade, não no sentido pejorativo, ou não? Não muito... Não! Você se sente bem por você não estar visitando simplesmente só lugares que foram feitos pra turistas, nesse sentido... “não realmente, aqui eu tô conhecendo a cultura indiana, eu tô realmente visitando lugares que é pra eles, que não foi feito simplesmente para eu ver e achar bonito”...entendeu? é nesse sentido... Então os atrativos turísticos seriam mais construídos ou guiados para chamarem a atenção dos turistas: bonito ou legal, daí nesses lugares, quando isso não rolava tinha um significado? Sim. Tinha hora que você se incomodava de estar na “pele” de uma turista, de estar fazendo o papel de turista? Então (ela responde rapidamente) em alguns momentos em saber “poxa, o indiano vai pagar vinte e eu vou pagar setecentos, né”... Isso te incomodava? Me incomodava! Me incomodava quando eu sabia que a pessoa tava jogando um preço muito alto, pelo fato de eu ser turista né? A diferença de preço? A diferença de preço me incomodava e...também...no começo eu me incomodava mais e depois acabei me acostumando de tudo mundo ficar olhando né?! Como se você fosse um extraterrestre...olhando, olhando, e...às vezes curioso, cochichando entre si, então você se sente mal às vezes, algumas pessoas pedem para tirar foto com você, que você é diferente, enfim... Muitos pediam para tirar fotos contigo? Tirar foto. No começo me incomodava. Tipo, meu cabelo né, não existe lá...praticamente, até tem um pessoal do sul que tem o cabelo crespo, mas tem pouco cabelo, cabelo comprido...então, por mais que tem algumas pessoas... Então o seu cabelo acionava essa alteridade ou essa diferença pra eles? Pra eles sim! Você se importa de eu tirar uma foto sua (foto 13)? Não... (risos) É que você era atração turística para eles...

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Figura 15 Millena e seu cabelo: atração turística na Índia

Em alguns lugares era (risos) engraçado isso! Invertia o papel... “Posso tirar uma foto com você?”, pode... O seu cabelo... É...não era considerado... uma atendente me perguntou, porque eu sempre uso flor, né, ela pôs a mão, e eles são muito curiosos, de maneira geral eles são curiosos, mesmo entre eles...ela disse: “essa flor é de verdade?”, não era essa que to usando, era uma outra, “não, não é e tal”, “mas e aí? Como você faz esse cabelo?”, eu falei: “olha esse cabelo eu não faço, esse cabelo é meu, ele é assim”, e até brinquei com ela, eu falei: “olha, você tem que nascer de novo” (risos), “seu cabelo é muito bom...”, brinquei com ela, então tinha essa questão, era muito engraçado, “olha...o cabelo...”. Você lembra mais ou menos quantas vezes te pediram para tirar foto contigo? (pensa) E acho, bom, eu acho que tirei assim... com certeza pelo menos umas dez fotos, porque em Rishkesh às vezes eu tava na ponte e na ponte tem muito turista indiano, assim, passando...e tem muitos profissionais que ficavam tirando fotos, daí eu me lembrei de várias vezes que eu passei na ponte e aí: “vamos tirar uma foto?”, ou então, sem me pedir tiravam foto, sem autorização. E mesmo durante a viagem pelo Rajastão, algumas pessoas: “posso tirar uma foto com você?”...era muito engraçado... Isso acontecia com os indianos? Em Jaipur, teve um turista japonês (risos) que me pediu para tirar foto, essa foi inusitada (risos), o cara tá viajando, no Rajastão pedindo para tirar uma foto comigo...E mesmo em Hyderabad que é mais assim, metrópole, as pessoas perguntavam, tem muito estrangeiro né, só que tem muito estrangeiro tipo americano, tipo inglês, europeu, tal, daí então “e aí? Da onde você é?”...Fui num restaurante em Hyderabad, super bonito, chique, tal...aí tô lá jantando, vem um cara, tem a capacidade, de levantar da mesa dele, tava com um grupo de pessoas, maioria indianos, acho que tinha alguns estrangeiros também, daí: “dá licença um pouquinho? Posso fazer uma pergunta?”, pra pessoa que tava comigo, “Vocês são de onde?”, porque esse indiano que conheci ele não parece indiano, ele parece, sei lá, americano, ele não tem aquela cara típica e como vê que eu sou estrangeira, daí o pessoal que ele também é estrangeiro (risos), aí : “vocês são de onde?” (risos), “não, porque a gente tava ali na mesa, tentando adivinhar” (risos)...isso é uma história...aí, tem um jogo, que eu não vou lembrar o nome agora, é tipo aquele verdade ou desafio, eu visitar um templo em Hyderabad, um templo jain, daí a gente tava olhando um jardim, tem uma área externa que é bem bonita, e tem uma escada que você fica na parte de cima, ou tem um pátio bem grande que as pessoas ficam simplesmente lá, com a família, sentada a noite, porque tava fazendo muito calor, e aí veio casal: “dá licença um pouquinho?”, eu: “oi?”, “vocês são de onde?”, “eu disse porque?”, “não, porque a gente tava brincando de verdade ou desafio...”, aí sei lá se ela errou ou se escolheu um desafio, daí ele falaram que o desafio dela era ir lá e perguntar da onde era a moça...da onde que eles são...eu achei muito engraçado (risos)... Você imaginava que você teria esse “assédio”?

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Não! Eu ficava brava, porque gente, não é possível, eles estão careca de receber turistas daqui, porque ficam encucando com gente, né...gente, tá cheio de turista aqui, porque que...né...tão diferente assim, era engraçado! Você pretende voltar? Sim! Eu pretendo...a Índia é um lugar ou você ama ou você odeia, não tem como você falar “ah!mais ou menos”, porque tem toda essa questão do conforto, da alimentação, da estrada, um monte de coisa...ou você se identifica ou... E você se identificou? Sim, com certeza. Eu quero voltar. Eu quero conhecer o sul que não conheci, né. E então, o que você mais se identificou com a Índia, ao ponto de você falar “quero voltar!”? Entao, eu acho que...por exemplo Rishkesh, é um lugar acolhedor e é muito barato, então é um lugar que você pode passar algum tempo assim, pra ficar sozinha, pra praticar yoga, pra praticar meditação, sabe? E sem aquele stress de viaja pra lá, viaja pra cá..anda pra lá...sabe?...é um lugar que você pode ir, então, como eu conheço pessoas, agora eu posso ir, posso ligar, agora, eu converso por email, estão no meu facebook, então...por mais que seja um dono de uma pousada vai...mas eu falo “tô indo pra aí”, eu fico lá, fico no ashram, eu sei que é barato, eu já tô acostumada, então...é um lugar que não vou me sentir mal assim, então, eu fico ali, não gasto muito, o lugar é bom, a energia é boa e tudo bem! E aí, outros lugares que não conheci, tipo: Varanasi, Calcutá, lugares que são famosos entre aspas que eu acho que seria legal conhecer, posso não gostar, não sei qual vai ser a minha experiência, mas...eu gostaria de conhecer... Você mencionou Varanasi, e também o sul da Índia, né? Sim. Nesse sentido, a sua identificação seria mais com os lugares? E com as pessoas também! Porque, é...voce acaba meio que pegando jeito né?! Como assim? Você sabe, por exemplo, você sabe barganhar, você sabe quando a pessoa ta querendo te enrolar, você sabe quando ela ta cobrando muito mais caro, você sabe como negociar, você sabe como cativar, né, então...eu sei que qualquer lugar que eu for, por mais que tenha essas diferenças culturais, que eu vou conseguir me virar bem assim..né?! Novos lugares, para ter uma experiência de recolhimento em Rishkesh pelo custo/benefício é bom, né? Sim, com certeza. (fim da gravação) - Pergunto à Millena se ela não achava complicado, sendo mulher, viajar sozinha pela Índia, ela responde que não, e que depende muito da postura, mas que as brasileiras tem fama de serem mais liberal, bonita, enfim, um tanto “exótica” para eles, mas quando se menciona que é do Brasil, eles sempre respondiam à ela “samba, carnaval”. Também a questionei sobre a diferença de experiência em termos de viajar em grupo e sozinha, ela disse que o grupo foi importante no momento inicial para pegar o “jeito” mas que sozinha gostou mais porque se sentiu mais livre, além dela falar inglês que a ajudou durante toda a viagem. Pergunto também sobre os registros em fotos, ela mencionou que além das mais de três mil fotos tiradas, ela também tem um blog onde reportou parte da sua experiência (ver: www.yogadalua.blogspot.com ). Entre os significados para os registros com as fotos, ela disse que o “estive aqui” ou “é bonito” preponderaram. A entrevista, ou melhor dizendo, a conversa, iniciou às 14:30 e terminou às 17:00 horas.

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Entrevista: Narani Khusala Verardi (36 anos) Professora de Yoga Acadêmica de psicologia Passou um ano na Índia (dez de 2009 – dez de 2010) Local: Auditório do Ed. Business Point, R: Manoel da Nóbrga, 354. São Paulo/SP Data: 16/04/11 - Pergunto sobre o interesse sobre a Índia Desde criança eu tinha assim, essa coisa...Não sei da onde que vinha...Talvez assim...porque eu tenho descendência, eu sou descente de indiano, o meu avô era indiano, então, eu sempre fui criada...ah...a Índia, ele nunca passou nada pra gente...nunca incentivou, mas assim, minha mãe, minhas tias sempre deram muita importância...muita!Porque é uma coisa muito diferente, né? Acho que por causa disso...e...E aí desde criança eu tinha essa vontade de conhecer, de ficar lá, de ver como é a cultura deles, de vivenciar um pouquinho...E aí eu comecei a fazer as aulas de yoga, daí eu comecei a dar aula de yoga, eu nunca imaginei que ia dar aula de yoga... - Há quanto tempo você se enveredou pelo caminho da yoga? Comecei a praticar em 2003, mais ou menos, eu fazia aula com uma aluna do Claudio, ela formou aqui, aí, foi muito engraçado, eu preciso te falar...(muda o tom de voz) “Ah! um dia vai ser você que vai estar sentada aqui no meu lugar!”. Eu falei, essa mulher é doida né...(risos)...E aí ela me encaminhou pra cá [Escola de yoga do professor Claudio Duarte] eu falei: “Gostei demais...as práticas”. Daí ela me levou pra cá, e quando eu percebi, eu tava sentada lá! No lugar dela, exatamente no lugar dela (risos)...Foi até engraçado...Foi uma coisa assim, fui me apaixonando de dar aula, e...chegou uma hora que eu falei, não eu quero mais trabalhar na minha área, eu falei: “Vou para Índia! Eu vou tentar aproveitar o máximo e ver o que acontece”. Daí eu fiquei lá um ano, Índia e Nepal, e fui para Índia de novo, daí vim embora para o Brasil, cheguei em dezembro, daí...logo em seguida me chamaram para dar aula, eu comecei dar aula, daí eu queria estudar de novo, aí... falei o que eu fazer da minha vida...né...fazer alguma coisa, não posso só ficar dando aula... porque ficar sobrevivendo só com yoga é...é mais difícil, eu moro numa cidade pequena, Suzano, então, tenho que fazer alguma coisa, acho que vou fazer psicologia, daí eu tava prestando vestibular num dia, na mesma semana já tava indo pra aula... - Quando você voltou da Índia que você decidiu fazer psicologia? É! Eu cheguei estudar algumas coisas, daí...ah vou fazer psicologia... eu tô gostando...porque acho que é uma área que dá para eu aplicar o yoga, dá para eu trabalhar psicologia com yoga... Eu não queria fazer alguma coisa para deixar o yoga... - (volto no assunto da viagem) Como foi a sua “pré-viagem”, você se preparou quanto tempo, como foi este processo da decisão até o embarque? Então, porque eu fui...como eu te falei eu sempre tive essa vontade, eu fui fazendo uma poupança, e aí a minha preparação foi muito antecipada, comecei um ano antes, eu já comecei ir atrás de ver preço de passagem, então assim... - Você comprou por onde a sua passagem? Pela internet. - Via Europa? É, via Europa. É...eu comprei minha passagem seis meses antes! Aí...eu comprei do grupo todo...pra gente ir tudo junto... - Você foi com um grupo? É...foi eu, o Claudio e a Carol, a Carolina, fomos em três... - Então nesse um ano antes você comprou a passagem, poupança... É...daí eu fui me preparando né... - E com as informações, você lia livros, consultava sites, guias? É, então, o meu objetivo era ir pra lá para ir para estudar, eu queria isso! Eu queria na verdade...fui pesquisar escolas, universidades...e eu achava que era tudo assim...coisa pra estrangeiro...voltada só para estrangeiro...e eu queria um foco mais pra eles mesmos, pra indianos... - Você não queria se “misturar”?

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Não é que eu não queria me misturar...eu queria uma coisa que fosse...depois eu percebi mesmo isso lá mesmo...porque assim...nos sites geralmente apareciam as fotos, das pessoas fazendo as posturas [yoga] sempre estrangeiros, sabe... - Você percebeu isso? Eu percebi isso...Assim...e eu queria uma coisa mais voltada pra eles...e é diferente... - É diferente? É diferente. E também, as aulas, as informações que eles passam, são diferente pro pessoal de fora, né, do que eles passam pra eles mesmos... - E tem essa diferença? Então...é uma coisa que o Claudio sempre falava, e então eu falei: “eu quero essa informação que eles não estão passando pra gente”...e...aí depois fui atrás, eu conversei com o Claudio, a gente achou uma...um livro, a gente escolheu o encarte de uma escola, eu mandei uma carta, uma escola lá em Délhi, aí ele me respondeu, daí a gente foi se comunicando via email, eu agendei as aulas com ele, assim, o curso...em Délhi, tanto que esse curso nem tem em inglês, ele abriu uma exceção pra gente, a gente fez uma turma pra ele dar aula só pra gente, e depois, ele te dá a prática, e você...nesses seis meses...são quinze dias de aulas presenciais, aí nesses seis meses você pode fazer os quinze dias e depois fazer na sua casa, então, tinha a apostila, cd, o vídeo das aulas, e...você estuda sozinho e volta pra fazer a prova...a prova é presencial, na verdade, são três provas (risos) oral, prática e escrita. - E o que você achou dessa experiência? Então, daí foi bem interessante, no começo ele deu a aula aberta pra gente, porque a gente tava em três, quando eu voltei... eu voltei sozinha... daí fui às aulas, só que as aulas eram em híndi! (risos) aí...eu tinha que adivinhar né? (risos). Daí como eu só fazia a prática, meu o material em inglês, né, daí eu via o que eles estavam fazendo daí eu copiava (risos). - Só indianos neste curso? Só indianos, só tinha eu de estrangeira, fazendo a prova. - Você sentiu algum tipo de preconceito? Não! Muito pelo contrário, eles eram muito curiosos, queriam ajudar...super abertos...alguns olhavam assim...mas sempre com curiosidade, e...tinha uns que eram mais abertos, chegavam e conversavam...foi muito bom, eu gostei muito, foi uma experiência legal de estar no meio deles, ali...e é uma experiência bem legal... - Então na preparação da sua viagem incluiu a busca por esse curso? Foi...eu fui lá pra estudar...meu foco não era assim...para passear...não foi só passear (ênfase), no primeiro mês...que eu fui com o pessoal, a gente fez isso, a gente passeou, fui em vários lugares, Vários lugares muito lindos...aí depois...na primeira semana a gente fez o curso e depois a gente viajou, aí depois eles vieram embora e eu fiquei lá, aí eu fiquei num ashram em Rishkesh, no Ved Niketan [peço para ela soletrar para mim], fazendo curso de meditação... - Você ficou hospedada lá? É eu fiquei hospedada lá, tinha um quarto, eu fazia as aulas, tinha aulas práticas, teóricas, esse curso durou três meses mais ou menos, de três a quatro meses, aí depois... - Você comia no ashram? Então, esse ashram não tinha refeitório, então eu comia nos restaurantes, em vários restaurantes que tinham em volta... - Então essa infra-estrutura turística te dava esse conforto? Isso! Exatamente...mercadinho, feiras... - Com o grupo você viajou para vários lugares, um tour primeiro, e depois em Rishkesh você “estacionou”, foram experiências diferentes? Bem diferentes! Uma coisa é você tá passeando né, como turista, tirando fotos, aquela coisa de turista mesmo...(risos)...e... assim é diferente...lá que eu procurei praticar mesmo, as aulas...conhecer a cidade, e...porque é uma cidade turística [Rishkesh], é muita cidade bem turística (risos). Como é uma cidade sagrada pra eles, então assim, final de semana...sexta, sábado e domingo é lotada! Você não anda ali! Eles...vai muito indiano lá... então final de semana eles vão pra lá...Tem bastante turista estrangeiro, mas, tem muito turista indiano! E eu peguei a época do Maha Kumbha Mela [grande festival hindu que acontece de doze em doze anos] então teve dia que a gente não andava, a cidade literalmente parou! De tanta gente!

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- Você participou (do festival)? Eu participei, cheguei entrar em Haridwar, mas eu participei lá em Rishkesh mesmo porque é muita gente! (ênfase), quando eu te falo que é muita gente, é muita, muita, muita gente! (risos) - Aqui é um deserto (risos)? Exatamente! Um deserto (risos)...Eu tive assim uma sorte porque que em muitos lugares que eu tinha um evento, uma data...sempre...Daí no tempo que fiquei em Rishkesh eu cismei que eu tinha que subir o Himalaia, aí fui em quatro cidades que eram sagradas, que é Gangotri, Badrinath, Kedarnath...(ela fala mais uma cidade que não entendo o nome, pesquisei no Google e é Yamunotri), que é a cidade da deusa Ganga, o deus Badra, deus Kedarna e a deusa Yamuna...Aí cismei que tinha que ir...tinha que ir...no inverno elas ficam fechadas por conta da neve, então ninguém pode entrar, então você tem que esperar abrir as estradas pra ir pra lá... “legal...eu vou!”, e fui! Sozinha assim...Em todo lugar fui sozinha... - Você foi sozinha e eu já ouvi comentários que mulher sozinha na Índia é um pouco complicado, como que foi isso pra ti? Eu não tive problema nenhum! Nenhum! Muito pelo contrário, até assim eu ficava com um pouco de receio de estar sozinha mas aí, eu percebia assim...a experiência foi assim: eu sempre no meio do caminho achava alguém me ajudava, com a língua...é...então eu nunca tive problemas, eles viam que eu tava sozinha, então, eles vinham meio que pra me proteger, muito interessante! - Você sentia essa proteção? Eu sentia sim! Era muito interessante...quando eu subia a montanha, eu pegava jipe, pegava ônibus...tudo que tava subindo eu pulava pra dentro (risos)...então assim, você vai subindo o pessoal não fala inglês! O pessoal local, eles não falam inglês! Hotel, restaurante...eles não falam inglês! Eu percebi que eles ficavam felizes, prestigiados...Eles te exploram, tá! Sem dó...O que um indiano pagaria cinco rúpias, você vai pagar no mínimo cinqüenta... - Eles “exploram” o turista, uma explícita diferenciação? Literalmente! Assim que uma coisa que foi muito importante de eu saber é que tudo tem um preço marcado no produto...A gente entrou num mercadinho e ele, o Claudio pegava os produtos e mostrava: “Ó...tá vendo esse aqui? É esse o preço!”. Por que lá tudo tem o preço marcado nos produtos. Então, assim, eu fiquei muito esperta, tudo o que ia comprar eu já olhava, porque se você pergunta: “Ah! Quanto que é isso daqui?” sei lá, vamos supor “sessenta rúpias”, mas você olhava lá tava marcado dez! Fora, que você não tinha controle era...frutas, legumes, que você não tem controle né, eles cobravam o que eles queriam, mas, produtos assim que já vinham na embalagem, na caixinha...Daí eu já fiquei bem esperta, porque tudo tem...em livros, tudo o que você vai comprar tem o preço, daí você vai ficando esperto. Lógico, que não são todos, mas se você percebia que tinha muitos que cobrava certinho... - Você sentiu essa diferenciação de preços para turistas e para os indianos? Eu conheci um cara lá, ele era da Bahia, brasileiro, lá em Rishkesh, era muito engraçado (risos), que ele falava assim, e realmente ele parecia indiano, e falava que ele saía e achavam que ele era indiano, ele falava: “eu vou comprar as coisas, os caras falavam que esse cara é retardado, porque eu não abro a minha boca, porque se eu abrir a minha boca eles vão cobrar outro preço!”. - Ele sabia disso? Ele percebeu isso...ele se fazia de indiano, fingia que era mudo...(risos).... Pior que ele parecia mesmo, era muito engraçado, o biótipo dele assim....depois que ele falou que ele era...Não, realmente ele parece baiano, mas ali no meio deles, porque ele usava aquele cabelo de rastafári, sabe aquele? E a roupa dele também... - Uma coisa meio sadhu [homens que deixaram a família e bens para viver de maneira simples e austera, geralmente com cabelos longos] de ser (risos)? É! (risos) parecia sadhu, exatamente (risos)! (eu pergunto se ela tem foto com ele, se ela poderia me mandar via email, ela concorda) Ele chegou lá e ele percebeu isso, que as pessoas o confundiam com indiano...aí começou tudo isso, foi muito engraçado...e... - Você então também começou a identificar isso pelo tempo que você se estendeu por lá... Até então a gente saí daqui e acha que indiano é ser evoluído totalmente, né, desapegado da matéria, aquela coisa toda, né...(risos)

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- E esta concepção de “Índia espiritual”? Eu acho que é totalmente assim...fora da realidade mesmo. Eles são...um povo religioso (ênfase) eles são muito religiosos, realmente eles seguem...e...tanto que nestas cidade sagradas, eu tive assim...muita demonstração de fé...mesmo...porque eles fazem, é a fé deles, mas também eles têm o lado ser humano que nem a gente né? Então assim...foi muito legal... Eu fui para Kedarnath, é uma cidade na montanha lá no Himalaia, que é uma das cidades sagradas que eu te falei, eu cheguei lá, assim, na primeira semana que tinha aberto, nem imaginava...tinha tanta gente! Quando você chega nessa cidade, você tem que andar dezoito quilômetros, daí você chega lá tem templos hindus minúsculos, bem pequenininho mesmo, porque é tanta gente que você só consegue entrar e sair por dez segundos, no máximo! - Você fez uma certa “movimentação turística” em torno da religião? Da religião. Sempre gira em torno da religião. Eles, assim, era muito gente...eu percebi isso em todos os lugares, templos, pujas [oferendas]...Teve uma vez que o ônibus parou numa cidadezinha pra gente comer e tal, e lá tinha um templo famoso, importante...muita gente do ônibus desceu, foi no templo, e depois voltou e eu fui comer (risos). E...a coisa que você acha que é...óh...um templo...você acha que é uma coisa gigante né, você chega um... Negócio do tamanho dessa sala assim...bem pequeninho...que pra eles aquilo é muito importante...um valor imenso... - Você só teve experiências lá para viver de certa forma a religiosa indiana através do hinduísmo ou visitou outras seitas ou outros grupos religiosos? Não...só o hinduísmo mesmo, assim, eu vi...uma igreja católica, que estava fechada...eu passei em um templo budista em Délhi, eu não cheguei a visitar. Eu visitei vários templos quando eu tava no Nepal... - Budistas? Budistas.Porque lá é assim...mais aberto...Mais misturado. Você vê de tudo. Tem um templo budista aqui e colado um templo hinduísta, lá é assim, um entra no outro...bem assim, não tem essa divisão, muito hindu entrando em templo budista e budista indo em templo hindu...Passei em algumas mesquitas... - Só passou? Só passei! Porque...eu tinha sim eu pouco de receio porque eles são muito radicais né? Então, mulher, estrangeira, infiel...(risos)...aquelas coisas... - Você ouvia esse tipo de comentário? É, eles, tanto que em Délhi eles têm um sistema de segurança bem rígido por conta assim...por conta dessa guerra religiosa entre mulçumanos e hindus, tanto que pra você andar de metrô lá, não sei se você chegou a ir ao metrô? - Não. Você passa, você tem que passar num detector, é tudo equipado mesmo... - Então você sentiu essa tensão entre mulçumanos e hindus na cidade de Délhi? Sim...senti...Tanto que teve um dia, logo quando a gente chegou, teve um dia que estourou uma bomba lá, fecharam todas as ruas, a gente teve que voltar a pé pro hotel (risos), porque o carro não passava, eles tem né, preocupação...eu fiquei meio assim...uns dias antes de eu vir embora, também estourou uma bomba em Haridwar, não...foi no arati [local na beira do rio para oferendas, cerimônias] de Varanasi [cidade sagrada do hinduísmo]. No arati de Varanasi é gigante, lotado e aí eu vi no jornal que tinha estourado uma bomba lá, alguém jogou uma bomba no meio do povo, então existe realmente esse terrorismo mesmo...Mas assim, comigo, eu nunca tive problema, nunca mexeram. - Neste tempo de experiências durante um ano foi mais voltado para os templos hinduístas... É...que você vê com mais freqüência...Qualquer lugar que você vá...você vai no meio da cidade e de repente você vê uma loja, uma loja, uma loja, um templo, outra loja, outra loja...(risos) é tudo misturado, eu achava muito engraçado, porque você nem percebia né, porque às vezes você falava: “nossa, porque tá todo mundo indo ali?”, aí fui olhando... “ah! é um templo”... “Por que todo mundo pára naquela loja? Não...é um templo...”(risos). Tudo é muito misturado, a civilização né...com os templos...Aí você vê um templo bem antigo e do lado, um prédio moderno...é divertido...Você vê muito assim, a questão da religiosidade que é muito forte lá, todos os carros lá eles têm...fazem uns pujas né, eles levam...que nem aqui, as pessoas levam o carro em Aparecida para benzer, lá eles levam os carros nos templos lá para benzer...aí eles põem aquelas flores, os malas [colar de 108 contas]...tudo para proteger...lá também é assim...muito engraçado...eu trouxe uma foto de um ônibus,

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se você quiser eu até te mando, ele é inteirinho enfeitado com flores assim...muito legal...muito divertido...Isso foi em Délhi! - E aí você teve essa experiência de praticar né, lá no ashram que você ficou para o curso de três meses de meditação, tinham outros estrangeiros? A grande maioria. A grande maioria é estrangeiro, têm indianos também, mas são poucos... - Você saberia me dizer em porcentagem? Assim...por exemplo, na minha sala quando eu fiz o curso, tinha três indianos, o resto eram todos estrangeiros, porque assim, é uma...um ponto turístico, então é uma rotatividade grande, então as pessoas ficavam no máximo um ou dois dias da semana, e iam embora, eu fiquei lá, mas teve um grupo que ficou...algumas pessoas, mas a maioria das pessoas elas passam. Elas não ficam, porque elas estão indo a turismo mesmo! E essa coisa de yoga, de visitar templos, participar de pujas, tudo isso faz parte do turismo...e...porque os ashrams em Rishkesh são voltados pra isso, aquela concepção que a gente tinha, de se internar num ashram, vai fica lá, vai trabalhar, vai estudar, toda aquela coisa...não existe mais... - Os ashrams são voltados para o turismo? Pra isso. São tipo uma pensão, você aluga um quarto, aí, se você quiser você participa das aulas, não é obrigatório, e tanto que eu cheguei a ficar hospedado num ashram e fazia aula em outro. Sabe? O único ashram que eu fiquei que exigia um pouco mais, que o Swami [monge hindu] realmente cobrava, foi quando eu fiquei no Kriya, no Kriya Yoga. Eu cheguei a ver ele cobrando as pessoas, lá eles têm, todos têm, tipo um horário de prática, de almoço, e...só que lá eu cheguei a ver o Swami cobrando, tipo: “Ó, você não tá vindo fazer a prática”. Eu cheguei a ver isso dele falando pra estrangeiro, porque ele cobrava mesmo, tinha um tratamento diferente. - Me conta isso melhor. Porque assim, eles...a forma...como eu vou te dizer...a forma de tratamento deles, entre eles é diferente da nossa, a relação aluno-mestre (entre os indianos)...Eu percebi que ele vigia mais, ele...nesse ashram que eu fui no Ved Niketam, eu percebia que a forma que ele...geralmente ele falava em híndi, mas eu percebi que era uma bronca...sabe quando você percebe que ele tá dando uma chamada, coisa que ele não fazia tanto com os estrangeiros, ele fazia também, mas assim, quando era...diferente...Ele realmente era exigente, ele falava...era muito engraçado (risos): “Ó eu não conheço...”, já tinha uma turma que tinha lá fazendo o curso com ele, então ele queria todos estes sentados na frente, a pessoa que era nova, ele não gostava que sentava na frente, então, você chegava lá no seu primeiro dia e sentava na frente, ele olhava para sua cara assim: “Eu não te conheço...”, daí ele falava: “Você vai sentar lá no fundo, fulano, seu lugar é aqui”, (risos) bem delicado assim...e...quando era com os indianos, eu percebia que ele exigia um pouco mais, porque assim...várias coisas...que não é educado fazer, por exemplo, você sentar de frente pro professor e estender a perna ou pé voltado pra ele, é uma falta de educação, não pode... - E você foi descobrindo esses códigos lá? É, fui aprendendo tudo isso la. As aulas dele pra mim foram muito legais nesse sentido, porque ele ensinava isso também, de você assim, coisas comuns...a gente aqui assiste a aula de qualquer jeito, tem gente que dorme, lá...imagina...você tem que ficar sentado, nada de fechar os olhos, “ah! mas eu tô ouvindo, não! é de olho aberto!”. Então coisinhas assim que fui aprendendo com eles...porque eu fiquei mais tempo...e...foi muito importante essas coisas. Mas pro estrangeiro eles explicavam, eles falavam: “Ó, isso não é educado, se você quer estender sua perna você vira”, sabe? Ele explicava...e...pros indianos e eu via que eles não faziam isso, nunca, por exemplo, faltou uma aula, então: “Por que você não veio na aula? Por que você não acordou?”, sabe, assim...No Kriya não, é uma coisa assim mais livre, só que ele percebia quando você não ia fazer a prática. No Kriya não era aula, era o horário da prática, então, você vai faz a tua prática, então, é individual, porque o Kriya é assim, tem várias linhas, então cada mestre passa uma técnica diferente, então você chega lá, e num horário o cara toca uma concha, aí você sabe que tá na hora de...pra meditação, você entra na sala e senta e você faz a sua prática, mas aí ele percebia quem tava indo e quem não tava indo, ele falava: “Ó, você não está indo por que?”, então, ele exigia bastante. Se bem que eu acho que esse Swami não tá mais lá, ele se aposentou... - Você ficou ali naquele “miolo” turístico de Rishkesh...

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Foi, na maior parte do tempo...Ali, tudo o que você quiser, lojinha de cd, de roupa, cyber, lojinha de santinho, dos deuses deles....Tem de tudo, é uma cidade, mas é bem voltada para o turismo, naquele trecho. Porque assim, Rishkesh tem a cidade mesmo que é Rishkesh, que é onde as pessoas moram, tem comércio, normal, ali onde eu fiquei, é tipo um bairro um pouco mais afastado da cidade, e ali que é o turismo. Então, são os ashrams, os templos, então ali se criou o turismo todo. Muitas vezes eu ia até a cidade, pra fazer compra lá. - Por quê? Primeiro porque eu gostava de ficar no meio deles. Eu queria ficar no meio deles (risos). Porque eu queria ver o que eles faziam, a cultura deles. Gostava de ir pra lá, mais pra observar do que comprar as coisas. Então ficava andando lá na cidade...Vendo como eles viviam, o que eles faziam...Ficava lá só olhando. Eles ficavam olhando como se eu fosse um E.T né, porque só dava eu (risos), e eu ficava olhando eles (risos)... - Me conta sobre isso... Porque indiano são bem...parece que nunca viram um estrangeiro na vida! Então eles ficam te encarando mesmo! Você chega até ser meio constrangedor, de vez em quando...(risos) É...mais eu também olhava eles... - Um olhando o outro (risos)... É (risos)...tirava foto. Indiano ama foto. Eles não podem ver uma câmera que eles querem sair na foto, não importa de quem é a câmera, se é a sua, se é a deles (risos) Eles querem sair na foto. O tempo todo! Eles te vêem com uma câmera na mão: “Tira uma foto minha?”, “Agora tira uma foto minha com a minha mãe”, “Tira uma foto minha com meu pai”, “Tira uma foto minha agora com a minha mãe e com meu pai”...(risos)...É divertido! - E eles queriam tirar foto contigo? Também! - Com a máquina deles? Deles. Às vezes você tá passando assim...ele te pára e... “Posso tirar uma foto sua?”. - E por que eles queriam tirar uma foto com você? Porque é diferente. É a mesma coisa de você tá andando na rua aqui e de repente você vê uma pessoa que não é...você percebe que não é brasileira, acho que isso é comum, é automático, você presta mais atenção. Eu percebi assim, porque, aqui em São Paulo tem muito, às vezes você pega o metrô, você percebe as pessoas que são brasileiras que são de qualquer nação e confunde com qualquer um, então andando aqui, você percebe a pessoa falando numa outra língua, aí : “Ó...não é brasileiro”. E lá não, lá eles têm um biótipo bem definido, aqui já tem uma mistura. Eles percebem quando alguém não é indiano. Porque é bem diferente, o brasileiro é muito misturado, você pode sair e falar que você é de qualquer outro país, que tanto faz, ninguém vai perceber...qualquer um pode falar que é brasileiro, é japonês...qualquer um... - E como eles te identificavam? Como eles te identificavam como estrangeira? Eles sempre achavam que eu era européia. E... - E eles chegavam a falar da onde? Eles perguntavam, daí eu falava: “Não, sou do Brasil”, mas assim o Brasil é uma coisa que eles não conhecem também... “Ah! onde fica? Na Europa?”...daí você fala: “Não! Na América do Sul”. “Ah! América”, eles ainda achavam que era nos Estados Unidos...mas pra eles, eles não entendiam isso assim, você percebia que de geografia, ou você é européia ou você é americana...A maioria assim não tem noção de geografia... - Daí você tinha que explicar? Sim, daí eu explicava... “Não, ó...a América tá lá em cima, o Brasil tá aqui em baixo...bem longe” (risos). - E dentro dessa “identificação como estrangeira” a sua roupa influenciava? Eu procurei, assim, andar com as minhas roupas, normal. - Você não andou de sári? Não (risos). Eu achava assim...coisa mais...tinha muita gente que andava assim, né, você via os estrangeiros vestidos como indianos, mas daí dava mais destaque ainda (risos). Porque assim quando você é estrangeiro e está com a sua roupa, tudo bem! Agora, você andar de sári, sabe, é diferente, ficava meio estranho assim, ficava meio forçado...Mas também se você não usar lá, você vai usar

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aonde? Não vai pegar o metrô aqui de sári (risos). Agora que tem toda uma arte para vestir aquilo...Não é simplesmente vestir, saber como enrolar, como dobrar para não desmanchar no meio do caminho (risos). - E você viu muitos estrangeiros vestidos assim “a la indianês”? Eu vi! Eu vi (risos). Era engraçado. O sári você tem que saber vestir, senão fica uma coisa meio torta, meio enrolada assim...Não adianta comprar aqueles trinta metros de pano e enrolar assim...Então ficava meio engraçado, mas ficava bonito...mas você via umas coisas que você dava risada...(risos). - Você ouviu algum comentário de indianos sobre as vestes dos estrangeiros “a la indianês”? Não, mas eles olhavam, eles olham tudo né! Mas eu acho que eles gostam. Porque eles adoram ver estrangeiros incorporando com a cultura deles. Eles acham legal. - Eles se sentem prestigiados? É! Por aí... - E como que era o dia a dia lá no ashram? Eu levantava para a prática de meditação, daí eu tomava café e aí voltava para aula teórica, e aí acabava a aula, eu almoçava correndo, porque eu tinha aula de sânscrito. Só que não era no ashram era no correio. - Onde? No correio (risos). Porque lá era legal, era um esquema bem divertido, a gente sentava no chão, o caderno no colo, daí você fazia sua lição, que era individual, a aula era em grupo, mas cada um tava um nível. Então, o professor passava caderno por caderno e passava a sua lição, então, cada um tava num nível, e era aquele esquema mesmo, sentado no chão, caderno no colo, muito divertido. Só eu de estrangeira. - Então você estudou sânscrito? Na verdade eu já estudava o sânscrito aqui. Na USP. - Você estudando, viajando de vez em quando e chegou a ir para o Nepal, que é um outro país... É quando acabou meu visto, porque o visto de turista é de seis meses, aí, eu fui para o Nepal, para depois voltar para Índia, no Nepal você renova o visto. Na verdade, eu nem queria ir para o Nepal, eu só queria ficar na Índia, mas daí eu tinha que sair para poder renovar e pra poder renovar, você tem que sair do país, e pega o novo visto pra voltar. Eu fui para o Nepal para ficar uma semana, pegar o visto e voltar para Índia. Mas daí eu conheci, um outro lugar, um outro ashram, que tinha curso de naturopatia, fui para ficar uma semana e fiquei quatro meses! - Você ficou quatro meses no Nepal?!! Sim! Na verdade, minha viagem não tinha programação, não tinha! Nada assim, vou fazer isso, vou fazer aquilo. Até meio estranho porque às vezes eu não tinha muito controle né, tipo: “O que é que eu vou fazer?”. “Acho que vou fazer isso aqui”. Mas de repente nada dava certo e eu ia fazer outra coisa. - Em relação ao “pormenores”: você abriu uma conta, comprou um celular? Então, eu sou uma pessoa assim, não sou de gastar, entendeu? Eu sempre penso muito antes de comprar alguma coisa, e se realmente eu tô precisando. Praticamente eu nem trouxe muita coisa. Eu comprei mais roupa e livros. Roupa foi pouco, mas livro eu trouxe muito! Eu sou meio tarada por livro (risos). Praticamente eu trouxe uma mala só de livros. Dá para eu ficar uns cinqüenta anos sem comprar livros (risos) até eu conseguir ler tudo (risos). - Mas também é super barato lá? É barato! E eu só não trouxe mais por causa de peso! Mas... (interrupção da gravação para trocar de fita) - Então...continuando...Você depois da viagem começou a dar palestras, conte sobre isso?(Eu havia recebido um email da Associação de Yoga de SP sobre a palestra da Narani Verardi , na qual ela relata a sua experiência na Índia) Então, na verdade a Rosana [Rosana Khouri, presidente da AYESP e que também viajou à Índia e está fazendo parte desta pesquisa] me convidou pra fazer essa palestra pra tá falando sobre as minhas vivências, fotos, e daí que surgiu a ideia. Cada um monta alguma coisa, na verdade, procuro levar mais como um bate papo, porque assim a pessoa me pergunta do que eu falo propriamente...Então como ela queria fazer uma palestra de divulgação, tinha que ter um nome, uma coisa assim...Aí eu fiquei pensando: “Uma coisa que chame a atenção, né, não pode ser qualquer coisa”. Aí como eu tinha assistido o filme [Comer. Rezar. Amar], foi o primeiro filme que eu assisti quando eu saí da Índia, na

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verdade eu assisti no avião, um ano alienada (risos) não tava nem sabendo o que tava acontecendo, na época já tinha o filme, daí o primeiro filme que eu pego...ponho lá e olho: “Puts, ela vai pra Índia” daí eu falei: “Só podia, né?” (risos). E assim, a experiência dela de certa forma é muito parecida com a minha, é diferente né, mas o motivo é muito parecido...Então eu me baseei no tema dela, né, fiz tipo uma cópia (risos). Daí eu falei: “Ah! uma coisa que vai chamar a atenção”, porque já é um tema conhecido. - E qual que é o tema? “Meditar. Comer. Viver”. Eu dividi nas minhas fases que eu passei. Eu cheguei lá, enfim, com essa intenção de trabalhar, de estudar, e foi o que fiz né, eu fiquei só pra meditação, e depois eu fui para o Nepal, e... no de “Comer”, eu sempre comi muito pouco, aí eu comecei a fazer caminhadas pra subir a montanha, eu fazia uma refeição por dia, aí eu sequei...tava pele e osso!Aí eu...quando eu fui pro Nepal, que eu fiquei lá, meu professor era um médico, medico de naturopatia, aí eu fiz várias experiências com ele, né, jejum, desintoxicação, e aí, ele disse agora você tem que comer: “Tem que comer, tem que comer”. Aí quando eu voltei pra Índia, muito engraçado, eu voltei e fiquei no ashram do Kriya Yoga, e...até prórpio o cozinheiro, porque você ia lá pegava seu pratinho e ele falava: “Come, come!”, “Tá vendo, ó, você dá comida pra ela, ela tem que comer!” (risos). Mas eu tava terrível...eu..cheguei a...depois do jejum? Trinta e três quilos! A última vez que eu pesei tava com quarenta e sete...Eu olho os fotos assim fico até meio (risos)...Mas assim, foi legal, porque foi uma coisa que ele falou: “Esse jejum eu já vi pessoas que eram muito magras e que depois você ganha peso”, eu falei: “Eu quero! Tô dentro!”. Aí eu fiz e depois eu realmente ganhei peso. Então, agora é peso mesmo! - Bom, então você fez a relação entre “Meditar, comer e viver” e o viver? Porque daí eu percebi também que eu tava muito meio que bitolada, eu queria assim, só praticar, estudar, sabe, e...me abri assim pra passear, pra viver...Embora eu tivesse fazendo isso eu achava que tava fazendo isso, mas sempre ligada, tinha que fazer... e aí quando eu voltei do Nepal, Eu meio que relaxei, eu continuei lógico com as minha práticas, eu ia três vezes por dia, não faltava, voltei com as aulas de sânscrito, mas assim, não exigia tanto, e aí coisa começou a fluir mais legal! Aí eu saia da aula, ia passear, andar no rio, tomar banho no rio, todos os dias...Então, eu comecei a aprender uma série de coisas, foi legal! Porque eu tava muito assim sabe, louca pra fazer isso, me dedicar só a isso, não! Dá para me dedicar a isso e isso também (risos). Aí alguém te dá um toque e você: “Nossa!”. - Você percebeu isso quando estava no Nepal ou quando retornou? Não, eu tava lá! Porque quando eu tava lá, quando eu fiquei quatro meses, foi esse professor que me falava essas coisas, ele tipo... ele chegava e falava: “Hoje você não precisa estudar não, você vai passear!”. Daí ele pegava alguém lá do ashram e geralmente era professora de yoga, porque era mulher, né, então lá tem essa separação, então, ele mandava elas... Ah! hoje vocês vão para o café!”. Então, eu conheci muita coisa do Nepal fora do circuito turístico mesmo...Porque nós íamos longe da cidade, porque eu fiquei só em Katmandu e...aí eu voltei...e andei em lugares mais afastados do centro da cidade, então foi legal...foi muito legal. Daí ele falou: “Não, você não pode ficar só ali...”. Porque como eu fiquei no ashram ele via que eu quase não saía, e que eu ficava mais dedicada pra estudar, porque era muita coisa, era muita coisa pra ler, e eu queria comer tudo aquilo (risos). Aí ele falou: “Não! Não pode ser só assim!”. Aí eu comecei a me abrir para isso! Mas também tinha uma limitação financeira, eu abri minha poupança, e quando eu fui pra lá, eu não tinha noção de quanto eu ia gastar, se era caro, se era barato. - No início da viagem você gastou muito com o grupo? Quando você está com o grupo, você vai para hotel, você vai pra restaurante, tudo isso é muito caro!E até quando eu fiquei sozinha, eu fui pros ashrams, eu comia nos restaurantes, mas eu comia nos restaurantes indianos mesmos, mais simples...então além da comida ser muito melhor, muito mais gostosa, ela é bem mais barata! Então... - Enquanto vocês ficavam num hotel com uma diária de três mil rúpias, você chegou a pagar trezentas rúpias na diária no ashram (conforme informação da Millena Simões)? (ela concorda) Você imagina, no hotel, você tem todo o conforto do hotel, nos restaurantes, assim, mais chiques, você tem todo um conforto...tudo brilhando, né,...E no ashram você limpa o seu quarto, você limpa o seu banheiro, é...tem que ter banheiro, quarto com banheiro...e realmente eu não cheguei a pegar banheiro coletivo...

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- Aí você cuidava da sua roupa também? Também, você cuida da sua roupa, você cuida de tudo! E...pra comer você vai naqueles lugares simples, super simples, e não gasta... A única diferença é que eles não te davam uma colher, um garfo (risos), ou eles comem com a mão ou eles comem de colher...Dificilmente você vê alguém comendo de garfo. - O custo-benefício para você foi bom? Tranqüilo. Daí eu só fui administrando porque pra eu ficar um ano, eu não tinha uma fonte de renda, então eu tinha aquele limite. Tentava administrar, por conta disso eu tentava não gastava muito, pra comprar coisas assim, daí só quando eu tava no final da viagem, daí eu, assim, já comprei... - O que você trouxe de coisas mais significativas? Então, eu comprei assim, mais roupas, batas. Eu me foquei em batas que eu ia poder usar aqui né... - Por quê? Porque não adianta comprar uma coisa sabendo que você não vai usar ...então eu me foquei nisso...e...roupas, eu comprei tempero, chás...basicamente isso... - Você chegou a trazer mais alguma coisa?Essa presilha (eu aponto para uma presilha de cabelo) Não (risos) essa é daqui, essa foi pra lá e voltou (risos) mas é daqui. (ela mexe na sacola dela com as coisas trazidas para entrevistas) Pergunto a ela se ela poderia ceder o Power point da apresentação da palestra dela para a pesquisa, ela concorda. Eu tento passar o que eu vivi lá, a minha experiência, minha visão... Vê se isso te interessa? - Tudo me interessa (risos)! É eu procurei trazer o que seria interessante pra você. - Sim! Essa é a bolsa que eu usava lá no dia a dia (fig. 1). Que é aquelas bolsa de sacolão (risos) tá até imunda a bolsa, não lavei, porque eu falei: “Se eu lavar vai desbotar inteirinha”... - Uma bolsa com uma divindade hindu? Sempre com divindades...

Figura 16 Bolsa usada no dia a dia por Narani Verardi na Índia

- Foi sua escolha em optar pela divindade hindu? É, foi...eu queria assim...Essa aqui (ela mostra uma outra bolsa) eu achei muito legal (fig. 2), bem legal, na verdade ela é uma chaveiro, é que ele descosturou aqui, mas ele tem um ganchinho para você pendurar, sabe (ela vai dobrando até colocar a bolsa na pequena bolsa chaveiro), é uma campanha que eles têm contra o uso da sacola plástica, quando você abre...você tem uma bolsa. - Onde você comprou essa bolsa? Essa aqui eu ganhei, da Carol, que ela teve comigo no começo da viagem, aí ela comprou de um...é...uma família que ela conhece lá em Délhi (ela tenta achar a etiqueta para me mostrar os dados/site da produção da bolsa), ela...eles ajudam nessa campanha, feita por mulheres vítimas do

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tsunami que teve lá (ela acha o site e me mostra www.smallsteps.in), elas estão fazendo isso pra viver né, daí ela comprou e ela me deu, de presente, eu uso muito ela, porque eu uso uma bolsa pequenininha né, e carrego ela dentro, às vezes você tá no supermercado e compra alguma coisa, então, eu tiro essa daqui de dentro da bolsa, fica todo mundo olhando né (risos), você tira um negocinho dentro e de repente vira uma bolsa né, daí pra eu não pegar os saquinhos, eu ponho aqui dentro, na bolsa de compra...ela é bem...é boa essa bolsa.

Figura 17 Bolsa-chaveiro

- E isso daqui (aponto para alguns objetos)? Então isso daqui...eu também ganhei, de uma família, eu fiquei na casa de uma família em Délhi, quando eu fui fazer a minha prova, e quando eu vim embora, ela me deu essa echarpe (fig. 3), assim, eu trouxe ela porque eu achei legal, porque ela é uma estampa bem moderna, então achei que pra você seria interessante...

Figura 18 Echarpe (presente)

- Você então ficou hospedada numa casa de indianos?Como você achou essa família? Fiquei! Assim, foi uma experiência muito legal! Porque eu pude estar em contato com eles [indianos]. Na verdade eu aluguei o quarto, só que, eu participava da diária da vida deles, então, eu fazia as refeições com eles, morava assim, o casal com dois filhos, e a sogra, mãe do rapaz, e essa era a casa da filha do meu professor, então, porque lá é assim, elas se casam e vão morar na casa da família do marido, nesse caso, só morava a mãe dele, e, então, eu participava, então, como eu ficava lá direto, eu

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fazia as refeições, é, eu brincava com as crianças, eu tinha toda a liberdade assim...tanto que chegou uma hora assim que eu até ajudava na cozinha, na rotina, até comida pro nenê, eu dava (risos), porque eu percebi que era uma coisa eles não abrem muito...e você...que nem o menino mais novo tava com um ano, e quando eu cheguei lá ele começou a me chamar de tia! Que não é uma coisa, pelo que eu entendi, não é igual aqui: “Vai com a tia”, chama qualquer um de tia, lá não, só chamam de tia, quem for tia mesmo, e ele começou a me chamar de tia, e ele só me chamava de tia, isso pra eles já teve um valor grande, eu percebi, e...assim, foi muito rápido, eu fiquei lá uns quinze dias mais ou menos, e nesse período de tempo, eu já me sentia parte da família deles, tanto que a mãe, né, mais velha, ela chegou um dia e falou pra mim: “Se você quiser você pode me chamar de mãe!”. Então assim, pra mim, foi muito importante! - E quanto você pagava por dia? Eu pagava quinhentas rúpias por dia. - Com a refeição? Na verdade eles me cobravam só o quarto, a refeição eles não cobravam. Porque quando eu cheguei lá, combinado era só o quarto, mas aí eles me chamavam para comer com eles e daí eu comecei a entrar na rotina deles. - Quando você me mostrou isso (pego o echarpe) vem toda essa história? É...daí você vai lembrando das coisas, é legal! Eu achei interessante, assim, pela estampa, é uma coisa mais moderna, lá em Délhi e...já tão mais assim se abrindo...Então você já vê, todas usam calça jeans, todas...usam...você já vê tipo roupas bem ocidentais mesmo, então, eu achei legal... Esse daqui já mais tradicional, esse eu comprei lá (fig. 4) que esse já é com aquela estampa tradicional deles. - Esse você comprou pra usar lá? É! Eu usava direto, porque muitos lugares que você vai, eles pedem para cobrir a cabeça...então você tem que ter né? Ou pra enrolar os braços né...pra cobrir os braços né...

Figura 19 Echarpe

- (me surpreendo por saber do uso da echarpe para cobrir os braços) E isso aconteceu contigo? Em alguns templos. Aí...eles...você sempre tinha que tirar os sapatos, você nunca ia de sapato, alguns nem de meia, descalço mesmo! Não podia usar nem meia, e alguns eles pediram para cobrir, era legal assim também porque o clima lá é muito quente, então, dava pra proteger também um pouco. - Então a echarpe te acompanhou a viagem toda? Praticamente, eu usei bastante mesmo, eu usei... - E quando você pega ele (o echarpe) você se lembra dessas situações? Sempre eu lembro, né! Que usava tal...A gente sempre lembra. Aí eu trouxe algumas batas (fig. 5)

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Figura 20 Batas indianas

(ela muda de assunto indo das batas para o encarte) Ah! Essa aqui eu trouxe e achei interessante! Esse aqui (Fig. 6) eu peguei no aeroporto de Délhi quando tava indo pro Nepal, tava tendo uma exposição de mangas, porque eles são os maiores produtores de mangas. A manga é originária da Índia, não é daqui! (risos) Aí eles me deram o livrinho de receitas, muito legal, raras espécies de manga...manga isso, manga aquilo, aí eu tava olhando lá e eles me deram...Foi muito legal.

Figura 21 Encarte de receitas de manga

(volto ao assunto das batas) - E essas batas você chegou a usar? Essa aqui (fig. 7) foi a primeira que eu comprei, eu usei muito ela! Porque ela é de manga curta Então eu usava muito ela, porque o resto era tudo de manga comprida. Porque eu tinha uma certa de dificuldade em achar alguma coisa que me servisse, então...

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Figura 22 Bata

(eu comento com ela que tinha gostado muito da bata amarela) E a branca (fig. 8) foi muito engraçada...eu não achava nenhuma que me servia, umas ficavam muito grande, eu sou magricela né, então, tem que ser uma coisa mais fininha, aí tava passando...(eu tiro a foto dela segurando a bata). Eu comprei lá no centro de Rishkesh, eu tava passando, e tem uns rapazes que fazem, na rua assim...Tem tipo umas barraquinhas, eles vão fazendo e vão pendurando assim, daí eu passei, eu bati o olho: “Nossa! Essa me serve!” (risos) Aí eu comprei! Aí cheguei lá em casa (risos), em casa!?...lá no ashram (risos). Daí eu fui experimentar, daí eu achei que tava apertada, aí eu voltei lá, aí foi muito legal, ele arrumou pra mim, ele abriu...e...ela é assim bem diferente das que tinha pra vender...ou a estampa dela...Eu adorava essa bata.

Figura 23 Bata branca

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- Essas são de manga comprida né? São de manga comprida. Essa daqui é comum...não tem nada de especial (não há fotos desta bata mencionada), eu só achei bonita e eu comprei, não tem nenhuma história... Agora essa daqui (fig. 9) foi diferente, porque que nem eu te falei, pra estrangeiro é um preço e pra indiano é outro. Aí essa daqui eu paguei duzentas rúpias nela, lá em Rishkesh. Aí quando eu tava lá em Délhi, que falei que tava na casa daquela família, daí eu comentei que queria comprar alguma coisa, levar de presente para minha mãe, pra minha irmã, aí a mãe, né, falou, (risos) eu chamava tanto ela de mãe que agora nem consigo lembrar o nome dela (risos), eu chamava ela de mãe ué, ela falou que podia, eu chamava (risos), ela tinha um nome difícil que achei mais fácil chamar ela de mãe (risos).

Figura 24 Bata comprada em Délhi

- Como é mãe em hindi? É...Mama! Aí ela foi comigo: “Eu vou com você! Porque se você for sozinha nessas lojinhas eles não vão te vender coisa boa”. Aí ela foi comigo, aí...eu comprar uma, mas acabei comprando umas quatro, eu paguei...e é um modelo bem típico deles...Ela foi comigo, aí ele fez o preço normal, né. - E qual era o preço normal? Essa daqui eu paguei trezentos [a branca de Rishkesh] e essa daqui [estampada de Délhi] eu paguei cem! Ele me deu um desconto a mais, porque eu acabei levando a mais, ficou menos de cem rúpias. Eu ia trazer um livro em híndi, mas ele era muito grande (risos), se você quiser eu tiro a foto e te mando. Porque assim, meus livros são todos em inglês, porque são de lá, publicado em Délhi, mas esse, é um livro do Ramayana [grande épico indiano], ele é desse tamanho (mostra o tamanho) e tá em híndi. - E você arriscou a falar alguma coisa em híndi? Algumas palavrinhas, principalmente comida, né, você vai aprendendo (risos), como a gente comprava de uma barraquinhas na rua, tipo, se você chegasse lá e falasse: “Banana” porque também é banana em inglês, aí, né, mas se você falava ... “kele”... (ela pronuncia o nome em híndi, então consulto o Google na transcrição, pois não havia entendido) daí eles já gostavam, porque já tava meio que falando a língua deles, né. Então, eu ia aprendendo assim, e quando eu tava com as crianças eu perguntava muito também: “Como se fala papai? Como se fala mamãe?”... - Naquela família? É...também. Mas no ashram eu conversava com as crianças, porque eu ficava brincando com elas, e elas vão te ensinando né...Eu brincava com elas, elas me ensinavam hindi e eu ensinava português, e tinha algumas coisas parecidas, tipo, a gente fala papai, eles falam “papa”, a gente, mamãe, eles “mama”, sabe, palavras parecidas...e brincando...

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- Então foi mais isso que você trouxe (eu aponto para as coisas em cima da mesa). Você trouxe bijuterias, jóias, pedras? É...Então como eu te falei, com medo de não sobrar, eu acabava não comprando, e achava meio sacanagem também , porque pra eles é um preço e pra gente outro? Eu comprava mais assim, coisas que eu poderia usar aqui... - Você tava buscando as coisas mais pela utilidade? É...eu pensava aqui, quando eu tiver minha escola, dá para mandar fazer um quadro e por na parede, aqueles pôsteres, eu trouxe...faço um quadro e ponho na parede e tal... - Você trouxe cards (postais) ou não? Eu...não eu não trouxe, eu enviei alguns pra cá, mas assim, pra família, alguns amigos. - Lembra das imagens dos cartões postais? Então eu busquei sempre assim, paisagens, alguns era paisagens lá de Rishkesh, do rio, da ponte, é...quando coisas típicas deles, de mulheres, de pintura...coisas assim...porque eles tem muito daqueles postais...mas como era pra família, pra amigos não ligados ao yoga, daí eu escolhi mais assim...coisas mais cultural, eram pessoas comuns nas fotos, típicos deles, templos... - Esse contato com o hinduísmo, ele se intensificou depois que você começou a praticar yoga? É assim, na verdade, eu não tinha nenhum contato antes. Eu vim conhecer mesmo, mais nas aulas de yoga, faz parte do currículo das aulas dele [curso para formação de professores de yoga], como é uma coisas assim muito ligada, o hinduísmo é muito ligado ao yoga, e até, eles meio que se confundem, então, esse foi meu contato que eu tive aqui. Mas quando eu cheguei lá o hinduísmo é uma coisa muito forte, a questão de religião, principalmente o hinduísmo...faz parte...não existe Índia sem o hinduísmo, tanto que qualquer área tá sempre ligado, você vê desde criança, já faz parte da cultura, da rotina deles... - Esse seu contato é mais “distante” ou você incorporou alguma coisa? Então quando eu tava lá, eu participava algumas coisas, daí você visitava um templo e via que as pessoas estavam fazendo um puja [oferenda]...é interessante eles te oferecem, porque eles fazem as oferendas, e depois que eles fazem as oferendas para os deuses eles muitas vezes distribuem, então, doces, coisas assim, eles saem distribuindo para as pessoas que estão ali, frutas, essas coisas, eles oferecem primeiro, lógico, eles sabem que o deus não vai descer pra comer né? (risos) eles mesmos comem, eu acho assim, muito legal! E eu cheguei a participar de algumas cerimônias no próprio ashram, no Ved Niketan, o Swami fazia algumas coisas, mesmo pra mostrar como que é que era, ele costumava a fazer, e...a maioria dos casos foi esse contato que eu tive. Não me converti ao hinduísmo, mas eu acho assim, uma coisa muita rica... - E nem se tornou devota? Não, de nenhuma divindade. E lógico que quando você tá lá, você acaba meio que pegando algumas coisas, tipo...eles sempre tem um altarzinho com Ganesha, Lakshmi, e outros que são devotos. Então assim, meio que você meio que acaba pegando, uma coisa tão natural, que você vê aquilo e fica bem natural quando você tá lá. Mas assim, coisas de incorporar... - Você não chegou a comprar um altarzinho pro seu quarto no ashram? Não...(risos). Não cheguei. Mas era comum de ver, no ashram no Ved Niketan, no próprio quarto, em todos os quartos tinham algum pôster de algum...deus ou mestre deles. Tipo no meu quarto tinha uma de Ganesha e duas do Shiva, um no quarto e outro na cozinha. - Era tipo um flat? Era tipo um flat, o quarto que eu fiquei lá era muito grande! Os outros era geralmente um quarto pequenininho... - Mas essa bolsa que você comprou com a imagem hindu (aponto para a bolsa com a Lakshmi), não foi nem tanto pela divindade? Não...eu queria uma bolsa dessa! Eu queria uma bolsa dessa, e todo mundo tinha uma bolsa dessa! Eu via todo mundo andando com uma bolsa dessa lá, os indianos, né, aí eu falei: “Ah! eu quero uma!”, mas eu não achava! No começo eu via de monte, aí quando eu vi que eu cismei que eu queria, daí eu não achava mais pra vender, daí eu procurei, procurei, e de repente eu achei numa loja, não tinha escolha, só tinha essa, era essa, e acabou. Aí eu comprei essa, aí depois que eu comprei essa, acho que...um dia depois ou dois, vi uma outra lojinha com milhares...aí eu comecei a ver de novo, um

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monte (risos). Tanto que só tinha grande assim, daí depois eu comecei a ver em outros lugares bolsas menores, e tal, mas daí já comprei aquela, não vou... - Por isso que você comprou? Nem tanto pela divindade... Não, não, uma coincidência que só tinha ela na loja, então eu...no caso da Lakshmi, é uma deusa que eles realmente cultuam assim, todas as loja e todo o comércio tem uma imagem dela, junto com Ganesha, porque ela é a deusa da fortuna, pra eles... - E aí você tava falando pra mim, que no começo a gente pensa que a Índia as pessoas são espiritualizadas, você falou “ não é bem assim” É eu senti assim, eles são muito religiosos! Aquela coisa que a gente acha que todo indiano é um ser superior, que...está acima de qualquer coisa, eles são seres humanos como nós, têm defeitos, sabem cobrar muito bem! (risos) E...então assim... - Poderia ser um tipo de estereótipo que criamos, imaginamos sobre eles? Sim!Acho que sim, porque eles têm uma cultura bastante diferente da nossa, mas...Mas eles são seres humanos também, eles têm problemas...Também, fazem tudo o que a gente faz...muita coisa sobre yoga, nossa! É muito difícil! Têm lugares assim que eles não estão nem aí: “Você está fazendo aqui?” – “Ah! Vim estudar, estudar yoga...”, - “Ah! É?”, sabe tipo assim? (ela faz um gesto e cara de desdém) então...existe uma fantasia! - Você percebeu isso? É... - Uma fantasia por parte dos turistas? Exatamente! - Você acha que o que monta essa fantasia?Qual é seu palpite? Ah eu não sei, mas eu acho que pela informação que a gente tem aqui, pela mídia, é...que nem...agora, agora tá havendo uma divulgação maior, né? Por parte da mídia, em relação ao país tal, mas até pouco tempo atrás não tinha informação, não tinha como discernir sobre Índia, era o que a gente lia nos livros de yoga, então a gente achava que todo mundo era um mestre iluminado, aquela coisa toda, né, e...então a gente não tinha muita referência. Que nem antes de eu ir pra lá, eu li dois livros sobre a Índia atual, sobre a questão política, social, então teve um deles assim, que foi muito bom, que o autor era um indiano, ele inclusive teve que sair do país porque ele foi ameaçado de morte porque ele escreveu... - Qual nome do livro? É... “Tentações do ocidente” da editora Globo, esse livro é muito bom! Eu acho que pro seu trabalho seria até interessante, porque ele fala bastante da questão social mesmo, da máfia, ele fala da Índia, Paquistão... - Obrigada pela dica. Então ele fala daquele problema da caxemira, ele conta umas coisas impressionantes as coisas que acontecem lá, aí assim, quando eu cheguei lá e fui andar de metrô sozinha, e tive que passar por detector de metal e por a mala, pra ela também passar,igual de aeroporto, então assim, eu tive uma impressão assim de uma Índia mais real pela leitura desse livro, e...mas ainda assim existia aquela coisa: “Ah! mas é assim o país, está se ocidentalizando, mas sei lá...de repente você tropeça num mestre no meio desse povo todo!”. - Você tinha essa vontade? Eu queria conhecer alguém assim...,mas...é muito difícil. Primeiro, porque é muita gente, até achar um no meio daquele povo todo (risos) mas... - Isso te frustrou? Não. Não. Não porque você vai vendo a realidade assim, eu sabia que era uma coisa, lógico, você tá dentro do yoga, você tá fazendo esse trabalho, lógico que seria muito legal encontrar uma pessoa assim né? Um mestre...mas...tem que ver pelo lado prático da coisa, que é muito difícil de alguém atingir um grau desse, né, então você...eu fui, eu conheci muita gente boa, vários Swamis, vários professores me transmitiram coisas muito legais, muito importantes, mas aquela questão “meu mestre”, não. Porque é tão difícil hoje, sei lá, talvez em até identificar, né? - (volto para o assunto do livro) Você se lembra do outro nome do livro que você fez essa preparação? É, eu tô tentando lembrar, ela também falava da questão social, ela é indiana-americana...

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- Planeta Índia? É! Exatamente. Ela trata mais uma visão social, por exemplo, esse livro “Tentações do Ocidente”, ele é indiano, ele nasceu lá, viveu lá, no caso dela, ela nasceu nos Estados Unidos, viveu lá, então é uma visão um pouco de fora né, ele não! Ele tá lá dentro, ele é repórter, e ele vai contando coisas de que ele viu durante o trabalho dele. - E isso te ajudou em certo sentido lidar com a Índia real como você colocou... É porque assim, eu tinha uma visão...eu cheguei pra mim tudo era muito normal... - Como assim? Na verdade as coisas são bem diferentes das que a gente tem aqui, só que eu andava tudo ali e pra mim, normal assim, no seguinte sentido, é assim! Porque eu fui assim, eu fui aberta pra ver o que que ia acontecer, então assim, eu olhava: “Ah! Mas tá tudo sujo, lixo no chão e andam descalço...” . Meu! eu não vou... a gente também tem favela, também tem esgoto, sabe? E...então assim, quando eu comparava, eu falava: “Meu, não tem muita diferença!” (risos) a única diferença é que há muito mais gente, então acho aparece mais, mas assim, essa questão que o povo falava: “Ah! Porque eles são sujos, eles são porcos!”, eu não via dessa maneira, primeiro que eles têm muito problema com água, eles não tem água, até acho que eles fazem milagre com o pouco de água que eles têm! Porque lá é assim, de repente você chega pra tomar um banho e você abre a torneira e não sai água, não toda hora que você tem água no chuveiro, aliás, quando tem chuveiro! Normalmente nem chuveiro eles têm, você toma banho de balde mesmo, então assim, às vezes você ia lavar uma louça e eles pegam aquele pouco de água e é para lavar aquela louça, tem que dar para lavar aquela louça, não é igual a gente,abre uma torneira aqui e aquela água jorrando!Lá eles não têm isso, energia elétrica, também, vira e mexe corta energia...mas uma coisa assim, todo restaurante indiano mesmo tinha uma pia, todos eles entravam lavavam a mão e sentavam pra comer! Coisa que aqui a gente não tem né, a gente sai da rua entra no restaurante e nem lembra de que tem que lavar a mão! E povo ficava lá com aquela coisa de ficar passando álcool gel na mão! Sabe...Turistas, eles sentavam nas mesas e a primeira coisa era abrir a bolsa e pegar o potinho e colocar na mão...Sabe tem uma torneira! É água! O que adianta você vai comer no prato se tá limpo o prato, você nem sabe se o cara lavou direito o prato...Mas assim, essa questão de higiene, eu não achei assim como o povo fala tanto por aí...Tem muita dificuldade, por conta que eles não têm abundância que nem a gente tem aqui, que nem a água encanada, luz elétrica, então eles não têm nesse sentido... (Volto na questão dos ashrams em Rishkesh, pergunto a ela se chegou a perceber algum tipo de concorrência entre eles, já que há muitos na cidade, quase que a maioria voltada para o público estrangeiro, ou até mesmo disputa de poder...) Poder existe! Assim concorrência...eu não sei....mas...eu percebia algumas coisas assim de tipo...de poder mesmo, uns querendo ser mais importante que o outro isso tem! Isso assim...porque assim na verdade eu percebia de comentários que o próprio Swami fazia durante as aulas, e...eu lembro que ele chegou a comentar que, uma vez... num outro ashram próximo ali, que era mais famoso, não sei bem como...ele chegou a comentar que existe uma certa, um desentendimento entre eles...É uma coisa muito entre eles, não é aberta assim...pra todo mundo...é uma coisa meio....mas tem sim, uma coisa de um querer ser melhor que o outro, porque a questão de dinheiro é...básica, né! - Você não teve tanto choques ou confusões culturais? Não...não muita. Na verdade eu fiquei assim aberta a tudo, porque se eu começar a julgar...a comparar...não dá, é outra coisa! Eu fui com essa ideia mesmo! - E na programação do itinerário com o grupo, você chegou, por exemplo, ir no Taj Mahal, alguma coisa assim? Tá, a gente foi até Agra, aí a gente visitou um outro Taj que tem lá, mas a gente não chegou a visitar o Taj Mahal... - Por quê? Ah...na verdade eu não tinha muito interesse, porque o Taj Mahal pra mim eu já tinha visto tanto na televisão e...aí a gente chegou lá, todos os lugares que você tem que visitar lá na Índia você tem que pagar uma entrada...a gente tava acostumado a pagar cem, duzentas rúpias para entrar em qualquer lugar...a gente chegou lá no Taj Mahal o cara pediu oitocentas! A gente achou um absurdo! Então a gente decidiu que a gente não ia entrar lá...por protesto! E aí a gente visitou um outro Taj, de acordo

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com o Claudio, um lugar mais antigo que o Taj Mahal, e tava assim vazio e lá a gente ficou horas, deu pra visitar super tranqüilo... - E lá, quanto que era a entrada? Lá era cem...alguma coisa assim... - E você chegou ir até Varanasi? A gente foi em Varanasi, foi lá que eu comprei minha bolsa (risos) - Ah! Foi lá? Foi lá (risos). - Como foi lá? Varanasi é uma cidade mega lotada! E...eu não achei assim grande coisa, sabe? A gente ficou...por ser sagrada, porque é aquele negocio também, era Kumbha Mela, a gente chegou lá e tava tendo o Festival de Saraswati [divindade ligada à arte no hinduísmo] então foi logo que a gente chegou, a gente viu como que era...e...mas assim foi interessante, mas eu acho que a gente poderia ter aproveitado mais, a gente se focou mais no comércio, porque tem uma...a gente ficou mais na beirada do rio, e aí muito comércio, cheia de escadaria, você vai entrando naquelas ruazinhas e tal, sabe, tudo é comércio, então a gente ficou ali...A gente foi num templo, templo de ouro, que eles não deixaram a gente entrar! - Por quê? Porque só entra hindus. A gente foi até lá, e a gente chegou na porta e o cara falou: “Vocês não entram!”. Então...meio que decepcionante, andamo pra caramba pra chegar lá (risos), aí chegou lá...porque assim, lá na porta são guardas mesmo! Guarda fardado e até militar! Armado! Aí a gente chegou lá, o cara: “Não...porque vocês não vão entrar!”, e...aí a gente teve que voltar pra trás... “Não, mas não pode nem dar uma espiadinha?” “Não, não!”, já vai empurrando...já vai empurrando pra fora “Sai daqui”...então a gente nem ficou. - Daí vocês voltaram para o comércio? A gente voltou...só tinha o comércio em volta na verdade...É porque lá tem o... o lugar pro povo ser cremado né...mas também foi legal lá que a gente foi no ashram do Lahiri Mahasaya [grande guru que viveu no final do século XIX, a sua história foi disseminada no ocidente pelo livro “Autobiografia de um Iogue”], eu fui lá... - Como foi? Então, um dia a gente foi no ashram a gente conversou com o rapaz que cuida de lá, e depois a gente voltou no outro dia, um senhor lá, que é dono da fábrica de picolé, e ele que tinha, que sabia onde que era a casa dele, porque o ashram é num lugar e a casa dele é em outro, e a gente queria ir na casa dele, né! Daí ele levou a gente até a porta da casa dele, ele falou assim: “Aqui é a casa dele, só que tá fechada e ninguém entra! Eu tenho a chave, eu vou entrar, e vocês vão ficar aí fora” (risos) não com essas palavras, mais foi mais ou menos assim (risos). Mas daí a gente chegou até o portão da casa dele, não entramos...e tanto que foi muito engraçado, ele entrou né, que tinha alguma coisa pra fazer lá dentro, e aí quando ele saiu, a gente ainda tava lá (risos), ele falou: “Mas vocês ainda estão aqui?”, e a gente: “Tamos aqui, a gente não sabe nem como ir embora daqui...” (risos). Foi divertido! Aí a gente acompanhou ele de volta lá até a casa dele. A gente foi na casa dele atrás dele! (risos). - E por que vocês queriam ir na casa do Lahiri? Ah! Pra conhecer...Porque eu acredito que...o ashram é um lugar onde ele dava as aulas dele, e tal...mas o lugar onde ele realmente praticava, que ele...que era casa dele mesmo, mas...aí ele não deixou a gente entrar (risos). - Nesse sentido estar na casa de um mestre era muito importante, tinha um significado? Legal, porque eu tive assim em outros lugares, na caverna do Vaishistha [mestre de yoga] em Rishkesh, depois eu fui na caverna do Shankaracharya (não entendo a palavra e recorro ao Google na transcrição)... - São cavernas sagradas? São! São lugares onde essas pessoas tiverem por muito tempo, mestres, iluminados, onde viveram, inclusive, você sente mesmo a energia do lugar. - O que você sentia? Você sentia uma energia forte, bem...nesses lugares, você entra, você fecha os olhos e começa a sentir, não é uma coisa que dá para explicar...mas dá para sentir... - Foi uma boa experiência?

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Foi muito legal, muito importante. Quer dizer, você tá num lugar, numa cultura dessa, sei lá...legal, o cara não tá mais ali, mas você sente aquela coisa... -(pergunto para ela comentar sobre a diferença entre viajar com o grupo e depois a viagem sozinha) É então, porque a gente ficou num ritmo bem...bem puxado mesmo, a gente ia numa cidade, ficava lá às vezes um dia, dois, três dias...daí já pegava a estrada de novo e tal, no carro, viajando. - Vocês que montaram a programação da viagem de vocês? Sim, na verdade o Claudio montou e a gente foi junto. A gente começou em Délhi, ficou duas semana em Délhi, a gente ficou lá pra fazer o curso e depois a gente saiu pra viajar. Porque como tinha esse curso, teve que encaixar ele na viagem. Eu falei no começo: “Eu quero e vou fazer [o curso]”, daí a Carol falou: “ Também vou fazer”, e até foi surpresa né, quando ele [o professor] falou: “Põe meu nome aí, também vou fazer”. Porque daí eu fui mandando o nome das pessoas, tinha uma lista enorme, acho que até o seu nome tava lá? Ele mandou por...várias pessoas...da Rosana, da Tatiana, daí ele: “Põe do fulano que ele vai...”. Aí acho que...tanto que o cara animou: “Não...eu monto uma turma pra vocês!”, daí chegou lá...só três (risos) e ele: “Pô, não eram dez!” (risos). - Ele chegou a falar isso? Não, ele não falou nada mas... Daí eu falei: “Ó, o pessoal não vai poder ir”. - Foi bom este curso? Foi legal, ele criou um método, que...ele tem os asanas [posturas de yoga] que ele trabalha, é uma coisa fechada, é aqueles, tá. Então, é uma coisa simples, trabalhar as articulações, mexer os braços, os pés, bem simples, mas ao mesmo tempo, é ótimo. Ele trabalha com a retenção na respiração. Todo movimento você faz com a retenção. Movimentos com a retenção. Você faz, pára e daí que você vai soltar o ar. É uma técnica simples e eu tô aplicando tudo que eu aprendi.Mas assim é uma técnica simples, mas quando você faz com a respiração, pra quem tem domínio, beleza... Eu aprendi muitas técnicas. No Nepal eu aprendi umas outras técnicas, a prática deles é mais...na Índia também...na Índia eu não fazia, eu era meio rebelde (risos), porque eu não gostava muito, mas daí no Nepal eles cortaram as minhas asinhas (risos)... - Como assim, você era “rebelde” nas aulas de yoga? Porque é assim, eu acho as aulas deles, pra turistas, muito ginástica, muito voltado pra ginástica. Tipo assim, a prática deles no Nepal, era prática pra eles, e era a mesma coisa, mas, assim um prática muito forte, mais posturas mais fortes, você faz ela muito rápido, uma...depois a outra...porque a gente tá acostumado a praticar...Aquela coisa:“Respira...fecha os olhos...interioriza...”, lá não! Ninguém fecha olho, sabe, ninguém sabe respiração, então, era super engraçado que algumas aulas que eu pratiquei na Índia, eu percebi isso, depois eu ficava rindo, é hiper automático,eu tô acostumada a praticar assim, eu começo a praticar é automático: fechar o olho, respirar e eles viam que eu tava fazendo isso, daí eu comecei a perceber que o professor mandava os outros fazerem! Eu achava muito engraçado. “Olha só,tá vendo...Eles sabem como que é assim, porque que não fazem...não falam...”. Aí ele começou a falar...Mas no geral assim, eu percebi que era uma coisa mais externa mesmo...E, eram coisas mais mirabolantes, pra mostrar mesmo. Então, é o que o estrangeiro quer, se você der uma aula de mais interiorização, mais voltada pra...com coisas mais leves...eles não gostam...Eles querem chegar lá e mostrar que também sabem fazer...Ficar de ponta cabeça...Então assim, eu conversei com muitos estrangeiros que não faziam yoga...que muita gente vai pra lá e não tem menor ideia, nem todo turista é praticante, eles não conhecem, eles vão conhecer lá...então muita gente falava assim, que achava a aula muito pesada, então eles não praticavam, não freqüentavam aula de hatha yoga por conta disso. Tinha gente que se machucou em aula porque, assim, uma aula muito forte... - Você chegou a ver isso, gente machucada? Cheguei. Vários...Ouvir o povo reclamar: “Ah! tô com dor nas costas, preciso ir num médico”, por causa de uma aula. A aula lá em Délhi era uma aula mais light, tinha gente de todas as idades fazendo...idosos, jovens, era tudo junto, era diferente de Rishkesh... - Deixa eu te perguntar uma coisa e me deixou curiosa, sobre aquele brasileiro que tem um ashram lá em Rishkesh... Prem Baba! Então, quando eu tava lá ele também tava, ele...eu fui assistir o Sat sanga[reunião, conversar com pessoas sábias, santas no hinduísmo] dele, uma vez, porque como eu tava fazendo esse curso de meditação e os horários eram bem próximos, não dava tempo de sair da aula e ir pra lá, mas daí, eu consegui sair um dia, eu falei: “Não, tenho que ir lá, pra ver...”. Eu sei que tava e ele leva em

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torno de trezentos brasileiros! E...fica lotada a cidade de brasileiros e o povo vai com ele mesmo, porque assim...eu fui na palestra dele, achei boa, mas...mas assim, sei lá se isso é preconceito, mas no final, as pessoas levantam, tem o Sat sanga, ele oferece uma fruta, não sei se é sempre assim, daí as pessoas fazem uma fila, vai lá e tem que beijar os pés dele, e ele te dá uma fruta. Isso foi uma coisa que eu me recusei! (risos) Eu até saí da sala, falei: “Não! Não quero nem ver isso!”. Mas, assim, não sei se é um pouco de preconceito porque o cara é brasileiro...Talvez se ele fosse indiano teria uma outra visão...Mas assim, essa coisa de beijar os pés de uma pessoa, eu ainda não evolui a esse ponto (risos), mas ele assim, a grande maioria do público dele é brasileiro, - (volto no assunto tocado por ela) Talvez se ele fosse indiano a sua reação poderia ter sido diferente? É! Porque assim, porque lá é uma coisa comum entre eles assim, essa reverência, inclusive, é parte da cultura deles, e até ele comentaram, hoje, os jovens não faz mais isso, mas até a geração anterior, era costume a pessoa chegar em casa e descer até os pés dos pais, dos avós...dos mais velhos, e que hoje e o máximo que jovem faz é abaixar a cabeça e falar namaste [cumprimento que diz: o Deus que há em mim, saúda o Deus que há em você] pra pedir a benção, mas era costume deles faz isso, por isso quando a pessoa era santa eles realmente se ajoelhavam diante...pra tocar os pés do mestre. Ele é um brasileiro, existe isso também, e não tem só ele, têm outros! Tem ele que é brasileiro, tem uma mulher que é, acho que é inglesa e tem alguma coisa lá na Índia e é bem famosa...Mas assim, mesmo que ele fosse um indiano, eu acho que eu não faria! Conta o fato, não seria tão estranho se ele fosse indiano, pra mim, assim como...não é do nosso costume fazer isso! - E é interessante que muitos brasileiros fazem isso lá! É, a qui eu não sei se eles fazem a mesma coisa...provavelmente, porque são pessoas, discípulos daqui que vão pra lá...Me chamou atenção, quase que cem por cento são brasileiros, eu conversei com muita gente de outros países que freqüentavam o Sat sanga dele e adoravam, gostavam muito, e muitos falaram que viriam pra cá atrás dele, no Brasil. Teve até uma pessoa, que ela tava férias, ela tinha plano para ir para um outro país, e ela tava mudando os planos dela pra vir pro Brasil atrás dele, então, assim o pessoal realmente gostava dele. Eu vi uma vez, simpático, o diferencial dele é que ele só fala português, e tem uma pessoa que traduz para o inglês, por isso que tem muito, a maioria das pessoas são brasileiras...Porque eu conheci brasileiros que não falavam bem o inglês e iam lá porque era o único que eles conseguiam entender! Porque todo lugar que eu ia o pessoal: “Ah! Você é brasileira? Você já foi no Prem Baba? Tem um cara no Brasil que só fala português”. Todo mundo conhece ele lá, na cidade... Porque a principal pergunta lá é da onde você é, né! Da onde você veio, daí você fala que é do Brasil, eles já perguntam: “Ah! Você veio com o Prem Baba?”. Mas todo mundo sabe que ele é brasileiro que ele tá lá, e que muitos brasileiros vão atrás dele. Eu não sabia...Eu fiquei sabendo que ele existia lá! (risos) Eu nunca imaginei que pelo nome que ele fosse brasileiro, alguma coisa assim...A mais desinformada do mundo (risos). Não era um nome totalmente desconhecido, acho que ouvi alguém falar dele, mas nunca me interessei nada...Aí quando eu cheguei lá, as pessoas me falavam: “Mas você não conhece ele de lá?”, “Eu não! Nunca tinha ouvido falar dele lá!” (risos). Eles perguntavam...Mas tinha muita gente que saia daqui por causa dele, um número grande... - Pra gente finalizar, você pretende voltar? Com certeza! (risos) Eu pretendo voltar assim que eu puder. - Nessa sua próxima ida, quais seriam seus planos? Então, a Índia é gigante, eu fiquei focada no norte...A minha ideia quando eu voltar eu queria ir pro Sul, parece que no sul tem muito mais coisas sobre yoga, em Kerala, tem muita coisa sobre yoga, porque meu foco na Índia é esse mesmo, não adianta! Então, e tem muito lugar legal pra visitar, visitar mesmo, conhecer mais coisa, mais pro sul, eu gostaria de conhecer o Rajastão, muita coisa que eu queria... - Você tem alguma previsão? Agora não tenho mais (risos), porque eu comecei a fazer a faculdade. Então não sei, teria que ser numas férias, mas férias é um período muito limitado (risos), assim, pra ficar um ano igual eu fiquei, não sei se eu faria de novo...

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Entrevista: Tereza Buturi Professora de yoga, de danças circulares sagradas. Formada em Educação Físisca Data: 15/04/11 Local: Auditório do Ed. Business Point – R: Manoel da Nóbrega, 354. São Paulo-SP. Eu trouxe várias coisas da Índia, como eu sou professora de dança circular sagrada... (Ela me entrega um cartão de visita) - Você tem um espaço? Tenho. (Ela volta ao assunto das coisas) Eu sou professora de dança circular sagrada, eu trouxe umas cinco, seis saias, mas não deu para carregar tudo. - É por isso que você trouxe as saias? É, exatamente. - Você foi [à Índia] com esse intuito? Exatamente, procurar roupa bonita, saia. Fui com intuito de conhecer a Índia mesmo, aprofundar os conhecimentos, sabe? Eu fui com esse intuito, o lado espiritual também, dos templos hindus que o Claudio [professor de yoga] falou que ia levar a gente, de conhecer como é mesmo a Índia, como é estar na Índia, como é praticar yoga na Índia, meditação... - Você tinha todas essas curiosidades? Eu tinha, mas eu não tinha aquela fissura de ir pra Índia, tanto é que, assim, nunca fiquei com fissura e nem pensei que assim: “vou para Índia. Vou para Índia”... Não.O Claudio chegou e falou: “Eu vou para Índia em Dezembro [2011]” e eu, de repente falei: “ah, eu vou também com você”. - Você lembra em que período você decidiu ir? Em novembro. Um mês antes, porque eu tinha saído do meu trabalho, eu dava aula e trabalhava numa empresa, aí decidi deixar meu trabalho e resolvi assumir só o hatha yoga, aí quando o Claudio falou que ia pra Índia, eu falei: “ah...eu vou com você”, aí quando eu falei “eu vou”, eu comecei a mexer os pauzinhos pra tudo, comprei a passagem, liguei, fiz tudo, aí eu comprei uma passagem para ficar um mês só lá na Índia, intuitivamente, eu senti que devia ficar mais um mês, não sei o porque, aí eu fui lá, daí falei com o Claudio: “eu vou prorrogar minha passagem, você me deixa num ashram lá?”, ele falou: “deixo”, [ela pergunta à ele] “tem algum problema?”, ele falou: “não”, então eu sinto vontade de prorrogar minha passagem, fui lá e prorroguei minha passagem por mais um mês, então...isso foi tudo de bom...eu prorrogar minha passagem. - Foi? Foi! Porque eu fiquei em Rishkesh, né? Pratiquei yoga, meditação, pude parar, entendeu Claudia? Porque até então, a gente tava passando por várias cidades né? E lá eu pude parar! - E dentro desse itinerário com várias cidades foi com o grupo? É. Foi com a Rosana, Millena e com o Claudio né, então, assim, corrido né? Vários templos, você quer ficar no templo, você quer...mas não dá tempo né? - Sei. Aí não deu tempo por causa da programação? Exatamente. Exatamente! Por conta da programação do grupo não dá tempo de você se aprofundar, ficar, enfim....né... - Então em Rishkesh “posso parar e praticar”? Exatamente, mas eu não tinha essa ideia de Rishkesh, como era Índia, prorroguei minha passagem assim...nunca fui para Índia, nunca conversei com ninguém que esteve lá, nem com você, nem com a Rosana, eu assim intuitivamente...assim...mas foi muito bom ter tomado essa atitude de prorrogar, porque chegou em Rishkesh eu me apaixonei por Rishkesh né...E fiquei no Ashram do Kriya Yoga também, e...como eu vinha meditando já há um ano, praticando a meditação, eu introduzi a meditação na minha vida, então pra mim foi fácil, porque o Kriya yoga você levanta cinco e meia da manhã, eles tem uma concha lá que acordam você às cinco e meia da manhã, você desce...(ela me pergunta) Você ficou lá em Rishkesh? - Não, eu passei. Você passou, então, você desce às cinco e meia da manhã, você senta pra praticar yoga, aí tem um swami [tipo de um monge que ensina as técnicas e cuida do ashram] quando ele está no templo, ele

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estava lá né, no ashram, daí ele senta ele fala um pouquinho de Deus, ele fala assim que o quanto as pessoas estão voltadas só para o lado material, vem pra Índia só pra comprar, comprar, mas elas não se preocupam para se voltar para si, e parar, sabe? E respirar corretamente...sentar, meditar, sabe? Ele falou muito dessa importância, de você tá meditando realmente, tá fazendo as respirações, os pranaymas [técnica yóguicas de respiração] e achei muito legal por causa disso. O Swami lá muito gente fina, assim sabe, um senhorzinho com aquela barba branca, sabe, tranqüilo, sabe, conversa com você tranquilamente, você senta lá... E no ashram esse espaço de meditação ele fica aberto assim vinte e quatro horas, se você quiser ficar meditando três horas, você fica, ficar duas horas, ninguém de incomoda, o espaço é aberto, se você quiser no meio da noite meditar, você senta, porque tem meditação a noite também, às seis horas da tarde, além da cinco e meia da manhã. Teve dia que eu cheguei e fiquei duas horas e meia! Aquele dia foi incrível, eu fiquei duas horas e meia!Parada...nossa foi excelente, até tinha perdido minha aula de yoga que era às oito horas. Nossa! Muito bom! Você...aí ele ensina a técnica da respiração, uma iniciação... - Você foi iniciada? Fui iniciada no Kriya yoga. Nós fizemos uma iniciação onde ele explica...é...ele ensina a técnica da respiração...é você vai respirar por cada chakra [teoria esotérica sobre vórtices de energia invisíveis que estão acoplados no corpo sutil] sabe...A meditação com som “so ham”, você inspira so e expira ham, então, você vai fazendo toda essa preparação para entrar na meditação, pra você realmente entrar na meditação, então aquele ambiente gostoso, você...sem falar...você não quer sair mais...você fica assim sabe...você fica (a voz dela mudou, um pouco embargada). Tem dia que você fica duas horas e meia, tem dia que fiquei uma hora, tem dia que fiquei quarenta minutos, entendeu, uma hora e meia. Até a Millena falou: “o que aconteceu?” , “ah, fiquei lá Millena, quieta, quieta.”, entendeu? Às vezes eu levava um caderno... - E esse caderno? Então (ela me mostra o caderno). Eu usei um caderno o tempo todo na Índia, onde eu fazia as minhas anotações, tanto das viagens, como foi a viagem, cada cidade, o que aconteceu... - Seu diário? Meu diário. E lá em Rishkesh, como eu fazia meditação eu usava meu caderno também... - Pra você relatar suas práticas? Exatamente. Por quê? Porque além de colocar as minhas práticas, eu colocava o que...na meditação, o que eu senti, teve dias que eu chorei muito na meditação...porque é limpeza...então teve dias que eu meditei tive vontade de chorar, chorar, chorar, eu chorava...eu tava sozinha, e cada um fica num canto, é meio escuro e tal...você fica a vontade, então, até aquele dia eu chorei, chorei, chorei, até...e continuei lá quieta, então foi bom, acho que a Índia tem isso também, você vai lá e mexe com você... - Mexe? Mexe! Eu acho. Mexe com você interiormente. Mexe...pra quem se identifica com yoga, e tá buscando, a Índia mexe...mexe com seu interior, pra quem ta buscando mexe muito...Então eu achei legal, ter essa oportunidade de tá eu comigo mesmo, é...eu...eu...porque foi falado isso também, o swami falou o seguinte, que muitas pessoas vão pra Índia, elas não querem...não vão pra ficar sozinhas com ela mesmo, ela quer sempre tá com alguém perto, mal terminou um relacionamento e já tá em outro...Então, ela não consegue ficar com ela mesma...e isso é muito importante você ficar com você mesmo, sozinha...então eu achei que na Índia foi legal isso daí entendeu? Eu fiquei comigo mesma. - Nesse período de solidão... É...exatamente. Eu fiz três dias de mouna [voto de silêncio]... - E como é que foi? Então, foi bom também...E é legal que você fala que tá em mouna, nossa! Todo mundo sabe o que é mouna, até o cozinheiro do ashram...”ah você tá em mouna então tudo bem”...então você fica em silêncio total...sem falar...sem gesto, nada...daí eu conversei com o swami se eu deveria fazer jejum e ele “não faz jejum, como só uma vez por dia, você só almoça um pouco e pronto”... - Então você fez mouna, prática de silêncio e... E só almoçava, só fazia uma refeição ao dia...ele falou: “você faça uma refeição só e fique em mouna”...e...então eu achava legal isso aí também... - E essa experiência foi boa, de austeridade?

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Eu achei...porque eu só assim bem disciplinada...a Millena mesmo falou, eu passei um mês lá e só faltei um dia de meditação,porque eu fui dormir muito tarde, e eu queria ficar até mais tarde, mas assim, todos os dias eu estava lá cinco e meia da manhã...Então nesse ponto eu sou muito disciplinada...Eu acho importante! Foi falado muito isso, indiano é muito disciplinado e brasileiro não tem disciplina. Então eu acho assim, se você... - Você ouviu esse comentário? Ouvi. Ouvi esse comentário que o indiano é bem disciplinado, mesmo o professor (ela cita o nome do professor mas não consegui escrever) da Millena, falou isso né, que no ocidente as pessoas são muito indisciplinadas, com horário, com tudo... - Então o ocidente é os brasileiros, qual foi o comentário que você ouviu? Os brasileiros, indisciplinados...então...eles são bem disciplinados os indianos, se ele marcou aquele horário, aquele horário ele tá lá...sabe...é...eu achei legal isso, e você...foi falado isso também de você, você que comanda...sabe...você que tem que comandar a mente e não a mente comandar você, por exemplo: “ah eu quero dormir até mais tarde...” você que tem que falar: “eu quero ir e vou”...sabe? então achei muito legal isso daí...e...eu fui em todas as meditações que tinham, eu praticava três horas e meia de hatha yoga por dia, ah vou te falar onde eu pratiquei além do Kriya. Além do Kriya eu pratiquei em outro lugar. - Qual foi o outro lugar? É...eu conheci muito lá também, apesar do Claudio não gostar muito, eu fui muito no Prem Baba. - Ah! E como foi as sua experiência lá? Então, no Prem Baba, eu achei que foi bom...Eu encontrei duas amigas em Rishkesh. - Daqui do Brasil? Sim, daqui do Brasil. Encontrei lá duas amigas em Rishekh. Uma amiga, Teresa, que trabalha com constelação aqui em São Paulo e ela tava nesse templo, ashram que é devota do Prem Baba. Depois eu encontrei a Fabiana que é uma cozinheira de mão cheia da culinária indiana. Ela estava lá em Rishkesh e também é devota dele. Inclusive, ela estava cozinhando especialmente para ele. Ela ia ficar dois meses e meio, e a Teresa ia ficar quatro meses, nesse ashram, é assim, você fica nos hotéis próximos do ashram mas tudo acontece nesse ashram, entendeu? É um ashram grande que tem um salão, mais ou menos de cento e vinte metros quadrados, enorme, com uma varanda que dá de frente pro Ganges, e lá acontece várias atividades durante o dia, tudo gratuito! - Todas as atividades... Gratuita! Por exemplo, oito horas da manhã tinha hatha yoga ou uma prática chinesa, tinha brasileiro dando aula, tinha estrangeiro, professora do Estados Unidos, professora da Itália, porque lá eles recebem muitos brasileiros, muito brasileiro lá, muito! Pra você é importante isso né? Falar isso, eu não achei que ia encontrar tanto brasileiro lá, inclusive, duas amigas e cheio de estrangeiro também. Então, olha o que acontecia, olha que coisa boa, quando uma estrangeira ia dar aula de hatha yoga, tinha uma tradutora pro português... - Sério? Sério e não tinha só isso, tinha aula de yoga oito horas, aí depois quando dava umas nove horas, tem toda uma programação, nove horas tinha seva que eles falam, seva é assim, cada um faz alguma coisa, trabalho voluntário, eu colaborei porque me senti na obrigação de colaborar... - Você colaborou com o quê? Eu colaborei...eu passava aspirador no salão, porque tinha carpete sabe? E...ajudei varrendo toda a parte de fora do ashram, tá, eu me senti bem, eu achei que estava usufruindo do espaço e podia ajudar, né? Quando era dez e meia eles começavam que eles chamam de satsanga, como é que é o satsanga deles, num salão enorme né, aí eles juntavam cinco músicos, e também não é só músico, vai trocando, por exemplo, apareceu um músico lá da Austrália, ele entra na roda, ele tocava mantras devocionais, era hora dos mantras devocionais, ao vivo! E todo mundo cantava. Aí depois i Prem Baba aparecia e sentava na poltrona dele... - Ah, ele tinha uma poltrona? Tinha, uma poltrona dele, porque é o....maharaji [significa grande rei] deles, então ele sentava na poltrona... - E ele ficava mais elevado (em relação a poltrona com o público)?

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Pouquinha coisa, sabe, uma poltrona gostosa, ele sentava, e ele ficava ouvindo o canto devocional, daí parava o canto,e uma pessoa fazia uma pergunta, por exemplo: “Baba, como é que eu posso vencer por exemplo, é...como é que eu posso trabalhar melhor meu lado espiritual?”, ou “como eu posso meditar melhor?”, assim, “é meu medo interior, é meu medo”...sabe?...assim...o pessoal fazia perguntas pra ele...e ele respondia, uma ou duas perguntas, ele ficava quarenta minutos falando...Aí depois (interrupção da gravação). Então as pessoas faziam o pronam [tocar os pés] pra ele, tá, então as pessoas iam lá conversar um pouquinho rápido com ele, tirar foto, enfim, depois ele ia embora. - E ele é brasileiro? Ele é brasileiro. Ele é brasileiro, o Prem Baba. Ele tem um satsanga, acabei descobrindo ele lá, não conhecia né, ele tem um espaço aqui na São Joaquim que ele faz satsanga uma vez por mês... - Com frutas, guirlandas? Guirlandas...ele dava uma fruta pra pessoa, ele tinha umas frutas assim do lado,ele de vez em quando dava para pessoa e levava, cada um... - Isso te chamou atenção lá na Índia? Chamou...chamou atenção, porque é um brasileiro né, eu não imaginava...e eu acho assim...o salão lotado, né, apesar de algumas pessoas não gostarem dele, eu acho que ele tá fazendo uma coisa boa pra Índia, tá trazendo gente pra Índia...tá trazendo gente pra Índia né? E tá passando conhecimento, que tá ajudando as pessoas, direcionando, enfim, gente jovem lá, gente jovem, de vinte anos, gente de trinta, quarenta, cinqüenta, de todas idades, ele fazia o ABC da espiritualidade, mas pra estrangeiro, pra brasileiro ele faz aqui em São Paulo, então quando as pessoas faziam esse daí, doavam, doam um dinheiro, e esse dinheiro é revertido para o ashram, e esse dinheiro mantém creches entendeu? - Você ficou sabendo disso? Fiquei sabendo, conversando com as pessoas e ele também implantou no ashram, alimentação gratuita, quer dizer, café da manhã, almoço e janta gratuita (ela bate na mesa enfatizando o gratuito). Quer dizer, você vai lá, se quiser comer, você come. - Além das práticas gratuitas, comida também? Além das práticas, eu também comi duas vezes lá para experimentar, porque você senta no chão né? Como indiano mesmo. Faz uma oração, com umas panelas desse tamanho...E você pega sua bandeja, cada um pega sua bandeja, tá, aí você come com a mão ou com a colher. Mas se você quiser colher você pega colher. Eu comi com a mão, outra vez com a colher, depois você lava seu prato, tudo direitinho, cada um lava seu prato, então eu achei legal...Aí depois desse mantra, cantos devocionais, eles faziam às quatro horas eles faziam outra meditação, uma hora de meditação, de vez em quando eu ia, e depois tinha mais canto, às cinco até às seis tinha, aí às seis tinha outra aula de hatha yoga, então eu ficava meio lá, e meio cá, entre os dois ashrams, no Kriya eu tinha um professor indiano que dava aula também, eu fiz aula no Kriya e ia pra lá de vez em quando eu perdia o satsanga, eu fazia aula de yoga no Kriya...Eu trocava sabe, de vez em quando eu fazia meditação lá, depois ia meditar no outro de novo...E...eles também, nesse ashram do Prem Baba, teve um indiano que deu aula de pranayama lá durante quatro dias, também de graça... Eu fiz. - Foi bom? Foi bom, uma hora e meia, duas horas por dia. Assim, tinha pessoas que deitava no chão cara...deitava no chão...porque pranayama muito forte né...só pranayma mesmo sabe...e você só pegava um pranayama, mais nada, de manhã, e indiano mesmo...e até falaram “tem em algum livro?”, ele: “isso não tem em livros, esses pranayamas”. Então, eu tive aula com esse indiano, ele [o Prem Baba] levava também um palestrante sobre a medicina ayurdeva, o quanto a medicina ayurveda é importante...que você...o quanto a hatha yoga é importante...alimentação, como a medicina ayurveda vê o ser humano...ele falou lá um indiano. Então ele levava lá, então ele levou um outro indiano para falar sobre meditação, então eu achava bom, porque ele falava inglês e tinha tradução em português. - E te ajudava... Me ajudava porque eu não falo inglês! Eu tive essa dificuldade entendeu? Eu vou fazer um curso esse ano, mas eu não falo inglês, igual a Millena por exemplo, ela se vira super bem.A Rosana também não fala inglês, muito pouco. - Então nesse sentido, o ashram você se sentiu a vontade porque você entendia o que estavam falando?

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Sim, lógico, eu conseguia me comunicar. E lá no Kriya Yoga era só em inglês, e tinha castelhano, a minha sorte, ele fez a minha iniciação em castelhano, aí tudo bem...daí quando o swami falava a Millena anotava pra mim, sabe, ela falava pra mim, dava uns toques, né, então, eu gostei deste espaço por causa disso, e o pessoal também super simples, nesse espaço, enfim...eu acho assim, quando se está num lugar, você tem que aproveitar de tudo, e discernir o que é bom e o que não é, eu acho... - Foi uma experiência boa pelo menos que você está contando... Sim, sim. Eu mergulhei no Ganges também, daí eu conversei com as meninas lá do Prem Baba “vamos mergulhar lá no Ganges”, e fiz amizades com as brasileiras, então eu ia lá mergulhar com elas, fui duas vezes, elas tiraram fotos pra mim, e...me incentivaram...aí eu fiquei lá com elas...muito legal, mergulhei duas vezes no Ganges. Então assim, Rishkesh é uma cidade que foi bom ter parado lá, por causa disso, que pude descobrir como é o hatha yoga na Índia. - E como é o hatha yoga na Índia? Pois é, o hatha yoga na Índia é puxado viu cara...a aula é bem...com asanas [posturas de yoga] avançados. Avançado assim, nesse Kriya Yoga, não lá do Prem Baba, o Prem Baba é estilo ocidente aqui, como trabalhamos tá, mas o indiano mesmo, porque no Prem Baba tinha muito estrangeiro né, e brasileiras dando aula, e no Kriya Yoga não, era indiano mesmo! - E você sentia isso? Lógico, eu sentia diferença, o indiano é bem sério, ele entra faz os mudras [gestos de yoga] dele lá, faz um...evoca o mantra dele lá...e começa a aula. Bem seco também , não toca em você pra te corrigir, não pode porque é mulher né...assim, ele era meio tímido o professor, e só postura avançada, tipo shirshasana [postura de yoga que consiste fica apoiada sobre a cabeça e braços] só postura avançada...eu falava pra ele: “esse dá, esse não...”. Tinha dia que só fazia eu e ele. Umas quatro vezes só fez eu e ele. Por ele ser uma pessoa tímida ele meio que assustava as pessoas, assim, ele não era muito carismático, era um indiano bem seco...Mas mesmo assim como eu tenho uma boa flexibilidade na hatha yoga, eu conseguia acompanhar as aulas, mesmo sem falar inglês. E teve lá no Kriya Yoga uma professora russa, ela dava a Iyengar [um tipo de yoga], bem puxada também, nossa! Cara você saia lá de quatro, te juro...Bem puxada, mas como tenho boa flexibilidade acompanhei bem a aula dela. Mas era uma aula...você ficava com ela uns vinte dias...E depois veio esse outro professor pra dar aula pra gente. - Valeu à pena então você ter ficado trinta dias em Rishkesh? Eu acho assim quando você viaja pela Índia, e nós viajamos por várias cidades né, é....você não tinha tempo de parar sabe, e...você ficava em muitos hotéis e o hotel...era confortável dos hotéis, mas assim, você tava numa outra energia, de comprar, de conhecer a cidade, de passear, de ir em templos hindus, era outra coisa, era outra proposta. Aí quando você pára Claudia, como eu parei em Rishkesh, aí é outra proposta, aí você pára para meditar, praticar yoga... - Você pára para praticar? Exatamente, eu senti essa diferença, eu achei legal, eu achei importante, apesar de ter decidido isso intuitivamente, foi uma ótima decisão que eu tive... - E dentro desta viagem do grupo,o que te chamou atenção, das paisagens da Índia? Ah (suspiro) os templos né, os templos maravilhosos, o Claudio nos levou em verdadeiros templos hindus, de baixo de pedras, que ficava debaixo de pedra, sabe aquelas pedras enormes, você descia...Dois templos nós fomos assim, fizemos pujas [oferendas] debaixo de pedra, uma pessoa fez lá pra gente, foi muito legal, e o que me chamou atenção também foi o templo...foi o templo de lótus, é um templo enorme em forma de lótus, redondo...é casa da oração...você entra lá...e meu Deus você fala “é aqui que eu vou ficar”. Aí você sente aquela energia forte, é uma casa assim de oração... - É aquele que fica em Délhi? Não, não...acho que é em Délhi mesmo (ela consulta o seu diário de viagem). Você já foi nesse templo? - É aquele em forma de lótus por fora? É, é...muito lindo...me chamou a atenção, e fui também no Taj Mahal né...(sem muita empolgação). - E como foi lá no Taj Mahal? Olha eu gostei mais do templo de lótus, eu fui olhei, achei bonito, arquitetura linda, maravilhosa, lógico, o lugar é lindo, enorme, mas...assim, eu achei bonito, mas assim, eu prefiro os templos hindus, o templo de lótus, eu prefiro um negócio mais profundo...mas eu gostei de lá, pela arquitetura.

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- Então a experiência do Taj foi... Pra mim não foi tudo aquilo que o pessoal fala, lógico, é uma das sete maravilhas do mundo, mas...eu sou mais assim, uma coisa mais simples, mais profunda, como os templos hindus por exemplo, né...Lá (Taj) é muita gente sabe, muita gente, passando, tirando foto, muita...já virou um...né? Sabe, fica aquela coisa, sabe, não é uma coisa mais retirada...uma coisa mais... - E alguma outra experiência? Então (mais animada) Pushkar foi legal, a gente conheceu a família lá no Rajastão, que eles tinham dificuldades coitados, eles assim, moravam no vilarejo que nossa...dormiam praticamente ao relento, né, e nós fomos conhecer esse vilarejo, dessa família, até ajudamos cada uma colaborou com um pouquinho, o Claudio, né, falou com a gente, a gente achou correto, e cada uma deu um pouquinho de rúpias, porque assim, é como uma cabana, imagina uma cabana cheia de...daquelas plantações em cima, seco, tipo uma grama seca e cumprida, e eles não tinham cobertura, porque eles não tinham dinheiro, e o pessoal tinha né. Então, praticamente eles dormiam ao relento. E cheio de crianças o vilarejo, era um terreno, e cada um tinha a sua...e eles não tinham, então cada um pouco e juntou que deu dez mil rúpias...e essas dez mil rúpias, o Claudio juntou e deu na mão da menina, que tem... acho que é dezesseis anos, mas muito responsável, demos na mão dela, pra ela poder comprar a casa, comprar a casinha deles, que era isso daí. E o Claudio né ficou sensível com a situação deles, todo mundo ficou né, aí quando na próxima cidade, quando nós voltamos numa outra cidade, o Claudio conseguiu entrar em contato com uma ONG e mostrou foto dessa família, como eles vivem lá, o quanto tem de crianças lá! Sabe...uma catando piolho da outra, aquela situação difícil, sem alfabetização, comendo só chapati [pao] e tchai [chá], sabe? É uma situação, sabe, de pobreza! E senhoras também...E ele entrou em contato com essa ONG para que essa ONG possa fazer alguma coisa por eles, porque o tio dessa menina vivia de tocar um instrumento no Rajastão e pegar dinheiro dos turistas, e ela cantava a menina, ela cantava e o tio tocava, por isso que o Claudio conheceu né, então, entrou em contato com a ONG, pra ONG levar eles para tocar em outro lugar, pra ajudar esse vilarejo, montar uma escola lá, enfim, não sei como tá isso, mas ele entrou em contato e botou a pessoa pra ficar em cima deles, pra ajudar mesmo, né. E nós além de ajudar né, eu comprei um instrumento deles, e nem trouxe (mas no outro dia, ela trouxe o instrumento e me mostrou. Ver fig. 1).

Figura 25 Instrumento musical indiano

Eu comprei um instrumento deles e a Rosana também comprou um. Pra ajudar a família, né. Compramos também CD’s de musicas deles, a gente tentou ajudar né. Nenhum turista ia fazer o que nós fizemos. Ir até o vilarejo, sentar lá, tomar um tchai, conversar, sabe, sensibilizar, pegar, juntar o dinheiro e dar pra eles né, em prol deles das crianças tudo, meu...o estrangeiro ele vai lá, e dá um dinheiro e vai embora e nem olha pra cara né... Mas a gente como brasileiro né, fica sensibilizado com essas coisas. Foi por isso que nós fizemos. Ah! Nós fizemos...tinha muita leitura de mão né, aí quando nós fomos em Jodhpur, né, um cara lá leu minha mão, mas ele era muito comercial, sabe, eu anotei

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algumas coisas que ele falou, eu ia falar pra ele que ele tava muito comercial, mas assim, enfim, eu acabei não falando nada, é o trabalho dele né, ele lê mão o dia inteiro! - E quanto que era? Era...seiscentas rúpias. Não! Ele cobrava trezentas e cinqüenta rúpias. Mas eu achei ele muito comercial...assim, passando muita gente né, não tinha como né...Nós também encontramos mais dois brasileiros nesta cidade, é, em Jodhpur encontramos dois brasileiros, José Carlos e (não consegui entender o nome da mulher), eles moram na Vila Califórnia, perto da minha mãe, super simpáticos sabe, tavam no hotel, a gente conversou com eles e tal, tavam tirando bastante fotos, e ela como professora adorou a Índia, ela falou que gostou muito, e...ela falou que foi conhecer a parte do...de ver as estrelas...e adorou... teve uma diarréia, o marido dela passou mal pra caramba (risos), mas assim, foi bom ter encontrado eles, os dois brasileiros, foi bom...Que mais que eu gostei lá... - Mas foi bom por que meio que você se sentiu em “casa”? É...porque a gente conversou, aí eles tinham as mesmas dificuldades que a gente né...(risos). Teve diarréia...muita pimenta, pedia sem pimenta e vinha com pimenta...sabe aquelas coisas? - E você teve dificuldades com a comida apimentada? Ah então, a comida?...Então, de vez em quando vinha com muita pimenta (risos)...mas assim, você tem a opção, pedir : “olha eu quero sem pimenta”. Eu achei legal também que tinha muito restaurante tudo vegetariano cara...até o Mc’Donalds...eu fiquei apaixonada...você sempre vê “vegetarian, vegetarian”, eu falei assim: puxa vida, que maravilha! Chapati...eu adoro chapati!Meu Deus! Até no Brasil eu como chapati...então a questão da comida eu tava em casa, que é vegetariana...tirando a pimenta né, que eu não como de pimenta...Mas assim, a comida eu não tive nenhuma dificuldade...Adorei o tchai, adorei o chapati, o dal [prato a base de lentilhas], tudo, tudo, eu gostei da comida...A comida muito boa, adorei! E o tchai, e eu não tomo café também...também foi ótimo...eu tomei café uma vez, eu adorei o tchai, então foi legal isso... - E mais alguma coisa te chamou atenção durante sua viagem? Foi..as pessoas...elas querem saber da onde você é...nossa! elas querem saber da onde você veio...sabe...você é diferente pra eles...a cor de pele, né, é...eles sabem que você é de outro lugar , né... - E você sentiu que você era uma “atração”? (risos) Eu senti! Com as crianças sabe...as crianças ficavam em cima da gente, em algumas cidades as crianças ficavam em cima da gente, querendo saber, queriam perguntar...pra receber a gente...sabe...foi muito legal isso daí...eles são muito carismáticos, se comunicam sem palavras, você consegue se comunicar, sabe aquela coisa legal? Então, você se comunica muito bem, eles querem saber da onde você é, dão um sorriso pra você, porque vêem que você é de um outro lugar, daí você fala “Brasil!”, daí eles falam (ela muda o tom de voz e imita o sotaque) “Brasil, tudo bom? Futebol, Ronaldinho...Samba? samba, samba...”, então eles lembram dessas coisas do Brasil, que chamam a atenção deles...e...então eu acho legal isso daí...Você falar da onde você é né...eles vêem que você é diferente também...então acho muito legal né...você parar, né, para poder dar uma atenção, achei legal, eu gostei dessa parte...eu achei muito legal e gostei muito dessa parte aí, das crianças...Muitas crianças pobres, demais! (muda o tom de voz expressando sofrimento), muita pobreza...muita pobreza...eu também fiquei assim....muita pobreza, muita diferença social, né... - E isso, te chocou? É...me chocou, porque a gente foi num palácio lá, e que tinha lá os herdeiros, dos herdeiros, dos herdeiros, que moravam lá né, no palácio...Palácio tão grande...que era aberto pra visita né, você paga entrada, nossa...daí eles iam sair, aquele carrão...aquela muvuca toda...Daí eu falava: “Mas Claudio do céu...olha tudo isso aqui cara...”, tantas pessoas precisando de uma alimentação, uma escola,sabe, uma cabana!Que seja sabe?E por que a renda não é revertida pra um orfanato, um prol de uma ONG, ele falou: “Não!”...Então quer dizer né, muita...onde tem muita espiritualidade,também né, algumas pessoas não tem nenhuma...Acho que todas as cidades é assim né? Mas assim, é chocante de ver essas coisas...Uns com tanto, outros sem nada...muito sem nada mesmo! Você vê crianças com fome, pedindo no farol...A gente não dava dinheiro, a gente dava comida, lápis, caneta pras crianças...as crianças adoravam as canetas! O Claudio levou muita caneta...Aquelas criancinhas pegando uma caneta colorida, nossa! Uma borrachinha pra eles é tudo, eles ficavam muito felizes...eles ficavam numa felicidade, muito legal...então eu achava legal isso, de dar uma coisinha pra eles, né, aí depois acabava as canetas, mas eu achei assim...eu achei legal essa parte.

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- E esse caderno? (aponto para o diário de viagem que ela estava mexendo neste momento) Pois é...esse caderno de vez em quando eu dou uma olhada nele, anotei algumas práticas de yoga, algumas palestras...é...então...algumas coisas que foi falada...lá no ashram Kriya Yoga, no Prem Baba também. Eu li lá em Rishkesh o... Yoga Sutras de Patanjali...Sabe? Foi muito bom pra mim, um livro assim profundo, né? Eu pude assim, sentar no Ganges sabe, e tudo o que ele falava eu tava vivendo ali, né? - Por quê? Porque ele falava da respiração, o quanto era importante a respiração, o quanto era importante a meditação, a mente...sabe? Tudo o que ele falava ali, eu via ali, fazendo ali...Isso foi importante. Um bom livro fez diferença. Porque...eu levei quatro livros durante a minha viagem, como eu tava viajando pelas cidades, assim lá pelo Rajastão, eu li dois livros, livro de aventura...quando eu parei em Rishkesh, agora eu vou ler algo profundo, aí a Rosana me emprestou o “Yoga Sutras de Patanjali”, eu falei que esse é o livro certo que eu tenho que ler aqui, daí eu sentava no Ganges, numa pedra e ficava lendo ali...Aquele livro é tudo de bom...Porque ele fala da respiração, da meditação, nossa...esse livro é muito profundo, “Yoga Sutras de Patanjali”, e era tudo o que a gente tava fazendo ali...vivendo ali, sabe? Então eu me aprofundei nesse livro, em dez dias eu li o livro, e também eu li outro livro que falava de chakras, de cada chakra sabe? Porque aqui em São Paulo, assim...como agora eu realmente comecei realmente a investir no yoga né, só com yoga mesmo! (ênfase) Então é como você falou né, sente necessidade de um conhecimento maior, então, quando eu tava trabalhando os chakras no Kriya Yoga, eu tava lendo sobre dos chakras, então eu falei que tinha tudo a ver, daí eu comecei a riscar, escrever, sobre os chakras, estudar mais...ter essa oportunidade de aprofundar... - Então você acha que Rishkesh te deu essa oportunidade em se aprofundar nos seus estudos? Com certeza! E prática também! Deu essa oportunidade sabe, de fazer isso, foi muito bom. Que eu achei assim...isso muito importante né? (Ela comenta que no momento está trabalhando como professora de yoga, num espaço dela e que concomitantemente, ela trabalha com projetos/eventos voltados para qualidade de vida, inclusive a data do retorna da viagem à Índia foi por conta de um evento/projeto que estava agendado. Nestes eventos ela disse que trabalha com yoga e dança circular sagrada,e como é professora de educação física ela trabalha com caminhadas ecológicas.) - (volto ao tema da entrevista) Assim que você chegou à Índia, qual foi a sua primeira impressão? Ah! Foi aqueles mudras [gestos com as mãos de yoga] maravilhosos do aeroporto! (risos) Eu falei: “Meu Deus! Eu tô na Índia (risos) que coisa maravilhora né?!”. Os mudras né, grandes, enormes! Assim, sabe? Eu achei muito legal! Eu falei: “Nossa! Olha que coisa linda, maravilhosa esses mudras, né? O que me chamou mais atenção foi os mudras. Eu olhei assim e falei: “Nossa que maravilha meu Deus! Olha agora eu tô na Índia mesmo!”. Onde você vai achar mudras assim, tão grandes, você chegou a ver essa parte? Depois que reformaram? - Não, só por fotos (da outra entrevistada,Millena) Então, exatamente. Eu falei: “Nossa! Que maravilha, eu tô na Índia mesmo!”. Aí chegou o carro, em Délhi...em Délhi já é uma cidade mais agitada, né? E tuc-tuc [tipo de táxi por veículos de três rodas] e...bom, eu falei que ali era agitado mesmo...E fomos no Palika [centro comercial popular em Délhi] aquela muvuca toda, parece a vinte e cinco de Março...você vai lá as roupas não são de boa qualidade, sabe, e várias roupas que você não sabe nem o que comprar...você fala “Meu Deus!”...Você fica até meio perdida pra comprar... - E nesse trajeto não te impactou mais nada, foi tranqüilo? É...é como se eu tivesse tido na Índia. - Ah é? É, como seu já tivesse tido lá. Para mim nada chocou, nada fiquei chocada, nada fiquei impressionada, não tive dificuldade, apesar de não falar inglês, eu tive dificuldade com inglês, em outras coisas não, alimentação, praticar...Nada disso... - E você se identificou? Identifiquei! Eu me identifiquei bastante com a Índia. - Por causa disso (comida e práticas)? Por causa disso também...Eu não fiquei doente nenhuma vez! Fiquei super bem a viagem toda, não tive nenhuma diarréia, nada! Fiquei super bem a viagem inteira, sabe. Fiquei assim...é como se eu

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tivesse em casa sabe...Me senti super bem sabe...Como se eu tivesse em casa. Pegava o tuc-tuc ia pra lá, pra cá! E...até aprendi a andar sozinha lá em Rishkesh pra ir pra Hardwar sozinha... - E como foi? Então...foi difícil...quer dizer pelo inglês...É de suma importância.Você quer conhecer o mundo, tenha um bom inglês cara...Sabe...Você quer aprofundar no conhecimento? Tenha um bom inglês...Quer viajar? Tenha inglês...Porque você perde muito conhecimento...Apesar de eu tá lá no Prem Baba que é português, eu perdi conhecimento no Kriya Yoga, você entendeu? Não dá para você se aprofundar, num trabalho mais profundo, por exemplo, conversar com indiano, igual a Millena fez, aula com o “Ram”...você questionar! Então, você vai ficar...lógico, vai ser bom mas vai ser superficial...Você entendeu? Você não vai se aprofundar mais...Você podia se aprofundar mais! E aí fica difícil...Não, a língua é tudo! Deveria ser obrigatório no Brasil, quem qualquer lugar, a língua da região e o inglês! Obrigatório! Pra todo mundo, pra criança...sabe... - (Volto para o assunto de Hardwar) Então...Fui para Hardwar sozinha...minha filha foi uma viagem...Eu peguei tuc-tuc o cara só falava em híndi...Então não sabia falar inglês e nem português...aí deu uma confusão (risos) aí ele chamou uma pessoa para falar em inglês comigo (risos), eu falava “No, no, no, ok, ok, ok”. Ele me deixou na ponte no centro de Hardwar, aí comecei a andar para conhecer os locais, aí comprei algumas coisas, daí eu falei que queria ir na...ir numa zona só de coisas indianas...uma rua só de coisas indianas, e pra falar tudo isso...e pra falar! Daí uma menina falou: “Pra lá!”, eu falei: “ok, ok”, eu peguei...sabe aquelas bicicletas? Subi e falei:“Bazar India”, dei o nome e ele me levou... - E por que você queria o “Bazar” indiano? Porque eu queria coisa indiana, não queria muvuca...que era...que tinha muita loja da adidas, muito shopping, eu queria ir nas coisas indianas, na muvuca indiana! A muvuca indiana era mais...daí fui na rua só de coisas indianas, pra ver o que tinha de bom... - E você achou? Achei! O cara me levou de bicicleta, eu queria andar de bicicleta. Também...o cara te cobrando dez rúpias! Daí eu falava para parar, ele pára...tudo ele pára...Daí ele pega a máquina e tira foto! Foi muito legal!Muito prestativo! Daí o cara me deixou bem lá na rua... - Das roupas? Ah, as roupas foi assim ó...então, como eu faço a dança circular, eu trouxe umas cinco saias...Eu trouxe pra você ver (fig.2), eu comprei essa azul que adorei...

Figura 26 Saia comprada por Tereza Buturi

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Não é fácil comprar roupa lá não! Em Rishkesh, tem os locais certos! Pra você comprar roupa, sabe? Depois eu descobri...Por exemplo, em Délhi, tem o local certo, Aí eu comprei essa saia (ela pega a saia), quer que eu fique em pé para você ver? - Eu quero! O que você quer? Que eu mostre assim... (ajeitando a postura com a saia para que eu pudesse tirar a foto) - Pode mostrar como você está. Eu comprei essa saia, e achei...é difícil achar uma saia de uma cor só, comprei essa branca linda! Tá vendo? Rodada! Porque a dança circular resgata o feminino! Além de ser uma dança sagrada, você dança para o universo, você dança para a paz no universo! Então...e resgatar o feminino! Então o feminino é para você estar de saia! - E você já foi para Índia para comprar saias? Pra comprar saia! Por quê? Porque a dança circular é sempre de saia! Vestido...saia... Eu adoro laranja né... (ela mostra um pano de cor alaranjado - fig. 3)

Figura 27 Pano alaranjado

E eles têm muito esses lenços sabe? Laranja assim...bem cor chamativa! Eu achei legal. Por exemplo, eu mandei fazer um panjabi lá (conjunto de calça e bata - fig. 4)

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Figura 28 Punjabi

Tem muita costureira lá, você sabe né? Então, a menina que fez, a indiana, ela fez um negócio tão apertado! Eu tenho coxa grossa né, e ela não tirou medida (ela imita como se estivesse vestindo a calça com muita dificuldade de entrar) e ela disse: “É assim que a gente usa!”. Daí eu pedi para ela refazer tudo de novo! Eu mandei fazer do meu gosto, eles tiram na hora, a sua medida, e você faz na hora, na hora! Aí vem três peças, tá vendo? Tá vendo esse lenço se você quiser colocar por cima, olha que bonitinho (ela mostra as peças). Mas assim eles fazem na hora... - E você já usou ele (punjabi)? Eu usei lá na Índia, até uma pessoa viu: “Ah! Você mandou fazer! Onde você mandou fazer?”. - Mas era indiano (que havia perguntado)? Não, era estrangeiro! Eles queriam saber onde fazer o punjabi, porque eles gostam muito de punjabi, estrangeiro...Eu falei: “Vocês fazem no centro”, “Ah! então tá”. Eu comprei esses panos aqui ó...tá vendo? (ela mostra os panos – fig.5)

Figura 29 Pano com mantras escritos

Eu gosto também, tá vendo? Esse aqui eu comprei num templo, tá vendo os mantras...Não sei se é o Gayatri mantra, o Claudio que sabe... - Você comprou dentro do templo? Dentro do templo! São mantras (ela aponta para os escritos do pano). Então eu achei legal esse pano de mantras, bem típico da Índia né cara? Daí eu falei “ah! eu vou comprar”, aí eu comprei isso. Ah! A gente teve no Rajastão, as pulseira, sabe? (fig. 6)

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Figura 30 Pulseiras do Rajastão

As mulheres faziam pulseiras! Olha só! (ela abre uma caixinha com várias pulseiras coloridas). Tudo do Rajastão, você passa e elas vão fazendo as pulseiras, olha que bonito! (mostra para mim) Elas vendem muito no Rajastão, pulseiras, sabia? É típico do Rajastão, elas fazem muito lá e vendem, muito legal, eu achei muito legal. Eu comprei porque achei bonito mesmo e para dar de presente, pra usar na dança circular...é bem feminina também...e a pulseira é bem feminina...casa com a dança circular, entendeu? Por isso que comprei a pulseira...Achei super legal comprar... - E que mais (sobre os objetos)? Aqui, aí eu trouxe..ó...estátua de Buda, acho linda essa estátua de Buda para colocar na... (fig. 7) você encontra muito em São Paulo mas preferi trazer de lá... - Por que tem um significado especial? É! Exatamente.

Figura 31 Estátua de Buda

Isso aqui ó...tá vendo? É Ganesha (fig. 8), achei muito legal! Tinha muito isso lá, barato! Porque esse é um material barato!

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Figura 32 Estátua de Ganesha

Ah! Eu achei bonitinho esse Ganesha (fig. 9) tá vendo? Olha de madeira...

Figura 33 Ganesha de madeira

E Ganesha...abre as portas... “eu vou levar”...Tem o OM, tá vendo o OM? (fig. 10)

Figura 34 Mantra "OM" no objeto

Em Rishkesh que comprei o OM, olha que bonito! Ah eu comprei também óleos (fig. 10)...óleo na Índia é tudo de bom, eu trouxe vários óleos...(tirando os óleos da caixa) mas o homem lá, você comprou óleo lá? - Comprei.

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O óleo lá, assim...eu fiquei apaixonada...tinha um senhor no Palika (em Délhi), que você falava “eu quero eu óleo assim, assim, assim...”Ele pegava as mistura lá e fazia pra você, cara, era muito legal!Muito legal! Eles usam muito óleo. No corpo, eu achei muito legal...

Figura 35 Óleos

Eu usei óleo direto lá...porque o Claudio fez um óleo pra mim, eu fazia três, quatro horas por dia de hatha yoga, de meditação...só no óleo porque senão não ia agüentar... Nossa, foi legal, foi ótimo! Passava óleo em tudo, no corpo, achava muito legal...Tá vendo essa sacola do Rajastão? Tem o Ganesha (fig. 12). Olha só, não é legal? - Que legal... Não é legal? Lá do Rajastão mesmo! Achei muito linda...

Figura 36 Bolsa/sacola com a estampa de Ganesha

- Você gosta de divindades hindus? Gosto! Gosto. - Isso começou depois da yoga? Não, eu comprei meu primeiro Shiva Nataraja quando eu tinha vinte anos, que eu era Hare Krishna [seita filosófica e religiosa, seguidores de Krishna]. Eu comprei o Shiva Nataraja quando eu tinha vinte anos! Ela (estátua) é pequenininha que eu tenho até hoje! Tem vinte e cinco anos. - Seu contato com a cultura indiana começou com Hare Krishna? Começou com o Hare Krishna e eu comecei a praticar yoga com a Regina Shakti, aí...esse que eu comprei, esse Shiva Nataraja, hoje a minha escola chama Nataraja...eu nunca imaginei...você ia

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imaginar, você tem vinte anos, Shiva Nataraja, e que você ia ter uma escola lá na frente com esse nome? Olha eu comprei essas miniaturas que achei muito fofas também (fig. 13), dá uma olhada... - (ela me mostra várias estátuas pequenas) E você coloca onde esses objetos?

Figura 37 Imagens de divindades hindus

Eu comprei mais para dar para as amigas...sabe...Eu vou colocar também numa estantezinha... - Você vai colocar numa estante? Vou, já estou arrumando uma estantezinha de vidro lá, e vou colocar todas essas coisinhas que trouxe da Índia...Daí o pessoal vai falar (ela muda o tom de voz): “Nossa, você foi pra Índia!” (ela pega outros objetos, brincos, anéis) Lá tem muita prata, você sabe né...Eu peguei tornozeleiras (fig. 14), muito legal...

Figura 38 Tornozeleira de prata

Porque eu gosto e vou usar (tornozeleira) também com a dança, acho muito legal...Eu acho bem feminina...E na Índia se usa muito! E eu achei que tem um design diferente...Olha esse brinco (fig. 15)! É muito diferente, eu comprei no Rajastão...É muito louco, eu gostei sabe...

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Figura 39 Brincos

- Você já usou ele (brinco)? Não, ainda não...Mas eu achei muito louco! Não, é uma carinha, muito diferente, daí eu falei: “Não... eu vou levar!”. Não é bonito? Eu achei super bonito! - Sim Daí eu comprei...tinha muito pingente lá...(ela tirando do saco plástico) muita coisa, não sei se a coisa, a Millena te mostrou, o OM (fig.16), eu nunca tinha visto um OM com o tridente de Shiva! Eu nunca tinha visto...aí eu achei muito legal...

Figura 40 Pingente com o mantra OM

- Daí você foi comprando mais por esse lado “diferente”? É! E tridente de Shiva quer dizer, eu sou Shiva, aí eu falei: “então é tudo de bom” (risos). Tá vendo ó, o tridente...ó bem no meio...(ela continua me mostrando o pingente) É difícil você encontrar isso aqui em São Paulo! - Sim Você não encontra isso aqui em São Paulo...não encontra! Daí eu falei: “Ah! Vou levar!” (ela pega outros objetos) tá vendo este brinquinho ó...(fig. 17) que eu achei diferente, tipo uma folhinha né, tá vendo? - (eu concordo)

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Figura 41 Brincos

Achei...tem uma prata muito legal cara...E não é caro né? Ó...comprei esse daqui que achei muito legal...essa pulseira (fig. 18), é criatividade deles, eu achei muito legal...essa pulseira.

Figura 42 Pulseira

(ela pega outros objetos) Eles trabalham muito com pedras e barato! Mandei fazer esse anel (fig. 19), tá vendo? Eu fiz meu mapa [astrológico]. Eu fiz o meu mapa com o Swami, aí como você entra no ashram do Kriya Yoga, o Swami olha o seu mapa, ele faz o seu mapa, você acredita? Ele fez o meu e o da Millena. Mas ele dá uma pincelada, não é que ele vai falar tudo...Aí ele falou assim: “Você vai passar por um momento turbulento...você tem que comprar essa pedra (ela fala o nome mas eu não entendo, algo com Gomad) você manda fazer um anel, usa nesse dedo (ela mostra o dedo)”, porque tem o dedo certo para usar, “e você usa direto esse anel”. Daí eu falei: “Tá bem então”. Eu mandei fazer lá, esse anel (ela mostra o anel novamente) e essa pedra só tem lá! E eu até perguntei: “Swami, eu tô no caminho certo da profissão?” (risos), e ele falou: “Você...essa profissão é arte, yoga é arte, você nasceu pra professora de hatha yoga mesmo, é seu caminho”, ele falou: “Você nasceu pra isso, pra trabalhar com hatha yoga”, aí eu falei: “Não, tudo bem, só queria saber se tava no caminho certo”, ele falou: “Você tá”...E o que ele falou mais...Ele brincou: “Seu mapa é um mapa...que dificilmente ache alguém que encaixe, que você é muito independente, quer fazer as coisas, buscar, então é difícil achar alguém que encaixe no seu mapa...Você não serve pra ser uma mulher caseira”, sabe mulher caseira?

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Figura 43 Anel feito sob encomenda

Comprei esse brinquinho também (fig. 20). - E o anel, você está usando? Tô usando, só tiro para praticar yoga, mas uso direto! Ah! Tem essa corrente pra você tirar foto... - Ok Tem muitas pedras, achei muito legal...pedra...olha...ó...pedra, e barato né? Você sabe né? Quer ver..tem uma pedra também (ela mexendo nas pedras e me mostrando)...Ah! Mandei fazer dois anéis, um com a pedra do meu signo, citrino...Porque lá além de ter um custo bom, o design é diferente do Brasil...Design da pedra...Design do arranjo, é diferente...

Figura 44 Brincos, colar e pedra

Então mandei fazer o anel da minha pedra, meu signo...e...foi isso...então o que que eu fiz (toca o celular dela e ela atende). Ah! Eu trouxe chá (fig. 21) para fazer tchai, ó... e masala [temperos] (fig. 22)

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Figura 45 Chá indiano

Figura 46 Masala (tempero)

Ah! Eu trouxe essa bolsa da Índia também! Eu tô usando ela (fig. 23), eu gostei porque eu adoro elefante! Eu trouxe vários elefantes, mas ficou em casa...

Figura 47 Bolsa

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Eu trouxe vários cards [postais](fig. 24)... - Várias temáticas? É...divindades... (fim da gravação)

Figura 48 Postais

Ao finalizar a entrevista, Tereza se emocionou, quando perguntei à ela se tinha intenção de voltar à Índia, ela disse que dois dias antes de embarcar para o Brasil, chorou muito, primeiro, por estar deixando o país e segundo, por não ter podido participar de um festival dedicado para a sua divindade predileta, Shiva. O festival intitulado “MahaShiva”, despertou nela uma grande ansiedade em participar. Frases do tipo: “Porque lá (Índia) é tranqüilo”, “Você sente que é diferente”, “Mantras tocando logo de manhã...” imperou durante o fechamento da entrevista. Tereza afirmou que no final de 2012 voltará novamente à Índia: “Com certeza vou voltar”. Ela comentou que até mesmo em sonhos durante seu sono, está sempre querendo voltar à Índia. Pergunto sobre os planos para a próxima viagem, ela então disse que ficará novamente em Rishkesh e pretende subir o Himalaia e que principalmente, não viajará para vários lugares. Outra medida que apontou para a sua próxima viagem é não comprar tanto, pois ela já aprendeu a discernir mais, e ainda ressaltou que dentro do grupo, ela foi a quem comprou menos. A viagem por incrível que pareça a tornou menos consumista: “Só o necessário!” e que sentiu o desprendimento material dos indianos, pois não os achou consumistas. Pergunto também se ela recomenda o destino Índia e ela respondeu que sim, principalmente, para aqueles que estão em busca de espiritualidade, pois como ela mesmo conheceu em Rishkesh, um casal com filho de treze anos que estavam na Índia em busca de um conforto espiritual pela perda de um filho. Além de se identificar com a cultura indianda, Tereza animadamente disse que ela queria ver o berço da yoga, não tinha expectativas e que a partir de agora, seu objetivo era passar as práticas de yoga aprendidas em Rishkesh para os seus alunos de yoga: “Eu pratiquei lá, vou passar isso com convicção!”, e finaliza que é uma espécie de trazer a espiritualidade de lá para cá (no Brasil). PS: Ao guardar as coisas, os objetos e se arrumando para ir embora, eu comentei com ela que tinha achado muito interessante a história do Prem Baba, dos brasileiros em busca dele, então, com muitas risadas ela lembrou que uma aluna de yoga dela foi para a Índia com um grupo de brasileiros, e que o condutor da viagem chegou a ficar doente de ciúmes, pois esta mesma aluna tinha ido visitar o ashram do Prem Baba, o condutor não queria de forma alguma que o grupo visitasse o bendito ashram, por ciúmes...puro ciúmes...

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Palestra: Meditar, Comer e Viver Narani Khusala Verardi Local: Clínica Masuda Saúde Suzano/SP Data: 17/04/11 Horário: 15h às 17h Empolgada com a entrevista no dia anterior, recebi o convite da Narani Verardi assistir a palestra intitulada “Meditar, comer e viver” sobre a sua experiência de viagem à Índia no período de um ano (dezembro de 2009 – dezembro de 2010). O evento foi realizado na cidade paulista, Suzano. Para assistir a palestra, me desloquei até a cidade de ônibus intermunicipal, uma viagem curta de uma hora do terminal Tietê até a parada final em Suzano. Quando desci do ônibus, Narani gentilmente se ofereceu para me pegar e então seguirmos juntas para o local da palestra. Ao vê-la já pude notar as suas vestes: bata branca (a mesma mostrada um dia antes na entrevista em São Paulo), calça branca, uma pequena bolsa indiana e um japa mala (uma espécie de rosário) de cristal no pescoço, pensei: “A indianidade já começou a ser performada”. O “estive lá” já começou pelas roupas dela. Quando chegamos ao local, fomos recepcionadas por um rapaz simpático, que julguei ser o dono do espaço, mas na verdade, ele era professor de yoga juntamente com a Narani. Ambos ministravam aulas de yoga numa clínica voltada para saúde. Ao adentrar a sala, o mesmo espaço destinado às aulas de yoga nos acomodou no chão, entre colchonetes e almofadas. Um pequeno quadro de uma divindade hindu compunha o ambiente. Um lap top estava sobre uma cadeira para completar a parceria com a palestrante. Sentamos-nos em meia lua, e a palestra foi iniciada pela justificação do tema, onde Narani explicava que era um plágio ou clonagem intencional sobre o nome do filme estrelado por Julia Roberts “Comer, Rezar e Amar”.

Figura 49 Cartaz da palestra

“REZAR” O primeiro slide na apresentação em power ponit eram os seguintes dizeres: “Bem-vindos à Índia”. Então ela começou a elogiar como um sendo um país fascinante, com um povo religioso, de cultura rica e com alegres pessoas, onde ela pôde fazer amizades. Através das fotos ela ia narrando a sua viagem. A interação com público presente foi imediata, perguntas a todo instante atravessavam a apresentação, alternando entre curiosidade, perplexidade e troca de informações.

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Então passemos para algumas perguntas feitas pelo público: “Todo mundo fala inglês?”, “ Tem algum lugar vazio?”. Narani munida da autoridade da experiência da viagem, foi respondendo: “As cidades voltadas para os turistas, falam-se inglês.”, ou ainda fazendo analogias: “É uma vinte e cinco de março em véspera de natal!” (risos de todos). Entre risos e olhares aguçados para a tela do computador sobre a cadeira, Narani mostra o ponto de partida da sua viagem, o ashram onde se hospedou: “a sua casa” como divertidamente se confundiu na entrevista no dia anterior. Ela mostrou até o quarto onde dormia, caracterizando-o como “bem simples”. A austeridade é evocada neste momento da apresentação, ela mostrou o ashram budista onde praticou uma técnica de meditação de dez dias de silêncio e clausura, chamada de Vipassana. Interessante notar é que este ashram e esta experiência não foi relatada durante a entrevista no dia anterior. Eu já havia conhecido a técnica através de um documentário sobre o Vipassana aplicado em presídios indianos. A minha curiosidade também se misturava com a do público, a diferença é que não fiz nenhuma pergunta para me voltar às anotações no caderno de notas. - Como foi a sua experiência com o silêncio? - Foi bom, não podia levar nem livro para ler! Ela continuou a mostrar as fotos e nos “levou” até o Himalaia: “Quando você chega lá tem uma paz que nunca vi!”. E aquele mesmo rapaz que nos recepcionou (o professor de yoga) fez a seguinte pergunta: - Como foi a sua programação? Como ficou sabendo dos ashrams? - Trocando informações. - Você viu alguma cerimônia no Ganges? - Sim! Mas lá é Ganga. E Narani continuava a falar sobre os pormenores que constituem a sua viagem, os detalhes, as micros situações e disse que o costume local de chamar o rio Ganges de Ganga, uma referência a deusa hindu Ganga. Ela disse que as pessoas entravam no rio, tanto de roupas quanto sem, e que ela ficava lá, tranqüila e meditando na beira do rio. Então ela passou a mostrar as fotos das cavernas sagradas, aquelas mesmas mencionadas durante a entrevista: “Lugar onde um yogi avançado viveu”, e reafirmou que foi um lugar onde sentiu uma forte energia. Como essa primeira parte da palestra é intitulada de “Rezar”, ela continuou a falar sobre a sua experiência com o curso de yoga em Délhi, salientando que o professor fez uma exceção para ela e o grupo, pois o curso era só para indianos, ela enfatizou bem esta parte por sinal. E também, que havia feito o curso de sânscrito: “Bem típico, bem rústico”, comentando que era realizado no correio da cidade de Rishkesh. “COMER” A foto de abertura mostra comidas indianas. E logo alguém pergunta: - É bem temperada a comida? - No começo sim, mas depois me acostumei, não tem garfo, o prato é de alumínio ou também você come com as mãos. - Não tem guardanapo? - Não! - Picadinho sem carne? - Eu tive uma experiência, eu escolhi uma sopa que quando chegou tinha carne, pedi para trocar. Não comem carne bovina e nem bebida alcoólica, só em restaurante de alto padrão ou para estrangeiros. - Eles cozinham em fogareiros? - Fogão é muito caro, agora que está chegando...cadeira por exemplo não tem (o público caiu na risada) - Não tem cadeira e nem garfo? - Raramente eu via garfo... Narani comenta com o público que depois da sua estadia no ashram em Nepal, a pedido do medido-professor foi orientada a se alimentar, pois ela havia perdido muito peso durante sua viagem à Índia.

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“VIVER” Ela passou para outra parte da palestra que se estendeu até o final. Percebi que o público fazia perguntas para saciar a curiosidade ou esclarecer alguma informação obtida pela mídia, como a próxima pergunta: - Essa história do leite é verdade? Beber leite onde os ratos já tinham tomado? - Eu não vi, mas tem templos voltados para os ratos, macacos, realmente eles acreditam... - Tem uma cidade que se fala português? - Sim! Na região de Goa, pela colonização portuguesa, mas é um português de lá... Narani então mostrou uma foto sentada na beira do rio Ganges sobre uma imensa pedra. A conversa continua e ela fala sobre terrrorismo e islamismo percebido por lá. - “É melhor nem olhar para os islâmicos pois eles são meio bravos. Em Délhi no metrô é necessário passar pelos detectores de segurança por conta do terrorismo” Ela passa a comentar sobre o festival “Holi”: “Eles saem na rua jogando tinta uns nos outros...” - Comentário do público: Eu acho que essa festa passou na novela Caminho das Índias. Pude notar que em alguns momentos a novela brasileira desempenhou um papel de exercício de imaginação sobre Índia para o público presente. Era a informação dada pela Narani, que esteve no país, mesclada com flashes de cenas mostradas durante a novela relatada por alguns dos ouvintes. Narani mostra sua viagem de subida ao Himalaia e comenta que para subir, somente a pé, burro ou carregado nas costas por outra pessoa, surgiu um comentário que alguém tinha visto uma reportagem sobre a questão de levar coisas em cidades mais altas. FÉ (SUBDIVISÃO DO TEMA “VIVER”) Ela mostra fotos do aarati, e explica sobre a cerimônia das luzes que acontece todos os dias às 18h. Até esse momento da palestra, Narani só havia passado uma foto com o grupo, sempre pontuando a sua viagem individual. Ela mostrou as cidades sagradas que são rotas de peregrinação e comenta que elas ficam fechadas em determinados períodos (principalmente com o inverno rigoroso). - Eles visitam essas cidades quanto abrem? - São cidades sagradas com templos minúsculos, onde o importante é fazer a peregrinação. Ela comentou que ao adentrar nestas cidades sagradas havia muito estrume de burros que faziam o percurso com os peregrinos, então, surgiu a pergunta se eles andavam descalços sobre os estrumes, a resposta dada por ela é que eles usavam um tipo de sandália, mas que não estavam descalços. Ela mostrou uma foto com filas de pessoas fazendo oferendas e comentou que eles comem as oferendas. Então Narani falou sobre dois mestres muito cultuados na Índia atualmente: Sai Baba e Ravi Shankar. (Sai Baba veio a falecer neste ano de 2011). Indo pela fala dos mestres indianos, ela foi indagada com a pergunta: - Tem um brasileiro lá, você já ouviu falar? - Sim, Prem Baba, eu fui lá assistir, o diferencial dele é que ele fala português e o maior público é de brasileiros Ela volta ao assunto das cerimônias e enfatiza que “pra eles tudo é muito sagrado”. E continua falando sobre o festival de Kumbha Mela, que só acontece de doze em doze anos e que ela pôde participar coincidindo com o período que esteve lá. Ela mostrou fotos de homens nus que participavam do festival, cobertos somente de cinzas. - Eles não se vestem? - Alguns usam tangas e outros...bem a vontade - Você mostrando sobre a religiosidade deles, eles não trabalham? (Talvez esta pergunta tenha surgido pelo fato de que a Narani até neste momento da palestra havia enfatizado em quase 80% do tempo com temas ligados a religiosidade). Ela responde: - Durante as férias e feriados que eles participam das festividades. E continua dizendo: - Aqui a gente já deturpou um pouco (fazendo uma comparação com os feriados brasileiros e ainda mencionou o exemplo de Aparecida – cidade)

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A mesma pessoa da pergunta anterior justificou-se: “A gente vê na TV e pensa que eles não fazem nada e você explicando isso a gente entende...” Narani continuou a dar a sua opinião comparativa: “Não é igual aqui, chega sexta-feira santa e desce para a praia. Lá não, eles aproveitam essas datas para se purificarem, rezarem.” TEMPLOS (SUBTEMA) Ela mostrou fotos de vários templos (hindus e budistas): “A forma diferente deles lidarem com a religião. É realmente a riqueza de detalhes dos templos budistas” A foto do templo de lótus na cidade Délhi impressionou o público pela arquitetura em forma de uma grande flor de lótus. Ela mostrou também uma igreja católica e disse: “Como uma boa igreja católica, estava fechada”. Aproximando com o assunto do cristianismo, perguntaram a ela: - Há evangélicos na Índia? - Eu vi um folheto do RR Soares, mas não vi. CULTURA (SUBTEMA) Narani começou a comentar sobre pequenos fragmentos que denotavam a “cultura” indiana. Por exemplo: - Eles dormem juntos, eu descobri que todos da família dormem no mesmo quarto, pra eles é uma coisa normal, é uma coisa importante. - Calça e saia curta são consideradas uma coisa “moderna”. Ela continua mostrando fotos: cenas de uma apresentação de dança em Rishkesh; uma família toda acompanhando a lua de mel dos noivos; concertos de música. Entre os cenários das fotos, ela quis enfatizar a diferença entre o interior e a capital, os ritmos de vidas, as tecnologias e facilidades. - O metrô de lá é melhor que aqui? - Eu achei a mesma coisa. Então ela disse: “Eu preciso mostrar isto!”. Na verdade, era a foto de um pacote para ser despachado pelo correio. O embrulho era quase que artesanal, todo costurado e continuou dizendo: - Ele costura o pacote “a caixa”! - Ninguém tem stress lá de esperar? - Não, eles são tranqüilos. O outro assunto em pauta foi o trânsito, o caos das vias, as vacas transitando e a decoração dos carros: - O trânsito pára por causa das vacas, a relação deles com a natureza é muito legal. Então veio o comentário de uma das ouvintes: - A Índia como potência eles não mostram, a parte que você mostrou, a religiosidade é que falam, eu fui ver a riqueza no filme “Quem quer ser milionário””. Narani respondeu: - O que está acontecendo é um processo de ocidentalização... (e emenda em outro assunto relacionado a questão de gênero e tradição) As mulheres mais novas trabalham fora, mas elas têm que fazer os serviços domésticos, os homens lá pelo que conversei também ajudam. - Tinha problema de furto? - Eu não vi - E a TV? - TV a cabo tem big brother, risos E ela vai caminhando para encerrar a conversa: - É bem diferente, você tem que tá lá para ver... - Comentário de uma mulher: “A gente faz uma ideia, ouvindo você e mostrando as fotos, a gente vê que não é bem assim”. - Pergunta: “E a yoga lá? Tem charlatão?”

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- Há diferenciação para os turistas e indianos - Eles têm medicina de acordo com a cultura deles? - Sim, a ayurvédica.

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Transcrição das anotações da entrevista com Rosana Khoury em em sua residência Data: 18/04/2011 São Paulo/SP - Kenzo perfume: “se não fosse o “Índia”não compraria, nem pensar” - Trouxe objetos para venda: patchiminas (echarpes), pulseiras, sapatos,óleos essenciais, óleos de sândalo, brincos, incensos (poucos). Para alunos e amigas professoras de yoga. Rendeu em torno de R$3.000,00 - “Desta vez gastei um pouco mais do que das outras vezes” - Estava pela terceira vez na Índia - “Sempre tem diferença”. “Fiquei doente de novo, o ar de Delhi, muito ácaro” - “Sempre vou descobrindo algo que não conhecia, exemplo o lado antigo de Delhi, além de preservar o lado antigo, as lojas são mais baratas”. “Bem indiano o comércio”. “Onde turista não vai”. “Comércio bem popular”. - Ela pega o objeto, mostra os objetos de metais para pendurar na parede, mas é usado como enfeite na mesa de centro da sala. “Muito baratos”. - O foco desta viagem foi o Rajastão, itinerário programado pelo prof. Claudio Duarte: “Eu sabia que ia encontrar o lado mais puro, indianos com turbantes, nos templos dos marajás, igual nas histórias”. - “Me surpreendeu as plantações no deserto” - “Tem algumas coisas bem típicas que valem à pena” - Ela mostra as fotos no seu laptop. - Foto do aeroporto: “Como modernizou!” - Lugares repetidos, principalmente em Delhi e Rishkesh - “Desta vez eu comprei ele, a réplica dele que está lá na escola” (divindade) - Explicação sobre a grande estátua de Shiva que havíamos visitado em Rishkesh. Depois de uma forte inundação o rio levou embora a estátua. - Sobre a cidade de Jaipur no Rajastão: “É muito lindo” - Ela mostra um breve filme num templo à Ganesha. - Rosana tornou-se devota de Ganesha após o contato com a yoga - Fotos de elefantes: “Que coisa mais linda!” - Sobre a cidade de Pushkar : “A cidade que mais gostei” - “Dá uma olhada nisso (me mostra as fotos), só templos em volta do lago. Os templos são divinos”. - Mostra mais fotos de Pushkar

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- “Conheci uma menina, Rajuri, ela levou p/ conhecer a casa dela, super pobre. Esta menina mudou a viagem. A casa era uma barraca. Ela estava tentando vender as tornozeleiras e instrumentos para um grupo de turistas. Foi especial. A gente queria saber mais sobre a vida dela. O tio toca e ela canta para entreter os turistas. Ela falava inglês. A gente resolveu ajudar a família, o grupo deu dez mil rúpias,dava para fazer uma casa. O dinheiro também gerou problema na repartição entre a família. Foi através de mim que rodou essa história. Eu por não falar inglês perdi muito da história. O contato é via e-mail entre ela e a Millena. O Claudio deu livros de yoga para ela”. - O grupo foi atrás de ONG’s locais para ajudar a família e aos músicos da tradição do Rajastão. - Ela mostra o diário de viagem: “Não completei, fiz de qualquer jeito”. - Mostra foto do palácio: “Olha que coisa mais linda! Era de uma princesa que ficava isolada, história muito louca”. - “Nós fomos no templo dos ratos, puta que pariu, só essa palavra para expressar. Foi nojento. Eles dizem que é sagrado”. Pergunto se tinha visto outros turistas estrangeiros neste templo, ela disse que sim, uma brasileira por sinal. - Ela mostra o vídeo dos ratos tomando leite, mas para vê-los tinha que pagar: “Eu não consegui entrar de tanto rato. É rato para tudo quanto é lado!”. O áudio do vídeo com a voz dela: “Não dá para acreditar! É uma sujeira e tem que ficar descalço!” - “Foi uma viagem surpreendente, foi uma experiência muito forte, muito mais pobreza, foi mais chocante, muita criança pobre”

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ANEXO B

MATÉRIA “UMA LÁGRIMA PELA ÍNDIA”

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ANEXO C

MAPA: OBJETOS – RELATOS

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NOMEAÇÃO

FOTOGRAFIAS DOS OBJETOS

RELATOS/ ENTREVISTADAS

INTERAMINAÇÃO /PESQUISADORA

A primeira vez que eu vi isso eu achei fantástico! Num templo de Lakshmi em Delhi, eu falei “não vou achar mais...” fiquei super arrependida de não ter comprado, e no fim, eu achei em outro lugar, enfim...eu achei legal, achei bacana, que é o “namaste” [comprimento indiano manifestado com as mãos] com a Lakshmi e o Ganesha [divindades hinduístas], é diferente.

O2 Entao, coisa que eu gostei muito... assim, pelo menos eu não vejo, não sei se tem em lojas especializadas, enfim...entao são coisas de pedras.Esse Ganesha de quartzo rosa, que eu comprei em Delhi, na hora em que eu vi eu achei assim: “eu não vou achar em lugar nenhum, o mais lindo que já vi...”depois você chega em outro lugar e tem um monte...ai que ódio. Todas as estátuas compradas são de divindades hindus? Sim. Daí o Claudio [professor] tem que ajudar, eu só sei qual é a Durga (risos)... E por que você comprou essas divindades, tipo Ganesha? Ai... Ganesha porque eu adoro! Você sempre gostou? Sempre gostei de Ganesha...e...enfim, eu comprava porque eu me identificava, achava bonito... Você sempre gostou de Ganesha antes ou após a yoga? Não...sempre gostei...antes eu já gostava... Mas se intensificou isso com a yoga, no caso essa busca e compra pelas divindades? Sim! Porque daí eu comecei a entender mais, estudar mais, me informar, perguntar...

O3 Tinham outras estampas (camisetas) ou só tinha de divindades? Não...tinha com flor de lótus, tinha com palácio, mas eu... Você acabou optando pelas as que tinham divindades? Sim, sim...camisetas com divindades, todas minhas são de Ganesha...todas!

O1

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O4 ...daí eu comprei alguns envelopes que eu achei diferente...bem típico...né...que a gente não tem aqui, não desse jeito, pelo menos eu nuca vi...

O5 Ah!...comprei tipo um caderno com papel reciclável, achei super legal, feito a mão, enfim, com divindades na capa.

O6

Essa aqui (apontada para a bata que estava usando) eu já usei lá, usei aqui, vim com ela e...eu preciso ter, por mais que eu vende, ou dê de presente, mas é uma coisa que preciso ter, é uma coisa que eu vou olhar e vou lembrar, né, “pô, essa aqui que estou vestindo é da ONG...e tal”.

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O7 E livros também pelo que estou vendo aqui... É...tem mais, é que estão chegando... Você fez isso (a compra dos livros) como investimento também? É, eu trouxe bastantes livros.

O8 Tem os postais também que você se apaixona...Ó...tudo de Ganesha...presta atenção... Shiva [um dos principais deuses que compõe a tríade hinduísta] também tem bastante, e lá eu descobri que eu me identifico com Shiva também...descobri um certo significado dele na minha vida...

O9

Comprei capinha de mat [tapete para prática de yoga] que eu achei legal

O10 (continuamos a manipular os postais) Vamos tirar os Ganeshas aí e por mais coisas de paisagens?! Porque o povo vai falar “gente, só tem Ganesha na Índia?” (risos). Eu gostava muito de pegar de mulheres, tá vendo? (figura 12) elas trabalhando...tá vendo? como eu te falei... (o professor questiona a Millena: “pegar o que? E ela responde “pegar os postais que tinham mulheres”)...Olha que cara de sofrimento?!É disso que eu tava falando...entendeu?! Praticamente só mulheres...

O11 Agora esse aqui eu não achei em lugar nenhum...tá...a gente comprou em Pushkar, era uma senhora que tava na porta do hotel e ela mesmo, ou o filho ou algum parente eles faziam, entalhavam tal...ali na hora você via que eles tavam fazendo, então é um design diferente, é uma proposta diferente de tudo que eu vi, entendeu? Então, eu achei muito legal.

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O12

O13 Eu trouxe várias coisas da Índia, como eu sou professora de dança circular sagrada... (Ela me entrega um cartão de visita) - Você tem um espaço? Tenho. (Ela volta ao assunto das coisas) Eu sou professora de dança circular sagrada, eu trouxe umas cinco, seis saias, mas não deu para carregar tudo. - É por isso que você trouxe as saias? É, exatamente. - Você foi [à Índia] com esse intuito? Exatamente, procurar roupa bonita, saia. Fui com intuito de conhecer a Índia mesmo, aprofundar os conhecimentos, sabe?

O14

- E você já foi para Índia para comprar saias? Pra comprar saia! Por quê? Porque a dança circular é sempre de saia! Vestido...saia... Eu adoro laranja né... E eles têm muito esses lenços sabe? Laranja assim...bem cor chamativa! Eu achei legal.

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O15 Eu achei legal. Por exemplo, eu mandei fazer um panjabi lá (conjunto de calça e bata) Tem muita costureira lá, você sabe né? Então, a menina que fez, a indiana, ela fez um negócio tão apertado! Eu tenho coxa grossa né, e ela não tirou medida (ela imita como se estivesse vestindo a calça com muita dificuldade de entrar) e ela disse: “É assim que a gente usa!”. Daí eu pedi para ela refazer tudo de novo! Eu mandei fazer do meu gosto, eles tiram na hora, a sua medida, e você faz na hora, na hora! Aí vem três peças, tá vendo? Tá vendo esse lenço se você quiser colocar por cima, olha que bonitinho (ela mostra as peças). Mas assim eles fazem na hora... - E você já usou ele (punjabi)? Eu usei lá na Índia, até uma pessoa viu: “Ah! Você mandou fazer! Onde você mandou fazer?”. - Mas era indiano (que havia perguntado)? Não, era estrangeiro! Eles queriam saber onde fazer o punjabi, porque eles gostam muito de punjabi, estrangeiro...Eu falei: “Vocês fazem no centro”, “Ah! então tá”.

O16 Eu gosto também, tá vendo? (sobre o pano) Esse aqui eu comprei num templo, tá vendo os mantras...Não sei se é o Gayatri mantra, o Claudio [professor] que sabe... - Você comprou dentro do templo? Dentro do templo! São mantras (ela aponta para os escritos do pano). Então eu achei legal esse pano de mantras, bem típico da Índia né cara? Daí eu falei “ah! eu vou comprar”, aí eu comprei isso.

O17 Ah! A gente teve no Rajastão, as pulseira, sabe? As mulheres faziam pulseiras! Olha só! (ela abre uma caixinha com várias pulseiras coloridas). Tudo do Rajastão, você passa e elas vão fazendo as pulseiras, olha que bonito! (mostra para mim) Elas vendem muito no Rajastão, pulseiras, sabia? É típico do Rajastão, elas fazem muito lá e vendem, muito legal, eu achei muito legal. Eu comprei porque achei bonito mesmo e para dar de presente, pra usar na dança circular...é bem feminina também...e a pulseira é bem feminina...casa com a dança circular, entendeu? Por isso que comprei a pulseira...Achei super legal comprar...

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O18 Aqui, aí eu trouxe..ó...estátua de Buda, acho linda essa estátua de Buda para colocar na...você encontra muito em São Paulo mas preferi trazer de lá... - Por que tem um significado especial? É! Exatamente.

O19 Isso aqui ó...tá vendo? É Ganesha, achei muito legal! Tinha muito isso lá, barato! Porque esse é um material barato! O plástico mostra que a imagem ainda está praticamente sem “uso”. Muitos objetos trazidos das viagens continuam guardados durante certo período, inclusive os embrulhos, sacolas, isso tudo não é simplesmente descartado quando se trata destes objetos.

O20 Ah! Eu achei bonitinho esse Ganesha tá vendo? Olha de madeira... E Ganesha...abre as portas... “eu vou levar”...

O21 Tem o OM, tá vendo o OM? Em Rishkesh que comprei o OM, olha que bonito!

O OM é um mantra muito conhecido para os adeptos da yoga. É considerado o som sagrado da criação universal. Na imagem comprada pela turista, o mantra encontra-se grafado em sânscrito.

O22 Ah eu comprei também óleos...óleo na Índia é tudo de bom, eu trouxe vários óleos...(tirando os óleos da caixa) mas o homem lá, você comprou óleo lá? - Comprei. O óleo lá, assim...eu fiquei apaixonada...tinha um senhor no Palika (em Délhi), que você falava “eu quero eu óleo assim, assim, assim...”Ele pegava as mistura lá e fazia pra você, cara, era muito legal!Muito legal! Eles usam muito óleo. No corpo, eu achei muito legal... Eu usei óleo direto lá...porque o Claudio fez um óleo pra mim, eu fazia três, quatro horas por dia de hatha yoga, de meditação...só no óleo porque senão não ia

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agüentar... Nossa, foi legal, foi ótimo! Passava óleo em tudo, no corpo, achava muito legal...

Em algumas passagens Tereza também me “entrevistou”. Ela perguntava se havia estado em tal local, ou, como no caso acima se havia comprado óleos.

O23 Tá vendo essa sacola do Rajastão? Tem o Ganesha. Olha só, não é legal? - Que legal... Não é legal? Lá do Rajastão mesmo! Achei muito linda...

O24 Olha eu comprei essas miniaturas que achei muito fofas também, dá uma olhada... - (ela me mostra várias estátuas pequenas) E você coloca onde esses objetos? Eu comprei mais para dar para as amigas...sabe...Eu vou colocar também numa estantezinha... - Você vai colocar numa estante? Vou, já estou arrumando uma estantezinha de vidro lá, e vou colocar todas essas coisinhas que trouxe da Índia...Daí o pessoal vai falar (ela muda o tom de voz): “Nossa, você foi pra Índia!”

O25 Lá tem muita prata, você sabe né...Eu peguei tornozeleiras , muito legal... Porque eu gosto e vou usar (tornozeleira) também com a dança, acho muito legal...Eu acho bem feminina...E na Índia se usa muito! E eu achei que tem um design diferente...

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O26 Olha esse brinco! É muito diferente, eu comprei no Rajastão...É muito louco, eu gostei sabe... - Você já usou ele (brinco)? Não, ainda não...Mas eu achei muito louco! Não, é uma carinha, muito diferente, daí eu falei: “Não... eu vou levar!”. Não é bonito? Eu achei super bonito! - Sim.

O27 Daí eu comprei...tinha muito pingente lá...(ela tirando do saco plástico) muita coisa, não sei se a coisa, a Millena te mostrou, o OM, eu nunca tinha visto um OM com o tridente de Shiva! Eu nunca tinha visto...aí eu achei muito legal... - Daí você foi comprando mais por esse lado “diferente”? É! E tridente de Shiva quer dizer, eu sou Shiva, aí eu falei: “então é tudo de bom” (risos). Tá vendo ó, o tridente...ó bem no meio...(ela continua me mostrando o pingente) É difícil você encontrar isso aqui em São Paulo!

O28 Ó...comprei esse daqui que achei muito legal...essa pulseira, é criatividade deles, eu achei muito legal...essa pulseira.

O29 Eles trabalham muito com pedras e barato! Mandei fazer esse anel, tá vendo? Eu fiz meu mapa [astrológico]... Eu fiz o meu mapa com o Swami, aí como você entra no ashram do Kriya Yoga, o Swami olha o seu mapa, ele faz o seu mapa, você acredita? Aí ele falou assim: “Você vai passar por um momento turbulento...você tem que comprar essa pedra (ela fala o nome mas eu não entendo, algo com Gomad) você manda fazer um anel, usa nesse dedo (ela mostra o dedo)”, porque tem o dedo certo para usar, “e você usa direto esse anel”. Daí eu falei: “Tá bem então”. Eu mandei fazer lá, esse anel (ela mostra o anel novamente) e essa pedra só tem lá!

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O30 Ah! Tem essa corrente pra você tirar foto... - Ok Tem muitas pedras, achei muito legal...pedra...olha...ó...pedra, e barato né? Você sabe né? Quer ver..tem uma pedra também (ela mexendo nas pedras e me mostrando)...Ah! Mandei fazer dois anéis, um com a pedra do meu signo, citrino...Porque lá além de ter um custo bom, o design é diferente do Brasil...Design da pedra...Design do arranjo, é diferente...

O31

Você não encontra isso aqui em São Paulo...não encontra! Daí eu falei: “Ah! Vou levar!” (ela pega outros objetos) tá vendo este brinquinho ó...que eu achei diferente, tipo uma folhinha né, tá vendo?

O32 ó... e masala [temperos]

O33 Ah! Eu trouxe chá para fazer “tchai”...

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O34 Ah! Eu trouxe essa bolsa da Índia também! Eu tô usando ela , eu gostei porque eu adoro elefante! Eu trouxe vários elefantes, mas ficou em casa...

O35 Eu trouxe vários cards [postais]... - Várias temáticas? É...divindades...

Percebi que vários postais mostrados performam-se como souvenirs, associados à lembrança que postais propriamente ditos. Apenas uma das entrevistadas (Narani) comentou que havia enviado via correio postais aos familiares e amigos.

O36 Necessaire indiana mostrada pela Tereza. Ela disse que sempre a carrega em sua bolsa.

O37 Essa é a bolsa que eu usava lá no dia a dia. Que é aquelas bolsa de sacolão (risos) tá até imunda a bolsa, não lavei, porque eu falei: “Se eu lavar vai desbotar inteirinha”... - Uma bolsa com uma divindade hindu? Sempre com divindades... - Mas essa bolsa que você comprou com a imagem hindu (aponto para a bolsa com a Lakshmi), não foi nem tanto pela divindade? Não...eu queria uma bolsa dessa! Eu queria uma bolsa dessa, e todo mundo tinha uma bolsa dessa! Eu via todo mundo andando com uma bolsa dessa lá, os indianos, né, aí eu falei: “Ah! eu quero uma!”, mas eu não achava! No começo eu via de monte, aí quando eu vi que eu cismei que eu queria, daí eu não achava mais pra vender, daí eu procurei, procurei, e de repente eu achei numa loja, não tinha escolha, só tinha essa, era essa, e acabou. Aí eu comprei essa, aí depois que eu comprei essa, acho que...um dia depois ou dois, vi uma outra lojinha com milhares...aí eu comecei a ver de novo, um monte (risos). Tanto que só tinha grande assim, daí depois eu comecei a ver em outros lugares bolsas menores, e tal, mas daí já comprei aquela, não vou... - Por isso que você comprou? Nem tanto pela divindade...

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Não, não, uma coincidência que só tinha ela na loja, então eu...no caso da Lakshmi, é uma deusa que eles realmente cultuam assim, todas as loja e todo o comércio tem uma imagem dela, junto com Ganesha, porque ela é a deusa da fortuna, pra eles...

O38 Essa aqui (ela mostra a outra bolsa) eu achei muito legal, bem legal, na verdade ela é uma chaveiro, é que ele descosturou aqui, mas ele tem um ganchinho para você pendurar, sabe (ela vai dobrando até colocar a bolsa na pequena bolsa chaveiro), é uma campanha que eles têm contra o uso da sacola plástica, quando você abre...você tem uma bolsa. - Onde você comprou essa bolsa? Essa aqui eu ganhei, da Carol, que ela teve comigo no começo da viagem, aí ela comprou de um...é...uma família que ela conhece lá em Délhi (ela tenta achar a etiqueta para me mostrar os dados/site da produção da bolsa), ela...eles ajudam nessa campanha, feita por mulheres vítimas do tsunami que teve lá (ela acha o site e me mostra www.smallsteps.in), elas estão fazendo isso pra viver né, daí ela comprou e ela me deu, de presente, eu uso muito ela, porque eu uso uma bolsa pequenininha né, e carrego ela dentro, às vezes você tá no supermercado e compra alguma coisa, então, eu tiro essa daqui de dentro da bolsa, fica todo mundo olhando né (risos), você tira um negocinho dentro e de repente vira uma bolsa né, daí pra eu não pegar os saquinhos, eu ponho aqui dentro, na bolsa de compra...ela é bem...é boa essa bolsa.

O39 Então isso daqui...eu também ganhei, de uma família, eu fiquei na casa de uma família em Délhi, quando eu fui fazer a minha prova, e quando eu vim embora, ela me deu essa echarpe, assim, eu trouxe ela porque eu achei legal, porque ela é uma estampa bem moderna, então achei que pra você seria interessante...(grifo nosso) Neste objeto, Narani trouxe pensando para a performance da pesquisa, talvez, num afã de mostrar a “modernidade” indiana esboçada na estampa da echarpe como ela mesmo disse. A partir dessa echarpe, ela começou a contar toda a história sobre a sua hospedagem na casa de família indiana.

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- Você então ficou hospedada numa casa de indianos?Como você achou essa família? Fiquei! Assim, foi uma experiência muito legal! Porque eu pude estar em contato com eles [indianos]. Na verdade eu aluguei o quarto, só que, eu participava da diária da vida deles, então, eu fazia as refeições com eles, morava assim, o casal com dois filhos, e a sogra, mãe do rapaz, e essa era a casa da filha do meu professor, então, porque lá é assim, elas se casam e vão morar na casa da família do marido, nesse caso, só morava a mãe dele, e, então, eu participava, então, como eu ficava lá direto, eu fazia as refeições, é, eu brincava com as crianças, eu tinha toda a liberdade assim...tanto que chegou uma hora assim que eu até ajudava na cozinha, na rotina, até comida pro nenê, eu dava (risos), porque eu percebi que era uma coisa eles não abrem muito...e você...que nem o menino mais novo tava com um ano, e quando eu cheguei lá ele começou a me chamar de tia! Que não é uma coisa, pelo que eu entendi, não é igual aqui: “Vai com a tia”, chama qualquer um de tia, lá não, só chamam de tia, quem for tia mesmo, e ele começou a me chamar de tia, e ele só me chamava de tia, isso pra eles já teve um valor grande, eu percebi, e...assim, foi muito rápido, eu fiquei lá uns quinze dias mais ou menos, e nesse período de tempo, eu já me sentia parte da família deles, tanto que a

mãe, né, mais velha, ela chegou um dia e falou pra mim: “Se você quiser você pode me chamar de mãe!”. Então assim, pra mim, foi muito importante! - Quando você me mostrou isso (pego o echarpe) vem toda essa história? É...daí você vai lembrando das coisas, é legal! Eu achei interessante, assim, pela estampa, é uma coisa mais moderna, lá em Délhi e...já tão mais assim se abrindo...Então você já vê, todas usam calça jeans, todas...usam...você já vê tipo roupas bem ocidentais mesmo, então, eu achei legal...

Narani comenta também através desta echarpe um outro movimento dos fluxos de globalização: a ocidentalização da Índia (principalmente nos grandes centros urbanos) por meio das roupas.

O40 Esse daqui já mais tradicional, esse eu comprei lá... Eu usava direto, porque muitos lugares que você vai, eles pedem para cobrir a cabeça...então você tem que ter né? Ou pra enrolar os braços né...pra cobrir os braços né... - (me surpreendo por saber do uso da echarpe para cobrir os braços) E isso aconteceu contigo? Em alguns templos. Aí...eles...você sempre tinha que tirar os sapatos, você nunca ia de sapato, alguns nem de meia, descalço mesmo! Não podia usar nem meia,

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e alguns eles pediram para cobrir, era legal assim também porque o clima lá é muito quente, então, dava pra proteger também um pouco. - Então a echarpe te acompanhou a viagem toda? Praticamente, eu usei bastante mesmo, eu usei... - E quando você pega ele (o echarpe) você se lembra dessas situações? Sempre eu lembro, né! Que usava tal...A gente sempre lembra. Já esta outra echarpe teve outras performances para a turista: adaptação de práticas indianas cotidianas (que poderia ser chamado de “culturais”, mas, optamos pela não generalização do termo cultural).

O41 Esse aqui eu peguei no aeroporto de Délhi quando tava indo pro Nepal, tava tendo uma exposição de mangas, porque eles são os maiores produtores de mangas. A manga é originária da Índia, não é daqui! (risos) Aí eles me deram o livrinho de receitas, muito legal, raras espécies de manga...manga isso, manga aquilo, aí eu tava olhando lá e eles me deram...Foi muito legal.

O42

Essa aqui foi a primeira que eu comprei, eu usei muito ela! Porque ela é de manga curta Então eu usava muito ela, porque o resto era tudo de manga comprida. Porque eu tinha uma certa de dificuldade em achar alguma coisa que me servisse, então...

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O43 A branca foi muito engraçada...eu não achava nenhuma que me servia, umas ficavam muito grande, eu sou magricela né, então, tem que ser uma coisa mais fininha, aí tava passando...(eu tiro a foto dela segurando a bata). Eu comprei lá no centro de Rishkesh, eu tava passando, e tem uns rapazes que fazem, na rua assim...Tem tipo umas barraquinhas, eles vão fazendo e vão pendurando assim, daí eu passei, eu bati o olho: “Nossa! Essa me serve!” (risos) Aí eu comprei! Aí cheguei lá em casa (risos), em casa!?...lá no ashram (risos). Daí eu fui experimentar, daí eu achei que tava apertada, aí eu voltei lá, aí foi muito legal, ele arrumou pra mim, ele abriu...e...ela é assim bem diferente das que tinha pra vender...ou a estampa dela...Eu adorava essa bata.

Esta mesma bata foi usada por ela na palestra em Suzano/SP “Meditar, comer e viver”. Houve uma determinada performance da veste para mim. Logo ao descer do ônibus, Narani estava me aguardando para irmos para o local da palestra juntas. Naquele momento, a performance foi como um carimbo de “estive na Índia”. Não só as fotografias, a fala dela durante a palestra falaram sobre uma Índia, mas também, a roupa.

O44 Agora essa daqui (fig. 9) foi diferente, porque que nem eu te falei, pra estrangeiro é um preço e pra indiano é outro. Aí essa daqui eu paguei duzentas rúpias nela, lá em Rishkesh. Aí quando eu tava lá em Délhi, que falei que tava na casa daquela família, daí eu comentei que queria comprar alguma coisa, levar de presente para minha mãe, pra minha irmã, aí a mãe, né, falou, (risos) eu chamava tanto ela de mãe que agora nem consigo lembrar o nome dela (risos), eu chamava ela de mãe ué, ela falou que podia, eu chamava (risos), ela tinha um nome difícil que achei mais fácil chamar ela de mãe (risos). Aí ela foi comigo: “Eu vou com você! Porque se você for sozinha nessas lojinhas eles não vão te vender coisa boa”. Aí ela foi comigo, aí...eu comprar uma, mas acabei comprando umas quatro, eu paguei...e é um modelo bem típico deles...Ela foi comigo, aí ele fez o preço normal, né. - E qual era o preço normal? Essa daqui eu paguei trezentos [a branca de Rishkesh] e essa daqui [estampada de Délhi] eu paguei cem! Ele me deu um desconto a mais, porque eu acabei levando a mais, ficou menos de cem rúpias.

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O45 Narani não chegou a fazer comentários sobre os japa malas, espécie de “rosário” hindu tendo 108 contas. Muito utilizado para contagem de mantras, porém, o “colar” também foi usado na palestra em Suzano/SP. Ele também performou juntamente com os outros actantes. Esse tipo de objeto também é muito usado por praticantes da yoga. No dia em que estava realizando entrevistas na escola de yoga, pude contar cinco pessoas usando entre umas vinte.

O46 Esta sacola também não foi comentada pela entrevistada, porém, ela esteve presente no rol juntamente com os objetos. Na verdade, ele também é objeto de viagem, conforme Lury (URRY e ROJEK, 1998) são os chamados de “objetos achados” ou “objetos incidentais” como sacolas, caixas de fósforos, ingressos. Ela é uma sacola que se tornou lembrança, souvenir.

O47 Esse instrumento musical foi comprado pela Tereza, e também pela Rosana. A história que envolve este objeto é atravessado pela caridade. Elas compraram no estado do Rajastão, especificamente na cidade de Pushkar, onde há muitas comunidades nômades e de artistas, que vivem de cantar e tocar para turistas. Neste caso, Rosana foi interpelada por uma jovem garota de 16 anos, chamada Rajuri, para que a turista (ela) comprasse algum souvenir dela. Interessada em comprar, Rosana começou a conversar com ela e descobriu a extrema pobreza em que a família da garota vivia. Então, o grupo todo da excursão foi visitar a casa dela, que para surpresa deles, a moradia não passava de uma barraca improvisada, sem teto. Comovidos com a situação da família, o grupo resolveu ajudar, através da compra de mercadorias (instrumentos que nem sabiam tocar, o intuito era ter o objeto em si como lembrança) e doação. Conforme informação repassada pela Rosana, ela e o grupo conseguiu juntar um montante de dez mil rúpias para dar a família. Ainda não satisfeitos, eles também puderam articular contato com uma ONG local para auxiliar não só a família, mas também, toda a comunidade em que vivia. Esta história chegou a ser publicada por um dos viajantes, o professor de yoga Claudio Duarte, na revista Personalité: estética com

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ciência, n. 71, em 2011. O título da matéria era: “Uma lágrima pela Índia”, onde o professor conta a sua experiência de viagem à Índia: “Nossa ideia, é conseguirmos uma “escola comunitária”paras as crianças e adolescentes locais...É um trabalho duro, mas prazeroso e transformador, tanto para a comunidade quanto para nós” (ibidem, p. 98). A mesma doação feita pelo grupo suscitou disputa, o dinheiro também gerou problema na repartição entre a família, disse Rosana. O objeto em si, o instrumento musical, não foi comprado para se tocar, mas sim, com o intuito de ajudar os seus fabricantes.

O48 Essas bonecas são típicas da região do Rajastão, Tereza as levou para completar o rol de objetos que queria mostrar à pesquisa.

O49 Tereza no outro dia da entrevista levou o gongo que comprou com o intuito de colocá-lo na sua escola de yoga. Inclusive, ela tocou-o algumas vezes para me mostrar o som que produzia.

O50 Foto do cartaz afixado no mural do espaço onde foi realizada a palestra de Narani: “Meditar, comer e viver”. Como é mostrada na imagem, ela encontra-se sentada em uma postura meditativa às margens do rio Ganges. A performance da foto reforça o tema da palestra “meditar”.

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O51 Objeto de decoração, posicionado em frente à televisão na sala de estar da casa da Rosana. Vários objetos trazidos por ela encontram-se no mesmo ambiente. Este camelo por exemplo, foi comprado em sua passagem pelo deserto na região do Rajastão. (Do objeto O51 ao O62 foram fotografados na residência da entrevistada Rosana Khouri)

O52 Pequeno Ganesha feito em quartzo rosa. Este objeto se encontrava ao lado do O51 em frente à televisão.

O53 Instrumento musical performando enfeite de mesa. Este também foi comprado conforme o objeto O47, em Pushkar.

O54 Conjunto de pequenos elefantes: enfeites da mesa de centro da sala de estar.

O55 Portas-incenso comprados em Délhi na viagem de 2009. Usados como enfeites, alocados em cima da lareira, Rosana não os utiliza como porta-incenso. As imagens hindus (deus Shiva) em ferro fundido estão acopladas em duas mãos abertas com arabescos florais. Eu me lembrei dos objetos, pois estava com ela no momento da compra. Havia comprado dois para mim também. Me veio a loja que compramos, a conversa amistosa que tivemos com o vendedor. Ele nos contou sobre a sua prática diária de meditação e que seu chefe, dono da loja, era o seu mestre, pois havia lhe ensinado. Enquanto conversávamos sobre os portas-incensos, Rosana me perguntou se eu lembrava deles, disse que sim, perguntei a ela se voltou na loja nesta viagem de

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2011, ela disse que sim, mas não havia mais a loja, o local que era cheio de pequenas lojas estava passando por reformas. E fato deixou-a muito chateada, pois ela desejava muito reencontrar o vendedor, que tanto a cativou pela simpatia. Os laços no turismo podem parecer ser efêmeros, porém, nem por isso são ausentes de afeto.

O56 Uma das maiores adorações de Rosana é Ganesha, divindade hindu muito reverenciada, uma forma híbrida de homem-elefante. Ela mostrou este objeto (O56) comprado em sua primeira viagem à Índia. Também compõe os artefatos de enfeites de sua sala.

O57 Esta peça, um leque feito com penas de pavão (veículo de Krishna no panteão hindu), foi comprado também na viagem de 2009, inclusive esta junto. Foi oferecido à ela em frente de um templo hindu dedicado à deusa Lakshmi na cidade de Délhi. Rosana na hora em que viu, achou um objeto “único”, tinha que comprá-lo naquele momento, mas, depois se deparou várias vezes com leque durante a viagem. Ele está posicionado na mesa de canto, numa gaveta, cujo tampão da mesa é de vidro, o leque ali, não é usado para abanar, mas sim, para decorar a sua sala.

O58 Esta bata preta de veludo, Rosana tirou do seu guarda-roupa. Ela disse que comprou porque adora veludo e a achou muito bonita. Perguntei se já havia usado, disse que apenas uma vez. Notei pelas entrevistas que principalmente as roupas, muitas não são usadas aqui no Brasil, algumas mencionaram que não dava para usar esse tipo de roupa aqui, como os sáris, por exemplo. Às vezes muito colorida ou que não daria para usar fora do contexto indiano. As roupas também performam um tipo de souvenir, lembrança.

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O59 Rosana continuou a mostrar as suas aquisições da última viagem, esta bata vermelha com detalhes dourados, ela acabou me dando de presente, que por sinal gostei bastante.

O60 Esta foto é de dentro do guarda-roupa da Rosana. Bolsas, penduricalhos, estão afixadas na porta-espelho. Uma imagem de Ramana Maharshi (Guru espiritual) encontra-se na lateral esquerda. Compramos juntas esta imagem, no ashram, lugar em que ele viveu, na cidade de Tiruvanamallai, sul da Índia. Atualmente, este ashram recebe muitos turistas estrangeiros, principalmente europeus, havia uma pequena loja onde vendia imagens, como esta, livros, sacolas e etc.

O61 O livro mostrado por Rosana estava na cabeceira de sua cama. Ela contou que esteve em um dos lugares (ashram) em que Anandamayee Ma, Guru espiritual, viveu. A sua felicidade disse, foi encontrar uma publicação em espanhol, já que não domina a língua inglesa. É interessante ressaltar que em termos de divulgação das mahatmas (grandes almas em sânscrito) no ocidente, a sua grande maioria se refere ao gênero masculino, porém, tiveram muitas mulheres que lideraram espiritualmente na Índia. Anandamayee Ma, do livro, foi a Guru de grandes personalidades políticas como de Indira Gandhi (MORO, 2009).

O62 A bolsa mostrada é apenas uma das várias que Rosana trouxe. Disse que as usava regularmente. Essa da foto tem a estampa de elefantes, animal símbolo da Índia.

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O63 Este objeto, um leque de acrílico com os dizeres: “India destionations. World class experience”, cedido pela companhia aérea Air France na primeira viagem realizada por Rosana a Índia. Perguntei porque tinha, ela disse que pelo nome “Indian” estar inscrito no leque e por ser uma lembrança do seu primeiro vôo à Índia, em 2007. Nota-se que não foi um objeto comprado ou ganhado na Índia, mas sim, no trânsito até lá. Ele faz parte dos objetos-achados cunhado por Lury (1998), objetos não comprados, mas sim, angariados durante a viagem.

O64 Este pequeno cálice com uma pedra azul e arabescos, estava sob a sua prateleira no quarto onde dorme. Um enfeite.

O65 Neste conjunto de objetos: imagens hindus, dois Ganeshas e um Shiva. Eles estavam na mesma prateira citada no quadro anterior, mas o curioso, é que elas estavam justamente no lado da cama onde Rosana dorme, talvez, para Rosana evoque proteção.

O66 Objeto O66: japa mala feito com 108 contas da madeira de sândalo. Usado por Rosana tanto para entoar mantras como colar.

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O67 Gaveta do guarda-roupa, aliás, a primeira gaveta, cheia de objetos indianos: chaveiros, óleos, perfumes, mini-cadernos, bindis, pasta de sândalo, kajal e etc. Enfim, um micro-bazar indiano.

O68 Estes bindis foram comprados no Brasil, numa loja que vende produtos indianos. Estes objetos são bem usados pelas indianas, marca a terceira visão na crença hindu. Perguntei se ela usava, ela disse que sim, às vezes para dar aula, ou algum evento de yoga. O bindi é performado para compor a marca de Índia e yoga para Rosana. Ela sinaliza através destes objetos indianos a sua profissão, vocação e relação com o país.

O69 O kajal da marca indiana Himalaya ainda lacrado foi pego da gaveta (micro-bazar indiano). Rosana disse que teve algumas encomendas deste item de maquiagem por ser uma marca famosa de cosméticos indiana. Encomendas estas por colegas professoras de yoga e de dança indiana.

O70 Este conjunto de pequenos frascos são óleos essenciais, muito vendidos na Índia. O cheiro de Índia não é trazido somente pelos incensos, como também, através dos óleos essenciais. Aromas de sândalo, patchouli, limão, laranja são mostrados nesta foto. Rosana disse que nesta última viagem não trouxe muitos óleos por ainda ter das outras viagens à Índia. Eu inclusive fiz uma encomenda à ela, óleo essencial de patchouli, além de ser mais barato, a qualidade é muito boa.

O71 Este perfume comprado e usado pela Rosana é a base de óleo essencial de sândalo.

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O72 O perfume da marca Kenzo mostrada na foto tem um história curiosa para se pensar no fluxo de objetos que orientalizam. Ele foi comprado pela Rosana num duty free no aeroporto de Paris enquanto aguardava a conexão para voltar ao Brasil. A coleção “Amour” tem a escrita em sânscrito. Não conhecia, mas quando fui entrevistá-la lembrei do perfume, da cena do aeroporto, dela perguntando para as atendentes sobre um perfume “India” da Kenzo. Quando perguntei a ela se havia comprado o perfume só porque tinha a menção à Índia, ela respondeu categoricamente com um sim! Caso contrário não teria comprado.

O73 O CD comprado na Índia, “Yoga Harmony” de Terry Oldfield ( que não é indiano, mas sim, inglês) foi para dar aulas de yoga em sua escola. Já que Índia é berço da yoga, nada melhor que vender álbuns deste tipo, principalmente à turistas estrangeiros. Rosana providenciou gentilmente uma cópia do CD para mim.

O74 É sabido que prata na Índia não é caro e é de qualidade. Rosana mostrou uma pequena coleção de anéis que comprou por lá. Usa todos.

O75 Anel de prata com pedras.

O76 Estes foram os sapatos que sobraram da comercialização para o seu uso próprio. Rosana conta que chegou a fazer R$3.000,00 somente com a venda de mercadorias indianas trazidas de sua última viagem como: incensos, brincos, óleos de sândalo, patchiminas (echarpes), pulseiras e sapatos. O publico consumidor das mercadorias era alunos e professoras de yoga.

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O77 Estas estátuas estavam também na mesa de centro da sala de estar como enfeites.

O78 (do objeto O78 ao O86 as fotos foram tiradas na escola de yoga da Rosana Khoury) No teto um sári, veste feminina indiana, que virou tecido de decoração oriental. A roupa neste caso virou objeto de decoração.

O79 Este pano indiano pendurado para decoração na escola, foi adquirido pela Rosana em sua viagem de 2009. Estava presente também neste dia, em que visitamos um pequeno templo hindu na cidade de Ayodhya no norte da Índia. Um dos swamis (sacerdote) deu para ela como cordialidade da visita, já que não é uma cidade onde freqüentasse turistas estrangeiros, aliás, isso foi assunto de matéria de jornal na cidade, nós éramos atração turística, assim como aconteceu com o cabelo da Millena Simões. Abaixo uma foto do meu acervo pessoal onde Rosana havia acabado de ganhar o mesmo pano em 2009 mostrado ao lado, já no ano de 2011.

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O80 As duas almofadas indianas com elefantes estavam na sala de prática da escola.

O81 Depois de ver tantos elefantes e Ganeshas, como o pequeno alaranjado ao lado, que estava sobre a mesa da recepção da escola, já sabia da adoração da Rosana pelo Ganesha, mas perguntei a ela se isto veio antes ou depois do seu contato com a yoga e ela me respondeu que foi após, e por isso que comprou (compra) várias imagens e estátuas tipo esta (O81).

O82 Quando entrei na escola da Rosana pensei que tinha entrado num templo hindu, eram imagens como a do O82 por vários cantos do espaço. Esta de Ganesha estava fixada na recepção, ao lado da mesa. Estes objetos agem como sinalizadores de indianidades, eles indianizam o espaço. Talvez seria interessante saber buscar em outras e futuras pesquisas, sobre a agência destes objetos para os praticantes.

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O83 Este objeto estava pendurado no teto como um móbile que enfeitava a recepção.

O84 Este caderno (também com a imagem de Ganesha) estava sob a mesa da recepção, porém, nunca foi usado. Foi comprado pela Rosana em sua primeira viagem em 2007.

O85 Um pequeno penduricalho de enfeite contendo vários pequenos sinos e sementes de rudraksha, símbolos bastante importantes no hinduísmo. Ele estava pendurado ao lado de um quadro com várias posturas de yoga, ambos, na recepção.

O86 Um calendário com imagem de divindade hinduísta: Vishnu, sua consorte Lakshmi e Hanuman. Interessante notar que o período da entrevista foi em abril de 2011, mas o calendário datava os meses de janeiro e fevereiro de 2011, o que na verdade se trata mais a performance de um souvenir (lembrança) que de um marcador de datas.

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ANEXO D

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO DAS AGÊNCIAS DE VIAGENS

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