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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICA SOCIAL MESTRADO VANESSA MARTINS GALHARDO LOPES A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS CENTROS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE MATO GROSSO CUIABÁ-MT 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICA SOCIAL MESTRADO

VANESSA MARTINS GALHARDO LOPES

A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS

ASSISTENTES SOCIAIS NOS CENTROS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE MATO GROSSO

CUIABÁ-MT 2019

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VANESSA MARTINS GALHARDO LOPES

A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS

ASSISTENTES SOCIAIS NOS CENTROS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE MATO GROSSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Política Social/Mestrado, do Instituto

de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Política Social.

Orientadora: Professora Dra. Izabel Cristina Dias Lira

CUIABÁ-MT 2019

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte.

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VANESSA MARTINS GALHARDO LOPES

A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS

ASSISTENTES SOCIAIS NOS CENTROS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

DE MATO GROSSO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Política

Social da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Política Social.

Apresentada em _____ de _____________ de 2019.

Situação:______________

Banca Examinadora:

_____________________________________ Prof. Dr.ª Izabel Cristina Dias Lira

PPGPS/UFMT (Orientadora)

_________________________________________

Prof.ª Dr.ª Janaína Carvalho Barros

UFMT (Examinadora Interna)

__________________________________

Prof.ª Dr.ª Tania Maria Santana dos Santos UFMT (Examinadora Interna)

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AGRADECIMENTOS

Chegar até aqui me faz relembrar de toda trajetória, do misto de sentimentos

que envolveram esse processo, e posso considerar que o mestrado foi como uma

longa viagem, cujo caminho foi permeado com alguns momentos solitários, inúmeros

desafios, inquietações, incertezas, mas diversas descobertas, conquistas e muitas

alegrias e realizações.

Essa viagem reúne uma série de pessoas que contribuíram, que apoiaram, que

auxiliaram a encontrar o melhor rumo a cada momento dessa caravana. Portanto,

chegar ao porto só foi possível com o apoio, com a força e, sobretudo, com a energia

dos bons companheiros dessa jornada. Por isso, quero registrar aqui os meus

agradecimentos.

Primeiramente, quero agradecer a Deus pela força maior em todo esse

processo, por proteger e iluminar os caminhos, mostrando sempre as melhores

direções.

Agradeço a minha família, meu pai José Targino (in memoriam), minha mãe

Maria José e meu irmão Vinícius, que foram os maiores incentivadores, os primeiros

a embarcarem comigo e a apoiarem essa aventura. Meus exemplos de garra, de

coragem, de paciência e de força... obrigada pelo amor de vocês e pela compreensão

nos momentos em que estive ausente. Amo vocês!

Igualmente quero agradecer a minha companheira de vida, Dalila, pelo amor,

partilha, perseverança, parceria e apoio incondicional. Obrigada por tudo e tanto que

faz por nós... obrigada por segurar na minha mão, por me encher de esperança, de

amor e por me ajudar a renascer e enxergar que ainda era possível continuar e

finalizar esse caminho mesmo em meio a tanta dor. Você é minha escolha de vida,

amo você!

Agradeço imensamente a Professora Doutora Izabel Cristina Dias Lira que,

com paciência e dedicação incansável, escolheu estar à frente de todo esse processo,

orientando todo o caminho. Registro aqui o meu carinho e a minha gratidão por ter

partilhado tanto o seu saber e sua vasta experiência.

Também quero registrar o meu agradecimento às Professoras Doutoras Tânia

e Janaína, que, tão gentilmente, fizeram parte de todo esse trabalho, com sugestões

que serviram para qualificar e avançar no debate. Obrigada, Professoras!

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Quero agradecer a todas as professoras do Programa de Pós-Graduação em

Política Social da Universidade Federal de Mato Grosso. Que jornada incrível!

Obrigada por todos os ensinamentos, por serem referências na construção do Serviço

Social Matogrossensse e pela oportunidade de aprender, crescer e me qualificar com

vocês. Carregarei vocês comigo!

A minha profunda gratidão às colegas Assistentes Sociais que, cotidianamente,

fazem o Serviço Social nos CASEs de Mato Grosso e que aceitaram participar da

pesquisa, contribuindo assim tanto para o desenvolvimento científico quanto

profissional desse debate dentro do nosso espaço de trabalho. Fica aqui o convite

para seguirmos juntas, pois já dizia Drummond1: “o presente é tão grande”, então “não

nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

Não posso deixar de registrar o companheirismo das colegas dessa trajetória

que se tornaram amigas para a vida: Marilza, PatyLinda, Thaise, Thamara, Jess, Tay,

Lidi, Luzi, Beth e Edi. Obrigada pela troca e vivência ao longo da nossa viagem, levarei

vocês comigo na memória e no coração.

Por fim, mas não menos importante, quero agradecer a todos os amigos e

amigas, tios e tias, primos, primas, colegas de trabalho, e todas as pessoas que

participaram desse processo direta ou indiretamente... obrigada pela parceria, pela

compreensão, pelo apoio e força de todos e todas vocês! Vocês foram e são

primordiais na minha vida!

1 Poema da Obra “O sentimento do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade

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ENTRE O LUTO E A DOR: A LUTA!

Você que, sem título, foi mestre... mestre na arte da vida, do amor, do cuidado, do

altruísmo, da paciência e da perseverança. Ensinou o que sabia, e o que não sabia fez questão de me oferecer e também de

aprender junto comigo.

Amava com tanta liberdade que me ensinou a voar alto. E mesmo aqueles voos que você nunca alçou, desejou que eu os fizesse. Me

mostrou o caminho, a força e a companhia. Era uma companhia serena, que mesmo em meio a tantas incertezas e

adversidades, você se mostrava firme e me passava segurança.

Torcia, vibrava e apostava em todos os meus sonhos. Caminhava comigo e me ajudava a abrir as primeiras portas da vida e, mesmo tão

menina, me fazia sentir que eu podia. Nem mesmo eu sabia que podia.

E você sempre me dizia: “viu? deu certo tata!”.

Sim, eu conseguia porque você estava ali, me esperando ao final do dia. As vezes passava uma tarde toda embaixo de uma sombra e, sem pressa, ficava a me

esperar. Aos poucos fui caminhando sozinha, mas te ligava todos os dias para contar tudo

que encontrava de novo pelo caminho.

Quando achava que não daria conta de superar um obstáculo e outro, você não me deixava desistir. Me mostrava outras alternativas, me colocava para pensar coisas

que eu nem imaginava. As vezes nem eu acreditava e, incrédula, fazia o que você falava. E não é que a coisa andava?!

Fluía!

Você, meu pai, fluía em tudo que fazia. Volta e meia, como um passe de mágica, tirava da cartola os sonhos que em mim

dormiam e de novo me fazia acreditar que eram possíveis. Assim foi com o mestrado.

A alegria tomava conta de nós... você não falava outro assunto e só sabia me

perguntar: “e o mestrado tata?”. Todas as nossas conversas iniciavam e encerravam no mesmo assunto: mestrado.

Era até engraçado... parecia que você fazia junto comigo. E fazia. E Faz.

Hoje estamos encerrando esse ciclo, meu pai. Precisei encontrar um novo significado para tudo, inclusive para esse sonho, que

nunca foi só meu. Busquei uma nova linguagem do amor, para poder continuar sentindo que, mesmo

fisicamente ausente, você estava comigo.

Passei a te sentir enquanto escrevia, pois todas as vezes as lagrimas caíam. Em todos os parágrafos tem as marcas da minha saudade.

Busquei forças dentro de mim e achei de novo o seu amor. Segui firme. E no meio de todo esse doloroso luto: a luta.

A luta foi por você.

E vai ser por você, porque você vive dentro de mim e me inspira a continuar. Te amo por toda eternidade.

Esse Título é seu, pai!

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RESUMO

A presente dissertação trata sobre como a dimensão técnico-operativa no exercício profissional dos Assistentes Sociais é materializada no Centros de Atendimento Socioeducativo – CASEs - de Mato Grosso, a partir da compreensão de que esta dimensão é a que mais se aproxima da prática profissional, e, por essa razão, explicita a totalidade das dimensões teórico-metodológica e ético-política que constituem o exercício profissional, emanando o modo de ser da profissão e representando a imagem e função social do Serviço Social. O interesse por essa pesquisa advém da vivência enquanto Assistente Social atuando no Sistema Socioeducativo há quase dez anos, que permitiu conhecer as complexidades que atravessam o cotidiano e que desafiam a reafirmar as atribuições privativas, as ações profissionais, bem como, a proposta teleológica do Projeto Ético Político Profissional nesse espaço sócio ocupacional. Para realizar a análise e alcançar os objetivos definidos foi desenvolvida uma pesquisa descritiva, de natureza qualitativa, tendo como instrumento de fonte primária de dados a entrevista semiestruturada, realizada com sete Assistentes Sociais que atuam nos CASEs de Mato Grosso, e como fontes secundárias os documentos públicos e referências bibliográficas. A partir das fontes utilizadas foi possível considerar, por meio da análise, que há fragilidades quanto a compreensão da dimensão técnico-operativa no exercício profissional, que os desafios e limites institucionais impactam tanto no entendimento com relação as atribuições e competências profissionais, no sentido de diferenciá-las das determinações institucionais e das demandas dos usuários, quanto no desenvolvimento do exercício e da autonomia profissional, e que é necessário buscar alternativas para ensejar a construção de um olhar crítico-reflexivo por meio da educação permanente, além de possibilitar a constituição de estratégias para organização política e coletiva, a participação nas reuniões das comissões do conjunto CFESS/CRESS e, com isso, contribuir para qualificar as respostas profissionais considerando o direcionamento do Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social. Palavras-chave: Serviço Social; Exercício Profissional; Dimensão técnico-operativa; Política

de Atendimento Socioeducativo; Assistente Social.

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ABSTRACT

This dissertation deals with of how the technical-operative dimension in the social workers' professional practice is materialized in the Mato Grosso Socio-Educational Care Centers (CASEs), based on the understanding that this dimension is the closest to professional practice, and, for this reason, it explains the totality of the theoretical-methodological and ethical-political dimensions that constitute the professional exercise, emanating the way of being of the profession and representing the social image and function of Social Work. The interest in this research comes from the experience as a Social Worker working in the Socio-Educational System for almost ten years, which allowed us to know the complexities that cross the daily life and that challenge to reaffirm the private attributions, professional actions, as well as the teleological proposal of the Professional Ethical-Political Project in this socio-occupational space. To carry out the analysis and achieve the defined objectives a qualitative descriptive research was developed, using as a primary data source instrument the semi-structured interview, conducted with seven Social Workers who work at Mato Grosso CASEs, and as secondary sources public documents and references bibliographic. From the sources used, it was possible to consider, through the analysis, that there are weaknesses regarding the understanding of the technical-operative dimension in the professional exercise, that the challenges and institutional limits impact both the understanding regarding the professional attributions and competences, in the sense of differentiate them from the institutional determinations and the demands of the users, as in the development of the exercise and the professional autonomy, and that it is necessary to look for alternatives to allow the construction of a critical-reflexive look through the permanent education, besides make possible the constitution of strategies for the political and collective organization, the participation in the meetings of the CFESS / CRESS committees, and thus contribute to qualify the professional responses considering the direction of the Ethical-Political Project. Social Work Professional. Keywords: Social Work; Professional Exercise; Technical-operative Dimension; Socio-

educational Care Policy; Social Worker.

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LISTA DE SIGLAS

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

CASE – Centro de Atendimento Socioeducativo

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CREAS – Centro de Referência Especializado em Assistência Social

CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor

FEBEMAT – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor de Mato Grosso

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

PIA – Plano Individual de Atendimento

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SEJUDH – Secretaria de Estado de Justiça de Direitos Humanos

SEJUSP – Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SIPIA – Sistema Para Infância e Adolescência

SUSED – Superintendência do Sistema Socioeducativo

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12 1 SERVIÇO SOCIAL E EXERCÍCIO PROFISSIONAL........................................ 17

1.1 “RENOVAÇÃO E CONSERVADORISMO NO SERVIÇO SOCIAL”: Trajetória, requisições contemporâneas e respostas profissionais...................................... 17

1.2 O PROJETO ÉTICO POLÍTICO ENQUANTO DIRETRIZ DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL: Limites e Possibilidades na contemporaneidade................... 37

1.3 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL E AS DIMENSÕES

CONTITUTIVAS DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL: Reflexões sobre a dimensão técnico-operativa no exercício profissional dos Assistentes

Sociais................................................................................................................ 49

2 A POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO ENQUANTO ESPAÇO

DE DESENVOLVIMENTO DO EXERCÍCIO PROFISSONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS................................................................................... 71

2.1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO E A INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL............................ 72

2.2 O SERVIÇO SOCIAL NA POLÍTICA DE ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE

EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA PRIVATIVA DE LIBERDADE....................... 85

3 A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS QUE ATUAM NOS CENTROS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE MATO GROSSO......................................................... 93

3.1 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS CASEs DE MATO GROSSO: A dimensão técnico-operativa em questão........................... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 153

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 159

APÊNDICES............................................................................................................ 166

APÊNDICE I – CONSSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO............................. 167 APÊNDICE II – ROTEIRO DE ENTREVISTA.......................................................... 169 ANEXOS.................................................................................................................. 171

ANEXO I – AUTORIZAÇÃO COLETA DE DADOS PARA PESQUISA................... 172

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem como objeto o exercício profissional do Assistente

Social nos Centros de Atendimento Socioeducativo – CASEs - de Mato Grosso. De

modo mais objetivo, buscou-se analisar como a dimensão técnico-operativa no

exercício profissional se materializa, a partir da compreensão de que esta dimensão

explicita a totalidade das dimensões que constituem o exercício profissional,

emanando o modo de ser da profissão e representando a imagem e a função social

do Serviço Social.

O Serviço Social é uma profissão interventiva que contribui com a reprodução

da vida social participando da “criação e prestação de serviços que atendem às

necessidades sociais e assim traduz-se enquanto uma especialização do trabalho

coletivo da sociedade, exatamente por ser socialmente necessário” (IAMAMOTO,

2007, p. 24).

Pelo fato da profissão participar do processo de reprodução das relações

sociais, o exercício profissional do Assistente Social enfrenta a necessidade de

renovação e mudança, pois, é no e pelo movimento contraditório da realidade social

que a profissão é requisitada a responder as demandas históricas e socialmente

determinadas, por meio das requisições sócio profissionais e políticas que são

desenhadas pelas correlações de forças e seus diversos projetos societários

(SANTOS, 2013).

Em virtude das transformações das estruturas políticas e econômicas e das

estratégias desencadeadas no mundo pelos organismos internacionais, que alteraram

a estruturação do mercado centrado na divisão social e técnica do trabalho,

aprofundaram o agravamento das expressões da Questão Social, em consequência

da retração do Estado em suas responsabilidades sociais, e criaram novo padrão de

desenvolvimento do capital, a profissão vem sendo redimensionada e requisitada a

construir respostas profissionais que atendam às demandas que são postas.

Esta nova conjuntura evidencia inúmeros desafios para o desenvolvimento do

exercício profissional tendo como direção o Projeto Ético-Político Profissional, em

decorrência das alterações nas condições e relações de trabalho dos Assistentes

Sociais, que convoca a superar as práticas imediatas, impulsionando a ter um olhar

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ampliado para o cenário contemporâneo, desenvolvendo habilidades que possibilitem

uma ação crítica, criativa e comprometida com os princípios da profissão.

Compreender as questões que atravessam esse cenário e os impactos no

desenvolvimento do exercício profissional, à luz do entendimento das atribuições e

competências e do debate sobre estratégias, técnicas e instrumentos utilizados

durante as ações profissionais, nos leva a compreensão do significado social do

Serviço Social, da cultura e do ethos profissional, e nos possibilita desvendar os

impasses e superar os desafios que são postos à profissão neste atual contexto

carregado de céleres e complexas transformações (GUERRA, 2017).

Nesse sentido, escolher analisar a dimensão técnico-operativa no exercício

profissional dos Assistentes Sociais é desafiador, pois esse é um tema que ainda

necessita ser muito mais aprofundado “pela atual produção acadêmica, pela formação

profissional e pelo debate da categoria”, considerando as lacunas e complexidades

que o envolve quando pensado na realização do exercício tendo como direcionamento

o Projeto ético-político, dada a inserção da profissão na divisão social e técnica do

trabalho e a sua “funcionalidade na sociedade burguesa” (GUERRA, 2017, p.50).

Emanando o modo de ser da profissão, a dimensão técnico-operativa,

conforme considera Santos (2013), é a que mais se aproxima da prática profissional

e, por essa razão, expressa e contém as demais dimensões: teórico-metodológica e

ético-política, sendo assim o conjunto das estratégias, técnicas e das ações que

efetivam o exercício profissional expressam concepções teóricas, éticas e políticas.

A dimensão técnico-operativa além de acompanhar as alterações históricas da

base sócio-organizacional do Serviço Social, é marcada pela dinâmica de cada

movimento histórico da sociedade burguesa. Dessa forma, analisar como tem sido

materializada requer, além de compreendê-la em sua relação com as demais

dimensões, atrelada ao debate das atribuições e competências profissionais,

considerar o espaço sócio-ocupacional em que se desenvolve a prática do assistente

social, as demandas e requisições que chegam até este profissional, o perfil dos

usuários que recorrem aos diversos setores de serviços ao qual o assistente social se

vincula.

Nesse sentido, propõe-se analisar como a dimensão técnico-operativa no

exercício profissional dos Assistentes Sociais dos CASEs no Estado de Mato Grosso

vem sendo materializada visando aprofundar assuntos referentes ao conjunto de

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conhecimentos específicos que circundam o fazer profissional, tendo como objetivos

específicos: verificar quais são as ações desenvolvidas, os instrumentos e técnicas

utilizados, discutir os limites e possibilidades que enfrentam os profissionais do

Serviço Social no desenvolvimento do exercício profissional, compreender como os

desdobramentos da realidade social tem incidido diretamente nas ações, atribuições

e competências profissionais dos Assistentes Sociais nos CASEs e a partir disso

contribuir para “qualificar as respostas profissionais em oposição as respostas

tradicionais instrumentais, de maneira comprometida com os valores de uma

sociedade emancipada” (GUERRA, p. 75, 2017).

O interesse por este tema advém da vivência enquanto Assistente Social

atuando no Sistema Socioeducativo há quase dez anos e, desses, sete foram no

acompanhamento da Medida Privativa de Liberdade no CASE de Internação

Provisória Masculina, no Município de Cuiabá, que permitiu conhecer as

complexidades que atravessam o cotidiano e que desafiam a reafirmar as atribuições

privativas, as ações profissionais, bem como, a proposta teleológica do Projeto Ético

Político Profissional nesse espaço sócio ocupacional.

Para estabelecer essa relação com o objeto de estudo, definido a partir de

sucessivas aproximações e vivências no cotidiano enquanto profissional do Serviço

Social nesse espaço sócio ocupacional, foi necessário além de um mergulho na

própria realidade, debruçar nas fontes bibliográficas, de caráter qualitativo, que

permitiram uma abordagem para além da descrição do objeto, uma vez que esse

processo considera também aspectos que compõem a construção da realidade que

se analisa, sejam estes materiais e/ou sociais (PRATES, 1999).

A primeira seção desta dissertação apresenta as discussões, a partir da

produção do Serviço Social sobre o exercício profissional, a forma como se expressou

nos diferentes momentos da profissão, apresentando uma síntese dos fatos e

passagens importantes na história do país e da profissão, com destaque ao importante

processo de renovação do Serviço Social brasileiro e do momento no qual a profissão

redireciona sua ação e passa a defender um projeto de sociedade voltado à classe

trabalhadora. Também apresentamos o processo de constituição do Projeto Ético-

Político enquanto diretriz desse exercício, bem como, as dimensões que o constituem,

com ênfase no debate e na reflexão da dimensão técnico-operativa.

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A segunda seção trata sobre a Política de Socioeducação enquanto espaço de

atuação do Assistente Social, destacando a trajetória histórica da constituição da

Política, a inserção do Serviço Social nesse espaço, os objetivos e as demandas do

atendimento socioeducativo para o Assistente Social, além das contradições que

circundam esse processo e impactam no desenvolvimento do exercício profissional.

E a terceira seção expõe a análise de como a Dimensão técnico-operativa no

exercício profissional vem sendo materializada nos CASEs, por meio dos dados que

foram colhidos ao longo das entrevistas semi estruturadas, que inclusive foram

utilizadas como instrumento de fonte primária, pois era o melhor meio de obter

informações a partir de uma conversa orientada com objetivos prefigurados.

As entrevistas ocorreram nos CASEs posterior ao registro e autorização do

Comitê de Ética em Pesquisa/Humanidades da Universidade Federal de Mato Grosso,

sob número 01890918.3.0000.5690. A ida até os CASEs foi por meio de recursos

próprios e os critérios para as profissionais participarem das entrevistas foram tempo

de trabalho nos CASEs e tempo de formação.

Foi utilizada amostra intencional para indicações das participantes da pesquisa

e em um universo de dezenove profissionais do Serviço Social que atuam nos CASEs

de Mato Grosso, a entrevista foi desenvolvida com sete Assistentes Sociais, sendo

três de Cuiabá, uma de Cáceres, uma de Sinop, uma de Rondonópolis e uma de Barra

do Garças. A proposta inicial era realizar a entrevista com oito profissionais, sendo

um de cada CASE (três em Cuiabá, um em Cáceres, um em Lucas do Rio Verde, um

em Sinop, um em Rondonópolis e um em Barra do Garças), no entanto, na época da

coleta de dados, o CASE de Lucas do Rio Verde estava contando com o apoio dos

Assistentes Sociais de Cuiabá em decorrência da ausência desse profissional naquela

instituição, dada a relação de trabalho estabelecida por meio de contrato terceirizado

e temporário.

Cumpre ressaltar que é imprescindível investir em pesquisas que envolvam os

profissionais, a fim de enriquecer o debate acerca do fazer profissional, construir um

exercício profissional crítico e coerente com a direção social estabelecida para a

profissão e enfrentar os desafios de toda uma categoria de profissionais, uma vez que,

conforme considera Torres (2016), a maioria das pesquisas que discute ou analisa o

exercício profissional são realizadas por meio de investigação bibliográficas e

documentais.

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Outrossim, ensejamos contribuir igualmente para a intervenção dos

profissionais do Serviço Social nos CASEs, visto que atuar na perspectiva dos direitos,

especialmente nessa conjuntura que os limita e criminaliza a pobreza, requer

construção de fazeres, sustentada por saberes. No entanto, sabemos da

responsabilidade, dos desafios e da complexidade que envolvem essa temática, bem

como dos riscos teóricos e metodológicos que perpassam essa reflexão, mas os

objetivos e a problematização da pesquisa foram estruturados, e adiantamos que a

análise ora proposta não se esgota nas páginas que seguem nesse estudo, pois o

debate necessita e deve continuar.

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1 SERVIÇO SOCIAL E EXERCÍCIO PROFISSIONAL

A análise do exercício profissional tem sido pauta de debates e reflexões das

oficinas realizadas pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

– ABEPSS, desde a década de 1990, tal como considera Lima e Mioto (2009), em

decorrência do movimento conjuntural e dos problemas enfrentados pelas Comissões

de Fiscalização do Conjunto CFESS/CRESS no que se refere às Competências e

Atribuições privativas da profissão.

Dada a relevância desse tema, escolher analisá-lo requer recuperar, ainda que

não seja de maneira aprofundada, os fundamentos históricos do Serviço Social com

destaque para o momento e as características que levaram ao entendimento

diferenciado da profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, para o

enfrentamento da hegemonia vigente.

Assim, nessa primeira seção iremos discorrer sobre o exercício profissional do

Assistente Social e a forma como se expressou nos diferentes momentos da profissão,

apresentando uma síntese dos principais acontecimentos na trajetória do Serviço

Social, dos fatos e passagens importantes na história do país, da profissão, das

requisições, das estratégias e das respostas profissionais, com destaque ao

importante processo de renovação do Serviço Social brasileiro e do momento no qual

a profissão redireciona sua ação e passa a defender um projeto de sociedade voltado

à classe trabalhadora.

Também apresentaremos o processo de constituição do Projeto Ético-Político

enquanto diretriz do exercício profissional, e por fim faremos a reflexão sobre as

dimensões que constituem esse exercício, com ênfase no debate da dimensão

técnico-operativa.

1.1 “RENOVAÇÃO E CONSERVADORISMO NO SERVIÇO SOCIAL”: Trajetória,

requisições contemporâneas e respostas profissionais

A institucionalização do Serviço Social e o desenvolvimento do exercício

profissional encontram-se “vinculadas às necessidades históricas das formas de

existência e sobrevivência do sistema capitalista” que geraram condições sociais para

que a profissão iniciasse seu percurso histórico. Enquanto profissão inscrita na divisão

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social e técnica do trabalho, essa institucionalização ocorre atrelada ao contexto das

grandes mobilizações da classe trabalhadora, em decorrência da transição do capital

de um estágio concorrencial para a fase monopólica (GUERRA, 2007, p. 152).

Assim, por estar situado na sociedade de conflito e de contradição da relação

densa entre as distintas classes sociais, participando do processo de produção e

reprodução das relações entre essas classes, o Serviço Social é constituído por meio

das demandas desenhadas pelas necessidades sociais, com o objetivo de

desenvolver ações que conferissem condições necessárias a reprodução dessas

relações sociais (GUERRA, 2000).

Nesse sentindo, Carvalho e Iamamoto (2006, p. 77) consideram que:

O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão tendo como pano de fundo o desenvolvimento capitalista industrial e a expansão urbana, processos esses aqui apreendidos sob o ângulo das novas classes sociais emergentes – a constituição e expansão do proletariado e da burguesia industrial – e das modificações verificadas na composição dos grupos e frações de classes que compartilham o poder do Estado em conjunturas históricas específicas. É nesse contexto em que se afirma a hegemonia do capital industrial e financeiro, que emerge sob novas formas a chamada Questão Social, a qual se torna base de justificação desse tipo de profissional especializado.

Assim, em decorrência do processo de expansão capitalista e de uma

progressiva intervenção do Estado na regulação da vida social, administrando os

conflitos de classes e enfrentando a Questão Social por meio da implementação de

Políticas Sociais, tendo a burguesia emergente e a igreja católica como parceiros

nessa estratégia para disciplinar a classe trabalhadora, o Serviço Social fora

apresentado como “estratégia de qualificação do laicato da Igreja Católica que vinha

ampliando sua ação caritativa aos mais necessitados, para o desenvolvimento de uma

prática ideológica junto aos trabalhadores urbanos e suas famílias” (SILVA, 2006, p,

25).

Portanto, a gênese da profissão no Brasil, na década de 1930, ocorre em meio

a mudança da relação entre Estado e Sociedade Civil e das estratégias de ação social

desenvolvidas em conjunto com a Igreja Católica, cujo objetivo era favorecer a

industrialização da época e o controle da organização da classe trabalhadora, que

naquele momento desenvolveu importantes lutas reivindicatórias em torno do salário,

jornada de trabalho, férias, reconhecimento das entidades sindicais, entre outras

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS …

19

questões. A criação de mecanismos por parte do Estado demandava criação de

instituições e de profissionais que pudessem contribuir com a qualificação da mão de

obra operária, além de normatizar ética e moralmente o proletariado (PAULA, 2014).

Essas ações, de conteúdo religioso e paternalista, voltadas para legitimar a

ordem social estabelecida, foram estruturadas em grandes instituições assistenciais

(Associação das Senhoras Brasileiras e Liga das Senhoras Católicas), que

posteriormente forneceram condições para a criação do Centro de Estudos e Ação

Social e deram bases materiais e organizacionais para expansão das Ações Sociais

e das primeiras escolas de Serviço Social no Brasil (1936 em São Paulo e 1937 no

Rio de Janeiro). Essas escolas estavam alinhadas com a preocupação da Igreja

Católica em se tornarem força normativa da sociedade e foram determinantes para o

desenvolvimento do Serviço Social no Brasil e para a criação de outras escolas

(CARVALHO E IAMAMOTO, 2006).

Nesse período, não por acaso, o componente técnico-operativo do Serviço

Social foi estruturado “a partir da incorporação de instrumentos próprios às tradicionais

formas de assistências, aliados às orientações técnicas e doutrinárias próprias da

ação social católica”. Esse método de atuação, incorporado pela emergente profissão,

está relacionado ao pensamento moralizador da época, tão caro ao capitalismo

monopolista (TRINDADE, 2001, p. 27).

Desde o início das práticas do Serviço Social em instituições estatais e para-estatais – destinadas especialmente a prestação de serviços de assistência – os profissionais desenvolvem vários procedimentos técnicos. Um dos eixos do trabalho consiste na realização de investigações sobre as condições de vida das famílias operárias valendo-se, para isto, da visita domiciliar e da aplicação de inquéritos sociais através de entrevistas com membros da família e pessoas afins. Outro eixo refere-se ao trabalho de educação voltado, por exemplo, às orientações sobre questões morais, de higiene e de utilização racional da renda familiar. Trata-se de uma orientação moral e social que recai, quase sempre, na doutrinação religiosa, fundamentada no objetivo da reforma social, a partir da reciclagem do homem e da sua família. Nas empresas, os profissionais mobilizam instrumentos de abordagem individual realizam reuniões, círculos de estudo, palestras e outros instrumentos educativos (Idem, 2001, p. 28).

Portanto, fica evidente que a ação profissional versava-se da busca por uma

sociedade harmônica e equilibrada, intervindo na vida dos trabalhadores com objetivo

de ajustá-los à sociedade burguesa, pois, o Serviço Social fora tradicionalmente

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incorporado pelo conjunto de programas e instituições sociais como um de seus

instrumentos de intervenção no âmbito da reprodução material, e, sobretudo,

ideológica da classe trabalhadora, tal qual afirma Iamamoto (2004, p. 174):

O Serviço Social cresce e se expande na nossa sociedade como parte de uma estratégia mais ampla do bloco dominante para uma ação entre o proletariado e a burguesia. Essa estratégia visava criar um tipo de socialização do operário adequada às condições da nova vida industrial, ao ritmo e à disciplinarização do trabalho que fortalecesse as bases de legitimidade para o exercício do poder de classe: a dominação político-ideológica e a apropriação econômica. O Serviço Social surge e se desenvolve como profissão na divisão social do trabalho com algumas características, a saber: como parte de uma estratégia de classe, de um projeto para a sociedade que preside suas origens e seu desenvolvimento, o do bloco de poder; surge também como um tipo de ação social que é essencialmente política, mas que aparece travestida da aparência de atividades dispersas, burocráticas, descontínuas, de caráter filantrópico, marcadas pelo fornecimento de “benefícios sociais”.

Ou seja, a profissão pautava sua ação através de um viés de formação social,

moral e intelectual das famílias, culpabilizava o sujeito pela sua condição e

desenvolvia um trabalho “educativo”, baseado em atendimentos individualizados com

a ideia de adequação ao comportamento moralmente instituído e, embora os

problemas sociais fossem reconhecidos pelos efeitos da exploração capitalista, a

questão das razões históricas dessa exploração não era considerada e ou dialogada.

Essa situação fazia com que os profissionais do Serviço Social se esforçassem na

orientação de solidariedade entre burgueses e operários, reforçando a importância da

integração entre os membros da sociedade (IAMAMOTO, 2004).

Durante muito tempo os fundamentos teórico-práticos da profissão estiveram

vinculados ao conservadorismo2 expresso nessa relação profunda do Serviço Social

com a Igreja Católica3, com a filosofia social humanista cristã, e, mais tarde, com o

2Iamamoto e Carvalho (1988) conceituam o conservadorismo enquanto uma “[...] Intervenção

ideológica que se baseia no assistencialismo como suporte de uma atuação cujos efeitos são essencialmente político: o enquadramento das populações pobres e carentes, o que engloba o conjunto das classes exploradas. Não pode também ser desligado do contexto mais amplo em que se situa a

posição política assumida e desenvolvida pelo conjunto do bloco católico: a estreita aliança com o ‘fascismo nacional’, o constituir-se no polarizador da opinião de direita através da defesa de um programa profundamente conservador, a luta constante e encarniçada com o socialismo e a defesa

intransigente das relações sociais vigente (IAMAMOTO E CARVALHO, 1988, p.221-222). 3A igreja Católica teve particular importância na estruturação do perfil profissional no país, sendo

responsável pelo ideário, pelos conteúdos e pelo processo de formação dos primeiros assistentes sociais brasileiros. Sobre esse assunto ver mais em: CARVALHO, Raul de & IAMAMOTO, Marilda

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21

pensamento proveniente das Ciências Sociais, com destaque ao positivismo

funcionalista, aprimorando as ações e incorporando métodos progressistas do Serviço

Social norte-americano no que se refere ao trabalho com indivíduos, grupos e

comunidades.

Em ambas as “fases” (se é que assim podemos chamá-las, tamanho é o imbricamento das formas que assumem no cotidiano institucional), o objetivo é sempre o mesmo, em última instância: responder, na medida do possível, às demandas imediatas postas pela “clientela”, sem com isso e de modo algum, questionar a ordem; muito pelo contrário, trata-se de ratificá-la (ORTIZ, 2007, p. 2).

O que se pode perceber é que inequivocamente, a história mostra que o Serviço

Social se institucionalizou e fora reconhecido como profissão atrelado às estratégias

sociais e políticas de um Estado corporativista, “respondendo fundamentalmente aos

interesses burgueses dessa sociedade” configurando-se como uma tática de

disciplinamento das disfunções sociais e controle da força de trabalho (SILVA, 2006,

p. 26).

Esse processo de institucionalização impôs para a categoria profissional a

“busca por uma base técnico-científica que oferecesse ao exercício profissional do

Assistente Social maior eficiência para atender prontamente às demandas do

mercado de trabalho”, uma vez que, em decorrência do desenvolvimento da

industrialização, as demandas se apresentavam numa perspectiva voltada para

reforma moral e integração social dos trabalhadores. Assim, as estratégias político-

profissionais foram construídas em torno das técnicas norte-americanas, conhecidas

como Serviço Social de caso e de grupo (PAULA, 2014, p. 233).

As formas de operacionalização das estratégias político-profissionais de Caso e de Grupo, configuram-se por meio de táticas desenvolvidas a partir da apropriação de elementos teórico-metodológicos e técnico-operativos do campo da Psicologia. Nesse sentido, o ajustamento psicossocial dos trabalhadores – enquanto enquadramento dos mesmos ao modo de produção capitalista – é perseguido pelos Assistentes Sociais através das ações táticas desenvolvidas. Podemos elencar algumas delas, como: a elaboração de técnicas de entrevistas – que permitem ao Assistente Social direcionar as demandas recebidas e formular planos de ação para seus usuários; a condução das práticas de aconselhamento – baseadas na intenção de ajudar a pessoa a ajudar-se; a organização das visitas domiciliares –

Vilela. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 5. ed. – São Paulo: Cortez,1988. Pág.127-167.

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com caráter fiscalizador, para averiguação da situação de miserabilidade do usuário e/ou constatação da veracidade dos fatos; entre outros (PAULA, 2014, p. 234).

Desse modo, conforme defende a autora, o objetivo das ações desenvolvidas

na perspectiva das técnicas norte-americana centrava-se em uma assistência social

individual, moralizadora e de ajustamento psicossocial. Ou seja, a materialização das

estratégias político-profissionais de caso e grupo, que se baseavam nas doutrinas

humanistas-cristãs e nos elementos da teoria funcionalista das ciências sociais,

ocorria por meio de táticas técnico-operacionais, que se configuram na formulação de

metodologias e técnicas, que direcionavam a intervenção profissional aliada a um

projeto de profissão articulado aos interesses das elites político-empresariais de nosso

País.

Na década de 1950, com implementação da política desenvolvimentista, houve

um período de expansão econômica acelerada, através da internacionalização da

economia e do fortalecimento do setor privado e, em decorrência disso, o aumento da

migração interna e do proletariado urbano. Nesse cenário, além da intensificação das

lutas e reivindicações populares, surgiram novas necessidades sociais que

demandaram novas respostas do Serviço Social. A profissão é convocada a trabalhar

com comunidades, por meio de mobilização e organização social de grupos com a

perspectiva de desenvolver econômica e socialmente as pequenas localidades.

Os trabalhos eram desenvolvidos coletivamente, com caráter educativo,

mobilizador e de promoção social por meio do estímulo a participação comunitária,

visando, além da reintegração social, a melhora das condições imediatas de vida e a

adesão à política desenvolvimentista, oferecendo assim “respostas eficientes às

demandas constituídas pelas estratégias sócio políticas implementadas, em nosso

País pelo Governo brasileiro” (PAULA, 2014, p. 239).

Subjacente a esse processo os profissionais recorriam ao aperfeiçoamento do

instrumental técnico da profissão, as abordagens profissionais foram ampliadas e os

profissionais passaram a utilizar técnicas da Pesquisa Social, Dinâmica de grupo,

comunicação, Psicologia e Educação, mas, apesar disso, a prática profissional, diante

da reificação dos métodos e técnicas, do aprofundamento da psicologização das

relações sociais e da burocratização das ações, continuou subordinada aos interesses

das classes dominantes.

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Dentre as técnicas desenvolvidas no Serviço Social de Comunidade os

Assistentes Sociais utilizavam a dinâmica de grupo, que segundo Paula (2014),

constituía em uma importante tática técnico-operacional que, alinhada à estratégia

desse projeto profissional, estava articulada aos objetivos desenvolvimentistas cuja

proposta era responsabilizar a população pelas suas demandas sociais e individuais

e ao mesmo tempo contribuir, por meio da ajuda, a incorporação das populações de

determinadas localidades a integrar o desenvolvimento do País.

Nesse contexto cresce a demanda pelo trabalho de tecnólogos, de tecnocratas e de agentes profissionais capazes de organizar o ‘funcionamento social’ no nível macroestrutural. Daí a preocupação dos Assistentes Sociais em retirarem sua metodologia profissional do âmbito restrito da microatuação (notadamente do atendimento clínico), ampliando-a para as dimensões técnicas do planejamento, da administração, por exemplo. Entretanto, o que prevalece nas produções da profissão são formulações que continuam tratando dos métodos de Casos, Grupo e Comunidade, procurando encontrar formas práticas de integrá-los aos grandes objetivos de envolver indivíduos, grupos e comunidades ao processo de desenvolvimento do país (TRINDADE, 2001, p. 38).

É nesse mesmo quadro conjuntural, em que a profissão começou a se

modernizar, que uma parcela da categoria profissional começou a refletir sobre a

proposta de participação social como possibilidade de transformação das estruturas

das classes, e perceber que a dimensão técnica e política de sua prática, até então

vigente baseada numa visão funcionalista do indivíduo e com funções integradoras,

não se adequava mais à realidade brasileira que passava por transformações sociais,

políticas e econômicas em decorrência do colapso de um governo populista e da

instauração de um movimento político-militar.

Frente a essas condições históricas alguns profissionais começaram a

mobilizar, a questionar e criticar fortemente o caráter tradicional assistencialista do

Serviço Social ocorrendo assim “as primeiras manifestações, no meio profissional, de

posições que questionam o status quo e contestam a prática institucional vigente”

(IAMAMOTO, 2004, p. 35).

Os profissionais começaram a questionar a eficácia e a funcionalidade das

ações profissionais frente às expressões da Questão Social e ainda, buscavam

compreender a relação de dependência dos países Latino-Americanos com os países

centrais, a fim de entender o processo de desenvolvimento desses países e formular

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um novo projeto para o Serviço Social que fosse contrário ao conservadorismo e que

estivesse em consonância com às particularidades latino-americanas, “buscando para

isto novos fundamentos teórico-metodológicos e prático-interventivos para o Serviço

Social” (PAULA, 2014, p. 245).

A construção dessas reflexões críticas da prática profissional, a busca pela

ruptura com o Serviço Social tradicional, o processo de Reconceituação foi motivado

pelas pressões sociais e mobilizações4 dos setores populares; pressões e

mobilizações essas historicamente marcadas pela intransigência das desigualdades

de classes e das expressões da questão social em face do acúmulo do capitalismo.

Ou seja, as causalidades e características estão correlacionadas ao quadro

econômico-social, político, cultural e profissional em que a profissão vinha se

desenvolvendo e, portanto, esse processo acabou acontecendo de forma

heterogênea nos Países latino-americanos5, respeitando as realidades de cada país,

tal como defende Faleiros (2005, p. 26):

A mobilização social e política da sociedade e a mobilização interna dos assistentes sociais põem em relevo a crise da profissão em meados dos anos 1960: sua desqualificação no mundo científico-acadêmico, sua inadequação “metodológica” com a divisão em serviço social de caso, serviço social de grupo e desenvolvimento de comunidade e a ausência de uma teorização articulada. Suas práticas mais significativas se faziam longe dos graves problemas sociais, sem consonância com as necessidades concretas do povo. As ações de transformação ficavam “à margem”.

O contexto social marcado pelo golpe militar, as circunstâncias que permearam

o período desse regime, bem como, a necessidade que os profissionais tiveram em

compreender a profissão inserida no jogo das relações sociais, constituíram uma

inquietação de maneira geral sobre todas as dimensões do Serviço Social.

4 Destacam-se alguns eventos e movimentos sociais da época que foram importantes e influenciaram a Reconceituação do Serviço Social: CEBs (Comunidades Eclesiais de Base); Movimento Sindical dos metalúrgicos de São Bernardo; Movimento de organização da própria categoria; Movimento estudantil;

a fundação do Partido dos trabalhadores; A pedagogia da conscientização de Paulo Freire e; A luta contra imperialismo americano. Ou seja, a construção desse pensamento crítico no Serviço Social é “resultado de um processo histórico complexo de lutas, de resistência ao imperialismo e à ordem

dominante, de organização das classes subalternas e de construção de um projeto político de aliança de intelectuais com os dominados, explorados e oprimidos, na luta por mudanças profundas” (FALEIROS, 2005, P. 25). 5 Sobre o Movimento de Reconceituação nos países Latino-Americano ver mais em: FALEIROS, Vicente de Paula. Metodologia e Ideologia do trabalho social. 8ª Ed. São Paulo: Cortez, 1993.

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Nessa perspectiva de análise, Netto pontua que diante das exigências próprias

do “projeto ditatorial a renovação do Serviço Social tornou-se compatível e permitiu a

consolidação de um perfil profissional bastante diverso do tradicionalismo” (NETTO,

2005, p. 45).

Entretanto, o Movimento de Reconceituação não fora estruturado de maneira

homogênea, tendo apresentado três direções: a perspectiva modernizadora, que

buscou adequar o Serviço Social conservador às exigências do momento histórico

vivido pelo Brasil; a de reatualização do conservadorismo que tinha como proposta

agrupar novas bases técnicas e científicas ao fazer profissional, sem, no entanto,

romper com as bases do surgimento da profissão, recuperando os elementos mais

tradicionais da profissão, mas com ênfase na centralidade da pessoa e na ação por

meio da ajuda psicossocial; e a intenção de ruptura, que diferente das anteriores,

“tinha o propósito de buscar uma ruptura epistemológica e metodológica com o

positivismo e com uma visão vulgar da chamada passagem do “conhecimento

sensível” ao “conhecimento racional”. Buscava romper com as teorias positivistas e

funcionalistas que fundamentavam a profissão, romper com o assistencialismo, com

a intervenção conservadora e tradicional de caso, grupo e comunidade, onde se

estudava casos isolados e não se analisava a sociedade em sua totalidade, romper

com o conservadorismo católico, bem, como buscava introduzir uma nova identidade

profissional respaldada na vertente marxista6 (FALEIROS, 2005, p. 27).

A divergência entre essas três frentes do Movimento de Reconceituação

demonstra elementos interessantes tanto no que se refere à relação com o contexto

sócio-histórico brasileiro quanto no que concerne às estratégias e táticas dos três

grupos que compuseram esse Movimento.

Nesse sentido, conforme defende Paula (2014), o primeiro grupo, tendo José

Lucena Dantas, Helena Junqueira e Tecla Soeiro, colocava para a categoria

profissional o objetivo de contribuir com a integração social, definindo como objeto da

profissão a carência, a estratégia político-profissional e o Serviço Social para o

desenvolvimento, ou seja, as táticas técnico-operacionais que conduziam à atuação

6 A Vertente marxista, na concepção de Faleiros, se explicita no movimento dialético, no materialismo

histórico e “tem como base a inserção do serviço social na heterogeneidade estrutural do capitalismo e a multidimensionalidade de relações de poder em que dão as lutas e movimentos sociopolítico -econômicos, com relações de força complexas, que se manifestam nas particularidades das demandas

por serviços sociais. O serviço social se constrói em um processo histórico-estrutural, nas relações sujeito-estrutura” (FALEIROS, 2005, p. 27).

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profissional estava em total consonância com as demandas impostas pelo governo

ditatorial-militar.

A partir das estratégias político-profissional do “Serviço Social para o Desenvolvimento”, as táticas técnico-operacionais elaboradas por esses autores articulam-se a prestação de serviços assistenciais e a oferta de atividades de promoção social, compreendidas como mecanismos que propiciam a integração social. Assim, as principais ações táticas a serem desenvolvidas seriam: assistência e educação para a saúde; assistência e proteção ao menos; assistência e reeducação social; educação e organização para o trabalho; extensão cultural e recreação (PAULA, 2014, p. 247).

Assim, o exercício profissional era desenvolvido por meio de serviços e ações

que oferecessem oportunidades de participação e desenvolvimento a todas as

pessoas independentemente da idade, e que contribuísse com a ajuda ou com a

capacitação para mudança, ou mesmo com o bem estar social, a fim de superar a

marginalização e alcançar a promoção social. O primeiro grupo preocupou-se em

formular uma metodologia de ação própria para a profissão face à realidade brasileira

e que fosse moderna, eficiente e eficaz para dominar a burocracia estatal.

O segundo grupo, “em relação às táticas técnico-operacionais demonstrou

menor fôlego que o primeiro”, e teve como ponto de partida a crítica à integração social

e a construção de uma prática libertadora, com ações voltadas para formação da

consciência, compreendendo homem e mundo por meio de uma perspectiva

fenomenológica existencial atrelada a uma ética cristã, portanto não cabia mais ao

Assistente Social diagnosticar a situação problema e indicar soluções, nessa

perspectiva o profissional apenas iria contribuir para que o usuário (na época cliente)

enxergasse seu problema e tivesse apoio necessário para superá-lo, aprofundando

com isso o viés psicologista do atendimento realizado pelo profissional de Serviço

Social (PAULA, 2014, p. 249).

Em suma,

A diferença consiste em que na técnica tradicional, o Assistente Social deveria não apenas diagnosticar, como também prescrever o tratamento social mais adequado ao seu “cliente”. E no caso da perspectiva fenomenológica, não cabe ao profissional desvendar a situação-problema e nem tampouco indicar a solução ou apontar caminhos de forma independente. O papel do Assistente Social, nessa perspectiva é contribuir para que o cliente enxergue suas dificuldades

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e realize suas escolhas de maneira autodeterminada, oferecendo a ele todo o suporte necessário (IDEM, 2014, p. 262).

Apesar disso, ambos os grupos não tiveram tempo para aprofundar com as

propostas de ações táticas em virtude da Ditadura instaurada no País, que derrubou

todas as tentativas de democracia, fossem elas reformistas ou transformistas, e, tal

como considera Netto (2005), nessa época o Movimento estagnou e os envolvidos

experimentaram os mais diversos tipos de opressão desse período ditatorial.

Entretanto, na década de 1970 surgiu o terceiro grupo, denominado como

intenção de ruptura, que se dividiu em dois momentos, o primeiro momento da

intenção de ruptura ocorreu entre os anos de 1972 e 1975, nos espaços de algumas

Universidades de Minas Gerais, com destaque a Universidade Católica de Minas

Gerais, na qual foi elaborada e implementada uma experiência que ficou conhecida

como Método de BH que direcionou a construção de um novo projeto de profissão

aliado à classe trabalhadora na tentativa de romper com as conhecidas práticas

tradicionais.

Podemos apontar o “Método de BH” como uma estratégia político-profissional elaborada por um grupo de Assistentes Sociais comprometidos com a tentativa de rompimento com as bases tradicionais da profissão. Tendo como objetivo da profissão a transformação da sociedade, o “Método de BH” apresentava-se como a estratégia político-profissional construída para possibilitar a operacionalização dessa meta. Com esse intuito, esse grupo de profissionais buscou referências teórico-metodológicas marxistas, seguindo o caminho inicialmente construído pelo Movimento de Reconceituação (PAULA, 2014, p. 264).

Não por acaso, nesse período em que se coloca a discussão dessa vertente

crítica na Profissão, na década de 1970, ocorria a massificação dos movimentos

sociais contrários ao regime militar e os profissionais que se associavam a essa

vertente passaram a interagir com esses grupos sociais e partidos políticos que

tivessem a perspectiva da transformação societária. Isso fez com que a profissão

construísse posicionamento crítico haurido no marxismo7, pelo qual Yazbek (2009, p.

149) defende que “remeteu a profissão à consciência de sua inserção na sociedade

7 Para aprofundar na discussão ver: SANTOS, Josiane Soares. APROPRIAÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA NO SERVIÇO SOCIAL. In: Cadernos especiais, nº 42. Disponível em:

http://www.assistentesocial.com.br/novosite/cadernos/Cadernos42.PDF

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de classes” e, com isso, enfrentasse a realidade social, compreendendo de maneira

diferente a Questão Social e o próprio Serviço Social.

Tal como destaca Netto (2002), essa aproximação com a tradição marxista

acontece pelo viés posto pela militância política – no que se recorda, conjuga-se o

protagonismo oposicionista das camadas médias urbanas e a mobilização estudanti l

do período de 1964-1968.

Dessa maneira, essa aproximação dos Assistentes Sociais com os movimentos

sociais que enfrentavam a ditadura militar influenciou inequivocamente parte da

categoria que passou a se dedicar à construção de estratégias e táticas profissionais

consideradas revolucionárias (PAULA, 2014).

Com isso, constatamos que tanto os objetivos profissionais que se construíram no primeiro momento da vertente intenção de ruptura, quanto as suas estratégias político-profissionais e as suas táticas técnico-operacionais, muito se confundiam com as práticas desenvolvidas nos partidos políticos de esquerda de nosso país e com a militância realizada em alguns movimentos sociais (...) esta aproximação realizou a convocação dos profissionas para que estes assumissem um compromisso político com a classe trabalhadora, redimensionando sua análise sobre a sociedade e sobre sua própria função social, enquanto Assistente Social. Por meio deste caminho, muitas inquietações próprias da militância política e partidária foram automaticamente transferidas para o âmbito da prática profissional (IDEM, 2014, p. 266).

Ou seja, com a Reconceituação do Serviço Social parcela da categoria

profissional buscou articular a direção social e política da prática profissional às reais

necessidades da classe trabalhadora, reconhecendo que suas ações metodológicas

são desenvolvidas no interior das disparidades classistas e estruturais do capitalismo,

nas manifestações das demandas sociais capitalistas em um processo histórico-

estrutural, seja do sujeito/usuário, seja das instituições que empregam os

profissionais.

É, pois, no final da década de 1970, que ocorre o segundo momento do Grupo

de Intenção de Ruptura do Movimento de Reconceituação, nos marcos de

ordenamentos democráticos, após o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais,

congresso da virada8 de 1979.

8 Estevão considera que a partir do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais ocorreu “a virada de mesa. Um Congresso que a princípio tinha muito de bajulação dos nossos empregadores, acabou

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Na passagem dos anos 70 para os 80, o clima político de discussão e de luta pela redemocratização do país favorece a cultura crítica assumida pelos setores profissionais, alinhados com o projeto de ruptura. A conjuntura ditatorial dos anos 70 tinha posto inúmeras dificuldades políticas para que essa perspectiva profissional deslanchasse, por isso somente com a abertura política é possível a emersão desses propósitos profissionais. Claro que não se trata de uma tendência majoritária na categoria profissional, pois a maioria dos profissionais continua inserida nas instituições e empresas, sob a égide das orientações modernizadoras. O que é factual é a existência de um movimento mais forte de renovação profissional, cujas premissas põem em questão toda a base profissional até então construída, tanto nas formulações teóricas quanto na prática, no interior das instituições. Aos poucos, parcelas significativas da categoria profissional reconhecem a necessidade de recorrer a um conhecimento desvelador das contradições da realidade social, que possibilite uma postura profissional mais voltada aos interesses dos setores subalternos da sociedade em sintonia com a expansão do movimento sindical e das organizações populares (TRINDADE, 2001, p. 35).

A conjuntura política dessa década influenciou nos direcionamentos da

profissão que iniciou o processo de reorganização política da formação e do exercício

profissional, hauridos em uma nova proposta de projeto profissional, que alguns

autores vão chamar de Serviço Social crítico9.

Nas propostas do novo projeto profissional, as ‘problemáticas sociais’ são relacionadas às desigualdades produzidas pelo capitalismo, rejeitando-se a sua compreensão como disfunções individuais que precisem de ‘tratamento’ social. Assim, a atuação profissional volta-se para as abordagens coletivas que procuram mobilizar a população, para reivindicar o atendimento às suas necessidades. A prioridade passa a ser o incentivo à participação da população na definição das necessidades a serem atendidas e na execução de ações de mobilização e organização social. Daí a preocupação dos profissionais com a conscientização política dessa classe (TRINDADE, 2001, p. 35).

Os desdobramentos elencados na Reconceituação redimensionaram as

discussões acerca da história, da teoria e do método no Serviço Social, e

possibilitaram avanço na análise das políticas sociais e dos movimentos sociais. Há,

sendo, graças às pressões da base, um momento de reafirmação dos interesses da categoria” (ESTEVÃO, 2005, P. 65). 9 Sobre esse assunto destacamos BARBOZA, Douglas Ribeiro & FREIRE, Silene de Moraes. O Serviço

Social Crítico no atual contexto de redemocratização da América Latina. In: Revista KATÁLYSIS v.9 n.2 – Florianópolis, 2006.

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portanto, um redimensionamento social, político e cultural da profissão, um

redirecionamento do instrumental técnico para atender o coletivo.

Nesse sentido, Silva (2006) analisando essa intensa movimentação da

categoria na busca de teorias e métodos mais condizentes com a realidade brasi leira,

sobretudo, com a realidade da classe trabalhadora, afirma que a Renovação advinda

do processo de Reconceituação ecoou no cerne da profissão da seguinte forma:

Repercutiu profundamente nas três dimensões constitutivas da profissão, representadas pela dimensão político-organizativa, pela dimensão acadêmica e, talvez, com menor intensidade, pela dimensão da intervenção profissional, no nível dos organismos da política social, das empresas privadas e dos movimentos sociais (SILVA, 2006, p. 42).

Portanto, há também que se concordar com Faleiros (2005) que a questão

chave desencadeada na Reconceituação foi a relação dialética teoria e prática, a

ressignificação da dimensão político-ideológica da formação e da prática profissional.

Incorporou-se ao discurso profissional uma nova concepção teórica sobre as relações

sociais e, consequentemente, um novo arranjo analítico categorial, que inaugura para

a profissão uma nova fase de amadurecimento intelectual e de maior riqueza teórico-

política.

Foram precisamente essas bases sociopolíticas e culturais que possibilitaram

e viabilizaram o “deslocamento das interpretações de cunho estrutural-funcionalista

da cena principal do debate profissional, alargando espaços para os questionamentos

por parte de vertentes mais críticas na reflexão do Serviço Social” (IAMAMOTO, 1994,

p.104-105).

Ou nas palavras de Netto (2005, p. 17-18):

O Serviço Social brasileiro assistiu ao desenvolvimento de uma perspectiva crítica, tanto teórica quanto prática, que se constituiu a partir do espírito próprio da Reconceituação. Não se tratou de uma simples continuidade das ideias reconceituadas, umas vez que as condições históricas, políticas e institucionais eram muito diversas das do período anterior; antes, o que se operou foi uma retomada da crítica ao tradicionalismo a partir das conquistas da Reconceituação – por isto é adequado caracterizar o desenvolvimento deste “Serviço Social Crítico” no Brasil como herdeiro do espírito da Reconceituação: comprometido com os interesses da massa da população, preocupado com a qualificação acadêmica e com a interlocução com as ciências sociais e investindo fortemente na pesquisa.

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Ou seja, o esforço e a tentativa de ruptura ganharam consistência nessa

transição democrática, reestruturando o Serviço Social no sentido de legitimar o

compromisso de participação de um projeto democrático-popular, construído nas

discussões do movimento de Reconceituação, e de aprofundar a dimensão política e

social da profissão. Isso também foi possível porque nesse período houve a ampliação

dos espaços da pós-graduação (especializações, mestrados e doutorados) que

consolidou essa interlocução com as ciências sociais e humanas e potencializou a

produção de conhecimento na área do Serviço Social.

As peculiaridades da redemocratização do País propiciaram o fortalecimento

da perspectiva crítica do Serviço Social. Considerando essa premissa, compreende-

se que o processo de redemocratização demarcou novos desafios para construção

da identidade profissional, principalmente no debate do sentido da prática e do

processo de conhecimento crítico, no que se refere ao redimensionamento da

profissão, tal qual considera Simionatto (2001, p. 5):

O processo de reorganização do Estado, a necessidade de fortalecimento da sociedade civil e a dinâmica mesmo da realidade brasileira, incentivou os profissionais a buscarem novos referenciais que possibilitassem recuperar a prática e a formação profissional. O novo cenário fez surgir tendências diversas que apontavam para uma renovação, ainda que restrita à esfera acadêmica, mas recolocava em debate diferentes tendências no âmbito do marxismo, entre elas o pensamento de Gramsci, que passa, nesse período, a fazer parte da nossa cultura e a iluminar com suas categorias, diversas formas de interpretação da realidade brasileira.

A partir desse contexto muitos profissionais se apropriaram da teoria marxista

com as novas diferenciações, dentro dessa tendência há um leque de intérpretes de

Marx traduzidos por: José Paulo Netto, com a dimensão da ontologia do ser social, de

inspirações lukacsiana; Vicente Faleiros, conjugando Gramsci e Foucault, Marilda

Iamamoto associando Marx e Gramsci; Alba Carvalho introduzindo mais

explicitamente o pensamento de Gramsci para amparar a intervenção profissional do

Assistente Social.

Foi por meio da apropriação do pensamento marxista como referência analítica

para o Serviço Social no país que a abordagem da profissão inserida na divisão social

e técnica do trabalho, na dinâmica das relações sociais e participando ativamente na

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reprodução social dessas relações, fora desenvolvida. Nessas considerações, Paula

(2014) afirma que a produção haurida na teoria marxista na profissão começou a

avançar com a perspectiva da intenção de ruptura do processo de Renovação do

Serviço Social brasileiro e vem proporcionando condições para debates e reflexões

sobre o desenvolvimento da profissão entre os Assistentes Sociais. A autora ainda

destaca que o livro “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: o esboço de uma

interpretação histórico-metodológica” de Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho,

publicado em 1982, que retrata a compreensão dos autores sobre significado social

do exercício profissional e do significado histórico da profissão, entendido na e a partir

da divisão social do trabalho, consolidou essa vertente de intenção de ruptura,

aprofundou o debate profissional e qualificou o Serviço Social tanto na perspectiva

teórica quanto na política.

O processo de Renovação, através da intenção de ruptura, foi capaz de construir uma série de estratégias político-profissionais, articuladas a um objetivo central: a construção de um novo projeto de profissão articulado ao projeto societário de superação da ordem capitalista. Algumas dessas estratégias político-profissionais formuladas apresentaram equívocos teórico-metodológicos, mas todas elas foram importantes dentro do processo de amadurecimento da própria intenção de ruptura, pois trouxeram para o Serviço Social avanços importantes (PAULA, 2014, p. 275).

O impacto da contribuição dessa vertente na profissão possibilitou e ainda

possibilita aprofundar as dimensões da profissão no Brasil e compreender o trabalho

profissional no modo de produção capitalista. Mas, como considerou a autora, as

primeiras apropriações da vertente marxista apresentaram equívocos, com destaque

na proposta do Método de BH, cujo objetivo central expressou a confusão entre projeto

profissional e projeto societário, vez que construíram táticas revolucionárias com a

perspectiva de transformação social que impossibilitou a aplicabilidade nos espaços

institucionais.

Alguns equívocos também foram encontrados nas interpretações dos escritos

de Gramsci que foram corrigidos posteriormente com o aprofundamento dos

intelectuais na teoria. Mas, mesmo diante desses equívocos teóricos-metodológicos

e ético-políticos, é importante ressaltar que esse processo evidenciou a “negação do

instrumental que se refere àqueles próprios à prática tradicional, havendo uma

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33

valorização dos instrumentos e técnicas que possibilitaram redimensionar a prática

para um sentido mais coletivo” (TRINDADE, 2001, p. 36).

A partir da incorporação das ideias marxistas, há um avanço do debate teórico-

metodológico e ético-político do Serviço Social no sentido de contribuir para o

desenvolvimento e fortalecimento de uma visão crítica da sociedade capitalista e da

própria profissão nela inserida possibilitando novos rumos do saber-fazer profissional.

Insta, portanto, considerar que, nesse contexto da luta pela democratização

política, “as exigências políticas e sociais postas na ordem do dia pela ruptura do

regime ditatorial” repercutiram no Serviço Social, redimensionaram o processo de

organização coletiva da categoria e inseriram a profissão no marco do movimento dos

trabalhadores brasileiros, já que pela “primeira vez, no interior do corpo profissional,

repercutiam projetos societários distintos daqueles que respondiam aos interesses

das classes e setores dominantes” (NETTO, 1999, p. 11).

O processo de Renovação também possibilitou a construção de uma série de

estratégias político-profissionais que foram importantes para o amadurecimento

teórico-prático profissional, pois além das discussões sobre a inserção do Serviço

Social na divisão sócio técnica do trabalho, avançamos na reflexão sobre a Ética no

Serviço Social e sobre trabalho e formação profissional, que ganharam relevo a partir

da década de 1980, especialmente a partir de 1982 com a reforma curricular e 1986

com a elaboração do Código de Ética que explicita, pela primeira vez, o “compromisso

profissional com a massa da população brasileira, a classe trabalhadora”, e oferece

base importante para o caminho da ruptura com a perspectiva de ética da neutralidade

e com o tradicionalismo filosófico fundado na ética neotomista e no humanismo cristão

(NETTO, 1999, p. 15).

Embora esse Código tenha representado avanço do posicionamento ideo-

político dos Assistentes Sociais, o aprofundamento teórico-filosófico só fora atingido

pela categoria com a revisão do Código em 1993, após um rico debate coletivo em

todo o país, foi aprovada a quinta versão do Código de Ética Profissional, instituída

pela Resolução 273/93 do CFESS. O Código serviu como direcionamento que

respalda a dimensão ética da profissão, tendo caráter normativo e jurídico, delineia

parâmetros para o exercício profissional, define direitos e deveres dos assistentes

sociais, buscando a legitimação social da profissão e a garantia da qualidade dos

serviços prestados, portanto, expressou a renovação e o amadurecimento teórico-

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político do Serviço Social e evidencia em seus princípios fundamentais o compromisso

ético-político assumido pela categoria.

Esse avanço acadêmico e profissional da categoria, bem como a efervescência

dos movimentos democráticos populares e a influência desses no processo de

organização política da profissão, além de possibilitar o movimento de ruptura do

conservadorismo na profissão, propiciou a construção do Projeto Ético-Político do

Serviço Social no Brasil, que sintonizado com esse movimento da sociedade

brasileira, vinculou-se, como afirma Netto, a “um projeto societário, que antagônico ao

das classes proprietárias e exploradoras, tem raízes efetivas na vida social” (NETTO,

1999, p. 18).

O Projeto “nasce do processo de enfrentamento e denúncia do

conservadorismo profissional iniciado na transição da década de 1970 à de 1980 com

a “intenção de ruptura” nomeado Projeto Ético-Político do Serviço Social Brasileiro” e

expressou consolidação a partir da década de 1990, explicitando a maturidade

profissional e político-organizativa da categoria, pelo significativo acúmulo de

produção de conhecimento, pelas alterações incorporadas nas bases de formação e

atuação da profissão, que compreenderam o redimensionamento do ensino, a

ressignificação das práticas tradicionais, incorporação de matrizes teóricas e

metodológicas de natureza crítica, inspiradas na tradição marxista, introdução de

novas áreas e campos de intervenção, e pela restauração democrática da sociedade

brasileira advinda com a abertura política e com a conquista de direitos cívicos e

sociais e implantação das diversas políticas públicas (VASCONCELOS, 2015, p. 297).

No entanto, em sinais contrários a esse processo de amadurecimento

intelectual e político do Serviço Social e ao avanço do movimento democrático,

verificou-se o revigoramento do Estado brasileiro, especialmente a partir de 1995, com

governo Fernando Henrique Cardoso que, atendendo as estruturas políticas e

econômicas e as estratégias desencadeadas pelos organismos internacionais, aderiu

à ideologia Neoliberal, cujas referências fundamentais e os objetivos de

desenvolvimento do governo foram alicerçadas para superar a inflação, tendo como

algumas medidas recomendadas a privatização de empresas e a contenção nos

gastos com o funcionalismo e com serviços sociais do Estado (educação, saúde,

habitação e saneamento básico) (BARBOZA E FREIRE apud SADER, 2006).

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Com isso, cabe ressaltar e reconhecer que todas as conquistas, todos os

direitos e políticas consolidadas no processo de redemocratização do Estado já

surgiram

Condenadas por profundas restrições de ordem orçamentária que, em última instância, foi um mero reflexo do novo padrão de acumulação em curso (marcado por um discurso liberal mais radical implantado nos quatro cantos do planeta). Os anos 1990 inauguram, no Brasil, inicialmente na era Collor de Melo (1990-1992) e mais profundamente nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e de Lula da Silva (2003 - em curso), um período de contra-reformas, de reestruturação dos estados, de sucessivas políticas econômicas afinadas com o cumprimento de metas demarcadas pelo superávit primário (consideradas necessárias para o equilíbrio das contas públicas e para a atração de investimentos externos especulativos ou não) e, evidentemente, por políticas sociais precárias com investimentos recentemente significativos (particularmente na era Lula), porém pulverizados e focados em ações voltadas à pobreza absoluta (SILVA apud MONTAÑO, 2008, p. 3-4).

Essas transformações societárias redimensionaram tanto as formas de

enfrentamento da questão social, por meio das mudanças nos serviços sociais, quanto

a própria profissão, já que essas condições sociais interferem “no conteúdo e no

resultado do exercício profissional, que se limita, em muitos casos, ao cumprimento

de rotinas burocráticas e de metas institucionais, influenciando nas funções, qualidade

e competência do trabalho profissional” (GUERRA, 2007, p. 8).

Se por um lado as condições e relações de trabalho em que circunscrevem os

Assistentes Sociais são conflituosas, permeadas pela lógica do capital, indissociáveis

do conjunto de acontecimentos que redimensionaram e redimensionam as relações

entre o Estado e a sociedade, por outro lado, é preciso ter consciência que o exercício

profissional deve ultrapassar a mera administração pública tradicional, centralizada e

burocrática. Em outros termos, é preciso

Identificar como a questão social vem forjando a vida material, a cultura, a sociabilidade, afetando a dignidade da população atendida. Enfim é, o conhecimento criterioso dos processos sociais e sua vivencia pelos indivíduos sociais que poderá alimentar propostas inovadoras, capazes de propiciar o reconhecimento e atendimento às efetivas necessidades sociais dos segmentos subalternizados, alvos das ações institucionais. Conhecimento que é pré-requisito para impulsionar a consciência crítica e uma cultura pública democrática para além das mistificações difundidas pela mídia. Exige também estratégias técnicas e políticas na área da comunicação social para o desencadeamento de ações coletivas que viabilizem propostas

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profissionais capazes de ir além das demandas instituídas (IAMAMOTO, 2007, p. 278).

O profissional do Serviço Social, para trabalhar na perspectiva da

transformação social precisa desvelar a realidade na sua essência, e, para tal, se faz

importante desmistificar o que está por trás das demandas, contextualizá-las, olhá-las

de forma crítica e ver além do aparente, percebendo-as como reflexo das contradições

entre as classes sociais. E, é por isso que não se pode perder de vista o referencial

teórico marxista, haja vista que esse referencial vai permitir a apreensão da realidade

concreta (e esta vai delinear os limites e alternativas de trabalho com vistas a sua

transformação), por meio de aproximações sucessivas dessa realidade com

pesquisas e investigação dos elementos contraditórios, das mudanças sociais em

movimento, da totalidade social, das possibilidades de concretizar direitos sociais e

desenvolver o exercício profissional a luz do Projeto Político-Profissional, bem como,

vai permitir identificar as possibilidades de intervenção profissional.

Assim como considera Guerra (2017, p. 69):

Todo fazer precisa de um conhecimento existente e requisita um novo conhecimento. Necessita de um conjunto de pressupostos e orientações não apenas de natureza teórica, mas, também, baseado em outros tipos de saberes instrumentais e na experiência, que nem pode ser descartada tampouco venerada. Necessita, também, de componentes valorativos que permitam a escolha dentre as alternativas concretamente existentes, e tudo isso dará a direção social do exercício profissional que nem é neutro nem tem caráter finalístico. Por isso, ainda que se trate de uma profissão eminentemente (mas não exclusivamente) interventiva, cabe resgatar a natureza teórica e investigativa das atribuições privativas e competências profissionais, de modo que o Serviço Social tem se apropriado das Ciências Sociais (muitas vezes de maneira eclética) e daí retirado e reformulado um conjunto de “modos de operar” necessários à concretização de suas ações.

Deste modo, o Serviço Social sendo uma profissão dinâmica, inserida no

contexto sócio histórico, e diante de todas essas transformações e de todos os

desafios postos, em decorrência da demanda que lhe é colocada e da necessidade

de responder às exigências e às contradições da sociedade capitalista, a dimensão

instrumental da profissão passa a necessitar de vínculos cada vez mais estreitos com

o Projeto Ético-Político Profissional, a fim de construir e consolidar respostas sócio

profissionais mais qualificadas e conectadas aos interesses e necessidades da

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população usuária, respostas essas que tenham sido iluminadas por um conjunto de

conhecimentos teóricos, técnicos, éticos e políticos. E, para tal, é preciso acompanhar

o movimento da sociedade e visualizar os novos espaços como possibilidades de

intervenção em uma realidade social concreta.

1.2 O PROJETO ÉTICO POLÍTICO ENQUANTO DIRETRIZ DO EXERCÍCIO

PROFISSIONAL: Desafios e Possibilidades na contemporaneidade

Foi dito que a trajetória histórica do Serviço Social carrega uma diversidade de

mudanças no desenvolvimento do exercício profissional do Assistente Social, por

vezes assumido de maneira acrítica atendendo às exigências do capital e depois

pensado e posicionado a favor da classe trabalhadora. Considerando essas questões,

cabe ressaltar que o processo de apropriação de matrizes explicativas da realidade

por parte do Serviço Social, compreendendo o movimento histórico, a explicação das

mediações que contemplam o real e o caminho interventivo, estão associados as

transformações sociais que particularizaram o desenvolvimento do capitalismo e o

pensamento social que o fundamentara. Portanto, as diretrizes que nortearam a

profissão também se modificaram, alterando com elas a forma de inserção profissional

do Assistente Social na sociedade.

O Serviço Social no Brasil, desde o seu surgimento, na década de 1930 até meados de 1960 orientou-se hegemonicamente por meio de projetos profissionais vinculados aos interesses burgueses – não desconsiderando a existência de projetos contrários a esses. No entanto, como já demonstramos anteriormente, foi somente com a emergência do Movimento de Reconceituação que essa hegemonia passou a ser questionada. A partir de então, a heterogênea categoria profissional dos Assistentes Sociais vem desempenhando grandes esforços para construir e consolidar projetos profissionais os mais variados. Alguns deles ainda bem articulados aos interesses dominantes em nossa sociedade regida pelo capital e outros opondo-se a esse modelo de sociedade (PAULA, 2014, p. 287).

Isso posto, cabe considerar que os projetos e práticas, sejam individuais,

coletivos, éticos, profissionais ou societários, expressam necessariamente uma

dimensão política, pois, são desenvolvidos em meio às contradições econômicas e

políticas engendradas na dinâmica das classes sociais antagônicas e, desse modo,

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38

um projeto profissional constitui-se, também, em um projeto político, e a primeira

questão que deve ser considerada quando pensamos em projetos, individuais ou

coletivos, em uma sociedade de classes, é a perspectiva política atrelada a toda e

qualquer prática (BRAZ E TEIXEIRA, 2009).

Assim, Netto (2006) vai considerar que os Projetos Profissionais estabelecem

relação com projetos societários, cujo eixo central vincula-se aos rumos da sociedade

como um todo e, por isso, estão em constante movimento e são permeados pelo

conjunto das transformações culturais, econômicas e históricas. Portanto, sendo os

projetos profissionais estruturas dinâmicas, que se renovam diante da relação que

estabelecem com determinados projetos societários e com as próprias perspectivas

profissionais, o desenvolvimento teórico e prático da própria profissão e, ademais, das

mudanças na composição social do corpo profissional, eles expressam:

Uma imagem ideal da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimentos teóricos, saberes interventivos, normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com outras profissões e com as organizações e instituições sociais, privadas, públicas, entre estas, também e destacadamente com o Estado, ao qual coube, historicamente, o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais (NETTO, 2006, p. 146).

Isso nos faz compreender que o Projeto Profissional do Serviço Social além de

responder às alterações sociais, explicitando com isso a dimensão política que traz

em seu viés, também tem demandado da categoria a organização político-profissional.

Sendo assim, a construção do Projeto profissional é pensada e desenvolvida pelos

membros que dão efetividade à profissão e se “considerarmos o Serviço Social no

Brasil, tal organização compreende o sistema CFESS/CRESS, a ABEPSS, a

ENESSO, os sindicatos e as demais associações de Assistentes Sociais” (IDEM,

2006, p. 146).

Netto (2006, p. 156) também vai defender que, ainda que o Projeto Profissional

seja produto de constantes mudanças da sociedade, em que diferentes projetos

disputam a sua hegemonia, inclusive projetos diferentes e até antagônicos no interior

da categoria profissional, pode-se afirmar que o atual Projeto Ético-Político do Serviço

Social é hegemônico, pois, mesmo com a existência de outros projetos em disputa,

que têm concepções diferenciadas acerca dos princípios que norteiam a profissão que

não os concebem na direção prevista pelo Projeto Ético-Político Profissional, já que a

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“heterogeneidade própria dos corpos profissionais propicia, em condições de

democracia política, a existência e a concorrência entre projetos diferentes”, o atual

projeto, que se vincula a um projeto de transformação da sociedade, traz em seu viés

o princípio do pluralismo e, com isso, compreende que as disputas se consolidam por

meio do confronto de ideias, mas nunca por meio de processos excludentes ou

coercitivos.

O atual Projeto Ético-político do Serviço Social, pensado e construído pelo

grupo de profissionais que defendia a intenção de ruptura, pautada nos referenciais

marxistas e na construção de um novo projeto de sociedade, tem relação com o

processo histórico desencadeado no final da década de 1970, com a atuação do

movimento sindical e todo avanço na organização política dos trabalhadores na luta

pela democratização do Brasil, processo esse que influenciou parcela da categoria a

sintonizar na luta com as entidades sindicais nacionais e a firmar o compromisso com

a classe trabalhadora no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais realizado em

setembro de 1979, que ficou conhecido como “Congresso da Virada” e foi decisivo

para categoria para incorporar novos princípios e valores no Código de Ética de 1986,

que, posteriormente, em sua revisão, culminou no atual ordenamento ético do Serviço

Social: o Código de Ética de 1993.

Portanto, o congresso possibilitou a construção de novos sujeitos profissionais

e refletiu um momento de intensa mobilização social e de avanço da luta contra o

regime ditatorial da época e pelos direitos da classe trabalhadora. E, ainda que a

estruturação não tenha sido consensual entre os profissionais, alçou aceitação e

legitimação pela maioria da categoria profissional que o construiu e passou a orientar

a atuação contra o projeto conservador do Serviço Social e também contra o projeto

societário conservador, assumindo uma perspectiva crítica e transformadora ao

estabelecer vínculos com os projetos societários progressistas propondo a construção

de uma nova ordem social, por meio de ações que potencializassem o processo de

transformações social (NETTO, 2006).

Nessa direção, Abramides (2007, p. 37) também vai afirmar que o Projeto Ético-

Político, compreendido como um contínuo desdobramento com o processo de ruptura

com o conservadorismo, que deita raízes na configuração do novo ethos profissional,

é “fruto de um processo histórico de lutas pela construção de sua hegemonia que

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explicita contradições e matizes diferenciados de análise, em um campo plural, que

combate e recusa o ecletismo e, portanto, o liberalismo”.

Ou seja, o Projeto Ético-Político do Serviço Social, que nasce imbricado na luta

da sociedade brasileira pela democratização do Estado, no contexto da abertura

política dada repercussão de projetos societários diferentes daqueles que respondiam

aos interesses das classes dominantes, formula esse conjunto de referências teóricas,

éticas, políticas e técnicas para a formação e o exercício profissional hauridos na

perspectiva crítica.

No período entre as décadas de 1970 e 1980, em meio ao contexto de ampla efervescência política, no aflorar das inúmeras manifestações sociais contra o regime ditatorial e a favor da abertura democrática temos, em nossa profissão, a constituição de um projeto ético-político articulado com as lutas da época. Em uma conjuntura propícia ao surgimento e ao ressurgimento de vários movimentos sociais, sindicais e populares, o Serviço Social encontrou importantes parceiros que fortaleceram a conformação desse projeto profissional (PAULA, 2014, p. 287).

Essa perspectiva crítica e progressista que é a base dos fundamentos sócio

históricos do Projeto Profissional, coloca o Assistente Social na posição de

enfrentamento do atual cenário político da sociedade brasileira, e possibilita a análise

das condições objetivas do movimento das classes sociais e a adoção de estratégias

sociopolíticas e profissionais que visam favorecer os interesses e as lutas mais amplas

da classe trabalhadora, objetivando superar a histórica vinculação da profissão com

as práticas tradicionais/conservadoras.

O Projeto e a noção de competência profissional, presente no Código de Ética

de 1993, propicia a categoria localizar criticamente a demanda que lhe chega aos

espaços nos quais os Assistentes Sociais são inseridos. Há também que se destacar

que as Diretrizes Curriculares, aprovadas em 1996, materializaram os princípios do

projeto no âmbito da formação profissional.

Por sua vez, Braz e Teixeira (2009) vão identificar os elementos constitutivos

do Projeto Ético-Político do Serviço Social e os componentes que o materializam no

processo social e histórico da profissão, destacando o comprometimento com os

princípios e valores éticos, a consolidação de uma matriz teórico-metodológica, a

crítica a ordem capitalista até então vigente, e o compromisso com as lutas e

posicionamentos políticos, através de suas formas coletivas de organizações políticas.

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Nas palavras de Netto (1999), a direção social do Projeto Ético-Político põe em

seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central, indicando um

compromisso com a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. A

dimensão política é explícita em favor da equidade e da justiça social, do compromisso

com os usuários, da articulação com outras categorias profissionais que partilhem de

princípios similares e com movimentos sociais e a luta geral dos trabalhadores,

declarando-se um projeto radicalmente democrático.

Os componentes que propiciaram a construção e dão materialidade ao Projeto

são: a dimensão da produção de conhecimentos na perspectiva marxista no interior

do serviço social, pautada nos processos de sistematização, da investigação, dos

processos reflexivos do fazer profissional; a dimensão político organizativa da

profissão, expressa no conjunto CFESS/CRESS, a ABEPSS e ENESSO; e a

dimensão jurídico-política tanto no que se refere aos aparatos jurídicos próprios, tais

como o Código de Ética Profissional de 1993, Lei de Regulamentação da Profissão e

as Diretrizes Curriculares de 1996, quanto as Leis externas à profissão: a Constituição

Federal e legislações vigentes (NETTO, 1999).

Portanto, cabe afirmar que a profissão avança na década de 90, superando os

limites de sua trajetória, articulando além das dimensões normativas, as dimensões

teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa e, a compreensão dos

componentes, que dão materialidade ao Projeto Profissional, possibilita aos

Assistentes Sociais enriquecer o exercício profissional tornando consciente no que se

refere a direção social e política da profissão, já que eles expressam os fundamentos

sócio históricos do Projeto e informam como guia para a orientação do exercício

profissional.

Nesse sentindo, Guerra (2007, p. 23) afirma que o Projeto:

Constitui-se como um guia para a ação, posto que estabelece finalidades ou resultados ideais para o exercício profissional e as formas de concretizá-lo. Seu âmbito é o da sistematização em nível da consciência que se tem dos processos e práticas sociais, das finalidades propostas e dos meios para a sua realização. Para tanto, faz-se necessária uma problematização crítica sobre as tendências e perspectivas teóricas, metodológicas, éticas, políticas e operativas existentes no interior da profissão.

Nesta assertiva, a autora propõe que a formulação do Projeto é uma etapa

necessária para realizar as intenções profissionais, mas que as possibilidades de seu

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desenvolvimento estão na realidade social e que, dada sua direção social, o Projeto

permite ao profissional compreender os fundamentos de sua intervenção e a buscar

meios para transformar os obstáculos que atravessam o exercício profissional.

Para isso, ainda que essa projeção ofereça possibilidades ao profissional do

seu compromisso ético e político, é preciso referenciar a prática profissional por meio

deste Projeto Profissional Crítico, pois este contém elementos que vão permitir ao

Assistente Social a estabelecer mediações necessárias entre uma intervenção

imediata no cotidiano e determinados fins, fazer as críticas do cotidiano, do imediato,

e a pensar em estratégias para construir técnica e intelectualmente as respostas para

transcende-lo (GUERRA, 2007).

É o que também defende Paula (2014), quando afirma que o projeto exige dos

profissionais a formulação de estratégias e técnicas que estabeleçam mediações

entre os princípios elencados no projeto, aqueles contidos nos documentos apontados

nos aparatos jurídicos próprios do Serviço Social, Lei de Regulamentação, Código de

Ética e Diretrizes curriculares, e a própria realidade profissional.

Para tanto, a compreensão do real, das causalidades nas contradições do

movimento social e das possibilidades de desenvolver o compromisso ético-político

expresso no Projeto Profissional da categoria de Serviço Social não se processa

imediatamente na realidade em si e, “deste modo, não se transforma a realidade do

pensamento, pela formulação de um projeto profissional, pela tomada de consciência

sobre os princípios, objetivos e estratégias”, é preciso ir além: conhecer a realidade,

compreender as dimensões que compõem a realidade, pensar nas estratégias e

desenvolver as ações que sejam conscientes e voltadas as transformações

necessárias (GUERRA, 2007, p. 25).

As diretrizes do Projeto que direcionam um novo modo de operar a profissão

demanda apropriação da ética como reflexão crítica e, a posteriori, da escolha de

ações possíveis, entendendo, sobretudo que a atividade de consciência e de projeção

das finalidades não se prescinde, pois

Mesmo que uma teoria possa influir socialmente a ponto de alavancar certas práticas mostrando-nos que pode ter certa autonomia isso não exclui a evidência de que a teoria e a prática formam uma unidade e, por mais refinada, completa e apropriada que seja a teoria, não será capaz de transformar por si própria a realidade, seja natural ou social. Apesar de imprescindível e do seu potencial de exercer força

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propulsora, sua influência e sua finalidade se encontram na ação (FORTI E COELHO, 2015, p. 18).

Essa é a questão central da dimensão política do projeto profissional crítico,

pois este ao incorporar as necessidades provenientes da sociedade pautado numa

perspectiva teórica crítica e inclusiva, vai instrumentalizar o Assistente Social a

compreender a sociedade capitalista, a crise estrutural e as possibilidades de

mudanças sociais que nela estão imbricadas e com isso, a estabelecer “uma

intervenção consciente e sistemática nas contradições geradas pelo movimento da

realidade” (GUERRA, 2007, p. 16).

Podemos considerar que a compreensão que o profissional faz dos elementos

constitutivos do exercício profissional no contexto das relações sociais é fundamental

para o desenvolvimento e ampliação das possibilidades de conceder respostas

teórico-práticas, compreender as alternativas historicamente presentes e os meios

para se trabalhar, bem como construir um conjunto de ações que vão materializar a

realidade, isso porque

Os projetos profissionais se organizam em torno de um conjunto de conhecimentos teóricos e de saberes interventivos, de valores, princípios e diretrizes éticas e políticas, de orientações sobre o perfil profissional que se deseja formar e de diretrizes para tal. Compõem-se de orientações sobre as bases normativas e valorativas pelas quais a profissão se relaciona internamente e com a sociedade, um conjunto de referências metodológicas para a intervenção, posturas e modos de operar construídos e legitimados pela categoria profissional, cujos conteúdos objetivem a crítica da sociedade capitalista (GUERRA, 2007, p. 8).

Assim, ao ser orientado por um Projeto Profissional crítico, que tenha “uma

teoria que vise apreender os fundamentos dos processos sociais e iluminar as

finalidades” do desenvolvimento do exercício profissional, os Assistentes Sociais

estarão aptos a compreender o significado social da profissão e desenvolver uma

intervenção profissional competente, transcendendo e fazendo críticas as

imediaticidades do cotidiano (GUERRA, 2007, p. 16).

Deste modo, quanto maior for a clareza das finalidades das ações e da projeção

que carrega o Projeto Ético-Político, quanto mais aproximada for a leitura do

profissional da realidade social, maiores serão as possibilidades de compreender o

significado de sua prática, bem como as conexões que atravessam o cotidiano e assim

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atender as demandas imediatas buscando as mediações necessárias para não reduzir

o atendimento a mera burocracia institucional ou a práticas reiterativas e tradicionais.

A partir dessa reflexão, Guerra (2007, p. 18) afirma que:

No âmbito das instituições, a presença de um Projeto Profissional crítico permite aproximar o profissional das mediações que se constituem ontologicamente no modo de ser, na legalidade tendencial dos processos sociais ali presentes, do que decorre a apreensão das instituições como campo de mediações que particularizam o movimento da legalidade social no cotidiano profissional, para o que é necessário que se capte a maneira como se expressam neste cotidiano as determinações mais amplas da vida social, a lógica mercadológica, a alienação e a reificação das relações sociais, a exploração e os antagonismos de interesses do capital e do trabalho.

É imprescindível, portanto, que os profissionais estabeleçam com o Projeto

Profissional uma relação de caráter político e estratégico, compreendendo que os

elementos dessa normativa profissional carregam em si a condição de

instrumentalidade que pode recuperar a perspectiva de totalidade, de perceber o

Estado e as políticas sociais no âmbito da luta de classes e amparar o

empreendimento de escolhas e atitudes ético-políticas que são fundamentais para

proceder as intervenções mais adequadas e enfrentar os desafios da ordem que está

posta, pois

um projeto profissional que faz a crítica ao cotidiano tem uma dimensão que se refere à operacionalização. Ele propõe um conjunto de referências prático-instrumentais, de modo que os seus portadores tendem a uma prática de novo tipo. Ele traz no seu interior determinada forma de conceber as funções do Estado e o papel das políticas sociais, como a mediação necessária para impor limites ao processo de mercantilização da vida social, normatiza as formas de estabelecer relações com o usuário dos serviços e das políticas sociais, de viabilizar direitos, de organizar e mobilizar a participação dos indivíduos, grupos e populações na vida das instituições, no planejamento e nas decisões institucionais, bem como a participação dos sujeitos sociais, comunidades e organizações na reinvindicação e defesa de seus direitos (GUERRA, 2007, p. 21).

É preciso ter clareza da projeção político-profissional que constitui o Projeto

Ético-Político para compreender que o objetivo se pauta na defesa de princípios que

indiquem a transformação da ordem social que está posta. A profissão, ao ser

orientada por um projeto profissional crítico e progressista, embora tenha

possibilidade de desenvolver profissionais que conheçam suas competências e

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imprimam qualidade técnica às suas ações, sobretudo direcionadas de maneira crítica

e consciente, a fim de superar a histórica vinculação com o conservadorismo, requer

a construção de “estratégias que assegurem a hegemonia dos valores defendidos em

nosso Projeto e os publicizem” (PAULA, 2014, p. 316).

Assim, cabe considerar que, em decorrência do compromisso com a luta da

classe trabalhadora, com a emancipação humana e com a construção de uma nova

ordem societária, o Projeto Profissional Crítico do Serviço Social, tal como considera

FORTI E COELHO (2015), não se esgota no cotidiano do exercício profissional e sua

construção e desenvolvimento requer condições objetivas, leia-se condições de

trabalho, e de condições subjetivas que vão desde a competência profissional até a

direção social assumida nas intervenções dos Assistentes Sociais.

No atual cenário do desenvolvimento capitalista, o trabalho do Assistente

Social, profundamente condicionado pela trama de relações vigentes na sociedade,

tem enfrentado novos desafios para o desenvolvimento das diretrizes do Projeto

Profissional, tanto mediante ao crescimento das demandas, a onda de desemprego e

pauperização, decorrente das transformações no mundo do trabalho, quanto na

redução expressiva dos gastos sociais, recomendados pela política econômica

Neoliberal, para a efetivação de programas, projetos e Políticas Sociais que visam a

consolidação dos Direitos Sociais e o enfrentamento das expressões da Questão

Social, objeto de estudo e intervenção da profissão.

Nessa perspectiva, Netto (1999, p. 158) vai intitular de cruzada antidemocrática

do grande capital, e vai dizer que tudo isso é “uma ameaça à implementação do

projeto profissional do Serviço Social. Do ponto de vista neoliberal, defender e

implementar este projeto ético-político é sinal de “atraso”, e de “andar na contramão

da história”.

Essa concepção nos remete a refletir sobre os desafios e possibilidades de

realização do Projeto Ético-Político do Serviço Social, e, pensando nisso, Guerra

(2007, p. 7-8) destaca o conjunto de desafios que atravessam o cotidiano profissional:

Nas condições e relações atuais do exercício profissional, um conjunto de mediações conforma este processo: a ameaça ao desemprego, o achatamento salarial, a precarização das condições de trabalho, o aprofundamento do processo de pauperização, a mudança nos parâmetros legais e institucionais que orientam as relações de trabalho, o precário contrato de trabalho (que estabelece o status profissional, as metas de produtividade, os salários, a jornada de

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trabalho e define o perfil profissional, suas funções e atribuições), a desespecialização/desprofissionalização, a alienação no/do trabalho. A lógica mercadológica que perpassa os serviços sociais, junto com as políticas sociais, passa a se constituir a própria racionalidade que orienta o exercício profissional, configurando concepções de eficácia, eficiência, produtividade, competência, de acordo com as exigências do mundo burguês para a acumulação/valorização do capital. Na análise destas condições depreende-se que há uma interferência da lógica do capital na forma, no modus operandi, no conteúdo e no resultado do exercício profissional, que se limita, em muitos casos, ao cumprimento de rotinas burocráticas e de metas institucionais, influenciando nas funções, qualidade e competência do trabalho profissional, estabelecendo normas específicas e, até mesmo, à luz da lógica mercadológica, define-se as necessidades de capacitação, o ritmo e a intensidade do trabalho e os recursos (técnicos, financeiros, institucionais) disponíveis para a realização das ações profissionais.

Este quadro sócio histórico, marcado pelas mudanças no padrão de

acumulação nos marcos da mundialização financeira, além de propiciar o acirramento

da Questão Social, exigindo novas competências na intervenção profissional, agrava

o quadro das reformas do Estado alterando o trato com as Políticas Sociais,

reforçando a segmentação social, redimensionando o mercado de trabalho

profissional ao modificar as condições e as relações de trabalho, que se expressam

na redução salarial, metas de produtividade, intensificação da jornada de trabalho,

contratos precários, quando não redefinem as atribuições, funções e perfis

profissionais, estabelecendo com isso limites para objetivações dos valores

democráticos e exigindo novos requisitos de formação e qualificação, bem como

novas estratégias profissionais mais qualificadas.

Considerando esse redimensionamento por que passa a profissão, Iamamoto

(2007, p. 141) defende que a consolidação do Projeto Profissional requer ir

contracorrente, visto que:

Os valores e princípios ético-políticos radicalmente humanos, que iluminaram as trilhas percorridas pelos Assistentes Sociais nas últimas décadas, sofrem hoje um forte embate com a idolatria da moeda, o fetiche do mercado e do consumo, o individualismo possessivo, a lógica contábil e financeira que se impõe e sobrepõe às necessidades e Direitos Humanos e sociais. Entretanto, a mistificação das ideias não impede a produção e reprodução crescente das desigualdades de todas as cores e naipes, decorrentes dos processos concentracionistas de renda, terra, poder, ciência e cultura. Desigualdades sentidas e vividas por indivíduos sociais que se revoltam, resistem e lutam para construírem outros horizontes para a vida em sociedade, na contracorrente do poder, integrando-se às forças renovadoras da vida e, portanto, da história.

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Diante disso, dentre os atuais desafios que devem ser enfrentados pelo Serviço

Social, o maior deles é tornar a atual direção política da profissão, incorporada pelo

Projeto Ético-Político, em um guia efetivo para o exercício profissional e consolidá-lo

por meio de sua implementação efetiva, compreendendo que a atual direção se

encontra na contramão da maré neoliberal, sendo necessário articular as dimensões

organizativas, acadêmicas e legais.

Isso posto, é preciso,

Orientar o trabalho profissional nos rumos aludidos requisita um profissional culto e atento às possibilidades descortinadas pelo mundo contemporâneo, capaz de formular, avaliar e recriar propostas ao nível das políticas sociais e da organização das forças da sociedade civil. Um profissional informado, crítico e propositivo, que aposte no protagonismo dos sujeitos sociais. Mas também um profissional versado no instrumental técnico-operativo, capaz de realizar as ações profissionais, aos níveis de assessoria, planejamento, negociação, pesquisa e ação direta, estimuladoras da participação dos usuários na formulação, gestão e avaliação de programas e serviços sociais de qualidade (IAMAMOTO, 2007, p. 144).

Por isso, compreender e se orientar pelas diretrizes do Projeto é ter caminhos

que possibilitem o desenvolvimento de ações com direção crítica clara e consciente,

visando a “defesa permanente dos direitos sociais e humanos, herança das lutas dos

movimentos sociais e trabalhistas progressistas, de modo a superar a histórica

vinculação do profissional com o conservadorismo”, fortalecer os vínculos com as

instituições de organização da luta social contra a barbárie do capital, com categorias

profissionais que carregam projeções similares, e avançar na inserção dos

movimentos de rearticulação da classe trabalhadora (GUERRA, 2007, p. 9)

Para isso, também concordamos com Netto (2006, p. 157), quando afirma que

para desempenhar o compromisso com o Projeto Ético-Político é indispensável que o

profissional desenvolva constantemente processo de aprimoramento do

conhecimento já que o projeto implica o compromisso com a competência, que só

pode ter como base o aperfeiçoamento intelectual do assistente social, “daí a

importância da formação qualificada e continuada, fundada em concepções teórico-

metodológicas críticas, capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social”

e de direcionar o desenvolvimento do exercício profissional com base nos valores,

princípios e diretrizes do Projeto Profissional.

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Feito isso, ao compreender melhor o significado social da sua prática, o

Assistente Social vai construir estratégias e técnicas visando atuação mais crítica,

sabendo quando e como avançar e recuar. Compreender esse movimento faz com

que o profissional apreenda as demandas como resultantes do processo antagônico

entre as classes sociais e tenha possibilidade de reconstruí-las com a perspectiva de

transformá-las, já que, tal como considera GUERRA (2007, p. 31):

De posse de um projeto que nos clarifica os objetivos profissionais e os valores, que contenha o referencial teórico-metodológico que nos permita fazer a crítica ontológica do cotidiano, da ordem burguesa e dos fundamentos conservadores que persistem na profissão, que lance luzes sobre nossas possibilidades de escolha e nos oriente para determinada direção social (resultado de teleologias que se confrontam), estamos aptos a desenvolver novas competências no âmbito do interior do Estado, das empresas privadas, das organizações não governamentais, dos movimentos sociais; questionando critérios de elegibilidade que são focalistas, que tratam direitos como privilégios; ampliando o quanto possível esses critérios, visando sua universalização; qualificando e ou redirecionando os programas focais para o atendimento de demandas dos usuários; democratizando o acesso pela via da informação, sendo esta, a meu ver, um dos maiores instrumentos do qual o Assistente Social dispõe para fortalecer sujeitos coletivos; pesquisando e conhecendo os sujeitos que demandam as ações profissionais, seus modos de vida e formas de resistência; estabelecendo alianças programáticas com eles, conquistando legitimidade por parte dos sujeitos que se utilizam dos serviços que executamos e/ou planejamos, estabelecendo compromisso com as denúncias e efetivando o trabalho de organização popular. A nosso ver só assim é possível falar em competência profissional.

Tais questões nos levam a compreensão que o Projeto, além de ser

determinado pelos fatores causais do contexto no qual a prática se realiza, possui

uma dimensão teleológica, pois carrega em si motivos e finalidades que propiciam

ações profissionais conscientes, coerentes e articuladas com a defesa dos Direitos,

além de permitir que o profissional compreenda os fundamentos do seu exercício

profissional e busque o que for necessário para alterar, propor e superar os desafios

que se apresentam nos tempos atuais.

Porém é preciso considerar que o Projeto carece de atividades práticas que

conciliem conhecimento e ação fundamentados na perspectiva crítica, na

interpretação crítica do contexto atual, do real. Assim sendo, revisitar as estratégias

político pedagógicas presentes no projeto, buscar entender a origem, o significado, as

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dimensões, os desafios e possibilidades do Projeto Ético Político do Serviço Social é

uma maneira de ampliar e qualificar o debate em torno desse universo, refletir sobre

a prática profissional e compreender quais são as referências teórico-metodológicas,

filosóficas, ético-políticas e técnico-operativas que foram definidas a partir do próprio

movimento histórico da Profissão no âmbito das relações sociais.

1.3 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL E AS DIMENSÕES

CONTITUTIVAS DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL: Reflexões sobre a dimensão

técnico-operativa no exercício profissional dos Assistentes Sociais

Como vimos, o Serviço Social é uma profissão especializada da sociedade e

intervém no enfrentamento das expressões da questão social, por meio de espaços

de mediações entre classes e Estado. A especialização do trabalho, que demonstra o

que de fato faz o Serviço Social e que expressa o conjunto de competências e

atribuições, que historicamente foram sendo construídas, traz em si as contradições

e determinações do contexto social e inscreve a profissão em uma atividade fundada

na contribuição da reprodução das relações sociais na sociedade capitalista, e essa

inserção atribui um caráter político e coloca o Serviço Social como uma atividade

constitutiva do/no capitalismo.

Por ser elemento constitutivo do/no capitalismo é possível considerar que o

exercício profissional, ainda que se trate de uma intervenção sempre referida aos

processos de criação de condições fundamentais para a reprodução social da vida,

se modifica e sofre redefinições com as mudanças dos contornos da questão social,

sendo historicamente construído e socialmente determinado, pois enquanto uma

profissão que ocupa um espaço na divisão social e técnica do trabalho, o profissional

de Serviço Social desenvolve um exercício profissional que, ao estabelecer a relações

próprias do seu processo de intervenção, constrói vínculos com a sociedade na qual

está inserido.

Compreender o Serviço Social no contexto da divisão social e técnica do

trabalho é entender que o significado social da profissão, a sua utilidade, é inerente

às necessidades sociais e que, embora tenha emergido como uma prática

mantenedora da ordem burguesa e da ampliação do capital, amadureceu as suas

bases de fundamentação em decorrência das particularidades dos diversos contextos

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e em diversos campos de trabalho, e passou a atuar no âmbito da defesa dos direitos

sociais e humanos da classe trabalhadora, na busca de uma nova ordem societária

livre de exploração e desigualdade (GUERRA, 1995).

Dada essa questão, é imprescindível o conhecimento sobre as relações sociais

nas suas particularidades históricas, conectadas com o tempo no qual se

materializavam e ainda assim o fazem, além é claro do entendimento sobre a direção

social da profissão (BAPTISTA, 2009).

Portanto, a atuação profissional do Assistente Social pressupõe a compreensão

da relação que é estabelecida entre o Estado e a Sociedade, dos mecanismos

econômicos, políticos e institucionais, em especial das políticas sociais que se

constituem como mediações principais do exercício profissional, tanto no que se refere

aos objetivos e procedimentos, quanto no quesito da reprodução e manutenção dos

antagonismos de classe, nos diversos contextos históricos e sociais, já que

Na realização das suas atribuições socioprofissionais, o profissional intervém através das políticas e/ou serviço sociais, na criação de condições favorecedoras da reprodução da força de trabalho ocupada e excedente, a partir das formas de regulação social capitaneadas pelo Estado burguês, cuja natureza contraditória é permeável aos interesses da classe e/ou segmentos da classe trabalhadora (GUERRA, 2017, p. 50).

Compreender esse lócus contraditório no qual o exercício profissional é

desenvolvido nos possibilita compreender que os espaços de intervenção profissional

atribuem “determinadas formas, conteúdos e dinâmicas ao exercício profissional,

como também, refletir sobre o significado sócio-histórico da instrumentalidade como

condição de possibilidade do exercício profissional” (GUERRA, 2007, P. 7).

Pelo fato da profissão ser considerada como essa especialização do trabalho

coletivo, e por sua prática se desenvolver no interior dessa divisão social e técnica do

trabalho, é preciso reconhecer e apreender, tal como destaca TRINDADE (2001, p.

25-26), que:

Sua instrumentalidade sofre as determinações da dinâmica social, da qual emanam as demandas para as instituições nas quais os Assistentes Sociais atuam. Para a consecução do seu trabalho, os Assistentes Sociais acionam um instrumental técnico-operativo que contribui para a viabilização da inserção da profissão em diversas formas de enfrentamento das manifestações da Questão Social. Dessa forma, os instrumentos e técnicas, ao mediarem e

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potencializarem a intervenção profissional, participam da realização dos efeitos concretos produzidos pelo trabalho profissional nas relações sociais.

Nesta perspectiva, reconhecer a particularidade da profissão na divisão

sociotécnica do trabalho é reconhecer que a instrumentalidade da profissão e do

exercício profissional se processa e se diversifica em função de um conjunto de

variáveis tais como os projetos profissional e societário hegemônicos, os espaços

sócio-ocupacionais, o nível de qualificação dos profissionais, a correlação das forças

sociais entre outros, tal como afirma Guerra (2007, p. 159):

A instrumentalidade do Serviço Social, dada pela forma na qual a profissão se insere na divisão social e técnica do trabalho e reposta pela dinâmica da realidade social, tanto vincula a profissão a outros ramos de atividade profissional quanto atribui à profissão um status peculiar, já que contempla as ações pelas quais o profissional é reconhecido e requisitado socialmente. Porém, pela sua natureza contraditória, a instrumentalidade da profissão tanto conserva e reproduz aspectos do modo de ser capitalista quanto os nega e os supera. Esta dimensão expressa uma racionalidade, produzida pelas regularidades presentes tanto nas ações quanto nas representações dos Assistentes Sociais.

Ao utilizar, criar, adequar-se às condições sócio-históricas existentes,

transformando-as em meios para consolidá-la e ou objetivar suas intencionalidades,

as ações dos Assistentes Sociais tornam-se portadoras de instrumentalidade. Deste

modo, Guerra (2007, p. 2) afirma que a instrumentalidade é tanto condição necessária

de todo trabalho social quanto uma categoria constitutiva, um modo de ser/fazer a

profissão, pois diz respeito a uma capacidade que se constitui a partir desse exercício

profissional, e possibilita que o profissional transforme as condições objetivas de

trabalho que lhe são postas em instrumentos e meios que lhe possibilitem o alcance

dos objetivos do seu trabalho, e na medida em que possibilita o alcance dos objetivos

a que se propõe a profissão constitui-se como “condição concreta de reconhecimento

social da profissão”.

Como a intervenção advém da intencionalidade de responder às necessidades

sociais, o espaço sócio ocupacional, neste caso atribuindo importância do Serviço

Social, é criado pela existência dessas necessidades. Cada profissão tem sua

utilidade, sua especificidade em responder as demandas que lhe são concedidas.

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Estas demandas exigem respostas qualificadas e institucionalizadas, para que, além

de uma formação social especializada, o serviço deve ser reconhecido.

Dessa forma, conforme afirma Guerra (2007), a instrumentalidade pode ser

compreendida enquanto mediação entre a passagem de ações meramente

instrumentais a ações carregadas de maior pensamento crítico e reflexões teóricas

sobre questões mais amplas do movimento da sociedade como um todo, contribuindo

assim na compreensão de casos particulares. Também pode ser apreendida como

totalidade, pressupondo a sua compreensão a partir de suas variadas

dimensões: técnico-instrumental, teórico-intelectual, ético-política e formativa, e como

particularidade apresentando-se como a forma de articulação dessas dimensões na

elaboração das respostas às demandas sociais.

A autora ainda vai dizer que pensar em instrumentalidade é pensar para além

de instrumentos, é pensar no modo de ser da profissão, nos sujeitos, nos meios e nos

fins. A discussão e reflexão sobre instrumentalidade não se restringe a utilização, ao

manuseio de instrumentos, embora eles sejam necessários para o exercício

profissional qualificado, ou para uma instrumentalidade enriquecida, tal como

esclarece:

O termo instrumentalidade nos faz perceber que o sufixo “idade” tem a ver com a capacidade, qualidade ou propriedade de algo. Com isso podemos afirmar que a instrumentalidade no exercício profissional refere-se, não ao conjunto de instrumentos e técnicas (neste caso, a instrumentação técnica), mas a uma determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio histórico (GUERRA, 2007, p.2)

A compreensão sobre “a instrumentalidade deve ultrapassar a razão

instrumental, que se preocupa com ações de caráter manipulatórias, segmentadas e

descontextualizadas”, agindo, assim, para a manutenção da ordem burguesa,

alcançando a razão dialética que apresenta-se como o mais alto nível do pensamento

crítico. Portanto, o profissional deve aperfeiçoar a sua instrumentalidade alçando

legitimidade ao seu fazer profissional, sem perder, no entanto, a capacidade para

responder as demandas concretas dos sujeitos sociais, podendo ainda nesse

movimento encontrar respostas alternativas a sociedade do capital (GUERRA, 2007,

p. 2).

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O caráter emancipatório da instrumentalidade e a capacidade de alcançar

determinados objetivos reside no que chamamos de pôr teleológico, processo pelo

qual ocorre a projeção, na consciência, do resultado de diversas alternativas, e a

escolha pela alternativa que parece mais viável para atender àquela necessidade é

característico do processo de trabalho. Escolhida a alternativa, o homem objetiva a

projeção idealizada, isto é, manipula a natureza, e a transforma em algo novo,

atendendo assim a determinada necessidade. Essa transformação da natureza pelo

trabalho acarreta não só na criação de um novo objeto, como também na

transformação do próprio sujeito, o qual alcança os objetivos previamente idealizados

e adquire novos conhecimentos, novas habilidades e novas necessidades (GUERRA,

2000).

Portanto, concordando com Guerra (2007), a instrumentalidade está na

resolutividade das demandas apresentadas à profissão e a legitimidade social do

Serviço Social, encontra-se nas respostas que a profissão concede às demandas e

na capacidade de alcançar os objetivos.

Para consolidar respostas qualificadas e com implicações de mudanças para

essa realidade na qual a profissão se insere, o profissional precisa ir para além do

imediato e desenvolver reflexões de como fazer, para que fazer, o que fazer, quando

fazer, onde fazer e com quais meios fazer, reflexões essas que se traduzem através

de um conjunto de dimensões que estruturam o exercício profissional, as quais

segundo Guerra (2009) são: teórico-metodológica, investigativa, formativa, ético-

política e técnico-operativa. Essas dimensões dão forma e conteúdo à profissão.

Por outro lado, Back et. al (2017) vão dizer que, embora Guerra (2009), Cassab

(2000) e Silva e Silva (1995) incluam como elementos constitutivos das dimensões do

exercício profissional as dimensões investigativa e formativa, as dimensões que

constituem o exercício profissional são: teórico-metodológica, ético-política e técnico-

operativa e que as outras, que foram consideradas dimensões, são por eles

compreendidas como expressões do exercício profissional, e portanto não se

confundindo com registros distintos: as expressões do exercício – interventiva,

investigativa e formativa – com as dimensões que o compõe – teórico-metodológica,

ético-política e técnico-operativa.

Ainda que os autores tenham a compreensões divergentes sobre dimensões e

expressões, todos eles fazem a reflexão das dimensões do exercício profissional de

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modo articulado, reconhecendo a particularidade de cada uma delas, entendendo a

relação teoria e prática como unidade do diverso e também que a escolha do método,

do instrumento, das estratégias e técnicas, que serão utilizadas na intervenção

profissional, se darão em função das condições objetivas, bem como das finalidades

de cada um, e esse processo exige uma formação profissional qualificada.

A primeira dimensão descrita, a teórico-metodológica, refere-se a um sistema

coerente de proposições explicativas e interpretativas da realidade e do homem em

sua totalidade de relações sociais, articulado a um conjunto de orientações que

buscam assegurar a realização de uma determinada ação entre as distintas

determinações que constituem a realidade. É uma dimensão que possibilita pensar,

que fornece subsídios para que o profissional saiba distinguir os tipos de saberes e

suas possibilidades, que permite “a crítica das formas de explicar a ordem burguesa

[...] a crítica ontológica do cotidiano, bem como, aponta possibilidades de ação de uma

realidade sócio-histórica” (GUERRA, 2000, p. 158).

A dimensão orienta, portanto, o desenvolvimento de uma práxis profissional,

apreende o objeto em seu modo de ser, em sua materialidade, em sua essência e

dinâmica e contribui para a correta apreensão da conjuntura, possibilitando ao

profissional se posicionar eticamente diante das situações que se apresentam,

capacitando o profissional a “operar a passagem das características singulares de

uma situação que se manifesta no cotidiano profissional do assistente social para uma

interpretação à luz da universalidade da teoria e o retorno a elas” (GUERRA, 2017, p.

63).

Considerando essa premissa, é necessário que tenhamos domínio teórico das

categorias centrais da teoria de Marx e de autores da tradição marxista, pois esse

referencial teórico-metodológico irá se constituir como instrumento de leitura e

interpretação da realidade, de conhecimento que dará suporte para formular, propor

e desenvolver objetivos para construção de estratégias, táticas, instrumentos e

técnicas profissionais, bem como a construção de alternativas às requisições

institucionais (GUERRA, 2018).

O domínio dessa dimensão se completa, ainda segundo Guerra (2017, p. 64),

ao ser relacionado com a história, por meio do que ela defende de dimensão

investigativa, ou seja, pela pesquisa rigorosa das condições e relações sociais,

econômicas, políticas e culturais em que se vive, consolidando condições de o

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profissional revisar os fundamentos técnicos, teóricos, metodológicos, éticos e

políticos que orientam a profissão e a acompanhar os processos da sociedade para

apreender expressões da questão social que circunscrevem seu exercício, além de

permitir ao profissional “a produção de conhecimentos voltados aos interesses dos

setores populares que são usuários das instituições às quais nos vinculamos”.

A dimensão investigativa, defendida por Guerra (2017) como um dos elementos

que constituem as dimensões do exercício profissional, é uma mediação fundamental

para revisar os fundamentos da profissão, apreender as demandas emergentes, fazer

crítica às imediaticidades do cotidiano, avançar na reconstituição da intervenção e das

demandas.

Para isso, há de se pensar em formar profissionais para “pesquisar, analisar

conjunturas e contextos sócio-históricos e institucionais, para buscar informações

sobre os objetos e usuários dos serviços e saber transmitir as informações adequadas

de maneira acessível” (GUERRA, 2000, p. 159).

Reconhecemos, e portanto concordamos, que essas duas dimensões

articuladas, teórico-metodológica e investigativa, são fundamentais na base da

formação e da ação profissional do Serviço Social e são complementares entre si para

que possam ultrapassar o teoricismo, que é a dominação somente teórica insuficiente

em descobrir novos caminhos no trabalho profissional, já que resulta de uma

apropriação idealista do real, superar o militantismo, pois a ausência do devir histórico,

de uma determinada concepção materialista da história sem uma perspectiva de

ruptura e de construção de resistências no cotidiano não garante a explicação dos

processos sociais, e também ir para além do tecnicismo, daquela prática que

aparentemente sabe fazer, mas, não há explicação da razão e da realidade.

Outrossim entende-se que o exercício profissional do Assistente Social por

estar localizado na estrutura social e ocupacional das Políticas Sociais da sociedade

capitalista, participando da mediação entre as classes sociais e o Estado, carrega um

caráter político. Assim, toda intervenção profissional está atrelada a um conjunto de

valores, princípios e escolhas ideológicas e políticas que corresponde a dimensão

ético-política.

Nesse sentido, Guerra (2017) vai afirmar que ao escolher determinadas

estratégias, técnicas, valores e instrumentos, bem como determinado modo de

desenvolver a ação profissional, o Assistente Social expressa sua dimensão ético-

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política, a “qual se preocupa com os valores (de que valem as respostas dadas) e com

a direção social delas (que conjunto de forças está sendo contemplado nas

respostas)” (GUERRA, 2017, p. 65).

Portanto, ainda que em conflito ético, por viver em um mundo burguês mas

estar referenciado por um Projeto Ético-Político que defende a construção de uma

nova ordem social, se faz necessário articular a intervenção profissional aos

interesses dos movimentos das classes organizadas, dos setores subalternos da

sociedade e requer engajamento ético e político, já que a profissão está situada nas

contradições das relações que tecem a vida em sociedade diante de interesses

distintos, interesses antagônicos das classes.

De acordo com Novaes e Rafael (2007), a dimensão ético-política do Serviço

Social se funda nos valores democráticos presentes no código de ética, reconhece

cultura, relações de gêneros, valores, etnia, da história das camadas populares. Para

tanto, é preciso, no decorrer da formação e da identidade profissional, desprender-se

dos valores morais impostos pela ordem dominante, e dos (pré)conceitos que nos

foram revestidos no processo de formação pessoal. Ou seja, requer consolidar um

processo de desconstrução e reconstrução de valores, reconhecer cultura, relações

de gênero, diferentes concepções de homem, mundo e sociedade, assim como

normas e padrões de conduta estabelecidos nas relações sociais.

Assim posta a questão, temos que a vinculação dessas dimensões, teórico-

metodológica, investigativa e ético-política, contribui para uma competência técnico-

operativa, competência essa que se resume nas vias, alternativas e nas estratégias

da intervenção profissional frente às diferentes realidades, constitui o contexto

orientador com base no qual se selecionam, organizam e utilizam técnicas no

desenvolvimento de atividades, ou seja, remete-se às competências instrumentais

pelas quais a profissão é reconhecida e legitimada, porém ainda que seja necessário

somente atendê-las, o exercício profissional não pode se limitar somente aos

instrumentais técnicos. A competência técnico-operativa está relacionada ao que

Backx et. al. (2017) reconhecem como a síntese do exercício profissional, ou como

dimensão técnico-operativa que compõem a totalidade do exercício profissional.

Nessa perspectiva, Trindade (2017, p. 21) afirma que as questões que

permeiam a reflexão sobre a dimensão técnico-operativa do exercício profissional do

Assistente Social “na sua condição de parte da intervenção do Serviço Social nas

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relações sociais” devem ser compreendidas articuladas com as dimensões teórico-

metodológicas e ético-política da profissão.

Ou seja, a realização da dimensão técnico-operativa requer conhecimento das

finalidades, das condições sobre as quais o exercício é desenvolvido, sobre os valores

das escolhas dos instrumentos, das técnicas e dos meios, e a articulação dessas

dimensões configura o exercício profissional, que é realizado sob condições objetivas

e subjetivas determinadas historicamente.

Com essa concepção sobre a dimensão técnico-operativa, vale ressaltar que até mesmo o que se denomina de instrumental técnico-operativo ultrapassa as técnicas e instrumentos; ele incluiria o conjunto das ações e procedimentos adotados pelo profissional, visando a consecução de uma determinada finalidade, bem como avaliação sistemática sobre o alcance dessas finalidades e dos objetivos da ação. Aí se encontram, portanto, estratégias, táticas, instrumentos e técnicas, conhecimentos específicos, procedimentos, ética, cultura profissional e institucional, particularidades dos contextos organizacionais (BACKX et. al, 2017, p. 30).

Esse conjunto de estratégias e táticas que dão norte para desenvolver as ações

profissionais, que são pensadas e realizadas após análises do real, são constituídas

por meio do “conhecimento procedimental necessário para a manipulação dos

diferentes recursos técnicos-operacionais, bem como pela orientação teórico-

metodológica e ético-política dos agentes profissionais” (IDEM, 2017, p. 31).

Portanto, debater sobre a dimensão técnico-operativa implica reconhecer o

exercício profissional como resultado da totalidade dessas dimensões, bem como

conhecer os espaços onde esse exercício se realiza, entender como as demandas

chegam até esses espaços, dialogar sobre as necessidades apresentadas pelos

usuários e compreender como a Política Social está desenhada e se operacionaliza

A materialização dessa dimensão técnico-operativa, conforme defende

Trindade (2017), ocorre por meio do desenvolvimento das ações profissionais que

mobilizam instrumentos e procedimentos interventivos. Assim, a autora considera que

as ações profissionais são:

As atribuições que viabilizam as respostas dos profissionais às requisições colocadas pelas demandas institucionais, como parte da prestação de serviços sociais. Essas ações materializam o caráter interventivo do Serviço Social e dentre as mais comuns estão: executar, orientar, agrupar, providenciar, acompanhar, socializar, coordenar,

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planejar, pesquisar, monitorar, supervisionar, organizar e administrar, estudar e analisar, emitir parecer, assessorar, consultorar. Entretanto, vale ressaltar que essas ações só poderão ser classificadas como profissionais na medida em que forem associadas aos conteúdos com os quais atuam os Assistentes Sociais, relacionados aos sujeitos sociais (individuais e coletivos), às políticas sociais, aos serviços e aos benefícios sociais, aos direitos sociais, aos movimentos sociais. Esses conteúdos estão permeados pelas concepções teóricas, pela perspectiva ético-política, as quais fundamentam e direcionam as escolhas profissionais (TRINDADE, 2017, p. 78)

O desenvolvimento das ações profissionais requer a escolha e a utilização de

instrumentos e para tal, os Assistentes Sociais lançam mão de atitudes e habilidades

consideradas pela autora como procedimentos interventivos que estão constituídos

de elementos intermediários entre procedimentos, instrumentos e técnicas. Esses

elementos constitutivos da dimensão técnico-operativa mobilizam todas as dimensões

que constituem o exercício profissional, pois se vinculam a uma fundamentação

teórica e metodológica e a um posicionamento ético e político (TRINDADE, 2017).

Sendo os instrumentos técnicos-operativos compreendidos por uma

perspectiva histórica e teórica, é possível entendê-los na sua condição de parte da

intervenção do Serviço Social nas relações sociais, que efetivam as finalidades e a

direção social desse exercício.

É através do uso competente e crítico dos instrumentos – portanto, conscientemente parametrado nas demais dimensões do exercício profissional – que as respostas são dadas; mas eles não se confundem, nem podem ser confundidos, com as respostas profissionais. Neste sentido, os instrumentos e o conjunto do instrumental técnico-operativo colocam em movimento as demais dimensões do exercício profissional (BACKX et. al, 2017, p. 32).

Compreendê-los como elementos mediadores na concretização das ações

profissionais nos remete a percepção dos procedimentos, dos instrumentos e das

técnicas utilizadas nas ações profissionais, bem como a importância dessas ações no

desenvolvimento do exercício profissional. É preciso ainda considerar que os

instrumentos, por mobilizarem as demais dimensões do exercício profissional, podem

estar associados a diferentes técnicas e perspectivas, e a utilização dos instrumentos

em determinados contextos históricos não impede de serem desenvolvidos em um

outro contexto, pois é possível desenvolvê-los sob outra direção teórica, ética e social

ainda que carreguem os mesmos conceitos.

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59

Requer, portanto, considerar que a intencionalidade teórica dos instrumentos

condiciona a uma direção que pode romper com as práticas tradicionais da profissão.

Nesse sentido, Trindade (2017) destaca que o desenvolvimento de ações,

procedimentos e instrumentos faz parte da produção de respostas profissionais

fundamentadas pelo projeto profissional, com suas dimensões: teórica (do saber, do

conhecimento), técnica (saber fazer) e ética (os objetivos que indicam as

intencionalidades).

A discussão sobre os procedimentos, instrumentos e técnicas que contemplam

as ações profissionais e são mais utilizados pelos Assistentes Sociais no cotidiano

das instituições é desenvolvida por Trindade (2017) de maneira categorizada. A autora

vai definir as ações, procedimentos e os instrumentos de caráter individual,

destacando como um dos principais a entrevista, o parecer social, o plantão social,

informações, encaminhamentos, acompanhamento social e relatório. Já os de caráter

coletivo ganham destaque os grupos e reuniões, além das ações coletivas de

informação, mobilização e organização dos conselhos de direitos, do conjunto

CFESS/CRESS e das Políticas Sociais.

Também destaca as ações profissionais, instrumentos e procedimentos de

caráter administrativo-organizacional que são os documentos que viabilizam

articulação e mobilização com outros setores e instituições e que geralmente

demandam apoio administrativo. E por último a autora apresenta as ações

profissionais de formação, capacitação e pesquisa, fazendo referência a supervisão

de estágio, tanto acadêmica quanto de campo, aos instrumentos de pesquisas para

capacitação de recursos humanos e as próprias ações de pesquisa, por meio da

sistematização e exposição dos resultados da realidade social onde o exercício

profissional é desenvolvido.

Backx et. al. (2017) também apresentam os instrumentos mais utilizados no

âmbito da intervenção profissional, destacando os procedimentos individuais,

coletivos, organizacionais e formativos, mas em uma perspectiva geral, quais sejam:

observação, relacionamento, abordagem, entrevista, grupo e reunião, informação,

visita domiciliar e encaminhamentos.

A observação, conforme apresentam Backx et. al. (2017), é considerada como

um instrumento que o Assistente Social utiliza, corriqueiramente, no exercício

profissional, pois é por meio dela que o profissional desenvolve uma série de reflexões

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60

sobre a compreensão o espaço no qual está inserido, sobre a população atendida e

sobre a finalidade das ações que serão desenvolvidas. É um instrumento importante

na tomada de decisão profissional e para isso é preciso que o Assistente Social tenha

clareza dos objetivos traçados para o momento da observação e segurança ao

desenvolvê-la.

Para Souza (2000), a observação, se tratando de um instrumento, consiste na

ação de perceber, de construir conhecimento sobre um fato que auxilie na explicação

e na compreensão da realidade do objeto de trabalho a fim de encontrar os caminhos

necessários aos objetivos a serem alcançados. Para a autora o ato de observar é um

exercício mental mas também técnico.

No que concerne ao instrumento relacionamento, Backx et. al. (2017) vão

considerar que, embora alguns autores o definem como composição do exercício

profissional, que faz parte daquilo que se almeja como processo de atendimento ou

como resultado dos procedimentos profissionais, o relacionamento é compreendido

como instrumento pelo fato de carregar uma intencionalidade nas ações profissionais

e, por estar presente em qualquer forma de atendimento aos usuários, é possível

estabelecer relações democráticas ou não e relações autônomas ou não. Ou seja, é

através desse instrumento que os determinados tipos de relações são estabelecidas.

Quanto a abordagem, os autores vão dizer que também é ponto de

problematização sob a mesma perspectiva do relacionamento. E apesar de

destacarem como instrumento que cria possibilidade de ligação/relação entre

diferentes espaços e profissionais, “a abordagem é mais considerada pela categoria

como componente de trabalho que faz parte dos procedimentos utilizados pela

profissão” (BACKX ET.AL., 2017).

A entrevista é unânime quanto a compreensão de ser considerada como um

instrumento e é desenvolvida quando da necessidade de se compreender/aprofundar

conhecimento sobre o usuário. A entrevista mobiliza outros instrumentos, tais como

relacionamento, abordagem e também outros procedimentos e tem como finalidade

colher informações sobre o usuário (IDEM, 2017).

Para Lewgoy (2007) é por meio da entrevista que o Profissional consegue

conhecer a história de vida do usuário, definir os procedimentos metodológicos e

construir um diagnóstico social. É por meio da entrevista que o Assistente Social pode

produzir confrontos de conhecimentos e objetivos a serem alcançados, já que nesse

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61

processo é possível levantar e registrar informações. A autora ainda complementa que

é na entrevista que uma ou mais pessoas podem estabelecer uma relação

profissional, quanto quem entrevista e o que é entrevistado saem transformados

através do intercâmbio de informações.

Trindade (2017, p. 82) vai além e define o uso da entrevista como um dos

principais instrumentos de caráter individual, exemplificando alguns elementos que a

compõe:

Durante a realização da entrevista é comum o registro em formulário específico, comumente chamado de ficha social, contendo informações como: nome, data de nascimento, sexo, documento de identidade, escolaridade, profissão, atividade ocupacional, situação de trabalho, tipo de filiação à previdência social, estado civil, condições de moradia, acesso a serviços, composição familiar, participação social. Na elaboração das fichas sociais o Assistente Social pode utilizar as técnicas de pesquisa para elaboração de formulários e questionários, bastante utilizados nas entrevistas estruturadas ou semiestruturadas.

Dessa forma, o uso da entrevista garante o conhecimento da realidade social

do usuário e costuma direcionar as ações a serem desenvolvidas, além disso, tudo

que fora trabalhado em entrevista fica registrado com a possibilidade de ser utilizada

para um parecer social.

Quanto aos pareceres, relatórios e até mesmo os laudos sociais, Trindade

(2017) os considera como documentação de caráter individual e vai defender a ideia

de que ambos são partes de uma ação privativa dos Assistentes Sociais: o estudo

social. De acordo com a autora já existem detalhes das questões teóricas, técnicas,

éticas e políticas do estudo social e, portanto, deve ser compreendido para além de

uma peça burocrática.

Dentro da reflexão sobre documentações e procedimentos de caráter

individual, autora diferencia a documentação técnica e a documentação burocrática-

administrativa/documentação oficial e vai dizer que os primeiros referem-se a todos

os documentos específicos do Serviço Social: formulários de entrevistas, relatórios,

fichas sociais, registros de visitas domiciliares, evolução do acompanhamento social,

livros de registros de atividades do Serviço Social. Os documentos burocrático-

administrativos são aqueles que exigem apoio administrativo, tais como: ofícios,

comunicados institucionais, memorandos, cartas, convites, atas e declarações

diversas (TRINDADE, 2017).

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Esses documentos são importantes instrumentos no processo de comunicação

e informação entre o profissional e o usuário, entre diferentes profissionais e entre os

profissionais do Serviço Social e as diversas instituições e não devem ser

compreendidos, tampouco utilizados como mero registro de providências, de

informações ou de declarações. Além do mais, os documentos específicos da

profissão devem ficar sob responsabilidade única e exclusiva dos Assistentes Sociais,

não estando disponíveis aos apoios administrativos.

Referente a informação, embora tenha sido destaque como um dos

instrumentos mais utilizados, e ainda que seja considerada abrangente porque pode

ser verbal, não verbal e mesmo escrita, e que garante o fluxo da socialização de

conhecimentos, é melhor compreendida como componente da ação profissional

(BACKX et. al, 2017).

Nessa perspectiva, Trindade (2017) considera que a informação entra como

ação de caráter individual. Para a autora a informação envolve desde as normas de

funcionamento da instituição até as condições que perpassam o atendimento. Quanto

mais vínculo de apoio e comunicação houver entre o profissional e o usuário, maior

será o desempenho dessa tarefa.

É por meio da informação que o Assistente Social vai viabilizar recursos

necessários para o atendimento, sejam objetivos e ou subjetivos. Assim considerado,

Trindade (2017) também afirma que é importante a atualização permanente das

informações oferecidas e colhidas na rotina dos contatos realizados com os usuários,

pois segundo a autora essas informações precisam ser consolidadas como registros

institucionais, pois pode acontecer a rotatividade dos profissionais, e nesse caso

considera que a informática, por meio de redes de serviços, pode ser constantemente

alimentada/atualizada ou mesmo podem reforçar essa atualização por meio de

realização de visitas institucionais ou por meio de realização de grupos e reuniões

com a possibilidade de contatos diretos com as equipes.

Outro instrumento muito utilizado é a visita domiciliar, segundo Backx et. al

(2017), possibilita o profissional estar mais perto da realidade do usuário. Os autores

destacam algumas questões éticas que envolvem o entendimento sobre a visita e

consideram que requer cuidados quando desenvolvida, visto que é por meio desse

instrumento que os profissionais adentram os espaços privados das pessoas, das

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63

famílias, dos usuários de modo geral e ainda para ser realizada precisa ser justificada

e contextualizada.

Por ser um instrumento específico, a visita deve ser guiada por um

planejamento ou roteiro preliminar. Geralmente as visitas domiciliares são

desenvolvidas com objetivo de aprofundar no conhecimento sobre realidade do

usuário e, posterior, elaborar o relatório de visita domiciliar e até mesmo emissão de

parecer social, quando solicitado. A visita domiciliar mobiliza outros instrumentos, tais

como a observação, a entrevista e a história ou relato oral (AMARO, 2003).

No que concerne aos encaminhamentos, estes são considerados como

instrumentos fundamentais para que o trabalho do assistente social seja efetivado. A

sua utilização requer diálogo com outros setores e articulação com diferentes

instituições governamentais e não-governamentais, portanto devem ser sempre

formais e precedidos de contato com o serviço destino para contribuir com a efetivação

do encaminhamento e sucedido de contato para o retorno da informação.

Segundo Trindade (2017) os encaminhamentos fazem parte dos instrumentos

de caráter individual voltados ao atendimento direto aos usuários dos serviços sociais

e possuem aspecto técnico e ético: são feitos em papeis timbrados das instituições de

origem com objetivo de inserir ou de garantir outros caminhos/acessos a serviços de

maneira institucionalizada, e com autoridade profissional do Assistente Social que se

responsabiliza por esse processo,

Pois não basta dizer ao usuário que ele tem direitos, é necessário fazer com que os mecanismos concretos sejam acionados para inserção desse cidadão nos serviços. Por isso defendemos que o encaminhamento é um procedimento que compõe a ação de articulação interinstitucional para fins de acesso a serviços na perspectiva da garantia de direitos (TRINDADE, 2017, p. 88).

Por isso a importância da autoridade profissional nesse documento, do

Assistente Social se responsabilizar por todo caminho percorrido do encaminhamento

já que não basta apenas o repasse de um papel timbrado é preciso acompanhamento.

Com relação ao acompanhamento, temos que, por meio dele, o Assistente

Social poderá contribuir com o usuário de forma que nenhum outro profissional

consiga, pois ao conhecer diferentes áreas da vida desse usuário poderá ter uma

visão de totalidade da situação e desenvolver o que for pertinente ao caso. Nesse

sentindo, Trindade (2017) afirma que o acompanhamento, embora seja uma ação de

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64

caráter individual, pode ser um excelente motivador de ações dos Assistentes Sociais

que, por meio dele, podem circular com as informações, através de relatórios e

pareceres, e contribuir com a mobilização da rede de serviços que o usuário tem

direito.

Ainda que majoritariamente os profissionais utilizam desses instrumentos,

procedimentos e ações de caráter individual a fim de garantir socialização de

informações, viabilizar aproximação com os usuários e mobilizar redes e serviços para

garantir Direitos, há caminhos possíveis por meio de práticas coletivas, conforme

destaca Trindade (2017, p.89): grupos, reuniões, palestras, grandes encontros com a

população e até mesmo mobilização e organização dos conselhos de Direitos. Quanto

ao grupo e a reunião, estes são “polêmicos tanto no que diz respeito à busca de seu

entendimento, quanto à forma de compreendê-los no conjunto do exercício

profissional, bem como na sua utilização”.

Para Backx et. al. (2017, p. 35), a reunião é entendida como instrumento do

grupo pelo fato do grupo ser compreendido como um conjunto de atividades, podendo

ser considerado como abordagem, como prática, como estratégia, dada a história do

Serviço Social em assumir historicamente a metodologia com grupos e comunidades,

podendo ainda ser considerado como técnica. Já a escolha de como o grupo vai ser

considerado vai depender da intencionalidade do Assistente Social, que será definida

não apenas pela referência teórica, mas pela demanda institucional e pelas

necessidades dos usuários.

Para Trindade (2017) os grupos fazem parte dos procedimentos de caráter

coletivo e podem ser constituídos em decorrência da existência de situações comuns

entre os usuários, nas ações de educação em saúde, por meio de palestras, oficinas

e afins, também podem ter características terapêuticas, de apoio e ajuda, e,

geralmente, os profissionais de Serviço Social ficam responsáveis por coordenar os

grupos, planejar as atividades e ou promover os debates realizados no

desenvolvimento dos grupos.

Outra demanda de procedimentos coletivos é a participação dos Assistentes

Sociais nos movimentos sociais, conselhos de direitos, comissões do conjunto

CFESS/CRESS, sindicatos, associações de bairros e nas ações coletivas de modo

geral, tais como capacitação, reuniões e mobilizações na luta pela garantia dos

Direitos. Essas atividades possibilitam ao Assistente Social a ampliar as ações

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profissionais, indo para além do interior da instituição além de oportunizá-lo a

conhecer os desafios presentes na realidade social, que exigem uma capacidade

maior de buscar recursos e planejar ações, tal como considera Trindade (2017, p. 98):

No cotidiano do exercício profissional, percebe-se que os Assistentes Sociais têm encontrado dificuldades para realizar ações de caráter coletivo e político, notadamente porque esse trabalho exige uma compreensão da dinâmica dos movimentos sociais e uma habilidade política que alguns dos profissionais ainda não têm desenvolvidas. Também podemos considerar as atuais condições de trabalho, que interferem diretamente nas condições concretas para a construção de ações profissionais que ultrapassem os atendimentos individuais e permitam uma aproximação e um conhecimento da população usuária e de suas formas de organização coletiva. Trata-se de uma combinação de fatores, quais sejam: múltiplos vínculos, jornada de trabalho reduzida, aceitação das demandas pontuais e burocrático-administrativas decorrentes dos acordos sobre o cumprimento de carga horária de trabalho, baixa experiência política dos profissionais.

Em suma, o desenvolvimento dessas ações e procedimentos coletivos vai

possibilitar ao profissional uma maior aproximação e conhecimento com a

população/comunidade, articulação com diversas instituições, e vai demandar que o

profissional mobilize recursos teóricos, éticos e políticos para compreender o processo

de organização coletiva dos espaços por onde transita.

Todos esses instrumentos, técnicas e procedimentos, individuais ou coletivos,

utilizados nas ações profissionais, no desenvolvimento do exercício profissional,

compõem os elementos que estruturam e materializam a dimensão técnico-operativa,

dimensão essa que de acordo com Backx et. al (2017) é a que mais se aproxima da

prática profissional já que expressa as demais dimensões. Isto é, todos os elementos

que constituem o exercício profissional expressam uma determinada teoria, um

método e uma posição ética e política.

Uma premissa comum diz respeito à concepção de que o exercício profissional se constitui em uma totalidade, formada pelas três dimensões, a saber: teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, que mantêm uma relação de unidade, apesar de suas particularidades. Particularidades essas que permitem que a dimensão técnico-operativa se constitua na forma de aparecer da profissão, na dimensão pela qual a profissão é reconhecida. Ela é o modo de ser da profissão, o modo como aparece no movimento das três dimensões (IDEM, 2017, p. 27).

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Isso implica considerar que a discussão sobre a dimensão técnico-operativa

expressa o modo de ser, fazer e reconhecer a profissão, pois tem em seu viés o

reconhecimento da totalidade do exercício profissional, que ao ser desenvolvido

expressa a relação de unidade entre as três dimensões, teórico-metodológica, ético-

política e técnico-operativa, que embora tenham suas especificidades, são

interligadas, interdependentes e se complementam.

Apesar do reconhecimento de que as dimensões só existem em relação umas às outras, a dimensão técnico-operativa é a forma de aparecer da profissão, pela qual é conhecida e reconhecida. Dela emana a imagem social da profissão e sua autoimagem. Ela encontra-se carregada de representações sociais e da cultura profissional. É a dimensão que dá visibilidade social à profissão, já que dela depende a resolutividade da situação que, às vezes, é mera reprodução do instituído, e em outras constitui a dimensão do novo. Não é supérfluo lembrar que a dimensão técnico-operativa vela a dimensão político ideológica da profissão, como aquela pela qual o Serviço Social atua na reprodução ideológica da sociedade burguesa ou na construção da contra-hegemonia. O que se pretende enfatizar é que a intervenção de natureza técnico-operativa não é neutra: ela está travejada pela dimensão ético-política e esta, por sua vez, encontra-se aportada em fundamentos teóricos, donde a capacidade de o profissional vir a compreender os limites e possibilidades não como algo interno ou inerente ao próprio exercício profissional, mas como parte do movimento contraditório constitutivo da realidade social (GUERRA, 2017, p. 50).

O espaço de inserção da profissão na divisão social e técnica do trabalho atribui

a profissão um caráter político, portanto, no desenvolvimento da dimensão técnico-

operativa o profissional legitima a ética profissional, que articulada a um conjunto de

saberes, constrói um fazer profissional que é socialmente produzido e culturalmente

compartilhado e, dada a necessidade de responder as questões complexas e plurais

que lhe são colocadas, a materialização dessa dimensão mobiliza um conjunto de

conhecimento, competências, saberes práticos, habilidades, valores e princípios

éticos que hoje estão referenciados no Projeto Ético Político do Serviço Social.

Assim, sendo o exercício profissional mediado pelas dimensões que se

relacionam entre si, que recebe determinações sociais, históricas, estruturais e

conjunturais da sociedade, engendrado em meio a dinâmica das relações sociais

vigentes na sociedade responde, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, às

necessidades sociais decorrentes da contraditória relação entres essas classes, bem

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67

como reproduz interesses do capital reforçando, com isso, interesses divergentes e

as contradições que constituem o desenvolvimento da sociedade (GUERRA, 2017).

A atuação profissional, apesar de ser cooptada pelas classes dominantes, é

permeada pelos interesses divergentes das classes sociais e “é isto, inclusive, que

viabiliza a possibilidade de o profissional colocar-se no horizonte dos interesses das

classes trabalhadoras” (CARVALHO E IAMAMOTO, 2006, p. 75).

Para tanto, é preciso conhecer o objeto com enfoque histórico, qualitativo e

quantitativo (que é um meio válido para investigar a realidade social) para que se

permita chegar ao plano das determinações essenciais, e compreender que os

instrumentos e estratégias constituem um processo de atitude, comportamento e

postura adequados aos diversos interesses, sendo elaborados e organizados sob

diferentes práticas sociais para modelar comportamento humano, racionalizar as

relações e atender a diferentes interesses.

Pelo fato da intervenção profissional não se processar apenas pelo trabalho do

profissional, mas também pelas/nas relações e condições sociais as quais se realiza,

acaba sendo influenciada por um cotidiano que muitas vezes expressa uma rotina

burocratizada, institucionalizada e imediata, e com isso a realidade que se apresenta

não é pensada e nem questionada.

O Serviço Social para trabalhar na perspectiva da transformação social precisa

desvelar a realidade na sua essência, e, decifrar a essência da realidade significa

desmistificar o que está por trás das demandas, contextualizá-las, olhá-las de forma

crítica e ver além do aparente percebendo-as como reflexo das contradições entre as

classes sociais.

E é por isso que não podemos perder de vista o referencial teórico marxista, a

qual segundo Guerra (2018) é a mais adequado e qualificado para nos orientar nessa

direção de desvelar a realidade, de nos permitir identificar as situações que requisitam

nosso trabalho profissional, delinear os limites e alternativas de trabalho com vistas à

sua transformação, dos elementos contraditórios, das mudanças sociais em

movimento, da totalidade social, das possibilidades de concretizar direitos sociais e

consolidar o Projeto Político-Profissional, bem como vai permitir identificar as novas

possibilidades de intervenção profissional, mas para isso:

É preciso formar Assistentes Sociais que possuam uma sólida fundamentação teórico-metodológica para interpretar a

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68

realidade na qual intervêm, que sejam capazes de desvelar as particularidades da profissão sem incorrer no endogenismo, que, em verdade, é apenas um modo de se apropriar da profissão encerrando a análise do Serviço Social em si mesmo. Michael Löwy ao prefaciar o livro “COTIDIANO: Conhecimento e crítica10” afirma que a teoria crítica é a única capaz de abordar a prática do cotidiano com rigor e profundidade, bem como e compreender as complexidades que envolvem a realidade, a totalidade social e as contradições entre as forças e relações de produção (GUERRA, 2018, p. 29)

Ao estabelecer teoria e prática como uma unidade, no sentido da teoria

apreender e iluminar o objeto da ação e esse objeto se constituir como o produto da

prática, à luz do método crítico-dialético é possível reconhecer que a prática

profissional é capaz de transcender o imediatismo posto no cotidiano, na rotina

profissional, e, sobretudo, compreender que com essa relação entre teoria e prática é

possível superar os falsos dilemas apresentados ao e pelo Serviço Social, entre os

falsos dilemas aquele mais conhecido: “na prática a teoria é outra”.

É preciso compreender que toda prática racionalizada busca raízes e confronto

em um referencial teórico, confirmando-o ou reformulando-o para que volte a informar

e orientar o procedimento prático-profissional, por isso a relação teoria-prática deve

ser permanentemente aprimorada. Deste modo, comungamos com Guerra (2005, p.

6) quando ela afirma que “compete aos profissionais uma constante e permanente

formação teórica capaz de garantir o aprimoramento da competência técnico-

operativa e intelectual, consolidando com isso o fiel compromisso político com os

usuários dos serviços sociais”.

Contudo é relevante pontuarmos que frente às novas diretrizes curriculares e

tendo a questão social como matéria prima do serviço social, não se elabora “receitas”

que garantam essa operacionalização do fazer profissional já que o Serviço Social

atrelado as relações sociais capitalistas não se auto-determina e nem possui caráter

tecnicista, pois esses instrumentos e técnicas profissionais são/estão elaborados e

relacionados pelas determinações sócio-históricas.

Nesse processo de constituição da profissão, a intencionalidade, a objetividade

de desenvolver respostas às demandas, passa a ser mediada pela lógica da

instituição, pela dinâmica da instauração e pelas estruturas em que a profissão se

10 CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. & NETTO, José Paulo. COTIDIANO: Conhecimento e crítica. 7ª ed. – São Paulo, Cortez, 2007.

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insere, as quais, em muitos casos, submetem o profissional a desempenhar funções

que lhes são concedidos por organismos burocratizados e instâncias de poder.

Ao se depararem com uma realidade sócio institucional desigual, resistente às

mudanças e com normas fixas e burocráticas (como já foi elucidado em páginas

anteriores), os Assistentes Sociais enfrentam o desafio de incorporar os princípios

éticos e políticos do Serviço Social no âmbito da intervenção. As respostas implicam

intervenções que necessitam de escolhas, que passem pelas vias da razão crítica,

que se inscrevam no campo dos valores universais (éticos, morais e políticos).

Para tanto, salientam-se as implicações de ordem ética na conduta dos

profissionais, afirmando e materializando nas ações profissionais cotidianas os

princípios que norteiam o Código de Ética do Assistente Social. Os profissionais

precisam atuar baseados nos princípios fundamentais resguardados pela Lei que

regulamenta a profissão (Lei nº 8662/93) e pelo Código de Ética.

Nesse sentido Brites e Barroco (2000) acreditam que é necessário

compreender a ética na trajetória teórico-prática do Serviço Social, pois, ainda que

está tenha assumido um espaço, no que se refere aos debates e produções teórico-

profissionais, não decorreu uma incorporação no interior da formação de um projeto

profissional de ruptura, haja vista que a trajetória ética da profissão muitas vezes se

restringiu/restringe ao seu aspecto normativo, isto é, ao Código de Ética. A ética, aqui

tratada ainda pelas autoras, não se restringe as determinações das formas de

organização da produção capitalista, a hierarquia da ordem social moral individual

com ranço de conservadorismo, mas sim, de uma ética emancipatória, vinculada à

liberdade, que tenha contribuição para a ampliação de uma consciência social capaz

de elaborar estratégias de enfrentamento dos processos de desumanização.

Em outras palavras a ética como uma mediação11 na construção de uma nova

sociedade, e para isso é necessário operacionalizar um compromisso político com a

população usuária pautada no Projeto Ético-Político Profissional, projeto esse que se

11 O termo mediação definido por Pontes (2002) “[...] É a figura responsável por conexões por meio de algum intermediário e também dá conta dos problemas do conhecimento imediato e mediato” (p. 77).

O autor ainda destaca: “A mediação vai assumir um sentido historicamente concreto, ultrapassando tanto a acidentalidade quanto o idealismo” (p. 78). Assim, a categoria mediação é apropriada pelo Serviço Social no sentido de construir significado mediato, através da aproximação da verdadeira

estrutura do ser social, para poder intervir de maneira eficaz na perspectiva de transformação, do progresso econômico, social, cultural e político, bem como da superação da alienação e exploração. Para uma discussão mais completa sobre o termo, ver: PONTES, Reinaldo Nobre. MEDIAÇÃO E

SERVIÇO SOCIAL: Um estudo preliminar sobre a categoria teórica e sua apropriação pelo Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2002.

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70

apresenta contrário ao conservadorismo da profissão, ao conservadorismo das

instituições, à precariedade das políticas sociais e à ausência do Estado.

Ao reconhecermos que a intervenção profissional é perpassada pela relação

entre estrutura, conjuntura e cotidiano, observamos que há dificuldades de traduzir o

projeto ético-político da profissão, seja pela demanda excessiva, seja pela a ausência

da prática-reflexiva ou de um aporte rigoroso da explicação da realidade sócio-

histórica. Por isso, discutir os desafios e perspectivas que, enquanto profissionais do

Serviço Social, enfrentamos no desenvolvimento do nosso exercício profissional,

compreender como os desdobramentos do cenário atual, dessa realidade social tem

incidido diretamente nas ações, atribuições e competências profissionais, para então

refletir e analisar ações, sobretudo coletivas, da categoria nos Centros de Atendimento

Socioeducativo do Estado de Mato Grosso (CASEs), é relevante pois urge a

necessidade de se construir conhecimento dessa natureza, especialmente nesses

espaço sócio ocupacionais, a fim de “qualificar as respostas profissionais em oposição

as respostas tradicionais instrumentais, de maneira comprometida com os valores de

uma sociedade emancipada” (GUERRA, p. 75, 2017).

Assim, antes de desenvolver análise sobre a forma como a dimensão técnico-

operativa vem sendo compreendida e desenvolvida pelos Assistentes Sociais dentro

dos CASEs no Estado de Mato Grosso, tem-se a proposta de construir uma reflexão

sobre o marco legal da Política de Socioeducação no Brasil fazendo um paralelo com

o Estado de Mato Grosso, a fim de compreender como essa Política está desenhada

desde a promulgação da doutrina de Proteção Integral, com advento do Estatuto da

Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990, e do Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo - Lei 12.594/2012, e como tem sido desenvolvida, especialmente no

âmbito da medida privativa de liberdade, que é o foco desta pesquisa.

Para isso, foi contextualizado na próxima seção, ainda que brevemente, o

processo histórico que a envolve até chegarmos no marco legal da Socioeducação no

Brasil, sinalizando os avanços e os desafios de um Sistema Nacional ter se tornado

uma Política Social pública articulada e com características específicas, evidenciando

novo status para a política de atenção ao adolescente em cumprimento de Medida

Socioeducativa, fazendo reflexão desse processo no Estado de Mato Grosso, e,

posteriormente, apresentando reflexão da atual conjuntura e os impactos para as

Políticas Sociais e para os direitos, aqui em especial a Política de Socioeducação, à

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71

luz do Plano Estadual Decenal de Atendimento Socioeducativo, destacando os

desafios que se fazem presentes no cotidiano do exercício profissional do Assistente

Social nessa Política.

2 A POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO ENQUANTO ESPAÇO DE

ATUAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS

A reflexão sobre o exercício profissional do Assistente Social, inserido nos

diversos espaços sócio ocupacionais, conforme já fora apresentado, deve estar em

consonância com os pressupostos do projeto Ético-Político do Serviço Social, já que

a prática profissional só é transformadora na medida em que se orienta por uma teoria

revolucionária. E, estando as práticas cotidianas relacionadas à leitura que o

profissional faz da realidade onde está inserido, o Projeto conduz a releituras críticas

da realidade e da própria intervenção em si, transcendendo a intervenção

mecânica/burocrática e construindo-se a práxis, a ação transformadora.

No entanto, entender teoricamente a prática institucional é tão complexo quanto

compreender a própria atuação profissional do Serviço Social no lócus contraditório

onde se desenvolve o exercício profissional, já que, concordando com Faleiros, a

relação do Serviço Social com as instituições foi e é marcada por dificuldades

históricas, cuja dinâmica, ao mesmo tempo em que oportuniza possibilidades de

intervenção, também complexifica, vez que nelas se encontram e se confrontam

sujeitos coletivos, projetos diferentes, que ora se relacionam ora se opõem

(FALEIROS, 1985).

No âmbito da política de atendimento a adolescentes autores de ato infracional,

o exercício profissional do Assistente Social, bem como a construção das legislações

e instrumentos normativos dessa política não são recentes e seguem os parâmetros

da dinâmica social nos diversos contextos históricos. E, estando inserido como

trabalhador na divisão social e técnica do trabalho, exercendo função remunerada e,

muitas das vezes, sendo chamado a atuar com metas que lhe são designadas, o

Assistente Social, dadas as tensões históricas e as correlações de forças que se

operam nessas instituições, encontra desafios de buscar e efetivar as alternativas que

superem as dificuldades e que estejam em consonância com o projeto profissional.

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72

Em um cenário de constantes enfrentamentos, diante das relações de poder e

o jogo de disputas e de interesses que se colocam contrários à perspectiva de defesa

de direitos, o exercício profissional caminha numa constância de desafios que

chamam a atenção dos Assistentes Sociais em busca de estratégias em prol da

defesa dos direitos dos adolescentes privados de liberdade.

Ainda que a atuação profissional conserve tensões históricas no que concerne

à promoção, à proteção e à garantia de direitos, vez que esteve inscrita em processos

que contribuíram para a adequação de adolescentes e de jovens reconhecidos

socialmente como delinquentes e perigosos, as ações profissionais e o próprio

conteúdo inscrito no trabalho do Assistente Social junto a esse público sofreram

modificações, tanto em decorrência do processo de Renovação da profissão,

conforme já fora visto, que culmina na década de 1990 com a promulgação do Projeto

Ético-Político, quanto com as alterações normativas referenciadas na Constituição

Federal de 1988 e, posterior, com a implementação do Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Dessa forma, insta refletir sobre o exercício profissional do Assistente Social

nessa política, a partir da atuação histórica realizada com os adolescentes em

cumprimento de Medida Socioeducativa, compreendendo a trajetória histórica da

constituição da Política de Socioeducação e a forma como a profissão fora inserida,

especialmente nos espaços em que a Medida Privativa de liberdade é

operacionalizada. Para tanto, propomos o resgate das origens da atuação do Serviço

Social na Política de Atendimento Socioeducativo, relacionando expressões e

posturas profissionais em diferentes períodos e contextos históricos, a fim de

reconhecer a realidade desse espaço sócio ocupacional e suas repercussões no

exercício profissional.

2.1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO E A INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

Os direitos, bem como as políticas sociais têm relação com os contextos

históricos de cada período, com as transformações da sociedade, as mudanças de

regime político e as determinações do movimento internacional do capital.

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73

O processo secular de consolidação de direitos tem como marcos situações de profunda transformação social e política, sendo que esses avanços estão ligados, também, a pautas definidas nacionalmente ou por acordos internacionais, caudatários do campo judiciário e da sua institucionalização (BAPTISTA, p. 180, 2012).

As razões pelas quais uma determinada relação social se transforma em

relação jurídica, tutelada pela força organizada da sociedade, isto é, o Estado e suas

instituições jurídico-políticas, estão balizadas nos elementos que atravessam as

formações econômico-sociais, e compreendê-las é superar a perspectiva normativista

dos direitos, bem como perceber a falácia em que eles foram constituídos para garantir

o bem comum, em face das desigualdades sociais e da exclusão da maioria dos

indivíduos do concreto exercício de direitos.

Ao mesmo tempo que os direitos expressam condições de criar bases políticas

para que segmentos da classe trabalhadora exercitem seu poder de classe,

consagrando juridicamente as reivindicações dos trabalhadores, também são

considerados instrumentos utilizados por parte do Estado para alcançar sua

hegemonia em cada contexto histórico, já que essa é a função primordial do Estado

burguês, que segundo Carnoy (1986, p. 71), o sistema jurídico “é um instrumento de

repressão e controle, na medida em que estabelece as regras de comportamento e

as reforça para se ajustarem aos valores e normas burguesas”.

Apesar de serem instrumentos utilizados pelo Estado para alcançar sua

hegemonia, os direitos, em sua relação com a sociedade, resultam de um “processo

histórico e dinâmico de conquistas e de consolidação de espaços emancipatórios da

dignidade humana”. Esse processo de constituição dos direitos, à luz das

transformações sociais, políticas e das pautas definidas nacionalmente ou por acordos

internacionais, nos remete a compreensão das propostas dos tratamentos jurídicos e

das construções das noções da infância e adolescência bem como das práticas que

essas legislações produziram ao longo da história brasileira (BAPTISTA, 2011, p.

189).

De acordo com Tejadas (2016) a história da proteção e atenção a crianças e

adolescentes no Brasil, nos mostra que, por muito tempo, as ações direcionadas a

esse público ficavam sob responsabilidade da Igreja Católica e das Santas Casas de

Misericórdia. E que inexistia políticas públicas que atendessem demandas da infância

e juventude.

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74

No que tange a trajetória histórico-social da constituição da Política de

atendimento ofertada aos adolescentes em conflito com a lei, foi marcada por várias

mudanças, diversas tensões e contradições, com práticas assistencialistas, de

extremo controle, punição e repressão, uma vez que refletiram as ideias da classe

dominante com toda sua formação e concepção em determinados contextos, o que

levou à marginalização da infância e juventude, sobretudo pobres, por muitos anos e,

nos moldes em que foram estruturadas, acabaram por influenciar as trajetórias das

crianças e adolescentes desse país.

Ao revisitarmos a história dos modelos de política de atendimento aos

adolescentes envolvidos com atos infracionais, desde o Brasil Colônia até o contexto

atual, é possível compreender que a problemática relação entre adolescentes e

responsabilização penal sempre foi pautada no discurso da proteção para punir.

O primeiro Código Penal, promulgado em 1830, que tratava das questões

judiciais/penais tanto para adultos quanto para crianças e adolescentes, consolidou o

modelo de indiferenciação, já que todos recebiam o mesmo tipo tratamento quando

acusado de qualquer ação contraventora. Conforme considera Rizzini (1997), a justiça

do século XIX, conhecido como a era menorista, além de carregar essa perspectiva

da indiferenciação, tinha como alvo de intervenção judiciária todos que não

estivessem de acordo com os padrões morais da época, em especial a infância pobre.

Foi desde então que se popularizou o termo menor, caracterizando aqueles que

fossem objeto de intervenção judicial/tutela do Estado.

O início da intervenção estatal e jurídica frente à juventude é demarcado pela indiferenciação entre situações de cometimento de ato infracional e de desproteção. No início do século XX, no Brasil, era grande o clamor de juristas por algum estabelecimento para atendimento das crianças e adolescentes apreendidos, que eram na época conduzido para delegacias, com os adultos. Com base nisso, foi autorizada por lei a criação, em 1902, do Instituto Disciplinar, voltado para os “criminosos” menores de idade e os abandonados, com ênfase no trabalho agrícola e na instrução militar (TEJADAS, 2016, p. 5)

Embora houvesse o Código Penal que tratasse das questões judiciais para

infância e juventude, sob a perspectiva de indiferenciação, foi apenas no início do

século XX, meados da década de 1920, que tem-se o registro das primeiras políticas

de atendimento aos “menores”, tais como a política de assistência e proteção aos

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75

menores abandonados e delinquentes, a Escola Correcional, o Juizado de Menores e

o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores e o Abrigo de Menores.

Foi a partir da implementação dessas instituições que o Estado requereu

profissionais que pudessem desenvolver ações com esse grupo que estivesse em

situação de abandono ou delinquência, e, entre os profissionais, o Assistente Social,

já que, conforme consideram Iamamoto e Carvalho (1989), a institucionalização e os

primeiros passos da formação profissional em Serviço Social estiveram intimamente

relacionados às instituições sociais e públicas, entre elas, especialmente, ao Juizado

de Menores.

Nesse período, mais precisamente em 1927, foi normatizado o primeiro Código

(Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927), conhecido como Código Mello

Mattos, que tratava de questões específicas dos conhecidos “menores” que se

encontravam em situações irregulares. O Código regulamentava os direitos e as

políticas de atendimento as crianças e adolescentes que estavam em situação de rua,

abandono, negligência e delinquência, ou seja para aqueles que fugiam ao padrão

idealizado da época, que eram considerados como menores em situações irregulares.

Apesar de ter avançado em algumas questões, considerando as legislações

anteriores, a exemplo da proteção legal até os 18 anos, o Código tinha uma filosofia

higienista e correcional disciplinar, funcionava como instrumento de proteção e

vigilância à infância e juventude, com viés de tutela, e estabelecia um sistema rígido

de normas, extremamente punitivo, aos que tinham idade entre 14 a 18 anos.

(FALEIROS, 2011).

Ao mesmo tempo em que Código estabelecia questões de higiene da infância

propagava a importância da vigilância pública sobre aqueles considerados

delinquentes, definindo explicitamente que ambas situações eram de ordem moral e

pública e que cabia ao Juiz a regeneração desses menores. Essa atividade de

classificar os menores, estabelecer os perfis e propor a inserção em instituições

fechadas, destinadas a essa regeneração, ficava a cargo dos Assistentes Sociais que,

ao auxiliar o sistema de justiça juvenil brasileiro e à figura do Juiz de Menores,

desenvolviam ações cujo objetivo era o enquadramento ao ordenamento social.

Dessa forma, instituições médicas e jurídicas desse período do governo Vargas

passaram a envolver os “menores delinquentes” destinando atividades voltadas a

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76

regeneração, por meio da punição aliada a disciplina, enquadramento social e

educação para o trabalho (CELESTINO, 2016).

Além do mais, o Estado assumira papel policialesco que, com novas formas de

intervenção, de higienização (não apenas do indivíduo, mas das ruas da sociedade),

com o discurso de garantir a proteção, superaram as celas, sem superar a repressão,

cujo melhor exemplo foi o Serviço de Assistência ao Menor - SAM, criado em 1941, o

qual funcionava como um sistema penitenciário e era subordinado ao Ministério da

Justiça, já que era mais cômodo para o Estado isolar crianças e adolescentes no

convívio familiar, ou institucionalizá-los, para não expor os atos de violência e revolta

que advinha da própria sociedade, tal como considera Tejadas (2016, p. 7):

O SAM fundamentava-se na perspectiva correcional repressiva, equivalendo-se ao Sistema Penitenciário, porém dirigido aos menores de idade. Estruturou-se por meio de internatos, reformatórios e casas de correção para os adolescentes autores de ato infracional; para os abandonados, os patronatos agrícolas e escolas para aprendizagem profissional.

No que tange a atuação do Assistente Social nessas instituições, CELESTINO

(2016) considera que a atuação era demandada, com um fim técnico, totalmente

atrelada a mera execução da legislação social, especialmente no que se referia a

assistência geral aos menores abandonados, bem como adaptação e ajustamento

social dos considerados delinquentes.

A evidenciação do Serviço Social na instituição judiciária se deu, sobretudo, intermediada pela atuação no então Serviço de Assistência ao Menor (SAM), criado pelo decreto 3.799 de 1941, com a função de unificar as ações e instituições destinadas ao “menor abandonado e delinquente”. Sendo assim, as expressões da questão social absorvidas pelo Estado Novo e enfrentada através de políticas sociais públicas, embasaram a criação de um mercado nacional de trabalho para os Assistentes Sociais (IDEM, 2016, p. 198).

Neste sentido, o que se propunha era configurar um meio de controle social,

através da articulação com instituições privadas, e aprofundar a repressão em busca

da manutenção da ordem. A questão social era, portanto, compreendida como

questão moral e de ordem individual, e que, no caso da “delinquência juvenil”, deveria

ser considerada como patologia, imoralidade, desajuste social ou mesmo questões

genéticas. Assim considerado, a atuação profissional efetivava-se através do

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77

ajustamento do indivíduo a sociedade, fosse com proposta disciplinar e/ou com

institucionalização e isolamento de adolescentes que fossem considerados perigosos.

A história continua se desenrolando sob a perspectiva assistencialista,

repressiva e sem condição de produzir educação. Com o golpe militar, e com a

ineficiência do SAM, surge a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor - FUNABEM,

que por meio da Política Nacional de Bem Estar do Menor – PNBEM - tratava do

problema de crianças e adolescentes em situação irregular.

Conforme afirma Tejadas (2016), para assegurar a expansão da Política

Nacional do bem-estar do menor foram celebrados convênios, desde 1966, com

estados, territórios e Distrito Federal, nos quais o Governo Federal proporcionava

assistência técnica e financeira, além das diretrizes estabelecidas que deveriam ser

seguidas para concretizar a infraestrutura local destinada ao atendimento básico e

social dos menores nas Fundações Estaduais, conhecidas como Fundação do Bem

Estar do Menor – FEBEM, as quais, segundo a autora, não faziam

Distinção entre os “infratores” e os “carentes” ou “abandonados”. Conforme o comportamento, os últimos poderiam ser colocados em instituições de privação de liberdade. O comportamento passava a ser a possibilidade ou entrave para o exercício da liberdade, sem o devido processo legal ou garantias mínimas de direitos. As unidades das FEBEM’s possuíam estruturas idênticas em todo o país, sem considerar as peculiaridades de cada região. Muitas denúncias de maus-tratos demarcaram esse período. O objetivo principal da instituição era “ressocializar” o “infrator”, porém os jovens retornavam ao convívio social sem, muitas vezes, terem avançado em sua escolarização (TEJADAS, 2016, p. 7).

As FEBEMs foram construídas com o discurso e perspectiva de proteger a

infância, foram transformadas em Centros de Internação tanto para os considerados

abandonados e carentes quanto aqueles considerados perigosos, porém isso tudo

não reduziu o processo de marginalização, e ainda acentuou-se a exclusão social, ou

seja, a fabricação do menor, pela exclusão da escola, pela necessidade do trabalho e

pela situação de rua que, não raramente, desembocava no extermínio.

Nesse sentido, Celestino ao analisar a proposta da PNBEM, bem como da

FUNABEM e FEBEMs vai considerar o caráter contraditório da política e os rumos por

ela tomados:

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78

Sob o princípio idealizado de bem-estar para crianças, adolescentes e famílias pobres, a FUNABEM e a PNBEM representaram a face contraditória do governo militar, expressa, de um lado, por sua ação autoritária e arbitrária e, de outro, por meio de um conjunto de ações destinadas ao consenso e à coesão social, evidenciadas em meio ao discurso nacionalista, supostamente sensível às necessidades do “povo brasileiro”. Para além de reestruturação da forma de intervenção sobre os ditos “menores”, que superasse as críticas dirigidas ao antigo SAM, sobretudo, quanto à má administração, desvio de recursos e práticas de violência, a FUNABEM representou ideológica e objetivamente a mais evidente proposta de atuação sobre a questão social expressa na realidade de crianças e adolescentes pobre no contexto nacional (CELESTINO, 2016, p. 199)

Expressando, portanto, o processo de reorganização do Estado, as fundações

– Nacional e Estaduais - foram estruturadas sob a ideologia da segurança nacional de

um Estado ditatorial, cuja perspectiva era proteger e prevenir a infância e a juventude

da pobreza, dos vícios e da criminalidade. Nesse aspecto, a tutela e o processo de

institucionalização dos menores abandonados, carentes e marginais aumentou

consideravelmente requerendo a contratação exponencial de profissionais

especializados, entre eles o profissional do Serviço Social. Nesse período é

reafirmada a proposta técnico-profissional dos Assistentes Sociais, que amparados

pela perspectiva psicossocial e fundamentados no discurso institucional, utilizavam os

conceitos e os critérios burocráticos e administrativos para garantir a internação dos

menores.

Tal atuação, afinada aos objetivos institucionais da FUNABEM, contribuiu para que os Assistentes Sociais, para além de agentes executores da política de atendimento, ocupassem, ao longo da história da instituição, cargos de direção, coordenação, bem como funções relacionadas à pesquisa, à proposição de serviços e programas e na produção de conhecimento sobre o universo da delinquência e da conduta antissocial. Nas edições da Revista Brasil Jovem, criada em 1966, de publicação da FUNABEM, um número considerável de matérias se propõe a analisar as condutas antissociais, de delinquência e de criminalidade, algumas destas, reportando falas e saberes de profissionais Assistentes Sociais (CELESTINO, 2016, p. 200).

Dessa forma, as práticas profissionais dos Assistentes Sociais ganharam mais

estrutura e racionalidade, desenvolvendo-se em um aparato estatal que cresceu e

burocratizou continuamente, desmembrando serviços, programas e projetos,

seguindo a lógica da segmentação das necessidades, problemas e faixas etárias,

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79

reproduzindo no cotidiano de trabalho a ideias de um Estado Assistencial, filantrópico

e clientelista.

Cabia ao Assistente Social: diagnosticar a situação social da família, entrevistar

os menores e seus familiares, desenvolver aconselhamento, construir oficinas

profissionalizantes, de esportes, lazer, arte e cultura, atender as emergências

familiares, fosse por meio de cestas básicas ou vale transportes no dia da visita aos

menores, além de potencializar a interação comunitária as instituições.

Ainda que algumas dessas atividades representassem certo avanço, nesse

transito da década de 1970 para 1980 aconteceu a revisão do Código de Menores,

especificamente em 1979, o qual expressou retrocesso e reforçou a perspectiva do

Código anterior, destacando que o abandono e a pobreza eram vistos na perspectiva

da doutrina da situação irregular, expondo ainda mais as famílias pobres à repressão

do Estado, culpando-as pela situação de miserabilidade e/ou descumprimento das

normas sociais estabelecidas.

O Código de 1979 define como situação irregular: a privação de condições essenciais às subsistências, saúde e instrução, por omissão, ação ou irresponsabilidade dos pais ou responsáveis; por ser vítima de maus-tratos, por perigo moral, em razão de exploração ou encontrar-se em atividades contrárias aos bons costumes, por privação de representação legal, por desvio de conduta ou autoria de infração penal. Assim as condições sociais ficam reduzidas à ação dos pais ou do próprio menor, fazendo-se da vítima um réu e tornando a questão ainda mais jurídica e assistencial, dando-se ao juiz o poder de decidir sobre o que seja melhor para o menor: assistência, proteção ou vigilância. Na prática, consagra o que vinha fazendo anteriormente (FALEIROS, 2011, p. 70).

O código destacou a condição de situação irregular, ratificou a pobreza como

condição de intervenção judicial por parte do Estado. As crianças e adolescentes só

tinham direitos quando eram julgados em risco, mas se estivessem em situação

considerada irregular não eram vistos como sujeitos de direitos (IDEM, 2011).

Nesse período também ocorria no Brasil, em fins dos anos 1970 e começo de

1980 a perda da força do ciclo expansivo da economia do regime militar. Acontecia

um intenso processo de lutas e mobilizações sociais, e dentro das correlações de

forças possíveis, o próprio Congresso Nacional, a partir de 1986, passou a funcionar

como Assembleia Constituinte. Foi a partir desse momento, de efervescência dos

movimentos sociais decorrente da abertura política que a luta pelos Direitos humanos,

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80

incorporados ao discurso democrático, começa a ganhar significativa expressão. A

sociedade passou a clamar por uma Constituição que superasse as leis do regime

ditatorial e redirecionasse o país para democracia, Estado de Direito e abertura para

efetivação dos Direitos Humanos.

É nesse contexto de transformações sociais, globais, políticas, transformações

de ideias, concepções, valores, representações e mobilizações sociais que temos a

formação de novas perspectivas sociais a respeito da adolescência e ainda de

adolescentes em conflito com a lei, conforme retrata Faleiros (2011, p. 76):

A comissão Nacional da Criança e Constituinte, instituída por Portaria Interministerial, com vários órgãos do governo e da sociedade, consegue 1.200.00 assinaturas para sua emenda e, além disso, fez intenso lobby junto a parlamentares para que se criasse a Frente Parlamentar suprapartidária pelos direitos da criança e do adolescente, multiplicando-se no país fóruns DCA de defesa da Criança e do Adolescente. Os direitos desse público perpassam a diferentes áreas, mas ficam bem esclarecidos nos artigos 227, 228, 229 da Constituição de 1988. Garante-se a criança e ao adolescente, “como dever do Estado e da Sociedade os direitos à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. A Inimputabilidade penal fica definida até os 18 anos, e o trabalho proibido até a idade de 14 anos, salvo na condição de aprendiz.

Todos esses fatos repercutiram no Serviço Social, e também nessa época

emergia o Movimento de Reconceituação da profissão e fortalecia a perspectiva da

intenção de ruptura do Movimento, que buscava romper com o Serviço Social

tradicional de caso, grupo e comunidade, tal como vimos anteriormente. Sendo assim,

o final da década de 1980 além de proporcionar o processo de abertura política, com

a reconfiguração da legislação específica para os então conhecidos menores e o

próprio olhar social sobre esses sujeitos, evidenciou a renovação da profissão com a

apropriação de princípios e valores profissionais com uma relação mais ampla com o

contexto social.

Tal como destacou Faleiros (2011), nesse processo de mobilização social e da

promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos humanos das crianças e

dos adolescentes foram colocados em evidência pelo Movimento Nacional Meninos e

Meninas de Rua e por inúmeras organizações, com destaque a Pastoral do Menor,

entidade de Direitos Humanos e algumas ONGs, que passaram a apresentar

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propostas e projetos, consubstanciadas com Documentos e Legislações

Internacionais, em especial a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das

Crianças, ocorrida em 1989, que versavam sobre nova perspectiva de proteção e

novos direcionamentos às políticas de atendimento a esse público. Assim, surgiu

também nesse contexto o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - Lei

8.069/1990, que, fundamental e posteriormente, fora proclamado como uma resposta

à esses movimentos da sociedade que pendiam para uma nova política de

atendimento às crianças e aos adolescentes que não se baseassem no

assistencialismo nem na repressão herdada da época da FUNABEM e ratificada pelo

Código de Menores.

Assim, o ECA, que primou por mudanças na política de tratamento às crianças

e aos adolescentes, inaugurou a perspectiva de proteção integral, os considerando

enquanto sujeitos de direito com prioridade absoluta, substituindo a doutrina da

situação irregular, que historicamente os tratavam como objeto de intervenção do

Estado não sendo reconhecido em suas particularidades. Outra questão que é

inaugurada e estruturada com o ECA é o processo legal do atendimento específico

aos adolescentes que cometem atos infracionais, estabelecendo diferentes Medidas

Socioeducativas, iniciando a partir de então o marco legal da Socioeducação no Brasil,

superando, ainda que jurídico-normativamente, a doutrina menorista que vigorou por

63 anos nesse País.

No que tange aos agora denominados “adolescentes autores de atos infracionais”, o Estatuto refere o devido processo legal para a apuração das infrações, e o papel dos atores do Sistema de Garantia de Direitos, descrevendo e conceituando as medidas socioeducativas a serem aplicadas, a partir dos princípios de responsabilização e ressocialização. No bojo deste atendimento, o Assistente Social permaneceu sendo profissional cativo, requisitado a partir do respaldo legal e do discurso oficial dos gestores da política de atendimento para a atuação destinada à proteção, promoção e garantia de direitos dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas (CELESTINO, 2016, p. 203).

A partir de então, a atuação profissional superou o histórico processo de

classificação de menores, regeneração, enquadramento social e a culpabilização do

indivíduo. A profissão passou a ocupar espaços que foram reformulados e construídos

à defesa e à garantia de direitos de crianças e adolescentes, tais como Conselhos de

Direitos, Conselhos tutelares, Políticas Sociais setoriais (educação, saúde,

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Assistência), Varas da infância, defensorias, promotorias e centros de internação

específicos a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa privativa de

liberdade.

No tocante ao adolescente autor de atos infracionais, Tejadas (2016) destaca

que o atendimento socioeducativo tem sustentação teórico-metodológica nas Regras

Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da

Juventude – Regras Mínimas de Beijing de 1985, Regras Mínimas das Nações Unidas

para Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade – Regras de Tóquio, de

1990, nas Diretrizes de Riad para Prevenção da Delinquência Juvenil, de 1990, bem

como nas Regras Mínimas das Nações Unidas para Jovens privados de Liberdade,

de 1990, as quais estabelecem como órgão responsável pela administração da Justiça

Juvenil o Juizado da Infância e Juventude e que normatizam as questões quando

verificada e comprovada a prática do ato infracional.

Sendo assim, a partir da promulgação do ECA, o Juiz da Vara da Infância e

Juventude, desde que comprovado o ato, pode passar a aplicar ao adolescente que

comete ato infracional as seguintes medidas socioeducativas: advertência; obrigação

de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade (PSC); liberdade assistida

(LA); inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento

educacional; ou, conforme o caso, qualquer uma das medidas de proteção (BRASIL,

1990).

Para Freitas (2011, p. 34),

Em uma reflexão concisa, a medida de advertência implica o adolescente comparecer perante a autoridade judicial e ser advertido por ela quanto a sua prática infracional. A medida de obrigação de reparar o dano significa que o adolescente deverá devolver, restituir, compensar a vítima, enquanto na prestação de serviços à comunidade, o adolescente vai realizar tarefas gratuitas de interesse da coletividade. Em relação à medida de liberdade assistida, o adolescente será orientado sistematicamente por profissionais, objetivando a reinserção familiar e comunitária saudável, acompanhando-se a escolarização e a possibilidade de profissionalização. A medida de semiliberdade visa conter o agir delituoso por meio da privação de liberdade, mas ao mesmo tempo garantindo maior acompanhamento e participação da família. A medida de internação pode ser considerada a mais restritiva, visto que é a de privação completa de liberdade, ficando o adolescente afastado do convívio diário com sua família e a comunidade. De acordo com o ECA, a medida de internação só pode ser aplicada em caso de ato infracional grave, descumprimento de medida anterior ou quando o adolescente cometer o mesmo ato infracional diversas vezes.

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Nessa perspectiva, cabe considerar que as Medidas possuem as suas

particularidades e, portanto, requer diferentes técnicas e estratégias de execução.

Para delinear e estabelecer as diretrizes para o desenvolvimento dessas Medidas

Socioeducativas, foi implementado, por meio da Resolução nº. 119 de 11 de dezembro

de 2006, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Desde então,

diversas ações, encontros, audiências e documentos foram realizados e escritos a fim

de complementar o que já preconizava o ECA, bem como regulamentar como Política

Pública o SINASE. Porém, somente em 2012 foi sancionada a Lei 12.594, Lei do

SINASE, que o regulamenta com as devidas complementações dessa Resolução para

implementação como Política de Socioeducação, que ao assumir os desafios de um

Sistema Nacional tornou-se uma Política Pública articulada e com características

específicas evidenciando novo status para a política de atenção ao adolescente em

cumprimento de Medida Socioeducativa.

As Medidas Socioeducativas que requerem programas para serem

desenvolvidas são executadas no âmbito municipal (liberdade assistida e prestação

de serviço à comunidade) e estadual (semiliberdade e internação). Portanto, o espaço

de trabalho para o assistente social na operacionalização das Medidas contempla

tanto a nível municipal quanto estadual, o que difere quanto as condições, relações e

contratos de trabalho, incluindo plano de carreiras e afins.

No que tange a intervenção profissional na execução dessas Medidas

Socioeducativas, Freitas (2011, p. 35) considera que existem poucas produções

teóricas sobre esse tema tão recorrente e que é urgente a reflexão sobre o tema

considerando os pressupostos do Projeto Ético-Político, pois, estando o exercício

profissional referenciado pelo PEP, as ações profissionais do Serviço Social não

podem ser reduzidas as intervenções pontuais na realidade, mesmo que essas sejam

necessárias, enquanto a construção teórica não pode estar desvinculada da realidade

do trabalho profissional. A prática profissional, relacionada a leitura que o Assistente

Social tem condições de fazer da realidade na qual está inserido, “supera a

intervenção meramente pontual e constitui-se como práxis, como ação social

consciente e transformadora”.

O Assistente Social é demandado a ir além dos discursos e repreensões morais

acerca dos adolescentes e o ato infracional que outrora assolava a atuação

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84

profissional. E ainda que as abordagens se reportem às entrevistas, estudos e

relatórios, não mais se referem a mera classificação das vulnerabilidades como

disfunções sociais e ou desajustes, uma vez que as Medidas Socioeducativas têm em

sua concepção uma natureza sancionatória, que responsabiliza judicialmente o

adolescente em sua prática de ato infracional, e uma natureza sociopedagógica,

ligada à garantia de direitos e ao desenvolvimento de ações educativas, na

perspectiva ético-pedagógica, e, para isso, é preciso viabilizar ao adolescente o

acesso aos direitos, com base no respeito à sua condição de sujeito em

desenvolvimento, primando pela construção de um projeto de vida, com respeito à

sua comunidade, protagonizando participação nas decisões de seus direitos e de

convivência coletiva.

Apesar desses avanços jurídico-normativos estabelecerem parâmetros e

diretrizes da Política de Atendimento Socioeducativo, na perspectiva da doutrina da

Proteção Integral, com vistas à reintegração social e a Socioeducação, fazendo parte

do Sistema de Garantia de Direitos, concordamos com Fuziwaka (2013), quando

afirma que a perspectiva pedagógica que alicerça a implementação desta política

ainda tem sido centrada em ações que visam a transformação da identidade do

adolescente, de formar um novo sujeito, o sujeito de direitos, individualizado e

submetido ao autocontrole dentro dessas instituições, denotando, sobretudo

intervenções mais terapêuticas à sociais e, além disso, as condições objetivas nessas

Instituições em sua maioria são precárias e não tem favorecido a implementação das

alterações propostas pelo marco legal.

A partir desse breve esclarecimento sobre a construção sócio histórica da

política de Socioeducação e das medidas socioeducativas, como a forma de

responsabilização dos adolescentes mediante a pratica de atos infracionais, é

imprescindível discutir a atuação profissional dos Assistentes Sociais nos espaços em

que a MSE de internação é desenvolvida.

2.2 O TRABALHO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NO ÂMBITO DA

POLÍTICA DE ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DE

MEDIDA PRIVATIVA DE LIBERDADE

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Como vimos, o Estatuto confere a responsabilização ao adolescente que

comete atos infracionais por meio das Medidas Socioeducativas, cujo trabalho,

embora tenha caráter de responsabilização, deve se pautar numa perspectiva

pedagógica. A garantia das diretrizes elencadas no ECA, especificamente no que

concerne a execução dessas Medidas, requer um trabalho constante do Assistente

Social que tem como princípio fundamental, entre outros, “a defesa intransigente dos

direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo” (CFESS, 2005, p. 16).

Referente a Medida Socioeducativa de Internação, a Resolução do CONANDA

de nº 119 de 2006, que estabelece os parâmetros socioeducativos do Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, prevê a estrutura para execução

da Internação e, dentre as especificações, estabelece que para o atendimento de até

40 adolescentes, requer a presença de dois Assistentes Sociais (BRASIL, 2006).

A medida de internação está dividida em dois tipos de programas: Internação

Provisória e Internação por prazo indeterminado. Na internação provisória, o

adolescente pode permanecer privado de liberdade por no máximo 45 dias, em

Unidades específicas de Internação Provisória, enquanto apura-se o ato infracional.

Esse programa de internação pode ser determinado tanto para proteger o

adolescente, quando se tratar de ato que mobilize a opinião pública, quanto para

garantir que o mesmo permaneça à disposição da autoridade judiciária. Tendo sido

comprovada a materialidade e a gravidade do ato infracional o adolescente é

encaminhado ao programa de Internação, na qual é acolhido pela equipe de referência

que fará acompanhamento e realizará avaliação que não poderá ultrapassar 3 anos,

devendo ser reavaliada, no máximo, a cada seis meses, sendo o adolescente liberado

compulsoriamente aos 21 anos (FREITAS, 2011).

A medida de internação pode ser considerada a mais restritiva, visto que é a de privação completa de liberdade, ficando o adolescente afastado do convívio diário com sua família e a comunidade. De acordo com o ECA, na internação são obrigatórias as atividades pedagógicas, e a manutenção da medida deverá ser reavaliada no máximo a cada seis meses. Além disso, são garantidos ao adolescente que está cumprindo medida de internação direitos como: ser informado de sua situação processual, receber visitas, corresponder-se com familiares e amigos, ser tratado com respeito e dignidade, ter alojamento com condições adequadas de higiene e salubridade, entre outros (FREITAS, 2011, p. 35)

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Durante o cumprimento da Medida de Internação, o adolescente será privado

exclusivamente de sua liberdade, embora possa desenvolver atividades externas,

desde que acompanhado pelos profissionais da comunidade socioeducativa. Deve ser

operacionalizada em ambiente educacional específico para adolescentes, garantindo-

lhes atendimento integral, leia-se: atendimento à alimentação, à saúde, educação,

profissionalização, esportes, cultura e lazer, entre outros (BRASIL, 1990).

Para Tejadas (2016, p. 9), as Medidas Socioeducativas se estruturam em

campo de permanente contradição, “a iniciar pela sua almejada face

responsabilizadora e socioeducativa, que se efetivam em um contexto de imposição

ao jovem. Com muita facilidade, pode-se percorrer caminhos muito diversos: a

exacerbação do viés punitivo ou a pretensão tutelar”. Tanto é assim que, a autora

também destaca as pressões sociais acerca da redução da maioridade penal com a

justificativa de que o Estatuto e as medidas em si não são capazes de responsabilizar

o adolescente como deveria, que os adolescentes já têm idade de discernir certo e

errado e que devem ser responsabilizados como os adultos, fortalecendo assim a

perspectiva penal de todo processo. Nessa contramão de informações, a própria

formulação das diretrizes do SINASE, por meio da Resolução 119 de11/12/2006 e

posterior a sua regulamentação pela Lei 12.594/2012, foram alvos de críticas e de

tentativa de alteração.

O SINASE, embora tenha nascido imbricado no contexto de um Estado Penal,

é uma Lei garantista que carrega princípios que regulamenta desde a implementação

até a execução das Medidas Socioeducativas, bem como fortalece a proposta de

superar as práticas históricas de repreensão, autoritarismo e violação de direitos,

quais sejam: Excepcionalidade; brevidade; respeito aos Direitos Humanos; prioridade

absoluta; respeito à capacidade de o adolescente cumprir a medida, às circunstâncias,

à gravidade da infração e às necessidades pedagógicas do adolescente na escolha

da medida; legalidade na aplicação e desenvolvimento da medida socioeducativa;

participação familiar e comunitária; incompletude institucional; atendimento

especializados a adolescentes que possuem deficiências; descentralização político -

administrativa; e co-participação no financiamento (BRASIL, 2006).

Considerando esses princípios, Celestino (2016, p. 203) considera que:

O assistente social permaneceu sendo profissional cativo, requisitado a partir do respaldo legal e do discurso oficial dos gestores da política

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de atendimento para a atuação destinada à proteção, promoção e garantia de direitos dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

Portanto, insta ressaltar que nesses espaços sócio ocupacionais de atuação da

Política de Atendimento Socioeducativo da Medida Privativa de liberdade, o Assistente

Social, referenciado pelo Código de Ética Profissional, o qual pressupõe, entre outros

princípios fundamentais, o reconhecimento da liberdade como valor ético central e

a defesa intransigente dos direitos humanos, os quais darão direcionamento ao

profissional que, ao entender que a aplicação da medida de internação está

relacionada principalmente à privação da liberdade de ir e vir e jamais privar o

adolescente do direito de escolha, de comunicação, entre outros, vai trabalhar em

equipe, desenvolvendo ações junto a outros profissionais das áreas da saúde,

Psicologia, Educação, Direito e Segurança, estabelecendo cotidianamente,

articulações com os auxiliares da educação, diretorias, administrativos e demais

profissionais que compõem a comunidade socioeducativa com vistas a garantir que

essa privação de liberdade não seja também privação dos direitos inalienáveis.

Ainda que o exercício profissional do Assistente Social seja desenvolvido em

equipe, o CFESS estabelecera na Resolução nº. 557/2009, no Artigo 4º, que o

“Assistente Social ao atuar em equipes multiprofissionais, deverá garantir a

especificidade de sua área de atuação” e para tanto, se faz necessário e importante

ter clareza do objeto de intervenção, para que essa seja realizada de maneira

qualificada (CFESS, 2009, p.2).

Nesse sentindo, a operacionalização do exercício profissional do Serviço

Social, conforme considera FÁVERO, “direciona-se ao estudo da realidade social,

política, econômica e cultural, de maneira à pôr em prática os fundamentos e a base

teórica e contribuir na construção de ações que possam vir a garantir e efetivar os

direitos” (FÁVERO, 2007, p. 13).

Essa exigência, de mergulhar na realidade, transmite ao profissional a

responsabilidade de, antes de tudo, saber qual é a função social do Serviço Social

nessas instituições, qual é a direção social do seu trabalho, a direção teleológica do

exercício profissional, bem como conhecer e acompanhar não somente os dados

gerais sobre a condição de vida dos adolescentes que estão em cumprimento de

Medida de Internação, como a própria Política Social na qual está inserido, neste caso

a de atendimento socioeducativo.

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As atribuições específicas para os Assistentes Sociais que estão previstas na

Metodologia de Atendimento Socioeducativo de Internação, na Resolução do

SINASE, são: atendimento individual ao adolescente e à família, atendimentos em

grupo aos adolescentes e as famílias, visitas domiciliares, articulação com a rede de

atendimento ao adolescente estabelecida no Sistema de Garantia de Direitos, visitas

institucionais, encaminhamentos para confecção de documentos pessoais,

encaminhamentos para atendimentos básicos e específicos de saúde,

encaminhamentos das famílias à rede de atendimento, confecção de estudos e

relatórios sociais, além das orientações gerais sobre o andamento e

acompanhamento da medida socioeducativa e a busca pela garantia do atendimento

integral (BRASIL, 2006).

Dentro dessas atribuições, podemos identificar que algumas ações são comuns

tanto aos profissionais do Serviço Social quanto da Psicologia, tais como realizar o

acolhimento dos adolescentes e familiares, participar da elaboração do projeto

político-pedagógico da unidade, elaborar relatórios com informações destinadas ao

Poder Judiciário. Contudo, é preciso que os Assistentes Sociais saibam e reconheçam

as atribuições que são específicas da profissão, dispostas na Lei de Regulamentação

da Profissão – Lei nº. 8.662/1993 (TEJADAS, 2016).

O atendimento realizado com adolescentes e famílias pelo profissional do

Serviço Social é chamado de atendimento social e que, concordando com Arruda e

Pinto (2016), tem como foco principal compreender a trajetória sócio histórica da

família e do adolescente, conhecendo e analisando as demandas por eles

apresentadas, bem como identificando demandas que não foram faladas a fim de, sob

posse desse conhecimento, elaborar as estratégias e escolher as técnicas de

intervenção profissional, intervenção essa pautada na perspectiva da efetivação dos

direitos sociais e da responsabilização pedagógica do adolescente. Com isso, cabe

ao Assistente Social desenvolver seu exercício profissional considerando o

entendimento de que o adolescente e sua família são sujeitos de direitos e que o

trabalho pode e deve ser socioeducativo, pedagógico e direcionado a garantia de

direitos desde o momento da entrada do adolescente na instituição.

O atendimento feito pelo Assistente Social inicia-se desde a admissão do adolescente no Centro Socioeducativo. Neste acolhimento o Assistente Social atende o adolescente colhendo as informações necessárias para identificar suas referências familiares, conferência

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da documentação pessoal, identificação de alguns equipamentos sociais que o adolescente já tenha frequentado e transmissão de algumas informações importantes como o dia de visita e ligações para os familiares. Nesse acolhimento é também acordado o dia de atendimento do Serviço Social. Nos atendimentos posteriores, o Assistente Social vai buscar identificar os principais elementos da história de vida para a construção do caso do adolescente. A partir daí o atendimento social deve procurar conduzir o adolescente e a família, por meio de intervenções, estratégias e reflexões, à construção da responsabilização frente às demandas postas e construídas a partir de cada caso (ARRUDA E PINTO, 2016, p. 8)

Os objetivos a serem alcançados ao longo do desenvolvimento da Medida

Socioeducativa precisam ser definidos logo no primeiro atendimento ao adolescente,

que chamamos de acolhida. Na acolhida é preciso que todo processo seja clarificado,

pois isso permitirá a intervenção pautada na perspectiva de direitos, levando-se o

adolescente e sua família à percepção de que eles são sujeitos ativos no processo

socioeducativo e a internação é mais uma etapa desse processo para o adolescente

que cometeu ato infracional, e não o fim de perspectivas de socialização,

escolarização e profissionalização.

Para o Serviço Social esse atendimento inicial é importante porque se constitui no momento da acolhida do adolescente na Unidade de Internação. É nesse momento que o profissional irá fazer o primeiro esclarecimento ao adolescente quanto a seus direitos e deveres, orientando-o acerca do dia a dia na unidade e buscando informações (uso de substancias psicoativas, problemas de relacionamento, familiares que realizarão visitas) que auxiliarão na melhor inserção do adolescente na medida de internação (FREITAS, 2011, p. 40)

Após esse primeiro contato, o Assistente Social também fará o primeiro contato

com a família do adolescente. No geral, quando a família não acompanha a

transferência desse adolescente da Delegacia Especializada do Adolescente,

posterior a audiência admonitória, esse contato ocorre via telefone. É informado sobre

a chegada do adolescente na instituição, sobre as regras, normas e horários de visitas

que foram definidos pela Instituição. Também é feita a sensibilização da família para

comparecer nos atendimentos familiares, nas visitas ou mesmo nos horários que

sejam possíveis tanto para família quanto para o profissional a fim de receber

informações mais detalhadas. Nesse momento, é primordial que o Assistente Social

compreenda os mais variados moldes e referências de família na contemporaneidade,

apreendendo os vínculos entre estes e o adolescente.

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Nos primeiros atendimentos dessa família no âmbito da instituição, são

realizados os cadastros com os nomes dos familiares que irão realizar as visitas ao

adolescente e acompanhar esse processo de Medida Socioeducativa. Esses

cadastros não estão prontos, dada a necessidade de altera-los quando necessário. A

visita dos familiares acontecem semanalmente em dias e horários específicos que

geralmente são estabelecidos pelas Instituições. Também é realizada pelo profissional

do Serviço Social, durante o atendimento à família, toda orientação quanto ao

desenvolvimento da Medida, informando sobre a rotina, sobre a importância da

participação da família na construção e acompanhamento do Plano Individual de

Atendimento – PIA, nos eventos, nas reuniões familiares e nos encaminhamentos

pertinentes feitos as famílias e aos adolescentes.

O PIA, nos termos da Lei do SINASE, no artigo 52, deverá contemplar a

participação dos pais ou responsáveis, os quais têm o direito de contribuir com o

processo de reintegração do adolescente, sendo que a não participação no decorrer

da Medida acarreta em responsabilização administrativa, civil e criminal, conforme

consta nos termos do Art. 49 do ECA” (BRASIL, 2012).

Dessa forma, é imprescindível que o Assistente Social sensibilize e convide a

família a participar dos atendimentos a fim de garantir a participação da família nesse

processo, de conhecer a realidade social e familiar do adolescente, o vínculo que ele

estabelece com a família, compreendendo o lugar que o adolescente ocupa no

contexto familiar e qual lugar que ele se reconhece dentro da família, identificando

questões internas e que demandam atenção e encaminhamentos necessários. É,

pois, a partir dos atendimentos às famílias que o PIA é construído e que as ações,

estratégias e técnicas são definidas pelo Assistente Social junto da equipe de

atendimento (FREITAS, 2011).

Outra ação importante durante o desenvolvimento da Medida Socioeducativa

de Internação é a visita domiciliar. As visitas têm o objetivo de conhecer a dinâmica,

organização e relações familiares e serão definidas durante a construção do PIA e

previamente agendadas com a família. Na ocasião, cabe ao profissional realizar

mapeamento da rede existente na comunidade, estabelecer contato com as

instituições para realizar os encaminhamentos que se fizerem necessários. Esse

momento de contato mais próximo da família além de garantir direito do adolescente,

possibilita um espaço de escuta e intervenção qualificada da equipe que acompanha

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o adolescente em prol da superação das vulnerabilidades vividas e apresentadas pelo

grupo familiar (ARRUDA E PINTO, 2016).

Os direitos estabelecidos nas normativas nacionais, desde o Artigo 227 da

Constituição Federal, dos artigos dispostos no ECA sobre as Medidas

Socioeducativas estabelecidas a adolescentes que se envolvem com ações

infracionais, até a regulamentação dessas Medidas por meio da Lei do SINASE,

devem ser materializados na rotina das Instituições, seja no cuidado com a saúde,

acesso a escolarização, ao atendimento técnico, na participação de cursos

profissionalizantes, confecção de documentos, entre outros.

O profissional de Serviço Social precisa se comprometer com a efetividade do atendimento realmente socioeducativo, situando seu trabalho na perspectiva da garantia de direitos. Assim, o Assistente Social acompanhará o adolescente durante toda Medida de Internação, na perspectiva do atendimento integral. Apenas para melhor compreensão do que está sendo proposto, é possível organizar didaticamente o trabalho do Assistente Social em três grandes dimensões que possuem interlocução entre si: atendimento ao adolescente, atendimento à família, participação na unidade de Internação (FREITAS, 2011, p. 42)

Assim sendo, a intervenção profissional do Assistente Social, em conjunto com

outros profissionais, deve ser construída e desenvolvida considerando o adolescente

e a família desde as singularidades e particularidades até a dimensão de totalidade e,

com isso, compreender as diferentes expressões da Questão Social que os envolve,

bem como as suas dinâmicas e dimensões, pois, a partir daí, o Assistente Social

consegue elaborar as mediações necessárias que servirão de apoio para a prática

profissional.

Neste sentido, é possível afirmar que a atuação do Assistente Social junto ao adolescente denominado autor de ato infracional, contemporaneamente, supera o histórico processo de classificação, tratamento e regeneração, a partir da culpabilização individual destes e de suas famílias. A atuação profissional neste contexto consiste em decifrar as mediações entre a relação adolescente/ato infracional, que supere tanto os discursos morais e patológicos acerca da delinquência, quanto a perspectiva regenerativa, que ao imputar aos adolescentes pobres a culpa individual pelos atos tipificados como infrações análogas a crimes, investia num tratamento efetivado prioritariamente pela institucionalização (CELESTINO, 2016, p. 203-4).

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Isso implica considerar que as abordagens junto aos adolescentes e as

famílias, ainda que sejam desenvolvidas por meio de atendimentos e entrevistas

individuais, estudos sociais, relatórios e pareceres sociais, estão alinhadas aos

princípios de defesa e garantias de direitos que, apropriados pela profissão, estão

inscritos no projeto Ético-Político profissional e, hoje, esses instrumentos, são

desenvolvidos considerando a realidade familiar, social, cultural, política e econômica

na qual o adolescente está inserido e não mais referenciando e/ou apurando

disfunções, desajustes e patologias sociais como outrora era feito, mas apresentando

as estratégias de sobrevivências e as formas de enfrentamento das expressões da

questão social que envolvem os usuários em questão e, com isso, subsidiando a

reavaliação da Medida de Internação pela autoridade judiciária.

O Assistente Social trabalha com a garantida do atendimento integral ao

adolescente, portanto precisa assegurar de que a alimentação, saúde, segurança,

profissionalização, educação, cursos e afins são desenvolvidas e, além do mais,

garantir o acompanhamento das diferentes atividades que são ofertadas aos

adolescentes no interior das instituições, tais como atividades escolares, de esporte,

de lazer, de cultura. E, dado o caráter coletivo desse acompanhamento, cabe também

ao profissional propor ações em grupos, reflexões e dinâmicas em grupos com

alternativas que tragam as especificidades do trabalho profissional.

O atendimento integral também deve ser direcionado à família do adolescente,

pois é fundamental que toda estratégia construída ao longo do processo

socioeducativo seja em conjunto da família, conforme já fora destacado na construção

do PIA. O Assistente Social também pode garantir que esse atendimento seja

realizado por meio do estudo social, visita domiciliar e entrevista e, caso seja

necessário realizará encaminhamento da família à rede de serviços sociais dos

municípios (FREITAS, 2011, p. 44).

A perspectiva do atendimento integral expressa, em muito, a nova configuração

do olhar sobre os sujeitos alvos do respaldo legal proposto pela nova normativa, que

tem desafiado cotidianamente os Assistentes Sociais, pois na maioria das vezes, ao

contrário do que preconiza a legislação, tem sido chamados para participar desses

espaços para cumprir metas e responder às questões meramente burocrática.

Contudo, conhecer a realidade institucional e participar dos espaços coletivos

de construção das ações socioeducativas é de fundamental importância para se

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alcançar o que está proposto, ou como defende Freitas (2011, p. 45), “é preciso

participar do “jogo de forças” que se estabelece, contribuindo com as comissões,

conselhos e reuniões para elaboração de planos de ação, entre outros”.

Dessa forma, faz-se necessário, na maioria das vezes, que o Assistente Social

construa espaços para discutir a realidade institucional e avaliar as estratégias,

técnicas e ações do Serviço Social no âmbito do atendimento oferecido ao

adolescente e família. Sendo assim, ainda que a realidade tenha aspecto

sancionatório e que recorra ao Serviço Social como cumprimento de metas e rotinas,

produzir conhecimento acerca desse espaço de trabalho pode contribuir para que a

categoria ultrapasse a perspectiva punitiva e burocrática e desenvolva um trabalho

profissional fundamentado nos princípios do Projeto Ético-Político.

Considerando essa premissa, na próxima seção será feita uma análise sobre a

dimensão técnico-operativa no exercício profissional dos Assistentes Sociais que

trabalham nos Centros de Atendimento Socioeducativo do Estado de Mato Grosso

(CASEs), que estão sob a responsabilidade da Superintendência de Administração do

Sistema Socioeducativo (SUASE), da Secretaria de Estado e Segurança Pública

(SESP/MT), a fim de qualificar o debate e entender como essa dimensão tem sido

materializada diante de tantos desafios que estão postos na atual configuração da

Política Social.

3 A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS

ASSISTENTES SOCIAIS QUE ATUAM NOS CENTROS DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO DE MATO GROSSO

Analisar a dimensão técnico-operativa no desenvolvimento do exercício

profissional, requer, além de compreendê-la em sua relação com as demais

dimensões, atrelada ao debate das atribuições e competências profissionais,

considerar o espaço sócio ocupacional, o perfil dos usuários, as demandas e

requisições em que se desenvolve o exercício profissional do Assistente Social. Nesse

caso, consideramos aqui as demandas apresentadas pelos usuários da Política de

Socioeducação, em especial na Medida Socioeducativa de Internação, pensando

sobre as atribuições delineadas pela metodologia do atendimento socioeducativo e os

possíveis tensionamentos que atravessam esse processo no cotidiano.

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Apresenta-se aqui, a partir da pesquisa desenvolvida, a análise de como a

dimensão técnico-operativa é materializada no exercício profissional dos Assistentes

Sociais que atuam nos CASEs de Mato Grosso, construída por meio das entrevistas

semiestruturadas realizadas in loco com esses profissionais.

As informações colhidas são referentes às questões sobre qualificação

profissional, tempo de formação e exercício profissional, município onde trabalham,

tempo de atuação e sobre a participação em eventos, congressos da categoria e de

comissões do CRES 20ª Região/MT, bem como, sobre o exercício profissional, uso

dos marcos normativos da profissão, a compreensão sobre as dimensões que

constituem o exercício profissional e os elementos que constituem a dimensão

técnico-operativa.

Também consta nesta seção questões referentes aos desafios, limitações e

possibilidades do desenvolvimento do exercício profissional, da efetivação da

dimensão técnico-operativa do exercício profissional, com destaque sobre os

condicionantes institucionais e sobre as condições de trabalho e como estas

influenciam na autonomia profissional e no desenvolvimento das ações profissionais.

O debate sobre as atribuições e competências, bem como sobre os

instrumentos e técnicas, também consta nessa parte da análise, de modo que

buscamos conhecer quais instrumentos são utilizados, porque são utilizados, como

são utilizados, qual o conceito de instrumentos e qual conceito de técnica e quais as

habilidades necessárias e importantes para o manejo desses instrumentos.

O processo de análise construído a partir do conteúdo das entrevistas

possibilitou uma aproximação à compreensão sobre o significado e a direção dados

pelos profissionais ao exercício profissional, compreensão essa que reflete muito a

visão de homem e mundo do sujeito, modo de pensar, de se expressar, de analisar e

de entender o seu fazer profissional.

Considerando isso, a partir da compreensão sobre o Serviço Social como uma

profissão cuja competência teórico-prática contribui para construção de relações

sociais na sociedade, analisar como é desenvolvida a dimensão técnico-operativa no

exercício profissional nos CASEs, possibilita desenvolver reflexões e contribuir para a

construção de caminhos que poderão ser utilizados como ferramentas, para a leitura

da realidade e para pensar sobre o trabalho profissional de forma integrada na

execução da Medida Socioeducativa privativa de liberdade, bem como sobre todas as

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complexidades que as Assistentes Sociais encontram para efetivação dos princípios

que norteiam a direção social da Profissão nessa Política.

Assim sendo, a pesquisa, que respalda a análise ora realizada, foi feita por

amostragem com sete Assistentes Sociais dos CASEs de Mato Grosso, de um

universo de dezenove profissionais do Serviço Social. De acordo com os relatos, o

tempo de atuação nas unidades varia entre quatro à oito anos e todas foram

convocadas pelo último concurso que houve para o Sistema Socioeducativo no ano

de 2009/2010. O tempo de formadas é entre dez à vinte e dois anos, sendo que quatro

delas foram formadas por Instituições Públicas e três por instituições privadas.

A proposta que constava no Projeto de Qualificação era de realizar a entrevista

com 8 Assistentes Sociais, no entanto, na época da coleta de dados, a equipe técnica

de atendimento do CASE de Lucas do Rio Verde estava trabalhando com apoio dos

CASEs de Cuiabá em decorrência da falta de uma Analista do Sistema Socioeducativo

com perfil de Assistente Social, isso ocorreu porque essa é uma instituição que

operacionaliza a Medida de Internação no Estado e as responsabilidades

financeiras/administrativas são compartilhadas entre o Estado e o Município.

Dessa forma, os profissionais da área administrativa e os Analistas, entre eles

o Assistente Social, são contratados por uma empresa terceirizada pela Prefeitura do

município, e os Agentes de segurança socioeducativa são contratados pelo Estado,

por meio de processo seletivo. Sendo assim, o CASE de Lucas do Rio Verde não

possui servidor efetivo de carreira, com exceção de uma única Assistente

Administrativa, que era lotada no CASE de Barra do Garças e pediu transferência.

Nos demais CASEs todos os profissionais de Serviço Social são efetivos com vínculo

estatutário.

Essa situação no/do CASE de Lucas do Rio Verde tem relação com às

consequências das transformações societárias contemporâneas que, além de

surtirem efeitos devastadores no mundo do trabalho, nos processos e sujeitos

profissionais, provocaram e provocam redefinições profundas no Estado e nas

Políticas Sociais. Com isso, estando o profissional de Serviço Social desse CASE

sujeito às condições e relações de trabalho flexibilizadas, em decorrência do contrato

terceirizado de trabalho, estão destituídos de proteção aos Direitos Sociais, além da

baixa remuneração se considerado o Plano de Carreiras do Estado.

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As profissionais que participaram da pesquisa são do sexo feminino, com idade

entre 35 a 51 anos. Todas estão lotadas nos CASEs desenvolvendo ações

diretamente com os adolescentes e família em cumprimento de Medida

Socioeducativa de Internação Provisória e Internação.

Além da formação profissional em Serviço Social, apenas 1 das entrevistadas

não desenvolvera nenhuma Pós Graduação e/ou atividade de qualificação desde a

formação. Temos 2 que fizeram especialização na área em que atuam nos últimos

dois anos, sendo que 1 fez em Direito da Criança e do Adolescente e a outra em

Socioeducação. 3 relataram que concluíram a especialização em Gestão em Saúde,

Gestão Pública e Terapia Sistêmica, nos últimos 5 anos. Entre os profissionais

entrevistados destacamos que 1 declarou ter iniciado 3 pós-graduações ao longo dos

últimos 8 anos e não concluiu nenhuma pois não entregou o material final, mas

informou que atualmente está cursando Pós-graduação em “Psicologia

Organizacional”.

Sobre formação continuada e atividade de qualificação em andamento, apenas

2 declararam que estão desenvolvendo no momento, sendo que 1 está cursando dois

cursos de Pós-Graduação/Especialização: Instrumentalidade do Serviço Social e

Projetos Sociais, e 1 está cursando Faculdade de Direito.

Percebemos que a maioria das profissionais declaram formação continuada em

outra área, e essa é uma preocupação destacada por Lima e Mioto (2009, p. 30), pois

consideram que muitas das vezes os profissionais, na ânsia de qualificar as ações

profissionais, tendem a aderir outros modelos teóricos sem dialogar com as

especificidades do Serviço Social o que pode “empobrecer a profissão em

determinados setores, especialmente aqueles que atendem as demandas tradicionais

do Serviço Social”.

No que tange a política de formação e capacitação continuada dos Servidores

do Sistema Socioeducativo, prevê o SINASE, desde a Resolução de número 119/2006

do CONANDA, a capacitação introdutória e a formação continuada aos operadores, e

isso é reforçado com a posterior publicação da Lei do SINASE – Lei 12.594/2012, que

estabelece a construção do Plano Nacional Decenal de Atendimento Socioeducativo

e que neste plano destaca a política de formação dos recursos humanos por meio da

implementação da Escola Nacional de Socioeducação – ENS, em parceria com a

Universidade de Brasília - UnB.

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A Escola Nacional de Socioeducação foi criada e estruturada pela Secretaria

de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio da Portaria nº 4/2015 que

cria e preconiza diretrizes para o seu funcionamento, inclusive estabelece matriz

curricular básica dos cursos para os operadores do Sistema Socioeducativo. Portanto,

a qualificação profissional dos operadores do sistema socioeducativo é uma das

condições primordiais para a implementação e efetivação de uma nova realidade na

vida do (da) adolescente a quem se atribui autoria de ato infracional, justamente

porque a educação permanente e continuada destes profissionais deve envolver a

incorporação de conhecimentos, habilidades e atitudes alinhados na perspectiva

conceitual, estratégica e operacionalmente aos princípios do ECA e do SINASE a fim

de garantir que a formação e que a própria atuação estejam em consonância com as

normas de referência do Sistema, dos Conselhos Profissionais e com o atendimento

Socioeducativo.

Assim sendo, em Mato Grosso, desde a promulgação da ENS, foi

implementado, por meio da portaria de número 055 de 1 de Junho de 2015, o Núcleo

Gestor Estadual da Escola Nacional de Socioeducação do Estado de Mato Grosso,

que passou a planejar, executar, monitorar e avaliar os processos formativos

conduzidos pela Gerência de Socioeducação (hoje Gerência da Escola de Formação

e Capacitação Socioeducativa).

Nesse sentindo, entre outros cursos e capacitações, a Gerência de

Socioeducação, realizou o I Encontro da Equipe Técnica do Sistema Socioeducativo

em 2018, em parceria com o Centro Universitário de Várzea Grande. Esse encontro

contou com a participação de 19 Assistentes Sociais que atuam nos CASEs e também

aquelas que são do Sistema Socioeducativo mas estão lotadas em outros setores e

políticas. Das entrevistadas, apenas 2 não participaram do evento, pois 1 estava de

licença médica e a outra estava de férias.

Com relação a quantidade de vínculos e a jornada de trabalho, tem-se que 6

possuem apenas esse vínculo estatutário e 1 possui dois vínculos, um no Estado e

outro no Município (na área da Saúde) e conseguiu, por meio de processo jurídico, a

garantia das 30h semanais no Estado, conciliando assim os dois vínculos. As demais

cumprem regime de 40 horas semanais, mesmo com a luta da categoria para a

promulgação e implementação da Lei 12.317 de 26 de Agosto de 2010, que definiu a

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jornada de trabalho de 30 horas semanais sem redução do salário, sendo inclusa no

Art. 5º - A da Lei de Regulamentação da Profissão – Lei 8.662/1993.

A alteração da Lei de Regulamentação da profissão com relação a diminuição

da carga horária semanal sem redução de salário, que fez (e continua fazendo) parte

do conjunto de estratégias do CFESS e dos CRESS, expressa a luta pelo direito ao

trabalho com qualidade e a melhoria dos serviços prestados, tendo em vista as

peculiaridades das atividades desenvolvidas pelos profissionais do Serviço Social.

Dessa forma, em 2010 ocorreu intensa pressão política na luta para a implementação

das 30h semanais, por meio de audiências públicas, assembleias e reuniões coletivas,

articulada pelo conjunto CFESS/CRESS (BRASIL, 2012).

Ainda que diversas instituições públicas, privadas e ONGS tenham

implementado a Lei, essa pauta ainda não foi incorporada por todo o Estado de Mato

Grosso, o que implica considerar que os profissionais do Serviço Social ao venderem

sua força de trabalho estão sujeitos à alienação e as várias formas de precarização

advindas com processo de reestruturação produtiva, além de estarem expostos a

execução de tarefas para além da carga horária formal, pressionados a responder as

demandas do mercado, com o requisito para desempenhar a competência técnico-

operativa, limitando a potencialidade das ações que devem estar em consonância com

a direção do Projeto Ético-Político, pois, vivencia-se, na atual conjuntura das

mudanças no mundo do trabalho, diversas formas de violação de direitos.

Ao lidar com condições complexas, marcadas muitas das vezes pela escassez

de recursos, o Assistente Social se vê em um campo de tensões e de correlações de

forças pois é chamado a responder às demandas mesmo em situações adversas,

fazendo com que as ações profissionais sejam limitadas. Sendo assim, é

imprescindível que o profissional conheça os fenômenos sócio históricos do

capitalismo, que repercutem cotidianamente nas relações de trabalho e no

desenvolvimento do exercício profissional, para, com isso, entender o modo de ser e

fazer da profissão e superar práticas imediatas e repetitivas (IAMAMOTO, 2008).

3.1 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS CASEs DE

MATO GROSSO: A dimensão técnico-operativa em questão

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS …

99

A gestão das Medidas restritivas de liberdade (internação e semiliberdade) do

Estado de Mato Grosso está sob a responsabilidade da Superintendência de

Administração Socioeducativa – SUASE, da Secretaria de Estado de Segurança

Pública de Mato Grosso – SESP/MT, que atualmente conta com o apoio das Diretorias

(de Segurança Socioeducativa; Atendimento Socioeducativo; e de Cumprimento de

Medidas Socioeducativas) e da Gerência de Formação e Capacitação Socioeducativa

para elaboração de diretrizes e normativas que orientam o trabalho nos CASEs.

A medida de Semiliberdade ainda não foi implementada no Estado e a medida

de internação é operacionalizada nos CASEs que estão distribuídos nas cidades de

Cuiabá, Cáceres, Lucas do Rio Verde, Sinop, Rondonópolis e Barra do Garças. O

município de Cuiabá é o único que possui o CASE de Internação Provisória e

Internação Feminina, bem como o único que executa em diferentes CASEs os

programas de Internação Provisória Masculina e Internação Masculina, ou seja, na

Capital existem 3 diferentes CASEs. Nos demais municípios a Medida Socioeducativa

de Internação e os dois diferentes programas que a contemplam (internação provisória

e internação) são executados em um mesmo CASE, totalizando assim 8 CASEs no

Estado de Mato Grosso.

A inserção do Serviço Social nessa política data desde a primeira instituição

criada e regulamentada que atendia os conhecidos menores da época, registrada no

Estado de Mato Grosso em 1971, por meio da Lei 3.137, a FEBEMAT, que era

vinculada à Secretaria de Justiça do Estado, seguia as diretrizes nacionais

determinadas pela FUNABEM e era orientada pelo Plano Integrado de Assistência ao

Menor e a Família (PIAMF) e também pelos Programas preventivos, tais como:

Programa Diversificado de Ação Comunitária – PRAC, Programa Materno Infantil –

PROMI, Programa Ocupacional de Menores – PROC (MATO GROSSO, 2014).

Consta ainda no Plano Decenal Estadual de Atendimento Socioeducativo de

Mato Grosso que em 2001 fora criado o Complexo Pomeri, com a rede de atendimento

a criança e ao adolescente, estando no mesmo espaço, mas em setores diferentes, a

Defensoria Pública da Infância e Juventude, o Ministério Público da Infância e

Juventude, a Delegacia Especializada do Adolescente - DEA, a Delegacia

Especializada da defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – DEDICA, e o

Juizado da infância e Juventude com a 1ª Vara responsável pela adoção e defesa dos

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS …

100

direitos das crianças e adolescentes vítimas de violências e a 2ª Vara pelo ato

infracional.

Junto com o Complexo Pomeri, também foram inaugurados o Lar Menina Moça,

que foi a primeira Instituição para cumprimento de Internação de Adolescentes

femininas no Estado, e a Escola Estadual Meninos do Futuro, responsável pela oferta

escolar para os adolescentes em cumprimento de medida privativa de liberdade.

Posterior a esse processo de inauguração, em 2003, o atendimento socioeducativo

fora remanejado para a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública –

SEJUSP, subordinado a Superintendência do Sistema Estadual Socioeducativo –

SUSED. Todas essas instituições contavam com a presença de profissionais do

Serviço Social (MATO GROSSO, 2014).

Com a promulgação da Lei Complementar de nº. 413 de 20 de dezembro de

2010, que tratava da criação, reestruturação e extinção de órgão da Administração

Estadual, o atendimento socioeducativo das Medidas privativas de liberdade ficou sob

a responsabilidade da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos –

SEJUDH, especificamente da Secretaria Adjunta de Justiça e da Superintendência do

Sistema Socioeducativo do Estado de Mato Grosso.

Foi também nesse mesmo ano que o Governo do Estado de Mato Grosso

convocou todas as pessoas que haviam realizado o concurso público para

preenchimento das vagas no Sistema Socioeducativo, quais sejam: Assistentes

Administrativos, Agentes Socioeducadores e Técnicos com perfil de Assistente Social,

Advogado, Psicólogo, Educador Físico, Dentista, Enfermeiro e Médico/Clínico Geral.

Desse período em diante, todos os profissionais de Serviço Social, inclusive

aqueles que estavam na lista de classificados no cadastro de reserva foram

convocados. Até então a nomenclatura utilizada era Técnico do Sistema

Socioeducativo, perfil Assistente Social, hoje o profissional de Serviço Social que

trabalha nos CASEs é reconhecido como Analista do Sistema Socioeducativo e atua

em conjunto com os profissionais das áreas da Psicologia, da Educação Física, da

Pedagogia, do Direito e da Saúde (enfermagem, técnicos de enfermagem,

odontólogos e médicos). Além disso, os Assistentes Sociais desenvolvem ações

articuladas com os Agentes de Segurança Socioeducativa, com os gerentes e demais

profissionais da comunidade socioeducativa.

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101

Assim sendo, considerando esse espaço sócio ocupacional, os Assistentes

Sociais desenvolvem um trabalho multidisciplinar em conjunto com essas áreas, tais

como reuniões de equipe, atividades promovidas pelos CASEs, elaboração de

relatórios, estudo de caso, orientações aos adolescentes e famílias,

encaminhamentos diversos, bem como atribuições específicas previstas no art. 5º da

Lei de Regulamentação e aquelas demandas institucionais previstas nas normativas

da metodologia de atendimento12, tais como atendimento individual ao adolescente e

à família, articulação com a rede, visitas, orientação quanto ao processo de execução

da medida, dentre outros.

A fim de compreender o universo do exercício profissional do Assistente Social

na Política de Socioeducação, reconhecer desafios e possibilidades, identificar

demandas institucionais, dos usuários e do Serviço Social e verificar quais são os

instrumentos e técnicas utilizados pelas profissionais, esse tópico apresenta questões,

a partir das entrevistas realizadas com os profissionais do Serviço Social nos CASEs

de Mato Grosso, que precisam ser pensadas junto a categoria, sobre como o

conhecimento da dimensão técnico-operativa e como essa se materializa no âmbito

do exercício profissional, tendo como norte o Projeto ético-político.

Por ser uma profissão de natureza interventiva, ocupando espaço na divisão

social e técnica do trabalho, o exercício profissional do Assistente Social é

condicionado pelas determinações históricas, estruturais e conjunturais da sociedade

capitalista. Entender como esse exercício é desenvolvido requer situá-lo no âmbito

das relações sociais capitalistas, compreender as configurações precarizadas do

trabalho, o modelo atual gerencialista de Estado, e a condição focalista e fragmentada

das políticas sociais.

12Essa normativa da qual nos referimos não é nenhum documento escrito, parametrizado e publicado como “normativa da metodologia de atendimento”, mas aquela que fundamenta e é fundamentada

pelas diretrizes elencadas nas legislações que regulamentam a execução das Medidas Socioeducativas, ECA, SINASE, Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, Plano Estadual Decenal de Atendimento Socioeducativo e afins. Até mesmo porque, somente em Junho desse ano que fora publicado a “Norma de orientação para atendimento técnico dos analistas do Sistema Socioeducativo” que é um documento que reúne conceitos e orientações quanto aos procedimentos de atendimento técnicos desenvolvidos pela equipe técnica interprofissional cujo objetivo é facilitar o

trabalho, a comunicação interna, padronizar informações e rotinas e melhorar a qualidade dos atendimentos oferecidos aos adolescentes e seus familiares, esse documento está Disponível em http://www.sejudh.mt.gov.br/documents/412021/2683451/NOTA+DE+ORIENTA%C3%87%C3%83O+

PARA+ATENDIMENTO+T%C3%89CNICO+_ANALISTAS+SOCIOEDUCATIVO.pdf/68c079ef-8ca3-1061-5726-13a171ef1b96 Acesso: 21 de Maio de 2019.

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102

Portanto, é nesse contexto que o exercício profissional, que se constitui, nos

termos de Guerra (2007), pela totalidade das dimensões teórico-metodológica, ético-

política e técnico-operativa, é desenvolvido. As dimensões do exercício profissional

são consideradas por Santos (2013, p. 25) como sendo os elementos "intrínsecos à

passagem da finalidade ideal - que está no âmbito do pensamento, da projeção - à

finalidade real - âmbito da efetividade da ação", já que para a autora o termo dimensão

refere-se "às propriedades de alguma coisa, no sentido de seus pressupostos, de suas

direções, de seus princípios fundamentais". Nesse sentindo, no Serviço Social, as

dimensões do exercício profissional dizem respeito "aos princípios que contribuem

para a concretização da profissão de Serviço Social e que formam a sua base”.

Sendo assim, analisar como a dimensão técnico-operativa vem sendo

operacionalizada nos CASEs de Mato Grosso pode evidenciar reflexões sobre a

direção social do fazer profissional, pois, como defende Guerra (2007), a dimensão

técnico-operativa é responsável por oferecer visibilidade social à profissão, portanto

deve ser compreendida com relação as demais dimensões para elaborar respostas

profissionais qualificadas e sintonizadas com a realidade social.

Dado o nível de complexidade da realidade social em que o profissional atua,

as expressões da questão social também se complexificam e diversificam, com isso a

forma da profissão aparecer, ser conhecida e reconhecida, a resolutividade da

situação que é posta ao Assistente Social, por sua vez, também se apresenta de

maneira complexa, isso posto, o profissional precisa compreender o modo de ser e

fazer do Serviço Social, compreender as condições estruturais, conjunturais e internas

nas quais o exercício se realiza, para desenvolver exercício profissional em

consonância com o que preconiza o projeto profissional.

Nesse sentido, com relação a compreensão das Assistentes Sociais referente

ao modo de ser, fazer e aparecer da profissão, sobre a dimensão técnico-operativa

no exercício profissional e os elementos que a constituem, a qual expressa o modo

como entendem, reconhecem e se identificam com o exercício profissional que

desenvolve, as falas indicam:

Entendo a Dimensão técnico-operativa como aquela que expressa meu fazer profissional e o meu fazer está carregado de concepção teórica, ética e prática. Por isso, é importante ter sempre o referencial teórico que vai embasar a prática, a questão ética de não violar o direito do usuário e de aprimorar cada vez mais, na própria escolha do

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103

instrumento. Eu vejo que é muito fácil a gente se perder a hora de efetuar a prática. É preciso pensar sempre até onde é onde vai e é atribuição do Serviço Social, quais são os instrumentos mais adequados. É preciso buscar referenciais, embasamentos para poder desenvolver o exercício profissional. Penso que os elementos que a constituem são os referenciais teóricos, posicionamento ético-político, competência técnica e as habilidades para desenvolver as ações profissionais (AS 1).

Bom... é... essa questão que vai lidar com a questão da prática profissional com a teoria né. E a junção da teoria e da prática. Acho que todas nós temos que trabalhar de acordo com as legislações que nos regem né, e pautado em um trabalho efetivo, de acordo com as normativas, para termos um trabalho eficaz. Eu acredito que essas normativas norteiam o trabalho e constituem a Dimensão técnico-operativa da profissão (AS 2).

Eu escolho as atividades que farei no dia a dia. A forma como eu vou desenvolver meu exercício profissional. Acredito que a essa dimensão seja isso. A expressão do meu exercício. Embora, existam atividades que são coletivas, eu sempre procuro pensar sobre como eu vou estar atuando com o adolescente? Como eu vou estar atuando junto da equipe? Reunir, conversar, propor ações, estudar as estratégias individuais e coletivas, desenvolver ações em conjunto, mas acima de tudo entendendo qual é meu papel aqui (AS 3).

Necessitamos de bases teóricas, metodológicas, técnicas e ético-políticas para exercer nossa profissão e desenvolver nosso exercício profissional. E a dimensão técnico-operativa representa essas bases (AS 4).

Ao desenvolver minhas ações eu me aproprio de uma perspectiva teórica, ética e política. Hoje, também auxiliando a gestora, eu percebo que ao me posicionar eu expresso uma perspectiva ética, teórica e técnica também (AS 5).

Eu acho o seguinte. Não tem como a gente desvincular. Essa história de na prática a teoria é outra, isso não é verdade. Sem a teoria você não consegue desenvolver sua prática. É preciso um embasamento teórico-metodológico. A gente estuda para isso. Não é uma coisa de ah... to fazendo tal ação porque defini fazer o que quero. Claro que não. Toda e qualquer ação expressa um embasamento teórico, um posicionamento ético-político. Sabemos das dificuldades de implementar as nossas ações, e alguns profissionais ainda se justificam isso em decorrência da velha burocracia, mero preenchimento de papel. As pessoas ainda confundem muito. Nosso trabalho está além de um mero instrumento, de um mero preenchimento de documento (AS 6)

Bom, para mim, a dimensão técnico-operativa tem relação com as atribuições e competências profissionais, eu entendo que são as

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ações que eu desenvolvo. E para isso, eu preciso saber qual é meu papel aqui, delimitar meu espaço de atuação, ter conhecimento das normativas da profissão né, ter competência. Então, a minha prática eu me baseio no que eu aprendi, das legislações e tudo mais (AS 7).

As profissionais apresentam definições diferentes sobre a dimensão técnico-

operativa, algumas apontam os elementos que constituem a dimensão e outras se

referem como o instrumental técnico-operativo. Nas falas das Assistentes Sociais é

possível perceber que o conhecimento que verbalizam ter acerca da dimensão

técnico-operativa e do desenvolvimento do exercício profissional tem relação com

uma perspectiva técnico-instrumental, funcional à política, pois há em algumas falas

a inclusão dos objetivos e das ações institucionais como especificidade da intervenção

profissional.

As falas demonstram que as Assistentes Sociais compreendem a dimensão

técnico-operativa como a que mais se aproxima da prática profissional e que carrega

consigo as demais dimensões. No entanto, como razão de ser da profissão, entender

e desenvolver a Dimensão técnico-operativa requer capacitação teórico-

metodológica, ético-política e técnico-operativa. A materialização da dimensão

técnico-operativa não se deriva automaticamente da compreensão teórica, ou do fato

de simplesmente dizer que ela expressa as bases teóricas, éticas, políticas e técnicas

do Serviço Social, é preciso desvelar as mediações intrínsecas à passagem da teórica

à prática.

A expressão do modo de ser do Serviço Social, tal como considera Guerra

(2017) está carregada de perspectiva ético-política e ancorada em fundamentos

teóricos e metodológicos, que possibilitam ao profissional desenvolver respostas

qualificadas à realidade social. Nesse sentido, a articulação das dimensões que

constituem o exercício profissional possibilita o desenvolvimento das concepções

teórico-metodológica e ético-política, referenciadas pelas AS 1, AS 4 e AS 5, em ações

profissionais que exigem escolhas, que estejam fundamentadas por uma perspectiva

crítica dos sujeitos envolvidos, e que estejam conectados aos princípios que norteiam

o projeto profissional do Serviço Social. Isso requer considerar que não se deve

entender a dimensão técnico-operativa como um fim em si mesma.

Também pode ser identificada certa fragilidade no conhecimento com relação

as atribuições privativas e competências profissionais, a dificuldade por elas

expressadas em diferenciar as atribuições profissionais, das demandas institucionais

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105

e também das demandas dos usuários. A maioria trata demandas institucionais como

atribuições e as estabelecem como sendo do Serviço Social.

As atribuições são o atendimento individual tanto para o adolescente e tanto para a família. O acolhimento, mas o acolhimento é assim, no momento da chegada o primeiro que estiver aqui da Equipe Técnica vai fazer o acolhimento. Nós usamos um formulário de acolhida que pode ser preenchido por qualquer profissional que estiver aqui e não é específico nem do Serviço Social e nem da Psicologia. Depois disso se iniciam os atendimentos individuais. Geralmente o Serviço Social faz o primeiro contato com a família, mas como sou só eu aqui e, se por um acaso eu não vier trabalhar, em uma situação de urgência, aí uma outra pessoa acaba fazendo. Também faço contato com alguns órgãos da rede, tipo os CREAS, Conselho tutelar e os que se fizerem necessários [...]. Outra atribuição é a questão da confecção dos relatórios. E a meta agora para 2019 é começar a fazer planejamento anual do Serviço Social, pois por enquanto não tenho feito. Tenho trabalhado agora o encerramento e levantamento de dados, de quantos foram atendidos, qual perfil dos adolescentes... a gente tá tentando desenvolver esse levantamento aqui para começar a sistematizar nossas ações (AS 1).

Atendimento social uma vez por semana. Nesse atendimento a gente usa uma ficha cadastral para registrar as informações; Visitas domiciliares; Entrevistas com a família, com o adolescente; tem a proposta do atendimento em grupo, mas não tem tido continuidade; contato familiar com o adolescente; autorização de visitas; fazemos visitas institucionais e articulação da rede, mas com pouca frequência. Quase não fazemos isso. Fazemos encaminhamentos, solicitando inserção das famílias na rede (AS 2).

As minhas atribuições aqui são Atendimento social, atendimento familiar, o relatório, a observação, a escuta, encaminhamentos, contatos familiares, contato com a rede institucional (AS 3).

Bom, as minhas atribuições, que vejo aqui.. é, acredito que uma das mais importantes é que eu tenho que atender o direito do adolescente, pois eles geralmente chegam aqui já porque não tiveram acesso aos direitos, as políticas, então eu preciso defender os direitos dele, garantir o acesso desse adolescente aos direitos, atender esse menino (AS 7).

As atribuições profissionais são apresentadas pelas Assistentes Sociais tanto

como ações profissionais, quando destacam o atendimento individual, o acolhimento

(e esse ainda tem um agravante, pois reconhece que não é específico à profissão,

mas aparece como atribuição profissional), observação e visitas domiciliares, quanto

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106

como instrumentais técnicos quando se referem aos encaminhamentos, relatórios,

entrevistas e autorização de visitas.

Seguindo com as falas, as AS 4 e AS 6 apresentaram como atribuições

profissionais:

É... eu viabilizo os direitos fundamentais dos adolescentes e das famílias, né. É informando eles sobre a MSE, trabalhando com informações e orientações, do que é a MSE e faço os encaminhamentos necessários que o adolescente requer, seja na área de saúde, na área de educação. É a família também que as vezes ta necessitando de algum encaminhamento de alguma informação, ai eu faço esse... tento resgatar o vínculo né desse adolescente com seus familiares, através de conversas, reunindo esse adolescente com a familia, acompanhando visitas, é... fazendo ligações semanais. Uma coisa importante que aqui na unidade a gente consegue é fazer esse contato telefônico semanal, que eu acredito que nem toda unidade aqui dentro é semanal, me parece que é quinzenal e aqui a gente consegue fazer o contato semanal. E trabalhando com os familiares dos adolescentes sobre a importância de estar presente ao longo do processo da MSE para que se tenha um sucesso posterior aqui dessa medida. Essas são minhas atribuições profissionais (AS 4).

A gente trabalha aqui com atendimento, orientação, visitas domiciliares. Eu gosto muito de orientar a família. Já que jogaram essa responsabilidade para gente, eu acabo conversando muito com a família, tenho a liberdade de fazer todas as orientações... tanto no que concerne as orientações sobre o processo da Medida Socioeducativa, orientações institucionais, sobre direitos, de forma geral. Sei que se isso ficasse para outro setor os meninos acabariam ficando restritos de algum direito, igual a história das cartas. Teve uma época aqui que começaram a reduzir o número de cartas. Agora, qual a proposta dessa redução de cartas¿ Então, eu preferi me responsabilizar e repassar direto para eles nos atendimentos. Outra coisa com relação a isso. Tem uma normativa do CRESS que orienta, de acordo com o que está preconizado na CF88, sobre sigilo inviolável de correspondência, e também baseado no que preconiza nossa Lei de Regulamentação sobre nossas atribuições, que nós Assistentes Sociais não temos e não devemos ter essa responsabilidade, nem pegar como atribuição. Tenho consciência, mas está no novo Plano de Segurança, que foi normatizado em dezembro de 2018, que essas cartas precisam ser lidas pela equipe técnica, então, eu assumi isso, a gente precisa fazer a leitura das cartas e eu nunca tive problema com isso, inclusive disse que não precisa limitar, ou seja a quantidade que vier eu faço a leitura e encaminho diretamente para o adolescente durante o atendimento, e entrego diretamente justamente porque sei que se eu passar para outro setor essa carta será lida novamente, talvez não será entregue, ou pode vir a ser motivo de piada na unidade. Então, eu mesmo leio, chamo para o atendimento e asseguro de que essa carta vai entrar para esse adolescente sem maiores confusões. Outra coisa também são os encaminhamentos que fazemos aqui, sobra para nós do Serviço Social, mas eu percebo que

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as famílias, a gente percebe que algumas famílias têm buscado, tem se orientado, tem se sentido acolhidas. Também temos trazido palestras... as vezes as famílias não têm condições, não tem tempo, mas quando a gente chama, as famílias vêm, participam, daí a gente tem trazido palestras. Bom, no geral essas são as atribuições: Informação, orientação, encaminhamento, articulação com a rede, acompanhamento da visita da família a esse adolescente (AS 6).

Mais uma vez aparecem nas falas a execução do fazer profissional e a

compreensão de demandas institucionais como atribuições profissionais, além da

ênfase no instrumental técnico, essas questões têm relação com as crescentes

alterações no âmbito do Estado, provocadas pelas reformas gerenciais, que alteram

as bases de sustentação funcional e ocupacional das Políticas Sociais e logo

impactam na formação do perfil profissional que se espera e redireciona os

pressupostos da execução dos serviços, o que consequentemente influencia no

desenvolvimento do exercício profissional do Assistente Social, conforme consideram

Guerra et. al. (2016, p. 4):

As atribuições, demandas e requisições da profissão indicam a sua natureza, seu lugar na divisão social e técnica do trabalho, sua funcionalidade ao Estado e suas estratégias de responder à crise do capital. Indicam, ainda, a configuração do mercado de trabalho profissional, a peculiar maneira de inserção da profissão nos serviços, o perfil esperado, conhecimentos, habilidades, valores que estão sendo requeridos a estes profissionais. Para responder as demandas que chegam é necessário que o profissional corresponda a um determinado perfil. Tal perfil é formado e forjado tanto na formação profissional quanto no e pelo mercado de trabalho. Esse perfil recebe os influxos das transformações societárias, oriundas da reestruturação produtiva, do tipo de Estado e de suas formas de intervenção para o enfrentamento da chamada “questão social”, da sociabilidade que se conforme no espírito desse tempo histórico.

O modelo e a gestão das Políticas Sociais na atual conjuntura não apenas criam

as demandas, como formatam respostas, delimitam procedimentos, padronizam

normas operacionais e orientam as respostas profissionais (IDEM, 2016).

Outro ponto que também pode ser considerado nessa imprecisão entre

diferenciar as atribuições profissionais das demandas institucionais é referente ao fato

de o termo atribuição não vir acompanhado do substantivo profissional nas

bibliografias do Serviço Social, tal como ponderam Guerra et. al. (2016), o que faz

com que haja uma profunda identificação das atribuições com as atividades, os

instrumentos e os objetivos que são delimitados ao profissional. Isso é fortalecido na

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108

mediação que existe entre a condição de assalariamento do Assistente Social e a

inserção na esfera dos serviços, na qual ocorre a tensão entre atribuições

institucionais e atribuições da profissão.

Além dessas questões, foi possível observar, por meio das falas das AS 4 e AS

6 que há extrema preocupação e compromisso das profissionais, em tese, de atender

as demandas que lhe são postas e que, em sua maioria, são imediatas. E ainda que

esses atendimentos, por elas descritos, ofereçam respaldo ao adolescente e a família

e que estabeleça um clima de integração entre o usuário e contexto sócio institucional ,

se ocorrerem de modo fragmentado e com um fim em si mesmo, conforme fica

implícito nas falas, podem inviabilizar espaços de reflexões entre os profissionais,

espaços de mobilização e organização da categoria para avançar no entendimento da

realidade social e ampliar o olhar sobre os meios necessários para construir as

mediações entre as demandas institucionais e as respostas profissionais condizentes

com o que preconiza a direção social do Serviço Social.

As atribuições e prerrogativas profissionais estão relacionadas com o contexto

sócio histórico, é imprescindível compreendê-las a partir da leitura da realidade social,

vislumbrando a qualificação do seu exercício diferenciando as demandas

institucionais, as dos usuários e as específicas da profissão. No entanto, por não

considerarem as atribuições estabelecidas na Lei de Regulamentação da profissão,

as Assistentes Sociais relataram a reprodução das atividades que caracterizam o seu

fazer profissional no âmbito do desenvolvimento do exercício, e trataram como objeto

de intervenção, com isso a “competência profissional fica restrita ao atendimento das

demandas institucionais, e a intervenção profissional se identifica à adoção de

procedimentos formais, legais e burocráticos” (GUERRA, 2007, p. 12).

O fato do exercício profissional ser permeado por relações e ações que estão

intimamente associados a realidade sócio institucional, acaba tendo rebatimentos na

questão da identidade do Serviço Social em relação as outras áreas, naquela ideia de

que tudo que não é de ninguém fica para o Assistente Social. Isso também tem relação

com a própria nomenclatura que ainda resiste com o nome generalista, seja como

Técnico seja como Analista do Sistema Socioeducativo, o qual é influenciado pela

perspectiva da polivalência, da flexibilização e da desprofissionalização que advém

com as transformações no mundo do trabalho, do atual modelo produtivo que “busca

diluir as particulares inserções profissionais em um conjunto de atividades comuns,

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109

requisições as quais todos os profissionais devem responder” (GUERRA ET. AL.,

2016, p.3).

Nesse contexto, as respostas profissionais são orientadas por uma

racionalidade formal-abstrata e conectadas com o que é estabelecido

institucionalmente, com isso os profissionais acabam subsumindo os princípios e

valores da profissão aos das instituições, e isso gera certo desconhecimento e

desqualificação pelas instituições sobre a função social do Serviço Social, fato esse

registrado em outra fala da AS 6:

Aqui a gente já esbarrou muito no que as pessoas determinavam para nós. Hoje isso parece que está mais controlado, o atual gestor tem nos ouvido mais. Mas tem colegas aqui que dizem que as coisas que não são de ninguém o Serviço Social resolve. Nós temos essa situação de que qualquer uma das normas e regras institucionais acaba jogando para a gente do Serviço Social. Na verdade, toda equipe tem que saber e conhecer, mas acabam jogando só para nós. Se tem lista de visita para fazer, quem tem que fazer é o Assistente Social. O mero fazedor de lista de visita, de agendamento de visita excepcional, de acompanhamento de ligação do adolescente, de leitura das cartas. Eles burocratizam muito nosso trabalho e se deixar a gente vira secretário, faz papel de administrativo e telefonista aqui. Antigamente tinha muito isso: era assim se algum setor precisasse falar com a família, vinha aqui na sala e pediam. Aí a gente dizia “Ué? Você também não atende ao adolescente?” Mas quem acabava fazendo era o Serviço Social. Essa coisa de achar que nosso trabalho é especificamente essa situação burocrática e rotineira, coisas que até fazem parte do trabalho, mas que não são exclusivas da profissão, mas as pessoas acham que são... as pessoas determinam para o Serviço Social. Teve uma determinada profissional aqui que já disse que esses afazeres são nossas atribuições sim, porque afinal de contas levantamos a bandeira do direito, então para ela (e olha que ela não é Assistente Social viu), nos quem temos que dar conta do direito do adolescente, porque somos defensoras do Direito então “se vira que o filho é teu”. Mas eu entendo assim, todos que estamos aqui trabalhamos com direito o tempo todo, independente do setor e da profissão. Todos nós estamos aqui para garantir direitos e deveres desses adolescentes, garantir a Socioeducação. O nosso trabalho é esse. Acredito que todo mundo que está aqui deve levantar a bandeira do direito. Não é só o Serviço Social, mas como a gente tem essa luta lá fora e somos uma categoria que de fato faz a defesa intransigente dos Direitos e vai à luta, eles associam e aproveitam dessa situação para agregar atribuições que geralmente são competências coletivas. Não somos e não devemos ser meros fazedores de atividades rotineiras da Unidade. Eu já me deixei levar por muito tempo, porque ficava com receio do adolescente não ser atendido, não ter seu direito assegurado, ai acabava fazendo (AS 6)

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110

Como as particularidades do exercício profissional são, em sua maioria,

desconhecidas pelas instituições e pelos demais profissionais que dividem o espaço

de trabalho, a profissional declarou que ainda acaba enfrentando desafios para

compreender as suas atribuições e para se fazer entender dentro da unidade. A

percepção que outros profissionais têm sobre o Serviço Social e que aparece na fala

da profissional tem relação com a trajetória histórica conservadora da profissão.

Também é possível perceber por essa fala da AS 6 que, mesmo demonstrando

inconformismo com relação aos procedimentos burocráticos e rotineiros e

reconhecendo que o desenvolvimento de certas ações não são suas atribuições, ela

acaba fazendo para assegurar o direito do adolescente, repetindo práticas dessa

natureza, a exemplo da leitura de cartas, da lista de visita e do contato telefônico para

a família, o que explicita a capacidade de dar resolutividade nas situações pontuais e

focadas nos atendimentos individuais.

A realização dessas atividades imediatas reduz “o fazer profissional à sua

dimensão técnico-instrumental e torna o Serviço Social um meio para o alcance de

quaisquer finalidades”, além do mais limita o desenvolvimento de ações criativas e

propositivas, pois a profissional continua sendo requisitada a responder às demandas

institucionais e emergenciais, o que acaba sobrecarregando a Assistente Social que,

muitas das vezes, deixa de atender e refletir sobre suas atribuições, planejar e

sistematizar suas ações para dispender atenção aos procedimentos que não são

específicos, mas que demandam respostas (GUERRA, 2017, p. 51).

Para Guerra (2017, p. 52) são nas respostas às necessidades sociais que o

Serviço Social encontra sua legitimidade social, sua razão de ser. Se ao atender as

necessidades sociais, reproduzindo as atividades do fazer profissional e resolvendo,

ainda que momentaneamente, de maneira imediata, a dimensão técnico-operativa

mobilizada será também imediata e a instrumentalidade da profissão estará nessa

resolutividade, como se o exercício profissional tivesse um fim em si mesmo. Faz-se

necessário romper com a reprodução de ações rotineiras, burocráticas e de respostas

imediatas e construir “um “fazer” que é socialmente produzido e culturalmente

compartilhado ao tempo em que os vários atos teleológicos dos profissionais resultam

na criação/renovação de novos modos de ser desta cultura”.

E é nos modos de ser dessa cultura que a dimensão técnico-operativa é

desenvolvida, e isso requer pensar sobre as condições nas quais o exercício se realiza

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em determinados contextos, através de determinadas racionalidades, pensar nos

objetivos, nos valores, nos instrumentos, no conjunto de conhecimentos e teorias,

entender “para além de definições operacionais (o que faz, como faz), compreender

“para que” (para quem, onde e quando fazer) e analisar quais as consequências que

o nível “imediato” das nossas ações profissionais produzem” (GUERRA, 2007, p. 30).

É na realização das atribuições e competências que a dimensão técnico-operativa não apenas se explicita como aparece de forma autonomizada das demais. Não obstante, todo fazer precisa de um conhecimento existente e requisita um novo conhecimento. Necessita de um conjunto de pressupostos e orientações não apenas de natureza teórica, mas também, baseado em outros tipos de saberes instrumentais e na experiência, que nem pode ser descartada tampouco venerada. Necessita, também de componentes valorativos que permitam a escolha dentre as alternativas concretamente existentes e, tudo isso dará a direção social do exercício profissional que nem é neutro nem tem caráter finalístico. Por isso, ainda que se trate de uma profissão eminentemente (mas não exclusivamente) interventiva, cabe resgatar a natureza teórica e investigativa das atribuições privativas e competências profissionais, de modo que o Serviço Social tem se apropriado das Ciências Sociais (muitas vezes de maneira eclética) e daí retirado e reformulado um conjunto de “modos de operar” necessários à concretização de suas ações. Pela própria natureza da profissão, corremos o risco de tributar a nossa competência à utilização de procedimentos técnico-operativos, superdimensionando o papel e o lugar do instrumental técnico-profissional. Com isso estamos reeditando uma tendência denominada de metodologismo, que, criticada desde a década de 1970, se recicla através dos anos. Ainda mais, corremos o risco de incorrer no oportunismo teórico-metodológico, ou seja, lançar mão de um referencial teórico eclético, com o argumento de que somente assim se pode responder à complexidade e ao sincretismo da realidade (GUERRA, 2017, p. 68-69).

A materialização da dimensão técnico-operativa no exercício profissional não

deve ser considerada de maneira isolada, e para dar concretude as ações

desenvolvidas, o profissional utiliza dos conhecimentos, das informações, e das

habilidades que deverão lhe conferir a capacidade de leitura da realidade conjuntura l,

a interpretação das necessidades sociais que geram determinadas demandas

institucionais, a aptidão no trato com as relações humanas, na convivência em equipe,

na compreensão sobre como às necessidades do tempo histórico atual podem ser

respondidas, no conhecimento dos instrumentais e das técnicas, definindo os

específicos do Serviço Social, que irão conduzir as competências delineadas pela

profissão e que estão elencadas nos marcos normativos do Serviço Social.

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No que se refere ao uso dos marcos normativos da profissão como referência

tem-se que a maioria das profissionais deram centralidade ao uso do Código de Ética

e da Lei de Regulamentação da Profissão, conforme constam nas falas:

[...] uso sim, especialmente o Código de Ética e a Lei de Regulamentação (AS 1)

Sim, bom... É... uso muito o Código de ética. Quais mais? Ah, geralmente eu trabalho baseada no Código de Ética, na legislação, nas referências do CRESS. Acho que é mais ou menos isso (AS 2)

Sim, eu uso sempre o código de ética e a lei de regulamentação [...] Tenho buscado utilizar sempre esses marcos normativos. As vezes a gente cai na rotina, mas à medida que vamos atualizando né, eu busco me respaldar (AS 3)

Eu trabalho primando muito o nosso Código de Ética e tento seguir à risca os nossos princípios fundamentais do Código de Ética. No meu exercer diário da profissão eu prezo pelo valor ético do valor central das políticas, a defesa intransigente dos direitos humanos, trabalhando de forma a assegurar a universalidade do acesso aos bens e serviços, buscando ações que venham a dar qualidade nos serviços prestados, sem discriminar e garantindo o sigilo (AS 4).

Uso sim... Código de Ética e Lei de Regulamentação, mas o que mais uso é o Código de Ética (AS 6).

Como assim? Você se refere ao Código de Ética? Sim, quando preciso me respaldar em algumas situações ou diante das condições de trabalho eu vou lá e fundamento com o código de ética (AS 7).

Olha, depende... eu às vezes uso o Código de Ética para me respaldar em um documento e outro. Na verdade eu diria que eu uso e eu não uso os marcos normativos da profissão. A gente não tem tanta fiscalização e, em decorrência disso, eu acabo não me prendendo tanto as normativas em si. Já deixei de escrever coisas do adolescente, porque não tem onde guardar. A gente tem esses referenciais, mas a gente entra nesse fazer profissional, repetitivo, que a gente usa e as vezes, na maioria das vezes, não usa os marcos, não fundamenta... você olha para o limite e ele acaba te induzindo a não fazer. E, sabe o que eu sinto? Um vazio. Um vazio que desgasta a própria profissão que está, ou melhor que parece que está a serviço disso... quando não me é cobrado, eu não faço. Se tivesse mais fiscalização... sabe aquele ditado quando a “agua bate na bunda” ou quando eu tenho que correr atrás?! Se isso acontecesse, talvez isso me ajudaria. Ter alguém que seja da profissão, que fiscalize esse exercício, que me cobre que esse exercício esteja em consonância com os marcos normativos da profissão e que vá fazer com que de fato eu desenvolva sob essa perspectiva. Se eles deixam a gente

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solto, a gente faz o que é possível... Somo falhos. Sei o que é certo, mas aqui, esse cotidiano é uma dança tão envolvente que você não fica prestando atenção, se auto avaliando, quando você vê as vezes você dança e nem percebe que está dançando (AS 5).

Fica claro nas falas que quando as profissionais esbarram nos limites

institucionais utilizam as normativas citadas para respaldar o fato de não desenvolver

uma ação ou outra e não para construir coletivamente estratégias para superar aquilo

que consideraram como desafio em decorrência das condições de trabalho.

Cabe considerar que além desses importantes instrumentos normativos há que

se ressaltar a existência de Resoluções que disciplinam diversas questões e dilemas

que atravessam o exercício profissional, dão suporte às ações profissionais e

estabelecem coerência entre si, tais como Resolução 489/2006 que veda condutas

discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas

do mesmo sexo, reafirmando importante princípio ético contido na formulação de

1993; a Resolução 493/2006 que dispõe sobre as condições éticas e técnicas do

exercício profissional, que possibilita aos profissionais a exigência do cumprimento

das condições institucionais que possibilite o desempenho da profissão junto aos

usuários de forma ética e tecnicamente qualificada (CFESS, 2006).

As resoluções do conjunto, que fazem parte da base estruturante do exercício

profissional e que estão conectadas com o projeto profissional, possibilitariam o

desenvolvimento da profissão junto aos usuários de forma mais qualificada e ampliaria

o processo reflexivo para construção de estratégias que viessem a superar aquilo que

é destacado como limite, ou superar práticas repetitivas quando falam sobre o “cair

na rotina” ou mesmo no fato de usar “as vezes para respaldar”, ultrapassando assim

o que pode ter sido vez ou outra considerado como algo dado e acabado sem

perspectiva de transformação (BRASIL, 2012).

A fala da AS 5 sobre o sentimento de vazio no que concerne a deixar-se

conduzir pelos limites institucionais ou mesmo pela “dança do cotidiano”, e de se sentir

desgastada com relação a essa situação, expressa a preocupação com relação ao

uso dos instrumentos normativos, e ao mesmo tempo, a dificuldade em compreendê-

los como meio de materialização do Projeto Ético-Político profissional, uma vez que

esses instrumentos foram construídos para fundamentar teórico e legalmente o

exercício profissional dos/as assistentes sociais, fortalecer e respaldar as ações

profissionais na direção de um projeto em defesa dos interesses da classe

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trabalhadora e que se articula com outros sujeitos sociais na construção de uma

sociedade anticapitalista (BRASIL, 2012).

A AS 5 também se refere a ausência de fiscalização, no entanto, cabe

considerar que o conjunto CFESS/CRESS tem avançado com as ações de

fiscalização, tanto na questão jurídico-normativa, quanto na questão político-

organizativa, por meio de comissões e encontros da categoria, o que contribui com o

fortalecimento do debate e das ações estratégicas em torno do compromisso com o

projeto ético-político profissional, expressos nos valores e princípios estabelecidos no

Código de Ética dos/as assistentes sociais, já que a fiscalização tem esse caráter de

instrumento de luta capaz de politizar, organizar e mobilizar a categoria na defesa do

seu espaço de atuação profissional e defesa dos direitos sociais (BRASIL, 2012).

No que concerne a participação nesses espaços coletivos da categoria, tem-

se que:

Eu participo dos eventos regularmente, mas das comissões não têm como, até porque não moro em Cuiabá (AS 1).

Faz muito tempo que não participo dos eventos e nem do CRESS. Não sei te explicar o porquê (AS 2).

Participo regularmente. Acho primordial. Sinto falta de participar do CRESS, das reuniões e comissões, mas aqui não tem e aí, devido à distância, não dá. Aqui já teve um bem bacana, aquele do “Ética em movimento”, eu fui liberada para ir (AS 3).

Não. Eu não participo de nada. Não dá tempo, saio daqui exausta, daí tem que buscar filho na escola, tem que chegar em casa e ser esposa. Final de semana quero descansar (AS 4).

As reuniões com a categoria, os eventos, as comissões são espaços enriquecedores, sem dúvidas, mas eu não tenho participado regularmente. Das comissões do CRESS eu não participo, mas participei de uns dois eventos nesses últimos tempos, aquele mesmo do Sociojurídico foi riquissimo (AS 5).

Com certeza eu participo. Até das reuniões do CRESS, quando vem o convite com mais tempo, a gente faz documento e apresenta para o gerente solicitando liberação para ir até Cuiabá e participar. Esse último evento do Sociojurídico foi riquíssimo. Tento sempre participar, sempre dou um jeito (AS 6).

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Ah, eu gosto de participar... sempre que eu consigo eu vou até Cuiabá para participar dos eventos. Aqui uma vez eles fizeram aquele da “Ética em Movimento”, eu fui (AS 7)

Os eventos, congressos, reuniões e comissões da categoria são espaços que

potencializam construções coletivas, aprimoramento das experiências e qualificação

da formação e do exercício profissional, sendo em sua maioria atividades de formação

teórica, ética, política e técnica. Nesse sentido, Matos (2015, p. 694) ao apresentar o

processo de amadurecimento profissional e o papel primordial dos cursos, formações

continuadas e espaços coletivos da categoria, afirma que o Curso “Ética em

Movimento”, destacado por 2 entrevistadas, que é um projeto do CFESS que vem

anualmente capacitando representantes de cada CRESS do País e este reproduz o

curso no estado, “vem se mostrando uma estratégia importante para internalização

dos valores do Código de Ética junto a parcelas significativas da categoria

profissional”.

Assim, entende-se que esses espaços podem também ser de construção de

consciência crítica e o fato de algumas das entrevistadas relatarem não participar

desse processo formativo, reflexivo e construtivo influencia na dificuldade de pensar

e construir estratégias coletivas com a perspectiva de superação da realidade em que

atuam, relacionando as dificuldades que possuem para desenvolvimento das ações

muitas das vezes às limitações institucionais, além disso também dificulta a reflexão

sobre o dilema que já evidenciamos de considerar as demandas institucionais como

sendo atribuições privativas da profissão, mesmo confirmando que fazem uso dos

marcos normativos por elas destacados.

Torres (2013) afirma que tanto o uso das resoluções quanto a participação nos

espaços coletivos construídos pelo conjunto CFESS/CRESS e também pela ABEPSS,

podem possibilitar a construção de conhecimento do Assistente Social acerca do

exercício profissional e das dimensões que o constituem. Nesse sentido, concordando

com Iamamoto (1998, p. 63), “o conhecimento não é só um verniz que se sobrepõe

superficialmente à prática profissional, podendo ser dispensado, mas é um meio pelo

qual é possível decifrar a realidade e clarear a condução do trabalho a ser realizado”.

No entanto, essa construção não é estabelecida e ou relacionada com a

realidade social de maneira independente da experiência ou da prática profissional,

tem relação também com as questões internas dos agentes profissionais. Nesse caso

o processo de construção de conhecimento é de responsabilidade do profissional. Por

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isso, da mesma forma que não é construído alheio ao modo como o profissional

entende e se identifica com o exercício profissional que realiza, também não é

apropriado da mesma forma, com a mesma intensidade ou identificado com a mesma

importância por todos os profissionais.

Os conhecimentos construídos e utilizados pelos Assistentes Sociais no

desenvolvimento do exercício profissional, além de fundamentá-lo, garante a direção

social da profissão, já que esse exercício, como diz Iamamoto (2008) é polarizado,

pois recebe e participa das determinações estruturais e conjunturais da sociabilidade

do capital e, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, responde a essas

determinações. Tal qual Montaño (2006) vai considerar que as Políticas Sociais

expressam tensões e contradições em decorrência de sua função de reprodução do

sistema socioeconômico e político e do status quo, e transferem esse sentido social

para os atores que com elas trabalham, no caso, os Assistentes Sociais.

Outro ponto que deve ser considerado no reconhecimento do exercício

profissional do Assistente Social é a identificação das condições objetivas no qual

esse trabalho é desenvolvido, pois, conforme considera Lima e Mioto (2009, p. 27):

O processo interventivo não se constrói a priori, ao contrário, faz-se no seu próprio trajeto, e essa construção não depende só do Assistente Social, mas também dos outros sujeitos envolvidos, dentre eles, o espaço sócio ocupacional no qual o profissional está inserido e os destinatários das ações nele desenvolvidas.

Ou seja, articular o exercício profissional à direção ético-política da profissão e

entender como a dimensão técnico-operativa nesse exercício se materializa requer

inclusive conhecer os desafios e possibilidades que a profissão tem nesse espaço

sócio ocupacional que é a Política de Socioeducação. Sendo assim foi questionado,

durante as entrevistas, sobre os desafios que as profissionais enfrentam nos CASEs

para objetivar a dimensão técnico-operativa no exercício profissional, e temos que:

Aqui é um ambiente de trabalho que tem todos os desafios possíveis [...] A equipe tenta oferecer o seu melhor, mas não existe uma normatização, um direcionamento para operacionalização da prática aqui dentro. E aí fica bastante complicado. Essa é uma das dificuldades: ausência de normativas, de projetos que direcionem o nosso trabalho aqui e padronizem. A gente tem essa dificuldade de aplicar aquilo que prevê a Política de Socioeducação. Na minha opinião, um dos maiores desafios que enfrentamos aqui é a falta de conhecimento sobre o que estou fazendo aqui, qual meu papel, a falta

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de conhecimento sobre o que preconiza a Política de Socioeducação. A dificuldade de entender a Política, o objetivo da Medida, o atendimento voltado ao adolescente conforme o que preconiza a legislação... para mim são as maiores limitações. Outra limitação que eu vejo também, posso estar enganada, é com relação a gerencia que, na maioria das vezes, são lotadas por profissionais que não entendem de Socioeducação e vai gerenciando como acham que devem ser. E toda uma equipe que fica sob a coordenação dessa pessoa, ela também acaba trabalhando conforme é direcionada. Falta profissionais capacitados, que estudam, que conhecem a política para direcionar o trabalho de forma legal (AS 2).

Essa fala da AS 2 destaca a dificuldade de “por em prática tudo que aprendeu”,

de ter um esclarecimento com relação a função social enquanto Assistente Social

atuando na política de Socioeducação, mas associa esse fato ao motivo de não ter

normativas, regimentos e planos políticos pedagógicos acerca da Política de

Socioeducação que venham a direcionar o trabalho ali dentro, não relacionando às

suas prerrogativas profissionais.

E sobre o seu entendimento quanto a importância de ter profissionais

capacitados para direcionar o trabalho dentro de uma perspectiva legal esse é um fato

que também ganha destaque durante os colegiados nacionais na construção do Plano

Nacional de Atendimento Socioeducativo, pois os dados estatísticos que foram

apresentados, especialmente no que se refere à Medida Socioeducativa Privativa de

liberdade, nos demonstram que, mesmo diante de todo avanço legal, jurídico -

normativo, ainda não foi possível consolidar o que preconiza o ECA e a Lei do SINASE

implicando em ações que ainda são ineficientes visto que, diante das experiências

registradas, esse campo carrega contradições que refletem nas ameaças e

retrocessos que atravessam o cotidiano das comunidades socioeducativas, tais como:

Falta de entendimento sobre a situação de exclusão social que condiciona a trajetória do/a adolescente a quem é designada a autoria de um ato infracional; Deficiência no cumprimento dos prazos do devido processo legal; Insuficiência de provimentos que coadunem com os marcos legais do SINASE; Carência na formação e capacitação dos operadores do Direito e da Segurança Pública e dos demais operadores do Sistema de Justiça da Infância e Juventude; Dificuldade no estabelecimento de fluxo do atendimento

socioeducativo padronizado; Espaço físico e infraestrutura geral insuficientes e inadequados; Necessidade de regionalização das Varas da Infância e da Juventude; Falta de escuta dos adolescentes em todas as etapas do processo; Estrutura e pessoal insuficiente e ausência de instituições, órgãos e serviços nos atendimentos

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integrados existentes, de acordo com o que dispõe o artigo 88, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente; e escassez na destinação de recursos orçamentários para a política de atendimento socioeducativo (BRASIL, 2013, p. 16-17, grifos nossos).

Quanto ao processo formativo dos operadores da Medida Socioeducativa no

Estado de Mato Grosso, a Gerência da Escola de Formação e Capacitação

Socioeducativa, desde 2015 (com a antiga Gerência de Socioeducação), tem

proporcionado cursos de formação básica inicial e continuada para os servidores, de

modo que todas as formações/cursos e palestras estão articuladas com as diretrizes

básicas da Escola Nacional de Socioeducação – ENS/UnB. No entanto, conforme

destacamos acima, esse é um processo que além de ter relação com as questões

estruturais e conjunturais, tem profunda relação com as questões internas e que nem

todos os operadores entendem como importante esse processo.

Os outros pontos destacados no Plano Nacional nos remetem a pensar sobre

esse cenário de desmonte e fragmentação das Políticas Públicas e Sociais, que

atrelado às profundas transformações societárias, demarcadas pelo processo de

mundialização do capital e do projeto neoliberal, tem afetado o mundo do trabalho e

também tem provocado redefinições profundas no Estado e nas Políticas Sociais,

conforme destaca Iamamoto (2008, p. 14):

A mundialização do capital tem profundas repercussões na órbita das políticas públicas, em suas conhecidas diretrizes de focalização, descentralização, desfinanciamento e regressão do legado dos direitos do trabalho. Ela também redimensiona as requisições dirigidas aos assistentes sociais, as bases materiais e organizacionais de suas atividades, e as condições e relações de trabalho por meio das quais se realiza o consumo dessa força de trabalho especializada.

Esse cenário evidencia graves impactos para a política de atendimento à

Medida privativa no Estado de Mato Grosso, que tem experienciado esse processo de

restrição de direitos, de insuficiência no financiamento e na destinação de recursos.

Isso posto, novas requisições, demandas e possibilidades têm sido desencadeadas

para o Assistente Social e tem desafiado cotidianamente, tal como considera a AS 5:

Penso que temos enfrentado desafios de ordem objetiva e subjetiva. Quanto às condições objetivas de trabalho temos pouca quantidade de carros para realizar visitas, sejam domiciliares ou institucionais. Falta uma sala equipada, as vezes a sala não tem ar, não tem telefone

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para fazer ligação. Sem condições mesmo. A gente pegou uma fase terrível que não tinha telefone. Você tem noção o que é não ter telefone? Tinha que usar o celular funcional da gerência para falar com a família. Já pensou ter que falar pra família: “olha a gente não tem telefone”. Que coisa terrível para essa família... acho que essa época eu fiquei até doente. Já chegou a fase de usarmos o whats app do celular funcional para falar com a família no interior. Olha o nível que chegamos. Hoje, depois da reforma que tivemos aqui, o telefone voltou a funcionar e muita coisa já melhorou, mas essas pequenas coisas que faltam no dia a dia influenciam muito no desenvolvimento do nosso exercício. Outra coisa que eu acho que tem influenciado muito, e eu considero como algo subjetivo é toda essa desmobilização que também nos impacta. A gente era mais unido antes, o nosso grupo era mais forte... e hoje? Cadê a perspectiva de coletividade? A gente não tem adesão da categoria nas greves, nas reuniões do CRESS, o pessoal não faz reunião, não quer fazer grupo de estudo, parece que está todo mundo meio apagado, desmotivado, deixando a vida levar. Isso é preocupante, mas como superar? (AS 5)

A fala expressa que os desafios que a profissional encontra para efetivar a

dimensão técnico-operativa no exercício profissional estão vinculados às condições

objetivas, quando expõe as precárias condições de trabalho e como essas recaem

sobre as relações circunscritas na dinâmica institucional, tanto aquelas estabelecidas

com os usuários e como com os demais profissionais da comunidade socioeducativa.

A profissional também faz observação sobre as questões subjetivas, quando relata

sobre a desmobilização e a desmotivação em participar de reuniões, construir grupos

de estudos e planejar as ações, e o impacto que isso traz para o desenvolvimento do

exercício profissional, denotando que, diante desses desafios, os profissionais ficam

expostos a graus de alienação, insegurança social, desproteção e fragilização social.

Embora a Política de Socioeducação tenha ampliado, consideravelmente, o

mercado de trabalho para os Assistentes Sociais e demais profissionais que atuam

nessa área, fato esse confirmado com o último concurso que ocorreu em 2009 no

Estado de Mato Grosso, e que garantiu quase que a efetivação de quase 40

profissionais do Serviço Social (mesmo que grande parte esteja hoje lotado em outros

setores), ao mesmo tempo, contraditoriamente, a precarização das condições de

trabalho nas quais o exercício profissional se realiza foram aprofundadas, dadas as

transformações conjunturais e todos os efeitos da reestruturação produtiva e as novas

formas de gestão do trabalho e das Políticas.

Para Iamamoto (2008) essas condições fazem com que o profissional fique

subordinado a processos de intensificação do trabalho e alienação, pois considera

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que os espaços sócio ocupacionais dos Assistentes Sociais expressam racionalidades

e funções distintas na divisão social e técnica do trabalho, e, em decorrência disso,

condicionam o trabalho realizado, estabelecem limites, possibilidades, determinam

atribuições e proporcionam significado e efeitos na sociedade.

Implica, portanto, considerar que a atuação profissional depende de um

conjunto de condições e relações sociais por meio das quais se realiza. Nesse sentido,

as entrevistadas, ao serem questionadas sobre como essas condições de trabalho

influenciam no desenvolvimento de seu exercício, consideraram:

Aqui nós temos limites de estrutura física que geram barreiras e é como se tivessem barreiras que não te deixam ir além. Sou a única Assistente Social atuando e isso sobrecarrega. Você não tem contato com outros colegas, também pelo fato de estar no interior. As limitações são desde você identificar e fazer um projeto de intervenção com o adolescente e não conseguir pôr em prática. A estrutura nem sempre te dá possibilidade de atender todas as demandas do adolescente, nós temos uma sala de atendimento individual, mas não tem ventilação, não tem janela, não tem climatização. [...] também temos que resolver o gargalo maior que é o espaço para escola, para atividades escolares, não conseguimos desenvolver a escolarização adequada aqui e, embora a sala de aula tenha melhorado bastante, tenha avançado na estrutura, estamos longe de alcançar os parâmetros socioeducativos. Ah, também temos a quadra, mas é aberta e se chove o adolescente não pode sair para lugar algum, não tem para onde levar o menino aqui. Outra questão é quanto a ausência de veículos... O nosso veículo para fazer visita não tem seguro, está com documento vencido e se um profissional pegar esse veículo para usar e se envolver em um acidente acaba não tendo respaldo e se você usar a viatura seja para trabalhar com confecção de documentos, seja para visitar famílias você se coloca em risco, se coloca em situação vexatória, coloca a família em situação vexatória, fora que a viatura fica disponível para levar os adolescentes em audiências, em exames de saúde, essas coisas. Então, isso acaba influenciando no nosso exercício. Como é que eu vou fazer uma visita se não tem carro? Como é que eu vou estabelecer contato com a família que é de outro município se o nosso telefone só faz ligação para celular que seja DDD da nossa região e não atende toda a necessidade? Essas pequenas coisas desgastam tanto... ai lá vai você de novo fazer documento, sinalizar as Leis do SINASE e de Regulamentação da Profissão para o gestor, para solicitar que ofereçam outras condições de trabalho ou que ofereçam saída. E aí enquanto profissional temos que lidar com essas frustrações e propor ações diferentes para desenvolver nosso trabalho (AS 1).

A limitação estrutural é uma questão gritante e eu acredito que isso deve acontecer não só aqui, mas nos demais CASEs também. Aqui a gente não tem salas adequadas para atender. Não tem sala multiuso. Não tem aparelhos multimídias [...] A Socioeducação também envolve

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o acesso à educação, ao lazer, mas a gente acaba sempre fazendo as mesmas atividades com eles. Precisamos de mais investimento do poder público nessa Política [...] precisamos também melhorar nosso olhar com o adolescente, melhorar nossa intervenção, o que fazer, como fazer, quando fazer para esse adolescente. As limitações vão desde o investimento na política até o gerenciamento dos recursos humanos. Nós temos um quadro muito bom de profissionais, mas o quadro de agentes é bem reduzido, considerando o que prevê o SINASE, e dificulta bastante para operacionalizar nosso trabalho aqui dentro (AS 2).

Olha, é perceptível que as estruturas e condições impactam no nosso trabalho. Não temos recursos próprios para trabalhar. Não temos salas adequadas para atendimentos, por exemplo com as famílias. Hoje se quisermos fazer um grupo de famílias aqui, não temos espaço. [...] Qualquer atividade diferenciada que desejamos fazer com os adolescentes ou com as famílias, temos que fazer, na maioria das vezes, via custeio pessoal. Outra questão é a questão a quantidade de agentes conforme preconiza o SINASE, aqui não temos essa quantidade suficiente e sem eles não é possível realizar atividades. Quase não temos realizado atividades em grupos por falta de efetivo. E isso com certeza influencia... influencia porque limita, a gente poderia expandir muito mais nossas ações. A gente vai tentando diversificar. Mas se as condições fossem melhores nós teríamos mais possibilidades de desenvolver o exercício da maneira como deveria (AS 3).

Essa dinâmica que reflete nos espaços sócio ocupacionais e as precárias

condições de trabalho por elas relatadas tendem a dificultar o processo de

sistematização e análise, do ponto de vista teórico – metodológico e ético - político do

exercício profissional. As condições de trabalho também interferem na identificação

das demandas de trabalho uma vez que é exigido a construção de respostas imediatas

para as demandas imediatas. Isso faz com que as atividades determinadas pela

instituição sejam reproduzidas sem questionamentos, e mesmo conduzidas e

entendidas como competências profissionais, sem que sejam pensadas com vistas à

construção de respostas que tenham perspectiva crítica e criativa, e, mais importante,

que estejam em consonância com o projeto ético-político e com as condições objetivas

de vida do usuário, sujeito desse processo (GUERRA, 2009).

E, em decorrência dessa crescente restrição da capacidade de atendimento, o

Assistente Social vê-se impotente frente a recursos insuficientes e que viriam a

efetivar direitos e diretrizes das normativas que regem a proteção integral da infância

e juventude, conforme fica claro nas falas das entrevistadas.

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Elas relatam que o atendimento do Serviço Social têm sido prejudicado, visto

não terem espaço físico apropriado/adequado, não terem ramal e telefone nas salas

de atendimento para realizar ligação para as famílias dos adolescentes que são

oriundos de outros municípios que não daquele CASE, e, quando o atendimento

acontece, além dessa desqualificação, existe uma outra questão extremamente

preocupante, pontuada pela AS 2, que é quanto a ausência de normas e rotinas e

regimento interno, o que, segundo ela, traz desgaste na relação entre os profissionais,

pois como não está normatizado, se os agentes de segurança socioeducativa

alegarem não estar em quantidade suficiente para garantir a segurança (já que isso é

um ponto relevante e costumar fazer parte das rotinas dos CASEs), o estresse, que

já permeia a instituição, aumenta ainda mais e o conflito se alastra entre os

profissionais e os adolescentes.

Essa situação vai se desenvolvendo e vai

(...) transformando insidiosamente a própria natureza da profissão de Serviço Social, sua episteme de profissão relacional, fragilizando o trabalho direto com os segmentos populares em processos de mobilização e organização, e o desenvolvimento de trabalho socioeducativo numa perspectiva emancipatória (RAICHELIS, 2011, p. 433).

Se por um lado tem-se o comprometimento em garantir os direitos e ampliar a

cidadania dos adolescentes e famílias que sofreram diversos tipos de violação de

direitos, por outro, diante dos desafios institucionais, tem-se “o sofrimento, a dor e o

desalento diante da exposição continuada à impotência frente a ausência de meios e

recursos que possam efetivamente remover as causas estruturais que provocam a

pobreza e a desigualdade social” (RAICHELIS, 2011, p. 435).

Essa condição a que estão submetidos os profissionais do Serviço Social, os

adolescentes e todos os profissionais da comunidade socioeducativa tem relação com

a reflexão da Iamamoto (2007, p. 159):

O “enxugamento” e o sucateamento dos serviços públicos têm redundado não apenas na perda de qualidade dos atendimentos, como têm forçado sua progressiva seletividade, o que entra em colisão com uma das principais conquistas obtidas na Carta Constitucional de 1988, relativa à universalização dos direitos sociais e dos serviços, que lhes atribuem materialidade.

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Nessa contramão de condições a família e o adolescente em cumprimento de

medida Socioeducativa são os maiores prejudicados nesse processo, uma vez que,

diante de poucos recursos e co-financiamento, as condições estruturais dos CASEs

de Mato Grosso acabam sendo negligenciadas impactando em poucos espaços

físicos adequados para escolarização, lazer, profissionalização, saúde e outras

políticas necessárias, tal qual expressa o Plano Decenal Estadual:

(...) nenhuma das unidades do Estado atende na totalidade os preceitos legais e, portanto, as medidas judiciais de interdições são constantes (...) Ainda em relação aos aspectos físicos a serem considerados com base no SINASE: 6 unidades possuem condições aceitáveis de limpeza e higiene; 6 das unidades não possuem espaços adequados para realização das refeições, ou seja, na maior parte das unidades os adolescentes fazem suas refeições nos próprios alojamentos; apenas 2 das unidades têm condições adequadas de circulação, iluminação e segurança; 4 possuem espaço adequado para atendimento técnico individual e em grupo; 5 unidades têm espaço para o setor técnico; e 6 possuem espaço adequado para o setor administrativo (MATO GROSSO, 2014, p. 35-6).

Outras questões que merecem ser colocadas para debates e reflexões, que

foram apresentadas pelas entrevistadas são: ausências de carros descaracterizados

para realizar visitas domiciliares, e por outro lado a meta de cumprir burocraticamente

número de visitas às famílias dos adolescentes; quantidade insuficiente de agente de

segurança socioeducativa no interior das unidades, em decorrência da falta de

investimento em concurso público (o que temos hoje no Sistema Socioeducativo é a

contratação desse perfil profissional por meio de processos seletivos que flexibilizam

a garantia dos Direitos trabalhistas); a falta de recursos financeiros para iniciar ou

continuar ações programadas no interior das unidade; entre outros entraves que

expõe a os limites condicionantes externos ao exercício profissional. Fato esse que

também fica explícito em uma outra fala da AS 1: “A gente trabalha com um público

que é praticamente invisível e o investimento na política pública que atua com o

adolescente em conflito com a lei é insuficiente e, então, nós ficamos com uma

atuação muito limitada”.

Essas condições precárias, o alto grau de desumanização tanto no que se

refere ao atendimento e a garantia dos direitos do adolescente e da família, quanto a

efetivação dos direitos dos trabalhadores da comunidade socioeducativa, aqui em

especial dos Assistentes Sociais, os desafios de implementar a Política de

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Socioeducação de acordo com o que preconiza o ECA e o SINASE, os desafios

institucionais e os impactos no desenvolvimento das ações profissionais e também a

constante violação de direito pelos quais passam os adolescentes, são registradas em

diversos documentos, Comunicações Internas, Memorandos e Ofícios, conforme

sinalizou a AS 7:

Já fiz tanto documento aqui, já fiz oficio, nossa... acredito que se juntar todos os documentos que eu já fiz com os das colegas de outros CASEs acho que gente vai perceber que algumas das poucas conquistas tem relação com esses documentos. Já relatei situação de violação de direitos, já oficializei sobre as condições de trabalho e os impactos no exercício profissional e na relação estabelecida no cotidiano com o adolescente e com outros profissionais aqui também. Mas olha, as vezes é difícil a gente acaba ficando restrito a algumas coisas, prejudica nossa autonomia profissional (AS 7).

Em que pese esses avanços destacados pela AS 7, que foram obtidos também

com a posterior a regulamentação do SINASE em 2012, entre eles podemos destacar:

elaboração do Plano Decenal Estadual de Atendimento Socioeducativo; Elaboração

do Projeto Político Pedagógico dos CASEs (em fase de finalização e publicação);

Estabilidade do quadro de pessoal por meio das nomeações do concurso público (com

exceção do perfil de agente de segurança socioeducativa que ainda é reduzido

considerando o que preconiza o SINASE); Demolição da estrutura antiga da unidade

de internação masculina de Cuiabá; Reformas nos CASEs de Cuiabá, Rondonópolis,

Barra do Garças e Sinop; Disponibilidade de equipamentos para Ambulatório de

Saúde de Cuiabá – cadeira para consultório odontológico e outros para a

Coordenadoria de Atendimento Técnico e de Saúde de Cuiabá; e oferta de alguns

cursos para os adolescentes e seus familiares em parceria com o SENAI e o SENAC),

é possível perceber que ainda precisamos avançar quanto o assunto é priorização do

poder público na Socioeducação, pois, a exemplo da demolição da estrutura antiga

da Unidade, e também das próprias reformas realizadas nos diversos CASEs do

Estado, as providências de se planejar e executar a construção de novos alojamentos

ou mesmo de reformas de acordo com as diretrizes arquitetônicas preconizadas no

SINASE, ainda não foram efetivadas, e, com isso, além de trazer consequências no

atendimento aos adolescentes e família, nem sempre os coloca em condições seguras

de convívio, mesmo os CASEs estando orientados a garantir atendimento integral a

todos os adolescentes privados de liberdade no Estado.

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125

Essa situação é sinalizada no próprio Plano Decenal Estadual de Atendimento

Socioeducativo de Mato Grosso:

Apesar de grandes esforços da sociedade e institucionais, Mato Grosso ainda não conseguiu consolidar os direitos previstos no ECA e com isso implantar soluções eficientes, eficazes e efetivas para assegurar aos adolescentes em conflitos com a lei oportunidades de desenvolvimento e uma autêntica experiência de reconstrução de seu projeto de vida, conforme preconiza a Política Nacional do Atendimento Socioeducativo (MATO GROSSO, 2014, p. 22)

A comissão que construiu o Plano Estadual identificou, através da análise dos

dados levantados para elaboração das metas e ações a serem definidas para efetivar

a Socioeducação em Mato Grosso, que as atuais condições que dispõe os CASEs

apresentam precariedades e, em decorrência disso, ainda não conseguiram

implementar as alterações propostas pelos marcos legais da Socioeducação. Tal

situação nos remete a conviver diariamente com as contradições presentes entre

avanço legal e retrocesso neoliberal.

Considerando essas condições, nas quais o exercício profissional se realiza,

as Assistentes Sociais têm o desafio de conhecer e interpretar algumas das questões

inerentes ao capitalismo contemporâneo, especialmente no que se refere às

mudanças no mundo do trabalho e o processo de desestruturação dos sistemas de

proteção social e das políticas sociais em geral.

Por um lado exigem trabalhadores qualificados na esfera da execução, que

tenham capacidade de propor e de contribuir, de maneira ética, com o esclarecimento

e a efetivação dos direitos, mas, por outro lado, em virtude da condição de

assalariamento e das condições de trabalho, os Assistentes Sociais são tensionados

a incorporarem determinações institucionais e trabalhistas que regulam as relações

de trabalho, que além de estabelecerem as normas referentes a jornada de trabalho

e salário, condicionam as funções, as atribuições e o conteúdo desse trabalho.

Conforme afirma Iamamoto (2008), embora o Serviço Social tenha sido

regulamentado como profissão liberal, com estatutos legais e éticos, essas condições

restringem a autonomia teórico, técnica e ético-política profissional e isso fica claro

nas falas das profissionais entrevistadas:

Aqui a gente nem sempre tem autonomia para atuar. Qualquer eventualidade que a gente queira fazer tem que pegar autorização

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com gerente. Coisas que são atribuições do Serviço Social eu tenho que pegar autorização do gerente. Por exemplo. Quero fazer uma visita excepcional tenho que pedir autorização para o gerente. Autonomia pra mim é quando você vai atuar e tem liberdade para exercer sem pegar autorização de ninguém. Aqui tem muito disso, das pessoas intervirem no nosso trabalho, todo mundo quer dar pitaco no que o adolescente tem direito (AS 2).

Aqui tudo que vai fazer tem que pedir autorização para gerência. E penso também que quando você não tem recurso você não tem autonomia. Mas ainda assim, eu projeto, planejo, programo atendimentos individuais, coletivos... pontuais. O que for de matéria mais específicas e pontuais eu consigo fazer (AS 3).

É uma briga a questão da autonomia... é preciso brigar. Hoje eu tenho menos problemas nesse quesito, mas para isso é preciso brigar. Uma hora a gente desgasta. A gente está dentro da Instituição, então também temos as regras e normas, então tem muita coisa que a Secretaria deixa muito em aberto e por mais que você tenta mostrar entendimento sobre a profissão, as vezes precisa sentar com o gestor, tentar uma melhor maneira, e hoje com o atual gestor a gente consegue até se fazer entender. Mas, sem regimento interno, sem PPP, a gente acaba patinando em algumas coisas. A gente tem buscado e tem conseguido avançar nesse quesito, mas as vezes algumas coisas empacam e a gente sabe que isso é além da gestão setorial aqui (AS 6).

Ah, a gente tem autonomia, mas essa autonomia é muito reduzida por conta das limitações institucionais. Por exemplo, vai fazer encaminhamento do menino para questão de saúde ou qualquer outra situação tem que verificar com a gerência antes. Vai fazer ligação para a família não tem crédito no celular, tem que esperar o crédito ser autorizado, e aí se for urgente? A gente tem que criar estratégias aqui para dar conta das demandas (AS 7)

A autonomia do Assistente Social, entendida como princípio fundamental ao

exercício profissional do Assistente Social, é um direito garantido pela Lei de

Regulamentação da Profissão e pelo Código de Ética Profissional. No entanto, é

delimitada por diferentes elementos que contribuem para ampliá-la ou restringi-la. A

partir das falas das Assistentes Sociais, podemos considerar que as questões que

impactam direta ou indiretamente na autonomia são referentes as relações de poder,

de hierarquia que aparecem como fatores que limitam o exercício profissional,

denotando com isso que existe ali espaços de lutas e de disputas hegemônicas e que

mesmo com a estabilidade do vínculo nem sempre possuem a autonomia necessária,

e também as imprecisões quanto a distinguir os objetivos, demandas e requisições

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impostas nas instituições que, em sua maioria, são por elas assumidas (GUERRA ET.

AL., 2016).

Dessa forma, inserido no loco do movimento da sociedade burguesa, o

exercício profissional é influenciado tanto pelas demandas institucionais como pelas

demandas da classe trabalhadora, e fica no limite entre as atividades que são de sua

competência profissional com aquelas que são ou não determinadas pela instituição.

E mesmo que os Assistentes Sociais atribuam direção social ao seu exercício, ocorre

a interferência dos organismos empregadores através do estabelecimento de metas,

normas, atribuições, condições de trabalho e relações de trabalho (IAMAMOTO,

2008).

As condições de trabalho relatadas pelas profissionais também são fatores que

limitam a autonomia profissional, observa-se que surgiram, nos depoimentos das

Assistentes Sociais, elementos como a falta de espaço físico adequado para

atendimentos ao adolescente e à família, equipe profissional de agentes de segurança

reduzida, que se apresenta como entrave ao atendimento em grupo e à expansão das

margens da autonomia.

A insuficiência dos recursos materiais também foi citada e pode ser associada

como elemento que restringe a autonomia, conforme defende Raichelis (2011) ao

mencionar que a mercadoria “força de trabalho” do Assistente Social só entra em ação

quando dispõe dos meios e instrumentos de trabalho necessários à sua atividade,

dentre eles estão os “recursos materiais” que devem ser garantidos pelo empregador.

As condições estruturais, institucionais e societárias limitam a práxis

profissional e superá-las requer imprimir ao exercício uma direção social crítica, pois

conforme sinaliza Iamamoto (2008) o Assistente Social é um profissional que dispõe

de uma autonomia relativa, e que embora a condição de trabalhador assalariado

tensione a autonomia, não inviabiliza o direito de exercer sua atividade profissional, a

partir do direcionamento do Projeto Profissional, e de construir possibilidades de

intervenção, redimensionando o exercício profissional e transformando a realidade

social na qual está inserido. Isso é destacado por três profissionais:

A gente segue um cronograma, mas se precisar fazer algo diferente eu consigo, por isso eu acredito que eu tenho autonomia para propor, para atender, para realizar atividades diversas com eles. A gestora também é Assistente Social, conhece as nossas diretrizes

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profissionais, então se precisar sair e buscar parceria fora ou mesmo buscar conhecimento eu também tenho autonomia (AS 1).

Eu tenho liberdade para desenvolver meu trabalho da forma que eu acredito que tenha que ser, não me sinto ceifada por nenhum outro profissional de outra área. A gente consegue trabalhar em equipe aqui, onde cada um respeita seu agir profissional. Não me sinto lesada assim na minha autonomia enquanto Assistente Social (AS 4).

Uma certa autonomia sim. Sei que poderíamos fazer mais, porque o Serviço Social dispõe de condições de ter autonomia, considerando o nosso Projeto Profissional. E para isso é preciso ter conhecimento, ter criatividade. Mas a gente engessa muito o fazer profissional. A gente tem condições de avançar, mas a gente não ta tomando esse espaço (AS 5).

As entrevistas confirmaram que a autonomia, apesar de ser um elemento

essencial ao exercício profissional, é tensionada, e mesmo não dispondo de todas as

condições objetivas necessárias, as Assistentes Sociais das falas acimas

demonstraram compreender que as rotinas institucionais, que engessam e

burocratizam a ação profissional, não podem delimitar a autonomia, que as relações

de forças existentes no cotidiano profissional podem ser subsídios importantes para o

desenvolvimento de suas ações, bem como o desempenho de sua autonomia, tanto

é assim que A AS 5 reconhece a importância de ocupar espaços para ampliar a

liberdade de dar direcionamento ao desenvolvimento do exercício profissional.

O exercício profissional do Serviço Social é constitutivo de características

liberais que se expressam por meio do Código de Ética, da relação que pode ser

estabelecida com os usuários e com a possibilidade de apresentar intervenções que

vão para além de mera execução rotineira ou mesmo que ultrapasse aqueles limites

institucionais. Isso denota o caráter político do exercício profissional e potencializa as

possibilidades de elaborar estratégias e enfrentar os desafios.

Ainda que esse exercício profissional seja desenvolvido em um contexto

carregado de contradições e desafios, o Assistente Social precisa buscar

conhecimento para ultrapassar o senso comum, para superar as respostas imediatas

que lhe são demandadas institucionalmente, compreender “como as políticas sociais

são criadas na lógica da coerção e da busca do consenso identificando as requisições

profissionais daí derivadas e como a profissão vem reagindo a essas investidas na

conformação do seu modo de ser de responder à realidade” (GUERRA, 2018, p.35).

Essa reflexão foi feita pela AS 5 ao dizer que:

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A gente fica muito preocupada com atendimento, com preencher papel, preencher documento. Para. Para. As vezes faz bem parar. Não tem problema se a gente parar um pouco a rotina e mexer com o Plano Político Pedagógico, vamos pensar sobre o PPP, construir e regulamentar o PPP, planejar as ações, fazer grupos de estudos a cada quinze dias, debates sobre as nossas atribuições. Vamos nos ater ao que é importante e vamos fomentar isso. Isso pode ser mais importante que um simples atendimento individual. Fomentar reuniões, discussões, materializar a construção de um Projeto e efetivar esse projeto pode melhorar muito mais para o adolescente do que meu atendimento individual e semanal. Entende que isso angustia? Fico levando e trazendo informação do guri e da família... leva e traz. Não é só isso. A gente se atém tanto ao atendimento individual, a garantir os direitos ali do adolescente, esqueço que eu posso me mobilizar para expandir conhecimentos, fazer reunião discutir sobre as atribuições profissionais, construir documentos acerca das condições de trabalho. Eu posso juntar com os colegas e fazer um estudo de cada adolescente. É preciso parar para pensar, entender como eu posso me mobilizar com meus colegas, entender até onde eu posso caminhar e desenvolver isso, eu posso afirmar que se eu paro hoje mais para frente meu atendimento não vai ser prejudicado, porque a proposta de parar para pensar é para melhorar e é preciso fazer balanço das nossas ações. O atendimento individual está colaborando, na maioria das vezes, para atender mais uma demanda da instituição, do Estado e não do Serviço Social em si. O que eu acho que está sendo considerado por nós como emancipação, está sendo na verdade mantenedor, uma forma de controle. É preciso pensar muito e mudar muita coisa para que o atendimento do Serviço Social seja realmente emancipador (AS 5).

Nesse sentido, é preciso entender, como defende Torres (2013), que os

desafios e limitações institucionais devem ser pensados como meios para criar

estratégias, sejam individuais ou coletivas, para isso faz-se necessário que o

profissional faça mesmo “um balanço das ações”, consiga reunir, planejar e

compreender o significado dos procedimentos profissionais, entendendo o que é

atribuição e o que é determinação institucional, como considerou a Assistente Social

acima. Ou seja, é preciso ter clareza de suas competências, atribuições e

prerrogativas profissionais elencadas na Lei de Regulamentação da Profissão, e de

tornar o Projeto Profissional que o orienta como um guia para o exercício profissional.

O “modo de operar” do Serviço Social possui uma finalidade sustentada por

uma direção social que, fundamentada nos pressupostos do projeto ético-político,

requer a utilização de técnicas, de instrumentos teóricos, políticos e técnicos. A

Dimensão técnico-operativa é compreendida como a síntese do exercício profissional,

pois expressa o modo de ser da profissão, por isso compreendê-la em sua totalidade

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é compreender a totalidade do exercício e os elementos que o compõe (GUERRA,

2007).

Nesse sentido Trindade (2017, p. 78) defende que a compreensão sobre as

particularidades dessa dimensão, em relação as demais dimensões, é que ela é

constituída por elementos que condicionam e expressam o modo de ser e fazer da

profissão, sendo eles: ações profissionais, instrumentos e procedimentos. A autora

vai definir as ações profissionais como as “atribuições que viabilizam as respostas dos

profissionais às requisições colocadas pelas demandas institucionais”, portanto,

orientadas pelas escolhas teórico-metodológicas e ético-políticas, materializam o

caráter interventivo do Serviço Social.

Para Mioto (2009) os elementos que compõe a dimensão técnico-operativa,

quando mobilizados, proporcionam direcionamento e materializam as ações

profissionais, e que para a autora existem questões estruturantes e condicionantes no

momento em que essa ação é desenvolvida, sendo as questões condicionantes

aquelas que definem a ação profissional, norteiam os objetivos dessa ação e

expressam os valores que tanto sustentam a profissão, quanto atravessam os

espaços sócio ocupacionais. E as estruturantes são aquelas que sustentam a ação,

destacadas por ela como o conhecimento, o planejamento, os instrumentos técnico-

operativos e as formas de abordagem (individuais, grupais ou coletivas).

Considerando isso, Paula (2014, p. 465) vai defender que, como elemento

estruturante da ação, temos também a elaboração de estratégias e das táticas

político-interventivas, pois estando “articuladas a um determinado projeto de trabalho,

a objetivos profissionais, direcionam a atuação do Assistente Social, inclusive a

escolha da forma de abordagem do usuário, do instrumento e da técnica a ser

utilizadas, entre outras questões”.

Para Santos e Noronha (2010) o desenvolvimento das ações profissionais

ocorre quando o Assistente Social usa os instrumentos, escolhendo-os da melhor

maneira para a ação ser realizada e sempre articulados a uma técnica, um

conhecimento que permite o seu manuseio. Portanto, instrumentos e técnicas, são

requisitos fundamentais para efetivação da ação interventiva, são considerados como

os principais mediadores da prática profissional e são empregados para dar ação a

uma determinada intervenção.

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Considerando isso, a concepção sobre instrumentos e técnicas, e quais os

instrumentos mais utilizados no desenvolvimento do exercício profissional, foram

questões importantes e registradas nas entrevistas, de modo que as Assistentes

Sociais responderam:

O Instrumento para mim é importante. Facilita meu trabalho e me dá um norte para seguir. A técnica se aperfeiçoa com o tempo, a gente vai estudando e moldando, vai se identificando mais com o referencial teórico escolhido e se aperfeiçoando. Os instrumentos mais utilizados são a ficha de cadastro e evolução do atendimento, a de visita, a de acolhimento, o formulário de acompanhamento que eu costumo usar, o PIA – Plano individual de Atendimento porque depois uso também para fazer o relatório, o formulário do estudo de caso e a do desligamento do adolescente (AS 1).

Instrumento para mim é o que vai me possibilitar a intervenção básica. Uma ficha de cadastro é um instrumental. Uma entrevista que eu faço com os meninos é um instrumental. Os relatórios, o PIA, os pareceres são ao meu ver instrumentos que vão me possibilitar a desenvolver o atendimento com determinada técnica. E a técnica é a forma como eu vou intervir. Como eu vou entender essa família. Qual leitura eu vou fazer para, por exemplo, construir o relatório. Como vou manusear esse instrumento, qual habilidade que tenho para manusear o instrumento, qual referencial teórico, qual posicionamento ético que eu tenho para manusear, construir e preencher esse instrumento, para mim é a técnica (AS 2).

Os instrumentos eu considero aquilo que vou usar na minha técnica. A técnica é o meio, a forma como vou desenvolver a ação, operacionalizar algo. O instrumento é um dos materiais dessa técnica, a mediação dessa ação, por meio da qual vou desenvolver a ação. Os instrumentos são: entrevistas, relatórios, visitas... e a técnica é como vou desenvolver tudo isso, como eu vou trabalhar, como vou conduzir a visita, seguindo qual referencial teórico. Os instrumentos que eu mais uso aqui são os formulários de atendimento, o PIA do SIPIA – Sistema de Informação para Infância e Adolescência, entrevistas, relatórios, visitas (quando eu faço, são pouquíssimas porque aqui os meninos são de outros municípios) e os encaminhamentos (AS 3).

Eu acredito assim que os instrumentos eles guiam né a forma do Assistente Social desenvolver o seu trabalho. E a técnica eu acredito que é o domínio de como você vai fazer o seu trabalho. É o que vai utilizar, saber escolher o que vai utilizar e quando utilizar. Os mais utilizados, resumidamente falando, são as fichas de acolhimento, de acompanhamento, de visita domiciliar, o PIA, o relatório... acho que são esses (AS 4).

Nossa, agora ouvindo você perguntando, sabe que eu sempre os vi como uma unidade. Mas parando para pensar... bom o instrumento é

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o meio que vai conduzir o exercício. Eu não manuseio o instrumento simplesmente por manusear. Até o ato de escolher um instrumento em detrimento de outro eu já expresso um posicionamento teórico. Nessa escolha eu expresso meu posicionamento político e também a técnica que eu vou desenvolver para preencher aquele determinado instrumento. Eles representam para mim um núcleo do meu fazer profissional. Os instrumentos são os que dão norte na nossa ação e a técnica aquilo que tem relação com a forma como eu vou preenchendo esse instrumental (AS 5).

Os instrumentos são os aportes que nós temos para fazer nosso trabalho; as visitas domiciliares, relatórios. Eu conceituo as técnicas por meio da observação, do acompanhamento, o modo como vou desenvolver isso (AS 6).

Os instrumentos eu vejo como as Leis que nos respaldam e que direcionam a construção das nossas ações, por meio das entrevistas, dos relatórios né. E as técnicas são as habilidades, de comunicação, de observação, que fazem com que eu desenvolvo meu trabalho (AS 7)

As Assistentes Sociais compreendem que os instrumentos são utilizados para

o desenvolver de suas ações, e os escolhe de acordo com a demanda a ser atendida,

os associando aos aspectos técnicos e aos procedimentos interventivos a fim de

garantir eficácia nas ações. No entanto, assim como a dimensão técnico-operativa no

exercício profissional não se materializa de maneira isolada, a escolha dos

instrumentos também não, pois estão sempre associados a um referencial teórico, a

uma habilidade.

Para Sarmento (2017) o uso dos instrumentos e das técnicas não ocorrem de

forma neutra, demandam racionalidade e intencionalidade que permitem a realização

das ações profissionais e considera que, diante das novas formas de gestão, que têm

surgido nos espaços de atuação dos Assistentes Sociais, há concepções de mundo,

de estratégias, de conhecimentos bem definidos e que trazem configurações

operacionais aos instrumentos, e isso exige dos profissionais esforço crítico e

competente para gerar um conjunto de procedimentos que estejam articulados entre

si os aspectos técnicos, políticos, teóricos e éticos no sentido de dar concretude ao

Projeto profissional.

Foi possível identificar nas falas que algumas das profissionais se referem ao

uso dos instrumentos e das técnicas sem os relacionar ao referencial teórico e aos

princípios éticos e políticos, os relatando como maneira de descrever e reproduzir a

ação, e os escolhendo com base na mera observação, e que essa escolha geralmente

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é feita considerando a demanda que lhe é posta, isso faz com que as dimensões

teórico-metodológica e ético-política fiquem subsumidas na dimensão técnico-

operativa, que ao tratarem-na como um simples conjunto de instrumentos e técnicas

meramente prescritivos, não conseguem percebê-la como prisma da intervenção

profissional do Assistente Social nas relações sociais (Paula, 2014).

Com isso, nos apoiamos em Trindade (2017) quando defende que os

instrumentos devem ser compreendidos como mediadores e potencializadores do

trabalho, pois são as ferramentas necessárias para materializar as ações

profissionais. E as técnicas são as habilidades para o manuseio dos instrumentos, que

os aprimora a partir de sua utilização e das finalidades que se pretendem alcançar.

Nesse sentido, sendo os instrumentos e técnicas partes fundamentais da objetivação

das ações profissionais, são também partes da direção teórico-política da prática

profissional e estão presentes no desenvolvimento das habilidades, dos

procedimentos, sendo todos eles perpassados pela linguagem, seja ela falada ou

escrita.

Portanto, a escolha do instrumental deve passar pela compreensão da natureza

do trabalho dos Assistentes Sociais na instituição na qual está inserido, e na atuação

profissional que desenvolve na Política Social, lembrando que a inserção de suas

atividades está pautada na esfera da regulação das relações sociais.

Porém, em meio a tantas requisições institucionais, funções previamente

estabelecidas, condições objetivas e demandas emergenciais, o profissional até

expressa o discurso de defesa e de implementação do Projeto ético-político

profissional, no entanto, o exercício profissional acaba se constituindo por meio de

elementos conservadores, limitado a realização de tarefas, que baseadas em

experiências anteriores, em analogias, dificulta a compreensão das dimensões que

constituem esse exercício (GUERRA, 2017).

Essa situação pode também ter relação com a preocupação que expressa

Paula (2014, p. 321) referente as lacunas existentes da

Ausência ou a pouca ênfase dada aos debates sobre os instrumentos e as técnicas – assim como à dimensão técnico-operativa – entre nossa categoria profissional e a pouquíssima construção de indicações técnicas, procedimentos, metodologias pautadas em um referencial crítico-marxista.

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Com isso, estando o profissional sujeito a, cotidianamente, desenvolver ações

sem se atentar a perspectiva teórico-metodológica que as respaldam, é levado a fazer

procedimentos rotineiros e repetitivos, fortalecendo o discurso da distância entre a

teoria e a prática e sustentando esse falso dilema que atravessa a profissão.

No entanto, cabe lembrar, conforme defende Guerra (2017, p. 57) que:

Toda ação, estando os sujeitos conscientes ou não, é sempre teleológica e orientada por formulações teórico-metodológicas (racionalistas ou irracionalistas, materialistas ou idealistas, conservadoras ou revolucionárias) que nos direcionam à manutenção da ordem ou à sua transformação.

Sendo assim, ainda que a escolha desses instrumentos e técnicas estejam

atreladas às condições do cotidiano profissional, o conhecimento sobre os

instrumentos, o conhecimento no manuseio desses instrumentos, das técnicas em

escolhê-los e mobilizá-los, implica necessariamente a um fundamento teórico-

metodológico e um posicionamento ético e político. Por isso, a escolha de

determinado instrumento e a técnica em desenvolvê-lo está relacionada e

fundamentada a uma determinada direção social.

Nesse sentido, a formulação de uma determinada metodologia de ação; a construção de uma técnica de entrevista; a elaboração de orientações para o desenvolvimento de trabalhos com grupos, para realização de visitas domiciliares ou institucionais; entre tantas outras questões compõem um rol de táticas técnico-operacionais construídas pelos assistentes sociais. Assim, são formuladas a partir de referenciais teórico-metodológicos específicos. Portanto, são essencialmente ídeo-políticas (PAULA, 2014, p. 321).

Dessa forma, os instrumentos, ao efetivarem as escolhas profissionais,

sustentam a ação profissional, que dotada de determinada concepção teórico, ética e

técnica, contribuem para a passagem da finalidade à materialização da intervenção

profissional. Assim, toda prática racionalizada tem raízes e confronto em um

referencial teórico, que confirmando-o ou reformulando-o volte a informar e orientar a

intervenção, que por sua vez, é constituída por determinações que não se expressam

na aparência do objeto.

Isso posto, o conjunto de conhecimentos sobre os fundamentos e a finalidade

do Serviço Social, bem como a compreensão das diferentes funções dos elementos

na efetivação da ação, possibilitam o desenvolvimento do exercício profissional e da

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habilidade do uso dos instrumentos. Mas, esse processo deve contemplar os

conhecimentos necessários, quais sejam, conhecimento teórico, conhecimento ético-

político e conhecimentos técnicos que devem estar orientados pelo projeto

profissional, na instrumentalidade da profissão (GUERRA, 2008).

Diante disso, dada as categorias ontológicas que sustentam o projeto

profissional, é possível que o exercício profissional transcenda o imediatismo posto

no cotidiano, na rotina profissional e sobretudo seja compreendido em sua relação

teórico-prática, relação essa que, na perspectiva histórico-dialética, potencializa o

papel transformador e propositivo da prática e possibilita a compreensão da realidade

em sua concretude, abrindo um leque de possibilidades diante de um dado contexto

histórico e social, tal como considera Santos (2006, p. 135):

A teoria, na concepção marxista, é o resultado de um movimento do pensamento para se apreender o objeto. No caso de uma prática profissional como a do Serviço Social, a teoria permite que o sujeito – Assistente Social – apreenda seu objeto de ação, o movimento do mesmo, sua direção, suas contradições. Nesse sentido, o Serviço Social, ao necessitar conhecer seus objetos de ação e compreender as demandas por seus serviços, encontra, na Teoria Social de Marx os pressupostos e o método para conhecer a realidade que está posta pela prática social, buscando sua essência (SANTOS, 2006, p. 135).

A relação entre a fundamentação teórica e o exercício profissional, como

elementos diversos que tem uma unidade ontológica, possibilita a apreensão das

contradições e complexidades que circunscrevem a realidade, iluminando o objeto da

ação e esse objeto se constituindo como o produto da prática, pois, de um lado temos

a teoria como um conjunto de conhecimentos organizados e sistematizados que

propõem a explicação da realidade social que se apresenta à atividade prática e do

outro, temos a prática como intervenção e ação nesta própria realidade.

Esse referencial vai permitir a apreensão da realidade concreta, delinear os

limites e alternativas de trabalho com vistas à sua transformação, apresentar os

elementos contraditórios, as mudanças sociais em movimento, a totalidade social, as

possibilidades de concretizar direitos sociais e consolidar o Projeto Político -

Profissional, bem como vai permitir identificar as novas possibilidades de intervenção

profissional.

De acordo com Martinelli (2006, p. 14):

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Somos profissionais cuja prática está direcionada para fazer enfrentamentos críticos da realidade, portanto precisamos de uma sólida base de conhecimentos, aliada a uma direção política consistente que nos possibilite desvendar adequadamente as tramas conjunturais, as forças sociais em presença.

Trata-se, sobretudo, de conhecer, desvelar e desmistificar as mediações e

contradições existentes na realidade vivenciada pelos usuários, os quais estão

inseridos em uma realidade particular determinada por aspectos gerais da sociedade

capitalista atual, além da importância de se considerar tais aspectos, é imprescindível

desenvolver ações conscientes, críticas e criativas, realimentando o próprio ciclo da

formação da particularidade em que os indivíduos estão inseridos.

É preciso reconhecer que a ação profissional é um processo, percebida como

movimento, construída, desconstruída e reconstruída cotidianamente, a partir do lugar

onde é desenvolvida, contemplando as análises conjunturais, institucionais, sociais e

profissionais, na perspectiva da totalidade da vida social.

Por isso faz-se necessário que o trabalho profissional seja realizado sob a

perspectiva de totalidade, não visualizando apenas o indivíduo, mas as relações mais

amplas, buscando formas de intervenção para sua transformação, a partir de

atendimentos às demandas mais imediatas que se fazem presente no cotidiano

profissional, e isso pode ser feito por meio do movimento do conjunto do instrumental

técnico-operativo com as demais dimensões do exercício profissional.

Tal como a dimensão técnico-operativa, os elementos que a compõe estão

articulados ao movimento sócio histórico, recebendo determinações sócio

institucionais e das respostas e projetos profissionais que se fazem presentes na

categoria profissional. Assim, conforme consideram Santos e Noronha (2010) apud

Paula (2014), a escolha dos instrumentos cumpre, além de uma função técnica e

operacional, uma função política.

Dentre os instrumentos mais utilizados com os adolescentes e as famílias,

destacados por todas as Assistentes Sociais entrevistadas, são: formulário de

acolhimento ao adolescente e a família, entrevistas, ficha de evolução de atendimento

social, formulário de visitas domiciliares, preenchimento do PIA e do SIPIA,

encaminhamentos e os relatórios. E referente ao uso desses instrumentais, temos:

Desde o acolhimento até o desligamento desse adolescente, nós temos trabalhado assim... ora utilizo os instrumentais que direcionam

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a operacionalização dessas ações, ora não. Por exemplo, o acolhimento a gente tem uma ficha com perguntas predefinidas que entram os dados básicos. Tem um roteiro, porém, as vezes no decorrer das perguntas a gente acaba tendo uma ou outra dúvida e vai complementando. Essa ficha de acolhimento, por exemplo, quando eu cheguei no sócio ela já existia e com o tempo ela foi melhorada, porque ao fazer a acolhida com esse adolescente a gente sentiu falta de uma coisa e outra e melhoramos a ficha. Mas assim, para mim, de um âmbito geral ela abrange praticamente tudo que é necessário para você saber assim a priori para poder dar os encaminhamentos sequenciais. [...] Outra coisa também é o preenchimento da ficha de visita domiciliar, que embora também abrange quase todas as informações, eu acabo não fechando a conversa, nem anotando tudo na frente da família, sempre quando tem alguma necessidade de abordar outra coisa que não está na ficha eu faço e vou anotando no campo de observações, com cautela. Esse instrumento eu o levo na visita mais para dar um guia, uma orientação, um direcionamento e não para ser preenchido ali [...] Tem a ficha de evolução, mas geralmente eu registro no meu caderno de campo, até porque essa ficha fica na pasta do adolescente e todo administrativo tem acesso, então tem coisas que converso com o menino que deve ficar entre nós, então nem sempre uso essa ficha não. Outro instrumental muito utilizado é PIA, onde fazemos o plano de atividades do adolescente com a família la no SIPIA que é o sistema que preenchemos tudo do adolescente ali que vai para o relatório que a gente faz para o juiz, esse relatório também tem um modelo aqui na unidade que geralmente a gente segue. Aqui a gente chama de relatório psicossocial, porque aí a gente consegue dentro do social colocar as informações básicas, os encaminhamentos que foram realizados, como o trabalho foi desenvolvido... algumas informações sobre os responsáveis do adolescente. [...] E por último a gente fecha com o parecer técnico no qual a gente coloca claramente a nossa intenção para que o juiz possa entender o que sugerimos. Ai fica a critério dele, do que ele leu, se ele acata ou não a nossa opinião sobre aquele adolescente. Se é importante encaminhar para uma medida mais branda ou se é necessário manter aqui. É claro que, toda e qualquer ação aqui precisa de um olhar aprofundado da realidade dessa família, desse adolescente, por meio de um estudo criterioso (AS 4).

Embora tenha dado destaque a abordagem de conhecer o adolescente em sua

totalidade, sua história familiar e trajetória de vida, percebe-se que há dificuldade de

problematizar a questão da racionalidade dos instrumentais e das técnicas, pois ao

falar sobre os atendimentos, as visitas domiciliares e os relatórios demonstrou que

esses instrumentos são construídos de modo a categorizar as condições de vida dos

adolescentes, especialmente quando expressou claramente a intenção que faz ao

final do relatório social que geralmente condiciona o destino do adolescente: ou a

manutenção da medida privativa ou a liberação para cumprimento de medida mais

branda.

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É preciso reconhecer, conforme destaca Celestino (2016), que para uma

atuação afinada aos princípios de defesa e garantia de direitos apropriados pela

profissão e inscritos em seu projeto ético-político, faz-se necessário ampliar a atuação

junto a estes meninos e meninas para além da produção destes instrumentos,

ultrapassar critérios condicionantes, formais ou manipulatórias, e isso parece ser

sinalizado pela AS 5:

Bom, quando o adolescente chega eu tenho a preocupação de conhece-lo para além do ato infracional. E depois a intenção de conhecer a dinâmica familiar. Isso vai além daquela entrevista estruturada que geralmente a que a gente tem usado na unidade está bem voltado para o que a instituição quer e precisa saber. Eu não uso essa. Não tem uma que fora demandada pelo Serviço Social. Foi uma que nos forjou pela necessidade que a unidade tem de algumas informações. Se não fosse isso, será que teríamos algo padronizado? Não sei. Enfim. Bom, depois de conhecer um pouco mais a história desse menino a gente passa pela necessidade da visita. Uma observação quase que direta, por que? Porque que para mim as pessoas não são elas mesmos quando são visitadas. Mas a gente tem condições de observar aquilo que não é dito durante a visita. A gente conhece de fato a realidade ali, o dia a dia dele e da família, a comunidade que ele mora. Mas, eu não levo instrumento para visita, não gosto de ficar escrevendo, percebo que as famílias não se sentem à vontade quando a gente escreve. Não gosta dessa coisa de parecer fiscalizadora. Acho que o instrumento que mais uso é o relatório, mas sempre fico pensando parece que a gente faz o relatório para gente. Que o juiz espera do nosso relatório? O que de fato ele quer saber do adolescente? Eu entendi assim, hoje eu faço os relatórios, muito com base de como o adolescente está na unidade. O diagnóstico que eu faço da realidade dele serve para eu auxiliar as famílias no encaminhamento das demandas que surgirem. As informações mais aprofundadas eu utilizo para eu desenvolver minhas ações para com eles. Acho que é isso. E assim, eu escolho os instrumentos que eu utilizo dependendo muito da demanda, aquelas que são mais gritantes eu utilizo para me orientar mesmo. No mais eu uso a comunicação, o conhecimento, a leitura de realidade, algo mais dinâmico, depois eu anoto tudo e vou estudando os pontos para ver se consigo desenvolver algo mais criativo, propor algo diferente e que eu tenha condições de fazer na Unidade (AS 5)

A fala da AS 5 denota a importância da escolha dos instrumentos, da leitura da

realidade, de conhecer essa realidade também por uma visita agendada, sem

perspectiva fiscalizadora, para que, com a articulação da rede, sejam propostas ações

mais criativas que vão para além de atender as demandas que são apresentadas ao

longo do acompanhamento do adolescente no cumprimento da medida. Também

destaca sobre a necessidade de registar tudo em um caderno próprio para “estudar

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os pontos” e não para simplesmente estruturá-los nos relatórios para informar e ou

auxiliar o juiz na decisão.

As profissionais reconheceram como essencial a articulação com a rede de

atendimento à criança e ao adolescente, prevista no Sistema de Garantia de Direitos,

quando destacaram a importância do encaminhamento e do acompanhamento desse

processo, todavia, relataram dificuldades no que tange à intersetorialidade na

execução das medidas, e com isso, as ações desenvolvidas são mais voltadas ao

atendimento das demandas objetivas expressas pelos adolescentes e famílias.

Nas falas é possível perceber que o atendimento do Serviço Social tem como

objetivo conhecer a trajetória sócio histórica do adolescente e da sua família, as

demandas por eles apresentadas e mesmo aquelas não ditas, mas observadas. Ao

entrar em contato com a história do adolescente o Assistente Social consegue definir

as estratégias e técnicas de intervenção.

Durante as entrevistas, todas as Assistentes Sociais relataram que o

atendimento com a família ocorre tanto por contato telefônico, quanto por atendimento

presencial nos dias e horários combinados com a família, quando esta é oriunda de

outro município. Há uma preocupação unânime com relação ao sigilo ético e a garantia

de direito, de espaço de escuta e intervenção qualificada a fim de atenuar as

vulnerabilidades familiares, pois todas elas relataram que não há espaço para

desenvolver ações com as famílias e que atendem as famílias nas salas disponíveis

para o atendimento ao adolescente, mas não conseguem fazer grupos de famílias,

espaço para discussão de temas pertinentes e comuns as famílias, o que pode

dificultar a compreensão da totalidade, das contradições e das dimensões vividas

pelos grupos familiares, para elaborar as mediações necessárias que servirão de

apoio para prática profissional.

Destacaram também a questão do acompanhamento familiar, a construção do

PIA e a importância de compreender as várias referências de constituição de famílias,

bem como observar qual lugar do adolescente naquele espaço.

Sobre as visitas domiciliares, todas as entrevistadas declaram dificuldade em

realizá-las em decorrência da pouca disponibilidade, e as vezes nenhuma, de veículos

descaracterizados ou em conformidade para assim fazê-las. Isso pode dificultar a

aproximação do profissional com a territorialidade do sujeito, fazendo com que o local

de moradia, os conflitos existentes nesse território que dificultam as relações

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familiares, o mapeamento da rede socioassistencial existente na comunidade em que

o adolescente vive, a articulação da rede e a possibilidade de acionar programas

específicos de proteção fiquem passíveis de não serem conhecidos e realizados.

E, embora tenhamos dado destaque apenas para algumas falas sobre o

formulário de visita domiciliar, cabe pontuar que todas elas relataram que, quando

fazem a visita, nem sempre o utilizam para não parecer um momento de fiscalização,

fato este importante nesse processo.

Cabe considerar que há predominância da abordagem individual pelas

profissionais do Serviço Social no CASEs, cuja proposta, segundo Lima e Mioto (2009,

p. 42) “reside em atender o usuário como sujeito, visando responder a essas

demandas/ necessidades numa perspectiva de construção da autonomia do indivíduo

nas relações institucionais e sociais” o que nos leva a entender que essa abordagem

precisa acontecer para além de uma perspectiva pontual ou isolada.

Sendo assim, pode-se dizer que a diferença entre a forma de conduzir uma

mesma intervenção entre os sujeitos profissionais será indiscutivelmente o domínio

teórico-metodológico e ético-político, tanto no que se refere aos direitos a serem

assegurados, a garantia da intersetorialidade entre políticas ou a potencialização dos

adolescentes e das famílias, e, nesse processo, o emprego do instrumental técnico-

operativo adquire sua singularidade.

Com relação aos instrumentos, Trindade (2017) vai fazer uma reflexão sobre a

categorização os definindo como sendo de caráter individual – aqueles que são

usados para o atendimento direto ao usuário -, os de caráter coletivo - utilizados para

o desenvolvimento de ações coletivas, em grupos -, os de caráter administrativo-

organizacional – considerados pela autora aqueles que cumprem a função de articular

tanto questões internas e externas à instituição, usados principalmente na gestão e

no encaminhamento dos serviços sociais -, e aqueles chamados de instrumentos de

formação profissional, capacitação e pesquisa.

No entanto, a proposta dessa categorização formulada por Trindade (2017) não

é engessar o uso dos instrumentos ou imprimir funções que os generalizem e que os

enquadrem em determinadas circunstâncias, ao contrário, a ideia é que um mesmo

instrumento pode e deve ser utilizado em atendimentos diferentes, com finalidades

diversas ou com técnicas distintas, até mesmo porque a proposta dos instrumentos é

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Operacionalizar a criação de respostas profissionais que são oferecidas aos usuários dos serviços prestados pelos Assistentes Sociais. Mas as utilizações desses instrumentos não constituem as respostas profissionais em si. É todo o conjunto do instrumental técnico-operativo, colocando em movimento as demais dimensões do exercício profissional, que vai compor o processo de formulação das respostas profissionais aos usuários (PAULA, 2014, p. 467).

E mesmo por serem elementos históricos, são desenvolvidos de maneira

diferentes em contextos diversos, sendo assim as mais variadas técnicas podem ser

associadas a um mesmo instrumento que pode ser utilizado de várias formas. Por

exemplo, os relatórios da AS 4 e da AS 5, cujas falas foram destacadas, embora sejam

um mesmo instrumento, que contém estrutura semelhante, a maneira como a AS 4 o

conduz e o apresenta ao Juiz, inclusive com parecer final, difere da forma como a AS

5 o desenvolve, preenchendo ali apenas o “feijão com o arroz”.

A propósito, sobre o relatório mencionado não só pela AS 4 e AS 5, mas por

todas as entrevistadas, este é um instrumento referente a reavaliação da continuidade

ou não da medida socioeducativa, preconizada tanto no ECA quanto no SINASE, que

estabelece que a periodicidade dessa reavaliação deve ser no máximo a cada 6

meses ou o tempo definido pelo Juiz.

A construção desse relatório está indicada como uma das atribuições

profissionais das Assistentes Sociais, no entanto, a convocação de manifestação de

manter ou não nos desafia a uma reflexão e um diálogo ético, sobretudo crítico, dessa

atribuição que mais se associa ao cumprimento de um procedimento institucional e de

caráter obrigatório, juridicamente falando.

Fruto de um contexto de avaliação institucional em relação ao adolescente, já

que foi destacado pela AS 4 que o relatório é também produzido pelas informações

concedidas pelos Agentes de Segurança Socioeducativa, o relatório não tem sido

pauta de discussão e reflexão nos CASEs de Mato Grosso, fato esse observado ao

longo das entrevistas e, ao mesmo tempo que são importantes no desenvolvimento

do exercício profissional na área Sociojurídica, especialmente em instituições que

operacionalizam medidas privativas de liberdade, são, em sua maioria, tendenciados

a definir a vida dos adolescentes que há tempos vem sofrendo processo de

desumanização decorrente da sociedade fundada na sociedade privada (Borgiani,

2014).

Para Guedes e Zeneratti (2017, p. 366):

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O relatório social, na avaliação da medida socioeducativa de internação, tende a se constituir como uma forma silenciosa de poder. A não consciência profissional deste pressuposto, bem como o discurso socioeducativo utilizado para dar a face flexível e humanitária às medidas socioeducativas, reiteraram um modelo anacrônico de gestão institucional que materializa as ações do Estado punitivo e reproduz expressões do trabalho alienado e avesso à ética.

As autoras, Guedes e Zeneratti (2017), ainda estabelecem dois eixos de

problematização que devem ser considerados na construção desses relatórios

sociais, o primeiro se refere ao caráter de discricionariedade da medida

socioeducativa de internação e a contradição entre um ambiente punitivo e o contexto

avaliativo, e o segundo refere-se quanto às fragilidades do próprio ECA,

especialmente no que diz respeito ao livre arbítrio concedido ao Juiz em definir o

tempo das medidas socioeducativas.

Essas problematizações podem ser observadas na fala da AS 6:

Aqui, nós trabalhamos com o adolescente tudo que foi construído no PIA com ele e com a família. Então, semanalmente eu faço atendimento social e acompanho, para saber se está cumprindo o que foi combinado e se por ventura ele não estiver fazendo, a gente tem que saber se é porque ele não quer? ou porque a instituição não deu condições? o que aconteceu? Então tudo é dialogado para que ele também não fique prejudicado na hora da avaliação também, até porque posterior a esse processo vai um parecer para a juíza, de que forma que esse adolescente cumpriu o PIA dele. Esse parecer, eu particularmente não gosto de repassar de fato um parecer sobre o cumprimento da Medida por esse adolescente, emitir minha opinião sobre continuar ou não cumprindo medida, porque acho que a gente reduz muito o potencial desse adolescente [...] São as informações necessárias que passamos para a juíza, de que forma foi trabalhada a família, o adolescente, gosto de fazer uma análise crítica dessa instituição, da situação que o adolescente se encontra aqui, daquilo que nós estamos tendo de condições para oferecer para ele também, justamente por não ser uma medida punitiva e sim pedagógica então é preciso ofertar condições para esse cumprimento para que ela junto disso tudo identifique e tome a decisão dela baseada nas informações. Eu não gosto de colocar se o adolescente está apto ou não para ser desinternado ou manter internação, porque eu acho que as vezes a gente acaba usando o pessoal para isso e eu não gosto. É importante compreender sempre o porquê desse adolescente não cumprir normas, não cumprir regras, não desenvolver o que fora proposto no PIA mesmo tendo sido definido com ele... ou as vezes ele faz tudo isso porque sabe que se cumprindo ele irá sair. Então em suma, eu não me limito a um parecer (AS 6).

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A Assistente Social, para a confecção do relatório e também para as demais

ações desenvolvidas no interior do CASE, parece dar centralidade à situação familiar

e a conduta do adolescente na unidade, destacando como informações necessárias

aquelas condizentes ao comportamento, cumprimento de normas, rotinas e objetivos

estabelecidos no PIA, e, ainda que tenha sinalizado sobre a arbitrariedade judicial

dessa questão, não apontou possibilidade de superação dessas práticas.

O que pode ser observado nessa questão é que como a proposta da medida

de internação é privar o adolescente da liberdade, considerando os princípios de

brevidade, excepcionalidade, além de respeitá-lo em sua condição peculiar de pessoa

em desenvolvimento, a execução dessa medida tende a, por meio de práticas

disciplinares e discursivas fundamentadas no que é dito sobre o adolescente na

instituição, corresponder não apenas com às expectativas institucionais mas com a

decisão judicial pela tão sonhada liberdade e isso fica explícito na fala da AS 6 quando

ela verbaliza sobre o cumprimento das normas, rotinas estabelecidas e do bom

comportamento dizendo que pode ser que “as vezes ele faz tudo isso porque sabe

que se cumprindo ele irá sair”.

Dessa maneira, sob essa perspectiva, acaba sendo contraditório o caráter

socioeducativo previsto na medida de internação, vez que tem a finalidade precípua

do controle pela coerção, ou seja, da limitação e evidencia também um viés de

psicologização das relações sociais.

Isso pode ser observado na fala da AS 5:

A unidade está preocupada com o atendimento... em atender o menino uma vez por semana para garantir que o comportamento também seja avaliado. Como se o atendimento fosse garantia de algo. Não passa de um controle social.

Para Maraschin e Raniere (2011), embora a perspectiva socioeducativa tenha

apontado para a execução de medidas fundamentadas em concepções humanistas,

as relações de poderes nesse cenário e nessa política tendem a reproduzir uma lógica

punitiva e coercitiva no tratamento do adolescente, o que resulta em incoerências na

medida de internação, que apesar de objetivar um novo paradigma pautado na

proteção, ainda apresenta o caráter retributivo da pena, pois,

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Esse novo paradigma possibilita que o Estado execute uma intervenção sobre a rotina – administração do tempo – com a promessa de transformar, através do hábito, o adolescente indisciplinado em um corpo docilegal: socialmente útil – corpo dócil – e, ao mesmo tempo, socialmente legalizado. Não basta, obviamente, trabalhar, já que muitos desses adolescentes cumprem medida socioeducativa, justamente, em virtude das suas rotinas de ocupação: tráfico, roubo, contrabando. Ou, dizendo de uma forma politicamente correta, o jovem deverá ter acesso a políticas públicas que lhe permitam inclusão social. A crença depositada nessa máquina correcional é de que seria possível utilizar algumas engrenagens da escola, da religião, do esporte, das artes para que o adolescente infrator possa ser reprogramado em suas tendências indisciplinadas e ilegais. Nesse paradigma, essa reprogramação é facilitada quando o adolescente cumpre o programa-rotina da instituição (MARASCHIN E RANIERE, 2011, p. 100).

Sabemos, pois, que os adolescentes são observados para saber se o

comportamento está condizente com o que propõe a instituição, e isso pode até fazer

parte do trabalho, mas não é possível e nem profícuo usar apenas dessa metodologia

para melhorar algumas condições dele dentro dos CASEs, exatamente por conta das

próprias condições do local, da própria estrutura com relação ao acesso ao direito

dele.

No entanto, nós estamos tão submersos ao ato de responsabilizar, de garantir

direitos individuais, de propor ações que condicionem a participação dos adolescentes

nas atividades que, em sua maioria, moldam comportamentos, que desenvolvemos

intervenções profissionais que estão pareadas com os objetivos institucionais e que

corroboram com o discurso do senso comum quando da reintegração social desses

adolescentes por meio da internação, que também podemos ser um possível

reprodutor do poder discricionário da justiça dada a arbitrariedade que o movimento

de progressão, regressão ou cumulação de medida é instituído posterior a

interpretação das ações profissionais para com os adolescentes e a suposta evolução

social dentro das instituições.

Para Guedes e Zeneratti (2017, p. 369),

Há durante a inserção do adolescente na instituição, uma série de comportamentos prescritos por esta instituição e que orientam a execução da medida socioeducativa. O Assistente Social como um técnico nesse espaço sócio ocupacional, analisa a adesão dos adolescentes a comportamentos considerados positivos, do ponto de vista que se chama ressocialização.

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Esse discurso da “ressocialização”, no caso do Sistema Socioeducativo da

reintegração e da Socioeducação é tão forte na instituição, que é possível observar

que todos os argumentos utilizados na avaliação, no relatório em si, estão vinculados

a questão familiar, a história social e familiar dos adolescentes, a adaptação na

unidade, ao comportamento, a contribuição desse adolescente para com ele mesmo

e com os outros durante esse processo, e também a escolaridade, mas não ganha

destaque nas falas o acesso precário as políticas como uma variável de análise, com

exceção da AS 2 que, sob essa perspectiva, expressou certa preocupação quando da

elaboração dos relatórios, considerando também as condições em que os

adolescentes estão inseridos nos CASEs:

O relatório aqui é multidisciplinar, fazemos em conjunto com o Psicólogo, Educador Físico e da Escola. Cada um faz sua parte, assina e daí a gente junta e encaminha para o juizado. Eu particularmente não sugiro para o juiz se ele deve ou não manter a medida socioeducativa do menino e, com isso, sinto dificuldade de fazer o relatório. Não é uma dificuldade de escrever o relatório, mas a forma como eu vou colocar, preocupação em não prejudicar o adolescente visto que nem sempre é possível oferecer condições para que o menino cresça e evolua nesse processo de cumprimento da medida. Como eu coloco que o adolescente não teve condições de evoluir se essa evolução tem muito mais a ver com a instituição do que com o próprio adolescente. Por exemplo o adolescente fica aqui 1 ano e não é possível oferecer um curso de profissionalização para ele. Como é que eu coloco no relatório que ele não evolui se não oferecemos condições para tal. Até porque isso eu entendo que também influencia no comportamento do adolescente aqui dentro. O que temos feito para mudar isso¿ Não adianta no atendimento eu dizer para o adolescente que, por exemplo, drogas faz mal, ou que o comportamento dele está danoso se eu não consigo oferecer atividades que direcionem uma outra condição, outra perspectiva, um outro comportamento ou uma outra forma de compreender a vida (AS 2).

De todas as Assistentes Sociais, apenas uma abordou o relatório como sendo

social e não psicossocial ou multidisciplinar, fato esse que também pode revelar

dificuldades em refletir sobre as especificidades da profissão, pois geralmente o relato

ocorre concomitante com o psicólogo e é assinado junto, o que vai contrário ao que

define a resolução número 557 do CFESS de 2009. Isso implica inclusive em questões

que envolvem o sigilo profissional de algumas situações, mesmo algumas tendo

relatado sobre o cuidado referente a isso (CFESS, 2009).

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Outro ponto observado foi com relação a dificuldade de reunir a categoria e

repensar sobre a reformulação desses instrumentos. É destacado pela AS 4 que um

dos instrumentos fora melhorado ao longo do processo de intervenção, mas ainda

assim expressou a necessidade de ampliar algumas questões e espaços em alguns

formulários, mas não sinaliza a possibilidade de repensá-los e reformulá-los a fim de

garantir os objetivos propostos em uma outra oportunidade. Mas, entre uma

inquietação e outra, a AS 5 fez uma observação interessante sobre esse assunto sem

ter sido “provocada”:

Pensar sobre esses instrumentos. Esses instrumentos não foram feitos por mim. O que será que a pessoa quis dizer ou quer saber diante daquelas perguntas?! Embora tenhamos que seguir o direcionamento desses instrumentos, tem coisas que o instrumento não consegue abordar, são nesses momentos que eu sinto dificuldade, não porque estou enrijecida com o instrumento, mas porque ir para além do que está posto não é uma tarefa fácil, mas ficar alheia a isso é pior. Não somos meros preenchedores de instrumentos (AS 5).

Entre todas as Assistentes Sociais, a AS 5 foi a única que fizera a ponderação

mais crítica com relação ao uso dos instrumentos, de “ir para além do que está posto”,

expressando com isso uma possibilidade ou mesmo necessidade da

reconstrução/reformulação dos instrumentos utilizados, e demonstrando a

compreensão do instrumento como um meio de alcançar determinada finalidade.

Para Guerra (2017), os instrumentos se revestem de uma intencionalidade

profissional e a partir de então, são criados, utilizados, mobilizados de acordo com a

finalidade da intervenção profissional, da racionalidade que permeia a ação,

contribuindo para a passagem da teoria à prática e permitindo a materialização dos

objetivos profissionais em ações concretas.

Nessa perspectiva Trindade (2017) estabelece que o instrumental técnico-

operativo expressa a articulação ontológica entre os instrumentos e as técnicas, por

isso os instrumentos de trabalho são constantemente aprimorados pelas técnicas em

decorrência das transformações e da necessidade de atender as mais variadas

demandas que são historicamente determinadas, por isso possui caráter histórico.

Considerando essas determinações sócio históricas dos instrumentos, Paula

(2014) vai considerar que eles não são elementos prontos e acabados, ao contrário,

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são passíveis de serem criados e recriados pelos profissionais que deles se utilizam,

portanto a sua reconstrução é uma estratégia importante, no entanto,

Na maioria das vezes o profissional, ao chegar em um determinado espaço sócio ocupacional para iniciar seu trabalho, acaba utilizando os instrumentos já construídos ou formulados previamente naquele espaço institucional Sem analisar com criticidade se aqueles instrumentos irão contribuir no alcance de seus objetivos profissionais. Os Assistentes Sociais possuem uma autonomia relativa que, na maior parte dos espaços institucionais, lhes permite a construção – ou reconstrução – de seus próprios instrumentos de trabalho” (PAULA, 2014, p. 467)

O Assistente Social para fazer o uso de um conjunto articulado de instrumentos

e técnicas no desenvolvimento do exercício profissional e para que a ação profissional

seja efetiva e se aproxime com a finalidade da profissão, é preciso portanto conhecer

o objeto de trabalho, a realidade na qual está inserido, a demanda apresentada e

planejar seu trabalho tendo por base a totalidade das dimensões que o compõem:

teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.

Todavia, ao que parece, há fragilidade na compreensão sobre a totalidade do

exercício profissional nos CASEs de Mato Grosso, por isso é importante refletir sobre

as intervenções para as quais o Assistente Social é requisitado nessas instituições

que atendem adolescentes que estão cumprindo medida privativa de liberdade, a

partir de condições objetivas postas no cotidiano do trabalho na instituição, a fim de

sinalizar formas de ultrapassar as prescrições de ações e atitudes a serem cumpridas,

que, em sua maioria, são apresentadas como regras institucionais que convergem

para a idealização das ações de reintegração social.

Ao longo do desenvolvimento do exercício profissional no CASE e da coleta de

dados nos cientificamos dos dilemas que desafiam cotidianamente a “ultrapassar

tendências em afirmar a reprodução de valores morais avessos às possibilidades de

ampliação de ações emancipatórias e que indicam a dimensão ético-política da

profissão para enfrenta-los” (GUEDES E ZENERATTI, 2017, P. 371);

A partir de uma interpretação institucional, a especificidade do Assistente

Social, considerando a missão dos CASES, é esclarecida na medida em que são

exigidos a desenvolver ações interdisciplinares com a perspectiva de reintegração

social do adolescente, contribuindo assim com o discurso da Socioeducação, a qual,

na concepção de Silva (2011), sustentada por um pseudo conteúdo socioeducativo,

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reitera a perspectiva construída no ECA e disfarça a natureza punitiva para atingir a

defesa social, com argumentos de controle social e de responsabilização do

adolescente inimputável que outrora, sob perspectiva da situação irregular, era

submetido ao conteúdo da assistência e proteção.

A compreensão desses aspectos históricos e conservadores, que se fazem

presentes na Socioeducação, são imprescindíveis para entender, sobretudo, os

objetivos institucionais e a força que eles têm sobre as atribuições dos Assistentes

Sociais, e também a maneira como, direta ou indiretamente, influenciam no

desenvolvimento das ações profissionais no cumprimento dos procedimentos

burocráticos, administrativos e institucionais nos CASEs.

Há um hiato entre a perspectiva protetiva e a punitiva que grita para ser

superado, por exemplo, as entrevistadas relataram que a violação de direitos nos

CASEs por vezes é justificada em decorrência da criminalização do adolescente

sentenciados como autores de atos infracionais. Existe uma demanda pela

responsabilização individual do adolescente no que concerne ao ato infracional e o

enquadramento de seu comportamento às regras e normas com objetivo de ordem e

cumprimento de atividades e rotinas para assim evitar o enclausuramento, como se o

fato do adolescente se comportar adequadamente justificasse única e exclusivamente

a saída do quarto para o desenvolvimento das atividades as quais tem direito.

Para Borgiani (2014) essa é uma das contradições presentes no exercício

profissional nessa área, pois expressam uma dicotomia entre garantir o acesso aos

direitos humanos e ao mesmo tempo responsabilizar civil ou criminalmente aqueles

que os violam.

Isso posto, cabe destacar que as limitações que se fazem presentes no

exercício profissional dos Assistentes Sociais não estão associadas de maneira

exclusiva a questão subjetiva do profissional, portanto, não estamos aqui

responsabilizando o profissional por contradições que são históricas e inerentes às

instituições criadas para trabalhar com a violência sob a perspectiva do controle social

e da punição.

Ainda que as ações profissionais sejam desenvolvidas sob a “fusão eclética

entre aspectos educativos e punitivos” com o objetivo de cumprir normas e políticas

institucionais, podem também ser desenvolvidas a partir das perspectivas teórico,

metodológica, ética, política e técnicas que estão fundamentadas no projeto

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profissional do Serviço Social, porque é a partir dessa relação entre as fragilidades,

os limites e as possibilidades que se configuram os desafios das dimensões presentes

no exercício profissional (GUEDES E ZENERATTI, 2017).

Para isso, é imprescindível que o profissional conheça quais são as atividades

que irá desenvolver no local onde atua, reconheça o espaço onde será desenvolvido

o exercício profissional, o funcionamento administrativo, o lugar de onde vem os

recursos, o perfil dos usuários, as atribuições desenhadas pela Instituição. Se isso

não for de conhecimento pode comprometer a viabilidade e visibilidade do exercício

profissional. Conhecer tudo isso faz com que o profissional tenha mais possibilidades

de respostas profissionais.

Para Guerra (2018) ainda compete aos profissionais uma constante e

permanente formação teórica capaz de garantir o aprimoramento da competência

técnico-operativa, ético-política e intelectual e desenvolver reflexões críticas que, além

de propiciar indignação contra a moral burguesa, possibilitem a construção de

estratégias que permitam organizar ações que estejam em consonância com os

valores e princípios do Projeto Ético-Político: compromisso político com os usuários

dos serviços sociais, com a defesa intransigente da vida humana e em busca de uma

sociedade justa e equitativa.

Na busca de garantir uma prática diferenciada, Faleiros (2005, p. 28) defende

que cabe ao Assistente Social desenvolver no seu exercício profissional cotidiano a

prática da pesquisa para “fortalecer a aproximação do profissional e o científico, do

profissional e do político e do profissional com as condições e relações de trabalho”

e, com isso, aprofundar no conhecimento sobre a realidade onde atua objetivando

identificar os limites e possíveis alternativas ao Serviço Social nos espaços sócio

ocupacionais.

Dessa forma, essa reflexão sobre o exercício profissional, a partir da relação

dialética entre o trabalho consciente e o trabalho alienado dada as contradições

inerentes ao modo de produção da sociabilidade burguesa, é uma das possíveis

alternativas encontradas para ultrapassar os grandes desafios da

contemporaneidade, já que

A alienação e a reprodução de valores do senso comum ou vinculados a um ideário conservador figuram dentre os limites concretos que se impõem frente à possibilidade de escolhas profissionais conscientes. A intervenção profissional não fica ilesa diante do processo de

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universalização da alienação e dos valores avessos ao humano genérico, como os reproduzidos por instituições sociais que, numa conjuntura conservadora, tendem a reproduzir valores cuja raiz está na defesa da sociabilidade burguesa e desigualdade de classes (GUEDES E ZENERATTI, 2017, p. 367).

E é nesse movimento contraditório que nos organizamos para acumulação de

forças políticas na luta anticapitalista, para revigorar as lutas e movimentos

democráticos, a questionar critérios de escolha e elegibilidade para o direcionamento

de serviços sociais, a democratizar o acesso à informação, a pesquisar e conhecer os

sujeitos que demandam as ações profissionais e realizam alianças com eles bem

como a estabelecer compromisso com os usuários (GUERRA, 2005).

Se por um lado as condições e relações de trabalho nas quais se desenvolvem

a intervenção dos Assistentes Sociais são conflituosas, permeadas pela lógica do

capital, indissociáveis do conjunto de acontecimentos que redimensionaram e

redimensionam as relações entre o Estado e a sociedade, por outro lado, é preciso ter

consciência que o exercício profissional deve ultrapassar a mera administração

pública tradicional, centralizada e burocrática, tem que ir além da repetição e

mimetismo que configuram a vida cotidiana. Nos dizeres de Iamamoto (2004, p. 21) é

preciso:

Ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar tendências e possibilidades nela presentes passiveis de serem impulsionadas pelo profissional. [...] as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho.

Para compreender que as possibilidades de transformação não estão na

profissão, mas na realidade na qual o exercício profissional é desenvolvido, é

fundamental que haja uma intervenção que seja constituída de saberes,

conhecimentos, habilidades, valores e posturas e que se estabeleçam as devidas

mediações entre interesses dos usuários e da classe dominante, racionalizando o

fazer burocrático e pontual, vislumbrando alternativas de ação coletivas para o

cotidiano da instituição.

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151

Nesse sentido, há que se reconhecer a possibilidade de intervenções

pedagógicas emancipadoras neste espaço sócio ocupacional, para isso é preciso ter

clareza dos objetivos da profissão para fazer a crítica ontológica do cotidiano, das

contradições que atravessam a Política de Socioeducação e dos fundamentos

conservadores que persistem na profissão, para lidar com as contradições do

presente apresentadas pela ordem neoliberal e pelo neoconservadorismo, ocupar os

espaços, avançar no debate e qualificar as ações. Ou nas palavras de Guerra (2018,

p. 41-2) é fundamental:

Enfrentar o conhecimento sobre o significado social do Serviço Social na atualidade, o que faz o(a) Assistente Social, como enfrenta a relação causalidade versus teleologia no seu cotidiano, se possui o domínio do conhecimento sobre as instituições empregadoras, suas requisições sócio-profissionais e políticas, os fundamentos da política social e as condições que medeiam a inserção de Assistentes Sociais no mercado de trabalho, não apenas no que se refere às condições de trabalho, mas como Assistentes Sociais vêm respondendo na direção do projeto profissional crítico, trazendo à tona as particularidades do Serviço Social como especialização do trabalho no complexo contexto da crise atual.

Ou seja, é preciso desenvolver uma prática competente, não só para atender

os adolescentes e suas famílias em suas especificidades, mas também problematizar

a ação, conhecendo todos os elementos que atravessam as condições e relações de

trabalho para desenvolver reflexões a respeito desse exercício (que estão além das

páginas desse estudo), participar das comissões do conjunto CFESS/CRESS, dos

encontros da categoria, articular com outras forças sociopolíticas, sindicatos da

categoria dos profissionais do Sistema Socioeducativo e organizações da sociedade

civil a fim de defender intransigentemente os Direitos e ampliar a cidadania, tanto dos

profissionais que operacionalizam a Medida de internação, quanto dos internos,

criando ações inovadoras, de compromisso com usuário e do rompimento com as

rotinas e burocracias institucionais mesmo levando em conta alguns de seus limites.

Sendo assim, a compreensão das dimensões constitutivas do exercício

profissional possibilita a ultrapassar essas experiências repetitivas, construir e ou

ampliar a consciência sob uma nova práxis, repensar sobre o processo interventivo

diante dos requisitos postos pelo projeto ético político da profissão, e a pensar em

diferentes formas e objetivos de lutas, mobilizações e organizações coletivas que

continuem produzindo impacto político, a fim de não sermos aprisionados pela

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contradição ora estabelecida, ou mesmo de negar “a possibilidade de escapar do

círculo vicioso das determinações particulares” (MÉSZÁROS, 2008, p. 166).

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153

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo dessa dissertação consistiu em analisar como a dimensão técnico-

operativa no exercício profissional dos Assistentes Sociais nos CASEs de Mato

Grosso é materializada, a partir de ponderações acerca das alternativas de ações,

dos desafios e possibilidades que os Assistentes Sociais encontram para desenvolver

o exercício profissional, dos valores que estão presentes nas ações do Serviço Social,

da escolha pelos instrumentos e técnicas, bem como sobre as respostas que a

profissão vem desenvolvendo para atender às demandas e sobre as direções que

orientam essas demandas.

As considerações, que foram construídas por meio da realização da pesquisa,

do registro e da sistematização dos dados, podem suscitar diálogos e propostas de

intervenções que venham a contribuir com o aprofundamento da compreensão sobre

a dimensão técnico-operativa, bem como com a construção da práxis profissional,

mesmo dentro de uma Política Social que, historicamente, incorporou práticas

meramente assistencialistas, conservadoras e punitivas.

Sabe - se que pelo fato da profissão participar do processo de reprodução das

relações sociais e sua intervenção estar voltada a regulação dessas relações, o

exercício profissional do Assistente Social, que está mediado por dimensões que se

relacionam entre si, recebe influências sociais, históricas, estruturais e conjunturais

da sociedade e das políticas sociais de modo geral.

Nesse sentido, diante do reordenamento do Estado, das mudanças nas

estruturas políticas e econômicas, das estratégias desencadeadas no mundo pelos

organismos internacionais, vivenciam-se diversas alterações na gestão do trabalho e

das Políticas Sociais, além do agravamento das expressões da Questão Social. Essas

transformações vêm trazendo implicações para o exercício profissional, rebatendo nas

condições objetivas e subjetivas de trabalho, nas atribuições e competências

profissionais.

No âmbito da Política de atendimento das Medidas Socioeducativas essas

questões delimitam desafios ainda maiores à categoria profissional, uma vez que as

legislações que regulamentam a implementação e efetivação da Socioeducação são

novas, a Lei do SINASE, Lei 12.594, que estabelece todas as diretrizes para o

atendimento socioeducativo foi publicada/regulamentada no ano de 2012, isso implica

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considerar que além dos entraves da agenda política e econômica neoliberal e todas

as suas flexibilizações nas condições e relações de trabalho dos profissionais que lá

atuam, ainda há que se considerar o caráter contraditório, as diversas mudanças,

tensões e contradições que atravessaram a trajetória histórica da constituição dessa

Política.

A compreensão dessas questões que envolvem a constituição da Política de

Socioeducação propiciou um avanço na reflexão proposta, na medida em que foi

possível conhecer como essa Política foi/está desenhada nos marcos legais, como

ocorreu a inserção do Serviço Social nessa política, os objetivos e as demandas do

atendimento socioeducativo para o Assistente Social, e também a maneira pela qual

os aspectos conservadores que a circundam influenciam no desenvolvimento do

exercício profissional.

Considerando isso, discutir os desafios e possibilidades que enfrentam os

profissionais do Serviço Social no desenvolvimento do exercício profissional na

Política de Socioeducação, compreender como os desdobramentos da realidade

social tem incidido diretamente nas ações, atribuições e competências profissionais

nos CASEs foi desafiador primeiro pelas determinações institucionais e pelos

aspectos conservadores que estão impregnados na Política, e segundo pela lacuna

que ainda existe na produção acadêmica do Serviço Social sobre a dimensão técnico-

operativa e sobre os instrumentos, técnicas, procedimentos e metodologias, pautadas

em um referencial crítico-marxista.

Em decorrência da imposição das demandas institucionais e ainda do debate

limitado nas produções do Serviço Social e também nas diretrizes para atuação no

Sistema Socioeducativo, especialmente na medida privativa de liberdade, é possível

considerar que a questão da dimensão técnico-operativa ainda anseia por

aprofundamento, uma vez que há fragilidades em reconhecer e legitimar as

atribuições e prerrogativas profissionais nos CASEs, o que tem gerado certa

indefinição quanto ao “modo de ser” da profissão também por parte de outros

profissionais que atuam na comunidade socioeducativa.

Dessa forma, a compreensão e a discussão sobre a materialização da

dimensão técnico-operativa pelas Assistentes Sociais dos CASEs requer

problematização já que, por vezes, ficou reduzida à aplicação de instrumentos e

técnicas, e esse fato pode ter relação com a racionalidade instrumental que permeia

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155

o atual contexto e que tem requisitado do profissional ações imediatas, pontuais e

fragmentadas, submetendo o exercício profissional ao tecnicismo e condicionando a

realização, ou melhor, a reprodução de práticas conservadoras e imediatas.

Embora alguns elementos que estruturam a dimensão técnico-operativa

tenham sido identificados e reconhecidos, há ainda a necessidade de, enquanto

categoria, pensar coletivamente sobre as questões postas na realidade atual e nesses

espaços sócio ocupacionais do trabalho profissional, e buscar estratégias para

avançar no trabalho, pois, se a reflexão for apenas sobre o que é demandado,

desconhecendo o significado social do fazer profissional, das implicações éticas e

políticas, dos resultados, a dificuldade em não realizar as competências e

prerrogativas profissionais sempre será vista como decorrência das limitações

institucionais.

Nesse sentido, ficou claro que há a necessidade de pensar tanto no âmbito do

Estado, quanto no campo das instituições da profissão a formação continuada das

Assistentes Sociais, a qualificação do debate acerca do exercício profissional, dos

instrumentos, das estratégias e técnicas que podem ser construídas com objetivo de

avançar nas ações e na compreensão sobre a dimensão técnico-operativa, sobre a

articulação das dimensões que constituem o exercício profissional, repensar acerca

dos elementos que compõem as dimensões teórico-metodológica e ético-política.

A clareza do referencial teórico, por exemplo, pode contribuir e oferecer

subsídios à construção das mediações necessárias para a compreensão dos meios e

dos fins, bem como para a escolha das ações e dos instrumentos mais adequados, já

que os instrumentos e as técnicas são os elementos que compõem os meios de

trabalho e que, dentre outros, constituem a dimensão técnico-operativa do Serviço

Social, portanto, não possuem um fim em si mesmo, estão associados às finalidades

que o profissional imprime à sua ação, dessa forma a maneira como é entendido,

construído e utilizado pode definir o sentido e significado social da profissão.

Os instrumentos e técnicas são um dos elementos meios necessários para

alcançar objetivos profissionais, no entanto não podem ser entendidos de maneira

descritiva e imediata, tal qual foi observado nos depoimentos, pois isso faz com que

as dimensões teórico-metodológica e ético-política se tornem difusas na sua relação

com a dimensão técnico-operativa, que termina não sendo percebida como prisma da

intervenção profissional do Assistente Social nas relações sociais.

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156

A instrumentalidade não pode ser pensada apenas como um fim em si mesma,

é preciso pensar sobre seu espaço no cotidiano, pois nesse espaço imperam

demandas de natureza instrumental o que faz com o que a relação meios e fins não

sejam pensadas, ocasionando essa dificuldade de questionar sobre os fins, o “para

que”, o “porque”, o “quando”, e isso, consequentemente, nos remete a desenvolver

ações que respondam de maneira fragmentadas e imediatas. Por isso, é de

fundamental importância que os sujeitos profissionais acionem os elementos

necessários para alcançarem os fins.

Outra questão que pode ser considerada é referente a autonomia profissional.

Tendo em vista o complexo jogo de relações que estão presentes no seio da própria

sociedade capitalista, bem como no interior dos CASEs, através das mediações

construídas entre as atribuições institucionais, as demandas dos usuários e as

competências profissionais, há interferência na autonomia não só para desenvolver

as ações profissionais, mas também para escolher os instrumentos, técnicas e

estratégias que darão norte nessas ações.

Considerou-se também que as alterações no âmbito do Estado, provocadas

pelas reformas gerenciais que alteraram as perspectivas funcionais e ocupacionais

das políticas, e também as condições de trabalho, tendem a limitar o desenvolvimento

do exercício e da autonomia profissional, já que as respostas profissionais acabam

sendo condicionadas por uma racionalidade formal-abstrata e desenvolvidas

conforme estabelecido institucionalmente, reproduzindo a ideologia e o discurso

dominante e oficial acriticamente, e isso pode ser notado, por exemplo, na

individualização dos atendimentos, que muitas das vezes ocorrem com a perspectiva

de amenizar as tensões usando o discurso da garantia de direitos.

Há, portanto, o desenvolvimento de ações que nem sempre são atribuições da

profissão mas que são realizadas com o objetivo de garantir/assegurar o que

consideram como direitos dos adolescentes e das famílias, e, com isso, o exercício

profissional acaba se constituindo por meio de elementos conservadores, limitado a

realização de tarefas, que sobrecarregam as profissionais que, muitas das vezes, não

conseguem planejar e sistematizar suas ações pois dispenderam tempo e atenção

aos procedimentos que não são específicos, mas que demandam respostas.

A dificuldade e em diferenciar as demandas da instituição, as demandas dos

usuários e as demandas da profissão também requer pensar e buscar alternativas

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para ensejar a construção de um olhar crítico-reflexivo acerca da direção teleológica

do Projeto Ético-Político e dos limites e possibilidades do exercício profissional nos

CASEs. Há que se considerar, portanto, a importância de fazer reflexão sobre as

determinações e conexões que estruturam o desenvolvimento do exercício

profissional, tais como o espaço sócio institucional, as demandas dos usuários e a

organização da política social, além do conhecimento sobre as atribuições privativas

e competências profissionais, caso contrário, a resposta profissional tenderá a ter um

fim em si mesma, dada a ausência de uma ação consciente, crítica e propositiva

(BACKX et. al., 2017).

Mais do que compreender o significado da profissão no processo de

reprodução das relações sociais na atual conjuntura, as demandas decorrentes do

atual contexto desafiam o profissional do Serviço Social, cotidianamente, a ter um

olhar ampliado para o cenário contemporâneo, a investir na produção de

conhecimento, na formação profissional continuada que propicie subsídios teóricos,

éticos, políticos e técnicos que auxiliem no desenvolvimento de reflexões e propostas

de enfrentamentos coletivos que estejam em consonância com o sentido e a direção

social da práxis profissional.

Pensando nisso, foi destaque o reconhecimento da importância de construir um

grupo de estudo, para sistematizar as ações, socializar conhecimento, fazer reuniões

sistemáticas e encontros que discutam sobre exercício profissional, sobre os

instrumentos e técnicas e sobre as particularidades da realidade de cada um dos

CASEs, visando desenvolver e aprofundar a capacidade intelectual, compreender as

múltiplas determinações constitutivas da realidade social e instrumentalizar as ações

profissionais.

Outra questão que também foi pensada no que tange a qualificação das ações

profissionais foi o planejamento, que para Vasconcelos (2015) é considerado

primordial no exercício profissional, deve ser realizado com base no conhecimento da

realidade da instituição e dos usuários e pode ser uma ferramenta importante no

exercício profissional, pois contribui com a superação de práticas imediatas e

burocráticas.

Também foi considerada a necessidade da organização política e coletiva, da

participação nas reuniões das comissões do conjunto CFESS/CRESS, fortalecendo

espaços de resistência e enfrentamento, além de potencializar a educação

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permanente, a fim de ampliar conhecimento e desvendar os desafios, limites e

possibilidades que atravessam o cotidiano da instituição, construindo resistências ao

mero produtivismo imposto pelas normas institucionais estabelecidas nos CASEs.

Isso posto, cabe pontuar que, embora as legislações referentes ao exercício

profissional, bem como, da Política de Socioeducação tenham avançado teórico-

normativamente, a compreensão e o desenvolvimento das ações profissionais ainda

ganham conotação conservadora. E, em decorrência dessa situação, a reflexão a ser

desenvolvida é referente à competência profissional diante das condições de trabalho

e das ações que são realizadas.

É preciso pensar que, embora as condições estruturais e institucionais limitem

a práxis profissional e tencionem a autonomia, não devem inviabilizar o direto do

profissional de exercer a sua atividade, nem mesmo de compreender que as

contradições podem ser vistas e trabalhadas como possibilidades de intervenções que

vão para além das ações conservadoras.

Sendo assim, ressignificar a intervenção profissional a partir do aprimoramento

teórico, do reconhecimento das condições de trabalho e relações sociais nas quais o

exercício se inscreve, por meio de Fóruns e debates realizados junto às instituições

de ensino e entidades da categoria, irá potencializar a capacidade dos Assistentes

Sociais para captarem a estrutura contraditória dos processos sociais, realizarem as

mediações necessárias, qualificarem as ações profissionais e, de forma particular,

compreenderem a configuração de como todo esse processo é construído e incide na

materialização da dimensão técnico-operativa.

Assim, entende-se que desenvolver articulações das forças políticas,

potencializar a dimensão investigativa, a pesquisa e a formação continuada, faz com

que o profissional se fortaleça e desenvolva cada vez mais a perspectiva crítica, tendo

clareza na análise das condições objetivas do movimento das classes sociais,

compreendendo cada vez mais as atribuições profissionais, as competências, os

determinantes e os elementos constitutivos do exercício profissional para formular,

criar, avaliar e estudar propostas que remetem a progressiva democratização e a

efetivação dos próprios direitos, enquanto classe trabalhadora, e também dos

usuários da referida política, de modo a tornar real o Projeto Ético-Político Profissional

no cotidiano de trabalho (FÁVERO, 2016).

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159

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APÊNDICES

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APÊNDICE I – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (CLE)

Prezado (a), Convidamos o (a) Senhor (a) para participar da Pesquisa intitulada:

A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOS

ASSISTENTES SOCIAIS NOS CENTROS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

DO ESTADO DE MATO GROSSO, desenvolvida por Vanessa Martins Galhardo

Lopes, aluna do Programa de Pós-graduação em Política Social da Universidade

Federal de Mato Grosso (UFMT), contato (65) 99998-2108, e-mail:

[email protected] e [email protected] sob a orientação

da Professora Doutora Izabel Cristina Dias Lira [email protected] .

A pesquisa tem como objetivo analisar como se materializa a dimensão técnico-

operativa do Exercício Profissional dos Assistentes Sociais no Centros de

Atendimento Socioeducativo de Mato Grosso. Torna-se primordial essa análise,

entendendo que esse é um espaço de trabalho da categoria que requer construção

teórica sobre a temática a fim de enriquecer o fazer profissional nessa área, visto que

esse tipo de pesquisa tem sido pouco explorada e construção desse saber teórico na

profissão passa por reflexões sobre a realidade do trabalho profissional.

Para o alcance do objetivo a metodologia proposta utilizará a pesquisa descritiva,

de natureza qualitativa. Além das fontes bibliográficas e documentais, serão utilizadas

como fontes primárias entrevistas semiestruturadas como técnica de coleta de dados,

sendo definida uma amostra intencional, realizada com os Assistentes Sociais dos

Centros de Atendimento Socioeducativo de Mato Grosso.

Esclarecemos que a sua participação é voluntária, portanto o (a) Senhor (a) tem

o direito de participar ou não do presente estudo, sem que isto lhe acarrete qualquer

prejuízo ou penalidade.

Os riscos aos quais o (a) senhor (a) será submetido (a) serão mínimos, pois

apenas serão utilizadas entrevistas, e todos os cuidados éticos serão garantidos. Os

benefícios resultarão da socialização do resultado da pesquisa o que possibilitará

reflexões e possíveis estudos para a categoria profissional.

As informações serão utilizadas integralmente ou em partes, sem restrições de

prazos e citações, as quais serão mantidas em total sigilo e confidencialidade,

preservando a sua identidade. Desse modo, asseguramos que os resultados a serem

apresentados nas eventuais publicações não terão o seu nome identificado.

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Lembramos que todas essas informações estão submetidas às normas éticas

destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, da Comissão Nacional de Ética

em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da

Saúde, bem como do Comitê de Ética em Pesquisa CEP/Humanidades-UFMT,

conforme especificadas na Resolução nº 466, de 12/12/2012 e da Resolução

510/2016. A função do CEP/Humanidades, com referência nessas resoluções,

envolve a defesa dos interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e

dignidade, contribuindo assim no desenvolvimento da pesquisa em observância dos

padrões éticos.

Além do contato com a pesquisadora e a orientadora para quaisquer dúvidas e

esclarecimentos, caso seja necessário, o (a) senhor (a) poderá buscar o

CEP/Humanidades, cuja Coordenadora é a Professora Rosângela Kátia Sanches

Mazzorana Ribeiro, Instituto de Educação, 1º andar, sala 31, telefone (65) 3615-8935,

e-mail: [email protected]. Os resultados da pesquisa serão socializados com os

profissionais entrevistados por meio de evento com esta finalidade, e pelo envio via

on-line do relatório final.

Diante do exposto, eu, _____________________________________, declaro

que fui devidamente esclarecido (a) e que cedo os direitos de minha entrevista,

concordando em participar da referida pesquisa.

Este documento será impresso em duas vias. Uma ficará com a pesquisadora,

e a outra será entregue a você.

________________,______ de ___________ de 2018.

____________________________________________________

Assinatura do (a) participante

_____________________________________________________

Assinatura do (a) pesquisador (a)

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APÊNDICE II - ROTEIRO DE ENTREVISTA

Eixo I - IDENTIFICAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL

1. Data de Nascimento:

2. Estado Civil:

3. Município onde mora:

4. Centro de Atendimento Socioeducativo:

5. Nome da Universidade/Faculdade que realizou o curso de Serviço Social:

6. Ano de formação em Serviço Social:

7. Última titulação:

8. Ano da última titulação:

9. Local da última titulação:

10. Curso/ atividade de qualificação em andamento: ________ Local: __________

Ano de término: _____________

11. Tempo de atuação como Assistente Social no Sistema Socioeducativo:

12. Regime de Trabalho:

13. Tipo de vínculo:

14. Participação em eventos e congressos da categoria:

15. Participação em comissões e reuniões do CRESS da Região:

Eixo II - EXERCÍCIO PROFISSIONAL

1. Utiliza os marcos normativos da profissão como referência? Quais são

utilizados?

2. Como você entende a dimensão técnico-operativa no seu exercício

profissional? Quais os elementos que devem constituir esta dimensão?

3. Destaque os desafios que você enfrenta enquanto Assistente Social na

instituição em que trabalha para objetivar/efetivar a dimensão técnico-operativa

no seu trabalho

4. Quais limitações institucionais?

5. Fale sobre as condições de trabalho e o modo como você entende que essas

influenciam no seu trabalho.

6. No seu exercício profissional, você dispõe de autonomia? Como essa

autonomia se efetiva? Indique as limitações.

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Eixo III - ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS

7. Destaque as suas atribuições profissionais.

8. Essas atribuições são efetivadas no cotidiano profissional? ( ) Sim ( ) Não. Em

caso afirmativo, relate como essas atribuições são efetivadas no cotidiano

profissional. Em caso negativo, relate porque essas atribuições não estão

sendo efetivadas

9. Dentre as atividades realizadas indique as que estão mais relacionadas com a

Lei de Regulamentação da profissão.

Eixo IV - INSTRUMENTOS E TÉCNICAS

10. Qual a sua concepção sobre instrumentos e técnicas utilizados no exercício

profissional dos assistentes sociais? (como você os conceitua, os entende, o

que eles representam para o exercício profissional)

11. Quais os instrumentos e técnicas que você utiliza em seu exercício

profissional? Fale sobre os instrumentais utilizados:

12. De que maneira ocorre a escolha desses instrumentos e técnicas; baseado em

que você opta por um em detrimento de outro? Que condicionantes auxiliam e

interferem nas suas escolhas em relação a eles.

13. Como esses instrumentos e técnicas são utilizados (especificar cada um deles)

14. Em seu ponto de vista quais as habilidades necessárias para o manejo desses

instrumentos?

15. Você sente alguma dificuldade na utilização dos instrumentos e técnicas?

( ) Sim ( )Não

16. Em caso afirmativo relate qual é a dificuldade:

17. A que você atribui esta dificuldade?

18. Como você busca solucionar esta dificuldade

19. Destaques os últimos livros que leu:

20. Você tem alguma observação a fazer?

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ANEXOS