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1 UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI CLAUDINEY PROCÓPIO A EQUIPE PSICOSSOCIAL NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO - UM ESTUDO SOBRE A RELAÇÃO DA PSICOLOGIA E DO SERVIÇO SOCIAL NO CUIDADO OFERECIDO AOS ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO SÃO PAULO 2014

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

CLAUDINEY PROCÓPIO

A EQUIPE PSICOSSOCIAL NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO - UM ESTUDO

SOBRE A RELAÇÃO DA PSICOLOGIA E DO SERVIÇO SOCIAL NO CUIDADO

OFERECIDO AOS ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

SÃO PAULO

2014

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

CLAUDINEY PROCÓPIO

Dissertação realizada no Programa de Mestrado Profissional Adolescente em

Conflito com a Lei da Universidade Anhanguera de São Paulo

Orientadora: Profª. Dra. Maria do Rosario Corrêa de

Salles Gomes

Co-Orientadora: Profª Dra. Luciene Jimenez

SÃO PAULO

2014

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Claudiney Procópio

A EQUIPE PSICOSSOCIAL NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO: um estudo sobre a relação

da Psicologia e do Serviço Social no cuidado oferecido aos adolescentes em cumprimento

de medida socioeducativa de internação.

Dissertação realizada para o Programa de Mestrado

Profissional Adolescente em Conflito com a Lei da

Universidade Anhanguera de São Paulo.

Área de Concentração: Gestão da Política de Direitos ao

Adolescente em Conflito com a Lei

Aprovado em __________________

Banca Examinadora

Prof (a). Dr (a)._____________________________________________________

Instituição___________________ Assinatura________________________

Prof (a). Dr (a)._____________________________________________________

Instituição___________________ Assinatura________________________

Prof (a). Dr (a)._____________________________________________________

Instituição___________________ Assinatura________________________

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Anhanguera de São Paulo pela concessão da bolsa que me permitiu realizar este Mestrado. Aos Professores do Programa de Pós Graduação Adolescente em Conflito com a Lei, pelas disciplinas ministradas e pelas conversas que foram de grande valor e riqueza. Um agradecimento especial à minha orientadora, Profª. Dra. Maria do Rosário Corrêa de Salles Gomes, e à co-orientadora Profª Dra. Luciene Jimenez, pelas preciosas orientações, compreensão, inesgotável paciência, persistente estímulo, dedicação e confiança em mim depositada que foram fundamentais e tornaram possível a construção deste trabalho. À Penha, anjo da guarda deste Programa de Mestrado. Aos meus colegas e amigos Alexandre Marciano, Valdir Lourenço, Rosangela Montoia, Silvana, Sue Ellen, Ronaldo Neves, Flavia Palazo, Zenaide, Letícia, Alexandre Tobias que me animaram quando pensei desistir. Um agradecimento especial à Rosangela Domingos, parceira de trabalho e de universidade, por acreditar que nossos sonhos podiam ser realizados e que, neste percurso, contribuiu emprestando seus ouvidos e coração para as minhas angústias. Aos colegas a amigos da Fundação CASA, por contribuírem com o apoio, a torcida e por me aguentarem diariamente. À minha família, especialmente minha mãe, Sebastiana, e meus irmãos, Claudio e Enila, pelo apoio incondicional em toda esta empreitada. Às pessoas que amo: Fernanda Castanheira, Priscila, Simone, Eduardo, Joyce, Fernanda Anias, Barbara, Samantha e Adriana, que torceram para que tudo desse certo e compreenderam os motivos de minha ausência para a elaboração deste trabalho. E a todos que estiveram me apoiando durante esta jornada.

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RESUMO

O presente estudo visa analisar possíveis dimensões do trabalho desenvolvido pelo assistente social e psicólogo na atenção ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação, com ênfase na complementaridade dos saberes necessários para acolher as peculiaridades próprias da contingência de vida deste adolescente e sua família. A elaboração do tema-problema considera as variáveis que interferem na ambiência e condição de privação de liberdade, sua tradução na objetividade do cotidiano, as determinações sobre o perfil do trabalho interdisciplinar e na equipe multiprofissional, além de sua expressão na subjetividade e nas relações sociais dos adolescentes atendidos e suas famílias. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, apoiada pela exploração do tema em fontes documentais e bibliográficas, complementada pela experiência profissional do pesquisador que atua em uma unidade de internação da Fundação CASA, em São Paulo (SP). A intenção principal do estudo é construir uma reflexão a respeito do tipo de atenção oferecida aos adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa de internação, enfocando a equipe psicossocial e a atuação do Serviço Social e Psicologia, as tensões e possibilidades para a ação complementar e suas expressões no trabalho multiprofissional, interdisciplinar e interinstitucional, considerando esta fase e a condição futura do adolescente como egresso do sistema socioeducativo.

Palavras-chave: Medida socioeducativa de internação. Equipe psicossocial.

Psicologia. Serviço Social. Interdisciplinaridade.

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ABSTRACT

This study aims to analyze possible dimensions of the work developed by the social worker and the psychologist in the care of the adolescent who is complying with the social-educational measure of internment, emphasizing the complementarity of the required knowledge for sheltering the very particularities of the adolescent and his/her family’s circumstances of life. The formulation of the theme-issue considers the variants which interfere on the atmosphere and on the condition of deprivation of freedom, their decoding on the daily life objectivity, the ascertainments on the interdisciplinary work’s profile and on the multiprofessional staff, besides its expression on the subjectivity and on the social relations of the attended adolescents and their families. It is a research of qualitative nature, backed up by the inquiry of the theme in documental and bibliographical sources, enhanced by the researcher’s professional experience, who works at a CASA Foundation’s unit of internment in São Paulo (SP). The main purpose of this study is to set up a speculation towards the kind of care offered to the adolescents who are complying with a social-educational measure of internment, focusing on the psychosocial staff and the agency of the social work and psychology, the tensions and possibilities towards the complementary action and its expressions on the multiprofessional, interdisciplinary and interinstitutional work, regarding the current period and the future condition of the adolescent as former inmate of the socio-educational system.

Keywords: Social-educational measure of internment. Psychosocial staff.

Psychology. Social Work. Interdisciplinarity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07

CAPÍTULO I – ADOLESCÊNCIA E O ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO ..... 15

CAPÍTULO II – EQUIPE PSICOSSOCIAL ........................................................... 34

CAPÍTULO III – EQUIPE MULTIPROFISSIONAL E O TRABALHO

INTERDISCIPLINAR: ESPECIFICIDADE E COMPLEMENTARIDADE .............. 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 71

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 73

ANEXO ................................................................................................................ 79

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo construir uma reflexão a respeito da atuação da

equipe psicossocial, que é composta por duplas de assistentes sociais e psicólogos,

no atendimento a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de

internação no Estado de São Paulo em 2013, ano em que foi realizada a pesquisa.

O enfoque da reflexão diz respeito à interdisciplinaridade, considerando-a

como abordagem de trabalho e uma possibilidade de se produzir um novo

conhecimento para enfrentar as dificuldades e complexidades do fenômeno alvo de

intervenção: o adolescente em conflito com a lei e as condições institucionais dadas

para este atendimento.

Para tal tarefa, a primeira parte do trabalho se refere à caracterização da

adolescência como uma construção histórica, a concepção de medidas

socioeducativas e outras considerações teóricas acerca do binômio adolescência e

conflitualidade, necessárias para embasar e compreender o tema trabalhado.

A seguir, é realizada a caracterização da Psicologia e do Serviço Social e sua

inserção no atendimento socioeducativo, complementada pela possibilidade de uma

atuação pautada na interdisciplinaridade.

Esta é uma pesquisa de natureza qualitativa, documental e bibliográfica na

qual se buscou, na literatura científica, textos com temática semelhante ao nosso

estudo e também foram utilizadas produções publicadas pelas instituições oficiais

que dão as diretrizes que regulamentam o trabalho dos Assistentes Sociais e

Psicólogos no atendimento ao adolescente em conflito com a lei (Conselhos de

Classe e Instituições de atendimento socioeducativo).

Com base na consulta às fontes mencionadas, foi possível a construção das

referências para nossas reflexões. Vale ressaltar que existe uma insuficiência de

produções que tratem da temática da atuação interdisciplinar da Psicologia e Serviço

Social no contexto do adolescente privado de liberdade. Diante disto, a pesquisa

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atual mostra-se relevante no sentido de ampliar a produção de conhecimento

existente sobre o tema.

Vale destacar que o pesquisador é psicólogo e atua no atendimento

socioeducativo de internação na cidade de São Paulo há mais de dois anos e o

motivo da realização desta pesquisa foi sendo construído ao longo de sua

graduação e ingresso no mercado de trabalho, sendo que um dos questionamentos

percebidos no contexto em que atua é a relação estabelecida entre Psicologia e

Serviço Social. Neste sentido, a dimensão essencial trazida é refletir, apontar e

compreender as especificidades e complementaridades possíveis na atuação destas

áreas profissionais, voltadas às demandas da atenção institucional ao adolescente e

seus vínculos familiares e societais.

A ideia de construir este estudo surge da necessidade de se produzir

subsídios teóricos para a atuação nas medidas socioeducativas, assim como da

trajetória profissional do pesquisador. Ainda na graduação, quando estagiário em um

Centro de Referência da Assistência Social, entre 2008 e 2010, deparei-me com a

atuação Psicologia/Serviço Social e as dificuldades e necessidades da articulação

entre os dois campos. Dificuldades como a baixa especificidade na atuação de

ambas as áreas e na elaboração de forma conjunta de novos saberes integrados,

assim como a percepção na prática de que a atuação isolada de um profissional não

se faz suficiente diante da complexidade trazida pela demanda dos usuários do

serviço e sua realidade.

Após a conclusão do curso de Psicologia e o ingresso no mercado de trabalho

como psicólogo na Fundação CASA, em unidades de medidas socioeducativas de

internação, aliei a busca por aperfeiçoamento profissional com o ingresso no

mestrado profissional, e trouxe esta questão como tema para um estudo acadêmico.

Não há espaço mais privilegiado para pensar a realidade que a academia.

Focando-se no sistema socioeducativo, a Universidade, com suas pesquisas, é o

espaço por excelência para pensar e oferecer subsídios à gestão da política de

direitos do adolescente em conflito com a Lei.

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Lembrando o que Guará (2012) ressalta sobre a importância da produção de

conhecimento para a ação socioeducativa, este trabalho visa se configurar como

uma fonte de subsídio para os profissionais que estão no atendimento direto aos

adolescentes internados, ou seja, àqueles em cumprimento de medida

socioeducativa de internação.

Contudo, esta, como qualquer outra política de direitos, é bastante complexa

e possui diversos aspectos. Uma forma, porém não única, que encontramos para

apreendê-la é fazendo um pequeno recorte, como se dissecássemos esta realidade

para melhor compreendê-la sem, com isto, esquecermo-nos de que este recorte faz

parte de algo mais complexo.

O recorte que será realizado neste trabalho é o atendimento socioeducativo

em meio fechado, em São Paulo, no ano de 2013, e já aí encontramos outro

universo complexo, cheio de nuances. Dentre eles, o trabalho dos profissionais do

atendimento direto. A intervenção profissional destacada deste universo é a da

Psicologia e a do Serviço Social em seu trabalho em conjunto na equipe

psicossocial. Esta escolha foi realizada em decorrência da atividade profissional do

pesquisador que é psicólogo em uma unidade de internação e cujo trabalho se

desenvolve de modo articulado com o Serviço Social.

Definido o recorte da realidade que será pesquisada, partimos por definir o

objetivo. Sendo assim, a proposta deste estudo é construir uma reflexão a respeito

da atenção oferecida por Assistentes Sociais e Psicólogos aos adolescentes em

cumprimento de medida socioeducativa de internação, tendo como ponto de partida

a experiência profissional que venho desenvolvendo há mais de dois anos e as

reflexões que venho realizando neste período acerca da importância do trabalho

multiprofissional e interdisciplinar - termos que iremos esmiuçar mais adiante com

maior ênfase -, na articulação esperada e necessária à atuação destes dois

técnicos.

Nota-se que estas duas profissões são vistas como complementares e

necessárias para o atendimento do adolescente em conflito com a lei, mas encontrar

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referências para estabelecer como este trabalho integrado deve ser realizado é uma

das dificuldades encontradas pelos profissionais que pesquisam este assunto.

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL,1990) completa mais

de duas décadas de aprovação neste ano de 2013. Contudo, não podemos dizer

que seus avanços foram plenamente efetivados e sabemos que não basta a

aprovação de uma lei: são necessárias outras ações que venham efetivar os

pressupostos desta para que assim ela se concretize.

Acreditamos que os profissionais técnicos objetivam realizar um trabalho

condizente com a ética e valores de sua categoria profissional e formação, com a

expectativa de que suas ações produzam efetivamente os resultados esperados.

Para realizar um trabalho efetivo, esses profissionais precisam de subsídios teóricos

e, frente às dificuldades encontradas por Assistentes Sociais e Psicólogos que

trabalham com o atendimento aos adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa de internação, é preciso considerar o quanto a rotina limita as

possibilidades de construir uma reflexão conjunta a respeito de suas práticas.

Pensando-se ainda no contexto do Mestrado Profissional1, a produção

acadêmica deve ser voltada diretamente para a prática, no desenvolvimento de

conhecimentos e tecnologia social que possam subsidiar e desenvolver as ações.

Neste sentido, o resultado desta pesquisa pretende ser mais um subsídio que possa

ser usado por estes profissionais.

Por fim, esta pesquisa pretende se alinhar à perspectiva da atividade

profissional transformadora da realidade social do país, assim como é um dos

princípios dos Códigos de Ética do Serviço Social (CFESS, 1993) e da Psicologia

(CFP, 2005) no Brasil.

1 Mestrado profissional, de acordo com a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior – CAPES – é uma modalidade de pós-graduação stricto sensu na qual a pesquisa acadêmica deve ser aproximada ao aperfeiçoamento profissional. Para saber mais, consultar a Portaria Normativa n° 17, de 28 de dezembro de 2009, publicada no Diário Oficial da União, na página nº 248, de terça-feira, 29 de dezembro de 2009.

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Um estudo que reflita sobre a relação entre Psicologia e o Serviço Social não

é novidade na literatura. Encontramos estudos que apresentam objetivo semelhante

nas áreas da política pública de assistência social, a destacar “Parâmetros para

atuação de assistentes sociais e psicólogos(as) na Política de Assistência Social”,

produção conjunta do Conselho Federal de Psicologia – CFP – e o Conselho

Federal de Serviço Social – CFESS – que é voltado para a atuação desses

profissionais na área da Assistência Social.

Este documento propõe que a atuação da Psicologia e do Serviço Social na

política de assistência é complementar e necessária, sendo que a elaboração de

metodologias comuns é fundamental para o desenvolvimento e efetivação do

trabalho, contudo sem que se perca a especificidade de cada profissional.

As abordagens das duas profissões podem somar-se com intuito de assegurar uma intervenção interdisciplinar capaz de responder a demandas individuais e coletivas, com vistas a defender a construção de uma sociedade livre de todas as formas de violência e exploração de classe, gênero, etnia e orientação sexual. [...] o trabalho interdisciplinar em equipe deve ser orientado pela perspectiva de totalidade, com vistas a situar o indivíduo nas relações sociais que têm papel determinante nas suas condições de vida, de modo a não responsabilizar o indivíduo pela sua condição sócio-econômica. (CFP; CFESS, 2007, p.38).

Encontramos ainda, neste documento, a afirmação de que o trabalho

interdisciplinar deve ser balizado pelo diálogo e cooperação entre os dois

profissionais e, apesar de serem duas profissões distintas, com histórias

particulares, ambas têm uma função estratégica na análise crítica da realidade,

propondo o fortalecimento das políticas sociais na garantia dos direitos que vão

objetivar a melhoria das condições de vida do adolescente em conflito com a lei.

A Psicologia e o Serviço Social devem superar modelos tradicionais de

atuação, que são estigmatizantes, adotando, cada uma em suas especificidades,

novos modelos contextualizados com a realidade dos usuários da política de

assistência social.

Ainda na revisão da literatura recente sobre o trabalho conjunto, encontramos

pesquisas que vão discutir a atuação dos profissionais no meio fechado no contexto

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da antiga Fundação Estadual do Bem Estar do Menor – FEBEM (GADELHA, 1998);

a reflexão da resistência e superação dos entraves cotidianos no contexto da

medida socioeducativa de internação (OHYA, 2009); o trabalho do assistente social

na medida socioeducativa de internação (CINTRA, 2010; FREITAS, 2011), estudos

que inevitavelmente passam pela relação com o psicólogo, tendo em vista que o

trabalho destes profissionais é realizado em duplas; e uma experiência positiva de

trabalho multiprofissional em uma unidade de internação (MARTINAITIS e CAPELA,

2007).

Destacamos ainda Fávero, Melão e Jorge (2011) que vão estudar esta dupla

profissional no campo sociojurídico, especificamente no Poder Judiciário do Estado

de São Paulo, mas que oferece reflexões sobre o tema para além do contexto em

que foi realizada, que abordaremos nos próximos capítulos.

O trabalho atual está situado em uma discussão mais ampla: pensar a relação

entre estas profissões no campo socioeducativo que, por vezes, é entendida como

complementar e fundamental, assim como nos dirá Eidelwein (2007):

[...] a Psicologia Social e o Serviço Social, com seus respectivos objetos de estudo – a natureza social do fenômeno psicológico e as múltiplas expressões da questão social –, encontram-se profundamente vinculadas uma vez que as desigualdades e os processos de exclusão oriundos das condições de organização e reprodução da vida material são constituintes dos processos de produção de subjetividades assujeitadas e/ou livres as quais, por sua vez, constituem a lógica de (re)produção do próprio sistema, seja conformando-se e/ou resistindo a ele, na perspectiva de manutenção do instituído e/ou da produção de movimentos e forças instituintes. (2007, p. 311).

Na área das medidas socioeducativas de internação, encontramos uma

publicação do CFP (2010) que oferece as referências técnicas para os profissionais

que atuam nas unidades de internação; entretanto, não encontramos trabalho

correlato do CFESS. A categoria do Serviço Social vem buscando construir tal

instrumento, o que é possível perceber nas deliberações do relatório final do 41º

Encontro Nacional CFESS-CRESS realizado em Palmas (TO), no período de 6 a 9

de Setembro de 2012, que teve como proposta desenvolver discussões para a

elaboração de instrumento de orientação para atuação de assistentes sociais em

medidas socioeducativas.

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O trabalho de Anjos (2011) é o que mais se aproxima de nossa proposta, que

caracteriza o trabalho do setor psicossocial - setor institucional assim nominado pela

Fundação CASA, no qual se integram o assistente social e o psicólogo -

caracterizando-o como proposta de atuação alinhada com o Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo - SINASE.

No atendimento socioeducativo de internação do Estado de São Paulo,

realizado pela Fundação CASA, o adolescente é atendido por profissionais divididos

em 5 setores, como descreve Anjos (2011):

Direção, responsável pela administração da unidade, focando-se em

garantir o atendimento socioeducativo ao adolescente, coordenando os

trabalhadores diretos e indiretos que prestam serviços;

Setor Segurança e Disciplina, responsável pelo acompanhamento

diuturno dos jovens;

Setor Pedagógico, responsável pela implantação e coordenação de

cursos, aulas, atividades culturais, esportivas e profissionalizantes;

Setor Saúde, responsável por cuidar dos encaminhamentos médicos,

de atender às queixas, garantir atendimento odontológico, ministrar

medicamentos e acompanhar atendimentos externos ao SUS entre

outras atribuições médicas. Fazem parte deste setor as seguintes

formações profissionais: auxiliar de enfermagem, enfermeiro, médico

clínico, médico psiquiatra e dentista;

Setor Psicossocial, que é o alvo deste estudo. Vale destacar que o

setor psicossocial e o setor saúde, no organograma da Fundação

Casa, estão subordinados à área da saúde. Tal fato se deve à Portaria

Interministerial número 1426 de 14 de julho de 2004 que aprovou as

diretrizes para a implantação e implementação da atenção à saúde dos

adolescentes em conflito com a lei, fato que levou a Fundação Casa

(2012a, 2012b) a redefinir suas ações, subordinando os assistentes

sociais e os psicólogos à Divisão Técnica de Saúde, por meio da

Portaria Administrativa n. 925, de 13 de setembro de 2005.

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O campo de atuação da Psicologia e Serviço Social, na atenção ao

adolescente, não se limita aos profissionais que atuam na unidade de internação e

que acompanham o adolescente e família. Há assistentes sociais e psicólogos que

atuam nas Unidades de Internação Provisória (UIP), que acolhem adolescentes no

período da apuração do ato infracional. Há, também, a possibilidade da atenção

pelos profissionais que atuam no Poder Judiciário, demandados para realizar outra

avaliação além daquela oferecida pela equipe que acompanha o adolescente na

unidade de internação, com vistas a exarar pareceres. Observamos que, em todas

estas áreas, estes profissionais não são os únicos que fazem o atendimento ao

adolescente, mas possuem uma posição de destaque durante toda a dinâmica do

atendimento.

Qualquer profissional que componha uma unidade de atendimento

socioeducativo experimenta uma rotina exaustiva, sofre com as pressões que vão

desde as exigências de cumprimento de suas tarefas nos prazos estipulados, até

lidar com solicitações dos adolescentes e de suas famílias.

A rotina do trabalho, por vezes, não permite momentos para reflexão e de

traçar estratégias de trabalho que possam superar desafios e promover a qualidade

da ação.

Apontando características que acreditamos serem essenciais do trabalho,

para além de oferecer resposta, esta pesquisa visa problematizar a relação destes

profissionais, seguindo a hipótese de que a relação entre a Psicologia e o Serviço

Social é necessária, sendo áreas complementares, e assim contribuindo com

subsídios para a prática.

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CAPÍTULO I – ADOLESCÊNCIA E O ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

Para que possamos construir uma reflexão a respeito do trabalho dos

assistentes sociais e psicólogos nas medidas socioeducativas de internação, é

necessário que iniciemos nosso trabalho tratando de explicitar alguns conceitos que

orientaram nossa reflexão. Entender um pouco melhor o público-alvo da intervenção

destes profissionais nos parece ser o início mais adequado.

As medidas socioeducativas são, de acordo com o Estatuto da Criança e do

Adolescente (BRASIL, ECA, 1990), as respostas jurídicas dadas ao adolescente a

quem foi atribuída prática de ato infracional, sendo elas: advertência; liberdade

assistida; prestação de serviços à comunidade; internação e a semiliberdade. Mas

quem é este segmento da população chamado de adolescente?

O próprio ECA nos oferecerá a definição de adolescente, em seu Art. 2º, ao

defini-lo como a pessoa entre doze e dezoito anos de idade; sendo assim, quem

está abaixo desta faixa etária é considerado criança e os que estão acima, exceto

em alguns casos que explicitaremos mais adiante, são considerados adultos. Ainda

em acordo com este Estatuto, juntamente com as crianças, também são pessoas em

peculiar estado de desenvolvimento e, por isso, devem gozar de proteção especial

no que se refere a seus direitos (BRASIL, ECA, 1990).

Esta definição legal é de extrema importância para nós, tendo em vista que é

após uma determinação judicial que o adolescente é obrigado a cumprir uma medida

socioeducativa e assim vai ser atendido pelos profissionais que trabalham nos

serviços de atendimento socioeducativo. Contudo, buscaremos extrapolar esta

definição tentando fazer uma reflexão um pouco mais ampla sobre o que é a

adolescência e, em seguida, voltaremos para a discussão do que são as medidas

socioeducativas.

Para tal empreitada acadêmica, utilizaremos como apoio os referenciais

sócio-históricos e, em seguida, realizaremos uma reflexão sobre as implicações

destes para o entendimento do adolescente autor de ato infracional. Por existir uma

variedade de abordagens e teorias que vão propor uma definição de adolescência,

selecionamos o referencial socio-histórico por termos mais afinidade e por

considerarmos a mais adequada ao conjunto da reflexão que estamos propondo.

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Iniciaremos nossa reflexão buscando mostrar quais são os pressupostos

desta abordagem sócio-histórica, qual é sua concepção de homem e fenômeno

psicológico. Em seguida, descreveremos o entendimento que os autores sócio-

históricos nos dão sobre a adolescência.

No Brasil, uma das referências em Psicologia sócio-histórica é a doutora em

Psicologia Social pela PUC-SP, Ana M. B. Bock (2011), para quem a psicologia

sócio-histórica encontra seus fundamentos na psicologia histórico-cultural de L.

Vygotsky. Este, por sua vez, é um psicólogo russo que buscou construir sua teoria

questionando a Psicologia de sua época, a qual considerava ideológica desde sua

fundação como ciência por Wundt, em 1875, pois este não utilizava um método

dialético, e por isso não conseguia perceber a contradição própria da dimensão

humana, de possuir um caráter individual e ao mesmo tempo social, resultando no

surgimento de duas psicologias: uma social e outra experimental (BOCK, 2011).

Ainda de acordo com Bock (2011), Wundt, ao fundar a Psicologia como

ciência, faz isto a partir de seus referencias de ciência. Estes, por sua vez, são: o

mecanicismo, pois pressupõe a regularidade do fenômeno estudado, como o

funcionamento das máquinas em que as regras de funcionamento podem ser

conhecidas; e o determinismo, ao acreditar na relação causa-efeito no qual as

causas dos fenômenos estudados podem ser desvendadas. Este tipo de psicologia,

segundo Bock (2011), concebe o ser humano como dotado de estruturas de

funcionamento que o precedem, que o regulam e que o determinam, e que toda a

psicologia subsequente a Wundt foi construída a partir desta perspectiva,

diferenciando-se apenas por dar maior ênfase ao elemento externo ou ao interno,

sendo a perspectiva sócio-histórica uma tentativa de superar esta contradição.

Lucci (2006) auxilia a nos aproximarmos do entendimento da proposta de

Vygotisky ao expor o contexto em que seu trabalho foi edificado: o da revolução

socialista na Rússia, em que as ideias marxistas estavam em voga. Como Vygotisky

é contemporâneo desta revolução, que, após se consolidar, exigia dos agentes

sociais buscar novas concepções de homem e reformar as instituições para atingir o

objetivo de uma nova sociedade, a construção de sua teoria não foi diferente. Em

virtude de sua formação humanista, Vygotsky possuía as condições necessárias

para idealizar uma nova concepção de educação, pedagogia e psicologia. No que se

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refere à psicologia, Lucci (2006) nos dirá que Vygotsky vinha buscar a superação

das contradições existentes entre as psicologias que considerava naturalistas e as

mentalistas, que acentuavam o dualismo mente-corpo. Para isto, ele se baseia em

um método materialista-dialético para compreender o fenômeno psicológico, uma

teoria marxista do funcionamento mental do ser humano em que:

Os objetivos de sua teoria são: caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formam ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida do indivíduo. (VYGOTSKY, 1996, p. 25 apud LUCCI, 2006, p. 5).

Em consonância com estas idéias, Bock (2011) nos apresenta os princípios

da abordagem sócio-histórica ao dizer que o fenômeno psicológico não faz parte da

natureza, mas é uma conquista histórica da humanidade, não preexiste ao homem,

uma vez que ele é ativo em seu processo de construção e, o principal: ele – o

fenômeno psicológico - reflete as condições sociais, econômicas e culturais em que

vivem as pessoas. Neste sentido, a psicologia sócio-histórica, a partir de um modelo

teórico-materialista-dialético, quando se põe a estudar o fenômeno psicológico o faz

a partir de pessoas reais, não de modelos abstratos de homem, e sempre levando

em consideração o contexto em que se inserem, “o fenômeno psicológico deve ser

entendido como construção no nível individual do mundo simbólico, que é social” (p.

22).

Furtado (2011) faz uma exposição de como se dá o desenvolvimento da

subjetividade ao propor a linguagem como elemento fundamental para a

compreensão da condição humana, uma vez que esta liberta o homem da relação

direta com a realidade, fazendo-a ser mediada simbolicamente, quando se tem o

instrumento como mediador objetivo do homem com a natureza e o signo tendo esta

mesma função, só que no nível psicológico, sendo os mediadores da atividade

psicológica. Em concordância com os autores anteriormente citados, Furtado (2011)

acentua o caráter social do fenômeno psicológico, pois os signos são criados e

dados socialmente, e os indivíduos se apropriam e os utilizam como mediadores da

atividade psicológica. Aqui temos dois pontos importantes: a ideia de que o homem

constrói sua realidade e a si próprio por meio do trabalho, da atividade que é

mediada por instrumentos que potencializam sua ação, e a segunda é a linguagem

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como fator fundamental para o entendimento do homem, já que esta também amplia

suas capacidades.

Seguindo a mesma linha de pensamento, Gonçalves (2011), que também

teoriza a partir da abordagem sócio-histórica, afirma que a noção básica desta

abordagem é a historicidade dos fenômenos sociais e humanos, na qual a

subjetividade é o conjunto de experiências do indivíduo construída a partir de suas

ações e inserção social. Com isto, enfatiza o entendimento de como a subjetividade

vem sendo construída como objeto de estudo e reflexão. Assim, podemos

desvendar os preconceitos que temos ao estudá-la atualmente e realizar uma crítica

objetivando nos aproximarmos de sua realidade.

Como podemos perceber, a Psicologia sócio-histórica acentua o caráter social

e histórico do homem sem com isto ignorar seu caráter individual e interno; busca

concebê-lo em suas relações concretas, mas sempre relevando seu papel ativo

como produtor de sua própria realidade. Sendo assim, o homem é entendido como

uma síntese individual de um processo coletivo. Isto interfere diretamente na forma

como devemos conceber a adolescência.

Bock (2011) oferece três questões para nos auxiliar no entendimento sócio-

histórico de adolescência: “a adolescência existe? Há características naturais na

adolescência? O que é a adolescência?” (p. 168), e, nas respostas a esta questões,

ela revela que, para a Psicologia sócio-histórica, a adolescência existe como

construção histórica e fato social; não é dotada de características naturais, pois

mesmo as marcas corpóreas associadas ao adolescente só a são em razão do

contexto social que são significadas como tal e, a partir destas, os indivíduos as

tomam por base para construir suas próprias identidades como adolescentes; e, por

fim, a adolescência é o resultado da maneira como a sociedade vê determinado

grupo que existe em função da forma como são organizados os indivíduos em

relação aos modos de produção social. Sendo assim, para esta autora, os ditos

adolescentes possuem todas as possibilidades de ingresso no mundo adulto e

produtivo, como ocorria antes da descoberta da adolescência. Mas, com o

desenvolvimento tecnológico, que criou a necessidade de melhor qualificação para o

ingresso no mercado de trabalho, exigiu-se que se estendesse ainda mais o tempo

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entre infância e idade adulta, criando-se um grupo social e característica próprias

que justificassem seu existência.

Acompanhando este pensamento, Ozella (2002) propõe uma compreensão

de adolescência também alinhada à perspectiva sócio-histórica. Segundo este autor,

a adolescência é comumente ligada a estereótipos existentes desde a sua

delimitação como etapa específica do desenvolvimento humano, sendo

caracterizada como uma fase natural, marcada por conturbações, desequilíbrios,

sem levar em consideração seu caráter social e histórico. Ozella (2002) afirma que

estudos antropológicos confirmam que a adolescência não é um fenômeno

universal, porém a psicologia tradicional não os leva em consideração e cita como

exemplo livros e manuais de psicologia que trazem definições de adolescência sem

levar em conta a inserção histórica dos sujeitos.

Buscando superar esta visão que ele considera naturalista e universalista da

adolescência, Ozella (2002) busca defini-la como fruto da construção histórica,

realizado pelo homem e acredita que sua existência se dá como fato social e

psicológico, portanto, não é um período natural do desenvolvimento, mas uma

construção cultural. Este período é significado e interpretado pelas pessoas e a

sociedade cria também marcas que identificam os jovens, pois as mudanças físicas

e cognitivas que são identificadas nele só ocorrem em função da ênfase social nelas

investidas, uma vez que podem ocorrer outras transformações que não são

destacadas, mas que são tão importantes quanto elas e que podem ocorrer em

outros períodos da vida, com a mesma intensidade ou relevância, só que não são

destacadas. E finaliza dizendo que, ao definir a adolescência, inicia-se o processo

de significação da realidade e com estas referências se dará a constituição dos

sujeitos (OZELLA, 2002).

Para um entendimento mais detalhado, Ozella (2002) explica que se

reconhece o indivíduo dito adolescente como alguém que está em desenvolvimento

e há mudanças fisiológicas que ocorrem de forma mais ou menos igual para todos

com faixa etária próxima; contudo, nenhum elemento biológico ou fisiológico afeta

diretamente a subjetividade, pois as características fisiológicas que são

identificadoras da adolescência aparecem e são significadas nas relações sociais

como tal. Na relação social, o jovem tem suas características pessoais e seu corpo

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interpretados e significados por adultos e tem estes como modelo para sua

construção da identidade pessoal. Assim, como partimos de uma perspectiva sócio-

histórica, entende-se que o subjetivo é a incorporação individual da sua cultura que

é social. Seguindo o pensamento de Ozella (2002), o adolescente constrói sua

subjetividade a partir dos referenciais que lhe são oferecidos pela cultura vigente do

que se espera da adolescência.

Neste sentido, compreender a adolescência é reconhecer o momento

histórico atual em que vivemos, perceber que suas marcas identificadoras são, na

verdade, signos sociais que servem para identificar os sujeitos, assim como eles

próprios se identificam, e esta significação está ligada ao modo de produção e

reprodução social. Assim sendo:

A adolescência se refere, assim, a esse período de latência social constituída a partir da sociedade capitalista, gerada por questões de ingresso no mercado de trabalho e extensão do período escolar, da necessidade do preparo técnico e da necessidade de justificar o distanciamento do trabalho de um determinado grupo social (OZELLA, 2002, p. 22).

Em outro trabalho, Ozella (2003) aponta que a compreensão predominante

entre os psicólogos que atuam com adolescentes, alinha-se às abordagens

tradicionais, pouco críticas, considerando a adolescência como fenômeno natural,

como etapa ou inerente à natureza humana. Para ele, isto se deve, em parte, à

formação que este profissional recebe, pouco crítica. Como superação a esta visão,

propõe:

(...) o abandono da visão romântica que vem permeando o estudo da adolescência, como uma fase caracterizada por comportamentos típicos estereotipados que não correspondem aos fatos e ao adolescente concreto com os quais nos deparamos. Se na aparência ele corresponde, isto pode caracterizar uma profecia autorrealizadora que leva os jovens a se comportar de determinadas maneiras para se adaptar às expectativas colocadas pela sociedade, expectativas estas muitas vezes produzidas e incentivadas pelos próprios profissionais da psicologia (OZELLA, 2003, p. 39).

Neste trecho, o autor revela, além da dimensão teórica e prática do trabalho

com adolescente, a dimensão ética, pois a partir do momento em que somos

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produtores e reprodutores da realidade, reproduzimos estereótipos e preconceitos,

auxiliando na construção de uma adolescência identificada com um período de

conflitos, conturbações, transtornos, rebeldia, sem com isto verificarmos as

necessidades reais das pessoas. É preciso propor uma crítica transformadora e a

concepção sócio-histórica nos convida para uma prática implicada e transformadora.

Como afirmamos, até a adolescência não é um fato natural, mas sim fruto das

relações concretas dos indivíduos em que os sujeitos se apropriam dos significados

sociais que a cultura lhes oferece e assim constroem sua subjetividade. Sendo

assim, podemos entender que as legislações também dizem e produzem

subjetividades, a partir do momento que dizem quem é quem, quais são seus

direitos e deveres. Daí o motivo de iniciarmos nossa construção do conceito de

adolescência a partir da definição legislativa, pois esta determina quem está dentro

ou fora de determinada política social.

Diante da exposição teórica acima, como poderíamos pensar a realidade dos

adolescentes em conflito com a lei? Para realizar nossa proposta inicial de construir

uma reflexão a partir das contribuições encontradas na psicologia sócio-histórica

para compreensão do adolescente autor de ato infracional, vamos fazer duas

considerações.

Em primeiro lugar, partindo do pressuposto de que a adolescência como

socialmente construída, e suas representações, suas características e significados

fazem parte dos elementos que estão à disposição dos sujeitos que se constituem

como adolescentes em nossa sociedade, destacaremos, a partir de agora, algumas

considerações que acreditamos ser importantes, a começar com a associação entre

violência e juventude.

Encontramos no trabalho de Adorno, Bordini e Lima (2000), que esta

associação também não é de exclusividade de sociedades com baixos Índices de

Desenvolvimento Humano (IDH), nem tampouco é um tema recente, já que desde a

segunda metade do século XIX é tema de grande preocupação social, mesmo que

nos dias atuais tenha adquirido certas características particulares, afirmando ainda

que o próprio surgimento do conceito de adolescência é contemporâneo à sua

associação com a delinquência.

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Esta associação - independente de sua origem, seja ela por um aumento de

delitos cometidos por jovens ou aumento de vítimas de violência neste mesmo

grupo, como é apontado por Adorno, Bordini e Lima (2000), ou mesmo como fruto

ideológico -, é imprescindível ser destacada, pois a identidade do adolescente

também encontra, nesta representação, elementos para sua construção: o

paradigma do ser vulnerável ou em situação de risco da delinquência.

Esta associação nos traz o que dirá Volpi (2001), reafirmando esta

associação entre violência e juventude ao descrever três formas com que a

sociedade caracteriza os adolescentes, que ele irá denominar de mitos.

O primeiro mito seria o do hiperdimensionamento: muito em função da mídia

se veicula a ideia de que são muitos os adolescentes que cometem crimes, em

número maior do que os adultos, no que ele mostra se tratar de falácia, já que não

há dados fidedignos que confirmem tal informação e os mais confiáveis apontam

justamente o contrário (VOLPI, 2001).

Outro mito é o da periculosidade: o adolescente seria mais violento e mais

perigoso que os adultos; o que é rebatido pelo autor ao afirmar que os poucos

estudos que se tem a respeito mostram que a participação de adolescentes em

crimes graves é percentualmente pequeno (VOLPI, 2001). E ainda podemos reforçar

esta crítica do autor a este mito por meio do relatório publicado pelo Conselho

Nacional de Justica (CNJ, 2012) a respeito das medidas socioeducativas de

internação, no qual consta que a maior frequência percentual de crimes cometidos

pelos adolescentes entrevistados era de roubo e de tráfico de drogas, não de crimes

contra a vida como, por exemplo, homicídio.

O terceiro mito é o da irresponsabilidade penal pelo qual ele estaria mais

vulnerável a cometer crimes, supostamente por existir uma legislação mais branda.

Este mito se sustenta pela falta de conhecimento e entendimento das medidas

socioeducativas (VOLPI, 2001).

Ainda a respeito do mito da irresponsabilidade penal, podemos construir um

diálogo com Rosa (2001) que era irá explicitar o quanto o debate sobre a redução da

maioridade penal permeia as representações veiculadas pelos meios de

comunicação e se refletem nas identidades destes adolescentes.

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De acordo com Rosa (2001, p. 183), a violência é um fenômeno social que

está apoiado e é reproduzido subjetivamente em condutas também violentas, sendo

o crime a forma mais explícita destas e, por este motivo, acaba por mascarar, para a

opinião pública, seus determinantes. Para a autora, a violência contra as crianças e

adolescentes pobres no Brasil deve ser tratada em nível do Estado, da família e da

sociedade, pois vivemos em uma configuração estrutural excludente, num clima

social que produz e potencializa a violência. Afirma que esta população é privada de

seus direitos inerentes à infância e à juventude devido às desigualdades sociais e

econômicas do contexto brasileiro (ROSA, 2001, p. 184).

Em relação à criminalização da pobreza, na qual o pobre é visto como o

potencial criminoso, necessitando ser interditado, controlado e educado por

intervenções sociais, Rosa (2001, p. 185) afirma que estas determinações estão na

gênese da problemática do adolescente em conflito com a lei, sendo que este é o

segmento da população mais descoberto por redes de apoio. Para ela, o

atendimento designado a este público se restringe ao recolhimento e à exclusão, em

que práticas inovadoras propostas por alguns profissionais e que fogem a esta

perspectiva dificilmente encontram respaldo e incentivo (ROSA, 2001, p. 185).

A mídia, por sua vez, geralmente veicula informações sensacionalistas e

sobre os crimes cometidos por adolescentes. De acordo com Rosa (2001, p. 185), o

que dificulta o entendimento da questão por parte da sociedade, reacendendo as

discussões a respeito da imputabilidade penal. Para ela, inimputabilidade penal é o

reconhecimento de que o adolescente é uma pessoa em desenvolvimento físico e

psíquico e não tem a capacidade de entender a totalidade da ilicitude do fato e de

suas consequências (ROSA, 2001, p. 185).

Rosa (2001, p. 187) afirma que, ao longo da história, as legislações dos

países foram constituindo critérios etários para definir quem são os indivíduos que

cometem infrações e são considerados passíveis de penas, os que não o são e os

que são parcialmente passíveis; o critério do discernimento é bastante importante

nesta discussão.

Rosa (2001, p. 188), ao fazer um resgate histórico do tema, dirá que no Brasil

temos o primeiro registro desta demarcação no Código Penal de 1830, na época do

Império, quando a idade definida inicialmente era de 7 anos para inimputabilidade e

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entre 7 a 14 anos o sujeito era passível de ser avaliado para ser verificado se

possuía discernimento e, ao longo da história, veio sofrendo modificações até os

dias de hoje, quando a inimputabilidade penal foi estabelecida até os 18 anos de

idade.

Ainda segundo Rosa (2001, p. 197), existem propostas de se reduzir a

maioridade penal, tendo por objetivo reduzir a violência urbana, sendo que esta vem

ganhando apoio social em decorrência do sentimento de insegurança da população

diante da ineficácia do poder público em lidar com a violência. De acordo com Rosa

(2001, p. 198), a questão da redução da maioridade penal traz consigo a discussão

sobre a capacidade de discernimento dos adolescentes, assim como há distorções

sobre o entendimento do fenômeno.

A primeira é de que os jovens cometem mais crimes que os adultos, mas,

segundo Rosa (2001, p. 198), isto não é verídico e a autora cita uma pesquisa

mostrando que em 90% dos crimes a autoria é atribuída a adultos. A segunda é

confundir inimputabilidade com impunidade, ou seja, acreditar que os adolescentes

não respondem pelos atos que praticam. De acordo com a autora, eles respondem

seguindo as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Rosa (2001, p. 198)

afirma ainda que o tratamento dispensado ao adolescente, muitas vezes, é mais

severo que o do adulto. Cita, como exemplo, que o adulto pode responder em

liberdade um processo em que seja acusado de homicídio, e o adolescente não tem

o mesmo tratamento . Outra tese levantada por aqueles que pregam a redução da

maioridade penal é de que os adolescente são usados pelos adultos. De acordo com

Rosa (2001, p. 198), seria inútil reduzir a maioridade penal, pois só diminuiria a

idade em que estes adolescentes seriam corrompidos.

A última tese rebatida por Rosa (2001, p. 198) é a de que prendendo o

adolescente infrator mais cedo, a sociedade estaria mais segura. Para ela, este é

outro contrassenso, pois as penas privativas de liberdade, no Brasil, são um fator de

reincidência.

Para Rosa (2001, p. 199), não há como prever qual será o desfecho deste

debate, tendo em vista que se trata também de uma alteração do artigo 228 da

Constituição Federal que, para muitos, é cláusula pétrea, um direito e garantia

individuais e, portanto, não pode ser alterado.

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Rosa (2001, p. 200) analisa que uma elite conservadora tem maior interesse

na redução da maioridade penal, pois esta será pouco afetada; reconhece que

adolescentes cometem crimes graves, mesmo que seja em menor frequência que os

adultos e precisam de uma atenção diferenciada; contudo, não vê a redução da

maioridade penal como solução.

A questão da inimputabilidade e da redução da maioridade penal são

elementos que também constituem o universo dos adolescentes em conflito com a

lei, pois fazem parte de como são vistos pela sociedade e como eles próprios se

veem diante do ato que praticaram. Seguindo a proposta que o sujeito constrói a sua

subjetividade também com base nas expectativas e representações que os outros

fazem dele, a subjetividade dos adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa também é atravessada por esta percepção social.

Outro ponto a se considerar é a concepção de crime e de criminoso que se

possa ter. Acreditamos que um modelo de criminologia crítica, como a abordagem

do labelling approach, ou teoria do etiquetamento, como apresenta Sell (2007), para

quem o fator que torna um sujeito criminoso é menos o ato que comete, mas os

estigmas que carrega e que associa sua conduta como típica de criminoso. Vemos

que o criminoso também é construído socialmente como tal, ou seja, nega-se uma

natureza criminosa.

Assim, diante de tudo que foi exposto até o presente, podemos afirmar que

precisamos compreender o adolescente e, por conseguinte, em relação ao

adolescente autor de ato infracional, é necessário considerá-lo a partir de sua

realidade social e cultura concreta, tendo por referência os elementos que lhe

serviram de subsídio para a construção de sua identidade. Assim, faz diferença

atender um adolescente que cresceu em uma periferia urbana ou que passou boa

parte de sua vida em uma região interiorana; é relevante saber quais são as opções

de geração de renda que existem em sua região de moradia e quais são valorizadas

em sua comunidade para pensar em um projeto de orientação vocacional. Estes

são alguns exemplos de como considerar a realidade na qual o indivíduo se

constituiu para, com estes elementos, pensar-se em uma estratégia de intervenção.

Lembrando que a proposta sócio-histórica é crítica e considera o sujeito como

ativo no processo de construção de si próprio e de sua realidade, não basta realizar

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um trabalho que leve em consideração as condições atuais do sujeito sem pensar

em alternativas para alterá-las, de superá-las. Assim sendo, qualquer processo de

intervenção deve visar dar condições para que o adolescente possa se apropriar de

sua realidade a fim de transformá-la.

Tendo em vista, ainda, que por ter sido identificado como infrator não significa

que o é por natureza, por desvio, ou patologia, mas por estar em conflito com a lei,

assim como disposto no artigo primeiro do Código Penal Brasileiro (BRASIL, CP,

1940): só é crime aquilo que previamente está definido em lei, qualquer conduta

pode vir a se tornar crime ou deixar de ser desde que haja alteração no texto legal.

Neste sentido, um fator que torna o sujeito um infrator é uma lei que tipifica

sua conduta como criminosa e não uma natureza intrínseca. E não só isto, pois além

da lei, ele precisa ser identificado e passar por instituições sociais (delegacia,

tribunais, instituições correcionais) que lhe lograram o estigma de infrator.

Se levarmos isto em consideração, qualquer intervenção que viermos a

desenvolver deverá partir de uma postura de desnaturalização do adolescente

infrator e fazer uma crítica à própria condição de infrator. Durante os atendimentos

ao adolescente e/ou à família, uma forma de intervir nesta direção é buscar

identificar as ideias e percepções cristalizadas sobre o que leva o adolescente a se

envolver com atos delitivos, levando-os a perceber de maneira crítica o contexto em

que estão inseridos e o potencial que possuem para transformá-lo.

Aqui é importante fazermos um destaque. Como já vimos anteriormente, o

ECA define adolescente como a pessoa entre doze a dezoito anos de idade.

Contudo, podemos agora destacar, aqui, uma característica do público atendido pelo

sistema socioeducativo. Aqueles que possuem idade entre dezoito a vinte e um anos

de idade e que estão em cumprimento de medida socioeducativa de internação,

gozam também dos direitos dos adolescentes. Isto ocorre porque a idade

considerada é a do momento em que o crime foi cometido. É importante fazer este

destaque, pois de acordo com o CNJ (2012) um número significativo de jovens

completa 18 anos no cumprimento da medida socioeducativa.

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Até aqui, falamos sobre adolescência e aspectos relevantes sobre o

adolescente autor de ato infracional. Faz-se agora necessário retomar a definição do

que são as medidas socioeducativas.

Como já apontamos, elas são definidas pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (BRASIL, ECA, 1990), mais especificamente descritas em seu artigo

112, e são voltadas aos adolescentes autores de ato infracional, pois quando se

trata de ato infracional praticado por criança são aplicadas as medidas protetivas

previstas nos artigos 101 a 105 do Estatuto.

Mas o que seria ato infracional? De acordo com o ECA (BRASIL, 1990), é a

conduta descrita como crime ou contravenção penal, ou seja, as condutas que são

descritas no Código Penal Brasileiro (BRASIL, CP, 1940) ou na Lei das

Contravenções Penais (BRASIL, LCP, 1941) e, ainda de acordo com o ECA em seu

artigo 112, seis são as medidas socioeducativas - MSE que podem ser aplicadas

pelo Poder Judiciário quando verificada a prática de ato infracional e após o devido

processo em que o adolescente seja reconhecido como autor de prática de ato

infracional. Estas são: a Advertência; as medidas que devem ser cumpridas em meio

aberto; Obrigação de Reparar o Dano; Liberdade Assistida; Prestação de Serviços à

Comunidade; e as privativas de liberdade, como a Internação e a Semiliberdade.

Encontramos em Volpi (2011) uma excelente caracterização do que são as

medidas socioeducativas e destacamos duas que consideramos fundamentais nesta

pesquisa:

a. As medidas socioeducativas são aplicadas e operadas de acordo com as características da infração, circunstância sociofamiliar e disponibilidade de programas e serviços em níveis municipal, regional e estadual.

b. As medidas socioeducativas comportam aspectos de natureza coercitiva, uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sentido da proteção integral e oportunização, e do acesso à formação e informação. Sendo que, em cada medida, esses elementos apresentam graduação de acordo com a gravidade do delito cometido e/ou sua reiteração.(p. 20).

Assim, podemos entender que as MSE estão voltadas para a garantia de

direitos e promoção do desenvolvimento do adolescente tendo um duplo caráter: são

punitivas e educativas. No decorrer deste trabalho, iremos melhor analisar esta

dubiedade.

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Metaforicamente, poderíamos dizer que o termômetro da medida

socioeducativa é o próprio adolescente, pois apesar de ser uma imposição a ele

para que reveja seu projeto de vida e seus valores, ainda assim deve-se respeitar

suas capacidades e necessidades.

Cada medida é aplicada de acordo com os critérios supracitados descritos por

Volpi (2011) e as características da infração e do adolescente. Mas, nesta pesquisa,

limitaremo-nos à reflexão a respeito da privação de liberdade: a Internação.

Para Volpi (2011), esta é a medida socioeducativa mais severa, não é a pura

contenção, ou seja, encarcerar o adolescente, mas esta é necessária para que a sua

parte educativa seja aplicada, havendo perda do direito de ir e vir, mas não

suspendendo outros direitos do adolescente.

Esta medida socioeducativa, em tese, deve seguir o princípio da brevidade,

excepcionalidade e respeito à condição peculiar do adolescente como pessoa em

desenvolvimento, como descreve o Artigo 121 do ECA. O texto segue afirmando que

só pode ser aplicada em casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça

ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves ou

por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta, não

podendo ser aplicada caso haja outra medida mais adequada.

Utilizamos a expressão “em tese” por que não dispomos de condições de

verificar se realmente as coisas se dão desta forma ou não, e também depende da

interpretação jurídica que é dada para o ato infracional, pois, sendo profissional do

sistema socioeducativo, temos conhecimento de casos em que as coisas não

acontecem como descrito na lei.

Devemos considerar que a aplicação das medidas socioeducativas é algo

recente no atendimento aos adolescentes autores de ato infracional quando levamos

em consideração toda a história do tratamento jurídico dispensado à infância e

juventude no Brasil. O Estatuto da Criança e do Adolescente completa, neste ano,

de 2013, 23 anos de sua publicação diante de 513 anos de historia do país.

E, como nos dirá Rosa (2001, p. 188), as legislações do “menor” estão

relacionadas com os aspectos socioeconômicos de cada época em que são

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elaborados e este aspecto deve ser levado em consideração para o entendimento

da política, ou sua ausência, direcionada para o atendimento do adolescente.

Como vimos anteriormente, desde 1830, com o Código Criminal, na época do

Império, já havia no Brasil uma diferenciação entre o adulto e os adolescentes que

praticaram alguma infração. Neste momento, aqueles que tinham até 7 anos de

idade eram inimputáveis, os que tinham idade entre 7 a 14 anos de idade eram

sujeitos à prova do discernimento para julgar sua capacidade de responder por seus

atos (ROSA, 2001, p. 188). Contudo, Rosa (2001, p. 188) nos adverte da não

existência, nesse período, de locais destinados exclusivamente para adolescentes

cumprirem suas penas, assim, eles ficavam com adultos. Mas os indivíduos entre 14

a 17 anos de idade recebiam a pena de até 2/3 a que era destinada aos adultos por

igual infração. Ela pontua ainda que existia uma disparidade enorme com relação à

maioridade civil, que se alcançava aos 21 anos de idade, e existiam três categorias

de adolescentes: os órfãos, os filhos de família e o menor.

Podemos observar que até a época da República não existia, por parte do

Estado, também qualquer outro serviço que atendesse ao público infanto-juvenil em

suas necessidades quando fossem vítimas da miséria ou violência, passando esta

demanda de responsabilidade para a iniciativa privada, em especial a Igreja

Católica, por meio das Santas Casas de Misericórdia (ROSA, 2008; LONGO, 2010).

Longo (2010, p. 2) nos dirá que, inicialmente, o Estado Republicano, com a

modernização da legislação, teve como responsabilidade manter as casas de

detenção e reformatórios, mas a assistência ainda estava sob a responsabilidade da

iniciativa privada.

Começando também a alterar a legislação relacionada ao adolescente

infrator, Rosa (2001, p. 189) irá afirmar que, com o Código Republicano de 1890, a

idade definida da inimputabilidade passa a ser de 9 anos, e os de 9 a 14 anos ficam

a critério do magistrado responsável. É também neste momento que surge o

conceito de menoridade, pois, anteriormente, o termo menor só era usado para se

referir a limites etários. Neste período, a categoria menor estava associada à prática

de delitos e ao abandono.

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Segundo Rosa (2001, p. 189), a partir de 1902 começam a ser pensadas as

primeiras instituições correcionais e, nos anos de 1920, a simples repressão aos

infratores passa a ser acrescida da lógica da segregação, pela qual se tinha a ideia

de que as crianças precisavam ser retiradas das ruas e levadas para instituições

públicas preventivas e correcionais, saindo assim dos focos de “contágio”.

É em 1927 que surge o primeiro Código de Menores, ou como ficou

conhecido, Código Mello Mattos por conta de seu autor (ROSA, 2008; LONGO,

2010), tornando os menores de 14 anos totalmente inimputáveis, e os entre 14 a 18

anos submetidos a processo especial quando autores de crime.

Para Longo (2010, p. 2), neste Código já existe a ideia de que a menoridade é

questão multidisciplinar e não só de direito, pois dedica parte especial à atuação

médica psiquiátrica. Com o objetivo de torná-lo um trabalhador honesto e eficiente, o

menor era inserido em mecanismos disciplinares por meio da inter-relação de

práticas médicas e judiciárias. E ainda, segundo Longo (2010), este Código refletia

as ideologias da elite dominante da época, não reconhecendo que era a sociedade

desigual que criava o menor abandonado e delinquente e se justificando por meio de

argumentos científicos, morais e jurídicos para justificar as prática punitivas.

Segundo a autora, é com o aumento da criminalidade infanto-juvenil e sua

maior repressão que surge o conceito de periculosidade, trazendo novas

contingências para orientar as medidas disciplinares diferenciadas, conforme os

reformatórios do período de vigência do Serviço de Assistência ao Menor - SAM,

criado por Getúlio Vargas, e posteriormente a Fundação Nacional do Bem-Estar do

Menor – FUNABEM no período militar.

Longo (2010, p. 3) também enfatiza a relação entre as modificações das

legislações sociais com o desenvolvimento econômico. Afirma que, no Estado Novo,

quando a industrialização e urbanização estavam a todo vapor, as conquistas

trazidas pelas leis trabalhistas expressavam também o avanço do capitalista, pois o

processo de migração e imigração de mão-de-obra possibilitou o aumento do

exército industrial de reserva e o aumento da população pobre que estava exposta à

exploração, com seus filhos à margem da lógica produtiva e à margem dos direitos

sociais.

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Para lidar com esta situação, o governo aprovou a Lei de Emergência em

1943 que alterou o Código de Menores até então em vigor e definiu o critério de

periculosidade que estaria na personalidade do adolescente e deveria ser utilizado

pelo juiz na sua tomada de decisão, focando as atenções mais no sentido de

defender a sociedade capitalista do que garantir os direitos de crianças e

adolescentes marginalizados, buscando inseri-los no sistema produtivo por meio da

disciplina institucional e do caráter moral e pedagógico do trabalho (LONGO, 2010,

p. 3).

O modelo de atendimento do SAM, no fim da era Vargas, entra em declínio

depois de inúmeras denúncias de maus-tratos e violência sofrida pelos internos.

Contudo, não ocorreram mudanças significativas neste período em decorrência das

tensões políticas entre as elites e as classe trabalhadoras. É neste momento que se

inicia o período militar em que a assistência ao segmento infanto-juvenil fica imersa

no contexto autoritário da ditadura. Pela implantação da Política Nacional para o

Bem-Estar do Menor – PNBEM, com “discurso oficial no âmbito da questão do

menor, [ocorre] a ruptura com as práticas repressivas do SAM e há a implantação de

um novo modelo de política nacional assentado no ‘bem-estar’ do menor” (LONGO,

2010, p. 4, grifo do autor).

Ainda segundo esta autora, a FUNABEM foi criada para conter o avanço da

marginalidade infanto-juvenil com uma proposta moderna de atendimento no qual o

enfoque, apesar de assistencialista que via a criança e o adolescente pobres como

produtos das carências bio-psico-sócio-culturais, mas tinha como modelo de

desenvolvimento normal o do jovem da classe média; sendo assim, a estigmatização

e marginalização dos pobres se reproduzia.

O modelo da FUNABEM não tinha como tutelar todos os abandonados,

órfãos, vadios, libertinos, infratores e o custo econômico de manter a PNBEM ficava

insustentável. Não tendo solucionado a questão do menor, houve necessidade de se

definir um novo alvo da ação/internação da política de bem-estar do menor. É assim

que, em 1979, é sancionado o Novo Código de Menores (LONGO, 2010, p. 5).

Neste sentido, é com este Código de 1979 que o menor abandonado e o

menor infrator são incluídos na mesma categoria: a de menor em situação irregular,

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sendo o foco principal os menores infratores, e se instaura a Doutrina da Situação

Irregular:

O Código destina-se à proteção, assistência e vigilância aos menores de 18 anos que se encontrem em situação irregular, como: I – privado de condições socioeconômicas; II – vítima de maus-tratos; III – perigomoral; IV – privado dos pais ou responsáveis; V – desvio de conduta; VI – autor de infração penal.(LONGO, 2010, p.05)

O princípio da institucionalização compulsória dos menores em situação

irregular perdurou todo esse período, iniciando esta desconstrução apenas nos anos

1990 com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas o estigma

dos menores abandonados e infratores ainda persiste. (LONGO, 2010, p. 5).

O ECA, fruto da luta de movimentos sociais, trouxe um novo cenário para o

entendimento das questões sociais enfrentadas por crianças e adolescentes. A

principal delas foi o fim da doutrina da Situação Irregular, substituída pela Doutrina

da Proteção Integral.

Surgindo após um momento de abertura política e democratização do país, o

ECA traz com a Doutrina de Proteção Integral uma visão de que a criança e o

adolescente são pessoas dotadas de direitos e, por suas características peculiares

de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção especial por meio de

garantias jurídicas. Para substituir as práticas repressivas e punitivas da Doutrina da

Situação Irregular, adotam-se as medidas protetivas e socioeducativas, sendo as

segundas direcionadas apenas aos adolescente autores de atos infracionais

(LONGO, 2010, 6).

Com o ECA, também se operam mudanças no reordenamento institucional

que vão desde a extinção da FUNABEM à criação do Centro Brasileiro da Infância e

Adolescência – CBIA. Para a implantação do ECA, surgem inovações nas políticas

públicas para infância e juventude que vão substituir as práticas assistencialistas, há

criação de espaços como os Fóruns e Conselhos com objetivo de fiscalizar e/ou

propor políticas para este público (LONGO, 2010, p. 6).

Longo (2010, p. 19) afirma que o ECA é uma legislação bastante avançada no

que diz respeito ao seu caráter democrático. Contudo, necessita oferecer garantias

de respeito aos direitos da população infanto-juvenil e suas famílias. Contudo, tanto

Longo (2010) como Rosa (2001) apontam para a existência de uma elite

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conservadora que quer por fim nas garantias que o Estatuto oferece, em especial no

que tange ao adolescente em conflito com a lei.

Recentemente, temos presenciado uma nova mudança da legislação, a

implantação do Sistema Nacional Socioeducativo – SINASE – pela lei 12.594 de

2012. Segundo Jimenez et al (2012), foram depositadas novas esperança no que se

refere à implementação das medidas propostas no ECA e a aproximação do que é

previsto em lei com o que efetivamente é executado.

Segundo Jimenez et al. (2012), o debate para a criação deste sistema iniciou-

se em 2006, com a proposta de lei homônima de número 1607/07, mas não trouxe

avanços para uma definição do que seria a ação socioeducativa, pois se foca mais

nos processos burocráticos:

O SINASE, ao deixar de traçar as diretrizes e parâmetros para a implantação do sistema, deixa de enfrentar os desafios postos pelo anacronismo das velhas práticas que priorizam o disciplinamento, os espaços rigidamente regulamentados e autoritários, a centralização excessiva, elementos estes há muitas décadas não mais adequados para processos educativos (JIMENEZ et al., 2012, p.04).

Contudo, os autores destacam que este sistema reserva espaço para a

participação dos adolescentes e suas famílias no diálogo com as equipes quando se

trata de elaborar o projeto que norteia o atendimento do adolescente: o Plano

Individual de Atendimento – PIA (JIMENEZ et al, 2012).

Jimenez et al. (2012) fazem uma ressalva: o PIA pode inserir o adolescente

na lógica normativa e disciplinadora; porém, é tentativa de singularizar a medida de

acordo com as demandas dos sujeitos e pode servir como instrumento de previsão,

registro e gestão das atividades, diminuindo a arbitrariedade. Ao centralizar as

intervenções no Plano Individual de Atendimento e não nas avaliações das equipes

técnicas, os critérios para a manutenção ou não da medida socioeducativa tornam-

se mais objetivos permitindo que o adolescente e sua família estejam envolvidos de

maneira ativa no alcance das metas e objetivos.

Até aqui, podemos observar que o atendimento dispensado para o

adolescente autor de ato infracional vem sendo modificado ao longo do tempo e

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estas modificações são resultado do contexto histórico de cada momento e

confronto entre os diversos grupos sociais.

Traçamos aqui as diretrizes que norteiam o atendimento socioeducativo e sua

evolução histórica. Agora iremos falar sobre a equipe psicossocial caracterizando

sua inserção no atendimento socioeducativo e, em seguida, realizaremos um breve

histórico da profissão do assistente social e do psicólogo.

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CAPÍTULO II – EQUIPE PSICOSSOCIAL

Anjos (2011) faz uma importante descrição dos atores sociais que compõem o

atendimento socioeducativo no Estado de São Paulo. Apresenta qual é o papel do

Poder Judiciário, das famílias, dos funcionários e do próprio adolescente.

No presente estudo, aproveitaremos suas contribuições no que diz respeito

ao papel dos funcionários do sistema socioeducativo, em especial do setor

psicossocial, pois este é nosso tema.

Anjos (2011) categoriza os servidores que compõem a equipe de um Centro

de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente2 em cinco grupos, a saber: gestão;

setores de segurança e disciplina; pedagógico; saúde e psicossocial.

Quanto à gestão, o autor está se referindo à administração direta da unidade

socioeducativa, ao Diretor, que tem por missão garantir um bom atendimento aos

adolescentes assim como manter boas relações de trabalho entre os setores.

Ainda sobre a Gestão, Anjos (2011, p. 37) afirma que a escolha e capacitação

do Diretor é atualmente feita na Fundação Casa por meio de um trabalho de

2 É Assim que são chamadas as Unidades de Atendimento Socioeducativo que executam a medida

socioeducativa de internação no Estado de São Paulo que estão sob responsabilidade da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA).

Gestão

Segurança e Disciplina

Pedagógico Psicossocial Saúde

Adolescente e Família

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formação de gestores que busca valorizar funcionários de carreira, a despeito do

que foi feito em períodos anteriores, quando profissionais da Secretaria de

Administração Penitenciária, ou da Educação, eram escolhidos para ocupar este

cargo, tendo em vista que é um cargo de livre provimento.

O Diretor exerce também o papel de tutor legal dos adolescentes, além de

acumular outras duas grandes atribuições:

- implementação de uma linha predominantemente pedagógica para o

atendimento na elaboração de um Projeto Político Pedagógico e a articulação das

ações desenvolvidas;

- acompanhar os adolescentes e conhecer as suas histórias para contribuir

com as intervenções.

O segundo grupo descrito por Anjos (2011, p. 38) é o Setor de Segurança e

Disciplina, no qual estão os servidores que realizam o acompanhamento diuturno

dos jovens, nominados como agentes de apoio socioeducativo. Este cargo sofre de

uma crise de identidade, devido às constantes alterações de nomenclatura e de

objetivos, em decorrência do processo de redemocratização e mudanças

promovidas pelo ECA e doravante pelo SINASE, o que exige um trabalho

diferenciado para além da atribuição de contenção, mas também de acumular a

função de socioeducador. O setor de Segurança e Disciplina tem por atribuição

garantir a segurança e a disciplina, utilizando-se principalmente de estratégias

pedagógicas. Contudo, em situações limites, como as rebeliões, necessitam de

atitudes mais contundentes.

O terceiro grupo é o Setor Pedagógico responsável pela implantação e

coordenação de cursos, aulas, atividades culturais, esportivas e profissionalizantes e

é o funcionário deste setor que acompanha o adolescente em suas atividades

pedagógicas, além de outras atribuições.

O quarto grupo apresentado pelo autor é o Setor de Saúde responsável pelos

encaminhamentos de saúde, em geral, além de ministrar e acompanhar os

tratamentos realizados pelos adolescentes. Como já relatado na Introdução, o Setor

Saúde (auxiliar de enfermagem, enfermeiro, médico clínico, médico psiquiatra e

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dentista) juntamente com o setor psicossocial (Psicologia e Serviço Social)

compõem a Área da Saúde.

O quinto grupo e tema de nossa reflexão é o Setor Psicossocial que, de

acordo com o autor é para onde “se dirigem os olhares do adolescente, da família e

do Judiciário, exigindo uma intervenção exitosa durante o período de internação do

adolescente” (p. 41), é composto por duplas de assistentes sociais e psicólogos,

responsáveis pela elaboração de relatórios que vão embasar as decisões do

Judiciário. Destaca a vivência por parte desta equipe, de sentimentos de impotência

frente às dificuldades para intervir com êxito nas realidades vividas pelos

adolescentes, seu contexto e história de vida dentro e fora da instituição, além das

pressões sofridas perante as demandas levantadas na relação com os outros

setores.

Um exemplo disto é a relação estabelecida com os setores pedagógico e de

segurança, na qual existe o distanciamento e a responsabilização que os

mencionados setores atribuem ao setor psicossocial pela indisposição e mau

comportamento do adolescente por não atendê-lo na hora que ele deseja, ou pela

compreensão de que os técnicos deveriam estar mais presentes no pátio, porque

assim os jovens simulam um bom comportamento que, a princípio, é diferente

daquele manifestado na sua ausência.

Nós destacamos aqui, ainda, como fonte de tensão entre os técnicos do setor

psicossocial e de segurança, o fato de que os adolescentes se queixam a seus

técnicos de situações em que foram vítimas de violência na unidade de internação,

em tese, provocadas pelo setor de segurança. Diante desta contingência, podemos

verificar que há uma convivência plena de tensões entre o setor psicossocial e o

setor de segurança e disciplina.

Outra fonte de pressão citada pelo autor é o dever ético de zelar pelo sigilo

profissional, não divulgando informações dos prontuários do adolescente, fato que

gera um mal-estar com os demais setores que acreditam que tais informações

poderiam ajudar no trabalho de quem passa grande parte do tempo com o

socioeducando.

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O autor reconhece a não-qualificação dos profissionais dos setores de

segurança e pedagógico para lidar com estas informações, todavia, reconhece a

importância de se conhecer um pouco da história do jovem para a condução do

processo socioeducativo e, neste sentido, questiona até que ponto as informações

devem estar sob sigilo.

A esse respeito, verificamos que é lembrado nos documentos de orientações

produzidos pela Fundação CASA que a atuação em equipe multiprofissional prevê o

compartilhamento de informações necessárias para a condução do trabalho, assim

como o respeito ao sigilo profissional como previsto nos códigos de ética da

Psicologia e do Serviço Social (FUNDAÇÃO CASA, 2012a; 2012b).

Destaca ainda que é dever do psicólogo respeitar o sigilo, assim como manter

os registros dos atendimentos, conforme resolução 01/2009 do Conselho Federal de

Psicologia (CFP), e que estes registros devem ser mantidos em prontuários

guardados em local que não permita que sejam livremente acessados por qualquer

pessoa, só por aqueles autorizados perante a lei (FUNDAÇÃO CASA, 2012a). O

respeito ao sigilo é fundamental para que exista o vínculo entre o profissional e o

adolescente e suas famílias.

A questão do sigilo profissional também é destacada em publicação do

CRESS (2012) e do CRP (2010). No trabalho em equipe multiprofissional, as

informações que devem ser compartilhadas são apenas as que são necessárias

para a execução do trabalho, fica a critério do profissional, assistente social ou

psicólogo, filtrar aquilo que deve ou não ser divulgado para os demais. Destaca-se,

ainda, que o fato de o trabalho ser executado em equipe não significa que deixem de

existir as responsabilidades de cada profissional (CRESS, 2012). Assim, o respeito

ao sigilo profissional, que é um dever individual do profissional, não deve ser

desconsiderado só porque seu trabalho envolve outros profissionais de outras

categorias.

Nossa avaliação é de que o sigilo profissional integra as orientações do

Código de Ética Profissional e dos Cadernos de Orientações Técnicas da Fundação

CASA. Todavia, tais orientações não garantem o sigilo das informações, tendo em

vista que muitas vezes a informação é socializada por outros meios que não estão

sob o controle do profissional, e a apartação do registro das informações pode

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dificultar a construção de um trabalho interdisciplinar e multiprofissional, na medida

em que impede uma visão compartilhada das diferentes dimensões do sujeito-

adolescente e família.

Outra fonte de pressão sofrida pela equipe psicossocial é a elaboração dos

relatórios, pois mesmo que os outros setores contribuam por meio das discussões

de caso, e na sua própria confecção

[...] é consensual que quem tem o “poder da caneta” é o setor psicossocial. Os funcionários de todos os setores referendam essa situação e transmitem isso ao adolescente, que enxerga nos técnicos sua porta de saída para o mundo, fazendo todo tipo de pressão e chantagem emocional (ANJOS, 2011, p. 44).

O sigilo de algumas informações referentes aos adolescentes e restritas à

dupla psicossocial pode contribuir para uma cultura institucional que reveste estes

profissionais de um poder questionado pelas outras equipes, constituindo alguns

momentos fonte de conflito entre as diferentes formações profissionais. Soma-se a

isto, a importância das avaliações psicossociais presentes nos relatórios técnicos

que embasam a decisão judicial sobre a trajetória do adolescente.

Anjos (2011, p. 44) pontua que, com a proposta da Fundação CASA para a

elaboração do diagnóstico polidimensional, a respectiva discussão de caso pela

equipe multiprofissional abre espaço para a visão dos outros setores sobre o

adolescente, o que contribuiria para diminuir esta fonte de pressão, pois se divide a

responsabilidade e o compartilhamento na atenção integral às demandas do

adolescente. Diagnóstico polidimensional é “uma investigação e formulação de

hipóteses que buscam constatar as questões apresentadas pelo adolescente nas

áreas: jurídica, da saúde, psicológica, social e pedagógica” (FUNDAÇÃO CASA,

2012a, p. 11; 2012b, p. 13).

Verificamos que a Fundação CASA (2012a, 2012b) vem adotando a

separação das pastas de registro das intervenções e esta ação, acredita-se, pode

fortalecer o trabalho da equipe multiprofissional ao distribuir as responsabilidades.

A elaboração da Agenda do Adolescente pode organizar o seu cotidiano, tendo suas

atividades previamente estipuladas e, com isto, os atendimentos também têm seus

dias e horários definidos.

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Ressaltamos, como já foi destacado neste estudo, que a separação dos

registros não garante a efetivação do sigilo, contudo, ponderamos que pode servir

como forma de dar visibilidade às ações quando estas são individualizadas. Por

outro lado, a elaboração de agendas individualizadas para os adolescentes atende

uma das condições para a constituição de vínculo entre adolescente e profissional.

Como exposto no Caderno (FUNDAÇÃO CASA, 2012a, 2012b), o

agendamento está sendo adotado na Fundação CASA gradativamente, o que, a

nosso ver, é de suma importância para o trabalho do psicólogo, já que este deve ser

realizado numa perspectiva clínica (p. 20), pois assim se possibilita o

estabelecimento de vínculos para a criação do setting terapêutico, ou seja, o

conjunto de condições necessárias para a existência de uma relação terapêutica.

Quando não há agenda prévia, quando o atendimento não é esperado, todo o

trabalho pode ser comprometido, dificultando uma relação de confiança entre o

adolescente e o psicólogo.

A última fonte de pressão levantada é a baixa resolutividade, ou seja, a

dificuldade de intervir diante da complexidade da realidade vivida pelos

adolescentes:

Quando analisamos o trabalho de todos os setores e, em especial, do setor técnico, é possível perceber que o centro de internação não atende o jovem no grau e intensidade em que sua vida se encontra. Preconiza-se que o adolescente volte e se enquadre na ordem social, não mais se marginalizando em relação à sociedade, como se os demais condicionantes sobre a vida do jovem estivessem equacionados (ANJOS, 2011, p. 45).

Além disto, pontua a rotina de trabalho burocrático e a falta de recursos

materiais como complicadores para a intervenção técnica: afirma que, na obrigação

de cumprir a agenda de atendimentos, nem sempre o adolescente vê propósito em

ser atendido semanalmente, assim como alguns profissionais se veem como

tarefeiros e sem condições de executar atividades que realmente sejam

significativas para o processo socioeducativo, além da falta de uma rede de apoio

para acolher o jovem quando este volta ao convívio comunitário, o que favorece sua

reincidência.

Neste ponto, destacamos que existem referências da obrigatoriedade da

realização de um trabalho com egressos no Plano Nacional Socioeducativo (2013),

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no qual há, atualmente, uma insuficiência de programas. Contudo, prevê estratégias

para superar este quadro e metas a serem cumpridas de 2014 até 2023.

Tais condições de trabalho e respectivas dificuldades podem ser um fator

gerador de doenças ocupacionais diante das frustrações de não ver o trabalho

alcançando seus objetivos, ao mesmo tempo em que a Fundação Casa vem

propondo ações para amenizar os fatores de adoecimento e risco no trabalho.

Podemos destacar a existência das Unidades de Atenção Integral à Saúde do

Adolescente e Servidor – UAISAS – nas quais, pelos profissionais da área de

Medicina e Segurança do Trabalho, os funcionários recebem tratamento.

Outro ponto a destacar, antes que comecemos a falar das profissões

separadamente, é de que a inserção da equipe psicossocial no contexto da

Fundação CASA, como definido nos Cadernos elaborados pela instituição, é pelo

viés de que são profissionais da saúde, especificamente da saúde mental:

Pensar e redirecionar a prática da equipe psicossocial que está inserida nos centros de internação, internação provisória e semiliberdade, inclui o enfoque da saúde mental, buscando identificar os agravos decorrentes da privação e restrição de liberdade. Portanto, o entendimento dessa condição é um fator elementar para a proposição de intervenções nos fundamentos de promoção, prevenção e assistência à saúde mental. (FUNDAÇÃO CASA, 2012a, p. 6; 2012b, p. 7).

Podemos observar que a própria instituição reconhece que a situação de

privação de liberdade é fator gerador de doença, colocando a atuação da equipe

psicossocial como um de seus objetivos no ato de lidar e minimizar os efeitos que

esta condição provoca nos adolescentes.

Encontramos nos Cadernos a proposta de que a atuação da equipe

psicossocial também ocorra em uma perspectiva educativa, numa prática que

objetive o desenvolvimento do adolescente no processo socioeducativo. Todavia, a

localização da equipe psicossocial como integrante da área da saúde, bem como a

ênfase nos processos de trabalho oriundos da saúde, assumem relevância.

Encontramos a preocupação com a atenção à saúde integral do adolescente

no ECA (BRASIL, 1990) que faz referência ao desenvolvimento de ações

direcionadas à atenção à saúde do adolescente em cumprimento de medida

socioeducativa de internação, bem como na Lei Nº 12.594, de 18 de Janeiro de

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2012 (BRASIL, 2012), com capítulo específico sobre este tema e com destaque

específico para a saúde mental.

Sendo assim, com base na Portaria Interministerial n° 1426 de 14 de julho de

2004 a Fundação Casa (2012a, 2012b) redefiniu suas ações e a subordinação

técnica dos assistentes sociais e dos psicólogos à Divisão Técnica de Saúde, por

meio da Portaria Administrativa n. 925, de 13 de setembro de 2005.

Como profissionais da saúde, a equipe psicossocial representa, hoje, a possibilidade de buscar o desenvolvimento de uma práxis que vise a evolução do adolescente no processo de responsabilização socioeducativa, especialmente no contexto das medidas privativas e restritivas de liberdade, ao mesmo tempo em que procura desenvolver no jovem valores de solidariedade, criticidade e possibilidade de autocondução de sua vida. (FUNDAÇÃO CASA, 2012a, p. 7; 2012b, p. 9).

A portaria Interministerial n° 1426 não determina que a área de saúde seja

composta por profissionais da Psicologia e do Serviço Social, tratando apenas de

estabelecer ações que devem ser adotadas na atenção integral à saúde do

adolescente.

Além das considerações que já foram feitas, ainda encontramos nos

Cadernos intitulados Bases de Apoio Técnico para Psicologia e Serviço Social a

seguinte orientação: um papel destes profissionais é colaborar na elaboração do

Diagnóstico Polidimensional, que servirá como subsídio para a construção do Plano

Individual de Atendimento – PIA (FUNDAÇÃO CASA, 2012a, 2012b).

Neste trabalho, a equipe psicossocial tem como tarefas:

- Avaliar o comprometimento que os adolescentes têm com relação ao uso

abusivo ou dependência de drogas, incluindo a aplicação do Alcohol, Smoking and

Substance Involvement Screen Test- ASSIST, preferencialmente durante a

internação provisória;

- Atentar que a “cor de pele entendida como variável epidemiológica é um

subsídio importante a ser considerado na elaboração do diagnóstico

polidimensional” (FUNDAÇÃO CASA, 2012a, p. 13; 2012b, p. 15).

É de conhecimento comum o preconceito e a discriminação sofrida pela

população negra ratificados nos Cadernos produzidos pela Fundação CASA (2012a,

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2012b,) nos quais encontramos que os adolescentes que são atendidos são de

variadas etnias, sendo um número significativo o de afrodescendentes.

Como esta questão deve ser tratada no âmbito do atendimento? Ao

considerar, a priori, sem antes conhecer individualmente o adolescente e sua

história de vida, que este é um tema a ser abordado como objeto de intervenção, já

não naturaliza a associação entre pobreza, delinquência e a população negra?

O fato de a expressiva maioria dos adolescentes internados serem do sexo

masculino e de cor parda/negra merece reflexões aprofundadas sobre o ponto de

vista dos estudos de gênero, estigma, entre outros.

Para Goffman (1978, p. 12), o estigma é qualquer “discrepância específica

entre a identidade virtual e a identidade social real”. Nem todos os atributos

indesejáveis podem ser considerados estigmas, mas apenas aqueles que não

correspondem ao estereótipo criado para um determinado tipo de indivíduo.

Quando o autor vai conceituar estigma, propõe que eles se apresentam de

três diferentes tipos (GOFFMAN, 1978):

1. as abominações do corpo, por exemplo, as deformidades físicas;

2. os estigmas tribais, de raça, nação e religião;

3. e as culpas de caráter individual, que são as características atribuídas a

pessoas desonestas, fracas, levadas por paixões associadas às situações

de doença mental, prisão, vício, alcoolismo, desemprego etc.

Partindo desta definição do autor, verificamos que o adolescente em conflito

com a lei carrega o terceiro tipo de estigma, e os que são afrodescendentes também

sofrem do segundo.

Quando verificamos o índice de homicídios na população jovem brasileira,

podemos observar que este mesmo grupo populacional é o mais vitimizado.

Segundo Waiselfisz (2013), de 2002 a 2011 ocorreu a diminuição de homicídios de

jovens da população jovem (15 a 24 anos) branca de 6.596 para 3.973, queda de

39,8%, já entre a população jovem (15 a 24 anos) negra ocorreu o contrário: um

aumento de 11.321 para 13.405, um aumento de 24,1%, no mesmo período.

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Neste sentido, é importante não só considerar a questão étnica como fator na

construção do processo socioeducativo, mas entender também que esta população

é vítima de violência, e como isto deve ser trabalhado para não reproduzir os

estigmas já construídos.

Contextualizado o ambiente da atenção institucional ao adolescente, faz-se

necessário falar sobre as duas profissões que serão as bases de nossa proposta de

intervenção interdisciplinar: a Psicologia e o Serviço Social.

Inicialmente, vamos discorrer brevemente sobre a história destas duas áreas

de atuação profissional, em seguida falaremos de suas inserções no sistema de

justiça, em especial no infanto-juvenil.

Serviço Social

Regulamentada inicialmente pela lei 3.252, de 27 de agosto de 1957 e

posteriormente pela lei 8.662, de 7 de junho de 1993, o Serviço Social é uma

profissão cujo exercício, no Brasil, está sob supervisão do Conselho Federal de

Serviço Social – CFESS e suas representações estaduais pelos Conselhos

Regionais de Serviço Social – CRESS. Para atuar como assistente social, o

profissional deve ter diploma de graduação reconhecido pelo MEC em curso de

Serviço Social, ter registro e estar regularizado em suas obrigações éticas junto ao

CRESS.

Tem por competências, de acordo com o artigo 4º da lei supra citada:

I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares; II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil; III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo;

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IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade; X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social; XI - realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. (BRASIL, REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ASSISTENTE SOCIAL, 1993).

As atribuições privativas estão dispostas no artigo 5° da referida lei, a saber:

I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de serviço social; II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social; III - assessoria e consultoria a órgãos da Administração Pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, em matéria de serviço social; IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de serviço social; V - assumir, no magistério de Serviço Social, tanto em nível de graduação como pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular; VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de serviço social; VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação; VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em serviço social; IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social; X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de serviço social; XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais; XII - dirigir serviços técnicos de serviço social em entidades públicas ou privadas; XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades representativas da categoria profissional. (BRASIL, REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ASSISTENTE SOCIAL, 1993).

O Serviço Social, de acordo com Fávero, Melão e Jorge (2011, p. 37), surge

como profissão nos anos 1930 em um contexto de transformação econômica, com a

expansão da industrialização e urbanização, em substituição a uma estrutura de

produção predominantemente agrícola voltada para exportação, em que a crescente

classe trabalhadora começou a lutar pelo seu lugar na vida política e por seus

direitos. As articulações dos movimentos sociais eram consideradas, pela classe

dominante, como ameaça à ordem social estabelecida e o Serviço Social surge para

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intervir diante das expressões da questão social. A partir de um modelo importado

da Europa e por iniciativa de movimentos leigos fortemente ligados à Igreja Católica,

a profissão se desenvolveu com bases conservadoras, objetivando atender às

necessidades sociais derivadas da prática das relações sociais de produção e

reprodução dos meios de vida e trabalho capitalista, de maneira socialmente

determinada (FÁVERO, MELÃO e JORGE, 2011, p. 38).

A primeira instituição de formação em Serviço Social surge em São Paulo, em

1936: o Centro de Estudos e Ação Social – CEAS que mais tarde se torna a Escola

de Serviço Social. Nos anos seguintes, esta profissão vai se desenvolvendo no

contexto societário urbano-industrial e vai se institucionalizando a partir do momento

em que o Estado aumenta seu poder de intervenção no meio social. Na década de

1940, já existiam assistentes sociais em várias instituições públicas, inclusive no

Poder Judiciário, no Juizado de Menores, inicialmente como voluntários, objetivando

lidar com os problemas da infância. No contexto em que atuavam, estes

profissionais tinham por tarefa o controle dos problemas sociais. Mas não apenas o

Estado empregava assistentes sociais, grandes empresas também requisitavam

seus serviços, mais na perspectiva do controle das tensões sociais e da inserção do

indivíduo no trabalho e no meio social mais amplo.

Fávero, Melão e Jorge (2011, p. 39) apontam que na década de 1960 há uma

mudança nas linhas teórico-metodológicas do Serviço Social, pois a proposta

governamental de acelerar o desenvolvimento do país trouxe novas demandas à

profissão que passou a adotar o modelo norte-americano de atuação, visando a

intervenção junto aos desajustamentos psicossociais e ampliando as abordagens

grupais e comunitárias.

Contudo, a profissão viveu um momento de questionamentos sobre seu modo

de fazer e pensar as intervenções. Com o objetivo de romper com as formas

tradicionais de atuação e buscar referências teórico-conceituais assentadas na

realidade latino-americana, ocorreu o movimento de reconceituação do Serviço

Social em 1964.

Neste momento, foram publicados documentos importantes que visavam

alternativas para ação profissional e propostas de Currículo. A profissão foi se

expandindo tanto na abertura de novos cursos de formação e de pesquisa,

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principalmente em instituições privadas, como em posto de trabalho, e as

transformações sociais ocorridas a partir dos anos 1980 exigiram da profissão

adequações às novas demandas e mudança no Currículo.

De acordo com a Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social –

ABESS, em outubro de 1993 foi deliberada a revisão do Currículo Mínimo vigente

desde 1982, e após amplos debates ocorridos nas instituições de ensino, em 1994,

na XXVIII Convenção Nacional promovida por esta associação, foi aprovada a

proposta de formação atual que tem três núcleos de fundamentação:

1- Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; 2-Núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; 3- Núcleo de fundamentos do trabalho profissional. (ABEPSS, 1996, p. 8).

Para Fávero, Melão e Jorge (2011, p. 41), as organizações que representam

a categoria vêm buscando implementar formas de expansão de projetos de

capacitação dos profissionais que abranjam conhecimentos generalistas e

específicos, visando a articulação entre teoria e prática, pois existe uma

preocupação no Serviço Social de compreender sua atuação no contexto sócio-

histórico do país e tentando preservar seu caráter generalista, para que o

conhecimento não se fragmente, mas também há movimentos que tentam fomentar

a especialização de algumas áreas de atuação.

Borgianni (2013, p. 409) aponta a existência de uma área de atuação e

produção do conhecimento do Serviço Social brasileiro, que é a área sociojurídica.

Trata-se da especificidade do trabalho do assistente social, que atua em diversos

espaços sócio-ocupacionais, entre eles o conjunto que tem interfaces com o Sistema

de Justiça. Portanto, ela não fala de um Serviço Social sociojurídico, mas, como o

próprio conjunto CFESS/CRESS denomina, é o campo das práticas sociojurídicas,

nas institucionalidades: Tribunal de Justiça, Sistema Prisional, Ministério Público,

Defensoria Pública e o Sistema Socioeducativo.

Tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 trouxe grandes avanços

para a garantia dos direitos sociais, abrindo grandes possibilidades e desafios para o

Serviço Social, Borgianni (2013, p. 412) aponta também um fenômeno identificado

como a judicialização das expressões da questão social, no qual o Poder Executivo

demonstra incapacidade de efetivar e proteger os grupos vulneráveis e garantir a

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igualdade, pois sofre as pressões do mercado financeiro; e o Poder Judiciário vem

sendo acionado para obrigar o Estado a assumir suas responsabilidades. Sendo

assim, há um maior controle judicial das políticas públicas. Ocorre, também, a

judicialização das expressões da questão social quando verificamos o crescente

encarceramento de pessoas das classes mais vulneráveis, principalmente jovens,

com o apelo da mídia para o aumento da severidade das penas.

Para esta autora, o assistente social não faz parte do campo sociojurídico

propriamente dito, pois este seria o espaço social de disputa dos operadores de

direito - Defensores, Juízes e Promotores –, no qual concorrem para fazer valer sua

interpretação das leis e, corporativamente o Serviço Social não está nesta disputa.

Ela vai nos dizer que, neste espaço socio-ocupacional sociojurídico, o assistente

social terá por papel:

[...] trazer aos autos de um processo ou a uma decisão judicial os resultados de uma rica aproximação à totalidade dos fatos que formam a tessitura contraditória das relações sociais nessa sociedade em que predominam os interesses privados e de acumulação, buscando, a cada momento, revelar o real, que é expressão do movimento instaurado pelas negatividades intrínsecas e por processos contraditórios, mas que aparece como “coleção de fenômenos” nos quais estão presentes as formas mistificadoras e fetichizantes que operam também no universo jurídico no sentido de obscurecer o que tensiona, de fato, a sociedade de classes.[...] (BORGIANNI, 2013, p. 423 grifos da autora).

Para a autora, o profissional do Serviço Social que atua na área sociojurídica

atua em uma ambiência institucional pautada pela polaridade. A impositividade do

Estado pela responsabilização do sujeito autor de ato infracional determina seu

recolhimento e acolhimento na condição de privação da liberdade, ao mesmo tempo

em que a atuação profissional é pautada pela necessidade de garantir ou proteger

direitos fundamentais ao sujeito, no caso, o direito à proteção integral devida ao

adolescente em cumprimento de medida socioeducativa. Em um contexto

contraditório, a atuação do assistente social contribui na formulação e

implementação de uma decisão judicial que responsabiliza, de um lado, e deve

proteger/ garantir direitos, de outro.

Transpondo esta reflexão da autora para o nosso tema, observamos que a

equipe psicossocial se encontra neste dilema em relação ao atendimento do

adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, tendo em vista que a

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medida deve preservar a proteção e garantia dos direitos do adolescente e, ao

mesmo tempo, responsabilizá-lo pelo ato infracional que lhe foi atribuído. A nosso

ver, tais considerações são pertinentes e cabem a todos os profissionais que atuam

em uma unidade de privação de liberdade – professores, oficineiros, equipe de

segurança, etc.

Nesta realidade contraditória, qual é a síntese que o profissional realiza

durante sua atuação? Ela está pautada mais para a garantia dos direitos ou para a

impositividade do Estado? Reconhecer este contexto contraditório é necessário e

fundamental para o entendimento do trabalho que é feito.

O assistente social deve realizar uma análise crítica de seu contexto

institucional, levando-se em consideração Ohya (2009), pois o cotidiano do trabalho,

por vezes, faz com que o trabalhador assuma uma atitude mais passiva, uma vez

que tem o dever burocrático de cumprir determinadas tarefas e sua ação fica

circunscrita aos limites institucionais. Todavia, sua prática deve ser bem embasada

técnica e teoricamente, de forma a buscar saídas para as situações alienantes.

Segundo esta autora, o profissional é responsável pelo direcionamento de seu

trabalho, e, por mais que deva respeitar os normativos da instituição em que atua e

que regem seu trabalho, não deve se limitar a estes. O assistente social precisa

buscar os fundamentos teóricos de sua profissão e se posicionar em consonância

com o projeto ético-político do coletivo profissional a que pertence e, desta forma,

construir uma proposta de trabalho emancipadora e transformadora da realidade dos

usuários.

A autora lembra que a Fundação CASA é a expressão social da organização

do Estado. Além de entender as diretrizes institucionais para a execução do

trabalho, é necessário compreender a proposta governamental, pois, ao longo da

história da instituição, houve momentos de conformismo e passividade, momentos

de resistência e superação das práticas instituídas. Para resistir a paradigmas

cristalizados na instituição e a práticas conservadoras, é necessário um acúmulo de

práticas inovadoras, assim como de conhecimentos que vão desconstruir os

parâmetros e práticas já instituídos e trazer à tona as contradições próprias do

trabalho. Da mesma forma, entendemos que essas ponderações da autora cabem

ao conjunto de trabalhadores de uma unidade de internação.

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No que tange à área socioeducativa, que é tema de nossa reflexão, Freitas

(2011, p. 31) orienta que o trabalho do assistente social deve estar alinhado com o

projeto ético-político e objetivar a garantia dos direitos dos adolescentes. O

assistente social está presente na execução das medidas socioeducativas tanto em

meio aberto como liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade,

como também nas medidas de privação de liberdade, como semiliberdade e a

internação, considerando que é importante estudar tal tema, dada a falta de

produções teóricas significativas.

Esta autora propõe que a inserção do assistente social na medida de

internação deve se comprometer com a efetividade de um atendimento realmente

socioeducativo, orientando sua proposta de trabalho na perspectiva da garantia de

direitos enquanto acompanha o adolescente.

Para melhor explicar qual é a tarefa do profissional em uma unidade de

internação, Freitas (2011, p. 38) categoriza o trabalho em três grandes dimensões:

atendimento ao adolescente, espaço de orientação e reflexão junto ao jovem;

atendimento à família, pois é o grupo de pertencimento do adolescente e merecedor

de atenção do profissional; e, por fim, participação na unidade de internação na

resolução de dificuldades assim como na elaboração de planos e estratégias de

intervenção.

A autora ainda destaca que, historicamente, há, na Fundação Casa,

dificuldade em distinguir as funções de assistentes sociais e psicólogos, e que nas

atribuições de cada cargo, é possível ver ações comuns, mas também há atribuições

específicas do assistente social, e vê a responsabilidade de cada profissional atuar

de acordo com sua especificidade, sem com isso deixar de manter o diálogo

interdisciplinar.

A nosso ver, esta dificuldade de distinção de papéis é um fator que gera,

entre os profissionais, certa crise de identidade, pois, no cotidiano, boa parte das

tarefas realizadas são semelhantes, tendo em vista que as atividades privativas de

cada profissão não são as únicas executadas. Porém, temos que destacar que o

enfoque oferecido pela Psicologia é diferente do enfoque do Serviço Social na

execução de tarefas similares, e é neste caso que deve acontecer a

complementaridade.

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Devemos lembrar que o espaço em que trabalha o assistente social não é de

sua exclusividade, ele é dividido com outros profissionais. Em nosso tema de estudo

já foi dito que o adolescente é atendido por profissionais de diversas áreas e

formações, tendo em vista isto, é perfeitamente possível que haverá atribuições

semelhantes e até mesmo conflito com relação a como elas estão distribuídas.

No terreno da atuação profissional, entretanto, o espaço ocupacional não é exclusivo do(a) assistente social e é onde estão presentes as relações de poder, a competitividade entre trabalhadores(as), as ingerências das causas privadas sobre os interesses públicos; não há como delimitar com precisão os campos profissionais que são partilhados por outros profissionais especializados, movidos por interesses diversos. (CFESS, 2012, p. 30).

No cotidiano do trabalho, é comum ouvir dos profissionais que assistentes

sociais e psicólogos têm as mesmas atribuições em uma unidade de internação,

assim como é comum que os adolescentes e profissionais de outros setores não

consigam diferenciar quem é assistente social ou psicólogo, tendo como referência

apenas que são técnicos.

Consideramos que a existência de atribuições semelhantes é inevitável, tendo

em vista que o contexto da atenção é comum - o adolescente e sua família, no

cumprimento da medida socioeducativa de internação. No entanto, a diferenciação

do olhar e da atenção oferecida por cada profissional é o que vai enriquecer o

trabalho. A articulação dos diferentes olhares de forma complementar, produzindo

assim uma nova prática e saber, é a essência de um trabalho interdisciplinar.

Esta questão da diferenciação dos papéis e da relação entre as profissões

nos remete à interdisciplinaridade. Destacamos a contribuição de Cintra (2010) ao

identificá-la como ponto importante a ser refletido no contexto da Fundação CASA,

pois o trabalho realizado pelos profissionais entrecruza e converge para um objetivo

único que é o processo socioeducativo do adolescente.

A autora realizou pesquisa qualitativa com profissionais que atuam no sistema

socioeducativo de internação, focando o trabalho do assistente social. Ela destaca a

complexidade, já mencionada anteriormente neste trabalho, que vai envolver as

demandas e pressões sofridas no contexto de uma Unidade de Internação e a

especificidade da demanda do público alvo de suas ações, os adolescentes.

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Apesar de focar uma única categoria profissional, acaba por apontar as

mesmas dificuldades que encontramos em Anjos (2011) em relação ao trabalho do

setor técnico, mas Cintra (2010) aponta o projeto ético-político da categoria

profissional como instrumento dos assistentes sociais de orientação e de análise

crítica para lidar com os desafios e contradições do trabalho, e também ter uma boa

apropriação de quais são as leis e normativas que fundamentam o trabalho

socioeducativo.

A partir do que diz Cintra (2010), percebemos que ela também considera que

uma forma de se defender e resistir aos entraves e à rotina alienante provocada pelo

cotidiano do trabalho, tal como OHYA (2009) aponta, é apoiar-se nas bases que dão

fundamento ao trabalho. Assistentes sociais, e podemos estender isto também aos

psicólogos, pertencem a categorias profissionais que possuem código de ética,

resoluções e normativos que regulamentam a profissão. O próprio trabalho

socioeducativo possui bases teóricas e legais que extrapolam os regulamentos das

instituições que executam as medidas socioeducativas.

A Fundação CASA (2012b) elaborou o Caderno Bases de Apoio Técnico para

o Serviço Social na Fundação Casa. Estabelece que este profissional se situa na

área da saúde, desenvolve seu trabalho com o adolescente, focando-se

principalmente nas intervenções realizadas junto à família.

Segundo o Caderno, o adolescente e sua família devem ser compreendidos

no contexto social em que estão inseridos; sendo assim, é necessário que o

profissional tenha um olhar crítico sobre a situação e atue na perspectiva

transformadora, buscando desconfigurar o contexto facilitador à reincidência:

[...] é um profissional da área da saúde, que desenvolve ações socioeducativas junto aos adolescentes e suas famílias, voltadas para uma perspectiva emancipatória e autônoma, defendendo e buscando preservar direitos civis, sociais e políticos, atuando em consonância com os pressupostos do projeto ético-político da profissão. [...] está direcionado para o entendimento e reflexão acerca da prática delitiva do adolescente, bem como para a desconfiguração do contexto propício à reincidência.(FUNDAÇÃO CASA, 2012b, p. 27).

Neste Caderno, a instituição reconhece que o profissional deve se guiar e

respeitar os normativos legais que fazem parte da atuação e que o contexto

multidisciplinar é parte integrante do trabalho, sendo assim deve atuar em

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colaboração com outros profissionais na construção das estratégias e execução das

intervenções.

Outro foco de atuação é ser um articulador da rede socioassistencial para que

atendam as necessidades dos adolescentes e famílias. Ao falar de família, adota-se

conceito ampliado, não só levando em consideração os laços consanguíneos como

também afetivos, respeitando-se as novas configurações familiares.(FUNDAÇÃO

CASA, 2012b, p. 30)

Encontramos, neste Caderno, uma série de recursos e metodologias que os

profissionais podem utilizar, chamadas de Tecnologias de Intervenção do Assistente

Social: Estudo Social; Observação; Entrevista Social; Visita domiciliar; Pesquisa

documental; Genograma; Ecomapa e Mapa de rede; Diagnóstico Social

(FUNDAÇÃO CASA, 2012b).

Diante do conteúdo exposto sobre o trabalho do assistente social na unidade

de internação, podemos afirmar que uma característica peculiar é possibilitar a

mediação dos condicionantes da ambiência interna que interferem na vida deste

adolescente com os componentes fundamentais da ambiência externa que

compõem sua vida: vínculos familiares, sociais, garantia de fortalecimento da

capacidade protetiva da família pela via do acesso a serviços e programas sociais

setoriais de políticas públicas, bem como o descortinar de novas possibilidades em

seu projeto de vida pós-internação.

Psicologia

Já a Psicologia, como profissão, foi reconhecida no Brasil em 27 de Agosto de

1962 pela Lei 4.119/62, posteriormente regulamentada pelo Decreto 53.464, de 21

de Janeiro de 1964. Esta profissão tem seu exercício fiscalizado pelo Conselho do

Federal de Psicologia – CFP e suas representações estaduais, os Conselhos

Regionais de Psicologia – CRP’s. Para exercer a profissão de psicólogo, a pessoa

deve ter diploma de graduação reconhecido pelo MEC em curso de Psicologia, ter

registro e estar regularizado em suas obrigações éticas junto ao CRP.

Tem por funções, de acordo com o artigo 4º do decreto supra citado:

1) Utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de:

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a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de ajustamento. 2) Dirigir serviços de Psicologia em órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares. 3) Ensinar as cadeiras ou disciplinas de Psicologia nos vários níveis de ensino, observadas as demais exigências da legislação em vigor. 4) Supervisionar profissionais e alunos em trabalhos teóricos e práticos de Psicologia. 5) Assessorar, tecnicamente, órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares. 6) Realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de Psicologia. (BRASIL, DECRETO DE REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE PSICÓLOGO, 1964)

No modelo que Fávero, Melão e Jorge (2011, p. 42) utilizam para expor a

história da Psicologia no Brasil, dividem-na em quatro períodos: o primeiro é o pré-

institucional que vai do Período Colonial até o século XVIII. Este período se

caracteriza pela presença da Psicologia nos cursos de Filosofia, Teologia e

Medicina, mas não como uma ciência autônoma, na qual os textos produzidos no

país tinham como autores as pessoas da elite da época (igreja) e não estavam

relacionados com o progresso do saber per si, ou seja, não era um conhecimento

propriamente científico.

O segundo período é o institucional, que se inicia com a independência do

Brasil e é quando surgem as primeiras faculdades e academias de Psicologia.

Contudo ela ainda não é considerada como ciência autônoma, estando ligada à

Medicina e à Educação. Este período é marcado por grandes avanços na produção

de conhecimento, mas a Psicologia estava a serviço da classe dominante, tendo seu

saber e técnicas orientados para a compreensão e o controle dos indivíduos

(FÁVERO, MELÃO e JORGE, 2011, p. 42).

Um terceiro período é o universitário, no qual a Psicologia começa a se firmar

como ciência autônoma por influência da Escola Nova, um movimento progressista

da pedagogia moderna que buscava estudar melhor o desenvolvimento das crianças

para orientá-las e corrigi-las É neste período que a Psicologia passa a ser disciplina

obrigatória nos cursos de Filosofia, Ciências Sociais e Pedagogia.

A Psicologia começa a ser aplicada em diversas áreas, como no campo

organizacional com o psicólogo atuando na orientação e seleção profissional, o que

fomentou a criação de entidades formadoras como o Instituto de Seleção e

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Orientação Profissional da Fundação Getúlio Vargas – RJ – ISOP. (FÁVERO,

MELÃO e JORGE, 2011, p. 44).

Com a regulamentação da profissão em 1962, inicia-se o quarto período:

profissional. O primeiro Currículo oficial para os cursos de graduação ocorre em

1963 e, nesta época, a Psicologia era exercida predominantemente por instituições

de saúde mental e educacional, em maior presença do que em consultórios

particulares (FÁVERO, MELÃO e JORGE, 2011 p. 44).

Após o golpe militar, a Psicologia viveu um período de estagnação em seu

desenvolvimento, a base curricular estava mais voltada a disciplinas ligadas às

ciências biológicas em detrimento das ciências humanas. Com a reforma

universitária, em 1969, amplia-se o surgimento de cursos de Psicologia em muitas

faculdades privadas. É neste período que os psicólogos iniciam um debate para a

construção de uma identidade profissional, criam-se novas técnicas de trabalho e

investigação e há edição de livros especializados. Todavia, os cursos tinham por

objetivo apenas a reprodução do conhecimento não a produção de novos saberes.

Fávero, Melão e Jorge (2011, p. 45) afirmam que, a partir de 1975, a

psicologia vem se expandindo, com 58% dos profissionais atuando em consultórios

particulares, mas também há uma forte inserção da ´psicologia em hospitais e

centros de saúde. No início de 1980, ocorreram discussões no meio acadêmico

visando a reestruturação do currículo. Algumas lideranças da psicologia propunham

uma formação em favor dos grupos sociais mais vulneráveis, posicionando-se contra

o controle político imposto a elas e à sociedade. Todavia até hoje não existe um

consenso quanto à construção das diretrizes curriculares necessárias.

No campo das medidas socioeducativas de internação, encontramos um

importante estudo produzido pelo CFP (2010) que busca oferecer algumas

referências para o trabalho, no qual reconhece que a realidade do atendimento

socioeducativo, por vezes, é precário e violador de direitos, sendo que a atuação do

psicólogo deve ser no sentido de promover condições para combater estas

violações.

De acordo com este documento, os psicólogos têm como principal desafio,

em uma unidade de internação, participar com seus conhecimentos e técnicas do

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planejamento, organização, implementação e avaliação do ambiente socioeducativo

de forma a criar condições para experiências educacionais e terapêuticas

significativas aos que estão em cumprimento de medida socioeducativa.

Neste documento, encontramos que o psicólogo deve respeitar as normas

legais e seu código, na elaboração e implementação do Plano Individual de

Atendimento. O profissional deve colaborar com a equipe multiprofissional,

estabelecer parcerias com profissionais de fora da instituição, entre outras

atividades, para favorecer a construção de um processo socioeducativo que

realmente possa ter significado para o adolescente. Destaca ainda que o psicólogo

dever ter uma atenção especial para adolescente em situações de sofrimento mental

e situações críticas de violência.

No documento elaborado pela Fundação CASA (2012a) a fim de servir de

apoio para orientar o trabalho do psicólogo, é considerado também o dever de se

conhecer e repeitar as normativas que regulam a sua atuação no contexto em que

está inserido. Este profissional é enquadrado na área da saúde em um sentido

ampliado, ou seja, saúde entendida como um processo social, e direciona a

abordagem utilizada como a clínica, tendo uma postura de acolhimento.

O referido documento resgata o termo acolhimento da área da saúde, na qual

tal procedimento é referência como forma de reorientar as práticas, buscando

deslocar o olhar somente do organismo biológico e dar o prisma da completude de

dimensões que o sujeito precisa que seja considerado. Não se trata apenas da

questão do receber o usuário, mas entender que:

É preciso não restringir o conceito de acolhimento ao problema da recepção da “demanda espontânea”, tratando-o como próprio a um regime de afetabilidade (aberto a alterações), como algo que qualifica uma relação e é, portanto, passível de ser apreendido e trabalhado em todo e qualquer encontro e não apenas numa condição particular de encontro, que é aquele que se dá na recepção. O acolhimento na porta de entrada só ganha sentido se o entendemos como uma passagem para o acolhimento nos processos de produção de saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p. 16 grifo no original).

Fazemos a ressalva de que o acolhimento, em saúde, não se trata de

atividade restrita à psicologia, podendo ser realizado por qualquer profissional da

equipe de saúde, tendo entre seus objetivos atender ao princípio da equidade

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proposto pelo Sistema Único de Saúde – SUS. De acordo com tal princípio, os

sujeitos devem ser considerados a partir das suas diferentes necessidades.

Conforme o Caderno da Fundação CASA (2012a), o acolhimento é entendido

como uma atitude dos profissionais para com os adolescentes, em que reconheçam

suas singularidades no sentido de compreender as diversidades sexuais, culturais,

raciais e étnicas a fim de estabelecer uma relação de confiança. Ainda segundo o

Caderno, isto se baseia nos princípios de humanização do atendimento.

Lembramos que isto não é tarefa exclusiva da psicologia no atendimento

socioeducativo, tendo em vista que o acolhimento é atitude recomendada para todos

os profissionais envolvidos no processo socioeducativo.

Observamos este local de destaque em que é colocada a equipe psicossocial

ao analisar uma afirmação do Caderno de Bases de Apoio Técnico para a Psicologia

produzido pela Fundação Casa, de que a avaliação psicológica é o “ponto de partida

das ações socioeducativas” (FUNDAÇÃO CASA, 2012a, p. 23), algo que oferece um

status diferenciado à psicologia.

Podemos perceber a importância que é dada ao profissional psicólogo sobre

o processo socioeducativo e, tendo em vista o que já afirmamos anteriormente, de

que o ato infracional está inserido em um contexto multifatorial, questionamos o

motivo de tal destaque para a avaliação psicológica.

Encontramos aqui um ponto de reflexão a repeito do trabalho interdisciplinar,

considerando a hipótese de que a expectativa que se tem do trabalho do psicólogo é

que ele realize uma avaliação do adolescente na tendência a considerar que ele é

detentor de alguma patologia, cabendo ao profissional descobrir qual é. Já o

assistente social pode ficar em um lugar coadjuvante no atendimento técnico, na

medida em que se espera que elabore relatório sobre o juízo crítico que o

adolescente faz da medida socioeducativa.

Além do status, analisamos que esta centralidade do diagnóstico psicológico

no processo socioeducativo, pressupõe que os adolescentes cometem atos

infracionais por alguma disfunção, déficit, principalmente de ordem da

psicopatologia. Isto, a nosso ver, é dar uma importância maior aos fatores individuais

e biológicos que podem estar relacionados à prática delitiva, em detrimento dos

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aspectos estruturais, culturais e socioeconômicos. Neste sentido, é fundamental que

o psicólogo evite o enfoque da patologização do sujeito adolescente como fator

primário para a autoria do ato infracional, além de contribuir para a desconstrução

desta visão histórica.

Ainda a respeito da avaliação psicológica, temos a utilização de técnicas e

instrumentais para coletas de informação e que são apontadas pelo documento

como parte das atribuições do psicólogo: entrevista, anamnese, observação, uso de

testes psicológicos (FUNDAÇÃO CASA, 2012a).

No que diz respeito às três primeiras, podemos considerar que não são

exclusivas do psicólogo, pois o Serviço Social pode dispor da entrevista e da

observação para a coleta de informação, o que nos faz refletir: o que difere uma

área da outra na execução destas tarefas? Questão esta para a qual não

encontramos orientação explícita no Caderno, mas, a nosso ver, é neste ponto que

entra a discussão da interdisciplinaridade, em que cada área vai construir um olhar

próprio, cada uma com base em seu referencial teórico. Estes olhares podem vir a

ser complementares, caso haja outro momento propício para a discussão de caso,

desta forma construindo um conhecimento novo sobre a realidade que é analisada.

No próximo capítulo, será realizada uma discussão mais ampla sobre a questão da

interdisciplinaridade e detalharemos as formas de construção de um trabalho deste

tipo.

Já os Testes Psicológicos, como lembra o caderno, são definidos pelo código

de ética da profissão como de uso exclusivo do psicólogo, e, neste ponto, não

haveria como outros profissionais os utilizarem. Apesar disso, precisamos refletir

qual é sua validade no contexto em que ele é aplicado.

Rauter (2003) realizou um trabalho sobre o trabalho do psicólogo no sistema

penal adulto e, por aproximação, oferece reflexões importantes sobre o trabalho com

adolescentes. Afirma que a situação da aplicação dos testes é para o custodiado

mais que uma situação de autoconhecimento, mas algo que, dependendo de suas

respostas, pode influenciar de forma positiva ou negativa o seu destino no

cumprimento da pena.

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Neste sentido, o sujeito que é submetido ao teste vai oferecer resposta as

quais ele considera corretas para, com isto, ter uma boa avaliação e ser favorecido.

Assim, aspectos essenciais de sua personalidade podem ser disfarçados ou

mascarados, impedindo a obtenção de resultados de forma fidedigna.

Rauter (2003) ainda questiona as próprias condições em que estes testes são

aplicados, pois estes instrumentais são elaborados muitas vezes para a aplicação

em consultórios ou em salas com condições específicas (acústica, temperatura

adequada, presença de outras pessoas), não em uma cela ou em uma sala que não

ofereça condições adequadas (barulhos, interrupções, muito quente ou muito fria). A

autora também indaga sobre o vínculo estabelecido entre avaliador e avaliado como

fator que vai influenciar os resultados dos testes.

No que tange ao atendimento socioeducativo, será que uma sala de

atendimento em uma unidade de internação vai apresentar as condições

necessárias para a aplicação do teste? O fato de o adolescente estar em

cumprimento de medida socioeducativa, e como já foi dito anteriormente, saber que

sua saída da internação vai depender da avaliação que está sendo realizada, não irá

influenciar as suas respostas?

Encontramos no Caderno de Orientações o apontamento de que a situação

de privação de liberdade deve ser considerada e que só os testes não são

suficientes para se ter uma compreensão de quem é o adolescente (FUNDAÇÃO

CASA, 2012a, p. 26). Isto nos faz refletir sobre a validade dos resultados dos testes

e qual é o local que eles ocupam neste contexto institucional. Até que ponto, pela

pseudoneutralidade científica, os testes não estão a serviço da manutenção da

crença na existência de um grupo social propenso a delinquir: jovens, pobres,

negros?

Mais do que um conhecimento teórico/técnico dos testes, o profissional deve

ter uma postura ética e crítica sobre a aplicação destes instrumentais no contexto

em que estão inseridos, bem como da demanda de um diagnóstico pelo simples fato

de pertencer a este segmento populacional.

Quanto à abordagem da clínica ampliada proposta no Caderno de

Orientações, encontramos em Ferreira Neto (2008) uma definição mais precisa. Este

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autor propõe a existência de uma psicologia clínica clássica ou tradicional, ligada a

práticas e modelos antigos de consultório e uma nova clínica com práticas

emergentes voltadas aos novos contextos nos quais o psicólogo está se inserindo.

Estas práticas emergentes não formam um conjunto homogêneo, ao contrário, são

diversas, tendo em comum o fato de serem voltadas para uma clientela que, em sua

maioria, pertence aos segmentos mais pauperizados da população e que

dificilmente teriam acesso aos serviços psicológicos clássicos de consultório. Ainda

de acordo com este autor, atualmente proliferam-se várias expressões que buscam

nomear esta nova clínica como: clínica do social, clínica ampliada, clínica

transdisciplinar.

Em Gonçalves (2010), encontramos reflexão importante sobre a questão da

atuação do psicólogo. Ela afirma que a psicologia, ao longo de sua história no Brasil,

esteve presente nas políticas públicas, contudo, a atuação profissional sempre

esteve alinhada aos interesses das elites pelos quais o psicólogo prestava serviços

como especialista e emitia laudos, realizava testes e avaliações, objetivando

enquadrar e classificar os indivíduos; prática esta não voltada para a emancipação e

garantia de direitos. Por outro lado, também existiu um movimento de crítica a este

modelo e, de forma marginalizada, a psicologia comunitária foi construindo outras

práticas comprometidas com as demandas das populações menos favorecidas.

Atualmente, a Psicologia brasileira vem realizando um grande debate sobre

sua inserção nas políticas públicas, em que os psicólogos reconhecem seu papel no

fortalecimento das instituições democráticas e os sistemas de garantias de direitos

(GONÇALVES, 2010).

Com base nestas afirmações, podemos destacar que o trabalho do psicólogo

no centro socioeducativo precisa de um olhar crítico sobre seu contexto, não

bastando apenas transpor as teorias e técnicas utilizadas no consultório, que são

baseadas em modelos tradicionais, para a realidade do atendimento do adolescente

em conflito com a lei. É necessário que se compreenda os determinantes históricos

e sociais dos sujeitos e suas famílias, assim como a realidade institucional em que é

feito este atendimento.

Gadelha (1998) define a categoria dos "profissionais do social", que seriam os

trabalhadores de distintos graus de formação e diferentes áreas de atuação

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(assistentes sociais, fonoaudiólogos, pedagogos, psicólogos, etc.) que têm sua

prática voltada para o campo social, ou seja, desenvolvem suas ações em

instituições, entidades e programas, governamentais ou não governamentais, mas

que estão voltadas à garantia de direitos.

E estes profissionais, por estarem inseridos no contexto institucional, são

produtores das subjetividades dos atendidos. Podemos identificar as práticas da

psicologia, assim como também do Serviço Social, no contexto socioeducativo

pertencente à categoria supra citada pelo autor. (GADELHA, 1998).

Gadelha (1998) nos adverte o quanto estes profissionais são solicitados para

atuar junto às demandas da área da infância e juventude, no sentido do controle das

populações vulneráveis, criando categorias estigmatizantes:

[...] Agenciadas entre si e a outros funcionamentos institucionais, criam as chamadas crianças “problema” ou “especiais” e, consequentemente, “classes especiais” para elas: produziram a bizarra figura do “menos” e contribuíram efetivamente na categoria estigmatizante que é a de “situação irregular”, engendraram o “normal” e o patológico, e, em o fazendo, implicaram-se na segregação de muitas crianças e adolescentes [...]. Em suma, criaram o “diferente”, o que está à margem, “o desviante”; criaram uma alteridade negativa, ao mesmo tempo em que negativaram a alteridade; tudo isso por referência a um certo modelo identitário de subjetividade, tomando como algo que é, em si mesmo, paradigmático da normalidade, da centralidade, e que distribui “naturalmente” as formas de sociabilidade e as práticas de atendimento à infância e à juventude. (GADELHA, 1998,p. 226 grifos do autor).

Ainda segundo este autor, não é só uma questão de ampliação do

conhecimento sobre o exercício profissional da psicologia, podemos estendê-lo ao

Serviço Social para repensar os efeitos produzidos por estas práticas nas

populações atendidas e como elas se articulam no contexto institucional.

Como podemos verificar, tanto o Serviço Social quanto a Psicologia surgiram

no Brasil a partir de interesses da elite dominante que utilizavam de seus

conhecimentos e práticas para o controle das massas. Porém, existem, dentro das

duas categorias de profissionais, movimentos de (re)construção de conhecimentos e

práticas voltadas para atender as demandas da sociedade brasileira visando a

transformação da realidade.

O Código de Ética de ambas as profissões têm, em seus princípios, a defesa

dos direitos humanos, a atuação contra formas de negligência, discriminação,

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exploração, violência, crueldade e opressão e expressam seu compromisso com a

construção de uma sociedade mais justa e igualitária (CFP, 2005; CFESS, 1993),

reforçando que o objetivo destas profissões está voltado para a transformação da

realidade brasileira.

No próximo capítulo, buscaremos trabalhar o conceito de interdisciplinaridade

e elaborar um debate sobre ele, focando a relação destas duas profissões.

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CAPÍTULO III – EQUIPE MULTIPROFISSIONAL E O TRABALHO

INTERDISCIPLINAR: ESPECIFICIDADE E COMPLEMENTARIDADE

Como já vimos anteriormente, o primeiro Código de Menores de 1927 já

continha uma proposta de que o atendimento às questões jurídicas da infância não

estava restrita à intervenção do Direito. Inicialmente previa a intervenção de

médicos, mas posteriormente, com mudanças nas legislações e novas propostas de

intervenções, o trabalho com o adolescente em conflito com a lei se abriu para mais

áreas de conhecimento.

No que se refere ao atendimento ao adolescente em conflito com a lei,

observamos que o trabalho envolve profissionais da educação, saúde, direito,

segurança, entre outros, o que nos leva a construir uma reflexão a respeito de como

se dá esta relação.

Na Lei nº 12.594, de 18 de Janeiro de 2012 (BRASIL, 2012), em seu artigo

12, encontramos a referência de que a composição da equipe que prestará o

atendimento técnico nos programas socioeducativos deve ser de característica

interdisciplinar e ter profissionais das áreas da saúde, educação e assistência social.

Mas não cita quais profissionais, apenas as áreas as quais pertencem.

Para Frasseto et al (2010) também se encontra o reconhecimento da

necessidade da interdisciplinaridade diante da complexidade da realidade do

adolescente em conflito com a lei.

O ato infracional praticado por adolescentes se configura como um fenômeno complexo e multideterminado, que envolve múltiplas dimensões: • as contradições sociais e desigualdades da sociedade brasileira, • as relações entre o sistema de justiça e de organização do Estado e os processos históricos de exclusão, • a dinâmica cultural entre classes, segmentos e grupos sociais na fase atual do capitalismo focada no consumo e na especulação, • as dimensões subjetivas e existenciais dos adolescentes em conflito com a lei e dos atores envolvidos com a trama de suas vidas (das famílias e vizinhos aos profissionais e gestores dos programas de atendimento) (FRASSETO et al, 2010, p. 110).

Ao buscarmos na literatura as referências do conceito de interdisciplinaridade,

deparamo-nos com a percepção de que há uma tendência à especialização e

fragmentação da realidade e dos saberes, sendo que a estratégia para a superação

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desta orientação requer a busca por um diálogo entre as diferentes áreas de

conhecimento (MINAYO, 1994; POMBO, 2008; FRIGOTTO, 2008; FRASSETO et al,

2010; ALVES, BRASILEIRO e BRITO, 2005; CAMPOS, 2000).

Nesta mesma literatura consultada, encontramos pelo menos dois níveis de

propostas de diálogos entre as disciplinas: o primeiro, descrito como multidisciplinar,

por vezes pluridisciplinar, que se refere à justaposição de diferentes saberes para,

com isto, construir um entendimento sobre uma determinada realidade; o segundo,

compreendido como um aprofundamento da perspectiva multidisciplinar, ou seja, a

interdisciplinar que pressupõe um maior diálogo e entrelaçamento das disciplinas,

sem que elas percam sua singularidade ou se sobreponham uma à outra.

É na proposta de uma união de saberes para lidar com os novos desafios

para a compreensão dos fenômenos e para a construção de novas propostas de

intervenção voltada à realidade do adolescente e família que reside o motor

propulsor para a criação da abordagem interdisciplinar, com o objetivo de superar a

fragmentação dos saberes.

De acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior – CAPES (2009, p. 06) a abordagem multidisciplinar é: “o estudo que

agrega diferentes áreas do conhecimento em torno de um ou mais temas, no qual

cada área ainda preserva sua metodologia e independência”. E a abordagem

interdisciplinar é:

[...] a convergência de duas ou mais áreas do conhecimento, não pertencentes à mesma classe, que contribua para o avanço das fronteiras da ciência e tecnologia, transfira métodos de uma área para outra, gerando novos conhecimentos ou disciplinas e faça surgir um novo profissional com um perfil distinto dos existentes, com formação básica sólida e integradora. (p. 6).

Neste sentido, vemos que a interdisciplinaridade traz um desafio maior que a

multidisciplinaridade, com referência ao envolvimento entre as áreas de

conhecimento e o desafio posto da construção de um novo saber.

Pombo (2008) esmiúça ainda mais esta definição e afirma que há três níveis

de diálogos entre as disciplinas:

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- pluridisciplinar ou multidisciplinar, no qual se estabelece uma coordenação

de forma paralela dos pontos de vista sobre uma mesma temática;

- interdisciplinar, que objetiva ultrapassar o paralelismo promovendo uma

combinação e convergência de maneira complementar das disciplinas;

- transdisciplinar, que seria um aprofundamento maior, uma proposta de uma

fusão entre elas.

Ainda segundo Pombo (2008), a interdisciplinaridade é algo que está sendo

imposto às Ciências, independente das vontades individuais ou de grupos de

cientistas. Assim, cabe a nós reconhecer este fenômeno e desenvolver trabalhos

que considerem esta realidade que já está colocada.

A autora dá como exemplo de interdisciplinaridade as neurociências, que

alinham várias disciplinas (psicologia, filosofia, matemática, computação) de forma

“irregular e descentrada para colaborar na discussão de um problema comum entre

outras” (POMBO, 2008, p. 10).

Neste sentido, para a resolução dos problemas que nos afligem em nosso

caso, a compreensão e intervenção na realidade do adolescente em conflito com a

lei exige a complementaridade dos saberes e da integração das práticas, o que não

significa que tudo que se faça é interdisciplinar, mas que já existem experiências

que, mesmo sem uma reflexão acadêmica, já caminham neste sentido.

Um exemplo disto é a experiência de trabalho no atendimento socioeducativo

no qual a equipe que atuava tinha certa coesão e obteve resultados positivos que foi

descrito por Martinaitis e Capela (2007) sobre o trabalho desenvolvido na extinta UI-

10 ou Casa do Atleta.

De acordo com as autoras, nesta Unidade situada no Complexo Tatuapé da

FEBEM-SP, havia um projeto pedagógico orientado para a prática esportiva no qual

todos os adolescentes estavam inseridos em alguma modalidade. Além disto, existia

um diálogo entre os profissionais, tanto entre os que estavam ligados diretamente à

unidade quanto os que prestavam serviços.

O atendimento socioeducativo que se realiza pela atuação de diferentes áreas

de conhecimento no centro de internação é organizado em diferentes setores como

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o Psicossocial, Pedagógico, Segurança e Disciplina, Saúde. Todavia, a atuação

destes setores não necessariamente corresponde a um trabalho interdisciplinar.

Como já foi dito antes, com base no documento elaborado pelo CFESS

(2012) não é criando uma equipe que desenvolva ações de forma coordenada que

irá ocorrer a diluição das particularidades profissionais, nem se criará uma

identidade unitária entre seus participantes, pois são as diferenças das

especializações que vão permitir a unidade à equipe, e, para a concretização de um

trabalho neste nível, exige-se dos profissionais um maior entendimento e maior

atenção com relação à preservação de sua identidade profissional como condição

de potenciar o trabalho em conjunto.

Neste sentido, compreendemos que devem ser consideradas as

especificidades de cada categoria profissional. Assim como é reconhecida a

distinção e especificidade da produção teórica de cada área, o trabalho em equipe

deve ser estabelecido de forma clara, com a elucidação de quais são as

responsabilidades individuais, as competências de cada um, sendo bem

identificados os papéis e atribuições de modo objetivo. Mesmo assim, isto não é

suficiente para o trabalho interdisciplinar: é requisito preservar a horizontalidade dos

saberes, própria da ambiência interdisciplinar, no sentido de que cada formação tem

absoluta igualdade na importância deste processo. Para manter a horizontalidade e

a efetividade do trabalho interdisciplinar, é pré requisito a existência de um espaço

de diálogo e de permanente reflexão sobre os limites e potencialidades da atuação.

Reuniões periódicas para discussão e reflexão das atividades, em que todos

possam participar e dar sua opinião, é uma maneira de construção deste tipo de

trabalho.

As ideias de Dacome (2000) se coadunam com a reflexão que estamos

expondo aqui ao afirmar que colocar profissionais de diferentes especialidades para

trabalhar juntos, não significa a realização de um trabalho interdisciplinar, por ser

necessário que eles tenham maturidade profissional e pessoal para tal.

Ainda segundo ele, o trabalho interdisciplinar provoca o questionamento de

saberes institucionalizados, o que exige do profissional uma atitude participativa,

reflexiva, e questionadora, e não apenas reprodutores do que foi aprendido na

Universidade.

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De acordo com este autor, a atuação interdisciplinar só se efetiva na prática,

em um espaço em que os profissionais podem expor seus limites e potencialidades,

possibilitando o intercâmbio e completude de suas ações:

Trata-se de uma nova postura, e, como nova, de certa forma, “amedrontadora”. O trabalho interdisciplinar obriga o profissional a submeter as técnicas a uma modalidade de relações e não o contrário. Isso implica tornar as técnicas secundárias, desnudando os profissionais, chamando-os para um campo de incertezas. O conceito de interdisciplinaridade deve fazer parte da prática cotidiana, deve ser incorporado nas ações efetivas, deve deixar de ser mera abstração. (DACOME, 2000, p.93 grifos do autor).

Ainda segundo ele, para se efetivar um trabalho interdisciplinar, é necessário

ter bem definido os objetivos, conhecer o contexto institucional, as condições físicas

e os recursos humanos disponíveis.

O profissional deve se expor para que exista o diálogo, sendo assim o clima

de confiança e respeito entre os colegas e os superiores é fundamental para que o

mesmo não fique a todo o momento com medo de sofrer sanções, e também, ele

deve procurar constantemente se qualificar.

Dacome (2000) afirma que não se devem excluir os profissionais resistentes à

proposta interdisciplinar, mas sim superar as condições destas resistências para que

eles possam se integrar à proposta, tendo em vista que as barreiras para o trabalho

são sociais, pois vivemos em uma cultura do individualismo e da competitividade, e

também subjetivas, pois este contexto social produz subjetividades não

acostumadas com a cooperação.

Diante destas considerações, podemos afirmar que, por parte das entidades

que executam o atendimento socioeducativo, para que este seja interdisciplinar, é

necessário que se criem as condições que possibilitem este tipo de ambiente. No

que diz respeito ao trabalho na Fundação CASA no atendimento de internação,

como vimos em Anjos (2011), ele é executado por profissionais de diferentes áreas,

numa perspectiva multiprofissional, sem estímulos claros para a complementaridade

dos saberes. Percebemos uma prevalência da perspectiva multiprofissional em

detrimento da interdisciplinar, talvez pelo fato de a primeira não exigir uma

modificação nas relações de poder entre os profissionais, pois cada um tem seu

espaço definido.

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Encontramos, nos documentos que vão referenciar a atuação da Psicologia e

do Serviço Social produzidos por esta instituição, claramente que a proposta de

atuação é multiprofissional, até mesmo pelo modo como as equipes são nomeadas:

equipes multiprofissionais. Avaliamos que isto pode ser um caminho para que,

futuramente, concretize-se um trabalho interdisciplinar, pois há perspectiva de

esclarecimento do papel de cada área e das atribuições específicas, que se

materializa pela construção de documentos específicos para cada área3.

Observamos que, apesar de não atender a demanda da construção de um

trabalho interdisciplinar, esses documentos buscam minimizar uma dificuldade

enfrentada pelos profissionais que é a baixa diferenciação de especificidades entre

as atividades da Psicologia e do Serviço Social.

Ainda sobre esta questão das atividades comuns, destacamos que em uma

análise das ações/atribuições descritas nos documentos, observamos 09 que

poderíamos dizer que são comuns, 21 voltadas para os assistentes sociais e 24

listadas para os psicólogos. Destacamos as que são comuns, a seguir:

Quadro 1 – Ações/Atribuições semelhantes da Psicologia e do Serviço Social em atuação em

um Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente de Internação

Ações Serviço Social Psicologia

Participar de reuniões sistemáticas com a equipe multiprofissional para discussão e

avaliação do desenvolvimento do PIA e, se necessário, seu redirecionamento;

Participar de reuniões sistemáticas com a equipe de referência, buscando alinhar as metas, ações estabelecidas no PIA e as

intervenções;

Realizar atendimento grupal com famílias com abordagem de temas diversos, visando

favorecer, dentre outros aspectos, a vivência, discussão e reflexão coletiva, bem como

compartilhar experiências e potencializar o grupo para a vivência comunitária;

Realizar atividades grupais com as famílias e/ou responsáveis legais;

Manter posicionamento técnico frente às demandas do Poder Judiciário e Ministério

Público contra-argumentando com fundamentação técnica, visando a melhor

condução do processo socioeducativo;

Manter posicionamento ético-técnico frente às demandas do Poder Judiciário e Ministério

Público, para melhor condução do processo socioeducativo;

Participar dos plantões técnicos Participar de plantões técnicos aos finais de

semana, quando da visita dos familiares,

3 Inicialmente foram produzidos documentos para área de segurança e disciplina e pedagógica antes

dos feitos para a Psicologia e Serviço Social.

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acompanhando as visitas aos adolescentes; colaterais, visando acompanhá-los e orientá-los, bem como obter mais subsídios para

avaliar o trabalho que está sendo desenvolvido com o adolescente e família no

contexto do processo socioeducativo;

Atualizar/ complementar os dados do adolescente no sistema eletrônico (Portal

CASA);

Atualizar/ complementar os dados do adolescente no sistema de informação da

Fundação CASA – Portal;

Participar de audiências convocadas pelo Poder Judiciário ou solicitadas pela própria

equipe psicossocial;

Participar de audiências convocadas pelo Poder Judiciário ou quando solicitadas pela

própria equipe psicossocial;

Realizar discussão de caso com os profissionais de outras medidas e serviços, visando à continuidade/implementação das ações interventivas iniciadas anteriormente;

Articular com os profissionais de outras medidas pelas quais o adolescente tenha passado, para a melhor compreensão do

caso;

Participar da elaboração do Projeto Político Pedagógico do centro de atendimento.

Participar da elaboração do Plano Político Pedagógico do Centro de Atendimento;

Participar da Comissão de Avaliação Disciplinar conforme institui o Regimento Interno dos Centros de Atendimento de

Internação e de Semiliberdade da Fundação;

Participar da Comissão de Avaliação Disciplinar como membro titular ou suplente,

conforme Regimento Interno;

*Adaptado de Fundação CASA (2012a; 2012b)

Enfatizamos que o fato de serem atividades comuns, não significa

necessariamente que o olhar e enfoque realizados devam ser os mesmos para os

dois profissionais. Encontramos, nos documentos produzidos pela instituição, que o

assistente social deve orientar seu trabalho no apoio à família e na articulação com a

rede. Já o psicólogo, em uma perspectiva mais terapêutica, tem seu trabalho

orientado às questões subjetivas do adolescente. (FUNDAÇÃO CASA, 2012a;

2012b).

Também destacamos que algumas atividades são exclusivas dos psicólogos,

como aplicação de testes psicológicos, e outras dos assistentes sociais, como o

estudo social, mas que mesmo nestas atribuições exclusivas o conhecimento

produzido por um profissional deve complementar o produzido pelo outro e favorecer

a elaboração da estratégia de intervenção.

Entretanto, para que isto aconteça, é necessário que esta dupla encontre

espaços para discussão dos casos atendidos e, como vimos, a realização de um

trabalho interdisciplinar necessita maturidade para reconhecer e exercitar a

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horizontalidade de saberes, sem supremacia de uma formação profissional sobre a

outra, e condições concretas para tal.

Como já dito anteriormente neste estudo, a inserção do assistente social e do

psicólogo se dá pela área da saúde, especificamente saúde mental, no que se refere

ao atendimento socioeducativo em unidades de internação.

No que tange a atenção à saúde mental, atualmente está sob o paradigma da

desinstitucionalização implantado pela reforma psiquiátrica, como afirma

Vasconcelos (2002), que cria desafios para a atuação interdisciplinar.

Segundo este autor, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a assistência

psiquiátrica vem passando por mudanças. Num primeiro momento, houve a

tentativa de humanizar as instituições psiquiátricas objetivando melhorar o

tratamento oferecido, posteriormente, estratégias mais radicais foram adotadas e,

atualmente, está difundida mundialmente a proposta da desinstitucionalização.

Tradicionalmente, o saber médico tem sido hegemônico dentro do hospital,

constando no topo da hierarquia a criação de estratégias de tratamento e

organização do trabalho. Fora dele, existe maior possibilidade de espaço para

outras áreas do saber e de uma relação horizontal entre elas. Cabe lembrar, no

entanto, que o simples fato de os profissionais estarem dentro ou fora dos muros do

hospital não garante a mudança das práticas, uma vez que os processos de

medicalização e patologização de determinados grupos estão disseminados por todo

o corpo social. Porém, acredita-se que por meio da desinstitucionalização haveria

melhores condições para romper com as abordagens e práticas tradicionais,

propiciando o diálogo entre as diferentes áreas do saber, daí a interdisciplinaridade

como uma aposta. (VASCONCELOS, 2002).

O autor ainda nos lembra de alguns elementos que são necessários a serem

destacados quando se faz uma proposta de prática propriamente interdisciplinar, a

saber:

- a inserção histórica de cada profissão no espaço sócio-ocupacional, por

exemplo, como a Psicologia e o Serviço Social foram se construindo e conquistando

seu espaço no mercado de trabalho e se legitimando perante a sociedade;

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- como cada profissão foi reivindicando para si uma área específica de saber

e prática, ou seja, como foi formalizando um conjunto específico de atividades e

competências que os diferencia das demais e estas foram ganhando legitimidade

Estatal e social;

- as instituições que representam a categoria profissional vão estabelecer

fronteiras com as outras e a compreensão do papel destas representações

institucionais é importante para entender as relações de poder que se estabelecem;

- e, por fim, a cultura profissional, ou seja, os valores e identidades sociais

específicos de cada profissional.

Vasconcelos (2002) afirma que é neste contexto de relações de saber/poder

que a proposta interdisciplinar vai se desenvolver com seus limites e entraves, e,

para superar isto e consolidar a interdisciplinaridade no campo da atenção à saúde

mental, ele faz nove sugestões que podemos transpor para nossa realidade,

fazendo algumas considerações:

- discutir as legislações profissionais de forma a distribuir melhor as

responsabilidades legais e democratizar os processos com as equipes

interdisciplinares, ampliando e assegurando os direitos dos usuários;

- ao compor as equipes, selecionar profissionais que estejam politicamente

alinhados com a proposta interdisciplinar, principalmente os que têm local de

destaque nas equipes;

- desenvolver, de forma consensual, uma vontade política de construir um

projeto teórico, político e de assistência que vá ao encontro das novas perspectivas

e experiências reais de efetivação da interdisciplinaridade;

- ter uma dinâmica institucional que permita relações democráticas de

horizontalidade nas discussões e tomadas de decisões;

- na estrutura institucional, criar mecanismos nos quais haja a troca de

informações e experiências para, com isso, superar as dificuldades que

Vasconcelos (2002) traz, como exemplo: a supervisão como dispositivo fundamental

para efetivação da interdisciplinaridade e democratização das equipes;

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- formas de preservação da autonomia relativa dos profissionais e que estes

possam resistir a pressões externas para que evitem adotar modelos tradicionais de

trabalho;

- formas de ensino e pesquisa ligadas à equipe regular do serviço como

maneira de renovar os conhecimentos e a própria prática;

- a construção coletiva das metodologias, técnicas e abordagens socioclínicas

que são utilizadas.

- prever mecanismos de escuta dos usuários e seus familiares como forma de

avaliação do serviço e entendimento das demandas a serem atendidas.

Apesar de Vasconcelos (2002) propor estratégias para a formação de um

trabalho interdisciplinar na política de atenção da saúde mental, podemos utilizar

suas contribuições no que se refere ao atendimento socioeducativo.

Lembramos ainda que a inserção como profissionais ligados à área da saúde

mental também pode reservar uma armadilha, que é a associação da prática

infracional com algum desajuste mental ou psicológico, sendo esperado que o

assistente social e o psicólogo tenham por função atuar no controle dos

adolescentes e suas famílias, proposta histórica que foi superada por ambas as

profissões, como já vimos anteriormente.

Vasconcelos (2002) nos convoca a repensar nossas práticas no sentido de

produzir uma ação transformadora que vise a emancipação e não a segregação dos

adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.

Como vimos, a interdisciplinaridade é uma forma de enfrentar os desafios

atuais, lidar com a complexidade que se coloca. Entretanto, desenvolvê-la nos

diferentes espaços ocupacionais é outra dificuldade a ser vencida. Alterar formas

tradicionais de se lidar com os problemas cotidianos institucionais não é tarefa fácil,

necessita um trabalho constante de sensibilização dos profissionais e mudanças na

cultura institucional. Todavia, como também podemos verificar, existiu trabalho

realizado que pode se aproximar deste ideal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção deste estudo e reflexão sobre a pluridimensionalidade do trabalho

desenvolvido pelo assistente social e psicólogo na atenção ao adolescente em

cumprimento de medida socioeducativa de internação teve como base nossa

vivência profissional na Fundação CASA (SP), atuando em dupla na composição da

equipe psicossocial, e as inquietações daí suscitadas, com vistas a apontar aspectos

essenciais para o aprimoramento da intervenção profissional e, consequentemente,

maior efetividade na atuação junto ao adolescente e seu grupo familiar/social.

A complementaridade esperada neste trabalho sofre interferências do

cotidiano, quando são analisadas e apontadas as novas estratégias que podem

colaborar para a completude dos saberes: deslocar o risco possível de patologizar a

condição do autor de ato infracional e considerar, também, como nos lembra

Borgianni (2013), a condição bipolar de atuar a partir da impositividade do Estado

associada à ideia de se criar mecanismos de garantia de direitos devidos a este

adolescente e seu grupo familiar. A atenção aos adolescentes em cumprimento de

medida socioeducativa requer a prática de diferentes agentes institucionais e

formações profissionais.

Considerando o Caderno de Orientações para assistentes sociais e

psicólogos da Fundação Casa, as respectivas formações ocupam um espaço

privilegiado, sendo a psicologia o vértice para as ações de promoção de mudanças e

proposição de novas estratégias de atendimento.

Tal posição desfavorece a horizontalidade esperada para a existência da

interdisciplinaridade, e promove pressões advindas de outras formações

profissionais. Ao buscar referenciais advindos da área da saúde coletiva, na

construção do trabalho psicossocial, como é lembrado nos Cadernos da Fundação

Casa (2012a, 2012b), corre-se o risco de se associar a delinquência juvenil a uma

questão de patologia ou desvio, descaracterizando o contexto social e econômico

em que este fenômeno está inserido. O caráter educativo, algo que também é

lembrado nos Cadernos, a nosso ver, deveria ser reforçado, não que as ações de

atenção à saúde devam deixar de ser executadas, porém elas não devem ser a

matriz que guia o processo socioeducativo.

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Buscar referenciais na educação e na socioeducação nos parece uma

alternativa para evitar a patologização da criminalidade, e enfatizaria mais os

processos institucionais e sociais envolvidos. Guará (2012) define ação

socioeducativa como o trabalho que o profissional realiza, em diferentes contextos

socioinstitucionais, objetivando oferecer aos adolescentes oportunidades de

desenvolvimento para o convívio social. Nesta ação, busca-se garantir e promover

os direitos e responsabilidades dos socioeducandos.

Não podemos nos esquecer de que o atendimento socioeducativo de

internação ocorre em ambiente institucional semelhante ao afirmado por Goffman

(1974), pois se trata de uma instituição total, a qual tem por característica se ocupar

da organização de todas as atividades diárias do interno, já que ele não tem a

possibilidade de experimentar outro tipo de relação social a não ser a de assistido,

retirando sua autonomia.

Contudo, a legislação prevê que sempre que possível o atendimento deve

utilizar recursos da comunidade, extramuros da instituição, pois com isto se busca

quebrar esta lógica com o princípio da incompletude institucional e da

intersetorialidade.

No âmbito do espaço socioeducativo, como já foi dito anteriormente, é a

Psicologia e o Serviço Social que possuem papel determinante nas decisões do

cotidiano socioeducativo, ocupando assim papel análogo ao do psiquiatra em um

manicômio em relação às outras equipes.

Tendo em vista que ambas as profissões devem trabalhar no sentido de

favorecer a autonomia e emancipação daqueles que são alvos de suas

intervenções, um trabalho interdisciplinar nos parece ser a melhor alternativa, pois

deixar este espaço central e favorecer uma relação mais horizontal com as outras

equipes é fundamental.

Para que exista a interdisciplinaridade de acordo com a definição que vimos,

é necessário que haja o diálogo entre os profissionais, o respeito mútuo e um

ambiente propício para isto, para que assim possam ser criadas metodologias

comuns. Isto nos faz pensar onde se situa a especificidade disciplinar e quais são os

limites para a conjugação de saberes.

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Encontramos em Anjos (2011) a proposta de reposicionamento da equipe

psicossocial na instituição na qual o setor psicossocial seja promotor da saúde da

instituição como um todo, desenvolvendo um trabalho com os adolescentes, mas

também com os profissionais.

Alem disso, em sua proposta, encontramos a sugestão de que Assistentes

Sociais e Psicólogos deixem de ter a obrigação de atender os adolescentes uma vez

por semana e que não tenham por responsabilidade a elaboração de relatórios. Em

contrapartida, o autor propõe que os Psicólogos devam realizar trabalho de

psicoterapia - breve com os jovens que tivessem demanda e que atuem como

facilitadores das relações institucionais promovendo grupos, mediando conflitos.

Nesta proposta, poderia ser favorecido o aprofundamento do vínculo do Psicólogo

com o adolescente, tendo em vista que o vinculo é apenas de caráter de saúde e o

tempo da medida socioeducativa não depende do relatório do profissional.

Já os Assistentes Sociais teriam como tarefa uma atuação mais intensa com

a rede socioassistencial e junto à família, procurando articulá-las para fortalecê-las e

aumentar sua potência protetiva para o apoio aos adolescentes.

O autor sugere que a atribuição de elaborar e acompanhar a execução do

Plano Individual de Atendimento e da produção dos relatórios técnicos ficaria sob a

responsabilidade do setor pedagógico.

Anjos (2011) ainda nos adverte de que o propósito das duas profissões –

serviço social e psicologia- é propiciar ao indivíduo ser protagonista de sua história

e não apenas reconhecê-lo como um ser adaptado às políticas públicas e a meios

organizacionais. Isto nos faz refletir sobre qual é o trabalho da equipe psicossocial

no contexto do Centro de Atendimento: seu objetivo é o ajustamento ou a

emancipação dos sujeitos atendidos.?

Gadelha (1998) aponta que, historicamente, a atuação dos Assistentes

Sociais e Psicólogos vem sendo solicitada com o objetivo de controlar e minimizar

os conflitos e contradições sociais. Todavia, relembra que, para ambas as

profissões, existiu um período de crítica e reflexão sobre os objetivos de suas

práticas, o que culminou no reposicionamento destas: aliás, a nosso ver, este

reposicionamento deve ser prática permanente, dadas as mudanças estruturais e

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conjunturais próprias da dinâmica do processo sócio-histórico da sociedade. Apesar

disto, temos que lançar a questão: qual é o significado do trabalho que vem sendo

realizado pela equipe psicossocial no que se refere à execução das medidas

socioeducativas?

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA/FLACSO, 2013.

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Anexo

PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1426 Em 14 de julho de 2004.

Aprova as diretrizes para a implantação e implementação da atenção à

saúde dos adolescentes em conflito com a lei, em regime de internação e internação provisória, e dá outras providências.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, O SECRETÁRIO ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS E A

SECRETÁRIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, no uso de suas atribuições, e Considerando o art. 196 da Constituição Federal, que reconhece a saúde como direito de todos

e dever do Estado, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação;

Considerando o art. 227 da Constituição Federal, que estabelece o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;

Considerando os arts. 1º e 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que reconhecem que

crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em

condições de liberdade e dignidade; Considerando o art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a condição

peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento; Considerando o art. 94 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece as obrigações

das entidades governamentais e não-governamentais que desenvolvam programas de internação; Considerando a importância de garantir aos adolescentes em regime de internação e internação

provisória a atenção integral à saúde, tendo em vista suas necessidades sociais e singularidades; e Considerando as recomendações da Comissão Interministerial, criada por meio do Protocolo de

Intenções, de 9 de julho de 2003, com a atribuição de formular propostas destinadas a viabilizar a atenção integral à saúde dessa população,

R E S O L V E M: Art. 1º Aprovar as diretrizes para a implantação e implementação da atenção à saúde dos

adolescentes em conflito com a lei, com medida sócio-educativa cumprida em regime de internação e internação provisória, em unidades masculinas e femininas.

§ 1º As ações e serviços decorrentes destas diretrizes terão por finalidade promover a saúde

dos adolescentes, a que se refere o caput, oferecendo uma abordagem educativa, integral, humanizada e de qualidade.

§ 2º Para o alcance dessa finalidade são estabelecidas as seguintes prioridades: I - a implantação de estratégias de promoção da saúde, com o objetivo de promover

ambiência saudável, estimular a autonomia, e desenvolver ações sócio-educativas,

atividades corporais e de melhoria das relações interpessoais, bem como o fortalecimento de redes de apoio aos adolescentes e suas famílias;

II - a implantação de ações de prevenção e cuidados específicos, com prioridade para o

desenvolvimento integral da adolescência, em particular, a saúde mental; a atenção aos agravos psicossociais, a atenção aos agravos associados ao uso de álcool e outras drogas, sob a perspectiva da redução de danos, a saúde sexual e saúde reprodutiva, a atenção às DST/HIV/Aids e às hepatites

e a atenção aos adolescentes com deficiências; III - a implementação de medidas de proteção específica, como a distribuição de preservativos

e a vacinação contra hepatite, influenza, tétano, rubéola e outrasdoenças, de acordo com as

padronizações da Secretaria de Vigilância em Saúde;

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IV - a garantia de acesso dos adolescentes, a que se refere o caput deste artigo em todos os

níveis de atenção à saúde, por meio de referência e contra-referência, que deverão estar incluídas na Programação Pactuada Integrada (PPI) estadual, mediante negociação nas Comissões Intergestores Bipartites (CIB);

V - a educação permanente, tanto das equipes de saúde e dos profissionais das unidades de

internação e internação provisória, quanto dos profissionais que atuam nas unidades de saúde de

referência voltadas às especificidades de saúde dessa população; VI - garantir a inclusão, nos Sistemas de Informação de Saúde do SUS, de dados e indicadores

de saúde da população de adolescentes em regime de internação e internação provisória; e VII - a reforma e a aquisição de equipamentos para as unidades de internação e internação

provisória, visando ao estabelecimento de unidade de saúde que atenda às necessidades da Atenção Básica, assim como a adequação do espaço físico de todas as unidades às exigências do Estatuto da

Criança e do Adolescente e às Resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, garantindo condições de salubridade e área de lazer.

Art. 2º Em cada unidade da federação, as Secretarias de Saúde do Estado, do Distrito Federal,

e dos municípios-sede das unidades de internação e internação provisória, em conjunto com a secretaria gestora do sistema sócio-educativo, deverão formular um Plano Operativo Estadual, conforme as Normas a serem estabelecidas por meio de portaria do Ministério da Saúde.

§ 1º A gestão e a gerência das ações e serviços de saúde constantes do Plano Operativo Estadual serão pactuadas, no âmbito de cada unidade federada, entre o gestor estadual de saúde, o gestor do sistema sócio-educativo e os gestores municipais de saúde, respeitadas as condições de

gestão. § 2º O fórum de pactuação entre as Secretarias de Saúde do Estado e dos municípios-sede

será a Comissão Intergestores Bipartite. § 3º Os Planos Operativos Estaduais deverão ser submetidos à aprovação do respectivo

Conselho Estadual de Saúde e Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente. § 4º Nos casos em que as Secretarias Municipais de Saúde assumirem a gestão e, ou gerência

das ações e serviços de saúde, deverá constar do Plano Operativo Estadual a aprovação dos Conselhos Municipais de Saúde e Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Art. 3º Para a implementação das ações, o Ministério da Saúde, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, as Secretarias Estaduais de Saúde, as secretarias gestoras do sistema sócio-educativo, e as Secretarias Municipais de Saúde

poderão estabelecer, em caráter complementar, parcerias, acordos, convênios com entidades privadas sem fins lucrativos, bem como com organizações não-governamentais, regularmente constituídas e registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,

respeitados os critérios definidos no artigo 91 do ECA, e que detenham experiência de trabalho com adolescentes em conflito com a lei.

Parágrafo único. Essas parcerias, acordos, convênios ou outros mecanismos de cooperação

deverão ter um caráter de complementaridade. Art. 4º Fica criado o Incentivo para a Atenção à Saúde de adolescentes em regime de

internação e internação provisória, a ser financiado pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de complementar o financiamento das ações de atenção integral à saúde dessa população.

Parágrafo único. Os recursos do Ministério da Saúde serão repassados do Fundo Nacional de

Saúde aos Fundos Estaduais e, ou Municipais de Saúde, de acordo com a pactuação estabelecida no âmbito de cada unidade federada.

Art. 5º Compete à Secretaria Especial dos Direitos Humanos alocar recursos para o

financiamento da adequação do espaço físico referida no artigo 1º, § 2º, inciso VII desta Portaria, da reforma e, ou construção de unidades de saúde e aquisição de equipamentos, nas unidades de

internação e internação provisória do sistema sócio-educativo. Art. 6º Compete à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres alocar recursos para o

financiamento da capacitação, em gênero, dos adolescentes e dos profissionais envolvidos no

atendimento aos adolescentes em regime de internação e internação provisória.

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Art. 7º O processo de educação permanente das equipes de saúde e dos profissionais das

unidades de internação e internação provisória será co-financiado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e o Ministério da Saúde.

Art. 8º Estabelecer que a adesão e a habilitação das unidades federadas às diretrizes de

implantação e implementação da atenção à saúde dos adolescentes, a que se refere o artigo 1°, se dará mediante a apresentação do Plano Operativo Estadual, conjuntamente pela Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde e secretaria gestora do sistema sócio-educativo.

§ 1° No Plano Operativo Estadual deverão estar contemplados os Planos Municipais de Atenção à Saúde dos adolescentes em regime de internação e internação provisória, conforme estabelece o artigo 2ºdesta Portaria, exceto nos casos em que a Secretaria Estadual de Saúde assumir a execução

das ações e serviços nele pactuados. § 2° A liberação das verbas oriundas do Ministério da Saúde, da Secretaria Especial dos

Direitos Humanos e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, para a implantação e

implementação das ações e serviços previstos nesta Portaria, dar-se-á mediante a prévia aprovação do Plano Operativo Estadual.

§ 3º O Plano Operativo Estadual deverá incluir a definição das respectivas contrapartidas de todos os órgãos estaduais e municipais envolvidos, no financiamento e, ou no desenvolvimento das ações de atenção à saúde delineadas nesta Portaria, na adequação das condições de infra-estrutura e

funcionamento das unidades, na composição e pagamento das equipes de saúde e na referência para a média e a alta complexidade, conforme Limite Financeiro de Assistência do Estado.

Art. 9º Determinar que o acompanhamento da implantação e implementação da atenção à

saúde de adolescentes em regime de internação e internação provisória será realizado, em âmbito nacional, por uma Comissão de Acompanhamento, formalmente indicada e integrada por representantes das seguintes unidades:

I - Ministério da Saúde; a) Secretaria-Executiva; b) Secretaria de Atenção à Saúde; c) Secretaria de Vigilância em Saúde; e d) Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; II - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; a) Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente; III - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; a) Subsecretaria de Monitoramento e Ações Temáticas; IV - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA; V - Conselho Nacional dos Secretários de Saúde - CONASS; VI - Fórum Nacional de Dirigentes Governamentais de Entidades Executoras da Política de

Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - FONACRIAD; VII - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde - CONASEMS; VIII - Conselho Nacional de Saúde; e IX - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. § 1° Os instrumentos essenciais de trabalho dessa Comissão serão as diretrizes para a

implantação e implementação da atenção à saúde dos adolescentes em regime de internação e internação provisória e os Planos Operativos Estaduais.

§ 2° A Comissão reunir-se-á quadrimestralmente para acompanhar a implementação dos

Planos Operativos Estaduais e avaliar o cumprimento dos compromissos assumidos, podendo propor ao Ministério da Saúde, à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, às Secretarias Estaduais de Saúde, às secretarias gestoras do sistema sócio-

educativo, ou às Secretarias Municipais de Saúde, os ajustes que se fizerem necessários. § 3° A convocação e coordenação das reuniões da Comissão caberão ao Ministério da Saúde, à

Secretaria Especial dos Direitos Humanos e à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Art. 10. Definir que o Ministério da Saúde, por intermédio da Secretaria de Atenção à Saúde,

regulamentará as diretrizes, fixadas na presente Portaria, visando à implantação e implementação da

atenção à saúde dos adolescentes, a que se refere o artigo 1°, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.

Parágrafo único. As normas para a implantação e implementação das diretrizes só entrarão em

vigor após a aprovação e homologação nos fóruns de pactuação da Saúde e pelo Conselho Nacional de Saúde, o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho de Direitos da Mulher.

Art. 11. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

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HUMBERTO COSTA

Ministro de Estado da Saúde

NILMÁRIO MIRANDA Secretário Especial dos

Direitos Humanos

NILCÉA FREIRE

Secretária Especial de Políticas para as Mulheres

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