soluções de compromisso na tomada de decisão sobre a

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RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos Volume 9 n.2 Abr/Jun 2004, 39-50 Soluções de Compromisso na Tomada de Decisão sobre a Operação Diária de Sistemas Urbanos de Abastecimento de Água Alberto Luiz Francato, Paulo Sérgio Franco Barbosa Departamento de Recursos Hídricos – Faculdade de Engenharia Civil – UNICAMP Av. Albert Einstein, 951, Caixa Postal 6021, 13083-970, Campinas – SP [email protected], [email protected] Recebido: 10/02/03 - revisado: 04/09/03 - aceito: 20/05/04 RESUMO O planejamento da operação dos sistemas urbanos de abastecimento de água é um setor que vem experimentando, na última década, o desenvolvimento e aplicação de técnicas específicas de pesquisa operacional que visam subsidiar os projetos e a gestão operacional dos mesmos. Porém, verifica-se na literatura que os estudos contemplam o desenvolvimento de técnicas de otimização e simulação que buscam atingir um objetivo único, que retrata o desejo do gestor, sem se preocupar com as relações de dependência entre os demais objetivos operacionais. Neste trabalho foi feita uma comparação entre dois objetivos operacionais conflitantes, analisando as relações de dependência entre os mesmos. Para tal estudo, aplicou-se a metodologia desenvolvida ao sistema adutor metropolitano de abastecimento da grande São Paulo, conhecido como Alça Leste. Entre os objetivos operacionais selecionados para estudo estão: a minimização da variação da vazão na ETA e a minimização do custo com energia elétrica no “booster”. A técnica de otimização utilizada é a programação linear, sendo que a rotina utiliza o pacote de otimização GAMS com o “solver” CONOPT. O problema apresenta natureza não-linear, porém utiliza-se procedimentos iterativos da programação linear, com o que se obteve soluções muito satisfatórias. Palavras-chave: redes hidráulicas, otimização multiobjetivo, programação linear, recursos hídricos, abastecimento de água. INTRODUÇÃO O problema da operação dos sistemas urbanos de abastecimento de água representa um desafio tecnológico em muitas cidades do estado de São Paulo e do Brasil. Durante o desenvolvimento deste trabalho de pesquisa realizaram-se visitas técnicas a várias empresas responsáveis pelo abastecimento de água em cidades de pequeno, médio e grande porte. Nessas visitas, procurou- se entrevistar os gestores responsáveis pela operação dos sistemas e assim identificar potenciais problemas que desafiam a operação dos mesmos. Dentre os problemas mais comuns, destacam-se: o elevado índice de perdas físicas de água, volumes inadequados dos reservatórios que dificultam a manutenção de uma adução constante na ETA, despesas elevadas com energia elétrica, constante necessidade de manobras emergenciais, cadastros técnicos desatualizados, dentre outros. A busca pela gestão eficiente dos sistemas urbanos de abastecimento de água é fortemente dependente dos objetivos e práticas operacionais adotadas em cada sistema de abastecimento. Verifica-se que o trabalho no setor de operações em um sistema de abastecimento requer decisões eficientes e em tempo real. A aplicação de uma regra operacional inadequada pode ser desastrosa para a operação do sistema, pois haverá conflito e certamente uma parcela de sacrifícios evitáveis entre os objetivos operacionais. No entanto, a pesquisa revelou que os aspectos sistêmicos da operação, incluindo a identificação de gargalos de componentes do sistema associados ao projeto inadequado ou fruto de expansões emergenciais, nem sempre são reconhecidos pelos gestores. Este trabalho tem como objetivo avaliar o compromisso entre dois objetivos operacionais, investigando relações de dependência entre tais. A identificação dos objetivos operacionais foi realizada por Francato (2002) que realizou um programa de visitas a empresas de abastecimento urbano de água e assim obteve os objetivos operacionais procurados pelos gestores. Neste trabalho utilizam-se dois objetivos que são: a minimização da flutuação da vazão média na ETA (Estação de Tratamento de Água) e a minimização da vazão bombeada no “booster”. A aplicação do estudo é realizada sobre parte do sistema macro adutor da região metropolitana 39

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RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos Volume 9 n.2 Abr/Jun 2004, 39-50

Soluções de Compromisso na Tomada de Decisão sobre a OperaçãoDiária de Sistemas Urbanos de Abastecimento de Água

Alberto Luiz Francato, Paulo Sérgio Franco BarbosaDepartamento de Recursos Hídricos – Faculdade de Engenharia Civil – UNICAMP

Av. Albert Einstein, 951, Caixa Postal 6021, 13083-970, Campinas – [email protected], [email protected]

Recebido: 10/02/03 - revisado: 04/09/03 - aceito: 20/05/04

RESUMO

O planejamento da operação dos sistemas urbanos de abastecimento de água é um setor que vem experimentando, naúltima década, o desenvolvimento e aplicação de técnicas específicas de pesquisa operacional que visam subsidiar os projetose a gestão operacional dos mesmos. Porém, verifica-se na literatura que os estudos contemplam o desenvolvimento de técnicasde otimização e simulação que buscam atingir um objetivo único, que retrata o desejo do gestor, sem se preocupar com asrelações de dependência entre os demais objetivos operacionais. Neste trabalho foi feita uma comparação entre dois objetivosoperacionais conflitantes, analisando as relações de dependência entre os mesmos. Para tal estudo, aplicou-se a metodologiadesenvolvida ao sistema adutor metropolitano de abastecimento da grande São Paulo, conhecido como Alça Leste. Entre osobjetivos operacionais selecionados para estudo estão: a minimização da variação da vazão na ETA e a minimização do custocom energia elétrica no “booster”. A técnica de otimização utilizada é a programação linear, sendo que a rotina utiliza opacote de otimização GAMS com o “solver” CONOPT. O problema apresenta natureza não-linear, porém utiliza-seprocedimentos iterativos da programação linear, com o que se obteve soluções muito satisfatórias.

Palavras-chave: redes hidráulicas, otimização multiobjetivo, programação linear, recursos hídricos, abastecimento deágua.

INTRODUÇÃO

O problema da operação dos sistemas urbanos deabastecimento de água representa um desafio tecnológicoem muitas cidades do estado de São Paulo e do Brasil.Durante o desenvolvimento deste trabalho de pesquisarealizaram-se visitas técnicas a várias empresasresponsáveis pelo abastecimento de água em cidades depequeno, médio e grande porte. Nessas visitas, procurou-se entrevistar os gestores responsáveis pela operação dossistemas e assim identificar potenciais problemas quedesafiam a operação dos mesmos. Dentre os problemasmais comuns, destacam-se: o elevado índice de perdasfísicas de água, volumes inadequados dos reservatóriosque dificultam a manutenção de uma adução constantena ETA, despesas elevadas com energia elétrica, constantenecessidade de manobras emergenciais, cadastros técnicosdesatualizados, dentre outros.

A busca pela gestão eficiente dos sistemas urbanosde abastecimento de água é fortemente dependente dosobjetivos e práticas operacionais adotadas em cada sistemade abastecimento. Verifica-se que o trabalho no setor de

operações em um sistema de abastecimento requer decisõeseficientes e em tempo real. A aplicação de uma regra operacionalinadequada pode ser desastrosa para a operação do sistema,pois haverá conflito e certamente uma parcela de sacrifíciosevitáveis entre os objetivos operacionais. No entanto, apesquisa revelou que os aspectos sistêmicos da operação,incluindo a identificação de gargalos de componentes dosistema associados ao projeto inadequado ou fruto deexpansões emergenciais, nem sempre são reconhecidos pelosgestores.

Este trabalho tem como objetivo avaliar ocompromisso entre dois objetivos operacionais,investigando relações de dependência entre tais. Aidentificação dos objetivos operacionais foi realizada porFrancato (2002) que realizou um programa de visitas aempresas de abastecimento urbano de água e assim obteveos objetivos operacionais procurados pelos gestores. Nestetrabalho utilizam-se dois objetivos que são: a minimizaçãoda flutuação da vazão média na ETA (Estação deTratamento de Água) e a minimização da vazão bombeadano “booster”. A aplicação do estudo é realizada sobreparte do sistema macro adutor da região metropolitana

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da grande São Paulo, o qual representa um sistema de porteexpressivo e com flexibilidade operacional suficiente para aaplicação de uma modelagem matemática de otimização.

Revisão de literatura

A preocupação com o planejamento da operaçãodos sistemas urbanos de abastecimento de água ganhoudestaque nas últimas décadas, principalmente nos paísesdesenvolvidos, onde o crescimento industrial é expressivo.A complexidade dos sistemas acompanhou o crescimentoe diversificação da demanda e, assim, surgiram dificuldadesoperacionais. Na tentativa de gerir os sistemas, houve anecessidade da aplicação da análise de sistemas comoferramenta de apoio para que os operadores pudessemtomar decisões de maneira estruturada.

A aplicação da análise de sistemas na engenhariade recursos hídricos é um campo relativamente novo evem-se aprimorando paralelamente ao desenvolvimentodos recursos computacionais, haja vista que os grandessistemas necessitam de análises complexas, envolvendomuitas variáveis, praticamente impossíveis de seremefetuadas sem o uso de algoritmos matemáticos,implementados por meio de um código computacional.Segundo Simonovic (1998), com o uso da análise desistemas encontram-se ganhos de até 30% que se traduzemem uma enorme economia nos grandesempreendimentos, na ordem de dezenas ou centenas demilhões de dólares.

A busca da operação eficiente de redes hidráulicaspara abastecimento urbano de água também édesenvolvida em outros países, pois tal problema éagravado com a escassez de recursos hídricos. Técnicaseficientes de planejamento e operação de sistemas deabastecimento de água já vêm sendo utilizadas há algumtempo em muitos países, como é o caso da França,Alemanha, etc. Esses países, além de necessitarem detécnicas de abastecimento de água eficientes, tambémdefinem, de forma sistemática, políticas de controle eadequação da oferta ao consumo.

Na tentativa de redução de custos operacionais emum sistema de abastecimento de água para Austin, Texas-EUA, Brion e Mays (1991) testaram um modelo deotimização e simulação conseguindo, com uma políticaotimizada de bombeamento, uma redução de 17,3% nocusto operacional que vinha sendo realizado até então(modelo PMPOPR - Pump Operation). Ormsbee eReddy (1995) aplicaram um algoritmo de otimização emWashington-DC e obtiveram resultados significativos coma política fornecida pelo modelo, observando umaredução de 6,9% nos custos com energia elétrica.

A despeito de muitas técnicas de otimização jáestarem disponíveis no Brasil e em outros países,evidencia-se pouca freqüência de abordagens multiobjetivo

ao problema. O grau de compromisso entre as soluções naoperação merece ser avaliado para que seja possível tomardecisões sobre o problema da operação não apenas com baseem um único objetivo. Vários trabalhos têm sido realizadospara diminuir os índices de perdas nas redes, minimizar oscustos nos sistemas e desenvolver medidas operativas ótimaspara equalizar as pressões na distribuição. Verificam-sedificuldades no dia-a-dia da operação de sistemas deabastecimento de água para os operadores manipularemmúltiplos objetivos, muitos dos quais se apresentando demaneira analítica não estruturada, evidenciando, assim, anecessidade do desenvolvimento de ferramentas de auxílio àtomada de decisão.

Será que a minimização dos custos diretos, como porexemplo, o custo relativo à energia elétrica deve ser o principalobjetivo operacional de um sistema? Qual o acréscimo, nocusto com energia elétrica, caso seja considerado também comoobjetivo a minimização da pressão nos nós da rede (mantidasa pressões mínimas de norma)? Ou ainda, quanto influenciaa oscilação de vazão na ETA? Essas questões não têmrespostas imediatas e somente uma modelagem pode forneceras relações de compromissos entre as soluções. Tais questõesforam objeto de investigação em Francato (2002). É importantedestacar que, embora cada um dos objetivos já tenha sidotratado individualmente em muitos trabalhos citados naliteratura, o tratamento multiobjetivo do problema foipouco explorado.

A modelagem dos sistemas urbanos de abastecimento deágua

A modelagem da operação de sistemas deabastecimento de água vem-se tornando alvo de pesquisateórica e aplicada nos centros de pesquisa dos países quese deparam com o problema de escassez de recursoshídricos, ou que apresentam uma consciência ecológicade uso racional do recurso. No Brasil, principalmente naúltima década, alguns grupos de pesquisa vêm-sededicando ao tema e assim desenvolvendo modelagensde apoio aos gestores de sistemas, como Venturini (1997),Santana (1999) e Almeida (2000).

Nos últimos anos, as técnicas de pesquisaoperacional vêm ganhando papel de destaque na análisedos sistemas de recursos hídricos, pois possibilitam umamodelagem mais realística dos problemas, viabilizando asolução em microcomputadores.

Modelos matemáticos são representaçõesidealizadas e são expressos por meio de termos e símbolosmatemáticos, formando equações e inequações. Osconjuntos de equações e inequações matemáticas domodelo reproduzem a essência do problema. A análisede redes hidráulicas malhadas foi sistematizada inicialmentepor Cross em 1936 que propôs um método iterativo de cálculomanual (atualmente disponível em programas

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computacionais), que se tornou amplamente conhecido como“Método de Hardy-Cross”, sendo utilizado até hoje.

Existem muitos trabalhos na literatura querepresentam a modelagem dos sistemas de abastecimentode água, sendo predominantemente desenvolvidos para aanálise de projetos de redes hidráulicas, como o “ Métododa Teoria Linear” (Wood e Charles, 1972). Somente nasúltimas décadas, é que se verifica uma preocupação coma operação dos sistemas, bem como a operação emcondições particulares como é o caso de emergências,situações de déficit, panes no sistema, racionamento deenergia, etc. Os trabalhos de otimização em redeshidráulicas têm formulado como função objetivo,principalmente, a minimização de custos combombeamento, não dando merecida atenção para outrosobjetivos. Para a modelagem da operação dos sistemas,são utilizadas técnicas de pesquisa operacional e, dentreelas, pode-se destacar a programação linear, a programaçãonão-linear, a programação inteira mista, a programaçãodinâmica, a simulação, a otimização de fluxo em redes ecombinações entre as técnicas. Ormsbee e Lansey (1994)analisam as principais técnicas de modelagem, destacandoas principais contribuições para o estudo de sistemas deabastecimento. Brion e Mays (1991) lembram anecessidade de se fazer uma análise de sensibilidade paraexcluir a possibilidade de ótimos locais ao invés dosótimos globais quando se utilizam as técnicas deprogramação não-linear.

A previsão de demanda é um passo fundamentalpara que se possa obter uma política de operação dosistema de abastecimento, principalmente para operaçõesem tempo real. Notando a lacuna existente nos modelosde previsão de demanda, Zahed Filho (1990) propôs ummodelo que visa atender a três requisitos básicos: (a)previsão de resultados compatíveis com desvios aceitáveisde operação, (b) facilidade de processamento, (c)flexibilidade de implementação de correções.

A modelagem da operação dos sistemas deabastecimento de água visa obter uma política de operaçãoque, segundo Ormsbee e Lansey (1994), nada mais é doque um grupo de regras que agendam e indicam quandoas bombas devem ser ligadas ou desligadas; quais asporcentagens de abertura das respectivas válvulas decontrole; qual a política de esvaziamento e enchimentodos reservatórios, etc. As regras são formuladas para umdado horizonte de planejamento subdividido emintervalos discretos de operação.

As estratégias de controle operacional podem serlocais ou centrais e são muito variadas e dependem dealguns fatores como: complexidade do sistema edisponibilidade de recursos técnicos e financeiros. SegundoZahed Filho (1990), o controle automático dos sistemasdemonstra, em certos casos, a redução de custos operacionaise o aumento da segurança e da confiabilidade, permitindo

obter resultados essenciais para o planejamento futuro dosistema.

A abordagem multiobjetivo do problema

O recurso água é usado para um grande númerode objetivos como: abastecimento de água para usodoméstico, abastecimento de água para o setor industrial,geração de energia elétrica, irrigação, navegação, etc.Muitos dos projetos de recursos hídricos do passadoatentavam somente para um único objetivo. Atualmente,os projetos com esse enfoque estão cedendo lugar aosprojetos de múltiplos objetivos, em que muitos objetivoscompetem, entre si, pelos mesmos recursos. Planejamentoe gerenciamento com múltiplos objetivos em recursoshídricos envolvem mais que uma simples combinação deelementos, mas sim uma análise de conflitos entre osobjetivos. Os recursos são necessariamente limitados eexistem muitos conflitos devido aos interesses adversosentre os usuários.

Na engenharia, muitas vezes, a concepção de umprojeto ou sua operação deve atender a vários objetivosou critérios. Se os objetivos são conflitantes, então oproblema torna-se encontrar a melhor solução decompromisso com grau de satisfação dos objetivosdefinidos em função da escolha do decisor. As técnicasde análise multiobjetivo ou multicriterial têm se reveladocomo recurso significativo de apoio à tomada de decisão,especialmente em problemas de interesse social. Emmuitos problemas práticos, deseja-se atender a váriosobjetivos ou metas satisfazendo um conjunto de restriçõesimpostas por condições físicas do sistema, limitações derecursos, condicionantes de ordem social, etc. AProgramação Multiobjetivo ou Análise Multiobjetivoapresenta atualmente uma ampla variedade de resultadose métodos destinados à aplicação em problemas queenvolvam múltiplos objetivos.

Num processo de tomada de decisão, vários aspectos(econômicos, sociais, políticos, ambientais, etc) necessitam serconsiderados simultaneamente. É raro uma decisão sertomada em função de um único objetivo, até mesmo emprocessos corriqueiros como a compra de um eletrodoméstico.No setor de recursos hídricos, os processos decisóriosenvolvem múltiplos objetivos e múltiplos decisores,estabelecendo conflitos de interesse entre grupos com visõesdistintas acerca das metas a serem adotadas no planejamentoe gestão de recursos hídricos. A otimização multiobjetivosurgiu na seqüência do desenvolvimento dos trabalhos comotimização. No início da aplicação das rotinas de otimização,qualquer benefício advindo da aplicação era interessante, umavez que ganhos sensíveis eram notados. Porém, com o estudode diversos objetivos operacionais que os sistemas devematender, verificou-se que uma formulação mais abrangentenecessitaria ser desenvolvida e assim ocorreram muitos avanços

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no campo da otimização multiobjetivo. Um economista deorigem francesa e italiana chamado Pareto (1848-1923) foi quemprimeiro desenvolveu o princípio da otimização multiobjetivopara uso em economia. Suas teorias tornaram-se conhecidascomo “conceito de otimalidade de Pareto”, a serem descritas adiante.

Em problemas multiobjetivo, procura-se encontrarvalores para as variáveis de decisão que otimizem asfunções-objetivo simultaneamente. Desta maneira, asolução é escolhida dentro de um grupo de soluções,chamado de soluções não-dominadas, ou ainda grupo desoluções ótimas de Pareto. Em geral, para problemasmultiobjetivo, a solução ótima obtida pela otimizaçãodas funções-objetivo individualmente não é uma soluçãofactível para o problema multiobjetivo.

A região do espaço de soluções sobre a qual sesitua a solução ótima do problema multiobjetivo édesignada como região ótima de Pareto e caracteriza ocampo de soluções no qual o decisor pode fazer suaescolha. Cohon e Marks (1975) concluem, no entanto,que essas soluções são equivalentes entre si, ou seja,podemos dizer que elas pertencem a um conjunto desoluções conhecidas como “Conjunto das Soluções não-Dominadas”. A equivalência diz respeito àimpossibilidade de eleger uma solução como superior àoutra, exceto se for considerada a estrutura de preferênciado decisor.

Goulter (1986) assinala que a grande maioria dosmodelos de otimização para redes de abastecimentopúblico de água tem preocupação somente com o custofísico da rede. No entanto, há outros fatores que não têmimplicações diretamente monetárias e que são difíceis deserem considerados, como, por exemplo: confiabilidadee segurança, os quais são fatores difíceis de seremquantificados em termos puramente monetários, mas semdúvida, fatores importantes ao projeto da rede. No Brasil,verifica-se um crescente interesse pela utilização dastécnicas de análise multiobjetivo no tratamento deproblemas de recursos hídricos, ainda que a maior partelimitada a estudos acadêmicos. Segundo Barbosa (1997),esta é uma tendência internacional e ir reversível,representando um marco de evolução das sociedadesdemocráticas com interesse na racionalização da utilizaçãodos recursos.

MODELAGEM DO PROBLEMA

A modelagem desenvolvida em Francato (2002)faz uso do Método dos Pesos como MétodoMultiobjetivo, em que cada função objetivo é multiplicadapor uma fração da unidade. Tal fração é traduzida por umcoeficiente de peso para cada função, representado por wi. Asfunções ponderadas são somadas para obter uma única função;

a qual pode ser facilmente otimizada usando algum métodode solução mono-objetivo.

Nesse método, os coeficientes de peso são assumidosa priori. Esses coeficientes são, então, variados de formaparamétrica gerando um conjunto de soluções ótimas factíveis,conhecido como grupo de soluções ótimas de Pareto. O decisorseleciona os valores das variáveis desse conjunto de soluçõesconforme sua preferência particular (caso de decisor único) ouvia negociação (caso de múltiplos decisores).

A modelagem da rede hidráulica faz uso do Métododa Teoria Linear baseada em Wood e Charles (1972) quepropuseram um método alternativo para a análise de redeshidráulicas com circuitos fechados, baseado na linearizaçãodas equações envolvidas no sistema e fazendo umaaproximação inicial para o cálculo da perda de carga no circuito.Basicamente, o cálculo da perda de carga nos trechos de umarede hidráulica é feito através de uma equação similar à equação(1).

nii Q.Kh =∆ (1)

onde ∆hi representa a perda de carga na iteração i de umdado trecho da malha, K é o Coeficiente para cálculo daperda de carga referente a iteração i, Qi é a vazão notrecho para a iteração i, n é o expoente da vazão naexpressão para cálculo da perda de carga ( n igual a 2 paraa fórmula universal de perda de carga).

O Método da Teoria Linear propõe a linearizaçãodas equações das malhas desacoplando o termo referenteà vazão, que tem expoente n, em dois termos, sendo umdeles com expoente unitário e outro com expoente (n-1),conforme a equação (2).

( ) i1n

1ii Q.Q.Kh −−=∆ (2)

O processo iterativo pode ser montado com aadoção da constante K *, que é determinada na equação 3.

( ) 1n1i

* Q.KK −−= (3)

onde K* representa o coeficiente para cálculo da perda decarga referente à iteração i, com o valor da vazão daiteração (i-1);

Substituindo K* na equação (2) chegamos a equação(4), que se torna linear a cada iteração.

i*

i Q.Kh =∆ (4)

A solução do sistema de equações fornece valoresaproximados de vazões, pois se utiliza um processoaproximado para o cálculo da perda de carga nos trechos.

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Novos valores de K* são calculados com os novos valores devazão e assim o processo vai se repetindo iterativamente, atéque seja atingida uma tolerância aceitável na diferença das vazõesentre uma iteração e outra, conforme a expressão (5).

Tolerância|QQ||Q| 1ii ≤−=∆ − (5)

onde ∆Q é a diferença na vazão entre uma iteração i e aiteração (i-1).

Para o início do procedimento de cálculo,necessita-se determinar um valor inicial de K * para calculara primeira perda de carga, então determinando anecessidade de uma estimativa inicial para as vazões nostrechos. Wood e Charles (1972) aconselham que oprimeiro valor de K * pode ser independente da vazão, ouseja, pode-se fazer o valor de K * igual a K. Dessa maneira,o inicio do processo iterativo não necessita de estimativainicial de vazões nos trechos da malha. Vale lembrar queessa estimativa de K* poderia, em princípio, aumentar onúmero de iterações para a convergência do processoiterativo, porém a diferença no tempo de processamentonos computadores atuais é quase imperceptível.

Funções-objetivo consideradas na modelagem

Para o estudo do grau de compromisso entre doisobjetivos operacionais optou-se pelas seguintes funções:

a) redução de oscilação da vazão de adução na ETA;b) minimização da vazão bombeada no “booster”.

A justificativa pela seleção de tais funções é dada pelosseguintes motivos: A redução da flutuação na vazão da ETAfacilita a dosagem dos componentes químicos para o processode tratamento, melhorando a qualidade do produto “águatratada” decorrente de uma atenuação nas manobras nosistema; já a redução da vazão bombeada no “booster” temimplicações diretamente econômicas uma vez queminimizando a vazão minimiza-se o consumo de energiaelétrica que, no caso dos sistemas de abastecimento de água, éalgo expressivo. Verificou-se que esses objetivos sãoconflitantes entre si para um mesmo sistema, como é o casoda redução da oscilação da vazão de adução na ETA e a reduçãode custos com bombeamento, o que exige que os gestoresassumam decisões de priorização de um objetivo em sacrifício(parcial) de outro. Não obstante, no caso mais geral de operaçãode uma rede, existem também objetivos complementares entresi.

Minimização da flutuação na vazão da ETA

Essa função objetivo é traduzida pela equação abaixo:

∑=

∆=24

1tt1 |Q|Z (6)

onde:

MtETAt QQQ −=∆ (7)

com Z1 igual a função objetivo 1, DQ t igual a variação davazão na ETA no tempo t (m3/s); QETAt representa a vazãoaduzida na ETA no tempo t (m 3/s) e QM a vazão médiaaduzida na ETA (m3/s), t o índice referente ao tempo.

Minimização da vazão bombeada pelo “booster”

Essa função objetivo é traduzida pela equação abaixo:

∑=

=24

1ttBOOSTER2 QZ (8)

onde Z2 representa a função objetivo 2, Q BOOSTERt é iguala vazão, no tempo t, no trecho onde o “booster” estáinstalado (m3/s).

Formulação multiobjetivo

)Z.wZ.w(Min)Z(Min 2211 += (9)

onde w1 é o coeficiente de peso associado a função objetivo 1,w2 é o coeficiente de peso associado a função objetivo 2.

Restrições do problema

As equações (denominadas restrições) que seguemexpressam a necessidade de observância às leis físicas dofluxo de água na rede e demais componentes do sistema emestudo, bem como, condições operacionais (ex.: volumemínimo e máximo dos reservatórios) a serem observadas.

Balanço de massa nos nós

Em cada nó da rede deve ser observada a equação dacontinuidade:

∑ ∑ ×+= −tnt,nt,n CDQDQTQT (10)

onde QTn,t refere-se a vazão que chega ao nó n no tempo t

(m3/s), −t,nQT é a vazão que sai do nó n no tempo t, QDn é

a demanda média no nó n (m3/s) e CDt é o coeficiente dedemanda (curva neutra) no tempo t.

Balanço de energia nos trechos da rede

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Esse balanço é expresso em termos das cotaspiezométricas dos nós:

t,bt,vt,lt,lt,l HMBPCVPCCPmontCPjus +−−= (11)

onde Cpjus l,t é a cota piezométrica de jusante do trecho l notempo t (mca), Cpmont l,t é a cota piezométrica de montantedo trecho l no tempo t (mca), PCl,t é a perda de carga no trechol no tempo t (mca), PCV v,t é a perda de carga concentrada naválvula v no tempo t (mca), HMB b,t é a altura manométricafornecida pelo “booster” b no tempo t no trecho l considerado(mca), l é o índice referente ao trecho, t é o índice referente aotempo, v é o índice referente à válvula, b é o índice referente ao“booster”.

Regime de operação dos reservatórios

Essa equação traduz a equação da continuidadeaplicada aos reservatórios. Ao invés de volumesarmazenados optou-se por trabalhar com os níveis de águanos reservatórios:

r

t,rt,rt,r1t,r SBt)QDQT(HRHR ∆

×−+=+ (12)

onde HRr,t+1 é o nível d’água no reservatório r no tempot+1 (m), HRr,t é o nível d’água no reservatório r notempo t (m), QTr,t é a vazão afluente ao reservatório rno tempo t (m3/s), QDr,t é a demanda associada aoreservatório r no tempo t (m3/s), Dt é o intervalo detempo (s), SBr é a área da seção da base do reservatóriocilíndrico r (m2) e r é o índice referente ao reservatório.

Manutenção dos níveis máximos e mínimos nosreservatórios

Nessa equação limitam-se os níveis operacionaismáximos e mínimos dos reservatórios:

r,máxt,rr,mín HRHRHR ≤≤ (13)

onde HRr,t representa o nível d’água no reservatório r noinstante t, HRmín,r é o nível d’água mínimo de armazenamentono reservatório r (m) e HR máx,r é o nível d’água máximo dearmazenamento no reservatório r(m).Regime de operação do “booster”

Na equação (14) faz-se a modelagem de operação do“booster” com rotação variável, partindo de um ponto defuncionamento requerido (altura manométrica e vazão) eajustando a rotação operacional do “booster”. Odesenvolvimento completo do equacionamento éapresentado em Francato (2002).

3210t,b AAAAn +++= (14)

onde:

t,bb,1b,0

b,n0 QTC

C2n

A ××⋅

−= (15)

antt,bt,bb,11 QTQTCA ××−= (16)

antt,bt,bb,2b,02 QTQTCC4A ××××= (17)

t,bb,03 HMBC4A ××= (18)

onde nb,t representa a rotação do “booster” b no tempo t(rpm), nn,b é a rotação nominal do “booster” b (rpm),C0,b é o coeficiente 0 da curva manométrica do “booster”b, C1,b é o coeficiente 1 da curva manométrica do“booster” b, C2,b é o coeficiente 2 da curva manométricado “booster” b, QTb,t é a vazão no “booster” b no tempot (m3/s), QTb,t

ant é a vazão no “booster” b no tempo t naiteração anterior (m3/s).

Limitação das rotações máximas e mínimas da bombado “booster”

Como a formulação do “booster” é feita pararotação variável, faz-se necessário colocar limitesoperacionais máximos e mínimos de rotação:

b,máxt,bb,mín nnn ≤≤ (19)

onde nmín,b representa a rotação mínima operacional parao “booster” b no tempo t (rpm) e n máx,b é a rotação máximaoperacional para o “booster” b no tempo t (rpm).

Limitação das alturas manométricas máximas e mínimasdo “booster”

As alturas manométricas do ponto de funcionamentodo “booster” precisam ser limitadas a valores máximos emínimos operacionais:

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b,máxt,bb,mín HMBHMBHMB ≤≤ (20)

onde HMBmín,b é a altura manométrica mínimaoperacional para o “booster” b (mca), HMB máx,b é a alturamanométrica máxima operacional para o “booster” b(mca).

Limitação das pressões máximas e mínimas nos nósda rede

Essa equação observa os limites operacionais depressões dinâmicas nos nós da rede

máxnt,nmín PCGCPP ≤−≤ (21)

onde CPn,t é a cota piezométrica do nó n no tempo t(mca), CGn é a cota geométrica do nó n (m), Pmín é olimite mínimo de pressão (mca), P máx é o limite máximode pressão (mca).

Limitação de velocidades máximas (em módulo) nostubos da rede

Atendendo as condições limites de velocidades emtubulações de redes aplica-se a seguinte equação:

máxt,lmín VVV ≤≤ (22)

onde:

2l

t,lt,l D

QT4V

×π

×= (23)

onde Dl é o diâmetro do trecho l (m), QT l,t é a vazão dotrecho l no tempo t (m3/s), Vmín é a velocidade mínimapermissível no trecho (m/s), V máx é a velocidade máximapermissível no trecho (m/s) e V l,t é a velocidade do trechol no instante t.

Cálculo da perda de carga em cada trecho da rede

O equacionamento da perda de carga pode ser feitoutilizando-se a Fórmula Universal, ou por meio defórmulas empíricas (como, por exemplo, a Fórmula deHazen-Willians) dependendo dos dados disponíveis sobreas paredes das tubulações.

No trabalho com a Fórmula Universal, a constanteFPCl,t está associada à perda de carga ocorrida no trecho,sendo o valor do fator de atrito obtido pela fórmula deColebrook-White. A simplificação adotada para tratar as não-linearidades consiste em desacoplar o termo quadrático dasvazões em cada trecho (QTl,t)

2 em duas parcelas: QTl,t e QTl,t

ant

(equação 4). O valor de QT l,tant

sempre será conhecido, umavez que ele é assumido como sendo igual ao valor da iteraçãoanterior para o mesmo trecho. Para a primeira iteração, assume-se o valor de QT l,t

ant igual a 1. Assim, o problema que tem

natureza não-linear torna-se linear a cada iteração.

t,lt,lt,l QTFPCPC ×= (24)

onde FPCl,t é o coeficiente de cálculo da perda de cargano trecho l no tempo t (s/m 2).

gDQTLf8

FPC 5l

2

antt,llt,l

t,l ××π

×××= (25)

onde QTl,tant é a vazão no trecho l no tempo t na iteração

anterior (m3/s), fl,t é o fator de atrito para o trecho l notempo t e L l é o comprimento do trecho l (m).

Para o trabalho com a Fórmula de Hazen Willians,o equacionamento é semelhante alterando-se apenas ocálculo de FPCl.t. Observa-se que a opção pela fórmulade Hazen-Willians é mais simples uma vez que não énecessário o cálculo de equações transcedentais como nocaso da Fórmula Universal em que se utiliza da expressãode Colebrook-White para a determinação do fator deatrito fl,t.

85.1l

87.4l

l85.0ant

t,lt,l CD

L)QT(64.10FPC

×

××= (26)

onde C l é o Coeficiente C de Hazen-willians para o trechol e Ll é o comprimento do trecho l (m).

Cálculo da abertura das válvulas de controle

Para que a política operacional fornecida pelomodelo seja implementada é necessário conhecer as regrasde operação das válvulas anexas aos reservatórios. Noestudo de caso apresentado adiante, não se obteve a lei defechamento das válvulas e para viabilizar tal modelagem,optou-se por um estudo teórico fundamentado numarelação matemática hiperbólica entre a porcentagem deabertura da válvula e o coeficiente K de perda de cargalocalizada. Em Francato (2002) apresenta-se odesenvolvimento completo do equacionamento.

−×−×=

21

v

t,v

v

t,vt,v máxK

K2

máxKK

1100X (27)

45

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Soluções de Compromisso na Tomada de Decisão sobre a Oporação Diária de Sistemas Urbanos de Abastecimento de Água

onde:

2t,v

4l

2t,v

t,v QT8gDPCV

××π×= (28)

onde Xv,t é a abertura da válvula v no tempo t (%), K vmáx éo coeficiente de perda de carga localizada máxima para a válvulav no tempo t, Kv,t é o coeficiente de perda de carga localizadapara a válvula v no tempo t, PCVv,t é a perda de carga localizadana válvula v no tempo t (mca) e QT v,t é a vazão na válvula vno tempo t (m3/s).

Classificação do grau de compromisso entre soluçõesem otimização multiobejtivo

Com os resultados obtidos no modelo de otimizaçãopara as várias combinações de pesos, efetua-se o traçado dascurvas de soluções não dominadas e para isso Francato (2002)estudou uma forma de classificar o grau de compromissoentre as soluções para cada par de funções objetivo. O grau decompromisso entre as soluções fornece uma idéia de quantoum objetivo é sacrificado em benefício de outro.

Para obter um número que fornecesse uma idéia dograu de compromisso entre soluções, utilizou-se uma analogiacom o conceito de elasticidade de demanda que é amplamenteutilizado em economia. Desenvolveu-se o coeficiente b oqual é apresentado na equação 29.

i

j

j

i

i

j

j

ij,i

f

f

ff

f

f

ff

×∆∆

≅×∂∂

=β (29)

onde bi,j é o coeficiente para classificar o grau de compromissoentre funções i e j, f j é a função objetivo j e f i é a funçãoobjetivo i.

Na Figura 1 ilustra-se uma curva de soluções nãodominadas entre duas funções objetivo e identificam-seregiões específicas com diferentes graus de compromisso entresoluções. A região AB da Figura 1 representa uma região deforte compromisso da função objetivo i com a função objetivoj. Na seqüência a região BC é de compromisso moderado e aregião CD é de fraco compromisso. Analisando-se relaçõescontrárias, ou seja, da função objetivo j em relação à funçãoobjetivo i invertem-se os graus de compromisso de maneiradual.

Na Tabela 1, apresenta-se uma sugestão para limitesde graus de compromisso para a classificação de soluções.

Tabela 1 – Classificação de compromissos Coeficiente b Grau de compromisso

Figura 1 – Estudo de grau de compromisso entre funçõesobjetivo

ESTUDO DE CASO

Para a aplicação em um estudo de caso da metodologiadesenvolvida, optou-se por modelar um sistema macro-adutorde abastecimento, devido à importância dos mesmos e tambémà flexibilidade operacional para verificar os avanços daferramenta. Para tanto, modelou-se o sistema Alça Leste daregião Metropolitana de São Paulo, o qual pode ser visto naFigura 2, onde estão contidas informações topológicaspertinentes para a modelagem do mesmo. O sistema macroadutor Alça Leste é responsável pelo abastecimento de grandeparte da região metropolitana de São Paulo. A entrada de águano sistema se dá por meio da ETA Guaraú, com uma vazãomédia de 33 m3/s e abastece vários reservatórios, cada qualresponsável pelo abastecimento de regiões ou setores definidos.

Observa-se que o esquema apresentado foidesenhado com as devidas adaptações da rede para propiciar amodelagem da mesma. Nos trechos entre nós de demandaque apresentavam diâmetros e coeficientes de rugosidadediferentes, optou-se por encontrar representação hidráulicaequivalente para o trecho, com um único valor nominal dediâmetro, comprimento e coeficiente de rugosidade queapresentasse uma perda de carga equivalente à perda de cargacalculada pela soma dos trechos. Admitiu-se que as válvulasestejam instaladas bem próximas aos seus respectivosreservatórios. Para os valores de demandas aplicadas aosreservatórios, trabalhou-se com os perfis típicos de demandashorárias ao longo da semana e com isso obtiveram-se curvasde demanda a cada reservatório, conforme a Tabela 2.

fi

fj

A

B

CD

fi

fj

FracoModerado

Forte

β ≤ 11 < β ≤ 2

2 < β

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RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos Volume 9 n.2 Abr/Jun 2004, 39-50

Tabela 2 – Demandas Associadas aos Reservatórios ou às Derivações

Figura 2 – Topologia do Sub-Sistema Adutor Metropolitano (São Paulo) – Alça Leste

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Soluções de Compromisso na Tomada de Decisão sobre a Oporação Diária de Sistemas Urbanos de Abastecimento de Água

SÍNTESE DOS RESULTADOS

Análise multiobjetivo para as funções Z 1 e Z2

Para o tratamento multiobejtivo do problema optou-se por trabalhar com 11 combinações de pesos, conforme aTabela 3. Assim, para cada combinação de pesos, o modelo deotimização forneceu um arquivo de resultados contendoinformações a cada intervalo do horizonte de planejamentocom resultados operacionais da rede como: vazões nos trechos,rotação do booster, pressões nos nós, níveis dearmazenamentos nos reservatórios, aberturas das válvulas,etc. Em Francato (2002) encontra-se a apresentação completados resultados, neste trabalho apresenta-se a análisemultiobjetivo do problema, verificando os “Trade-offs” entrea vazão bombeada pelo “booster” e a vazão de adução naETA. Assim, utilizaram-se duas funções objetivo, onde Z 1busca obter a minimização da flutuação da vazão na ETA, oque facilita e melhora a eficiência no sistema de tratamento deágua. Já a função objetivo Z 2 busca a minimização da vazãobombeada no “booster”, pois, desconsiderando-se adiferenciação nas tarifas por horários, uma minimização navazão bombeada significa uma minimização nos gastos comenergia elétrica. Na tabela 3, apresentam-se os coeficientesutilizados, com variação paramétrica, como próprio do Métododos Pesos adotado nesta formulação multiobjetivo.

Tabela 3 - Combinações de Pesos - Funções Z 1 e Z2

Combinação Z1 (w1) Z2 (w2) C12-1 1,0 0,0 C12–2 0,9 0,1 C12–3 0,8 0,2 C12–4 0,7 0,3 C12–5 0,6 0,4 C12–6 0,5 0,5 C12–7 0,4 0,6 C12–8 0,3 0,7 C12–9 0,2 0,8 C12–10 0,1 0,9 C12-11 0,0 1,0

Observa-se da Figura 3 que a minimização da variaçãoda vazão média na ETA provoca um aumento na vazão no“booster” e vice versa. Observa-se também que para um grupode variação de pesos (C12-3, C12-4, C12-5, C12-6, C12-7, C12-8, C12-9, C12-10) a solução é a mesma. Isto ocorre, poismesmo vaiando-se a combinação de pesos não se alteram osresultados das variáveis.

1,000

1,100

1,200

1,300

1,400

1,500

5,000 6,000 7,000 8,000

Variação de Vazão Média na ETA (m3/s)

Vaz

ão M

édia

Bom

bead

a no

Boo

ster

(m3/

s)

C12-11C12-3, C12-4, C12-5, C12-6, C12-7, C12-8, C12-9, C12-10

C12-2

C12-1

Figura 3 – Curva de soluções não-dominadas entre asvariáveis das funções objetivo Z1 e Z2 (Valores Médios)

0,000

5,000

10,000

15,000

20,000

C12-

1

C12-

2

C12-

3

C12-

4

C12-

5

C12-

6

C12-

7

C12-

8

C12-

9

C12-

10

C12-

11

Combinação de Pesos

Var

. de

vazã

o na

ETA

(m3/

s)

1,000

1,500

2,000

2,500

3,000

3,500

Vaz

ão n

o bo

oste

r (m

3/s)

Q-ETA-Med

Q-ETA-Max

Q-Bo-Med

Q-Bo-Max

Figura 4 – Curvas integradas de soluções das variáveisdas funções objetivo Z 1 e Z2

Na Figura 4 são apresentadas as situaçõescorrespondentes ao valor médio e máximo em outraforma de visualização. Verifica-se que para as combinaçõesC12-3 a C12-10 as soluções são iguais e apresentam ummelhor compromisso entre os objetivos, tanto para asituação de médias, como para as situações de máximos.

Para o estudo de caso do trabalho, calcula-se paraas funções objetivo 1 e 2 um valor de b igual a 2,026,quando aplicado aos pares extremos. Isto denota pelaclassificação da Tabela 1, um forte grau de compromissoentre a minimização da flutuação da vazão na ETA e aminimização da vazão no “booster”, assim a melhorsolução de compromisso deve ser obtida de umacombinação de pesos que minimize o conflito dos doisobjetivos. No estudo de caso resulta uma variação davazão média na ETA igual a 6,072 m 3/s e a vazão médiabombeada pelo “booster” igual a 1,211 m 3/s.

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CONCLUSÕES

Foi apresentada neste trabalho uma formulaçãomultiobjetivo para o problema do planejamento daoperação de um sistema urbano de abastecimento de água. Ahipótese subjacente à proposição da investigação empreendidaé a de que os sistemas de abastecimento têm sido, na prática,operados sob múltiplos objetivos e que, no entanto, tal aspectonão tem sido devidamente considerado nos modeloscomputacionais até então desenvolvidos. Assim, o trabalhode pesquisa que se apresenta pretendeu trazer contribuições auma melhor compreensão sobre os “trade-offs” entre doisobjetivos operacionais considerados relevantes sob a ótica dosgestores de sistemas urbanos de abastecimento de água e acaracterização do grau de compromisso entre as funçõesobjetivo estudadas. Isto foi feito através de modelomatemático computacional que representoufidedignamente a rede hidráulica e seus componentes,incluindo as principais restrições e condicionantesoperacionais. Devido à natureza do problema físico e dograu de complexidade do equacionamento do mesmo,optou-se por utilizar ferramentas simples, mas não menoseficazes para aplicação, sendo escolhidas a programaçãolinear como módulo de otimização e o método dos pesospara a abordagem multiobjetivo. Durante a revisãobibliográfica sobre o tema do trabalho confirmou-se aoriginalidade e relevância do mesmo, pois existem muitostrabalhos desenvolvidos para a operação de sistemasurbanos de abastecimento de água, porém a abordagemmultiobjetivo e o grau de detalhamento do problemacaracterizava uma lacuna de conhecimento na área, cujopreenchimento se mostrou viável e importante devido ànatureza dos objetivos operacionais envolvidos noproblema.

Na análise dos resultados construiu-se curvas desoluções não-dominadas combinando duas funções,analisando assim os “trade-offs” entre as soluçõesencontradas, visualizando o quanto uma função ganhaem detrimento da outra associada, por meio da análisemultiobjetivo. Para quantificar o grau de compromissoentre as soluções criou-se um parâmetro com capacidadede medir o grau de dependência entre as soluções. Talparâmetro foi baseado no conceito de elasticidade dademanda, amplamente utilizado em Economia. Tambémfoi construída uma tabela que fornece limites numéricospara a classificação do grau de compromisso entre asfunções.

Percebe-se diante dos resultados um forte graude compromisso entre a vazão bombeada pelo “booster”do sistema e a vazão aduzida na ETA. A melhor soluçãode compromisso estará fundamentada na combinação depesos atribuídos. As soluções extremas serão dadas emcombinações limites de pesos, ou seja, combinações quepenalizam totalmente um objetivo em detrimento de outro.

Numa faixa intermediária de pesos as soluções encontradastêm, praticamente, a mesma magnitude.

Este estudo foi limitado ao tratamento de duasfunções objetivo, porém em Francato (2002) apresenta-se umarotina computacional para combinar várias funções ao mesmotempo. Contudo, verifica-se uma dificuldade para ainterpretação gráfica de mais de dois objetivos.

Observa-se que cada sistema de abastecimento temparticularidades e conseqüentemente tem funções objetivoespecíficas e para continuidade de estudos no tema seriainteressante a identificação de novos objetivos operacionaisaos sistemas de abastecimento de água.

Diante dos resultados alcançados, respeitando-se os limites quanto ao escopo e extensão intrínsecas ànatureza do trabalho, acredita-se que a pesquisa cumpriuaos seus objetivos originais.

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Compromise Solutions in Decision-Making onthe Daily Operation of Urban Water SupplySystems

ABSTRACT

The application of specific operational research modeling toolsto the operation planning of urban water supply systems has allowed tohave better design criteria and operational management. However, thesolutions described in a broad literature review have encompassed theuse of simulation and optimization models addressing only a singleobjective which represents the main decision maker expectations withoutany effort to include any other objective. This work takes two conflictingoperational objectives into account aiming at a comparison betweenthem. The methodology is applied to the water supply main network ofthe metropolitan region of São Paulo, which is called “Alça Leste”.The minimization of the temporal variability of the water flow intothe treatment station (ETA) and the operation cost minimizationwere selected among the possible set of operational objectives. A linearprogramming algorithm is adopted by using the commercial packageGAMS with the solver CONOPT. The non-linear structure of theproblem is surpassed by successive iterations.

Key Words: Hydraulic Networks, Multipur poseOptimization, Linear Programming, Water Resources, Water Supply.

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