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SERVIÇO SOCIAL CAMILA FERNANDA DANIEL KOECHE MEDICALIZAÇÃO UMA EXPRESSÃO DA “QUESTÃO SOCIAL” SILENCIADA E REDUZIDA À NORMAS, DISCIPLINA E CONTROLE TOLEDO 2014

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SERVIÇO SOCIAL

CAMILA FERNANDA DANIEL KOECHE

MEDICALIZAÇÃO – UMA EXPRESSÃO DA “QUESTÃO SOCIAL” SILENCIADA

E REDUZIDA À NORMAS, DISCIPLINA E CONTROLE

TOLEDO

2014

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CAMILA FERNANDA DANIEL KOECHE

MEDICALIZAÇÃO – UMA EXPRESSÃO DA “QUESTÃO SOCIAL” SILENCIADA

E REDUZIDA À NORMAS, DISCIPLINA E CONTROLE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais

Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do

Paraná – UNIOESTE, como requisito parcial à

obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profa. Ms. Ane Bárbara Voidelo

TOLEDO

2014

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CAMILA FERNANDA DANIEL KOECHE

MEDICALIZAÇÃO – UMA EXPRESSÃO DA “QUESTÃO SOCIAL” SILENCIADA

E REDUZIDA À NORMAS, DISCIPLINA E CONTROLE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Curso de Serviço Social, Centro de Ciências sociais

aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do

Paraná – UNIOESTE, como requisito parcial à

obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

Orientadora – Profa. Ms. Ane Bárbara Voidelo

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

_________________________________________

Profa. Dra. Maria Isabel Formoso Cardoso e Silva Batista

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

________________________________________

Profa. Bruna Nathaly Silveira

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Toledo, 05 de novembro de 2014.

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Dedico este trabalho à todos que lutam pelas causas sociais.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me propiciado saúde, força para superar as dificuldades, por ter

suprido as minhas necessidades e por seu infinito amor.

A Universidade Estadual do Oeste do Paraná, à Coordenação do Curso, em especial a

Cleonilda Sabaini Thomazini Dallago por ter colaborado com material, idéias e ideais através

do Núcleo de Educação.

A todos os professores do curso de Serviço Social, que foram tão importantes na

minha vida acadêmica e no desenvolvimento deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Agradeço especialmente as professoras Maria Isabel Formoso Cardoso e Silva

Batista, por ter me acompanhado nesta caminhada, compartilhando seu saber de uma maneira

simples e rica e Bruna Nathaly Silveira pela paciência e incentivo, por aceitarem participar da

minha banca. A minha orientadora Ane Bárbara Voidelo, pelo suporte, pelas suas correções e

incentivo. A professora Marize pelas preciosas dicas, obrigada!

A minha supervisora de campo Edmara de Souza, pela compreensão e pela

oportunidade do estágio.

A Secretaria de Saúde e ao Departamento de Saúde Mental do município de Toledo

pelo espaço cedido e pela atenção propiciada para realização desta pesquisa.

Ao Alexandro, que além de meu esposo, é um grande amigo, que sempre foi

compreensivo me auxiliando sempre e me incentivando desde o início, obrigada pela parceria

sempre!

Ao meu filho querido João Vítor, por ter ficado ao meu lado em alguns seminários,

apresentações de artigo, e pela compreensão diante de minha ausência, meu amado!

As minhas irmãs que mesmo com a distância e dificuldades, sempre me incentivaram

a continuar.

Aos meus pais, pelo amor, orações e incentivo.

Um agradecimento especial as minhas amigas Andréia Guimarães, Andréia Lopes e

Alcione Alves, pessoas que estiveram comigo durante toda a caminhada, tenho certeza que

vocês foram presentes de Deus para minha vida, sem vocês não sei se teria chegado até aqui.

Obrigada por tudo!

Agradeço a todos que de um modo ou outro contribuíram para a conclusão deste

trabalho.

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Lutar é palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.

(Cora Coralina)

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KOECHE, Camila Fernanda Daniel. Medicalização – uma expressão da “questão social”

silenciada e reduzida à normas, disciplina e controle. Trabalho de Conclusão de Curso

(Bacharelado em Serviço Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do

Oeste do Paraná – Campus – Toledo, 2014.

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a medicalização infantil, em especial no que tange o

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), concomitante ao uso do

medicamento metilfenidato como forma de camuflar uma das expressões da “questão social”.

O interesse pela temática desta proposta de investigação e pesquisa surgiu através de algumas

leituras com a finalidade de entender o processo da inclusão no sistema educacional do país,

de experiências pessoais e no campo de estágio supervisionado em Serviço Social realizado

na Casa de Maria – Assistência à criança e ao adolescente. Para facilitar a compreensão do

objetivo geral desta pesquisa, optou-se em desdobrá-lo no seguintes objetivos específicos:

analisar o movimento histórico da Política de Educação e Saúde no Brasil, compreender a

medicalização como uma refração da “questão social” e num terceiro momento sistematizar

os dados coletados durante a pesquisa. Para contemplar os objetivos expostos acima, optou-se

por dividir os temas em três capítulos, este estudo valeu-se de modalidades combinadas sendo

estas: pesquisa bibliográfica e documental. No primeiro capítulo buscou-se apresentar

algumas reflexões teóricas cujo intuito é contribuir para a compreensão da relação entre

capitalismo, “questão social” e Estado. O segundo capítulo apresenta brevemente a construção

histórica da Saúde, da Reforma Sanitária, elucidando fatores que busquem atender o objetivo

proposto neste trabalho. E no terceiro capítulo serão apresentadas de maneira sistematizada

as informações coletadas nos prontuários médicos, registrados no ano de 2013 na Secretaria

Municipal de Saúde – Departamento de Saúde Mental. Os resultados da pesquisa apontam

que a maior incidência de uso do medicamento se dá entre os 10 e 12 anos, e que o uso do

medicamento se eleva no período letivo e decresce durante as férias escolares. Pretende-se

com esta pesquisa, contribuir com o acúmulo de informações e conhecimentos sobre a

medicalização.

Palavras-chave: “Questão social”; Medicalização; Educação e Saúde.

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LISTA DE SIGLAS

Anvisa Agencia Nacional de Vigilância Sanitária

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

ABDA Associação Brasileira de Déficit de Atenção

CONASS Conselho Nacional dos Secretários de Saúde

CONANDA Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente

CEFESS Conselho Federal de Serviço Social

CRESS Conselho Regional de Serviço Social

CBCISS Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais

DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

ESF Unidade e Estratégia de Saúde da Família

FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

GT Grupo de Estudos sobre Serviço Social na Educação

LDB Lei de Diretrizes e Bases

LOS Lei Orgânica da Saúde

MTSM Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental

RAPS Rede de Atenção Psicossocial

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

SAM Serviço de Assistência ao Menos

SEDH/PR Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República

SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Movimentação de estoque/consumo mensal 2012...............................52

Gráfico 2 - Movimentação de estoque/consumo mensal 2013...............................53

Gráfico 3 - Quantidade de crianças por faixa etária................................................54

Gráfico 4 - Sexo......................................................................................................54

Gráfico 5 - Quantidade de crianças que fazem uso de metilfenidato

associado a outros psicotrópicos no ano de 2013...................................................55

Gráfico 6 - Quantidade de crianças que fazem tratamento medicamentoso

com metilfenidato de forma contínua ou esporádica..............................................56

Gráfico 7 - Quantidade de crianças que recebem demais

acompanhamentos recomendados...........................................................................57

Gráfico 8 – Origem/natureza do atendimento da criança.......................................58

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................... 6

LISTA DE SIGLAS .................................................................................................................. 7

LISTA DE GRÁFICOS............................................................................................................ 8

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

1 ESTADO E “QUESTÃO SOCIAL”: ................................................................................ 12

1.1 TRABALHO E O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA: UMA RELAÇÃO

INDISSOSÍAVEL...............................................................................................................14

1.2 A EDUCAÇÃO COMO MECANISMO DE CONTROLE DO CAPITAL ..................... 17

1.2.1 Contextualização histórica da Política de Educação ................................................. 20

2 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL .......... 24

2.1 A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL PARA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE ........ 28

2.2 O TRABALHO PROFISSIONAL NUMA PERSPECTIVA PSICOLOGIZANTE .......... 31

2.3 MEDICALIZAÇÃO NA INFÂNCIA: REGRESSO AO HIGIENISMO? ........................ 36

2.3.1 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).................................... 42

2.3.2 Contextualização histórica a cerca do Centro de Atendimento Psicossocial, do

Departamento de Saúde Mental e Farmácia Escola no município de

Toledo........................................................................................................ ..................... 45

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ADOTADOS NA PESQUSA .................... 49

3.1 CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DOS PRONTUÁRIOS MÉDICOS ......................... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 60

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 65

APÊNDICES ........................................................................................................................... 70

ANEXOS.................................................................................................................................. 72

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INTRODUÇÃO

Na última década tem aumentado o uso de metilfenidato por crianças em idade

escolar, e esta situação tem gerado debates tanto por profissionais da Saúde quanto da

Educação. Este movimento tem resultado num aumento de pesquisas relacionado ao tema.

É notável que nos últimos anos tem aumentado a preocupação de pais, professores e

educadores em relação as crianças tidas com alguma dificuldade de aprender que resulta na

busca por uma definição ou diagnóstico. No entanto, nesta sociedade há algumas condutas

normativas que são preconizadas, dentre elas, o bom desempenho escolar e na vida, bom

comportamento aliado a um boa conduta diante da higiene pessoal, entre outras, ou seja,

apresentar bons resultados diante de um padrão pré estabelecido. E, dentre estas condutas

normativas está embutida a procura pela sensação de estar inserido no contexto social,

respondendo as expectativas geradas, e o não pertencimento a este gera preocupação e

insatisfação. (LUENGO, 2010).

Vivemos em uma sociedade onde predomina a desigualdade, e onde esta predomina,

entende-se que quem detém a riqueza detém também o poder de julgar, classificar e sentenciar

os demais. A manutenção de um sistema fundado em desigualdade é possível, entre outras

coisas, graças a um discurso que tenta explicar as diferenças entre os indivíduos – e as

próprias desigualdades, produzidas pelo modo de produção capitalista – a partir de um padrão

rígido e único de normalidade. A essência deste discurso consiste em naturalizar as

desigualdades socialmente produzidas e considerar que sua origem está naquilo que é

exclusivamente de cada indivíduo. Sem levar em conta o movimento histórico e as disputas

sociais, assim sendo, esta retórica busca, na rotulagem, patologização, explicação para as

desigualdades sociais, como se fossem causa e consequência, e não inerentes ao capitalismo.

(ROBAINA, 2010).

Quando esta percepção se aplica a escola percebe-se que as crianças que não tem um

bom desempenho são enquadradas em um padrão em que são responsabilizadas por tal

situação, no entanto, é necessário se analisar o contexto social ao qual esta se insere para

poder buscar por uma avaliação que possa determinar uma resultante que possibilite uma

intervenção, que não esteja focado no fator isolado, mas que busque apreender a conjuntura

com um todo.

Isto posto, o presente trabalho tem como tema: medicalização infantil. Para responder

ao problema da pesquisa: Qual a relação da medicalização infantil com a “questão social”?

elencou-se como objetivo geral: analisar a medicalização infantil, em especial no que tange o

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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), concomitante ao uso do

medicamento metilfenidato como forma de camuflar uma das expressões da “questão social”.

Para atender a esta meta foi eleito como objetivos específicos: a) analisar o movimento

histórico da Política de Educação e Saúde no Brasil; b) compreender a medicalização como

uma refração da “questão social”; c) sistematizar os dados coletados durante a pesquisa.

O interesse em realizar tal pesquisa deve-se a alguns fatores: primeiro, o interesse em

estudar a medicalização infantil, surgiu da vivência desta acadêmica ao se inserir no campo de

Estágio Supervisionado em Serviço Social I e II, na Casa de Maria – Assistência à criança e

ao adolescente do município de Toledo durante o período de 2013 a 2014; segundo, pela

participação em um projeto de iniciação científica onde foi estudado acerca da inclusão no

sistema educacional e terceiro por perceber a dificuldade de algumas mães em lidar com a

medicalização de seus filhos, que impulsionaram a indagação diante da temática.

Com o intuito de tornar mais clara a apresentação deste trabalho e para apresentar o

conteúdo correspondente aos objetivos da presente pesquisa, o mesmo foi dividido em três

capítulos apresentando-se da seguinte forma: no primeiro capítulo buscou-se apresentar

algumas reflexões teóricas cujo intuito é contribuir para a compreensão da relação entre

Estado e “questão social”, também realizou-se de forma sucinta uma contextualização acerca

da Política de Saúde e Reforma Sanitária. De igual modo, apresentou-se o trabalho como

categoria constitutiva e promotora da auto realização do ser humano e como este tem sua

essência transformada pelo modo de produção capitalista. Assim descreveu-se ainda como a

educação se desenvolve a partir do contexto capitalista, e fez-se uma breve contextualização

acerca do evolução da Política de Educação.

O segundo capítulo apresenta brevemente a construção histórica da Política de Saúde

no Brasil, a construção da Política de Saúde Mental para crianças e adolescentes elucidando

fatores que busquem atender o objetivo proposto neste trabalho. E no terceiro capítulo serão

apresentadas de maneira sistematizada as informações coletadas nos prontuários médicos,

registrados no ano de 2013 na Secretaria Municipal de Saúde – Departamento de Saúde

Mental.

Como hipótese presume-se: a medicalização maciça de crianças, que fazem uso do

medicamento metilfenidato, é utilizado como forma de estabelecer um padrão no qual o

sujeito se encaixe, justificando conduta de determinada patologia. Para finalizar apresentam-

se as considerações observadas nas análises feitas sobre as informações e dados da pesquisa.

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1 ESTADO E “QUESTÃO SOCIAL”

Este capítulo apresenta algumas reflexões teóricas cujo intuito é contribuir para a

compreensão da relação entre Estado e “questão social”1 e como estes não estão descolados

da forma como a educação é concebida, bem como, da lógica excludente decorrente do modo

de produção capitalista.

Um dos marcos de mudança referente à política e formação do Estado, bem como da

sociedade civil, ocorreu na passagem do feudalismo para o capitalismo, pois até então, quem

detinha o poder da terra e domínio dos camponeses eram os senhores feudais, submissos ao

Imperador e à Igreja. (NETTO; BRAZ, 2010).

A partir deste rompimento, do feudalismo e da implantação do capitalismo, a

sociedade é dividida em duas classes antagônicas sendo elas: a burguesia e a classe

trabalhadora, ou seja, uma classe desfavorecida social, econômica e politicamente, que passou

a ser dominada e controlada pela nova organização política que se constituía, a burguesia2.

Deste modo, emerge uma nova forma de sociabilidade, no qual o homem abre mão da sua

liberdade a favor do Estado. Nasce assim o Estado burguês, que em troca da proteção dos

direitos individuais e da propriedade privada força o homem a abrir mão do que o constitui

como ser, ou seja, a liberdade. (NETTO; BRAZ, 2010). Conforme contextualiza os autores, o

Estado não foi criado para atender à coletividade, mas aos interesses de uma determinada

classe, a burguesia. Surge como instituição política, social e jurídica, com o poder e intuito de

regular e controlar o funcionamento da sociedade.

No decorrer da formação histórica da sociedade, bem como do Estado, das relações

sociais e transições socioeconômicas como contradição do próprio desenvolvimento

capitalista, demarca-se o desenvolvimento da “questão social”.

Conforme Netto, a expressão “questão social”,

1 A expressão “questão social” permanece entre aspas, pois: “[...] uma das resultantes de 1948 foi a passagem,

em nível histórico-universal, do proletariado da condição de classe em si a classe para si. As vanguardas

trabalhadoras acenderam, no seu processo de luta, a consciência política de que a “questão social” está

necessariamente colada à sociedade burguesa: somente supressão deste conduz à supressão daquela. A partir daí,

o pensamento revolucionário passou a identificar, na própria expressão “questão social”, uma tergiversação

conservadora, e a só empregá-la indicando este traço mistificador” (NETTO, 2001, p. 44-45). 2 “[...] o homem foi condenado a comer seu pão com suor de seu rosto; mas a história do pecado original

econômico nos ensina que alguns escaparam dessa pena. Mas pouco importa. Sempre terá sido que os primeiros

que acumularam as riquezas enquanto os outros, finalmente, para vender só tinham a pele. É desse pecado que

data a pobreza da grande massa que, a despeito de todo seu trabalho, continua a só possuir a si mesma para

vender; e a riqueza de alguns, que cresce sem cessar, ainda que há muito tempo eles já pararam de trabalhar.”

(MARX, 1975, p. 171).

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[...] surge para dar conta do fenômeno mais evidente da história da Europa

Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda industrializante,

iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVIII: trata-se do

fenômeno do pauperismo [...]. (NETTO, 2001, p.42).

Assim, a “questão social” é o resultado do antagonismo de classe, da contradição entre

capital e trabalho, onde o processo de acumulação do capital rebate diretamente na

configuração social e expressões da desigualdade vivenciadas pelo conjunto da classe

trabalhadora, oprimidas pela disputa de interesses, gerando impactos na conjuntura, isto é, na

realidade histórica. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011).

Sua gênese esta ligada diretamente as configurações históricas assumidas pelo

trabalho, derivada do caráter de produção coletiva e apropriação privada e as relações

estabelecidas entre o Estado e a sociedade civil ao longo do desenvolvimento e expansão do

capitalismo. Iamamoto explicita que, a “questão social”,

[...] É indissociável da emergência do ‘trabalhador livre’, que depende da

venda de sua força de trabalho como meio de satisfação de suas necessidades

vitais. A questão social expressa, portanto disparidades econômicas,

políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de

gênero, características étnico – raciais e formações regionais, colocando em

causa as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder

estatal. (IAMAMOTO, 2001, p.17, grifos da autora).

Desta forma, a “questão social” se dá na realidade concreta, onde a relação entre os

indivíduos sociais e os movimentos históricos bem como sujeito e objeto não são naturais,

mas construídos.

No Brasil, a partir da década de 1930, período que se intensifica a industrialização, a

imigração européia e a saída do homem do campo para as cidades, a “questão social” torna-se

mais evidente, bem como suas expressões: a urbanização desenfreada, a miséria, o

desemprego, a violência, a desigualdade social dentre outras, ficando clara uma progressiva

elevação da miséria relativa à acumulação do capital. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011).

Isto posto, a “questão social” não pode ser pensada sem que haja a intervenção do

Estado, e o reconhecimento diante de suas refrações que atingem a classe trabalhadora.

Assim, devido as manifestações da classe trabalhadora por melhores condições de trabalho e

de vida, o Estado se vê obrigado a intervir com o intuito de manter a ordem e o poder, assim

diante dessa maior intervenção é que são viabilizados alguns direitos, através das políticas

sociais. (IAMAMOTO, 2010).

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A “questão social” apresenta como característica explicativa, na ótica do capitalismo e

Estado neoliberal, a naturalização de suas expressões, sendo vinculadas tão somente ao

individuo dissociando-o do contexto histórico, condensando o conjunto das desigualdades e

lutas sociais, produzidas e reproduzidas na contradição das relações sociais. Segundo

Iamamoto (2008), a “questão social” evoca o passado, quando era concebida como caso de

policia, ao invés de ser objeto de uma ação sistemática do Estado no atendimento as

necessidades básicas da classe operária e outros segmentos trabalhadores.

Na atualidade, as propostas imediatas para enfrentar a questão social, no Brasil,

atualizam a articulação assistencial focalizada, com o reforço do apoio coercitivo do Estado,

com ações fragmentadas, pontuais, em detrimento da construção do consenso necessário ao

regime democrático, o que é motivo de inquietação, pois estas ações geram repressão e

violência. Tudo isso intensificando a contradição entre capital e trabalho e as desigualdades

sociais. (IAMAMOTO, 2008).

Deste modo, o pressuposto é que a medicalização infantil é uma das manifestações da

“questão social”, que exige respostas públicas para o seu enfrentamento, as quais são dadas

pelo Estado através das políticas sociais, e na situação analisada, as Políticas de Educação e

Saúde.

1.1 TRABALHO E O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA: UMA RELAÇÃO

INDISSOCIÁVEL

O trabalho, como categoria central, ontológica e inerente ao ser humano, constitui um

novo ser, à medida que este ao modificar a natureza modifica a si mesmo nesta interação

contínua com o todo, ao passo que permite ao homem romper com a supressão das

necessidades imediatas, como atividade puramente instintiva, característico dos animais que

não detém a capacidade teleológica pertencente ao ser humano. Esta capacidade de criar

novas alternativas para supressão de suas necessidades só é possível porque há no homem a

capacidade teleológica adquirida através de um salto ontológico, que o torna capaz de se

distanciar intelectualmente dos demais seres vivos (devido ao telencéfalo altamente

desenvolvido), iniciando seu processo de construção enquanto ser social3. Assim, de acordo

com Antunes, “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um

3 Aula ministrada pelo professor Dr. Alfredo Batista, no dia 13/05/2011, na disciplina de Trabalho I, com base

no texto de ANTUNES (2004).

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processo em que o homem, por sua própria ação, media regula e controla seu metabolismo

com a natureza.” (ANTUNES, 2004, p. 36).

No entanto, cabe ressaltar que é o trabalho que constitui o ser social, porém, este ser

não se reduz ou se restringe somente a este aspecto. A capacidade teleológica do ser humano,

de acordo com Netto e Braz (2010), permite planejar a finalidade de sua ação antes de

executar. Assim, o trabalho é práxis que se coloca como mediação para responder as

necessidades humanas, permitindo o desenvolvimento de seu caráter livre, criativo e

transformador.

Conforme os autores, a práxis consiste na transformação da natureza em um produto

antes inexistente, produto este resultante das necessidades sociais de dado momento histórico

do desenvolvimento humano, desta maneira, conforme o ser social se desenvolve mais

complexas vão se tornando as relações deste com o meio, no que tange o seu aspecto de

singularidade e genericidade, pois, enquanto se distancia dos demais seres vivos na sua

relação com a natureza, ele cria mediações que ampliam seu domínio sobre a natureza e sobre

ele próprio.

Na sociedade de mercado, a contradição fundante entre capital e trabalho - a

exploração do trabalhador e a divisão entre as classes sociais -, restringe o ser enquanto ser

social, tendo em vista que no processo de produção material este o afasta de seu produto, o

que se denomina de alienação, que conforme Netto e Braz (2010), “[...] pode produzir

objetivações que se apresentam aos homens não como obras suas, como sua criação, mas, ao

contrário, como algo em que eles não se reconhecem, como algo que lhes é estranho e

opressivo. [...]”, ou ainda, “[...] Numa palavra: entre os homens e suas obras, a relação real,

que é a relação entre criador e criatura, aparece invertida – a criatura passa a dominar o

criador.” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 44, grifos dos autores). Ou seja, o trabalhador é afastado

de seu produto, que passa a pertencer ao detentor dos meios de produção, ou seja, o trabalhador é

continuamente expropriado durante todo o processo através da exploração do homem pelo

homem4.

Destaca-se no Brasil, um país de capitalismo tardio, duas fases em que a contradição e

acumulação se acentuam. A primeira evidencia-se na década de 1930 onde há a implantação

4 “Todo esse movimento parece, assim, mover-se num círculo vicioso, de onde não podemos sair a não ser

pressupondo, anteriormente à produção capitalista, uma acumulação primitiva que seria não o resultado, mas o

ponto de partida do modo de produção capitalista. [...] A relação capitalista supõe a separação entre os operários

e a propriedade nas condições de realização de seu trabalho. Desde que a produção capitalista se torna

independente, não se satisfaz em manter tal separação; ela a reproduz numa escala sempre maior. O processo que

cria a relação capitalista não pode ser, assim, senão o processo que estabelece a dissociação entre o operário e

seus meios de trabalho. A acumulação dita primitiva é, portanto, esse processo de dissociação entre o produtor e

os meio de produção.” (MARX, 1975, p. 171-172).

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16

das primeiras indústrias e o início do êxodo rural. A segunda fase acentua-se a partir do final

da década de 1970 e início de 1980, com o processo de reestruturação produtiva, sendo que as

inovações tecnológicas e organizacionais passam a alastrar-se com maior intensidade na

economia e na política a partir dos anos 1990. (ANTUNES, 2000).

Com o advento do modelo de produção japonesa, mais conhecido como toyotismo5

caracterizado pela flexibilização da produção e dos trabalhadores, ocorreram reações no

restante do mundo, pois esse modelo de produção corresponde aos interesses neoliberais6 do

momento, colocando em questão a atuação do Estado. A mundialização da produção impacta

e provoca também consequências políticas, pois já não requer que as decisões de um país em

particular sejam tomadas por ele próprio, mas que correspondam as decisões acordadas

mundialmente. (NETTO; BRAZ, 2010). O poder político dos governos é colocado em

questão e enfraquece-se de forma significativa as características que ainda restavam do Estado

de Bem Estar Social, que até então, ou pelo menos nos países europeus, garantiam padrões

mínimos de educação, saúde, habitação e seguridade à população, ou seja, garantindo a

efetivação dos direitos sociais legitimados pela ação pública.

Com isso, significativas mudanças ocorreram na esfera econômica, política e nas

relações de trabalho destacando-se dentre elas: a flexibilização, a polivalência, a precarização

das condições de trabalho, maior exploração, mudanças na forma de organização sindical e

política, a terceirização, privatizações e padronização. (ANTUNES, 2000). Contudo, foi a

classe trabalhadora que sofreu, de forma mais acentuada, pois essas transformações atingiram

as condições concretas no processo de trabalho e geraram a descrença nas causas coletivas.

Este panorama se perpetua ao longo dos anos e conforme explicita Iamamoto (2010),

há uma gradual desresponsabilização do Estado diante das refrações da “questão social”, onde

este em períodos de crise do capital diminui o fomento nas políticas sociais para injetar no

setor privado, e para tanto as políticas sociais, são subtraídas ou mantidas num nível mínimo

de funcionamento. E neste contexto não está isolada a Política de Educação assim como a da

saúde entre outras.

5 “[...] O toyotismo estrutura-se a partir de um numero mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através de horas

extras, trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições de mercado. O ponto de partida

básico é um numero reduzido de trabalhadores e a realização de horas extras [...]”. (ANTUNES, 2000, p.28).

7 “Liberalismo: Corrente ideológica que acompanha a ascensão e o auge político da burguesia até quando esta

chega ao poder. Em seus princípios e durante o apogeu do século XVIII europeu, caracteriza-se por combater a

reação absolutista, difundir o pensamento livre, promover a liberdade de comércio e as liberdades públicas.

Muda radicalmente quando a burguesia chega ao poder e entram em cena a classe operária e o socialismo. Então,

torna-se reacionário. Hoje em dia, o neoliberalismo somente contém, daquela ideologia, a defesa do livre

comércio, tendo se tornado absolutamente conservador, partidário de governos despóticos, opositor a todo

pensamento livre e inimigo das liberdades públicas. Por isso promove o controle e a vigilância permanente dos

indivíduos.” (KOHAN, grifos do autor, 2014).

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As novas configurações sociais decorrentes das transformações no mundo do trabalho

aliaram o desemprego a outro conceito, a exclusão. Ou como ressalta Iamamoto, “Cresce,

pois, uma superpopulação relativa para esse padrão de desenvolvimento: não os ‘inúteis para

o mundo’, a que se refere Castel (1998), mas os supérfluos para o capital [...].” (IAMAMOTO

2008, p. 157). Os desempregados são excluídos por não participarem da produção material do

capital, e consequentemente, são excluídos também da produção subjetiva da atual forma de

sociabilidade. A exclusão também fere o direito de participação, do exercício da cidadania, do

desenvolvimento da autonomia e de possíveis atividades emancipatórias.

Diante deste cenário Frigotto (2003) ressalta que a educação sofre impacto diante

destas medidas, pois, com a necessidade de um trabalhador que fosse capaz de lidar com a

mudança tecnológica, através da reorganização mundial da economia, e do processo

produtivo, esta se volta cada vez mais para a produção e qualificação ou como o autor

salienta, que o processo educativo se dá sob uma perspectiva de adestramento e treinamento

constante para desempenhar determinada função.

O autor ainda destaca que conceitos como globalização, integração, flexibilidade,

competitividade, qualidade total, participação, pedagogia da qualidade e defesa da educação

geral, formação polivalente e valorização do trabalhador são parte da ideologia neoliberal que

se estende neste período, cujo intuito é o de gerar uma nova concepção de solidariedade tanto

para favorecer um novo padrão de acumulação quanto para desmobilizar as ações coletivas.

Assim, o direcionamento da educação para a formação polivalente resulta numa ânsia

pela produtividade desenfreada, própria da sociedade capitalista advinda de uma cultura

globalizada, da liquidez das relações, somada a conquistas científicas e tecnológicas, que fez

por conceber o homem como um ser que necessita estar apto, a adequar-se a um mundo nas

diversas situações que passa a enfrentar, e aquele que por algum motivo não acompanha o

todo é visto como o diferente, o incompleto, o desajustado, o imperfeito que necessita de

ajuda para justapor-se aos anseios sociais.

1.2 A EDUCAÇÃO COMO MECANISMO DE CONTROLE DO CAPITAL

Para que o modo de produção capitalista se perpetue, há a necessidade de que as

relações se constituam através de valores morais apreendidos como verdade, que não permite

o seu questionamento e que derivam da incorporação de um conformismo que impede os

indivíduos de exercerem sua capacidade crítica e de escolha. Estes conceitos, adquiridos

através da valoração moral e que são sintetizados como naturais à sociedade, vão sendo

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absorvidos, de forma que o ser os adota como caráter integrador, de forma subjetiva, que se

concretiza a partir dos vínculos sociais que se estabelecem nos meio de (re)produção da vida

social. (MÉSZÁROS, 2008).

Conforme Mészáros (2008), mecanismos como a Educação, o Estado, o Exército, a

Polícia, a Lei, devem corresponder aos interesses políticos, econômicos e ideológicos da

classe hegemônica, e gerar no proletariado a sensação de pertencimento a esta determinada

classe e sua ideologia, que gera a segregação daqueles que por algum motivo não tem

condições de “adequar-se” a tal, seja por motivos físicos, psicológicos, enfim, que não

detenham condições de corresponder aos anseios mercadológicos do capital.

Para o autor, esta ideologia é empregada através de personificações “carinhosas”7 do

capital, que para permanecer incontestável, se utiliza de preceitos que não são compatíveis ao

caráter inerente a este, como a solidariedade, ordem, harmonia social e política dos indivíduos

entre si - o corpo social - e em relação ao modo de produção. Estes são alguns princípios

empregados para a manutenção da atual forma de sociabilidade, a fim de que não se note a

natureza reguladora historicamente dominante.

Neste contexto, as instituições nascem destinadas a afirmar seu papel hegemônico, ou

seja, estas são formuladas para a geração de pessoas aptas a determinadas funções sociais

estabelecidas por um sistema que não é ingênuo, e por isto mesmo, se compõe de amarras que

não são visíveis, porém, que podem ser sentidas e que são absorvidas cotidianamente, para

manutenção da ordem e vigência da hegemonia, e se apresentam sob as mais diversas formas,

sejam: escolas, hospitais, fábricas, universidades, mosteiros, prisões entre outras, todas com

uma única função, o domínio do corpo e da mente do indivíduo. (COSTA, 2004).

Assim, para Foucault (1987), com aspecto repressivo e com intuito de induzir os

indivíduos à manutenção dos interesses da classe hegemônica, os mecanismos de controle,

que se expressam no formato das instituições, são um produto do desenvolvimento capitalista,

onde o maior interesse desse modelo de produção é a exploração através do trabalho para

gerar a acumulação de riquezas. (FOUCAULT, 1987). Estes artifícios de controle

representam e estão ligados à natureza e à lógica do capitalismo sendo este excludente,

responsabilizando o sujeito, como se tanto a causa, quanto a problemática envolvida fosse

pertencente ao mesmo e não que estivesse atrelado ao próprio sistema econômico.

A exclusão no sistema educacional brasileiro tem uma longa história, que tem seu

auge entre o final do século XIX e início do século XX, na criação das escolas como

7 MÉSZÁROS, 2008, p. 27.

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instrumento regulador para os pobres, que tinham como intuito o recolhimento de crianças

abandonadas e combater em consequência disto, a mortalidade infantil. (COSTA, 2004). Com

este intuito destina-se aos estados e municípios a organização em relação a vigilância sanitária

e higiênica às creches ou instituições de puericultura8 que recebiam subsídios do Governo

Federal.

Deste modo, conforme Costa (2004), a escola nasce destinada a receber as crianças

abandonadas, ou seja, os mestiços advindos de relações extraconjugais e afins, e os que

fossem tidos como “degenerados sociais”9, aqueles que não tinham a convicção da

importância da manutenção da saúde, do bem-estar e do progresso da população, fazendo

assim necessário a estatização dos mesmos para que absorvessem através do processo

educacional tal concepção. Deste modo, as técnicas disciplinares saem do cárcere colonial e

se destacam como primeiro plano da cena política urbana no país.

Assim, as crianças pertencentes às classes que detinham maiores condições

econômicas eram mantidas em seus lares, onde recebiam o conhecimento de modo mais

abrangente, gerando uma classe intelectual, que devia perpetuar a ordem social, e ainda para a

distinção entre classes, ou seja, “superiores” e “inferiores”. (COSTA, 2004).

Conforme explicita Souza (2010), esta mesma divisão se perpetua até os dias atuais,

de modo mais sutil, e que se expressa na falta de oportunidades de acesso à escola pública e

de qualidade, nos elevados níveis de evasão escolar e na permanência das crianças e

adolescentes por toda esta fase de suas vidas nas escolas, e, no entanto, sem se apropriarem de

fato dos conteúdos escolares. (SOUZA, 2010).

O ambiente escolar, conforme Luengo (2010) tem como intuito garantir a apropriação

do saber, e deveria possibilitar também o desenvolvimento de formas mais elaboradas de

compreender o meio social. Para tanto, esse processo não deve ocorrer de forma passiva e

mecânica, este se constrói nas relações do homem com o contexto social e, ao mesmo tempo,

é determinado pela singularidade de cada indivíduo10 e do respeito a esta singularidade. De

igual modo, a autora discorre que esta maneira de proceder atravessa o tempo, ou seja, a ética

8 Refere-se à ciência médica responsável pelo estudo dos cuidados com o desenvolvimento infantil. (FIOCRUZ,

2014). 9 “Concebia-se que vícios e virtudes eram, em parte, originários dos ascendentes; assim, os filhos nascidos de

“boas famílias” teriam um pendor natural a serem virtuosos, ao passo que os que traziam a má herança, seriam

obviamente vistos (inclusive por si próprios) como portadores de ‘degenerescências’. Essa crença justificava

privilégios para uns e corretivos para outros.” (RIZZINI, 2008, p. 53, grifo da autora). 10 Para Constantino (2000), é impossível compreender o sentido subjetivo e pessoal do ser, sem situá-lo na trama

complexa das relações sociais. Isso significa que embora cada sujeito possa atribuir significados à sua vida e ao

mundo, a individualidade e a subjetividade continuam ligadas à objetividade, ou seja, ao contexto sócio

histórico.

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e os valores que conduziam e ordenavam o convívio social e modelavam o indivíduo

persistem ainda nestes dias, na contemporaneidade. (LUENGO, 2010).

Tendo como pressuposto esta visão, a Política de Educação assim como outras

políticas sociais são criadas para uma manutenção da ordem e para que isto ocorra de modo

sistemático, o Estado como comitê executivo da burguesia atende parte das necessidades da

classe dos trabalhadores, mesmo que sejam fragmentadas e pontuais, pois tem como maior

função, a regulação do mercado, atuando na reprodução social onde o objetivo é manter a

lógica do capital – produção e reprodução, exploração, acumulação, centralização e

contradição. (NETTO; BRAZ, 2010).

No entanto, apesar da educação, na configuração atual do modo de produção, servir às

classes dominantes, tanto em seu aspecto material quanto ideológico, é necessário que a classe

trabalhadora não desista de lutar por um ensino de melhor qualidade, pelo direito e acesso

universal a esta, e por uma real inclusão de todas as classes sociais no sistema educacional.

Para tanto, este processo reivindicatório só se viabilizará se estiver associado a um projeto de

classe e de sociedade que prime por uma educação igualitária, que ultrapasse os limites

impostos pelo capitalismo.

1.2.1 Contextualização histórica da Política de Educação

Ao se analisar o contexto histórico nacional, o período de 1930 é um período de

efervescência política, em que Getúlio Vargas se encontra no poder. Neste período, cria-se o

Ministério de Educação e Saúde em 1930 (elo indissociável a época), e há a publicação do

Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932) movimento pedagógico baseado no

pensamento liberal. Ainda no governo de Getúlio tem-se a materialização da Revolução

Constitucionalista de 1932, e no campo econômico, em reação à crise econômica de 1929 dá-

se início ao desenvolvimento industrial em detrimento das importações. (VIEIRA, 2007).

Referente à Educação, a Constituição Federal de 1934 é a primeira a dar normas para

um Plano Nacional de Educação atribuindo a União esta responsabilidade. Sendo assim, a

Constituição de 1934, traz vários avanços para Educação, muitos não se efetivaram, mas

deram uma nova direção ao âmbito educacional. (VIEIRA, 2007).

Em 1937 é deferida uma nova Carta Constitucional, sendo que o país volta a

submergir em um novo período autoritário, a ditadura do Estado Novo. Surgem as escolas de

ensino profissionalizante e a educação deixa de ser um sistema integrado e passa a ser

organizada por setores, no entanto apresentando caráter centralizador. Cabe ressaltar que o

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princípio de gratuidade anunciado na Constituição de 1934 é desarticulado na de 1937,

competindo ao Estado prover aos que notoriamente não tem condições de pagar pelo ensino,

ou seja, educação gratuita é sinônimo de educação para os pobres. (VIEIRA, 2007).

Em 1946, após a queda de Vargas, com a Reforma Capanema11, a dualidade no ensino

é mantida ou de certa forma se acentua, ou seja, a distinção entre a educação escolar das elites

se difere da educação ofertada às classes populares. Deste modo, segundo Vieira (2007), as

diretrizes desta reforma irão orientar e dar parâmetros a educação nacional até a promulgação

da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 4.024/1961).

Contudo em 1964 o país vivencia o golpe militar, este momento se revela como uma

estratégia de adequação ao modelo político e econômico, ditada por organismos

internacionais. Conforme explicita Netto, era importante para se atender as exigências do

capital externo “[...] adequar os padrões de desenvolvimento nacionais e de grupos de países

ao novo quadro do inter-relacionamento econômico capitalista, marcado por um ritmo e uma

profundidade maiores de internacionalização do capital [...]”. (NETTO, 2011, p. 16).

Em 1967, há a necessidade de se constituir um novo marco legal para o país, ou seja,

uma nova Constituição Federal, e como neste período a ditadura ainda não se encontrava no

seu estágio mais agudo, os dispositivos que tangem o âmbito educacional não chegam a sofrer

rupturas com os conteúdos das constituições anteriores, sendo assim, esta legislação adquire

contornos mais próximos com a LDB de 1961. (VIEIRA, 2007).

Porém, há um grande retrocesso na responsabilidade do Estado, pois se apresenta nula

quanto ao fomento e investimento na Política de Educação, delegando esta função aos

municípios, no entanto, a Carta Magna de 1946 já preconizava que: “[...] a União estaria

obrigada a aplicar ‘nunca menos de dez por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e

desenvolvimento do ensino’ (art. 169) [...]”. (VIEIRA, 2007, p. 303).

Enquanto política social, a Educação vem assumindo novas formas principalmente a

partir dos anos 1990 com a progressão do neoliberalismo e a ocorrência de mudanças no que

tange o campo cultural, social, político e econômico. No entanto, as políticas sociais em sua

totalidade sofrem com reduções, os recursos destinados a elas são limitados, privatizados, e

em consequência deste quadro, as responsabilidades do Estado são minimizadas, resultando

no aumento da exclusão e do agravamento das expressões da “questão social”, que se refletem

11 Foi o nome dado às transformações projetadas no sistema educacional brasileiro, estruturou o ensino

industrial, reformou o ensino comercial e criou o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI.

(VIEIRA, 2007).

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na Educação e nas demais políticas sociais, porém, este é um momento em que o país vive a

abertura para a democracia. (SILVA, 2012).

A educação é um processo de constituição da vida social, é um dos meios para o

desenvolvimento social e deve ser um instrumento de conscientização para cidadania,

contribuindo com o processo de luta pela democracia, pois um indivíduo apropriado de

conhecimento e de capacidade crítica tem possibilidades de provocar transformações, ou seja,

a educação “[...] deve ser compreendida como um processo político, exatamente por

traduzirem objetivos e interesses de grupo social economicamente diferente.” (GADOTTI,

1983, p. 45).

Portanto, com a modificação das relações sociais, mudanças no panorama econômico

e a necessidade por profissionais qualificados, a educação vem travando lutas no intuito de se

colocar frente à sociedade como direito e para que seja estendido e garantido a todos. Assim,

é a partir da efetivação da Constituição Federal de 1988, da Conferência de Jomtiem de 1990

e a Declaração de Salamanca, em 1994, que a educação adquire novos contornos, passando a

ser um direito, embasado em leis, devendo ser garantida pelo Estado, por meio de diferentes

políticas.

A atual Constituição Federal do Brasil vem romper com o Estado autoritário a fim de

promover o Estado democrático de direitos, reconhecido pela primeira vez na legislação

brasileira ao qual a Educação está inserida conforme o Capítulo II, Artigo 6º: “São direitos

sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição.” (BRASIL, 2006, p. 20).

Da mesma forma, do artigo 205 ao artigo 214, a Constituição Federal estabelece que

os direitos sociais, dentre eles a Educação, é direito de todos e responsabilidade do Estado e

da família promovê-la e incentivá-la, com a colaboração da sociedade visando o pleno

desenvolvimento do sujeito, o preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o

trabalho.

A Educação é regida também por outras legislações como: o Estatuto da Criança e

Adolescente – ECA (1990); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996);

o Plano Nacional de Educação – PNE (2011-2020); Plano de Desenvolvimento da Educação –

PDE (2007), entre outras. Assim,

As normas básicas de regulamentação e funcionamento do sistema

educacional estão sob responsabilidade da União, da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional e no PNE, traduzidas e especificadas pelas

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medidas estabelecidas no âmbito do Conselho Nacional de Educação – CNE.

Os estados poderão expedir legislação complementar, adequando as normas

gerais e particularidades locais. (SAVIANI, 2010, p. 279).

Deste modo, a LDB (1996) abrange a Educação aos processos formativos no que tange

a vida familiar, a convivência humana, o trabalho, as instituições de ensino, e pesquisa, se

estendendo aos movimentos sociais, organizações da sociedade civil e manifestações

culturais.

O governo federal aprovou em 25 de junho de 2014 o Plano Nacional de Educação

(Lei nº 13.005/2014), que propõe elevar o percentual do Produto Interno Bruto (PIB) gasto

com a Educação em 10% até 2024 e transformar 50% das escolas públicas em escolas de

tempo integral. (BRASIL, 2014).

No entanto, cabe ressaltar que conforme Almeida, as propostas implementadas para o

âmbito da educação no governo Lula e o que o sucedeu, foram alicerçadas a partir de

propositivas que mantém a lógica neoliberal do Estado e do capital financeiro, desta maneira,

é mantida “[...] uma agenda pactuada entre as forças de composição do governo em torno da

necessidade de dotar as políticas públicas de uma dimensão inclusiva com algumas

características redistributivistas para o enfrentamento da exclusão social.” (ALMEIDA, 2011,

p. 18).

Assim, a partir da formulação dos documentos legais frente a Política de Educação, há

a possibilidade de uma educação mais igualitária e não excludente, passa-se a incluir todas as

pessoas, de todas as classes, indiferente de raça, gênero, religião e outros aspectos, no

ambiente regular de ensino onde serão preparados para exercer sua cidadania, ampliando

assim o horizonte de possibilidades. Deste modo, o direito à educação passa a ser

efetivamente garantido a todos, no entanto, há a necessidade de que o ambiente escolar

propicie o desenvolvimento humano em todos os aspectos e não se atenha somente ao

preenchimento de vagas, número de cadeiras ocupadas, que tem como respaldo uma lei que

obriga o cumprimento de tal determinação.

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2 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL

Cabe contextualizar que a Educação e a Higiene Mental se constituem num elo

indissociável no que tange a padronização dos indivíduos diante das exigências impostas pelo

capital. Nesse sentido, “[...] educação e saúde se uniram como elementos inseparáveis na

implantação de um programa de normalização e moralização, que visava manter forte pilar

social – a ordem – pelos bons hábitos.” (LUENGO, 2010, p. 45). Ou seja, uma forma de

intervenção diante da realidade social, que se efetiva a partir da dominação e controle ditada

pela classe hegemônica.

A partir dos anos de 1920, inicia-se a expansão das instituições psiquiátricas nos

principais centros urbanos brasileiros. A instituição psiquiátrica busca legitimar-se como uma

das instâncias reguladoras do espaço social, extrapolando os limites do asilo clássico,

construindo um espaço que se vincula ao surgimento da psiquiatria infantil. É nesse período

também que é registrado um grande contingente de assistentes sociais inseridos neste campo.

(ROBAINA, 2010).

A psiquiatria vem disfarçada de higiene mental, que objetiva por ser considerada como

fundamental, moldar o sujeito do amanhã, ou seja, as crianças, fazendo com esta intervenção

o surgimento de uma geração higienizada, sendo que o olhar sobre a criança justifica e

sanciona a intervenção e controle sobre os pais, cabendo assim à higiene mental o papel de

orientação científica das famílias. Cabe ressaltar a participação no país, de uma importante

instituição psiquiátrica muito atuante nos anos de 1920 e 1930, a Liga Brasileira de Higiene

Mental, que tinha sua atuação com enfoque direcionado a assistência à infância, visto que as

primeiras décadas do século XX assinalam um crescimento no interesse pela situação da

infância no mundo, seja pelas questões demográficas ou pela saúde desta população, ou seja, a

criança passa a ser problema de Estado. (SCHECHTMAN, 2005). Conforme o autor,

Por todo o período de atuação da Liga perpassa a tensão entre medidas de

intervenção de cunho educativo e medidas de matiz mais radical referidas à

chamada ciência eugênica, então hegemônica (e de trágica evocação). Sem

cuidar dessa última, tratando-se da criança, impunha-se um olhar

normalizador sobre a educação, a qual era vista como exercendo uma

indiscutível influencia na evolução mental da infância. (SCHECHTMAN,

2005, p. 26).

Este é um período de forte presença da questão educacional no cenário brasileiro,

assim um dos mecanismos estratégicos para a intervenção psiquiátrica sobre a criança era a

que ocorria devido a atuação dos médicos na assistência escolar, pelos serviços de higiene e

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saúde escolar. Deste modo, a atividade desenvolvida pela medicina desempenhava caráter

duplo, pois, além de detectar possíveis distúrbios degenerativos, serviria também para

classificar e separar as crianças conforme sua evolução psicológica individual.

(SCHECHTMAN, 2005).

Em 1961, Franco Basaglia, nomeado diretor do Hospital Psiquiátrico de Goriza, na

Itália, trouxe para o Brasil diversas transformações nas condições do cuidado com o paciente

psiquiátrico, e afirmava a necessidade de transformações no modelo de assistência e na

representação social da loucura, mudanças estas que escapam ao alcance da psiquiatria.

(AMARANTE, 1994).

Algumas visitas de Basaglia ao país possibilitaram que se viabilizasse a Reforma

Sanitária, estas discussões se iniciam na década de 1970. A Reforma Sanitária é um

movimento que é construído a partir de questionamentos sobre o modelo de assistência

psiquiátrica que se centra nos hospitais e os movimentos sociais em prol da efetivação dos

direitos humanos. A Reforma Sanitária no país pode ser compreendida como um complexo

processo político e social disseminado nas várias esferas governamentais com o apoio de

diversos agentes. (AMARANTE, 1994).

De acordo com Amarante (1994), estes movimentos divulgavam através de denúncia,

como se dava o atendimento psiquiátrico, a violência nos manicômios, a supremacia

psiquiátrica no atendimento, os fins de consumo presentes nos atendimentos e a concentração

do atendimento em redes privadas. Deste modo, a implantação do SUS, tem seu cerne numa

manifestação nacional e anti-manicomial, que teve seu início concomitante ao processo de

Reforma Sanitária nos anos 1970, e elencava importantes questionamentos em relação ao

modelo de assistência psiquiátrica.

Em 1987, foi implantado pelo Executivo Federal um arranjo institucional denominado

Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) que buscou incorporar em seu plano

alguns dos elementos centrais da proposta da Reforma Sanitária: a universalização; a

descentralização aos estados; e a democratização das instâncias gestoras. (CONASS, 2009).

Neste mesmo ano, ocorreu o II Congresso do Movimento dos Trabalhadores em Saúde

Mental (MTSM) e a I Conferência Nacional de Saúde Mental, no Rio de Janeiro, que foi

realizada no contexto da VIII Conferência Nacional de Saúde sendo que esta, configurou-se

num marco para a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Este evento direciona para

a necessidade de mudança no modelo de assistência oferecida nos manicômios com base na

supremacia do saber psiquiátrico. (BRASIL, 2005).

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Considerada um marco histórico para a construção das bases legais e

estruturais da saúde no Brasil, a 8ª Conferência Nacional de Saúde

consagrou os princípios da Reforma Sanitária Brasileira e definida a

proposta para o componente saúde da Nova Constituição do Brasil, entregue

a Assembléia Nacional Constituinte, que culminou com a promulgação da

Constituição Federal de 1988, que definiu a criação do Sistema Único de

Saúde (SUS). (BRASIL, 2011).

Portanto, é com a criação e aprovação do SUS em 1988, pela Constituição Federal que

há o reconhecimento do direito de acesso universal à saúde.

Do mesmo modo que as demais políticas sociais, a Política da Saúde também tem

como base para sua implementação a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196 o qual

trata do direito à Saúde. Este artigo é complementado pela Lei Orgânica da Saúde (LOS), Lei

n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção,

proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços

correspondentes e dá outras providências. Inclusive dispõe sobre o SUS no que se refere a

atribuições, objetivos, princípios, diretrizes, gestão e outros.

[...] as modificações da década de 80, que culminam com a promulgação da

Constituição de 1988, que inaugura um novo sistema de proteção social

pautado na concepção de Seguridade Social, que universaliza os direitos

sociais, concebendo, a Saúde, a Assistência Social e a Previdência como

questão pública, de responsabilidade do Estado. (BRAVO, 2006, p.88, grifo

da autora).

O processo de redemocratização do Brasil estabeleceu novos rumos às políticas e fez

surgir novos atores sociais que propunham um novo modelo de atenção à saúde. Sobre este

momento, Bravo destaca que “[...] a Saúde deixa de ser interesse apenas dos técnicos para

assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada à democracia.” (BRAVO,

2006, p. 95).

Nesta mesma década, com a ampliação das preocupações e a nova lógica de

organização dos serviços e do controle dos problemas de saúde, foi criada a Agência Nacional

de Vigilância Sanitária (Anvisa), através da Lei nº 9.782, e regulamentada pelo Decreto nº

3.029, com o objetivo e responsabilidade de proteger e promover a saúde da população por

meio do controle sanitário de serviços e produtos destinados ao consumo, e decorrentes do seu

processo de produção e comercialização, que apresentam potencial risco à saúde e meio

ambiente. A Agência está vinculada ao Ministério da Saúde e integra o SUS através do

Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, a qual é responsável pela sua coordenação de forma

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integrada com outros órgãos públicos relacionados direta ou indiretamente com o setor saúde.

A Anvisa se destaca como uma das maiores agências reguladoras do país, com competência

de normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde.

(BRASIL, 2011).

No ano de 1989 tem-se a promulgação do Projeto de Lei nº 3.657/1989, que tem como

princípio a regulamentação dos direitos dos pacientes com transtorno mental e a extinção dos

manicômios. Deste modo, com a assinatura da Declaração de Caracas, em 1990 e com a

realização, em 1992, da II Conferência Nacional de Saúde Mental, o referido Projeto de Lei,

vai sendo implementado, através de reivindicações dos movimentos sociais.

Porém, somente em 2001 é que o Projeto de Lei é sancionado – com alterações ao que

se refere ao texto original – resultando na Lei nº 10.216/2001, que afirma o atendimento

preferencialmente em base comunitária e pela rede de atenção, da proteção dos direitos dos

sujeitos com transtorno mental e a progressiva extinção dos manicômios. (BRASIL, 2005). A

aprovação desta Lei resulta na subsequente aprovação de demais legislações, como a Portaria

nº 366/2002 que dispõe sobre o Centro de Atenção Psicossocial, a Portaria nº 189/2002 que

define as normas para organização dos serviços em Saúde Mental e Portaria nº 1455/2003 que

trata do incentivo financeiro para a implantação da rede de assistência em Saúde Mental nas

diferentes regiões. Deste modo dá-se condições para a viabilização de uma rede de

atendimento de atenção à Saúde Mental por diversos estados da Federação. (ALVES, 2009).

Ao se analisar o desenvolvimento da Política de Saúde pode-se reconhecer um avanço

na direção da democratização dos meios de acesso a esta, como também a mudança de

concepção para com os usuários deste serviço que resulta numa quebra de paradigma. A

mudança na concepção da Saúde Mental, através da Reforma Sanitária é algo que possibilita

que todos os indivíduos possam ser reconhecidos como portadores de direitos. No entanto, a

medicalização12 na infância se revela como uma volta ao passado, resquícios de uma época

onde as normas higiênicas imperavam, recolocando a escola como alvo do poder médico,

inserindo-a novamente no postulado da disciplina através da padronização e controle.

12 Termo criado por Ivan IIlich (1996-2002), empregado e utilizado por Michel Foulcault (1926-1984) difundido

no Brasil pelo movimento coletivo de psicólogos membros do Grupo Interestadual Queixa Escolar (GIQE), o

Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) e o Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (SinPsi),

que se explicita num manifesto de repúdio ao Projeto de Lei 0086/2006, de autoria do vereador Juscelino

Gadelha, que dispõe sobre um Programa de apoio ao aluno portador de distúrbios de aprendizagem

diagnosticado como dislexia.

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2.1 POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL PARA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

Ao longo do tempo é notável que as ações dirigidas a crianças e adolescentes advém

de um contexto protetivo que redundou num modelo paternalista com forte tendência a

institucionalização advinda de uma concepção segmentada, não integradora para as crianças e

adolescentes. Ao mesmo tempo em que o início do século XX propiciou uma reflexão quanto

a importância da assistência à crianças e adolescentes - mesmo que com o ensejo de que estas

seriam garantias para um futuro diferenciado para o país - esta se posicionou apenas como um

conjunto de medidas, carregadas de lógica higienista e dotada de inspiração normativo-

jurídica. (BRASIL, 2005).

Esta situação se perpetuava sem que o Estado se responsabilizasse, pois a maioria das

instituições que recebiam crianças e adolescentes eram filantrópicas. Deste modo, o discurso

sobre a importância deste ser em formação se descaracterizava, pois, esta forma de

assistencialismo, apenas, “[...] oficializava o modelo em curso e a concepção da criança a ser

assistida: a deficiente social (pobre), deficiente mental e deficiente moral (delinquente) [...] e

por outro lado a criminalização da infância.” (BRASIL, 2005).

No contexto mundial o primeiro documento de caráter amplo e universal relacionado à

criança foi a Declaração de Genebra, de 1924, aprovada com unanimidade pela Assembleia

Geral da Liga das Nações. (BIDARRA; OLIVEIRA, 2007, p. 168).

No Brasil, realiza-se em 1920 o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância que

acarreta em 1921, na criação da Lei Orçamentária nº 4.242 que combina estratégias de

assistência e repressão.

Já o Código de Menores de 1927, segundo o autor, incorpora tanto a visão higienista

de proteção do meio e do indivíduo quanto a visão jurídica repressiva e moralista. Este

estabelece a vigilância da saúde da criança, dos lactantes, das nutrizes, e estabelece a inspeção

médica da higiene. É este Código que demarca a perda ou anulação do pátrio poder em caso

de abandono físico ou moral, deste modo, o encaminhamento desta criança pode ser feita à

família, a instituições públicas ou particulares que receberão esta função jurídica.

(FALEIROS, 2011, p. 47).

Em 1934 a Inspetoria de Higiene Infantil foi transformada em Diretoria de Proteção à

Maternidade e à Infância que em 1937 passa a ser Divisão de Amparo à Maternidade e à

Infância. Em 1940 passa a ser Departamento, que Faleiros (2011) define como “uma ascensão

de importância burocrática e política”. No entanto, o autor ressalta que esta entidade detinha

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como estratégia a repressão, que se dava através de medidas assistenciais e corporativas, para

a geração de uma população sadia, ou seja,

A política da infância, denominada ‘política de menor’, articulando

repressão, assistência e defesa da raça, se torna uma questão nacional, e, nos

moldes em que foi estruturada, vai ter uma longa duração e uma profunda

influência nas trajetórias das crianças e adolescentes pobres desse país.

(FALEIROS, 2011, p. 57).

Em 1946, decorrente dos efeitos devastadores da Segunda Guerra Mundial, foi criada

a Organização das Nações Unidas (ONU) e na realização da sua Primeira Assembleia Geral

foi instituído o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sendo reconhecido como

um importante organismo de defesa e proteção dos direitos das crianças e adolescentes.

(BIDARRA; OLIVEIRA, 2007, p. 169). Em 1959, a ONU aprova a Declaração dos Direitos

da Criança (Resolução nº 1.386), que reconhece especificamente os direitos da criança e

demanda aos países participantes que assinaram o acordo a se esforçarem para que estes

direitos fossem transformados em legislações permanentes em cada país.

Já no Brasil, em 1964 é criada através da Lei nº 4.513, a Fundação Nacional do Bem-

Estar do Menor (FUNABEM), devido a críticas ao Serviço de Assistência ao Menor (SAM,

criado em 1941), ligado ao Ministério da Justiça, que se consolidou como órgão repressor,

com um tratamento pautado pela violência contra os internos. Em 1979, outro Código de

Menores foi promulgado, através da Lei nº 6.697, com o objetivo de prestar proteção aos

menores de dezoito (18) anos em situação irregular, porém mantém a filosofia menorista do

Código de 1927, pois se fundamenta nas diretrizes da Política de Bem-Estar do Menor

elaborada em 1964. (FALEIROS, 2011).

Apenas com a Constituição de 1988, crianças e adolescentes foram reconhecidos como

sujeitos de direitos. E somente a partir da Lei nº 8.069, em vigor desde 1990, que institui o

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passam a ter os seus direitos assegurados, se

tornando indivíduos de prioridade legal e social absoluta. Com o ECA, passa a valer a

Doutrina de Proteção Integral, que defende que crianças e adolescentes estão em um estado

peculiar de desenvolvimento físico, psicológico e social, período no qual se forma a

identidade do indivíduo e inicia-se a compreensão do seu papel e lugar na família e

sociedade. (BIDARRA; OLIVEIRA, 2007).

Além da Constituição Federal e do ECA, outros mecanismos de garantia de direitos à

criança e ao adolescente surgem como necessidade para a consolidação de diretrizes e

princípios da política de atendimento, sendo estes a Secretaria Especial de Direitos Humanos

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da Presidência da República (SEDH/PR), instituída em 2006, e integrado a esta Secretaria, o

Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). No ano de 2012, a

presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei n°12.594, regulamentando o Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo (SINASE), que regulamenta a execução das medidas

socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. (FALEIROS, 2011).

De igual modo, a base e política do atual campo da Saúde Mental, vem apontando há tempos

a necessidade de ser construído um novo patamar de ações ao que tange este setor, desde a 2º

Conferência de Saúde Mental, realizada em 1992, quando foram apontados os efeitos

perversos da institucionalização de crianças e jovens, e na 3ª Conferência em 2001, ficando

evidente a necessidade premente de se instaurar um novo direcionamento às ações político -

assistenciais para o cuidado e o tratamento da população infanto-juvenil. Nesse contexto,

instituiu-se o Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil, pelo Ministério da Saúde, por

meio da Portaria GM nº 1.608/2004, com o intuito de consolidar as redes de serviços para o

atendimento de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico. (BRASIL, 2005).

Nesse sentido, as mudanças na gestão em saúde refletiram na organização da

assistência ao indivíduo em sofrimento psíquico, pois juntamente com a luta pela de

redemocratização do país e implantação do SUS, aconteceram os primeiros movimentos para

a Reforma Psiquiátrica, que tiveram início na década de 1970, momento em que o hospital

psiquiátrico detinha um poder centralizador e um elevado índice de internações, o que foi

considerado motivo das condições desumanas nas quais eram tratados os doentes mentais.

(AMARANTE, 2005).

Diante do contexto apresentado, pode-se notar que a Política de Saúde Mental para a

criança e o adolescente no país é recente, tendo em vista que as discussões acerca desta

demanda se iniciam a partir de 2005 com a realização do Fórum Nacional de Saúde Mental

Infanto-Juvenil. Historicamente, as ações relacionadas à saúde mental da infância e

adolescência foram, no país, delegadas aos setores educacionais e de assistência social, com

quase ausência de proposições pela área da saúde mental. Assim, é notável que a evolução

histórica do cuidado em saúde mental na infância tem acompanhado as modificações do

contexto social e político que influenciam significativamente as transformações que vem

ocorrendo no cuidado em saúde.

No entanto, esta é uma Política que está em construção, e que ainda não se efetivou na

maior parte do território nacional, mas que pode proporcionar uma melhora na qualidade de

vida das crianças e adolescentes que estão em sofrimento psíquico. Para isto é importante que

todos os setores da sociedade possam estar envolvidos no processo de construção desta

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Política, para que esta possa atender as mais diversas necessidades de cada região do país em

sua particularidade e que possa assim se efetivar na sua concretude.

2.2 O TRABALHO PROFISSIONAL NUMA PERSPECTIVA PSICOLOGIZANTE

Este subcapítulo tem o intuito de compreender a importância do rompimento do

Serviço Social com a base conservadora da profissão que foi fundamental para que o vínculo

com práticas higienistas, filantrópicas e assistencialistas fossem superados. Esta ruptura foi

fundamental para que o Serviço Social contemporâneo pudesse arraigar o compromisso com

os direitos humanos e a justiça social que alicerçam o posicionamento da categoria

profissional que é adverso a lógica da desigualdade preconizada pelo modo de produção

capitalista. Desta forma, a proximidade com a realidade concreta, a leitura e análise crítica

desta realidade, e as reflexões teóricas sobre a prática, podem possibilitar ao profissional

contemporâneo a atenção às necessidades e demandas sociais, visando transformá-la.

Assim, veremos que no cenário de alterações e reformas estatais, o Serviço Social tem

como objeto de intervenção as expressões da “questão social”. Devido às mudanças

econômicas ocorridas na década de 1980 que resultaram na flexibilização dos direitos e o

enfraquecimento das políticas sociais, o Serviço Social brasileiro procura neste contexto, a

construção de um projeto político profissional que preze pela defesa dos direitos sociais, a

cidadania, a ampliação da democracia, entre outros, tendo por base a teoria social crítica em

Marx. (SILVA, 1999).

Assim, para Silva (1999) por meio da organização e de debates, a categoria

profissional foi redimensionando sua intervenção e seu projeto que na década de 1990 se

materializará no Código de Ética da Profissão, na Lei que Regulamenta a Profissão e nas

Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

(ABEPSS), resultando numa nova concepção do ser profissional do Serviço Social13.

Neste contexto, cabe ressaltar a importância de quatro seminários que alavancaram

discussões singulares (processo permeado de avanços e retrocessos), no que tange o

surgimento da base teórico metodológica, ético política e técnico operativa da profissão sendo

estes: o seminário de Araxá14, realizado em Minas Gerais em 1967; seminário de

13 O Serviço Social é regulamentado no Brasil pela Lei nº 8.662/1993 que dispõe sobre a profissão de Assistente

Social e dá outras providências, segue os preceitos do Código de Ética Profissional nº 273/1993. 14 Para Netto Araxá demarca o transformismo, sem romper ou primar pela ruptura com o conservadorismo,

sendo que o documento extraído do evento se apresenta como um texto orgânico, expressando sistematicamente

o que emergiu de consensual entre seus formuladores. (NETTO, 2011, p. 173).

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Teresópolis15, no Rio de Janeiro em 1970; o seminário de Sumaré16, também no estado

carioca em 1978; e do Alto da Boa Vista em 1984, no mesmo estado. Os documentos

advindos destes encontros constituem marcos históricos para o Serviço Social brasileiro, pois,

as transformações que impactaram o mundo nesta época também provocaram a necessidade

de mudança quanto a perspectiva profissional. (NETTO, 2011).

Porém, a perspectiva profissional adotada no período -1940 até meados de 1980-

advinha de um caráter especulativo-prático, ou seja, era considerada como uma forma de

técnica social, ou “modus operandi” (termo utilizado na época), pois detinha-se influência

sobre o comportamento humano, deste com o meio e seus inter-relacionamentos, sendo assim,

o Serviço Social empreendia uma ação socioeducativa empregada junto ao proletariado e suas

famílias. (CBCISS, 1986).

O exercício profissional tinha funções preventivas e curativas para os problemas

sociais individualizados devido à perspectiva adotada, portanto, “O caráter corretivo se define

como intervenção na realidade para fins de remoção de causas que impedem ou dificultam o

desenvolvimento do indivíduo, grupo, comunidade e populações.” (CBCISS, 1986, p. 25)17.

Diante desta concepção, a profissão assume uma perspectiva psicologizante, que

responsabiliza o indivíduo pelas suas mazelas, conferindo-lhe também uma capacidade

individual de superação de sua condição. (NETTO, 2011).

O Serviço Social é inserido no campo educacional a partir dos anos de 1930, com a

aprovação das primeiras legislações18 no que tange a infância na incessante busca pelo

“ajustamento” familiar. Assim Pinheiro, salienta que “O Serviço Social vivifica a escola,

disciplina-lhe, estimula o meio familiar, ligando um ao outro, dando assim unidade à ação

15 O documento de Teresópolis, conforme Netto tem características diversas, ou seja, se consolida como “a

cristalização da perspectiva modernizadora”, é a justaposição dos relatórios de dois grupos de modo que

“Parece-lhe fundamental, como passo prévio a clarificação teórica de categorias e conceitos para que possa

avançar seriamente no rumo da ‘reconstrução do Serviço Social.’” (NETTO apud Costa, 2011, p. 179). 16 Netto define este seminário como “o deslocamento da perspectiva modernizadora”, ou ainda, “Apreciada com

distanciamento, a expectativa profissional não se revelou inteiramente fundada: a polarização ideal da

perspectiva modernizadora decrescera a ponto de não se expressas ponderavelmente em qualquer dos dois

seminários. A documentação do Sumaré e do Alto da Boa Vista está para o seu momento ascendente, os

documentos de Araxá e Teresópolis. No tocante à dimensão ideopolítica, a expectativa também não se

comprovou cabalmente: nos dois seminários, notadamente no do Alto da Boa Vista, é perceptível um movimento

de abertura a referências distintas do caldo conservador.” (NETTO, 2011, p. 195). 17 Parte integrante do documento do seminário de Araxá, em 1967. 18 “Em 1925 é criado o Conselho Nacional do Trabalho e, em 1926, a ortodoxia liberal da primeira Constituição

republicana e parcialmente rompida. Por meio da Emenda Constitucional a legislação do trabalho passa à alçada

do Congresso Nacional, abrindo-se caminho à intervenção do Estado na regulamentação do mercado de trabalho.

Nesse ano e no seguinte são aprovadas leis que cobrem uma parcela importante da chamada “proteção ao

trabalho”, como a lei de férias, acidente de trabalho, código de menores, trabalho feminino, seguro-doença etc.”

(IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p. 141).

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educacional: a criança passa a ter a mesma ordem de influencias na escola e no lar.”

(PINHEIRO, 1985, p. 45).

O Serviço Social, nesta perspectiva, passa a exercer uma influência que perpassa o

âmbito escolar, que penetra o convívio familiar e o mobiliza com finalidade da manutenção da

ordem social pelos bons costumes, preconizando que estaria a garantir maior eficiência ao

trabalho social realizado com as classes menos abastadas, como destaca Pinheiro,

“[...] criar-se um conjunto de medidas de ajuda as famílias, provendo o lar do

mínimo de base econômica, de vida higiênica e sadia despertando na pobre

gente ignorante que o povoa a consciência do caminho natural da existência

humana, dentro dos diferentes quadros sociais.” (PINHEIRO, 1985, p. 45).

ou ainda, “O indivíduo em face dessa ação generalizada é, apenas, uma simples unidade, no

todo [...].” (PINHEIRO, 1985, p. 125). Conforme a autora, esta mesma perspectiva

pragmática e culpabilizadora estava presente também no âmbito da política educacional e no

cotidiano das escolas, desta forma, o Serviço Social era requisitado a intervir no cotidiano

escolar para visitar as famílias dos alunos, a fim de conhecer a realidade dos mesmos e

aconselhar os pais sobre os hábitos considerados sadios à criança e à família, ou de como

conciliar o ofício nas fábricas com os afazeres domésticos. (PINHEIRO, 1985, p. 54-55).

A atividade profissional relativa a este período estava embebida da influência norte-

americana, o Serviço Social de caso, grupo e comunidade teve origem nas escolas americanas

como modelo a ser implantado no Brasil, visto que nos Estados Unidos, o Serviço Social

Escolar já vinha sendo implementado há algum tempo. Isto é notável a partir da análise da

realidade social explicitada por Pinheiro.

A nossa legislação atual exige nas fábricas onde trabalha um certo número

de menores e de mulheres-mães a instalação de escolas e creches. Isto,

entretanto, não é ainda suficiente, precisamos de orientadoras sociais, que

realisem a educação familiar, preparando a mulher para exercer seus

encargos com alegria e gôsto, no lar ou fóra dele. Os resultados dessa

educação podem ser verificados nos países de melhor aparelhamento

industrial. A desorganização na vida familiar operária traz graves

consequências para as empresas e consequentemente para a economia

nacional. (PINHEIRO, 1985, p. 55, grifo nosso).

Assim, a profissão buscava nos atendimentos realizados com as famílias, crianças e

professores, por meio de visitas domiciliares, aplicar instrumentais de investigação (como o

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inquérito social)19 como forma de detectar a origem dos problemas de aprendizagem ou de

possíveis desajustes, e, era compreendido como o elo entre a escola, a família e a indústria.

Ou seja, o exercício profissional personificava os laços do controle social imputados à classe

trabalhadora para a necessidade da burguesia nacional de industrialização do país conferindo

a este fazer profissional caráter policialesco.

No entanto, nas décadas de 1960 e 1970 devido a novas demandas que não cessam de

emergir diante da nova realidade social que se expressa tem-se a necessidade de buscar por

leituras que primassem pelo entendimento da realidade brasileira, ou de acordo com Netto,

Quanto a ‘realidade brasileira’ [...] ninguém a localiza, exceto na anotação

segundo a qual ‘a necessidade do conhecimento da realidade brasileira é o

pressuposto fundamental para que o Serviço Social nela possa inserir-se

adequadamente neste seu esforço atual de reformulação teórico prática.’

(NETTO apud CBCISS, 2011, p. 175).

Assim, começa-se a emergir a necessidade de um projeto profissional que prime por

um rompimento com as bases teórico conservadoras da profissão e que se vincule com as

necessidades da classe trabalhadora na qual o próprio profissional se encontra inserido, sendo

que este movimento, “Trata-se de um esforço presente no discurso e na prática dos assistentes

sociais brasileiros, cujas raízes históricas começam a explicitar no final da década de 50 e

início de 60, retomando com toda força na década de 80.” (SILVA, 1999, p. 27- 28).

Conforme Silva (1999) é visível que a construção do projeto profissional tem seu

embrião na discussão progressista que tomava corpo na América Latina. Este projeto tem sua

divulgação através do movimento de reconceituação do Serviço Social, sendo que a

preocupação central deste estava na busca pela qualidade teórica e recriação da profissão, e

que se fundamentasse no compromisso de classe, propondo um rompimento com a base

liberal e positivista, assim como com a neutralidade que marcava a profissão até então.

Nesse contexto de efervescência política que vislumbrava uma real participação da

sociedade civil na construção da democracia, os assistentes sociais contribuem no avanço para

a consolidação do processo de transição para a nova realidade, esboçando uma compreensão

estrutural e conjuntural deste novo cenário de grandes transformações, articulando com os

19 “Como já fizemos em relação a alguns casos de menores abandonados e anormais, vamos transcrever os

resultados dos inquéritos sociais que realizámos, em função do nosso cargo, referentes a menores processados

perante o Juízo de Menores nestas circumstâncias. Não temos a intenção de valorizar nosso esforço, mas

evidenciar a necessidade de ser organizado, com urgência, o corpo dos assistentes sociais, como auxiliadores

imprescindíveis à justiça para menores. Os menores processados são enviados ao Laboratório de Biologia

Infantil, para os exames médicos-psicológicos-pedagógicos e para as investigações do inquérito social. Estando a

nosso cargo esta última parte [...].” (PINHEIRO, 1985, p. 109).

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movimentos sociais populares e primando pela construção de um novo projeto de formação

profissional com rebatimentos na prática profissional.

A partir desse marco, no contexto da reorganização política da sociedade civil, em

defesa da democracia e da ampliação de direitos civis e sócio-políticos, os valores ético-

políticos inscritos no projeto profissional de ruptura adquirem materialidade, o que se

evidencia na organização política da categoria, na explicitação da ruptura com o

tradicionalismo profissional e no amadurecimento da reflexão de bases marxistas, que são

cristalizados com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988,

no que tange especialmente aos direitos sociais. (CFESS, 2009).

A discussão em torno da participação do Serviço Social na educação não é recente,

porém, é na década de 1990 que o assunto adquire maior visibilidade, isto é, quando os

direitos sociais são reconhecidos na Constituição de 1988 e posteriormente com o

amadurecimento do projeto ético político da profissão, juntamente com o processo de

redemocratização do país. (CFESS, 2011).

Incorporou-se ao debate o parecer n° 23/200020 que trata da obrigatoriedade acerca da

implantação do Serviço Social nas escolas da rede pública de ensino fundamental e médio.

Este parecer detém a justificativa de que tal medida é de extrema relevância e contribuirá com

o aperfeiçoamento dos mecanismos democráticos que possibilitam e garantem com

efetividade a continuidade dos estudos e a permanência das crianças e adolescentes nas

escolas. Deste modo a inserção dos profissionais do Serviço Social nas escolas se mostra

pertinente e está em acordo com as atribuições relativas as competências profissionais

estabelecidas através dos artigos 4º e 5º da Lei n° 8.662/1993. (CEFESS, 2011).

O conjunto do Conselho Nacional de Serviço Social (CFESS) e Conselho Regional de

Serviço Social (CRESS) contribui nessa luta com as Comissões Temáticas de Educação, com

discussões e debates, com o Grupo de Estudos sobre Serviço Social na Educação (GT),

deliberado no 30° Encontro Nacional. A partir daí foi elaborado alguns documentos para

nortear os assistentes sociais no que tange o âmbito educacional, sendo o primeiro de

intitulado “Serviço Social na Educação” em 2001, “Parecer sobre os projetos de Lei que

dispõem sobre a inserção do Serviço Social na Educação” em 2005, e ainda, “Subsídios para o

Debate sobre Serviço Social na Educação”, de 2011. (CFESS, 2011).

Após o rompimento com o conservadorismo e a construção de legislações que

embasam a prática profissional, foi possível avançar no entendimento da importância da

20 De autoria da Dra. Sylvia Terra, assessora jurídica do Conselho Federal de Serviço Social.

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inserção dos profissionais Assistentes Sociais na Política de Educação e nas escolas não mais

com caráter higienista, de vigilância, mas como um profissional que pode intervir na realidade

social através da promoção de acesso aos direitos sociais. Isto pode ser concretizado mediante

a articulação da profissão com profissionais de outras áreas, o que constitui o caráter

interdisciplinar que pode possibilitar uma intervenção conjunta diante da realidade social, sem

deixar de lado a teoria e o compromisso ético-político que norteia a categoria profissional.

Assim, a inserção do Assistente Social na área da educação não se mostra apenas

como um desejo da categoria por mais espaço de atuação profissional, mas como um espaço

de possibilidades onde a educação enquanto direito social possa se desenvolver como um dos

meios para concretização da cidadania e da democratização dos direitos. De igual modo, este

é um espaço sócio ocupacional onde a intervenção profissional diante das demandas

possibilita uma práxis transformadora. No entanto, cabe a reflexão sobre a inserção dos

assistentes sociais na política educacional com o entendimento de que a educação é um

processo social que envolve diferentes dimensões da vida, como as relações sociais,

familiares e comunitárias, possibilitando novas formas de sociabilidade onde o acesso aos

direitos sociais é fundamental.

2.3 MEDICALIZAÇÃO NA INFÂNCIA: REGRESSO AO HIGIENISMO?

Este item tem por objetivo apresentar brevemente o contexto histórico em que a

infância passa receber atenção dos serviços de higiene através da escola, perspectiva esta que

regressa na atualidade. Buscar-se-á também discorrer brevemente acerca da história da

construção da disciplina e de que maneira a higiene se configurou e adquiriu espaço no

âmbito escolar. Busca-se assim, aproximações acerca do objeto deste estudo, ou seja, a

medicalização como uma expressão da “questão social”.

Nota-se no panorama atual que cotidianamente muitos alunos são rotulados como

difíceis, desequilibrados, depressivos, maníacos, bipolares, agressivos, introvertidos, e muitos

passam a engrossar a fila de espera para atendimento em serviços públicos de saúde em todo o

país. Acredita-se conforme Rosa (2010), que há um notório regresso no campo educacional ao

se transformar em patologia algo que é produto das dificuldades vividas no sistema escolar,

sendo este espaço fruto de políticas que com o passar do tempo se tornaram obsoletas e que

procuraram dificultar que a escola desempenhasse seu papel social e político.

Deste modo, para Luengo (2010), essas práticas que pretensamente visam identificar e

tratar alunos, na verdade fazem parte de um processo de enquadramento, alimentado por

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valores excludentes e preconceituosos disseminados pelos ideais capitalistas, sendo a

medicalização mecanismo para tratar o que se encontra fora da “normalidade”. Assim é

notável que os primeiros “diagnósticos” de possíveis distúrbios21 em relação a alguma

dificuldade social da criança parte da escola, que identifica e analisa o ser a partir de

manifestações comportamentais e não sob o viés da realidade concreta na qual este ser se

encontra.

Conforme a autora, “Ao longo da história, foram vários os nomes dados aos distúrbios

de aprendizagem, e sempre sob influência da literatura norte-americana, que contribui para o

crescimento desenfreado da indústria fármaco - psicotrópica.” (LUENGO, 2010, p. 68). Não

diferente, isto ainda se perpetua em nossos dias devido a ligação histórica entre a medicina

higiênica e a área educacional, principalmente na passagem do Brasil colonial para a

metrópole.

Este contexto tem sua gênese no período joanino22 e se intensifica com a passagem do

século XVII para o XIX onde conforme explicita Costa (2004) os sujeitos vão abandonando

gradativamente o terreno da lei e adentrando o espaço da norma23, desta maneira, esta ação

permite que componentes de antigos dispositivos de controle como a militarização e a

pedagogia jesuíta sejam reaproveitados e redirecionados com novas finalidades.

Conforme Costa (2004), o Estado moderno volta-se paulatinamente para o

desenvolvimento industrial, e com isto tem a necessidade de controlar tanto demográfica

quanto politicamente a população, para que esta se adequasse as novas formas de produção e

necessidades apresentadas pelo mercado. Para isto, o Estado utilizava-se de meios de controle

21 “A palavra distúrbio compõe-se do radical turbare e do prefixo dis. O radical turbare significa “alteração

violenta da ordem natural” e pode ser identificado também nas palavras turvo, turbilhão, perturbar, conturbar. O

prefixo dispor seu significado – “alteração com sentido anormal, patológico” - possui, intrinsicamente valor

negativo. É exatamente por esse significado que é um prefixo muito usado na terminologia médica. Assim,

retomando a palavra distúrbio, podemos traduzi-la por “alteração violenta na ordem natural por anormalidade

patológica”. [...] distúrbio de aprendizagem remete a um problema, a uma doença do não aprender.”

(COLLARES; MOYSÉS, 2010, p. 74). 22 1808 a 1821 – período em que a corte portuguesa se instala no Brasil, neste mesmo ano são autorizadas as

atividades industriais na colônia. Surgiram muitas fábricas e manufaturas, sendo que país, até aquele momento,

era completamente agrário. 23 A lei, através da repressão, busca principalmente negar, desqualificar, obstruir a via de acesso do indesejável.

A norma, embora possa incluir em sua tática o momento repressivo, visa prioritariamente prevenir, produzindo

fatos novos. A regulação é o mecanismo de controle que estimula, incentiva, diversifica, extrai, majora ou exalta

comportamentos e sentimentos até então inexistentes ou imperceptíveis. Pela regulação os indivíduos são

adaptados à ordem de poder não apenas pela abolição das condutas inaceitáveis, mas, sobretudo, pela produção

de novas características corporais, sentimentais e sociais. Segundo Foulcault, o século XIX assistiu à invasão

progressiva do espaço da lei pela tecnologia da norma. O Estado moderno procurou implantar seus interesses

servindo-se, predominantemente, dos equipamentos de normalização, que são sempre inventados para solucionar

urgências políticas. (COSTA, 2004, p. 50-51).

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junto as famílias, buscando disciplinar a “prática desenfreada da concepção”24 e os cuidados

físicos das crianças e para além, no caso dos mais pobres, “prevenir as perigosas

consequências políticas da miséria e do pauperismo”, e para tanto, esta intervenção estatal não

poderia lesar as liberdades individuais, que é o sustentáculo da ideologia liberal. (COSTA,

2004).

Deste modo, iniciam-se dois tipos de intervenção normativa, a medicina doméstica e

campanhas de moralização e higiene da coletividade, estas que em defesa da saúde física e

moral das famílias, passam a serem efetivadas como uma política de Estado em benefício dos

cidadãos. (COSTA, 2004).

A medicina doméstica atuava no interior da burguesia, reorganizando as famílias em

torno da conservação e educação das crianças, assim como o controle de natalidade. Já as

campanhas de moralização e higiene da coletividade eram destinadas às famílias

empobrecidas e mantinham forte elo entre filantropia, assistencialismo e medicina que tinham

como principal intuito o de “[...] manobrar os laços de solidariedade familiar e usá-los,

quando preciso, na represália aos indivíduos insubordinados e insatisfeitos.” (COSTA, 2004,

p. 52). Desta maneira, o Estado vai adquirindo status de mantenedor da saúde, bem-estar e

progresso da população, do mesmo modo que “[...] Todo o trabalho de persuasão higiênica

desenvolvido no séc. XIX vai ser montado sobre a idéia de que a saúde e a prosperidade da

família dependem de sua sujeição ao Estado.” (COSTA, 2004, p. 63).

No século XIX, com o início das primeiras legislações pertinentes a educação, e sob

nova roupagem, a medicina social passa a ver a escola como lugar propício para a construção

do corpo dócil para resultar no adulto do porvir, um sujeito servil, submisso a ordem e a

pátria. O ambiente escolar passa a ser um local conveniente para que a medicina influenciasse

principalmente no que tange o comportamento de cada ser, conferindo neste espaço, o seu

poder disciplinador, fazendo uso da justificativa de que a família não precisaria de demandar

o seu tempo para desenvolver tal ação e que seria diretamente “beneficiada”25 com a

modificação das condutas infantis, assim, não seria necessário “[...] castigar os cidadãos,

24 “O instinto de propagação, por sua natureza biológica não poderia ser educado. O amor-paixão, pelo contrário,

continha em sua composição ambígua a possibilidade de ser domesticado e reorientado para fins sociais [...]. O

amor higiênico, em oposição, era humano, filho da biografia <<burguesa>> e da biologia médica. Essa

recondução do amor ao espaço do corpo era o prenúncio de seu futuro deslocamento para o Estado.” (COSTA,

2004, p. 65). 25 “Dessa forma, a medicina passou a ser recebida e internalizada pela família, que pôde reconhecê-la como

padrão regulador dos comportamentos, brecando toda e qualquer conduta que se desviasse do padrão desejado

pelos higienistas. Se o objetivo principal do Estado era combater os maus hábitos entre os adultos, isso só ocorria

com a intenção de que a criança fosse influenciada com hábitos saudáveis, pensando sempre no adulto do

amanhã que contribuiria para o progresso.” (LUENGO, 2010, p. 33).

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deveriam prevenir pensando nos adultos de amanhã.” (LUENGO, 2010, p. 31). Este adulto de

amanhã deveria se constituir num ser sujeitável e submisso, “dócil” a ideologia empregada e a

disciplina imposta, ou seja, o cidadão ideal. Assim, a medicina passa a atuar de modo mais

próximo das pessoas, a partir de uma prática filantrópico-assistencialista que passa intervir na

vida privada sem que isto fosse notado como tomada territorial.

Conforme Luengo (2010), a escola foi concebida como local pertinente para a

continuidade da ordem social, ou seja, onde a ética e os valores burgueses regem as condutas

do convívio social que modelam o indivíduo para que tanto sua vida privada quanto social ou

familiar sigam atreladas aos anseios políticos desta classe, e não sob a perspectiva de

valorização do ser e de suas singularidades que compõem o todo numa interação contínua.

Deste modo, a educação passa a ser atribuída a um ambiente controlador e disciplinador, que

não corresponde ao caráter livre, criativo e comunicativo, característicos da infância.

A patologização escolar conforme Collares e Moysés, “[...] consiste na busca de

causas e soluções médicas, a nível organicista e individual, para problemas de origem

eminentemente social.” (COLLARES; MOYSÉS, 1985, p. 10). É evidente que não se pode

realizar qualquer trabalho pedagógico sem uma rotina escolar, entretanto, esta deve ser

construída cotidianamente com a finalidade de se colocar a serviço da função social da escola,

ou seja, socializar conhecimentos e desenvolver o potencial crítico e questionador inerente ao

ser.

Para Luengo, a escola prima pela valorização da ordem e com isto deixa de promover

práticas de vivência democrática passando a impor normas disciplinares que tem como

finalidade a modificação de comportamentos tidos como desviantes, atribuindo a

medicalização uma forma de padronização. Seguindo a mesma lógica, alguns profissionais da

educação levam para as salas de aula a legitimação na detenção do conhecimento dominante,

um lugar propício para a transmissão de conhecimento, sem levar em conta as necessidades e

particularidades do aluno, se transformando deste modo, “num agente de reprodução

econômica e cultural de uma sociedade fragmentada que aliena, tirando do indivíduo o

aspecto crítico que ‘cega’ a dominação de classe, de gênero e de raça.” (LUENGO, 2010, p.

67).

A escola ao deter como característica primordial a propagação do saber, deveria

possibilitar através deste, o desenvolvimento de formas mais elaboradas de pensar, sentir e

compreender a sociedade em que se está inserido, ou seja, o mundo. Este processo deve ser

dinâmico e interativo – visto que a sociedade passa por transformações frequentes, e ainda

mais impactantes a partir da segunda metade do século XX - não deve ocorrer de forma

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passiva e mecânica. Deve-se manter o foco de que o processo educacional, social, político e

cultural se constroem nas relações do homem com o contexto social e, ao mesmo tempo, é

determinado pela singularidade inerente ao ser e do respeito a esta característica peculiar a

cada ser. (LUENGO, 2010). No entanto,

Com o desejo obstinado de produzir, próprio da sociedade capitalista, a

escola se destina ao desenvolvimento de um espaço em que a prioridade seja

a produtividade, e ao mesmo tempo, a obediência às leis, que na maioria das

vezes não vem através de uma conscientização de cidadania, mas numa

forma alienante, que destrói o aspecto crítico e questionador da infância com

o objetivo de priorizar o sistema produtivo. (LUENGO, 2010, p. 65).

Assim, nos ambientes escolares está sempre em cheque normas e critérios adotados

de modo genérico que embora tenham sido construídos historicamente, são adotados de modo

natural, como uma verdade cristalizada de modo arbitrário, que não levam em consideração o

aspecto singular do ser, e, por outro, cria-se a expectativa que ao entrar na escola, os alunos

rompam de maneira imediata com as formas de comportamento cotidianas, e que venham a se

adaptar instantaneamente a estas, e os que têm alguma dificuldade nesta adaptação tem de ser

normalizados ou silenciados, ou como em alguns casos, medicalizados.

Deste modo, na sociedade ocidental vem crescendo a transferência de expressões

resultantes das relações de (re)produção social para a área médica, ou seja, a transformação de

questões de origem coletiva, de ordem social, econômica e política serem reduzidas a

questões individuais e biológicas, ou seja, conforme Collares e Moysés, este modo de

definição “[...] iguala o mundo da vida ao mundo da natureza. Isentam-se de responsabilidade

todas as instâncias de poder, em cujas entranhas são gerados e perpetuados tais problemas.”

(COLLARES; MOYSÉS, 2010, p. 72).

Ou seja, as expressões da “questão social”, são transformadas por meio de operações

discursivas, em algo com origem e solução no campo médico, sendo que este processo se

mantém inalterado em todos os campos científicos dela derivados, não podendo se deixar de

lado que “[...] a medicalização naturaliza a vida, todos os processos e relações socialmente

constituídos e, em decorrência, desconstrói direitos humanos, uma construção histórica do

mundo da vida.” (COLLARES; MOYSÉS, 2010, p. 72).

No que tange as expressões da “questão social” que acometem a infância, pode se

elencar: mães com licença maternidade muito curta; pais que tem uma carga horária extensa

de trabalho e que devido a isto não tem condição de estarem presentes na vida dos filhos;

mães com dupla ou tripla jornada de trabalho; comerciais que a todo momento bombardeiam

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o consumismo; crianças que passam horas em frente a televisão ou ao computador devido à

falta de atividades de lazer e onde praticá-las; crianças vítimas de abuso sexual, psicológico e

físico negligenciados; crianças sem acesso a tratamento psicológico, psicopedagógico,

médico, e dentre estas a medicalização que entra como forma de ocultar algo que é

conjuntural.

Deste modo, a medicalização na infância vem como consequência da junção entre

saúde e educação, como elementos interligados na implantação de um programa de

normalização e moralização, visando a geração e manutenção de um forte pilar social, ou seja,

a ordem advinda dos bons hábitos, que faz com que a educação se torne alvo do poder

médico. Para Collares e Moysés (1994), o conceito de medicalização é similar ao de

patologização, ou seja, se refere ao processo de conferir uma aparência de problema de saúde

ao que tange outras questões, que geralmente estão ligadas à natureza social.

Assim, Angelucci e Souza (2010), reforçam que este termo está fortemente presente na

tendência de fazer com que a produção social e institucional das dificuldades de escolarização

seja artificialmente transformada (e ocultada) por meio da atribuição destas a um suposto

distúrbio orgânico dos alunos.

Deste modo, e para a garantia desta normalização estes ambientes sociais se utilizam

de dois meios, sendo estes, conforme Luengo (2010) para a rotulagem destes indivíduos seja

pela biologização, que se explicita na utilização recorrente de explicações de caráter biológico

para descrever e analisar fenômenos, onde há o deslocamento da análise da sociedade para o

indivíduo e, muito particularmente, para o organismo do indivíduo. E ainda a psicologização,

ou seja, a utilização recorrente de explicações de caráter psicológico para descrever e analisar

fenômenos, desconsiderando seu processo de produção social. (LUENGO, 2010).

Assim, um dos transtornos que recebe encaminhamentos do setor escolar para a saúde,

é o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)26. Segundo Rapello, o TDAH

encontra-se entre os transtornos psiquiátricos mais comuns da infância, apresentando sintomas

como transtornos do humor comórbido27, ansiedade e incapacidade de aprendizagem,

26 TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - pelo DSM-IV (Manual de Diagnóstico e

Estatística dos Transtornos Mentais, American PsychiatricAssociation) ou Transtornos Hipercibernéticos é

segundo a CID -10 (Classificação Internacional de Doenças, Organização Mundial de Saúde – 1993), na

atualidade, o transtorno com maior frequência de encaminhamentos de crianças a centros especializados de

neurologia pediátrica. Também é considerado pelos especialistas como um transtorno mental crônico, o qual

evolui ao longo da vida e que, segundo eles, a criança manifesta logo na educação infantil. (LUENGO, 2010, p.

19). 27 “Comorbidade é um termo usado para descrever a ocorrência simultânea de dois ou mais problemas de saúde

em um mesmo indivíduo. Esse é um fenômeno freqüente na prática clínica, e sua identificação é um fator

importante que afeta tanto o prognóstico dos pacientes como a conduta terapêutica do médico.” (TERMOS

MÉDICOS, 2014).

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podendo aparecer desde a idade pré-escolar, acompanhado de comportamento hiperativo

seguido de problemas de atenção. (RAPELLO 2011).

Segundo Collares e Moysés (1994), o TDAH, concomitante ao uso do metilfenidato28,

no âmbito escolar surge como justificativa para a repetência e o atraso, ou seja, crianças que

apresentam comportamentos que não correspondem ao esperado ou desejado, são tidos como

portadores do transtorno, e os pais, influenciados pelas queixas dos educadores, passam a

procurar ajuda médica e psicológica no intuito de apaziguar tais comportamentos tidos como

desviantes.

Assim, conforme Eidt (2007) e Luengo (2010) há muitas semelhanças nas descrições

comportamentais de crianças e adolescentes com diagnóstico de TDAH29 e aqueles

considerados indisciplinados ou com dificuldade de aprendizagem. Porém, apesar da clara e

assumida complexidade do diagnóstico (que deve ser feito por uma equipe multidisciplinar),

da imprecisão na própria definição do transtorno, do desconhecimento sobre todos os fatores

envolvidos na ação do medicamento sobre o sistema nervoso central e das advertências feitas

pelo próprio fabricante sobre reações adversas e riscos de dependência, o consumo do

medicamento tem aumentado em velocidade crescente.

2.3.1Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

Neste subcapítulo busca-se realizar a descrição dos sintomas relacionados ao TDAH

que é objeto deste estudo, descrevendo sob quais critérios é realizado o diagnóstico e como

são tratados os possíveis transtornos a fim de acrescentar argumentos elucidativos acerca do

problema desta pesquisa.

O TDAH é caracterizado conceitualmente por uma síndrome neurocomportamental30,

ou seja, com sintomas classificados em três categorias: desatenção, hiperatividade e

impulsividade, com nível inapropriado de atenção em relação ao que se espera para a idade;

com ou sem impulsividade e hiperatividade. (RAPELLO, 2011). Segundo os autores, estes

sintomas aparecem em dois ou mais ambientes distintos (casa e escola, e ou casa e trabalho),

28Metilfenidato – medicação utilizada para tratar “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade”, segundo

classificação do CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados a Saúde –

10ª Revisão. Organização Mundial da Saúde). (FIOCRUZ, 2014). 29 Será tratado no próximo item. 30 Decorrem de um mal funcionamento de estruturas cerebrais que modulam funções como atenção, linguagem,

memória e emoção. (FIOCRUZ, 2014).

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levando a distúrbios motores, perceptivos cognitivos31 e comportamentais, que desencadeiam

importante comprometimento funcional social, profissional e afetivo. À medida que o

indivíduo cresce, também há aumento das comorbidades32, especialmente no aspecto

psiquiátrico. (RAPELLO, 2011).

O critério para realização do diagnóstico se baseia fundamentalmente nos três sinais

principais que são identificados como déficit de atenção, a hiperatividade e a impulsividade,

com possíveis variações entre eles. A descrição da sintomatologia está definida pelos critérios

do Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (DSM-IV), devido à características

comportamentais as crianças com TDAH são facilmente reconhecidas em clínicas, escolas e

em casa. (RAPELLO, 2011, grifo nosso). A desatenção, a hiperatividade ou a impulsividade

como sintomas isolados podem resultar de muitos problemas de relacionamento, sistemas

educacionais inadequados ou podem estar associados a outros transtornos comumente

encontrados na infância e adolescência. Portanto, segundo Collares e Moysés, “[...] um

possível diagnóstico de TDAH, só é possível através da contextualização dos sintomas do

histórico de vida da criança.” (COLLARES; MOYSÉS, 2010, p. 80-81).

De acordo com Collares e Moysés (2010), o critério A do Manual Diagnóstico e

Estatístico das Doenças Mentais (DSM-IV), denominado Snap IV é composto por 18

perguntas, sendo que as nove primeiras se referem a desatenção e as demais a hiperatividade e

impulsividade. Deste modo, ao obter seis respostas positivas em um subgrupo, se obtém o que

seria o diagnóstico de predominância de déficit de atenção ou de hiperatividade no TDAH,

visto que a criança chega ao consultório por apresentar o quadro referido de sintomas, deste

modo, o referido questionário apenas atesta o grau do transtorno. Porém, cabe ressaltar que é

enfatizado que o primeiro questionário se constitui como critério A (Anexo A), no entanto,

deve ser analisado em conjunto com os demais critérios de um segundo questionário ou B.

Se a criança se enquadrar nos critérios, é então diagnosticada como portadora do

transtorno, assim: “[...] A medicina afirma que os graves – e crônicos – problemas do sistema

educacional seriam decorrentes de doenças que ela, medicina, seria capaz de resolver; cria,

assim, a demanda por seus serviços, ampliando a medicalização.” (COLLARES; MOYSÉS,

2010, p. 73), ou ainda o tratamento às “doenças do não-aprender”.

31 “As principais funções cognitivas são: percepção, atenção, memória, linguagem e funções executivas.”

(FIOCRUZ, 2014). 32 “Os estudos epidemiológicos realizados em crianças portadoras de TDAH documentam uma incidência

elevada de distúrbios psiquiátricos comórbidos (Rohde et al, 1999) incluindo Transtornos Disruptivos de

Comportamento (Transtorno Opositivo Desafiador, Transtorno de Conduta, Transtorno de Personalidade Anti-

social): 30 a 50% (Biederman 1991); Transtorno de Aprendizagem Escolar: 20 a 80%; Transtorno de Ansiedade:

8 a 30% (Biederman 1991); Transtorno do Humor: 15% e 75% (Biederman 2005), e Transtorno de Tics: 3.5 a

17% (Souza 2003).” (RAPELLO, 2011).

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Deste modo, contextualiza Collares e Moysés que “[...] é uma pretensa doença

neurológica jamais comprovada; inexistem critérios, diagnósticos claros e precisos como

exige a própria ciência neurológica; o conceito é vago demais, abrangente demais [...]”.

(COLLARES; MOYSÉS, 1994, p. 29). Ou ainda, conforme Luengo,

Para os neurologistas, o mapeamento cerebral não é suficiente para o

fechamento do diagnóstico, visto que poucos são os dados retirados no

exame e os instrumentos fundamentais para diagnosticar o paciente são: o

depoimento familiar e a opinião do professor que acompanha a criança.

(LUENGO, 2010, p. 70).

Assim sendo, a base para a avaliação diagnóstica do TDAH é formada pela história

clínica, observação do comportamento atual do paciente e relato dos pais e professores sobre

o comportamento da criança nos diversos ambientes que frequenta. A história clínica

pregressa sobre o comportamento é decisiva para definição diagnóstica, assim como a história

médica perinatal33 e os problemas relacionados à prematuridade. (LOWE, 2003 apud

RAPELLO, 2011).

O metilfenidato foi sintetizado pela primeira vez em 1944 por Leandro Panizzon, e em

1954 teve início alguns testes em humanos e comercializados somente em 1955 pela Ciba-

Geigy com o nome comercial de Ritalina, inicialmente indicado para o tratamento da

narcolepsia, um raro transtorno do sono. Somente a partir dos anos 1960, estudos começaram

a ressaltar os benefícios do metilfenidato para tratamento de crianças hiperativas e distraídas.

Hoje, sua principal indicação terapêutica é para o tratamento de Transtorno de Déficit de

Atenção e Hiperatividade (TDAH) em crianças. (BARROS, 2009 apud SHIRAKAWA,

2012).

O metilfenidato, medicamento utilizado para o tratamento do TDAH, é comercializado

pela empresa Novartis, produtora da Ritalina e da Ritalina LA (mesma substância, mas com

dosagens mais altas e de longa duração), Janssen Cilag, laboratório fabricante do Concerta, e

Shire, do recém-lançado Vevanse. (RAPELLO, 2011).

No Brasil conforme a Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998, o metilfenidato foi

inserido na lista A3 (substâncias psicotrópicas) sujeito a notificação de receita A. (BRASIL,

2013).

O site da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) é o primeiro que

aparece quando se faz uma busca virtual sobre TDAH. A associação, fundada pelo doutor

33 Que é relativo ou que acontece durante o período compreendido entre a 28ª semana de gestação e o 7° dia de

vida do recém-nascido. (TERMOS MÉDICOS, 2014).

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Paulo Mattos e um paciente em 1999, também realiza eventos para divulgar a causa e oferece

cursos de treinamento para professores. A entidade é patrocinada pelos laboratórios Novartis

(Ritalina), Janssen Cilag (Concerta) e Shire (Vevanse). A entidade promove com frequência

em parceria com a Novartis, cursos e concursos com a temática “Atenção Professor”, que tem

como objetivo “ajudar” os educadores a conhecer e lidar melhor com o TDAH, inclusive

utiliza de uma cartilha para instrução ilustrativa de como detectar o transtorno e realizar os

encaminhamentos necessários ao portador do mesmo.

Diante do exposto até aqui nota-se que o TDAH é atestado em decorrência de

condições sociais e do ambiente externo (escolas, ambiente doméstico, igreja, entre outros) do

que propriamente algo que possa se detectar através de exames específicos, por isso a

importância de uma realização criteriosa antes de se entrar com a medicação. Assim, nota-se

que a participação do profissional Assistente Social, numa ação interdisciplinar, com a

realização de estudos sociais, perícias, laudos, poderia oferecer maior embasamento para o

diagnóstico clínico seguro, pois a avaliação das variáveis implícitas no aspecto social são

vitais para tal intervenção.

2.3.2 Contextualização histórica acerca do Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS),

do Departamento de Saúde Mental e Farmácia Escola no município de Toledo -

PR

Cabe apontar neste item de forma breve antes de apresentar a sistematização e a

análise dos dados coletados no processo de pesquisa o contexto histórico da implementação

dos Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) e do Departamento de Saúde Mental como

instituição que atende crianças que necessitam de atendimento e tratamento na área da Saúde

Mental, como também da Farmácia Escola que faz a distribuição dos medicamentos

associados ao tratamento. Para que se possa corresponder a este quesito buscou-se

contextualizar sucintamente a construção da Saúde Mental no Paraná.

No estado do Paraná a Política Saúde Mental é pautada pela Lei nº 10.216/2001, a

Portaria nº 336/2002, a Lei nº 10.708/2003, Lei Estadual nº 11.189/1995 e o Decreto nº

7.508/2011 que promulga a ampliação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) como uma

rede indispensável nas regiões de saúde e a Portaria nº 3.088 de 23 de dezembro de 2011. Esta

portaria estende a RAPS para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com

necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único

de Saúde (SUS). (PARANÁ, 2014).

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As ações de Saúde Mental devem ser estruturadas a partir da conjuntura que se

manifesta através da “[...] realidade municipal, microrregional, regional, macrorregional,

observando-se a estruturação do sistema de referência e contra referência, a porta de entrada

do sistema e a rede de assistência de retaguarda, de acordo com as estruturas propostas na

política.” (PARANÁ, 2014).

No caso da assistência em saúde mental, o modelo de cuidado foi substituído pela

atenção psicossocial, que tem como propósito compreender o processo saúde-doença a partir

da determinação psíquica e sociocultural, considerando os conflitos e contradições

constitutivas dos sujeitos, e horizontalizar as ações, valorizando a equipe multidisciplinar,

afim de organizar as relações intra-institucionais. (PARANÁ, 2014). Além disso, a atenção

psicossocial entende que se a realidade é construída, também pode ser transformada, tendo

como princípio o trabalho pautado em ações éticas e terapêuticas que possibilitem a cidadania

e viabilizem a convivência social aos indivíduos em sofrimento psíquico.

(AMARANTE,1996).

No que se refere às questões socioculturais da atenção psicossocial, práticas sociais

têm sido construídas com o objetivo de transformar o imaginário social a respeito da loucura.

E quanto ao técnico-assistencial, as inovações desse modelo possibilitam a formação de uma

rede de serviços substitutivos. (AMARANTE, 2005). Dentro desse cenário, foram criados os

CAPS.

Os CAPS são modalidades de atendimento divididas em Centro de Atenção

Psicossocial I (CAPS I), Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS II), Centro de Atenção

Psicossocial III (CAPS III), Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS i) e Centro de

Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad).O CAPS I funciona em municípios que têm

entre 20.000 e 70.000 habitantes; o CAPSII, em municípios com população entre 70.000 e

200.000 habitantes; o CAPS III, em municípios com população acima de 200.000 habitantes;

o CAPS i, que realiza atendimento a crianças e adolescentes, em municípios com população

acima de 200.000 habitantes; e o CAPS ad, no qual é oferecido atendimento à dependência

química (álcool e outras drogas), em municípios com população acima de 100.000 habitantes.

(RABELO, 2006).

Além disso, os CAPS estão articulados a uma rede de atenção integral ao indivíduo em

sofrimento psíquico e a suas famílias, amigos e pessoas interessadas no cuidado em Saúde

Mental. Essa rede é constituída por Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades da

Estratégia de Saúde da Família (ESF), diferentes tipos de CAPS, que se classificam e são

estruturados de acordo com o número de habitantes de cada município, residências

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47

terapêuticas, centros comunitários, instituições de defesa dos direitos do usuário, pronto

socorros gerais, hospitais gerais, associações de bairro e associações de usuários. Nesse

contexto, o CAPS i se destina ao atendimento de crianças e adolescentes em sofrimento

psíquico, sendo um serviço que estabelece parcerias com as redes de saúde, educação e

assistência social para atender a população infanto-juvenil. (RABELO, 2006).

Deste modo, conforme a Secretaria de Saúde do Paraná (2014), o Estado declara a

seguinte relação de CAPS: CAPS I – 18 municípios; CAPS II – 02 – Arapongas e São José

dos Pinhais; CAPS III – 01 – Curitiba; CAPS ad – 04 - Campo Mourão, Arapongas, Francisco

Beltrão e Jacarezinho; CAPS ad III – 06 - Guarapuava (02), Toledo, Marmeleiro, Congoinhas

e Jandaia do Sul; CAPS i – 03 – Foz do Iguaçu, Paranavaí e Toledo.

No entanto, cabe ressaltar que o município de Toledo não conta com o CAPS i em sua

rede de atendimento. Esta rede é composta por três hospitais que prestam atendimentos à

crianças e adolescentes de forma particular, convênios e somente dois pelo SUS. O município

dispõe de dezenove Unidades Básicas de Saúde, sendo uma itinerante. Além disso, são

realizados atendimentos em outros equipamentos de saúde como Mini Hospital, Núcleo

Integrado de Saúde, Pronto Atendimento, Farmácia Básica, Clínica de Fisioterapia Infantil,

Centros de Atendimentos Psicossocial e Central de Especialidades e Departamento de Saúde

Mental (presta atendimento psicológico e psiquiátrico). Sendo dentre entes Centros de

Atendimentos Psicossocial: o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad) e o

Centro de Atenção Psicossocial Dr. Jorge Niisidi “Lugar Possível” - CAPS II. (TOLEDO,

2013).

O equipamento CAPS II atende conforme demanda, disponibilizando atendimentos

para crianças e adolescentes, nas áreas de: Terapia Ocupacional, Enfermagem, Psicologia,

Psiquiatria, Serviço Social, Arteterapia. Cabe salientar que tanto o CAPS ad quanto o CAPS

II trabalham em conjunto com o Departamento de Saúde Mental. (TOLEDO, 2013).

A assistência farmacêutica envolve a manipulação e dispensação de medicamentos,

este serviço é coordenado pela Farmácia Escola, realizando toda a organização e dispensação

dos medicamentos direta à população. O recebimento, controle e distribuição dos

medicamentos no município, são realizados através do almoxarifado central para as Unidades

Básicas de Saúde e Farmácia Escola. A dispensação dos medicamentos é realizada pela

Farmácia Escola e pelos dispensários nas Unidades Básicas de Saúde. Os programas de

medicamentos que fundamentam as ações desenvolvidas pela Assistência Farmacêutica são:

medicamentos básicos do elenco municipal; medicamentos da Atenção Básica e excepcionais

do Consórcio Paraná Mais Saúde; medicamentos excepcionais, medicamentos

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48

controlados/psicotrópicos e medicamentos da farmácia especial que são adquiridos com

recursos próprios da Secretaria da Saúde. (TOLEDO, 2013).

Diante da breve descrição sobre o funcionamento da rede de Saúde Mental no

município de Toledo, cabe no capítulo a seguir detalhar os procedimento metodológicos

percorridos para a realização desta pesquisa, ressaltando desde já que a coleta de dados foi

realizada na Secretaria da Saúde – Departamento de Saúde Mental.

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49

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ADOTADOS NA PESQUISA

O processo desta pesquisa se constituiu em dois momentos, o primeiro por meio da

pesquisa bibliográfica e documental para compor a base teórica, o segundo constitui-se na

pesquisa de abordagem quantitativa através da coleta de dados.

Segundo Guerra (2009), a atual formação dos assistentes sociais prima pela pesquisa

como requisito para o bom desempenho profissional e orienta a direção como estratégia para a

construção, capacitação e entendimento no desenvolvimento da sociedade e da “questão

social” que são incompreensíveis senão sob uma perspectiva crítica que tem por alicerce e

amparo a pesquisa.

É a necessidade profissional de atuar na realidade que faz com que a busca por

conhecimento seja algo que conduz para que a intervenção possa se efetivar, pois, não há

como mediar algo ou situação onde não se conhece o contexto que está inserido o objeto desta

intervenção, ou como contextualiza Luchesi, “[..] o conhecimento é a compreensão inteligível

da realidade, que o sujeito humano adquire através de sua confrontação com essa mesma

realidade.” (LUCHESI apud GUERRA, 2009, p. 705).

Esta pesquisa foi estruturada na abordagem qualitativa, assim, para Severino

(2007): “A ciência trabalha, pois, com raciocínios indutivos e com raciocínios dedutivos.

Quando passa dos fatos às leis, mediante hipóteses, está trabalhando com a indução;

quando passa das leis às teorias ou destas aos fatos, está trabalhando com a dedução.”

(SEVERINO, 2007, p. 105). A pesquisa é uma atividade que tem como condutor o

questionamento da realidade, ou seja, conforme Minayo (2004),

[...] nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em

primeiro lugar, um problema da vida prática. As questões da investigação

estão, portanto, relacionadas a interesses e circunstâncias socialmente

condicionadas. São frutos de determinada inserção no real, nele encontrando

suas razões e seus objetivos. (MINAYO, 2004, p. 17-18).

Para construção do referencial teórico foi utilizada a pesquisa bibliográfica, que

pressupõe “[...] um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao

objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório.” (LIMA; MIOTO, 2007, p.38). Esta

forma de pesquisa permite ao investigador pautar-se em dados de inúmeras publicações,

decorrentes de pesquisas anteriores, como livros, dissertações, teses e artigos auxiliando-o no

decorrer da investigação.

Para além da pesquisa bibliográfica, foi utilizada a pesquisa documental, que se

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50

constitui “[...] como uma técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja

complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos

de um tema ou problema” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986. p. 38). Com o uso da técnica de pesquisa

documental busca-se fundamentar as afirmações da acadêmica no decorrer da pesquisa, sendo

os principais documentos pesquisados e analisados os prontuários médicos das crianças que

fazem uso do medicamento metilfenidato, segundo critérios estabelecidos, recorrendo também

a outros documentos como leis, regulamentos, revistas, jornais, entre outros.

Para concretizar esta pesquisa se empregou o caráter exploratório que “[...] tem como

principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos idéias, tendo em vista a

formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.”

(GIL, 2008, p. 27).

Esta pesquisa teve como objetivo analisar a medicalização infantil, em especial no que

tange o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), concomitante ao uso do

medicamento metilfenidato como forma de camuflar uma das expressões da “questão social”.

O trabalho de campo permitiu ao pesquisador maior proximidade com o objeto a ser

estudado, além de estabelecer relações subjetivas com os sujeitos que compõem a realidade

através dos prontuários médicos, construindo assim, conhecimento empírico. (MINAYO,

2010).

Assim, para alcançar o objetivo proposto, no primeiro momento foi realizado o

levantamento dos dados, através da pesquisa documental nos prontuário médicos registrados

na Secretaria Municipal de Saúde – Departamento de Saúde Mental do ano de 2013. Cabe

ressaltar que a Farmácia Escola contribuiu com dados referente a quantidade do medicamento

distribuído no período compreendido entre 2012 a junho de 2014. Após ser realizado o

levantamento dos dados necessários à investigação, todas as informações foram analisadas de

acordo com o que pressupõe a abordagem qualitativa. Assim, após a realização das coleta de

dados iniciou-se a tabulação dos dados e interpretação dos mesmos a partir do problema e

objetivos.

Portanto cabe salientar que o levantamento dos dados só se iniciou após a aprovação

do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) (Anexo B).

Deste modo, os critérios de inclusão no que se refere aos prontuários médicos que

foram selecionados para sistematização e análise dos dados apresentaram as seguintes

características: prontuários médicos registrados no período compreendido a 2013; prontuários

médicos que se encontram na Secretaria Municipal da Saúde – Departamento de Saúde

Mental; prontuários médicos de crianças que fazem uso do medicamento metilfenidato na

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51

faixa etária de 06 a 12 anos. Foram identificados 201 prontuários, sendo que destes 106 se

encaixaram nos critérios pré estabelecidos.

Na sequência e com autorização da secretária de Saúde Denise Campos, através da

assinatura do Termo de Ciência do Responsável pelo Campo de Estudo (Anexo C) primeiro

momento foi realizado o levantamento dos dados presentes nos prontuários médicos, de

usuários de metilfenidato no ano de 2013, na Secretaria Municipal de Saúde – Departamento

de Saúde Mental com o auxílio de um Instrumental/Formulário de Coleta de Dados (Apêndice

A).

Desta forma, busca-se explorar as idéias expostas sobre a situação da medicalização,

confrontando-as com outras categorias como: difusão de diagnóstico, “questão social”,

infância, escola, saúde, ou seja, dialogar com os autores estudados.

A organização dos dados far-se-á através da referência inicial das categorias de análise

citadas acima, que

[...] consiste na organização dos dados de forma que o pesquisador consiga

tomar decisões e tirar conclusões a partir deles. Isso requer a construção de

um conjunto de categorias descritivas, que podem ser fundamentadas no

referencial teórico da pesquisa. Nem sempre, porém, essas categorias podem

ser definidas de imediato. Para se chegar a elas, é preciso ler e reler o

material obtido até que se tenha o domínio de seu conteúdo para, em

seguida, contrastá-lo com o referencial teórico. (GIL, 2002. p. 134).

Assim, procura-se estabelecer articulações entre os dados e o referencial teórico, que

servirão de suporte para que se possa responder o problema da pesquisa e dar conta de seus

objetivos. Como já foi destacado na metodologia proposta, os sujeitos pesquisados através dos

prontuários médicos pesquisados terão sua identidade preservada.

O sigilo para com as informações coletadas será com base no Código de Ética

Profissional do Assistente Social e CEP que dispõe que “O sigilo protegerá o usuário em tudo

aquilo de que o assistente social, tome conhecimento, como decorrência do exercício da

atividade profissional.” (CFESS, 2006, p. 22).

A pesquisa em si não oferece risco, tendo em vista que os prontuários que foram

analisados na mesma não serão identificados e não será realizada pesquisa com entrevistas

com os sujeitos citados nos prontuários, devido ao estudo do fenômeno, e não no que tange

a opinião pessoal.

Toda pesquisa de fato envolve, necessariamente, os fundamentos teóricos da

temática em estudo e também a realidade concreta pesquisada. Ao entrar em contato e se

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52

aprofundar na práxis que resulta deste processo de pesquisa, o pesquisador tem a

possibilidade de constituir-se como um profissional dinâmico, aberto às mudanças que

ocorrem na sociedade e ao mesmo tempo, reflexiva e transformadora.

Desta forma, a proximidade com a realidade concreta, a leitura e interpretação

crítica desta realidade e as reflexões teóricas sobre a prática podem possibilitar a formação

de um profissional atento às necessidades e demandas sociais, capaz de propor ações,

projetos e programas que considerem a realidade social, visando transformá-la.

Assim, pretende-se com essa pesquisa, explicitar como a medicalização infantil é

projetada como forma de mascarar uma das expressões da “questão social”. O material

produzido servirá ainda para auxiliar na produção de futuras pesquisas sobre o tema.

3.1 CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DOS PRONTUÁRIOS MÉDICOS

Neste item serão apresentadas de maneira sistematizada as informações coletadas nos

prontuários médicos, registrados no ano de 2013 na Secretaria Municipal de Saúde –

Departamento de Saúde Mental, buscando compreender a medicalização infantil utilizada

como meio de camuflar uma das expressões da “questão social”.

Gráfico 1 – Movimentação de estoque/consumo mensal 2012

Fonte: Farmácia Escola do Município de Toledo – PR.

Com base no gráfico acima verifica-se que, no ano de 2012, há uma redução notável

quanto ao consumo do medicamento nos meses de janeiro e fevereiro, período de férias

escolares, onde as crianças se encontram no ambiente familiar, é possível notar que em

fevereiro não há procura pelo medicamento. Deste modo pode-se perceber que conforme

Collares e Moysés (2010a), estas crianças não “incomodam” tanto no ambiente familiar

quanto no escolar o que as autoras denominam de medicalização do processo ensino

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

CO

MP

RIM

IDO

S/U

NID

AD

E

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53

aprendizagem, ou seja, o deslocamento do eixo de uma discussão político pedagógica para

causas e soluções pretensamente médicas, portanto, “inacessíveis” a educação e que teria que

se dar diante de uma profunda análise do contexto social historicamente construído.

De igual modo Luengo (2010) revela que a educação ainda oferece espaço para

práticas higienistas, como medicar crianças na escola (com a apresentação da receita e sob

recomendação médica), o permanente zelo pela higiene pessoal e a constante solicitação de

ajuda de profissionais da área da saúde para auxiliar no desenvolvimento educacional das

crianças.

Gráfico 2 – Movimentação de estoque/consumo mensal 2013

Fonte: Farmácia Escola do Município de Toledo – PR.

No gráfico 2 a mesma situação permanece, pode-se notar que a procura pelo

medicamento se mantém estável até fevereiro, aumenta de maio a novembro e decresce em

dezembro. No entanto, cabe ressaltar que nos meses de abril e maio a Farmácia Escola ficou

sem o medicamento para a distribuição devido à falta de matéria prima no mercado, este foi

um período de mobilização de pais e professores diante da falta do metilfenidato. (HIRATA,

2014). Há ainda um discreto aumento na distribuição do medicamento nos meses após abril

em relação ao ano de 2012. Sendo que no ano de 2012 foram distribuídos 86.585

comprimidos e em 2013, 90.660 comprimidos de metilfenidato.

02000400060008000

10000120001400016000

CO

MP

RIM

IDO

S/U

NID

AD

E

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54

Gráfico 3 – Quantidade de crianças por faixa etária

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2014.

Dos 106 prontuários pesquisados, 4 eram de crianças de 6 anos, 11 de crianças com 7

anos, 18 de crianças com 8 anos, 12 de crianças com 9 anos, 25 de crianças com 10 anos, 16

de crianças com 11 anos e 20 de crianças com 12 anos.

Observa-se que a maior incidência de uso do medicamento se dá entre os 10 e 12 anos,

fase em que as crianças estão entrando na pré adolescência, e ocorre a mudança de ambiente

escolar, ou seja, as crianças que até então estavam acostumadas com a escola desde o pré-

escolar, e com um único professor em sala durante todo o período encaram uma nova

realidade. Com a mudança para a escola de nível fundamental e médio, elas tem que se

ambientar com a grade de matérias, diferenciação devido a troca constante de professores

conforme a matéria e um recreio que não possibilita as brincadeiras que tinham no ensino

fundamental básico.

Gráfico 4– Sexo

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2014.

Destas crianças 22 são do sexo feminino e 84 do sexo masculino. Se mantém, diante

deste quadro, a condição preponderante do transtorno ao sexo masculino nos casos estudados

6 7 8 9 10 11 12

0

10

20

30

idade

mer

o d

e cr

ian

ças

22

84

0

20

40

60

80

100

FEMININO MASCULINO

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55

que não se distanciam da realidade do país. Assim conforme Shirakawa (2012) no Brasil, a

taxa de prevalência para esse transtorno varia de 2 a 6,3%, e entre crianças com idade escolar,

as do sexo masculino apresentam taxas maiores que as do sexo feminino, condição

semelhante encontra-se também na adolescência.

Diante desta situação Luengo (2010) dispõe que os especialistas alegam não saber

ainda se as meninas são menos acometidas pelo TDAH ou se o diagnóstico sofre prejuízo,

pois, conforme os especialistas, na menina o transtorno pode se apresentar de modo apático e

desanimado, e no menino seria o contrário demonstrando-se indisciplinado e desatento, o que

chama mais atenção dos professores, ou seja, o transtorno se comprovaria então estar mais

ligado a indisciplina do que algo supostamente biológico, e ainda, tanto crianças tidas como

apáticas e desconcentradas quanto as agitadas e agressivas enquadram-se na necessidade do

uso do metilfenidato.

Gráfico 5 – Quantidade de crianças que fazem uso de metilfenidato associado a outros

tipos de psicotrópicos no ano de 2013

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2014.

Constatou-se conforme o gráfico 5, que do total de prontuários pesquisados, em 37 as

crianças não fazem uso associado com outro tipo de substância, no entanto, em 69 observou-

se que as crianças fazem uso associado a outras drogas psicotrópicas, ou seja, substâncias que

podem causar dependência e que necessitam de receituário controlado, muitas delas possuem

tarja preta, sendo estas: fluoxetina, sertralina, imipramina, risperidona e clomipramina.

Cabe salientar que grande parte das crianças analisadas através dos prontuários

médicos recebem primeiramente o tratamento medicamentoso antes de qualquer análise

psicológica ou exame neurológico, entra-se com a medicação para posteriormente se

considerar outras variantes determinantes para o diagnóstico médico.

Diante do que se apresentou, nota-se que o contexto social em que a criança se

encontra não é estudado com profundidade para que se realize uma intervenção coerente com

as necessidades desta. Para tanto, é premente a necessidade da atuação do profissional do

Serviço Social tanto no âmbito escolar quanto na saúde (no que se refere ao aumento da

37

69

0

50

100

Fazem uso associado Não fazem uso associado

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quantidade de profissionais atuantes, visto que o Serviço Social já atua no âmbito da Política

de Saúde), estando deste modo em acordo com o que é preconizado na Lei nº 8662/1993, no

que se refere as atribuições privativas do Assistente Social. Deste modo, a criança que se

encontra em sofrimento psíquico que pode se dar devido a inúmeras variáveis, pode receber

um tratamento que não se finde em seu aspecto medicamentoso. E a participação do

Assistente Social neste processo além de possibilitar um aprofundamento na realidade social

pode possibilitar a efetivação da Política de Saúde, de Educação com respeito ao que é

preconizado nas legislações pertinentes à criança e ao adolescente.

Gráfico 6 – Quantidade de crianças que fazem tratamento medicamentoso com

metilfenidato de forma contínua ou esporádica

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2014.

O gráfico 6 demonstra que em 59 dos 106 prontuários médicos pesquisados as

crianças fazem uso esporádico da medicação, ou seja, em determinados períodos do ano. E as

outras 47 fazem o uso contínuo, não contendo a informação nos prontuários referente ao

motivo de por que algumas crianças fazem o uso contínuo e outras não. Deste modo, não há

como analisar os motivos implícitos a esta determinante. A partir disto, observou-se que uma

das possíveis variáveis para tal medida estaria elencada no gráfico a seguir.

59

47

Uso esporádico Uso contínuo

mer

o d

e p

ron

tuár

ios

pes

qu

isad

os

quantidade de crianças

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Gráfico 7 – Quantidade de crianças que recebem demais acompanhamentos

recomendados

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2014.

Conforme o gráfico acima, 81 crianças não recebem atendimento complementar ao

medicamentoso, ou seja, acompanhamento psicológico, psicopedagógico ou terapêutico; 23

recebem o atendimento complementar e 2 perderam a vaga ao atendimento complementar

devido à faltas.

Pôde-se notar ainda, que além da falta da instalação do CAPS i e de vagas no

Departamento de Saúde Mental - que não comporta somente atendimento às crianças e

adolescentes, mas também adultos e idosos - há falta de psiquiatras, neuropediatras,

psicólogos, assistentes sociais entre outros, que atendam através do Sistema Único de Saúde,

o que acaba gerando uma fila de espera pelo atendimento que pode acarretar na desistência do

tratamento.

Observou-se ainda que nos prontuários médicos analisados há o encaminhamento para

outras áreas como oftalmologia, otorrinolaringologia, fonoaudiologia e algumas solicitações

de exame neurológico, prática esportiva e teste de QI (Quociente de Inteligência). No entanto,

a maioria dos casos pesquisados, não receberam encaminhamento, mas que estes podem estar

recebendo atendimento psicopedagógico nas escolas, pois, a demanda por este serviço no

ambiente escolar é elevada.

Diante desta conjuntura, cabe ressaltar que a defesa e garantia dos direitos das crianças

e adolescentes tem como alicerce legal no Brasil o Art. 227 da Constituição Federal de 1988,

que preconiza que

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 2006).

2

23

81

0 20 40 60 80 100

Perdeu vaga devido a faltas

Recebem acompanhamento…

Não recebem atendimento…

Título do Eixo

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58

Isso reitera a importância da família enquanto base para a formação do sujeito, que

assim como a sociedade e o Estado possuem o dever de garantir o pleno desenvolvimento das

crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos. Perante este pressuposto cabe salientar

que o Assistente Social inserido tanto na Política de Saúde quanto na de Educação pode

viabilizar o acesso aos direitos, assim como, se posicionar conforme o Código de Ética

Profissional em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos

bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática.

(CFESS, 2001).

Gráfico 8 – Origem/natureza do atendimento da criança

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2014.

Com base no gráfico 8 pode-se notar que 72 dos casos analisados chegam ao

consultório médico devido a desatenção ou agitação, 11 por enurese34, 6 por doenças

neurológicas ou motoras e 17 por motivos diversos ou que não foram relatados. A maior

parte, ou seja, 72 casos pesquisados nos prontuários médicos tem relação com problemas de

aprendizagem, repetência ou de crianças que passaram de ano por conselho de classe, ou

ainda, que não apresentam boas notas. Em alguns dos prontuários analisados o profissional da

saúde solicitava o envio do relatório psicopedagógico da escola que a criança frequenta para

poder embasar o diagnóstico. Conforme Collares e Moysés (2010a), está implícito neste

contexto um

[...] cotidiano escolar que é permeado de preconceitos, juízos prévios sobre

os alunos e suas famílias, que impedem e não são abalados por qualquer

evidência empírica que os refute racionalmente. As crianças são [...]

imaturas, são preguiçosas; não aprendem porque seus pais são analfabetos,

34 “Micção involuntária e/ou inconsciente de urina, na maior parte das vezes sem causa orgânica. É geralmente

de causa nervosa e emocional, podendo, no entanto, ser causada por perda do controle esfincteriano.” (TEMOS

MÉDICOS, 2014a).

72

11 617

Desatenção e/ouagitação

Enurese DoençasNeurológicas/

motoras

Outros

0

20

40

60

80

100

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são alcoólatras, as mães trabalham fora, não ensinam os filhos [...].

(COLLARES; MOYSÉS, 2010a, p. 196).

Sendo assim, este discurso reforça que o ambiente escolar sob a ótica do atual modelo

de sociedade deveria ser perfeito, composto de sujeitos higienizados, no entanto, a realidade

social é permeada de situações conflitantes, que permeiam também as criança. No entanto, as

autoras salientam que mesmo os professores que procuram modificar este contexto através de

uma teoria crítica, o método pedagógico cerceia sua proposta, visto que ao se transformar uma

teoria em simples metodologia nega-se ao professor a possibilidade de através do

conhecimento e entendimento de uma teoria modificar de modo contínuo sua prática

pedagógica. (COLLARES; MOYSÉS, 2010a). Para tanto o Estatuto da Criança e do

Adolescente preconiza no Capítulo IV art. 53 a 59 que é uma das atribuições da Educação,

que “No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do

contexto social da criança e do adolescente [...]”. (BRASIL, 1990).

Em uma sociedade que preconiza a igualdade de gênero, raça/etnia e se firma na

desigualdade crer em mitos e preconceitos que coloquem nas pessoas a responsabilidade por

sua desigualdade é essencial para manutenção do capitalismo. Por isso é de grande valia a

inserção de Assistentes Sociais no âmbito da Educação assim como de demais profissionais

que primem por uma nova concepção diante do processo educacional. Para que, com a

colaboração interativa destes, a escola como equipamento social, se desenvolva tendo por

base processos educativos que promovam a capacidade crítica, pois, é necessário que além de

conhecer a realidade social esta promova uma interação com o ambiente escolar, que envolva

também neste processo a família e a comunidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa se constitui com o tema “Medicalização na infância” e com a

formulação do problema: qual a relação da medicalização infantil com a “questão social”?

Ressalta-se que o mesmo foi conhecido no decorrer do processo científico, pelo conjunto da

revisão bibliográfica e pesquisa documental. A hipótese “a medicalização maciça de crianças,

que fazem uso do medicamento metilfenidato, é utilizado como forma de estabelecer um

padrão no qual o sujeito se encaixe, justificando conduta de determinada patologia” foi

confirmada através da pesquisa documental, que reafirmou a variável que instigou esta

pesquisa.

Pode-se perceber com o primeiro capítulo deste trabalho que há uma relação intrínseca

no modo como e Estado burguês foi constituído e o capitalismo e que desta relação, voltada

para o mercado, resulta a “questão social” que é fator determinante para a criação das

políticas sociais. Assim, o trabalho como categoria que deveria promover a auto realização

humana se volta para o aspecto econômico e resulta em algo determinante para a manutenção

do modo de produção capitalista.

Deste modo, a educação é construída para atender as necessidades do mercado de

trabalho e não para a construção do ser social e suas necessidades singulares. Neste contexto,

conforme os autores estudados, a educação da forma como foi concebida se torna um dos

mecanismos de controle do capital. Pôde-se perceber que com o avanço das legislações

pertinentes à educação e principalmente em virtude da abertura democrática do país em 1988,

novas configurações no campo educacional são elaboradas e que podem promover uma

educação mais igualitária, inclusiva e participativa.

O segundo capítulo tratou do processo de construção da Política de Saúde no Brasil,

de que modo a medicina higiênica se desenvolveu nesta área (assim como na Educação), e de

que maneira a concepção de controle através das normas se fez valer neste processo,

sobretudo no que tange à infância. Com a Reforma Sanitária e a promulgação do SUS

(Sistema Único de Saúde) em 1988, é que se inicia a desinstitucionalização e a inclusão dos

indivíduos de forma gradual no país, mas que tem um significado muito importante no

aspecto social e na garantia de direitos que se estende a todos.

Neste capítulo, foi possível compreender que a ruptura com o conservadorismo no

Serviço Social foi determinante para que a categoria profissional se reconhecesse como uma

profissão que intervém nas relações sociais no contexto de uma sociedade de classes, cujo

objeto de intervenção são as refrações da “questão social”, que são mediadas pelo Estado

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através das políticas sociais e dentre elas a de Saúde e de Educação. Deste modo, nota-se que

as duas áreas tem demandado a inserção de Assistentes Sociais, ou seja, o aumento de

contratações de Assistentes Sociais na área da Saúde, visto que este já é um campo de atuação

e que a demanda é alta, e há poucos profissionais, no entanto esta pesquisa se ateve ao âmbito

da educação onde é premente a necessidade da intervenção profissional devido a diversidade

de demandas, dentre elas, a medicalização.

Foi abordado neste trabalho acerca da medicalização na infância que advém da

concepção de higiene do período em que o país deixa de ser colonial e passa a ser visto como

metrópole em decorrência da vinda da família imperial para o país. Neste contexto, a

educação, como uma prática social, passa a internalizar os valores do capitalismo, portanto,

como resultado dessa estrutura, a educação assume o compromisso de vincular a educação

escolar com a preparação de cidadãos para o mercado de trabalho, formando sujeitos

ideologicamente preparados para as necessidades decorrentes do modo de produção

capitalista.

Assim, o âmbito escolar se destina ao controle e padronização voltada para a geração

de uma população sadia e servil. É a raiz higiênica que confere uma padronização do

indivíduo que advém a medicalização, ou seja, o enquadramento do ser a determinações

previamente estabelecidas. Deste modo, a transformação de variáveis de origem coletiva, de

ordem social, ou seja, as expressões da “questão social” são transformadas por meio de

atribuições individualizantes em algo culpabilizador, que desfoca o que tem origem no

contexto social, ou ainda, refrações advindas do modo de produção capitalista para o

indivíduo.

Atualmente, uma das formas de atribuição a uma determinada patologia tem sido o

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que tem sua constatação

relacionada a crianças hiperativas e distraídas e que cujo tratamento recomendado se dá

através do metilfenidato que começa a ser indicado a partir de 1960, curiosamente período em

que a industrialização chega ao ápice.

A pesquisa foi realizada na Secretaria Municipal da Saúde – Departamento de Saúde

Mental, seguindo os seguintes critérios de inclusão: prontuários médicos registrados no

período compreendido a 2013; prontuários médicos que se encontram na Secretaria Municipal

da Saúde – Departamento de Saúde Mental; prontuários médicos de crianças que fazem uso

do medicamento metilfenidato na faixa etária de 06 a 12 anos. Destes foram identificados 201

prontuários, sendo que destes 106 se encaixaram nos critérios pré-estabelecidos, buscando

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compreender a medicalização infantil utilizada como meio de camuflar uma das expressões da

“questão social”.

Portanto, é notável diante dos dados pesquisados através da pesquisa documental que

há uma redução notável em relação ao consumo do medicamento nos meses de janeiro e

fevereiro, período de férias escolares, e que decresce significativamente em fevereiro.

Observou-se que a maior incidência de uso do medicamento se dá entre os 10 e 12 anos, fase

em que as crianças estão entrando na pré-adolescência e que além das mudanças hormonais

presentes neste período, ocorre também a alternância de ambiente escolar, ou seja, com a

mudança para a escola de nível fundamental e médio, elas tem que se ambientar com a grade

de matérias, diferenciação devido a troca constante de professores conforme a matéria e um

recreio que não possibilita as brincadeiras que tinham no ensino fundamental básico.

Se destacou que a condição preponderante do transtorno se refere ao sexo masculino

característica que permanece nos casos estudados em outras pesquisas realizadas no país.

Deste modo pode-se dizer que o transtorno se comprovaria então estar mais ligado a

indisciplina do que algo supostamente biológico, visto que os meninos se manifestam com

comportamento tidos como mais indisciplinados e desatentos, que pode chamar mais atenção

devido ao seu comportamento diante do contexto escolar.

Cabe salientar que grande parte das crianças analisadas através dos prontuários

médicos recebem primeiramente o tratamento medicamentoso antes de qualquer análise

psicológica ou exame neurológico, entra-se com a medicação para posteriormente se

considerar outras variantes determinantes para o diagnóstico médico. Em 69 dos prontuários

médicos pesquisados observou-se que as crianças fazem uso associado a outras drogas

psicotrópicas, ou seja, substâncias que podem causar dependência.

Assim pôde-se notar ainda, que a instalação do CAPS i no município é importante

para que a qualidade do atendimento à criança possa ser realizada em sua plenitude e não seja

reduzida apenas ao seu aspecto medicamentoso. A maior parte, ou seja, 72 casos pesquisados

nos prontuários médicos tem relação com problemas de aprendizagem, repetência ou de

crianças que passaram de ano por conselho de classe, ou ainda, que não apresentam boas

notas. Em alguns dos prontuários analisados o profissional da saúde solicita o envio do

relatório psicopedagógico da escola com a finalidade de dar embasamento ao diagnóstico.

Logo, é premente a necessidade da atuação do profissional Assistente Social tanto no

planejamento, formulação, execução e avaliação da Política de Educação quanto no âmbito

escolar, pois este profissional pode atuar de forma mais abrangente diante das demandas que

emergem do âmbito educacional, visto que os profissionais tem o compromisso com uma

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educação transformadora e emancipatória, baseados na democracia participativa. Pois a

Educação se configura como política social, a qual é de competência do Assistente Social

conforme inciso I do Artigo 4º da Lei nº 8.662/1993: “Elaborar, implementar, executar e

avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas,

entidades e organizações populares.” (BRASIL, 2011).

O profissional Assistente Social tem uma visão diferenciada diante da realidade social,

pois o projeto ético político do Serviço Social vai de encontro com as demandas emergentes

da educação, deste modo, numa equipe multiprofissional a participação do Assistente Social

pode gerar uma nova visão e promover a efetivação e garantia dos direitos no que tange os

estudantes e suas famílias.

Assim, questionar a forma como a sociedade é organizada, por instrumentos de

padronização e controle, significa desarticular os pilares de sustentação da educação, para que

esta se volte à valorização e necessidades singulares e subjetivas do ser e não apenas para o

caráter mercadológico imposto pelo capital.

Logo, há desafios a serem superados para que a educação possa promover a

liberdade como veículo na direção da cidadania plena, e da liberdade que é inerente ao ser e a

própria sociedade, um deles é a medicalização, que vem imputar ao indivíduo algo que tem

raiz na lógica excludente do modo de produção capitalista, que descola o sujeito da realidade

social na qual se encontra inserido e lhe atribui características de um ser a-histórico.

É importante analisar que para construção de uma nova ordem societária,

democracia, cidadania, direitos sociais, políticos e humanos não devem se dissociar, pois são

elementos interligados, dependendo um do outro para que mudanças concretas ocorram,

sendo assim, a realidade na qual nos encontramos à deriva é construída dentro de um processo

de transformações históricas, de mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas.

Consequentemente, tendo em vista este contexto, é importante buscar por alternativas que

busquem romper com a lógica excludente do capital.

Existem indivíduos com déficit intelectual, motor ou sensorial, mas porém, sobre que

parâmetros estamos a fazer uso para estabelecer tal medida? Deve- se levar em alta conta que

existem infinitas maneiras de pensar, agir, reagir, sentir dentre inúmeras formas de expressar

emoções, sentimentos, comportamentos e de lidar com saberes estabelecidos previamente, que

não levam em consideração o aspecto singular de cada ser preconizado na Constituição

Federal, Estatuto da Criança e Adolescente e demais legislações pertinentes. Atravessa-se um

momento em que uma reflexão é necessária para que o ser social seja enxergado como um

todo, e não sob uma perspectiva isolada do contexto social, econômico e político.

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Diante do exposto até aqui, há de se pensar numa prática educativa que se conceba

como inclusiva e que não envolva somente alunos, mas, também a comunidade escolar, como

pais, professores e demais profissionais que atuam na área. Que tenham como intuito dar um

passo à frente dentro da atual forma de sociabilidade, e que esta ação propositiva possa ser

considerada uma nova maneira para tornar os indivíduos autônomos e participantes realmente

de uma sociedade democrática, justa (no sentido de igualdade social, política entre outras),

que caminha dentro de um processo árduo rumo a uma sociabilidade igualitária na sua

essência, ou seja, onde a liberdade permita auto realização humana.

No entanto, cabe ressaltar que este processo só será alcançado por meio de atividades

educativas emancipatórias que não fique somente em palavras, mas em atitudes práticas que

transformem a realidade, e que se transcenda em um horizonte que se abre com novas e

diferentes expectativas para que a retaliação segregadora em toda a sua amplitude seja ela em

seu aspecto moral, social ou econômico deixe de fazer parte da atual sociedade.

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70

APÊNDICES

APÊNDICE A – Instrumental de Coleta de Dados................................................................. 71

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APÊNDICE A – Instrumental de Coleta de Dados

Título do Projeto: Medicalização – Uma expressão da “questão social” silenciada e reduzida

à normas, disciplina e controle.

Responsáveis: Ane Bárbara Voidelo (pesquisadora responsável) e Camila Fernanda Daniel

Koeche(pesquisadora colaboradora)

Sistematização de Informações dos prontuátios médicos selecionados segundo critérios, na

Secretaria Municipal de Saúde – Departamento de Saúde Mental, de crianças que fazem uso

do medicamento metilfenidato que foram registrados entre 2012 e 2013, (segundo a amostra

definida).

P

R

O

N

T

U

Á

R

I

O

S

Número do prontuário

Data de início atendimento

Data de alta médica

Natureza do atendimento

Encaminhamento solicitados

(psicopedagógico/psicológico,

entre outros)

Tipo medicação

Tempo que utiliza o

medicamento

Uso associado a outros

medicamentos (quais)

Principais

reclamações/queixas

Exames solicitados para

realização do diagnóstico

P

A

C

I

E

N

T

E

Sexo

Idade

Cor

Série Escolar

Nacionalidade

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ANEXOS

ANEXO A – Quadro de questionário SMV-IV (critério A) e Snap V (critério B)...........

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ANEXO B – Folha de Aprovação Comitê de Ética em Pesquisa......................................

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ANEXO C – Termo de Ciência da Responsável pelo Campo de Estudo – Secretaria da

Saúde – Departamento de Saúde Mental...........................................................................

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ANEXO A - Critério A do Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (DSM-IV),

denominado Snap IV:

Fonte:www.tdah.org.br

O questionário acima se constitui como critério A, no entanto, deve ser analisado em

conjunto com os demais critérios:

B) Alguns desses sintomas devem estar presentes antes dos 7 anos de idade;

C) Existem problemas causados pelos sintomas acima em pelo menos 2 contextos diferentes

(por exemplo, na escola, no trabalho, na vida social e em casa);

D) Há problemas evidentes na vida escolar, social ou familiar por causa dos sintomas;

E) Se existe um outro problema (tal como depressão, deficiência mental, psicose, etc.), os

sintomas não podem ser atribuídos exclusivamente a ele.

Fonte:www.tdah.org.br

1. Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da

escola ou tarefas

2. Tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades de lazer

3. Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com ele

4. Não segue instruções até o fim e não termina deveres de escola, tarefas e obrigações

5. Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades

6. Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em tarefas que exigem esforço mental

prolongado

7. Perde coisas necessárias para atividades (por exemplo: brinquedos, deveres da escola, lápis ou

livros)

8. Distrai-se facilmente com estímulos externos

9. É esquecido em atividades do dia a dia

10. Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira

11. Sai do lugar na sala de aula ou em outras situações em que se espera que fique sentado

12. Corre de um lado para outro ou sobe demais nas coisas em situações em que isto é

inapropriado

13. Tem dificuldade em brincar ou envolver-se em atividades de lazer de forma calma

14. Não para ou frequentemente está a “mil por hora”

15. Falam em excesso

16. Responde às perguntas de forma precipitada antes delas terem sido terminadas

17. Tem dificuldade de esperar sua vez

18. Interrompe os outros ou se intromete (por exemplo: mete-se nas conversas/jogos)

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ANEXO B – Folha de Aprovação Comitê de Ética em Pesquisa

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ANEXO C – Termo de Ciência da Responsável pelo Campo de Estudo:

Secretaria da Saúde – Departamento de Saúde Mental