rudolf steiner - o método cognitivo de goethe

Upload: gabriela-carvalho

Post on 14-Apr-2018

246 views

Category:

Documents


9 download

TRANSCRIPT

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    1/51

    Rudolf Steiner

    O mtodo cognitivode GETHE

    Linhas bsicas para uma gnosiologiada cosmoviso goethiana

    2 edioRetraduzida e atualizada

    Traduo.Bruno CallegaroJacira Cardoso

    Sobre a publicao da obrade Rudolf Steiner

    Os fundamentos da Cincia Espiritual Antroposfica encontram-se nas obras escritas e

    111111

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    2/51

    publicadas por Rudolf Steiner (1861 1925). Alm disso, existem reprodues das numerosas confe-rncias proferidas e cursos ministrados por ele entre os anos de 1900 e 1924, tanto ao pblico emgeral quanto aos membros da Sociedade Teosfica e, subseqentemente, da Sociedade Antro-posfica. A princpio, ele mesmo no desejava que suas conferncias, proferidas livremente, fossemregistradas por escrito, visto que as considerava comunicaes verbais, no destinadas im-presso. Com o aumento da distribuio de anotaes de ouvintes, s vezes incompletas e

    incorretas, ele decidiu regulamentar a reproduo escrita. Essa tarefa foi confiada a Marie Steiner-von Sivers, a quem passou a incumbir a designao dos estengrafos, a administrao das anotaese a necessria reviso dos textos a serem publicados. Como, por escassez de tempo, apenas emmuito poucos casos Rudolf Steiner pde corrigir pessoalmente as anotaes, suas ressalvas emrelao a todas as publicaes de conferncias devem ser consideradas: preciso admitir que emedies no corrigidas por mim possam encontrar-se erros.

    Aps a morte de Marie Steiner (18671948), foi iniciada, de acordo com as diretrizes deixadaspor ela, a publicao de uma edio completa (Gesamtausgabe) da obra de Rudolf Steiner, cujosvolumes foram numerados sob a sigla GA. O trabalho de seleo, reviso e notas realizado peloRudolf Steiner Archiv, pertencente instituio administradora do esplio literrio do Autor aRudolf Steiner Nachlassverwaltung, tambm proprietria da editora (Rudolf Steiner Verlag) queprocede s publicaes.

    A atividade do Rudolf Steiner Archiv que no recebe qualquer incentivo estatal ou de outranatureza depende inteiramente de doaes financeiras e, mais recentemente, dos direitosautorais das obras traduzidas. Mais informaes:

    RUDOLF STEINER ARCHIV Postfach 135 CH 4143 Dornach, Suaww w.rudolf-steiner.com

    Sumrio

    Nota segunda edio brasileira 4Prefcio segunda edio [do original] 4Prefcio primeira edio [do original] 7

    A. Questes preliminares1.Ponto de partida 82.A cincia de Gethe segundo o mtodo de Schiller 11

    3.A tarefa da nossa cincia 12

    222222

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    3/51

    B. A experincia4. Definio do conceito de experincia 125. Indicao sobre o contedo da experincia 146. Retificao de uma concepo errnea da experincia

    total16

    7. Apelo experincia de cada leitor 17

    C. O pensar8. O pensar como experincia superior na experincia 199. O pensar e a conscincia 21

    10. A natureza ntima do pensar 22

    D. A cincia11. O pensar e a percepo 2512. Intelecto e razo 2713. O processo cognitivo 30

    14. O fundamento das coisas e a cognio 32

    E. A cognio da natureza15. A natureza inorgnica 3316. A natureza orgnica 37

    F. As Cincias Humanas17. Introduo: esprito e natureza 4418. A cognio na Psicologia 4519. A liberdade humana 4720. Otimismo e pessimismo 49

    G.Concluso21. Cognio e criao artstica 49

    Nota segunda edio brasileira

    Ao escrever a presente obra, em 1886, Rudolf Steiner era um jovem com pouco mais de 25anos. Apesar disso, no prefcio segunda edio, escrito em 1923, ele prprio declara no ter sidonecessrio aps decorridos quase quarenta anos alterar nada de essencial no contedo. Comexceo do acrscimo de algumas notas, at mesmo o estilo tpico do final do sculo XIX foimantido inalterado.

    Para o prprio Autor, a argumentao elaborada aqui uma manifestao germinal dacosmoviso que, ulteriormente, ele iria postular sob o nome de Antroposofia. A fundamentao nomtodo cognitivo de Gethe, com o qual ele se familiarizara ao editar os escritos cientficos dogrande poeta, foi o ponto de partida para sua nova teoria do conhecimento, contestando opensamento nitidamente kantiano de ento. Dando continuidade ao ponto em que Gethe parara,Steiner demonstrou no existir limite para o conhecimento humano, j que a capacidade pensante

    333333

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    4/51

    no produz pensamentos, sendo na verdade uma captadora dos pensamentos csmicosexistentes no mundo e no Universo. Sendo assim, cabe ao homem torn-la plenamente ativa edisciplinada para, com objetividade, captar a essncia das coisas e dos seres que o circundam at oinfinito. Materialidade e imaterialidade ganham, aqui, limites totalmente transponveis pelo pensarhumano, numa demonstrao do pleno acesso deste ao chamado mundo das idias econseqentemente, aos bastidores metafsicos do Universo visvel.

    A importncia deste livro para a compreenso gnosiolgica da prpria Antroposofia levou-nosa disponibiliz-lo novamente para o pblico interessado. Nesta segunda edio brasileira, apsdezoito anos da primeira edio, procuramos pautar o texto pela ltima verso do original,incluindo tambm notas explicativas e bibliogrficas do autor e do editor, alm de um ndiceonomstico no final do livro.

    Que a ampliao e o aprofundamento no tema do processo cognitivo possam contribuir para acompreenso da prpria vida.

    A editora

    Prefcio segunda edio [do original]

    Escrevi esta Gnosiologia da cosmoviso goethiana na metade dos anos 1880. Naquela poca,preenchiam minha alma duas espcies de atividade pensante. Uma delas estava voltada para oprocesso criativo de Gethe, empenhando-se em aperfeioar a viso do mundo e da vida que semanifesta como fora impulsora nessa criao. O elemento pura e completamente humano parecia-me atuar em tudo o que Gethe dera ao mundo de maneira criativa, contemplativa e vivaz. Emnenhuma parte, na poca mais moderna, eu encontrava representadas a segurana interna, acoerncia harmnica e o sentido de realidade em relao ao mundo como em Gethe. Dessespensamentos deveria brotar o reconhecimento de que a maneira como Gethe se comporta noprocesso cognitivo tambm provm da essncia do ser humano e do mundo.

    Por outro lado, meus pensamentos imergiam nas teorias filosficas, existentes na poca,sobre a essncia do conhecimento. Nessas teorias, a cognio ameaava enclausurar-se na prprianatureza do ser humano. Otto Liebmann, o engenhoso filsofo, havia declarado que a conscinciado ser humano no capaz de ultrapassar a si mesma deve permanecer em si; sobre o que existecomo realidade verdadeira alm do mundo modelado por ela em si prpria, ela nada pode saber.Em textos brilhantes, Otto Liebmann aplicou esses pensamentos aos mais diversos campos domundo experiencial humano.1Johannes Volkelt havia escrito seus livros repletos de pensamentossobre A teoria do conhecimento de Kant FKants Erkenntnistheorie] e sobre A experincia e opensar FErfahrung undDenkenl. No mundo dado ao ser humano, ele via apenas um complexo derepresentaes mentais que se formam na relao do homem com um mundo em si desconhecido.Certamente ele admitia que na vivncia do pensar se mostra uma necessidade quando este in-tervm no mundo das representaes mentais, sentindo-se, de certa maneira, um a espcie depropulso atravs do mundo dessas representaes em direo realidade quando o pensar seativa. Mas o que se havia conseguido com isso? Poder-se-ia sentir o direito de pronunciar, em

    pensamento, juzos que dizem algo sobre o mundo real; porm com tais juzos se permanecetotalmente no ntimo do ser humano nada da essncia do mundo penetra neles.

    Eduard von Hartmann, cuja filosofia me foi de grande valia sem que eu pudesse reconhecerseus fundamentos e resultados, situava-se, nas questes de teoria do conhecimento, exatamenteno mesmo ponto que Volkelt apresentou depois em detalhes.

    Por toda parte existia a confisso de que o ser humano, com sua cognio, depara com certoslimites alm dos quais no capaz de penetrar no campo da verdadeira realidade.

    Contra tudo isso havia para mim o fato vivenciado interiormente e, nessa vivncia, conhecido,de que o ser humano, quando aprofunda suficientemente seu pensar, vive com ele dentro darealidade do mundo como numa realidade espiritual. Eu supunha possuir esse conhecimento comoalgo que pode estar na conscincia com a mesma clareza interna do que se manifesta no co-

    1 Otto Liebrnann (184019 12), Zur Analysis der Wirklichkeit (4. ed. Strassburg 1911), p. 28. Vide tb. Gedanken andTatsachen (Strassburg, 188289); e Klimax der Theorien (Strassburg, 1884). Sobre Liebmann e Volkelt, vide o captuloNachklnge der Kantischen Vortellungsart, in Rudolf Steiner, Die Rtsel der Pliilosophie (1914), GA-Nr. 18 (Dornach:RudolfSteinerVerlag, 1968). (N.E. 6rig.)

    444444

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    5/51

    nhecimento matemtico.Perante esse conhecimento no pode existir a opinio de que existam tais limites cognitivos,

    como a caracterizada linha de pensamento acreditava dever estabelecer.Com tudo isso se introduzia dentro de mim uma tendncia pensamental para a Teoria da

    Evoluo, florescente naquela poca. Em Haeckel ela havia assumido formas em que o existir e oatuar autnomos do elemento espiritual no podiam encontrar considerao alguma. No curso do

    tempo, o posterior, perfeito, devia derivar do anterior, no-desenvolvido. Isso me era claro comrelao realidade sensorial exterior. Ora, eu conhecia muito bem a espiritualidade independentedos sentidos, em si slida e autnoma, para dar razo ao mundo sensorial dos fenmenosexteriores; mas era preciso lanar uma ponte deste mundo para o mundo do esprito. No cursotemporal considerado sensorialmente, o espiritual humano parece desenvolver-se do no-espiritualpr-existente.

    Porm o mundo sensorial, quando corretamente conhecido, mostra por toda parte ser amanifestao do espiritual. Perante este correto conhecimento do sensorial, ficava-me claro que spode admitir limites ao conhecimento, conforme foram estabelecidos naquela poca, quem sedepara com esse elemento sensorial e o trata da mesma forma como algum trataria uma pginaimpressa caso apenas dirigisse o olhar para as formas das letras e, sem qualquer noo da leitura,dissesse que no se pode saber o que est por detrs dessas formas.

    Assim meu olhar foi conduzido, no caminho da observao sensorial, ao espiritual consolidadoem minha vivncia cognitiva interior. Por detrs dos fenmenos sensoriais eu no procurava mundosatomsticos no-espirituais, e sim o espiritual que aparentemente se revela no interior do serhumano mas que, em realidade, pertence aos prprios objetos e processos sensorias. Pelocomportamento do homem cognoscente, surge a iluso de que os pensamentos das coisas esto nohomem, enquanto na realidade eles existem nas coisas. O homem tem necessidade, numa vivnciailusria, de separ-los das coisas; na verdadeira vivncia cognitiva, ele os devolve novamente scoisas.

    Portanto, a evoluo do mundo deve ser compreendida de modo que o no-espiritualprecedente, do qual mais tarde se desenvolve a espiritualidade do ser humano, tem algo espiritualao lado e fora de si. O posterior estado sensorial espiritualizado em que o homem se apresentasurge pelo fato de o ancestral espiritual do homem se unir s formas no-espirituais imperfeitas e,metamorfoseando-as, surgir em forma sensorial.

    Esta seqncia de idias me levou para alm dos gnosilogos de ento, cuja sagacidade esentimento de responsabilidade cientfica eu reconhecia plenamente. Ele me levou a Gethe.

    Hoje devo voltar a pensar em minha luta interior de ento. No me foi fcil ultrapassar aslinhas de pensamento dos filsofos da poca; porm minha estrela-guia sempre foi o reconheci-mento, totalmente espontneo, do fato de o homem poder contemplar-se interiormente comoesprito independente do corpo, situado num mundo puramente espiritual.

    Antes de meus trabalhos sobre os escritos cientficos de Gethe, e antes desta Gnosiologia, euescrevi um pequeno ensaio sobre o atomismo, o qual nunca foi publicado. Ele seguia a mencionadadireo. No posso deixar de lembrar a alegria que tive quando Friedrich Theodor Vischer, a quemeu enviara o ensaio, me escreveu algumas palavras de aquiescncia.

    Ora, em meus estudos de Gethe me ficou claro como meus pensamentos conduzem a umaviso da essncia do conhecimento manifesta por toda parte na criao de Gethe e em sua postura

    relativa ao mundo. Descobri que meus pontos de vista redundaram numa teoria do conhecimentoque a da cosmoviso goethiana.Na dcada de 1880, fui recomendado por Karl Julius Schrer 2 meu professor e amigo

    paternal, a quem sou muito grato para escrever as introdues aos escritos cientficos de Gethepara a National-Literatur[Bibliografia Nacional] de Krschner, e tambm cuidar da edio dessesescritos.3Durante esse trabalho, eu acompanhei a vida cognitiva de Gethe em todos os campos em

    O manuscrito desse ensaio, tido durante muito tempo como perdido, foi encontrado ao se reorganizar o legado de FriedrichTheodor Vischer doado biblioteca da Universidade de Tbingen, tendo sido publicado por C. 8. Picht em 1939 no semanrioDas Goethanun, ano 18, ns 22 e 23. Aos 21 anos, Rudolf Steiner havia enviado a Vischer o ensaio com o ttulo nica possvelcrtica do conceito atomstico, acompanhado de uma carta. Publicaces mais recentes do ensaio e dessa carta ocorreramem Beitrge zur Rudolf Steiner Gesamtausgabe, n 63 (Dornach, poca de Michael, 1978). (N.E. orig.)2 Vide Rudolf Stener, Mein Lebensgang (192325), GA-Nr. 28 (1962), cap. VI, p. 110 ss. (N.E. orig.)3Os escritos cientficos de Gethe [Goethes Naturwissenshiaftlichec Schriften], editados e comentados por Rudolf Steiner,com um prefcio do prof. K. J. Schrer, na Deutsche National-Literatur[Bibliografia Nacional Alem], foram publicados emcinco volumes. Vol. 1: Bildung and Umbildung organischer Naturen. Zur Morphologie (1883); vol. II: Zur Naturwissenchaftim Allgemeinen. Mineralogie und Geologie. Meteorologie (1887); vol. III: Beitirge zur Optik. Zur Farbenlehre. Enthllung

    555555

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    6/51

    que ele atuou. Para mim ficou cada vez mais claro, nos menores detalhes, que meu prprio modode ver me encaminhava para uma gnosiologia da cosmoviso goethiana. E assim eu escrevi estaGnosiologia durante os referidos trabalhos.

    Defrontando-a hoje novamente, vejo-a tambm como o fundamento gnosiolgico e ajustificao de tudo o que eu disse e publiquei posteriormente. Ela fala de uma essncia cognitiva,que abre o caminho do mundo sensorial para o espiritual.

    Poderia parecer estranho que este escrito da juventude, j tendo quase completado quarentaanos, seja reeditado hoje sem alteraes, apenas ampliado por algumas notas. Em seu estilo eletraz a marca caracterstica de um modo de pensar tpico da Filosofia de quarenta anos atrs. Se euo escrevesse hoje, diria muitas coisas de outra maneira; contudo, no poderia declarar nadadiferente quanto essncia do conhecimento. Alm disso, o que eu escrevesse hoje no poderiaconter to fielmente os germes da cosmovso espiritual representada por mim. S se podeescrever dessa maneira germinal no incio de uma vida cognitiva. Talvez por isso este escrito dajuventude possa reaparecer justamente de forma inalterada. As teorias do conhecimento existentesna poca de sua redao tiveram seguimento em teorias posteriores. O que tenho a dizer sobreesse tema est dito em meu livro Die Rtsel der Philosophie [Os enigmas da Filosofia]. Ele estsendo publicado simultaneamente, em nova edio, pela mesma editora. O que, tempos atrs, euesbocei neste livrinho como gnosiologia da cosmoviso goethiana me parece hoje tao necessrio serdito quanto h quarenta anos.

    Getheanum, Dornach, perto de BasiliaNovembro de 1923

    Rudolf Steiner

    Prefcio primeira edio [do original]

    Quando, por intermdio do professor Krschner, foi-me atribudo o honroso encargo de cuidarda edio dos escritos cientficos de Gethe para a Deutsche National-Literatur [BibliografiaNacional Alem], eu estava bem consciente das dificuldades que enfrentaria nessa empreitada. Eu

    teria de me contrapor a uma opinio que se consolidara de modo quase generalizado.Enquanto se difunde cada vez mais a convico de que as poesias de Gethe so a base de

    toda a nossa cultura, mesmo os que mais avanaram no reconhecimento de seus esforos cient-ficos no vem nestes nada alm de pressentimentos de verdades que, no decurso posterior dacincia, encontraram plena confirmao. Sua viso genial teria conseguido pressentir leis naturaisque, independentemente disso, foram redescobertas pela cincia rigorosa. Aquilo que se admiteem ampla escala quanto restante atividade de Gethe ou seja, que toda pessoa instruda deveocupar-se com ela recusado no caso de sua viso cientfica. No se admitir de modo algum serpossvel lograr, mediante uma incurso nas obras cientficas do Poeta, o que hoje nem mesmo acincia poderia oferecer sem ele.

    Quando fui introduzido na cosmoviso de Gethe por K. J. Schrer, meu muito estimado

    der Thecorie Newtons (1890); vol. IV: Zur Ectrbenlehre Farbenlehre. Materialien zur Geschichteder Farbenlehre (1897);

    vol. V: Matterialien zur Geschichte der Farbenlehre (Schluss). Entoptische Fatrbcn. Paralipomena zur Chromattik. Sprchein Prosa. Nachtrge (1897). Uma reproduo fac-smile foi publicada como complementao da Edio Completa de RudolfSteiner [Rudolf Steiner Gesamtausgabel], GA-Nr. 1ae (Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1975). (N.E. orig.)

    666666

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    7/51

    professor, meu pensamento j havia tomado uma direo que me possibilitava ir alm das desco-bertas isoladas do Poeta, rumo ao objeto principal: maneira como Gethe inseria tal ou qual fatoisolado no todo de sua concepo da natureza, maneira como ele o empregava para alcanar umacompreenso das correlaes entre os seres na natureza ou, como ele prprio acertadamente seexpressa (no ensaio Anschauende Urteilskraft. [Juzo contemplativo] ), para participarespiritualmente das produes da natureza. Eu logo reconheci que as descobertas atribudas a

    Gethe pela cincia de hoje so o menos essencial, enquanto o mais significativo justamenteignorado. Realmente, essas descobertas isoladas tambm teriam sido feitas sem as pesquisas deGethe; no entanto, a cincia ficar privada de sua grandiosa concepo da natureza enquanto noa buscar diretamente nele. Com isso foi dado o rumo que as introdues minha tarefa tm detomar. Elas devem mostrar que cada detalhe de opinio manifesta por Gethe deve ser deduzido datotalidade de seu gnio.4

    Os princpios segundo os quais isso deve ocorrer so o objeto deste livrinho. Este devermostrar que o contedo aqui apresentado como opinies cientficas de Gethe tambm pode disporde fundamento autnomo.

    Com isto eu teria dito tudo o que me parecia necessrio antecipar ao que ser tratado aseguir. Contudo, tenho ainda um agradvel dever a cumprir: o de expressar minha mais profundagratido ao Prof. Krschner, que, da mesma maneira extraordinariamente benvola com a qualsempre veio ao encontro de meus esforos cientficos, tambm concedeu seu mais amigvel incen-tivo a esta pequena obra.

    Fim de abril de 1886

    Rudolf Steiner

    A. Questes preliminares

    1. Ponto de partida

    Se seguirmos retrospectivamente, at suas fontes, qualquer das principais correntes da vidaespiritual da atualidade, sempre encontraremos um dos espritos de nossa poca clssica. Gethe

    ou Schiller, Herder ou Lessing deram um impulso, do qual ento partiu este ou aquele movimentoespiritual que ainda hoje perdura. Toda a nossa cultura alem tem seus ps to firmados em nossosclssicos que, dentre os que parecem ser completamente originais, alguns nada mais fazem senodeclarar o que Gethe ou Schiller h muito insinuaram. Ns nos habituamos tanto ao mundo criadopor eles que, praticamente, ningum que quisesse movimentar-se fora da trilha que eles traarampoderia contar com nossa compreenso. Nossa maneira de considerar o mundo e a vida todeterminada por eles que ningum que no busque pontos de contato com esse mundo pode susci-tar nosso interesse.

    Apenas um ramo de nossa vida cultural e isso preciso admitir ainda no encontrou talponto de contato. Trata-se do ramo da cincia que ultrapassa o mero coletar de observaes, a

    Vejam-se os escritos cientficos de Gethe na Deutsche National-LiteraturBibliografia Nacional Alem] de Krschner vol. 1,p. 115. (NA. 1886)

    4Sobre a maneira como minhas opinies coincidem com a imagem global da cosmoviso goethiana, Schrer trata em seuprefcio aos escritos cientficos de Gethe (National-Literaturde Krschner, vol. 1, pp. IXIV). (Veja-se tambm sua ediodo Fausto, II Parte [2. ed. Stuttgart, 1926, p. V.]) (N.A. 1886)

    777777

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    8/51

    tomada de conhecimento de experincias isoladas, para fornecer uma satisfatria viso global domundo e da vida: o que comumente se denomina Filosofia. Para ela, nossa poca clssica parecesimplesmente no existir. Ela procura sua salvao numa recluso artificial e num nobre isolamentode toda a vida espiritual restante. Esta tese no contestada pelo fato de um considervel nmerode antigos e modernos filsofos e cientistas se haverem ocupado com Gethe e Schiller; pois elesno alcanaram sua posio cientfica pelo fato de terem levado os germes das realizaes

    cientficas daqueles heris do esprito a desenvolver-se: eles conseguiram sua posio cientficafora da cosmoviso que Schiller e Gethe representaram, e mais tarde a compararam com ela.Tampouco o fizeram com a inteno de obterdas opinies cientficas dos clssicos algo para seuprprio rumo, mas para verificar se elas resistiriam ante essa sua prpria orientao. Aindavoltaremos a isto mais detalhadamente. Por ora queremos apenas indicar as conseqncias, para ocampo cientfico em questo, dessa atitude ante o grau evolutivo mais elevado da cultura da IdadeModerna.

    Grande parte do pblico leitor culto recusar hoje, sem ao menos l-lo, um trabalhocientfico-literrio com a pretenso de ser filosfico. Em nenhuma outra poca a Filosofia sofreutanta falta de estima como hoje. Deixando de lado os escritos de Schopenhauer e Eduard vonHartmann, que tratam de problemas existenciais e universais de interesse geral e por isso encon-traram ampla divulgao, no ser exagero dizer que obras filosficas so hoje lidas apenas porfilsofos de profisso. Ningum alm destes se ocupa com elas. A pessoa culta, porm no-profis-sional, tem o seguinte vago sentimento: Esta literatura no contm nada que corresponda aalguma de minhas necessidades espirituais; as coisas a tratadas nada tm a ver comigo no tmrelao alguma com o que me necessrio para a satisfao de meu esprito. 5 Por essa falta deinteresse ante toda e qualquer Filosofia s pode ser culpada a circunstncia que indicamos, pois emcontrapartida h uma necessidade sempre crescente de uma viso satisfatria do mundo e da vida.Os dogmas religiosos, que por tanto tempo foram um substituto completo para isso, perdem cadavez mais em fora convincente. cada vez maior a compulso de alcanar, pelo labor do pensar, oque antigamente se devia f na revelao: a satisfao do esprito. No poderia faltar, portanto,a participao das pessoas cultas se o campo cientfico em questo andasse realmente de mosdadas com todo o desenvolvimento cultural, e se seus representantes tomassem posio quanto sgrandes questes que movem a humanidade.

    5A disposio anmica que est por detrs deste juzo a respeito do gnero da literatura filosfica e o interesse que lhe dedicado surgiram da mentalidade do empenho cientfico em meados dos anos 1880. Desde essa poca surgiram fenmenosperante os quais este juzo no mais parece justificado. Basta pensar nas luzes ofuscantes que amplos domnios da vidaexperimentaram mediante os pensamentos e impresses de Nietzsche. E nas lutas passadas e ainda presentes, entre osmonistas que pensavam de modo materialista e os defensores de uma cosmoviso espiritualista, tanto vive o empenho dopensamento filosfico por um teor cheio de vida quanto um interesse geral pelos enigmas da existncia. Caminhos cognitivoscomo os oriundos da cosmoviso fisica de Einstein tornaram-se quase objeto de palestras gerais e explicaes literrias.Apesar disso, ainda hoje valem os motivos pelos quais este juzo foi pronunciado naquela poca. Fosse escrito hoje, seriapreciso formul-lo de outra maneira. Como ele reaparece hoje como juzo antigo, por assim dizer, mais adequado dizer emque extenso ainda vlido. A cosmoviso de Gethe, cuja gnosiologia deveria ser traada na presente obra, parte davivncia do homem integral. Perante esta vivncia, a contemplao pensante do mundo apenas um lado. Da plenitude daexistncia humana ascendem, de certo modo, configuraes pensamentais superficie da vida anmica. Uma parte destasimagens conceituais abrange uma resposta pergunta: o que a cognio humana? E essa resposta leva a ver que aexistncia humana s corresponde ao que est predisposto nela quando atua cognitivamente. Uma vida anmica semconhecimento seria como um organismo humano sem cabea isto , no teria existncia. Na vida interior da alma surge

    um contedo que anseia por percepo vinda de fora, tal qual o organismo faminto anseia por alimento; e no mundoexterior est o contedo perceptivo, que no contm em si sua essncia, mas apenas a mostra quando o contedo dapercepo se une ao da alma pelo processo cognitivo. Assim, o processo cognitivo se torna um elo na produo da realidadedo mundo. Enquanto conhece, o homem participa da criao dessa realidade do mundo. E se uma raiz vegetal no pode serpensada sem sua complementao no fruto, no s o homem, mas tambm o mundo deixar de ser concludo se no forconhecido. Na cognio o homem no cria algo s para si, mas colabora com o mundo na revelao do ir real. O que est nohomem aparncia ideal; o que est no mundo perceptvel aparncia sensorial; s a integrao cognitiva de amboscomea a ser realidade.Vista deste modo, a teoria do conhecimento se torna uma parte da vida. E assim que deve ser vista para ser includa nasamplides da vivncia anmica goethiana. Contudo, a tais amplides de vida o pensar ou o sentir de Nietzsche no seconecta. Muito menos aquilo que tem surgido como cosmoviso orientada filosoficamente desde que foram escritas asQuestes preliminares desta obra. Tudo isto pressupe que a realidade exista em algum lugar fora do processo cogntivo, eque deste deve resultar uma representao humana, figurativa dessa realidade, ou, ainda, que ela no possa resultar. Queessa realidade no pode ser encontrada pela cognio, pois, como realidade, s criada nessa cognio, quase no percebido. Os pensadores filosficos procuram a vida e a existncia fora da cognio; Gethe est dentro da vida e da

    existncia criativa enquanto atua cognitivamente. E tambm por este motivo que as mais recentes pesquisas no terreno dacosmoviso esto fora da criaco ideativa de Gethe. Esta teoria do conhecimento pretende ficar dentro dela, pois com issoa Filosofia se torna contedo da vida e o interesse por ela se torna necessidade vital. (N.A. 1924)

    888888

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    9/51

    Nesse sentido, convm sempre ter em mente que nunca pode tratar-se de primeiro produzirartificialmente uma necessidade espiritual, mas apenas de procurar a existente e satisfaz-la. Atarefa da cincia no lanar questes, mas observ-las cuidadosamente, caso sejam formuladaspela natureza humana e pelo respectivo nvel cultural, e responder a elas.6Nossos filsofosmodernos se propem tarefas que no decorrem em absoluto do nvel cultural em que estamos, ecuja resposta, portanto, ningum demanda. Entretanto, as perguntas que nossa cultura tem de

    fazer em virtude da posio qual nossos clssicos a elevaram, essas a cincia ignora. Assimsendo, temos uma cincia que ningum procura e uma necessidade cientfica que ningumsatisfaz.

    Nossa cincia central, aquela cincia que deve solucionar para ns os autnticos enigmas domundo, no pode constituir exceo alguma perante todos os outros ramos da vida espiritual. Eladeve procurar suas fontes onde estes as encontraram. No deve apenas discutir e explicar-se comnossos clssicos; neles deve buscar tambm os germes para sua evoluo; em meio a ela devesoprar a mesma aragem que soprou por entre a nossa restante cultura. Essa uma necessidadeinerente natureza do assunto. A ela tambm deve ser atribudo o fato de terem ocorrido asmencionadas discusses dos pesquisadores modernos com os clssicos. Porm elas nada maisevidenciam seno o fato de se ter um obscuro sentimento da inadmissibilidade de se passar sim-plesmente ordem do dia, desprezando as convices daqueles espritos. Evidenciam tambm queno se promoveu um verdadeiro desenvolvimento posterior de suas opinies. Isso corroboradopela maneira como se tem abordado Lessing, Herder, Gethe e Schiller. Apesar de toda a excelnciade vrias obras escritas sobre os trabalhos cientficos de Gethe e Schiller, de quase todas cabedizer que elas no se desenvolveram organicamente das consideraes desses autores, e sim secolocaram em relao posterior com eles. Nada melhor para corroborar isso do que o fato de asmais divergentes tendncias cientficas terem visto em Gethe o esprito que pressentiu suasopinies. Cosmovises que nada tm em comum apontam Gethe aparentemente com igual direitoao sentirem a necessidade de ter sua posio reconhecida nos pncaros da humanidade. No sepode imaginar contrastes mais acirrados do que as doutrinas de Hegel e Schopenhauer. Este chamaHegel de charlato, sua filosofia de palavreado banal, puro contra-senso, brbaras combinaes depalavras.No existe propriamente nada em comum entre ambos seno uma venerao ilimitada porGethee a crena de que este se tenha identificado com sua cosmoviso.

    Com as tendncias cientficas mais modernas no diferente. Haeckel, que desenvolveu o

    darwinismo com conseqncia frrea e de maneira genial, e que devemos considerar o maisimportante adepto do pesquisador ingls, v na opinio de Gethe sua prpria opinio pr-formada.Outro cientista da atualidade, C. F. W. Jessen, escreve o seguinte a respeito da teoria deDarwin:

    O alarde dessa teoria, tantas vezes apresentada e igual nmero de vezes refutada porpesquisa fundamentada mas que agora encontrou apoio de alguns especialistas emuitos leigos baseados em razes aparentes , mostra como infelizmente ainda sopouco conhecidos e concebidos pelos povos os resultados das pesquisas da natureza.

    O mesmo pesquisador diz, a respeito de Gethe, que este se alou a abrangentes pesquisastanto na natureza inorgnica quanto na orgnica7 ao ter encontrado a lei fundamental de toda

    6 Questes do processo cognitivo surgem na contemplao do mundo exterior pela organizao anmica humana. No impulsoanmico da pergunta reside a fora para nos aproximarmos da contemplao de modo tal que esta, juntamente com a ativi-dade anmica, conduza a realidade do objeto observado a manifestar-se. (NA. 1924)

    Schopenhauer, Parega and Paralipomena: Skizze einer Geschichte der Lehre vom Idealen und Realen, apndice. Obrasreunidas, editadas por Rudol Steiner, vol. 8 (Stuttgart, 1894), pp. 2636. (N.E. orig.)Quanto a Hegel, vide, por exemplo, sua carta a Gethe em 24.2.1821, que este ltimo publicou no suplemento teoria dascores sob o ttulo Neuste aufmundernde Teilnahme (com a data de 20.2). Vide tb. Gethes Naturwissenschaftliche Schriften(cit.), vol. V, pp. 272275, com anotaes de Rudolf Steiner. E ainda o captulo Gethe and Hegel, in Rudolf Steiner,Gethes Weltanschauung (1897), GA-Nr. 6 (Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1963). J Schopenhauer usufruiu do contatopessoal com Gethe em 181314 e recebeu uma introduco teoria das cores; em 1816 escreveu, com base nela, um ensaioprprio: ber das Sehen and die Farben. Vide Gethe-Jahrbuch IX(Frankfurt, 1888), p. 50 ss. e as indicaes bibliogficasna p. 104. Vide tb. H. Doll, Gethe und Schopenhauer(Berlim, 1904). (N.E. orig.)Vide Ernst Haeckel, Die Naturanschauung von Darwin, Gethe and Lamarck, palestra de 18.9.1882 em Eisenach (Jena,1882). (N.E. orig.)

    Vide C. F. W. Jessen, Botanik der Gegenwart and Vorzeit in Kulturhistorischer Entwicklung (Leipzig, 1864), p. 459. (NA.1886).7 Idem, ibid., p. 343.

    999999

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    10/51

    formao vegetal numa contemplao sensata e profunda da natureza. 8 Cada um dos cientistasacima referidos sabe apresentar uma quantidade esmagadora de provas a favor da concordncia desua diretriz cientfica com as observaces sensatas de Gethe. Poderia muito bem ser lanadauma luz de suspeita sobre o carter unitrio do pensamento goethiano se cada um desses pontos devista pudesse reportar-se a ele com o mesmo direito. A razo desse fenmeno reside no fato denenhuma dessas opinies ter realmente brotado da cosmoviso goethiana, e sim ter cada qual suas

    razes fora dela; reside no fato de se procurar concordncia externa com detalhes que, ao seremarrancados do pensamento global de Gethe, perdem seu sentido e de no se querer conceder aessa mesma totalidade a solidez interna para fundar uma tendncia cientfica. As opinies deGethe nunca forampontos de partida de investigaes cientficas, e sim sempre apenas objeto decomparao. Os que se ocupavam dele raramente eram discpulos que se dedicassem com sentidoimparcial s suas idias; na maioria das vezes eram crticos que o levavam ao banco dos rus.

    Chega-se a dizer que Gethe teve muito pouco senso cientfico; que foi tanto o pior filsofoquanto o melhor poeta; por isso seria impossvel basear nele uma posio cientfica. Isto umcompleto desconhecimento da natureza de Gethe. Gethe certamente no foi um filsofo nosentido habitual da palavra; mas no se deve esquecer que a maravilhosa harmonia de sua perso-nalidade levou Schiller seguinte expresso: O poeta o nico homem verdadeiro.9 O queSchiller entendia aqui por homem verdadeiro, esse era Gethe. Em sua personalidade no faltava

    nenhum elemento pertinente mais elevada cunhagem do carter humano universal; nele, porm,todos esses elementos se unificaram formando uma totalidade ativa em si. por isso que seuspontos de vista sobre a natureza se baseiam num profundo sentido filosfico, embora esse sentidofilosfico no venha sua conscincia sob forma de sentenas cientficas definidas. Quem seaprofundar nessa totalidade conseguir, caso possua disposies filosficas, depreender essesentido filosfico e apresent-lo como cincia goethiana. Porm dever partir de Gethe, e noabord-lo com uma opinio pronta. As foras espirituais de Gethe atuam sempre da maneiraadequada mais rigorosa filosofia, embora ele no tenha legado um todo sistemtico.

    A cosmoviso de Gethe a mais multifacetada que se possa imaginar. Ela parte de um centrosituado na natureza unitria do Poeta, e sempre mostra a face que corresponde natureza doobjeto contemplado. O carter unitrio da atividade das foras espirituais reside na natureza deGethe; o respectivo modo dessa atividade determinado pelo objeto em questo. Getheempresta do mundo exterior o modo de observao, e no o impe. Contudo, o pensar de muitaspessoas s eficaz de uma determinada maneira, servindo apenas para uma espcie de objetos;no unitrio como o de Gethe, e sim uniforme. Expressemo-nos mais precisamente: h pessoascuja inteligncia particularmente adequada para pensar dependncias e efeitos puramentemecnicos; elas imaginam todo o Universo como um mecanismo. Outras tm o impulso de perceberem toda parte o elemento misterioso e mstico do mundo exterior; tornam-se adeptas domisticismo. Todo erro surge por se declarar um modo de pensar, conquanto plenamente vlido parauma espcie de objetos, como sendo universal. E assim que se explica o conflito entre as vriascosmovises. Se uma tal concepo unilateral se confrontar com a de Gethe que ilimitada porno extrair o modo de observar da mente do observador, mas da natureza do observado , compreensvel que essa concepo se apegue aos elementos pensamentais que, na de Gethe, lhecorrespondem. A cosmoviso de Gethe encerra, justamente no sentido indicado, vrias direesde pensamento, ao passo que no pode ser impregnada por nenhuma concepo unilateral.

    O sentido filosfico, um elemento essencial no organismo do gnio goethiano, tem significadotambm para suas poesias. Embora Gethe estivesse longe de apresentar em forma concei-tualmente clara o que esse sentido lhe transmitia, como Schiller era capaz de fazer, tanto para elequanto para Schiller esse sentido um fator que colabora em sua criao artstica. No se podepensar nas produes poticas de Gethe e Schiller sem a cosmovso situada detrs delas. ParaSchiller importavam mais seus princpios realmente cultivados; para Gethe, o modo de suacontemplao. O fato de os maiores poetas de nossa nao no terem podido passar sem esseelemento filosfico no ponto mais alto de sua criao garante, mais do que todo o resto, que esseelemento seja um elo necessrio na histria evolutiva da humanidade. justamente a relao comGethe e Schiller que possibilitar arrancar nossa cincia central de sua solido de ctedra eincorpor-la restante evoluo cultural. As convices cientficas de nossos clssicos ligam-se commilhares de fios a seus demais empenhos; e so de de tal ordem que acabam sendo exigidas pela

    8 Idem, ibid., p. 332.9 Carta de Schiller a Goethe em 7.1.1795. (N.E. orig.)

    101010101010

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    11/51

    poca cultural que as criaram.

    2. A cincia de Gethe segundo o mtodo de Schiller

    Com o que expusemos at agora determinamos a direo a ser tomada pelas pesquisas aseguir. Elas devem ser uma evoluo do que em Gethe se validou como sentido cientfico, umainterpretao de sua maneira de contemplar o mundo.

    A isso se pode objetar dizendo no ser esta a maneira de representar cientificamente umaopinio; uma opinio cientfica no deveria, em nenhuma circunstncia, basear-se numa autori-dade, mas sempre em princpios. Queremos antecipar-nos rapidamente a essa objeo. Umaopinio baseada na concepo goethiana do mundo no vale, para ns, como verdadeira pelo fatode se fazer deduzir desta, e sim por acreditarmos que podemos apoiar a cosmoviso goethiana emprincpios consistentes e represent-la como fundamentada em si mesma. O fato de tomarmosnosso ponto de partida de Gethe no deve impedir-nos de, com a fundamentao do ponto devista que representamos, faz-lo to seriamente quanto o fazem os representantes de uma cinciapretensamente livre de premissas. Ns representamos a cosmoviso goethiana, porm

    fundamentamo-la segundo as exigncias da cincia.

    Para o caminho que tais pesquisas devem empreender, foi Schiller quem prescreveu a direo.Ningum como ele viu a grandeza do gnio goethiano. Em suas cartas a Gethe, mostrou a esteuma imagem reflexa de seu ser; em suas cartas Sobre a educao esttica do homem [ ber dieaesthetische Erziehung des Menschen]deduz o ideal do artista tal qual o conheceu em Gethe; eem sua composio Sobre poesia ingnua e sentimental [Uber naive mnd sentimentalischeDichtung]descreve a essncia da arte genuna, tal qual a obteve da poesia de Gethe. Com issotambm se justifica o fato de designarmos nossas exposies como fundamentadas na cosmovisogethe-schilleriana. Elas querem observar o pensamento cientfico de Gethe segundo o mtodocujo modelo foi fornecido por Schiller. O olhar de Gethe se dirige natureza e vida; e o seumodo de observao dever ser o tema (o contedo) do nosso tratado; o olhar de Schiller dirigidoao esprito de Gethe; e o seu modo de observar dever ser o ideal do nosso mtodo.

    deste modo que pensamos tornar os esforos cientficos de Gethe e Schiller frutferos paraa atualidade.

    de acordo com a designao cientfica habitual que nosso trabalho dever ser concebidocomo teoria do conhecimento. As questes tratadas por ele certamente sero,em muitos pontos,de natureza diferente das que hoje, de modo quase geral, so tratadas por essa cincia. Ns vimospor que isto ocorre. Onde quer que hoje surjam pesquisas semelhantes, quase sempre elas partemde Kant. Nos crculos cientficos, descuidou-se completamente do fato de que, ao lado da cinciacognitiva fundada pelo grande pensador de Knigsberg, ao menos em possibilidade ainda existeuma outra direo, no menos capaz de um aprofundamento objetivo do que a de Kant. No incioda dcada de 1860, Otto Liebmann expressou o seguinte: ser preciso retornarmos a Kant sequisermos chegar a uma cosmoviso livre de contradies.10 Este deve ser o motivo de termos,hoje, uma literatura kantiana quase a perder de vista.

    Contudo, esse caminho tampouco socorrer a cincia filosfica. Ela s voltar a desempenharum papel na vida cultural se, em vez de retornar a Kant, vier a aprofundar-se na concepo

    cientfica de Gethe e Schiller.E agora abordemos as questes bsicas de uma cincia cognitiva correspondente a estasobservaes preliminares.

    3. A tarefa da nossa cincia

    Para toda e qualquer cincia vale, em ltima anlise, o que Gethe declara de forma tosignificativa com as seguintes palavras: A teoria em si e por si de nada serve seno para fazer-noscrer na conexo dos fenmenos.11 Por meio da cincia, estamos continuamente juntando e

    10 Otto Liebmann, Kant and die Epigonen. Eine kritische Abhandlung (Stuttgart, 1865). Sentena final de quase todos oscaptulos. (N.E. orig.)11 Gethes Naturwissenschaftliche Schriften (cit.), voi. V: Sprche in Prosa, p. 357.

    111111111111

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    12/51

    relacionando fatos que na experincia so separados. Na natureza inorgnica, vemos separados ascausas e os efeitos e procuramos sua conexo nas cincias correspondentes. No mundo orgnico,percebemos gneros e espcies de organismos e empenhamo-nos em investigar suas inter-relaes.Na Histria, deparamo-nos com pocas culturais isoladas e empenhamo-nos em conhecer adependncia intrnseca entre uma e outra etapa evolutiva. Assim, cada cincia tem de atuar emdeterminado campo de fenmenos, no sentido da citada frase de Gethe.

    Cada cincia tem seu campo, no qual procura a conexo dos fenmenos. Depois, sempresubsiste um grande contraste em nossos empenhos cientficos: de um lado o mundo ideativo obtidopelas cincias e, de outro, os objetos que lhe so subjacentes. E preciso haver uma cincia quetambm aqui esclarea as relaes mtuas. O mundo ideal e o real, a oposio entre idia erealidade, so as tarefas dessa cincia. Tambm estes contrastes devem ser conhecidos em suainter-relao.

    Procurar essas relaes o objetivo das exposies a seguir. Os fatos da cincia, de um lado,e a natureza e a Histria, de outro, devem ser postos em conexo. Que significado tem o reflexo domundo exterior na conscincia humana, que relao existe entre o nosso pensar a respeito dosobjetos da realidade e eles prprios?

    B. A experincia

    4.Definio do conceito de experincia

    Dois mbitos, portanto, se justapem: o nosso pensar e os objetos com os quais ele se ocupa.Estes ltimos, enquanto acessveis nossa observao, so designados como o contedo daexperincia. Por ora deixemos completamente em aberto se existem outros objetos do pensar forado nosso campo de observao, e de que natureza seriam. Nossa prxima tarefa ser delimitarrigorosamente cada um dos domnios assinalados experincia e pensar. Em primeiro lugar devemoster em vista a experincia em contornos bem definidos, e depois pesquisar a natureza do pensar.Abordemos a primeira tarefa.

    O que experincia? Toda pessoa est consciente de que sua atividade pensante incitada noconflito com a realidade. Os objetos no espao e no tempo se aproximam de ns; ns percebemosum mundo exterior multifrio, extremamente diversificado, e vvenciamos um mundo interior oramais, ora menos ricamente desenvolvido. A primeira configurao de tudo isto se apresenta prontadiante de ns. No temos qualquer participao em seu surgimento. A princpio, a realidade seoferece nossa concepo sensorial e espiritual como que saltando de um desconhecido mundo doalm. De incio podemos apenas deixar nossa vista vagar pela variedade nossa frente.

    Esta nossa primeira atividade a concepo sensorial da realidade. Precisamos reterfirmemente o que se oferece a ela pois s isso que podemos denominar experincia pura. 12

    12 De toda a postura desta teoria do conhecimento se deduz, no contexto de suas explicaes, que o que importa obteruma resposta pergunta: o que conhecimento? Para alcanar esta meta, primeiramente se aborda, de um lado, o mundo

    da contemplao sensorial, e, de outro, o aprofundamento pensante, sendo demonstrado que no aprofundamento de ambosse manifesta a verdadeira realidade da existncia sensorial. Com isto a pergunta o que conhecimento? respondida deacordo com o princpio. Esta resposta no se torna nada diferente pelo fato de a pergunta ser estendida contemplao doespiritual. Por isso, o que se diz nesta obra sobre a essncia do conhecimento tambm vale para a cognio dos mundosespirituais, ao qual se referem minhas obras posteriores, O mundo dos sentidos no , em sua manifestao, realidade paraa contemplao humana. Ele tem sua realidade em conexo com o que se revela no homem sob forma de pensamentos. Ospensamentos pertencem realidade do que se contempla sensorialmente; s que o que pensamento na existnciasensorial no se manifesta fora, mas dentro do homem. No entanto, o pensamento e a percepo sensorial so umaexistncia s. Ao comear a contemplar o mundo sensorialmente, o homem separa o pensamento da realidade; este, porm,manifesta-se em outro lugar: no interior da alma. Para o mundo objetivo, a separao entre percepo e pensamento notem nenhuma relevncia; ela s ocorre porque o homem se coloca na existncia. Para ele surge a iluso de que opensamento e a percepo sensorial constituem uma dualidade. No diferente o caso da contemplao espiritual. Quandoesta surge como resultado dos processos anmicos descritos em minha obra posterior O conhecimento dos mundos superioresforma novamente um lado da existncia o espiritual , enquanto os correspondentes pensamentos do espiritual formam ooutro lado. Uma diferena s surge na medida em que na realidade a percepo sensorial , de certa forma, completada

    ascendentemente pelos pensamentos, em direo ao incio do plano espiritual, ao passo que a viso espiritual vivenciada,em sua verdadeira natureza, desse incio para baixo. O fato de a vivncia da percepo sensorial ocorrer mediante ossentidos formados pela natureza, e a contemplao do espiritual mediante os rgos de percepo espiritual formados

    121212121212

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    13/51

    Ns sentimos imediatamente a necessidade de impregnar com o intelecto ordenador a infinitavariedade de formas, foras, cores, sons, etc. que surge diante de ns. Empenhamo-nos emesclarecer as interdependncias de todos os detalhes que vm ao nosso encontro. Se um animal nossurge em determinada regio, indagamos sobre a influncia dessa regio sobre a vida animal; aovermos uma pedra rolar, procuramos outros acontecimentos com os quais este se relaciona.Contudo, o que ocorre dessa maneira no mais experincia pura, tendo j uma dupla origem:

    experincia e pensar.Experincia pura a forma em que a realidade nos aparece quando nos defrontamos com ela

    com completa renncia a ns mesmos.A esta forma da realidade so aplicveis as palavras que Goethe expressou em seu ensaio Die

    Natur[A natureza]: Estamos rodeados e envoltos por ela. Sem pedir nem avisar, ela nos acolhe naroda de sua dana.13

    No caso do objetos dos sentidos exteriores, isto to evidente que decerto quase ningum onegar. Um corpo se nos apresenta, a princpio, como uma variedade de formas, cores e impressesde calor e luz que, repentinamente, esto perante ns como emanadas de uma fonte primordialdesconhecida.

    A convico da Psicologia no sentido de que o mundo sensorial, tal como se nos apresenta, nonada em si mesmo, sendo j um produto da interao entre um mundo exterior molecular, para

    ns desconhecido, e o nosso organismo, no vem contradizer nossa afirmao. Mesmo que tambmfosse realmente verdade que cor, calor, etc. nada mais so do que a maneira pela qual nossoorganismo afetado pelo mundo exterior, mesmo assim o processo que transforma o acontecimentodo mundo exterior em cor, calor, etc. situa-se totalmente alm da conscincia. Qualquer que seja opapel desempenhado por nosso organismo, perante nosso pensamento no o acontecimentomolecular que existe como forma de realidade (experincia) pronta, imposta a ns, e sim essascores, sons, etc.

    As coisas no so assim to claras quanto nossa vida interior. Contudo, uma ponderao maisprecisa far desaparecer a dvida de que tambm nossos estados interiores penetrem o horizontede nossa conscincia da mesma forma como as coisas e fatos do mundo exterior. Um sentimento meafeta da mesma maneira como uma impresso luminosa. O fato de eu o levar a uma relao maisprxima com minha prpria personalidade no importa, nesse sentido. Precisamos avanar ainda

    um pouco mais. O prprio pensar tambm nos surge, a princpio, como objeto da experincia. J aonos aproximarmos do nosso pensar a fim de pesquis-lo, ns o contrapomos nossa pessoa,enfrentando sua primeira configurao como se proviesse do desconhecido.

    Isto no pode ser diferente. Nosso pensar, especialmente tendo-se em vista sua forma comoatividade individual dentro da nossa conscincia, observao, ou seja, dirige o olhar para fora,em direo a alguma coisa sua frente. Como atividade, inicialmente se limita a isso. Ele olhariapara o vazio, para o nada caso no houvesse algo situado sua frente.

    Tudo o que deve ser objeto do nosso saber precisa adaptar-se a essa forma de confronto. Nssomos incapazes de elevar-nos acima dessa forma. Para obtermos, com o pensar, um meio de

    animicamente, no constitui uma diferena de princpios.Na verdade, em minhas publicaes posteriores no ocorre nenhum abandono da idia de cognio elaborada por mim nestaobra, e sim a aplicao dessa idia experincia espiritual. (NA. 1924)

    13 Nas publicaes da Sociedade Gethe [Gethe Gesellschaft], eu tentei mostrar que esse ensaio surgiu da seguintemaneira: Toblei, que estava em contato com Gethe em Weimar naquela poca, anotou, aps conversas com este, vriasidias que habitavam a mente de Gethe e que ele reconhecia. Essas anotaces foram publicadas no Tiefurter Journal,distribudo naquela poca apenas sob forma manuscrita. Nas obras de Gethe se encontra um ensaio, escrito bem mais tardea respeito dessa publicao anterior. Gethe diz expressamente no se lembrar se o ensaio seu, mas admite que contmidias que eram suas na poca de sua publicao. Em meu tratado incluso nos escritos da Sociedade Gethe eu tentei de-monstrar que essas idias, aps haverem evoludo, fluram para toda a viso goethiana da natureza. Publicaes posterioresreclamam para Tobler o pleno direito autoral do ensaio Die Natur [A Natureza]. Eu no gostaria de me intrometer nacontenda desta questo. Mesmo quando se sustenta a plena originalidade para Tobler, ainda assim fica de p que estas idiasexistiram em Goethe no comeo dos anos 1880; e, alis, elas se evidenciam segundo ele prprio confessa como o incio desua ampla viso da natureza. No tenho, pessoalmente, nenhuma razo para me desviar da minha opinio de que as idiassurgiram em Goethe. Mas mesmo que assim no fosse, elas experimentaram em seu esprito uma existncia que veio a serimensamente fiutfera. Para o apreciador da cosmoviso goethiana elas no tm significado em si mesmas, e sim no tocanteao que vieram a ser mais tarde. (NA. 1924)

    [O ensaio de Rudolf Steiner Zu dem Fragment ber die Natur encontra-se em Metodische Grundlagen derAnthroposophie. Gesammelte Aufstze 18841901, GA-Nr. 30 (Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1961), pp. 320327. (N.E.

    orig.)]

    131313131313

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    14/51

    penetrar mais profundamente no mundo, o prprio pensar precisa em primeiro lugar tornar-seexperincia. Devemos procurar o prprio pensar entre os fatos da experincia, como sendo umdeles.

    S assim nossa cosmoviso no carecer de unidade interior. Esta lhe faltaria imediatamentese quisssemos introduzir-lhe um elemento estranho. Ns nos defrontamos com a mera experinciapura e procuramos, dentro dela prpria, o elemento que derrama luz sobre si e sobre a restante

    realidade.

    5. Indicao sobre o contedo da experincia

    Observemos agora a experincia pura. O que ela contm quando passa nossa conscinciasem que a elaboremos com nossos pensamentos? Ela mera coexistncia no espao e sucesso notempo; um agregado de detalhes desconexos. Nenhum dos objetos que chegam e se afastam temqualquer relao com o outro. Nessa etapa, os fatos que percebemos, que vivenciamos no ntimo,so absolutamente indiferentes entre si.

    O mundo, nesse ponto, uma variedade de coisas totalmente equivalentes. Nenhuma coisa,nenhum acontecimento pode pretender desempenhar maior papel na engrenagem do mundo do que

    outro componente do mundo da experincia. Para ficar-nos claro que este ou aquele fato temmaior significado do que um outro, precisamos no apenas observar as coisas, mas j relacion-lasde modo pensante. O rgo rudimentar de um animal, que talvez no tenha o menor significadopara suas funes orgncas, tem o mesmo valor para a experincia que o rgo mais importante deseu corpo. A maior ou menor importncia s nos fica clara quando refletimos sobre as relaes doscomponentes isolados da observao, isto , quando elaboramos a experincia.

    Para a experincia, o caracol, situado num grau inferior da organizao [animal], equivalente ao animal mais superiormente desenvolvido. A diferena na perfeio da organizaos se nos manifesta ao compreendermos e elaborarmos, por meio de conceitos, a variedade dada.Neste sentido, tambm so equivalentes a cultura do esquim e a do europeu erudito; para a meraexperincia, a importncia de Csar para a evoluo histrica da humanidade no parece maior doque a de um de seus soldados. Na Histria da Literatura, Gethe no se destaca de Gottsched

    quando se trata dos meros fatos ligados experincia.Neste grau da observao, no mbito do pensamento o mundo , para ns, uma superfcieperfeitamente plana. Nenhuma parte dessa superfcie se destaca da outra; nenhuma mostra aopensamento qualquer diferena em relao outra. S quando a centelha do pensamento incidesobre essa superfcie que aparecem elevaes e depresses; uma coisa se destaca mais ou menosda outra, tudo se forma de modo determinado, fios se lanam de uma a outra configurao; tudo setorna uma harmonia perfeita em si.

    Acreditamos ter mostrado suficientemente, por meio de nossos exemplos, aquilo queentendemos como maior ou menor significado dos objetos da percepo (aqui tomados com omesmo significdo de objetos da experincia), aquilo que subentendemos com esse saber que surgeapenas ao contemplarmos esses objetos em seu contexto. Com isso acreditamos estar igualmenteseguros perante a objeo de que o nosso mundo de experincias j mostra infinitas diferenas emseus objetos antes que o pensar o aborde. Ora, uma superfcie vermelha tambm j se distingue deuma verde sem a atividade do pensar. Isto correto. Mas quem, com isso, quis contestar-nosentendeu completamente mal nossa afirmao. O que justamente afirmamos que existe umainfinita variedade de detalhes sendo-nos oferecida na experincia. Naturalmente esses detalhesdevem ser diferentes entre si, do contrrio no se defrontariam conosco como uma infinita va-riedade desconexa. No se trata absolutamente de uma ausncia de diferena entre as coisaspercebidas, e sim de sua completa falta de relao, da absoluta falta de significado do fatosensorial avulso para todo o conjunto da nossa imagem da realidade. justamente porreconhecermos essa infinita diversidade qualitativa que somos compelidos s nossas afirmaes.

    Caso nos deparssemos com uma unidade coesa, harmonicamente composta, no poderamosfalar de uma equivalncia entre os componentes dessa unidade.

    Quem, por tal razo, no achasse apropriada nossa analogia acima, no a teria captado nogenuno ponto de comparao. Seria obviamente errneo querermos comparar o mundo das per-

    cepes, que infinitamente multiforme, com a uniformidade de uma superfcie. Porm nossasuperfcie no deve, em absoluto, materializar o variado mundo dos fenmenos, e sim a imagem

    141414141414

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    15/51

    global unitria que temos desse mundo enquanto o pensar no o tenha abordado. Aps a atividadedo pensar, cada detalhe aparece, nessa imagem global, no da forma como transmitido pelosmeros sentidos, mas j com o significado que tem para o todo da realidade. Sendo assim, aparececom propriedades que lhe faltam completamente na forma de experincia.

    Segundo nossa convico, Johannes Volkelt foi extremamente bem-sucedido ao traar emcontornos precisos isto que justificadamente denominamos experincia pura. Ela j foi ca-

    racterizada com primor h cinco anos em seu livro sobre a teoria do conhecimento de Kant 14e emsua mais recente publicao sobre experincia e pensar , ele ampliou ainda mais o assunto. Alis,ele o fez para sustentar uma opinio fundamentalmente diversa da nossa, e com uma intencoessencialmente diferente da que hoje temos. Mas isto no nos pode impedir de situar aqui suaexcelente caracterizao da experincia pura. Ela simplesmente nos descreve as imagens quepassam perante nossa conscincia, de maneira completamente desconexa, num lapso restrito detempo. Diz Volkelt:

    Agora, por exemplo, minha conscincia tem por contedo a representao mental de ter hojetrabalhado com afinco; imediatamente se conecta a esse contedo representativo o fato de poderir passear com a conscincia tranqila; porm subitamente se introduz a imagem perceptiva daporta se abrindo e do carteiro entrando; a imagem do carteiro ora aparece estendendo a mo, oraabrindo a boca, ora fazendo o contrrio; ao mesmo tempo se juntam, ao contedo da percepodo abrir a boca, vrias impresses auditivas, entre elas a de que l fora comea a chover. Aimagem do carteiro desaparece de minha conscincia e as representaes mentais que entoaparecem tm o seguinte contedo, nesta seqncia: pegar a tesoura, abrir a carta, repreenso dacaligrafia ilegvel, imagens visuais de mltiplas letras, mltiplas imagens fantasiosas epensamentos que se associam; mal esta seqncia termina, surge a representao mental de tertrabalhado com afinco e a percepo, acompanhada de aborrecimento, da chuva que continua;mas ambas desaparecem de minha conscincia, surgindo uma representao mental com ocontedo de que uma dificuldade, julgada resolvida durante o trabalho de hoje, no se resolveu;ao mesmo tempo aparecem as seguintes representaes mentais: liberdade de vontade,necessidade emprica, responsabilidade, valor da virtude, acaso absoluto, incompreensibilidade,etc., combinando-se entre si da maneira mais diversificada e complicada; e prossegue de modosimilar.15

    Aqui temos descrito, em relao a determinado e limitado lapso de tempo, o que nsrealmente experimentamos, aquela forma da realidade em que o pensarno exerce participaoalguma.

    Porm no se deve absolutamente acreditar que se teria chegado a um resultado diverso se,em lugar desta experincia cotidiana, houvesse sido descrita a que fazemos num ensaio cientficoou num fenmeno especfico da natureza. Em ambos os casos, trata-se de imagens desconexas quepassam perante nossa conscincia. Somente o pensar estabelece a conexo.

    O mrito de ter mostrado, em precisos contornos, o que efetivamente nos proporciona aexperincia despida de qualquer pensamento, devemos tambm atribuir ao livreto Gehirn undBewusstsein [Crebro e conscincia], do Dr. Rchard Wahle16 apenas com a restrio de que aquiloque Wahle estabelece como propriedades incondicionalmente vlidas dos fenmenos do mundoexterior e interior s cabe para a primeira etapa da contemplao do mundo, caracterizada por

    ns. Segundo Wahle, ns sabemos apenas de uma coexistncia no espao e de uma sucesso notempo. Segundo ele, nem se pode falar de uma relao entre as coisas existentes lado a lado ouuma aps a outra. Ainda que, por exemplo, possa existir uma ntima conexo entre o clido raio desol e o aquecimento da pedra, ns nada sabemos de uma conexo causal; apenas nos evidenteque ao primeiro fato se segue o segundo. Mesmo que haja em algum lugar, num mundo inacessvelpara ns, uma ntima conexo entre o nosso mecanismo cerebral e nossa atividade espiritual, nssabemos que ambos so acontecimentos paralelos; de maneira alguma estamos autorizados aadmitir, por exemplo, uma conexo causal entre ambos os fenmenos.

    Alis, se essa afirmativa postulada por Wahle como sendo ao mesmo tempo a ltima verdadeda cincia, ns contestamos essa dimenso [dada a ela]; entretanto, ela perfeitamente vlida

    14Johannes Volkelt, Imnmanuel Kants Erkenntnistheorie (Leipzig, 1879). (N.A. 1886)

    Idem, Erfahrung and Denken, kritishe Grundlegung der Erkenntnistheorie (Hamburg/Leipzig, 1886). (NA. 1886)15 Idem, Immanuel Kants Erkenntnistheorie (cit.), p. 165 s. (N.A. 1886)16 Richard Wahle, Gehirn und Bewusstsein (Viena, 1884). (NA. 1886)

    151515151515

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    16/51

    para a primeiraforma sob a qual vislumbramos a realidade.Nesta etapa do nosso saber, no apenas as coisas do mundo exterior e os processos do mundo

    interior so desconexos; tambm nossa prpria personalidade um detalhe isolado frente aomundo restante. Ns nos encontramos como uma das incontveis percepes sem relao com osobjetos que nos rodeiam.

    6. Retificao de uma concepo errnea da experincia total

    Enseja-se aqui o contexto para apontar um preconceito existente desde Kant17, o qual j seinseriu to profundamente, em certos crculos, que tem valido como axioma. Quem quisesse p-loem dvida seria marginalizado como diletante, como uma pessoa que no teria ido alm dosconceitos mais elementares da cincia moderna. Estou-me referindo opinio segundo a qual como se isto estivesse estabelecido de antemo todo o mundo da percepo, essa infinitavariedade de cores e formas, de sons e diferenciaes de calor, etc. Nada mais do que nosso

    mundo subjetivo de representaes mentais, que s dura enquanto mantemos abertos nossossentidos s influncias de um mundo desconhecido para ns. Todo o mundo que se nos apresenta explicado, por essa opinio, como sendo uma representao mental dentro da nossa conscinciaindividual; e, com base nesta pressuposio, edificam-se subseqentes afirmaes sobre a naturezada cognio. Tambm Volkelt aderiu a essa opinio e, baseado nela, fundamentou sua teoria doconhecimento, magistral quanto ao desempenho cientfico. Todavia no se trata de uma verdade

    fundamental, e muito menos destinada a figurar no pice da cincia gnosiolgica.Entretanto, que no nos entendam mal. No queremos levantar, contra as conquistas

    fisiolgicas da atualidade, um protesto certamente impotente. Contudo, o que perfeitamentejustificvel do ponto de vista fisiolgico no est, nem de longe, convocado a situar-se no portal dateoria do conhecimento. Pode ser vlido, como uma verdade fisiolgica inabalvel, o fato desomente pela atuao conjunta do nosso organismo surgir o complexo de sensaes e percepesque denominamos experincia; contudo, permanece certo que tal conhecimento s pode serresultado de muitas ponderaes e pesquisas. Essa caracterstica de que, em sentido fisiolgico,nosso mundo de fenmenos de natureza subjetiva, j consiste numa determinaco intelectual domesmo, no tendo, portanto, absolutamente nada a ver com seu primeiro aparecimento. Jpressupe a aplicao do pensar experincia. Deve preced-la, portanto, o exame da relaoentre estes dois fatores da coguio.

    Com esta opinio se cr superar a ingenuidade pr-kantiana, que tomava por realidade ascoisas no espao e no tempo, da mesma maneira como ainda hoje faz o homem ingnuo sem qual-quer formao cientfica.

    Volkelt afirma...

    ...que todos os atos que tm a pretenso de ser uma cognio objetiva estoinseparavelmente ligados conscincia cognitiva individual; que eles no se realizam em

    nenhuma outra parte seno na conscincia do indivduo, e que so absolutamenteincapazes de transcender o mbito do indivduo e captar ou penetrar o domnio do realsituado no exterior.18

    Ora, para um pensar isento, totalmente inconcebvel o que a forma de realidadeimediatamente prxima a ns (a experincia) contm que nos pudesse autorizar, de algumamaneira, a design-la como mera representao mental.

    A simples ponderao de que o homem ingnuo no percebe, nas coisas, absolutamente nadaque o pudesse induzir a esta opinio, j nos ensina que nos prprios objetos no existe um motivoforoso para essa suposio. O que uma rvore ou uma mesa traz em si que me pudesse levar a

    17 Vide Irnmanuel Kant, Kritik der reinen Vernunft [Crtica da razo pura], Tranzendentale sthetik [Esttica

    transcendental], 8. (N.E. orig.)18Johannes Volkelt, Erfahrung und Denken (cit.), p. 4. O ensaio cuja existncia eu admitia por hiptese foi realmenteencontrado mais tarde no Arquivo Goethe-Schiller e acrescentado edio de Goethe em Weimar. (N.A. 1886/1924).

    161616161616

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    17/51

    consider-la como uma mera imagem representativa? No mnimo isto no pode ser proposto comouma verdade bvia.

    Ao fazer isso, Volkelt se enrosca numa contradio relativa a seus prprios princpios. Segundonossa convico, para poder afirmar a natureza subjetiva da experincia ele precisou tornar-seinfiel verdade reconhecida por ele mesmo: a de que a experincia nada contm seno um caosdesconexo de imagens, sem qualquer determinao do pensamento; do contrrio ele deveria ter

    visto que o sujeito da cognio, o observador, encontra-se to sem relaes no mundo daexperincia quanto qualquer outro objeto desse mundo. Entretanto, ao se atribuir ao mundopercebido a qualidade de subjetivo, j se trata de uma determinao pensamental, do mesmomodo como se uma pedra que casse fosse considerada a causa da impresso no solo. O prprioVolkelt, porm, no quer admitir qualquer conexo entre os objetos da experincia. Aqui reside acontradio de sua viso neste ponto que ele se torna infiel a seu declarado princpio arespeito da experincia pura. Com isto ele se encerra em sua individualidade e no est mais aptoa sair dela. Sim, ele at admite isso sem reservas. Para ele, permanece duvidoso tudo o que estalm das precrias imagens das percepes. Segundo sua opinio, bem verdade que nosso pensarse esfora em deduzir, desse mundo das representaes mentais, uma realidade objetiva; s quenenhuma transcendncia em relao a esse mundo pode conduzir-nos a verdades realmenteseguras. Segundo Volkelt, nenhum saber adquirido pela via do pensar est a salvo da dvida. De

    nenhum modo este se equipara, em certeza, experincia imediata. Somente esta fornece umsaber indubitvel. Ns vimos como isto falho.Tudo isto, no entanto, provm somente do fato de Volkelt atribuir realidade sensorial

    (experincia) uma propriedade que de nenhum modo lhe pode caber, e de edificar sobre essapremissa suas suposies subseqentes.

    Tivemos de dispensar especial ateno ao texto de Volkelt por ser a obra mais significativa daatualidade; e tambm por ser vlido como prottipo para todos os empenhos gnosiolgicos comprincpios opostos diretriz fundamentada na cosmoviso de Goethe, representada por ns.

    7. Apelo experincia de cada leitor

    Queremos evitar o erro de atribuir de antemo uma propriedade ao imediatamente dado, primeira forma em que aparece o mundo exterior e interior, e, com isto, fazer valer nossas explica-es com base numa pressuposio. Sim, at definimos a experincia justamente como aquilo emque nosso pensar no tem participao alguma. Portanto, no se pode alegar um erro depensamento no incio de nossas exposioes.

    O erro bsico de muitos empenhos cientficos da atualidade consiste justamente no fato deeles acreditarem retratar a experincia pura, enquanto na verdade apenas deduzem os conceitosinseridos nela por eles prprios. Ora, pode-se objetar que tambm ns atribumos uma srie dequalidades experincia pura. Ns a designamos como variedade infinita, como um agregado dedetalhes desconexos, etc. Afinal, no sero estas tambm determinaes do pensamento? Nosentido em que as utilizamos, certamente no. Ns nos servimos desses conceitos somente a fim deconduzir o olhar do leitor para a realidade livre de pensamentos. No queremos atribuir esses

    conceitos experincia; servimo-nos deles apenas para dirigir a ateno quela forma da realidadeque destituda de qualquer conceito.Todas as investigaes cientficas precisam ser efetuadas por meio da linguagem, e esta, por

    sua vez, pode apenas exprimir conceitos. , porm, essencialmente diferente se certas palavrasso usadas para atribuir diretamente tal ou qual propriedade a uma coisa, ou se algum s se servedelas para dirigir o olhar do leitor ou ouvinte a um objeto. Se nos fosse permitido utilizar umacomparao, diramos o seguinte: Uma coisa A dizer a B Observe aquele homem no mbito desua famlia, e voc far dele um juzo essencialmente diferente do que se o tiver conhecido apenasem seu comportamento profissional; outra coisa ele dizer Aquele homem um excelente paide famlia. No primeiro caso, a ateno de B conduzida em certa direo ele levado a julgaruma personalidade sob certas circunstncias. No segundo caso, simplesmente atribuda deter-minada caracterstica a essa personalidade, fazendo-se uma afirmao. da mesma maneira comoo primeiro caso se comporta aqui em relao ao segundo que o incio desta nossa obra devecomportar-se em relao s semelhantes manifestaes da literatura. Se em alguma parte oassunto for aparentemente diverso, por fora do necessrio estilo textual ou da possibilidade de

    171717171717

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    18/51

    expresso, frisamos aqui expressamente que nossas exposies possuem apenas o sentido aquiexplicado, estando muito longe da pretenso de terem apresentado, a respeito das coisas, qualquerafirmao que seja vlida por si.

    Se quisssemos ter um nome para a primeira forma em que observamos a realidade,acreditamos encontrar na expresso manifestao aos sentidos19 a mais adequada ao assunto. Porsentido no entendemos apenas os sentidos externos, os mediadores do mundo exterior, mas todos

    os rgos corporais e espirituais que servem percepo dos acontecimentos imediatos. NaPsicologia existe uma denominao bastante utilizada sentido interior para a capacidade depercepo das vivncias ntimas.

    Com a palavra manifestao, no entanto, queremos simplesmente designar uma coisa ou umprocesso perceptvel para ns na medida em que se apresenta no espao ou no tempo.

    Devemos ainda suscitar uma questo que nos levar ao segundo fator a considerarmos comvistas cincia do conhecimento: aopensar.

    Ser que a maneira como a experincia se nos tornou conhecida at agora deve ser vista comoalgo fundamentado na essncia do objeto? Acaso ela uma propriedade da realidade?

    Da resposta a esta pergunta depende muita coisa. Caso essa maneira seja uma propriedadeessencial dos objetos da experincia, algo que, segundo sua natureza, lhes caiba no sentido maisverdadeiro da palavra, ento no ser possvel prever como se poder jamais transpor essa etapa

    do processo cognitivo. Dever-se-ia simplesmente passar a registrar tudo o que percebemos emapontamentos desconexos, e tal coletnea de apontamentos seria a nossa cincia; pois qual seria afinalidade de toda pesquisa da conexo entre as coisas se o completo isolamento que lhes cabe, sobforma de experincia, fosse sua verdadeira particularidade?

    A situao seria bem diferente20se nessa forma da realidade no lidssemos com sua essncia,mas apenas com seu lado externo totalmente desprovido da mesma; se apenas tivssemos perantens um envoltrio da verdadeira essncia do mundo, que nos ocultasse esta ltima e nosincentivasse a continuar pesquisando-a. Deveramos ento pretender atravessar esse envoltrio.Deveramos partir desta primeira forma do mundo para apoderar-nos de suas verdadeiras(essenciais) propriedades. Deveramos superar a manifestao aos sentidos para desenvolver, apartir da, uma forma superior de manifestao.

    A resposta a essa pergunta ser dada nas investigaes a seguir.

    C. Opensar

    8. Opensar como experincia superior na experincia

    Dentro do caos desconexo da experincia na verdade, a princpio tambm como fato daexperincia encontramos um elemento que nos conduz para alm da falta de conexo. Trata-se do

    pensar. O pensar, como fato da experincia dentro da experincia, j assume uma situao deexceo.

    No caso do restante mundo da experincia, ao me deter no que se encontra imediatamenteperante meus sentidos eu no vou alm dos detalhes. Suponha-se que eu tenha minha frente um

    lquido que ento levo fervura. De incio ele est em repouso, mas depois vejo subir bolhas devapor; ele entra em movimento e, finalmente, passa ao estado vaporoso. Estas so, uma a uma, assucessivas percepes. Eu posso mexer e virar a coisa como quiser; se eu me detiver no que ossentidos me proporcionam, no encontrarei conexo alguma entre os fatos. Com o pensar isto noacontece. Se, por exemplo, eu apreendo o pensamento da causa, este me conduz, por seu prpriocontedo, ao efeito. Basta eu reter os pensamentos na forma em que aparecem na experinciaimediata para que eles j se manifestem como determinaes em conformidade com regras.

    O que, no restante da experincia, deve ser primeiramente trazido de outro mbito, caso sejaaplicvel a a correlao pautada por regras ,j existe no pensar em seu primeiro aparecimento.No restante da experincia, o fato inteiro no se imprime j naquilo que se apresenta como

    19 Nestas explicaes j reside a indicao sobre contemplao do espiritual, ao qual se referem minhas obras posteriores,no sentido do que foi dito no final da nota 18, na p. 32. (N.A. 1924)

    20 Com esta explicao no se contradiz a contemplao do espiritual, mas indica-se que a percepo sensorial no chega essncia do espiritual rompendo o mbito do sensorial e penetrando numa existncia situada atrs dela, e sim retornando aoelemento pensamental que se manifesta no homem. (NA. 1924)

    181818181818

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    19/51

    fenmeno ante minha conscincia; no pensar, todo o assunto se resolve sem resduos no que me dado. L eu preciso primeiro atravessar o envoltrio para chegar ao cerne; aqui, envoltrio e cerneso uma unidade inseparvel. Trata-se apenas de preconceito humano banal quando, a princpio, opensar nos parece totalmente anlogo experincia restante. No caso dele, basta superarmos essenosso preconceito. No caso da experincia restante, precisamos solucionar ma dificuldadeinerente coisa.

    No pensar, o que procuramos na experincia restante tornou-se, por si, experincia imediata.Nisso est dada a soluo de uma dificuldade que raramente ser solucionada de outra

    maneira. Deter-se na experincia uma justificada exigncia cientfica. No menos justificada aprocura da regularidade interior da experincia. Portanto, em determinado lugar da experinciaesse prprio interior deve apresentar-se como tal. A experincia ser, assim, aprofundada com aajuda de si mesma. Nossa teoria do conhecimento enaltece a exigncia da experincia da formamais elevada, rejeitando qualquer tentativa de introduzir nela algo de fora. As determinaes dopensar, ela prpria as encontra dentro da experincia. A maneira como o pensar adentra ofenmeno a mesma que no restante mundo da experincia.

    O princpio da experincia geralmente mal compreendido em seu alcance e em seuverdadeiro significado. Em sua forma mais rude, a exigncia de deixar os objetos da realidade naprimeira forma em que aparecem e s assim torn-los objetos da cincia. Este um princpio

    puramente metdico; no diz absolutamente nada a respeito do contedo daquilo que experimentado. Caso se quisesse afirmar que s podem ser objeto da cincia as percepes dossentidos, como faz o materialismo, no se poderia ter por base este princpio. Se o contedo sensorial ou ideal, no cabe a este princpio fazer nenhum julgamento. No entanto, para seraplicvel da mencionada forma rude em determinado caso sem dvida ele estabelece umapremissa: exige que os objetos, ao serem experimentados, j tenham uma forma que satisfaa aoempenho cientfico. Na experincia dos sentidos exteriores como vimos, isto no acontece socorre no mbito do pensar.

    Somente no pensar pode ser aplicado o princpio da experincia em seu mais extremosignificado.

    Isto no exclui que o princpio tambm seja estendido ao mundo restante, j que possui aindaoutras formas alm da sua forma mais extrema. Se, com o propsito da explicao cientfica, nopodemos deixar um objeto ficar tal qual diretamente percebido, ainda assim essa explicao

    pode ocorrer de modo a se trazerem de outros campos do mundo da experincia os meios re-queridos por ela. Assim no teremos transposto o campo da experincia em si.

    Uma gnosiologia fundamentada no sentido da cosmoviso goethiana atribui capitalimportncia necessidade de se permanecer absolutamente fiel ao princpio da experincia.Ningum como Gethe reconheceu a exclusiva validade deste princpio. Ele representava oprincpio to rigorosamente quanto exigimos acima. Todas as concepes superiores a respeito danatureza no podiam parecer-lhe, pois, seno experincia. Elas deviam constituir uma naturezasuperior dentro da natureza.

    No ensaio Die Natur[A natureza], ele diz que estamos impossibilitados de sair da natureza.Nesse seu sentido, portanto, se quisermos esclarecer-nos a respeito da mesma deveremos en-contrar os meios para tal em seu prprio mbito.

    Como, no entanto, poderamos basear uma cincia do conhecimento no princpio da

    experincia caso no encontrssemos, em qualquer ponto da prpria experincia, o elemento bsi-co de toda cientificidade a regularidade ideativa? Conforme vimos, basta admitirmos esseelemento; basta nos aprofundarmos nele pois ele se encontra na experincia.

    Mas ser que o pensar realmente nos aborda de maneira tal, ser que ele se torna toconsciente nossa individualidade, que, com pleno direito, possamos atribuir-lhe as caractersticasacima ressaltadas? Qualquer pessoa que dirigir sua ateno a este ponto achar que existe umadiferena essencial entre a maneira como se torna consciente um fenmeno externo da realidadesensorial, ou mesmo outro processo de nossa vida espiritual, e a maneira como percebemos nossoprprio pensar. No primeiro caso, estamos exatamente cnscios de nos depararmos com uma coisapronta pronta na medida em que veio a ser fenmeno sem que tenhamos exercido uma influnciadeterminante sobre esse vir-a-ser. No caso do pensar diferente. Apenas no primeiro momentoeste parece igual experincia restante. Ao apreendermos qualquer pensamento, ante toda a

    imediao com que ele penetra em nossa conscincia ns sabemos que estamos intimamenteVide Goethe, Dichtng und Wahrheit, tomo XXII, pp. 24 s. (NA. 1886)

    191919191919

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    20/51

    ligados ao seu modo de nascer. Ao me ocorrer qualquer idia sbita, cujo surgimento, portanto, emcerto sentido equivale ao de um acontecimento externo que primeiro deve ser transmitido pormeus olhos e ouvidos, eu sempre sei que o campo em que esse pensamento se manifesta minhaconscincia; sei que primeiro deve ser convocada minha atividade para a ocorrncia se tornar umfato. No tocante a cada objeto exterior, estou certo de que de incio ele oferece apenas seu ladoexterno aos meus sentidos; quanto ao pensamento, sei precisamente que o que ele me dirige ao

    mesmo tempo sua totalidade, que ele penetra em minha conscincia como um todo completo emsi. As foras impulsoras externas, que sempre devemos pressupor no caso de um objeto dossentidos, no existem no caso do pensamento. E a elas que devemos atribuir o fato de amanifestao aos sentidos se nos deparar como algo pronto; a elas que devemos imputar a

    gnese dessa manifestao. No caso do pensamento, tenho certeza de que aquela gnese no possvel sem minha atividade. Eu tenho de elaborar o pensamento, tenho de recriar seu contedo,tenho de vivenci-lo interiormente at em sua menor parte, para que ele tenha qualquersignificado para mim.

    At aqui obtivemos as seguintes verdades: Na primeira etapa da observao do mundo, todaa realidade se nos apresenta como um agregado desconexo; o pensar est encerrado dentro dessecaos. Ao percorrer essa variedade, encontramos nela um componente que, j nesta primeira formade manifestao, possui o carter que os outros devem primeiro adquirir. Esse componente o

    pensar. Aquilo que deve ser superado na restante experincia a forma da manifestao imediata justamente o que deve ser conservado no pensar. Esse fator da realidade, a ser deixado em suaestrutura original, ns o encontramos em nossa conscincia, e estamos de tal forma ligados a eleque a atividade do nosso esprito ao mesmo tempo a manifestao desse fator. Trata-se damesma coisa, observada de dois lados. Essa coisa o contedo pensamental do mundo. Uma vezaparece como atividade de nossa conscincia, outra vez como manifestao imediata de umaregularidade em si perfeita, um contedo ideal definido em si. Logo veremos qual lado temimportncia maior.

    Pelo fato de estarmos dentro do contedo do pensamento, e de o permearmos em todas assuas partes, somos capazes de conhecer realmente sua natureza mais prpria. A maneira como elenos aborda uma garantia de que realmente lhe competem as propriedades que previamente lheatribumos. Portanto, ele certamente pode servir de ponto de partida para toda maneira ulterior deobservao do mundo. Podemos extrair dele mesmo seu carter essencial; se quisermos adquiriresse carterdas coisas restantes, deveremos iniciar nossas pesquisas com base nele. Expressemo-nos logo mais claramente:jque s no pensar experimentamos uma verdadeira regularidade, umadeterminao ideativa, a regularidade do resto do mundo, que no experimentamos nele prprio,tambm j deve estar encerrada no pensar. Em outras palavras: a manifestao aos sentidos e o

    pensar se defrontam na experincia. Aquela no nos fornece esclarecimento algum sobre suaprpria essncia; este nos esclarece simultaneamente sobre si mesmo e sobre a essncia daquelamanifestao aos sentidos.

    9. Opensar e a conscincia

    Nesta altura, entretanto, parece como se ns mesmos tivssemos introduzido o elementosubjetivista que to decididamente queramos manter afastado de nossa teoria do conhecimento.De nossas explicaes se poderia deduzir que, afora o restante mundo da percepo, opensamento, mesmo segundo nosso parecer, seria portador de um carter subjetivo.

    Esta objeo se baseia numa confuso entre o palco dos nossos pensamentos e aqueleelemento do qual eles recebem suas determinaes de contedo, sua regularidade interior. Ns noproduzimos, em absoluto, um contedo de pensamento de modo a determinar, nessa produo,quais conexes nossos pensamentos devem estabelecer. Ns apenas fornecemos a causa oportunapara que o contedo do pensamento possa desenvolver-se de acordo com sua prpria natureza.Concebemos o pensamento a e o pensamento b e, levando-os a uma interao, damo-lhes o ensejode entrar numa relao baseada em certas leis. No nossa organizao subjetiva que determinaessa conexo entre a e b de maneira definida; o prprio contedo de a e b o nico fatordeterminante. No exerceremos a mnima influncia sobre o fato de a e b se relacionarem

    justamente de determinada maneira e no de outra. Nosso esprito efetua a combinao dos blocosde pensamento apenas em conformidade com o contedo deles. Portanto, no pensar ns aplicamos

    202020202020

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    21/51

    o princpio da experincia em sua forma mais rudimentar.Com isto refutada a opinio de Kant e Schopenhauer e, em sentido mais amplo, tambm de

    Fichte, segundo a qual as leis que admitimos para a explicao do mundo so apenas um resultadode nossa prpria espiritualidade, sendo que ns as introduzimos no mundo unicamente em virtudede nossa individualidade espiritual.

    Do ponto de vista do subjetivismo, ainda se poderia levantar outra objeo. Se j a conexo

    regular dos blocos de pensamento no realizada por ns em conformidade com nossa natureza,dependendo, em verdade, de seu prprio contedo, esse contedo bem poderia ser um produtopuramente subjetivo, uma mera qualidade do nosso esprito, de modo que apenas combinssemoselementos produzidos de antemo por ns mesmos. Ento nosso mundo pensamental seria, no emmenor proporo, uma iluso subjetiva. Essa objeo, porm, facilmente contestvel pois casotivesse fundamento ns estaramos combinando o contedo do nosso pensar segundo leis querealmente no saberamos de onde vm. Se elas no brotam de nossa subjetividade, fato que jcontestamos e podemos considerar liquidado, o que, afinal, as regras de combinao podemoferecer-nos para um contedo produzido por ns mesmos?

    Portanto, nosso mundo dos pensamentos uma entidade totalmente fundada em si mesma,uma totalidade coesa, em si perfeita e completa. Vemos aqui qual dos dois lados do mundo dospensamentos o essencial: o lado objetivo do seu contedo, e no o lado subjetivo de sua

    manifestao.Essa compreenso da pureza e da perfeio interiores do pensar se apresenta de formaextremamente clara no sistema cientfico de Hegel. Ningum como ele atribuiu ao pensar um poderto perfeito a ponto de este poder fundar por si mesmo uma cosmoviso. Hegel possui umaconfiana absoluta no pensar: este o nico fator da realidade em que, no verdadeiro sentido dapalavra, ele confia. Contudo, por mais correto que seja seu parecer em geral, foi justamente elequem, pela forma violenta como o defende, tirou todo o prestgio do pensar. A maneira comoapresentou sua opinio culpada pela confuso insana que invadiu nosso pensar sobre o pensar.Ele quis evidenciar o significado do pensamento, da idia, designando a necessidade do pensarcomo excessivamente igual necessidade dos fatos. Com isto provocou o equvoco segundo o qualas determinaes do pensar no seriam puramente ideais, mas factuais. Logo sua opinio foiinterpretada como se, no mundo da realidade sensorial, ele tivesse pesquisado at mesmo opensamento como um objeto. Bem, ele mesmo nunca exps isso to claramente. preciso

    justamente estabelecer que o campo do pensamento unicamente a conscincia humana. Depoisdeve-se mostrar que, por essa circunstncia, o mundo do pensamento nada perde em objetividade.Hegel evidenciou apenas o lado objetivo do pensamento; mas a maioria v apenas por ser issomais fcil o lado subjetivo; e parece-lhe que ele trata algo puramente ideal como uma coisa, e queo teria mistificado. Nem mesmo eruditos da nossa poca e so muitos podem ser absolvidosdeste erro. Eles condenam Hegel por uma falta que ele no cometeu, mas que pode ser-lheimputada pelo fato de ele ter exposto com muito pouca clareza o assunto em questo.

    Concordamos que aqui existe uma dificuldade para nossa capacidade de julgar. No entanto,cremos que para todo pensar enrgico ela seja supervel. Devemos imaginar duas coisas: emprimeiro lugar, que por meio da atividade que ns levamos o mundo das idias a manifestar-se, e,simultaneamente, que o que ativamente chamamos existncia se reporta s suas prprias leis.Ora, certamente estamos habituados a imaginar um fenmeno de modo a s precisar defront-lo de

    modo passivo, numa atitude de observao. S que esta no uma exigncia incondicional. Pormais que nos parea inusitada, a idia de que, ativamente, ns mesmos levamos algo objetivo manifestao, e de que, em outras palavras, ns no apenas percebemos um fenmeno mas aomesmo tempo o produzimos, no inadmissvel.

    Basta simplesmente abandonarmos a opinio habitual de que existem tantos mundospensamentais quanto indivduos humanos. Alis, essa opinio nada mais do que um preconceitoarcaico. Por toda parte ela tacitamente pressuposta sem a conscincia de que outra opinio possaser pelo menos to possvel, e de que devam ser ponderadas as razes da validade de uma ou deoutra. Imagine-se que, em lugar dessa opinio, seja colocada a seguinte: Existe apenas um nicocontedo pensamental, e o nosso pensar individual nada mais do que uma familiarizao do nossoser, da nossa personalidade individual, com o centro pensamental do mundo. Se esta opinio ouno correta, no cabe examinar aqui; contudo ela possvel, e ns conseguimos o que queramos ou seja, mostramos ser pelo menos possvel fazer a objetividade do pensar, proposta por ns comonecessria, evidenciar-se tambm, sob outro prisma, como isenta de contradies.

    No que se refere objetividade, o trabalho do pensador pode ser muito bem comparado ao do

    212121212121

  • 7/30/2019 Rudolf Steiner - O Mtodo Cognitivo de Goethe

    22/51

    mecnico. Assim como este provoca uma interao entre as foras da natureza, e com isto promoveuma atividade e um processo dinmico dirigidos a um fim, o pensador coloca os blocos depensamento em viva interao e estes se transformam nos sistemas de pensamento que constituemnossas cincias.

    Nada melhor para esclarecer uma opinio do que desvendar os erros invocados contra ela.Aqui apelaremos novamente a este mtodo, que j empregamos repetidamente com vantagem.

    Habitualmente se acredita que ns combinamos certos conceitos em complexos maiores, oupensamos de determinada maneira, porque sen