o evangelho segundo joão - rudolf steiner

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5/27/2018 OEvangelhoSegundoJoo-RudolfSteiner-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/o-evangelho-segundo-joao-rudolf-steiner 1/140 Rudolf Steiner O Evangelho segundo João Considerações esotéricas Sobre suas relações com os demais Evangelhos, Especialmente com o Evangelho de Lucas Catorze conferências proferidas em Kassel (Alemanha), de 24 a 7 de julho de 1909 Tradução: Jacira Cardoso

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  • Rudolf Steiner

    O Evangelho segundo Joo

    Consideraes esotricas Sobre suas relaes com os demais Evangelhos,

    Especialmente com o Evangelho de Lucas

    Catorze conferncias proferidas em Kassel (Alemanha), de 24 a 7 de julho de 1909

    Traduo:

    Jacira Cardoso

  • 2

    Prefcio de Marie Steiner Passo a passo, Rudolf Steiner nos conduz a penetrar cada vez mais nos mistrios do

    cristianismo. O primeiro fundamento foi dado naquelas conferncias sobre o Evangelho

    de Joo proferidas em Munique1, Basilia2 e Hamburgo3 e, depois, em Estocolmo.4 Para a

    estrutura daquelas conferncias, pronunciadas sem base escrita, dois pontos foram

    avaliados: o nvel de conhecimento j atingido por uma parte da platia e a

    circunstancial considerao das premissas para o entendimento dos demais ouvintes.

    Assim, tambm as presentes conferncias devem ser vistas como algo surgido da

    colaborao viva entre doador e receptor. Elas esto condicionadas pelo momento

    histrico em que o Cristo vivente teve de ser reconquistado para a humanidade, bem

    como pela circunstncia de a narrao daquele portentoso acontecimento ter

    necessitado adaptar-se possibilidade da gradativa compreenso dos homens em cujas

    almas haveria de consumar-se pela primeira vez essa conquista da conscincia para, a

    partir de ento, permear cada vez mais a conscincia humana geral.

    nesse sentido que encontramos, nestas conferncias, um amoroso

    aprofundamento nas bases formativas da compreenso uma infra-estrutura que, por

    meio da Cincia Espiritual, nos leva a compreender o aspecto especificamente cristo.

    Ns somos conduzidos ao Mistrio de Deus, do qual nascemos, e aprendemos a entender

    o que a morte. Passamos a compreender o mistrio da superao da morte pelo morrer

    em Cristo, e aprendemos a entender a vida. A Cruz Csmica emersa das guas universais

    recebe, na Terra, uma realidade fsica e embebida e transiluminada pelo sangue do

    Cristo, tornando-se um poderoso signo da Ressurreio. A Terra, que recebe a substncia

    ssea e o sangue derramado do Cristo, transforma-se assim em seu corpo, num novo

    centro de radiao; a partir da atuao do feito do Cristo, plasmado um envoltrio

    espiritual radiante, um novo Sol: o Esprito Santo.

    O contedo das conferncias reproduzidas neste livro nos leva at o limiar desse

    mistrio.

    Um estremecimento percorre nossa alma, pois o que as especulaes filosficas

    mais avanadas, as dissertaes teolgicas mais sutis, com suas finas tramas mentais,

    no permitiram realizar a transposio do tecido mental para a vida, para o ser, para a

    realidade espiritual ocorre aqui com alguns golpes espirituais to poderosos quanto a

    fora de vo da guia. O Sol nos trazido para bem perto em sua essencialidade; ns

    vemos seu surgimento, sentimos sua atuao, somos elevados at ele; ele nos abrange,

    ns o penetramos, ele se nos torna como que palpvel.

    Por outro lado, h o suceder terrestre, tal como se desenrola imagens da

    Histria: conclios, exigncias autoritrias da Igreja, venerveis patriarcas eclesisticos

    com hbitos e barbas ondulantes, conflitos em torno de interpretaes, separao dos

    prncipes da Igreja, a luta das vrias concepes e do pensamento puro com as esferas

    estabelecidas da autoridade. Pai, Filho e Esprito Santo, os trs aspectos do Logos,

    perdem paulatinamente sua vida original no mbito da luta entre sofismas dialticos.

    1 Quatro conferncias (22/4 a 15/5/1907), cujo contedo anotado por ouvintes consta em Aus der Bilderschrift der Apocalypse des Johannes, GA-Nr. 104a (Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1991). (N.E.) 2 Das Johannes-Evangelium, oito conferncias (16-25/11/1907) em Menschheits-entwicklung und Christus-Erkenntnis, GA-Nr. 100 (2 ed. Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1981). (N.E.) 3 Das Johannes-Evangelium, doze conferncias de 18 a 31/5/1908, GA-Nr. 103 2ed. Dornach: Rudolf Steiner

    Verlag, 1995). (N.E.) 4 Sobre o tema constam conferncias em 4/4 e de 7 a 21/7/1908 em Cristinia (atual Oslo). Veja Hans Schmidt, Das Vortragswerk Rudolf Steiners (2 ed. Dornach: Philosophisch-Anthroposophischer Verlag, 1978). (N.E.)

  • 3

    Surgem os dogmas apontando para a absoluta submisso e, em seu imediato cortejo,

    frios e cruis resolues conciliares, condenaes de hereges, fogueiras. Fisionomias

    perspicazes, astutas, vidas de poder, impassveis lanam seu olhar de dentro do hbito

    e sob o chapu cardinalcio, ordenando, julgando e condenando. Ardem as chamas das

    fogueiras.

    Ora, foras convincentes no residem nesses mtodos. A corrente oposta no se

    deixa mais conter. Surge inicialmente o pensar puritano, depois o pensar racional,

    libertando-nos paulatinamente do dogma e at mesmo da f, colocando-nos em seguida

    diante do antagonismo e finalmente diante do Nada.

    Esse Nada contm o absurdo e tambm a morte espiritual. A esta s se podia

    escapar caso, emergindo do Nada, se descobrisse o Tudo. Encontr-lo s seria possvel

    com aquelas foras anmicas a serem adquiridas de forma nova: com as foras do

    conhecimento, que no geram limites para si prprias.

    Essas foras no seio da humanidade esperavam pelo aperfeioamento, pela

    orientao, pela educao; queriam no s subtrair-se ao dogma cientfico, mas tambm

    ao dogma eclesistico, transformando a f em saber. O limiar do sculo XX se tornou,

    para a humanidade, aquele grau limtrofe que leva a ultrapassar as fronteiras at agora

    estabelecidas para o conhecimento em direo ao domnio das novas possibilidades

    cognitivas.

    Fronteiras so sempre guardadas, cercadas, litigadas. Por elas se luta com todos os

    meios. E no h exatamente meticulosidade no uso desses meios. Mas o Esprito da poca

    poderoso, e quando os homens se lhe opem, tambm ele escolhe fortes meios para

    romper a oposio.

    Muita coisa indica que os comoventes acontecimentos pelos quais a humanidade

    teve de passar5 deram-lhe o impulso que rompeu a mais forte petulncia. fato que

    ainda existe oposio, comodidade intelectual e medo. Prefere-se antes entrar na insen-

    sibilidade do que no estado de alerta para a responsabilidade. Mas numa parte da

    humanidade se faz sentir, sem resistncia, a vontade em direo ao conhecimento.

    O que ainda permanece diante das foras cognitivas do homem, como denso vu,

    seu intelecto. Na atividade pensante, to ligada ao crebro que este a usa como um

    aparelho refletor, espelha-se o contedo exterior do pensar, para da ir novamente ao

    encontro do homem. Pode-se senti-lo como um ser prprio, mas ele possui apenas uma

    vida reflexa. Isto se torna claro medida que se atinge o outro lado do espelho, l onde

    a vida flui. Pode-se acompanhar o pensamento, deixando-se levar por ele. Chega-se

    ento ao outro lado, atrs da alegoria refletida pela parede espelhada do crebro.

    Usando-se das foras localizadas alm deste, ilumina-se o pensar com o fogo espiritual

    que flui atravs do cerne eterno do homem, tornando-se a fora de seu eu. A rvore do

    conhecimento transformada em rvore da vida. A morte se transforma em agente

    despertador pela unio com o Eu Divino. Ns captamos o indcio que nos torna uma

    vivncia consciente o fato de o morrer em Cristo se transformar em novo cintilar do vir-

    a-ser. A rvore da vida nos sussurra o mistrio que quer inclinar-se em nossa direo de

    forma nova: aquele que, da urna do elemento fsico, quer ressurgir em ns como nosso

    prprio ser pela fora do Cristo para uma nova vida, o mesmo Eu Divino que falou, da

    distncia do espao estelar, do fogo do Sol, do raio e do trovo dos elementos, do sangue

    santificado do Filho do Homem a vida sagrada, una, sob trs aspectos: o do Verbo

    Criador, o do Verbo Redentor e Unificador e o do Verbo Atuante. Ns o perdemos e

    devemos capt-lo de novo; o conhecimento nos reconduziu a ns mesmos. Ao decifrar o

    Verbo Sagrado, ns vivenciamos a comunho espiritual, o Cristo.

    5 Primeira Guerra Mundial. (N.T.)

  • 4

    Este aspecto supremo, que pode ser dado humanidade no ponto de retorno do

    caminho de seu destino onde, ao redor de sua personalidade, lutam hostes espirituais

    , chega-lhe na paulatina revelao do Evangelho de Joo. Da, se erguem os degraus

    para aquele trio da compreenso onde a vida interior ativada capta o ser no

    conhecimento.

    Luz divina, Cristo-Sol, aquece nossos coraes, ilumina nossas cabeas, para que seja bom o que, a partir dos coraes, quisermos fundar; e o que quisermos, a partir das cabeas, retamente conduzir. [Rudolf Steiner]

    24 de junho de 1909

    A anunciao do Mistrio do Cristo

    Numa grande parte da humanidade que aspirava a algo superior, ocorria,

    justamente neste dia do ano, a celebrao de uma determinada festividade. E aqueles

    que aqui, nesta cidade, se denominam conosco amigos do movimento antroposfico,

    consideraram de certa importncia que esta srie de conferncias pudesse iniciar-se

    justamente neste dia de So Joo. O dia do ano assim denominado era uma festividade

    j na antiga cultura persa. Celebrava-se ento, num dia correspondente ao presente dia

    de junho, a festividade do chamado Batismo pela gua e pelo fogo. Na antiga Roma se

    celebrava, num dia similar de junho, o Festival da Vesta, que era novamente uma

    festividade do batismo pelo fogo. E se retrocedermos civilizao europia antes do

    cristianismo, e quelas pocas anteriores sua divulgao, encontraremos novamente tal

    festa de junho, coincidindo com a poca em que os dias se tornaram mais longos e as

    noites mais curtas, recomeando os dias a diminuir e o Sol a perder, portanto, uma parte

    da fora que irradia sobre todo crescimento e toda prosperidade da Terra.6 Aos olhos dos

    nossos antepassados europeus, esse festival correspondia a uma retirada e ao gradual

    desaparecimento do deus Baldur que em suas mentes estava associado ao Sol. Na era

    crist, esse mesmo festival de junho tornou-se gradualmente a festa de So Joo, o

    precursor do Cristo Jesus. Desta forma, pode igualmente ser o ponto de partida para as

    consideraes a que nos dedicaremos, durante os prximos dias, sobre o mais importante

    de todos os acontecimentos na evoluo da humanidade o evento do Cristo Jesus. Assim,

    o assunto do presente ciclo de conferncias ser esse fato, sua importncia para evoluo

    da humanidade e como apresentado primeiramente no mais significativo documento

    cristo o Evangelho de Joo e depois, em comparao com este, nos outros

    evangelhos. O dia de So Joo nos lembra que essa suprema individualidade que participou da evoluo da humanidade teve um precursor. Com isto, abordamos igualmente um importante ponto que devemos colocar tambm, qual uma espcie de precursor, como

    considerao no ponto de partida de nossas palestras. No decorrer da evoluo humana

    6 O conferencista se refere ao Hemisfrio Norte. (N.E.)

    1

  • 5

    repetem-se acontecimentos profundamente importantes, irradiando uma luz mais intensa que outros. De uma poca para outra, vemos como tais acontecimentos essenciais so relevantes na Histria. E repetidamente nos comunicada a existncia de

    homens que, em certo sentido, podem sab-los antes e anunci-los. Com isto, fica simultaneamente esclarecido que esses acontecimentos no so arbitrrios: quem v em profundidade todo o sentido e todo o esprito da histria da humanidade sabe como tais

    acontecimentos devem advir, e como ele prprio tem de fazer um trabalho preparatrio para que possam ocorrer.

    Durante os prximos dias, teremos freqentemente a oportunidade de falar sobre o

    precursor do Cristo Jesus. Hoje, vamos consider-lo do ponto de vista de sua pertinncia

    aos que, em virtude de dons espirituais especiais, tm uma viso mais profunda do

    contexto da evoluo humana e sabem que existem momentos eminentes dessa mesma

    evoluo. Da sua capacidade para preparar a vinda do Cristo Jesus. Mas, ao olharmos

    para o prprio Cristo Jesus a fim de chegar rapidamente ao principal assunto de nossas

    consideraes, vemos claramente que a diviso cronolgica das pocas anteriores e

    posteriores a seu aparecimento na Terra no sem boa razo. Aderindo a esta diviso,

    uma grande parte da humanidade demonstra ser sensvel ao significado incisivo do

    Mistrio do Cristo. Porm, tudo o que real e verdadeiro deve repetidamente ser

    proclamado de formas e maneiras novas, pois as necessidades da humanidade alteram-se

    de uma poca para outra. Nossos tempos necessitam tambm, em certo sentido, de uma

    nova anunciao para o maior dos acontecimentos na histria do homem; e o propsito

    da Antroposofia ser esta anunciao.

    Essa anunciao antroposfica do Mistrio do Cristo nova apenas no que respeita

    sua forma: seu contedo, assunto destas conferncias, foi ensinado durante sculos, em

    crculos ntimos, tambm em nossa civilizao e nossa vida espiritual europias. A nica

    diferena entre a presente anunciao e aquela anterior que esta pode ser dirigida a

    um crculo mais lato. Os pequenos crculos onde estes ensinamentos foram ouvidos

    durante sculos reconheciam o mesmo smbolo que aqui est perante os Senhores a

    Rosa-cruz. Este pode, portanto, tornar-se o smbolo da mesma anunciao, agora que ela

    se encaminha a um pblico mais amplo. Desejo agora descrever figurativamente os

    fundamentos sobre os quais esta anunciao rosa-cruz do Cristo Jesus se apoiava.

    Os rosa-cruzes so uma comunidade que desde o sculo XIV cultivou um cristianismo

    genuinamente espiritual na esfera da vida espiritual europia. Essa Sociedade Rosa-cruz,

    que parte de todas as formas histricas exteriores procurou revelar a seus adeptos as

    verdades mais profundas da cristandade, sempre os chamou tambm de cristos

    joanitas. A compreenso desta expresso cristos joanitas nos permitir, ainda que

    no seja explicar com nosso intelecto, pelo menos absorver com nossa aspirao o

    esprito e o contedo das conferncias seguintes.

    Todos conhecem as primeiras palavras do Evangelho de Joo: No princpio era o

    Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princpio com

    Deus.

    O Verbo ou Logos estava, pois, no princpio com Deus. E dito ainda que a Luz

    irradiava na escurido, mas a escurido no a compreendia; e essa Luz estava no mundo

    e entre os homens, mas destes apenas poucos eram capazes de compreend-la. Ento

    apareceu o Verbo em carne como homem num homem cujo precursor foi Joo Batista.

    E agora vemos como aqueles que, at certo ponto, haviam compreendido o significado

    desta apario do Cristo sobre a Terra, esto-se esforando agora para esclarecer a

    natureza real do Cristo; como o autor do Evangelho de Joo indica, sem qualquer dvida,

    que a entidade mais profunda vivente em Jesus de Nazar no era outra seno aquela da

  • 6

    qual se originaram todos os outros seres nossa volta; era o Esprito vivo, o Verbo vivo,

    o prprio Logos.

    Mas tambm os outros evangelistas se esforaram, cada qual sua maneira, para

    descrever o que realmente surgiu em Jesus de Nazar. O autor do Evangelho de Lucas,

    por exemplo, tenta explicar como algo muito especial apareceu quando, pelo batismo do

    Cristo Jesus por Joo Batista, o Esprito se uniu ao corpo de Jesus de Nazar. O mesmo

    escritor continua demonstrando como Jesus de Nazar um descendente de uma linha

    de antepassados que remonta muito longe. A nos relatado que a rvore genealgica de

    Jesus de Nazar se estende de Davi a Abrao, a Ado e mesmo ao prprio Deus. Vemos,

    claramente indicado, que Jesus de Nazar era o filho de Jos; Jos era o filho de Eli; a

    seguir: o qual era filho de Davi e mais adiante: o qual era filho de Ado, e Ado era

    filho de Deus! Isto quer dizer que o autor do Evangelho de Lucas d nfase especial ao

    fato de que de Jesus de Nazar, sobre o qual desceu o Esprito no batismo por Joo,

    pode ser seguida uma linha direta de ascendncia at Aquele que ele denomina o Pai de

    Ado Deus. Estes fatos devem ser tomados de maneira absolutamente literal.

    No Evangelho de Mateus faz-se a tentativa de conduzir a ascendncia de Jesus de

    Nazar at Abrao, a quem o prprio Deus se revelou.

    Por isto, e tambm por muitos outros aspectos, por muitas palavras que podemos

    encontrar nos Evangelhos, a individualidade portadora do Cristo e todo o advento do

    Cristo representa no s um dos maiores, mas o maior fenmeno da evoluo da

    humanidade. Com isso fica incondicionalmente expresso o que pode ser traduzido, por

    simples palavras, da seguinte forma: Se o Cristo Jesus era visto, por aqueles que

    pressentiam sua grandiosidade, como a figura mais importante da humanidade na Terra,

    tem de existir uma ligao entre esse mesmo Cristo Jesus e o que h de mais sagrado,

    mais ntimo no prprio homem. Tem de existir dentro do prprio homem algo que

    corresponda diretamente ao acontecimento do Cristo. Se o Cristo Jesus, como relatado

    nos Evangelhos, representa realmente o maior acontecimento na evoluo da

    humanidade, no dever ento existir em todas as coisas, bem como em cada alma

    humana, um elo de unio com o Cristo Jesus?

    Na verdade, o ponto mais importante e essencial aos olhos dos cristos joanitas das

    comunidades rosa-cruzes era precisamente o fato de existir em cada alma humana aquilo

    que diz respeito e est ligado aos acontecimentos ocorridos na Palestina por meio do

    Cristo Jesus. E se o Cristo pode ser considerado o acontecimento supremo da

    humanidade, aquilo que na alma humana corresponde ao evento Crstico tem de ser a

    caracterstica suprema do homem. O que poder ser isso? A resposta dos discpulos dos

    rosa-cruzes a esta pergunta era que toda alma humana est aberta a uma experincia

    expressa nas palavras despertar, renascimento ou iniciao. Veremos o que querem

    dizer tais palavras.

    Quando olhamos, nossa volta, para as vrias coisas que nossos olhos vem e nossas

    mos tocam, observamos como elas surgem e se decompem. Vemos como as flores

    desabrocham e murcham, como toda a vegetao do ano ganha vida e depois morre. E

    apesar de haver no mundo coisas como montanhas e rochas, aparentemente desafiando

    os tempos, o provrbio gua mole em pedra dura tanto bate at que fura sugere

    alma humana um pressentimento de que as rochas e montanhas, em toda a sua

    majestade, esto sujeitas s leis do mundo temporal. O homem sabe: tudo o que se

    forma a partir dos elementos cresce e se desfaz, e isto diz respeito no s sua

    corporalidade, mas tambm ao seu prprio eu temporal. No entanto, os que sabem

    como se pode alcanar um mundo espiritual tambm esto conscientes de que, apesar de

    os olhos, ouvidos e todos os outros sentidos no servirem para tal fim, o homem pode, no

  • 7

    entanto, entrar no mundo espiritual pelo despertar, pelo renascimento ou iniciao. E o

    que que renasce?

    Ao olhar para seu prprio ntimo, o homem chega finalmente concluso: O que

    encontro em meu ntimo aquilo que chamo de eu. Esse eu distinto, j por seu

    prprio nome, das coisas do mundo exterior. Toda coisa exterior pode ter um nome

    comum: a mesa todos podem chamar de mesa, o relgio de relgio. A palavra eu, no

    entanto, nunca pode soar aos nossos ouvidos referindo-se a ns prprios, pois eu s

    pode ser proferido no ntimo. Para todos os outros seres, ns somos um tu. J por isso o

    homem capaz de distinguir entre esta entidade-eu e todo o resto existente nele e ao

    seu redor.

    Porm, a isto se acrescenta algo que os pesquisadores espirituais de todos os

    tempos frisaram repetidamente, de suas prprias experincias em prol da humanidade:

    dentro desse eu nasce um outro eu, um Eu Superior, tal como a criana da me.

    Considerando o ser humano conforme se nos apresenta em vida, vemo-lo primeiro

    como uma criana desajeitada a olhar as coisas no mundo sua volta; vemos como

    gradualmente ele aprende a compreender as coisas e vai despertando em sua

    inteligncia; como sua vontade e seu intelecto crescem, e como ele aumenta em fora e

    energia. Mas h indivduos que avanam igualmente em outro sentido: atingem um

    desenvolvimento superior, alm do normal, chegando a encontrar como que um segundo

    eu, que diz tu ao primeiro da mesma forma como o eu normal diz tu ao mundo

    exterior e ao seu prprio corpo.

    Assim, esse ideal colocado diante da alma humana pode tornar-se realidade para os

    que, seguindo as instrues do pesquisador espiritual, dizem a si prprios: O eu de que

    tive conhecimento at agora participa do mundo exterior e desaparece com ele. Porm,

    um segundo eu dormita em mim um eu do qual os homens no tm conscincia mas

    podem vir a ter um eu que est unido ao eterno da mesma forma como o primeiro est

    ligado ao transitrio e temporal. Com o renascimento, o Eu Superior pode olhar para

    dentro de um mundo espiritual tal como o eu inferior pode penetrar no mundo sensorial

    por meio dos sentidos. Este assim chamado despertar, renascimento ou iniciao o

    acontecimento supremo para a alma humana, tambm do ponto de vista dos chamados

    seguidores da Rosa-cruz. Eles sabiam que a esse renascimento do Eu Superior, que olha

    para o eu inferior tal como o homem olha para o mundo exterior, tem de estar ligado o

    evento do Cristo Jesus. Isto significa que assim como o homem individual pode viver a

    experincia do renascimento no decurso de sua evoluo, o Cristo Jesus trouxe um novo

    renascimento para toda a humanidade. O que, para o homem individual, se realiza como

    um acontecimento mstico-espiritual ntimo ao nascer seu Eu Superior, foi cumprido para

    toda a humanidade, como um fato histrico do mundo exterior, por intermdio do Cristo

    Jesus na Palestina.

    Como se apresentou esse acontecimento, por exemplo, a algum como o escritor do

    Evangelho de Lucas? Ele poderia dizer a si prprio: a genealogia de Jesus de Nazar

    estende-se a Ado e ao prprio Deus. A humanidade que hoje existe desceu outrora de

    alturas divino-espirituais para habitar o corpo humano fsico; ela nasceu do Esprito

    estava outrora com Deus. Ado foi aquele que se deixou conduzir das alturas espirituais

    para a matria; ele , neste sentido, o Filho de Deus. Houve, pois, outrora segundo o

    autor do Evangelho de Lucas um reino espiritual divino que se adensou, por assim

    dizer, formando o reino terrestre transitrio: surgiu Ado. Ele era a imagem terrestre do

    Filho de Deus; dele descende todo homem que habita um corpo fsico. E em Jesus de

    Nazar viveu, de uma maneira especial, no s algo que vive em todo e qualquer homem

    nele vive algo que s poder ser encontrado em sua verdadeira natureza se estivermos

  • 8

    cnscios de que a parte essencial do homem descende do Divino. Em Jesus de Nazar

    ainda h algo evidente desta origem divina. Por isso o escritor do Evangelho de Lucas

    sente-se compelido a dizer: Olhai para aquele que foi batizado por Joo. Ele traz

    caractersticas especiais da fonte divina da qual descende Ado. Esta fonte divina pode

    renovar-se nele. Tal como o ser divino desceu at a matria e, como divindade,

    integrou-se na raa humana, assim ele reaparece agora. A humanidade pde renascer,

    em sua natureza mais ntima, divina, em Jesus de Nazar! O escritor do Evangelho de

    Lucas queria dizer o seguinte: se seguirmos a ascendncia de Jesus de Nazar at sua

    origem, reencontraremos nele a origem divina e os atributos do Filho de Deus, numa

    forma renovada e em maior grandeza do que a humanidade poderia possuir at ento.

    O escritor do Evangelho de Joo realou ainda mais nitidamente que algo divino

    vive no homem, manifestando-se em sua forma suprema como Deus ou o prprio Logos.

    Deus, que por assim dizer havia sido enterrado na matria, renasce como Deus em Jesus

    de Nazar: eis o significado pretendido pelos escritores ao prefaciar seus Evangelhos.

    E os que pretendiam continuar a sabedoria dos Evangelhos os cristos joanitas ,

    o que diziam? Diziam o seguinte: Para cada homem individual existe um grande, um

    portentoso acontecimento que pode ser denominado renascimento do Eu Superior. Assim

    como a criana nasce de sua me, tambm o Eu Divino nasce do homem. A iniciao, o

    despertar possvel, e uma vez consumado assim diziam os entendidos , passam a

    ter importncia coisas diferentes das que tinham antes. O que se torna importante ser

    evidenciado por uma comparao:

    Suponhamos termos diante de ns um homem na casa dos setenta anos porm um

    homem iniciado que tenha recebido seu Eu Superior; e imaginemos que tenha vivenciado

    o renascimento, o acordar de seu Eu Superior aos quarenta anos. Quem pretendesse

    escrever sobre sua vida nessa ocasio teria podido dizer: Aqui est um homem em quem

    nasceu o Eu Superior. Ele o mesmo que conheci em determinada situao h cinco anos

    e em outra h dez anos! E se ele quisesse mostrar-nos a identidade deste homem com

    referncia ao ponto de partida especial que fora seu nascimento, os quarenta anos

    iniciais de sua existncia fsica seriam pesquisados e descritos segundo a Cincia

    Espiritual. Aos quarenta anos, contudo, nasceu nesse homem um Eu Superior, que desde

    ento irradia sua luz sobre todas as circunstncias da vida. Esse agora um novo

    homem. O que antecede este acontecimento agora menos importante; estamos

    sobretudo empenhados em saber como o Eu Superior cresce e se desenvolve de ano para

    ano. Na altura do septuagsimo ano desse homem, deveramos informar-nos sobre qual

    teria sido o percurso de seu Eu Superior dos quarenta aos setenta anos de idade. E para

    ns seria importante ser o verdadeiro Eu Superior esse que se nos apresenta aos setenta

    anos, se realmente reconhecssemos nele aquele nascido na alma desse homem aos

    quarenta anos de idade.

    Assim procediam os escritores dos Evangelhos, e igualmente os cristos joanitas

    adeptos da Rosa-cruz, com relao ao ser que denominamos Cristo Jesus.

    Os evangelistas empenharam-se primeiramente em demonstrar que o Cristo Jesus

    provm do Esprito original do mundo, ou seja, do prprio Deus. A divindade at ento

    oculta em todos os homens manifesta-se proeminentemente no Cristo Jesus. Trata-se do

    mesmo Deus que em Joo se afirma ter estado presente no incio. E foi o objetivo dos

    evangelistas mostrar que aquele Deus, e nenhum outro, estava em Jesus de Nazar.

    Contudo, aqueles cuja misso foi continuar a sabedoria de todos os tempos, mesmo at

    nossa poca, estavam empenhados em mostrar como o Eu Superior da humanidade, o

    Esprito Divino da humanidade, nascido em Jesus de Nazar pelos acontecimentos na

  • 9

    Palestina, permaneceu o mesmo e foi preservado por todos os que na verdade o

    compreendiam.

    Como no caso descrito acima, em que o Eu Superior nasceu num homem aos seus

    quarenta anos, os evangelistas descreveram o Deus no homem at os acontecimentos na

    Palestina: como esse Deus se desenvolveu, como renasceu e assim por diante. Os

    continuadores dos evangelistas, contudo, tiveram de mostrar que os acontecimentos

    assim descritos tratavam do renascimento do Eu Superior, e que de ento para c apenas

    nos interessa o aspecto espiritual, que agora irradia luz sobre todo o resto. Os cristos

    joanitas, cujo smbolo era a Rosa-cruz, diziam o seguinte: foi precisamente aquilo que

    renasceu como o mistrio do Eu Superior da humanidade que se preservou intacto. Esse

    mistrio foi preservado por aquela comunidade restrita que teve incio no movimento

    Rosa-cruz. Essa comunidade simbolicamente relatada na lenda do clice sagrado

    denominado Santo Graal, do qual Cristo Jesus comeu e bebeu e no qual o sangue que

    jorrou de suas feridas foi recolhido por Jos de Arimatia. Esse clice, segundo se diz,

    foi trazido por anjos para a Europa. Foi-lhe construdo um templo, e os rosa-cruzes

    tornaram-se os guardies de seu contedo daquilo que constitua a verdadeira essncia

    do Deus renascido. O mistrio de Deus renascido reinava na humanidade: eis o mistrio

    do Santo Graal. Esse um mistrio apresentado como um novo Evangelho, e do qual se

    diz: Elevemos o olhar para o sbio escritor do Evangelho de Joo, que pde dizer: No

    princpio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. O mesmo que

    estava no princpio com Deus renasceu naquele que vimos sofrer e morrer no Glgota, e

    que ressuscitou. Essa continuidade do Princpio Divino atravs de todos os tempos e sua

    ressurreio o que quis descrever o autor do Evangelho de Joo. Porm todos os

    narradores destes fatos sabiam: o que existia desde o princpio havia sido preservado.

    No princpio era o mistrio do Eu Superior humano; este foi mantido no Graal e ao

    Graal permaneceu unido; e no Graal vive o Eu que est unido ao eterno e imortal, assim

    como o eu inferior est unido ao transitrio e mortal. Quem conhece o mistrio do Santo

    Graal sabe que do lenho da cruz surge a essncia da vida, o Eu imortal simbolizado pelas

    rosas na madeira escura. Desta forma o mistrio da Rosa-cruz pode ser visto como uma

    continuao do Evangelho de Joo, e nesta conformidade podemos realmente dizer as

    seguintes palavras:

    No princpio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princpio com Deus. Todas as coisas foram criadas por Ele, e nada foi criado sem Ele. Nele estava a Vida, e a Vida era a Luz dos homens. E a Luz irradiou na escurido, mas a escurido no a compreendeu.

    Apenas alguns, nos quais vivia algo no nascido da carne, compreendiam a Luz que

    irradiava na escurido. Ento, a Luz se tornou carne e viveu entre os homens na forma

    de Jesus de Nazar.

    Ora, no sentido do Evangelho de Joo se poderia dizer: E no Cristo que viveu em

    Jesus de Nazar estava o Eu Superior Divino de toda a humanidade, do Deus renascido,

    que se tornou terreno em Ado, criado sua imagem. Esse Eu humano renascido teve

    continuidade como um mistrio sagrado; foi preservado sob o smbolo da Rosa-cruz, e

    anunciado hoje como o mistrio do Santo Graal, como a Rosa-cruz.

    O Eu Superior, que pode nascer em toda alma humana, provm do renascimento do

    Eu Divino na evoluo da humanidade por meio do acontecimento da Palestina. Tal como

    o Eu Superior nasce em todo ser humano, o Eu Superior de todos os homens, o Eu Divino,

    nasceu na Palestina. Isto foi preservado e mais desenvolvido por aquilo que se oculta no

    smbolo da Rosa-cruz. Porm, ao considerarmos a evoluo humana no vemos apenas

  • 10

    este grande acontecimento, o renascimento do Eu Superior: h uma quantidade de

    acontecimentos menores.

    Antes de a alma poder elevar-se a esta experincia sublime (o nascimento do Eu

    imortal dentro do mortal), certas etapas preliminares, de profunda natureza, devem ser

    percorridas. O homem deve preparar-se de muitas e mltiplas maneiras. E aps esta

    grande experincia, que lhe permite dizer Agora sinto algo dentro de mim; estou ciente

    de que algo em mim baixa o olhar para o meu eu habitual do mesmo modo como meu eu

    habitual baixa o olhar para os objetos sensveis. Agora sou um segundo ser dentro do

    primeiro; elevei-me s regies onde estou unido aos seres divinos, depois disso existem

    outras etapas diferentes e superiores s preliminares, e que devem ser atravessadas.

    Temos, assim, o grande e nico acontecimento do nascimento do Eu Superior em

    cada homem individual, mas tambm um nascimento similar para toda a humanidade o

    renascimento do Eu Divino. Para isso existem os passos preparatrios, e outros que

    devem suceder-se a esse acontecimento decisivo. A partir do evento Crstico vemos, em

    retrospeco, os passos preliminares. Vemos outros grandes acontecimentos na evoluo

    humana. Vemos como o evento do Cristo se aproximou gradualmente, e como disse

    Lucas: No princpio havia um Deus, um ser espiritual nas alturas espirituais. Ele desceu

    ao mundo material e tornou-se homem, tornou-se humanidade. Podia-se perceber

    facilmente a origem divina do homem, mas o prprio Deus no podia ser visto quando a

    evoluo humana era olhada meramente com olhos fsicos. Deus estava, por assim dizer,

    por detrs do mundo fsico-terrestre; e a o viam apenas os que sabiam onde Ele estava e

    podiam ver seus reinos.

    Retrocedamos primeira civilizao aps uma grande catstrofe civilizao

    primordial da ndia. A encontramos sete grandes e santos mestres, conhecidos como os

    Santos Rishis. Eles apontavam, no alto, um ser superior do qual diziam: Com toda a

    nossa sabedoria, podemos apenas pressentirmas no conseguimos ver esse ser

    sublime! Os sete Santos Rishis viam muito; no entanto esse ser elevado, a quem

    chamavam Vishva Karman, situava-se alm de sua esfera. Esse ser realmente preenchia o

    mundo espiritual, mas localizava-se alm do alcance da viso clarividente daquela

    poca. Ento veio o perodo de civilizao conhecido pelo nome de seu grande iniciador

    Zaratustra. Aqueles a quem teve por misso dirigir, Zaratustra disse: Quando os olhos

    clarividentes se fixam nas coisas do mundo os minerais, as plantas, os animais e o

    homem , vem diversos seres espirituais em todas as coisas. Mas o ser espiritual a quem

    o homem deve sua prpria existncia e que, em tempos vindouros, dever viver na mais

    ntima natureza do homem esse ser ainda no pode ser visto quando se olha para as

    coisas do mundo, seja com olhos fsicos ou clarividentes. Mas quando elevava ao Sol seu

    olhar espiritual, Zaratustra no via apenas o Sol. Dizia que, assim como a aura do homem

    pode ser vista envolvendo-o, tambm a grande aura solar, Ahura Mazdao, pode ser vista

    no Sol. E foi a grande aura do Sol que produziu o homem de uma forma a ser descrita

    mais adiante. O homem a imagem do Esprito do Sol, Ahura Mazdao, mas Ahura Mazdao

    ainda no habitava na Terra.

    Chega ento a poca em que, em sua viso clarividente, o homem comea a ver

    Ahura Mazdao em seu ambiente terrestre. Iniciou-se o grande momento de ocorrer o que

    ainda no fora possvel na poca de Zaratustra. Nos troves e relmpagos terrestres no

    viam os olhos clarividentes de Zaratustra o grande Esprito do Sol, Ahura Mazdao, o

    arqutipo da humanidade; mas quando se voltava para o Sol, l via ele Ahura Mazdao.

    Tendo Zaratustra encontrado em Moiss seu sucessor, os olhos clarividentes de

    Moiss se abriram e ele pde ver, na sara ardente e no fogo do Sinai, aquele Esprito

  • 11

    que se proclamou o ejeh asher ejeh, o Eu sou aquele que era, que e que ser, Jav

    ou Jeov. Que havia acontecido?

    Desde os tempos pr-histricos, desde a apario de Zaratustra e antes de Moiss

    surgir entre os homens, o Esprito que anteriormente s habitava no Sol havia-se dirigido

    a Terra. Luziu na sara ardente e no fogo do Sinai; estava nos elementos terrestres.

    Algum tempo depois, o Esprito que os Santos Rishis pressentiram mas no puderam ver

    em estado de clarividncia o Esprito que Zaratustra procurou no Sol, que se

    proclamou a Moiss no trovo e no relmpago , o mesmo aparecia sob forma humana

    em Jesus de Nazar. Assim foi o curso da evoluo: do mundo csmico ele desceu

    primeiro para os elementos fsicos, em seguida para um corpo humano; o Eu Divino, do

    qual o homem emergiu e ao qual o escritor do Evangelho de Lucas atribui a ascendncia

    de Jesus de Nazar, voltava a nascer. Com isto se consumava o acontecimento sublime

    do renascimento de Deus no homem.

    Rememoremos as etapas preparatrias que a humanidade igualmente atravessou.

    Os antigos guias que participavam do progresso geral da humanidade tambm estiveram

    sujeitos a passos preliminares, at que um deles avanou o suficiente para tornar-se o

    portador do Cristo. Vemos assim como a evoluo da humanidade se apresenta a uma

    observao espiritual.

    E h ainda outro fato importante. O ser venerado pelos Santos Rishis como Vishva

    Karman, por Zaratustra como Ahura Mazdao do Sol, por Moiss como ejeh asher ejeh,

    apareceu num determinado homem, Jesus de Nazar, na limitada condio humana

    terrestre. Mas antes de chegado o ponto em que esse ser sublime pudesse habitar um

    homem como Jesus de Nazar, mltiplas preparaes foram necessrias. Neste sentido, o

    prprio Jesus de Nazar teve de elevar-se a um alto grau de evoluo. Um homem

    qualquer no poderia ser o portador do ser que descia Terra da forma descrita.

    Ora, ns que nos acercamos da Cincia Espiritual conhecemos a realidade da

    reencarnao. Devemos, assim, dizer que Jesus de Nazar e no o Cristo havia

    passado por muitas encarnaes e suportara muitas provas em tempos anteriores, antes

    de poder vir a ser Jesus de Nazar. Em outras palavras, Jesus de Nazar teve de tornar-

    se um alto iniciado antes de poder receber o Cristo.

    Quando nasce um alto iniciado, como se distinguem seu nascimento e sua vida

    subseqente do nascimento e da vida subseqente de um homem comum? De um modo

    geral, podemos assumir que, ao nascer, o homem est formado, ao menos

    aproximadamente, a partir dos resultados de uma encarnao anterior. Com o iniciado,

    contudo, no isso o que ocorre. O iniciado no poderia ser um guia de homens se sua

    vida interior apenas se adaptasse s circunstncias exteriores. O homem deve constituir

    seu exterior de acordo com as circunstncias sua volta. Quando nasce um iniciado, em

    seu corpo tem de penetrar uma alma elevada, que tenha tido grandes experincias no

    mundo em vidas anteriores. De tais homens se diz que seu nascimento se d em

    circunstncias diferentes do que sucede com outros homens. Por que e como?

    J abordamos a razo dessa diferena: porque um Eu abrangente, um Eu que

    vivenciou coisas extraordinrias, une-se ao corpo; no entanto este no consegue conter,

    nos primeiros tempos, o ser espiritual que procura encarnar nele. Assim, quando um alto

    iniciado desce para um corpo mortal, necessariamente o Eu que se reencarna transcende

    a forma fsica para alm do que seria o caso num homem comum. Enquanto a forma

    fsica de um ser humano comum pouco aps o nascimento se parece e corresponde

    forma espiritual ou aura humana, a aura do iniciado que se reencarna irradiante. Ela

    a parte espiritual que anuncia haver aqui algo mais do que visto no sentido comum. O

    que anuncia ela? Que, alm do nascimento de uma criana no mundo fsico, teve lugar

  • 12

    um acontecimento no mundo espiritual! Esse o significado das lendas ligadas

    reencarnao de todos os iniciados: no apenas uma criana que nasce no corpo fsico

    tambm nas regies espirituais nasce algo que no pode ser abrangido pelo que est

    nascendo l na Terra! Mas quem reconhece isto? Apenas aqueles cujos olhos so

    clarividentes e abertos ao mundo espiritual. Por isso nos relatado que, ao nascer o

    Buda, um iniciado reconheceu estar ocorrendo um acontecimento mais importante que o

    nascimento de um homem. E por isso nos relatado de Jesus de Nazar que sua vinda

    foi, em primeiro lugar, prenunciada pelo Batista.

    Quem possui a viso do mundo espiritual sabe do advento e do renascimento de um

    iniciado, e que isso constitui um acontecimento no mundo espiritual. Assim o sabiam os

    trs reis do Oriente que trouxeram oferendas pelo nascimento de Jesus de Nazar; e o

    mesmo foi expresso pelas palavras do sacerdote iniciado no templo7: Agora posso

    morrer contente, pois meus olhos viram Aquele que ser a salvao dos homens!

    Vemos, pois, ser necessria aqui uma clara distino. Temos um alto iniciado

    renascido em Jesus de Nazar, de cujo nascimento deve ser dito: Uma criana nasceu.

    Com essa criana surge algo que no pode ser abrangido por seu corpo fsico! E com

    esse Jesus de Nazar temos igualmente, no mundo espiritual, algo significativo que

    gradualmente desenvolve o corpo at o ponto de este se tornar apto para esse Esprito.

    Atingido tal ponto, acontece que Joo Batista se aproxima de Jesus de Nazar e um

    Esprito superior desce, unindo-se a este ltimo: quando o Cristo penetra em Jesus de

    Nazar. ento que Joo Batista, como precursor de Jesus Cristo, pode dizer: Eu vim

    ao mundo e fui aquele que preparou o caminho para um ser superior. Com minha boca

    exterior anunciei que o Reino de Deus, o Reino dos Cus est prximo, e que os homens

    devem modificar sua atitude interior. Vim para o meio dos homens e pude dizer-lhes que

    um novo impulso entrar na humanidade. Tal como na primavera o Sol sobe mais alto nos

    cus proclamando o nascimento de algo novo, assim eu venho proclamar aquilo que est

    germinando como o Eu renascido da humanidade!

    Quando o carter humano em Jesus de Nazar atingiu seu pice e seu corpo se

    tornou a expresso de seu esprito, estava ele tambm pronto a receber o Cristo pelo

    Batismo de Joo. Seu corpo estava to desenvolvido quanto o Sol irradiante no dia de So

    Joo, em junho. Isto fora profetizado. O Esprito deveria nascer da escurido tal como o

    Sol aumenta em fora e cresce at o dia de So Joo para, em seguida, comear a

    diminuir.8 Esta foi a misso de Joo Batista: anunciar como o Sol ascende com esplendor

    cada vez maior at o momento em que ele, Joo Batista, pode dizer: Aquele que os

    antigos profetas anunciaram aquele que foi denominado pelos Reinos Espirituais como

    seu Filho ele apareceu! Foi at este ponto que Joo Batista atuou. Mas quando os dias

    se tornam mais curtos e a escurido de novo aumenta, por meio de preparaes a luz

    espiritual interior deve reluzir e tornar-se cada vez mais brilhante, tal como o Cristo

    reluz em Jesus de Nazar.

    Assim observou Joo a vinda de Jesus de Nazar, cujo crescimento ele sentiu como

    seu prprio decrscimo e como o aumento do Sol. Agora decrescerei, disse ele tal

    como o Sol diminui aps o dia de So Joo ; mas ele, o Sol Espiritual, crescer e sua

    luz irradiar da escurido! Assim falou ele de si prprio. Assim se iniciou o renascimento

    do Eu da humanidade, do qual depende o renascimento de cada Eu Superior individual.

    Com isto est caracterizado o importante acontecimento na evoluo do homem

    individual: o renascimento do ser imortal que pode originar-se do eu habitual. Este fato

    7 Simeo, o homem justo e piedoso que, segundo Lucas, veio ao templo de Jerusalm por ocasio da apresentao do menino Jesus por seus pais. (N.T.) 8 Trata-se aqui do solstcio de vero no Hemisfrio Norte, no ms de junho. (N.E.)

  • 13

    est ligado ao maior de todos os acontecimentos, o evento do Cristo, ao qual

    dedicaremos as prximas conferncias.

    25 de junho de 1909

    Jesus de Nazar e o advento do Cristo

    Quando se fala sobre um tema como este do ponto de vista da Cincia Espiritual,

    no se pode utilizar como base qualquer documento surgido no decorrer da evoluo da

    humanidade com o fim de, sob a autoridade dessa prova escrita, trazer luz sobre fatos

    decorridos. Isto no acontece na Cincia Espiritual. Pelo contrrio, esta investiga os fatos

    e ocorrncias da evoluo do homem independentemente de quaisquer documentos; o

    pesquisador espiritual no consulta dados documentados antes de haver investigado e

    verdadeiramente saber descrever os fatos em questo por meios independentes de

    documentos ou tradies. Se recorrer a dados documentados, ser para examinar se

    estes coincidem com o resultado de sua investigao independente. Portanto, estas

    conferncias no contero qualquer declarao, sobre qualquer acontecimento, baseada

    apenas em evidncia bblica ou seja, nos quatro Evangelhos , e sim em resultados de

    pesquisa espiritual independente de todos eles. Porm em todas as oportunidades se

    indicar o fato de tudo o que pode ser constatado e observado pelo investigador

    espiritual estar reproduzido nos Evangelhos, em especial no Evangelho de Joo.

    H uma expresso notvel do grande mstico Jakob Boehme expresso que s

    surpreende os que esto fora do mbito Cincia Espiritual. Jakob Boehme chamou a

    ateno por falar das eras passadas da evoluo humana (por exemplo, da personalidade

    de Ado) como experincias a que estivesse intimamente associado. Diz ele: Algum

    poderia perguntar: Ento voc estava presente quando Ado viveu na Terra? Sem

    dvida estava!, seria minha resposta. Essa uma expresso notvel pois a Cincia

    Espiritual est realmente em posio de observar uma ocorrncia do passado, por mais

    remota que seja, com os olhos do esprito. Eu gostaria de indicar em linhas gerais, na

    introduo, como isto vem a acontecer.

    Tudo o que acontece no mundo fsico-sensorial tem sua contra-imagem no mundo

    espiritual. Quando se move uma mo, ocorre no s seu movimento visto pelos olhos.

    Atrs da mo em movimento e de sua imagem est, por exemplo, meu pensamento e

    minha vontade: a mo deve mover-se. Algo de espiritual sucede por trs. Enquanto a

    impresso visual do movimento desaparece, a contra-imagem espiritual permanece

    gravada no mundo espiritual e deixa infalivelmente um rastro de tal forma que,

    quando se nos abrem os olhos espirituais, podemos seguir os rastros remanescentes de

    suas contra-imagens espirituais. Nada pode acontecer no mundo sem deixar esses sinais.

    Suponhamos que o pesquisador espiritual lance um olhar retrospectivo aos dias de

    Carlos Magno, aos tempos romanos ou ainda Grcia antiga. Tudo o que aconteceu

    nessas eras est preservado no mundo espiritual pelos rastros deixados por seus

    prottipos espirituais, podendo a ser observado. Essa observao chama-se ler na

    Crnica do Akasha. Tal escritura viva existe realmente, e pode ser vista com os olhos

    espirituais. Assim, quando o investigador espiritual descreve os acontecimentos da Pales-

    tina ou as observaes de Zaratustra, suas descries no provm da Bblia ou do Gathas;

    ele descreve o que conseguiu ler na Crnica do Akasha. Depois de haver concludo sua

    investigao oculta, ele volta aos documentos tradicionais no caso presente, aos

    Evangelhos e constata se estes confirmam seus resultados. A posio da pesquisa

    21

  • 14

    espiritual em relao aos documentos tradicionais , pois, de total independncia, e por

    tal razo essa pesquisa se torna competente para julgar tais documentos sob todos os

    aspectos. E quando encontramos nos documentos tradicionais os mesmos fatos que

    estamos em condies de acompanhar na Crnica do Akasha, esta coincidncia prova-nos

    que esses documentos so verdadeiros e mais ainda: que seu autor tambm podia ler

    na Crnica do Akasha. Muitos dos documentos religiosos e outros da humanidade so

    reconstrudos desta forma pela Cincia Espiritual. Ilustremos agora este fato baseados

    num captulo especial da evoluo humana, nomeadamente no Evangelho de Joo e em

    sua relao com os outros Evangelhos. Os Senhores no devem imaginar, no entanto, que

    a Crnica do Akasha essa histria espiritual que se abre aos olhos do clarividente

    seja como um texto da vida comum. Ela como uma escritura viva, e tentaremos ilustrar

    isso com o seguinte exemplo:

    Suponhamos que o clarividente retroceda, digamos, aos tempos de Jlio Csar. Os

    atos de Csar, no tocante ao plano fsico, foram presenciados pelos seus

    contemporneos. Todo ato deixou sua marca na Crnica do Akasha, e quando o

    clarividente olha retrospectivamente como se uma sombra espiritual ou arqutipo dos

    atos estivesse presente. Pensem no movimento da mo. A imagem visual no pode ser

    captada pelo clarividente, mas a inteno de mover a mo, as foras invisveis que

    produziram o movimento, podem sempre ser vistas por ele. Da mesma forma, tudo o que

    viveu nos pensamentos de Csar torna-se visvel, fosse sua inteno a de tomar uma

    certa medida ou de conduzir uma determinada batalha. Tudo o que seus contemporneos

    presenciaram originou-se de seu impulso volitivo e efetivou-se pela ao de foras

    invisveis situadas atrs da imagem visvel. Mas o que est atrs das imagens visveis

    realmente como o verdadeiro Csar, vivendo e movimentando-se como uma imagem

    espiritual de Csar, visvel ao clarividente na Crnica do Akasha. Ora, algum pouco

    experiente nestes assuntos poder objetar: Quanto sua narrativa dos tempos antigos,

    parece-nos pura fantasia, pois seu conhecimento dos atos de Csar provm da Histria, e

    sua imaginao frtil o faz acreditar ver uma espcie de imagens Akasha invisveis. No

    entanto, quem est familiarizado com tais coisas sabe que quanto menos o clarividente

    souber, pela Histria exterior, sobre o assunto das suas investigaes, mais fcil se lhe

    tornar a leitura da Crnica do Akasha. A Histria exterior e seu conhecimento

    justamente um obstculo investigao oculta. Quando atingimos uma certa idade,

    ficamos sob influncia da cultura de nossa poca. O clarividente tambm traz consigo a

    educao de seus dias, at o ponto em que lhe nasce o eu clarividente. Ele estudou

    Histria, tendo tambm obtido conhecimentos tal qual lhe foram fornecidos pela

    Geologia, Biologia, Histria da Civilizao e Arqueologia. Na realidade, tudo isto

    perturba sua viso e poder influenci-lo quando da leitura na Crnica do Akasha. Na

    Histria exterior no pode ser esperada a mesma objetividade e certeza possvel na

    decifrao da Crnica do Akasha. Pensem em que condies um fato ou outro se torna

    histrico. Certos documentos relacionados com um determinado acontecimento foram

    preservados, enquanto outros talvez os mais importantes tero desaparecido. Um

    exemplo mostrar quo incerta pode ser a Histria.

    Entre os muitos ensaios poticos deixados por Gethe, e que so um lindo

    complemento grande obra que ele nos legou em forma acabada, existe um poema

    fragmentado sobre Nauscaa. Porm existem apenas alguns esboos demonstrando como

    ele tencionava completar esse poema. Ele procedia freqentemente assim tomando

    nota de algumas frases , e em geral s muito pouco foi preservado. Assim tambm

    ocorreu com Nauscaa. Houve dois homens que tentaram completar este fragmento:

    Scherer, historiador da literatura, e Herman Grimm. Mas Grimm foi mais que um

  • 15

    pesquisador ele era um pensador com grande imaginao: foi o mesmo que nos legou A

    vida de Michelngelo e um estudo sobre Gethe. Grimm lanou-se ao trabalho tentando

    identificar-se com o esprito de Gethe, e perguntou-se: como teria Gethe, sendo quem

    era, concebido uma figura como a Nauscaa da Odissia? Em seguida, com um certo

    desprezo por esses documentos histricos, reconstituiu o poema no sentido das idias de

    Gethe. Scherer, no entanto, obcecado por fatos documentados, preto no branco,

    afirmou que a Nauscaa de Gethe no poderia ser reconstruda exceto com base em

    material existente. E se props tambm construir uma Nausicaa, mas seguindo as ano-

    taes ao p da letra. Ento comentou Herman Grimm: Suponhamos que o criado de

    Gethe tenha retirado algumas folhas (quem sabe as mais importantes) para acender a

    lareira! Existe alguma garantia de que as folhas existentes tenham algum valor,

    comparadas com aquelas que talvez tenham sido queimadas?

    Tal como neste exemplo, tambm poder ocorrer com toda histria que tiver como

    origem fatos documentados. E isto ocorre freqentemente. Quando se constri algo com

    base em documentos, nunca se deve esquecer que precisamente os mais importantes

    podem ter desaparecido. Na realidade, a Histria nada seno uma fable convenue.

    Quando os fatos revelados pela Crnica do Akasha diferem muito da Histria

    convencional, o clarividente encontra dificuldade em acreditar na imagem do Akasha. E

    seria imediatamente atacado pelo pblico externo se, com base na Crnica do Akasha,

    relatasse qualquer fato de forma diferente. Por isso, quem tem experincia em tais

    assuntos prefere falar dos tempos arcaicos de fases remotas da evoluo terrestre,

    sobre as quais no existem documentos ou tradio. Nestes casos, em que a Histria

    exotrica interfere o mnimo, o relato da Crnica do Akasha o mais fiel possvel. Destas

    observaes os Senhores podem concluir que ningum familiarizado com tais coisas

    poderia conceber que as descries da Crnica do Akasha pudessem ser apenas um eco

    dos fatos j sabidos pela Histria convencional.

    Se investigarmos na Crnica do Akasha aquele grande acontecimento cujo

    significado foi abordado ontem, descobriremos os seguintes pontos principais:

    Toda a raa humana que vive na Terra tem sua origem num plano espiritual e

    descende de uma existncia espiritual divina. Podemos dizer o seguinte: antes que

    existisse a possibilidade de um olho fsico ver ou uma mo fsica segurar um corpo

    humano, o homem j existia em forma de entidade espiritual, e em pocas mais remotas

    como parte de seres espirituais divinos. Como ser, o homem nasceu de seres espirituais

    divinos. Os deuses so, por assim dizer, os antepassados dos homens, e estes so

    descendentes dos deuses. Os deuses necessitavam de homens como seus descendentes,

    pois sem estes no poderiam descer ao mundo fsico-sensorial. Continuando sua existncia

    em outros mundos, os deuses trabalharam do exterior sobre o homem para que ele se

    desenvolvesse gradualmente na Terra.

    Agora os homens teriam de ultrapassar, passo a passo, os obstculos surgidos da

    vida na Terra. Que obstculos eram esses?

    O essencial, para os homens, que os deuses hajam permanecido espirituais e eles,

    como seus descendentes, se hajam tornado fsicos. O homem, cuja natureza espiritual

    era apenas a parte interior, tendo-se tornado fsico em seu ser exterior, tinha agora de

    ultrapassar os obstculos oferecidos pela existncia fsica. Dentro do mundo fsico, ele

    tinha de continuar seu desenvolvimento. Desta forma, avanando de grau em grau em

    desenvolvimento e maturidade, foi-lhe cada vez mais possvel voltar-se novamente para

    os deuses de cujo ventre nascera. Uma descendncia dos deuses seguida de uma

    reascenso e uma paulatina reunio com eles eis o caminho do homem atravs da vida

    terrena. Para tornar possvel esta evoluo, certos indivduos humanos tiveram de

  • 16

    ultrapassar os outros e tomar a dianteira a fim de tornar-se os guias e mestres dos

    homens. Tais guias e mestres tiveram seu lugar entre os homens e encontraram, por

    assim dizer, o caminho para os deuses mais cedo que o resto da humanidade. Desse

    modo, podemos dizer que num determinado perodo os homens atingem um certo grau

    de evoluo; a talvez apenas pressintam o retorno aos deuses, mas ainda tm muito a

    caminhar antes disso. H neles uma centelha do divino, porm nos guias existe sempre

    algo mais. Eles esto mais perto do mbito divino que o homem mais tarde dever

    atingir. E aquilo que reside nesses guias da humanidade visto, por quem tem os olhos

    abertos para as coisas do esprito, como seu atributo principal e essencial.

    Suponhamos que um grande guia da humanidade se encontre perante outro homem

    que, se bem no seja de seu mesmo grau, no entanto seja superior mdia dos seres

    humanos. Esse homem, suponhamos, tem uma viva sensao de que o outro um grande

    guia, e de que a natureza espiritual que o resto da humanidade ainda tem de adquirir j

    est presente nele em alto grau. Como tal homem descreveria esse guia? Ele diria:

    minha frente est um homem um ser humano num corpo fsico, como todos os outros.

    Mas o corpo fsico o menos importante nele; no entra em considerao. No entanto,

    quando lhe dirijo meu olhar espiritual, vejo unido a ele um ser espiritual majestoso, um

    ser divino-espiritual. E isto to importante que eu dedico toda a minha ateno a esse

    ser divino e desprezo o aspecto fsico que ele tem em comum com outro homem.

    Portanto, o clarividente v num guia de homens algo que transcende o resto da

    humanidade, devendo ser descrito de forma completamente diferente. O clarividente

    descreve o que seus olhos espirituais vem.

    Os que atualmente tm voz ativa na vida pblica certamente achariam ridcula a

    idia de um guia transcendente da humanidade. Vemos como alguns homens cultos j

    comeam a tratar as grandes figuras da raa humana do ponto de vista psiquitrico! Ele

    seria reconhecido apenas pelos que houvessem aperfeioado seu olhar espiritual. Estes,

    porm, saberiam no se tratar de um louco ou fantico, nem mesmo de um homem

    dotado, como pessoas benevolentes talvez o designassem, e sim de uma das maiores

    figuras da vida humana no sentido espiritual. Assim ocorreria nos dias de hoje. Mas no

    passado seria bastante diferente, e tambm num passado ainda no to distante de ns.

    Sabemos que a humanidade, com respeito sua conscincia, passou por vrias

    metamorfoses. Todos os homens possuram, outrora, uma clarividncia semiconsciente.

    Mesmo na poca do Cristo a clarividncia ainda estava desenvolvida at certo ponto, e

    em sculos anteriores ainda mais, embora fosse apenas uma mera sombra do que havia

    sido nos tempos da Atlntida e logo a seguir. Pouco a pouco a conscincia clarividente

    desapareceu de entre os homens. Contudo, existiram sempre indivduos isolados que a

    possuam, e mesmo hoje se encontram pessoas clarividentes naturais, cuja

    clarividncia nebulosa consegue distinguir os elementos da natureza espiritual do

    homem.

    Voltemos ao tempo do surgimento do Buda para o povo da antiga ndia. Naquela

    poca ainda no era como hoje. Hoje em dia esse aparecimento de um Buda,

    principalmente na Europa, no seria especialmente respeitado. Mas na poca do Buda

    era diferente, pois muitos eram capazes de ver o que estava realmente acontecendo: o

    nascimento de Buda fora muito diferente de um nascimento comum. Nas escrituras do

    Oriente, e precisamente naquelas que tratam do assunto com a mais profunda

    compreenso, o nascimento do Buda descrito, como se poderia dizer, em grande estilo.

    A relatado que a rainha Maya era a Imagem da Grande Me, tendo-lhe sido predito

    que ela daria luz um majestoso ser. E esse ser veio a Terra por nascimento prematuro.

  • 17

    Esta uma maneira freqente de um ser notvel ser enviado ao mundo: ocorre um

    nascimento prematuro, porque o ser humano em que est encarnado o ser elevado liga-

    se menos matria do que aps plena maturidade.

    Nas importantes escrituras do Oriente relata-se ainda que no momento de seu

    nascimento o Buda foi iluminado, abrindo imediatamente os olhos e dirigindo-os aos

    quatro pontos cardeais da Terra norte, sul, leste e oeste. E depois dito que ele deu

    imediatamente sete passos, cujas marcas permaneceram gravadas no solo onde ele o

    fez. E logo ele tambm falou, dizendo as seguintes palavras: E esta a vida em que eu

    me transformo de Bodhisatva em Buda, a ltima encarnao que eu devo percorrer nesta

    Terra.

    Por estranhos que estes relatos possam parecer ao pensador materialista de hoje, e

    por impossvel que seja interpret-los de uma forma materialista improvisada, sua

    verdade compreendida por quem capaz de ver as coisas com olhos espirituais. E

    naqueles tempos existiam ainda pessoas que, em virtude de seu dom natural de

    clarividncia, podiam ver espiritualmente o que viera ao mundo com o Buda. So

    estranhos os dizeres que eu lhes citei das escrituras orientais sobre o Buda. Hoje em dia

    se diz que so sagas e mitos. Mas quem compreende estas coisas sabe que nelas esto

    contidas verdades espirituais. E acontecimentos como o nascimento do Buda no

    significam apenas algo dentro dos estreitos limites da personalidade ento nascida; eles

    tm significado universal, irradiando qual foras espirituais. E aqueles que ainda viveram

    nesses tempos de maior receptividade espiritual puderam realmente ver a irradiao de

    foras espirituais por ocasio do nascimento do Buda.

    Seria muito justo algum perguntar: por que tais coisas no sucedem mais hoje?

    Ora, tambm hoje existem atuaes nesse mbito, mas s um clarividente consegue v-

    las pois no basta existir algum que irradie essas foras, mas tambm algum que as

    receba. Nos tempos em que os homens ainda eram mais espirituais, eram tambm mais

    receptivos a tais irradiaes. Por isso existe uma profunda verdade em se dizer que no

    nascimento do Buda atuaram foras de natureza curativa e conciliadora. No se trata de

    uma lenda, pois grandes verdades esto contidas na afirmao de que, ao nascer o Buda,

    os que antes se odiavam uniram-se em amor, os que estavam em luta reconciliaram-se, e

    assim por diante.

    Aos olhos do clarividente, a evoluo humana no aparece como a estrada plana

    vista pelo historiador, na qual se eleva, no mximo, um pouco das figuras aceitas como

    histricas. Que existam elevaes e montanhas nessa estrada as pessoas no querem

    admitir elas no suportam isso. Mas quem tem uma viso espiritual abrangente do

    mundo sabe que existem portentosas elevaes e montanhas sobrepondo-se ao caminho

    da humanidade restante: so justamente os guias da humanidade.

    Em que consiste tal direo da humanidade? Em levar o homem a perfazer

    paulatinamente os passos que o conduzam aos mundos espirituais. Ontem mostramos um

    dos passos como sendo o mais importante: o nascimento e o Eu Superior, do Eu

    Espiritual. Falamos tambm da existncia de passos preparatrios e passos posteriores.

    De nossa explanao os Senhores podem ver que o que denominamos o evento Crstico

    o pice da evoluo humana, tendo sido necessria uma longa preparao antes de o

    Cristo poder encarnar-se em Jesus de Nazar. Para se compreender estas preparaes,

    devemos examinar um pouco o mesmo fenmeno em menor escala.

    Suponhamos que um homem entre no caminho do conhecimento espiritual em

    determinada encarnao, isto , pratique alguns exerccios (dos quais falaremos mais

    tarde) que plasmem a alma cada vez mais espiritualmente, tornando-a receptiva ao que

    provm do esprito e levando-a ao ponto de fazer nascer o Eu Superior imperecvel,

  • 18

    capaz de contemplar o mundo espiritual. At ento, o homem passa por muitas

    experincias. Ora, no se deve imaginar que uma pressa excessiva seja possvel em

    assuntos espirituais. O processo tem de ser cumprido com pacincia e perseverana.

    Suponhamos que um homem inicie tal desenvolvimento. Sua meta o nascimento do Eu

    Superior. No entanto, ele s avana at certo grau atinge apenas certos estgios

    preliminares para esse nascimento. Ento morre e volta a nascer. H agora duas

    possibilidades, caso tal homem renascido haja cumprido certa disciplina espiritual numa

    encarnao. Ele pode sentir-se compelido a procurar um guia que lhe mostre como

    repetir em pouco tempo o que j aprendeu e como atingir os passos seguintes; ou ento,

    por uma razo ou outra, no procura seguir por esse caminho. Mesmo neste caso, sua

    vida apresentar caractersticas diferentes do que a de outro homem. A vida de um

    homem que j iniciou os primeiros passos no caminho do conhecimento trar, por si

    prpria, experincias que se evidenciam como efeitos do grau de conhecimento atingido

    por ele em sua encarnao anterior. Ele vivenciar tudo de forma diferente, e as

    vivncias lhe traro uma impresso diversa da que causam em outras pessoas. E com isso

    ele atingir novamente o ponto alcanado outrora por seu esforo. Na encarnao

    anterior ele tivera de progredir passo a passo custa de esforo ativo. Na encarnao

    seguinte, quando a prpria vida traz a recapitulao de seus esforos anteriores, algo se

    aproxima dele, por assim dizer, a partir do exterior, e possvel que ele reviva os

    resultados de sua encarnao anterior de forma bastante diversa. Assim, pode suceder

    que j na infncia uma determinada experincia lhe provoque uma impresso tal que as

    foras adquiridas por ele na encarnao anterior venham a ressurgir. Suponhamos que tal

    homem haja atingido, numa encarnao, determinado grau no desenvolvimento da

    sabedoria. Na encarnao seguinte ele renasce como uma criana qualquer.

    Mas aos sete ou oito anos acontece-lhe uma experincia penosa. Isto o afeta de tal

    maneira que a sabedoria adquirida anteriormente volta a aparecer, de forma que ele

    agora se situa no grau atingido antes, podendo avanar para estgios superiores.

    Imaginemos ainda que ele se esforce por progredir em alguns graus. Ento morre de

    novo. Na encarnao seguinte, o mesmo processo pode repetir-se. Novamente uma

    experincia exterior pode ocorrer-lhe e test-lo, por assim dizer, trazendo luz os frutos

    de sua penltima e em seguida de sua ltima encarnao, e ento ele pode de novo

    ascender para um grau acima.

    Os Senhores vem, portanto, que s se compreende a vida de um homem que

    atravessou vrias etapas de evoluo levando-se em conta tais fatos. Existe, por

    exemplo, um grau que logo atingido quando um srio esforo feito no caminho do

    conhecimento: o estgio do assim chamado homem sem ptria aquele que supera

    preconceitos imediatos ao seu redor, eliminando todos os possveis constrangimentos

    advindos do meio ambiente. Isto no o torna necessariamente impiedoso; ele pode at

    tornar-se mais piedoso. Contudo precisa libertar-se dos laos que o ligam vizinhana.

    Tomemos a situao em que um homem assim morre aps conseguir a condio de alguma

    liberdade e independncia. Ento nasce de novo, e relativamente cedo um

    acontecimento revive nele o sentido de liberdade e independncia. Geralmente isto

    sucede com a perda do pai ou de algum a quem ele ligado; ou pelo fato de o pai no

    se relacionar bem com ele, talvez repudi-lo, ou pior. Estas verdades nos so contadas

    nas lendas sinceras dos vrios povos, pois em tais assuntos os mitos ou lendas contm

    realmente mais sabedoria do que a cincia dos nossos dias. Um caso tpico, muito

    freqente, aquele em que o pai ordena que o filho seja abandonado; a criana

    socorrida por pastores, sendo nutrida e educada por eles, e finalmente reconduzida sua

    condio normal como, por exemplo, Aquiles, Rmulo e Remo. A fim de fazer ressurgir os

  • 19

    frutos das vidas anteriores, eles deviam ser abandonados prpria sorte, sendo expulsos

    de seu lugar natal. Tambm a histria do abandono de dipo pertence a este caso.

    Se um homem j experimentou o nascimento de seu Eu Superior ou ultrapassou este

    estgio, podemos imaginar que, quanto maior for seu desenvolvimento, tanto mais rica

    ser sua vida em experincias para que ele possa atravessar uma experincia nova,

    nunca vivida antes.

    Aquele em quem haveria de encarnar-se aquela majestosa entidade que

    denominamos Cristo no podia, naturalmente, assumir essa misso numa poca qualquer

    de sua vida. Para tal devia, primeiramente, tornar-se cada vez mais maduro. Nenhum

    homem comum poderia realiz-la apenas quem houvesse atingido altos estgios de

    iniciao atravs de muitas vidas. A Crnica do Akasha nos relata fielmente o ocorrido,

    mostrando como, durante muitas vidas, uma individualidade se esforou para atingir,

    passo a passo, altos estgios de iniciao. Ento ela renasceu, tendo passado agora,

    nesta encarnao terrestre, por experincias de natureza preparatria. Porm nesse

    homem reencarnado j viveu uma individualidade que percorreu elevados graus.

    Tratava-se de um iniciado destinado a, num perodo posterior de sua vida, receber a

    individualidade do Cristo. As primeiras experincias desse iniciado so a repetio de

    seus estgios iniciticos anteriores. Por isso buscado em sua alma tudo o que foi

    anteriormente alcanado por ela.

    Ora, sabemos que o homem consiste nos corpos fsico, etrico, astral e num eu.

    Sabemos tambm que no decurso da vida humana o corpo fsico o nico que nasce, de

    incio, por ocasio do nascimento fsico. At o stimo ano, o corpo etrico do homem

    est envolto por uma espcie de invlucro etrico materno; e no stimo ano, com a

    troca dos dentes, esse invlucro rejeitado da mesma forma como o ventre materno

    quando o corpo fsico nasce para o mundo exterior. Posteriormente, na puberdade, um

    manto astral rejeitado de modo similar, nascendo ento o corpo astral. Por volta dos

    21 anos nasce ento o eu, mas tambm gradativamente.

    Aps termos atravessado o nascimento do corpo fsico, o do corpo etrico aos sete

    anos, o do corpo astral aos catorze ou quinze, temos de levar em conta igualmente um

    nascimento da alma da sensao, da alma do intelecto e da alma da conscincia; e, de

    fato, por volta dos 21 anos nasce a alma da sensao, aos 28 a alma do intelecto e em

    torno dos 35 anos a alma da conscincia.

    Agora veremos que a entidade do Cristo no pde encarnar-se num ser humano na

    Terra, no pde ser acolhida nesse homem antes que a alma racional estivesse

    inteiramente nascida. Isto nos mostrado tambm pela pesquisa espiritual. A

    individualidade que surgiu na Terra como um grande iniciado tinha entre 28 e 35 anos de

    idade quando nele entrou o Cristo; ento sob o esplendor, sob a luz irradiante desse

    grande ser, desenvolveu-se tudo o que os homens normalmente desenvolvem sem esse

    esplendor e essa luz: os corpos etrico e astral e as almas da sensao e do intelecto.

    Podemos, pois, dizer o seguinte: at o ano de sua vida em que ele chamado a receber

    o Cristo, deparamos com um grande iniciado percorrendo gradualmente as experincias

    que, no final, evocam todas as conquistas feitas e elaboradas por ele, em encarnaes

    anteriores, no mundo espiritual. Surge-lhe ento a possibilidade de dizer: Eis-me agora

    aqui. Ofereo tudo o que possuo. Doravante renuncio a ser um eu independente! Fao de

    mim o portador do Cristo. Ele viver em mim e doravante estar todo em mim!

    O momento em que o Cristo se encarnou numa personalidade da Terra foi indicado

    pelos quatro Evangelhos. Por muitas diferenas que contenham, os quatro apontam o

    momento em que o Cristo, por assim dizer, se insere no grande iniciado: o batismo por

    Joo. Naquele instante, to claramente indicado pelo autor do Evangelho de Joo ao

  • 20

    dizer que o Esprito desceu em forma de pomba e uniu-se a Jesus de Nazar naquele

    momento temos o nascimento do Cristo, o nascimento do Cristo na alma de Jesus de

    Nazar como um novo Eu, um Eu Superior. At ento o outro eu, o eu do grande iniciado,

    havia atingido um desenvolvimento tal que se tornara apto para este acontecimento.

    E quem deveria nascer na entidade de Jesus de Nazar?

    Ontem j indicamos o seguinte: o Deus que existia desde o princpio, que havia

    permanecido no mundo espiritual, deixando entrementes a humanidade entregue ao seu

    desenvolvimento, devia agora descer e encarnar-se em Jesus de Nazar. Como nos d a

    entender isso o autor do Evangelho de Joo? A esse respeito, basta levarmos a srio as

    palavras do Evangelho. Com esse intuito, leiamos o incio do Antigo Testamento:

    No princpio Deus criou o Cu e a Terra. E a Terra era desolada e vazia; e havia caos e trevas sobre o abismo. E o Esprito divino pairava sobre as guas.

    Imaginemos a situao: O Esprito de Deus pairava sobre as guas. Embaixo est a

    Terra com seus reinos, como continuadores do Esprito divino. Em seu meio, uma

    individualidade se desenvolve de tal forma que pode receber esse Esprito que pairava

    sobre as guas. Que diz o autor do Evangelho de Joo? Ele nos diz que Joo Batista

    reconheceu nele a presena do ser anunciado no Antigo Testamento. Ele diz: Eu vi o

    Esprito descer dos Cus como uma pomba e pairar sobre ele. Joo sabia que, ao descer

    o Esprito sobre algum, tratar-se-ia daquele que estava para vir: o Cristo. Temos ento o

    princpio da evoluo terrestre, o Esprito pairando sobre as guas; temos Joo batizando

    com a gua e com o Esprito que no princpio pairava sobre as guas e, agora, adentra a

    individualidade de Jesus de Nazar. Seria impossvel exprimir com palavras mais

    grandiosas do que as do escritor do Evangelho de Joo a ligao entre o acontecimento

    da Palestina e aquele outro acontecimento relatado no princpio do mesmo documento

    ao qual se anexa o Evangelho.

    Mas tambm de outra maneira o autor do Evangelho de Joo se liga a esse

    documento. Ele o faz justamente por meio das palavras com as quais expressa o fato de

    estar unido a Jesus de Nazar o mesmo a quem, desde o incio, a Terra deve sua criao e

    evoluo. J conhecemos as primeiras palavras do Evangelho de Joo: No princpio era o

    Verbo (ou Logos), e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. O que o Logos, e como estava ele com Deus? Tomemos o incio do Antigo

    Testamento, onde defrontamos esse Esprito, do qual se diz: E o Esprito Divino pairava

    sobre as guas. E o Esprito Divino clamou: Faa-se a luz! E fez-se a luz. Fixemos bem isto, e expressemo-lo agora em outras palavras. Escutemos o apelo do

    Esprito Divino, cujo Verbo criador soou atravs do mundo. O que o Verbo? No princpio

    era o Logos, e o Esprito Divino clamou, e o que ele clamou aconteceu. Isto significa: no

    Verbo estava a Vida pois caso a Vida no estivesse nele, nada poderia ter ocorrido. E o

    que ocorreu? narrado o seguinte: E Deus disse: Faa-se a luz! e houve a luz. Retomemos agora o Evangelho de Joo. No princpio era o Verbo, e o Verbo estava

    com Deus, e o Verbo era Deus. Agora o Verbo havia fludo para a matria, tornando-se simultaneamente a figura

    exterior da Divindade. Nele estava a Vida, e a Vida era a luz dos homens. Assim se liga o escritor do Evangelho de Joo diretamente ao mais antigo

    documento, o Gnesis. Com palavras um pouco diversas, ele indica o mesmo Esprito

    Divino. Ento nos faz ver claramente ter sido o Esprito Divino o que surgiu em Jesus de

    Nazar. O escritor do Evangelho de Joo unvoco com os demais evangelistas quanto ao

    fato de, com o batismo de Jesus de Nazar, haver nascido nele o Cristo, aps longo

    preparo de seu receptor. E devemos ter bem claro que todo relato da vida anterior de

    Jesus de Nazar refere-se a nada mais seno uma soma de vivncias que nos demonstram

  • 21

    sua ascenso aos mundos superiores em prvias encarnaes, e como ele se havia

    preparado cada vez mais em seus corpos astral, etrico e fsico, para finalmente poder

    receber o Cristo. Aquele que escreveu o Evangelho de Lucas diz, em palavras algo paradigmticas,

    que Jesus de Nazar se preparou sob todos os aspectos para o grande acontecimento do

    nascimento do Cristo nele. Sobre essas experincias, que o elevaram vivncia do

    Cristo, falaremos na prxima palestra. Hoje queremos indicar como o escritor do

    Evangelho de Lucas diz, em algumas palavras, que o receptor do Cristo se preparou

    longamente nos anos anteriores. Em seu corpo astral ele se tornou to virtuoso, nobre e

    sbio quanto deveria tornar-se para que nele pudesse nascer o Cristo. E tambm tornou

    seu corpo etrico to maduro e seu corpo fsico to suave e belo que o Cristo pde estar

    nele. Basta entendermos corretamente o Evangelho. Tomemos, no segundo captulo do

    Evangelho de Lucas, o versculo 52. Da maneira livre como aparece nas Bblias comuns,

    esse versculo no dir o que acabo de afirmar. Diz esse trecho: E Jesus cresceu em

    sabedoria, idade e graa diante de Deus e dos homens. H algum significado no fato de um homem como autor do Evangelho de Lucas dizer

    de Jesus de Nazar que este cresceu em sabedoria. Se, porm, ele relata como um

    acontecimento importante haver Jesus crescido em idade, isto no to

    compreensvel, pois tal fato no necessrio ressaltar. Sua meno indica estar aqui

    implcito um outro fato. Tomemos esse versculo no texto original:

    [ki Iesous prokopten n t sofa ki helika ki khritipar the ki anthrpois.]

    Isto significa, na realidade, o seguinte: Ele cresceu em sabedoria, isto , ele

    desenvolveu seu corpo astral. Quem conhece o significado da palavra grega helika pode

    dizer-lhes que nela se subentende aquele desenvolvimento percorrido pelo corpo etrico

    a fim de levar gradualmente a sabedoria plenitude. Os Senhores sabem que o corpo

    astral plasma as qualidades disponveis em ocasies nicas, ou seja: entende-se algo de

    uma vez para sempre. O corpo etrico plasma aquilo que desenvolve como hbitos,

    inclinaes e habilidades. isto o que ocorre em repeties contnuas. O que sabedoria

    se torna hbito. levada prtica por haver passado para a carne e o sangue. isto o

    que significa, pois, esse crescer em maturidade. Assim como o corpo astral cresce em

    sabedoria, o corpo etrico cresce em hbitos nobres, em hbitos visando o bom, o nobre

    e o belo. E o terceiro elemento no qual cresceu Jesus khris significa, na realidade,

    aquilo que se manifesta e torna visvel como beleza. Quaisquer outras verses so

    incorretas. Devemos traduzir que ele cresceu em graciosa beleza, e que, portanto,

    plasmou de forma bela e nobre tambm seu corpo fsico.

    E Jesus cresceu em sabedoria [em seu corpo astral], em vocaes maduras [em seu corpo etrico] e em graciosa beleza [em seu corpo fsico], de forma visvel a Deus e aos homens.

    A descrio de Lucas nos mostra como ele sabia que o futuro receptor do Cristo

    devia desenvolver plenitude os trs envoltrios os corpos fsico, etrico e astral.

    desta forma que compreenderemos o fato de se poder reencontrar nos Evangelhos

    o que a Cincia Espiritual diz, independentemente dos mesmos. Por isso a Cincia

    Espiritual justamente uma corrente cultural que reconquista para ns as tradies

    religiosas; e essa reconquista no ser apenas um acontecimento do saber e do

  • 22

    conhecimento humanos, mas uma conquista da mente e do intelecto, em sentimento e

    emoo. E especialmente de tal compreenso que necessitaremos se quisermos captar

    esse acontecimento a interveno do Cristo na evoluo da humanidade.

    26 de junho de 1909

    A Vida e a Luz emanadas do Logos

    Aqueles, dentre os ouvintes, que repetidas vezes ouviram meus ciclos de

    conferncias ou principalmente aquelas sobre assuntos da Cincia Espiritual, j

    assimilaram dos mais variados pontos de vista alguns fatos dos mundos superiores. Esta

    ou aquela entidade, este ou aquele fato de diversos mbitos foram enfocados de

    maneiras diferentes. Nesse caso pode ocorrer e hoje eu gostaria de enfatizar isso, a

    fim de evitar mal-entendidos de aparentemente, por uma observao superficial,

    surgirem contradies entre esses diversos enfoques de entidades e fatos. Observando

    corretamente, porm, os Senhores concluiro que por meio de tal focalizao mltipla os

    complicados fatos dos mundos espirituais s podero clarear-se. Eu necessitava diz-lo

    porque hoje precisarei focalizar sob outro aspecto certos fatos j conhecidos de uma

    certa perspectiva pela grande maioria dos ouvintes. Justamente ao tomarmos o mais

    profundo documento do Novo Testamento, conhecido pelo nome de Evangelho Segundo

    Joo, e lermos as significativas palavras com as quais encerramos nossas consideraes

    de ontem, logo se nos fica claro que infinitos mistrios do devir csmico e humano esto

    contidos nessas palavras iniciais desse evangelho. No decorrer de nossas observaes,

    talvez tenhamos oportunidade de mostrar por que muitas vezes os grandes narradores

    dos acontecimentos espirituais exprimem justamente as verdades grandiosas e

    abrangentes de forma breve e paradigmtica, como ocorre nos primeiros versculos do

    Evangelho de Joo. Hoje retrocederemos, diferentemente de ontem, a certos fatos

    conhecidos da Cincia Espiritual, e veremos como estes nos se nos deparam novamente

    no Evangelho de Joo. Partiremos dos fatos relativamente mais simples.

    Do homem tal como se nos apresenta na vida cotidiana sabemos que ele

    constitudo de quatro membros: o corpo fsico, o corpo etrico ou vital, o corpo astral e

    o eu. Sabemos que a vida diria do homem se alterna, de forma que do acordar matutino

    at o adormecer noturno esses quatro membros de sua entidade se entrelaam

    organicamente. Sabemos que durante a noite, quando ele dorme, o corpo fsico e o

    corpo etrico permanecem no leito, deles desligando-se o corpo astral e o portador do

    eu, ou simplesmente o eu.

    Devemos agora ter bem claro algo em especial. Quando defrontamos um homem no

    atual estado evolutivo, essa quaternidade corpo fsico, corpo etrico, corpo astral e eu

    se nos apresenta como uma necessidade interligada. Se o vemos noite deitado no

    leito, onde h apenas o corpo fsico e o corpo etrico, de certa forma esse homem tem o

    valor de uma planta. Ora, a planta, tal como se nos apresenta no mundo exterior,

    constitui-se justamente dos corpos fsico e etrico, no possuindo corpo astral nem um

    eu. Por isso ela se distingue do animal e do homem. O animal tem sobretudo um corpo

    astral, e o homem tem sobretudo um eu dentro de si. Podemos, pois, dizer que da noite

    at a manh ficam no leito os corpos fsico e etrico do homem; ento seu ser se

    assemelha planta, no sendo, no entanto, como uma planta. Devemos compreender

    bem isto.

    Se hoje existe uma entidade livre e autnoma que no possua um corpo astral e um

    eu, consistindo apenas dos corpos fsico e etrico, deve parecer uma planta deve ser

    3

  • 23

    uma planta. O homem, porm, enquanto deitado no leito, ultrapassou o valor da planta

    por haver, no decorrer da evoluo, acrescentado aos seus corpos fsico e etrico o corpo

    astral o portador do prazer e do sofrimento, da alegria e da dor, dos impulsos,

    instintos e paixes e o portador do eu. A cada vez, porm, que um membro superior

    acrescentado a uma entidade, tudo se modifica em seus membros inferiores. Se planta,

    tal como esta se nos apresenta hoje na natureza, acrescentssemos um corpo astral que

    no apenas a orlasse, mas a permeasse, a substncia vegetal que a constitui se

    transformaria em carne animal. E de maneira semelhante, seria a planta transformada

    caso abrigasse um eu no mundo fsico. Podemos, pois, tambm concluir o seguinte:

    quando um ser como o homem possui em sua natureza no somente o corpo fsico, mas

    membros invisveis, superiores, supra-sensveis, estes membros superiores se expressam

    nos inferiores. Assim como nossas particularidades anmicas so superficialmente

    exprimidas em nossas feies, em nossa fisionomia, nosso corpo fsico tambm uma

    expresso da ao do corpo astral e do eu. E o corpo fsico no representa apenas a si

    prprio, mas tambm os membros fisicamente invisveis do homem.

    Assim, o sistema glandular humano e tudo o que lhe afim uma expresso do

    corpo etrico no homem. Todo o conjunto do sistema nervoso uma expresso do corpo

    astral, e todo o sistema circulatrio uma expresso do portador do eu. Portanto, no

    prprio corpo fsico temos de distinguir novamente uma quaternidade, e s quem cultua

    uma cosmoviso grosseira pode considerar as diversas substncias do corpo fsico humano

    como equivalentes. O sangue que pulsa em ns tornou-se tal substncia pelo fato de no

    homem residir um eu. O sistema nervoso plasmado de tal forma e de uma tal

    substncia por haver no homem um corpo astral. E o sistema glandular veio a existir por

    haver no homem um corpo etrico. Observando isto, os Senhores compreendero

    facilmente que no fundo o ser humano, desde a noite, ao adormecer, at a manh, ao

    acordar, um ser contraditrio em si mesmo. Pode-se dizer que deveria ser uma planta

    mas no , pois a planta no possui, em sua substncia fsica, a expresso do corpo astral

    o sistema nervoso nem tampouco a expresso do eu o sistema circulatrio. Uma

    entidade fsica tal como o homem, com os sistemas metablico, nervoso e circulatrio,

    s pode existir contendo um corpo etrico, um corpo astral e um eu.

    Ora, como seres humanos relativamente ao nosso corpo astral e ao nosso eu, noite

    abandonamos nossos corpos fsico e etrico. Fazemos isso, por assim dizer, sem

    escrpulos, tornando-os um ser contraditrio em si mesmo. Se aqui nada ocorresse de

    espiritual entre o nosso adormecer e o nosso acordar, e simplesmente retirssemos nosso

    corpo astral e nosso eu dos corpos fsico e etrico, de manh encontraramos nossos

    sistemas nervoso e circulatrio destrudos, pois estes no podem existir sem conter um

    corpo astral e um eu. Ocorre portanto, o seguinte, perceptvel conscincia

    clarividente:

    medida que o eu e o corpo astral se retiram, o clarividente v como um eu e um

    corpo astral divinos adentram o ser humano. De fato, tambm noite, do adormecer ao

    acordar do homem, h um corpo astral e um eu (ou ao menos um substituto para eles)

    nos corpos fsico e etrico. Quando o elemento astral se retira do homem, um elemento

    astral superior penetra nele a fim de preserv-lo at o acordar, e da mesma forma um

    substituto para o eu. Disto se pode ver que no domnio da nossa vida se encontram em

    ao outras entidades alm das que se manifestam no mundo fsico. Neste se manifestam

    os minerais, as plantas, os animais, os homens. Os homens so as entidades supremas

    dentro da nossa esfera fsica. S eles possuem um corpo fsico, um corpo etrico, um

    corpo astral e um eu. Pelo fato de noite o corpo astral e o eu se retirarem dos corpos

    fsico e etrico, os Senhores podem concluir que o corpo astral e o eu tm ainda hoje

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    uma certa autonomia, podendo, por assim dizer, desligar-se e viver, por algum tempo da

    vida cotidiana, separados dos suportes fsico e etrico.

    noite, pois, evidencia-se o seguinte: da mesma forma como os corpos fsico e

    etrico humanos so, durante o dia, portadores do eu e do corpo astral humanos

    portanto, justamente dos membros mais ntimos do homem , noite os mesmos se

    tornam portadores ou templos de entidades superiores correspondentes ao corpo astral e

    ao eu. Agora diferente o que repousa no leito, pois em seu interior existem tambm

    um elemento astral e um eu, porm divino-espirituais. De certa forma, podemos dizer o

    seguinte: enquanto o homem dorme em relao ao seu corpo astral e ao seu eu, nele