revista trimestral de jurisprudência – vol. 213 – jul. - set. de 2010

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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 213 julho a setembro de 2010

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Revista Trimestral de Jurisprudncia

volume 213 julho a setembro de 2010

Diretoria Geral Alcides Diniz da Silva SecretariadeDocumentao Janeth Aparecida Dias de Melo CoordenadoriadeDivulgaodeJurisprudncia Leide Maria Soares Corra Cesar SeodePreparodePublicaes Cntia Machado Gonalves Soares SeodePadronizaoeReviso Rochelle Quito SeodeDistribuiodeEdies Maria Cristina Hilrio da Silva Diagramao: Luiza Superti Pantoja Capa:Ncleo de Programao Visual

(Supremo Tribunal Federal Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)Revista Trimestral de Jurisprudncia / Supremo Tribunal Federal. V. 1, n. 1 (abr./jun. 1957) - . Braslia : STF, 1957- . v. ; 22 x 16 cm. Trimestral. Ttulo varia: RTJ. Repositrio Oficial de Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. Nome do editor varia: Imprensa Nacional / Supremo Tribunal Federal, 1957 a 2001; Editora Braslia Jurdica, 2002 a 2006; Supremo Tribunal Federal, 2007- . Disponvel tambm em formato eletrnico a partir de abr. 1957: http://www.stf.jus.br/portal/indiceRtj/pesquisarIndiceRtj.asp. ISSN 0035-0540. 1. Tribunal supremo, jurisprudncia, Brasil. 2. Tribunal supremo, peridico, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). Coordenadoria de Divulgao de Jurisprudncia. II. Ttulo: RTJ. CDD 340.6

Solicita-sepermuta. Pdese canje. On demande lchange. Si richiede loscambio. We ask forexchange. Wir bitten umAustausch.

STF/CDJU Anexo II, Cobertura Praa dos Trs Poderes 70175-900 Braslia-DF [email protected] Fone: (0xx61)3217-4766

Su RE oTRIBuNALFEDERAL P mMinistro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Presidente Ministro Carlos Augusto AyRES de Freitas BRITTO (25-6-2003), Vice-Presidente Ministro Jos CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989) Ministro MARCO AURLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990) Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000) Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002) Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003) Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004) Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006) Ministra CRMEN LCIA Antunes Rocha (21-6-2006) Ministro Jos Antonio DIAS TOFFOLI (23-10-2009)

COMPOSIO DAS TURMASPRIMEIRA TURMA

Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI, Presidente Ministro MARCO AURLIO Mendes de Farias Mello Ministro Carlos Augusto AyRES de Freitas BRITTO Ministra CRMEN LCIA Antunes Rocha Ministro Jos Antonio DIAS TOFFOLISEGUNDA TURMA

Ministro EROS Roberto GRAU, Presidente Ministro Jos CELSO DE MELLO Filho Ministra ELLEN GRACIE Northfleet Ministro GILMAR Ferreira MENDES Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes

PROCURADOR-GERAL DA REPBLICA

Doutor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

COMPOSIO DAS COMISSESCOMISSO DE REGIMENTO

Ministro MARCO AURLIO Ministro GILMAR MENDES Ministra CRMEN LCIA Ministro DIAS TOFFOLI SuplenteCOMISSO DE JURISPRUDNCIA

Ministra ELLEN GRACIE Ministro AyRES BRITTO Ministro JOAQUIM BARBOSACOMISSO DE DOCUMENTAO

Ministro CELSO DE MELLO Ministro EROS GRAU Ministro DIAS TOFFOLICOMISSO DE COORDENAO

Ministro GILMAR MENDES Ministro EROS GRAU Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

SumRIoPg.

ACRDOS .................................................................................................................... 9 NDICE ALFABTICO ........................................................................................... 723 NDICE NUMRICO .............................................................................................. 749

ACRDOS

TERCEIRAQuESToDEoRDEmEmmEDIDACAuTELARNA AoDECLARATRIADECoNSTITuCIoNALIDADE18DF (ADC 18-MC na RTJ 210/50) Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Requerente: Presidente da Repblica Interessados: Federao das Indstrias no Estado de Mato Grosso FIEMT, Confederao Nacional da Indstria CNI, Confederao Nacional do Comrcio CNC, Confederao Nacional do Transporte CNT, Estado do Acre, Estado do Amazonas, Estado da Bahia, Estado do Cear, Estado de Gois, Estado de Mato Grosso do Sul, Estado do Par, Estado da Paraba, Estado de Pernambuco, Estado do Piau, Estado do Rio de Janeiro, Estado do Rio Grande do Norte, Estado do Rio Grande do Sul, Estado de Santa Catarina, Estado de So Paulo, Estado de Sergipe e Distrito Federal TerceiraquestodeordemAodeclaratriadeconstitu cionalidadeProvimentocautelarProrrogaodesuaeficcia pormais180(centoeoitenta)diasoutorgadamedidacautelar comefeitoexnunc(regrageral)Aquestodoinciodaefic cia do provimento cautelar em sede de fiscalizao abstrata de constitucionalidadeEfeitosqueseproduzem,ordinariamente, apartirdapublicao,noDJe,daatadojulgamentoquedeferiu (ou prorrogou) referida medida cautelar, ressalvadas situaes excepcionaisexpressamentereconhecidaspeloprprioSupremo Tribunal Federal Precedentes (Rcl 3.309mC/ES, Rel. min. Celso de mello, v.g.) Cofins e PIS/Pasep Faturamento (CF, art. 195, I, b) Base de clculo Excluso do valor pertinente ao ICmS Lei 9.718/1998, art. 3, 2, inciso I Prorrogao deferida.

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R.T.J. 213 ACRDO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sesso plenria, sob a Presidncia do Ministro Cezar Peluso (RISTF, art. 37, I), na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigrficas, por maioria de votos e nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurlio, em resolver a questo de ordem no sentido de prorrogar, pela ltima vez, por mais 180 (cento e oitenta) dias, a eficcia da medida cautelar anteriormente deferida. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente) e Eros Grau e, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa. Braslia, 25 de maro de 2010 Celso de Mello, Relator. RELATRIO O Sr. Ministro Celso de Mello:Tratasede ao declaratria de constitucionalidade, promovida pelo Senhor Presidente da Repblica, ajuizada com o objetivo deverconfirmada alegitimidadeconstitucional da incluso, nabase declculo da COFINS edo PIS/PASEP, dovalor correspondente ao ICMS. Registro, por oportuno, queapresente ao declaratriade constitucionalidade foidistribuda, originariamente, aoeminente Ministro SEPLVEDA PERTENCE, sucedido, nesta Suprema Corte, porefeito desuaaposentadoria, pelo saudoso e eminente Ministro MENEZES DIREITO. o Plenrio do SupremoTribunal Federal, na sesso de 13-8-2008, ao examinar o pedido de medida cautelar, proferiu deciso consubstanciada em acrdo assim ementado (fls. 964/965):Medida cautelar. Ao declaratria de constitucionalidade. Art. 3, 2, inciso I, da Lei9.718/1998. Cofins e PIS/Pasep. Base de clculo. Faturamento (art. 195, inciso I, alnea b, da CF). Excluso do valor relativo ao ICMS. 1. O controle direto de constitucionalidade precede o controle difuso, no obstando o ajuizamento da ao direta o curso do julgamento do recurso extraordinrio. 2. Comprovada a divergncia jurisprudencial entre Juzes e Tribunais ptrios relativamente possibilidade de incluir o valor do ICMS na base de clculo da Cofins e do PIS/Pasep, cabe deferir a medida cautelar para suspender o julgamento das demandas que envolvam a aplicao do art. 3, 2, inciso I, da Lei 9.718/1998. 3. Medida cautelar deferida, excludos desta os processos em andamentos no Supremo Tribunal Federal.

(Grifei.) Em422009, oPlenrio do Supremo Tribunal Federal, tendopresente a regra inscrita no pargrafo nico do art. 21 da Lei 9.868/1999, resolveu questo de ordem nosentidode prorrogar, nostermos do voto do Relator, pormais

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cento e oitenta (180) dias, oprazo de eficcia da medida cautelar anteriormente concedida, proferindodeciso que est assim ementada (fl. 982):Questo de ordem. Medida cautelar. Ao declaratria de constitucionalidade. Art. 3, 2, inciso I, da Lei 9.718/1998. Cofins e PIS/Pasep. Base de clculo. Faturamento (art. 195, inciso I, alnea b, da CF). Excluso do valor relativo ao ICMS. Prorrogao da vigncia da medida cautelar. Em virtude da proximidade do trmino do prazo de vigncia da medida cautelar (art. 21 da Lei 9.868/1999), nos mesmos moldes do que decidiu esta Corte na ADPF130QO, da relatoria do Ministro Carlos Britto, resolve-se a questo de ordem para a extenso da eficcia da liminar por mais 180 (cento e oitenta dias), a contar desta data.

(Grifei.)

Em1692009, aps o decurso do perodo de 180 dias, esta Suprema Corte, resolvendo nova questo de ordem, desta vez proposta pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, prorrogou, uma vez mais, pormais cento e oitenta (180) dias, aeficcia da medida cautelar em questo, fazendooem acrdo assim ementado (fl. 1453):Questo de ordem. 2. Medida cautelar em ao declaratria de constitucionalidade. 3. Art. 3, 2, inciso I, da Lei 9.718/1998. 4. Prorrogao da eficcia da medida cautelar por mais 180 (cento e oitenta) dias.

(Grifei.)

o eminente Ministro GILMAR MENDES, em face do falecimento do saudoso e eminente Ministro MENEZES DIREITO, determinou a redistri buiodos presentes autos, cabendome, agora, acondiode Relator desta causa. Emrazo do decurso do perodo de 180 (cento e oitenta) dias, contadoda data emquepublicada, em2892009, a Ata 23, de 16-9-2009 (DJe182, divul gadoem 25-9-2009), referenteao julgamento dasegundaquesto de ordem, proponho, em terceira eltima questo de ordem, aprorrogaoda eficcia da medida cautelar anteriormente deferida por este Supremo Tribunal Federal (Lei 9.868/1999, art. 21, pargrafonico). orelatrio. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Proponho, Senhor Presidente e Senhores Ministros, nesta terceira e ltima questo de ordem, a prorrogao, por 180 (cento e oitenta) dias, daeficciada medida cautelar deferidanos autos dapresente ADC 18/DF. Assinalo, por oportuno, que buscarei julgar, emcarterdefinitivo, a presente causa antes mesmo que se esgote o prazo, cuja prorrogao estou ora propondo a este E. Plenrio.

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Esclareoque a referncia datadepublicaodaatacorrespondente ltimaprorrogao do prazo de vigncia da medida cautelar observou, no ponto, ajurisprudnciadesta Corte. Comefeito, o Supremo Tribunal Federal, aodefinir o momento de incio da eficcia do provimento cautelar deferido em sede de controle normativo abstrato, temassinaladoque o termo inicial situa-se, ordinariamente, na data em que divulgada, no rgo oficial, aata referente sesso de julgamento, comoo evidencia deciso do Plenrio desta Corte, consubstanciadaem acrdo assim ementado:EFICCIA DA MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA EM AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. A medida cautelar, em ao direta de inconstitucionalidade, reveste-se, ordinariamente, de eficcia ex nunc, operando, portanto, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal a defere (RTJ 124/80). Excepcionalmente, no entanto, a medida cautelar poder projetar-se com eficcia ex tunc, com repercusso sobre situaes pretritas (RTJ 138/86). A excepcionalidade da eficcia ex tunc impe que o Supremo Tribunal Federal expressamente a determine no acrdo concessivo da medida cautelar. A ausncia de determinao expressa importa em outorga de eficcia ex nunc suspenso cautelar de aplicabilidade da norma estatal impugnada em ao direta. Concedida a medida cautelar (que se reveste de carter temporrio), a eficcia ex nunc (regra geral) tem seu incio marcado pela publicao da ata da sesso de julgamento no Dirio da Justia da Unio, exceto em casos excepcionais a serem examinados pelo Presidente do Tribunal, de maneira a garantir a eficcia da deciso (ADI 711-QO/AM, Rel. Min. NRI DA SILVEIRA). A declarao de inconstitucionalidade, no entanto, que se reveste de carter definitivo, sempre retroage ao momento em que surgiu, no sistema de direito positivo, o ato estatal atingido pelo pronunciamento judicial (nulidade ab initio). que atos inconstitucionais so nulos e desprovidos de qualquer carga de eficcia jurdica (RTJ 146/461).

(ADI1.434mC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO.) Cabe assinalar, por relevante, que essa orientao tem sido observada na prtica processual desta Corte (ADI 711Qo/Am, Rel. Min. NRI DA SILVEIRA Rcl2.576/SC, Rel. Min. ELLEN GRACIE RTJ164/506509, Rel. Min. CELSO DE MELLO):CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. CONCESSO, COM EFEITO EX NUNC, DE MEDIDA CAUTELAR. A QUESTO DO INCIO DA EFICCIA DO PROVIMENTO CAUTELAR SUSPENSIVO DA APLICABILIDADE DOS ATOS NORMATIVOS QUESTIONADOS EM SEDE DE AO DIRETA. EFEITOS QUE SE PRODUZEM, ORDINARIAMENTE, A PARTIR DA PUBLICAO, NO DIRIO DA JUSTIA DA UNIO, DA ATA DE JULGAMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR, RESSALVADAS SITUAES EXCEPCIONAIS EXPRESSAMENTE RECONHECIDAS PELO PRPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES: ADI 711-QO/AM, REL. MIN. NRI DA SILVEIRA RCL 2.576/SC, REL. MIN. ELLEN GRACIE RTJ 164/506-509, REL.

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MIN. CELSO DE MELLO. AUSNCIA DE RECONHECIMENTO, NA ESPCIE, DE QUALQUER SITUAO DE EXCEPCIONALIDADE. RECLAMAO AJUIZADA PARA IMPUGNAR ATOS PRATICADOS EM MOMENTO ANTERIOR AO INCIO DA EFICCIA DA MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA EM PROCESSO DE FISCALIZAO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE. INADEQUAO DO INSTRUMENTO RECLAMATRIO, CONSIDERADA A SUA ESPECFICA DESTINAO CONSTITUCIONAL (RTJ 134/1033). CONSEQUENTE INADMISSIBILIDADE DA RECLAMAO, EIS QUE NO CARACTERIZADA, NA ESPCIE, HIPTESE DE DESRESPEITO AUTORIDADE DO JULGAMENTO EMANADO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

(Rcl3.309mC/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO.) Comestasconsideraes, Senhor Presidente, submeto, a este E. Plenrio, apropostade prorrogao, pelaltimavez, por mais 180 (cento e oitenta) dias, daeficcia da medida cautelar anteriormente deferida. omeuvoto. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurlio: Presidente, todos esto lembrados de que esta ao declaratria de constitucionalidade atropelou um recurso extraordinrio que se encontrava em julgamento, j com maioria formada em benefcio dos contribuintes, mostrando-se at mesmo excepcional. A liminar, prevista na Lei 9.868/1999, de contornos, quase, para mim, inconstitucionais, porque implica a suspenso da jurisdio, inclusive do Supremo, como ocorreu relativamente ao recurso extraordinrio. previsto o prazo de cento e oitenta dias que peremptrio para a vigncia da liminar e, decorrido esse prazo, h a perda da eficcia. Compreendo, Presidente, os incidentes verificados quanto relatoria deste processo a aposentadoria do Ministro Pertence e, depois, a morte do Ministro Menezes Direito , e tambm compreendo que a carga de processos, no Supremo, invencvel. No se tem como bem conciliar celeridade e contedo. Sempre digo que, se tiver que fazer opo, farei sempre pelo contedo das decises. Para manter-me coerente, porque fiquei vencido o Ministro Celso de Mello lembrou-nos, ficamos vencidos quando da concesso da liminar, inicialmente , peo vnia para entender que no cabe esta terceira prorrogao do prazo de vigncia da medida acauteladora. EXTRATO DA ATA ADC 18-MC-QO3 Relator: Ministro Celso de Mello. Requerente: Presidente da Repblica (Advogado: Advogado-Geral da Unio). Interessados: Federao das Indstrias no Estado de Mato Grosso FIEMT (Advogado: Victor Humberto Maizman), Confederao Nacional da Indstria CNI (Advogado: Cassio Augusto Muniz Borges), Confederao Nacional do Comrcio CNC (Advogado: Bruno Murat do Pillar), Confederao Nacional do Transporte CNT

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(Advogado: MarcoAndr Dunley Gomes), Estado doAcre (Advogado: ProcuradoriaGeral do Estado do Acre), Estado do Amazonas (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas), Estado da Bahia (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado da Bahia), Estado do Cear (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado do Cear), Estado de Gois (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado de Gois), Estado de Mato Grosso do Sul (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul), Estado do Par (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado do Par), Estado da Paraba (Advogados: Procuradoria-Geral do Estado da Paraba e Rodrigo de S Queiroga e outro), Estado de Pernambuco (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco), Estado do Piau (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado do Piau), Estado do Rio de Janeiro (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro), Estado do Rio Grande do Norte (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Norte), Estado do Rio Grande do Sul (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul), Estado de Santa Catarina (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina), Estado de So Paulo (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado de So Paulo), Estado de Sergipe (Advogado: Procuradoria-Geral do Estado de Sergipe) e Distrito Federal (Advogado: Procuradoria-Geral do Distrito Federal). Deciso: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurlio, resolveu a questo de ordem no sentido de prorrogar, pela ltima vez, por mais 180 (cento e oitenta) dias, a eficcia da medida cautelar anteriormente deferida. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente) e Eros Grau e, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presidncia do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes sesso os Ministros Celso de Mello, Marco Aurlio, Ellen Gracie, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Crmen Lcia e Dias Toffoli. Procurador-Geral da Repblica, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Braslia, 25 de maro de 2010 Luiz Tomimatsu, Secretrio.

R.T.J. 213 AGRAVoREGImENTALNoHABEASDATA87DF

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Relatora: A Sra. Ministra Crmen Lcia Agravante: Confederao do Elo Social Brasil Agravados: Abelardo Camarinha e outros Habeas data.Ausncia de comprovao de resistncia ao fornecimentodasinformaes:art.8,pargrafonico,incisoI, daLei9.507/1997.Ausnciadeinteressedeagir.Informaesre lativasaterceiros.Agravoregimentalnoprovido. 1.Aausnciadacomprovaodarecusaaofornecimentodas informaes,nostermosdoart.8,pargrafonico,incisoI,daLei 9.507/1997, caracteriza falta de interesse de agir na impetrao. Precedente:RHD22,Rel.min.Celsodemello,DJde191995. 2.ohabeas datanoseprestaparasolicitarinformaesre lativasaterceiros,pois,nostermosdoincisoLXXIIdoart.5da ConstituiodaRepblica,suaimpetraodeveterporobjetivo asseguraroconhecimentodeinformaesrelativas pessoado impetrante. Agravoregimentalnoprovido. ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sesso plenria, sob a Presidncia do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigrficas, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental no habeas data, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, em representao do Tribunal no exterior, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente) e Cezar Peluso (Vice-Presidente). Braslia, 25 de novembro de 2009 Crmen Lcia, Relatora. RELATRIO A Sra. Ministra Crmen Lcia: 1. Agravo regimental contra deciso pela qual, com fundamento no art. 21, 1, do Regimento Interno deste Supremo Tribunal Federal, neguei seguimento ao habeas data pela manifesta carncia de fundamentao jurdica. A negativa de seguimento do habeas data est fundamentada: a) na falta de interesse de agir da Impetrante, na linha da jurisprudncia deste Supremo Tribunal Federal; b) e na circunstncia de a Impetrante pleitear informaes relativas a terceiros e no a si mesmo, objeto para o qual no se presta o habeas data. 2. A Impetrante apenas insiste na necessidade de se determinar a citao de todos os deputados a, no prazo de lei, informarem nos autos se tm ou

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no parentes empregados junto ao legislativo, ficando expresso no mandado de notificao que o silncio ser interpretado como uma negativa e, desta forma, se posteriormente for constatada a existncia de parentes em desacordo com a regulamentao judicial, dever o parlamentar responder por quebra de decoro parlamentar e consecutiva perda do mandato (fl. 37). o relatrio. VOTO A Sra. Ministra Crmen Lcia (Relatora): 1.A deciso agravada est lastreada na jurisprudncia deste Supremo Tribunal Federal sobre a matria e em respeitado ensinamento doutrinrio. A exigncia do art. 8, pargrafo nico, inciso I, da Lei 9.507/1997, de que a impetrao dever estar acompanhada da comprovao da recusa ao acesso s informaes ou do decurso de mais de 10 (dez) dias sem deciso, foi afirmada pelo Plenrio deste Supremo Tribunal Federal no julgamento do RHD 22, Rel. para o acrdo Ministro Celso de Mello, DJ de 1-9-1995, segundo o qual:Habeas data Natureza jurdica Regime do poder visvel como pressuposto da ordem democrtica A jurisdio constitucional das liberdades Servio Nacional de Informaes (SNI) Acesso no recusado aos registros estatais Ausncia do interesse de agir Recurso improvido. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos bsicos, cuja compreenso essencial caracterizao da ordem democrtica como um regime do poder visvel. O modelo poltico-jurdico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta. Com essa vedao, pretendeu o constituinte tornar efetivamente legtima, em face dos destinatrios do poder, a prtica das instituies do Estado. O habeas data configura remdio jurdico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exerccio de pretenso jurdica discernvel em seu trplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retificao dos registros e (c) direito de complementao dos registros. Trata-se de relevante instrumento de ativao da jurisdio constitucional das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reao jurdica do Estado s situaes que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimenses em que estes se projetem. O acesso ao habeas data pressupe, dentre outras condies de admissibilidade, a existncia do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ao, torna-se invivel o exerccio desse remdio constitucional. A prova do anterior indeferimento do pedido de informao de dados pessoais, ou da omisso em atend-lo, constitui requisito indispensvel para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situao prvia de pretenso resistida, h carncia da ao constitucional do habeas data.

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2. Ademais, a Agravante pleiteia informaes relativas a terceiros, finalidade para a qual no se presta o habeas data, pois, nos termos do inciso LXXII do art. 5 da Constituio brasileira:LXXII conceder-se- habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informaes relativas pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de carter pblico; b) para a retificao de dados, quando no se prefira faz-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

Conforme posto na deciso agravada, Jos Afonso da Silva acentua que o objeto do habeas data consiste em assegurar: a) o direito ao acesso e conhecimento de informaes relativas pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais e de entidades de carter pblico; b) o direito retificao desses dados, importando, isso, atualizao, correo e at supresso, quando incorretos. (...) V-se que o direito de conhecer e retificar os dados assim como o de interpor o habeas data para fazer valer esse direito, quando no espontaneamente prestados, so personalssimos do titular dos dados, do impetrante (...) (SILVA, Jos Afonso. Comentrio contextual Constituio. So Paulo: Malheiros, 2007. p. 168 grifos nossos). No se presta, pois, o habeas data para o acesso a dados ou sua retificao de terceiros, como o que na presente ao se expe como pretenso. 3. Sendo estes os fundamentos da deciso agravada e no tendo a Agravante os infirmado, negoprovimentoaoagravoregimental. EXTRATO DA ATA HD 87-AgR/DF Relatora: Ministra Crmen Lcia. Agravante: Confederao do Elo Social Brasil (Advogado: Jomateleno dos Santos Teixeira). Agravados: Abelardo Camarinha e outros. Deciso: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, negou provimento ao recurso de agravo. Ausentes, porque em representao do Tribunal no exterior, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente) e Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Celso de Mello (art. 37, I, RI). Presidncia do Ministro Celso de Mello (art. 37, I, RI). Presentes sesso os Ministros Marco Aurlio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Crmen Lcia e Dias Toffoli. Vice-ProcuradoraGeral da Repblica, Dra. Deborah Macedo Duprat de Brito Pereira. Braslia, 25 de novembro de 2009 Luiz Tomimatsu, Secretrio.

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R.T.J. 213 ARGuIoDEDESCumPRImENToDEPRECEITo FuNDAmENTAL130DF (ADPF 130-QO na RTJ 208/11)

Relator: O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto Arguente: Partido Democrtico Trabalhista PDT Arguidos: Presidente da Repblica e Congresso Nacional Interessados: Federao Nacional dos Jornalistas Profissionais FENAJ, Associao Brasileira de Imprensa ABI e Artigo 19 Brasil Arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).LeideImprensa.Adequaodaao.Regimeconstitucio naldaliberdadedeinformaojornalstica,expressosinnima deliberdadedeimprensa.Aplenaliberdadedeimprensacomo categoriajurdicaproibitivadequalquertipodecensuraprvia. Aplenitudedaliberdadedeimprensacomoreforoousobretutela das liberdades de manifestao do pensamento, de informao e de expresso artstica, cientfica, intelectual e comunicacional. Liberdades que do contedo s relaes de imprensa e que se pemcomosuperioresbensdepersonalidadeemaisdiretaema nao do princpio da dignidade da pessoa humana. o captulo constitucionaldacomunicaosocialcomosegmentoprolongador das liberdades de manifestao do pensamento, de informao e de expresso artstica, cientfica, intelectual e comunicacional. Transpasse da fundamentalidade dos direitos prolongados ao captuloprolongador.Ponderaodiretamenteconstitucionalen treblocosdebensdepersonalidade:oblocodosdireitosquedo contedoliberdadedeimprensaeoblocodosdireitosimagem, honra,intimidadeevidaprivada.Precednciadoprimeirobloco. Incidnciaa posterioridosegundoblocodedireitos,paraoefeito de assegurar o direito de resposta e assentar responsabilidades penal,civileadministrativa,entreoutrasconsequnciasdopleno gozodaliberdadedeimprensa.Peculiarfrmulaconstitucionalde proteoainteressesprivadosque,mesmoincidindoa posteriori, atua sobre as causas para inibir abusos por parte da imprensa. Proporcionalidade entre liberdade de imprensa e responsabili dade civil por danos morais e materiais a terceiros. Relao de mtua causalidade entre liberdade de imprensa e democracia. Relaodeinernciaentrepensamentocrticoeimprensalivre.A imprensacomoinstncianaturaldeformaodaopiniopblica ecomoalternativaversooficialdosfatos.Proibiodemono polizarouoligopolizarrgosdeimprensacomonovoeautnomo fator de inibio de abusos. Ncleo da liberdade de imprensa e matrias apenas perifericamente de imprensa.Autorregulao e regulaosocialdaatividadedeimprensa.Norecepoembloco

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daLei5.250/1967pelanovaordemconstitucional.Efeitosjurdi cosdadeciso.Procednciadaao. 1.Arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).LeideImprensa.Adequaodaao.AADPF,frmula processualsubsidiriadocontroleconcentradodeconstituciona lidade,viaadequadaimpugnaodenormaprconstitucio nal.Situaodeconcretaambinciajurisdicionaltimbradapor decisesconflitantes.Atendimentodascondiesdaao. 2. Regime constitucional da liberdade de imprensa como reforodasliberdadesdemanifestaodopensamento,deinfor mao e de expresso em sentido genrico, de modo a abarcar os direitos produo intelectual, artstica, cientfica e comu nicacional.A Constituio reservou imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome Da Comunicao Social (CaptuloVdoTtuloVIII).Aimprensacomoplexoouconjunto deatividadesganhaadimensodeinstituioideia,demodo apoderinfluenciarcadapessoadeper se eatmesmoformaro que se convencionou chamar de opinio pblica. Pelo que ela, Constituio,destinouimprensaodireitodecontrolarerevelar as coisas respeitantes vida do Estado e da prpria sociedade. A imprensa como alternativa explicao ou verso estatal de tudoquepossarepercutirnoseiodasociedadeecomogarantido espaodeirrupodopensamentocrticoemqualquersituao ou contingncia. Entendendose por pensamento crtico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essncia das coi sas,sedotadepotencialemancipatriodementeseespritos.o corponormativodaConstituiobrasileirasinonimizaliberdade de informao jornalstica e liberdade de imprensa, rechaante de qualquer censura prvia a um direito que signo e penhor damaisencarecidadignidadedapessoahumana,assimcomodo maisevoludoestadodecivilizao. 3.ocaptuloconstitucionaldacomunicaosocialcomoseg mentoprolongadordesuperioresbensdepersonalidadequeso amaisdiretaemanaodadignidadedapessoahumana:alivre manifestaodopensamentoeodireitoinformaoeexpres soartstica,cientfica,intelectualecomunicacional.Transpasse danaturezajurdicadosdireitosprolongadosaocaptuloconsti tucionalsobreacomunicaosocial.oart.220daConstituio radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuao da imprensa,porquantofala:a)queosmencionadosdireitosdeper sonalidade(liberdadedepensamento,criao,expressoeinfor mao)estoasalvodequalquerrestrioemseuexerccio,seja qualforosuportefsicooutecnolgicodesuaveiculao;b)que talexerccionosesujeitaaoutrasdisposiesquenosejamas

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R.T.J. 213 figurantesdelaprpria,Constituio.Aliberdadedeinformao jornalsticaversadapelaConstituioFederalcomoexpresso sinnima de liberdade de imprensa. os direitos que do conte do liberdade de imprensa so bens de personalidade que se qualificamcomosobredireitos.Daque,nolimite,asrelaesde imprensa e as relaes de intimidade, vida privada, imagem e honrasodemtuaexcludncia,nosentidodequeasprimeiras seantecipam,notempo,ssegundas;ouseja,antesdetudopre valecemasrelaesdeimprensacomosuperioresbensjurdicos enaturalformadecontrolesocialsobreopoderdoEstado,so brevindoasdemaisrelaescomoeventualresponsabilizaoou consequnciadoplenogozodasprimeiras.Aexpressoconstitu cionalobservadoodispostonestaConstituio(partefinaldo art.220)traduzaincidnciadosdispositivostutelaresdeoutros bens de personalidade, certo, mas como consequncia ou res ponsabilizaopelodesfrutedaplenaliberdadedeinformao jornalstica ( 1 do mesmo art. 220 da Constituio Federal). Nohliberdadedeimprensapelametadeousobastenazesda censuraprvia,inclusiveaprocedentedoPoderJudicirio,pena deseresvalarparaoespaoinconstitucionaldaprestidigitao jurdica.SilenciandoaConstituioquantoaoregimedainternet (redemundialdecomputadores),nohcomoselherecusara qualificaodeterritriovirtuallivrementeveiculadordeideias eopinies,debates,notciasetudoomaisquesignifiqueplenitude decomunicao. 4.mecanismoconstitucionaldecalibraodeprincpios.o art.220deinstantneaobservnciaquantoaodesfrutedasli berdadesdepensamento,criao,expressoeinformaoque,de algumaforma,seveiculempelosrgosdecomunicaosocial. Istosemprejuzodaaplicabilidadedosseguintesincisosdoart.5 damesmaConstituioFederal:vedaodoanonimato(partefi naldoincisoIV);dodireitoderesposta(incisoV);direitoainde nizaopordanomaterialoumoralintimidade,vidaprivada, honraeimagemdaspessoas(incisoX);livreexercciodequal quertrabalho,ofcioouprofisso,atendidasasqualificaespro fissionaisquealeiestabelecer(incisoXIII);direitoaoresguardo dosigilodafontedeinformao,quandonecessrioaoexerccio profissional (inciso XIV). Lgica diretamente constitucional de calibraotemporaloucronolgicanaempricaincidnciades ses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionadosincisosdoart.5).Noutrostermos,primeiramente, asseguraseogozodossobredireitosdepersonalidadeemquese traduzalivreeplenamanifestaodopensamento,dacria oedainformao.Somentedepoisquesepassaacobrardo titulardetaissituaesjurdicasativasumeventualdesrespeito

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adireitosconstitucionaisalheios,aindaquetambmdensificado res da personalidade humana. Determinao constitucional de momentnea paralisia inviolabilidade de certas categorias de direitossubjetivosfundamentais,porquantoacabeadoart.220 da Constituio veda qualquer cerceio ou restrio concreta manifestao do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todocerceioourestrioquetenhaporobjetoacriao,aexpres soeainformao,sejaqualforaforma,oprocesso,ouoveculo decomunicaosocial.ComoqueaLeiFundamentaldoBrasil veicula o mais democrtico e civilizado regime da livre e plena circulaodasideiaseopinies,assimcomodasnotciaseinfor maes,massemdeixardeprescreverodireitoderespostaetodo umregimede responsabilidades civis, penais eadministrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori,infletemsobreascausasparainibirabusosnodesfrute daplenitudedeliberdadedeimprensa. 5. Proporcionalidade entre liberdade de imprensa e res ponsabilidadecivilpordanosmoraisemateriais.Semembargo, aexcessividadeindenizatria,emsimesma,poderosofatorde inibiodaliberdadedeimprensa,emviolaoaoprincpiocons titucionaldaproporcionalidade.Arelaodeproporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por algum e a indeni zaoquelhecaibareceber(quantomaiorodanomaiorainde nizao)operanombitointernodapotencialidadedaofensa edaconcretasituaodoofendido.Nadatendoavercomessa equaoacircunstnciaemsidaveiculaodoagravoporrgo deimprensa,porque,seno,aliberdadedeinformaojornals tica deixaria de ser um elemento de expanso e de robustez da liberdadedepensamentoedeexpressolato sensuparasetornar umfatordecontraoedeesqualidezdessaliberdade.Emsetra tandodeagentepblico,aindaqueinjustamenteofendidoemsua honra e imagem, subjaz indenizao uma imperiosa clusula demodicidade.Istoporquetodoagentepblicoestsobperma nentevigliadacidadania.E,quandooagenteestatalnoprima portodasasaparnciasdelegalidadeelegitimidadenoseuatuar oficial,atraicontrasimaisfortessuspeitasdeumcomportamento antijurdicofrancamentesindicvelpeloscidados. 6. Relao de mtua causalidade entre liberdade de im prensa e democracia.A plena liberdade de imprensa um pa trimnio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evoluo polticocultural de todo um povo. Pelo seu reco nhecido condo de vitalizar por muitos modos a Constituio, tirandoamaisvezes dopapel,aimprensa passaamantercom ademocraciaamaisentranhadarelaodemtuadependncia

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R.T.J. 213 ou retroalimentao.Assim visualizada como verdadeira irm siamesadademocracia,aimprensapassaadesfrutardeumali berdadedeatuaoaindamaiorquealiberdadedepensamento, deinformaoedeexpressodosindivduosemsimesmosconsi derados.o5doart.220apresentasecomonormaconstitucio naldeconcretizaodeumpluralismofinalmentecompreendido comofundamentodassociedadesautenticamentedemocrticas; isto , o pluralismo como a virtude democrtica da respeitosa convivnciadoscontrrios.Aimprensalivre,elamesma,plural, devidoaquesoconstitucionalmenteproibidasaoligopolizaoe amonopolizaodosetor(5doart.220daCF).Aproibiodo monoplioedooligopliocomonovoeautnomofatordeconten odeabusosdochamadopodersocialdaimprensa. 7.Relaodeinernciaentrepensamentocrticoeimprensa livre.Aimprensacomoinstncianaturaldeformaodaopinio pblica e como alternativa verso oficial dos fatos. o pensa mentocrticoparteintegrantedainformaoplenaefidedigna. opossvelcontedosocialmentetildaobracompensaeventuais excessos de estilo e da prpria verve do autor. o exerccio con cretodaliberdadedeimprensaasseguraaojornalistaodireitode expendercrticasaqualquerpessoa,aindaqueemtomsperoou contundente,especialmentecontraasautoridadeseosagentesdo Estado.Acrticajornalstica,pelasuarelaodeinernciacomo interessepblico,noaprioristicamentesuscetveldecensura, mesmoquelegislativaoujudicialmenteintentada.oprpriodas atividadesdeimprensaoperarcomoformadoradeopiniop blica,espaonaturaldopensamentocrticoerealalternativa versooficialdosfatos(DeputadoFederalmiroTeixeira). 8. Ncleo duro da liberdade de imprensa e a interdio parcialdelegislar.Aumaatividadequejeralivre(incisosIV eIXdoart.5),aConstituioFederalacrescentouoqualifica tivodeplena(1doart.220).Liberdadeplenaque,repelente de qualquer censura prvia, diz respeito essncia mesma do jornalismo(ochamadoncleodurodaatividade).Assimen tendidasascoordenadasdetempoedecontedodamanifesta odopensamento,dainformaoedacriaolato sensu,sem oquenosetemodesembaraadotrnsitodasideiaseopinies, tantoquantodainformaoedacriao.Interdioleiquanto smatriasnuclearmentedeimprensa,retratadasnotempode incio e de durao do concreto exerccio da liberdade, assim como de sua extenso ou tamanho do seu contedo. Tirante, unicamente,asrestriesqueaLeiFundamentalde1988prev paraoestadodestio(art.139),opoderpblicosomentepode dispor sobre matrias lateral ou reflexamente de imprensa,

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respeitadasempreaideiaforadequequemquerquesejatem odireitodedizeroquequerqueseja.Logo,nocabeaoEstado, porqualquerdosseusrgos,definirpreviamenteoquepodeou oquenopodeserditoporindivduosejornalistas.Asmatrias reflexamente de imprensa, suscetveis, portanto, de conforma olegislativa,soasindicadaspelaprpriaConstituio,tais como: direitos de resposta e de indenizao, proporcionais ao agravo;proteodosigilodafonte(quandonecessrioaoexer ccioprofissional);responsabilidadepenalporcalnia,injria edifamao;diverseseespetculospblicos;estabelecimento dosmeioslegaisquegarantampessoaefamliaapossibili dadedesedefenderemdeprogramasouprogramaesderdio etelevisoquecontrariemodispostonoart.221,bemcomoda propagandadeprodutos,prticaseserviosquepossamserno civossadeeaomeioambiente(incisoIIdo3doart.220da CF);independnciaeproteoremuneratriadosprofissionais deimprensacomoelementosdesuaprpriaqualificaotcnica (incisoXIIIdoart.5);participaodocapitalestrangeironas empresasdecomunicaosocial(4doart.222daCF);com posio e funcionamento do Conselho de Comunicao Social (art. 224 da Constituio). Regulaes estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequncias ou responsabilizaes, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimentodosabusosdeimprensa.Peculiarfrmulaconsti tucionaldeproteodeinteressesprivadosemfacedeeventuais descomedimentosdaimprensa(justapreocupaodoministro Gilmar mendes), mas sem prejuzo da ordem de precedncia aestaconferida,segundoalgicaelementardequenopelo temor do abuso que se vai coibir o uso. ou, nas palavras do ministro Celso de mello, a censura governamental, emanada dequalquerumdostrsPoderes,aexpressoodiosadaface autoritriadopoderpblico. 9.Autorregulao e regulao social da atividade de im prensa.dalgicaencampadapelanossaConstituiode1988 aautorregulaodaimprensacomomecanismodepermanente ajustedelimitesdasualiberdadeaosentirpensardasociedade civil. os padres de seletividade do prprio corpo social ope ramcomoantdotoqueotemponocessadeaprimorarcontra os abusos e desvios jornalsticos. Do dever de irrestrito apego completude e fidedignidade das informaes comunicadas ao pblico decorre a permanente conciliao entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repitase: no jamais pelo temordoabusoquesevaiproibirousodeumaliberdadedein formaoaqueoprprioTextomagnodoPasapsortulode plena(1doart.220).

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R.T.J. 213 10. No recepo em bloco da Lei 5.250 pela nova ordem constitucional. 10.1. bice lgico confeco de uma lei de imprensa que se orne de compleio estatutria ou orgnica.A prpria Constituio, quando o quis, convocou o legislador de segundo escaloparaoaporteregratriodaparterestantedeseusdispo sitivos(art.29,art.93e5doart.128).Soirregulamentveis osbensdepersonalidadequesepemcomooprpriocontedo ousubstratodaliberdadedeinformaojornalstica,porsetra tar de bens jurdicos que tm na prpria interdio da prvia interfernciadoEstadooseumodonatural,cabaleininterrupto deincidir.Vontadenormativaque,emtemaelementarmentede imprensa,surgeeseexaurenoprpriotextodaLeiSuprema. 10.2. Incompatibilidade material insupervel entre a Lei 5.250/1967 e a Constituio de 1988. Impossibilidade de conci liaoque,sobreserdotipomaterialoudesubstncia(vertical), contaminatodaaLeideImprensa:a)quantoaoseuentrelacede comandos,aserviodaprestidigitadoralgicadequeparacada regrageralafirmativadaliberdadeabertoumlequedeexce esquepraticamentetudodesfaz;b)quantoaoseuinescondvel efeitoprticodeiralmdeumsimplesprojetodegovernopara alcanararealizaodeumprojetodepoder,esteaseeternizar notempoeasufocartodopensamentocrticonoPas. 10.3Sodetodoimprestveisastentativasdeconciliao hermenutica da Lei 5.250/1967 com a Constituio, seja me diante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei,sejamedianteoempregodessarefinadatcnicadecontrole deconstitucionalidadequeatendepelonomedeinterpretao conformeaConstituio.Atcnicadainterpretaoconforme no pode artificializar ou forar a descontaminao da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido in cursionamento dointrpreteemlegiferaoporcontaprpria. Inapartabilidadedecontedo,definsedevissemntico(linhas eentrelinhas)dotextointerpretado.Casolimitedeinterpreta onecessariamenteconglobanteouporarrastamentoteleol gico,aprexcluirdointrprete/aplicadordoDireitoqualquer possibilidade da declarao de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permane cendo inclume uma parte sobejante que j no tem signifi cado autnomo. No se muda, a golpes de interpretao, nem ainextrincabilidadedecomandosnemasfinalidadesdanorma interpretada. Impossibilidade de se preservar, aps artificiosa hermenuticadedepurao,acoernciaouoequilbriointerno de uma lei (a Lei federal 5.250/1967) que foi ideologicamente

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concebidaenormativamenteapetrechadaparaoperarembloco oucomoumtodopro indiviso. 11. Efeitos jurdicos da deciso.Aplicamse as normas da legislaocomum,notadamenteoCdigoCivil,oCdigoPenal, oCdigodeProcessoCivileoCdigodeProcessoPenal,scau sasdecorrentesdasrelaesdeimprensa.odireitoderesposta, que se manifesta como ao de replicar ou de retificar matria publicada, exercitvel por parte daquele que se v ofendido emsuahonraobjetiva,ouentosubjetiva,conformeestampado noincisoVdoart.5daConstituioFederal.Norma,essa,de eficcia plena e de aplicabilidade imediata, conforme classifi caodeJosAfonsodaSilva.Normadeprontaaplicao,na linguagemdeCelsoRibeiroBastoseCarlosAyresBritto,emobra doutrinriaconjunta. 12.Procednciadaao.TotalprocednciadaADPF,para oefeitodedeclararcomonorecepcionadopelaConstituiode 1988todooconjuntodedispositivosdaLeifederal5.250,de9de fevereirode1967. ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ao, o que fazem nos termos do voto do Relator e por maioria de votos, em sesso presidida pelo Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrficas. Vencidos, em parte, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Ellen Gracie, que a julgavam improcedente quanto ao art. 1, 1; art. 2, caput; art. 14; art. 16, inciso I; e arts. 20, 21 e 22, todos da Lei 5.250, de 9-2-1967; o Ministro Gilmar Mendes (Presidente), que a julgava improcedente quanto aos arts. 29 a 36; e vencido integralmente o Ministro Marco Aurlio, que julgava improcedente a arguio de descumprimento de preceito fundamental em causa. Braslia, 30 de abril de 2009 Carlos Ayres Britto, Relator. RELATRIO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), manejada pelo Partido Democrtico Trabalhista (PDT), contra dispositivos da Lei federal 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, autorreferida como Lei de Imprensa. 2. Objeto da ao constitucional a declarao, com eficcia geral e efeito vinculante, de que determinados dispositivos da Lei de Imprensa (a) no foram recepcionados pela Constituio Federal de 1988 e (b) outros carecem de interpretao conforme com ela compatvel (...) (fl. 3). Isto para evitar que defasadas prescries normativas sirvam de motivao para a prtica de atos lesivos

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aos seguintes preceitos fundamentais da Constituio Federal de 1988: incisos IV, V, IX, X, XIII e XIV do art. 5, mais os arts. 220 a 223. 3. Quanto justificativa da adequao do meio processual de que se valeu perante este STF, o arguente invocou a regra da subsidiariedade que se l no 1 do art. 4 da Lei 9.882/1999 Lei da ADPF 1. Em sobrepasso, arguiu o concreto espocar de controvrsias judiciais sobre a aplicao dos preceitos fundamentais tidos por violados, para o que fez a juntada de cpias do inteiro teor de aes manejadas com base na atual Lei de Imprensa, assim como de algumas decises liminares em desfavor de jornalistas e rgos de comunicao social. Dandose queoPlenriodestaCasadeJustiaacolheutaljustificativadecabimento dapresenteADPF,vencidooministromarcoAurlio(sessododia27de fevereirode2008). 4. Tambm da inicial faz parte o esclarecimento de que a vigente Lei de Imprensa j foi objeto de ao direta de inconstitucionalidade (ADI) que no chegou a ser conhecida sob o fundamento da impossibilidade jurdica do pedido (voto vencedor do Ministro Paulo Brossard). Isto pelo acolhimento da teoria kelseniana de que toda nova Constituio priva de eficcia as leis com ela incompatveis, materialmente (fenmeno da no recepo do Direito velho pela nova Constituio, o que afasta o argumento da inconstitucionalidade superveniente). 5. Prossigo neste relato da causa para averbar que o arguente, aps declinar as bases factuais e jurdicas da sua pretenso de ver julgada procedente esta arguio de descumprimento de preceito fundamental, pugnou pelo reconhecimento da total invalidade jurdica da Lei 5.250/1967, porquanto incompatvel com os tempos democrticos. Alternativamente, pediu a declarao de no recebimento, pela Constituio: a) da parte inicial do 2 do art. 1, atinentemente ao fraseado a espetculos e diverses pblicas, que ficaro sujeitos censura, na forma da lei, nem); b) do 2 do art. 2; c) da ntegra dos arts. 3, 4, 5, 6, 20, 21, 22, 23, 51 e 52; d) da parte final do art. 56, no que toca expresso e sob pena de decadncia dever ser proposta dentro de 3 meses da data da publicao ou transmisso que lhe der causa); e) dos 3 e 6 do art. 57; f) dos 1 e 2 do art. 60; g) da ntegra dos arts. 61, 62, 63, 64 e 65. Mais: requereu interpretao conforme a CF/1988: a) do 1 do art. 1; b) da parte final do caput do art. 2; c) do art. 14; d) do inciso I do art. 16; e) do art. 17. Tudo isso para postular que as expresses subverso da ordem poltica e social e perturbao da ordem pblica ou alarma social no sejam interpretadas como censura de natureza poltica, ideolgica e artstica, ou venham a constituir embarao liberdade de manifestao do pensamento e de expresso jornalstica. J alusivamente ao art. 37, requereu o emprego da tcnica da interpretao conforme a Constituio para deixar claro que o jornalista no penalmente responsvel por entrevista autorizada. derradeira, tornou a postular o uso da tcnica da interpretao1

Dispositivo que tem a seguinte redao: No ser admitida arguio de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. Lesividade a preceito que na Constituio mesma tenha sua fundamentalidade reconhecida, seja por modo originrio, seja por derivao.

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conforme de toda a Lei de Imprensa, de maneira a rechaar qualquer entendimento significante de censura ou restrio s encarecidas liberdades de manifestao do pensamento e expresso jornalsticas. 6. Pois bem, a ttulo de medida cautelar, o autor pediu que fosse determinada a todos os juzes e tribunais do Pas a suspenso do andamento de processos e dos efeitos de decises judiciais que tivessem relao com o objeto da presente arguio de descumprimento de preceito fundamental. Pedido,esse,quefoipor mimdeferidoem2122008,ad referendumdesteegrgioPlenrio.Plenrio quedeliberoupelaconcessoparcialdaliminar, ao fundamento do descompasso entre o Magno Texto de 1988 e os seguintes dispositivos da lei em causa: a) parte inicial do 2 do art. 1, atinente expresso a espetculos e diverses pblicas, que ficaro sujeitos censura, na forma da lei, nem); b) ntegra do 2 do art. 2 e dos arts. 3, 4, 5, 6 e 65;c) parte final do art. 56 (referentemente ao fraseado e sob pena de decadncia dever ser proposta dentro de 3 meses da data da publicao ou transmisso que lhe der causa); d) 3 e 6 do art. 57; e) 1 e 2 do art. 60 e a ntegra dos arts. 61, 62, 63 e 64; f) arts. 20, 21, 22 e 23; g) arts. 51 e 52. Mais ainda, requereu o autor asuspensodaeficciadosreferidosdis positivos,por180dias,para o que fez uso do pargrafo nico do art. 21 da Lei 9.868/1999, por analogia. Mas sem interrupo do curso regular dos processos eventualmente ajuizados com base na legislao comum, notadamente o Cdigo Civil, o Cdigo Penal, o Cdigo de Processo Civil e o Cdigo de Processo Penal. Prazo de suspenso, esse, que, deferido, veioaserprorrogadotrsvezes:a) por igual perodo de 180 dias, em deliberao plenria tomada em questo de ordem suscitada por mim, Relator do feito, na sesso do dia 4 de setembro de 2008; b) por mais 30 dias, tambm em questo de ordem que suscitei quando da sesso plenria do dia 18 de fevereiro do fluente ano de 2009; c) at o final deste julgamento de mrito, em mais uma questo de ordem que submeti ao Plenrio em 25 de maro ltimo. Vencido o Ministro Marco Aurlio em todas as deliberaes. 7. Sigo em frente para dar conta de que foram prestadas pelo Exmo. Senhor Presidente da Repblica e pelo Congresso Nacional as informaes de que trata o art. 6 da Lei 9.882/1999(fls. 306 a 378). Nelas, o Advogado-Geral da Unio requereu, em preliminar, o no conhecimento do pedido, e, no mrito, que apenas os seguintes dispositivos fossem tidos como revogados: a) parte inicial do 2 do art. 1, quanto expresso a espetculos e diverses, que ficaro sujeitos censura, na forma da lei, nem (...); b) parte final do caput do art. 3, no que toca expresso e a sociedade por aes ao portador; c) 1, 2 e 7 do art. 3; d) ntegra dos arts. 4, 5, 6, 51, 52 e 56; e) 1 e 2 do art. 60; f) toda a redao dos arts. 62 e 63. J o Presidente do Congresso Nacional, Sua Excelncia noticiou a tramitao de projeto de lei para a modificao, justamente, da atual Lei de Imprensa. Projeto da autoria do Senador Marcelo Crivella, acrescentando pargrafos ao art. 12, alm de um novo artigo, o de nmero 23-A, objetivando disciplinar a divulgao de informaes lesivas honra e imagem do indivduo. Tambm assim, projeto de lei de autoria do Senador Romero Juc, introdutor de substanciais mudanas na lei agora posta em xeque, especialmente quanto ao direito de resposta.

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8. A seu turno,o Procurador-Geral da Repblica emitiu o parecer de fls. 623 a 665, vocalizando o seu entendimento de que a liberdade de expresso e de imprensa pressupe repensar os padres de democracia existentes e aqueles que se pretende construir, e, inexoravelmente, o papel dos direitos fundamentais como instrumentos capazes de conferir legitimidade ao poder. 9. A partir dessa compreenso das coisas, desenvolveu o chefe do Parquet Federal preciosos estudos de direito comparado sobre a liberdade de expresso, para, ao final, opinar sobre os limites do conhecimento da presente arguio. Fazendo-o, deu por inadequada a genrica pretenso de se declarar toda a Lei de Imprensa como incompatvel com a Constituio, o que fez com base no 1 do art. 102 da Constituio e no art. 3 da Lei 9.882/1999. Esta ltima a estabelecer que a petio inicial da ADPF dever conter a indicao do preceito fundamental que se reputa violado, a indicao do ato questionado, bem como o pedido com suas especificaes. 10. Ainda nesse mesmo tom, o douto Procurador-Geral da Repblica passou a analisar cada um dos dispositivos submetidos ao exame deste STF, concluindo que: a) o art. 1 e seu 1, assim como os arts. 14 e 16, I, no so inconciliveis com a ordem constitucional vigente; b) que o 2 do art. 1, agora sim, no foi recebido pela Constituio; c) o caput do art. 2 rima com a nossa Lei Fundamental, mas no assim os arts. 3, 4, 5 e 6; d) quanto ao art. 65, afronta ele o art. 222 da CF, que dispe sobre o regime jurdico de empresa jornalstica e de radiodifuso sonora e de sons e imagens (artigo, esse, regulamentado pela Lei 10.610/2002). 11. Foi alm o zeloso Procurador-Geral da Repblica, para entender que: a) as disposies penais dos arts. 20, 21 e 22 da Lei de Imprensa no pecam por inconstitucionalidade; b) no foi recepcionada pela Constituio a regra do 3 do art. 20, por inadmitir exceo da verdade em face de determinadas autoridades pblicas (regra que Sua Excelncia tem como um vestgio de autoritarismo ditatorial, talvez at aristocrtico, na medida em que se busca colocar certos atores polticos a salvo da verdade); c) contrariam a ordem constitucional os arts. 51, 52 e 56, caput, parte final, bem como os arts. 57, 3 e 6, 60, 1 e 2, e os arts. 61, 62, 63 e 64. 12. Por ltimo, para ele, Procurador-Geral da Repblica, [d]iferentemente do que prope o arguente, no estamos diante de um simples desequilbrio entre duas categorias de direitos fundamentais: liberdade de expresso e informao, de um lado, e direitos personalssimos de intimidade, honra e vida privada de outro. Estamos diante da matriz estruturante do Estado Republicano, tanto sob a tica orgnica, como sistmica: a democracia. Donde acrescentar que [e]xpurgar a norma impugnada do ordenamento jurdico brasileiro, por si s, resolve o problema do direito de liberdade de expresso, mas cria outro to danoso quanto o anterior, pois gera grave insegurana jurdica devido ao constante estado de ameaa intimidade e dignidade das pessoas. O que levou Sua Excelncia a se posicionar no sentido da procedncia apenas parcial do pedido. 13. Este o relatrio, que fao chegar, mediante cpia de inteiro teor, a todos os meus Pares neste Supremo Tribunal Federal.

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O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Uma vez assentada a adequao da presente arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) como ferramenta processual de abertura da jurisdio deste Supremo Tribunal Federal, e no havendo nenhuma outra questo preliminar a solver, passo ao voto que me cabe proferir quanto ao mrito da questo. Fazendo-o, comeo por me impor a tarefa que certamente passa pela curiosidade inicial de cada um dos Senhores Ministros: saberatquepontoaproteoconstitucionalbrasileira liberdadedeimprensacorreparelhacomarelevnciaintrnsecadotema em todos os pases de democracia consolidada. A comear pelos Estados Unidos da Amrica, em cuja Constituio, e por efeito da primeira emenda por ela recebida, est fixada a regra de que [o] Congresso no legislar no sentido de estabelecer uma religio, ou proibindo o livre exerccio dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa (...) (art. I). 15. Em palavras diferentes, o que certamente passa pelo intelecto de cada qual dos meus Pares saber se o regime constitucional da imprensa, em nosso Pas, guarda conformidade com o fundamental e insubstituvel papel que ela desempenha enquanto plexodeatividadesetambmcomoosomatriodosrgos oumeiosdecomunicaosocial. Plexo de atividades e somatrio dos rgos ou meios de comunicao social, porque assim como dispe o 5 do art. 220, combinadamente com o 1, o 2 e o 3 do art. 222 da Constituio de 1988. 16. Deveras, todo exame normativo-constitucional que, entre ns, tenha na liberdade de imprensa o seu especfico ponto de incidncia, h de comear pela constatao de que, objetivamente, aimprensaumaatividade. Uma diferenciada forma do agir e do fazer humano. Uma bem caracterizada esfera de movimentao ou do protagonismo dessa espcie animal que Protgoras (485/410 a.C) tinha como a medida de todas as coisas. Mas atividade que, pela sua fora de multiplicar condutas e plasmar caracteres, ganha a dimenso de instituio ideia. Locomotiva scio-cultural ou ideia-fora. Nessa medida, atividade (a de imprensa) que se pe como amaisrematadaexpressodojornalismo; quer o jornalismo como profisso, quer o jornalismo enquanto vocao ou pendor individual (pendor que frequentemente identificado como arte, ou literatura). Donde a Constituio mesma falar de liberdade de informao jornalstica ( 1 do art. 220), expresso exatamente igual a liberdade de imprensa. 17. J do ngulo subjetivoouorgnico, a comprovao cognitiva esta: a imprensa constitui-se num conjunto de rgos, veculos, empresas, meios, enfim, juridicamente personalizados ( 5 do art. 220, mais o 5 do art. 222 da Constituio Federal). Logo, subjetivamente considerada, a imprensa insti tuioentidade,instituio-aparelho, instituio-aparato. Mas seja a imprensa como objetivo sistema de atividades, seja como subjetivados aparelhos, acomu nicaosocialmesmooseutraodiferenciadorousignodistintivo. As duas coisas sempre englobadas (instituio-ideia e instituio-entidade), pois o fato que assim binariamente composta que a imprensa consubstancia um tipo de

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comunicao que no desborda do significado que se contm nos dicionrios da lngua portuguesa; ou seja, comunicao ato de comunicar, transmitir, repassar, divulgar, revelar. No caso da imprensa, comunicar, transmitir, repassar, divulgar, revelar: a) informaes ou notcias de coisas acontecidas no mundo do ser, que o mundo das ocorrncias fticas; b) o pensamento, a pesquisa, a criao e a percepo humana em geral, estes situados nos escaninhos do nosso crebro, identificado como a sede de toda inteligncia e de todo sentimento da espcie animal a que pertencemos. 18. Sequencio imediatamente o raciocnio: a modalidade de comunicao que a imprensa exprime no se dirige a essa ou aquela determinada pessoa, nem mesmo a esse ou aquele particularizado grupo, masaopblicoemgeral.Ao maior nmero possvel de pessoas humanas. Com o que a imprensa passa a se revestir da caracterstica central de instnciadecomunicaodemassa, de sortea poder influenciar cada pessoa de per se e at mesmo formar o que se convencionou chamardeopiniopblica.Opinio pblica ou modo coletivo de pensar e sentir acerca de fatos, circunstncias, episdios, causas, temas, relaes que a dinamicidade da vida faz emergir como respeitantes coletividade mesma. Incumbindo imprensa o direito e ao mesmo tempo o dever de sempre se postar comooolharmaisatentoouofocomaisacesosobreodiaadiadoEstado edasociedadecivil. O que enseja a tomada de posies, a feitura de escolhas e a assuno de condutas igualmente massivas, quesodireitoselementaresde todogrupamentohumano oagireoreagircomoconjuntomesmo. Donde a imprensa, matriz por excelncia da opinio pblica, rivalizar com o prprio Estado nesse tipo de interao de mxima abrangncia pessoal. 19. Foi precisamente em funo desse bem mais abrangente crculo de interao humana que o nosso Magno Texto reservou para a imprensa todo um bloco normativo com o apropriado nome Da Comunicao Social (Captulo V do Ttulo VIII). Captulo de que emerge a Imprensa como de fato ela : o mais acessado e por isso mesmo o mais influente repositrio de notcias do cotidiano, concomitantemente com a veiculao de editoriais, artigos assinados, entrevistas, reportagens, documentrios, atividades de entretenimento em geral (por modo especial as esportivas e musicais, alm dos filmes de televiso), pesquisas de opinio pblica, investigaes e denncias, acompanhamento dos atos do Poder e da economia do Pas, ensaios e comentrios crticos sobre arte, religio e tudo o mais que venha a se traduzir em valores, interesses, aspiraes, expectativas, curiosidades e at mesmo entretenimento do corpo societrio. Pelo que encerra a mais constante e desembaraada comunicao de ideias, ensaios, opinies, testemunhos, projees e percepes de toda ordem, passando mais e mais a ver a si mesma e a ser vista pela coletividade como ferramenta institucional que transita da informao em geral e anlise da matria informada para a investigao, a denncia e a cobrana de medidas corretivas sobre toda conduta que lhe parecer (a ela, imprensa) fora do esquadro jurdico e dos padres minimamente aceitveis como prprios da experincia humana em determinada quadra histrica. No sendo exagerado afirmar que esse estdio multifuncional da imprensa ,

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emsimesmo,umpatrimnioimaterialquecorrespondeaomaiseloquente atestadodeevoluopolticoculturaldetodoumpovo.Statusdecivilizao avanada, por conseguinte. 20. certo que a nossa Constituio Federal somente faz expresso uso do substantivo imprensa numa solitria passagem, e ainda assim como sinnimo de mdia impressa ou escrita. Veculo de comunicao em papel ou impresso (Walter Ceneviva). Isso por oposio mdia eletrnica, abarcante da radiodifusora e televisiva, consoante a seguinte transcrio:Art. 139. Na vigncia do estado de stio decretado com fundamento no art. 137, I, s podero ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: I (...) III restries relativas inviolabilidade da correspondncia, ao sigilo das comunicaes, prestao de informaes e liberdade de imprensa, radiodifuso e televiso, na forma da lei.

21. No menos certo, porm, que essa diferenciao entre mdia impressa e mdia radiodifusora e televisiva (eletrnica, dissemos) atende considerao de que somente as duas ltimas que so constitucionalmente tipificadas comoserviospblicos,prpriosdaunioFederal. Servios pblicos sempre titularizados pela Unio, frise-se, porm complementarmente prestados pela iniciativa privada, mediante contratos de concesso, ou permisso, tanto quanto por ato unilateral e precrio de autorizao. como est na alnea a do inciso XI do art. 21 da nossa Lei Fundamental, em combinao com a cabea do art. 223 da mesma Carta Magna, a saber:Art. 21. Compete Unio: (...) XI explorar, diretamente ou mediante autorizao, concesso ou permisso: a) os servios de radiodifuso sonora e de sons e imagens. Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concesso, permisso e autorizao para o servio de radiodifuso sonora e de sons e imagens, observado o princpio da complementaridade dos sistemas privado, pblico e estatal.

22. J a mdia impressa, alm de se constituir em sistema de atividades e conjunto de empresas tipicamente privadas, independe de licena da autoridade quanto sua publicao ( 5 do artigo constitucional de nmero 220). Dando-se, no entanto, que todas elas (mdia escrita e mdia eletrnica) passam a compor as atividades e os meios de comunicao social ainda h pouco referidos como objeto de normao do 5 do art. 220 da CF, mais o 1, o 2, o 3 e o 5 do art. 222). Meios de comunicao social ou simplesmente empresas jornalsticas e de radiodifuso sonora e de sons e imagens, segundo a linguagem do 1 do art. 222 da mesma Lei Fundamental brasileira. 23. Numa frase, estamos a lidar com atividades e meios ou empresas de comunicao social que, no seu conjunto, encerram o estratgico setor da imprensa livre em nosso Pas. Ficando de fora do conceito de imprensa, contudo,

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por absoluta falta de previso constitucional, a chamada Rede Mundial de Computadores internet. Artefato ou empreitada tecnolgica de grandes e sedutoras possibilidades informativas e de relaes interpessoais, sem dvida, entre elas a interao em tempo real dos seus usurios; ou seja, emissores e destinatrios da comunicao internetizada a dispor da possibilidade de inverter as suas posies a todo instante. O fisicamente presencial a cada vez mais ceder espao ao telepresencial (viagem que vai do concreto ao virtual), porm, ainda assim, constitutivo de relaes sem a menor referncia constitucional. O que se explica em funo da data de promulgao da Carta Poltica brasileira (5 de outubro de 1988), quando os computadores ainda no operavam sob o to refinado quanto espantoso sistema eletrnico-digital de intercomunicao que veio, com o tempo, a se chamar de rede. 24. Pois bem, assim binariamente concebida e praticada entre ns que a imprensa possibilita, por modo crtico incomparvel, arevelaoeocontrolede praticamentetodasascoisasrespeitantesvidadoEstadoedasociedade. Coisas que, por fora dessa invencvel parceria com o tempo, a cincia e a tecnologia, se projetam em patamar verdadeiramente global. Com o mrito adicional de se constituir, ela, imprensa, num necessrio contraponto leitura oficial dos fatos e suas circunstncias, eventos, condutas e tudo o mais que lhes sirva de real motivao. Quero dizer: aimprensacomoalternativaexplicaoouverso estataldetudoquepossarepercutirnoseiodasociedade,conforme realado pelo jurista, deputado federal e jornalista Miro Teixeira, um dos subscritores da presente ADPF. O que j significa visualizar a imprensa como garantidoespao deirrupodopensamentocrticoemqualquersituaooucontingncia. Pensamento crtico ou racionalmente exposto, com toda sua potencialidade emancipatria de mentes e espritos. No aquele pensamento sectariamente urdido, ou ento superficialmente engendrado, quando no maquinadamente elaborado para distorcer fatos e biografias. Sendo de toda relevncia anotar que, attulodereforomantenadessaverdadeirarelaodeinernciaentre o pensamento crtico e a imprensa livre, a prpria Constituio impe aos rgos e empresas de comunicao social a seguinte interdio: Os meios de comunicao social no podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monoplio ou oligoplio ( 5 do art. 220). Norma constitucional de concretizao de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democrticas; isto , opluralismocomoavirtudedemocrticada respeitosaconvivnciadoscontrrios (o necessrio consenso apenas quanto s regras do jogo, conforme enuncia Norberto Bobbio em seu clssico livro O futuro da democracia2). Pluralismo, enfim, que a nossa Constituio prestigia em duas explcitas oportunidades: no seu prembulo e no inciso V do art. 1. Aqui, pluralismo poltico; ali, pluralismo cultural ou social genrico.

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Doutrina Bobbio: Democracia definida como um conjunto de regras de procedimento para a formao de decises coletivas em que est prevista e facilitada a participao mais ampla possvel dos interessados.

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25. Sem maior esforo mental, portanto, v-se que a imprensa passou a desfrutar de tamanha importncia na vida contempornea que j faz da sua natureza de focada instncia de comunicao social o prprio nome da sociedadecivilglobalizada: sociedadedeinformao, tambmchamadade sociedadedecomunicao. Preservada a amplitude massiva dos seus destinatrios ou pblico-alvo e sempre na perspectiva da encarnao de um direito-dever inarredvel: o da instncia por excelncia do pensamento crtico ou emancipatrio. Ele prprio, pensamento crtico ou libertador, a pedagogicamente introjetar no pblico em geral todo apreo pelo valor da verdade como categoria objetivamente demonstrvel, oqueterminaporforaraimprensamesmaainformar emplenitudeecomomximodefidedignidade. 26. Convm insistir na afirmativa: por efeito dessa relao de mtua e benfazeja influncia entre a imprensa e seus massivos destinatrios, o caminho consequente ou como que natural a seguir s pode ser o da responsabilidade de jornalistas e rgos de comunicao social. Responsabilidadequetornaintrin secamentemeritriosunseoutros. Tudo a possibilitar a formao de uma confortvel clientela ou corpo de destinatrios, que vai eficazmente contrabatendo, com a incessante subida dos seus padres de seletividade, o personalstico peso dos agentes pblicos e dos empresrios do ramo, ou mesmo desse ou daquele jornalista em apartado. Seletividade, de sua parte, que opera como antdoto social que o tempo no cessa de aprimorar contra os abusos e desvios da imprensa dita burguesa; quer dizer, resqucio de um modelo de imprensa que investe no atraso mental das massas e ainda se disponibiliza para o servilismo governamental, quando no para o insidioso desprestgio das instituies democrticas e o dogmatismo to confessional quanto mercantil. Argentrio. Tambm assim, antdoto contra os desvarios sensacionalistas, o aodamento do furo de reportagem (o escritor e jurista Manuel Alceu Affonso Ferreira bem o diz), a superficialidade e at mesmo a chantagem, que ningum ingnuo ou alienado ao ponto de no admitir que profissionais e rgos de imprensa ainda esto sujeitos, sim, quelas vicissitudes que Rui Barbosa to bem denunciou com estas palavras, na conhecida monografia A imprensa e o dever da verdade (prefaciada, justamente, e com pena de mestre, pelo citado jurista Manuel Alceu Affonso Ferreira):Em quatro palavras se poder encartar uma calnia. Mas pode ser que a demonstrao da falsidade no caiba toda num discurso. Uma s proposio dar, talvez, para se verter no esprito humano um erro tremendo. Mas uma vez lanado ao mundo, sabe Deus que de contestaes, raciocnios e debates se no cansariam, porventura, ainda assim, debalde, em lhe dar combate.

(P. 27, Editora Papagaio, ano de 2004.) 27. Mas a decisiva questo comprovar que o nosso Magno Texto Federal levou o tema da liberdade de imprensa na devida conta. Deuaela,imprensa, roupagemformalnamedidaexatadarespectivasubstncia. Pois definitiva lio da Histria que, em matria de imprensa, no h espao para o meio-termo ou a contemporizao. ou ela inteiramente livre, ou dela j no se pode cogitarsenocomojogodeaparnciajurdica. a trajetria humana, a vida,

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so os fatos, o pensamento e as obras dos mais acreditados formadores de opinio que retratam sob todas as cores, luzes e contornos que imprensa apenas meio livre um to arremedo de imprensa como a prpria meia verdade das coisas o para a explicao cabal dos fenmenos, seres, condutas, ideias. Sobretudo ideias, cuja livre circulao no mundo to necessria quanto o desembaraado fluir do sangue pelas nossas veias e o desobstrudo percurso do ar pelos nossos pulmes e vias areas. O que tem levado interlocutores sociais de peso diga-se de passagem a se posicionar contra a exigncia de diploma de nvel superior para quem se disponha a escrever e falar com habitualidade pelos rgos de imprensa. 28. Se assim, no h opo diferente daquela que seguramente fez o nosso Magno Texto Republicano: consagrar a plenitude de uma liberdade to intrinsecamente luminosa que sempre compensa, de muito, de sobejo, inumeravelmente, as quedas de voltagem que lhe infligem profissionais e organizaes aferrados a prticas de um tempo que estrebucha, porque j deu o que tinha de dar de voluntarismo, chantagem, birra, perseguio. Esparsasnuvensescuras aseesgueirar,intrusas,porumcuquesomentesecomprazemhospedar osolapino. Exceo feita, j o vimos, a eventuais perodos de estado de stio, mas ainda assim na forma da lei. No da vontade caprichosa ou arbitrria dos rgos e autoridades situados na cpula do Poder Executivo, ou mesmo do Poder Judicirio. 29. O que se tem como expresso da realidade, portanto, , de uma banda, um corpo social progressivamente esclarecido por uma imprensa livre e, ela mesma, plural (visto que so proibidas a oligopolizao e a monopolizao do setor). Corpo social tambm progressivamente robustecido nos seus padres de exigncia enquanto destinatrio e consequentemente parte das relaes de imprensa. De outra banda, uma imprensa que faz de sua liberdade de atuao um necessrio compromisso com a responsabilidade quanto completude e fidedignidade das informaes comunicadas ao pblico. Doquedecorreapermanente conciliaoentreliberdadeeresponsabilidade, at porque, sob o prisma do conjunto da sociedade, quanto mais se afirma a igualdade como caracterstica central de um povo, mais a liberdade ganha o tnus de responsabilidade. que os iguais dispem de reais condies de reagir altivamente s injustias, desafios e provocaes do cotidiano, de modo a refrear os excessos ou abusos, partam de onde partirem, venham de quem vierem. Donde o Jornal da ABI (Associao Brasileira de Imprensa) comentar que at mesmo os escandalosos tabloides ingleses, premidos pela perda de leitores, no raras vezes mudam sua linha sensacionalista de orientao; [p]orque do regime da plena liberdade surge a responsabilidade, e o cidado passa a no comprar porcaria (Jornal da ABI 326, fevereiro de 2008, p. 25, a propsito de entrevista com o citado operador jurdico, jornalista e deputado Miro Teixeira). 30. Este o ponto nuclear da questo, face de uma lgica especificamente referida interao da imprensa livre com um pblico-alvo cada vez mais em condies de se posicionar moda de filtro ou peneira do que lhe chega como informao ou como conhecimento pronto e acabado. Lgicaencampadapela

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nossa Constituio de 1988, e prescientemente captada pelo ingls William Pitt (1759/1806), para quem imprensa deve tocar o encargo de se corrigir a si prpria; pelo norte-americano Thomas Jefferson (1743/1826), autor da afirmao de que, se lhe fosse dado escolher entre um governo sem jornais e jornais sem um governo, no hesitaria em optar por esta ltima frmula; e pelo francs Alexis de Tocqueville (1805/1859), ao sentenciar que, numa democracia, o modo mais eficaz de se combater os excessos de liberdade com mais liberdade ainda. A imprensa, ento, cabalmente imunizada contra o veneno da censura prvia, como lcida e corajosamente pregou o poeta John Milton, em 1644, no seu famoso discurso A Aeropagtica (discurso lido perante a suprema corte do parlamento ingls, transformado em livro pela Editora Topbooks, edio de 1999). A imprensa livre a viabilizar, assim, o ideal daqueles que, semelhana de Gluksman, veem a liberdade como um rio impetuoso cujo nico anseio no ter margens. No ter margens fixas penso que seria melhor dizer , poisaautor regulaodaimprensanuncadeixadeserumpermanenteajustedelimites emsintoniacomosentirpensardeumasociedadecivildequeela,imprensa, simultaneamente portavozecaixaderessonncia. No s porta-voz, no s caixa de ressonncia, mas as duas coisas ao mesmo tempo. 31. Atente-se para as novelas da televiso brasileira e demais programaes em canal aberto. No h censura prvia quanto exposio de captulos, cenas, fatos, mas os temas polmicos ou de mais forte quebra de paradigmas culturais so retratados com perceptvel cuidado. Cuidado ou acautelamento que nada tem a ver com o receio de interveno estatal (proibida pela Constituio, ressalvado o estado de stio), porm como o fruto mesmo de uma responsabilidade de imprensa cujo tamanho medido com a trena da susceptibilidade dos telespectadores em geral, dos anteparos de cada famlia em particular para com os seus membros ainda em formao ou desenvolvimento, e dos prprios sistemas de ombudsman de que nenhum rgo de comunicao social pode abrir mo, hoje em dia. At mesmo episdios verdadeiros, mas incomumente chocantes, o novo e irreversvel modelo de imprensa evita expor para no traumatizar o pblico, sob o grande risco de perda de audincia. Exemplo disso foi o suicdio de um importante poltico estadunidense, inteiramente filmado pela televiso, mas levado ao ar sem a brutalidade do momento em que o suicida colocava o revlver no interior de sua prpria boca para em seguida puxar o gatilho (fato de que tive cincia pelo relato oral do respeitvel Juiz Federal da 5 Regio Ricardo Csar Mandarino Barreto, presentemente oficiando como juiz auxiliar em meu prprio gabinete de Ministro deste STF). J os fatos e cenas de maior apelo sexual (os programas de reality show no meio), estes so exibidos em horrio noturno mais avanado e com legenda quanto sua natureza e no recomendao para determinadas faixas etrias. De conformidade, alis, com o disposto no 3 do art. 220 da Constituio. 32. Verbalizadas tais reflexes e fincadas estas primeiras interpretaes da Magna Carta Federal, tambm facilmente se percebe que a progressiva inafastabilidade desse dever da imprensa para com a informao em plenitude e sob o timbre da mxima fidelidade sua base emprica que passa a compor o

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valorsocialdavisibilidade.Nova categoria de direito individual e coletivo ao real conhecimento dos fatos e suas circunstncias, protagonismos e respectivas motivaes, alm das ideias, vida pregressa e propostas de trabalho de quem se arvore a condio de ator social de proa, principalmente se na condio de agente pblico. Visibilidade que evoca em nossas mentes a mensagem crist do conheceis a verdade e ela vos libertar (Joo, 8:32),pois o fato que nadase comparaimprensacomocristalinafontedasinformaesmultitudinrias quemaishabilitamosseres humanos afazeravaliaes eescolhas noseu concreto dia a dia. Juzos de valor que sobremodo passam por avaliaes e escolhas em perodo de eleies gerais, sabido que pela via do voto popular que o eleitor mais exercita a sua soberania para a produo legtima dos quadros de representantes do povo no Poder Legislativo e nas chefias do Poder Executivo. Mais ainda, visibilidade que, tendo por ncleo o proceder da Administrao Pblica, toma a designao de publicidade (art. 37, caput, da CF). Publicidade comotransparncia,anotese,delogoaladadimensodeprincpio,ao ladodalegalidade,impessoalidade,moralidadeeeficincia. Sendo certo que a publicidade que se eleva dimenso de verdadeira transparncia o mais aplainado caminho para a fiel aplicao da lei e dos outros trs princpios da moralidade, da eficincia e da impessoalidade na Administrao Pblica. 33. Daqui j se vai desprendendo a inteleco do quanto a imprensa livre contribui para a concretizao dos mais excelsos princpios constitucionais. A comear pelos mencionados princpios da soberania (inciso I do art. 1) e da cidadania (inciso II do mesmo art. 1), entendida a soberania como exclusiva qualidade do eleitor-soberano, e a cidadania como apangio do cidado, claro, mas do cidado no velho e sempre atual sentido grego: aquele habitante da cidade que se interessa por tudo que de todos; isto , cidadania como o direitodeconhecereacompanhardepertoascoisasdoPoder,osassuntosda plis. organicamente.militantemente. Saltandoaosolhosquetaisdireitos serotantomaisbemexercidosquantomaisdensoeatualizadoforoacervo de informaes que se possa obter por conduto da imprensa (contribuio que a internet em muito robustece, faa-se o registro). 34. Esse direito que prprio da cidadania o de conhecer e acompanhar de perto as coisas do Poder, e que a imprensa livre tanto favorece ns mesmos do Supremo Tribunal Federal temos todas as condies para dizer da sua magnitude e imprescindibilidade. que a prpria histria deste nosso Tribunal j se pode contar em dois perodos: antes e depois da TV Justia, implantada esta pelo ento presidente Marco Aurlio. TV Justia a que vieram se somar a TV digital e a Rdio Justia (criaes da Ministra Ellen Gracie, poca presidente da Corte), para dar conta das nossas sesses plenrias em tempo real. O que tem possibilitado populao inteira, e no somente aos operadores do Direito, exercer sobre todos ns um heterodoxoeeficazcontroleexterno, pois no se pode privar o pblico em geral, e os lidadores jurdicos em particular, da possibilidade de saber quando trabalham, quanto trabalham e como trabalham os membros do Poder Judicirio. Afinal, todo

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servidor pblico um servidor do pblico, e os Ministros do Supremo Tribunal Federal no fogem a essa configurao republicana verdadeiramente primaz. 35. Tambm deste ponto de inflexo j vai tomando corpo a proposio jurdica de que, pelo seu reconhecido condo de vitalizar por muitos modos a Constituio, tirando-a mais vezes do papel, aimprensapassaamantercom ademocraciaamaisentranhadarelaodemtuadependnciaouretro alimentao. Falo da democracia como categoria jurdico-positiva (no simplesmente filosfico-poltica), que em toda Constituio promulgada por uma Assembleia Constituinte livremente eleita consubstancia o movimento, o fluxo ascendente do poder de governar a plis; quer dizer, o poder de governar toda a coletividade como aquele que vem de baixo para cima, e no de cima para baixo da escala social. A implicar, por evidente, prestgio das bases governadas e limitao das cpulas governantes. umtiraropovodaplateiaparacoloclono palco das decises que lhe digam respeito. Donde figurar, ela, democracia, como questo ou causa verdadeiramente planetria, ao lado da ecologia e da tica na vida pblica. Democracia que Abrahan Lincoln inexcedivelmente definiu como o governo do povo, pelo povo e para o povo, e que a epopeia constituinte de 1987/1988 assumiu como o princpio dos princpios da Constituio de 1988. O seu valor-continente, por se traduzir no princpio que mais vezes se faz presente na ontologia dos demais valores constitucionais (soberania popular, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo poltico, s para citar os listados pelos incisos de I a V do art. 1 da nossa Lei Maior). Valor-teto da Constituio, em rigor de Cincia, porque acima da democracia no h outro valor coletivo seno j situado do lado de fora de toda positividade jurdica brasileira. Valor incomparvel, ento, que, se vivido autenticamente, concretiza aquela parte do discurso de posse do presidente Roosevelt, em plena depresso econmica: Nada h a temer, exceto o prprio medo. 36. Avano na tessitura desse novo entrelace orgnico para afirmar que, assimvisualizadacomoverdadeirairmsiamesadademocracia,aimprensa passaadesfrutardeumaliberdadedeatuaoaindamaiorquealiberdade de pensamento e de expresso dos indivduos em si mesmos considerados. At porque essas duas categorias de liberdade individual tambm sero tantomaisintensamenteusufrudasquantoveiculadaspelaimprensamesma (ganha-se costas largas ou visibilidade fato , se as liberdades de pensamento e de expresso em geral so usufrudas como o prprio exerccio da profisso ou do pendor jornalstico, ou quando vm a lume por veculo de comunicao social). oquefazdetodoocaptuloconstitucionalsobreacomunicaosocialum melhoradoprolongamentodospreceitosfundamentaisdaliberdadedemani festao do pensamento e de expresso em sentido lato. Comunicandose, ento,atodoosegmentonormativoprolongadoranaturezajurdicadoseg mentoprolongado;queanaturezadedireitosegarantiasfundamentais, talcomoselnottulodenmeroIIdanossaConstituio.E para a centrada tutela de tais direitos e garantias que se presta a ao de descumprimento de preceito fundamental, cujo status de ao constitucional advm da regra que se l

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no 1 do art. 101 da nossa Lei Maior, literis: A arguio de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituio, ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. Em suma, a virginal fundamentalidade de um preceito constitucional repassada, logicamente, para outro ou outros preceitos constitucionais que lhe sejam servientes, ainda que esses outros preceitos faam parte de um conjunto normativo diverso. Como se d, ilustrativamente, com os dispositivos constitucionais que limitam o poder de tributar da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios (artigos de nmeros 150 a 152, inseridos no captulo atinente ao Sistema Tributrio Nacional), sabido que tal limitao ao poder tributante das nossas unidades federadas opera em favor dos direitos fundamentais que assistem s pessoas privadas quanto s suas propriedades, rendas e atividades de subsistncia material e produo econmica (ttulos de nmeros II e VII, notadamente). 37. Com efeito, e a ttulo de outorga de um direito individual que o ritmo de civilizao do Brasil imps como conatural espcie humana (pois sem ele o indivduo como que se fragmenta em sua incomparvel dignidade e assim deixa de ser o pice da escala animal para se reduzir a subespcie), a Constituio proclama que livre a manifestao do pensamento, sendo vedado o anonimato (inciso IV do art. 5). Assim tambm, e de novo como pauta de direitos mais fortemente entroncados com a dignidade da pessoa humana, a nossa Lei Maior estabelece nesse mesmo art. 5 que: a) livre a expresso da atividade intelectual, artstica, cientfica e de comunicao, independentemente de censura ou licena (inciso IX); b) livre o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); c) assegurado a todos o acesso informao e resguardado o sigilo da fonte, quando necessrio ao exerccio profissional (inciso XIV); d) concederse- habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informaes relativas pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de carter pblico: b) para a retificao de dados, quando no prefira faz-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo (inciso LXXII). Discurso libertrio que vai reproduzir na cabea do seu art. 220, agora em favor da imprensa, com pequenas alteraes vocabulares e maior teor de radicali dadeelargueza. Confira-se:Art. 220. A manifestao do pensamento, a criao, a expresso e a informao, sob qualquer forma, processo ou veculo, no sofrero qualquer restrio, observado o disposto nesta Constituio.

38. precisamente isto: no ltimo dispositivo transcrito, a Constituio radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuao da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criao, expresso e informao) esto a salvo de qualquer restrio em seu exerccio, seja qual for o suporte fsico ou tecnolgico de sua veiculao; b) quetal exerccionosesujeitaaoutrasdisposiesquenosejamasfigurantesdela prpria,Constituio. Requinte de proteo que bem espelha a proposio de que a imprensa o espao institucional que melhor se disponibiliza para o uso

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articulado do pensamento e do sentimento humanos como fatores de defesa e promoo do indivduo, tanto quanto da organizao do Estado e da sociedade. Plus protecional que ainda se explica pela anterior considerao de que pelos mais altos e largos portais da imprensa que a democracia v os seus mais excelsos contedos descerem dos colmos olmpicos da pura abstratividade para penetrar fundo na carne do real. Dando-se que a recproca verdadeira: quantomaisa democraciaservidapelaimprensa,maisaimprensaservidapelademo cracia. Como nos versos do poeta santista Vicente de Carvalho, uma diz para a outra, solene e agradecidamente: Eu sou quem sou por serdes vs quem sois. 39. de se perguntar, naturalmente: mas a que disposies constitucionais se refere o precitado art. 220 como de obrigatria observncia no desfrute das liberdades de pensamento, criao, expresso e informao que, de alguma forma, se veiculem pela imprensa? Resposta: quelas disposies do art. 5, versantes sobre vedao do anonimato (parte final do inciso IV); direito de resposta (inciso V); direitoaindenizaopordanomaterialoumoralintimidade, vidaprivada,honraeimagemdaspessoas (inciso X); livreexercciodequal quer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais quealeiestabelecer (inciso XIII); direitoao resguardodosigilodafontede informao,quandonecessrioaoexerccioprofissional (inciso XIV). 40. No estamos a ajuizar seno isto: a cabea do art. 220 da Constituio veda qualquer cerceio ou restrio concreta manifestao do pensamento, bem assim todo cerceio ou restrio que tenha por objeto a criao, a expresso e a informao, pouco importando a forma, o processo, ou o veculo de comunicao social. Isto certo. Impossvel neg-lo. masoexercciodetaisliberdadesno implicaumafugadodeverdeobservartodososincisosigualmenteconstitu cionaisquecitamosnotpicoanterior,relacionadoscomaliberdademesma deimprensa(a comear pela proibio do anonimato e terminando com a proteo do sigilo da fonte de informao). Uma coisa a no excluir a outra, tal como se d at mesmo quando o gozo dos direitos fundamentais liberdade de pensamento e de expresso da atividade intelectual, artstica, cientfica e de comunicao, alm do acesso informao, acontece margem das atividades e dos rgos de imprensa (visto que o desfrute de tais direitos expressamente qualificado como livre). masclaroqueosdoisblocosdedispositivosconstitucionaisspodem incidirmediantecalibraotemporaloucronolgica: primeiro, assegura-se o gozo dos sobredireitos (falemos assim) de personalidade, que so a manifestao do pensamento, a criao, a informao, etc., a que se acrescenta aquele de preservar o sigilo da fonte, quando necessrio ao exerccio da profisso do informante, mais a liberdade de trabalho, ofcio, ou profisso. Somente depois que se passa a cobrar do titular de tais sobressituaes jurdicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que tambm densificadores da personalidade humana; ou seja, como exercer em plenitude o direito manifestao do pensamento e de expresso em sentido geral (sobredireitos de personalidade, reitere-se a afirmativa), sem a possibilidade de contraditar, censurar, desagradar e at eventualmente chocar, vexar, denunciar terceiros? Pelo que o termo observado, referido

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pela Constituio no caput e no 1 do art. 220, de ser interpretado como proi biodesereduziracoisanenhumadispositivosigualmenteconstitucionais, comoosmencionadosincisosIV,V,X,XIIIeXIVdoart.5. Proibio de se fazer tabula rasa desses preceitos igualmente constitucionais, porm sem que o receio ou mesmo o temor do abuso seja impeditivo do pleno uso das liberdades de manifestao do pensamento e expresso em sentido lato. 41. Sem que o receio ou mesmo o temor do abuso seja impeditivo do pleno uso das duas categorias de liberdade, acabamos de falar, porque, para a Constituio, o que no se pode , por antecipao, amesquinhar os quadrantes da personalidade humana quanto aos seguintes dados de sua prpria compostura jurdica: liberdade de manifestao do pensamento e liberdade de expresso em sentido genrico (aqui embutidos a criao e o direito de informar, informar-se e ser informado, como expletivamente consignado pelo art. 37, 1, da Constituio portuguesa de 1976, verso 1997). Caso venha a ocorrer o deliberado intento de se transmitir apenas em aparncia a informao para, de fato, ridicularizar o prximo, ou, ainda, se objetivamente faz-se real um excesso de linguagem tal que faz o seu autor resvalar para a zona proibida da calnia, da difamao, ou da injria, a o corretivo se far pela exigncia do direito de resposta por parte do ofendido, assim como pela assuno de responsabilidade civil ou penal do ofensor. Esta, e no outra, a lgica primaz da interao em causa. 42. Lgica primaz ou elementar retome-se a afirmao porque reveladora da mais natural cronologia das coisas. No h como garantir a livre manifestao do pensamento, tanto quanto o direito de expresso lato sensu (abrangendo, ento, por efeito do caput do art. 220 da CF, a criao e a informao), senoem plenitude.Senocolocandoemestadodemomentneaparalisiaainviolabi lidadedecertascategoriasdedireitossubjetivosfundamentais,como,por exemplo,aintimidade,avidaprivada,aimagemeahonradeterceiros. Tal inviolabilidade, aqui, ainda que referida a outros bens de personalidade (o entrechoque entre direitos de personalidade), no pode significar mais que o direito de resposta, reparao pecuniria e persecuo penal, quando cabveis; no a traduzir um direito de precedncia sobre a multicitada parelha de sobredireitos fundamentais: a manifestao do pensamento