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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 203 – número 2 janeiro a março de 2008 páginas 463 a 932

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Revista Trimestral de Jurisprudência

volume 203 – número 2janeiro a março de 2008

páginas 463 a 932

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Diretoria-Geral Sérgio José Américo Pedreira

Secretaria de DocumentaçãoAltair Maria Damiani Costa

Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaNayse Hillesheim

Seção de Preparo de Publicações Leide Maria Soares Corrêa Cesar

Seção de Padronização e Revisão Rochelle Quito

Seção de Distribuição de Edições Leila Corrêa Rodrigues

Diagramação: Fabiana Antonia da Silva e Rodrigo Melo Cardoso

Capa: Núcleo de Programação Visual

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista trimestral de jurisprudência / Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.

v. 203-2; 22 cm.

Três números a cada trimestre.

Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; SupremoTribunal Federal, 2007- .

ISSN 0035-0540

1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).

CDD 340.6

Solicita-se permuta. Pídese canje. On demande l’échange. Si richiede lo scambio. We ask for exchange. Wir bitten um Austausch.

STF/CDJU SAAN Qd. 3, Lt. 915, 1º andar 72220-000 – Brasília-DF [email protected] Fone: (0xx61) 3403-3795

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), PresidenteMinistro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-PresidenteMinistro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURéLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministro Antonio CEzAR PELUSO (25-6-2003)Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)Ministro Carlos Alberto MENEzES DIREITO (5-9-2007)

COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro MARCO AURéLIO Mendes de Farias Mello, PresidenteMinistro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTOMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistra CÁRMEN LÚCIA Antunes RochaMinistro Carlos Alberto MENEzES DIREITO

SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, PresidenteMinistro GILMAR Ferreira MENDESMinistro Antonio CEzAR PELUSO Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesMinistro EROS Roberto GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUzA

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COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministro CELSO DE MELLOMinistro GILMAR MENDESMinistro MENEzES DIREITOMinistra CÁRMEN LÚCIA – Suplente

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro MARCO AURéLIOMinistro JOAQUIM BARBOSAMinistro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CEzAR PELUSOMinistro CARLOS BRITTOMinistro EROS GRAU

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro GILMAR MENDESMinistro CEzAR PELUSOMinistra CÁRMEN LÚCIA

COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES

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SUMÁRIO

Pág.

ACÓRDÃOS ................................................................................ 471

ÍNDICE ALFABéTICO ................................................................. 915

ÍNDICE NUMéRICO .................................................................... 929

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ACÓRDÃOS

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INQUÉRITO 2.245 — MG(Inq 2.245-QO-QO na RTJ 203-1)

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa

Autor: Ministério Público Federal — Denunciados: José Dirceu de Oliveira e Silva, José Genoíno Neto, Delúbio Soares de Castro, Sílvio José Pereira, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Rogério Lanza Tolentino, Simone Reis Lobo de Vasconcelos, Geiza Dias dos Santos, Kátia Rabello, Jose Roberto Salgado, Vinícius Samarane, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, João Paulo Cunha, Luiz Gushiken, Henrique Pizzolato, Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto, Jose Mohamed Janene, Pedro Henry Neto, João Cláudio de Carvalho Genu, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg, Carlos Alberto Quaglia, Valdemar Costa Neto, Jacinto de Souza Lamas, Antônio de Pádua de Souza Lamas, Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues), Roberto Jefferson Monteiro Francisco, Emerson Eloy Palmieri, Romeu Ferreira Queiroz, José Rodrigues Borba, Paulo Roberto Galvão da Rocha, Anita Leocádia Pereira da Costa, Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), João Magno de Moura, Anderson Adauto Pereira, José Luiz Alves, José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça), zilmar Fernandes Silveira

Primeira preliminar. Incompetência. Foro por prerrogativa de função. Desmembramento indeferido pelo pleno. Preclusão.

Rejeitada a preliminar de incompetência do Supremo Tribu-nal Federal para julgar a acusação formulada contra os 34 (trinta e quatro) acusados que não gozam de prerrogativa de foro. Maté-ria preclusa, tendo em vista que, na sessão plenária realizada no dia 6-12-06, decidiu-se, por votação majoritária, pela necessidade de manter-se um processo único, a tramitar perante o STF.

Segunda preliminar. Constatação, pelo Ministério Público, da existência de indícios de autoria e materialidade de crimes. Oferecimento da denúncia. Investigações não concluídas. Óbice

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inexistente. Ausência do relatório policial. Peça dispensável para efeito de oferecimento da denúncia.

1. Se o titular da ação penal entende que há indícios míni-mos de autoria e materialidade dos fatos tidos como criminosos, ele pode oferecer a denúncia antes de concluídas as investigações. A escolha do momento de oferecer a denúncia é prerrogativa sua.

2. O relatório policial, assim como o próprio inquérito que ele arremata, não é peça indispensável para o oferecimento da denúncia.

Terceira preliminar. Quebra de sigilo bancário decretada pelo magistrado de 1º grau. Inexistência, à época, de investigados com foro privilegiado. Competência. Validade dos atos. Posterior ratificação pelo STF.

Quando o magistrado de 1º grau autorizou a quebra do sigilo bancário e fiscal das pessoas físicas e jurídicas investigadas, ainda não havia qualquer indício da participação ativa e concreta de agente político ou autoridade detentora de prerrogativa de foro nos fatos sob investigação. Fatos novos, posteriores àquela primeira decisão, levaram o magistrado a declinar de sua com-petência e remeter os autos ao STF. Recebidos os autos no STF, o então Presidente da Corte, no período de férias, reconheceu a competência do STF e ratificou as decisões judiciais prolatadas pelo magistrado de 1º grau nas medidas cautelares de busca e apreensão e afastamento do sigilo bancário distribuídas por dependência ao inquérito. Rejeitada a preliminar de nulidade das decisões proferidas pelo juiz de 1ª instância.

Quarta preliminar. Prova emprestada. Caso “Banestado”. Autorização de compartilhamento tanto pela comissão parlamentar mista de inquérito como pelo STF. Legalidade.

O acesso à base de dados da CPMI do Banestado fora auto-rizado pela CPMI dos Correios. Não bastasse isso, o Presidente do STF deferiu o compartilhamento de todas as informações obtidas pela CPMI dos Correios, para análise em conjunto com os dados constantes dos presentes autos. Não procede, portanto, a alegação de ilegalidade da prova emprestada do caso Banestado.

Quinta preliminar. Ampliação do objeto de investigação de comissão parlamentar de inquérito no curso dos trabalhos. Possi-bilidade. Precedentes.

Não há ilegalidade no fato de a investigação da CPMI dos Correios ter sido ampliada em razão do surgimento de fatos novos, relacionados com os que constituíam o seu objeto inicial. Prece-dentes: MS 23.639/DF, Rel. Min. Celso de Mello; HC 71.039/RJ, Rel. Min. Paulo Brossard.

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Sexta preliminar. Quebra de sigilo pela CPMI. Fundamento exclusivo em matéria jornalística. Alegação inconsistente. Poste-rior autorização para quebra também pelo Relator, no âmbito do inquérito e das ações cautelares incidentais.

As quebras de sigilo autorizadas pela CPMI dos Correios não se fundaram exclusivamente em matérias jornalísticas. Ademais, elas foram objeto de decisão judicial autônoma tomada no âmbito do Inq 2.245 e de ações cautelares a ele incidentes. Preliminar rejeitada.

Sétima preliminar. Dados de empréstimo fornecidos pelo Banco Central. Pedido direto do Ministério Público. Ilegalidade. Ausência. Requisição feita pela CPMI dos Correios. Posterior autorização de compartilhamento com o Ministério Público para instrução do inquérito. Legalidade.

Não procede a alegação, feita pelo 5º acusado, de que os da-dos relativos aos supostos empréstimos bancários contraídos com as duas instituições financeiras envolvidas teriam sido colhidos de modo ilegal, pois o Banco Central teria atendido diretamente a pe-dido do Procurador-Geral da República, sem que houvesse autori-zação judicial. Tais dados constam de relatórios de fiscalização do Banco Central, que foram requisitados pela CPMI dos Correios. No âmbito deste inquérito, o Presidente do STF determinou o “compartilhamento de todas as informações bancárias já obtidas pela CPMI dos Correios”, para análise em conjunto com os dados constantes destes autos. Por último, o próprio Relator do inquérito, em decisão datada de 30 de agosto de 2005, decretou o afastamento do sigilo bancário, desde janeiro de 1998, de todas as contas manti-das pelo 5º acusado e “demais pessoas físicas e jurídicas que com ele cooperam, ou por ele são controladas”. Preliminar rejeitada.

Oitava preliminar. Dados fornecidos ao Ministério Público pelo Banco BMG. Existência de decisão judicial de quebra de si-gilo proferida pelo Presidente do STF e, posteriormente, de modo mais amplo, pelo Relator do inquérito. Ausência de ilegalidade.

Igualmente rejeitada a alegação de que o banco BMG teria atendido diretamente a pedido do Ministério Público Federal. Na verdade, o ofício requisitório do MPF amparou-se em decisão anterior de quebra de sigilo bancário dos investigados, proferida pelo Presidente do STF, durante o recesso forense (25-7-05). Poste-riormente, o próprio Relator do inquérito afastou de modo amplo o sigilo bancário, abarcando todas as operações de empréstimos objeto do ofício requisitório do Procurador-Geral da República, bem como ordenou a realização de perícia com acesso amplo e irres-trito às operações bancárias efetivadas pelo referido banco. De resto, a comunicação dos mencionados dados bancários encontra respaldo suplementar na quebra de sigilo decretada pela CPMI dos Correios.

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Nona preliminar. Alegação de ilegalidade na utilização de dados obtidos com base no acordo de assistência judiciária em matéria penal entre Brasil e Estados Unidos. Decreto 3.810/01. Possibilidade de imposição de restrições. Dados fornecidos para os procuradores federais brasileiros e para a Polícia Federal bra-sileira, sem restrição quanto aos processos que deveriam instruir. Impossibilidade de compartilhamento com outros órgãos. Inexis-tência de violação.

O sigilo das contas bancárias sediadas no exterior foi afas-tado pelo Poder Judiciário norte-americano, nos termos do ofício encaminhado pelo Governo dos Estados Unidos com os dados solicitados. O Supremo Tribunal Federal do Brasil foi informado de todos os procedimentos adotados pelo Procurador-Geral da República para sua obtenção e, ao final, recebeu o resultado das diligências realizadas por determinação da Justiça estrangeira. Os documentos foram encaminhados para uso pelos órgãos do Ministério Público e da Polícia Federal, contendo somente a ressalva de não entregar, naquele momento, as provas anexadas para outras entidades. Assim, também não procede a alegação de ilicitude da análise, pelo Instituto Nacio-nal de Criminalística, órgão da Polícia Federal, dos documentos bancários recebidos no Brasil.

Décima preliminar. Cerceamento de defesa. Ausência de jun-tada aos autos, pelo Ministério Público, de documentos requisitados à Polícia Federal. Diligência que ainda não estava concluída no momento da apresentação da resposta pelo denunciado. Acusação com base em outros indícios. Nulidade inexistente.

Não procede a alegação, feita pelo 16º acusado, de que teria ocorrido cerceamento de defesa, em razão de a apresentação da defesa ter-se dado em momento anterior à juntada aos autos de elementos requisitados à Polícia Federal pelo MPF. Os documentos eventualmente anexados aos autos após a apresentação da denúncia não foram levados em consideração para efeito de formulação da acusação, não influenciando, assim, no recebimento da peça acusa-tória. Servirão, apenas, para instrução da futura ação penal.

Décima primeira preliminar. Acusação política. Inocorrência. Inexistência de alusão a atos políticos ou posicionamentos ideoló-gicos do acusado. Imputação de fatos, em tese, criminosos. Indicação de prova mínima de autoria e materialidade.

Infundada a alegação do 1º acusado, de que estaria em curso um julgamento político. São-lhe imputados fatos típicos e antijurídicos, baseados em indícios colhidos na fase investiga-tória. Irrelevância, para o processo penal, dos posicionamentos político-ideológicos do acusado.

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Capítulo II da denúncia. Falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal). Dolo específico. Ausência de descrição. Inépcia. Denúncia não recebida.

1. A denúncia imputou ao 5º denunciado a prática do crime de falsidade ideológica, por ter deixado apenas formalmente a em-presa de que era sócio, substituindo, no contrato social, o seu nome pelo de sua esposa, que de fato nunca exerceu qualquer função na empresa e lhe outorgou procuração para gerir a sociedade.

2. A denúncia não descreveu, entretanto, qual seria o dolo específico da conduta imputada ao 5º denunciado, que deve consis-tir na intenção de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

3. Denúncia não recebida, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, em relação ao 5º denunciado, pela suposta prática do crime previsto no art. 299 do Código de Processo Penal.

Capítulo II da denúncia. Imputação do crime de formação de quadrilha ou bando (art. 288 do Código Penal). Circunstân-cias de tempo, modo e lugar do crime adequadamente descritas. Elemento subjetivo especial do crime devidamente indicado. Estabilidade da suposta organização criminosa constatada. Comu-nhão de desígnios demonstrada na inicial. Tipicidade, em tese, das condutas narradas. Individualização das condutas. Existentes suficientes indícios de autoria e materialidade. Denúncia recebida.

1. A peça acusatória descreveu a prática, em tese, do crime de formação de quadrilha pelos acusados no capítulo em questão, narrando todos os elementos necessários à conformação típica das condutas.

2. A associação prévia dos supostos membros teria-se formado em meados do ano de 2002, quando já estava delineada a vitória eleitoral do partido político a que pertencem os supostos mentores dos demais crimes narrados pelo MPF. A suposta quadrilha teria funcionado a partir do início do ano de 2003, quando os crimes para os quais ela em tese se formou teriam começado a ser praticados.

3. Estão descritos na denúncia tanto o elemento subjetivo especial do tipo (finalidade de cometer delitos) como o elemento estabilidade da associação. A dinâmica dos fatos, conforme narrado na denúncia, se protrai no tempo, começando em meados de 2002 e tendo seu fim com o depoimento do 29º acusado, em 2005.

4. Está também minimamente demonstrado o vínculo sub-jetivo entre os acusados. Isso porque foram realizadas inúmeras reuniões nas quais, aparentemente, decidiu-se o modo como se dariam os repasses das vultosas quantias em espécie, quais seriam os beneficiários, os valores a serem transferidos a cada um, além da fixação de um cronograma para os repasses, cuja execução premeditadamente se protraía no tempo.

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5. O bem jurídico protegido pelo tipo do art. 288 do Código Penal (paz pública) foi, em tese, afetado. Não procede, pois, o argu-mento da defesa de que não teria sido afetada uma pluralidade de vítimas, mas apenas a administração pública.

6. A individualização das condutas foi descrita de modo a propiciar o exercício da ampla defesa. O Procurador-Geral da República narrou, com base nos depoimentos e documentos cons-tantes dos autos, que o 1º acusado teria sido o mentor da suposta quadrilha, sendo relevante notar sua participação em reuniões suspeitas com membros dos denominados “núcleo publicitário” e “núcleo financeiro” da quadrilha, na época em que os supostos crimes estavam sendo praticados. O 2º, o 3º e o 4º acusado integravam a agremiação partidária comandada pelo 1º denunciado, a quem eram estreitamente vinculados e a cujas diretrizes davam execução. O 3º acusado, por sua vez, seria o elo entre o denominado “núcleo político-partidário” e o “núcleo publicitário”. O 5º denunciado, com o auxílio direto e constante do 6º, do 7º, do 8º, da 9ª e da 10ª denunciada, utilizava as empresas sob sua administração para viabilizar as atividades da quadrilha, constituindo o vínculo direto com a 11ª, o 12º, o 13º e a 14ª denunciada. Estes últimos fariam parte do denominado “núcleo financeiro” da suposta quadrilha, com a função de criar e viabilizar os mecanismos necessários à prática, em tese, de outros crimes (lavagem de dinheiro, evasão de divisas), para os quais a associação se teria formado.

7. Os autos do inquérito revelam a presença de indícios de que o 1º, o 2º, o 3º e o 4º acusado, no afã de garantirem a continui-dade do projeto político da agremiação partidária a que pertencem ou pertenciam, teriam engendrado um esquema de desvio de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais, com a finalidade de utilizar esses recursos na compra de apoio político de outras agremiações partidárias, bem como para o financiamento futuro e pretérito das suas campanhas eleitorais. A base indiciária dessa parte específica da acusação foi suficientemente desvendada por ocasião do exame dos demais itens da denúncia (III a VIII).

8. Para viabilizar tal projeto, os dirigentes partidários se teriam valido das empresas comandadas pelo 5º, pelo 6º, pelo 7º e pelo 8º denunciado, com a colaboração direta da 9ª e da 10ª denunciada, aos quais incumbia a execução material dos repasses de recursos financeiros (quase sempre em dinheiro vivo) aos parla-mentares e aos agentes públicos indicados principalmente pelo 3º denunciado, tendo como contrapartida comissões de inter-mediação em contratos públicos e diversas outras vantagens de natureza pecuniária embutidas em cláusulas de contratos de publicidade celebrados com órgãos e entidades governamentais e/ou beneficiárias de recursos governamentais.

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9. Há, ainda, prova mínima de autoria e materialidade contra a 11ª, o 12º, o 13º e a 14ª denunciada, que, por meio da instituição financeira a que pertenciam, concederam empréstimos supostamente fictícios ao partido político presidido pelo 2º denunciado e às empresas dirigidas pelo 5º, pelo 6º, pelo 7º e pelo 8º denunciado, empréstimos esses pactuados e renegociados de forma aparentemente irregular e fraudulenta, mediante garantias financeiras de extrema fragilidade, havendo indícios de que foram celebrados para não serem pagos (empréstimos em tese simulados). Teriam, ainda, idealizado o mecanismo de lavagem de capitais narrado na denúncia, permitindo que se realizassem, nas dependências de agências da instituição (São Paulo, Minas Gerais, Brasília e Rio de Janeiro), as operações de saque de vultosas quantias em dinheiro vivo, sem registro contábil, operacionali-zadas por intermédio de mecanismos tendentes a dissimular os verdadeiros destinatários finais dos recursos. Há indícios de que a 9ª acusada, principalmente, que pertencia ao denominado “núcleo publicitário” da suposta quadrilha, muito embora não fosse funcionária do Banco Rural, utilizava com grande freqüência e desenvoltura as dependências das agências da instituição financeira em questão para efetivar os repasses dos volumosos montantes de dinheiro aos intermediários enviados pelos reais beneficiários finais dos recursos.

10. Denúncia que preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e que está amparada em elementos probatórios suficientes para dar início à ação penal contra os acusados.

11. Recebida a denúncia contra o 1º, o 2º, o 3º, o 4º, o 5º, o 6º, o 7º, o 8º, a 9ª, a 10ª, a 11ª, o 12º, o 13º e a 14ª denunciada, pela prática, em tese, do crime descrito no art. 288 do Código Penal.

Capítulo III da denúncia. Subitem III.1. Corrupção ativa e passiva. Supostas irregularidades na contratação de serviços de publici-dade. Presente a justa causa para a propositura da ação penal.

1. A circunstância de o 15º acusado ter ocupado a Presidência da Câmara dos Deputados no momento em que os fatos ocorre-ram, e os elementos indiciários constantes dos autos, dos quais se extrai a informação de que ele teria recebido quantia prove-niente da empresa administrada pelo 5º denunciado, constituem indícios idôneos de materialidade e autoria do delito capitulado no art. 317 do Código Penal. A denúncia, por sua vez, é suficien-temente clara ao indicar os atos de ofício, potenciais ou efetivos, inseridos no campo de atribuições do 15º denunciado, como Presidente da Câmara dos Deputados. Além disso, sendo a cor-rupção passiva um crime formal ou de consumação antecipada, é indiferente para a tipificação da conduta a destinação que o agente confira ou pretenda conferir ao valor ilícito auferido, que constitui, assim, mera fase de exaurimento do delito.

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2. Denúncia recebida quanto ao crime de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) imputado ao 15º acusado (subitem III.1, “a.1”, da denúncia).

3. O oferecimento de quantia em dinheiro pelo 5º denunciado em concurso com o 6º, o 7º e o 8º denunciado, com o propósito de obter tratamento privilegiado para sua empresa (SMP&B) na lici-tação então em curso na Câmara dos Deputados consubstancia, em tese, o delito do art. 333 do Código Penal (corrupção ativa).

4. Denúncia recebida com relação ao subitem III.1, “b.1”, contra o 5º denunciado em concurso com o 6º e o 7º acusado.

5. Quanto ao 8º denunciado, no que tange à imputação de corrupção ativa constante do item III.1, subitem “b.1”, a denúncia não preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. É imprescindível que a denúncia informe como o denun-ciado teria supostamente contribuído para a consecução do delito que lhe é imputado, o que não ocorreu na espécie.

6. Denúncia não recebida com relação ao 8º denunciado, espe-cificamente no que concerne à imputação constante do subitem “b.1” do item III.1 da denúncia.

Capítulo III da denúncia. Subitem III.1, “a.2”. Lavagem de dinheiro. Ocultação da origem, da natureza e do real destinatário de valor pago como propina. Configuração, em tese, do delito previsto no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98. Presença de justa causa para a instauração da ação penal. Denúncia recebida.

1. Os documentos constantes dos autos demonstram que o saque efetuado pela esposa do 15º denunciado seguiu as etapas finais do suposto esquema de lavagem de dinheiro. Entre tais documentos, destaca-se a autorização concedida à esposa do 15º denunciado para receber quantia referente ao cheque emitido pela empresa controlada pelo 5º, pelo 6º e pelo 7º denunciado.

2. Presente o conjunto probatório mínimo necessário à ins-tauração de ação penal contra o 15º denunciado quanto à impu-tação da conduta tipificada no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98.

3. Denúncia recebida quanto ao crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98) imputado ao 15º denun-ciado, no subitem “a.2” do item III.1 da denúncia.

Capítulo III da denúncia. Subitens III.1, “a.3” e “b.2”. Peculato. Desvio de recursos públicos. Presença de justa causa. Denúncia recebida, excluído o 8º denunciado.

1. Contratação de empresa sob o falso pretexto de pres-tação de serviços de consultoria em comunicação com o fim de desviar verbas públicas em proveito próprio, de forma a remunerar

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assessor pessoal. Serviços que supostamente não foram prestados. Configuração, em tese, do crime de peculato previsto no art. 312, caput, do Código Penal.

2. Recebida a denúncia quanto aos crimes de peculato impu-tados ao 15º denunciado na primeira parte do subitem “a.3” do item III.1 da denúncia (desvio de R$ 252.000,00 em proveito próprio).

3. Constatação, pela equipe técnica do Tribunal de Contas da União, da subcontratação quase total do objeto do contrato 2003/204.0 (o que era expressamente vedado), como também a subcontratação de empresas para realização de serviços alheios ao objeto contratado. Não é desprovida de substrato fático a impu-tação do MPF segundo a qual o então Presidente da Câmara dos Deputados, em concurso com o 5º, o 6º e o 7º denunciado, concor-reu para desviar parte do dinheiro público destinado ao contrato 2003/204.0.

4. Os indícios apontam no sentido de que a empresa dirigida pelo 5º, pelo 6º e pelo 7º denunciado teria recebido tais recursos sem que houvesse contrapartida concreta sob a forma de prestação de serviços.

5. Denúncia recebida com relação às imputações dirigidas ao 5º, ao 6º, ao 7º e ao 15º denunciado, relativas aos subitens “a.3”, segunda parte, e “b.2” do item III.1 da denúncia (desvio de R$ 536.440,55).

6. Denúncia não recebida em relação ao 8º acusado, por não atender às exigências do art. 41 do Código de Processo Penal.

Capítulo III da denúncia. Subitem III.2. Peculato. Suposto desvio de recursos públicos decorrentes de bônus de volume em contratos com agência de publicidade. Presença de justa causa. Denúncia recebida, exceto quanto ao 8º denunciado.

1. Incorrem nas penas do art. 312, caput, do Código Penal (peculato) Diretor do Banco do Brasil que supostamente permite o desvio de vultosos valores para agência de publicidade bem como os dirigentes da empresa beneficiária dos desvios.

2. Denúncia recebida com relação à imputação do delito do art. 312 do Código Penal feita ao 17º denunciado no subitem “a” do item III.2 da denúncia, bem como quanto à imputação pertinente ao mesmo tipo penal, no que tange ao 5º, ao 6º e ao 7º denunciado, conforme consta do subitem “b” do item III.2 da denúncia (desvio de R$ 2.923.686,15).

3. No que concerne ao 8º acusado, a denúncia não descreve suficientemente a sua conduta, de modo a possibilitar-lhe o exercí-cio da ampla defesa.

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4. Denúncia não recebida contra o 8º acusado, em relação ao delito do art. 312 do Código Penal, constante do subitem “b” do item III.2 da denúncia.

Capítulo III da denúncia. Subitem III.3. Corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Presença de justa causa. Denúncia recebida, exceto com relação ao 8º acusado.

1. Os indícios constantes dos autos indicam que o 17º denun-ciado, na condição de Diretor de Marketing do Banco do Brasil, assim como o 16º acusado, então Ministro da Secretaria de Comu-nicação e Gestão Estratégica, tinham ampla margem de discricio-nariedade para alocar os bens do fundo de Incentivo Visanet.

2. Os elementos constantes dos autos apontam para a existência de indícios de que as ordens de desembolso de recursos partiram diretamente do 17º denunciado, em cumprimento a suposta ordem do 16º acusado.

3. Denúncia recebida contra o 17º acusado quanto aos crimes de peculato (art. 312 do Código Penal), conforme consta do subitem III.3, “a.3”, e contra o 16º acusado, pelos mesmos delitos, conforme consta do subitem III.3, “b”.

4. Relativamente ao 1º, ao 2º, ao 3º e ao 4º acusado, a denúncia não descreve de forma explícita como sua conduta teria contribuído para o cometimento do crime de peculato, não se verificando a imprescindível exposição do fato criminoso em todas as suas circuns-tâncias.

5. Denúncia não recebida em relação ao 1º, ao 2º, ao 3º e ao 4º acusado, no que concerne ao subitem “d” do item III.3.

6. Demonstrada a suposta participação do núcleo composto pelo 5º, pelo 6º e pelo 7º acusado nos hipotéticos desvios, uma vez que a DNA Propaganda Ltda., na condição de beneficiária direta das antecipações aparentemente irregulares, contribuiu para a perpetração das condutas tidas como típicas.

7. Denúncia recebida em relação ao subitem “c.2” do item III.3, contra o 5º, o 6º e o 7º denunciado.

8. No que diz respeito ao 8º denunciado, não consta da denúncia descrição que permita saber de que modo ele teria contribuído para a suposta consumação do delito do art. 312 do Código Penal.

9. Denúncia não recebida em relação ao 8º denunciado, no que concerne às imputações constantes do subitem “c.2” do item III.3 da denúncia, por não ter sido atendida, quanto a ele, a exigência do art. 41 do Código de Processo Penal.

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10. A acusação do Procurador-Geral da República se encon-tra solidamente embasada nos indícios constantes dos autos no sentido de que os recursos provenientes do Banco Rural, sacados em favor do 17º acusado, são oriundos do suposto esquema de lavagem de dinheiro conhecido como “Valerioduto”.

11. Denúncia recebida contra o 17º acusado, em relação ao subitem “a.2” do item III.3 da inicial.

12. Há, também, base indiciária sólida a justificar o recebi-mento da denúncia contra o 17º acusado, pela prática do crime de corrupção passiva.

13. Denúncia recebida com relação ao 17º denunciado, no que concerne à imputação constante do subitem “a.1” do item III.3 da denúncia.

14. Pelas mesmas razões, viável o recebimento da denúncia quanto à imputação do crime de corrupção ativa aos administra-dores da DNA Propaganda Ltda.

15. Denúncia recebida em relação ao crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) supostamente praticado pelo 5º, pelo 6º e pelo 7º denunciado, sócios da DNA Propaganda Ltda., conforme consta do subitem “c.1” do item III.3 da denúncia.

16. Denúncia não recebida em relação ao subitem “c.1” do item III.3 (art. 333 do Código Penal), quanto ao 8º denunciado, uma vez que o conteúdo da denúncia, nesta parte, não atendeu ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.

Capítulo IV da denúncia. Lavagem de dinheiro. Núcleo publici-tário-financeiro da suposta quadrilha. Transferência dissimulada de grandes somas em dinheiro para os beneficiários finais do hipotético esquema. Emissão de notas fiscais frias para dar su-porte ao recebimento de grandes valores, simulando prestação de serviços. Aparente fraude na contabilidade de empresas do denominado núcleo publicitário. Esquema aparentemente idealizado e viabilizado pelos acusados do denominado núcleo financeiro.

1. Vultosas quantias movimentadas pelas empresas do cha-mado núcleo publicitário e, aparentemente, utilizadas no suposto esquema criminoso narrado na denúncia, tiveram sua origem, movimentação, localização e propriedade ocultadas ou dissi-muladas por meio da não-escrituração na contabilidade ou da sua escrituração com base em milhares de notas fiscais falsas, que já haviam sido anteriormente canceladas, simulando a prestação de serviços, entre outros, para o Banco do Brasil e o Ministério do Transportes. Agentes públicos vinculados ao Banco do Brasil e ao Ministério dos Transportes denunciados por participação no suposto esquema.

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2. Além das notas fiscais frias, a movimentação, a localiza-ção e a propriedade dos valores teriam sido igualmente ocultadas por simulação de contratos de mútuo, também não escriturados na contabilidade original das empresas.

3. Por intermédio do denominado núcleo financeiro, os vul-tosos montantes movimentados pelo núcleo publicitário eram repassados aos beneficiários finais do suposto esquema, por meio de procedimentos de saque irregulares, que ocultavam o real recebedor do dinheiro. Assim, os interessados enviavam interme-diários desconhecidos a uma das agências da instituição financeira, para receber elevados valores em espécie, mediante saques reali-zados em nome da SMP&B, ocultando, assim, a destinação, a localização e a propriedade dos valores.

4. O esquema teria sido disponibilizado e viabilizado pelos denunciados componentes do núcleo financeiro, os quais faziam parte da diretoria da instituição financeira, na qual ocupavam a presidência e as vice-presidências, com atribuições funcionais nas áreas de controle interno e de prevenção à lavagem de dinheiro.

5. Existência de fartos indícios de autoria e materialidade, como se depreende dos laudos periciais e dos inúmeros depoimentos citados no corpo do voto.

6. Denúncia recebida contra o 5º, o 6º, o 7º, o 8º, a 9ª, a 10ª, a 11ª, o 12º, o 13º e a 14ª acusada, pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/98).

Capítulo V da denúncia. Gestão fraudulenta de instituição financeira. Operações de crédito de nível de risco elevado, com classificação completamente incompatível com a determinada pelo Banco Central. Garantias oferecidas pelos tomadores do empréstimo evidentemente insuficientes. Renovações sucessivas sem a amortização e sem a necessária elevação do nível de risco. Burla à fiscalização. Indícios de fraude.

1. Verificada, nos autos, a presença de indícios de que os dirigentes da instituição financeira contrataram, com um partido político e com empresas pertencentes a grupo empresarial cujos dirigentes são suspeitos da prática de crimes contra a administração pública, vultosas operações de crédito, de nível de risco elevado, e por meio de diversos artifícios tentaram camuflar o risco de tais operações e ludibriar as autoridades incumbidas de fisca-lizar o setor, subtraindo-lhes informações que as conduziriam à descoberta da prática de atividades ilícitas (lavagem de dinheiro, crimes contra a administração pública, formação de quadrilha).

2. Os mesmos dirigentes deixaram de comunicar ao Banco Central a ocorrência de movimentações financeiras suspeitíssimas, quando analisadas à luz do nível de renda do cliente respec-

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tivo; concederam empréstimos sem garantias suficientes a essas mesmas empresas, supostamente utilizadas para a prática de diversos crimes, os quais foram renovados sem que tenha havido qualquer amortização.

3. Nos termos do art. 25 da Lei 7.492/86, são penalmente responsáveis o controlador e os administradores da instituição financeira, assim considerados os diretores e gerentes.

4. Denúncia recebida contra os quatro dirigentes da instituição financeira investigada, pela suposta prática do crime definido no art. 4º da Lei 7.492/86, nos termos do art. 29 do Código Penal.

Capítulo VI da denúncia. Corrupção passiva. Propina em troca de apoio político. Enquadramento típico da conduta. Des-tinação alegadamente lícita dos recursos recebidos. Irrelevância. Responsabilidade objetiva. Inexistência. Condutas devidamente individualizadas. Existência de indícios de autoria e materialidade. Denúncia recebida.

1. A denúncia é pródiga em demonstrar que a expressão “apoio político” refere-se direta e concretamente à atuação dos denunciados na qualidade de parlamentares, assessores e colabo-radores, remetendo-se às votações em plenário. Esse, portanto, é o ato de ofício da alçada dos acusados, que os teriam praticado em troca de vantagem financeira indevida.

2. Basta, para a caracterização da tipicidade da conduta, que os Deputados tenham recebido a vantagem financeira em razão de seu cargo, nos termos do art. 317 do Código Penal. É irrelevante a destinação lícita eventualmente dada pelos acusados ao numerário recebido, pois tal conduta consistiria em mero exaurimento do crime anterior.

3. A alegação de que o Procurador-Geral da República atri-buiu responsabilidade objetiva aos acusados, em razão da ausência de individualização de suas condutas, é improcedente. A denúncia narrou a suposta participação de todos os acusados nos crimes em tese praticados e possibilitou-lhes o amplo exercício do direito de defesa.

4. Existência de fartos indícios de autoria e materialidade do crime de corrupção passiva, como demonstram os depoimentos e os documentos constantes dos autos.

5. Denúncia recebida em relação ao 18º, ao 19º, ao 20º, ao 21º, ao 25º, ao 26º, ao 28º, ao 29º, ao 30º, ao 31º e ao 32º acusado, pela suposta prática do crime de corrupção passiva, definido no art. 317 do Código Penal.

Capítulo VI da denúncia. Lavagem de dinheiro. Ocultação e dissimulação da origem, movimentação, localização e propriedade

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de valores. Recebimento de milhares de reais em espécie. Utilização de interposta pessoa. Tipicidade da conduta. Mero exaurimento do crime anterior. Improcedência. Crimes autônomos. Existência de indícios de autoria e materialidade. Denúncia recebida.

1. São improcedentes as alegações de que a origem e a destinação dos montantes recebidos pelos acusados não foram dissimuladas e de que tais recebimentos configurariam mero exau-rimento do crime de corrupção passiva. Os acusados receberam elevadas quantias em espécie, em alguns casos milhões de reais, sem qualquer registro formal em contabilidade ou transação bancária. Em muitos casos, utilizaram-se de pessoas não conhe-cidas do grande público e de empresas de propriedade de alguns dos denunciados, aparentemente voltadas para a prática do crime de lavagem de dinheiro, as quais foram encarregadas de receber os valores destinados à compra do apoio político. Com isso, logrou-se ocultar a movimentação, a localização e a proprie-dade das vultosas quantias em espécie, bem como dissimular a origem de tais recursos, tendo em vista os diversos intermediários que se colocavam entre os supostos corruptores e os destinatários finais dos valores.

2. A tipificação do crime de lavagem de dinheiro, autônomo em relação ao crime precedente, é incompatível, no caso em análise, com o entendimento de que teria havido mero exaurimento do crime anterior, de corrupção passiva.

3. Existência de inúmeros depoimentos e documentos nos autos que conferem justa causa à acusação, trazendo indícios de autoria e materialidade contra os acusados.

4. Denúncia recebida contra o 18º, o 19º, o 20º, o 21º, o 22º, o 23º, o 24º, o 25º, o 26º, o 27º, o 28º, o 29º, o 30º, o 31º e o 32º acusado.

Capítulo VI da denúncia. Formação de “quadrilhas autôno-mas”. Existência de mero concurso de agentes. Tese insubsistente. Conformação típica dos fatos narrados ao art. 288 do Código Penal. Associação estável formada, em tese, para o fim de cometer vários crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, ao longo do tempo. Delação premiada. Ausência de denúncia contra dois envolvidos. Princípio da indivisivilidade. Ação penal pública. Inapli-cabilidade. Mínimo de quatro agentes. Narrativa fática. Tipicidade em tese configurada. Existentes indícios de autoria e materialidade. Denúncia recebida.

1. Não procede a alegação da defesa no sentido de que teria havido mero concurso de agentes para a prática, em tese, dos demais crimes narrados na denúncia (lavagem de dinheiro e, em alguns casos, corrupção passiva). Os fatos, como narrados pelo Procurador-Geral da República, demonstram a existência de

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uma associação prévia, consolidada ao longo tempo, reunindo os requisitos “estabilidade” e “finalidade voltada para a prática de crimes”, além da “união de desígnios” entre os acusados.

2. Também não procede a alegação de que a ausência de acusação contra dois supostos envolvidos – beneficiados por acordo de delação premiada – conduziria à rejeição da denúncia, por violação ao princípio da indivisibilidade da ação penal. A juris-prudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido da inaplicabilidade de tal princípio à ação penal pública, o que, aliás, se depreende da própria leitura do art. 48 do Código de Processo Penal. Precedentes.

3. O fato de terem sido denunciados apenas três entre os cinco supostamente envolvidos no crime de formação de qua-drilha (capítulo VI.2 da denúncia) não conduz à inviabilidade da inicial acusatória, pois, para análise da tipicidade, devem ser considerados os fatos tal como narrados, os quais, in casu, preen-chem claramente os requisitos estipulados no art. 41 do Código de Processo Penal, e constituem crime, em tese.

4. Existentes indícios de autoria e materialidade do crime, suficientes para dar início à ação penal.

5. Denúncia recebida contra o 18º, o 19º, o 20º, o 21º, o 22º, o 23º, o 24º, o 25º, o 26º e o 27º acusado, pela suposta prática do crime definido no art. 288 do Código Penal.

Capítulo VI da denúncia. Corrupção ativa. Ato de ofício. Voto dos parlamentares. Tipicidade, em tese, das condutas. Comple-xidade dos fatos. Individualização suficiente ao exercício do direito de defesa. Concurso de vários agentes. Teoria do domínio do fato. Divisão de tarefas. Obediência ao art. 41 do Código de Processo Penal. Existência de justa causa. Denúncia recebida.

1. O “ato de ofício” mencionado no tipo legal do art. 333 do Código Penal seria, no caso dos autos, principalmente o voto dos parlamentares acusados de corrupção passiva, além do apoio paralelo de outros funcionários públicos, que trabalhavam a serviço desses parlamentares.

2. As condutas tipificadas no art. 333 do Código Penal, supos-tamente praticadas pelo 1º, pelo 2º, pelo 3º, pelo 4º, pelo 5º, pelo 6º, pelo 7º, pelo 8º, pelo 9º e pelo 10º denunciado, teriam sido praticadas mediante uma divisão de tarefas, detalhadamente narrada na denúncia, de modo que cada suposto autor pra-ticasse uma fração dos atos executórios do iter criminis. O que deve ser exposto na denúncia, em atendimento ao que determina o art. 41 do Código de Processo Penal, é de que forma cada um dos denunciados teria contribuído para a suposta consumação do delito, ou seja, qual papel cada um teria desempenhado na execução do crime.

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3. Assim, o denominado “núcleo político partidário” teria interesse na compra do apoio político que criaria as condições para que o grupo que se sagrou majoritário nas eleições se per-petuasse no poder, ao passo que os denunciados do dito “núcleo publicitário” se beneficiariam de um percentual do numerário que seria entregue aos beneficiários finais do suposto esquema de repasses.

4. Condutas devidamente individualizadas na denúncia.

5. Existência de base probatória mínima, suficiente para dar início à ação penal.

6. Relativamente ao 37º acusado, há imputação específica, no capítulo VI.3 da denúncia, também devidamente individualizada, demonstrando sua atuação na prática, em tese, do crime de cor-rupção ativa, tendo por sujeitos passivos (ou corrompidos) o 29º e o 31º acusado.

7. Existência de indícios de que o 37º denunciado teria, real-mente, participado do oferecimento ou promessa de vantagem indevida a funcionários públicos (parlamentares federais), para motivá-los a praticar ato de ofício (votar a favor de projetos de interesse do governo federal).

8. Denúncia recebida contra o 1º, o 2º, o 3º, o 4º, o 5º, o 6º, o 7º, o 8º, a 9ª, a 10º e o 37º acusado, pela suposta prática do crime definido no art. 333 do Código Penal.

Capítulo VII da denúncia. Lavagem de dinheiro. Entrega de somas elevadas de dinheiro em espécie, sem registro formal, por interposta pessoa, nos moldes utilizados pela suposta quadri-lha acusada. Indícios existentes. Denúncia recebida.

1. Vultosas somas de dinheiro foram repassadas, em espécie, aos acusados, por empresa cujos dirigentes são suspeitos da prática de diversos crimes, por meio de procedimentos não condizentes com a prática bancária ortodoxa, sem registro formal, às vezes em locais insólitos tais como quartos de hotel.

2. Irrelevância, para o direito penal, da destinação dada aos recursos recebidos.

3. Presença de indícios da prática do crime de lavagem de dinheiro.

4. Denúncia recebida contra o 33º, a 34ª, o 35º, o 36º, o 37º e o 38º acusado, pela prática, em tese, do crime descrito no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98.

Capítulo VIII da denúncia. Lavagem de dinheiro. Sistemática de transferência vista no capítulo IV da denúncia. Milhões de reais repassados, em espécie, aos acusados, pelo denominado núcleo

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publicitário-financeiro. Inobservância dos procedimentos típicos da praxe bancária para saque de tais montantes em espécie. Ocul-tação da origem, da movimentação, da localização e da propriedade de valores provenientes, em tese, de crimes contra a administração pública e o sistema financeiro nacional. Denúncia recebida.

1. A 40ª acusada, com a aprovação do 39º acusado, dirigia-se a agências do Banco Rural para receber milhares de reais em espé-cie, por intermédio do resgate de cheques nominais à empresa SMP&B Comunicação Ltda., sem qualquer registro formal dos reais beneficiários dos valores, ocultando, desta forma, a origem, a movimentação, a localização e a propriedade de vultosas somas de dinheiro, provenientes, em tese, de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, praticados por suposta organização criminosa.

2. Existentes indícios de autoria e de materialidade da prática do crime definido no art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/98, pelo 39º e pela 40ª acusada. Denúncia recebida.

Capítulo VIII da denúncia. Evasão de divisas. Manutenção de conta no exterior. Alegada atipicidade da conduta. Consti-tuição de empresa offshore que, por não ter sede no Brasil, não teria obrigação de declarar ao Banco Central qualquer depósito de sua titularidade. Suficiente a declaração à Receita Federal da participação na referida empresa, com o recolhimento dos tributos devidos. Improcedência da alegação. Indícios de autoria e mate-rialidade. Acusação recebida.

1. A pessoa física responde pelos fatos típicos por ela praticados no âmbito da empresa que ela mesma controla e administra. A criação, pelo 39º acusado, de empresa offshore no exterior, teve por finalidade exclusiva o recebimento de recursos no exterior, não importando, pois, para fins de configuração do tipo do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, o fato de a conta bancária aberta para tal finalidade – recebimento de recursos no exterior – estar no nome da empresa, e não no dos denunciados.

2. As remessas de divisas para o exterior foram aparente-mente realizadas por ordem do 39º e da 40ª acusada, sendo que a esta última cabia a incumbência de administrar e movimentar a conta não declarada em questão. Presentes indícios suficientes de autoria e materialidade do crime de evasão de divisas. Denúncia recebida contra o 39º e a 40ª acusada, pela suposta prática do crime de evasão de divisas.

Capítulo VIII da denúncia. Evasão de divisas. Execução das remessas pelo chamado “núcleo publicitário-financeiro”. Ausência de individualização da conduta do 8º acusado. Inépcia da denúncia.

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Envolvimento do Banco Rural nas remessas. Dirigentes que ocupam ou ocuparam posições de gerência na área internacional da institui-ção financeira. Recebimento da denúncia quanto a esses. Décima quarta acusada que não ocupava qualquer cargo no banco à época das remessas. Denúncia rejeitada quanto a ela.

1. As remessas de divisas para a conta do 39º acusado no exterior foram aparentemente realizadas de modo ilícito pelo 5º, pelo 6º, pelo 7º, pelo 9º e pelo 10º acusado, conforme depoimentos e documentos de transferência de valores juntados aos autos, como descrito no voto. Denúncia recebida contra tais acusados, pela suposta prática do crime definido no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86.

2. A conduta do 8º acusado, quanto ao crime de evasão de divisas, não foi descrita na denúncia. Desobediência ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal. Denúncia não recebida nessa parte.

3. A maioria das remessas supostamente ilegais de divisas, para a conta do 39º acusado, foi feita, segundo indícios constantes dos autos, sob a responsabilidade da 11ª, do 12º e do 13º acusado, tendo em vista que as remessas foram executadas com a inter-mediação de empresas que estão ou estiveram sob seu comando e que, como apontam relatórios de análise e laudos produzidos pelo Instituto Nacional de Criminalística, têm vínculo societário e contratual com o Banco Rural, instituição em que tais acusados ocupam importantes funções desde a época dos fatos até a presente data. Denúncia recebida contra a 11ª, o 12º e o 13º acusado, pela suposta prática do crime definido no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86.

4. Os autos revelam que a 14ª acusada não ocupava qualquer cargo no Banco Rural à época das supostas remessas ilegais, ra-zão pela qual a denúncia não descreveu como ela teria colaborado, em tese, para o crime de evasão de divisas. Denúncia não recebida contra a 14ª acusada, relativamente à imputação de evasão de divisas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, proclamar a decisão total e final, conforme a ordem da denúncia do Ministério Público Federal, para declarar que: 1) quanto ao denunciado José Dirceu de Oliveira e Silva, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II da denúncia, recebeu-a, por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; com relação

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ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, rejeitou-a por unanimidade; com relação ao delito de corrupção ativa (art. 333 do CP), item VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista), item VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal), item VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e item VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro), recebeu-a por unanimidade; 2) quanto ao denunciado José Genoíno Neto, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II da denúncia, recebeu-a por maioria, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau; com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, rejeitou-a por unanimidade; com relação ao delito de corrupção ativa (art. 333 do CP), referentemente aos itens VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista) e VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Trabalhista Brasileiro), recebeu-a, por maioria, vencido o Ministro Eros Grau, e, quanto aos itens VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal) e VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movi-mento Democrático Brasileiro), rejeitou-a por unanimidade; 3) quanto ao denunciado Delúbio Soares Castro, com relação ao delito de formação de qua-drilha (art. 288 do CP), item II da denúncia, recebeu-a por unanimidade; com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, rejeitou-a por unanimi-dade; e com relação ao delito de corrupção ativa (art. 333 do CP), referentemente aos itens VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Traba-lhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro), recebeu-a por unanimidade; 4) quanto ao denunciado Sílvio José Pereira, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; e, por unanimidade, rejeitou-a com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, e com relação ao delito de corrupção ativa (art. 333), referentemente aos itens VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); 5) quanto ao denunciado Marcos Valério Fernandes de Souza, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.1 (relativo a João Paulo Cunha); de peculato (art. 312 do CP), itens III.1, III.2 e III.3; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.3 (relativo a Henrique Pizolatto); de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à impu-tação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa, referentemente aos itens VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro), e com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; e, por maioria, rejeitou-a com relação ao delito de falsidade ideológica (art. 299 do CP), item II, vencido o Ministro Carlos Britto; 6) quanto ao denunciado Ramon Hollerbach Cardoso, por unanimidade, recebeu

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a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de peculato (art. 312 do CP), itens III.1, III.2 e III.3; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau rela-tivamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.1 (relativo a João Paulo Cunha), item III.3 (relativo a Henrique Pizzolato) e itens VI.1.a (relativo a Deputados Partido Progressista), VI.2.a (relativo a Deputados Partido Liberal), VI.3.a (relativo a Deputados Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a Deputados Partido do Movimento Democrático Brasileiro); e também com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 7) quanto ao denunciado Cristiano de Mello Paz, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de peculato (art. 312 do CP), itens III.1, III.2 e III.3; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.1 (relativo a João Paulo Cunha), item III.3 (relativo a Henrique Pizzolato) e itens VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); e tam-bém com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 8) quanto ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, por unani-midade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; por unanimidade, rejeitou-a quanto aos delitos de peculato (art. 312 do CP), itens III.1, III.2 e III.3; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.1 (relativo a João Paulo Cunha) e item III.3 (relativo a Henrique Pizzolato), e com relação ao de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; quanto ao delito de corrupção ativa (art. 333 do CP), foi a denúncia recebida, por unanimidade, referentemente ao item VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista), e rejeitada, por unanimidade, quanto aos itens VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Traba-lhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movimento Demo-crático Brasileiro); 9) quanto à denunciada Simone Reis Lobo de Vasconcelos, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa (art. 333 do CP) referentemente aos itens VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Traba-lhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); e com relação ao delito de evasão de divisas (Lei

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7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 10) quanto à denunciada Geiza Dias dos Santos, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à impu-tação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa (art. 333 do CP) referentemente aos itens VI.1.a (relativo a Deputados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a Deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a Deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a Deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); e quanto ao de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 11) quanto à denunciada Kátia Rabello, por unanimi-dade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º), item V, com a ressalva do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de desclassificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86; e de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 12) quanto ao denunciado José Roberto Salgado, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º), item V, com a ressalva do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de desclassificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86; e quanto à evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 13) quanto ao denunciado Vinícius Samarane, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º), item V, com a ressalva do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de desclassificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86; e quanto à evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 14) quanto à denunciada Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, por unanimidade, recebeu a de-núncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; e de gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º), item V, com a ressalva do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de desclassificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86; e, também por unanimidade, rejeitou-a quanto ao delito de evasão de divisas (Lei

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7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 15) quanto ao denunciado João Paulo Cunha, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item III.1, e quanto ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.1; quanto ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item III.1, recebeu-a por maioria, vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Britto e Gilmar Mendes, com a ressalva do Ministro Ricardo Lewandowski relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 16) quanto ao denunciado Luiz Gushiken, com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, recebeu a denúncia por maioria, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Gilmar Mendes e Celso de Mello; 17) quanto ao denunciado Henrique Pizzolato, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de peculato (art. 312 do CP), itens III.2 e III.3; de corrupção passiva (art. 317 do CP), item III.3; e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item III.3, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 18) quanto ao denunciado Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unanimidade, recebeu-a com relação ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.1, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 19) quanto ao denunciado José Mohamed Janene, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unanimi-dade, recebeu-a com relação ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.1, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativa-mente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 20) quanto ao denun-ciado Pedro Henry Neto, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unanimidade, recebeu-a quanto ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.1, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 21) quanto ao denunciado João Cláudio de Carvalho Genú, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unanimidade, recebeu-a quanto ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.1, e ao de lava-gem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à impu-tação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 22) quanto ao denunciado Enivaldo Quadrado, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, quanto ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, recebeu-a por unanimidade, com a ressalva dos Ministros Ricardo

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Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 23) quanto ao denunciado Breno Fischberg, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, e, quanto ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, recebeu-a por unanimidade, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 24) quanto ao denunciado Carlos Alberto Quaglia, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, e, quanto ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, recebeu-a por unanimidade, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 25) quanto ao denunciado Valdemar Costa Neto, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.2; de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.2, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.2, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 26) quanto ao denunciado Jacinto de Souza Lamas, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.2, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unanimidade, recebeu-a quanto aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.2, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.2, com a ressalva dos Minis-tros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 27) quanto ao denunciado Antônio de Pádua de Souza Lamas, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.2, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, e, por unanimidade, recebeu-a com relação ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.2, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 28) quanto ao denunciado Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues), recebeu a denúncia, por unanimidade, com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.2, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.2, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 29) quanto ao denunciado Roberto Jefferson Monteiro Francisco, recebeu a denúncia, por unanimidade, com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.3, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.3, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewan-dowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 30) quanto ao denunciado Emerson Eloy Palmieri, recebeu a denún-cia, por unanimidade, com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.3, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.3, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 31) quanto ao denunciado Romeu Ferreira Queiroz, recebeu a denúncia, por unanimidade,

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com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.3, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.3, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à impu-tação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 32) quanto ao denunciado José Rodrigues Borba, recebeu a denúncia, por unanimidade, com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.4, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.4, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 33) quanto ao denunciado Paulo Roberto Galvão da Rocha, com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau rela-tivamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 34) quanto à denunciada Anita Leocádia Pereira da Costa, com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia, por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 35) quanto ao denunciado Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia, por unanimidade, com a res-salva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 36) quanto ao denunciado João Magno de Moura, com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia, por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 37) quanto ao denunciado Anderson Adauto Pereira, recebeu a denúncia, por unanimidade, com relação aos delitos de corrupção ativa (art. 333 do CP), item VI.3, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 38) quanto ao denunciado José Luiz Alves, com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia, por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à impu-tação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 39) quanto ao denunciado José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça), por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VIII, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98, e com relação ao de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 40) e quanto à denunciada zilmar Fernandes Silva, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VIII, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98, e com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22,

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parágrafo único), item VIII. Tudo nos termos do voto do Relator. Votou a Presi-dente em todos os quesitos. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, acolheu a proposição do Ministro Cezar Peluso, no sentido de deixar consignado que o Ministro Relator desde logo possa expedir os atos instrutórios necessários, inde-pendentemente de ingresso ou apreciação de embargos declaratórios.

Brasília, 28 de agosto de 2007 — Joaquim Barbosa, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, o eminente Procura-dor-Geral da República apresentou denúncia contra José Dirceu de Oliveira e Silva, José Genoíno Neto, Delúbio Soares de Castro, Sílvio José Pereira, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Rogério Lanza Tolentino, Simone Reis Lobo de Vasconcelos, Geiza Dias dos Santos, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinicius Samarane, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, João Paulo Cunha, Luiz Gushiken, Henrique Pizzolato, Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto, José Mahamed Janene, Pedro Henry Neto, João Cláudio de Carvalho Genú, Enivaldo Quadrado, Breno Fisch-berg, Carlos Alberto Quaglia, Valdemar Costa Neto, Jacinto de Souza Lamas, Antônio de Pádua de Souza Lamas, Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues), Roberto Jefferson Monteiro Francisco, Emerson Eloy Palmieri, Romeu Ferreira Queiroz, José Rodrigues Borba, Paulo Roberto Galvão da Rocha, Anita Leocádia Pereira da Costa, Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), João Magno de Moura, Anderson Adauto Pereira, José Luiz Alves, José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) e Zilmar Fernandes Silveira, pela suposta prática de diversos crimes que serão minudenciados mais adiante neste relatório.

Passo a sintetizar o conteúdo da denúncia cujo teor, desde o seu ofereci-mento, é público e já foi amplamente divulgado pelos meios de comunicação.

Farei um breve resumo do extenso e complexo documento de 138 laudas, de modo a demonstrar as imputações que dele constam.

Obviamente, as partes pertinentes da denúncia serão novamente reprodu-zidas, quando necessário, no decorrer do meu voto.

Antes de descrever as condutas de forma individualizada e de proceder às imputações específicas em relação a cada denunciado, o chefe do Ministério Público Federal apresenta um capítulo introdutório, no qual são narrados os fatos notórios que deram origem ao presente inquérito (fls. 5616/5620).

Diz o Procurador-Geral da República na referida Introdução (fls. 5616-5620):

I) IntroduçãoOs fatos de que tratam a presente denúncia tornaram-se públicos a partir da divulgação

pela imprensa de uma gravação de vídeo na qual o ex-Chefe do Decam/ECT, Mauricio Marinho, solicitava e também recebia vantagem indevida para ilicitamente beneficiar um su-posto empresário interessado em negociar com os Correios, mediante contratações espúrias, das quais resultariam vantagens econômicas tanto para o corruptor, quanto para o grupo de servidores e dirigentes da ECT que o Marinho dizia representar.

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Na negociação então estabelecida com o suposto empresário e seu acompanhante, Mauricio Marinho expôs, com riqueza de detalhes, o esquema de corrupção de agentes públicos exis-tente naquela empresa pública, conforme se depreende da leitura da reportagem divulgada na revista Veja, Edição de 18 de maio de 2005, com o título “O Homem Chave do PTB”.

As investigações efetuadas pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito e também no âmbito do presente inquérito evidenciaram o loteamento político dos cargos públicos em troca de apoio as propostas do Governo, prática que representa um dos principais fatores do desvio e má aplicação de recursos públicos, com o objetivo de financiar campanhas milionárias nas eleições, além de proporcionar o enriquecimento ilícito de agentes públicos e políticos, empre-sários e lobistas que atuam nessa perniciosa engrenagem.

Acuado, pois o esquema de corrupção e desvio de dinheiro público estava focado, em um primeiro momento, em dirigentes da ECT indicados pelo PTB, resultado de sua compo-sição política com integrantes do Governo, o ex-Deputado Federal Roberto Jefferson, então Presidente do PTB, divulgou, inicialmente pela imprensa, detalhes do esquema de corrupção de parlamentares, do qual fazia parte, esclarecendo que parlamentares que compunham a chamada “base aliada” recebiam, periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu apoio ao Governo Federal, constituindo o que se denominou como “mensalão”. Roberto Jefferson indicou nomes de parlamentares beneficiários desse esquema, entre os quais o ex-Deputado Bispo Rodrigues – FL; o Deputado Jose Janene – PP; o Deputado Pedro Cor-rêa – PP; o Deputado Pedro Henry – PP e o Deputado Sandro Mabel – PL. Informou também que ele próprio, como Presidente do PTB, bem como o ex-tesoureiro do Partido, Emerson Pal-mieri, haviam recebido do Partido dos Trabalhadores a quantia de R$ 4 milhões, não declarada à Receita Federal e à Justiça Eleitoral, uma vez que tal dinheiro não poderia ser contabilizado em razão de a sua origem não ser passível de declaração.

O ex-Deputado esclareceu ainda que a atuação de integrantes do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores para garantir apoio de parlamentares ocorria de duas formas: o loteamento político dos cargos públicos, o que denominou “fábricas de dinheiro”, e a distribuição de uma “mesada” aos parlamentares.

A situação descrita por Roberto Jefferson, no que se refere ao loteamento de cargos na estrutura do Governo, é fato público, vez que praticado de forma institucionalizada não apenas pelo Partido dos Trabalhadores, e se encontra corroborada por diversos depoimentos colhidos nos autos, entre os quais: ex-Deputado Federal José Borba, Deputado José Janene (fls. 1702/1708) e ex-Tesoureiro do PTB Emerson Palmieri.

No depoimento que prestou na Comissão de ética da Câmara dos Deputados e também na CPMI “dos Correios”, Roberto Jefferson afirmou que o esquema pelo mesmo noticiado era dirigido e operacionalizado, entre outros, pelo ex-Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, pelo ex-Tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, e por um empresário do ramo de publicidade de Minas Gerais, até então desconhecido do grande público, chamado Marcos Valério, ao qual incumbia a distribuição do dinheiro.

Tornado público o esquema do chamado “Mensalão”, deflagraram-se, no âmbito dessa Corte, as investigações que instruem a presente denúncia, redirecionaram-se os trabalhos da CPMI “dos Correios” que já se encontravam em andamento, e instalou-se uma nova Comissão Parlamentar, a CPMI da “Compra de Votos”.

Relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que todas as imputações feitas pelo ex-Deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas.

Tanto é que o pivô de toda essa estrutura de corrupção e lavagem de dinheiro, o publicitá-rio Marcos Valério, beneficiário de importantes contas de publicidade no Governo Federal, em sua manifestação de pseudo-interesse em colaborar com as investigações, apresentou uma relação de valores que teriam sido repassados diretamente a parlamentares e a outras pessoas físicas e jurídicas indicadas por Delúbio Soares, acrescendo-se, a lista indicada por Roberto Jefferson, os seguintes parlamentares: Deputado João Magno – PT; Deputado João Paulo Cunha – PT; Deputado José Borba – PMDB; Deputado Josias Gomes da Silva – PT; Deputado Paulo Rocha – PT; Deputado Professor Luizinho – PT; Deputado Romeu Ferreira Queiroz – PTB; e Deputado Vadão Gomes – PP.

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O cruzamento dos dados bancários obtidos pela CMPI “dos Correios” e também pelos afastamentos dos sigilos deferidos no âmbito do presente inquérito possibilitou a verificação de repasses de verbas a todos os beneficiários relacionados nas listagens em anexo. Na rea-lidade, as apurações efetivadas no âmbito do inquérito em anexo foram além, evidenciando engendrados esquemas de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro por empresas ligadas aos publicitários Marcos Valério e Duda Mendonça e também por outras empresas financeiras e não financeiras, que serão objeto de aprofundamento das investigações nas instâncias judiciais adequadas.

Em outra linha, a análise das movimentações financeiras dos investigados e das ope-rações realizadas pelas instituições financeiras envolvidas no esquema demonstra que estes, fazendo tábula rasa da legislação vigente, mantinham um intenso mecanismo de lavagem de dinheiro com a omissão dos órgãos de controle, uma que possuíam o apoio político, admi-nistrativo e operacional de José Dirceu, que integrava o Governo e a cúpula do Partido dos Trabalhadores.

A origem desses recursos, em sua integralidade, ainda não foi identificada, sobretudo em razão de expedientes adotados pelos próprios investigados, que se utilizaram de uma elabo-rada engenharia financeira, facilitada pelos bancos envolvidos, notadamente o Banco Rural, onde o dinheiro público mistura-se com o privado, perpassa por inúmeras contas para fins de pulverização até o seu destino final, incluindo muitas vezes saques em favor do próprio emi-tente e outras intrincadas operações com offshores e empresas titulares de contas no exterior, tendo como destino final paraísos fiscais.

A presente denúncia refere-se à descrição dos fatos e condutas relacionados ao esquema que envolve especificamente os integrantes do Governo Federal que constam do pólo passivo; o grupo de Marcos Valério e do Banco Rural; parlamentares; e outros empresários.

Os denunciados operacionalizaram desvio de recursos públicos, concessões de bene-fícios indevidos a particulares em troca de dinheiro e compra de apoio político, condutas que caracterizam os crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas.

Em seguida, é formulada a denúncia, dividida em 7 itens distintos, excluindo-se a já citada Introdução, sendo que alguns desses itens, por sua vez, estão divididos em subitens.

Assim está composta a denúncia: I - Introdução; II - Quadrilha; III - Desvio de recursos públicos; III.1 - Câmara dos Deputados; III.2 - Contratos 99/1131 e 01/2003 – DNA Propaganda Ltda. e Banco do Brasil (Processo TC 019.032/ 2005-0); III.3 - Transferências de recursos do Banco do Brasil para a Empresa DNA Propaganda Ltda. por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento – Visanet; III.4 - Contrato 31/2001-SMP&B/Ministério dos Transportes; contrato 12.371/2003 – SMP&B/Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT); Contrato 4500002303 – DNA Propaganda/Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte); IV - Lavagem de dinheiro – Lei 9.613/98; V - Gestão fraudulen-ta de instituição financeira – art. 4º da Lei 7.492/86; VI - Corrupção ativa, corrupção passiva, quadrilha e lavagem de dinheiro (Partidos da Base Aliada do Governo); VI.1 - Partido Progressista; VI.2 - Partido Liberal; VI.3 - Partido Trabalhista Brasileiro; VI.4 - Partido Movimento Democrático Brasileiro; VII - Lavagem de dinheiro (Partido dos Trabalhadores e o ex-Ministro dos Transportes); VIII - Eva-são de divisas e lavagem de dinheiro – Duda Mendonça e zilmar Fernandes.

No item II da denúncia, o Procurador-Geral da República narra os fatos que supostamente configurariam o delito previsto no art. 288 do Código Penal e sustenta estar-se diante de uma organização criminosa dividida em três núcleos distintos (fls. 5625-5626):

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As provas colhidas no curso do Inquérito demonstram exatamente a existência de uma complexa organização criminosa, dividida em três partes distintas, embora interligadas em sucessivas operações: a) núcleo central: José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira; b) núcleo operacional e financeiro, a cargo do esquema publicitário: Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias; e c) núcleo operacional e financeiro: José Augusto Dumont (falecido), a cargo da alta direção do Banco Rural: Vice-Presidente, José Roberto Salgado, Vice-Presidente Operacional, Ayanna Tenório, Vice-Presidente, Vinícius Samarane, Diretor estatutário e Kátia Rabello, presidente.

Ante o teor dos elementos de convicção angariados na fase pré-processual, não remanesce qualquer dúvida de que os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, objetivando a compra de apoio político de outros Partidos políticos e o financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais, associaram-se de forma estável e permanente aos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias (núcleo publicitário), e a José Augusto Du-mont (falecido), José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello (núcleo Banco Rural), para o cometimento reiterado dos graves crimes descritos na presente denúncia.

Consta também do item II a imputação do crime do art. 299, segunda parte, do Código Penal ao denunciado Marcos Valério, por 2 vezes, em razão da suposta utilização da esposa Renilda como “laranja” nas empresas SMP&B e Graffiti Participação Ltda.

Na terceira parte (item III), a denúncia cuida do suposto desvio de recursos públicos, versando sobre a contratação de agências de publicidade pelos Poderes Executivo e Legislativo. Neste trecho da inicial, foi imputada (fls. 5667/5668), no subitem III.1, a prática de crimes aos denunciados João Paulo Cunha (art. 312 – 2 vezes – pelo suposto desvio de R$ 252 mil em proveito próprio e R$ 536.440,55 em proveito alheio –; art. 317 do Código Penal – pelo suposto recebimento de R$ 50 mil –; e art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 – pela suposta utilização da Sra. Márcia Regina para receber R$ 50 mil), Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino (art. 312 – suposto desvio de R$ 536.440,55 – e art. 333 do Código Penal – suposto pagamento de R$ 50 mil).

Ainda no item III da denúncia, especificamente no subitem III.2, ao tratar do suposto desvio de recursos por meio da contratação da empresa DNA pelo Banco do Brasil, foi imputada a prática do crime previsto no art. 312 do Código Penal aos denunciados Henrique Pizzolato – suposto desvio de R$ 2.923.686,15 em proveito alheio –, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogé-rio Tolentino – suposto desvio de R$ 2.923.686,15 (fl. 5672).

Em seguida, no item III.3, em razão da transferência de recursos do Banco do Brasil para a empresa DNA Propaganda Ltda. por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (Visanet), foram imputados ao denunciado Henrique Pizzolato os delitos previstos no art. 312 (4 vezes) e no art. 317 do Código Penal – suposto recebimento de R$ 326.660,27 –, além do delito previsto no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/1998 – suposta utilização do Sr. Luiz Eduardo Ferreira para receber R$ 326.660,27. Ao denunciado Luiz Gushiken foi imputado o crime previsto no art. 312 do Código Penal. Aos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino foram imputados os crimes previstos

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no art. 312 (4 vezes) e no art. 333 do Código Penal. Aos denunciados José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares foi imputado, em concurso material (4 vezes), o delito previsto no art. 312 do Código Penal (fls. 5679/5680).

O subitem III.4 da denúncia foi utilizado pelo Procurador-Geral da Repú-blica unicamente para ilustrar uma das supostas formas de atuação do chamado “núcleo Marcos Valério”, não constando qualquer imputação dessa parte da inicial acusatória.

Passo seguinte, no item IV da peça acusatória, a denúncia trata da suposta ocorrência do crime de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98), conforme se infere do seguinte trecho (fls. 5686/5687):

Os dirigentes do Banco Rural (José Augusto Dumont (falecido), Vinícius Samarane, Ayanna Tenório, José Roberto Salgado e Kátia Rabello) estruturaram um sofisticado mecanismo de branqueamento de capitais que foi utilizado de forma eficiente pelo núcleo Marcos Valério (Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias).

Após descrever o funcionamento do suposto esquema de branqueamento de capitais, o chefe do Ministério Público Federal atribui aos denunciados citados no trecho acima transcrito a prática do delito previsto no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98.

A fase seguinte da denúncia (item V) é referente à suposta prática do de-lito de Gestão Fraudulenta de Instituição Financeira, previsto no art. 4º da Lei 7.492/86. Essa parte da denúncia se inicia com o seguinte parágrafo (fl. 5697):

As apurações desenvolvidas no âmbito do presente inquérito, envolvendo a análise de documentação bancária e dos processos e procedimentos internos das instituições financeiras, especialmente sob o enfoque dos supostos empréstimos às empresas do grupo de Marcos Valério ao Partido dos Trabalhadores, descortinam uma série de ilicitudes que evidenciam que o Banco Rural foi gerido de forma fraudulenta.

Após pormenorizar os fatos referentes à suposta ocorrência de gestão frau-dulenta, o Procurador-Geral da República imputa aos denunciados José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello o crime do art. 4º da Lei 7.492/86.

Em seguida, no item VI, a denúncia aponta a suposta ocorrência dos delitos de corrupção ativa, passiva, quadrilha e lavagem de dinheiro, supostamente pra-ticados pelos dirigentes dos partidos da base aliada do governo. é o que se infere do seguinte trecho (fl. 5706):

Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal.

Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

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Portanto, na forma do artigo 29 do Código Penal, os denunciados indicados deverão responder em concurso material por todos os crimes de corrupção ativa que praticaram, os quais serão devidamente narrados em tópicos individualizados para cada partido político.

Na seqüência, ao detalhar os fatos concernentes aos crimes supostamente cometidos pelos membros de cada agremiação partidária, a denúncia trata sepa-radamente dos fatos atinentes a cada partido político envolvido.

O item VI.1 trata dos fatos que envolvem o Partido Progressista, e se inicia com o seguinte parágrafo (fls. 5707/5708):

Os denunciados José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry, João Cláudio Genú, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia montaram uma estrutura criminosa vol-tada para a prática dos crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

O referido item termina com a imputação do crime do art. 333 do Código Penal (por 3 vezes) aos denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Aos denunciados José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry foram imputados, em concurso material, os crimes previstos nos arts. 288 e 317 do Código Penal, além do crime previsto no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (15 vezes). A João Cláudio Genú foi imputada a prática dos delitos previstos nos arts. 288, 317 do Código Penal (por três vezes) e no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (15 vezes). Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg foram apontados como incursos nas penas dos crimes previstos no art. 288 do Código Penal e no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (11 vezes). Carlos Alberto Quaglia foi apontado como incurso nas penas dos crimes do art. 288 do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (7 vezes) (fls. 5715/5716).

Em seguida, no item VI.2, a denúncia aborda os fatos relativos ao Partido Liberal, iniciando nos seguintes termos (fl. 5716):

Os denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas, juntamente com Lúcio Funaro e José Carlos Batista, montaram uma estrutura criminosa voltada para a prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O recebimento de vantagem indevida, motivada pela condição de parlamentar federal do denunciado Valdemar Costa Neto, tinha como contraprestação o apoio político do Partido Liberal – PL ao Governo Federal.

Após a pormenorização dos fatos referentes ao Partido Liberal, foram apon-tados como incursos nas penas do art. 333 do Código penal os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Ao denunciado Valdemar Costa Neto foram imputados os crimes dos arts. 288 e 317 do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (41 vezes). O denunciado Jacinto Lamas foi apontado como incurso nas penas dos arts. 288 e 317 do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (40 vezes). Por sua vez, Antônio Lamas foi apontado como incurso nas penas do art. 288 do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98. Bispo Rodrigues foi apontado como incurso nas penas do art. 317 do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (2 vezes).

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O item VI.3 da denúncia se ocupa dos fatos que envolvem o Partido Traba-lhista Brasileiro, conforme o trecho a seguir transcrito:

José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, mediante pagamento de propina, adquiriram apoio político de Parlamentares federais do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.

Os pagamentos foram viabilizados pelo núcleo publicitário-financeiro da organização criminosa.

Os parlamentares federais que receberam vantagem indevida foram José Carlos Mar-tinez (falecido), Roberto Jefferson e Romeu Queiroz. Todos contaram com o auxílio direto na prática dos crimes de corrupção passiva do denunciado Emerson Palmieri.(Fls. 5725/5726.)

Após discorrer sobre os fatos relativos ao PTB, o item VI.3 da denúncia ter-mina com as seguintes imputações: aos denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias foi imputado o crime do art. 333 do Código Penal (por 3 vezes). Ao denunciado Anderson Adauto foi atribuída a autoria do delito do art. 333 do Código Penal, por 2 vezes. Roberto Jefferson foi denunciado como incurso nas penas do art. 317 do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (7 vezes). Romeu Queiroz foi denunciado como incurso nas penas do art. 317 do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (4 vezes). Emerson Palmieri foi denunciado como incurso nas penas do art. 317 (3 vezes) do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (10 vezes).

Na seqüência, no item VI.4, a inicial acusatória cuida dos fatos relativos ao Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Transcrevo o seguinte trecho dessa parte da denúncia:

Por meio de acordo firmado com José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, o então Deputado federal José Rodrigues Borba, no ano de 2003, também integrou o esquema de corrupção em troca de apoio político.

Líder da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados, mantinha constantes contatos com Marcos Valério por considerá-lo “uma pessoa influente no Governo Federal”, a quem recorria para reforçar seus pleitos de nomeação de cargos junto à administração pública.

(Fls. 5730/5731.)

O referido trecho, após descrever os detalhes das supostas operações crimi-nosas, termina por fazer as seguintes imputações penais: José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias foram denunciados como incursos nas penas do art. 333 do Código Penal. José Borba, em concurso material, foi denunciado como incurso nas penas do art. 317 do Código Penal e do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (6 vezes).

O item VII da denúncia trata da suposta ocorrência do delito de lavagem de dinheiro praticado pelo Partido dos Trabalhadores e o ex-Ministro dos Transportes. Transcrevo o trecho inicial desta parte da denúncia:

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Além da compra de apoio político mediante o pagamento de propina, os recursos oriundos do núcleo publicitário-financeiro também serviram para o repasse dos mais variados valores aos integrantes do Partido dos Trabalhadores. O então Ministro dos Transportes Anderson Adauto também se valeu do esquema.

Objetivando não se envolverem nas operações de apropriação dos montantes, pois tinham conhecimento que os recursos vinham de organização criminosa destinada à prática de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, Paulo Rocha, João Magno, Luiz Carlos da Silva (vulgo “Professor Luizinho”) e Anderson Adauto emprega-ram mecanismos fraudulentos para mascarar a origem, natureza e, principalmente, destinatários finais das quantias.

Nas retiradas em espécie, buscando não deixar qualquer sinal da sua participação, os beneficiários reais apresentavam um terceiro, indicando o seu nome e qualificação para o recebimento dos valores.(Fl. 5733.)

Detalhados os fatos acima, a denúncia imputa a prática do delito previsto no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 aos denunciados Paulo Rocha (8 vezes), Anita Leocádia (7 vezes), João Magno (4 vezes), Luiz Carlos da Silva, vulgo “Professor Luizinho”, Anderson Adauto (16 vezes) e José Luiz Alves (16 vezes).

Finalmente, no item VIII, a denúncia trata especificamente dos delitos de evasão de divisas e lavagem de dinheiro supostamente praticados por Duda Mendonça e zilmar Fernandes. Cito o seguinte trecho da denúncia, que reputo elucidativo:

Os valores remetidos ao exterior por ordem de Duda Mendonça e sua sócia zilmar Fernandes, a princípio, referem-se unicamente ao lucro líquido de ambos quanto ao serviço de publicidade prestado ao PT, pois segundo informado por zilmar Fernandes: “o lucro líquido aproximado pela prestação dos serviços anteriormente indicados pode variar entre trinta a cinqüenta por cento”. Ou seja, dos aproximadamente R$ 56 milhões pactuados com o Partido dos Trabalhadores, Duda Mendonça e zilmar Fernandes tiveram um lucro líquido na ordem de R$ 17 a R$ 28 milhões.

Em virtude do esquema de lavagem engendrado por Duda Mendonça e zilmar Fernan-des, o grupo de Marcos Valério promoveu, sem autorização legal, a saída de divisas para o exterior.(Fl. 5742.)

A denúncia, após detalhar o suposto esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, culmina por imputar a Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias a prática do delito previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 (53 vezes). A prática do mesmo delito foi imputada a José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello (27 vezes). Duda Mendonça e zilmar Fernandes foram denunciados como incursos nas penas do crime previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 e (53 vezes) nas penas do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (7 vezes).

São essas, em linhas gerais, as imputações constantes da denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República.

Passo a fazer um breve relato dos principais argumentos de defesa trazidos pelos denunciados em suas respectivas respostas (cf. art. 4º, caput, da Lei 8.038/90).

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No que tange às defesas, todas alegaram a ausência de descrição indi-vidualizada da conduta de cada acusado (violação ao art. 41 do Código de Processo Penal), a inexistência de indícios mínimos de autoria (ausência de justa causa) e a atipicidade das condutas narradas pelo Parquet, por delas não constarem elementos integrantes do núcleo típico de cada um dos crimes imputados aos acusados, ou por ausência do elemento subjetivo do tipo.

Passo a resumir os demais argumentos apresentados por cada um dos acusados, no sentido do não-recebimento da denúncia.

O denunciado Delúbio Soares de Castro alega que a denúncia se limitou a indicar o cargo por ele exercido no Partido dos Trabalhadores e sua amizade com um dos acusados (Marcos Valério), o que não é suficiente para demonstrar a exis-tência de uma associação criminosa prévia e estável de todos os agentes para o cometimento de crimes contra várias vítimas (apenso 120). Para o acusado, o máximo que se pode concluir, a partir da leitura da denúncia, é que haveria um concurso de agentes em ações isoladas, e não formação de quadrilha. Relativamente à acusação de peculato, assevera que a denúncia não imputou um só ato ao acusado, no sentido da execução do crime, e se teria limitado a dizer que o Partido dos Trabalhadores se beneficiou dos desvios. Salienta que “o dinheiro relacionado à Visanet nunca pôde ser desviado por funcionários públi-cos; o dinheiro em questão sequer esteve sob a posse deles”, já que não pertencia à administração pública nem estava sob sua guarda (fls. 37/38 do apenso 120).

Por fim, no que diz respeito à imputação de corrupção ativa, o acusado argu-menta que jamais ofereceu propina aos parlamentares aliados; o que houve foi, na explicação da defesa, uma aliança partidária entre o Partido dos Trabalhadores e as agremiações que o apoiavam, na qual o Diretório Nacional do PT decidiu que os custos de campanha seriam partilhados, de forma a garantir a manutenção e possível expansão da base de apoio ao Governo. Mas isso jamais teria sido condi-cionado à prática de atos de ofício de parlamentares, como emissão de pareceres ou votos. E destaca que a denúncia não demonstrou, de forma veemente, a existência de reciprocidade entre o valor pago e os atos do funcionário público realizados em favor dos interesses do suposto corruptor.

O denunciado José Dirceu de Oliveira e Silva alega, com relação à imputação do delito do art. 288 do Código Penal, que todos os denunciados do denominado “núcleo central” – Delúbio Soares, Sílvio Pereira e José Genoíno – sempre negaram peremptoriamente que ele tivesse participação ou mesmo ciência nos empréstimos e repasses de recursos descritos na denúncia. Quanto às imputações relativas ao delito do art. 312 do Código Penal, aponta que a denúncia não narra qual teria sido a sua participação e tampouco indica quais seriam os indícios de tal participação, cerceando o seu direito de defesa. No que concerne à suposta compra de apoio político, sustenta que as evidências estão a indicar que o re-passe irregular de verbas não tinha relação com a compra de votos, não buscava assegurar a governabilidade e não partia do Governo, aduzindo, também, que, na qualidade de Chefe da Casa Civil, não participava das questões financeiras do Partido dos Trabalhadores.

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O acusado José Genoíno Neto também pugnou pela rejeição da denúncia, alegando que foi denunciado “pelo que era”, ou seja, Presidente do Partido dos Trabalhadores, à época dos fatos. Destaca que “negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados” não constitui conduta criminosa. Sustenta que “um Partido Político estruturado como é o Partido dos Trabalhadores, ao contrário de uma empresa, não apresenta situação hierárquica entre seus dirigentes. Em outras palavras, não há relação de subordinação entre o presidente e qualquer outro secretário da agremiação”. Relativamente ao crime de formação de quadrilha, o acusado nega que se tenha reunido com o denominado “núcleo publicitário” ou com o “núcleo financeiro”. Afirma que teve, apenas, encontros esporádicos com Marcos Valério, na sede do PT ou em solenidades públicas, o que, por si só, não configura ilícito penal. Assevera que, na época das supostas reuniões nar-radas pelo Procurador-Geral da República, em que se teria acordado a associação para formação de quadrilha (segundo semestre de 2002), o acusado sequer pre-sidia o PT; era apenas candidato ao Governo de São Paulo.

No que tange aos empréstimos supostamente simulados, José Genoíno afirma que competia ao presidente do partido, por condição estatutária, a sua assinatura. Este seria um requisito formal que foi cumprido, mas a tomada dos empréstimos em si era de competência do Secretário de Finanças.

Referindo-se à imputação de peculato, consistente na transferência de recursos do Banco do Brasil para a DNA Propaganda Ltda. por meio do fundo de investimento Visanet, a defesa alega que José Genoíno, na presidência do Partido dos Trabalhadores, não tinha qualquer influência nos contratos de publicidade celebrados pelo Banco do Brasil.

Por fim, relativamente ao crime de corrupção ativa, o Procurador-Geral da República não teria esclarecido quais as pessoas o acusado teria indicado para o recebimento de repasses de dinheiro. A defesa reconhece não haver dúvida a respeito da existência de reuniões entre os partidos, mas salienta que ali “eram discutidas alianças políticas, inclusive pelo denunciado, que tinha essa atribuição enquanto ocupava o cargo de Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores”. Entretanto, o apoio financeiro a ser prestado pelo PT seria da alçada exclusiva do Secretário de Finanças, Delúbio Soares, razão pela qual, também nesse capítulo, a defesa pede a rejeição da denúncia.

O acusado Sílvio José Pereira alega, no que diz respeito ao crime de qua-drilha, que a conduta narrada na inicial é atípica, por não conter nenhum elemento descrito no art. 288 do Código Penal. Relativamente ao crime de peculato, o acusado considera que, por não ser funcionário público para fins penais, não po-deria praticar, como autor, referido crime, de modo que deveria ter sido descrita sua colaboração na condição de partícipe, o que, segundo ele, não aconteceu. Quanto ao crime de corrupção ativa, alega que não houve indicação do ato de ofício que deveria ser praticado por funcionário público (apenso 105).

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Simone Vasconcelos e Marcos Valério foram representados pelo mesmo patrono e apresentaram respostas escritas semelhantes (apensos 114 e 115), sendo a de Marcos Valério mais abrangente, até em razão do maior número de imputações que lhe foram feitas na denúncia. Foram argüidas inúmeras preliminares, que detalharei no corpo de meu voto, além de argumentos em prol do não-recebi-mento/improcedência da denúncia, elencados em complemento àqueles que todos os outros denunciados sustentaram – isto é, ausência de individualização das condutas dos acusados e ausência de justa causa/indícios para a instauração da ação penal.

Relativamente à imputação de formação de quadrilha, a defesa alega que a denúncia não descreveu o vínculo subjetivo entre os acusados, no sentido da associação para o fim de prática de crimes.

Quanto à imputação de falsidade ideológica, Marcos Valério alega que não são falsas as alterações contratuais nas empresas SMP&B e Graffiti, em que ele saiu e deu lugar à sua esposa, Renilda Maria, no quadro societário. Destaca que sua atuação nas empresas, em nome de sua esposa, deu-se mediante procura-ções por instrumento público, e que ninguém foi prejudicado com isso, razão pela qual pede a rejeição da denúncia.

No que tange à acusação de corrupção ativa, esta defesa também insiste no argumento de que não foi descrito o ato de ofício que os parlamentares teriam praticado. Ademais, também não estaria presente o dolo de cometimento do crime, tendo em vista que Delúbio Soares afirmava que o dinheiro era destinado ao pagamento de dívidas de campanha, e não de compra de apoio de parlamentares. No que se refere ao “repasse” de cinqüenta mil reais ao Deputado João Paulo Cunha, em troca de receber tratamento privilegiado no procedimento licitatório da Câmara dos Deputados, alegam que as concorrentes da SMP&B não recla-maram nem recorreram contra o resultado da licitação, de modo que sua lisura não poderia ser posta em cheque. Ainda, quanto à imputação de corrupção ativa de que seria sujeito passivo Henrique Pizzolato (Diretor de Marketing do Banco do Brasil), a defesa igualmente alega que os repasses não se destinaram à prática de qualquer ato de ofício por Pizzolato, mas, sim, tal como outros repasses, ao pagamento de despesas de campanha do diretório estadual carioca do PT.

No que diz respeito às imputações de peculato, envolvendo o contrato de publicidade entre SMP&B e Câmara dos Deputados e os dois contratos entre DNA Propaganda Ltda. e Banco do Brasil, a defesa afirma que não houve o desvio narrado na inicial, tendo em vista que a subcontratação de serviços de terceiros estava expressamente prevista no contrato. Diz, ainda, especificamente em relação à subcontratação da empresa IFT – Idéias, Fatos e Texto Ltda., do jornalista e assessor de João Paulo Cunha, Luís Costa Pinto (apelidado Lula), que teria possibilitado o desvio de R$ 252.000,00 em favor do próprio Deputado João Paulo Cunha, a defesa observa que “aquela empresa já prestava serviços para a Câmara dos Deputados, em data anterior ao contrato da SMP&B (31-12-2003)”. Assim, a SMP&B “apenas manteve a subcontratada, por orienta-ção da Secom/CD” (fls. 85/86 do apenso 115).

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Quanto à imputação de lavagem de dinheiro, a defesa argumenta que, como anteriormente sustentou, os crimes antecedentes não foram praticados, razão pela qual seria atípica a conduta. Também estaria ausente o dolo de praticar o crime narrado na inicial.

Por fim, acerca da imputação do crime de evasão de divisas, a defesa alega que nenhuma das pessoas do denominado “núcleo Marcos Valério” praticou a conduta típica descrita no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86. Diz, ainda:

Em resumo, os reais permaneceram no Brasil. Houve, no exterior, transferência de dólares de diferentes contas bancárias ali existentes para a conta da empresa Dusseldorf. Isto se chama de operações “dólar cabo”. Estas operações “dólar cabo” não realizam o tipo do parágrafo único do art. 22 da Lei n. 7.492/86, uma vez que não há saída de moeda ou divisas do país. O dinheiro nacional (reais) permanece no Brasil e o dinheiro estrangeiro (dólares) troca de conta bancária no exterior.

Em seu último argumento, a defesa finaliza a resposta alegando que há evidente excesso na capitulação da peça inicial, quando pediu a aplicação da regra do concurso material, considerando que, em razão da idêntica circunstância de tempo, lugar e maneira de execução, há, em tese, continuidade delitiva, deman-dando a aplicação do art. 71 do Código Penal. Adianto que este argumento não será objeto de decisão nesta fase, tendo em vista que não se procederá à aplicação de pena alguma, mas apenas à análise da viabilidade ou não da denúncia, para efeitos de dar início à ação penal.

O acusado Cristiano de Mello Paz (apenso 112) salienta que as ligações da SMP&B com o Banco Rural eram meramente comerciais, e que os empréstimos tomados pelas empresas SMP&B, Graffiti e DNA no BMG e no Rural não eram fraudulentos, tanto que estão sendo objeto de execução judicial. Esclarece, de todo modo, que tais empréstimos foram tomados por solicitação do Partido dos Trabalhadores e o dinheiro a ele se destinava (fl. 7). Diz, também, que a imputação de corrupção ativa pelo repasse de R$ 50 mil a João Paulo Cunha não procede, uma vez que tal repasse deu-se por determinação de Delúbio Soares. Acerca da licitação vencida pela SMP&B na Câmara dos Deputados, o acusado afirma que a contratação foi amplamente fiscalizada e que o Deputado João Paulo Cunha não teve a mínima participação no procedimento licitatório. Nega, também, a impu-tação de peculato, consistente no suposto desvio de R$ 536.440,55, em favor da SMP&B, valor este que, segundo o Procurador-Geral da República, consistiu em “remuneração para nada fazer”, já que “O núcleo Marcos Valério, por meio da empresa SMP&B, assinou o contrato n. 2003/204.0 para não prestar qualquer serviço. Nessa linha, subcontratou 99,9% do objeto contratual”. Segundo Cris-tiano Paz, não se pode afirmar que houve subcontratação, mas, sim, a contratação de serviços de terceiros, que são fornecedores.

Cristiano Paz também rebateu a acusação de peculato desvio, a ele impu-tada por força de contratos firmados entre DNA Propagada Ltda. e Banco do Brasil. Salienta que não lhe pode ser imputado esse delito “pela simples e boa razão de que sócio da DNA ele não era. Esclarece que foi sócio da Graffiti até 26/02/2004, que, por sua vez, era sócia da DNA”. Alega, ainda, que o peculato é crime que deixa vestígios, razão pela qual seria necessária a realização de auto de corpo de delito, que não consta dos autos.

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Quanto à acusação de lavagem de dinheiro, sustenta a atipicidade da con-duta, tendo em vista que a denúncia não narrou de quais crimes antecedentes seriam provenientes os recursos repassados a terceiros. Limitou-se o Procurador-Geral da República a dizer que tais recursos foram obtidos por empréstimos bancários, que afirma serem simulados, afirmação que, para a defesa, não tem base probatória.

Quanto à imputação de corrupção ativa, o acusado nega a acusação, afirmando que nada ofereceu a qualquer Deputado, e que está ausente o “ato de ofício”, elemento do tipo penal em questão.

Por fim, quanto à acusação de evasão de divisas, o denunciado sustenta que, se os recursos foram transferidos entre contas existentes no exterior, não há falar em evasão de divisas, destacando, também, que não se indicou de quais contas no Brasil os recursos teriam saído, o que tornaria inviável a defesa.

O acusado Ramon Hollerbach Cardoso argumenta, quanto ao crime de formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal), não ter sido narrado, na de-núncia, o necessário vínculo subjetivo eventualmente existente entre os acusados. Em relação às imputações de peculato descritas no item III.1 da denúncia, no sentido de que a SMP&B se teria limitado a intermediar contratações em troca de uma comissão de cinco por cento, o acusado destaca que esse percentual estava previsto no contrato, como uma das formas de remuneração dos serviços de publicidade prestados à Câmara dos Deputados. Ademais, alega que não poderia cometer o crime em questão, tendo em vista não ostentar a condição de funcionário público e o fato de o Procurador-Geral da República não ter narrado sua contribuição como partícipe.

A denunciada Geiza Dias dos Santos alega (apenso 106) que nunca soube de pagamentos feitos a parlamentares, partidos políticos e outras pessoas, com a finalidade descrita na denúncia. Sustenta que, na qualidade de mera funcionária da empresa SMP&B Comunicação Ltda., nunca questionou seus superiores sobre o destino das quantias descritas na denúncia, além de não ter obtido qualquer van-tagem com os fatos descritos na inicial acusatória.

O denunciado Rogério Lanza Tolentino alega, em sua resposta (apenso 107), que não era sócio de nenhuma das empresas vinculadas ao “grupo de Marcos Valério”, supostamente utilizadas como instrumento para o cometimento dos crimes narrados na inicial. Sendo assim, alega que a denúncia não descreveu qualquer fato criminoso passível de ser atribuído ao suplicante, pois somente os sócios-gerentes respondem por atos delituosos cometidos por sociedade.

Os denunciados Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, José Roberto Salgado, Kátia Rabello e Vinícius Samarane alegam que não houve a demonstração efe-tiva do dolo de praticar o crime de lavagem de dinheiro, qual seja, a intenção de ocultar os valores. Sustentam que é prática comum no ramo publicitário o saque de valores em dinheiro com o objetivo de pagar fornecedores, de modo que o Banco Rural não teria qualquer relação com a lavagem de dinheiro, que ocorria em momento posterior. Da mesma forma, a transferência interbancária de valores seria um mecanismo regularmente utilizado no meio bancário para operaciona-lização dos saques.

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Quanto à imputação de gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º da Lei 7.492/86), os denunciados alegam que os supostos empréstimos fic-tícios foram devidamente registrados pelo Banco Central. Argumentam, ainda, que optaram por renovar os empréstimos feitos a Marcos Valério, para evitar a necessidade de uma execução judicial da dívida de um cliente antigo do Banco.

Quanto ao crime de evasão de divisas, alegam apenas as questões “gerais” antes mencionadas, ou seja, ausência de individualização das condutas e de indí-cios mínimos de sua autoria.

O denunciado João Paulo Cunha (apenso 96) alega, quanto ao crime de corrupção ativa, que não houve indicação do ato de ofício que deveria ter prati-cado em contraprestação à suposta vantagem indevida, faltando, além disso, lastro probatório mínimo para essa acusação. Quanto ao crime de lavagem de dinheiro, argumenta que a denúncia não descreve os elementos do tipo, limitando-se a acusação a repetir a letra da lei. Alega, por fim, a atipicidade e a ausência de justa causa no que toca à imputação de peculato, pois não dispunha da posse dos recursos supostamente desviados, e a denúncia não apresenta provas de que ele teria influenciado a contratação da Idéias, Fatos e Texto Ltda. (IFT) ou de que esta lhe teria prestado assessoria direta.

O acusado Luiz Gushiken alega que não estava em sua alçada permitir as antecipações de recursos do fundo Visanet para a DNA Propaganda Ltda., não havendo provas de que o co-denunciado Henrique Pizzolato estivesse agindo em cumprimento às suas ordens.

O acusado Henrique Pizzolato sustenta que, na qualidade de diretor de marketing do Banco do Brasil, não deteve sob sua guarda os recursos que ficavam em poder da Visanet para pagamento direto aos seus fornecedores, razão pela qual seria atípica a conduta classificada pelo Procurador-Geral da República como configuradora do crime de peculato. Argumenta que a diretoria de marketing do Banco do Brasil não participava de nenhuma das instâncias de decisão da Visanet e/ou do Fundo Visanet. Alega, com relação às imputações dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que não sabia da existência de R$ 326.660,27 nos envelopes que recebeu de Eduardo Ferreira, e afirma que tais envelopes foram entregues a uma pessoa que se identificou como membro do PT do Rio de Janeiro.

O acusado Pedro Corrêa (apenso 99) refuta a imputação de formação de quadrilha e afirma que, se a denúncia trata de um só crime, praticado por várias pessoas, haveria concurso de pessoas, sendo que, no caso em questão, haveria autores mediato e um autor imediato (João Cláudio Genú). Afirma, também, que o Procurador-Geral da República, na denúncia, atribuiu-lhe responsabilidade objetiva, uma vez que teria sido acusado pelo simples fato de ser Presidente do Partido Progressista à época dos fatos. No que tange à imputação de lavagem de dinheiro, o acusado Pedro Corrêa nega sua prática e afirma não ter qualquer relação com as empresas Bônus Banval e a Natimar, sequer conhecendo seus administradores e co-denunciados Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Quaglia. Por fim, relativamente à imputação de corrupção passiva, o acusado argumenta que o Partido Progressista realmente obteve recursos perante o PT,

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mas para a finalidade lícita de pagar honorários advocatícios para a defesa de um dos membros da bancada do PP. Ademais, argumenta que nem sempre votou a favor dos projetos de interesse do Governo, de modo que estaria ausente o lia-me objetivo entre a suposta vantagem e o ato de ofício que teria praticado.

A defesa do acusado Pedro Henry segue na mesma linha da anterior (apenso 98), acrescentando apenas o fato de ter sido absolvido pela CPMI dos Correios. Afirma, ainda, que o acusado João Cláudio Genú pedia autorização apenas para Pedro Corrêa e José Janene antes de efetuar os saques e determinar a destinação dos recursos sacados.

O acusado José Mohamed Janene (apenso 113), no que respeita ao crime de corrupção passiva, também salienta a inexistência do ato de ofício em con-traprestação à suposta vantagem indevida, visto que em várias ocasiões votou em dissonância com o Governo. A acusação de lavagem de dinheiro também seria infundada, tendo em vista serem conhecidas a origem e a destinação do dinheiro, ambas regulares. Por fim, no que tange à imputação de formação de quadrilha, a defesa considera que “cai por terra, por falta dos crimes a justificarem o enquadramento na tipificação legal”, além de não ter sido demonstrado o liame subjetivo entre os agentes.

O acusado João Cláudio de Carvalho Genu (apenso 91) alega que era apenas um mensageiro de seus superiores hierárquicos na Câmara dos Deputados. No que concerne à imputação de formação de quadrilha, argumenta o acusado que não se encontra suficientemente descrito o vínculo subjetivo entre os supostos agentes do delito. Seria infundada, igualmente, a acusação de corrupção passiva, pois a inicial não demonstra que tenha sido ele o beneficiário das quantias sacadas. Por fim, quanto à acusação de lavagem de dinheiro, o denunciado alega que a denúncia não demonstra que este tinha conhecimento da origem ilegal das quantias sacadas.

O denunciado Breno Fischberg alega que foi denunciado com base na mera circunstância de ser sócio da Bônus Banval (responsabilidade objetiva), não constando dos autos indícios de que conhecia a origem ilícita dos valores em questão, nem de que teria agido com o objetivo de ocultá-la.

O denunciado Enivaldo Quadrado, em sua defesa (apenso 103), alega a violação à indivisibilidade da ação penal, em razão de ter o Procurador-Geral da República deixado de oferecer denúncia contra Lúcio Bolonha Funaro e José Carlos Batista. Sustenta, ainda, a ausência de justa causa para a instauração de ação penal contra si.

A defesa do denunciado Valdemar Costa Neto foi feita pelo mesmo pa-trono de Bispo Rodrigues, que sustentou basicamente os mesmos argumentos em relação às imputações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Acresce, em relação a Valdemar Costa Neto, argumentos relativos à acusação de formação de quadrilha, que não foi imputada a Bispo Rodrigues. Para a defesa, a acusação é manifestamente inepta, porque descreveu uma estrutura criminosa composta por Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas, Antônio Lamas, Lúcio Funaro e

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José Carlos Batista. Entretanto, como o Procurador-Geral do República denun-ciou apenas os três primeiros, não teria sido obedecido o elemento do tipo legal que exige a presença de mais de três pessoas para a configuração do delito. A defesa sustenta o seguinte (fl. 16 do apenso 123):

(...) conclui-se que Lúcio Funaro e José Carlos Batista não foram denunciados porque o ilustre Procurador-Geral da República entendeu que eles não haviam cometido o crime de quadrilha.

A par disto, a defesa sustenta, ainda, que a denúncia não indicou um concerto preparatório para delinqüir, indeterminada e permanentemente, elementos que seriam necessários para a configuração do tipo penal e o recebimento da denúncia.

O denunciado Jacinto de Souza Lamas alega ser absolutamente inocente, razão pela qual a denúncia deveria ser julgada improcedente, de plano (apenso 93). Alega que a denúncia não esclareceu qual teria sido o apoio político dispen-sado ao PT em troca da suposta vantagem ilícita recebida, tendo em vista que Lamas não é parlamentar e, portanto, não pode ter votado a favor de projetos do Governo. Para a defesa, Jacinto Lamas seria um mero “cumpridor de ordens” do acusado Valdemar Costa Neto, seu patrão, desconhecendo que se tratava de valores provenientes de ilícitos penais – o que afastaria, também, a imputação de lavagem de dinheiro. Jacinto Lamas invoca, tal como Valdemar Costa Neto, o não-oferecimento de denúncia contra Lucio Funaro e José Carlos Batista como motivo para a sua rejeição, de modo a haver igualdade de tratamento entre todos os envolvidos. Relativamente à imputação de formação de quadrilha, a defesa alega ser improcedente, inclusive, tendo em vista que os colaboradores Lúcio Funaro e José Carlos Batista afirmaram não conhecer nem nunca ter visto o acusado Jacinto Lamas, razão pela qual não é possível vislumbrar como se teriam associado a ele de modo estável para o cometimento de crimes. Acrescenta que, ao contrário do afirmado pelo Procurador-Geral da República na denúncia, o patrimônio do acusado é, sim, compatível com sua renda.

O denunciado Antônio de Pádua de Souza Lamas alega que sua partici-pação nos fatos narrados resumiu-se à condição de mensageiro e subalterno do verdadeiro beneficiário dos recursos, o co-denunciado Valdemar da Costa Neto, então Presidente do Partido Liberal. Dessa forma, estaria ausente o elemento subjetivo do tipo, consistente na intenção de se associar com mais de três pessoas para o fim de cometer crimes. Afirma, ainda, que a acusação viola o princípio da igualdade, pois o acervo fático-probatório demonstra a existência de saques de valores provenientes da SMP&B realizados por outras pessoas, que não foram denunciadas por isso. Argumenta que a existência de apenas um saque comprovadamente realizado afasta a habitualidade imprescindível à configuração da “associação estável” exigida para a incidência do tipo penal em questão.

No que tange à imputação de crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98), Antônio de Pádua de Souza Lamas alega a inépcia da denúncia, ante a inexistência do elemento subjetivo do tipo.

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O denunciado Bispo Rodrigues (apenso 121) destaca, inicialmente, a inexistência de nexo causal entre a conduta a ele imputada e o ato funcional que teria praticado. Salienta que o apoio do denunciado ao Governo Federal decorre da aliança política e de recursos previamente travada entre o PT e o PL (fl. 19). Diz, também, que “o ‘ato funcional’ supostamente praticado em função de vantagem indevida, qual seja, a aprovação das referidas emendas previdenciárias e tributárias, deu-se em momento muito posterior ao suposto recebimento da quantia de R$ 150.000,00 pelo denunciado”. Além disso, o numerário chegou às mãos do denunciado para honrar as dívidas contraídas com o custo da campanha eleitoral. Quanto à acusação de lavagem de dinheiro, a defesa alega que, tendo em vista não ter sido praticado o crime de corrupção passiva, inexiste o crime antecedente, descaracterizando a suposta lavagem. Diz, também, que o denunciado não praticou qualquer ato típico previsto no art. 1º da Lei 9.613/98.

O acusado Roberto Jefferson Monteiro Francisco alega que as condutas descritas na inicial não configuram o delito de corrupção passiva, uma vez que a função política de Deputado Federal não se subsume ao conceito de fun-cionário público para efeito de incidência de normas penais (art. 327 do Código Penal).

Roberto Jefferson argumenta, ainda, que não foi apontado na denúncia nenhum ato de ofício por ele realizado em contraprestação à vantagem indevida, faltando assim uma elementar do tipo penal da corrupção ativa.

O denunciado Romeu Ferreira de Queiroz alega que a mera indicação, para um correligionário, de uma pessoa de confiança para receber determinada quantia em estabelecimento bancário é fato penalmente irrelevante. Argumenta que a denúncia não especifica qual seria o ato de ofício que teria praticado, razão por que o delito de corrupção passiva não estaria caracterizado. No que concerne à imputação de lavagem de dinheiro, assevera que não foi demonstrada a exis-tência do crime antecedente.

O denunciado Emerson Eloy Palmieri sustenta (apenso 97) jamais ter par-ticipado de qualquer esquema de compra de votos. Argumenta que, na qualidade de dirigente do Partido Trabalhista Brasileiro, é responsável somente pela gestão administrativa do partido. Sustenta que participou apenas do acordo ocorrido entre o PT e o PTB, acordo esse que seria absolutamente legítimo.

O ex-Deputado Federal José Borba também negou a prática dos crimes que lhe foram imputados. Destaca que desconhecia a origem supostamente ilícita dos valores recebidos, razão pela qual não teve o dolo do cometimento do crime de lavagem de dinheiro. Diz que a denúncia está calcada tão-somente no depoimento de Marcos Valério, pessoa que não seria confiável (fl. 13 do apenso 125). Quanto à acusação de corrupção passiva, bate no mesmo ponto dos demais: ausência de descrição do ato de ofício que praticou ou deixou de praticar em troca de vantagem ilícita.

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O denunciado Paulo Roberto Galvão da Rocha alega não ter mascarado a origem, a natureza e os destinatários finais das quantias recebidas, de modo que não teria praticado o delito de lavagem de dinheiro. Ademais, alega ausência de justa causa para a propositura da ação penal e atipicidade dos fatos que lhe são imputados.

A denunciada Anita Leocádia Pereira da Costa (apenso 90) alega, sim-plesmente, que não tinha conhecimento da origem ilícita dos valores sacados no Banco Rural, circunstância que afasta a tipicidade do crime de lavagem de dinheiro, em razão da ausência do elemento subjetivo do tipo.

O denunciado João Magno de Moura sustenta (apenso 102) a ausência de dolo por ocasião do recebimento de recursos do grupo supostamente liderado pelo denunciado Marcos Valério. Alega que teria agido de boa-fé, ao receber valores da empresa SMP&B, além de sustentar que não há, nos autos, a comprovação da ocorrência do crime antecedente ao suposto crime de lavagem de dinheiro de que é acusado. Sustenta a atipicidade da conduta que lhe é imputada, e que a denúncia teria sido formulada de forma genérica.

O denunciado Luiz Carlos da Silva (“Professor Luizinho”) alega que a qualificação do crime de lavagem de dinheiro a ele imputado não condiz com os fatos narrados na denúncia, uma vez que os atos descritos tinham como fina-lidade apenas obter financiamento para campanhas eleitorais, não havendo provas de que o denunciado visasse à ocultação ou dissimulação de quan-tias de origem ilícita. Luiz Carlos alega, ainda, a atipicidade da conduta, pois a utilização de pessoa interposta para sacar valor destinado ao denunciado não configura meio fraudulento para mascarar a origem, a natureza e o destinatário das quantias.

O denunciado Anderson Adauto Pereira alega a atipicidade da conduta apontada pelo Procurador-Geral da República na denúncia como configuradora do delito de corrupção passiva (apenso 108).

O denunciado José Luiz Alves afirma que foi incumbido pelo seu supe-rior hierárquico, o também denunciado Anderson Adauto, de efetuar retiradas e pagamentos referentes ao acordo financeiro existente entre o PT e o PL. Sustenta que sua conduta foi atípica e, no que concerne ao delito de lavagem de dinheiro, menciona não ter sido comprovada a existência do delito antecedente. Admite ter efetuado quatro saques de quantias a mando do denunciado Anderson Adauto, e não dezesseis, como consta da denúncia.

Os denunciados José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) e Zilmar Fernandes da Silveira alegam (apenso 119) que a mera manutenção de depósito bancário no exterior não configura o tipo penal do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86. Argumentam, além disso, que, neste contexto, o suposto ilícito cometido contra o sistema financeiro nacional consistiria em mero crime-meio para o cometimento do delito-fim, qual seja, o crime contra a ordem tribu-tária (sonegação fiscal). Sendo assim, o princípio da consunção determina que a punibilidade do crime-meio restou extinta, pelo adimplemento espontâneo dos impostos devidos por Duda Mendonça.

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Duda Mendonça e Zilmar Fernandes alegam, por fim, no que tange à imputação de lavagem de dinheiro, que os valores recebidos constituíam mera contraprestação aos serviços publicitários prestados ao Partido dos Trabalhadores, não tendo origem ilícita.

Destaco que o acusado Carlos Alberto Quaglia não apresentou resposta escrita.

Após a vinda das respostas escritas, o Procurador-Geral da República apresentou manifestação em atendimento ao comando do art. 5º da Lei 8.038/90.

Faço agora um breve resumo da tramitação do Inq 2.245 nesta Corte, desta-cando os principais incidentes ocorridos desde a autuação do feito neste Tribunal, pois a enumeração exaustiva de todos os atos praticados no inquérito não se mostra adequada, tendo em vista que foram proferidos, desde a autuação do feito, cerca de 200 (duzentos) atos decisórios cujo conteúdo varia desde despachos de mero expediente a decisões sobre pedidos de medidas cautelares formulados pelo Procurador-Geral da República.

O presente inquérito foi autuado nesta Corte em 26-7-05.

Em 16-8-05, determinei que fossem enviados a esta Corte, pela Polícia Federal, todos os apensos que integravam o presente apuratório, abrindo, em seguida, vista ao Procurador-Geral da República.

Em 2-9-05, deferi a medida cautelar de busca e apreensão proposta pelo Procurador-Geral da República, a ser realizada na residência do Sr. José Eduardo Cavalcanti de Mendonça e de sua sócia Zilmar Fernandes e na sede de suas em-presas.

Tal medida cautelar foi autuada em apartado, como petição, sob o número 3.479.

Em 18-10-05, determinei, a pedido do Procurador-Geral da República, que fosse expedido ofício ao BankBoston Banco Múltiplo S.A., para que fornecesse a esta Corte, no prazo de cinco dias, planilha com a indicação dos titulares dos recursos movimentados nos últimos cinco anos na conta de número 0008971305 do Nassau Branch of BankBoston, bem como com completa qualificação, origem e destino dos recursos e data e natureza da operação.

Contra essa decisão foi interposto agravo regimental, cujo julgamento ocorreu em 29-11-06.

Na ocasião do julgamento do agravo, o Tribunal, por maioria, deu provi-mento parcial ao agravo, nos termos do voto condutor da Sra. Ministra Cármen Lúcia, que ficou incumbida da lavratura do acórdão. Fiquei vencido, na compa-nhia do eminente Ministro Carlos Britto.

Em 27-10-05, deferi, a pedido do Procurador-Geral da República, uma série de medidas cautelares, autuadas na forma de ação cautelar e registradas sob o número 1011. O conteúdo das diligências deferidas compreendeu: 1) o arresto dos bens imóveis de propriedade do Sr. Marcos Valério Fernandes de Souza e sua esposa Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, relacionados no

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Anexo II, impropriamente definido pelo art. 136 do Código de Processo Penal como seqüestro, para fins de resguardar a inscrição da hipoteca legal. 2) o seqüestro dos bens móveis e semoventes arrolados no Anexo II do requerimento formulado, na forma do art. 137 do Código de Processo Penal e do § 1º do art. 4º do Decreto-Lei 3.240/41; 3) a indisponibilidade de todos os recursos financeiros, de qualquer natureza, existentes em contas de aplicação (poupança, fundos, CDB, ações, etc.) das empresas DNA Comunicação Ltda.; SMP&B Comunic. Ltda. (em ambos os CNPJ citados no anexo II); SMP&B São Paulo Comunic. Ltda.; Star Alliance Participações Ltda. (em ambos os CNPJ mencionados no anexo II) e Graffiti Particip. Ltda., cujos dados cadastrais se encontram no anexo II do pedido.

Essa decisão também foi impugnada por agravo regimental, cujo julgamento ocorreu em 10-11-06, ocasião na qual o Plenário da Corte decidiu, por maioria de votos, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto que proferi, vencido o eminente Ministro Marco Aurélio, que lhe dava provimento.

Em 8-11-05, deferi pedido de medida cautelar de quebra de sigilo bancário formulada pelo Procurador-Geral da República, dirigido contra a empresa Natimar Negócios e Intermediações Ltda., bem como dos seus sócios Carlos Alberto Quaglia e Nathalie Quaglia Ibanes.

Em 14-11-05, deferi a realização de medida cautelar de busca e apreensão nas dependências da empresa LC Envelopamentos e Etiquetagem Ltda., atendendo a requerimento formulado pelo Procurador-Geral da República. Tal pedido foi autuado nesta Corte como ação cautelar, sob o número 1.014.

Em 29-6-06, deferi pedido formulado pelo Procurador-Geral da República, de arresto e inscrição da hipoteca legal sobre os bens imóveis e seqüestro dos bens móveis pertencentes a José Eduardo Cavalcanti de Mendonça e sua sócia zilmar Fernandes da Silveira.

A referida medida cautelar foi autuada como ação cautelar, sob o número 1.189, e foi impugnada por via de agravo regimental.

O agravo regimental interposto pela defesa dos denunciados José Eduardo Cavalcanti de Mendonça e zilmar Fernandes foi julgado pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal em 10-11-06, ocasião na qual o Tribunal, por unani-midade, decidiu negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto por mim proferido.

Em 7-3-06, o Procurador-Geral da República requereu a prisão preventiva dos investigados José Dirceu de Oliveira e Silva, José Genoíno Neto, Delúbio Soares de Castro, Sílvio José Pereira, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Rogério Lanza Tolentino, Simone Reis Lobo de Vasconcelos, Geiza Dias dos Santos, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, sob duplo funda-mento: para a garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal.

Indeferi o pedido, por considerar ausentes os fundamentos autorizadores da custódia cautelar.

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O Procurador-Geral da República formulou pedido de reconsideração que foi por mim indeferido em 5-5-06.

Ressalto que a decisão acerca da prisão e o próprio pedido tramitaram sob sigilo, em razão da evidente necessidade de se resguardar o sucesso da diligência, caso fosse deferida, e em face da possibilidade de modificação das circunstâncias de fato, que poderiam provocar eventual reconsideração da decisão de indeferi-mento.

Em 30-6-06, deferi a realização de diligência de busca e apreensão nas dependências da Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos – CBMP (Visanet), requerida pelo Procurador-Geral da República e autuado como ação cautelar, sob o número 1.258.

Em 6-12-06, sugeri ao Plenário da Corte, em questão de ordem, o desmem-bramento do feito com a permanência sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal unicamente dos denunciados atualmente detentores de mandato parla-mentar. Tal proposta não foi acolhida pela Corte, de modo que o pólo passivo do presente feito permanece inalterado.

São esses, em apertada síntese, os principais incidentes ocorridos no âmbito do Inq 2.245, ocorridos até a apresentação da denúncia pelo Procurador-Geral da República, em 30 de março de 2006.

Informo, Senhora Presidente, que em meu voto serão abordadas matérias constitucionais, especialmente no que diz respeito às questões preliminares argüidas pelas defesas.

é o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, como assina-lei no relatório, no presente inquérito são narrados crimes de formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, gestão frau-dulenta de instituição financeira e evasão de divisas, nos termos constantes da denúncia.

Procedo ao julgamento, iniciando pela análise das questões preliminares argüidas pelas defesas dos acusados.

PreliminaresNo presente capítulo, não serão objeto de análise as alegações de ausên-

cia de individualização das condutas ou de justa causa para o oferecimento da denúncia, nem a pretensa atipicidade dos fatos narrados pelo Procurador-Geral da República, pois esses temas são, por assim dizer, o “mérito” da fase do art. 6º da Lei 8.038/90, que examinarei de forma destacada, capítulo por capítulo, mais ou menos de acordo com a estruturação da denúncia.

Foi sustentada, em primeiro lugar, a preliminar de incompetência do STF para julgar a acusação formulada contra os 34 acusados que não são detento-res de prerrogativa de foro, pedindo que se fixe a competência, quanto a estes,

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do juiz federal prevento para o caso – juiz federal da 4ª Vara de Belo Horizonte (por todos, v. fls. 9/16 da resposta de Marcos Valério; fls. 3/5 da resposta de Anita Leocádia – apenso 90).

Destaco, desde logo, que o tema já foi decidido em questão de ordem, por votação majoritária deste Plenário, no sentido da necessidade de se manter um processo único, a tramitar perante o Supremo Tribunal Federal. Assim, está preclusa a matéria.

Algumas defesas alegam, ainda preliminarmente, que a denúncia estaria baseada em provas obtidas por meio ilícito (Simone Vasconcelos, apenso 114; Marcos Valério, apenso 115; e Ayanna Tenório, José Roberto Salgado, Kátia Rabello e Vinícius Samarane, apenso 118), pelas seguintes razões.

Primeiro, estes denunciados sustentam que o BMG procedeu à quebra de sigilo bancário, atendendo a pedido direto do Procurador-Geral da República, sem que houvesse autorização judicial para tanto.

Sustentam, ainda, que o Banco Central do Brasil também procedeu à que-bra do sigilo bancário do acusado sem autorização judicial, atendendo a pedido direto do Procurador-Geral da República. Requer-se, portanto, a rejeição da denúncia, “pelo menos em toda a parte em que se refere a ‘recursos originários de supostos empréstimos bancários junto aos bancos Rural e BMG e aos supostos benefícios dados pelo Governo Federal ao banco BMG em troca da alimentação do esquema da organização criminosa com aqueles mesmos recursos, bem como à participação na organização criminosa dos dirigentes do Banco Rural e realização de saques em espécie para lavagem de dinheiro’.” (Fl. 29 da resposta de Marcos Valério – apenso 115.)

Para os acusados Marcos Valério e Simone Vasconcelos também seria ilí-cita a quebra de sigilo bancário realizada pela autoridade judiciária de primeiro grau (4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais), cuja incompetência absoluta foi reconhecida pelo próprio órgão do Ministério Público Federal lá atuante.

Assim, as defesas de Marcos Valério e Simone Vasconcelos pedem a rejeição da denúncia, “pelo menos em toda a parte que se refere a ‘movimentação de recursos financeiros por Marcos Valério, seus sócios e suas empresas, para compra de suporte político de outros Partidos Políticos e do financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das campanhas eleitorais e reali-zação de saques em espécie para lavagem de dinheiro’.” (Fl. 34 da resposta de Valério.)

Outra ilegalidade teria ocorrido nas provas obtidas mediante comparti-lhamento de dados, de documentos e de informações obtidos por meio de quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico pela CPMI dos Correios, que seriam estranhas ao fato determinado que deu origem à comissão e teriam-se baseado, apenas, em publicações da imprensa, algumas fruto de vazamento ilícito de dados sigilosos.

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Com base nessa argumentação, pleiteia-se a rejeição da denúncia “em toda a parte em que se refere a ‘contratos das agências de publicidade com Banco do Brasil e Câmara dos Deputados, (...) pagamentos, no Brasil ou no exterior, a Duda Mendonça1 e realização de saques em espécie para lavagem de dinheiro’.” (Fl. 37 da resposta de Marcos Valério.)

As defesas também consideram que seria ilícita a prova emprestada obtida no banco de dados do Caso Banestado, que foi utilizada pelo Procurador-Geral da República para dar respaldo à acusação contida no item VIII da denúncia em exame (fl. 47 da resposta de Valério; fls. 5/7 da resposta de Ayanna Tenório, José Roberto Salgado, Kátia Rabello e Vinícius Samarane, apenso 118).

Em outra preliminar, o acusado Marcos Valério pede que se declare a ilicitude da análise, em laudos do Instituto Nacional de Criminalística, de documentos bancários recebidos no Brasil em novembro de dezembro de 2005, fruto de quebra de sigilo bancário no exterior sem que houvesse prévia autorização de autoridade judiciária brasileira.

Alguns acusados sustentam, ainda, ter havido violação ao princípio consti-tucional do devido processo legal e da falta de justa causa para propositura da denúncia, em razão do fato de o Procurador-Geral da República haver oferecido a denúncia antes de concluídas as investigações e apresentado o relatório pela autoridade policial.

Pelas razões antes expostas, as defesas de Simone Vasconcelos (apenso 114) e Marcos Valério (apenso 115) pedem o desentranhamento de todos os documentos que, segundo eles, foram obtidos por meios ilícitos.

Individualmente, Luiz Gushiken alegou a ocorrência de cerceamento de defesa por não ter tido acesso ao resultado da perícia então em andamento na Polícia Federal, razão pela qual solicita reabertura de prazo para complementação da resposta, tão logo seja juntado aos autos o laudo da perícia (apenso 89).

O acusado José Dirceu alega que este é um julgamento político, que só a população, por meio do voto, teria direito de fazer (fl. 4, apenso 100).

Essas as preliminares argüidas pelas defesas.

Considero que todas devem ser rejeitadas.

Relativamente à alegada precipitação no oferecimento da denúncia (apensos 114/115), que a defesa alega ter violado o devido processo legal, tendo em vista que algumas diligências ainda deveriam ser feitas e que o relatório policial ainda não havia sido apresentado, a tese não tem amparo jurídico algum.

Ora, se o Procurador-Geral da República entender, como entendeu, que existem indícios mínimos de autoria e materialidade de fatos tidos como criminosos, não há qualquer obstáculo ao oferecimento da denúncia. O máximo que pode ocorrer é o não-recebimento da denúncia, por inexistência de justa causa, mas não sua rejeição liminar, pelo mero fato de não ter aguardado “o momento

1 Essa acusação será analisada no item VIII do presente voto.

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mais adequado”. A decisão sobre o momento de oferecer a denúncia é da alçada única do autor da ação penal.

Quanto à não-apresentação do relatório policial, trata-se, obviamente, as-sim como o próprio inquérito policial, de peça dispensável, razão pela qual sua ausência nos autos não pode ensejar, por si só, a rejeição da denúncia.

A preliminar de nulidade das decisões proferidas na primeira instância, por sua alegada “incompetência absoluta”, também não merece prosperar. Quando o magistrado de primeiro grau proferiu sua primeira manifestação, no sentido da quebra de sigilo bancário e fiscal (autos 2005.023624-0), não havia qualquer indício da participação ativa e concreta de qualquer agente político ou auto-ridade que possuísse foro por prerrogativa de função nos fatos objeto da investigação policial. Foram fatos novos, supervenientes àquela decisão, que acarretaram uma alteração do quadro probatório, repercutindo na competência daquele juízo federal, que assim se manifestou:

a) declino da competência para o Supremo Tribunal Federal – STF, para onde deverão ser remetidos imediatamente os autos e os demais apensos e anexos, os quais serão entre-gues mediante Ofício na pessoa do Senhor Ministro Presidente, adotando-se todas as cautelas para a preservação do sigilo das informações, dados e documentos juntados;

b) determino à Secretaria do juízo a adoção das providências necessárias, devendo os autos e demais peças ser lacrados, de forma a preservar a inviolabilidade das informações;

c) oficiar à autoridade policial presidente do Inquérito o dispositivo desta decisão, a fim de que possa adotar as providências administrativas no que toca ao registro e tombamento do IP;

d) determinar a baixa na distribuição, inclusive em relação às medidas cautelares 2005.022754-9, 2005.023624-0 e 2005.025508-9, para as quais deverá ser trasladada cópia desta decisão, promovendo-se as anotações e registros de praxe.

Ressalto que, chegados os autos ao STF, o então Presidente, Ministro Nelson Jobim, deferiu todos os requerimentos formulados pelo Procurador-Geral da República, quais sejam:

(1) o reconhecimento da competência do Supremo para processamento das investigações em curso, autuando-se para classe de inquérito;

(2) a juntada aos autos do procedimento PGR/MPF nº 1.00.000.006045/2005-55, instau-rado na PGR (Caso Roberto Jefferson).

(3) (...) a ratificação das decisões judiciais prolatadas nos autos das medidas cau-telares de busca e apreensão e afastamento do sigilo bancário (Processos nº 2005.022754-9; 2005.023624-0 e 2005.025508-9), distribuídas por dependência ao inquérito policial que tramitava perante a 4ª Vara Federal de Belo Horizonte;

(4) a extensão do afastamento do sigilo bancário das empresas DNA Propaganda Ltda. E SMP&B Comunicação Ltda., de Marcos Valério Fernandes de Souza e sua esposa Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, desde janeiro de 1998 até a presente data.

(5) autorização para compartilhamento de todas as informações bancárias já obtidas pela CPMI dos “Correios”, para análise em conjunto com os dados constantes destes autos.

Dessa forma, não há que falar em ilegalidade ou nulidade nos atos praticados pelo juízo de primeira instância, pois quando do deferimento das medidas cautelares, o juiz a quo era competente para tais atos, tendo declinado de sua competência tão logo surgiram indícios da participação de agentes públicos detentores da prerrogativa de foro.

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As defesas também alegaram a ilegalidade da prova emprestada do caso Banestado. Essa alegação também não merece aceitação. Isso porque o acesso à base de dados da CPMI do Banestado fora autorizado pela CPMI dos Correios. Ademais, o então Ministro Presidente desta Corte, Nelson Jobim, deferiu o compartilhamento de todas as informações obtidas pela CPMI dos Correios para análise em conjunto com os dados constantes dos presentes autos. Eis o que o Procurador-Geral da República falou sobre o tema (fls. 10177/10178, vol. 48):

A correta decisão atendia ao objetivo de racionalizar o trabalho de apuração, evitando uma indesejável e anti-econômica duplicidade de esforços.

Pois bem: entre vários requerimentos aprovados pela CPMI dos correios, alguns tiveram como objeto justamente o acesso à base de dados do denominado caso Banes-tado. A CPMI dos correios efetivamente aprovou o acesso à base de dados da CPMI do Banestado.

Além disso, registre-se que o trabalho de qualquer CPMI tem como destinatário, para fins jurídicos (ação penal, ação civil pública, entre outras medidas) o Ministério Público, que passa a ter acesso irrestrito aos documentos produzidos pelo órgão legislativo.

Diante desse quadro, havia sim autorização para utilização emprestada das provas colhidas na mencionada investigação (Banestado).

Aliás, recentemente, no caso da Operação Furacão (Inq 2.424), esta Corte autorizou o compartilhamento das provas que compõem o acervo daquele inquérito com o Superior Tribunal de Justiça, para instrução de processo disciplinar, caso em que havia inclusive interceptações telefônicas. Com muito mais razão, as provas obtidas pela CPMI do caso Banestado podem ser aproveitadas no presente caso.

Assim, Senhora Presidente, diante da existência de autorização judicial para o compartilhamento de todas as provas colhidas pela CPMI dos Correios, entre as quais aquelas do caso Banestado, eu rejeito, também, a preliminar em questão.

Quanto à alegação de que a CPMI dos Correios investigou fatos estranhos àquele que determinou sua instalação, é amplamente conhecido que a investigação findou por ser ampliada em razão de fatos novos, relacionados com aqueles que constituíam seu objeto (investigar a corrupção e outros atos administrativos praticados na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a ECT, tendo em vista a notícia do recebimento de vantagem indevida pelo Sr. Maurício Marinho, funcionário daquela estatal, flagrado por gravação de vídeo). Esta ampliação do objeto da CPMI dos Correios nada contém de ilegal, como entende esta Corte, verbis:

(...) Autonomia da investigação parlamentar – O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como procedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância esta que permite à Comissão legislativa – sempre respeitados os limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que ditaram a sua constituição – promover a pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina.(MS 23.639/DF, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 16-2-01, p. 91.)

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(...) A comissão parlamentar de inquérito encontra na jurisdição constitucional do Congresso seus limites. Por uma necessidade funcional, a comissão parlamentar de inquérito não tem poderes universais, mas limitados a fatos determinados, o que não quer dizer que não possa haver tantas comissões quantas as necessárias para realizar as investigações recomendáveis, e que outros fatos inicialmente previstos não possam ser aditados aos objetivos da comissão de inquérito, já em ação. O poder de investigar não é um fim em si mesmo, mas um poder instrumental ou ancilar relacionado com as atribuições do Poder Legislativo. Quem quer o fim dá os meios (...).(HC 71.039/RJ, Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 6-12-96, p. 48708.)

Assim, não deve prosperar o pleito dos denunciados de que a CPMI dos Correios não tinha competência para investigar os fatos trazidos no presente inquérito.

Ainda em relação à CPMI dos Correios, alegou-se que os afastamentos de sigilos ali determinados teriam origem, exclusivamente, em matérias jornalísticas. Ocorre que, além de não ser esta a realidade dos fatos, referidos dados foram objeto de decisão judicial autônoma no âmbito do Inq 2.245 e ações cautelares incidentais a ele (por exemplo: sigilo bancário de Renilda Fernandes, DNA e SMP&B), de modo que as provas obtidas com afastamento de sigilo, no âmbito do presente inquérito, foram colhidas com autorização judicial.

O acusado Marcos Valério considera, ainda, que a denúncia deve ser re-jeitada, “pelo menos em toda a parte em que se refere a ‘recursos originários de supostos empréstimos bancários junto aos bancos Rural e BMG e aos supostos benefícios dados pelo Governo Federal ao banco BMG em troca da alimentação do esquema da organização criminosa com aqueles mesmos recursos, bem como à participação na organização criminosa dos dirigentes do Banco Rural e realização de saques em espécie para lavagem de dinheiro’.” (Fl. 29 da resposta de Marcos Valério – apenso 115.)

Alega, neste sentido, que as provas obtidas para respaldar esta parte da acusação foram colhidas de modo ilegal, pois o Bacen teria atendido a pedido direto do Procurador-Geral da República, sem que houvesse autorização judi-cial para tanto.

Na verdade, o que consta dos autos em respaldo às acusações de lava-gem de dinheiro são relatórios de fiscalização do Bacen, que foram objeto de requerimento aprovado na CPMI dos Correios (Requerimento 91, do Senador Álvaro Dias, aprovado em 21 de junho de 2005 – v. www.camara.gov.br, onde é possível ter acesso à tabela de todos os requerimentos aprovados pela CPMI dos Correios), nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, que dispõe:

§ 1º As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.

Como vimos, o Ministro Nelson Jobim, então Presidente desta Corte, auto-rizou o “compartilhamento de todas as informações bancárias já obtidas pela CPMI dos “Correios”, para análise em conjunto com os dados constantes destes autos” (fl. 408, vol. 2), decisão essa proferida em 25 de julho de 2005.

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Além disso, também eu proferi decisão, em 30 de agosto de 2005, como consta de fls. 1245/1249 (vol. 5 destes autos). Ali, destaquei que o afastamento do sigilo bancário, desde janeiro de 1998, de todas as contas mantidas por Marcos Valério e “demais pessoas físicas e jurídicas que com ele cooperam ou por ele são controladas”, apontadas pelo Procurador-Geral da República na manifestação de fls. 1167/1183, mostrava-se “necessária à completa elucidação da origem dos recursos financeiros movimentados” nos fatos investigados neste inquérito (v. fl. 1247).

Veja-se, ainda, que as remessas diretas dos documentos pelo Bacen ao Procurador-Geral da República foram por mim autorizadas, para maior cele-ridade processual, e me eram sempre comunicadas pelo Presidente do Banco Central (ver, por exemplo, fl. 3397, vol. 15 dos autos).

Assim, o fato é que houve regular quebra de sigilo de todas as contas do acusado Marcos Valério e suas empresas, autorizada tanto pela CPMI dos Correios como por este Tribunal.

Por essas razões, rejeito também esta preliminar.

Relativamente aos documentos encaminhados pelo Banco BMG ao Minis-tério Público Federal, atendendo a pedido direto do órgão ministerial, não assiste razão à defesa. O ofício requisitório do Ministério Público amparou-se na decisão anterior que afastou o sigilo bancário dos investigados (fls. 407/410), decisão esta proferida pelo então Ministro Presidente desta Corte, Nelson Jobim, durante o recesso forense (25 de julho de 2005). Houve, ainda, posteriormente, nova decisão, por mim proferida, afastando o sigilo bancário de modo amplo, abar-cando todas as operações de empréstimos objeto do ofício (fls. 1245/1249). Foi, inclusive, determinada, naquela mesma decisão, a realização de perícia com acesso amplo e irrestrito às operações bancárias do Banco BMG. Assim, não merece ser acolhida a preliminar em questão, inclusive porque não houve qual-quer impugnação no momento em que aquelas decisões foram proferidas.

Destaco, por fim, que também a CPMI dos Correios afastou o sigilo bancário de todas as operações questionadas pela defesa.

Em anexo ao meu voto, disponibilizo uma lista de todos os requerimentos aprovados pela CPMI dos Correios, entre os quais a transferência do sigilo bancário, fiscal e telefônico do acusado Marcos Valério Fernandes de Souza, requisição ao Banco Rural para identificar todos os saques realizados em dinheiro nas agências de Belo Horizonte, desde janeiro de 2003, superiores a R$ 100 mil, a partir das contas da SMP&B Comunicação, suas coligadas e sócios, entre os mais de 1800 atos praticados pela CPMI e listados na tabela anexa (v. www.camara.gov.br).

No que diz respeito aos documentos bancários recebidos do exterior, a defesa de Marcos Valério pede que se declare a ilicitude da análise, em laudos do Instituto Nacional de Criminalística, de documentos bancários recebidos no Brasil em novembro de dezembro de 2005, fruto de quebra de sigilo bancário no exterior.

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A defesa alega o seguinte (fl. 45):

O Decreto nº 3.810, de 2/5/2001, promulga o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América, celebrado em Brasília, em 14 de outubro de 1997 (...).

Consta do mencionado Acordo, quanto ao uso das provas obtidas, uma restrição expressa. As mesmas só podem ser usadas nos inquéritos ou processos que deram origem ao pedido de cooperação internacional, não sendo permitido o seu uso, indiscriminada-mente (...)

Como não houve nenhum pedido formal do Governo do Brasil às Autoridades Americanas solicitando autorização para utilizar, no presente Inquérito n. 2245 de 2005, os dados e documentos bancários enviados em 2003 e 2004 (...), o uso daquele banco de dados na realização de todos os laudos periciais realizados pelo Instituto Nacional de Crimi-nalística do DPF, no presente inquérito, acima relacionados, tornou-os prova ilícita, porquanto derivados da prova emprestada ilícita.

Não há qualquer respaldo jurídico à alegação.

Destaco, em primeiro lugar, que a defesa não interpretou corretamente o Decreto 3.810/01.

O art. VII, número 1, daquele diploma legal não estabelece que o uso dos documentos enviados se restrinja ao inquérito que deu origem ao pedido do Estado Requerente. Ele apenas autoriza que a autoridade central do Estado Requerido imponha essa restrição de uso. Ou seja, para que o Estado Reque-rente esteja impedido de usar as provas em outros processos, é preciso que o Estado Requerido solicite, expressamente, que os dados não sejam usados em outros procedimentos que não aqueles descritos na solicitação. Transcrevo o teor do dispositivo em questão:

Artigo VIIRestrições ao Uso1. A Autoridade Central do Estado Requerido pode solicitar que o Estado Requerente

deixe de usar qualquer informação ou prova obtida por força deste Acordo em investigação, inquérito, ação penal ou procedimentos outros que não aqueles descritos na solicitação, sem o prévio consentimento da Autoridade Central do Estado Requerido. Nesses casos, o Estado Requerente deverá respeitar as condições estabelecidas.

No caso em questão, não houve a restrição prevista em tal norma! A única condição imposta teve por base o art. VII, número 2, que dispõe o seguinte:

2. A Autoridade Central do Estado Requerido poderá requerer que as informações ou provas produzidas por força do presente Acordo sejam mantidas confidenciais ou usadas apenas sob os termos e condições por ela especificados. Caso o Estado Requerente aceite as informações ou provas sujeiras a essas condições, ele deverá respeitar tais condições.

A condição imposta pela autoridade americana, in casu, foi apenas que os documentos fossem utilizados apenas pelos procuradores da República e pela Polícia Federal, que não deveriam compartilhar com outras entidades ou autoridades do Brasil. Mas não ficaram impedidos de utilizar aqueles documen-tos em outros inquéritos.

Acrescento que o STF foi informado de todos os passos da obtenção das provas no exterior, recebendo, ao final, o resultado dos pedidos feitos pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República. Eis o que constou na manifestação do Ministério Público de fl. 1180:

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53. Em razão dessas informações, faz-se necessário o afastamento do sigilo bancário das contas do publicitário “Duda Mendonça” e empresas, no Brasil, incluindo as contas “CC-5”, devidamente indicadas nos itens “1” e “2” acima.

54. Quando às demais contas mantidas no exterior, após o afastamento pelo Supremo Tribunal Federal do sigilo acima requerido, diligenciarei o acesso às mesmas junto aos órgãos internacionais competentes, com base nos Acordos e demais normas que disciplinam a matéria.

O afastamento de sigilo assim solicitado foi acatado na decisão de fl. 12482, demonstrando a lisura de todo o procedimento e o seu pleno conhecimento pela autoridade judicial competente, STF.

Como afirmou a própria defesa e conforme documento salientado no próprio Laudo 2293/05 do INC, o sigilo das contas em questão foi afastado pela autori-dade norte-americana competente, que autorizou, no bojo do presente inquéri-to, seu uso pelo Procurador-Geral da República e pela Polícia Federal.

Eis o que consta dos ofícios que remeteram referidos documentos bancários (fls. 3796 e 3822, vol. 17):

Em referência aos pedidos acima referidos do Governo do Brasil, formulados conforme o Tratado entre os Estados Unidos e o Brasil sobre Assistência Jurídica Mútua em Matéria Criminal, assinado em 14 de outubro de 1997, encaminhamos anexadas a esta carta oito caixas contendo cópias de registros bancários encaminhados ao nosso escritório pelo Escritório do Procurador Distrital do Condado de Nova Iorque. O Escritório do Procurador Distrital do Condado de Nova Iorque obteve ordens judiciais para abrir os documentos apenas para os Procuradores Federais brasileiros e para a Polícia Federal brasileira (...). Portanto, neste momento não compartilhe as provas anexadas com quaisquer outras entidades ou autoridades no Brasil, inclusive a Comissão Parlamentar de Inquérito, que solicitou o compartilhamento dos documentos pelo pedido de 24 de outubro de 2005 (Ofício nº 4766/2005ISNJ-MJ).

Desse modo, não há que falar em nulidade a propósito da perícia feita pelo INC nos documentos bancários provenientes do exterior, tendo em vista a permissão para abrir os documentos tanto para os procuradores da República quanto para a Polícia Federal, sendo que o Instituto Nacional de Criminalística é, como sabido, órgão do Departamento de Polícia Federal.

Portanto, como visto, todas as provas existentes nos autos foram legal-mente colhidas no curso do presente inquérito.

Individualmente, o acusado Luiz Gushiken alegou ter havido cerceamento de defesa, porque teriam sido juntados documentos após a apresentação de sua impugnação. Requereu, assim, abertura de prazo para complementar a defesa “após serem carreados para os autos todos os elementos anteriormente requisitados à Polícia Federal pelo Ministério Público, bem como descritos em auto próprio os conteúdos dos CDs que acompanharam os ditos apensos” (fl. 14).

Ocorre que a denúncia foi oferecida com base, tão-somente, nos documentos até então existentes, não servindo, para a decisão que se proferirá nesta sessão, documentos eventualmente juntados pelo Parquet após o oferecimento da inicial.

2 Posteriormente, o Pleno deu provimento a agravo regimental no qual se impugnava apenas a parte da decisão deste Relator que decretara a quebra do sigilo bancário das contas CC-5.

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Até porque tais documentos não podem ter influenciado no convencimento do órgão ministerial ao apresentar a denúncia. Como destacou o Procurador-Geral da República à fl. 10173, “os demais documentos servirão para instruir a ação penal, momento no qual o denunciado terá pleno acesso aos respectivos conteúdos”.

Relativamente aos conteúdos dos CDs, que a defesa requer sejam “descritos em auto próprio”, esclareço apenas que há, nos autos, precisa indicação dos CDs, estando disponíveis às defesas para consulta.

Por fim, quanto à alegação do acusado José Dirceu, no sentido de que se pretende fazer um julgamento político de seus atos, não há qualquer base para tal afirmação. Como veremos nos capítulos seguintes, são-lhe imputados fatos em tese típicos e antijurídicos, com base em indícios que analisaremos para saber se são suficientes ou não para dar início à ação penal. Não há qualquer alusão a atos ou posicionamentos político-ideológicos do acusado, mesmo porque o Poder Judiciário não tem legitimidade democrática para julgá-los.

Rejeito, assim, todas as questões preliminares.

Da imputação de desvio de recursos públicos – Capítulo III da denúnciaOs fatos criminosos narrados no item III da denúncia (fls. 5649-5686) refe-

rem-se a supostas ilicitudes cometidas no âmbito de contratos celebrados entre órgãos da administração pública e empresas vinculadas ao grupo de Marcos Valério, nomeadamente a DNA Propaganda Ltda. e a SMP&B Comunicações Ltda.

Esta parte da denúncia encontra-se subdividida em quatro subitens, conforme o órgão que contratou os serviços das referidas empresas.

No subitem III.1, o Procurador-Geral da República aborda as supostas ile-galidades perpetradas durante licitação para contratação de serviços publicitários pela Câmara dos Deputados (Concorrência 11/03), durante o período no qual o denunciado João Paulo Cunha ocupava a Presidência da Casa, bem como aquelas supostamente cometidas ao longo da execução do contrato administrativo corres-pondente (2003/204.0), celebrado com a SMP&B Comunicações Ltda.

As imputações constantes desse subitem são as seguintes:

(i) corrupção ativa e passiva (fl. 5668):

a) João Paulo Cunha, em concurso material, está incurso nas penas do:a.1) artigo 317 do Código Penal Pátrio (recebimento de cinqüenta mil reais).

(Fl. 5667.)

(...)b) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, em concurso

material, estão incursos nas penas do:b.1) art. 333 do Código Penal Pátrio (pagamento de cinqüenta mil reais).

(Fl. 5668.)

(ii) lavagem de dinheiro (fl. 5667):

a) João Paulo Cunha, em concurso material, está incurso nas penas do:(...)a.2) artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/1998 (utilização da Sra. Márcia

Regina para receber cinqüenta mil reais)

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(iii) peculato (fls. 5667-5668):

a) João Paulo Cunha, em concurso material, está incurso nas penas do: (...)a.3) 02 (duas) vezes no artigo 312 do Código Penal (desvio de R$ 252.000,00 em pro-

veito próprio e R$ 536.440,55 em proveito alheio);(...)b) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, em concurso

material, estão incursos nas penas do: (...)b.2) art. 312 do Código Penal Pátrio (desvio de R$ 536.440,55).

No subitem III.2 o Procurador-Geral da República aponta supostas ilicitudes em contratos de publicidade do Banco do Brasil com a empresa DNA Propaganda Ltda. (Contratos 99/1131 e 1/03).

O seguinte trecho da denúncia sintetiza bem o teor do subitem III.2:Em relação à empresa DNA Propaganda Ltda., os Analistas do TCU apuraram que

desde a sua primeira contratação, ocorrida em 22/03/2000, a empresa, por seus dirigentes, vem se beneficiando, com a total conivência dos responsáveis pela contratação, o Gerente Executivo de Propaganda e Diretor de Marketing do Banco do Brasil, de valores concernentes a descontos e bonificações que, contratualmente, pertencem ao próprio banco e que são indevidamente desviados em benefício da agência de publicidade.

(Fls. 5668/5669.)

Após a pormenorização das circunstâncias em que teriam ocorrido as supos-tas ilicitudes, foram feitas as seguintes imputações no subitem III.2 da denúncia:

Assim procedendo de modo livre e consciente, na forma do art. 29 do Código Penal:a) Henrique Pizzolato está incurso nas penas do artigo 312 do Código Penal (desvio de

R$ 2.823.686,15 em proveito alheio); eb) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino estão incursos

nas penas do artigo 312 do Código Penal (desvio de R$ 2.923.686,15).

Quanto ao subitem III.3 da denúncia, este trata das transferências, suposta-mente ilícitas, de recursos do Banco do Brasil para a empresa DNA Propaganda Ltda., por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (Visanet).

O seguinte trecho sintetiza a narrativa do subitem III.3:

O ex-Ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República, Luiz Gushiken, e o ex-Diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, em atuação orquestrada, desviaram, no período de 2003 e 2004, em bene-fício do grupo liderado por Marcos Valério (Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Rogério Tolentino) e do Partido dos Trabalhadores (José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares), vultosas quantias do Fundo de Investimento Visanet, constituído com recursos do Banco do Brasil S/A.

Ao final do subitem III.3, são feitas as seguintes imputações:

Assim procedendo de modo livre e consciente, na forma do art. 29 do Código Penal:a) Henrique Pizzolato, em concurso material, está incurso nas reprimendas do:a.1) artigo 317 do Código Penal Pátrio (recebimento de R$ 326.660,27);a.2) artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei n.º 9.613/1998 (utilização do Sr. Luiz Eduardo

Ferreira para receber R$ 326.660,27); ea.3) 4 (quatro) vezes no artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00;

28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75);

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b) Luiz Gushiken, em concurso material, está incurso 4 (quatro) vezes nas repri-mendas do artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00; 28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75);

c) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, em concurso material, estão incursos nas reprimendas do:

c. l) artigo 333 do Código Penal Pátrio (pagamento de R$ 326.660,27); ec.2) 4 (quatro) vezes no artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00;

28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75); e

d) José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, em concurso material, estão incursos 4 (quatro) vezes nas reprimendas do artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00; 28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75).

Quanto ao item III.4, este não traz qualquer imputação e é unicamente ilustrativo das atividades da suposta organização criminosa, apontando supostas irregularidades em diversos contratos das empresas do grupo liderado por Marcos Valério com a administração pública federal.

Consta da denúncia que as supostas ilicitudes descritas no subitem III.4 serão tratadas nos respectivos procedimentos cíveis e/ou investigações criminais, não sendo objeto, portanto, de apreciação por esta Corte.

Passo agora a analisar cada um dos subitens do item III da denúncia, para o fim de que seja admitida ou não a abertura de ação penal para apuração das imputações constantes desta parte da denúncia.

III.1 – Câmara dos DeputadosO item III.1 trata de fatos relacionados ao procedimento licitatório instaurado

na Câmara dos Deputados para a contratação de agência de publicidade (Con-corrência 11/03).

Os fatos supostamente típicos distribuem-se em três situações distintas.

Na primeira delas, o Procurador-Geral da República narra que João Paulo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, teria cometido o crime previsto no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva), ao receber vantagem indevida no valor de R$ 50 mil.

Tal quantia teria sido oferecida por Marcos Valério em concurso com Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, com o propósito de obter trata-mento privilegiado para sua empresa (SMP&B) na licitação então em curso na Câmara dos Deputados. Assim agindo, estes últimos teriam incorrido nas penas do art. 333 do Código Penal (corrupção ativa).

Transcrevo os trechos da denúncia pertinentes às imputações:

Assim procedendo de forma livre e consciente na forma do art. 29 do Código Penal:a) João Paulo Cunha, em concurso material, está incuros nas penas do:a.1) artigo 317 do Código Penal Pátrio (recebimento de cinqüenta mil reais)(...)b) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, em con-

curso material, estão incursos nas penas do:b.1) art. 333 do Código Penal Pátrio (pagamento de cinqüenta mil reais)

(Denúncia, fls. 5667-5668 dos autos.)

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Narra a denúncia que João Paulo Cunha se valeu do poder de que dispunha como autoridade máxima da Câmara dos Deputados para beneficiar a empresa SMP&B Propaganda Ltda., através, entre outros meios, da nomeação da comissão especial que elaborou o edital e julgou as propostas apresentadas. Importante des-tacar o seguinte trecho da inicial acusatória, para deixar bem clara a obediência ao art. 41 do Código de Processo Penal (fl. 5666, vol. 27):

A empresa SMP&B, com o aval de João Paulo Cunha, subcontratou 99,9% do objeto licitado. De uma soma total de R$ 10.745.902,17, somente R$ 17.091,00 foram pagos por serviços prestados diretamente pela SMP&B, representando 0,01%.

A SMP&B, do núcleo Marcos Valério, participou do contrato apenas para interme-diar subcontratações, recebendo honorários de 5% por isso. Referida situação caracteriza grave lesão ao erário, além do crime de peculato.

Com efeito, João Paulo Cunha desviou R$ 536.440,5592 do contrato n.º 2003/204.0 em proveito do núcleo Marcos Valério da organização criminosa. Explica-se.

O núcleo Marcos Valério, por meio da empresa SMP&B, assinou o contrato n.º 2003/204.0 para não prestar qualquer serviço. Nessa linha, subcontratou 99,98% do objeto contratual.

Por conta disso, recebeu gratuitamente R$ 536.440,55, valor dos honorários fixados na avença.

Foi remunerado para nada fazer.João Paulo Cunha viabilizou o repasse indevido desse montante em razão da subcon-

tratação total do objeto, pois autorizava expressamente todas as subcontratações.O desvio favoreceu o núcleo Marcos Valério, tendo em vista que o recurso ingres-

sou em seu patrimônio. A razão para essa liberalidade com o dinheiro público é o serviço prestado para o núcleo central da organização criminosa. Alem disso, repita-se, passou a existir um íntimo vínculo entre Marcos Valério e João Paulo Cunha, com inúmeras trocas de favores.

Importante destacar que com a saída de João Paulo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados a partir de 15 de fevereiro de 2005, os valores da execução contratual com a empresa SMP&B despencaram vertiginosamente (...)

Ou seja, está bem claro o ato de ofício em tese praticado pelo acusado. A circunstância de João Paulo Cunha ocupar a Presidência da Câmara dos Depu-tados, aliada aos elementos constantes dos autos no sentido de que ele de fato teria recebido quantia proveniente da SMP&B, constituem indícios idôneos de materialidade e autoria do delito capitulado no art. 317 do Código Penal, aptos a ensejar o recebimento da inicial para posterior apuração dos fatos em instrução criminal.

é digno de nota que a publicação do edital da licitação ocorreu apenas nove dias após a realização do saque suspeito em favor de João Paulo Cunha. Ademais, há evidências de que o então presidente da Câmara dos Deputados manteve intenso contato telefônico e pessoal com o co-denunciado Marcos Valério, sócio da SMP&B, empresa vencedora da licitação (cf. anotações da agenda da ex-secretária do Sr. Marcos Valério, Fernanda Karina Somaggio, às fls. 1076-1077 e 1071-1082).

Passo à análise das objeções ao recebimento da inicial levantadas nas res-postas dos denunciados.

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Em sua resposta, João Paulo Cunha alega desconhecer a origem do dinheiro:

(...) não há qualquer elemento que indique que este valor tivesse sido oferecido ou rece-bido pelo denunciado de Marcos Valério (sic). Muito menos que tal dinheiro tivesse qualquer relação com a licitação realizada pela Câmara dos Deputados na Presidência do denunciado.(Fl. 10 do apenso 96.)

Ora, os indícios constantes dos autos, e já assinalados, tornam implausível essa assertiva. Por outro lado, a própria esposa do denunciado admite ter assinado, por ocasião do saque, documento em que constava expressamente que a origem do cheque emitido era a empresa SMP&B.

Nesse sentido, transcrevo trecho pertinente do depoimento prestado à Polícia Federal pela esposa de João Paulo Cunha, Sra. Regina Milanésio (fls. 978-979):

Que confirma ter realizado em 04 de setembro de 2003 um saque no valor de R$ 50 mil junto à Agência do Banco Rural em Brasília; Que confirma ser sua a assinatura constando do documento às fls. JFMG 726 no qual consta autorização para que a Sra. Márcia Regina Cunha receba a quantia de R$ 50 mil referente ao cheque SMP&B Propaganda Ltda.; Que realizou o saque junto à Agência do Banco Rural em Brasília a pedido de seu esposo, João Paulo Cunha; Que a depoente foi sozinha à Agência do Banco Rural e procedeu ao referido saque; Que após ter realizado o saque, o numerário foi entregue diretamente a seu esposo em sua residência; Que após terem sido veiculadas na mídia notícias acerca de saques nas agências do Banco Rural, a depoente perguntou a seu esposo qual o destino que havia sido dado ao dinheiro sacado, tendo o mesmo lhe informado que o dinheiro tinha sido utilizado para o pagamento de pesquisas de campanhas pré-eleitorais. (Grifei.)

Outras evidências indicam que as relações entre João Paulo Cunha e Marcos Valério não se restringiram a contatos profissionais esporádicos. Nesse ponto, tomo a liberdade de transcrever trecho do depoimento prestado à Polícia Federal por Silvana Paz Japiassú, secretária de João Paulo Cunha desde 1999, em que esta admitiu ter sido presenteada com uma viagem (fl. 6520):

Que recebeu de Marcos Valério, como presente de seu aniversário e de sua filha, duas passagens aéreas no trecho Brasília/Rio de Janeiro/Brasília e hospedagem em hotel que não se recorda; Que apesar de não manter qualquer relacionamento de amizade com Marcos Valério, foi surpreendida com este presente após ter comentado com o publicitário, em uma visita deste ao Congresso, que estava procurando uma opção de passeio para come-morar seu aniversário e de sua filha.

Pois bem, João Paulo Cunha era o presidente da Câmara dos Deputados. Na época dos fatos a SMP&B, empresa que, segundo os elementos constantes dos autos, pagou os R$ 50 mil à sua esposa, figurava entre as onze concorrentes habilitadas na licitação então em curso. Isso me basta para reconhecer a existência de indícios idôneos, aptos a justificar o recebimento da denúncia quanto às imputações constantes das alíneas “a.1” e “b.1” do seu item III.1, concernentes, respectivamente, ao suposto crime de corrupção ativa perpetrado por Marcos Valério e ao de corrupção passiva, supostamente cometido por João Paulo Cunha.

Para tornar mais clara a subsunção dos fatos aos respectivos tipos penais, peço licença para transcrever os dispositivos em exame:

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Corrupção passivaArt. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda

que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.(...)Corrupção ativaArt. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para

determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Em sua defesa Marcos Valério alega que o tipo penal da corrupção passiva exige que a acusação aponte um ato de ofício, cuja prática, omissão ou retarda-mento é buscado em troca da vantagem indevida oferecida ou prometida ao fun-cionário público. Da denúncia não constaria o ato de ofício determinado, razão pela qual, segundo se alega, esta seria inepta.

Esse mesmo argumento é trazido pelos demais co-denunciados (João Paulo Cunha – apenso 96; Ramon Hollerbach – apenso 111; Rogério Tolentino – apenso 107; e Cristiano Paz – apenso 112), que alegam em suas respectivas respostas a ausência de justa causa para propositura da ação penal, seja pela falta de indicação do ato de ofício em que se consubstanciou o suposto favorecimento à empresa SMP&B, seja por inexistência de substrato fático mínimo capaz de justificar a instauração de ação penal.

Entendo, ao contrário, que o Procurador-Geral da República logrou trazer aos autos indícios da realização de diversos atos suspeitos em benefício da SMP&B, tanto no procedimento licitatório quanto no decorrer da execução do contrato subseqüente.

O Procurador-Geral da República faz remissão expressa às conclusões constantes de relatório preliminar realizado por equipe de auditoria do Tribunal de Contas da União, em que se apontam indícios de irregularidade, tais como problemas com a definição do objeto do contrato e a excessiva subjetividade nos critérios de avaliação utilizados pela comissão especial de licitação.

Com efeito, no que concerne à ausência de projeto básico na licitação e aos problemas com a definição do objeto, consigna o relatório do Tribunal de Contas da União (fls. 759-760 do apenso 84):

19.3 Achado: Ausência de projeto básico(...)19.3.1.8 A caracterização imprecisa do objeto levou à realização de um contrato

do tipo “guarda-chuvas”, pelo qual a Câmara dos Deputados estaria habilitada a con-tratar sem licitação quaisquer serviços enquadráveis no objeto genérico então criado, contrariando o disposto no art. 55, inciso I, da Lei nº 8.666/93.

19.3.1.9 Ainda, a ausência de um estudo técnico preliminar, também elemento de um projeto básico, levou à celebração dos Contratos 2001/082.4 e 2003/204.0 com objetos múl-tiplos tais como: assessoria, divulgação, clipping e pesquisa de opinião, prática considerada irregular pelo TCU, conforme se constata da Decisão nº 650/97 – Plenário e no Acórdão nº 1805/03 – 1ª Câmara.

19.3.1.10 Tais serviços deveriam ser licitados separadamente, em consonância com o disposto no art. 23, § 1º da Lei nº 8.666/93. Quando da licitação, o julgamento seria com base no menor preço, resultando numa economia de no mínimo 5%, haja vista os honorários da contratada incidirem sobre os valores faturados pelas subcontratadas.

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Quanto à subjetividade nos critérios de avaliação, transcrevo do referido relatório:

9 A Câmara dos Deputados preferiu seguir o modelo adotado no Poder Executivo, que consistia na avaliação da melhor técnica. Os critérios de julgamento adotados foram os determinados pela IN/SECOM/PR nº 07/95 para os órgãos do Poder Executivo, quais sejam: capacidade de atendimento, repertório, relatos de soluções de problemas de comunicação e plano de comunicação, o qual se subdividia em raciocínio básico, estratégia de comunicação publicitária, idéia criativa e estratégia de mídia. Sua avaliação é subjetiva, abrindo possibi-lidades de direcionamento.

(...)12 Quando da fase de habilitação, vale registrar que a empresa SMP&B apresentou

atestado de capacidade técnica com texto idêntico ao objeto do edital, fornecido pelo Siste-ma Financeiro Rural, do Grupo Rural.(Fl. 32 – Vol. 1.)

Além disso, apontam-se indícios de irregularidades também na execução do Contrato 2003/210.0, celebrado com a SMP&B Comunicação Ltda. após o resul-tado favorável na Concorrência 11/03.

Conforme relatório de auditoria acostado à denúncia, João Paulo Cunha autorizou a subcontratação de nada menos que 99,98% do objeto do Contrato 2003/210.0, apesar de existirem vedações expressas a essa prática na Lei 8.666/93, no Regulamento dos Procedimentos Licitatórios da Câmara dos Depu-tados e no edital da Concorrência 11/03.

Do mesmo modo, entendo que o precedente firmado por esta Corte quando do julgamento da AP 307 em nada invalida o que é apresentado na denúncia ora em análise.

Transcrevo a seguir importante trecho do voto condutor do Ministro Ilmar Galvão, Relator da AP 307, quando do julgamento final da ação penal:

Assim, para configuração do crime do art. 317 do Código Penal, a atividade visada pelo suborno há de encontrar-se abrangida nas atribuições ou na competência do funcionário que a realizou ou se comprometeu a realizá-la, ou que, ao menos, se encontre numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo, assim acontecendo sempre que a realização do ato subornado caiba no âmbito dos poderes de fato inerentes ao exercício do cargo do agente.(Fl. 2203.)

Do trecho acima transcrito é possível verificar que, no caso da AP 307, esta Corte concluiu que o ato de ofício a ser praticado ou omitido, ato este que deveria estar dentro das atribuições do então Presidente da República, não havia sido demonstrado.

é o que consta do seguinte trecho do voto do eminente Ministro Celso de Mello, na referida ação penal:

Por tais razões, o eminente Ministro Revisor concluiu, com acerto, o seu voto, absolvendo, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, Fernando Affonso Collor de Mello e Paulo César Cavalcante Farias da imputação de corrupção passiva pertinente ao episódio Vasp/Petrobras, por simplesmente não constituir esse fato infração penal tipificada em lei, consideradas as razões anteriormente mencionadas pertinentes à ausência, no caso, de requisito típico essencial: a referência objetiva e concreta, na denúncia, a um específico ato funcional pertencente à esfera de competência do Presidente da República.

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Quanto ao episódio Mercedes-Benz/Curió, constatou-se que o Ministério Público em sua denúncia, ao deduzir a imputação penal pelo crime de corrupção passiva, nenhuma refe-rência fez a qualquer ato de ofício imputável à esfera de atribuições funcionais do Presidente da República.(Fls. 2676-2677.)

Ocorre que, no caso ora em análise, a denúncia é suficientemente clara ao demonstrar os atos de ofício, potenciais ou efetivos, inseridos na competência do denunciado João Paulo Cunha, na condição de Presidente da Câmara dos Deputados.

Tanto a autorização para a subcontratação do objeto dos contratos firmados com a SMP&B quanto a designação da comissão especial de licitação para acompanhar o mencionado processo licitatório são exemplos de atos de ofício efetivamente praticados pelo denunciado João Paulo Cunha na qualidade de Presi-dente da Câmara dos Deputados (v. documentos constantes do apenso 84). Cito, por exemplo, entre inúmeras outras, as seguintes autorizações assinadas pelo denunciado João Paulo Cunha, constantes do apenso 84:

Por esses motivos, autorizo a contratação dos serviços de consultoria da “Ucho Carvalho Comunicações e Propaganda”, com a finalidade de desenvolver a adequação da identidade visual da TV Câmara, ao custo de R$ 58.800,00 (cinqüenta e oito mil e oitocentos reais), já incluídos os honorários da agência SMP&B Comunicação Ltda., conforme contrato nº 2003.204.0, nos termos da instrução do processo. [Assinado pelo acusado em 6-4-04.]

Por esses motivos, e tendo em vista o resultado da consulta ao mercado realizada pela Agência SMP&B, Autorizo a contratação da empresa Ucho Carvalho Comunicações e Propa-ganda para a realização do projeto, no valor total de R$ 110.250,00 (cento e dez mil duzentos e cinqüenta reais), que já inclui a comissão de 5% da agência, conforme contrato nº 2003.204.0, firmado com a SMP&B. [Assinado pelo acusado em março de 2004.]

Por esses motivos, autorizo a contratação da empresa Vox Populi Pesquisa e Projetos para a realização do projeto, no valor total de R$ 409.500,00 (quatrocentos e nove mil e quinhentos reais), que já inclui a comissão de 5% da Agência SMP&B, conforme contrato nº 2003/204.0. [Assinado pelo acusado em 29 de junho de 2004.]

Daí a necessidade de ser acolhida, em mero juízo de delibação, a imputação feita pelo Procurador-Geral da República, pois há elementos nos autos que apontam para a prática, potencial ou efetiva, de ato de ofício pelo denunciado João Paulo Cunha, atendendo, aparentemente, à exigência do tipo penal do art. 333.

Ademais, tais indícios são suficientes para conduzir ao desvendamento de outros prováveis atos de ofício que o denunciado João Paulo Cunha possa ter praticado ou deixado de praticar, como contraprestação à suposta vanta-gem indevida recebida.

Note-se que os tipos penais da corrupção ativa e passiva não exigem para sua configuração a descrição pormenorizada do momento exato em que ocorreu o recebimento da suposta vantagem indevida, tampouco impõem a descrição minu-ciosa, cabal e antecipada de cada um dos “atos de ofício” praticados pelo funcionário público corrompido.

Nesse sentido, cito voto que proferi no HC 84.224 (Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 27-2-07), em que a Segunda Turma negou habeas corpus que pedia o trancamento de ação penal:

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Da leitura que fiz acima, entendo não haver inépcia flagrante, que revele uma denúncia teratológica, como pretende indicar o Impetrante. é certo que a peça acusatória não prima pela boa técnica, já que promove a transcrição de longos e enfadonhos trechos de diálogos cifrados, bem como faz emergir notícias relativas a inúmeros fatos sem pertinência, como os que são imputados ao Paciente – que é a prática do delito de corrupção passiva. Entretanto, os termos da acusação são plenamente cognoscíveis, com aparente respaldo em documentos legitimamente apreendidos e em gravações telefônicas legalmente autorizadas, apontando o possível recebimento de vantagens indevidas (dinheiro, carro), em razão do cargo ocupado pelo Paciente – Subprocurador-Geral da República, atuante na área criminal junto ao Superior Tribunal de Justiça.

Ora, como entendeu a egrégia Segunda Turma desta Corte no precedente citado, é perfeitamente razoável entender-se que o recebimento de uma quantia suspeita por parte de um funcionário público, quantia esta prove-niente de uma empresa concorrente em licitação em curso perante o órgão público em que esse mesmo agente público figura como autoridade máxima, tenha ocorrido em razão do cargo que ele detém, com vistas a influenciar o comportamento do funcionário em questão.

Outra objeção, argüida tanto por João Paulo quanto por Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, é a de que a denúncia não identificou quais-quer condutas particulares por eles perpetradas, limitando-se a incluí-los de forma genérica e impessoal no “grupo de Marcos Valério”.

Quanto ao denunciados Ramon Hollerbach e Cristiano de Melo Paz, estes figuram na denúncia como as pessoas que, juntamente com Marcos Valério, contro-lavam a SMP&B Comunicação Ltda., dirigindo as ações da referida pessoa jurí-dica e, supostamente, contribuindo para os crimes de autoria coletiva constantes do subitem “b.1” do item III.I da denúncia.

é certo que, nos crimes de autoria coletiva, nem sempre é possível indi-vidualizar, com detalhes, a contribuição de cada co-autor para o crime, especialmente quando se trata de delito praticado por intermédio de pessoa jurídica, cujos atos são dirigidos e controlados pelas pessoas físicas responsáveis pela sua administração.

A jurisprudência desta Corte, nos crimes de autoria coletiva, tem admitido que seja recebida a denúncia, sem que a narrativa constante da peça acusa-tória contenha a descrição pormenorizada da conduta individual de cada partícipe, sob pena de inviabilizar a persecução penal e estimular a utilização de pessoas jurídicas para a prática de atividades criminosas. é nesse sentido a juris-prudência desta Corte (HC 86.294, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 3-2-06; HC 80.812, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 5-3-04; HC 83.369, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma DJ de 21-10-03).

Assim, a prova mínima da suposta autoria dos crimes do art. 333 do Código Penal imputada aos denunciados Ramon Hollerbach e Cristiano de Melo Paz no subitem “b.1” do item III da denúncia deve ser aferida mediante a análise de dois aspectos.

Primeiro, deve ser analisado se os denunciados acima mencionados possu-íam poder de gestão junto à sociedade empresária SMP&B Comunicação Ltda.

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Numa segunda fase, deve ser perquirido se a sociedade SMP&B atuou de forma a contribuir para a consumação dos crimes de corrupção ativa narrados no capítulo da denúncia ora em análise (item III e seus subitens).

A resposta aos dois questionamentos acima é positiva, devendo ser recha-çada a alegação de que estaria sendo atribuída responsabilidade objetiva aos denunciados Ramon Hollerbach e Cristiano de Melo Paz.

Com efeito, há, nos autos, elementos concretos no sentido de que eles participavam efetivamente da gestão da SMP&B Comunicação Ltda., empresa esta que, segundo consta de denúncia, exercia grande parte das suas atividades utilizando-se de meios ilegais para obter facilidades junto ao governo federal.

O seguinte trecho da denúncia descreve a atuação dos referidos denunciados (fl. 5643):

Inicialmente, destaque-se que Marcos Valério montou uma intricada rede societária com o objetivo de tornar viável suas praticas criminosas.

Nesse diapasão, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, como sócios de Marcos Valério nas empresas SMP&B Comunicação Ltda., Graffiti Participação Ltda. e DNA Propaganda, tiveram participação ativa nos crimes perpetrados.

Sobre esse ponto, é importante transcrever o seguinte trecho do elucidativo depoimento prestado por Marco Aurélio Prata, contador da empresa SMP&B Comunicação Ltda.:

(...) Respondeu: Que é o responsável pela contabilidade das empresas DNA Propagan-da Ltda., SMP&B Comunicação Ltda., Grafiti Participações, Multiaction, MG5 Participa-ções, Estratégia, 2S Participações, Solimões (antiga SMP&B Publicidade) e outras de cuja denominação não se recorda; (...) Que conheceu Marcos Valério através dos demais sócios da SMP&B Publicidade; (...) Que tais filiais foram abertas por questões de incentivos fiscais, uma vez que a alíquota do ISS cobrada em tal município partiu dos diretores das empresas; Que todos os três sócios, a saber, Cristiano, Ramon e Marcos Valério, participavam das decisões administrativas da SMP&B Comunicação e DNA Propaganda;

Em suas declarações, prestadas perante a Polícia Federal, o denunciado Cristiano de Melo Paz faz a seguinte afirmação (fls. 2253-2256):

(...) Que exercia função executiva apenas na SMP&B, sendo o presidente da empresa, onde cuidava das áreas de criação, planejamento e relacionamento com os clientes; Que inqui-rido a respeito dos empréstimos bancários realizados pelas empresas vinculadas a Marcos Valério, declara não ter participado diretamente das negociações; Que Marcos Valério era o responsável pela negociação dos empréstimos com os bancos, pois era quem gerenciava toda parte financeira das empresas; (...)

Por outro lado, há fortes indícios da atuação do denunciado Cristiano de Melo Paz na área das finanças da SMP&B Comunicação Ltda., conforme o seguinte trecho do depoimento do denunciado Romeu Queiroz (fls. 2125-2130):

Que em agosto de 2004 recebeu um contato telefônico do Sr. Cristiano Paz, sócio de Marcos Valério na SMP&B Publicidade; Que Cristiano Paz era o presidente da empresa; Que neste contato Cristiano Paz disse ao declarante que a empresa Usiminas tinha dispo-nibilizado R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) de doação para diversas campanhas eleitorais municipais, de interesse do PTB; Que esses recursos foram destinados para diversos coordenadores de campanhas políticas em vinte municípios do Estado de Minas Gerais; Que

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esses recursos não foram contabilizados pelo PTB, já que foram transferidos diretamente da SMP&B para os candidatos dos diversos municípios de Minas Gerais; (...) Que indicou a pessoa de Pauilo Leite Nunes para receber os valores mencionados acima no Banco Rural ao Sr. Cristiano Paz, Que não se lembra da data exata, mas pode afirmar que a indicação desse indivíduo ocorreu no mesmo dia que recebeu a ligação do Sr. Cristiano dizendo que o dinheiro estava disponível no Banco Rural; (...)

Some-se a isso o fato de que, no item II da denúncia, o Procurador-Geral da República argumentou de modo convincente e plausível no sentido de que os denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino – bem como Simone Vasconcelos e Geiza Dias – faziam parte do núcleo financeiro-publicitário da quadrilha, responsável, entre outras coisas, pela transferência periódica de vultosas quantias para as pessoas indicadas pelo núcleo central da mesma.

Assim, para evitar repetições desnecessárias, trago, como reforço de argu-mento, as considerações que serão feitas quando da análise dos itens IV, VI, VII e II da denúncia, ocasião em que examinarei mais detidamente os argumentos do Procurador-Geral da República de que os co-denunciados Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz operavam com unidade de desígnios e mediante divisão de tarefas, com vistas ao cometimento de crimes contra o sistema financeiro nacional e a administração pública.

João Paulo Cunha afirma em sua resposta que a suposta vantagem indevida por ele recebida destinava-se, na verdade, ao pagamento de dívidas de cam-panha eleitoral, tendo sido disponibilizada pelo tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares.

Quanto a essa objeção, observo que existem evidências robustas nos autos a indicar que o saque de altas quantias em dinheiro, naquela agência específica do Banco Rural, constituía o passo final de um suposto esquema de lavagem de dinheiro montado por Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino em conluio com a cúpula do Banco Rural S.A. (ver análise do item II da denúncia, supra. Ver também o Relatório de Análise 191/06, p. 388-397 do apenso 81).

Além disso, sendo a corrupção passiva um crime formal, ou de consumação antecipada, é indiferente para a tipificação da conduta a destinação que o agente confira ou pretenda conferir ao valor ilícito auferido, que constitui, assim, mera fase de exaurimento do delito.

Ressalto também que, embora as irregularidades verificadas tanto no proce-dimento licitatório quanto no contrato deste decorrente estejam ainda em processo de investigação, basta, nesta fase preliminar, que a acusação contenha narrativa clara e que os elementos probatórios trazidos aos autos confiram respaldo mínimo às imputações constantes da mesma.

Pois bem. Sobre esse tópico da denúncia, extrai-se dos autos o seguinte: João Paulo Cunha teria recebido, em razão da condição de presidente da Câmara dos Deputados, vantagem indevida oferecida por Marcos Valério em nome dos também denunciados Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino.

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A vantagem ilícita cifrou-se em cinqüenta mil reais sacados pela sua esposa em agência do Banco Rural, utilizada inúmeras vezes como palco para semelhantes operações suspeitas, e teria como contrapartida o favorecimento da então licitante SMP&B Comunicação Ltda. no certame realizado na Câmara dos Deputados com vistas à contratação de agência de publicidade.

Assim, presentes os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, e ausentes pressupostos negativos do art. 43 do mesmo diploma, recebo a denúncia quanto ao crime de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) imputado ao denunciado João Paulo Cunha e quanto ao crime de corrupção ativa correspondente imputado aos denunciados Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz.

Contudo, em relação ao denunciado Rogério Tolentino, no que tange à imputação de corrupção ativa constante do item III.I, subitem “b.1”, entendo que a denúncia não preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

De fato, em relação a esse acusado, a denúncia limita-se a dizer o seguinte:

Em uma dessas reuniões, Marcos Valério, em nome de Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, ofereceu vantagem indevida (50 mil reais) a João Paulo Cunha, tendo em vista sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados, com a finalidade de receber tratamento privilegiado no procedimento licitatório em curso naquela Casa Legislativa para contratação de agência de publicidade.(Fls. 5660-5661.)

é certo que, como já afirmei acima, nos crimes de autoria coletiva o aten-dimento aos requisitos do art. 41 do Código Penal deve ser observado de modo a evitar que seja inviabilizada a persecução penal.

Por outro lado, é imprescindível que a denúncia informe como o denunciado teria supostamente contribuído para a consecução do delito que lhe é imputado, o que não foi obedecido, com relação ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, no item III.I, subitem “b.1”, da denúncia.

Fica claro, pelo teor da denúncia, que os denunciados Ramon Hollerbach e Cristiano Paz teriam contribuído, na qualidade de gestores da SMP&B, com a suposta consumação do delito de corrupção ativa a eles imputado no item III.I, subitem “b.1”, da denúncia.

Isso não se dá, porém, no que toca ao denunciado Rogério Lanza Tolentino. Apesar de Rogério Tolentino ser citado pelo denunciado Marcos Valério como seu “sócio”, a denúncia não apresenta a descrição fática mínima para que se pos-sa distinguir como ele teria contribuído para a suposta consumação do delito de corrupção ativa constante do subitem “b.1” do item III da denúncia.

Não se viabiliza, pois, ao denunciado o pleno exercício do direito de defesa.

Pelas razões acima expostas, não recebo a denúncia, com relação ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, especificamente no que concerne à imputação constante do subitem “b.1” do item III.1 da denúncia (pagamento de cinqüenta mil reais).

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Passo a examinar o seguinte tópico da denúncia:

Subitem III.1 da denúncia (fl. 5667) – 2ª imputação: crime de lavagem de dinheiro.

Denúncia:

a) João Paulo Cunha, em concurso material, está incursos nas penas do:(...)a.2) artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/1998 (utilização da Sra. Márcia

Regina para receber cinqüenta mil reais)(Fl. 5667.)

A segunda situação descrita no subitem III.1 da denúncia diz respeito à suposta participação de João Paulo Cunha em crime de lavagem de dinheiro para ocultar o recebimento da vantagem indevida referente ao hipotético crime de corrupção passiva analisado na situação anterior.

Transcrevo o trecho da denúncia pertinente a esta imputação:

(...) consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, o João Paulo Cunha [sic], almejando ocultar a origem, natureza e real destinatário do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinqüenta mil reais em espécie.

A retirada do montante de cinqüenta mil reais em espécie foi realizada no dia 4 de setembro de 2003 no Banco Rural em Brasília, com o emprego de estratagema fraudulento montado pelos denunciados dos núcleos publicitário e financeiro. (Fls. 5661-5662 – Grifei.)

Assim agindo, João Paulo Cunha teria cometido o delito de lavagem de dinheiro previsto no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98, cujo teor é o seguinte:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

(...)V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta

ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

VI - contra o sistema financeiro nacional;VII - praticado por organização criminosa.(...)Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

O suposto esquema de lavagem de dinheiro encontra-se pormenorizada-mente descrito no item IV da denúncia. Conforme a descrição do Procurador-Geral da República, o esquema teria sido montado pela cúpula do Banco Rural em conluio com a diretoria da SMP&B Propaganda Ltda., com o intuito de ocultar a verdadeira identidade dos beneficiários de valores suspeitos provenientes de contas bancárias desta agência de publicidade.

Constam dos autos indícios de que o Banco Rural informou ao Banco Central que os valores dos saques suspeitos destinavam-se ao pagamento de

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fornecedores da SMP&B Comunicação Ltda. (cf. Relatório de Análise 191/06, p. 388-397 do apenso 81).

Transcrevo trecho do RA 191/06 em que são descritos os passos finais do modus operandi supostamente seguido nas referidas operações de lavagem de dinheiro:

Analisando a documentação física encaminhada pelo Banco Rural, anexa a este Rela-tório, constatamos que o modus operandi foi o seguinte:

(...)4º Fac-símile, enviado pela agência do Banco Rural de Belo Horizonte à agência do

Banco Rural de Brasília, autorizando o pagamento àquelas pessoas indicadas pela funcionária da SMP&B no e-mail;

5º Saque na “boca do caixa” efetuado pela pessoa autorizada, contra recibo, muitas vezes mediante uma rubrica em papel improvisado, e em outras situações, mediante o registro da pessoa que efetuou o saque no documento emitido pelo Banco Rural, denominado “Auto-mação de Retaguarda – Contabilidade”.

6º O Banco Rural, embora tivesse conhecimento dos verdadeiros sacadores/bene-ficiários dos recursos sacados na “boca do caixa”, registrou no Sistema do Banco Central (Sisbacen = opção PCAF 500, que registra operações e situações com indícios de crime de lavagem de dinheiro) que os saques foram efetuados pela SMP&B Comunicação Ltda e que se destinavam a pagamento de fornecedores.(P. 389 do apenso 81.)

Examinando os autos, verifico que deles constam documentos que demons-tram que o saque efetuado pela esposa do Sr. João Paulo Cunha seguiu as etapas finais do modus operandi do suposto esquema de lavagem de dinheiro, exatamente como descrito pelo Procurador-Geral da República.

Neles pode-se localizar a cópia do fac-símile remetido da agência “Assem-bléia” do Banco Rural (Belo Horizonte) para sua sucursal “Brasília”, autorizando à Sra. Márcia Regina Milanésio Cunha receber quantia no valor de cinqüenta mil reais, referentes ao “cheque SMP&B Propaganda Ltda. que se encontra em nosso poder.” (Fl. 726 do apenso 7.)

Menciono, também, cópia do documento de “automação de retaguarda – contabilidade” com a identificação da sacadora Márcia Regina, acompanhada de cópia de sua carteira de identidade (p. 243/246 do apenso 84).

Por outro lado, existem evidências de que, em casos semelhantes (ver item IV da denúncia), o Banco Rural escondeu a identidade dos verdadeiros beneficiários, informando falsamente ao Banco Central que os valores movimentados destina-vam-se ao pagamento de fornecedores da SMP&B.

Nessas condições, considero presente o conjunto probatório mínimo neces-sário à instauração de ação penal contra João Paulo Cunha quanto à imputação da conduta tipificada no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98.

Do exposto, recebo a denúncia quanto ao crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (utilização da Sra. Márcia Regina para receber R$ 50 mil) imputado ao denunciado João Paulo Cunha, no subitem “a.2” do item III.1 da denúncia.

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Subitem III.1 da denúncia – 3ª imputação: peculato.

Denúncia:

a) João Paulo Cunha, em concurso material, está incurso nas penas do: (...)a.3) 02 (duas) vezes no artigo 312 do Código Penal (desvio de R$ 252.000,00 em

proveito próprio e R$ 536.440,55 em proveito alheio);(Fl. 5667.)

b) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, em con-curso material, estão incursos nas penas do: (...)

b.2) art. 312 do Código Penal Pátrio (desvio de R$ 536.440,55).

(Fl. 5668.)

Finalmente, na terceira situação descrita, o Procurador-Geral da República narra condutas que supostamente configurariam crimes de peculato, consistentes em desvios de verbas públicas originalmente destinadas à execução do Contrato 2003/204.

A primeira imputação é dirigida somente a João Paulo Cunha e se refere ao suposto desvio de verbas públicas ocorrido por meio da contratação da empresa denominada Idéias, Fatos e Textos Ltda. – pertencente ao Sr. Luis Costa Pinto e sua esposa –, sob o falso pretexto de prestação de serviços de consultoria em comunica-ção, serviços esses que, segundo se alega, nunca teriam sido prestados.

Segundo a denúncia, João Paulo Cunha teria se valido do poder de autorizar subcontratações no âmbito do Contrato 2003/204.0 para desviar verbas públicas em proveito próprio, de forma a remunerar a assessoria pessoal prestada por Luis Costa Pinto (p. 856 do apenso 84).

Por meio da subcontratação em exame, a IFT se comprometeu a produzir, entre outras coisas (fl. 5663):

boletins mensais com o resumo das ações propostas, a explicação dos trabalhos desen-volvidos por ela e a avaliação da opinião da mídia em relação à Câmara dos Deputados a ser produzida a partir de conversas reservadas em insights junto aos formadores de opinião dos maiores meios de Comunicação credenciados junto à Câmara.

Segundo a denúncia, os serviços mencionados jamais foram prestados, nem foram apresentados os boletins mensais prometidos, configurando esse fato o crime de peculato previsto no art. 312, caput, do Código Penal.

Transcrevo trecho pertinente da inicial (fls. 5664-5665):

Na verdade, a subcontratação foi uma armação para que o Luis Costa Pinto fosse bem remunerado (vinte mil reais por mês) para prestar assessoria direta a João Paulo Cunha.

Contratado pela empresa SMP&B sob o manto formal do serviço apresentado em sua proposta, Luis Costa Pinto prestava assessoria direta a João Paulo Cunha. A empresa IFT, cujos sócios são Luis Costa Pinto e sua esposa tem como endereço registrado na Receita Federal exatamente a residência dos proprietários, indicando que se trata de uma empresa de fachada.

O desvio perpetrado por João Paulo Cunha, no período compreendido entre fevereiro de 2004 até dezembro de 2004, alcançou o montante de R$ 252.000,00 (duzentos e cinqüenta e dois mil reais), valor pago ao Sr. Luis Costa Pinto.

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Compulsando os autos, verifico que há indícios convincentes de que pelo menos parte do objeto da subcontratação foi indevidamente cumprido. Nesse sentido, consta dos autos ofício da Câmara dos Deputados (Ofício/Gab/Secom/CD 182, de 4-8-5), assinado pela diretoria da Secom/CD, no qual se afirma que nenhum dos servidores do órgão se lembra da existência dos boletins prometidos. Tampouco os arquivos do órgão registram a presença de tais boletins. (Fl. 710 do apenso 84.)

Essa circunstância é suficiente para gerar, pelo menos em tese, a responsa-bilidade do ex-Presidente da Câmara dos Deputados pelos possíveis prejuízos causados ao erário.

Ressalto ademais, que os indícios constantes dos autos sinalizam que, na prática, a atuação da empresa subcontratada IFT – vale dizer, a atuação do Sr. Luiz Costa Pinto – resumiu-se ao assessoramento pessoal de João Paulo Cunha.

Entre as evidências que corroboram essa assertiva encontram-se aquelas que indicam ter Luiz Costa Pinto atendido a diversas reuniões com membros das empresas DNA e SMP&B, algumas vezes acompanhando o Sr. João Paulo Cunha, outras vezes representando-o junto aos co-denunciados Marcos Valério, Rogério Tolentino e Sílvio Pereira.

Assim, a anotação contida na agenda pessoal da ex-secretária de Marcos Valério (fls. 1071-1082) referente ao dia 17-9-03 (fl. 1077) indica que Luis Costa Pinto (codinome Lula) reuniu-se com Marcos Valério e Rogério Tolentino na empresa DNA. No mesmo sentido, a anotação do dia 20-10-03 (fls. 1078-1079) menciona reunião com Marcos Valério, Rogério Tolentino, João Paulo Cunha e Sílvio Pereira (ex-Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores e co-denunciado neste inquérito).

O Sr. João Paulo Cunha argúi em sua resposta (apenso 96) três pontos principais: (i) a acusação não encontra respaldo no material probatório constante dos autos; (ii) o denunciado não poderia interceder em favor da IFT, pois não detinha a posse dos recursos supostamente desviados, tendo sido o contrato ce-lebrado exclusivamente com a agência de publicidade SMP&B; (iii) a empresa subcontratada efetivamente prestou os serviços acordados, conforme atestam notas fiscais referentes a eles.

Em primeiro lugar, verifico que não conduz à rejeição da denúncia o argumento de que o denunciado não poderia influenciar na subcontratação da IFT. Com efeito, o denunciado tinha poder para autorizar ou não a subcon-tratação, tendo a proposta da subcontratação em exame – assim como todas as demais sobre as quais pesam suspeitas de irregularidade – sido submetida diretamente ao Sr. João Paulo Cunha, por meio de ofício expedido por órgão da própria Câmara dos Deputados. Transcrevo o ato de autorização assinado pelo denunciado em 30 de janeiro de 2004, constante do anexo à denúncia (apenso 84, documento 44):

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Isto posto, e tendo em vista ter sido esta a melhor das três propostas apresentadas, Autorizo a contratação da empresa IFT Consultoria em Comunicação & Estratégia para a prestação de serviço de consultoria em comunicação, pelo período de 6 (seis) meses, no valor total de R$ 126.000,00 (cento e vinte e seis mil reais), devendo o pagamento ser feito pela empresa SMP&B Comunicação Ltda., nos termos do contrato nº 2003/204.0.

Há, no mesmo volume dos autos, outra autorização subscrita pelo acusado para a subcontratação da empresa IFT, pertencente ao seu assessor, também pelo valor de R$ 126 mil, datada de 30 de junho de 2004, cinco meses depois da acima transcrita.

Assim, não procede a alegação de que faltaria tipicidade à conduta, por não dispor o denunciado da posse dos recursos supostamente desviados. Na verdade, a “posse em razão do cargo” a que faz referência o tipo penal do art. 312 do Código Penal se satisfaz com o mero poder atribuído ao superior hierárquico de dispor indiretamente dos bens, mediante ordens ou requisições. Nesse sentido, colho a seguinte preleção doutrinária:

Quanto à conceituação de posse, precisa é a lição de Fragoso: “A posse aqui deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo não só o poder material de disposição sobre a coisa, como também a chamada disponibilidade jurídica, isto é, a possibilidade de livre disposição que ao agente faculta (legalmente) o cargo que desempenha. (...) Tem, assim, a posse, o funcionário a quem incumbe receber, guardar ou conferir a coisa, como também seu chefe e superior hierárquico, que dela pode dispor mediante ordens ou requisições.”(Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2006. vol. 3, p. 283.)

O denunciado, na condição de presidente da Câmara, era o responsável pela autorização de todas as subcontratações referentes ao Contrato 2003/204.0, e conseqüentemente detinha a posse dos recursos repassados à IFT. Assim, não se sustenta a afirmação de que o Sr. João Paulo Cunha não poderia ter tido qual-quer responsabilidade sobre o hipotético desvio de verba pública.

Em segundo lugar, o acervo probatório existente nos autos é mais do que suficiente ao recebimento da denúncia quanto a esse tópico, tendo em vista espe-cialmente a afirmação categórica partida da diretoria de comunicação da Câmara dos Deputados (Secom/CD), no sentido de que os serviços contratados não foram prestados.

Por todo o exposto, recebo a denúncia quanto aos crimes de peculato imputados a João Paulo Cunha na primeira parte do subitem “a.3” do item III.1 da denúncia (desvio de R$ 252 mil em proveito próprio).

O segundo desvio envolve João Paulo Cunha em concurso com Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino e teria ocorrido por meio da cobrança de honorários para subcontratação de empresas no âmbito do Contrato 2003/204.0.

Consta da denúncia (fls. 5666-5667):

A empresa SMP&B, com o aval de João Paulo Cunha, subcontratou 99,9% do objeto licitado. De uma soma total de R$ 10.745.902,17, somente R$ 17.091,00 foram pagos por serviços prestados diretamente pela SMP&B, representado 0,01%.

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A SMP&B, do núcleo Marcos Valério, participou do contrato apenas para interme-diar subcontratações, recebendo honorários de 5% por isso. Referida situação caracteriza grave lesão ao erário, além do crime de peculato.

Com efeito, João Paulo Cunha desviou R$ 536.440,55 do contrato nº 2003/204.0 em proveito do núcleo Marcos Valério da organização criminosa. Explica-se.

O núcleo Marcos Valério, por meio da empresa SMP&B, assinou o contrato nº 2003/204.0 para não prestar qualquer serviço. Nessa linha, subcontratou 99,9% do objeto contratual.

Por conta disso, recebeu gratuitamente R$ 536.440,55, valor dos honorários fixa-dos na avença.

Foi remunerado para nada fazer.João Paulo Cunha viabilizou o repasse indevido desse montante em razão da

subcontratação total do objeto, pois autorizava expressamente todas as subcontratações.O desvio favoreceu o núcleo Marcos Valério, tendo em vista que o recurso ingressou

em seu patrimônio. A razão para essa liberalidade com o dinheiro público é o serviço prestado para o núcleo central da organização criminosa. Além disso, repita-se, passou a existir um íntimo vínculo entre Marcos Valério e João Paulo Cunha, com inúmeras trocas de favores. (Grifei.)

A subcontratação total do objeto do contrato era expressamente proibida não apenas pelo edital de Concorrência 11/03 como também pelos arts. 723 e 78, VI4, da Lei 8.666/93.

Com efeito, o item 9.7 do edital citado prescrevia:

9.7. A Contratada poderá subcontratar outras empresas, para execução parcial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a preponderância da atuação da contratada na execução do objeto como um todo e haja anuência prévia, por escrito, da contratante, após avaliada a legalidade, adequação e conveniência de permitir-se a subcontratação, ressalvando-se que a subcontratação não transfere responsabilidades a terceiros nem exonera a contratada das obrigações assumidas, nem implica qualquer acréscimo de custos para a contratante.(Grifei.)

Ora, a equipe técnica do Tribunal de Contas da União que auditou o contrato em questão não apenas constatou a subcontratação quase total do objeto do Contrato 2003/204.0 (o que era expressamente vedado) como também a subcon-tratação de empresas para realização de serviços alheios ao objeto contratado:

(...) a subcontratação de empresas para realização de serviços alheios ao objeto licitado, ou além dos limites permitidos no Edital de Licitação e/ou contrato configura contratação direta, sem que a hipótese esteja contemplada dentre aquelas previstas para a espécie nos dispositivos do Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos (...).(Fl. 144 do apenso 84.)

Conforme o mencionado relatório de auditoria, os serviços prestados direta-mente pela SMP&B somaram o valor irrisório de R$ 17.091,00, de um total de R$ 10.745.902,17 recebidos da Câmara dos Deputados para a execução do contrato.

3 “Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.”4 “Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: (...) VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;”

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Tal circunstância constitui indício robusto de que o papel da SMP&B pode de fato ter-se resumido à mera intermediação de serviços em troca de percentagem cobrada das empresas subcontratadas, que, na prática, executaram a totalidade do objeto do Contrato 2003/204.0.

Nesse contexto, não é desprovida de substrato fático a imputação do Minis-tério Público Federal segundo a qual o então presidente da Câmara dos Deputados, em concurso com os co-denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, concorreram para desviar à SMP&B parte do dinheiro público destinado ao Contrato 2003/204.0.

De fato, os indícios apontam no sentido de que essa empresa pode ter rece-bido tais recursos sem que houvesse contrapartida concreta sob a forma de serviços prestados.

Essa conduta caracteriza, pelo menos em tese, o crime de peculato tal como definido no Código Penal:

PeculatoArt. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem

móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do

dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Recebo, pois, a denúncia com relação às imputações dirigidas ao denun-ciado João Paulo Cunha e aos co-denunciados Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, relativas aos subitens “a.3”, segunda parte, e “b.2” do item III.1 da denúncia (desvio de R$ 536.440,55).

Não recebo a denúncia em relação ao acusado Rogério Lanza Tolentino, por ausência de descrição de sua conduta no mesmo tópico.

Subitens III.2 (Contratos 99/1131 e 01/03 – DNA Propaganda Ltda. e Banco do Brasil – Processo TC 019.032/2005-0) e III.3 (transferências de recursos do Banco do Brasil para a empresa DNA Propaganda Ltda. por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento – Visanet)

Nos subitens III.2 e III.3, o Procurador-Geral da República narrou as supostas ilegalidades referentes, de um lado, aos contratos de publicidade celebrados entre o Banco do Brasil e a DNA Propaganda Ltda., e de outro, à transferência de recursos do fundo Visanet a empresa de publicidade do denunciado Marcos Valério.

Subitem III.2Transcrevo as imputações feitas no subitem III.2 da inicial (fl. 5672):

Assim procedendo de modo livre e consciente, na forma do art. 29 do Código Penal:a) Henrique Pizzolato está incurso nas penas do artigo 312 do Código Penal (desvio

de R$ 2.923.686,15 em proveito alheio); eb) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino estão incur-

sos nas penas do artigo 312 do Código Penal (desvio de R$ 2.923.686,15).

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Narra a denúncia que Henrique Pizzolato, então Diretor de Marketing do Banco do Brasil, incorreu nas penas do art. 312, caput, do Código Penal (peculato), ao supostamente permitir o desvio de vultosos valores para a agência de publici-dade DNA Propaganda Ltda.

O Procurador-Geral da República acusa, além disso, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino de concorrerem, na qualidade de “responsáveis pelas empresas do núcleo Marcos Valério” (fl. 5671), para o cometimento do crime em questão.

Narra a inicial que a agência DNA Propaganda Ltda. foi uma das três empresas vencedoras de licitação (Concorrência 01/03) realizada com vista à contratação de agências para prestação de serviços de publicidade ao conglomerado Banco do Brasil.

Os supostos desvios dos recursos do contrato de publicidade subseqüente à lici-tação ocorreram da seguinte forma: (i) o Banco do Brasil repassava à DNA o preço total dos serviços necessários à consecução do contrato, incluindo os valores destinados às bonificações e descontos especiais; (ii) a agência de publicidade descontava um percentual desse valor e utilizava o restante para pagar fornecedores subcontratados pela própria agência DNA, a qual, (iii) com a conivência de Henrique Pizzolato, não devolvia o valor dos descontos especiais e bonificações (“bônus ou bonificação de volume – BV”) recebidos das empresas intermediadas ao Banco do Brasil.

Narra o Ministério Público que o desvio ocorreu precisamente mediante a cobrança dos chamados BVs, os quais eram pagos diretamente à DNA Propaganda Ltda. pelas empresas subcontratadas. A agência de publicidade se apropriava, então, dessas quantias, embora o contrato firmado com o Banco do Brasil pre-visse expressamente a devolução integral ou abatimento dos bônus de volume da fatura emitida pela empresa subcontratada.

Transcrevo o item 2.7.4.6 do contrato celebrado entre a DNA Propaganda Ltda. e o Banco do Brasil, segundo o qual constitui dever da agência publicidade:

Envidar esforços para obter as melhores condições nas negociações junto a terceiros e transferir, integralmente, ao banco os descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas), bonificações, reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras vantagens.(Grifei.)

O Procurador-Geral da República, baseando-se em relatório de equipe técnica do Tribunal de Contas da União, estima que o desvio atingiu o montante mínimo de R$ 2.923.686,15, quantia esta referente a pagamentos efetuados durante a gestão de Henrique Pizzolato na Diretoria de Marketing do Banco do Brasil (31-3-03 a 14-6-05).

Transcrevo trecho da denúncia pertinente aos fatos ora em exame (fls. 5670-5671):

O desvio desses recursos efetivou-se porque os dirigentes do Banco do Brasil respon-sáveis pelo acompanhamento e fiscalização do contrato, em conluio com o grupo de Marcos Valério, permitiram que a agência de publicidade cobrasse do fornecedor subcontratado a

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comissão denominada “bônus de volume” que, no caso de ambos os contratos firmados com o Banco do Brasil, deveria ser integralmente devolvida ou mesmo descontada da fatura emitida pelo fornecedor contra o banco.

(...)No que concerne ao Banco do Brasil, o desvio desses recursos foi efetuado pelo Diretor

de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, responsável direto pelo acompanha-mento e execução do contrato e pleno conhecedor das cláusulas contratuais que obrigavam a transferência da comissão “bônus de volume” ao banco contratante.

Do lado beneficiado, constam Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, responsáveis pelas empresas do núcleo Marcos Valério.

Henrique Pizzolato desviou os valores em prol do grupo liderado por Marcos Valério, pois tinha pleno conhecimento que citada quadrilha aplicava os valores correspondentes a comissão BV em benefício do núcleo central da organização delitiva, caracterizando um dos mecanismos para alimentar o esquema criminoso ora denunciado.

Por esse motivo, de forma deliberada e consciente, deixou de desempenhar as suas atribuições funcionais, consistente em impedir o desvio desses vultosos valores.

O relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (PT 019.032/2005-0) assinala que os gestores do Banco do Brasil responsáveis pela fiscalização dos contratos não tomaram providências no sentido de se fazer cumprir a cláusula contratual que obrigava as agências de publicidade a devolver as bonificações de volume – BV obtidas de fornecedores subcontratados.

Tal negligência ensejou a conversão da auditoria do TCU em tomada de contas especial, para responsabilização tanto dos representantes das agências contratadas quanto dos funcionários do Banco do Brasil envolvidos – entre eles Henrique Pizzolato –, cujas condutas omissivas supostamente contribuíram para o descumprimento do dever legal de devolução dos recursos referentes às boni-ficações assinaladas.

Henrique Pizzolato, na condição de Diretor de Marketing do Banco do Brasil à época dos fatos narrados, tinha o dever de zelar pelo bom cumprimento das con-dições fixadas nas cláusulas dos contratos de publicidade firmados com a DNA.

Essa provável omissão ou negligência adquire ainda maior relevância quando examinada no contexto geral dos fatos trazidos pelo Procurador-Geral da República, tais como os indícios de que parte dos recursos desviados em favor da DNA podem ter sido utilizados em esquemas de pagamentos suspeitos a cargo do núcleo financeiro-publicitário da hipotética quadrilha (Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino).

é importante ressaltar que recursos da ordem de dezenas de milhões de reais foram transferidos diretamente à agência DNA, a título de serviços a serem prestados no futuro, sem que houvesse, entretanto, qualquer garantia de prestação de serviços ou de devolução em caso de não-utilização como contrapartida ao pagamento antecipado.

Nesse contexto, assume relevância no plano penal o fato de o denunciado Henrique Pizzolato ter permitido a multiplicação de irregularidades nos contra-tos sob sua fiscalização, mantidos entre o Banco do Brasil e a DNA Propaganda, especialmente quando levadas em consideração as evidências de que os recursos provenientes dessas contratações podem ter sido utilizados no esquema de paga-mentos vulgarmente conhecido como “Valerioduto”.

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Com efeito, contribui para o robustecimento das alegações do Procurador-Geral da República o registro encontrado nos autos acerca da existência de um empréstimo celebrado em 26-5-03 entre a SMP&B e o Banco Rural, o qual teve como garantia justamente o contrato de publicidade mantido entre a DNA e o Banco do Brasil (cf. documento de fl. 1039 do apenso 77).

Ante o exposto, recebo a denúncia com relação à imputação do delito do art. 312 do Código Penal feita ao denunciado Henrique Pizzolato no subitem “a” do item III.2 da denúncia, bem como a imputação relativa ao mesmo tipo penal, no que tange aos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, conforme consta subitem “b” do item III.2 da denúncia (desvio de R$ 2.923.686,15).

Já no que toca ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, entendo que a denúncia não descreve suficientemente a sua conduta, de modo a possibilitar-lhe o exercício da ampla defesa.

Ao contrário dos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, cuja efetiva participação na gestão da empresa DNA está demonstrada na denúncia, o denunciado Rogério Lanza Tolentino, cujo nome não figura no quadro societário da empresa DNA, não tem sua conduta suficientemente des-crita na inicial acusatória, o que contraria o art. 41 do Código de Processo Penal.

Deixo, portanto, de receber a denúncia contra Rogério Lanza Tolentino, em relação ao delito do art. 312 do Código Penal, constante do subitem “b” do item III.2 da denúncia.

Subitem III.3

No subitem III.3, o Procurador-Geral da República formula várias impu-tações, todas relacionadas em maior ou menor grau com o suposto desvio de re-cursos do Fundo de Incentivo da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento/Visanet (fls. 5679-5680):

Assim procedendo de modo livre e consciente, na forma do art. 29 do Código Penal:a) Henrique Pizzolato, em concurso material, está incurso nas reprimendas do:a.1) artigo 317 do Código Penal Pátrio (recebimento de R$ 326.660,27);a.2) artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei n.º 9.613/1998 (utilização do Sr. Luiz Edu-

ardo Ferreira para receber R$ 326.660,27); ea.3) 4 (quatro) vezes no artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00;

28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75);b) Luiz Gushiken, em concurso material, está incurso 4 (quatro) vezes nas repri-

mendas do artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00; 28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75);

c) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, em con-curso material, estão incursos nas reprimendas do:

c. l) artigo 333 do Código Penal Pátrio (pagamento de R$ 326.660,27); ec.2) 4 (quatro) vezes no artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00;

28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75); ed) José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, em concurso

material, estão incursos 4 (quatro) vezes nas reprimendas do artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00; 28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75).

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São várias as condutas supostamente criminosas narradas neste subitem. Passo a examiná-las separadamente.

Em primeiro lugar, abordo os supostos desvios de recursos do Fundo de Incentivo da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento/Visanet.

Narra a denúncia que Henrique Pizzolato e Luiz Gushiken (então Ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República) teriam – em concurso com o núcleo financeiro-publicitário (Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino) e o núcleo central (José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares) da hipotética qua-drilha – montado um esquema para desviar recursos do Fundo de Incentivo da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento/Visanet, com o intuito de irrigar o mecanismo ilícito de distribuição de valores em dinheiro para a base aliada do governo, vulgarmente conhecido como “Valerioduto”.

São estas as imputações pertinentes (fls. 5679-5680):

Assim procedendo de modo livre e consciente, na forma do art. 29 do Código Penal:a) Henrique Pizzolato, em concurso material, está incurso nas reprimendas do:(...)a.3) 4 (quatro) vezes no artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00;

28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75);(...)b) Luiz Gushiken, em concurso material, está incurso 4 (quatro) vezes nas repri-

mendas do artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00; 28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75);

(...)c) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, em con-

curso material, estão incursos nas reprimendas do:(...)c.2) 4 (quatro) vezes no artigo 312 do Código Penal (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00;

28.11.2003 – R$ 6.454.331,43; 12.03.2004 – R$ 35.000.000,00; e 01.06.2004 – R$ 9.097.024,75);

A Companhia Brasileira de Meios de Pagamento/Visanet é uma empresa privada pertencente a instituições financeiras que têm em comum o fato de serem clientes dos cartões de crédito da linha Visa. A participação dessas instituições no capital social da Visanet é proporcional às fatias respectivas que detêm no mercado de cartões de crédito.

O Banco do Brasil possuía 31,9964% do capital social da Companhia Bra-sileira de Meios de Pagamento/Visanet em 2003.

No ano de 2001, a Visanet instituiu um Fundo de Incentivo, destinado à promoção da marca Visa, cujos recursos provinham de aporte proporcional à participação de cada uma das instituições financeiras em seu capital social. A essas instituições cabia o gerenciamento da parcela do Fundo correspondente a sua participação.

No caso do Banco do Brasil, os recursos geridos eram, à semelhança das demais instituições financeiras associadas, equivalentes à sua participação no capital da Visanet – ou seja, 31,9964% do total.

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Narra a denúncia (fl. 5674):

Nos meses de maio de 2003 (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00), novembro de 2003 (28.11.2003 – R$ 6.454.331,43), março de 2004 (12.03.2004 – R$ 35.000.000,00) e junho de 2004 (01.06.2004 – R$ 9.097.024,75), sob a gestão de Henrique Pizzolato, a Diretoria de Marketing do Banco do Brasil – Dimac aprovou a liberação para a DNA, a título de anteci-pação, de recursos financeiros no montante total de R$ 73.851.000,00, sendo informado por essa própria Diretoria que as antecipações foram efetuadas para a realização de 93 ações de incentivo distintas.

Fato é que as citadas ações não se encontram respaldadas em qualquer documentação que legitimamente possa comprovar a aplicação desses recursos.

No período de 2003 a 2004, enquanto era Diretor de Marketing Henrique Pizzolato, a DNA foi a única beneficiária dessas antecipações, as quais, conforme descrito no item “6.4.15” do relatório de auditoria [do Tribunal de Contas da União] citado: “se davam pelo crédito de valor, pela CBMP, em conta corrente de livre movimentação da empresa de publicidade, contra apresentação de documento fiscal emitido pela agência, com descrição genérica dos serviços e antes que as ações de incentivo correspondentes tivessem sido executadas”.

Segundo o Ministério Público Federal, essas antecipações, autorizadas por Henrique Pizzolato na condição de Diretor de Marketing do Banco do Brasil, não eram acompanhadas das devidas precauções para garantia do posterior ressar-cimento do Banco do Brasil.

Quanto à decisão de centralizar na agência DNA Propaganda Ltda. os serviços de publicidade atinentes à Visanet, o Ministério Público aponta que tal ocorreu sem que houvesse a celebração de qualquer contrato com a Visanet referente à utilização dos recursos do Fundo. O Ministério Público afirma, ainda, que essa centralização não era prevista no contrato de publicidade celebrado entre a DNA Propaganda Ltda. e o Banco do Brasil.

Enfatize-se que a prática adotada pela Diretoria de Marketing do Banco do Brasil, sob a gestão de Henrique Pizzolato, qual seja, a de autorizar adiantamentos aparentemente temerários de recursos do Fundo de Incentivo para a DNA Pro-paganda Ltda. – empresa sem vínculo contratual direto com a Visanet –, não foi seguida por nenhuma das outras instituições financeiras acionistas.

Referidos adiantamentos eram realizados sem documentação comprobatória da aplicação desses recursos na execução de tarefas pertinentes ao objetivo do Fundo de Incentivo, conforme se extrai das conclusões constantes do relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União.

Julgo pertinente, neste ponto, transcrever trecho da auditoria interna do Banco do Brasil citado pelo Procurador-Geral da República em sua denúncia (fl. 5674):

A inexistência, no âmbito do Banco do Brasil, de formalização de instrumento, ajuste ou equivalente para disciplinar as destinações dadas aos recursos adiantados às agências de publicidade dificulta a obtenção de convicção de que tais recursos tenham sido utilizados exclusivamente na execução de ações de incentivo ao abrigo do Fundo.

O Procurador-Geral da República faz menção a quatro antecipações irregulares (nos termos descritos acima) de recursos oriundos do Fundo de Incentivo Visanet para a empresa DNA Propaganda Ltda., ocorridas respectivamente em 19-5-03 (valor: R$ 23.300.000,00); 28-11-03 (valor: R$ 6.454.331,43); 12-3-04 (valor: R$ 35.000.000,00); e 1º-6-04 (valor: R$ 9.097.024,75).

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Em depoimento prestado à CPMI dos Correios, expressamente mencionado na denúncia pelo Procurador-Geral da República, Henrique Pizzolato afirmou que as operações irregulares de transferências de recursos foram ordenadas pelo então Ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República, o co-denunciado Luiz Gushiken.

Transcrevo trecho pertinente do mencionado depoimento (fl. 5676):

Cézar Borges (PFL-BA) – Mas o Ministro Gushiken sempre disse “assine o que é preciso assinar”.

Sr. Henrique Pizzolato – Sim, senhor. No caso dessa nota específica ele disse: Assina, porque não há nenhum problema. Isso é bom. O banco...”

Sr. Cézar Borges (PFL-BA) – Então ele lhe deu esse respaldo de responsabilidade que o Sr. deveria assinar inclusive aquilo que autorizava o adiantamento da DNA.

Sr. Henrique Pizzolato – Olha, entendi aquilo como uma ordem. Eu não iria me con-frontar ao Ministro e...

O Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ) – Sr. Pizzolato, se V. Sª. não quiser responder, não responda. Mas eu estou fazendo uma pergunta objetiva: o Ministro Gushiken determinou a V. Sª. que fizesse o pagamento à Agência DNA?

O Sr. Henrique Pizzolato – Ele disse-me que era para assinar as notas...Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ) – Assinar a nota significa o quê? Por que V. Sª. tinha de

assinar a nota?O Sr. Henrique Pizzolato – Porque eu tinha que dar o “de acordo”.O Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ) – O “de acordo” de V. Sª. significava autorização?Sr. Henrique Pizzolato – Significava que a Diretoria de Marketing iria estruturar as

campanhas com recursos da Visanet junto com os demais...

Passo a analisar as principais objeções ao recebimento da denúncia aduzidas pelos co-denunciados em suas respostas.

Henrique Pizzolato afirma que não detinha controle sobre os recursos do Fundo de Incentivo da Visanet, pois o controle das relações entre este e o Banco do Brasil estava a cargo da Diretoria de Varejo dessa instituição financeira. Afirma, também, que os recursos do Banco do Brasil aplicados no Fundo de Incentivo da Visanet não poderiam atrair a incidência do art. 312 do Código Penal, uma vez que eles pertenciam à Companhia Brasileira de Meios de Pagamento/Visanet, uma empresa privada.

Constato que existem nos autos indícios convincentes de que a Diretoria de Marketing do Banco do Brasil de fato detinha autonomia para gerenciar a parcela de recursos do Fundo correspondentes à sua participação.

Nesse sentido, transcrevo trecho de correspondência da Visanet endereçada à CPMI dos Correios (vide fls. 583-584 de seu relatório final) em que se atesta que:

Os recursos alocados para as ações planejadas pelo Banco do Brasil na qualidade de Emissor Visa foram pagos pela Visanet aos respectivos fornecedores contratados, cotados e negociados pelo próprio Banco do Brasil, entre eles a DNA Propaganda. Como não há interferência direta da Visanet nessa contratação, não existem contratos formais firmados pela Visanet/Servinet e referida empresa. A ação baseou no plano proposto pelo Banco do Brasil e o pagamento se baseou em uma comunicação do Banco do Brasil informando que a ação foi realizada dentro do escopo do Fundo de Incentivo Visanet e encaminhado a nota fiscal do fornecedor.(Grifei.)

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Além disso, os recursos do Fundo de Incentivo da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento/Visanet provinham do Banco do Brasil, que tem natu-reza de sociedade de economia mista, a qual, não obstante seja pessoa jurídica de direito privado, integra a administração indireta, opera com dinheiro público e está submetida ao controle do Tribunal de Contas da União, de modo que não procede o argumento de atipicidade da conduta por supostamente pertencerem as quantias desviadas a uma empresa privada. Além disso, o tipo penal do peculato incide também sobre valores particulares, desde que a posse sobre estes se dê “em razão de do cargo”.

Ora, os indícios constantes dos autos parecem indicar que Henrique Pizzolato, na condição de Diretor de Markenting do Banco do Brasil, assim como Luiz Gushiken, então Ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica, tinham ampla margem de discricionariedade para alocar os bens do fundo de Incentivo Visanet, conforme ele própria admitiu, em depoimento prestado perante a CPMI dos Correios e mencionado na denúncia (fl. 5676):

Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ) – Assinar a nota significa o quê? Por que o Ministro Gushiken determinou a V. Sª. que fizesse o pagamento à Agência DNA?

O Sr. Henrique Pizzolato – Ele disse-me que era para assinar as notas...Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ) – Assinar a nota significa o quê? Por que V. Sª. tinha de

assinar a nota?O Sr. Henrique Pizzolato – Porque eu tinha que dar o “de acordo”.O Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ) – O “de acordo” de V. Sª significava autorização?

(Grifei.)

Fica clara, portanto, a existência de indícios de que as ordens de desembolso de quantias partiram diretamente do Sr. Henrique Pizzolato, em cumprimento a suposta ordem do denunciado Luiz Gushiken.

Diante desses indícios, julgo presentes os indícios mínimos de materia-lidade e autoria quanto aos crimes de peculato (art. 312 do Código Penal), de modo que recebo a denúncia oferecida contra Henrique Pizzolato quanto às imputações do subitem “a.3”, ou seja:

- 4 (quatro) vezes no art. 312 do Código Penal (19-5-03 – R$ 23.300.000,00; 28-11-03 – R$ 6.454.331,43; 12-3-04 – R$ 35.000.000,00; e 1º-6-04 – R$ 9.097.024,75);

E contra Luiz Gushiken, constantes do subitem “b”:

- 4 (quatro) vezes nas reprimendas do art. 312 do Código Penal (19-5-03 – R$ 23.300.000,00; 28-11-03 – R$ 6.454.331,43; 12-3-04 – R$ 35.000.000,00; e 1º-6-04 – R$ 9.097.024,75), todos do item III.3 da denúncia.

No que concerne à participação do núcleo central da hipotética quadrilha (José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares) nos desvios assina-lados, o douto Procurador-Geral da República argumenta que estes co-denunciados também contribuíram, em concurso de pessoas, para a realização dos desvios de recursos públicos em questão, devendo, portanto, sofrer as penas do art. 312 do Código Penal imputadas a Henrique Pizzolato e Luiz Gushiken.

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Extraio o trecho pertinente da denúncia:

(...) uma vez sob disposição do núcleo Marcos Valério, o montante foi empregado para pagar propina e dívidas de campanhas eleitorais por ordem de José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares. Além disso, como já relatado, uma das antecipações serviu para abater um dos empréstimos do BMG que suportaram a engenharia ora denunciada.

Quanto aos co-denunciados José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, verifico que o Procurador-Geral da República não explicitou de forma satisfatória o papel que tiveram na realização da conduta tipificada no art. 312 do Código Penal, que transcrevo, para melhor aclaramento deste ponto:

PeculatoArt. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem

móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Relativamente a José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, a denúncia não descreve de forma explícita como sua conduta contribuiu para o cometimento do crime de peculato, não se verificando a imprescindível expo-sição do fato criminoso em todas as suas circunstâncias.

Com efeito, o chefe do Parquet limitou-se a afirmar que o valor desviado por Henrique Pizzolato e Luiz Gushiken “foi empregado para pagar propina e dívidas de campanhas eleitorais”, em respeito a ordens emanadas dos membros do núcleo central, sem, contudo, argumentar nem trazer indícios comprobatórios da divisão de trabalho na execução da ação típica. Ressalve-se a possibilidade de o Ministério Público aditar a inicial, desde que descreva, individualizadamente, as condutas dos referidos denunciados.

Não recebo, portanto, a denúncia em relação aos denunciados José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, no que concerne ao subitem “d” do item III.3 da denúncia: 4 (quatro) vezes nas reprimendas do art. 312 do Código Penal (19-5-03 – R$ 23.300.000,00; 28-11-03 – R$ 6.454.331,43; 12-3-04 – R$ 35.000.000,00; e 1º-6-04 – R$ 9.097.024,75).

Porém, isso não pode ser dito quanto à suposta participação do núcleo de Marcos Valério (Ramon Hollerbach, Cristiano Paz) nos hipotéticos desvios, uma vez que a DNA Propaganda Ltda., na condição de beneficiária direta das ante-cipações aparentemente irregulares, contribuiu para a perpetração das condutas tidas como típicas.

Em suas respostas, esses denunciados alegam a ausência de individualização de suas condutas, circunstância que tolheria o direito de defesa e tornaria a denúncia inepta quanto às imputações dirigidas contra eles.

Observo que, quando a denúncia descreve crimes que envolvem complexas operações no âmbito de uma sociedade empresária, não se faz necessária a indi-vidualização exaustiva, já na fase de oferecimento da denúncia, do papel específico atribuído a cada um dos membros do grupo, uma vez que a individualização mais pormenorizada das condutas poderá ser realizada posteriormente, na fase de instrução penal.

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Para efeito de recebimento da denúncia, basta a circunstância de que os acusados integrantes do chamado núcleo publicitário-financeiro foram os benefi-ciários dos desvios apontados.

Dessa forma, recebo a peça acusatória em relação ao subitem “c.2” do item III.3, assim: 4 (quatro) vezes no art. 312 do Código Penal (19-5-03 – R$ 23.300.000,00; 28-11-03 – R$ 6.454.331,43; 12-3-04 – R$ 35.000.000,00; e 1º-6-04 – R$ 9.097.024,75) contra os denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.

No que diz respeito ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, este não era gestor da empresa DNA Propaganda Ltda., de modo que não consta da denúncia descrição que permita saber de que modo ele teria contribuído para a suposta consumação do delito do art. 312 do Código Penal.

Por tais razões, não recebo a denúncia em relação ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, no que concerne às imputações constantes do subi-tem “c.2” do item III.3 da denúncia: 4 (quatro) vezes no art. 312 do Código Penal (19-5-03 – R$ 23.300.000,00; 28-11-03 – R$ 6.454.331,43; 12-3-04 – R$ 35.000.000,00; e 1º-6-04 – R$ 9.097.024,75), por não ter sido atendida, quanto a ele, a exigência do art. 41 do Código de Processo Penal.

Dando prosseguimento à análise da presença dos requisitos para o rece-bimento da denúncia quanto às condutas narradas no subitem III.3, examino as imputações referentes a crimes de lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98) e de corrupção passiva e ativa (arts. 317 e 333 do Código Penal), envolvendo Henrique Pizzolato e o núcleo de Marcos Valério (Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Rogério Tolentino).

Transcrevo os trechos pertinentes da inicial (fls. 5672/5679):

Henrique Pizzolato, em razão do cargo de Diretor de Marketing do Banco do Brasil, também recebeu de Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Rogério Tolentino, valendo-se de um intermediário, na data de 15 de janeiro de 2004, a quantia de R$ 326.660,67 como contraprestação pelos benefícios ilicitamente proporcionados, no exercício de sua função, ao grupo empresarial de Marcos Valério.

(...)Ciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática

de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, Henrique Pizzolato, buscando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina, enviou o mensageiro da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – Previ, Luiz Eduardo Ferreira, para sacar em espécie R$ 326.660,27.

Referida operação, verificada em razão do seu cargo de Diretor de Marketing, foi executada por intermédio da manobra de lavagem de dinheiro engendrada pelos núcleos Marcos Valério e Banco Rural.

Após sacar o valor de R$ 326.660,27 em espécie, Eduardo Ferreira, utilizado como intermediário, entregou o montante diretamente ao denunciado Henrique Pizzolato em sua residência.

Assim procedendo de modo livre e consciente, na forma do art. 29 do Código Penal:a) Henrique Pizzolato, em concurso material, está incurso nas reprimendas do:a.1) artigo 317 do Código Penal Pátrio (recebimento de R$ 326.660,27);a.2) artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei n.º 9.613/1998 (utilização do Sr. Luiz

Eduardo Ferreira para receber R$ 326.660,27); e(...)

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c) Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, em con-curso material, estão incursos nas reprimendas do:

c.l) artigo 333 do Código Penal Pátrio (pagamento de R$ 326.660,27)

Há suficientes indícios nos autos de que Henrique Pizzolato recebeu a quantia de R$ 326.660,27 no dia 15-1-04, por meio de saque realizado pelo men-sageiro Eduardo Ferreira da Silva, em agência do Banco Rural.

Da mesma forma, as evidências indicam que, ao fazê-lo, Henrique Pizzolato utilizou Eduardo Ferreira da Silva para, sacando em seu nome a quantia mencio-nada, ocultar ou dissimular a natureza e a origem dos valores suspeitos.

Nesse sentido, colho trecho do depoimento prestado à Polícia Federal pelo mensageiro Eduardo Ferreira da Silva (fl. 992):

Que no dia quinze de janeiro de 2004, recebeu uma ligação de Henrique Pizzolato no setor onde o depoente trabalha; Que nesta ligação, Pizzolato solicitava que o depoente fosse ao Banco Rural e pegasse “um documento”; (...) Que dirigiu-se de carro até o Banco Rural localizado no centro do Rio de Janeiro, cujo endereço não se recorda, entrando sozinho no estabelecimento bancário; Que lá dentro, procurou a pessoa indicada por Henrique Pizzolato, que o atendeu em um setor onde não existe atendimento ao público; (...) Que o funcionário do banco colocou dois pacotes embrulhados em papel pardo em cima da mesa, e pediu ao depoente que assinasse um recibo; (...) Que assinou uma espécie de formulário mas não chegou a ler o seu conteúdo; Que o funcionário ainda solicitou ao depoente que fornecesse sua identidade, tirando cópia da mesma; (...) Que chegando na residência de Henrique Pizzolato, foi o mesmo quem o recepcionou na porta de seu apartamento; Que entregou os dois em-brulhos nas mãos de Henrique Pizzolato; (...) Que na data do dia 14 de julho do corrente ano foi chamado na sala da auditoria da Previ, pelo auditor Antonio, vulgo “Tuninho”, e pelo consultor jurídico da Previ, Jose Luiz; Que nesta oportunidade informaram ao depoente que seu nome constava como recebedor “do mensalão”; Que naquele momento chegou a ficar atordoado; Que também disseram ao depoente que seu nome constava no Coaf como tendo sacado importância de trezentos e vinte e seis mil reais no Banco Rural no dia quinze de janeiro de 2004.

As declarações contidas no depoimento em exame revelam um procedimento suspeito de saque de valores de origem desconhecida bastante semelhante ao modus operandi seguido em outros saques suspeitos enumerados pelo Procurador-Geral da República ao longo da denúncia, conforme já visto no item III.1 supra, e em consonância com a descrição do suposto esquema de lavagem de dinheiro reali-zado no item IV da inicial, infra.

Constato, assim, que se encontra suficientemente fundamentada nos indícios constantes dos autos a acusação do Procurador-Geral da República no sentido de que os recursos provenientes do Banco Rural, sacados em favor de Henrique Pizzolato, são oriundos do suposto esquema de lavagem de dinheiro conhecido como “Valerioduto”.

Diante desse quadro, recebo a denúncia contra Henrique Pizzolato, em relação ao subitem “a.2” do item III.3 da inicial, ou seja: “art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (utilização do Sr. Luiz Eduardo Ferreira para receber R$ 326.660,27)”.

Verifico, ademais, que há base indiciária sólida a justificar o recebimento da denúncia contra Henrique Pizzolato pela prática do crime de corrupção passiva,

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tendo em vista o depoimento de Eduardo Ferreira da Silva, que declarou ter recebido para o ex-Diretor do Banco do Brasil o valor de R$ 326.660,27. É significativo, também, o fato de que o nome deste denunciado constava da lista apresentada pelo co-denunciado Marcos Valério perante a autoridade policial (fl. 606), como destinatário da quantia acima mencionada.

Enfatize-se que, à época dos fatos narrados, o responsável pela supervisão dos contratos de publicidade mantidos com a DNA Propaganda Ltda. era exa-tamente o denunciado Henrique Pizzolato. Não há, assim, dúvidas quanto à plausibilidade da tese de que os recursos suspeitos entregues ao denunciado o foram em razão do cargo por ele ocupado, uma vez que o denunciado, na con-dição de diretor de marketing do Banco do Brasil, dispunha de competência para expedir atos de ofício suscetíveis de beneficiar a agência de publicidade DNA Propaganda Ltda., como, aliás, fez ao autorizar o aditamento de recursos nos referidos contratos, conforme descrito na denúncia à fl. 5674 dos autos, in verbis:

Nos meses de maio de 2003 (19.05.2003 – R$ 23.300.000,00), novembro de 2003 (28.11.2003 – R$ 6.454.331,43), março de 2004 (12.03.2004 – R$ 35.000.000,00) e junho de 2004 (01.06.2004 – R$ 9.097.024,75), sob a gestão de Henrique Pizzolato, a Diretoria de Marketing do Banco do Brasil – Dimac aprovou a liberação para a DNA, a título de ante-cipação de recursos financeiros no montante total de R$ 73.851.000,00, sendo informado por essa própria Diretoria que as antecipações foram efetuadas para a realização de 93 ações de incentivo distintas.

Fato é que as citadas ações não se encontram respaldadas em qualquer documentação que legitimamente possa comprovar a aplicação desses recursos.

Ante o exposto, recebo a denúncia com relação à imputação constante do subitem “a.1” do item III.3 da denúncia (art. 317 do Código Penal – recebi-mento de R$ 326.660,27), dirigida ao denunciado Henrique Pizzolato.

Pelas mesmas razões, considero viável o recebimento da denúncia quanto à imputação do crime de corrupção ativa aos diretores da SMP&B Propaganda Ltda.

Com efeito, o Relatório de Análise 124/06, anexado aos autos (apenso 87, p. 726-727), indica que os recursos sacados de forma suspeita provieram da com-pensação, em 15-1-04, do cheque 413170, emitido pela agência DNA Propaganda Ltda., empresa da qual são diretores os co-denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.

Sendo assim, em face da presença de indícios mínimos de autoria e materialidade, recebo a denúncia em relação ao crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) supostamente praticado pelos co-denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, sócios da DNA Pro-paganda Ltda., conforme consta do subitem “c.1” do item III.3 da denúncia.

Não recebo, porém, a denúncia, em relação ao subitem “c.1” do item III.3 (art. 333 do Código Penal), no que toca ao co-denunciado Rogério Tolentino, uma vez que o Procurador-Geral da República não logrou demonstrar nenhuma relação direta entre este e os sócios da SMP&B para o cometimento do delito de corrupção ativa em exame, de modo que não se atendeu ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.

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Da imputação de lavagem de dinheiro – Lei 9.613/98 – Capítulo IV da denúncia

Em seu Capítulo 4, a denúncia imputa a prática de lavagem de dinheiro aos dirigentes do Banco Rural José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello, bem como ao publicitário Marcos Valério e seus sócios Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vascon-celos e Geiza Dias.

A acusação consiste na suposta estruturação de um mecanismo de lavagem de capitais que, baseada na antiga relação entre o núcleo Marcos Valério e o Banco Rural, iniciada em 1998, bem como na confiança mútua daí oriunda, teria permitido a transferência dissimulada de grandes somas em dinheiro para os beneficiários finais do suposto esquema. Assim, o núcleo Marcos Valério juntamente com os dirigentes do Banco Rural teriam praticado ocultação e dissimulação da origem, da natureza, da movimentação e do destino final dos vultosos recursos em questão. Na outra ponta deste “mecanismo de bran-queamento”, estariam os supostos beneficiários finais dos recursos “lavados”, que, de acordo com o Parquet, teriam sido indicados diretamente por Delúbio Soares, em concretização do suposto acordo firmado, em momento anterior, entre os denunciados por formação de quadrilha e corrupção ativa.

A denúncia assim narra os fatos (fl. 5688):

A estrutura articulada pelos dirigentes do Banco Rural possibilitou que o grupo de Marcos Valério, notadamente Simone Vasconcelos e Geiza Dias, comunicasse ao gerente da conta da SMP&B ou DNA no Banco Rural de Belo Horizonte, agância Assembléia, a operação que seria desencadeada, ou seja, pagamento de determinada quantia, nas praças de Belo Horizonte, Brasília, São Paulo ou Rio de Janeiro, qualificando a pessoa que efetuaria o recebimento e transporte, em malas ou sacolas, dos recursos financeiros.

Funcionários da agência Assembléia do Banco Rural informavam, aos da agência em que se realizaria o saque, a identificação da pessoa credenciada para o recebimento dos valores, disponibilizados em espécie, mediante a simples assinatura ou rubrica em um documento informal, destinado apenas ao controle interno de Marcos Valério, que, obvia-mente, necessitava de alguma comprovação material do pagamento efetuado.

Segundo depoimento do ex-Tesoureiro do Banco Rural em Brasília5, responsável pela entrega da maioria dos recursos disponibilizados nesta capital federal, a freqüência de pagamentos de dinheiro em espécie era bastante alta e, quando indagado sobre os beneficiários desses recursos, esclareceu o seguinte: “Que, em geral, eram pessoas simples, que não trajavam ternos e que se dirigiam ao depoente dizendo o seguinte ‘vim pegar uma encomenda’.”

(...)Esse esquema de lavagem, praticado reiteradamente durante mais de dois anos,

caracterizou-se pela sua estrutura simples, mas eficiente, possibilitando a total dissimulação do destino final do dinheiro, deixando apenas alguns vestígios materiais dos repasses, em razão da necessidade de Marcos Valério resguardar-se, por meio dos e-mails e fac-símiles (...)

Ainda de acordo com a acusação, os dirigentes do Banco Rural (José Augusto Dumont, vice-presidente falecido; José Roberto Salgado, vice-presidente opera-cional; Ayanna Tenório, vice-presidente; Vinícius Samarane, diretor estatutário;

5 José Francisco Rego, demitido do Banco Rural em 2004.

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e Kátia Rabello, presidente) eram responsáveis pelo Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e pelas áreas de compliance, contabilidade, jurídica e tec-nológica da instituição financeira.

Com isso, eles teriam “estabelecido mecanismos de operacionalização dos vultosos pagamentos em espécie às pessoas indicadas por Marcos Valério, de forma a possibilitar a não identificação dos efetivos beneficiários, bem como burlar a legislação e normas infralegais, que estabelecem a necessidade de identificação e comunicação às autoridades competentes de operações com indicativos de lavagem de dinheiro”.

Conclui a denúncia:

Os dirigentes do Banco Rural, denunciados, viabilizaram, juntamente com Marcos Valério e seu grupo, mecanismos e estratagemas para omitir o registro no SISBacen dos verdadeiros beneficiários/sacadores de recursos das contas da SMP&B Comunicação Ltda., situação plenamente conhecida pelos mesmos, e permitiram que cheques emitidos, nominais e endossados pela SMP&B, em poder da agência do Banco Rural em Belo Horizonte, fossem sacados nas agências de Brasília, São Paulo ou Rio de Janeiro, infrin-gindo, deliberadamente, as normas que estabelecem procedimentos para a comunicação ao Bacen de operações suspeitas.

Assim, e tendo em vista a suposta “parceria” estabelecida desde 1998 entre o denominado “núcleo” Marcos Valério e o Banco Rural, o Procurador-Geral da República conclui pela existência de dolo por parte dos dirigentes do Banco Rural, no sentido do cometimento do crime de lavagem, uma vez que “tinham consciência de que os recursos movimentados a mando do núcleo Marcos Valério eram oriundos de uma organização voltada para o cometimento de crimes contra a Administração Pública”.

Passo à análise sobre a presença ou não de indícios da prática de lavagem de dinheiro pelos ora denunciados.

Inicio pelos denunciados do denominado “núcleo publicitário”.

Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Simone Vasconcelos, Geisa Dias e Rogério Tolentino

Em primeiro lugar, o Laudo de Exame Contábil 3058/05-INC, de 29 de novembro de 2005 (v. apenso 51, vol. 2, fls. 192/212), dá notícia da ocultação e dissimulação de movimento de valores, promovida pela emissão de inúmeras notas fiscais frias pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e pela DNA Propaganda Ltda. Essas notas fiscais falsas tiveram a finalidade de dar suporte ao recebimento de recursos de empresas como o Banco do Brasil, a Eletro-norte e, também, advindos do Ministério dos Transportes, aparentemente simulando a prestação de serviços para esses órgãos, sendo relevante notar que membros tanto do Banco do Brasil quanto do Ministério dos Transportes foram denunciados pelo Procurador-Geral da República em outros capítulos da denúncia (III – peculato; VII – lavagem).

Pois bem.

De acordo com os peritos contábeis, a empresa SMP&B emitiu notas fiscais que já haviam sido canceladas pelo órgão fiscal correspondente, em

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número mínimo de 2.497 (duas mil quatrocentas e noventa e sete), conforme se lê à fl. 147 do vol. 2 do apenso 51.

Conclui, ainda, o Laudo 3058/05 que foram impressas 80.000 (oitenta mil) notas fiscais falsas no período analisado (v. apenso 51, vol. 2, fl. 211).

Ademais, segundo consta do laudo, a contabilidade das empresas deste “núcleo publicitário” foi alterada de maneira substancial (v. fl. 210). “Obser-vou-se, por amostragem, quantidade significativa de cheques de valores supe-riores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), debitados na conta 60022414, agência 9, banco 453 (Banco Rural), que não estava devidamente registrada na contabili-dade da empresa DNA”.

Tais cheques, emitidos entre 19 de agosto de 2003 e 19 de setembro de 2004, estão elencados às fls. 198/199, totalizando R$ 4.552.677,89 (quatro milhões quinhentos e cinqüenta e dois mil seiscentos e setenta e sete reais e oitenta e nove centavos) não registrados na contabilidade da empresa. Mais que isso, destaca o Laudo 3058/05-INC:

Além disso, ao analisar o item 66 dos documentos apreendidos na sede da DNA, encontrou-se a 4ª via da nota fiscal-fatura nº 037402, emitida em 13/02/04 pela DNA, CNPJ 17.397.076/0003-67 (filial Rio Acima), no valor de R$ 35.000.000,00 [trinta e cinco milhões de reais], constando como sacado a CBMP (Anexo I, fls. 35). (...) O histórico deste lançamento indica que o valor total da nota fiscal-fatura foi considerado como receita de prestação de serviços.

No entanto, o Demonstrativo de Resultado do Exercício (DRE) de 2004 (fls. 4464 do livro Diário nº 37, volume 12), registra um montante anual de receita bruta de R$ 22.679.370,26, valor bastante inferior a essa nota fiscal-fatura nº 037402, mencionada no parágrafo anterior.

Fato similar foi verificado com outra nota fiscal-fatura, de nº 039179, emitida em 13/05/04, no valor de R$ 9.097.024,75, que também apresenta como sacado a CBMP, escriturada no livro Diário nº 37, fls. 1554 e 1767.

Esses fatos demonstram que o DRE [Demonstrativo de Resultado do Exercício] foi elaborado em desacordo com a escrituração. E, ainda, cabe ressaltar que, em testes realizados pela perícia, o sistema contábil utilizado (Enterprise-Microuni) permitiu, a critério do usuário, selecionar as contas que iriam compor o demonstrativo.

Ou seja, Senhora Presidente, os peritos atestaram que o sistema contábil utilizado na contabilidade da SMP&B e da DNA permitia o uso de artifícios fraudulentos no registro das receitas e despesas dessas empresas.

Tudo isso indica que, muito provavelmente, vultosas quantias movimen-tadas pelas empresas do chamado “núcleo Marcos Valério”, e aparentemente utilizadas no suposto esquema criminoso narrado na denúncia, tiveram sua origem ocultada ou dissimulada, por meio da não-escrituração ou de sua escrituração com base em notas fiscais falsas, impedindo, assim, que se descobrisse, além de sua origem, também sua movimentação, localização e propriedade, que são elementos do tipo do art. 1º da Lei de Lavagem de Capitais.

De acordo com os peritos criminais que subscreveram o laudo em comento, havia duas escriturações contábeis (original e retificadora) para a mesma pessoa jurídica, num mesmo período de referência (anos de 2003 e 2004, ou seja, o período

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em que os supostos ilícitos teriam sido praticados), sendo que os valores registrados em cada uma eram significativamente diferentes, conforme se nota no item 35, letra a (fls. 200/201, apenso 51).

A título ilustrativo, enquanto na contabilidade original o ativo total era de R$ 5.874.975,08 (cinco milhões oitocentos e setenta e quatro mil novecentos e setenta e cinco reais e oito centavos) em 31-12-03, na contabilidade retificadora o ativo total escriturado totalizava nada mais, nada menos, que R$ 53.204.539,57 (cinqüenta e três milhões duzentos e quatro mil quinhentos e trinta e nove reais e cinqüenta e sete centavos), para aquela mesma data.

O laudo se debruça, ainda, sobre os alegados “contratos de mútuo” entre as empresas do grupo.

Aliás, abro aqui um parêntese para salientar que, entre os “mutuantes” e “mu-tuários” desses supostos “contratos”, estão a “Lanza Tolentino e Associados Ltda.” e a “Rogério Lanza Tolentino”.

Portanto, diferentemente do que assinalei no capítulo anterior, em que apreciamos os crimes de peculato e corrupção ativa, desde já firmo posição de que este dado – participação aparente das empresas de Tolentino nos fatos supostamente típicos – afasta, a meu ver, ao menos neste momento de judicium accusationis, a possibilidade de acolher o argumento contido na resposta escrita do denunciado Rogério Lanza Tolentino, no sentido de que não é sócio das empresas de Marcos Valério (SMP&B Comunicação Ltda.; DNA Propaganda Ltda. e Graffiti Participações Ltda.).

Como também salientei anteriormente, Marcos Valério é sócio de Rogério Tolentino na Lanza Tolentino e Associados, que presta serviços de advocacia para a SMP&B.

Além disso, assinalo que, como é óbvio, não é só a qualidade de sócio de Marcos Valério que justifica a denúncia de Rogério Tolentino, mas, sim, o envolvimento, em tese, também de suas empresas (Rogério Lanza Tolentino e 2 S Participações) nos supostos repasses ilegais de recursos a parlamentares, o denominado “mensalão”, objeto do capítulo VI da denúncia, que veremos opor-tunamente.

Prossigo, então, no raciocínio.

Esses contratos de mútuo, de que participou, entre outros, o acusado Rogério Lanza Tolentino, celebrados entre empresas consideradas como sendo do mesmo grupo, teriam sido manipulados, de acordo com as considerações dos peritos. Destacam os laudos que os denominados “mútuos” não estavam escri-turados na contabilidade original, e que houve simulação na preparação dos documentos de suporte dos referidos contratos. Aliás, como veremos em um importante depoimento do ex-superintendente de compliance do Banco Rural, qualquer entrada de recursos pode ser justificada por meio de sua classificação como “empréstimo”.

Assim, nota-se claramente a existência de fortes indícios de ocultação e dissimulação do movimento de valores, supostamente praticadas pelos denun-ciados ligados às empresas de Valério e Tolentino.

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Outros indícios se somam às conclusões do laudo de exame contábil.

Em primeiro lugar, um dos depoimentos do acusado Marcos Valério, especi-ficamente aquele acostado às fls. 355/360 (vol. 2), prestado ao Departamento de Polícia Federal, é bastante esclarecedor:

Os saques de valores destinados a terceiros eram efetuados diretamente na agência Assembléia do Banco Rural em Belo Horizonte/MG, sempre mediante cheque nominal às empresas SMP&B e DNA, endossados no verso, com prévia comunicação ao Banco de que haveria o saque em espécie. Igual procedimento era adotado no caso de recebimento do numerário nas demais agências. (...) Os saques variavam de valores e diversos eram os beneficiários indicados por Delúbio. O valor total dos empréstimos ao PT [quase quarenta milhões de reais] foi transferido em dinheiro na forma indicada ou mediante pagamento por cheque nominal às empresas apontadas por Delúbio. A soma dessas transferências por saque nas agências e aquelas por cheque nominal [à SMP&B] corresponde ao valor aproximado dos empréstimos, em torno de quarenta milhões de reais. (...) As declarações agora prestadas retificam as afirmações do declarante perante a Polícia Federal, no sentido de que os saques de valores em dinheiro destinavam-se exclusivamente ao pagamento de fornecedores, aplicação em ativos ou distribuição de lucros entre sócios.

Ou seja, Marcos Valério negou que os saques de valores em dinheiro se destinassem exclusivamente ao pagamento de fornecedores, que foi alegado por muitos dos acusados de corrupção passiva, como veremos oportunamente.

Outro depoimento muito relevante do acusado Marcos Valério é o de fls. 727/735 (vol. 3 dos autos). Cito os trechos pertinentes (a partir da fl. 731):

(...) no que se refere aos empréstimos contraídos em benefício do PT, as informa-ções que lhe foram detalhadamente repassadas por Delúbio Soares eram no sentido de que esse dinheiro não entraria na contabilidade oficial do partido e, portanto, ele, Delúbio Soares, indicaria ao declarante os destinatários de parcelas do montante total (...) que, como os partidos destinatários dos recursos também não contabilizaram essas dívidas, os recursos tinham que se entregues em espécie, já que a movimentação no sistema finan-ceiro deixaria um registro de operações que não tinham sido contabilizadas; que, desta forma, surgiu a sistemática de saques das contas do declarante e repasses, em dinheiro, às pessoas indicados por Delúbio Soares, ou mesmo transferência a fornecedores pelo mesmo indicados.

Ora, o acusado confessa a ocultação do movimento das vultosas quantias que alimentavam, em tese e nos termos da denúncia, o suposto esquema crimi-noso de corrupção de parlamentares.

Marcos Valério diz mais, no mesmo depoimento:

Que, quanto à origem dos empréstimos, o declarante esclarece que teve conhecimen-tos que, por ocasião das suas tratativas para obtenção dos mesmos junto ao BMG e Rural, Delúbio Soares lhe informou que José Dirceu teve reuniões com os dirigentes de ambos os bancos; que, a reunião com dirigentes do Banco Rural ocorreu no Hotel Ourominas, em Belo Horizonte, num jantar, e a outra reunião, com a Diretoria do Banco BMG, ocorreu em Brasília/DF; que, no primeiro semestre, o declarante acompanhou as Diretorias de ambos os bancos em audiências oficiais com o então Ministro José Dirceu (...); que, indagado sobre o empréstimo à ex esposa do ex-Ministro José Dirceu, chamada Ângela, o depoente confirmou que efetivamente houve o empréstimo do Banco Rural e a colocação com em-prego no Banco BMG; que, o declarante foi procurado por Sílvio Pereira para auxiliar o ex-Ministro José Dirceu na resolução de um problema pessoal com sua ex-esposa, que

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pretendia trocar de apartamento e não tinha recursos financeiros; que, desta forma, foi conseguido o empréstimo e o emprego, e, também, o sócio do declarante, Rogério Tolentino, para resolver o problema, já que o crédito imobiliário dependia do pagamento de recursos em dinheiro, comprou o apartamento da Sra. Ângela, pagou à vista e declarou a aquisição no seu imposto de renda; (...) que, sobre o documento intitulado “Relação de pessoas indicadas pelo PT que receberam recursos emprestados ao PT”, presta os seguintes es-clarecimentos: Waldemar Costa Neto/Jacinto Lamas: Delúbio Soares lhe repassou o nome de ambos, inclusive telefone de contato, para transferência de recursos, primeiramente para a empresa Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações S/C, conforme indicado na pla-nilha apresentada, e, num segundo momento, na modalidade de saques realizados na agência do Banco Rural em Brasília, ou por Simone Vasconcelos, ou pelos próprios destinatá-rios dos recursos; que, esclarece que, na época, foi feito um contrato entre a SMP&B e a empresa Guaranhuns, para justificar as saídas de recursos, embora a contabilização da empresa tenha sido feita como empréstimos ao PT; que, foi Jacinto Lamas quem apresen-tou o nome da Guaranhuns como sendo destinatária desses recursos financeiros; (...) esclarece que a sistemática adotada em conjunto com a direção do Banco Rural para facilitar as transferências dos recursos foi a indicação, por representantes da SMP&B, por fax ou e-mail, aos funcionários da agência do Banco Rural em Belo Horizonte, do número do cheque, valor e pessoa que iria levantar os recursos, uma vez que se tratavam de cheques nominais à SMP&B, endossados no seu verso (...); que, em algumas situações, somente em Brasília, a gerente Simone comparecia à agência do Banco Rural e entregava pessoalmente os recursos ou deixava os valores separados na agência à disposição dos beneficiários (...)

Ainda, a acusada Simone Vasconcelos, diretora financeira da SMP&B, quando questionada acerca da razão pela qual os saques e repasses de dinheiro para terceiros eram feitos por meio de cheques nominais à SMP&B e não aos reais beneficiários daqueles valores, respondeu o seguinte (fls. 593/595, vol. 3):

Que, mesmo sendo Diretora Financeira da SMP&B, desconhece a natureza de várias autorizações de pagamento, bem como o destinatário, de cheques emitidos pela SMP&B, pois apenas seguia ordens de Marcos Valério; (...) Que os cheques destinados a Zilmar Fernandes da Silveira eram emitidos nominalmente à SMP&B e endossados pela mesma; Que tal procedimento seguia determinação de Marcos Valério; (...) Que realmente foi a responsável pelos lançamentos gráficos constantes no verso do documento de fls. 44 do Apenso 5 dos autos, à exceção dos nomes Vanderval e Célio; (...) Que, em 2004, Marcos Valério passou a orientar a declarante que realizasse depósitos na conta da empresa Bonus Banval, de valores que seriam destinados ao PT; (...) Que Marcos Valério também orientou a declarante a efetuar transferências e depósitos para a conta da Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações S/C Ltda.; (...) Que acredita que todos os valores sacados em seu nome e que foram entregues a terceiros, bem como os depósitos nas contas das empresas Bônus Banval e Guaranhuns referem-se aos empréstimos feitos por Marcos Valério junto a instituições bancárias e que eram destinados ao Partido dos Trabalhadores; (...) Que, da mesma forma, todos os valores repassados pelas empresas de Marcos Valério, conforme relatado, tiveram origem nos empréstimos realizados junto aos bancos BMG e Rural; (...)

O acusado Jacinto Lamas trouxe outras contribuições para as investiga-ções, corroborando os termos da denúncia (fls. 610/614):

Que recebeu uma ligação de Simone Vasconcelos; Que Simone falou para o decla-rante que estava com a encomenda que Delúbio havia pedido para entregar ao Deputado Valdemar Costa Neto; (...) Que, salvo engano, Simone Vasconcelos combinou a entrega do dinheiro em um hotel; Que, pelo que se recorda, o hotel onde recebeu pela primeira vez

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valores de Simone foi o Kubitschesk Plaza; Que, após receber ligação de Simone, dirigiu-se ao local do encontro para receber a encomenda; Que, ao chegar no hotel, foi diretamente para o apartamento onde Simone estava hospedada; Que o declarante entrou no quarto e recebeu de suas mãos um envelope de papel pardo grande, contendo em seu interior uma quantia em dinheiro; (...) Que Simone apenas falou que aquela encomenda era do Dr. Delúbio Soares para o Deputado Valdemar Costa Neto; Que Simone estava sozinha no hotel; (...) Que após primeiro saque, ocorrido provavelmente em junho de 2003, recebeu outros chamados de Simone para receber valores em espécie; Que a entrega de valores por Simone não tinha nenhuma regularidade de data; (...) Que, salvo engano, se encon-trou com Simone duas outras vezes, no hotel Mercure, para receber valores em dinheiro, conforme orientação do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que, essas duas outras entregas foram realizadas seguindo o mesmo procedimento já relatado, ou seja, o declarante recebia ligações telefônicas, primeiro do Deputado Valdemar Costa Neto, avisando da iminência da entrega dos valores, e, em seguida, de Simone Vasconcelos, informando o ho-rário e o local da entrega do dinheiro; (...) Que, da mesma forma, entregou os dois saques diretamente para o Deputado Federal Valdemar Costa Neto, em encontros ocorridos em sua residência; (...) Que em uma oportunidade recebeu valores de Simone na sede da SMP&B em Brasília/DF, localizada no Edifício da Confederação Nacional do Comér-cio – CNC, no Setor Bancário Norte; Que pode ter recebido uma segunda vez valores na sede da SMP&B em Brasília/DF; (...) pode ter recebido ligações de Marcos Valério informando que Simone já estava em Brasília/DF para lhe procurar; (...) Que, salvo engano, em três ou quatro visitas que fez à sede da SMP&B em Belo Horizonte, recebeu de empregados de Marcos Valério envelopes contendo documentos a serem entregues ao Deputado Federal Valdemar Costa Neto em São Paulo/SP; Que não sabe dizer do que se tratavam tais documentos; (...)

Assim, há também aí indícios de ocultação e dissimulação da movimen-tação e propriedade de valores, supostamente arquitetadas pelo núcleo publi-citário, juntamente com o Banco Rural6, que teria viabilizado os repasses de grande volume de dinheiro, em espécie, sem qualquer tipo de registro formal.

Examino a situação específica do denunciado Rogério Lanza Tolentino.

Embora, como já assinalei anteriormente, o acusado Rogério Lanza Tolentino negue, em sua resposta escrita, que seja sócio de Marcos Valério e, com isso, busque afastar os indícios de sua participação nos crimes objeto da denúncia, esse fato não é relevante. Assinalo, apenas para registro, que o acusado Marcos Valério, em inúmeros depoimentos (como o lido acima), contradiz essa afirmação. Confira-se, por exemplo, o depoimento de fls. 1454/1465, do qual retiro o seguinte trecho:

Que [José] Janene afirmou ao declarante que gostaria que os recursos a serem repassa-dos em nome do Partido dos Trabalhadores para o Partido Popular fossem encaminhados para a corretora Bônus Banval; (...) Que os recursos encaminhados à Bônus Banval partiram das contas das empresas 2s Participações Ltda. e Rogério Lanza Tolentino Associados; Que a Tolentino Associados transferiu para a Bônus Banval o total de R$ 3.460.850,00 (três milhões quatrocentos e sessenta mil oitocentos e cinqüenta reais) (...)

Como já salientei, Rogério Tolentino era, de fato, advogado da SMP&B, por meio da empresa Lanza Tolentino & Associados, da qual Marcos Valério também é sócio, mas isso é irrelevante para efeitos de recebimento da denúncia, ante os indícios acima apontados. Assim, deixa de ser importante o fato de o acusado não ser sócio efetivo da SMP&B.

6 Cuja participação será analisada a seguir.

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Com relação aos demais denunciados do denominado “núcleo publici-tário”, os depoimentos de fls. 631/633, 655/657, 752/754, 818/820, 838/840, 992/994, 1030/1032, 1440/1443, 1619/1620, 1622/1624, 1675/1677, 1686/1691, 1693/1696, 1698/1700 e 2022/2023 também trazem indícios da prática do crime de lavagem de dinheiro pelos acusados, tendo em vista que os depoentes – a maioria formada por pessoas de baixa condição financeira – confirmam ter rece-bido elevado valor em espécie nas agências do Banco Rural, sendo que esse valor seria destinado a outras pessoas, sem que o “sacador” soubesse, necessariamente, quem seria o destinatário final do dinheiro.

Assim, por exemplo:

- Benoni Nascimento de Moura, motorista da Bônus Banval (fls. 655/657);

- Aureo Marcato, office boy da Bônus Bonval, sem carteira assinada (fls. 818/820);

- Francisco de Assis Novaes Santos, garçom (fls. 838/840);

- Luiz Eduardo Ferreira da Silva, mensageiro;

- Luiz Carlos da Costa Lara, policial civil, supostamente usado por Geiza Dias (fls. 1030/1032);

- Júlio Cesar Marques Cassao, empregado da DNA Propaganda Ltda. (fls. 1619/1620);

- Wagner Valter Monteiro, empregado da DNA Propaganda Ltda. (fls. 1622/1624);

- David Rodrigues Alves, inspetor da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, que afirma ter efetuado saques no valor de duzentos mil a trezentos mil reais, a pedido de Simone Vasconcelos e, principalmente, Geiza Dias, a quem, geralmente, entregava os valores recebidos na agência do Banco Rural (fls. 1693/1696);

- Alessandro Ferreira dos Santos, office boy da SMP&B (fls. 1698/1700);

- Wildeu Gleidson Castro Silva, vendedor de peixes (fls. 2022/2023).

Essas e outras pessoas foram incumbidas, seja por Geiza Dias, por Simone Vasconcelos, por Ramon Hollerbach (v. fl. 1441, depoimento de Aluísio Espírito Santo – vol. 6 dos autos), por Cristiano Paz (v. fl. 1694, depoimento de David Rodrigues Alves – vol. 8 dos autos), ou por seus subordinados, de se dirigirem a uma agência do Banco Rural e sacar elevadas quantias em espécie, para des-tinação por eles desconhecida.

Por essa razão, Senhora Presidente, meu voto é no sentido do recebimento da denúncia contra os acusados Marcos Valério, Rogério Tolentino, Ramon Hollerbah, Cristiano Paz, Simone Vasconcelos e Geiza Dias, tendo em vista a descrição dos fatos, sua obediência ao art. 41 do Código de Processo Penal e a existência de justa causa para tanto.

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Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório – Banco Rural

Relativamente ao denominado “núcleo financeiro” da suposta quadrilha, temos alguns dados muito importantes que corroboram o teor da inicial acusatória.

é de se observar, em primeiro lugar, que os saques eram feitos, em geral, por meio de cheques nominais à SMP&B. Entretanto, os valores eram entre-gues a outras pessoas, e não à SMP&B (que, como nominada, era a única que poderia sacá-lo).

é, portanto, patente a completa irregularidade da transação. Ou seja, o Banco Rural permitia o saque, por terceiros, de cheques nominais à SMP&B. Esse não é, obviamente, o procedimento legalmente previsto para o saque de um cheque nominal!

Assim, de acordo com o afirmado pelo Parquet na denúncia, o Banco Rural tinha conhecimento de quem era o verdadeiro sacador, bem como em nome de quem aquelas pessoas sacavam – ou seja, os denunciados conheciam o beneficiário final dos recursos sacados na “boca do caixa” das contas de Marcos Valério. E essa assertiva se comprova com os e-mails enviados por Geisa Dias, informando quem era, de fato, a pessoa que iria sacar/receber o dinheiro e por quem recebia.

Ao contrário, porém, o Banco Rural registrava, em acordo com o núcleo de Marcos Valério, que o valor havia sido sacado pela própria SMP&B e que os recursos sacados se destinavam ao “pagamento de fornecedores”. Ora, fica claro que se pretendeu, ao menos em tese, dissimular a localização, propriedade e movimentação de valores provenientes, supostamente, de crimes praticados por organização criminosa. Isso porque, em vez de se fazer uma transferência bancária ou um DOC, ou, no mínimo, lançar, no anverso do cheque, o verdadeiro sacador, portador do cheque nominal (cheque este que, portanto, deveria estar nominal a ele, sacador), lançava-se o nome da pró-pria SMP&B, fazendo parecer que os valores, em espécie, entregues pelo Banco Rural se destinavam, efetivamente, à agência de publicidade. Este o conceito de dissimulação (fazer parecer), que é elemento do tipo de lavagem de dinheiro.

Apenas para exemplificar com um dos casos narrados pelo Parquet, o pro-cedimento foi adotado pelo Banco Rural, em acordo com Marcos Valério e seus sócios aqui denunciados, na ocasião em que João Cláudio Genú, assessor do líder do PP na Câmara, sacou R$ 300 mil, em espécie, na agência de Brasí-lia do Banco Rural, ocasião em que a instituição registrou, na opção PCAF 500 do Sisbacen, que a sacadora havia sido a SMP&B Comunicação Ltda., beneficiária “oficial” do cheque, na agência de Belo Horizonte, e que tinha por fim o “pagamento de fornecedores”. Tais informações constam do Relatório de Análise 191/06, elaborado pela Divisão de Pesquisa, Análise e Informação da Procuradoria da República no Distrito Federal (apenso 81).

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Esse teria sido, portanto, o modus operandi utilizado pelo grupo de Marcos Valério e pelo Banco Rural para omitir do Banco Central a identificação dos verdadeiros beneficiários/sacadores de recursos, permitindo que terceiros rece-bessem os valores sacados por meio de cheques nominais à SMP&B (o suposto valerioduto).

Aliás, no que tange à suposta responsabilidade do Banco Rural pela con-cepção desse mecanismo de lavagem narrado pelo Procurador-Geral da República, é interessante ler a entrevista concedida por Carlos Godinho, ex-superintendente de compliance7 do Banco Rural (fls. 3368/3373, vol. 15), à revista Época (ed. 391 – nov/05), em reportagem intitulada “A caixa-preta do Rural”, verbis:

Desde que apareceu como a casa do mensalão, o Banco Rural alega ter se envolvido com o PT e Marcos Valério por iniciativa exclusiva de seu ex-vice-presidente José Augusto Dumont, falecido no ano passado. Dumont era realmente amigo de Valério e por meio dele se aproximou de Delúbio Soares, então tesoureiro do partido. Há fortes sinais, no entanto, de que o esquema não foi coisa só de Dumont. Documentos obtidos por Época e o depoimento do ex-superintendente do Rural Carlos Godinho mostram que, mesmo após a morte do executivo, toda a diretoria do banco continuou encenando a farsa dos empréstimos – e ninguém desconhecia que tudo era mesmo uma enorme farsa.

(...)Carlos Godinho, 52 anos, 17 no Rural, ocupava uma posição de confiança no banco.

Como superintendente de compliance, área que cuida do cumprimento das regras do banco, tinha acesso às informações mais importantes da instituição. Seu depoimento não é prova, mas oferece elementos novos à investigação dos supostos empréstimos feitos ao PT e à SMP&B, de Marcos Valério. A seguir, trechos de quatro entrevistas que ele concedeu na semana passada.

Época – Os empréstimos do Banco Rural para o PT e para a agência SMP&B de Marcos Valério, foram fajutos?

Carlos Godinho – é forte falar isso, mas eles não são uma prática normal de mercado. Na conta da SMP&B entrava dinheiro, mas o Marcos Valério não liquidava os emprésti-mos. É suspeito. No caso do PT, é o aval de duas pessoas que não têm patrimônio para garantir a operação (o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-presidente José Genoíno).

Época – O senhor acha que esses empréstimos foram feitos para não ser pagos?Godinho – Com certeza. São empréstimos para mascarar a entrada de recursos

que vinham de outras formas. Você justifica qualquer recurso que entrou via emprésti-mo. Não era para pagar.

Época – Se era tudo tão esquisito, por que o senhor não avisou? Sua função era essa.Godinho – Minha função era manter a instituição livre dos riscos operacionais, de imagem

e legais. A diretoria foi alertada. Mas, como a prática do Rural era manter um relacionamento com os clientes, eles não deram importância. No caso da SMP&B, alertamos também para a movimentação dela, que estava fora dos padrões e tinha indícios de lavagem de dinheiro em função dos constantes saques em espécie.

Época – Quais eram os indícios de lavagem de dinheiro?

7 Setor de “controle interno” da Instituição Financeira, em que se busca adequar suas atividades às leis e a regulamentos internos e externos, bem como assegurar a observância a princípios éticos e normas de conduta. Entre outras medidas, a área de compliance é responsável pelo fomento à cultura de prevenção à lavagem de dinheiro, mediante treinamentos específicos. V. Resolução 2.554/98 do Banco Central do Brasil, que impôs a criação do setor de controle interno nas Instituições Financeiras. Sobre o tema: http://www.abbi.com.br/funcaodecompliance.html.

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Godinho – O Banco Rural tem um processo informatizado que, se você movimentar dez vezes mais que seu faturamento médio mensal, aponta isso para a área de compliance. O que a gente faz? Pega esse relatório, manda para o diretor e o vice-presidente, dizendo que aquele cliente ultrapassou a movimentação dele. No caso, a SMP&B, em 2003 e 2004, todo mês acontecia isso. Então, a gente encaminhava para a diretoria dizendo que o cliente estava com indícios de lavagem de dinheiro. E nenhuma providência foi tomada.

Época – Quem vocês alertaram?Godinho – Tanto o José Augusto Dumont como o José Roberto Salgado, a Ayanna

Tenório, todos os vice-presidentes tomaram ciência dessa movimentação.Época – Em várias ocasiões, a atual diretoria do Rural atribuiu o envolvimento com

Marcos Valério e com o PT ao falecido vice-presidente do banco José Augusto Dumont...Godinho – Isso foi uma coisa que nos irritou profundamente. É falsa essa afirmação.

Esses empréstimos venciam de 90 em 90 dias e, depois da morte do José Augusto, foram renovados com ciência do comitê de crédito, dos vice-presidentes e, inclusive, da presi-dente.

Época – O Rural sempre deu a entender que Kátia Rabello (presidente do banco) estava por fora disso tudo. Ela autorizou a rolagem dos empréstimos?

Godinho – Autorizou. Tem um dos empréstimos em que ela votou eletronica-mente, com sua senha pessoal. Isso é prova do conhecimento. Então é o seguinte: o José Augusto não é o vilão da história.

Época – Quem é o vilão?Godinho – O vilão é o sistema que se mantinha no Rural, que pactuou com as opera-

ções do PT e do Marcos Valério em troca de favores, lobbies, recursos ao Banco Central, a órgãos fiscalizadores e negócios que beneficiaram o Rural nestes anos.

Época – Os alertas que o senhor fazia eram por escrito ou eram verbais?Godinho – A gente tinha boletins de compliance, em que a gente alertava por escrito.

Assim que o primeiro foi impresso, emitido e assinado, foi dada ordem para não fazer mais, para comunicar ao diretor verbalmente.

Época – Mandaram não fazer mais boletins?Godinho – Mandaram não fazer nos casos da SMP&B e do PT. Não deixaram colocar

nos relatórios as irregularidades de movimentações acima dos padrões, de risco de crédito em função de constantes renovações. é que esses documentos ficam à disposição do Banco Central. Então, mandaram tirar para o Banco Central não ter acesso.

Época – Quando foi isso?Godinho – De 2003 a 2005 não se colocou nada das irregularidades. Não podia

colocar. A gente colocava, mas na edição final eram deletadas. E a gente era obrigado a assinar o relatório modificado. Tinha de assinar daquela forma, já vinha da diretoria a versão final para ser assinada.

Época – Quem o senhor avisava sobre os riscos dos empréstimos?Godinho – O Vinícius Samarane, que era meu imediato, diretor estatutário. O

José Roberto Salgado. Inclusive ele era o responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro no banco na época do José Augusto Dumont. Depois da entrada da Ayanna, ele saiu e ela passou a ser a responsável – e também era avisada das irregularidades. O Banco Central teve conhecimento de todas as renovações.

Época – Como?Godinho – Nós temos de mandar todo mês um arquivo para a Central de Risco do Banco

Central de todos os empréstimos, e lá fala “isso é renovação”. No caso do PT e da SMP&B, você informava todos os meses ao Banco Central os empréstimos tomados, o saldo devedor e se era empréstimo novo ou renovação. O Banco Central tinha conhecimento da constância com que o PT e a SMP&B faziam reformas de empréstimos. Toda a movimentação foi para o Coaf, mas eles não olham. Se olham, existe um lobby muito forte em cima disso.

Época – Eles tinham obrigação de saber ou é tanta informação que eles não conseguem examinar tudo?

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Godinho – Eles fazem um monitoramento, a função deles é minimizar o risco do mercado financeiro. Um dos motivos de criar a Central de Risco foi justamente monito-rar os bancos e principalmente essa rolagem de dívidas.

Veja-se, também, trecho do depoimento de Jacinto Souza Lamas, que revelou ter recebido valores diretamente das mãos de Simone Vasconcelos, num primeiro momento, e, depois, ter passado a sacar os valores na agência do Banco Rural em Brasília (fl. 612):

Que, salvo engano, se encontrou com Simone duas outras vezes, no hotel Mercure, para receber valores em dinheiro, conforme orientação do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que, essas duas outras entregas foram realizadas seguindo o mesmo procedimento já relatado, ou seja, o declarante recebia ligações telefônicas, primeiro do Deputado Valdemar Costa Neto, avisando da iminência da entrega dos valores, e, em seguida, de Simone Vas-concelos, informando o horário e o local da entrega do dinheiro; (...) Que, da mesma forma, entregou os dois saques diretamente para o Deputado Federal Valdemar Costa Neto, em encontros ocorridos em sua residência; Que, posteriormente, o procedimento mudou, quando o declarante passou a buscar o documento encaminhado por Delúbio Soares na Agência Brasília do Banco Rural; Que se encontrou duas vezes com Simone na agência Brasília do Banco Rural, tendo recebido de suas mãos os pacotes com quantias de dinheiro; Que algumas vezes Simone deixava anotações na agência Brasília do Banco Rural, com autorizações para que o declarante efetuasse o saque dos valores; Que todo o dinheiro recebido na Agência Brasília do Banco Rural também foi repassado diretamente para o Deputado Valdemar Costa Neto; (...)

Assim, pode-se perceber que há indícios de participação do Banco Rural nos fatos objeto da acusação.

Os acusados negam todas as acusações e reclamam da ausência de uma individualização detalhada da conduta de cada um na prática dos supostos crimes de lavagem de dinheiro. Fica a pergunta: quem, então, estaria envolvido nos ilícitos supostamente praticados no interior das agências do Banco Rural? Para respondê-la, ao menos neste momento inicial, em que somente se exige um mínimo de prova, é necessária a leitura de trecho do depoimento prestado nos autos do inquérito por Carlos Roberto Sanches Godinho, no qual fica claro que os empresários do Banco Rural denunciados pelo Procurador-Geral da República eram responsáveis diretos pela área de prevenção à lavagem de dinheiro, bem como que possivelmente tiveram responsabilidade direta na estruturação e funcionamento deste suposto esquema de lavagem.

A importância desse depoimento está no fato de que o depoente se tornou dissidente da estrutura do Banco Rural, no momento em que notou que as operações suspeitas de lavagem de dinheiro realizadas pela SMP&B e pelo PT não estavam sendo incluídas nos relatórios enviados ao Bacen pela admi-nistração superior do Banco, aqui denunciada.

Vejamos, então, os esclarecimentos de Carlos Godinho acerca da participa-ção dos denunciados nos fatos objeto do presente inquérito (v. denúncia, fl. 5691, vol. 27, e, ainda, apenso 84, onde está acostada a íntegra do depoimento):

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(...) Que, durante as apurações da CPI do “PC Farias”, o Banco Rural definiu a criação de uma auditoria mais dinâmica e automatizada, razão pela qual o depoente foi convidado para ocupar a respectiva Superintendência, e por ser também uma pessoa de confiança do Dr. Sabino Rabello, então Presidente; (...) Que atuava hierarquicamente vinculado a um Diretor Es-tatutário, que, na época, era o Sr. José Augusto Dumont; Que, transcorrido esse período, o depoente retornou à área de informática, onde permaneceu até o ano de 2001, ocasião em que foi definitivamente transferido para a área de compliance; Que, na época, o Diretor Estatutário dessa área era o Sr. João Heraldo Lima, que era subordinado ao Vice-Presidente José Augusto Dumont, e, a partir de 2004, o depoente, enquanto Superintendente de Compliance, estava diretamente subordinado ao Diretor Estatutário Vinícius Samarane; (...) Que o Diretor Estatutário de Controles Internos, Vinícius Samarane, encontrava-se subordinado à Vice-Presidência de Apoio Operacional, que era ocupada pela Sra. Ayanna Tenório; Que, até o falecimento do Vice-Presidente José Augusto Dumont, todos os Diretores Estatutários eram subordinados à Vice-Presidência Executiva; Que, após o falecimento, no ano de 2004, foram criadas duas Vice-Presidências, uma operacional e a outra de apoio operacional; Que toda a área comercial e internacional ficou subordinada ao Sr. José Roberto Salgado, Vice-Presidente da Área Operacional, que também ocupava a Presidência do Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, onde permaneceu desde a criação desse Comitê, no ano de 2002, até o ano, de 2004, quando foi substituído pelo Diretor Vinicius Samarane; Que a outra Vice-Presidência, ocupada pela Sra. Ayanna Tenório, detinha o poder sobre as Diretorias de Compliance, Contabilidade, Jurídico e Tecnologia, sendo também responsável junto ao Banco Central pela prevenção ao crime de lavagem de dinheiro e ilícitos financeiros; Que, acima das Vice-Presidências, encontra-se a Presidência do Banco, ocupada pela Sra. Kátia Rabello desde 2001; (...) Que o Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro tem a função de definir as políticas e diretrizes e analisar os casos de indícios de lavagem (...); Que, com o ingresso de Vinícius Samarane na Presidência do Comitê, este órgão perdeu um pouco a sua dinâmica, vez que o próprio Diretor de Compliance estava respondendo pelo órgão encarregado da prevenção à lavagem; Que, havendo indício de lavagem de dinheiro, a palavra final sobre os procedimentos a serem adotados é a do Diretor Respon-sável pela Circular Bacen 2852; Que esse Diretor, quando de seu ingresso, era José Roberto Salgado, substituído, em 2004, pela Sra. Ayanna; Que o Sr. Ájax, enquanto acionista e membro do Conselho de Administração, não tinha poder gerencial maior do que a família do Sr. Sabino, principal acionista do Banco, integrada pelo mesmo e pelas suas filhas, Júnia e Kátia; Que, embora a Vice-Presidência sempre tenha desempenhado poder administrativo e gerencial do Banco, a última palavra sempre competiu ao Presidente; Que a função de compliance é a de manter a conformidade dos procedimentos do banco com a legislação e normativos externos e internos; Que, sendo um banco de negócios com um número limitado de clientes, há uma maior facilidade para verificação de irregularidades e inconsistências nos procedimentos adotados pelos clientes; Que a função do depoente não era a de fiscali-zar, mas sim de recomendar a regularização da ocorrência; Que, para tanto, foi criado um instrumento para facilitar o trabalho denominado “programa de compliance”, constituído de um código de ética do banco, política de “conheça seu cliente”, procedimentos de prevenção à lavagem de dinheiro, treinamento para todos os funcionários sobre a Lei 9.613/98; (...) Que a política de “conheça seu cliente” foi implantada em 2002, com a criação do relatório “conheça seu cliente”, que apresentava indícios dos clientes que movimentavam dez e quinze vezes o seu faturamento mensal (...); Que essas ocorrências geravam um relatório automático, chamado “conheça seu cliente”, que era encaminhado à Diretoria Estatu-tária (Operacional e Diretor responsável, segundo a Circular 2852) para justificar se se tratava de indício de lavagem; Que as providências adotadas pela Direção do Banco não eram de conhecimento do depoente; Que esse relatório continha campos para a indicação da justificativa referente à ocorrência levantada pelo sistema, permanecendo arquivado no Banco, à disposição do Bacen e de outros órgãos, pelo período de cinco anos; Que as justifi-cativas devem ser assinadas pelos respectivos Diretores, a quem compete comunicar o fato ao Banco Central nas situações que entenderem cabíveis; Que esse relatório era apresentado mensalmente, havendo clientes que apareciam todo mês; Que a empresa

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SMP&B aparecia constantemente no referido relatório, inclusive a partir do ano de 2003, assim como a empresa Graffiti, cuja aparição pode afirmar ter ocorrido ao menos uma vez; (...) Que, pela Resolução Bacen 2554, o banco é obrigado a elaborar um relatório semestral de controles internos e de compliance, que é encaminhado ao Conselho de Admi-nistração e assinado pelos seus membros (...); Que esse documento relata as irregularidades encontrados pelo compliance, auditoria, inspetoria e controles internos, suas recomen-dações para adoção de providências bem como o prazo e o setor responsável para regu-larizar a situação; Que as informações referentes às operações (empréstimos, movimenta-ção, saques em espécie) realizadas pelo PT e SMP&B nunca foram inseridas nesse relatório; Que esse relatório não era gerado automaticamente pelo sistema desenvolvido pelo depoente, mas sim elaborado pelos responsáveis de compliance, auditoria interna e ins-petoria, sendo assinado pelos respectivos Superintendentes e pelo Diretor de Controles Internos e Compliance, com a ciência de todo o conselho de Administração; Que o pri-meiro relatório foi elaborado a partir do ano de 2003 – não obstante a Resolução 2554 datar do ano de 1998 – em razão de solicitação do Banco Central, após realização de ins-peção globalizada; Que, nesse período foram elaborados seis relatórios semestrais, sendo que, como no último não apontava as irregularidades relativas à SMPB e ao PT, o depoente se recusou a assiná-lo; Que esse último relatório data de 30 de junho de 2005; Que, nos demais, também não constaram as irregularidades das operações da SMPB e do PT, que foram identificadas nos relatórios de compliance, mas o depoente se viu compelido a assinar para garantir o seu emprego; Que o depoente, em razão da sua função no banco, era o res-ponsável pela elaboração da versão inicial desse relatório semestral; Que fazia constar todas as irregularidades apuradas pelo compliance, auditoria interna e inspetoria; Que esse relatório seguia para os seus superiores, a saber, João Heraldo Lima e, posteriormente, Vinícius Samarane, retornando a versão final, já assinada pelos superiores, com o nome do depoente e demais superintendentes para assinatura, sem aqueles apontamentos de irregularidades inicialmente registrados; Que, ao observar que o documento com a última versão já retornava a suas mãos assinado, inclusive pelos membros do Conselho de Admi-nistração, o depoente entendeu não lhe restar outra alternativa senão assinar o documento; Que, por ocasião da elaboração do último relatório, como os fatos já estavam muito expostos na mídia, o depoente se recusou a assiná-lo, sendo sinalizado que o compliance seria terceirizado e que o depoente seria convidado a deixar o banco via PDV; Que o depoente comunicou a recusa em assinar o relatório ao Diretor Vinícius, o que ocasionou a substituição do referido documento, com a supressão do campo destinado à assinatura do Superintendente de Compliance; Que, logo após, o Diretor Vinícius lhe comunicou que os setores de Compliance e Auditoria Interna seriam terceirizados, o que se comprovou com a publicação do balanço em agosto de 2005; Que o depoente entrou no PDV em agosto e saiu em setembro; Que a única pessoa com autorização para interagir com o Conselho de Administração era o Diretor Vinícius Samarane, que também era responsável pela Secretaria-Geral do Banco; (...) que outro relatório, elaborado pela Inspetoria, é de responsa-bilidade do setor de monitoramento, responsável por informar ao Banco Central os saques e depósitos em espécie acima de 100 mil reais, bem como os clientes que apresentavam movimentação com indícios de lavagem de dinheiro; Que a Inspetoria, depois de detectar os indícios, solicitava autorização ao Diretor responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro para informar ao Banco Central; Que, indagado, esclarece que o grande problema foi o de não seguir as normas de compliance, notadamente quanto à ausência de segregação; Que, a partir de agosto de 2003, o depoente se recorda de ter observado movimentações fora dos padrões por parte da empresa SMPB, o que restou constatado por ambos os relatórios criados pela sua Superintendência; Que os relatórios “conheça seu cliente” e “movimentação acima dos padrões” eram gerados mensalmente na Superintendência de Ins-petoria, que os apresentava ao Diretor responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro (...) Que a Vice-Presidente Ayanna não integrava o Comitê Central de Crédito, mas, como responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro, não podia alegar que desconhecia a atipicidade das movimentações acima do padrão; (...) Que, indagado sobre os indícios de lavagem de dinheiro nas operações envolvendo Marcos Valério, o depoente esclarece que os

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mesmos decorrem da expressiva movimentação de crédito via transferência eletrônica – TED, dos empréstimos concedidos e não liquidados ou amortizados e do excesso de saque em espécie, caracterizando uma prática que, pela legislação, configura indício de lavagem de dinheiro; Que, portanto, conforme determina a Circular 2852 do Bacen, essas movi-mentações deveriam ser informadas ao Banco Central como indício de lavagem de dinheiro; Que o Banco Rural, ao alegar ter “informado ao COAF” as operações em comento, contem-plava apenas os saques acima de 100 mil reais, contrariando o que determina a Lei n. 9.613; Que, na área internacional, não havia atuação da Superintendência de Compliance, da Superintendência de Inspetoria ou de auditoria interna, sob alegação de tutela do sigilo bancário relativo à instituição financeira no estrangeiro; Que o Sr. José Roberto Salgado, atual Vice-Presidente, acumula a função de diretor da Área Internacional (incluindo o câmbio), e, até 2004, também acumulava a função responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro; Que a Sra. Ayanna Tenório foi contratada logo após a morte do Dr. José Augusto Dumont, assumindo, de uma vez, o cargo de Vice-Presidente de Apoio Operacional e a função de responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro, sucedendo o Vice-Presidente José Roberto Salgado; Que o depoente não tem conhecimento de que a Sra. Ayanna tinha experiência na área bancária, tampouco em procedimentos de prevenção à lavagem de dinheiro; Que, ao ser convidado a ingressar no PDV, sob pena de desligamento sumário do banco, o depoente ficou numa situação de difícil colocação no mercado, em razão da desmo-ralização da área de compliance do Banco Rural e das indicações da terceirização da referida área; Que outra razão que levou o depoente a tornar públicos os fatos narrados foi a preocupação com eventual imputação à área de compliance, pelo Banco Rural, de respon-sabilidade pelas irregularidades (...)

Ora, os dirigentes do Banco Rural denunciados nestes autos tinham, como afirmado no depoimento supra, responsabilidade direta pela gestão da instituição financeira, inclusive no que concerne ao Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e pelas áreas de compliance, contabilidade, jurídica e tecnológica (os denunciados são presidente (Kátia Rabello), vice-presidente (José Roberto Salgado) e diretores de compliance (Ayanna Tenório) e do Comitê de Prevenção à Lavagem (Vinícius Samarane).

Assim, não pode ser acolhida a alegação da defesa no sentido de que não houve individualização detalhada da conduta de cada um dos denunciados do Banco Rural.

No caso em questão, a acusação dirigida contra todos se justifica em razão da evidente responsabilidade conjunta dos gestores no sentido de prevenir a prática de lavagem, não sendo possível narrar os atos individuais praticados por cada um.

Além disso, o depoimento de Godinho demonstra que há indícios de que os dirigentes do Banco Rural não apenas deixaram de comunicar ao Banco Central as operações suspeitas realizadas pelos denunciados do núcleo Marcos Valério mas também teriam viabilizado e idealizado o suposto mecanismo para as ocultações e dissimulações da movimentação e propriedade de vul-tosas quantias em espécie8, em aparente união de desígnios com a suposta organização criminosa, objeto da acusação.

8 Cuja localização e propriedade, como sabemos, é impossível se não houver um registro bancário formal.

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Veja-se que, embora os acusados procurem atribuir a responsabilidade por todas as irregularidades ao falecido José Augusto Dumont, há indícios que corro-boram a denúncia. Assim, em primeiro lugar, cito pequeno trecho do depoimento da acusada Kátia Rabello perante o Conselho de ética, no qual ela afirma ter participado de encontros com o denunciado José Dirceu, na época Ministro da Casa Civil, no ano de 2003, inclusive quando José Augusto Dumont ainda era vivo – e sem a participação deste último (apenso 81):

O Sr. Deputado Chico Alencar – A senhora esteve também aqui na Casa Civil com o Sr. José Dirceu, então Ministro?

A Sra. Kátia Rabello – Sim.O Sr. Deputado Chico Alencar – Quando foi?A Sra. Kátia Rabello – Essa data também eu não tenho certeza. é 2003, eu sei que é

2003, porque o Zé Augusto estava vivo, no segundo semestre de 2003.(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – Agora, pelo que eu entendi, o Sr. Marcos Valério

também participou dessa reunião.A Sra. Kátia Rabello – Ele participou.O Sr. Deputado Chico Alencar – Em que condição?A Sra. Kátia Rabello – Na condição de acompanhante do banco.O Sr. Deputado Chico Alencar – Acompanhante do Banco Rural?A Sra. Kátia Rabello – Do Banco Rural. É, ele foi um convidado nosso, já que tinha

sido ele o facilitador do encontro.(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – Esse segundo encontro, se não me engano, é um jantar

em Belo Horizonte com o Ministro?A Sra. Kátia Rabello – Sim.O Sr. Deputado Chico Alencar – Também foi agendado pelo Sr. Marcos Valério?

Foi ele quem falou da possibilidade que o Ministro estaria em Belo Horizonte? Foi o Sr. Marcos Valério?

A Sra. Kátia Rabello – Sim.O Sr. Deputado Chico Alencar – Aí, ele não compareceu a esse jantar?A Sra. Kátia Rabello – Não compareceu.(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – Quem eram os participantes?A Sra. Kátia Rabello – éramos eu, o Ministro e um diretor meu. (...)O Sr. Deputado Júlio Delgado – V. Sa. poderia precisar a data desse jantar?A Sra. Kátia Rabello – Essa eu posso: 6 de agosto. Eu sei porque era aniversário do

meu filho.O Sr. Deputado Júlio Delgado – Seis de agosto de...?A Sra. Kátia Rabello – De 2004.(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – Os encontros com o ex-tesoureiro do Partido dos

Trabalhadores, Delúbio Soares, foram três ou quatro encontros. A senhora também teria condições depois de precisar quando ocorreram?

A Sra. Kátia Rabello – Não tenho a menor condição porque, como eu disse, não eram encontros formais, como os com o Deputado. Eram encontros absolutamente in-formais. (...) Ele passava pelo banco, talvez marcasse com o zé Augusto, e aí me ligavam: “Olha, podemos ir à sua sala?”. Aquelas coisas, não é. Para tomar um café, enfim.

O Sr. Deputado Chico Alencar – O zé Augusto ainda era vivo.A Sra. Kátia Rabello – Era vivo. E depois houve algumas vezes, também, mas sem-

pre nessa... Em uma informalidade. Por isso é muito difícil de eu precisar.O Sr. Deputado Chico Alencar – E qual era o assunto fundamental desses encontros?

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A Sra. Kátia Rabello – Olha, era tudo muito rápido, muito breve, era mais um cumpri-mentar, “estou passando aqui por Belo Horizonte, vim cumprimentá-la”. Mas ele, em algum momento, que eu não sei exatamente precisar a data, confirmou que o dinheiro empres-tado à SMP&B teria sido repassado para quitar dívidas do partido.

Em outro trecho de seu depoimento, na mesma sessão do Conselho de ética, a Presidente do Banco Rural respondeu às questões referentes aos saques vultosos que eram realizados nas agências de Brasília e Belo Horizonte (v. apenso 81):

O Sr. Deputado Carlos Sampaio – Sr. Presidente, nobre Relator, Srs. Conselheiros, eminente Ministro, que ora exerce aqui a defensoria da depoente, ilustre depoente, Sra. Kátia Rabello. V. Sa. falou superficialmente sobre a questão dos saques ocorridos. E, por também integrar a CPI dos Correios, na condição de Sub-Relator, o que nós verificamos lá é que eram 3 as modalidades existentes. Numa delas, a SMP&B [emitia] cheque para a prórpia SMP&B, assinava atrás, endossava, sacava no próprio Banco de Minas Gerais. A segunda modalidade, sabe-se lá por qual razão, o portador desse cheque vinha sacá-lo aqui em Brasília, porém fi-cava registrado como saindo do caixa de Belo Horizonte. Mas teria uma terceira modalidade, que é aquela na qual o banco de Belo Horizonte autorizava o cheque aqui. Não havia a questão do cheque aqui. O cheque era autorizado para o saque aqui, e, portanto, era contabilizado no caixa daqui, que eram aquelas hipóteses em que a Simone vinha sacar os valores aqui. Então, são essas 3 modalidades?

A Sra. Kátia Rabello – Não sou a melhor pessoa para responder isso, e peço desculpas, mas me parece que sim. E a outra modalidade é que o saque era efetuado lá, mas o di-nheiro era recebido aqui, através de uma transferência interagências, não é?

O Sr. Deputado Carlos Sampaio – é exatamente esta, a terceira então. (...) Nestas opera-ções intercasas, os saques muitas vezes eram vultosos, chegavam à quantia de 650 mil reais num único saque. Esse tipo de operação não chamava a atenção do Banco Rural, uma vez que qualquer movimentação acima de 100 mil, o próprio Coaf tem de ser informado? Mas, independentemente da missão do Coaf e do Banco Central, enquanto agentes fiscalizadores, o próprio Banco Rural não via de uma forma diferenciada um saque na boca do caixa em Brasília, por exemplo, como esse de 650 mil reais, onde foi solicitado um carro-forte?

A Sra. Kátia Rabello – (...) esse cliente, como outros clientes, ele tem um compor-tamento, e o estudo das áreas que são, vamos dizer, responsáveis por essa área do banco, ele é feito muito de acordo com o comportamento. Existe uma primeira preocupação, que é a origem do dinheiro, porque, na verdade, a lavagem do dinheiro se dá na origem, não é? (...) Na hora em que o dinheiro entra na instituição financeira, digamos. Então, nosso cliente tinha uma origem conhecida, que eram os... Todo mundo já sabe, os contratos...

O Sr. Deputado Carlos Sampaio – Contratos públicos e privados.A Sra. Kátia Rabello – (...) o próprio empréstimo do banco. Então, o banco co-

nhecia e sabia que o cliente tinha origem e capacidade financeira. Então, isso já, vamos dizer, não colocava tanto em evidência ou tanta preocupação sobre a movimentação. E o outro ponto importante – e que gerou também algumas discussões até entre nós – é o tratamento. Quando você usa, dentro desse meio, a palavra “normal”, aí alguém fala assim: “Nossa! Mas não é normal isso”, é porque o normal, no caso, ele obedece a uma norma. E os saques em dinheiro, eles vêm, se você olhar na documentação, eles vêm, desde 2000, 2001, obedecendo a uma norma. Eles têm um certo padrão. Normalmente, é isso que é olhado, que é observado. Se você tem um cliente, por exemplo, que movimenta lá, que saca em dinheiro, sei lá, 200 mil...

O Sr. Deputado Carlos Sampaio – Com freqüência?A Sra. Kátia Rabello – ...e um belo dia ele vai e saca 5, enfim, aí você teve uma quebra

da norma. E é isso que chama a atenção. E, no caso dessas empresas, existia uma normali-dade nesse sentido, de muitos anos.

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O Sr. Deputado Carlos Sampaio – Na verdade, na quebra do sigilo bancário do Sr. Marcos Valério e das empresas dele, na verdade, não se verificou, antes de 2002, saques na boca do caixa em valor elevado. É apenas após 2003. Por isso que eu digo que é uma inovação. Não vinha com uma certa normalidade, saques de 200, saques de 300, saques de 400. Não era a regra. Muito pelo contrário. Ela se iniciou, talvez não seja também do seu conhecimento...

A Sra. Kátia Rabello – É...O Sr. Deputado Carlos Sampaio – (...) mas ela se iniciou efetivamente a partir de 2003.A Sra. Kátia Rabello – A informação que eu tenho é que os saques aconteciam em

valores menores, e, de certa forma, vamos dizer, estariam explicados pelo próprio aumento da movimentação. Ou seja, era uma empresa que tinha menos origem no passado, os saques eram compatíveis com aquela origem menor, com aquela movimentação menor. À me-dida que a movimentação vai aumentando, o volume dos saques vão aumentando. É isso que eu me lembro de ter visto.

Veja-se, ainda, o depoimento prestado pelo acusado Jacinto Souza Lamas (fl. 612, vol. 3):

Que algumas vezes Simone deixava anotações na agência Brasília do Banco Rural, com autorizações para que o declarante efetuasse o saque dos valores; Que todo o dinheiro recebido na Agência Brasília do Banco Rural também foi repassado direta-mente para o Deputado Valdemar Costa Neto; Que também efetuou alguns recebimentos na agência Brasília do Banco Rural, com base em autorizações que eram encaminhadas pela Agência do Banco Rural de Belo Horizonte/MG; Que, mesmo nesses casos, ainda recebia telefonema de Simone informando a disponibilidade dos recursos na Agência Brasília do Banco Rural; Que, dessa forma, comparecia na Agência do Banco Rural, rece-bia o dinheiro e assinava um recibo informal; Que apenas fazia uma rubrica, sendo que algumas vezes que lhe foi exigida apresentação de documento de identidade; Que esse recibo informal era uma tira de papel com alguns manuscritos e carimbos; Que, após certo tempo, ficou conhecido dos empregados da Agência, que não mais lhe exigiam apresentação de documento de identidade; (...) Que o irmão do declarante, de nome Antônio de Pádua de Souza Lamas, também recebeu valores da Agência Brasília do Banco Rural, a pedido do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que tais pagamentos ocorreram seguindo o mesmo procedimento já relatado; (...)

Os indícios de participação desses denunciados são claros nos autos, sendo relevante notar que algo em torno de R$ 3 milhões de reais foram retirados nas agências do Banco Rural, sem identificação do sacador. Aliás, a presidente do Banco Rural, a acusada Kátia Rabello, foi questionada também a esse respeito durante seu depoimento ao Conselho de ética, do qual destaco o seguinte trecho (apenso 81, fls. 173/208 dos autos digitalizados):

O Sr. Deputado Júlio Delgado – A CPMI dos Correios tem feito uma apuração, e nós já temos o conhecimento de que os saques feitos no esquema chamado, denominado “va-lerioduto”, vários deles foram identificados. Nós temos conhecimento de que algo em torno de 3 milhões foram feitos sem identificação do sacador nas agências do Banco Rural. A senhora pode dar alguma explicação a respeito desses saques sem identificação?

A Sra. Kátia Rabello – (...) Dentro dessa questão dos saques, de como se processavam os saques, existiam basicamente duas maneiras de esses saques serem processados. Em algumas situações era enviada uma ordem de pagamento da SMP&B para a SMP&B. Alguém da SMP&B assinava. Isso é perfeitamente dentro da legalidade. (...) Porque, na verdade, o saque era feito em Belo Horizonte, ele era registrado em Belo Horizonte, mas, em alguns casos, desse saque era feito um envio em dinheiro, que é um processo entre agências, em nome de determinada pessoa. Esse procedimento coube exclusivamente ao cliente. Ou seja, em

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alguns casos, o cliente optou por enviar esse dinheiro em nome do recebedor, na imensa maioria das vezes, em Brasília. Então, nesses casos, esse nome dessa pessoa vem registrado em todos os momentos, vamos dizer, de todos os controles de contabilidade, de sistema. E, quando era SMP&B para SMP&B, então não tinha o nome da pessoa que ia lá receber, porque era uma pessoa da própria agência. Então, dentro da norma bancária, não seria necessário isso. é essa a informação que eu tenho.

O que a acusada não explicou foi a razão pela qual o Banco Rural aceitou registrar, como saque da SMP&B na agência de Belo Horizonte, valores elevados de dinheiro em espécie que, na verdade, seriam sacados da conta da SMP&B por terceiras pessoas, na agência do Banco Rural em Brasília.

Não haveria maiores suspeitas contra o Banco Rural se essas mesmas opera-ções tivessem sido efetuadas mediante transferências bancárias ou DOCs para as contas das pessoas que efetivamente receberam os valores, como é usualmente feito pelos consumidores bancários. Mas o Banco Rural, ao contrário, não registrou quem foram as pessoas que se beneficiaram do dinheiro repassado pela SMP&B por meio das agências de Brasília, São Paulo e Belo Horizonte, razão pela qual o suposto “valerioduto” contou, em tese, com a participação ativa dos dirigentes denunciados.

Aliás, Kátia Rabello afirmou, várias vezes, que os valores envolvidos nas operações irregulares sequer seriam tão elevados para a realidade do Banco. Leio, nesse sentido, outro trecho de seu depoimento ao Conselho de ética (apenso 81):

O Sr. Deputado Carlos Sampaio – A Petros, que é o fundo de pensão da Petrobras, ao que sei, no Governo passado não aplicava no Banco Rural. No início deste Governo, passou a aplicar no Banco Rural, e a quantia inicial foi de 5 milhões de reais, aproxi-madamente. Já no segundo semestre de 2003, a Petros, que nunca havia aplicado nada e que no início do Governo passou a aplicar 5,2 milhões de reais no Banco Rural, subiu esse investimento, essa aplicação, para 24 milhões, o que implicou aumento de 371% das aplicações dos fundos...

A Sra. Kátia Rabello – Quando que seria isso?O Sr. Deputado Carlos Sampaio – Foi no início de 2003 a primeira aplicação...A Sra. Kátia Rabello – Ah... E o aumento?(...)O Sr. Deputado Carlos Sampaio – Antes não havia. E depois, digamos assim, desse

episódio dos empréstimos, no segundo semestre, essa aplicação saltou para 24,5 milhões de reais, num aumento de 371%. (...) A senhora chegou a ter conhecimento dessas apli-cações?

A Sra. Kátia Rabello – é, especificamente dessas aplicações não, porque, mais uma vez, é sempre... A gente sempre tem que contextualizar. Existem valores que, para o nosso uso pessoal, no dia-a-dia, são representativos, mas que, dentro do volume da ins-tituição financeira não o são. Então, por exemplo, todos os dois valores aqui mencionados não representam nada de significativo dentro do passivo do Banco naquela época. Então, eu não teria nem porque saber, especificamente – e não acompanho especificamente essas aplicações. O que eu acompanho e acompanhei, e fui tomando pé, principalmente depois da morte do zé, são os grandes aplicadores. Então, assim (...) O que eu posso afirmar, porque esse estudo foi feito e é alguma coisa que a gente... A gente tem algum problema com a questão do sigilo, de mandar isso, mas me parece que a gente poderia fazer um somatório conside-rando o somatório dos fundos ligados ao Governo Federal durante o Governo passado e durante esse Governo. Essa proporção, ela se manteve assim (...) Houve, parece, que uma mínima queda. Ou seja, ela se manteve igual. Então, observando de uma maneira geral a aplicação dos fundos do Banco Rural de um Governo para o outro, existe uma manutenção da relação. Fui clara?

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R.T.J. — 203 575

(...)O Sr. Deputado Carlos Sampaio – A informação que me chegou era a de que a Petros

não aplicava no Banco Rural. Passou a aplicar em 2003 e aumentou muito no segundo semes-tre de 2003. é uma informação que seria importante se tivéssemos aqui.

A Sra. Kátia Rabello – Eu não tenho essa informação não (...)

No que tange à verdadeira representatividade dos valores envolvidos nos ilícitos supostamente praticados – por meio dos empréstimos, dos saques em espécie, dos investimentos dos fundos de pensão –, a acusada Kátia Rabello afirmou, diversas vezes, como vimos antes, que tais valores, por não serem elevados, dentro da realidade do Banco Rural, não chegavam ao seu conhecimento, no exercício da Presidência. Entretanto, ao final de seu depoimento perante o Con-selho de ética, parece-me ter havido uma certa contradição de sua parte, verbis:

O Sr. Deputado Júlio Delgado – A CPI – isso é uma tese, e eu não estou lhe pergun-tando sobre tese – chega ou analisa a possibilidade de esses empréstimos não terem sido feitos de forma regular e não serem empréstimos. A CPI estuda essa possibilidade, e é uma tese que a cada dia se fortalece naqueles estudos. Esses empréstimos teriam sido uma forma de repassar recursos para o Sr. Marcos Valério para que, eventualmente, pudesse passar para o partido. Essa é uma tese das CPIs que a gente utiliza, porque é a base da representação do Partido Trabalhista Brasileiro [PTB] que a gente está analisando.

O Sr. Marcos Valério, a senhora disse, teve uma grande relação – e tem – com o banco. é um dos clientes preferenciais; era intermediador dos contatos entre o banco e o PT, o Partido dos Trabalhadores... o partido ou os encontros. E o Sr. Marcos Valério vinha de um Governo passado, com contas publicitárias, que passou para este Governo, com contas publicitárias, com um aumento considerável desses contratos. Isso não tem nada a ver, porque alguns desses contratos foram oferecidos, inclusive, como garantia dos empréstimos.

A Sra. Kátia Rabello – É verdade.O Sr. Deputado Júlio Delgado – A última pergunta que eu lhe coloco, em função disso

tudo: a senhora admite a hipótese de o Banco Rural ter estabelecido, ao não executar o suposto empréstimo (...) de essa relação, por ser a pioneira, do seu conhecimento, na sua gestão, ter sido uma política estabelecida... E a política de relação ser estabelecida pelo banco – com o Governo e com o Partido dos Trabalhadores – que estava entrando em um projeto e, por isso, celebrado os empréstimos e, até então, não ter executado?

A Sra. Kátia Rabello – De forma alguma.O Sr. Deputado Júlio Delgado – Não foi uma política estabelecida pelo banco para

ter uma relação com o partido no poder?A Sra. Kátia Rabello – Acho que os valores são totalmente inadmissíveis numa

relação como essa. São valores altíssimos, o que não cabe imaginar.

Do exposto, Senhora Presidente, entendo que a denúncia reúne condições para ser recebida, no ponto em análise, estando devidamente instruídos os autos com elementos que consubstanciam a existência de justa causa para a regular instauração de ação penal contra os denunciados: Marcos Valério, Ramon Hol-lerbach, Cristiano Paz, Rogério Lanza Tolentino, Simone Vasconcelos, Geisa Dias, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Ra-bello, na forma do art. 29 do Código Penal, pela suposta prática, por 65 (sessenta e cinco) vezes, do crime definido no art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/98, nos termos do item IV da denúncia.

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Da imputação de gestão fraudulenta de instituição financeira – Art. 4º da Lei 7.492/86 – Capítulo V da denúncia

No presente capítulo, o Parquet acusa os dirigentes do Banco Rural José Roberto Salgado (vice-presidente operacional), Ayanna Tenório (vice-presidente); Vinícius Samarane (diretor estatutário) e Kátia Rabello (presidente) de terem operado um mecanismo fraudulento na gestão da instituição financeira, conforme descrito no tipo previsto no art. 4º da Lei 7.492/86, que reza:

Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:Pena – Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.Parágrafo único. Se a gestão é temerária:Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Os fatos consistiriam no seguinte (v. denúncia, fls. 5697 e seguintes, vol. 27):

Nos termos consignados pelos auditores do Banco Central, os dirigentes do Banco Rural efetuaram dezenove operações de crédito com as empresas de Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Rogério Tolentino, e com o Partido dos Trabalhadores, totalizando R$ 292,6 milhões de reais na data-base de 31/05/2005, correspondente a 10% da carteira de crédito da instituição.

Das dezenove operações de crédito acima mencionadas, que não apresentavam a cor-reta classificação do nível de risco de crédito, oito foram reclassificadas pelo próprio Banco Central, haja vista a verificação de discrepância entre as classificações originariamente atribuídas pelos dirigentes do Banco Rural e o real nível de risco das operações, represen-tando dívidas no montante de R$ 183.871.188,08.

As operações de crédito em que ocorreu maior discrepância entre os níveis classi-ficados pelos dirigentes do Banco Rural e aqueles determinados pelos auditores do Banco Central, em face da situação de total inadimplência, foram justamente aquelas efetuadas com as empresas envolvidas no esquema ora denunciado.

- SMP&B Comunicação Ltda., reclassificada dos níveis “B” e “C” para “H”, apresen-tando saldo devedor de R$ 36.874.855,67;

- Graffiti Participações Ltda., reclassificada do nível “B” para “H”, apresentando saldo devedor de R$ 16.139.139,82; e

- Partido dos Trabalhadores – PT, reclassificada do nível “A” para “H”, apresentando saldo devedor de R$ 5.913.532,38.

A expressiva discrepância dos níveis de classificação do risco de crédito resultou, segundo constatação dos próprios auditores do Banco Central (fl. 19 do PT 0501301503), de deliberada ação dos gestores do Banco Rural, com o propósito de omitir o efetivo nível de risco das operações e, por conseguinte, deixar de efetuar as devidas provisões que, no caso dos três empréstimos acima, teriam que ser realizadas no total do montante emprestado.

Tal situação revela que os dirigentes do Banco Rural, empregando expedientes fraudulentos, deixaram de atribuir a verdadeira classificação aos riscos de créditos das empresas SMP&B e Graffiti, e do Partido dos Trabalhadores, simulando uma situação contábil que, de fato, não existia.

A manobra em tela, acarretando a não provisão dos valores acima, implica alteração do balanço da instituição bancária e reflete diretamente na sua situação financeira em relação a tais ativos, aumentando ficticiamente sua capacidade operacional.

(...) A própria concessão dos empréstimos, caso as operações sejam efetivamente

como tal consideradas, resulta de expedientes ardilosos dos dirigentes do Banco Rural para justificar a liberação de recursos às empresas SMP&B e Graffiti e ao Partido dos Trabalhadores, pois, tecnicamente, as concessões não eram recomendáveis.

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Assim, a imputação pode ser resumida ao fato de terem sido deliberada-mente realizadas operações de nível de risco elevado, nos termos da Resolução do Bacen 2.682, de 21 de novembro de 1999, com emprego de artifícios, pelos dirigentes do Banco Rural, para camuflar tal risco e, inclusive, para ludibriar as autoridades, de modo a que não se percebesse a alegada prática de atividades ilícitas (lavagem de dinheiro) pela instituição.

A par de preliminares já vistas no item anterior (prova obtida diretamente pelo MPF, prova emprestada de outra investigação, prova obtida pela CPMI dos Correios), a defesa alega (apenso 118) que a denúncia faz acusações “em bloco”, presumindo a culpa dos acusados, sem apontar as fraudes existentes na concessão dos empréstimos nem quais seriam os responsáveis por tais fraudes. Afirma que “os quatro dirigentes do Banco Rural são indiscriminadamente acusados”, “sem levar em conta as suas diversas responsabilidades funcionais”. Diz que, “ainda que possa ter havido falhas nos procedimentos bancários”, os empréstimos foram devidamente registrados no Bacen. Assim, “essas operações contabilizadas não fariam sentido, fosse o objetivo do Banco canalizar dinheiro para pagamento de propinas”.

Por fim, afirma a defesa que “as renegociações foram sempre amparadas em pareceres técnicos favoráveis. Verificando-se, finalmente, após a eclosão da crise, o inadimplemento insuperável em faço do vencimento da última renovação, o Banco ajuizou as competentes medidas judiciais para recuperação de seus créditos”.

Não obstante isso, Senhora Presidente, as alegações do Parquet encontram indícios nos autos.

é interessante a leitura de trecho do depoimento da acusada Kátia Rabello ao Conselho de ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, em 22 de setembro de 2005, que transcrevo (apenso 81):

O Sr. Deputado Júlio Delgado – E o Banco Rural tem como prática, ao conceder um empréstimo desse, levantar recursos e aceitar avalistas com base, exclusivamente, no seu prestígio, ou ele aceita avalistas com base numa aprovação de cadastro prévio?

A Sra. Kátia Rabello – Deixa eu voltar então um pouco. Nessa época, quem tratava dos empréstimos era o José Augusto. Então, é difícil pra mim discutir, até porque, dentro da política de crédito do Banco, existe toda uma normativa de alçadas, de garantias versus cliente. Então, são como 2 pratos de uma balança: quando você tem uma garantia muito forte, você pode ter um cliente mais frágil; quando você tem um cliente, onde você tem uma certeza maior de receber, você pode ter uma garantia mais frágil. (...)

O Sr. Deputado Júlio Delgado – Em 1998, o Banco Rural fez um empréstimo na mesma linha, no mesmo sentido, em Minas Gerais, foi também o banco que foi utilizado para empréstimo por parte de uma campanha do PSDB, foram dadas como garantia contas publicitárias. E esse empréstimo [terminou] também não sendo pago, na ordem de 9 mi-lhões (...) e que, quase 5 anos depois (...) foi quitado esse débito pelo Sr. Marcos Valério na ordem de 2 milhões. No momento em que se repete uma operação, quase que 7 anos depois, 6 anos depois, nas mesmas características, com as mesmas garantias, sabendo-se da probabilidade do não-pagamento, conforme ocorreu até quanto surgiram as denúncias, não houve uma surpresa – e aí V. Sa. já estava na direção do Banco – que essa transação repetida, falível, que trouxe prejuízo ao Banco Rural, pudesse ser repetida nas mesmas características, e o Banco aprovar, com total isenção, um fato que tinha a interveniência de empresa de publicidade com partido político, com campanha eleitoral? Não houve indignação e surpresa de isso ter sido repetido com partidos diferentes?

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A Sra. Kátia Rabello – (...) Só para contextualizar, na época o Banco Rural tinha alguma coisa em torno de 5 bilhões de ativo – 4 para 5 bilhões de ativo – e a operação era uma operação... Eram 2 operações que totalizavam cerca de 30 milhões de reais. (...) Então, a maneira que eu percebo pode ter sito o raciocínio do José Augusto é: “Bom, eu perdi atrás, mas tenho uma empresa que agora está com condição, está com uma capacidade financeira, tem contratos de valores maiores e que vai poder honrar e, de alguma forma, eu vou conseguir recuperar aquilo que eu perdi lá atrás.” Eu acompanhei esse raciocínio dele em alguns outros casos. E, em alguns casos, existia essa expressão “salgar a carne podre”, porque, às vezes, você coloca mais dinheiro num devedor e, chega lá na frente, ele não consegue honrar. Parece que, infelizmente, foi o caso.

O Sr. Deputado Júlio Delgado – (...) A constatação que a gente faz é que o Banco, em valores que o Banco pode considerar insignificantes, mas para a sociedade não são, na ordem de um empréstimo de 9 milhões feitos junto ao PSDB, ao Marcos Valério, em 1998, tenha sido repetido em 2003, sabendo que isso trouxe prejuízo da ordem de 7 milhões para o banco, e ter sido feita, também, novamente correndo o risco de prejuízo ao Banco, como está acontecendo agora com esse empréstimo que foi feito ao Partido dos Trabalhadores. é uma constatação. Não falo com relação ao processo, mas à instituição financeira que repete uma operação falível em termos dos propósitos a que ela se dispõe como instituição, de arrecadação de fundos e de capitalização de recursos. (...)

A Sra. Kátia Rabello – Só gostaria de deixar claro que eu... é muito difícil a situação, porque, ao mesmo tempo, fica muito feio jogar a culpa em alguém que já morreu, existe um fato real que pode ser comprovado em documentos, pessoas de dentro do Banco, clientes que se relacionavam com o Banco, assim, fartamente, de que de fato José Augusto era o senhor, ele era o número um, era a pessoa que tocava o Banco e que tocava esses créditos e que negociou esses créditos específicos pessoalmente. (...)

A acusada Kátia Rabello prestou, ainda, outras declarações ao Conselho de ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, na mesma sessão antes citada (22-9-05, v. apenso 81):

O Sr. Deputado Jairo Carneiro – (...) Sra. Kátia Rabello, eu inicio tomando por base o texto da representação movida pelo PTB contra o Deputado José Dirceu, quando diz que o Sr. Marcos Valério e a Sra. Renilda, sua esposa, em depoimento ao Procurador-Geral da República, declararam que o Sr. Deputado José Dirceu, em conluio com Delúbio Soares, levantaram fundos junto ao Banco Rural e com objetivos espúrios. é o que vem no texto subseqüente. Eu quero que V. Sa. declare se o Banco Rural participou desse tipo de operação que a representação atribui a declarações do casal?

A Sra. Kátia Rabello – Não.O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Mais adiante, diz a representação, comprometendo

a honorabilidade do seu banco, dizendo que esses contratos não foram objeto de cobrança por sua instituição. O que a senhora declara sobre isso?

A Sra. Kátia Rabello – Acho muito importante sempre contextualizar. Quando um banco tem um devedor que está em dificuldades de quitar o seu débito, existe um processo de negociação que é sempre preferido ao processo judicial, por razões que eu imagino que todos aqui imaginem. Os processos litigiosos são extremamente lentos e, muitas vezes, onerosos e ineficazes, no caso, para o credor. Então, a nossa decisão, na verdade, a minha decisão e dos meus pares, naquele momento em que o José Augusto, que era primeiro executivo do banco, pessoa que tinha negociado aquilo tudo, não estava mais presente, foi tentar negociar com o devedor, receber. E havia uma promessa reiterada dele de que iria pagar, enfim, todo um processo de negociação que é bastante comum, até, e que, em algumas situações, em muitas situações, o banco consegue, de fato, negociar com o devedor, às vezes, sei lá, alongar a dívida, faz alguma alteração no contrato, mas consegue receber, faz um desconto, mas consegue receber sem ter que, de fato, executar. Então, esse argumento de que o banco não executou porque sabia disso ou daquilo, de fato, não vale para a atividade bancária. Uma prática na atividade bancária é negociar até a última tentativa, porque o litígio é o que ninguém quer.

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O Sr. Deputado Jairo Carneiro – A senhora deve compreender que essa argüição feita pela representação objetiva envolver e comprometer o banco com esses negócios, com essas operações. E restará uma responsabilidade eventual remanescente do banco perante as autori-dades constituídas. Mas a senhora... Porque, pelo exposto aqui, em função da argüição feita pelo nobre Relator, somente 6 anos após é que o banco recebeu o empréstimo, e com uma redução extraordinária, de 9 milhões para 2 milhões. E, pelo histórico de informações que temos, as empresas do Sr. Marcos Valério tiveram faturamento razoável e crescente, já no Governo passado, do Dr. Fernando Henrique Cardoso, que pode criar uma certa contradição com essa bonificação, que é realmente em valor altamente expressivo. Então, se eram 9, cobrou apenas 2. E a empresa não estava em situação de insolvência ou de dificuldade financeira. Eles estavam operando com faturamento bom. E multiplicou muito mais no atual Governo do Presidente Lula. Quando cobrou, já era o Governo Lula, com muitos contratos com empresas governamentais, com faturamento muito expressivo das empresas do grupo do Sr. Marcos Valério. Por isso, numa breve insistência com a senhora. Como explicar essa negociação com essa redução drástica, se a empresa não estava em dificuldade, o devedor.

A Sra. Kátia Rabello – Mais uma vez, volto a insistir que eu não tratava desses assuntos nem na época em que o empréstimo foi contraído nem quando ele foi negociado. Então, vou explicar alguma coisa que eu não fiz. é difícil. Mas, de alguma forma, existem algumas variáveis que eu acho que são importantes de considerar. Uma delas são os juros. Eu sei que parece que houve uma alteração de juros nesse empréstimo. E que houve uma execução judicial, até. Então, são essas, vamos dizer, as variáveis que eu conheço.

é interessante notar que, logo após “perdoar” R$ 7 milhões de dívida de Marcos Valério junto ao Banco Rural (ele pagou apenas R$ 2 milhões, de R$ 9 milhões que foram emprestados), perdão que se deu, de acordo com a presidente do Banco, Kátia Rabello, em razão das “dificuldades financeiras do cliente”, o Banco Rural concedeu novo empréstimo a Marcos Valério, empréstimo que se teria dado de modo semelhante com aquele tomado em 1998, durante a campanha do PSDB em Minas Gerais. A contradição entre a postura do Banco Rural em relação à SMP&B e as declarações prestadas por sua Presidente é, a meu ver, muito clara.

Veja-se, ainda, que não apenas foram concedidos empréstimos sem garantia suficiente, como ainda esses empréstimos foram renovados sem que houvesse qualquer amortização e sem a devida elevação do nível de risco da operação, inclusive durante a presidência da acusada Kátia Rabello. é o que consta da verificação especial realizada pelo Bacen sobre as operações de crédito do Banco Rural (v. apenso 77), na qual se constata o seguinte:

A SMP&B Comunicação, empresa constituída em jul/96, com sede em Belo Horizonte, atua na prestação de serviços de publicidade e propaganda. Pertence ao grupo das empresas Graffiti Participações Ltda. e DNA Propaganda Ltda.

A empresa possui duas operações de capital de giro junto ao Banco Rural, sendo uma no valor de R$ 36 milhões, com garantias de direitos creditórios e aval, e outra no valor de R$ 837 mil, somente com garantia de aval.

Até maio/2003, a empresa possuía uma conta garantida no valor de R$ 10 milhões, que foi liquidada em 22/05/2003 (Análise 7/7), com recursos advindos da empresa ligada DNA Propaganda (c/c junto ao Banco do Brasil). (Análise 7/8.).

Em 26/05/2003, foi concedido capital de giro no valor de R$ 19 milhões, o qual vem sendo renovado com incorporação de juros, perfazendo, atualmente, o saldo deve-dor de R$ 36 milhões.

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Este empréstimo foi concedido com garantia de aval dos sócios, tendo sido posterior-mente agregada garantia de direitos creditórios (contato de prestação de serviços entre DNA Propaganda e Banco do Brasil, celebrado em 23/09/2003). O valor do empréstimo (R$ 19 milhões), no entanto, era incompatível com a capacidade financeira da empresa, considerando seu volume anual de receita (R$ 10,6 milhões) e geração de caixa (R$ 2 milhões).

Vale ressaltar, ainda, que o Banco Rural concedeu tais empréstimos à SMP&B, apesar de haver histórico recente de perda em operações de crédito de empresa do grupo. A DNA Propaganda possuía dívida de R$ 13 milhões, baixada a prejuízo desde out/2000, a qual foi liquidada pelo valor de R$ 2 milhões, em fev/03.

Em 25/11/20049, foi concedido capital de giro no valor de R$ 707 mil, para vencer em 28/03/05, tendo sido renovado em 17/08/05, com incorporação de juros. O saldo devedor atual da operação é de R$ 837 mil.

A última análise de crédito da instituição, realizada em 11/01/2005, concluiu que, “mesmo considerando a capacidade de geração de receita da proponente, entendemos que o risco total é elevado para seu porte” (Análise 7/5).

O risco da empresa junto ao Banco Rural aumentou consideravelmente nos últimos dois anos, passando de R$ 6,8 milhões em fev/03 para R$ 25,3 (fev/04) e R$ 36 milhões (mar/05).

O contrato de prestação de serviços de publicidade entre a empresa DNA Propa-ganda e o Banco do Brasil, que garante as operações da SMP&B e Graffiti, foi firmado em 23/09/2003, pelo prazo de 12 meses, tendo sido prorrogado, em 22/09/2004, por igual período (Análise 7/2).

(...)O contrato prevê que os créditos decorrentes do mesmo somente poderão ser

cedidos ou dados em garantia se houver autorização prévia e por escrito da Diretoria de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil (cláusula 15ª). O Banco Rural não possui tal autorização, o que torna a garantia sem valor jurídico.

Os direitos creditórios referentes a este contrato estão sendo depositados na conta corrente da DNA Propaganda junto ao Banco do Brasil e o Banco Rural não compro-vou se vem recebendo total ou parcialmente tais recursos. Pelos extratos das empresas SMP&B Comunicação e Graffiti Participações junto ao Banco Rural, referente ao período de maio/2003 a abril/2005, não identificamos nenhuma transferência de tais créditos.

Solicitamos à instituição os extratos da conta-corrente da empresa DNA Propa-ganda junto ao Banco do Brasil, na qual estão sendo depositados os direitos creditórios dados em garantia, para verificarmos a quantia efetivamente recebida pela empresa desde o início do contrato (set/2003).

A instituição apresentou somente os extratos referentes ao 1º trimestre/2005, em que foram depositados os seguintes valores: R$ 6.459.106,57 em jan/05, R$ 7.253.897,22 em fev/05 e R$ 1.901.443,60 em mar/05 (Análise 07/06).

Esses extratos, no entanto, foram insuficientes para comprovar se a quantia efeti-vamente recebida pela DNA Propaganda é compatível com o volume de crédito garantido (R$ 52,5 milhões). Ressaltamos, ainda, que os recursos recebidos naqueles meses não foram transferidos às contas da SMP&B e Graffiti no Banco Rural, conforme verificado pelos extratos de conta-corrente/conta-garantida (Análise 7/10).

(...)Em reunião realizada com a instituição em 17-6-05, o vice-presidente operacional (Sr.

José Roberto Salgado) reconheceu a fragilidade do crédito após os recentes acontecimentos envolvendo as empresas do grupo e sócios.

Pelos fatos expostos, determinamos a reclassificação das operações para o nível de risco “H”.

9 Como visto no item IV deste voto, o Sr. José Augusto Dumont, a quem os gestores do Banco Rural denunciados atribuíram toda a responsabilidade pelos empréstimos supostamente fraudulentos, faleceu em 4 de abril de 2004, como consta de certidão de óbito juntada ao apenso 81 – anexo da denúncia.

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Em outra verificação especial realizada pelo Bacen sobre as operações de crédito do Banco Rural, documento citado na denúncia, revela, ao menos como indício, que o Conglomerado procurou ocultar, deliberadamente, os empréstimos concedidos ao PT e suas sucessivas renovações. Consta o seguinte daquele do-cumento, verbis:

Pelas análises realizadas, verificamos que a expressiva discrepância nas classificações das operações deve-se a procedimentos deliberados do Conglomerado, visando a omitir o real nível de risco das operações e, assim, não efetuar as devidas provisões, mesmo havendo claros indícios de inadimplência.

Tais “procedimentos deliberados” que camuflam o risco das operações se deram de três formas, ainda de acordo com a verificação especial do Bacen: renovações sucessivas das operações, aumento do limite de conta garantida ou liquidação de uma operação com outra, em modalidade diferente. Com isso, o Rural impedia que as operações de crédito realizadas com o núcleo Marcos Valério e o Partido dos Trabalhadores apresentassem atrasos. As conseqüências são as seguintes, nos termos da verificação especial realizada pelo Bacen:

O Banco Rural, ao impedir que as operações atrasem, conforme descrito no item anterior, dá às operações de crédito em evidente situação de renegociação/inadimplência tratamento de operação em curso normal, reconhecendo nos resultados as rendas destas.

Os atos normativos relativos ao assunto vedam o reconhecimento, no resultado, de receitas de operações de crédito com atraso igual ou superior a 60 dias (art. 9º, Resolução 2682/99) e, no caso de operações renegociadas, o ganho deve ser apropriado ao resultado somente quando do seu efetivo recebimento (parágrafo 2º, art. 8º, Resolução 2682/99).

Com este procedimento, a instituição gera um resultado fictício, elevando patrimônio (PR), com conseqüente aumento dos limites operacionais (Basiléia, Imobilização, etc.).

Consta, ainda, desse mesmo relatório do Bacen, que “a alta administração do Conglomerado aprovou operações de crédito, ora reclassificadas com pleno conhecimento de que se tratava de empréstimos de alto risco, com grande proba-bilidade de não serem pagos, visto que eram incompatíveis com a capacidade financeira dos devedores e não possuíam garantias que lhes conferissem liquidez”. Entre tais empréstimos, estão os concedidos às empresas SMP&B Comunicação (R$ 19 milhões) e Graffiti Participações (R$ 10 milhões), realizados em maio e setembro de 2003, respectivamente, e cuja caracterização como “emprés-timo” o Ministério Público Federal põe em dúvida.

Essa inspeção concluiu no sentido da existência de indícios de irregulari-dades na gestão do banco, que classificou como “temerária”, razão pela qual, entre as providências recomendadas, estava a proposta de comunicação ao Ministério Público das irregularidades descritas. No Relatório de Análise 353/05 (apenso 84), assim estão resumidas as conclusões do Bacen:

O Bacen propôs abertura de comunicação ao Ministério Público, fl. 9, por indícios de Gestão Temerária, em face das práticas adotadas pela instituição, tendo em vista as diversas operações de crédito aprovadas, caracterizadas pela inobservância às normas básicas de con-cessão e gestão de crédito e à boa técnica bancária, bem como aos princípios de prudência e segurança.

Ressalta a existência de sucessivas renovações de operações, visando ocultar a inadim-plência e o real risco dos créditos concedidos; o aumento indiscriminado do limite de contas garantidas; liquidação de operações de crédito inadimplentes com a concessão de novos créditos

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em modalidades diferentes das inicialmente efetuadas; concessões de crédito temerárias; geração de lucros fictícios; conivência do Comitê de Crédito por aprovar crédito apesar da existência de parecer técnico contrário à sua concessão; indícios de desvio de recursos do Banco para empresas pertencentes ou ligadas ao Controlador do Conglomerado Finan-ceiro Rural; transferência de ativos para fundo de direitos creditórios administrado pelo Banco Rural; exigência de reciprocidade para as concessões de crédito; empréstimos a empresas nacionais cujo controle acionário é de empresas localizadas em paraísos fiscais, com possibilidade de possuírem relacionamento entre si e com o Controlador do Banco Rural; e indícios de utilização de Cédulas de Produtor Rural – CPRs para desviar recursos para empresas não financeiras.

O Parquet, reunindo outras informações, com indícios da prática de crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, considerou não apenas temerária mas fraudulenta a gestão do conglomerado do Banco Rural. Vale dizer, nos termos da denúncia, os dirigentes do Banco Rural praticaram, voluntariamente, atos de gestão, administração e gerência, mediante o emprego de ardis.

A meu ver, a classificação típica da conduta está adequada à narrativa contida na denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal, pois, ao menos neste primeiro momento, não é possível afastar o dolo de fraude por parte dos gestores do Banco Rural.

Outras respostas dadas pela acusada Kátia Rabello durante a sessão do Conselho de ética em 22-9-05 corroboram a acusação, no sentido de conferir justa causa à imputação de prática do crime de gestão fraudulenta de instituição financeira aos acusados no tópico em análise. Volto a transcrever trecho daquele depoimento (apenso 81):

O Sr. Deputado Jairo Carneiro – O banco, por acaso, ficou sob regime de fiscaliza-ção de alguma autoridade governamental em razão de operações que, em tese, poderiam ser potencialmente tidas como irregulares?

A Sra. Kátia Rabello – Não.O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Durante todo esse período, não houve qualquer

tipo de fiscalização, por sindicância de Banco Central ou de outra autoridade governa-mental?

A Sra. Kátia Rabello – Na verdade, a autoridade fiscalizadora, que é o Banco Central, ela tem procedimentos que são normais à atividade dela como órgão fiscalizador. Então, são vários procedimentos, são várias fiscalizações, de vários departamentos, sobre várias áreas do banco. Isso é constante dentro de todos os bancos. Não houve nenhuma fiscalização e não se levantou, por parte dessas autoridades, apesar dessa fiscalização constante e normal, nenhuma questão sobre esses empréstimos ou até sobre os saques.

O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Nenhuma autuação?A Sra. Kátia Rabello – Nem autuação, nem questionamento. Na verdade, o que houve

foi um questionamento, como eu já expliquei, quando os ativos do banco baixaram e essas operações se tornaram, em termos relativos, importantes dentro do ativo do banco. Aí, sim, a autoridade (...) Inclusive eu faço uma menção a isso no meu texto. Nesse momento, a autoridade questionou, vamos dizer, a capacidade de quitação desse devedor.10

10 Como já visto, essa fiscalização pelo Bacen foi dificultada em razão da classificação incorreta do risco das operações e da ausência de comunicação, pelo Banco Rural, de que as movimentações rea-lizadas pelo grupo de Marcos Valério eram incompatíveis com a renda declarada, o que seria indício de lavagem de dinheiro.

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(...)O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Os contratos celebrados com o PT, 1 ou 2 contratos,

os signatários dos contratos pelo PT, quem subscreveu os contratos?A Sra. Kátia Rabello – Vou voltar a insistir. É um contrato que eu tenho conheci-

mento. Eu não participei. Acho que eu nunca vi esses contratos, para falar a verdade. Eu tenho conhecimento de que parece que o Sr. Delúbio avaliza e o Deputado Genoíno também.

O Sr. Deputado Jairo Carneiro – A senhora não era Presidente?A Sra. Kátia Rabello – Não, eu era. Mas é como eu expliquei, o valor do emprésti-

mo, ele é muito pequeno para que viesse ao meu conhecimento.O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Sim. A senhora não é signatária do contrato?A Sra. Kátia Rabello – Não, não sou. Não sou.O Sr. Deputado Jairo Carneiro – A senhora sabe das exigências que as instituições

financeiras impõem nas avenças, nas operações, seja quando à exigência de garantias, seja quanto à titularidade ou legitimidade de quem assina um contrato, uma operação. Então, o jurídico de sua empresa deve ter todo cuidado e, creio eu, pelas análises que fiz, que o Partido dos Trabalhadores, para celebrar uma operação de crédito, para contrair um emprés-timo, tem de ter a legitimidade da representação legal para assinar. O seu departamento jurí-dico deve ter examinado isso. E, inclusive, creio eu que, pelo estatuto do PT – aqui temos membros do PT, que seguramente conhecem muito mais do que eu – seria necessária uma autorização da instância competente do partido. Houve essa autorização?

A Sra. Kátia Rabello – Não sei responder, peço desculpas. A gente pode...O Sr. Deputado Jairo Carneiro – A senhora poderia oferecer essa informação para

este Conselho?A Sra. Kátia Rabello – Sim, com toda a certeza.O Sr. Deputado Jairo Carneiro – E poderia fornecer cópia desse contrato, também?A Sra. Kátia Rabello – Perfeitamente.O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Então, esse é um documento importante para este

Conselho.A Sra. Kátia Rabello – Eu me coloco totalmente à disposição para colaborar e fornecer

o documento. A gente só tem que tomar um pouco de cuidado com a questão do sigilo, não sei como é que fica.

O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Sim, a senhora pode fazer restrição do sigilo, ficar somente no uso restrito do Conselho. Pode registrar isso na correspondência que encaminhar.

A Sra. Kátia Rabello – Aí vou pedir ao Dr. José Carlos que me ajude a...O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Então, vou repetir apenas pela importância: quem

é que estava legitimado, como representante legal, a assinar o contrato? Quais foram as garantias contratuais? E, quando eu falo em legitimidade, tem que ver segundo o estatuto da organização contratante, mutuaria, se houve autorização, assim como numa empresa... (...) às vezes, é o Conselho de Administração que autoriza alguém a assinar o contrato. No partido político e no estatuto do partido também existe isso.

Nos encontros e jantares com o Deputado José Dirceu, em nenhum momento foi tra-tado qualquer assunto relacionado com empréstimos para o PT nem com empréstimos para sua ex-mulher, ou houve?

A Sra. Kátia Rabello – Não. Na verdade, durante o jantar ele falou um pouco sobre a ex-mulher, mas no sentido pessoal, contando lá da loja que eles tinham, parece, em sociedade. Jamais tocou nesse assunto.

Tendo em vista todo o contexto fático-probatório envolvendo os denunciados, transbordaria os limites do judicium accusationis, momento que é regido pelo princípio do in dubio pro societatis, acolher desde logo o argumento da defesa de que as operações de renovação de empréstimos pela administração do Banco Rural “devem ser interpretadas como um esforço pragmático de gestão de risco

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perante um antigo cliente que apresentava dificuldades econômicas”. Como bem destaca Rodolfo Tigre Maia11, a objetividade jurídica do tipo definido no art. 4º da Lei 7.492/86 é a “transparência, a lisura, a honradez e a licitude na gestão das instituições financeiras, requisitos indispensáveis à credibilidade e à existência destas e do sistema que conformam”.

Ainda, o depoimento de Guilherme Rabello, diretor operacional do Banco Rural S.A., demonstra a plausibilidade da acusação por gestão fraudulenta, e não meramente temerária, quando afirmou o seguinte (fls. 3605/3606):

Que, alguns dias após o falecimento de José Augusto Dumont, passou a ter conheci-mento dos empréstimos tomados pelas empresas vinculadas a Marcos Valério, bem como pelo Partido dos Trabalhadores-PT; Que se assustou com os valores dos empréstimos concedidos, tendo estranhado o fato de não ter havido o trâmite normal de aprovação de créditos; (...) Que, após o falecimento de Augusto Dumont as operações de empréstimos a Marcos Valério e ao PT ficaram evidentes aos demais diretores do Banco Rural, que verificaram que as operações estavam vencidas; Que, ao verificar o vencimento das operações, a Diretoria do banco começou a tratar a possível liquidação das operações, e para tanto necessitavam de tempo; Que as empresas de Marcos Valério foram chamadas para negociar o pagamento dos empréstimos; Que a convocação para a renegociação dos empréstimos ocorreu logo após o falecimento de José Augusto Dumont e antes da eclosão do denominado “Caso Mensa-lão”; Que não conversou com nenhum representante das empresas SMP&B e Grafitti sobre a negociação dos empréstimos; Que não sabe dizer quais foram os representantes do banco nessas negociações, mas provavelmente José Roberto Salgado participou das conversas; Que José Roberto Salgado é o atual Vice-Presidente Executivo do Grupo Rural; Que não sabe dizer se o PT foi chamado para negociar o pagamento do empréstimo; Que, após o falecimento de Augusto Dumont, a diretoria passou a renovar os empréstimos12 na busca de uma solução amigável para o empréstimo; (...) Que somente o Departamento Jurídico do Banco Rural pode explicar as negociações que levaram ao acordo judicial que permitiu que empresas de Marcos Valério sacassem dinheiro de suas contas bancárias que mantinham no Banco Rural; (...)

Por fim, a alegação de que não houve uma correta individualização das condutas de cada um dos denunciados não me parece suficiente para impedir o recebimento da denúncia nesse ponto.

é verdade que a jurisprudência da Corte vem ganhando novos contornos no tema da “denúncia genérica” em crimes societários. Mas a nova orientação não se estende ao caso em análise.

O delito de gestão fraudulenta de instituição financeira é classificado como crime próprio, para o qual se exige uma especial qualidade do sujeito ativo, que, no caso, é dada pelo art. 25 da Lei 7.492/86, verbis:

Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta Lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (vetado).

11 Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. 1. ed. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 56.12 O que demonstra que as renovações continuaram mesmo após o falecimento de José Augusto Dumont.

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Os Denunciados são, exatamente, as pessoas responsáveis pela gestão do Banco Rural, como, aliás, lê-se nos depoimentos de Carlos Sanches Godinho, ex-superintendente de compliance do Banco, e do denunciado José Roberto Salgado. Veja-se o seguinte e relevante trecho do depoimento de Godinho13

(apenso 84):

Que, indagado sobre os empréstimos do PT e das empresas de Marcos Valério, esclareceu que esses empréstimos foram formalizados, contabilizados, informados à Central de Risco de Crédito do Bacen, mas não foram pagos; Que a Resolução do Bacen 2682, que dispõe sobre “rating” de clientes e operações de crédito, estabelece que [as Institui-ções Financeiras] devem seguir um critério de provisionamento em função de qualidade das garantias e pontualidade do pagamento, e, no caso específico do PT e SMPB, os empréstimos foram classificados como “rating” AA, o que evitou a contabilização do provisionamento das renovações ocorridas a cada 90 dias, independentemente de paga-mento ou amortização; Que o único provisionamento apontado é aquele ocorrido em função de determinação do Bacen por ocasião do balanço semestral; Que, pela Resolução do Bacen, a situação dos empréstimos do PT e SMPB exigia uma reclassificação do “rating” em função da falta de pagamento/amortização; Que a classificação do “rating” incumbia ao Serviço de Assessoria de Crédito, subordinada ao Diretor Estatutário Welerson Antônio da Rocha, o qual, por sua vez, se reportava ao Vice-Presidente Operacional José Roberto Salgado; Que todo empréstimo tinha uma proposta eletrônica, com autorização por alçadas, de acordo com o valor e o setor de atividade econômica do cliente, e, no caso específico, tanto a Dra. Kátia Rabello, Presidente do Rural, como o Vice-Presidente Operacional, José Roberto Salgado, aprovaram as renovações/operações novas; Que, no caso dos emprés-timos para o PT e SMPB, a alçada era do Comitê de Crédito Central, com aprovação da Presidente ou do Vice-Presidente Operacional; Que a Vice-Presidente Ayanna não integrava o Comitê Central de Crédito, mas, como responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro, não podia alegar que desconhecia a atipicidade das movimentações acima do padrão; (...) esclarece que, em razão do excesso de recursos que ingressaram nas contas da SMPB, ultrapassando muito o faturamento mensal cadastrado no Banco Rural e a falta de amortizações/pagamentos dos empréstimos, a situação pode ser considerada atípica em relação ao mercado financeiro;

Aliás, a própria acusada Kátia Rabello admitiu essa sua posição de quem é informada sobre tudo o que se passa no banco. Ainda que de modo indireto, ela assinalou, em depoimento ao Conselho de ética, que tinha conhecimento do que se passava nesses contratos de empréstimo celebrados pelo Banco Rural com o PT e com Marcos Valério. Leio, apenas para demonstrar que esta afirmação tem base nos autos, mais um trecho do depoimento desta acusada perante o Conselho de ética e Decoro Parlamentar da Câmara (apenso 81):

O Sr. Deputado Jairo Carneiro – (...) Diz a acusação contra o Deputado José Dirceu, atribuindo também ao casal, o Sr. Marcos Valério e a sua esposa, Sra. Renilda: “Dirceu sabia dos empréstimos ao PT”. “Mulher de Valério liga Dirceu a empréstimos”. “Renilda envolve Dirceu e apressa sua convocação”. Sem qualquer risco de lapso de memória de V. Sa., creio que já haja respondido anteriormente, mas é importante deixar muito patente. Então, repito, sem qualquer risco de lapso de memória, a senhora declara o que, quanto a essas afirmações publicadas em manchetes de jornais? O Deputado José Dirceu tinha conhecimento das operações contraídas pelo PT junto ao seu banco?

13 Carlos Godinho, como visto no capítulo 4, foi forçado a entrar no PDV, em razão de ter-se recusado a assinar um relatório em que o Conselho de Administração excluiu, de suas conclusões, os indícios de lavagem de dinheiro por parte da SMP&B e do PT.

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A Sra. Kátia Rabello – Não posso fazer essa afirmação.O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Mas do seu conhecimento...A Sra. Kátia Rabello – Não.O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Do seu conhecimento não.A Sra. Kátia Rabello – Não. Dos meus contatos com ele...O Sr. Deputado Jairo Carneiro – Sobre recebedores de saques, listagens de rece-

bedores de saques, nas anotações que foram oferecidas e fornecidas por sua empresa, nos depoimentos prestados e no conjunto de informações fornecidos às CPMIs, em algum momento, figura o nome do Deputado José Dirceu como destinatário de qualquer valor?

A Sra. Kátia Rabello – Não que seja do meu conhecimento. Acho que, se tivesse, eu saberia.

Considerando que as fraudes narradas pelo Parquet foram supostamente praticadas em concurso com outros crimes (lavagem de dinheiro, evasão de divisas), com a participação de inúmeros outros agentes, não seria possível que a denúncia individualizasse, minudenciasse, a conduta de cada acusado, dada a impossibilidade material de fazê-lo.

Diferentemente dos casos em que começou a se esboçar a nova orientação da Corte, não se imputou aos gestores do Banco Rural a prática de crime que poderia ter sido praticado por um qualquer diretor do Banco, isoladamente. Os dirigentes denunciados não comunicaram ao Banco Central a ocorrência de movimentações financeiras suspeitíssimas, comparadas ao rendimento do cliente. No caso em análise, os quatro denunciados eram responsáveis pelo Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, pelas áreas de compliance, contabilidade, jurídica e tecnológica, justamente as áreas em que as supostas fraudes na gestão da instituição financeira teriam sido praticadas. Assim, seria impossível excluir um ou alguns deles dos fatos narrados na denúncia, ao menos por ora. Neste momento, a única conclusão possível é de que, ao menos em tese, seria necessária a participação de todos os denunciados para que as supostas fraudes pudessem ser praticadas.

Do exposto, Senhora Presidente, considero perfeitamente atendidos os termos do art. 41 do Código de Processo Penal, não havendo qualquer dificuldade para que os denunciados se defendam dos fatos a eles atribuídos na denúncia, não sendo exigível por ora que o Parquet enuncie exatamente os atos praticados por cada um para caracterizar as fraudes na gestão do Banco Rural, mesmo porque não é de se supor que tenham deixado registros próprios dos crimes eventual-mente praticados.

Recebo a denúncia contra José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello, pela suposta prática do crime definido no art. 4º da Lei 7.492/86, nos termos do art. 29 do Código Penal, conforme descrito no item V da inicial acusatória.

Das imputações de corrupção ativa, corrupção passiva, quadrilha e lavagem de dinheiro (partidos da base aliada do Governo) – Capítulo VI da denúncia

Este capítulo da denúncia é dividido em subitens, sendo relevante, para sua adequada compreensão, a leitura da introdução feita pelo Procurador-Geral da República, nos seguintes termos (fls. 5705/5707):

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Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha, entre seus objetivos, angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políti-cos, para formar a base de sustentação ao Governo Federal.

Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movi-mento Democrático Brasileiro – PMDB.

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Portanto, na forma do artigo 29 do Código Penal, os denunciados indicados deverão responder, em concurso material, por todos os crimes de corrupção ativa que praticaram, os quais serão devidamente narrados em tópicos individualizados para cada partido político.

De plano, importante destacar que algumas das agremiações políticas corrompidas, como se verá adiante, chegaram a estruturar quadrilhas autônomas para viabilizar o cometimento dos crimes de corrupção passiva e lavagem de capitais, consistentes no rece-bimento direto ou disfarçado dos pagamentos de propina em troca de integrarem a base de apoio ao Governo Federal.

Quando eram realizadas retiradas em espécie, objetivando não deixar qualquer sinal da sua participação, os beneficiários reais apresentavam um terceiro, indicando o seu nome e qualificação para o recebimento de valores.

Além dos pagamentos, que foram comprovados pelos documentos obtidos em razão do cumprimento de medida de busca e apreensão no Banco Rural, é preciso registrar que vários repasses foram efetuados diretamente por Marcos Valério e Simone Vasconcelos, sem qualquer registro formal, ainda que rudimentar.

Com efeito, era muito comum Simone Vasconcelos sacar os valores em espécie e entregar pessoalmente aos beneficiários finais, assim como era habitual que as quantias sacadas em dinheiro fossem entregues diretamente a Marcos Valério para que entregasse ao destinatário final.

Como já podemos notar a partir desta introdução, o Ministério Público Federal acusa:

1) José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vascon-celos e Geiza Dias de oferecerem e, posteriormente, pagarem vultosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista (PP), Partido Liberal (PL), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Tal conduta configura, em tese, crime de corrupção ativa, por conter os elementos típicos descritos no art. 333 do Código Penal, verbis:

Corrupção ativaArt. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para

determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.(...)

2) Acusa, ainda, parlamentares federais e, principalmente, dirigentes par-tidários do PP, PL, PTB e PMDB de receberem pagamento de propina em troca de “apoio político” ao Governo Federal nas votações realizadas no Congresso.

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Imputa, assim, a tais denunciados a prática do crime de corrupção passiva, cujos elementos típicos estão, ainda em tese, configurados. Senão, vejamos:

Corrupção passivaArt. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda

que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

O pagamento da propina teria ocorrido, como afirmou o Procurador-Geral da República, sem qualquer registro formal, ainda que rudimentar, da mo-vimentação do numerário, que era pago em espécie, de acordo com a denúncia.

Inicialmente, com relação ao enquadramento típico do delito previsto no art. 317 do Código Penal, passo a fazer algumas breves observações.

A defesa do denunciado Valdemar da Costa Neto faz a seguinte alegação acerca da imputação do delito do art. 317 do Código Penal (apenso 123, fls. 24-27):

De acordo com a ilação que se extrai do referido dispositivo legal, para a configuração do crime de corrupção passiva é indispensável que a solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida pelo funcionário público se dê em razão do exercício de sua função, ainda que fora dela e antes de seu início.

Como se vê, é indispensável “a existência de nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência”, conforme, aliás, já decidiu o Supremo Tribunal Federal na Ação Penal nº 307/DF, movida pelo Ministério Público Federal contra Fernando Collor de Mello e outros.

A demonstração dessa relação é necessária porque o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal trata da mercancia do cargo público, que somente pode ocorrer se o ato de ofício que incumbe ao servidor praticar for posto à disposição do particular mediante o recebimento de vantagem indevida.

Há que se apontar na denúncia, portanto, a ocorrência de um ato – ação ou omissão – necessariamente ligado ao exercício da função.

No caso dos autos, entretanto, o Ministério Público Federal deixou de especificar na peça acusatória qual ato funcional teria sido teria sido praticado pelo denunciado Valdemar da Costa Neto em troca de alguma vantagem indevida.

Com efeito, a única evidência que se aponta na denúncia é o apoio político que teria sido dado pelo denunciado ao Governo Federal na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003), o que, data venia, não se qualifica como ato funcional.

De saída, entendo que o precedente firmado por esta Corte quando do jul-gamento da AP 307 em nada invalida o que é apresentado na denúncia ora em análise.

Transcrevo a seguir importante trecho do voto condutor do Ministro Ilmar Galvão, Relator da AP 307, quando do julgamento final da ação penal:

Assim, para configuração do crime do art. 317 do Código Penal, a atividade visada pelo suborno há de encontrar-se abrangida nas atribuições ou na competência do funcionário que a realizou ou se comprometeu a realizá-la, ou que, ao menos, se encontre numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo, assim acontecendo sempre que a realização do ato subornado caiba no âmbito dos poderes de fato inerentes ao exercício do cargo do agente. (Fl. 2203.)

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Do trecho acima transcrito é possível verificar que, no caso da AP 307, esta Corte concluiu que o ato de ofício a ser praticado ou omitido, ato este que deveria estar dentro das atribuições do então Presidente da República, não havia sido demonstrado.

é o que consta do seguinte trecho do voto do eminente Ministro Celso de Mello, na referida ação penal:

Por tais razões, o eminente Ministro Revisor concluiu, com acerto, o seu voto, absolvendo, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, Fernando Affonso Collor de Mello e Paulo César Cavalcante Farias da imputação de corrupção passiva pertinente ao episódio Vasp/Petrobrás, por simplesmente não constituir esse fato infração penal tipificada em lei, consideradas as razões anteriormente mencionadas pertinentes à ausência, no caso, de requisito típico essencial: a referência objetiva e concreta, na denúncia, a um específico ato funcional pertencente à esfera de competência do Presidente da República.

Quanto ao episódio Mercedes-Benz/Curió, constatou-se que o Ministério Público em sua denúncia, ao deduzir a imputação penal pelo crime de corrupção passiva, nenhuma refe-rência fez a qualquer ato de ofício imputável à esfera de atribuições funcionais do Presidente da República.(Fls. 2676-2677.)

Ocorre que, no caso ora em análise, a denúncia é pródiga em demonstrar que a expressão “apoio político” refere-se direta e concretamente à atuação dos denunciados na qualidade de parlamentares, remetendo-se às votações em plenário.

é o que se lê nos seguintes trechos da denúncia:

Ilustrando o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Liberal ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destaca-se a atuação do parlamentar Valdemar Costa Neto na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003).(Fl. 5273.)

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Progressista ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destacam-se as atuações dos parlamentares Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003). (Fl. 5714.)

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Liberal ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, pontua-se a atuação do Parlamentar Carlos Rodrigues na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003).(Fl. 5724.)

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Trabalhista Brasi-leiro ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destacam-se as atuações dos Parla-mentares Roberto Jefferson, Romeu Queiroz e José Carlos Martinez Santos na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003).(Fl. 5729.)

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Por outro lado, é importante salientar que a referência feita pela defesa do denunciado Valdemar da Costa Neto ao precedente do caso Collor (AP 307) diz respeito ao julgamento do mérito daquela ação penal, fase a que ainda não chegamos neste processo. Em outras palavras, naquele caso, embora no julgamento final a Corte tenha-se encaminhado no sentido da absolvição por falta do chamado ato de ofício, na fase correspondente àquela em que nos encontramos neste Inq 2.245, a denúncia foi integralmente recebida com relação aos delitos do art. 317 do Código Penal.

Sobre o a questão, trago à colação o trecho inicial do voto de mérito sobre as imputações de corrupção passiva, proferido pelo eminente Ministro Celso de Mello, no julgamento da AP 307:

O Sr. Ministro Celso de Mello: Ao votar no Plenário desta Suprema Corte, em 28-4-93, manifestei-me no sentido do integral recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Pú-blico Federal contra os ora acusados, fazendo-o por dois motivos fundamentais: primeiro, porque, a meu ver, a peça acusatória apresentava condições mínimas de admissibilidade que justificavam, naquela fase preliminar do processo penal de conhecimento – e a partir de um juízo provisório de mera delibação –, o acolhimento da denúncia formalizada pelo Procurador-Geral da República; segundo, porque, com a instauração do procedimento penal em juízo, possibilitar-se-ia, sempre com a estrita e necessária observância dos postulados constitucionais que regem a atividade persecutória do Estado, a plena e cabal apuração da verdade real.

Em suma, Senhora Presidente, entendo que a discussão acerca da existência ou não de um ato de ofício, sem o qual não estaria configurado o crime de corrupção passiva, é absolutamente extemporânea nesta fase de averiguação da presença de elementos indiciários mínimos suscetíveis de autorizar a instauração da ação penal.

No momento processual adequado, o assunto virá seguramente à tona, tra-zendo inclusive novamente ao debate o magnífico e levemente irreverente voto do Ministro Sepúlveda Pertence sobre o tema.

3) Além das imputações concernentes ao delito de corrupção passiva, narra a denúncia que os parlamentares denunciados se teriam utilizado de terceiras pessoas, desconhecidas do grande público, de modo que permanecesse oculta a propriedade dos valores supostamente recebidos.

Assim, os fatos, tal como narrados, enquadram-se no tipo penal do crime de lavagem de dinheiro, que dispõe:

Lei 9.613/98Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimen-

tação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

(...)V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem,

direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

(...)VII - praticado por organização criminosaPena: reclusão, de três a dez anos, e multa.

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4) Por fim, e ainda de acordo com este resumo feito pelo Procurador-Geral da República, em alguns partidos ter-se-iam formado quadrilhas autônomas, para viabilizar o cometimento dos crimes de corrupção passiva e lavagem de capitais aqui denunciados, o que configura, em tese, o tipo do art. 288 do Código Penal.

Assim, reconhecendo a tipicidade, em tese, das condutas narradas pelo Ministério Público Federal, passo à análise dos fatos em si, tal como descritos neste capítulo da denúncia, para verificar se há ou não indícios suficientes para o seu recebimento.

VI.1. Partido Progressista.

O item VI.1 da denúncia imputa a deputados federais do Partido Progressista (PP) e a pessoas a eles ligadas a prática de crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, nos seguintes termos (denúncia, fls. 5707 e seguintes, vol. 27):

Os denunciados José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry, João Cláudio Genú, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia montaram uma estrutura criminosa voltada para a prática dos crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

O recebimento de vantagem indevida, motivada pela condição de Parlamentar Federal dos denunciados José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry, tinha como contraprestação o apoio político do Partido Progressista – PP – ao Governo Federal.

Nessa linha, ao longo dos anos de 2003 e 2004, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú receberam aproximadamente quatro milhões e cem mil reais a título de propina.

Após formalizado o acordo criminoso com o PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira), os pagamentos começaram a ser efetuados pelo núcleo publicitário-financeiro.

(...)Ciente de que os valores procediam de organização criminosa dedicada à prática de

crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, os denunciados engendraram mecanismo para dissimular a origem, natureza e destino dos montantes auferidos.

(...)Dentro do organograma da quadrilha, José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry ocupa-

vam o topo da sua estrutura, possuindo o domínio do seu destino.O Deputado Federal José Janene sempre integrou a Executiva Nacional do PP, tendo

fechado o acordo financeiro com o PT e assumido postura ativa no recebimento da propina.

Nesse sentido, inclusive, foi o responsável pela aproximação do núcleo publicitário-financeiro com a parceira Bônus Banval.

O Deputado Federal Pedro Corrêa era o Presidente do PP, sempre ocupando altos cargos na agremiação partidária em tela.

Já o Deputado Federal Pedro Henry era o líder da bancada do PP na Câmara Federal.

Enfim, os denunciados José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry representavam o comando real do PP14.

14 E, assim, orientavam, segundo o Procurador-Geral da República, a bancada do partido a votar a favor do Governo Federal nos temas objeto de acordo com o denominado “núcleo partidário” da suposta quadrilha.

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Finalmente, João Cláudio Genú, cujo patrimônio é incompatível com sua renda informada, era o homem de confiança da cúpula do PP (José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry), traba-lhando com o Deputado Federal José Janene desde julho de 2003.

Em seu depoimento na Polícia Federal, João Cláudio Genú admitiu que recebeu quantias em espécie em nome do PP. Relatou, ainda, que sua atuação delituosa era sempre precedida do aval dos Deputados Federais José Janene e Pedro Corrêa.

As primeiras operações de recebimento dos valores foram implementadas pessoal-mente por João Cláudio Genú, intermediário dos líderes da quadrilha, José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry.

Depois, buscando sofisticar as manobras de encobrimento da origem e natureza dos expressivos montantes auferidos pela quadrilha, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú passaram a se utilizar de forma reiterada e profissional dos serviços criminosos de lavagem de capitais oferecidos no mercado pelas empresas Bônus Banval e Natimar.

Com efeito, após apresentação de José Janene, Marcos Valério iniciou o repasse da propina determinada pelo PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira) à quadrilha integrada por José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú, valendo-se de modo profissional dos serviços da Bônus Banval, cujos proprietários são Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg.

Nessa empreitada de repasse de vantagem indevida, a Bônus Banval, em uma pri-meira fase, realizou altos saques em espécie, repassando posteriormente os montantes aos destinatários indicados pelo núcleo do PT (fl. 1461).

Depois, por questões operacionais, valeu-se dos serviços espúrios da empresa Nati-mar, que tem como sócio Carlos Alberto Quaglia.

Os valores oriundos do núcleo Marcos Valério eram depositados na conta da empresa Bônus Banval, que os direcionava internamente para a conta da Natimar junto à própria Bônus Banval, sendo transferidos, em seguida, por Carlos Alberto Quaglia, Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg aos destinatários reais do esquema.

Essa segunda forma fraudulenta de repasse, com o emprego das empresas Bônus Banval e Natimar, resultou em transferências no valor total de um milhão e duzentos mil reais ao PP.

Assim, como profissionais do ramo de branqueamento de capitais, Enivaldo Qua-drado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia associaram-se, de modo permanente, habitual e organizado, à quadrilha originariamente integrada por José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú.

Os recursos do núcleo Marcos Valério, repassados para as empresas Bônus Banval e Natimar, tinham por origem predominante as empresas 2S Participações Ltda. e Rogério Tolentino Associados, ambas do seu grupo empresarial.

Em decorrência do esquema criminoso articulado, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú receberam como contraprestação do apoio político negociado ilicitamente, no mínimo, o montante de quatro milhões e cem mil reais.

Desse total, o valor aproximado de R$ 2.900.000,00 foi entregue aos parlamentares acima mencionados pela sistemática de saques efetuados por Simone Vasconcelos na agência do Banco Rural em Brasília, que repassava o dinheiro a João Cláudio Genú em malas ou sacolas dentro da própria agência, no quarto do hotel Grand Bittar onde se hospedava e na sede da empresa SMP&B em Brasília.

Assim, de acordo com a acusação, os denunciados mencionados acima teriam recebido, indevidamente, vultosas quantias do núcleo formado pelos tam-bém denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, como contraprestação ilícita ao apoio político para formar a base de sustentação do Governo Federal.

Além disso, grande parte dessa quantia teria sido repassada pelo denomi-nado “núcleo publicitário” (Marcos Valério, Simone Vasconcelos, Geiza Dias,

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Rogério Tolentino, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz), mediante um sistema de lavagem de dinheiro, minuciosamente descrito no item IV da denúncia, antes analisado, do qual extraio o seguinte trecho explicativo do “mecanismo” de lava-gem denunciado (fls. 5687/5689):

A sistemática criada pelos dirigentes do Banco Rural, aprimorada a partir do início do ano de 2003, possibilitou a transferência, em espécie, de grandes somas em dinheiro com a ocultação e dissimulação da natureza, origem, movimentação e destino final.

Alguns beneficiários apenas foram identificados porque, valendo-se do elemento sur-presa, a Polícia Federal efetuou busca e apreensão nas agências do Banco Rural, logrando apreender documentos internos, não oficiais (fac-símiles e e-mails), com indicação das pessoas que efetivamente receberam os valores sacados por meio de cheques endossados pelos próprios emitentes.

Para a implementação dos repasses de dinheiro, Marcos Valério era informado, por Delúbio Soares, do destinatário e do respectivo montante. A partir daí, o próprio Marcos Valério, Simone Vasconcelos ou Geiza Dias entravam em contato com o beneficiário da quantia.

Com o objetivo de não deixar qualquer rastro da sua participação, esses beneficiários indicavam um terceiro, apresentando o seu nome e qualificação para o recebimento dos valores em espécie.

(...)Funcionários da agência Assembléia do Banco Rural informavam aos da agência em

que se realizaria o saque a identificação da pessoa credenciada para o recebimento dos valores, disponibilizados em espécie, mediante a simples assinatura ou rubrica em um documento informal, destinado apenas ao controle interno de Marcos Valério, que, obviamente, neces-sitava de alguma comprovação material do pagamento efetuado.

Em suas respostas, os acusados alegam que a denúncia não descreveu, rigorosamente, a conduta a eles imputada, em afronta ao art. 41 do Código de Processo Penal. Assim, afirmam ser inepta a inicial acusatória, uma vez que essa singeleza descritiva impede o adequado exercício do direito de defesa.

Alegam, também, que não há prova de que os acusados receberam qualquer vantagem ilícita, para si ou para terceiros. Assim, a inicial estaria lastreada em meras suposições.

Salientam, para reforçar o argumento acima, que a bancada do PP nem sempre votou alinhada com o governo, dando liberdade a seus parlamentares para votarem de acordo com suas consciências.

Sobre a imputação de lavagem de dinheiro, todas as defesas também afirmam que a origem e destinação do dinheiro eram regulares (pagamento de honorários advocatícios do Dr. Paulo Goyaz, para a defesa do Deputado Ronivon Santiago, que vinha respondendo a inúmeros processos perante o TSE, o TRE/AC e este Tribunal). Assim, se a origem e destinação dos montantes recebidos do PT não foram objeto de dissimulação, seria atípica a conduta imputada pelo Procurador-Geral da República. Para a defesa de Pedro Corrêa, ainda, o recebimento de dinheiro configuraria, no máximo, exaurimento do crime de corrupção, e não lavagem de dinheiro.

Por fim, quanto à imputação de formação de quadrilha, as defesas afir-mam que esta perde sua sustentação, na medida em que não foram praticados os crimes para os quais a quadrilha se teria articulado.

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Ademais, não estaria configurado o elemento subjetivo do tipo do art. 288 do Código Penal, já que os acusados tinham relacionamento de natureza pessoal e política, fazendo parte do mesmo partido e com posições de destaque na estrutura partidária, não se podendo vislumbrar em sua atuação o crime de quadrilha ou bando.

Salientam, além disso, que o Procurador-Geral da República incluiu o acusado João Cláudio Genú apenas para que se completasse o número legal de quatro acusados, forjando, assim, a formação de quadrilha. Isso porque Genú seria apenas um funcionário que atende à liderança do PP “e foi, neste caso, mero emissário para o recebimento dos valores pagos pelo PT para o custeio da defesa do Deputado Ronivon Santiago” (fl. 18).

As defesas de Pedro Corrêa e João Cláudio Genú destacam que não se pode confundir concurso de agentes com formação de quadrilha. Se a denúncia trata de um só crime, praticado por várias pessoas, haveria concurso de pessoas, sendo que, no caso em questão, haveria autores mediatos e um autor imediato. Para a formação de quadrilha, é necessário o elemento estabilidade, bem como a finalidade específica de cometer vários crimes, o que não seria o caso dos autos.

Por fim, as defesas dos acusados Pedro Henry e Pedro Corrêa afirmam que o Procurador-Geral da República, na denúncia, atribuiu responsabilidade objetiva aos denunciados, pelo simples fato de serem líder da bancada do Partido Progressista na Câmara e Presidente do Partido Progressista, res-pectivamente.

Sustenta, ainda, a defesa de Pedro Henry que teria ficado exaustivamente comprovado durante a instrução da CPMI dos Correios que nunca existiu qual-quer participação do denunciado em operações de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha15, razão pela qual foi absolvido. Assevera que João Cláudio Genú pedia autorização apenas para Pedro Corrêa e José Janene antes de efetuar os saques e determinar a destinação dos recursos sacados.

Por sua vez, afirma a defesa de Pedro Corrêa (fl. 18 do apenso 99):

(...) foi o Partido, do qual o acusado é Presidente, quem acordou no recebimento dos valores destinados ao pagamento dos honorários do Dr. Paulo Goyaz, e não o acusado agindo por conta própria.

Por esta razão, ao receber o telefonema do Sr. João Cláudio Genu, informando que iria buscar valores encaminhados pelo PT, o acusado aquiesceu com sua conduta.

Esta a única participação sua em todo o evento.

A defesa destaca, ainda, que Pedro Corrêa não tem qualquer relação com as empresas Bônus Banval e a Natimar, nem conhece os co-denunciados Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Quaglia. Também não possuiria qualquer relação com os supostos recebedores das quantias depositadas por aquelas em-presas.

15 Nesse ponto, a defesa destaca trechos dos depoimentos de Pedro Corrêa, João Cláudio Genú e do próprio denunciado.

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Esses os pontos das defesas dos denunciados que merecem destaque.

Em primeiro lugar, considero que os fatos narrados na denúncia e que transcrevi acima configuram, em tese, os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, como, aliás, já analisei na introdução a este item.

O fato de o PP ter destinado o numerário recebido para pagar honorários advocatícios, como afirmaram as defesas, não enfraquece a imputação de corrupção passiva.

Isso porque o Procurador-Geral da República acusou os Deputados de terem recebido dinheiro em razão de seu cargo. Esse é, aliás, o tipo legal do art. 317 do Código Penal, que torno a citar apenas para ficar mais clara a presença dos elementos típicos:

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Ora, a destinação que, depois, foi conferida ao dinheiro recebido não altera em nada a classificação dos fatos. O Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto na AP 307/DF, esclareceu com muita propriedade essa questão:

Vantagem indevida é toda e qualquer vantagem à qual o funcionário não tenha direito, o que, no ponto, é indiscutível.

(...)De qualquer sorte, é irrespondível o argumento das alegações finais do Ministério

Público de que, para a caracterização da corrupção passiva, o destino final do numerário, obtido direta ou indiretamente pelo funcionário, em razão da função, é de todo irrele-vante. Seja ele nobre ou ignóbil, lícito ou ilícito.

Aliás, consta do relatório final da CPMI dos Correios uma acurada análise, na qual se verifica que os repasses de dinheiro pelo PT se deram justamente às vésperas de votações importantes para o partido. Isso, contudo, não merece relevo neste momento, em que se buscam, apenas, indícios da prática do crime definido no art. 317 do Código Penal.

Relativamente à lavagem de dinheiro, também considero, com base no que foi narrado na inicial, que não merece ser acolhido o argumento da defesa de Pedro Corrêa, segundo o qual, em realidade, o recebimento do dinheiro teria configurado mero exaurimento do crime de corrupção passiva.

Na verdade, o modus operandi narrado na denúncia revela que, ao menos em tese, houve uma sistemática dissimulação da movimentação de valores, recebidos em espécie e através de diferentes pessoas, físicas e jurídicas. Assim, é possível visualizar, nos fatos como narrados, a prática, em tese, de crime de lavagem de dinheiro, que foi elevado à categoria de crime autônomo na década de oitenta, justamente com objetivo, na época, de se impedir a utilização dos produtos dos crimes antecedentes. é o que ocorre, também, na receptação, apontada como uma das origens históricas do crime de lavagem.

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Assim, a alegação de que teria havido mero exaurimento do crime antecedente não é compatível com a narrativa contida na denúncia nem com a tipificação da lavagem de dinheiro, que é crime autônomo em relação aos crimes antecedentes imputados.

Por fim, entendo caracterizada a conformação típica dos fatos narrados ao crime de quadrilha. Em primeiro lugar, o Procurador-Geral da República não imputa a prática de apenas um crime, mas de vários (corrupção passiva e lava-gem de dinheiro, por diversas vezes).

Ademais, e examinarei melhor essa questão a seguir, a inclusão de João Cláudio Genú não foi, como pretende a defesa, apenas uma tentativa inidônea do Procurador-Geral da República de completar o número legal exigido no art. 288 do Código Penal.

Isso porque o delito de formação de quadrilha é imputado não apenas a José Janene, Pedro Henry, Pedro Corrêa e João Cláudio Genú mas também aos representantes das empresas Bônus Banval e Natimar Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia. Portanto, o número legal se conformaria ainda que se excluísse o acusado João Genú.

Além do mais, a narrativa dos fatos conduz, sim, ao enquadramento, em tese, da conduta como formação de quadrilha, tendo em vista que, na qualidade de assessor parlamentar, Genú teria contribuído ativa e conscientemente para a prática dos crimes de lavagem de dinheiro.

Passo, portanto, ao exame dos indícios apontados na denúncia como sufi-cientes para instaurar ação penal contra os acusados.

Sobre a corrupção passiva, o Procurador-Geral da República afirma que os denunciados solicitaram e receberam dinheiro do PT, via “núcleo publicitário”, em razão de seu cargo (deputados federais e assessor parlamentar).

Há indícios nesse sentido.

Assinalo, inicialmente, que as próprias defesas reconhecem ter havido o repasse de 700 mil reais pelo PT aos denunciados, alegadamente para pagar honorários de advogado do partido (v. apensos 98 – Pedro Henry, 99 – Pedro Corrêa, e 113 – José Janene).

Ocorre que não havia qualquer razão para esse “favor” do PT, senão, aparentemente, o fato de os denunciados ocuparem os cargos públicos que ocupam.

Além disso, os depoimentos juntados aos autos reforçam a tese da denúncia, em intensidade suficiente para a instauração de ação penal. Cito, de início, o depoi-mento do Deputado Vadão Gomes, citado na própria denúncia, acostado às fls. 1718/1722 (vol. 8):

Que é Deputado Federal pelo Partido Progressista de São Paulo; (...) Que existe notória incompatibilidade ideológica entre o Partido Progressista e o Partido dos Trabalhadores no Estado de São Paulo; (...) Que conhece Delúbio Soares, tendo sido apresentado a esse indivíduo no dia em que participava do velório do vice-presidente do Banco Rural José Augusto Dumont, na cidade de Belo Horizonte/MG; (...) Que nunca chegou a tratar nenhum tipo de assunto com Delúbio Soares, esclarecendo que presenciou uma conversa havida em

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Brasília entre o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores e o presidente do mesmo parti-do, José Genuíno, com os Deputados Pedro Henry e Pedro Corrêa, ambos do Partido Pro-gressista; Que nessa conversa com os políticos dos dois partidos tentavam acertar detalhes de uma possível aliança em âmbito nacional; Que no decorrer do referido diálogo, escutou que os interlocutores mencionaram a necessidade de apoio financeiro do Partido dos Trabalhadores para o Partido Progressista em algumas regiões do País; Que, entretanto, não tomou conhecimento de detalhes como valores e formas pelas quais este aporte financeiro seria efetivado; Que, provavelmente, maiores detalhes dessa tratativa tiveram à frente os Deputados Pedro Corrêa e Pedro Henry, presidente nacional e líder da bancada do Partido Progressista, respectivamente; Que tomou conhecimento, através de conversas de corredor, de uma reunião ocorrida na sede do Partido Progressista, com o objetivo de se firmar um possível acordo de coligações entre o Partido Progressista e o Partido dos Traba-lhadores em âmbito nacional, mas não chegou a participar desta reunião; (...)

Por sua vez, o denunciado João Cláudio Genú afirmou o seguinte (fl. 580, vol. 3 dos autos):

Que conhece Delúbio Soares das relações políticas de trabalho; Que acredita que Delúbio Soares não conheça o declarante, apesar de terem trocado cumprimentos; Que acompanhou José Janene em encontros que este teve com Delúbio Soares; Que nesses encontros sempre ficava aguardando na sala de recepção ou em outras salas; Que nunca presenciou qualquer conversa entre Delúbio Soares e José Janene, bem como qualquer outro parlamentar ou políticos; (...) Que já ligou várias vezes para a sede do Partido dos Traba-lhadores em Brasília/DF e São Paulo/SP à procura de Delúbio Soares; Que tais ligações sempre foram feitas a pedido do Deputado José Janene; Que nunca ouviu nenhuma con-versa ao telefone entre José Janene e Delúbio Soares; Que acompanhava as votações que ocorriam na Câmara dos Deputados, sendo este seu principal trabalho; Que também acompanhava as decisões das Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados; (...) Que acompanhou o Deputado José Janene em algumas visitas que este fez na Corretora Bônus-Banval; Que a filha do Deputado José Janene trabalhava na corretora Bônus-Banval, sendo que o Deputado comparecia à sede da empresa para visitá-la; (...)

Ainda como indício da prática do crime de corrupção passiva, temos o depoimento de Roberto Jefferson (fls. 4219/4227, vol. 19), especialmente (fl. 4226):

Que, em julho ou agosto de 2003, teve uma conversa com José Carlos Martinez, que informou ao declarante do repasse de recursos aos partidos da base aliada ao Governo, com intuito de sustentar as votações em plenário em favor dos projetos do Governo, tendo o declarante rechaçado a idéia do recebimento de tal tipo de recurso, pois se assim o fizesse o PTB ficaria refém do governo; Que, após essa conversa mantida com José Carlos Martinez, o declarante afirma ter tomado conhecimento de uma reunião ocorrida na residência do Deputado Pedro Henry, do PP, na qual estavam presentes Valdemar da Costa Neto, Bispo Rodrigues e José Múcio, líder da bancada do PTB na Câmara dos Deputados; Que, nessa reunião, Pedro Henry teria questionado José Múcio o motivo de o PTB não aceitar o recebimento de recursos mensais para garantir a sustentação do Governo do Congresso; Que José Múcio disse ao declarante ter comunicado a Pedro Henry que tinha sido o de-clarante que colocara óbices no recebimento de tais recursos; (...)

Cito, por fim, o depoimento do acusado José Janene (fl. 1703):

Que, no início do atual Governo Federal, o Partido Progressista realizou com o Partido dos Trabalhadores um acordo de cooperação financeira; Que não participou dire-tamente deste entendimento, tendo tomado ciência do mesmo posteriormente; Que, por este acordo de cooperação financeira, o Partido dos Trabalhadores ficaria encarregado de repassar ao Partido Progressista recursos para a sua estruturação, visando à formação de alianças para as eleições futuras, bem como para fazer frente a dívidas contraídas

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pelo Partido Progressista; Que este acordo de cooperação financeira não tinha valor específico pois seria implementado de acordo com o andamento das eventuais alianças entre os dois partidos; Que o acordo de cooperação financeira entre o PT e o PP foi discutido e decidido pelas respectivas cúpulas partidárias; Que não sabe especificar quais os membros dos partidos que participaram de tais negociações, mas com certeza os presidentes tiveram participação decisiva; Que, salvo engano, o Partido Progressista foi representado por seu presidente Pedro Corrêa e pelo líder na Câmara dos Deputados à época, o Deputado Federal Pedro Henry; (...)

Esse depoimento do acusado José Janene revela, portanto, que o “acordo” entre PP e PT foi sendo executado periodicamente, “de acordo com o andamento das eventuais alianças entre os dois partidos”. Ou seja, encontra respaldo, ao menos indiciário, neste depoimento, a suspeita de que havia repasses mensais de dinheiro – o denominado “mensalão” – para Deputados do PP, em troca de seu apoio ao PT.

O denunciado Pedro Corrêa, em suas declarações à Polícia Federal, afir-mou o seguinte (fls. 1992/1995, vol. 10 dos autos):

Que, no início do Governo Lula, foram realizadas algumas reuniões entre a cúpula do PP e a cúpula do PT no sentido de que fossem costuradas alianças entre esses partidos para a formação da base de sustentação do governo federal; Que, apesar do acordo que vinha sendo efetivado em nível nacional com o objetivo de compor a base de sustentação política do Governo no Congresso Nacional, no Estado do Acre uma forte disputa existia entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido Progressista, que elegeu dois deputados federais; Que esses Deputados eram Ronivon Santiago e Narciso Mendes; Que o Deputado Narciso Mendes perdeu o mandato; Que o Deputado Ronivon Santiago foi acionado na Justiça Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal pelo Ministério Público e por populares, bem como por suplentes; Que para defender Ronivon Santiago foi contratado pelo próprio Deputado o Advogado Paulo Goyaz; Que o valor cobrado pelo Advogado Paulo Goyaz montou em R$ 900.000,00 (novecentos mil reais) (...); Que Ronivon Santiago solicitava que o PP arcasse com os honorários do Advogado; Que o Deputado Federal José Janene tinha informado ao declarante que o Partido dos Trabalhadores estaria disposto a arcar com esses valores, já que as dificuldades políticas geradas no Estado do Acre eram incompatíveis com a aliança existente em âmbito nacional entre os dois partidos; (...) Que nega a afirmação de José Janene no sentido de que o declarante teria participado de reunião entre o Partido Pro-gressista e o Partido dos Trabalhadores, com a presença dos Deputados José Genuíno e Pedro Henry, objetivando estabelecer uma cooperação financeira em troca do apoio político; Que, como já disse, foi o Deputado José Janene quem informou ao declarante sobre o aporte de recursos financeiros oriundos do PT, tratado com Delúbio Soares; Que desconhece detalhes destas tratativas havidas entre José Janene e Delúbio Soares; Que ficou sabendo posteriormente, através do próprio Deputado Janene, que o PT repassaria R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) ao Partido Progressista; (...) Que tem conhecimento de que os inter-locutores desta negociação eram o Deputado José Janene, pelo Partido Progressista, e o então tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares; Que João Cláudio Genú, então assessor do Deputado José Janene, hoje lotado na liderança do Partido Progressista, foi quem buscou os recursos financeiros repassados pelo Partido dos Traba-lhadores ao Partido Progressista, no Banco Rural, agência do Brasília Shopping, e uma vez no Hotel Gran Bittar; Que tem conhecimento de que João Cláudio Genú entregou duas parcelas de R$ 300.000,00 ao chefe da assessoria jurídica do Partido Progressista, Sr. Walmor Giavarina, e uma parcela de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao funcionário da Tesouraria do Partido Progressista, Sr. Valmir Crepaldi; (...)

Entretanto, o Sr. Valmir Crepaldi afirmou, em seu depoimento (fls. 1835/1838, vol. 9 dos autos), que era subordinado ao acusado Pedro Corrêa e assinalou o seguinte (fl. 1836):

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Que, em setembro de 2003, foi chamado pelo Dr. Valmor Giavarina para que compa-recesse à Presidência do Partido Progressista, no 17ºandar do Anexo I do Senado Federal; Que, ao chegar ao local, o Dr. Valmor pediu ao declarante que se dirigisse para a sala de reu-niões; Que Valmor, em nenhum momento, falou para o declarante por qual motivo solicitara sua presença; (...) Que presenciou quando Valmor retirou de sua maleta três envelopes pardos, que foram entregues ao advogado Paulo Goyaz; Que Paulo Goyaz abriu os envelopes, quando então o declarante viu que, no interior, havia várias notas de dinheiro; (...) Que, passados aproximadamente 8 dias, o Dr. Valmor ligou novamente para o declarante, pedindo que novamente comparecesse à sede da Presidência do Partido Progressista; Que, da mesma forma relatada anteriormente, dirigiu-se para a sala de reuniões, quando então compareceu ao local o advogado Paulo Goyaz; Que o Dr. Valmor repassou para o advogado Paulo Goyaz 3 envelopes contendo dinheiro; (...) Que o dinheiro repassado pelo Dr. Valmor ao advogado Paulo Goyaz não passou pela tesouraria do Partido Progressista nem foi contabilizado; (...)

Como se vê, os repasses eram feitos na sede da presidência do PP, onde atuava o acusado Pedro Corrêa.

Aliás, é de se ressaltar que, em 18 de agosto de 2005, o acusado Pedro Corrêa assinou um documento em que declarou, atendendo a solicitação de Genú, que este havia comparecido à agência do Banco Rural em Brasília, nos dias 17-9-03, 24-9-03 e 14-1-04, para buscar, respectivamente, os valores de R$ 300 mil, R$ 300 mil e R$ 100 mil, sob orientação do Partido dos Trabalhadores, na implementação dos auxílios financeiros negociados com aquele partido e o Partido Progressista, afirmando, ainda, que ele entregou os valores na sede do partido, no 17º andar do anexo I do Senado Federal (v. documento de fl. 1919, volume 9 dos autos principais). É interessante notar que não foi feita, naquele momento, qualquer menção ao alegado pagamento de honorários ao advogado de Ronivon Santiago.

De todo modo, embora uns acusados queiram jogar a responsabilidade pelo acordo de “apoio financeiro” sobre os outros, isso não tem relevância. O que importa é que os acusados, aparentemente, receberam as quantias fornecidas pelo PT (cujo valor, de acordo com a lista fornecida por Marcos Valério – fls. 602/608 – totaliza quatro milhões e cem mil reais), em razão do cargo que ocupam, o que é suficiente, por ora, para a caracterização da tipicidade da conduta.

Assim, parece-me haver justa causa para o recebimento da denúncia contra José Janene, Pedro Henry, Pedro Corrêa (deputados federais) e João Cláudio Genú (assessor parlamentar ocupante de cargo público na presidência do PP), pela suposta prática do crime definido no art. 317 do Código Penal, conforme narrado na denúncia.

Há, também, fortes indícios no sentido do recebimento de quantias em espécie, pelos acusados, por meio de um suposto esquema de lavagem de dinheiro disponibilizado, primeiro, pelo núcleo publicitário-financeiro – confor-me visto no capítulo 4 – e, depois, por meio de uma organização própria dos denunciados (e da aparente formação de quadrilha para tal finalidade), passou a ser supostamente realizado pelas empresas Bônus-Banval e Natimar.

Na lista de fls. 605/608, Marcos Valério afirmou ter repassado R$ 4,1 mi-lhões ao Partido Progressista, informação por ele ratificada no depoimento de fls. 1454/1465 (vol. 7 dos autos), verbis:

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Que gostaria de fazer novos esclarecimentos relacionados aos repasses de recursos realizados a pedido do Partido dos Trabalhadores; Que confirma ter realizado pagamentos às pessoas relacionadas na lista constante às fls. 605/608; (...)

Inicialmente, destaco trecho do depoimento de Eliane Alves Lopes, ocupante do cargo de diretora de operações da SMP&B em Brasília (fls. 615/618, vol. 3 dos autos):

Que não presenciava o recebimento de pessoas por parte de Simone Vasconcelos na SMP&B/Brasília; Que se recorda de ter visto, uma única vez, João Cláudio Genú na empresa SMP&B, no edifício da CNC; Que, nesta oportunidade, João Cláudio Genú teria uma reunião com Marcos Valério (...)

O acusado João Cláudio de Carvalho Genú esclareceu o seguinte (fls. 576/583):

(...) Que realmente recebeu quantias em dinheiro a pedido da Direção do Partido Progressista; Que tais recebimentos eram realizados conforme orientação do Tesoureiro do Partido Progressista, de nome Barbosa; Que não sabe dizer o nome completo de Barbosa; Que, na verdade, não sabe dizer se Barbosa é tesoureiro ou somente trabalha na tesouraria; Que Barbosa ligava para o declarante avisando da necessidade de ir receber o dinheiro; Que recebia as ligações de Barbosa no gabinete do Deputado Janene, no gabinete da Comissão de Minas e Energia ou, provavelmente, no gabinete da liderança do Partido Progressista; Que ao receber a orientação de Barbosa, o declarante confirmava com os Deputados Fede-rais José Janene e Pedro Corrêa a procedência do pedido de Barbosa; (...) Que também fazia parte da Direção do PP o Deputado Federal Pedro Henry; Que, certa vez, ao receber o pedido de Barbosa para receber valores, conforme rotina relatada, procurou a confirmação da ordem junto ao Deputado José Janene, que, por sua vez, pediu ao decla-rante que ligasse para o Deputado Pedro Corrêa; Que o Deputado José Janene disse que somente o Deputado Pedro Corrêa poderia confirmar a necessidade de ir buscar o dinheiro; Que não sabe dizer por qual motivo Barbosa não ligava diretamente para José Janene ou Pedro Corrêa para determinar que o declarante fosse receber o dinheiro; (...) Que Barbosa falava para o declarante ligar para Simone Vasconcelos para combinar o recebi-mento das quantias; (...) Que geralmente se encontrava com Simone na sede do Banco Rural em Brasília, localizado no 9º andar do Brasília Shopping; Que ao se encontrar com Simone entregava para ela uma pasta, tipo 007, quando a mesma colocava em seu interior a quantia a ser entregue; Que não conferia o valor recebido; Que, na verdade, não sabia quanto Simone deveria entregar ao declarante; Que não se lembra quantas vezes recebeu quantias em dinheiro de Simone no interior da agência do Banco Rural em Brasília16; Que, certa vez, ao se dirigir à agência Brasília do Banco Rural, para se encontrar com Simone, essa não se encontrava no local; Que, ao perguntar por Simone para os empregados da agência, lhe foi infor-mado que Simone não estava, e havia deixado recado para o declarante se dirigir ao Hotel Gran Bittar para se encontrar com a mesma; Que não se recorda do nome do empregado do Banco Rural que lhe deu esse recado; Que também não sabe dizer qual cargo esse funcio-nário ocupava no Banco Rural; Que não tem condições de descrever o empregado do Banco Rural que deu o recado para o declarante se encontrar com Simone no Hotel Gran Bittar; Que não sabe dizer se Simone era conhecida dos empregados da agência do Banco Rural; Que o declarante não era conhecido pelos empregados da agência Brasília do Banco Rural17; Que foi ao encontro de Simone no Hotel Gran Bittar, tendo se dirigido ao apartamento que a mesma ocupava; Que não se recorda o número do apartamento ocupado por Simone;

16 O que, por si só, é indício de que isso não ocorreu poucas vezes.17 Se Genú não era conhecido dos empregados do Rural, isso indica que o recado possivelmente foi dado por Simone para alguém que o conhecia e que Genú também conhecia, provavelmente, embora negue o fato em seu depoimento, recusando-se a revelar a identidade da pessoa que lhe deu o recado para ir receber o dinheiro no Hotel Gran Bittar.

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Que não anunciou sua presença na portaria do Hotel, tendo se dirigido diretamente para o apartamento em que se encontrava Simone; Que o próprio empregado do Banco Rural que deu o recado ao declarante informou em qual apartamento Simone estava, bem como o horário do encontro; (...) Que Simone entregou ao declarante um envelope contendo dinheiro, cuja quantia desconhece; Que esse envelope era de tamanho grande; Que acredita ter assinado um ou dois recibos na agência Brasília do Banco Rural, referente à entrega de valores em dinheiro, cujo valor exato não se recorda; Que, ao chegar ao Banco Rural, procurava por Simone, que ficava aguardando na parte administrativa da agência; (...) Que, mostrado ao declarante os fac-símiles constantes às fls. 354 e 412 do Apenso 06 dos autos do Inquérito 2245, reconhece como suas as rubricas constantes dos mesmos; (...) Que, na época dos recebimentos, sabia que Simone trabalhava para Marcos Valério; (...) Que desconhece qualquer serviço prestado pelas empresas de Marcos Valério para o Partido Progressista; (...) Que conheceu Marcos Valério em uma visita que este fez ao Gabinete do Deputado Federal José Janene; Que não sabe dizer qual assunto Marcos Valério foi tratar com o Deputado José Janene; Que ficou na ante-sala do Gabinete do Deputado Federal José Janene, junto com o advogado Rogério Tolentino, que estava acompanhando Marcos Valério; (...) Que não sabe dizer qual o destino do dinheiro que entregava para Barbosa; Que não tem conhecimento se as quantias que entregou para Barbosa foram repassadas para parlamentares ou qualquer assessor de Deputados ou Senadores; Que possui, como patrimônio, um apartamento na Quadra 104, Setor Sudoeste – Brasília/DF, uma casa no Park Way, um veículo Honda Civic, ano 2003, um veículo Crysler, ano 1997/98, e um Honda Accord, ano 2004; Que adquiriu o apartamento da Qd. 104 do Setor Sudoeste pelo valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), de uma pessoa que anunciou a venda nos classificados de um jornal; Que não sabe dizer o valor atual de mercado do referido apartamento; Que não sabe dizer em qual jornal foi anunciado o apartamento, que adquiriu em agosto de 2004; Que adquiriu o referido apartamento após vender um apartamento que possuía na AOS 04, Bloco F, ap. 310, pelo valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), tendo completado o restante com os recursos que possuía em caderneta de poupança; Que a casa no Park Way foi adquirida no ano de 2000, pelo valor, salvo engano, de R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais); Que, atualmente, possui a renda mensal líquida de aproximadamente R$ 20.000,00 (vinte mil reais); Que recebe líquido da Câmara dos Deputados e do Ministério da Agricultura o salário de aproximadamente R$ 8.000,00 (oito mil reais); Que o restante de sua renda mensal é composta por trabalhos de consultoria na área econômica e financeira, que presta para empresas (...)

Por sua vez, o acusado José Janene esclareceu, em seu depoimento à Polícia Federal (fls. 1704 e seguintes, vol. 8 dos autos):

Que, após receber a informação da disponibilização dos recursos do PT, o decla-rante, juntamente com o Presidente do PP, Pedro Corrêa, decidiu que João Cláudio Genú ficaria encarregado de receber tais valores; (...) Que ficou sabendo que o Partido dos Trabalhadores não iria realizar uma transferência bancária, mas efetuar pagamentos em espécie, em uma reunião ocorrida na sede do Partido Progressista, localizada no 17º andar do Anexo I do Senado Federal; Que os presentes à reunião foram informados desta forma de repasse da verba do PT pelo funcionário da tesouraria do PP, Sr. Valmir; Que Valmir recebeu tal informação da sede nacional do Partido dos Trabalhadores, provavelmente do tesoureiro, Delúbio Soares; Que se lembra que participavam da reunião vários Deputados do Partido Progressista18, dentre eles Pedro Henry e Pedro Corrêa; Que não se recorda dos outros deputados presentes à reunião supracitada; Que Delúbio Soares, em nenhum momento, conversou com o declarante sobre a forma dos repasses das verbas do Partido dos Trabalhadores ao Partido Progressista; Que João Cláudio Genú recebeu a incumbência de se dirigir à agência do

18 O que, aliás, põe em dúvida a tese dos outros acusados do PP, no sentido de que o PT só repassou dinheiro para pagar honorários de Ronivon Santiago. Ora, isso não seria do interesse de vários depu-tados do PP, a ponto de convocar-se reunião com eles...

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Banco Rural localizada no edifício Brasília Shopping, para receber o valor disponibilizado pelo Partido dos Trabalhadores; (...) Que realmente autorizou Genú a se dirigir à sede do Banco Rural em Brasília/DF, para efetuar o recebimento cujo valor desconhecia; Que também determinou que Genú levasse o valor a ser recebido diretamente para a sede do PP; Que Genú entregou o valor recebido, salvo engano, no departamento jurídico; (...) Que Genú con-tou ao declarante que deixou na sede do PP a quantia de R$ 300 mil; Que Genú informou ao declarante que, ao receber o valor de R$ 300 mil, assinou o recibo correspondente; (...) Que, ainda no mês de setembro de 2003, o Partido dos Trabalhadores comunicou a Direção do Partido Progressista da disponibilidade de outra parcela dos valores destinados; (...) Que Genú efetuou outro saque de R$ 300 mil na agência Brasília do Banco Rural e entregou a quantia na sede do Partido Progressista; (...) Que, em janeiro de 2004, o Partido Progressista recebeu nova comunicação de disponibilização de recursos do PT; Que, pelo que sabe dizer, Genú foi à Agência Brasília do Banco Rural receber o outro repasse, quando então foi informado de que deveria se dirigir a um hotel, de cujo nome não se recorda, para receber a quantia disponibilizada; Que somente ao chegar ao hotel, Genú teria conhecimento de que estavam disponíveis R$ 100 mil; (...) Que, apesar de ter achado estranha aquela forma de pagamento, o declarante não fez nenhum questionamento a qualquer membro do PT; (...) Que conheceu Marcos Valério Fernandes de Souza no final de 2002; Que Marcos Valério sempre freqüentava a Câmara dos Deputados, já tendo feito algumas visitas ao Gabinete do declarante; (...) Que Marcos Valério esteve no gabinete do declarante por cerca de duas ocasiões; (...) Que provavelmente já recebeu ou fez ligações para Marcos Valério, não sabendo especificar o número exato; Que não se lembra de quais os temas tra-tados em tais ligações; (...) Que já manteve vários contatos pessoais ou via telefone com Delúbio Soares; Que tais contatos foram realizados com o intuito de discutir assuntos partidários; Que nunca discutiu repasse de verbas com Delúbio Soares; Que Delúbio Soares foi seu interlocutor em reuniões em que eram analisadas possíveis alianças municipais entre o Partido Progressista e o Partido dos Trabalhadores; Que, dentre as reuniões, pode citar uma em que estiveram presentes, além de Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Marcelo Sereno; (...)

Veja-se, ainda, depoimento de Simone Vasconcelos, no qual há indícios de que esses não foram os únicos repasses feitos a João Cláudio Genú (fls. 588/595, vol. 3 dos autos):

Que, no final de 2002, recebeu o primeiro pedido de Marcos Valério para realizar um trabalho diferente do que estava acostumada; Que Marcos Valério, no final de dezembro de 2002, pediu à declarante que realizasse um saque na agência Brasília do Banco Rural e repassasse os valores para algumas pessoas; Que, na verdade, este primeiro saque a pe-dido de Marcos Valério ocorreu em janeiro de 2003; (...) Que, certa vez, solicitou que um carro forte fosse levar seiscentos e cinqüenta mil reais para o prédio da Confederação Nacional do Comércio, local onde funcionava a filial da SMP&B em Brasília/DF; Que esses valores foram entregues aos destinatários finais no hall de entrada do prédio da CNC; Que parte dos valores transportados pelo carro-forte também foi entregue ao Assessor Parlamentar João Cláudio Genú, em um encontro ocorrido no hall do hotel cujo nome não se recorda19; (...)

Esse depoimento encontra respaldo nos documentos constantes do apenso 5, fls. 9 e 11 (são eles: 1 - fac-símile autorizando o transporte de R$ 650 mil, re-ferentes a dois da SMP&B, através de carro forte, para o Edifício da Confederação Nacional do Comércio, onde o numerário deveria ser entregue a Simone Vascon-celos; 2 - e-mail de Geiza Dias, solicitando o transporte do numerário por carro forte e sua entrega a Simone no Edifício CNC).

19 Diferentemente, o outro encontro de Genú com Simone teria ocorrido, nas palavras do próprio Genú, não no hall, mas num quarto de hotel, ao qual o mesmo se dirigiu sem sequer precisar se anunciar.

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Ademais, os repasses ao PP não foram feitos, apenas, diretamente a João Cláudio Genú.

De acordo com o Procurador-Geral da República, foram feitos também outros repasses, por meio das empresas Bônus Banval e Natimar. No ponto, é necessário ler a cronologia dos fatos, conforme narrados na denúncia (fls. 5712/5714, vol. 27):

Em duas ocasiões, 17-9-2003 e 24-9-2003, o próprio João Cláudio Genú rubricou o documento fac-símile (fls. 222/225 do Apenso 05, e 354 e 412 do Apenso 06) que autorizava os saques da importância de R$ 300.000,00 em cada uma dessas situações, tendo confirmado, em seu depoimento (fls. 576/584) o recebimento dos valores acima mencionados e de vários outros saques efetuados por Simone Vasconcelos (...)

Segundo a documentação que constitui os Apensos 05 e 06, referente aos fac-símiles e outros meios de comunicação utilizados por Geiza Dias, Simone Vasconcelos e os funcionários do Banco Rural para identificação dos sacadores do dinheiro disponibilizado pelo grupo de Marcos Valério, também constam as seguintes informações de saques por parte de João Cláudio Genú: 13.01.2004 – R$ 200.000,00 (fl. 55 e verso do Apenso 05); 20.01.2004 – R$ 200.000,00 (fl. 75 e verso do Apenso 05).

O valor aproximado de R$ 1.200.000,00 foi transferido aos parlamentares Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene pela sistemática de lavagem de dinheiro operacio-nalizada pela Bônus Banval Participações e Bônus Banval Commodities Corretora de Mercadoria, valendo-se da conta da empresa Natimar.

Enivaldo Quadrado, sócio das empresas acima mencionadas, apresentando justifica-tivas inverossímeis para o recebimento de dinheiro do grupo empresarial de Marcos Valério, confirmou a realização de vários saques a pedido de Simone Vasconcelos e Marcos Valé-rio, em, no mínimo, quatro oportunidades, totalizando R$ 605.000,00.

O montante acima foi sacado, em março de 2004, por interpostas pessoas, a saber: Áureo Marcato, que efetuou dois saques de R$ 150.000,00 cada (fls. 155 e 160 do Apenso 05); Luiz Carlos Masano (fl. 173 do Apenso 05), que recebeu R$ 50.000,00, e Benoni Nas-cimento de Moura (fl. 200), que recebeu R$ 255.000,00.

Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Quaglia também se valeram da empresa Natimar Negócios Ltda., empregada para a prática de lavagem de dinheiro, a fim de que o grupo de Marcos Valério, especialmente por meio das empresas 2S Participações Ltda. e Rogério Lanza Tolentino & Associados, efetuasse a transferência de, no mínimo, R$ 500 mil, por intermédio da conta da empresa Natimar mantida na Corretora Bônus Banval para os parlamentares do PP Pedro Corrêa, Pedro Henry, José Janene.

Já foram identificadas as seguintes operações de branqueamento de capitais via Natimar: Gisele Merolli Miranda e Regina Merolli Mirante (R$ 12.000,00 em 13/9/2004); Aparício de Jesus e Selmo Adalberto de Carvalho (R$ 10.000,00 em 13/9/2004); Frederico Climaco Schaefer, Mariana Climaco Schaefer e Adolfo Luiz de Souza Góis (R$ 25.000,00 em 7/7/2004); Emerson Rodrigo Brati e Danielly Cíntia Carlos (R$ 7.900,00 em 2/9/2004); Valter Colonello (dois depósitos de R$ 10.000,00 em julho de 2004 e 13/9/2004); Laurito Defaix Machado (R$ 11.000,00 em 2/9/2004); e José René de Lacerda e Fernando César Moya (R$ 11.400,00 em 2/9/2004).

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Progressista ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destacam-se as atuações dos parlamen-tares Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/8/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/9/2003).

O Procurador-Geral da República imputa, ainda, aos denunciados José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry, João Cláudio Genú, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberge e Carlos Alberto Quaglia o delito de formação de quadrilha,

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dada a estabilidade e a organização de suas atividades, supostamente voltadas para a prática dos crimes de lavagem de dinheiro antes narrados, bem como de corrupção passiva, pelos quatro primeiros.

A análise dos autos revela a existência de inúmeros indícios que corro-boram essas imputações (corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha para a finalidade de cometer aqueles crimes, ao longo do tempo, de forma estável).

Em primeiro lugar, cito, mais uma vez, trecho do depoimento de João Cláudio Genú, demonstrando que, não raro, eram feitas visitas à corretora Bônus Banval (fl. 582):

Que acompanhou o Deputado José Janene em algumas visitas que este fez na Corretora Bônus-Banval; Que a filha do Deputado José Janene trabalhava na Corretora Bônus-Banval, sendo que o Deputado comparecia à sede da empresa para visitá-la; (...)

No depoimento de José Janene, é possível constatar a “intimidade” que ele e os demais denunciados tinham com os empresários e co-denunciados da corre-tora em questão (fls. 1707/1708, volume 8 dos autos), dando indícios também da prévia associação criminosa:

Que já se encontrou com Marcos Valério, em um encontro casual de um hotel em São Paulo, provavelmente Hotel Intercontinental; Que, neste encontro casual, nenhum assunto foi discutido entre ambos; Que conheceu a corretora Bônus Banval após sua filha, Michele Janene, ter conseguido um estágio nesta empresa; Que fazia visitas eventuais ao local de trabalho de Michele Janene, quando então foi apresentado ao proprietário da empre-sa, Enivaldo Quadrado; Que chegou a fazer alguns investimentos em ações indicadas pela própria corretora Bônus Banval, no primeiro semestre do ano de 200420; Que não se recorda o valor de referidas aplicações, mas pode afirmar que foi firmado um contrato de investimento com a Bônus Banval no valor máximo de R$ 1 milhão, com garantia hipotecária; Que comentou com Enivaldo Quadrado que Marcos Valério seria um bom cliente em potencial para a corretora Bônus Banval, tendo em vista sua capacidade financeira; Que procurava, na verdade, auxiliar sua filha em seu novo emprego, uma vez que a mesma tinha por uma de suas incumbências a captação de novos clientes para a corretora; (...) Que conhece apenas de nome a empresa Natimar, que seria uma empresa especializada em investimentos em ouro; Que nunca fez nenhuma negociação diretamente com a Natimar; Que acredita ter se encontrado, casualmente, com algum dirigente ou funcionário da Natimar, cujo nome não se recorda; Que este encontro ocorreu na Bônus Banval, sendo que o próprio Enivaldo Quadrado informou que tal pessoa era funcionário da Natimar; Que, apresentada ao declarante a relação de pessoas que receberam recursos através de transferências bancárias determinadas pela Natimar, afirma conhecer, apenas, Rosa Alice Valente, sua secretária pessoal, e Danielle Kemmer Janene, sua filha; (...) solicitou que a Bônus Banval realizasse o resgate de algumas aplicações em benefício de Rosa Alice Janene e Danielle Kemmer Janene; Que não sabe dizer por qual motivo a Bônus Banval tenha determinado que tais transferências fossem realizadas através da Natimar; (...) Que nunca verificou qualquer sinal de incompatibilidade entre o patrimônio e os rendimentos de João Claúdio Genú.

A afirmação de Janene, no sentido de que encontrou, uma vez, casual-mente, com Marcos Valério no Hotel Intercontinental, em São Paulo, está em dissonância com o depoimento de Enivaldo Quadrado à Polícia Federal, no qual o proprietário da Bônus Banval afirmou (fl. 1707):20 Coincidentemente ou não, época em que os crimes narrados na denúncia e imputados aos parla-mentares do PP foram, supostamente, praticados.

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Que no início do ano de 2004, provavelmente no mês de fevereiro, no Hotel Inter-continental em São Paulo, foi apresentado pelo Deputado José Janene ao publicitário Marcos Valério Fernandes; Que, num primeiro momento, Marcos Valério demonstrou inte-resse em adquirir a corretora Bônus Banval, avaliada em aproximadamente R$ 4 milhões; Que Marcos Valério passou a freqüentar a Bônus Banval com a finalidade de conhecer a carteira de clientes e a saúde financeira da empresa; Que Marcos Valério comparecia à Bônus Banval acompanhado do advogado Rogério Tolentino; Que o negócio da aquisição da empresa Bônus Banval com Marcos Valério acabou não se concretizando; (...) Que, em março de 2004, a Srª Simone Vasconcelos, funcionária de Marcos Valério, ligou para o reinquirido solicitando um favor, no sentido de efetuar uma retirada em espécie na agência do Banco Rural, na Av. Paulista, em São Paulo; (...) Que, a partir deste momento, Simone fez diversos contatos, solicitando o recebimento de valores em espécie, conforme o depoimento anteriormente prestado; (...) Que, na maioria das vezes, o próprio Marcos Valério buscava os valores retirados na agência do Banco Rural da Avenida Paulista/SP, com exceção da reti-rada efetuada por Vivian, de cujas feições não se recorda; Que Marcos Valério não comentava sobre o destino do dinheiro retirado; Que o reinquirido não estranhava a forma atípica com que Marcos Valério procedia os saques (...); Que José Janene fiz um único investimento na Bônus Banval no período em que sua filha se encontrava estagiando na empresa; (...) Que Marcos Valério se mostrou interessado em fazer alguns investimentos por intermédio da Bônus Banval; Que o reinquirido indicou a Marcos Valério a empresa Natimar Negócios Intermediações Ltda.; (...) Que a Natimar é cliente da Bônus Banval desde o ano de 2002, sendo seu principal representante Carlos Quaglia, residente em Florianópolis, Santa Catarina; Que não se recorda como a Natimar se aproximou da Bônus Banval, mas acredita que foi por indicação de um cliente; (...) Que Marcos Valério, por meio das empresas Rogério Lanza Tolentino & Associados e 2S Participações mantinha investimentos que eram gerenciados pela Natimar Negócios Intermediações; Que tais empresas efetuavam depósitos na conta corrente que a Natimar mantinha na Bônus Banval (...) Que mantém em arquivos a relação dos beneficiários dos resgates das aplicações realizadas por Marcos Valério através da Natimar; (...) Que as empresas de Marcos Valério depositavam os recursos na Bônus Banval, que os direcionava internamente para uma conta-corrente em nome da Natimar; (...) Que era a Natimar que determinava, por meio de ordem escrita, para quem os recursos seriam direcionados; Que as ordens de resgate dos valores de Marcos Valério eram direcionadas à Natimar; Que, no entanto, todas as contabilizações eram feitas por meio da conta-corrente da corretora Bônus Banval; Que não se recorda dos nomes das pessoas que foram beneficiadas pelos resgates dos investimentos realizados por Marcos Valério; (...)

Também aí é possível colher indícios da prévia associação criminosa que excluem a existência de mero concurso de agentes.

Outro ponto de discordância nos autos é o desse suposto “interesse” de Marcos Valério na aquisição da Bônus Banval, que justificaria, nos termos dos depoimentos acima (de Enivaldo Quadrado e Janene), a presença do publicitário na empresa, os alegados “investimentos” e seus encontros com o dono da corre-tora, o acusado Enivaldo Quadrado.

Em seu depoimento, Marcos Valério nega que tivesse interesse em investir na Bônus Banval, e explica como se deu a utilização dessa empresa na suposta prática de lavagem de dinheiro pelos denunciados (fls. 1459/1461, vol. 7):

Que foi apresentado ao Sr. Enivaldo Quadrado pelo Deputado Federal José Janene, que por sua vez foi apresentado ao declarante por Delúbio Soares; Que José Janene indicou a corretora Bônus Banval para receber repasses de verbas do Partido dos Traba-lhadores; Que, em nenhum momento, cogitou ou demonstrou interesse em adquirir a corretora Bônus Banval; Que Janene afirmou ao declarante que gostaria que os recursos

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a serem repassados em nome do Partido dos Trabalhadores para o Partido Popular fossem encaminhados para a corretora Bônus Banval; Que caberia à Bônus Banval efetuar, posteriormente, o repasse das verbas para as pessoas indicadas pelo Deputado Federal José Janene; Que também pode afirmar que Delúbio Soares determinou o repasse de recursos para outros partidos, bem como para Diretórios Regionais do Partido dos Trabalhadores, através de depósitos realizados em nome da corretora Bônus Banval; Que, através da Bônus Banval, foram encaminhados ao Partido Liberal R$ 900 mil; ao PT/RJ, R$ 750 mil; ao PT/DF, R$ 120 mil; ao PT Nacional, R$ 945 mil, e ao PP, R$ 1,200 mil21; Que repassou recursos para a Bônus Banval através de depósito on-line ou cheques nominais; Que os recursos encaminhados à Bônus Banval partiram das contas das empresas 2S Partici-pações e Rogério Lanza Tolentino Associados; Que a Tolentino Associados transferiu para a Bônus Banval o total de R$ 3.460.850,00, sendo que a 2S Participações transferiu o valor de R$ 6.322.159,33; Que todos esses recursos tiveram origem nos empréstimos obtidos junto aos bancos BMG e Rural; (...) Que participou de três reuniões, salvo engano, com Enivaldo Quadrado e Delúbio Soares, realizadas na sede nacional do Partido dos Trabalhadores em São Paulo/SP (dois encontros) e em uma lanchonete no piso superior do Aeroporto de Congonhas/SP (um encontro); Que, nessas reuniões, eram discutidos os repasses para o Partido Progressista e demais beneficiários; Que o repasse dos recursos para as pessoas indicadas por Delúbio Soares eram de responsabilidade da Bônus Banval, após a disponibilização dos valores pelo declarante; Que esteve na sede da Bônus Banval em três ou quatro oportunidades, sempre para tratar de assuntos relacionados aos re-passes; Que os interlocutores do declarante junto à Bônus Banval eram os Srs. Enivaldo Quadrado e Breno [Fischberg]; Que também já participou de reuniões na Bônus Banval em que estava presente o Deputado Federal José Janene, juntamente com seu assessor direto, João Cláudio Genú; Que discutiu com Enivaldo Quadrado e o Deputado Federal José Janene sobre os pagamentos a serem encaminhados ao Partido Progressista; (...) Que repassou recursos à Bônus Banval através de cheques sacados pelos empregados da corretora; Que os nomes de Luiz Carlos Mazano, Benoni Nascimento de Moura e Áureo Marcato foram repassados pelo próprio Enivaldo Quadrado, sendo que os mesmos foram autorizados a receber cheques emitidos em nome da SMP&B na agência Avenida Paulista/SP do Banco Rural; Que os recursos recebidos pelos empregados da Bônus Banval fazem parte do total repassado à Bônus Banval, conforme já mencionado (...)

A testemunha Áureo Marcato confirmou, em seu depoimento, ter realizado dois saques, no valor de R$ 150 mil cada um, em espécie, a pedido de Enivaldo Quadrado. Para isso, seguiu o mesmo procedimento já narrado inúmeras vezes na denúncia: dirigiu-se ao Banco Rural, onde o dinheiro já estava separado para ser-lhe entregue (fls. 818/820, vol. 3).

Por sua vez, Luiz Carlos Masano afirmou o seguinte (fls. 645/648, vol. 3):

Que desempenha a função de Diretor Financeiro da empresa Bônus Banval CCTVM; Que, na época dos fatos investigados, era Gerente de custódia da mesma empresa; Que, certo dia, o proprietário da empresa, Enivaldo Quadrado, pediu ao declarante que fosse até a agência do Banco Rural/SP, localizada na Av. Paulista, para retirar importância de cinqüenta mil reais; Que o Sr. Enivaldo Quadrado não comentou com o declarante qual a origem do recurso ou tampouco a natureza daquele recebimento; Que Enivaldo apenas pediu ao declarante que se identificasse a um empregado do Banco Rural, tendo fornecido o nome desse; Que não se recorda qual o nome do empregado do Banco Rural indicado pelo Sr. Enivaldo Quadrado; Que foi deixado na agência do Banco Rural na Av. Paulista pelo motorista da Bônus Banval, Benoni Nascimento de Moura; Que procurou o funcionário indicado por Enivaldo Quadrado; Que se apresentou como sendo o enviado de Enivaldo Qua-drado, tendo informado ao declarante que o procedimento iria demorar; Que o empregado do

21 Um milhão e duzentos mil reais.

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Banco Rural/SP informou ao declarante que a demora seria causada pela necessidade de aguardar o envio de um documento; Que não foi dito ao declarante qual seria o documento que estava faltando para autorizar o saque ou quem seria o responsável por seu envio; (...) Que, após ter aguardado por aproximadamente uma hora e meia, o empregado do Banco Rural/SP entregou a quantia de cinqüenta mil reais para o declarante; Que assinou um documento comprovando o recebimento dos valores; Que reconhece como sua a assinatura aposta no documento de fl. 172 do apenso 05; Que, de posse do dinheiro, retornou à sede da empresa Bônus Banval, e entregou a quantia para o Sr. Enivaldo; Que esta foi a única vez que recebeu valores a pedido de Enivaldo Quadrado; (...)

O motorista da empresa Bônus Banval, Benoni Nascimento de Moura, tam-bém recebeu valores no Banco Rural, a pedido do acusado Enivaldo Quadrado (depoimento de fls. 655/657, vol. 3 dos autos):

(...) determinado dia, o Sr. Enivaldo Quadrado solicitou ao declarante que fosse efe-tuar uma retirada na agência do Banco Rural localizada na Av. Paulista em São Paulo/SP; Que não foi informado pelo Sr. Enivaldo Quadrado qual o valor a ser retirado na agência do Banco Rural/SP; Que o Sr. Enivaldo apenas pediu que o declarante se dirigisse à referida agência bancária e fosse conversar com um empregado cujo nome não se recorda; Que o Sr. Enivaldo não forneceu ao declarante qualquer documento a ser utilizado no saque; Que, ao se apresentar ao empregado da agência do Banco Rural/SP, falou para o mesmo que estava ali para retirar o dinheiro do Sr. Enivaldo; Que o empregado do Banco Rural/SP já sabia do que se tratava, tendo falado ao declarante que aguardasse por um instante; Que o empregado falou que ia separar o dinheiro; Que ficou aguardando por aproximadamente uma hora e meia, quando então o empregado da agência do Banco Rural pediu para que o declarante entrasse em uma sala; Que, ao chegar nessa sala, o dinheiro estava em cima de uma mesa; Que o empregado do banco colocou o dinheiro na bolsa que o declarante estava portando; Que esta bolsa foi fornecida ao declarante pelo Sr. Enivaldo; Que não chegou a conferir o valor guardado, mas acredita que era uma grande quantia; Que, de posse do dinheiro, retornou imediatamente para a sede da empresa Bônus Banval; Que não se lembra de ter assinado nenhum documento como recibo na agência do Banco Rural/SP; Que, mostrado ao decla-rante o documento de fl. 119 do apenso 05 dos presentes autos, reconhece como sua a assinatura constante no canto inferior esquerdo22; (...) Que se recorda de ter levado da sede da Bônus Banval ao Aeroporto de Congonhas/SP os Srs. João Cláudio de Carvalho Genú e José Janene, em duas ou três oportunidades; Que todas as vezes em que levou João Cláudio de Carvalho Genú e José Janene para o Aeroporto de Congonhas/SP, os mesmos haviam acabado de ter uma reunião com o Sr. Enivaldo Quadrado; Que, da mesma forma, quando levou Marcos Valério ao Aeroporto de Congonhas/SP, o mesmo tinha se encontrado com o Sr. Enivaldo Quadrado (...)

Colhe-se, deste depoimento, informações importantes no sentido da prática, em tese, de crime de lavagem de dinheiro pelo acusado Enivaldo Quadrado. Em primeiro lugar, porque enviou o motorista de sua empresa à agência do Banco Rural munido de uma bolsa, na qual seria guardado o numerário a ser recebido. Ou seja, ele aparentemente conhecia o procedimento que se adotava no repasse de valores.

Além disso, o motorista não levou qualquer documento de identificação do acusado, que seria o real beneficiário do dinheiro, fato que também revela sua consciência de que os valores não seriam recebidos através de um procedimento normal de saque. As reuniões de Enivaldo Quadrado com os acusados José Ja-nene, João Cláudio Genú e Marcos Valério reforçam essa suspeita.

22 Consta do documento em questão que foi entregue a Benoni o valor de R$ 255.000,00 (duzentos e cinqüenta e cinco mil reais).

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Assim, há indícios suficientes da prática dos crimes de formação de quadri-lha e lavagem de dinheiro, razão pela qual voto pelo recebimento da denúncia contra Enivaldo Quadrado.

O envolvimento de Carlos Alberto Quaglia ter-se-ia dado por meio da em-presa Natimar, da qual é sócio-gerente e administrador, sendo sua filha a outra sócia da empresa.

Em seu depoimento, Carlos Quaglia esclareceu o seguinte (fls. 2094/2101):

Que, para operar na B.M.&F.23, a Natimar necessitava da intermediação de uma corretora, que, no caso, somente se recorda do nome da corretora Bônus Banval; Que se com-promete a apresentar documentos que revelam os investimentos por meio de outras corretoras as quais no presente momento não sabe declinar; Que investiu, por intermédio da corretora Bônus Banval, no mercado de futuro de ouro e câmbio, além de ouro à vista ou físico; Que, no final de 2003 ou início de 2004, foi apresentado ao senhor Enivaldo Quadrado, sócio da Bônus Banval (...); Que encontrou com o Dr. Quadrado em seu escritório, na cidade de São Paulo, oportunidade em que o dono da Bônus Banval ofereceu diversos atrativos para que o declarante aplicasse os recursos em sua empresa; (...) Que acredita que aplicou na Bônus Banval aproximadamente sete milhões de reais durante o ano de 2004; Que, salvo engano, no mês de junho de 2004, o declarante percebeu um depósito desconhecido na conta da Natimar, não sabendo precisar quanto havia sido depositado equivocadamente; Que recebia pelos correios, semanalmente, o extrato da conta da Natimar junto à corretora Bônus Banval; Que, diante disso, entrou em contato com Enivaldo Quadrado, informando a situação, oportunidade em que este teria dito que tais recursos haviam sido depositados por engano, em virtude de “erro de logística de caixa”; Que o declarante pediu para Enivaldo estornar tal valor da sua conta, o que foi negado pelo dono da Bônus Banval, alegando impossibilidade de fazê-lo ante a existência de uma auditoria externa em sua Corretora; Que nega que a Natimar tenha recebido recursos de Rogério Lanza Tolentino e da empresa 2S Partici-pações Ltda.; Que os depósitos feitos por estas pessoas são aqueles que foram creditados erroneamente na conta da Natimar, conforme disse em linhas atrás; Que não conhece e não tem a mínima idéia de quem sejam as pessoas jurídicas que depositaram aproxima-damente seis milhões e meio de reais por equívoco na conta-corrente da Natimar; Que não sabe informar se esses valores foram aplicados em investimentos pela corretora Bônus Banval; Que, se houve algum investimento, este não se deu por determinação do declarante; Que Enivaldo Quadrado solicitou ao declarante que assinasse algumas transferências de recursos para contas-correntes de terceiros, o que foi feito pelo declarante; Que nega que tenha realizado estas transferências por indicação do publicitário Marcos Valério; Que assinou, aproximadamente, dez cartas de transferência de recursos para terceiros desco-nhecidos; Que também assinou cerca de cinco cartas de transferência com destinatários “em branco”, preenchidos por Enivaldo Quadrado; Que, neste momento, é dada ciência ao declarante de que foram apresentadas, pela Bônus Banval, cerca de cinqüenta cartas de transferência de recursos assinadas pelo declarante; Que, indagado se sabe dizer as razões de tamanha discrepância entre o que disse linhas atrás e os documentos apresentados pela Bônus Banval, respondeu que, além das que assinou a pedido de Enivaldo Quadrado, é possível que aí estejam computadas as transferências que efetivamente realizou em nome da Natimar; Que, após assinar tais transferências, os depósitos equivocados permaneceram sendo creditados na conta-corrente da Natimar, o que motivou Enivaldo Quadrado a solicitar que o declarante assinasse novos documentos de Transferências em várias oportunidades, o que foi negado pelo declarante (...) Que reconhece como tendo partido de seu punho as assinaturas lançadas nas cartas supostamente enviadas à Bônus Banval, onde constam os nomes e dados dos beneficiários das transferências de recursos da conta da Natimar na Bônus Banval; (...)

23 Bolsa de Mercadorias e Futuros.

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Já o acusado Breno Fischberg afirmou o seguinte em seu depoimento (fls. 4215/4217, vol. 19):

Que confirma a versão relativa aos depósitos determinados pela Natimar para terceiros, conforme lista apresentada no anexo 05-A da perícia extrajudicial encaminhada à Polícia Federal; Que a Natimar movimentou aproximadamente 14 milhões de reais no ano de 2004 junto à Bônus Banval; Que Carlos Alberto Quaglia periodicamente telefonava para Enivaldo Quadrado, ou mesmo para algum funcionário da área administrativa da Bônus Banval e solicitava que fossem feitas transferências de recursos da Natimar para terceiros por ele indicados; Que, em virtude de Carlos Alberto Quaglia residir fora do Estado de São Paulo, as solicitações mencionadas eram redigidas em formato de carta e, nas oportunidades em que o mesmo se dirigia à capital paulista, eram todas assinadas de uma vez só; Que, portanto, nega veementemente, a versão declinada por Carlos Alberto Quaglia de que as transferências dos recursos da Natimar foram efetivadas a pedido da própria Bônus Banval; Que, inclusive, a Bônus Banval reteve a CPMF referente às operações solicitadas por Carlos num valor total de aproximadamente 30 mil reais, devidamente informado à Receita Federal, e constante da declaração anual de rendimentos da empresa Natimar; Que esse fato afasta a versão de Carlos Alberto Quaglia, já que ninguém pagaria 30 mil reais de imposto para outra pessoa; (...) Que, em relação a Marcos Valério, o declarante o conheceu apresentado por Enivaldo Quadrado como um possível comprador da Corretora de Com-modities Bônus Banval, que estava à venda; Que Marcos Valério não concretizou a compra; (...) Que se encontrou com Marcos Valério cerca de quatro vezes, todas acompanhadas de Rogério Tolentino; Que Marcos Valério acompanhava mensalmente o resultado da corretora para decidir se fechava ou não o negócio; Que, em relação ao Deputado José Janene, o declarante conheceu o parlamentar através da filha deste, senhora Michele Janene, ex-estagiária da Bônus Banval; Que José Janene somente realizou uma única ope-ração de day trade na corretora Bônus Banval; Que, salvo engano, o lucro de José Janene foi da ordem de aproximadamente 30 mil reais; (...) Que nega a versão apresentada por Marcos Valério de que a Bônus Banval tenha sido utilizada para transferir recursos de caixa 2 para José Janene ou qualquer outro político; que as operações da Natimar sempre foram comandadas por Carlos Alberto Quaglia; Que, entretanto, realmente a filha do Deputado José Janene recebeu um crédito de 15 mil reais, remetido por ordem da Natimar; (...)

é de se destacar que o Relatório de Análise 792/06 (apenso 85, fls. 463/765) também contém fortes indícios no sentido do enunciado pelo Procurador-Geral da República na denúncia, corroborando, assim, as acusações de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Constatou-se, ali, que a empresa Bônus Banval recebeu, comprovada-mente, da firma Rogério Lanza Tolentino a quantia de R$ 3.460.850,00.

Relativamente à Natimar, “cliente” da Bônus Banval, constatou-se a exis-tência de um documento intitulado “autorização de operações”, em que o acusado Breno Fischberg autorizava operações em nome da Natimar.

A Natimar procedeu, então, nos termos do Relatório de Análise 792/06, à transferência dos valores depositados por Tolentino e pela 2S Participações a terceiros, os quais, entretanto, não puderam ser identificados em sua totalidade, tendo em vista que a mesma conta-corrente continha também recursos próprios da Natimar, que eram também utilizados para outras finalidades (como aplicações financeiras na BM&F e transferências de valores a terceiros). Assim, a solução foi rastrear todas as movimentações, a partir de janeiro de 2004, até o último movi-mento, em 13 de setembro de 2004, com as dificuldades inerentes a tal procedimento.

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Aliás, isso também demonstra, ao menos indiciariamente, que os denun-ciados se organizaram em nível elevadíssimo para evitar a persecução penal e, assim, viabilizar a prática dos crimes de lavagem de dinheiro e de corrupção passiva narrados na denúncia, razão pela qual considero que há indícios da prá-tica de crime de formação de quadrilha por estes acusados.

Do exposto, Senhora Presidente, tendo em conta os documentos constantes dos autos, os depoimentos que li anteriormente e o fato de os denunciados faze-rem trocas de acusações entre si, considero haver indícios suficientes da prática dos crimes narrados na denúncia pelas pessoas denunciadas neste tópico, razão pela qual voto pelo recebimento da denúncia, contra:

a) José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú, pela suposta prática dos crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lava-gem de dinheiro, nos termos narrados na denúncia;

b) Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia, pela suposta prática dos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, tal como narrado pelo Procurador-Geral da República na inicial acusatória.

VI.2. Partido Liberal

No item VI.2, tal como no item anterior, é narrada a prática de crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, desta feita envolvendo o Partido Liberal.

Eis o ligeiro resumo dos fatos com o qual o Procurador-Geral da República introduziu o item da denúncia em análise (fl. 5716):

Os denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas, juntamente com Lúcio Funaro e José Carlos Batista, montaram uma estrutura criminosa voltada para a prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O recebimento de vantagem indevida, motivada pela condição de parlamentar federal do denunciado Valdemar Costa Neto, tinha como contraprestação o apoio político do Par-tido Liberal – PL ao Governo Federal.

Destaco, de plano, que o crime de corrupção passiva foi imputado aos denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Bispo Rodrigues.

Imputou-se, também, a prática do crime de lavagem de dinheiro a estes mesmos denunciados, bem como a Antônio Lamas, na forma do art. 29 do Código Penal.

Por fim, Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas foram, ainda, acusados da prática do crime de formação de quadrilha, para o qual teriam concorrido, de acordo com a denúncia, os donos da empresa Guaranhuns, Lúcio Funaro e José Carlos Batista. Estes últimos, entretanto, não foram denunciados, por força de acordo de colaboração firmado com o Procurador-Geral da República.

Dito isso, inicio a análise pelo crime de corrupção passiva, que foi impu-tado a Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Bispo Rodrigues.

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Da imputação de corrupção passiva – Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Bispo Rodrigues

De acordo com a denúncia, “o recebimento de vantagem indevida, moti-vada pela condição de parlamentar federal do denunciado Valdemar Costa Neto, tinha como contraprestação o apoio político do Partido Liberal – PL ao Governo Federal”.

E prossegue o Procurador-Geral da República (fl. 5176):

Nessa Linha, ao longo dos anos de 2003 e 2004, os denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas receberam aproximadamente dez milhões e oitocentos mil reais a título de propina.

O acordo criminoso com os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira foi acertado na época da campanha eleitoral para Presidência da República em 2002, quando o PL participou da chapa vencedora.

Nesse ponto, destaca o Procurador-Geral da República, na nota de rodapé 159:

Vide, entre outros, depoimentos de Jacinto Lamas (fls. 610/614), Valdemar Costa Neto (fls. 1376/1385, especialmente): “Que mesmo assim, insistiu com seus correligionários que a solução seria a vitória da coligação para que o PL pudesse crescer, participando do Governo.”. Destaque-se que o denunciado José Dirceu era presidente do PT na época.

Os repasses de recursos feitos pela empresa SMP&B ao Partido Liberal teriam sido acordados na época da eleição de 2002, conforme se deduz do termo de depoimento do denunciado Valdemar da Costa Neto (fls. 1376/1385):

(...) Que as reuniões para tratar de assuntos políticos ocorriam com a presença do declarante e José Alencar, pelo PL, e José Dirceu, Delúbio Soares, João Paulo Cunha e Luiz Dulci pelo PT, sempre na residência de José Dirceu; Que os acordos políticos e de recursos para a campanha eleitoral foram amplamente divulgados pela mídia à época; Que em meados de junho de 2002, em virtude do impasse referente aos valores que seriam destinados à campa-nha do PL, o declarante, juntamente com José Dirceu, redigiu uma nota à imprensa e aos par-tidos políticos comunicando a inviabilidade da aliança PT/PL, em virtude da verticalização; Que nesta ocasião o Senador José Alencar telefonou para o declarante, que lhe informou o teor da nota; Que o senador José Alencar solicitou ao declarante que aguardasse, pois voltaria a ligar em 10 minutos; Que retornada a ligação, José Alencar solicitou o cancelamento da nota, uma vez que o candidato Lula estaria se dirigindo a Brasília para dar prosseguimento às negociações; Que no dia seguinte, na residência do Deputado Paulo Rocha, PT/PA, foi reali-zada uma reunião entre Lula, José Alencar, o declarante, José Dirceu, Delúbio Soares, Maria do Carmo Lara e Nilmário Miranda; Que o local da reunião foi escolhido para evitar o assédio da imprensa, sendo que o anfitrião não participava ativamente das negociações ora tratadas; Que o candidato Lula se encaminhou ao declarante e disse “ – Valdemar, você é o nosso pro-blema?”, tendo recebido como resposta que o problema era, na verdade, a verticalização, e o mesmo não iria “matar a bancada do PL por causa da aliança com o PT”; Que Delúbio Soares convidou o declarante para uma conversa reservada em um dos aposentos, e o candidato Lula informou a José Alencar: “– Deixa os dois conversarem que isso é problema de partido, não é problema nosso”, declaração ouvida por todos os presentes; Que se retiraram então Delúbio Soares e o declarante, tendo este dito que “– Lutara durante quatro anos para montar uma chapa para atingir os 5%, e não seria justo inviabilizar o partido pela aliança, e a única saída seriam recursos”; Que Delúbio Soares tentou fazer com que a negociação ficasse em patamares abaixo dos R$ 10 milhões solicitados, pois tinha preocupação com a obtenção de recursos

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para financiamento da campanha; Que o declarante ficou irredutível quanto ao valor, sob pena de não aceitar a verticalização, liberando os candidatos para fecharem acordos em nível estadual, que permitissem atingir a cláusula de barreira; Que em dado momento do impasse, adentrou José Dirceu, que perguntou a Delúbio Soares sobre o andamento das negociações, tendo obtido como resposta “– Valdemar está irredutível”; Que José Dirceu se retirou, não fazendo qualquer observação; Que após isso, Delúbio Soares disse ao declarante: “– Olha, eu vou te pagar de acordo com a entrada dos recursos. Eu não posso te adiantar nada, mas a parte referente à doação do José Alencar, quando entrar, essa eu te repasso na integralidade até completar os R$ 10 milhões”; Que ambos saíram e comunicaram que o acordo estava fechado, sem maiores explicações; Que a discussão reservada durou aproximadamente 30 minutos; (...)

Consta da inicial acusatória que os repasses de recursos se deram em duas fases (fl. 5717):

A primeira forma de recolhimento dos recursos criminosos foi por meio da empresa Guaranhuns Empreendimentos, utilizada pelos denunciados do PL (Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas) para ocultar a origem, natureza delituosa e destinatários finais dos valores.

Em um segundo momento, passou a ser efetuada pelos intermediários Jacinto Lamas e Antônio Lamas, que agiam conscientemente por ordem de Valdemar da Costa Neto.

No que concerne aos repasses em dinheiro por intermédio da denunciada Simone Vasconcelos, esses são confirmados pela própria Simone, conforme consta do termo de depoimento de fls. 588/595, especialmente do seguinte trecho:

Que realmente pode afirmar ter entregado dinheiro para Jacinto Lamas, Jair dos Santos, Emerson Palmieri, Pedro Fonseca, João Carlos de Carvalho Genú, José Luiz Alves, Roberto Costa Pinho; (...)

Os depoimentos de Valdemar da Costa Neto e de Jacinto de Souza Lamas corroboram a denúncia.

O denunciado Jacinto Lamas afirma em seu depoimento (fls. 610/614):

Que a bancada do PL foi reforçada com a transferência de deputados que foram eleitos por outras legendas; Que, salvo engano, em junho de 2003 o Deputado Federal Valdemar Costa Neto solicitou ao declarante que este ficasse atento para receber uma ligação de uma pessoa vinculada ao tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, que iria entregar valores em dinheiro de um acerto que havia sido realizado entre os dois na campanha de 2002.

Valdemar Costa Neto, por sua vez, reconheceu, ao prestar depoimento, o recebimento de expressiva quantia, dando a seguinte explicação sobre o destino que teria dado ao dinheiro (fls.1376/1385):

(...) Que perguntado quanto à sistemática de pagamento a fornecedores e prestadores de serviços24, o declarante afirma que efetuava tais pagamentos pessoalmente, em Brasília ou em São Paulo; Que, quanto aos comprovantes, o declarante informa que as encomendas eram feitas em confiança, por meio de representantes do PL, já que não dispunha de recursos para pagamento imediato; Que, apesar de efetuar pessoalmente os pagamentos, o declarante não se recorda do nome de qualquer fornecedor ou prestador de serviços, nem guardou qualquer controle ou recibo; (...)(Fls. 1383-1384.)

24 Não especificados.

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Ora, ainda que sejam absolutamente verdadeiras as declarações do acusado, é necessário apurar, no bojo da ação penal, e mediante aprofundada instrução probatória, os fatos narrados na denúncia, uma vez que, ao menos neste momento, é duvidosa a afirmação de que o total de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) foi destinado ao pagamento de fornecedores cujos nomes os acusados desconhecem e que não forneceram qualquer comprovante ou recibo de paga-mento. Não se pode simplesmente ignorar os indícios existentes no sentido da materialidade e da autoria delitiva, principalmente porque vigora, nesta fase, o princípio do in dubio pro societatis.

Por fim, quanto ao acusado Bispo Rodrigues, há também indícios da prá-tica do crime de corrupção passiva.

Nesse sentido, destaca o Procurador-Geral da República (fls. 5723/5724):

(...) o ex-Deputado Federal Bispo Rodrigues também recebeu vantagem indevida do núcleo Marcos Valério em troca de suporte político.

O denunciado Bispo Rodrigues é Presidente do PL no Estado do Rio de Janeiro e segundo vice-presidente no âmbito nacional.

O recolhimento da propina comprovada materialmente nos autos foi efetuado pelo intermediário Célio Marcos Siqueira, motorista do Deputado Vanderval Lima dos Santos, do PL/SP.

(...) Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Liberal ao Governo

Federal, na sistemática acima narrada, pontua-se a atuação do parlamentar Carlos Rodrigues na aprovação da reforma de previdência (PEC 40/2003, na sessão do dia 27/08/2003) e na reforma tributária (PEC 41/2003, na sessão do dia 24/09/2003).

Efetivamente, consta dos autos listagem fornecida pelo acusado Marcos Valério, relacionando as pessoas que receberam recursos por meio de Simone Vasconcelos, por determinação de Valério. Na data de 30-9-03, teriam sido entre-gues R$ 250.000,00 para Célio, sendo destinatário final dos recursos o acusado Bispo Rodrigues (v. fl. 608, vol. 3). Posteriormente, em 17-12-03, foram pagos R$ 150.000,00 ao mesmo parlamentar, totalizando, assim, um pagamento total de R$ 400.000,00, de acordo com Valério (fl. 608).

Além disso, em seu depoimento de fls. 355/360 (vol. 2), Marcos Valério afirmou terem ocorrido repasses a Bispo Rodrigues (v. fl. 359). Em outro depoi-mento, Marcos Valério assinalou que “Bispo Rodrigues é um dos integrantes do PL indicado pelo próprio Delúbio Soares” (fl. 734, vol. 3).

Diante do acima exposto, e em face da correta descrição dos fatos típicos e da existência de prova mínima de autoria e materialidade, voto pelo recebimento da denúncia nesse ponto, para que os acusados Valdemar Costa Neto, Ja-cinto Lamas e Bispo Rodrigues respondam a ação penal pela suposta prática do crime previsto no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva).

Das imputações de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha

Ainda no item VI.2 da denúncia, constam diversas imputações de crime de lavagem de dinheiro, mediante procedimento descrito no capítulo IV deste voto.

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O Procurador-Geral da República afirma que o denunciado Valdemar Costa Neto praticou 41 (quarenta e uma) vezes o crime previsto no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98, sendo sete saques via Jacinto Lamas, um saque via Antônio Lamas e trinta e três operações via Guaranhuns, estas últimas operacionalizadas, supostamente, por Lúcio Funaro e José Carlos Batista, proprietários da empresa.

Para o Procurador-Geral da República, também aqui configurou-se o crime formação de quadrilha, voltada para a prática das operações de lavagem de dinheiro supracitadas.

Não fazendo parte da suposta quadrilha, o acusado Bispo Rodrigues também teria praticado o crime de lavagem de dinheiro, usando, como intermediário, para o recebimento dos elevados montantes em espécie, o motorista Célio Marcos Siqueira.

A denúncia, apontando indícios suficientes de autoria e provas da mate-rialidade dos crimes, assim narrou as condutas típicas em questão (fl. 5718):

A obtenção de recursos em espécie também era empreendida por Valdemar Costa Neto, que costumava receber altas quantias em sua própria residência.

Dentro do organograma da quadrilha, o denunciado Valdemar Costa Neto ocupava o topo da sua estrutura, possuindo o domínio do seu destino.

O ex-Deputado Federal Valdemar Costa Neto25 é o Presidente Nacional do PL, tendo fechado o acordo financeiro com o PT e delegado a Jacinto Lamas e Antônio Lamas o recolhimento dos valores.

Na cadeia partidária, além de presidente da legenda, ocupou até fevereiro de 2004 o papel de líder da bancada do PL na Câmara dos Deputados.

Também atuou pessoalmente na montagem da empresa de fachada Guaranhuns Empre-endimentos, especializada em lavagem de dinheiro.

Fundador do PL e possuidor de patrimônio incompatível com sua renda declarada, Jacinto Lamas era o principal homem de confiança de Valdemar Costa Neto, tendo por função na quadrilha receber os valores encaminhados pelo núcleo Marcos Valério, por ordem do PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira).

Na estrutura formal da agremiação partidária, foi um dos responsáveis pela indicação da empresa Guaranhuns Empreendimentos a Marcos Valério, como mecanismo para viabilizar o pagamento seguro de propina.

Nesse sentido, inclusive, chegou a confeccionar, em conjunto com Marcos Valério, um contrato fictício para garantir uma aparência formal de legalidade ao negócio escuso.

Antônio Lamas, irmão de Jacinto Lamas e fundador do PL, também recolhia, de forma habitual e reiterada, valores em espécie para Valdemar Costa Neto.

Dentro da estrutura partidária, trabalhava na Presidência ao lado de Jacinto Lamas e Valdemar Costa Neto.

Com efeito, além do Banco Rural em Brasília, comparecia com freqüência à em-presa SMP&B em Belo Horizonte, a fim de receber importâncias ilícitas por meio de cheques destinados à empresa Guaranhuns Empreendimentos.

As primeiras operações do recebimento dos valores foram implementadas de forma reiterada e profissional por intermédio dos serviços criminosos de lavagem de capitais ofere-cidos no mercado pela empresa Guaranhuns Empreendimentos.

De fato, após a apresentação de Jacinto Lamas, Marcos Valério iniciou o repasse da propina determinada pelo PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira) à quadrilha integrada por Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas,

25 Que veio a ser eleito para o exercício de mandato na atual legislatura.

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valendo-se de modo profissional dos serviços da Guaranhuns Empreendimentos, cujos proprietários são Lúcio Funaro (real) e José Carlos Batista (formal e auxiliar de Lúcio Funaro).

O relacionamento de Lúcio Funaro e Valdemar Costa neto data do mês de setembro de 2002, quando Lúcio Funaro e seus associados repassaram ao denunciado Valdemar Costa Neto a importância de R$ 3.000.000,00, em três parcelas de R$ 1.000.000,00, em espécie, empacotadas e entregues na sede do PL em São Paulo.

Após o fechamento do acordo político-financeiro entre o PT e o PL, já narrado nesta petição, teve início o repasse, ao grupo de Lúcio Funaro, de valores destinados a saldar a quantia acima.

Além dessa transferência relacionada ao empréstimo, a empresa Guaranhuns foi utili-zada como forma de dissimulação da origem e destino de um montante adicional de aproxi-madamente R$ 3.100.000,00.

Essa forma fraudulenta de repasse, com emprego da empresa Guaranhuns Empreendi-mentos, resultou em transferências no valor total de aproximadamente seis milhões e quinhentos mil reais ao PL.

Do montante acima, aproximadamente R$ 3.450.000,00 foram transferidos pela em-presa SMP&B a Lúcio Funaro por meio de cheques administrativos da empresa SMP&B, nas seguintes datas e valores: cheques de R$ 500.000,00 (11, 19, 26 de fevereiro/2003 e 06 de março/2003); R$ 300.000,00 (12, 17, 24 e 31 de março/2003); e R$ 300.000,00 (07/04/2003).

As Transferências Eletrônicas – TEDs – ensejaram transferências das contas da empresa SMP&B à conta da empresa Guaranhuns, nas seguintes datas e valores: R$ 200.000,00 (04, 11, 18 e 25 de junho/03; 02/07/03); R$ 80.000,00 (07 e 09 de julho/03); R$ 40.000,00 (10/07/03); R$ 90.000,00 (15, 22 e 28 de julho/03); R$ 50.000,00 (16 e 23 de julho/03); R$ 60.000,00 (24 e 31 de julho/03); R$ 90.000,00 (04, 11 e 18 de agosto/03); R$ 50.000,00 (06 e 19 de agosto/03); R$ 60.000,00 (07 e 20 de agosto/03); R$ 110.000,00 (14.08.03); e R$ 100.000,00 (27.08.03).

Assim, como profissionais do ramo de branqueamento de capitais, Lúcio Funaro e José Carlos Batista associaram-se de modo permanente, habitual e organizado a Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antonio Lamas na empreitada criminosa.

Nos termos confessados por Lúcio Funaro em seus depoimentos prestados na Procura-doria da República, as transações financeiras com a empresa SMP&B tiveram início em fevereiro de 2003.

Em uma segunda fase, os recursos foram angariados pessoalmente por Jacinto Lamas e Antonio Lamas, intermediários do líder da quadrilha, Valdemar Costa Neto, o qual, por sua vez, também recebeu diretamente altos valores em espécie.

Em decorrência do esquema criminoso articulado, Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antonio Lamas receberam, como contraprestação do apoio político negociado ilicita-mente, no mínimo, o montante de dez milhões e oitocentos mil reais, seja por intermédio da empresa Guaranhuns, seja por intermédio da sistemática de saques e transporte em espécie de numerários.

O dinheiro, nessa segunda fase, era sacado por Simone Vasconcelos e entregue a Jacinto ou Antônio Lamas, que o repassava a Valdemar da Costa Neto.

Jacinto Lamas, como ficou materialmente comprovado nos autos, recebeu, entre outras ocasiões não detectadas, em razão da entrega pessoal, via Simone Vasconcelos, nas seguintes datas: 16/09/2003, R$ 200.000,00 (fls. 377 e 393 – Apenso 06); 23/09/2003 – R$ 100.000,00 (fl. 234 – Apenso 05); 12/11/2003 – R$ 100.000,00 (fl. 462 – Apenso 06); 18.11.2003 – R$ 100.000,00 (fl. 261 – Apenso 05); 17.12.2003 – R$ 100.000,00 (fl. 44 verso – Apenso 05); 20.01.2004 – R$ 200.000,00 (fl. 87 do Apenso 05).

Antônio Lamas confirmou o recebimento em uma única vez. Embora não tenha infor-mado a data e o valor, o documento de fl. 49 do Apenso 05 materializa o recebimento de R$ 350.000,00 em 07.01.2004. No entanto, Marcos Valério informou que Antônio Lamas também era um habitual representante de Valdemar da Costa Neto nos recebimentos de recursos financeiros, informando que: “(...) Antônio Lamas, além de receber recursos na agência Brasília do Banco Rural, foi algumas vezes na sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG buscar cheques nominais à Guaranhuns.”

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O repasse de dinheiro ao PL teve início em janeiro de 2003, por intermédio da conta da empresa Guaranhuns, utilizada para o recebimento de recursos financeiros das empresas de Marcos Valério, por meio de transferências eletrônicas ou cheques administrativos recebidos, diretamente, por Jacinto ou Antonio Lamas.

Logo após, junho de 2003, iniciou-se a sistemática de repasse de dinheiro pelo mecanismo de lavagem disponibilizado pelo Banco Rural, através do recebimento, em espécie, por Jacinto ou Antonio Lamas, na agência do Banco Rural em Brasília; no Hotel Kubitschek, em Brasília; no Hotel Mercure, em Brasília; e na filial da empresa SMP&B, também localizada em Brasília.

Ilustrando o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Liberal ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destaca-se a atuação do parlamentar Valdemar Costa Neto na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003).

Além da estrutura delituosa arquitetada e implementada por Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas, Antônio Lamas, Lúcio Funaro e José Carlos Batista, para viabilizar a venda de apoio político do PL, o ex-Deputado Federal Bispo Rodrigues também recebeu vantagem indevida do núcleo Marcos Valério em troca de suporte político.

(...)O recolhimento da propina, comprovada materialmente nos autos, foi efetuado pelo

intermediário Célio Marcos Siqueira, motorista do Deputado Federal Vanderval Lima dos Santos, do PL/SP.

De fato, em dezembro de 2003, Célio Marcos Siqueira, por ordem do ex-Deputado Federal Bispo Rodrigues, compareceu no Banco Rural em Brasília, arrecadou e depois entre-gou a quantia de cento e cinqüenta mil reais em espécie ao real destinatário (denunciado Bispo Rodrigues) em sua residência.

Há, realmente, indícios que corroboram a acusação, alguns, inclusive, citados pelo Procurador-Geral da República no trecho que acabo de ler.

Inicio a análise deste trecho da denúncia pela imputação de lavagem de dinheiro ao acusado Bispo Rodrigues, que não foi denunciado por formação de quadrilha.

Bispo RodriguesO motorista do PL Célio Marcos Siqueira, citado na denúncia, fez as seguintes

afirmações em seu depoimento de fls. 1325/1328:

(...) Que sempre exerceu a função de motorista; Que recebeu uma ligação do Deputado Federal Carlos Rodrigues, então coordenador da bancada evangélica, no celular nº (...), solicitando que o declarante descesse até a garagem destinada aos parlamen-tares; Que ao encontrá-lo o Deputado Federal Carlos Rodrigues forneceu o endereço por escrito para que o declarante recebesse “uma encomenda”; Que nesse endereço fornecido não havia indicação da pessoa que deveria procurar, porém se recorda que o Deputado Federal Carlos Rodrigues comentou que uma pessoa iria procurá-lo para entregar a encomenda; Que acredita que tal pessoa o reconheceria por meio da cor da roupa que estava trajando; Que se recorda que nesse dia estava trajando um terno na cor bege; Que possuía dois ternos na época; Que o Deputado Federal Carlos Rodrigues-PL/RJ não fez qualquer comentário sobre que tipo de encomenda que seria entregue ao declarante; Que esse fato teria ocorrido no horário do almoço e no mês de dezembro de 2003, um pouco antes do recesso parlamentar; Que após a determinação, deslocou-se imediatamente até o endereço indicado pelo Deputado Federal Carlos Rodrigues; Que nunca havia ido à Agência Brasília do Banco Rural em outras oportunidades; Que, ao se deslocar ao balcão de atendimento, foi abordado por uma mulher que perguntou ao declarante se era Célio, que estaria a mando do Deputado Carlos Rodrigues; Que nessa ocasião a mulher solicitou ao declarante que se identificasse; Que não viu a mulher proceder qualquer anotação de sua identificação; Que essa mulher

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não era funcionária da Agência Brasília do Banco Rural, vez que não portava qualquer identificação; (...) Que após se identificar pegou a encomenda e encaminhou-se até a resi-dência do Deputado Federal Carlos Rodrigues; (...) Que a encomenda seria um envelope, contendo possivelmente dinheiro; Que acreditava que o envelope continha dinheiro por estar no interior de uma agência bancária; (...) Que chegando na casa do Deputado Federal Carlos Rodrigues interfonou, sendo recebido pelo Deputado federal no portão; Que não chegou a entrar, apenas entregou a encomenda para o parlamentar; (...)

Em suas declarações (fls. 2257/2261), o ex-Deputado Federal Bispo Ro-drigues afirma:

Que mobilizou os noventa e dois presidentes do Partido Liberal no Estado do Rio de Janeiro e os Vereadores eleitos, solicitando que todos apoiassem a candidatura de Lula a presidência da república; Que foram efetuadas despesas de campanha, tais como: impressão de jornais, folhetos, “santinhos”, confecção de “botons”, aluguel de caminhão de som e a con-tratação de empresa especializada na realização de eventos em praças públicas; Que a pessoa contratada pelo declarante para dar providências e realizar as contratações acima descritas foi o sr. Vilmar, não podendo esclarecer seu sobrenome, comprometendo-se a fornecer os dados desta pessoa em momento oportuno; Que Vilmar é proprietário de uma empresa que costuma promover eventos para políticos e particulares, não se recordando o nom,e da empresa; Que pagou ao Sr. Vilmar a quantia de aproximadamente R$ 60.000,00 (sessenta mil reais); Que para as despesas com gráficas gastou a quantia aproximada de R$ 90.000,00 (noventa mil re-ais), totalizando aproximadamente R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais); Que todos os contratos de prestação de serviços acima elencados foram verbais; Que não possui notas fiscais comprovando as referidas despesas; (...) Que feitas as despesas, procurou o presidente nacional do PL, Sr. Valdemar da Costa Neto, por diversas vezes, para que o mesmo solucionasse as questões financeiras pendentes; (...) Que a solicitação feita na garagem da Câmara a Célio e a entrega do numerário na casa do declarante em Brasília deu-se no mesmo dia; Que guardou os R$ 150.000,00 em sua residência e, aos poucos, levou tais recur-sos para sua casa no Rio de Janeiro; Que feito isso, pagou as dívidas mencionadas no início do depoimento para duas pessoas; Que um deles é o Vilmar e outro não se recorda, esclarecendo que foi seu motorista de nome Sérgio quem levou o dinheiro para o segundo credor; Que não conhece e nunca teve qualquer contato com Marcos Valério Fernandes de Souza; Que conhece o Sr. Delúbio Soares mas nunca tratou nenhum assunto relativo à área financeira com o mesmo. (...)

Apesar de o denunciado Bispo Rodrigues mencionar em seu depoimento unicamente o recebimento da quantia de R$ 150 mil, por intermédio de Célio Marcos, consta do documento de fls. 602/608, fornecido por Marcos Valério e já antes citado, que, na verdade, houve um repasse no valor total de R$ 400 mil (R$ 250 mil em 30-9-03 e R$ 150 mil em 17-12-03).

Mais do que isso, os valores citados foram recebidos em espécie, não pelo próprio destinatário, mas por uma pessoa por ele enviada, utilizando-se, ao menos aparentemente, do mecanismo de lavagem de dinheiro já antes analisado no capí-tulo IV, disponibilizado, supostamente, pelo denominado “núcleo publicitário-financeiro”.

Portanto, a conduta do denunciado Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues) reveste-se de aparente tipicidade em relação ao tipo penal previsto no art. 1º da Lei 9.613/98, incisos V, VI e VII, na medida em que o mesmo teria participado da movimentação, de maneira obscura, de valores provenientes dos crimes previstos nos incisos mencionados, o que é suficiente à instauração da ação penal pertinente.

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Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas, Antônio Lamas – Formação de quadrilha e lavagem de dinheiro

Analiso, agora, os crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadri-lha, no que tange aos demais acusados.

Em primeiro lugar, assinalo que, embora os proprietários da empresa Guaranhuns não tenham sido denunciados, devido a acordo de colaboração firmado com eles, Lúcio Funaro e José Carlos Batista participaram, ao menos em tese, dos fatos narrados na denúncia. Desse modo, eles teriam integrado, em tese, nos termos da acusação, a suposta quadrilha que se teria formado no interior do PL. Os fatos, como narrados pelo Parquet, revelam essa participação de ambos, de modo que a quadrilha seria formada por Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas, João Cláudio Genú, Lúcio Funaro e José Carlos Batista.

As defesas alegam, contudo, que a denúncia não poderia ser recebida em razão de os dois últimos – Lúcio Funaro e José Carlos Batista – não terem sido denunciados. Assim, alegam violação ao princípio da indivisibilidade da ação penal (invocação da aplicabilidade do art. 48 do Código de Processo Penal26) e ao princípio da igualdade entre as partes.

O argumento não pode ser acolhido.

Em primeiro lugar, o Procurador-Geral da República requereu, na cota à denúncia, a homologação de acordo firmado com os envolvidos Lúcio Funaro e José Carlos Batista, baseado na colaboração que eles teriam prestado naquele momento das investigações.

Além disso, o Procurador-Geral da República também se comprometeu a aditar a eventual ação penal ou oferecer nova denúncia contra Lúcio Funa-ro e José Carlos Batista, caso o acordo não seja homologado.

De todo modo, homologado ou não o acordo, observo que esta Corte firmou entendimento no sentido de que o princípio da indivisibilidade só se aplica às ações penais privadas. Veja-se trecho do voto inaugural, neste sentido, do Ministro Rodrigues Alckmin no RHC 53.005/AL:

Quanto à inépcia da denúncia, a alegação é manifestamente improcedente. A indi-visibilidade da ação penal diz com a manifestação do direito de queixa e nada tem com o caso dos autos.

Cito, ainda, os seguintes arestos:

Inépcia da denúncia, ausência de corpo de delito e desrespeito ao princípio da indivi-sibilidade da ação penal. Alegações improcedentes. O art. 48 do Código de Processo Penal diz respeito às queixas em crimes de ação privada e não aos crimes de ação pública, nos quais o Ministério Público, dominus litis, só está sujeito ao controle previsto no art. 28 do Código de Processo Penal.(RE 93.055/PR, Rel. Min. Cordeiro Guerra.)

26 “Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Minis-tério Público velará pela sua indivisibilidade.”

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Denúncia que se recebe, visto obedecer aos requisitos estabelecidos no art. 41 do Código de Processo Penal e no art. 43 da Lei 5.250, de 9-2-67.

O disposto no art. 48 do Código de Processo Penal diz respeito aos crimes de ação privada, e não aos de ação pública. Precedente do Supremo Tribunal Federal.(Inq 195/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti.)

Habeas corpus. As questões relativas à inépcia e à litispendência não foram objeto da inicial, não tendo sido, por isso, apreciadas pelo acórdão recorrido. Esta Corte já firmou o entendimento de que o princípio da indivisibilidade da ação penal não se aplica à ação penal pública. Recurso ordinário conhecido em parte e, nela, não provido.(HC 61.928/SP, Rel. Min. Moreira Alves.)

Habeas corpus. Nulidades. é possível a substituição de testemunhas, obedecidas as cautelas previstas no art. 397 do Código de Processo Penal. Ressalva, na fundamentação da sentença condenatória, do valor dado a esta prova. O princípio da indivisibilidade da ação penal, art. 48 do Código de Processo Penal, refere-se aos crimes de ação privada, não alcançando os de ação pública, eis que o Ministério Público pode denunciar posterior-mente os demais autores do crime. A existência de procedimento administrativo apurando o mesmo crime não compromete o processo onde foi prestada a tutela jurisdicional, com o uso exclusivo do devido processo legal. Habeas corpus conhecido, mas denegado.(HC 68.730/DF, Rel. Min. Paulo Brossard.)

Habeas corpus. 2. Denúncia por infração ao art. 163, parágrafo único, inciso II, do Código Penal e ao art. 40 do Decreto-Lei 3.688, de 1941, combinados com o art. 69, caput, do Código Penal. 3. Tumulto provocado em Assembléia Legislativa. 4. Inépcia da denúncia que não é de acolher-se, em face dos arts. 41 e 43 do Código de Processo Penal. 5. Não há cabimento a deslocar-se o feito para a competência do Tribunal de Justiça, porque os Co-réus não fazem jus a foro especial por prerrogativa de função. 6. Não cabe invocar o princípio da indivisibilidade da ação penal, em se cuidando de ação penal pública. 7. Nulidade do acórdão, por falta de fundamentação, rejeitada. Constituição Federal, art. 93, IX. 8. Hipótese em que não há falar em ofensa ao princípio do promotor natural. Promotor de Justiça, Coor-denador das Promotorias Criminais. Precedentes. 9. Não é o habeas corpus meio adequado ao exame de fatos e provas, com vistas a verificar a existência ou não de dolo dos agentes. 10. Habeas corpus deferido, entretanto, em parte, para determinar, no Juízo de origem, que seja aberta vista dos autos ao Ministério Público, aos fins do art. 89 da Lei 9.099/95, tendo em conta a possibilidade, em princípio, de aplicação da regra legal em referência, não sendo, desde logo, de considerar, como fundamento bastante a afastar o benefício, a parte final da denúncia, quanto à natureza dos fatos. 11. Em conformidade com a orientação assentada pelo Plenário do STF, no HC 75.343/MG, na hipótese de o promotor de justiça recusar-se a fazer a proposta (Lei 9.099/95, art. 89), o Juiz, verificando presentes os requisitos objetivos para a suspensão do processo, deverá encaminhar os autos ao Procurador-Geral de Justiça, a fim de que este se pronuncie sobre o oferecimento ou não da proposta de suspensão condicional do processo, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Código de Processo Penal.(HC 77.723/RS, Rel. Min. Néri da Silveira.)

Habeas corpus – Tráfico de entorpecentes – Execução da pena em regime fechado – Cons-titucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos – Tardia argüição de inépcia da denúncia – Reexame de prova – Inidoneidade do writ constitucional – Pedido indeferido. Tráfico de entorpecentes – Cumprimento integral em regime fechado – Lei 8.072/90 (art. 2º, § 1º) – Constitucionalidade. - O Plenário do Supremo Tribunal Federal proclamou a inteira validade jurídico-constitucional da norma inscrita no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que impõe ao traficante de entorpecentes, sem qualquer exceção, o cumprimento integral da pena em regime fechado. O traficante de entorpecentes está sujeito, em face da natureza da infração que praticou, ao regime penal fechado imposto pela Lei 8.072/90. Entorpecente – Pequena

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quantidade – Configuração penal do delito. - Não descaracteriza o delito de tráfico de subs-tância entorpecente o fato de a polícia haver apreendido pequena quantidade de tóxico em poder do réu. Precedentes. Inépcia da denúncia – Momento de sua argüição. - Eventuais defeitos da denúncia devem ser argüidos pelo réu antes da prolação da sentença penal, eis que a ausência dessa impugnação, em tempo oportuno, claramente evidencia que o acusado foi capaz de defender-se da acusação contra ele promovida pelo Ministério Público. Doutrina e Precedentes. Defesa do réu – Imputação de fato precisa e determinada – Irrelevância da classificação jurídica. - O Réu se defende da imputação de fato contida na denúncia, e não da classificação jurídica eventualmente incorreta feita pelo Ministério Público na peça acusa-tória. - A possibilidade de ocorrência de nova definição jurídica do fato delituoso não justifica a aplicação da norma inscrita no art. 384, parágrafo único, do CPP, desde que essa nova definição encontre apoio em circunstância elementar contida, explícita ou implicitamente, na própria denúncia. O princípio da indivisibilidade não se aplica à ação penal pública. - O princípio da indivisibilidade – peculiar à ação penal de iniciativa privada – não se aplica às hipóteses de perseguibilidade mediante ação penal pública. Precedentes. Reexame da prova – Matéria estranha ao habeas corpus. - O habeas corpus constitui remédio processual inadequado para a análise da prova, para o reexame do material probatório produzido, para a reapreciação da matéria de fato e, também, para a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. Precedentes.(HC 74.661/RS, Rel. Min. Celso de Mello.)

Habeas corpus. Prova constante de exame pericial. Sentença condenatória fundamen-tada. Denúncia. Possibilidade de aditamento pelo Ministério Público. I - Ao contrário do que argumenta a impetração, a autoria delitiva não se limitou a sindicância mas baseou-se também em outros elementos de prova, inclusive no exame documentoscópico para verificação da autenticidade de manuscritos e assinaturas dos acusados, a partir da colheita de material gráfico. II - Inocorrência de vício de fundamentação, porquanto a sentença e o acórdão apre-ciaram todas as teses da defesa, sem ferir os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. III - No tocante a alegação pertinente a eventual inobservância do princípio da indivisibilidade da ação penal, a jurisprudência desta Corte consagra a orientação segundo a qual o princípio da indivisibilidade não se aplica a ação penal pública, podendo o Ministério Público, como dominus litis, aditar a denúncia, até a sentença final, para inclusão de novos réus, ou ainda oferecer nova denúncia, a qualquer tempo, se ficar evidenciado que as supostas vítimas tinham conhecimento ou poderiam deduzir tratar-se de documento falso. IV - Habeas corpus indeferido.(HC 71.538/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão.)

Por essas razões, não há que falar em rejeição da denúncia, por violação ao princípio da indivisibilidade previsto para a queixa-crime (art. 48 do Código de Processo Penal).

Quanto ao número mínimo de pessoas exigido pelo art. 288 do Código Penal, resta claro, como mencionei anteriormente, que os fatos narrados pelo Parquet obedecem a esse requisito, pois 5 (cinco) pessoas ter-se-iam associado para o fim de cometer crimes. A circunstância de apenas três dessas cinco pessoas terem sido denunciadas não altera essa conclusão, pois a exclusão de Lúcio Funaro e José Carlos Batista se deu por razões somente a eles aplicáveis (razões pessoais). Assim, os fatos em si, como narrados na denúncia, preenchem, clara-mente, o dispositivo em questão. Essa é a obrigação imposta ao Parquet pelo art. 41 do Código de Processo Penal, que dispõe:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

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Basta, assim, que o fato narrado pelo Procurador-Geral da República seja criminoso para que a ação penal seja viável.

Eis o entendimento desta Corte, verbis:

Denúncia satisfatória quanto à narrativa dos fatos, individualização das condutas e classificação legal.

Prescrição do crime de quadrilha não isenta de controvérsia com os dados trazidos. O aperfeiçoamento do crime de quadrilha, no mínimo de quatro componentes,

não se elide pelo fato de um ou alguns deles não serem punidos em virtude de razões pessoais.

Recurso improvido.

(RHC 66.716/RJ, Rel. Min. Djaci Falcão.)

Habeas corpus. - Improcedência das alegações de nulidade invocadas na impetração: falta de fixação, separadamente, das penas cominadas a roubo consumado e a tentativa de rou-bo, porquanto foram eles considerados como praticados em continuidade delitiva; ocorrência da mesma ausência quanto aos delitos praticados em concurso material, o que, no caso concre-to, não se deu; inexistência de crime de quadrilha, porque só duas das seis pessoas que o teriam praticado foram denunciadas por ele (das quatro restantes, duas não foram cap-turadas e duas morreram em confronto posterior com a polícia), o que não descaracteriza esse crime que se teve como comprovado em face dos elementos constantes dos autos; e falta de defesa formal, que não ocorreu, pois defesa houve, sem que se tenha demonstrado sequer a sua deficiência com prejuízo do ora Paciente. Habeas corpus indeferido.(HC 77.570/MG, Rel. Min. Moreira Alves.)

Passo, portanto, à análise dos indícios constantes dos autos quanto aos cri-mes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Jacinto Lamas e Valdemar Costa Neto

O acusado Jacinto Lamas prestou as seguintes declarações, às fls. 610/614 (vol. 3):

Que recebeu uma ligação de Simone Vasconcelos; Que Simone falou para o decla-rante que estava com a encomenda que Delúbio havia pedido para entregar ao Deputado Valdemar Costa Neto; Que Simone ligou para o celular do declarante, nº (...), ou para a sede do partido; (...) Que, salvo engano, Simone Vasconcelos combinou a entrega do dinheiro em um hotel; Que, pelo que se recorda, o hotel onde recebeu pela primeira vez valores de Simone foi o Kubitscheck Plaza; Que, após receber ligação de Simone, dirigiu-se ao local do encontro para receber a encomenda; Que, ao chegar ao hotel, foi diretamente ao apar-tamento onde estava Simone; Que Simone havia informado ao declarante o número do apartamento onde estava hospedada; Que o declarante entrou no quarto de Simone e rece-beu, de suas mãos, um envelope de papel pardo grande, contendo em seu interior uma quantia em dinheiro; Que não contou quanto havia no envelope; Que Simone apenas falou que aquela encomenda era do Dr. Delúbio Soares para o Deputado Valdemar Costa Neto; Que Simone estava sozinha no hotel; Que, de posse do envelope, dirigiu-se imediatamente para a residência do Deputado Federal Valdemar Costa Neto, visando lhe entregar a quantia; Que entregou nas mãos de Valdemar o envelope contendo os valores; Que Valdemar não conferiu na frente do declarante quanto havia no envelope; Que Valdemar afirmou que aquele dinheiro se referia a um acerto de campanha que havia feito com Delúbio; Que Valdemar contava que havia realizado um acordo com Dr. Delúbio na formalização da aliança da chapa formada para disputar a Presidência da República; Que, pelo acordo firmado, o Dr. Delúbio Soares ficou de cobrir gastos realizados pelo Deputado Federal Valdemar Costa Neto na

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campanha eleitoral de 2002; Que o Deputado Federal Valdemar havia feito compromissos com pessoas durante a campanha de 2002, e desta forma precisava de recursos para custear tais despesas; Que o Deputado Federal Valdemar não disse ao declarante com quais pessoas havia firmado compromissos para ressarcimento de despesas; Que somente o Deputado Federal Valdemar pode explicitar quais compromissos cobriu com os recursos repassados por Delúbio Soares; Que foi tesoureiro do Partido Liberal até fevereiro de 2005, quando pediu afastamento por motivos particulares; Que, mesmo sendo tesoureiro do Partido Liberal, não tinha qualquer relação com as despesas assumidas pelo Deputado Federal Valdemar Costa Neto e que foram ressarcidas pelos recursos repassados por Delúbio Soares; Que os valores recebidos pelo Deputado Federal Valdemar Costa Neto não foram lança-dos na prestação de contas do Partido Liberal, por se tratar de valores repassados pelo Dr. Delúbio Soares em razão do acordo já mencionado; Que os valores repassados por Delúbio Soares foram direcionados exclusivamente para a quitação de despesas assumidas pessoalmente pelo Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que não sabe dizer se o Depu-tado Federal Valdemar Costa Neto fez o repasse de tais valores para outros membros do Partido; Que, após o primeiro saque, ocorrido provavelmente em junho de 2003, recebeu outros chamados de Simone para receber valores em espécie; Que a entrega de valores por Simone não tinha nenhuma regularidade de data; Que a entrega dos valores ocorria entre perío-dos aleatórios; Que o Deputado Valdemar inclusive comentava que as relações com o tesou-reiro do PT, Delúbio Soares, não estavam boas, pois este não vinha cumprindo o acordo combinado; (...) Que, salvo engano, se encontrou com Simone duas outras vezes no hotel Mercure, para receber valores em dinheiro, conforme orientação do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que essas duas outras entregas foram realizadas seguindo o procedi-mento já relatado, ou seja, o declarante recebia ligações telefônicas, primeiro do Deputado Valdemar Costa Neto avisando da iminência da entrega dos valores e, em seguida, de Simone Vasconcelos, informando o horário e local da entrega do dinheiro; Que nunca conferia os valores que recebia de Simone; Que, da mesma forma, entregou os dois saques diretamente para o Deputado Valdemar Costa Neto, em encontros ocorridos em sua residência; Que, posteriormente, o procedimento mudou, quando o declarante passou a buscar o dinheiro encaminhado por Delúbio Soares diretamente na agência Brasília do Banco Rural; Que se encontrou duas vezes com Simone na Agência Brasília do Banco Rural, tendo recebido de suas mãos pacotes com quantias em dinheiro; Que, algumas vezes, Simone deixava anotações na agência Brasília do Banco Rural, com autorizações para que o declarante efetuasse o saque dos valores; Que todo o dinheiro recebido na Agência Brasília do Banco Rural foi repassado diretamente para o Deputado Valdemar Costa Neto; Que também efetuou alguns recebimentos na Agência Brasília do Banco Rural com base em autorizações que eram encaminhadas pela Agência do Banco Rural de Belo Horizonte/MG; Que, mesmo nesses casos, ainda recebia telefonema de Simone informando a disponibi-lidade dos recursos na Agência Brasília do Banco Rural; Que, dessa forma, comparecia na Agência do Banco Rural, recebia o dinheiro e assinava um recibo informal; Que apenas fazia uma rubrica, sendo que, algumas vezes, lhe foi exigida a apresentação de documento de identidade; Que esse recibo informal era uma tira de papel com alguns manuscritos e carimbos; Que, após certo tempo, ficou conhecido dos empregados da Agência, que não mais lhe exigiam a apresentação de documento de identidade; Que reconhece como sua a rubrica lançada no documento de fl. 377 do apenso 6; Que, realmente, deu quitação de recebimento também em fac-símiles encaminhados pela Agência de Belo Horizonte do Banco Rural para a Agência Brasília; Que, em uma oportunidade, recebeu valores de Simone na sede da SMP&B em Brasília/DF, localizada no Edifício da Confederação Nacional do Comércio – CNC, no setor bancário norte; Que pode ter recebido uma segunda vez valores na sede da SMP&B em Brasília/DF; Que o irmão do declarante, de nome Antônio de Pádua de Souza Lamas, também recebeu valores na Agência Brasília do Banco Rural, a pedido do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que tais pagamentos ocorreram seguindo o mesmo procedimento já relatado; Que o Deputado Federal Valdemar Costa Neto fez tais pedidos a Antônio Lamas pois o declarante não estava em Brasília/DF, por motivos profissio-nais; Que todos os valores sacados por seu irmão também foram entregues ao Deputado

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Federal Valdemar Costa Neto; Que desconhece se o Deputado Federal Valdemar Costa Neto possui qualquer relação com a empresa Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações S/C Ltda.; Que esteve na sede da SMP&B em Belo Horizonte três ou quatro vezes, para tratar de assuntos relacionados à elaboração do novo manual de programa visual do Partido Liberal; (...) Que conhece Marcos Valério, tendo se encontrado com o mesmo algumas vezes na sede do Partido Liberal em Brasília/DF; Que, nas visitas que fez à sede do PL, Marcos Valério procurava pelo Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que, pelo que se recorda, nunca conversou com Marcos Valério a respeito dos recebimentos que fazia a pedido do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que, entretanto, pode ter recebido liga-ções de Marcos Valério informando que Simone já estava em Brasília/DF, para lhe pro-curar; Que as visitas que fez à sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG ocorreram, salvo engano, antes do início da entrega dos valores por Simone, conforme relatado; Que ficou sabendo da existência da SMP&B através das visitas que Marcos Valério fez à sede do PL; Que Marcos Valério se apresentou na sede do PL como empresário do ramo de publici-dade, que queria ter uma conversa com o Deputado Federal Valdemar Costa Neto, sobre a propaganda do Partido Liberal; Que não sabe afirmar quando tomou conhecimento de que Marcos Valério possuía relações com Delúbio Soares; Que o Deputado Federal Valdemar Costa Neto também nunca mencionou qual a origem dos recursos repassados por Delúbio Soares através das empresas de Marcos Valério; Que conheceu Simone Vasconcelos na primeira visita que fez à SMP&B em Belo Horizonte/MG; Que, até então, não havia recebido valores das mãos de Simone Vasconcelos; Que achou coincidência o fato de Simone ser a responsável pela entrega dos valores encaminhados por Delúbio Soares para o Deputado Federal Valdemar Costa Neto; (...) Que, salvo engano, em três ou quatro visitas que fez à sede da SMP&B em Belo Horizonte, recebeu de empregados de Marcos Valério envelo-pes contendo documentos a serem entregues ao Deputado Federal Valdemar Costa Neto em São Paulo/SP; Que não sabe dizer de que tratavam tais documentos; (...)

Assim, Jacinto Lamas admite ter atuado reiteradas vezes como intermediá-rio de Valdemar Costa Neto no recebimento do dinheiro encaminhado pelo PT para o PL, via SMP&B e Banco Rural.

O depoimento demonstra, ainda, que Jacinto Lamas agiu de modo cons-ciente, tendo, inclusive, comparecido à sede da SMP&B em Belo Horizonte e em Brasília, para reuniões com o próprio Marcos Valério e para o recebimento de alguns dos repasses de valores em espécie.

Tudo isso demonstra a plausibilidade da acusação de lavagem de dinheiro, ao menos para dar início à persecução penal, uma vez que a conduta do acusado preenche o tipo objetivo do art. 1º da Lei 9.613/98, não estando afastada, de plano, a configuração do dolo de cometimento do delito.

Relativamente ao acusado Valdemar Costa Neto, seu depoimento de fls. 1376/1385 (vol. 6) traz os seguintes esclarecimentos:

Que, em janeiro de 2003, Delúbio Soares comunicou ao declarante que faria um empréstimo para começas a pagar as dívidas do Partido dos Trabalhadores; Que, em fevereiro de 2003, em uma reunião em São Paulo, Delúbio Soares informou ao declarante: “– Valdemar, dá um pulo em Belo Horizonte, ou manda alguém de sua confiança nesse endereço, na SMP&B, e procura dona Simone”; Que o declarante perguntou se seria oficial este repasse; Que Delúbio Soares disse: “– Vai lá que eles vão te explicar”, sem dar mais explicações; Que o declarante solicitou a Jacinto Lamas que este se dirigisse a Belo Horizonte/MG, pois estava em negociações com Delúbio Soares para o pagamento das dívidas contraídas pessoalmente pelo declarante em razão do segundo turno da campanha presidencial; Que o declarante comentou com Jacinto Lamas que estes pagamentos eram referentes à dívida que o declarante contraíra em razão da campanha do segundo turno

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das eleições presidenciais em São Paulo; Que Jacinto Lamas se dirigiu à sede da SMP&B em Belo Horizonte e falou com Simone, que lhe entregou um envelope; Que o declarante rece-beu a ligação de Jacinto Lamas, informando o recebimento da encomenda; Que o declarante perguntou se era dinheiro e Lamas informou que se tratava de um envelope lacrado; Que como Jacinto Lamas iria a São Paulo, o declarante solicitou que este deixasse o envelope em seu apartamento; Que, chegando em São Paulo, o declarante abriu o envelope, que continha um cheque de R$ 500 mil da SMP&B em favor da Guaranhuns; Que, realmente, tem dúvidas se este primeiro cheque era no valor de R$ 500 mil ou R$ 800 mil; (...) Que o declarante não entendeu, ligou para Delúbio Soares e foi à sede do Partido dos Trabalhadores; Que, lá, apresentou o cheque a Delúbio Soares, que não soube informar a respeito, e se retirou da sala para fazer uma ligação telefônica; Que o declarante não sabe para quem foi a ligação; Que, após o telefonema, Delúbio Soares informou que iriam efetuar o resgate do cheque com o declarante no dia seguinte, em São Paulo; Que não informou quem iria efetuar o resgate do cheque, nem o declarante perguntou; Que, no dia seguinte, no horário mar-cado, foram dois cidadãos ao apartamento do declarante, perguntaram pelo cheque e lhe fizeram a entrega de R$ 500 mil em troca do cheque; Que não sabe informar o nome das pessoas, porém acredita que sejam seguranças; Que, posteriormente, houve o mesmo procedimento: Lamas foi à sede da SMP&B, recebeu um envelope lacrado e telefonou ao declarante, que solicitou que o envelope fosse entregue em São Paulo; Que o envelope continha outro cheque de R$ 500 mil para a Guaranhuns; Que Lamas também não sabia que este novo envelope conteria um cheque nominal à Guaranhuns; Que Lamas entregou o envelope lacrado para o declarante em seu flat em São Paulo/SP; Que o declarante informou a Delúbio Soares que não faria sentido novo resgate, e nem queria mais receber desta forma; Que, mesmo assim, o resgate foi efetuado da mesma forma no dia seguinte; Que, da mesma forma, foi efetuado um terceiro pagamento, com um cheque no valor de R$ 200 mil nominal à Guaranhuns; Que este cheque também foi buscado por Lamas na sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG; Que Lamas recebeu outro envelope lacrado sem saber o que havia em seu interior; Que o declarante queixou-se, novamente, a Delúbio Soares, que informou que esta seria a última vez; Que o resgate do cheque foi efetuado da mesma forma no dia seguinte; Que o declarante acredita que os portadores do numerário não eram sempre os mesmos, apesar de achar que eram seguranças, possivelmente de casas de câmbio; Que não tem condições de descrever tais pessoas, mas acredita que os mesmos possuíam aparência de policiais; Que, duas semanas após este terceiro cheque, foi ao encontro de Delúbio Soares na sede do PT/SP; Que Delúbio Soares ligou para Marcos Valério diante do declarante, e mandou que fosse efetuado o pagamento de R$ 500 mil em dinheiro, diretamente ao declarante, em seu apartamento; Que este pagamento em espécie se repetiu por mais três vezes, num total de R$ 2 milhões; Que os sete pagamentos supracitados ocorreram entre fevereiro e abril de 2003, totalizando R$ 3,2 milhões; Que houve uma interrupção nos pagamentos até julho de 2003; Que, a partir do segundo semestre de 2003, Delúbio Soares informou que vol-taria a efetuar os pagamentos; Que assim, conforme orientação de Delúbio Soares, Jacinto Lamas efetuou uma ligação para Simone, que informou o local em um hotel em Brasília, onde este receberia o valor informado por Delúbio Soares; (...) Que, desta forma, foram efetuados três pagamentos a Jacinto Lamas, em hotéis cujo nome o declarante não sabe informar; Que os três pagamentos foram efetuados por Simone a Jacinto Lamas, que repassa-va os envelopes, pacotes ou, eventualmente, sacolas de lona diretamente ao declarante; Que Jacinto Lamas não conferia o conteúdo, apesar de saber do que se tratava; Que houve mais um pagamento, também em espécie, da mesma forma, efetuado no apartamento do declarante em São Paulo, por duas pessoas que aparentavam ser seguranças; Que o declarante não sabe precisar o valor de cada um destes quatro pagamentos, porém afirma que o total destes foi de R$ 1,6 milhões; Que houve outra série de pagamentos efetuados na Agência Brasília do Banco Rural, entre setembro de 2003 e janeiro de 2004, sempre sob orientação de Delúbio Soares; Que, como de costume, este solicitava para entrar em contato com Simone, que daria os detalhes do saque; Que o declarante sempre orientava Jacinto Lamas a entrar em contato com Simone; Que a orientação de Simone era a de se dirigir à Agência Brasília do Banco Rural, onde os pagamentos seriam efetuados pessoalmente

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por ela; Que o total desta série foi de R$ 1,7 milhões; Que as entregas dos pagamentos sempre foram efetuadas por Jacinto Lamas diretamente na residência do declarante, nunca recebendo em seu Gabinete na Câmara dos Deputados ou na sede do Partido Liberal; (...) Que o total recebido foi de R$ 6,5 milhões, e não os R$ 10,8 constantes na referida lista; (...) Que, à época de todos os repasses de recursos ao PL através da SMP&B, o tesoureiro do Partido era Jacinto Lamas; Que, perguntado por que Jacinto Lamas, tesoureiro, não participava da contabilização de tais valores, o declarante afirma que, uma vez que desde o primeiro momento desconfiou da forma como os repasses eram efetuados, não quis envolver nin-guém do PL; Que os pagamentos não foram lançados na prestação de contas do PL junto à Justiça Eleitoral; Que o declarante alega que Delúbio Soares lhe informara que não sabia como declararia a origem dos recursos naquele momento; Que os R$ 10 milhões inicialmente acertados com o PT por intermédio de Delúbio Soares seriam destinados à base eleitoral nos Estados, com a finalidade de garantir a cláusula partidária de 5%; Que não recebeu qualquer quantia referente a estes R$ 10 milhões; Que, no segundo turno das elei-ções, assumiu dívidas no montante de R$ 6,5 milhões, que posteriormente foram repassados através da SMP&B, conforme acima relatado; Que nunca tinha ouvido falar da Guaranhuns e não tinha quaisquer negócios com esta empresa ou João Carlos Batista; (...)

Entretanto, Marcos Valério, em seu depoimento de fls. 1454/1465 (vol. 7):

Que a empresa Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações S/C Ltda. foi indicada pelo Dr. Jacinto Lamas em um encontro ocorrido no início de fevereiro de 2003, na sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG; Que Jacinto Lamas afirmou que a empresa Guaranhuns era de confiança do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que Jacinto Lamas não chegou a mencionar quem seriam os proprietários ou responsáveis pela empresa Guaranhuns; Que Jacinto Lamas não chegou a mencionar quem seriam os proprietários ou responsáveis pela empresa Guaranhuns; Que Jacinto Lamas solicitou ao declarante a assinatura de um contrato com a Guaranhuns de intermediação de aquisição de ativos financeiros; Que assinou referido contrato, cuja cópia apresenta neste momento para ser juntada aos autos, para justificar a entrada de recursos na contabilidade da Guaranhuns; Que foi repassado o montante de R$ 6.037.500,00 para a Guaranhuns, sendo que o contrato mencionado tinha por objeto a intermediação de certifi-cados de participação em reflorestamentos avaliados em R$ 10 milhões; Que, quando assinou referido contrato, já constava a assinatura da testemunha Renato, sendo que coube à SMP&B a indicação de Fernando Pereira para atuar como a segunda testemunha; Que referido con-trato foi entregue à SMP&B pelo próprio Jacinto Lamas, juntamente com os títulos de reflorestamento que seriam objeto do contrato; Que entrega neste momento os certificados de participação e reflorestamento relacionados nas duas listas que acompanham o contrato firmado com a Guaranhuns; Que apresentou o referido contrato para o setor jurídico da SMP&B, que se recusou a autorizar o lançamento do contrato na contabilidade da empresa; Que o setor jurídico considerou que referido contrato não possuía os elementos de veracidade, podendo causar futuros problemas fiscais para a SMP&B; Que decidiu que os repasses à Guaranhuns fossem contabilizados na conta “Empréstimos ao PT”; Que todas as negociações que manteve com Jacinto Lamas eram reportadas ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares; Que as remessas que realizou para a empresa Guaranhuns foram efetivadas através de transferências bancárias ou por cheques emitidos nominalmente à referida empresa; Que os cheques emitidos em nome da Guaranhuns eram entregues a pessoas indicadas pelos Srs. Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas; (...) Que após receber a determinação de Delúbio Soares para realização de repasse ao PL, o declarante entrava em contato com Jacinto Lamas e informava da disponibilização do recurso; Que geralmente se encontrava com Jacinto Lamas na sede do PL no Anexo do Congresso Nacional; Que, nos encontros com Jacinto Lamas informava a forma de recebimento dos recursos destinados ao PL por Delúbio Soares; Que os cheques emitidos em nome da Guaranhuns eram entregues a Jacinto Lamas ou a emissários indicados pelo mesmo que compareciam na sede da SMP&B; Que, após receberem os cheques nominais à Guaranhuns, Jacinto Lamas ou seus emissários retornavam imediatamente para São

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Paulo/SP; Que, dentre estes emissários, pode citar Antônio Lamas; Que Antônio Lamas, além de receber recursos na agência Brasília do Banco Rural, foi algumas vezes à sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG buscar cheques nominais à Guaranhuns; Que não conhece nenhum sócio ou representante da Guaranhuns; Que nunca esteve ou conversou, mesmo ao telefone, com os Srs. José Carlos Batista, Lúcio Bolonha Funaro ou José Roberto Funaro; Que, do total repassado ao Partido Liberal, pode afirmar que R$ 6.037.500,00 foram através da Guaranhuns; Que o restante dos recursos encaminhados ao Partido Liberal, conforme relação apresentada, foram entregues em dinheiro a mensageiros da referida agremiação;

Por sua vez, o colaborador Lúcio Funaro confirmou, em seu primeiro depoi-mento no Ministério Público Federal, que os repasses à Guaranhuns foram deter-minados por Valdemar Costa Neto, fazendo os seguintes esclarecimentos (anexo da denúncia, apenso 81, fls. 44/55):

Que, no ano de 1992, o depoente constituiu as seguintes empresas: Plus Invest Fomento Comercial Ltda., que apenas foi utilizada no ano de 1992, e permanece inativa desde então; TLL Agropecuária e Reflorestamento, constituída em 1992 e que nunca foi utilizada, também permanecendo na situação de inativa; Guaranhuns Empreendimentos, Interme-diações e Participações S/C Ltda., constituída em 1999, que foi transferida pelo depoente ao sócio José Carlos Batista no ano de 2001, que atuou como “laranja” do depoente desde então, sendo que referida empresa não foi mais utilizada desde novembro de 2003; Viscaia Cobranças e Intermediações Ltda., constituída no ano de 2000, que permanece ativa até a presente data; Erste Banking Empreendimentos e Participações S/C Ltda., atual Stocos Avendis E.B. Empreendimentos e Participações Ltda., constituída no ano de 2001, ainda ativa; Royster Serviços S/A, constituída no ano de 2003, ainda ativa; (...) Que, quanto à atuação ope-racional do depoente e de suas empresas, esclarece que sempre teve facilidade para atuar no mercado paralelo, sobretudo em face da restrição de crédito existente no mercado ofi-cial, em razão das altas taxas de juros praticadas pelo Governo Federal; (...) Que sempre atuou dentro das normas do mercado, através das corretoras: Ágora, Fator, Teca, Umuarama, Fair, Stok Maxima, Novação, Laeta, Cruzeiro Do Sul, São Paulo e Bônus Banval; (...) Que, no caso da investigação em curso no âmbito da CPMI e do Inquérito mencionados, o depoente esclarece que, na metade do ano de 2002, foi procurado por um empresário da cidade de Mogi das Cruzes, amigo do depoente e do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; Que o mesmo solicitou se o depoente teria condições de emprestar ao Deputado a quantia de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), com intuito de pagar fornecedores da campanha à Presidência do Sr. Luís Inácio Lula da Silva, coligação PL-PT; (...) Que o depoente não se recorda o nome desses fornecedores, sabendo que são do ramo, basicamente, de gráfica, silk screen e pessoal para a boca de urna, mas se compromete a procurar esses nomes e apresentar a contabilidade desses pagamentos; Que tem certeza que o Deputado Valdemar Costa Neto só tomou tal atitude por respeito a seus fornecedores e credibilidade do seu nome, porque o PT não repassou dentro do cronograma os recursos pré-acordados; Que, no ano de 2003, o mesmo empresário lhe procurou, com o objetivo de saldar o compromisso do Deputado acima citado; Que o mesmo pediu para que o depoente indicasse uma conta para se efetuar os créditos e para emissão de alguns cheques administrativos, com o objetivo de se quitar o débito acumulado até aquele momento, já acrescido de juros, que era em torno de R$ 4.200.000,00; Que a sistemática de transferência dos R$ 3.000.000,00 originários foi a seguinte: o empresário que intermediou o empréstimo indicava o endereço para a entrega do di-nheiro em espécie, que o depoente afirma ser de fornecedores; Que o depoente informava aos doleiros mencionados esses endereços, para que fosse efetuada a entrega dos recursos27; Que o controle desses pagamentos, acredita o depoente esteja sob responsabilidade do PL; (...) Que os créditos de pagamento do referido empréstimo foram efetuados na conta da

27 Ocorre que, como visto no depoimento de Valdemar Costa Neto, anteriormente citado, as entregas de dinheiro em espécie foram feitas para ele, Valdemar, em seu apartamento, por dois cidadãos que ele acreditava serem seguranças de doleiros (v. fl. 1376).

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empresa Guaranhuns no banco Sudameris, indicada pelo depoente, e através de alguns cheques administrativos do banco Rural, que foram endossados ou depositados na conta da referida empresa; Que os cheques chegaram à mão do declarante através de portadores, os quais o mesmo desconhece; Que o total perfaz mais ou menos quatro milhões e meio de reais; Que, quando os créditos iam ser efetuados em contas, uma pessoa entrava em con-tato com o Sr. José Carlos Batista, que informava ao depoente o valor do referido; Que nunca conheceu Marcos Valério nem nenhuma de suas empresas; Que acredita que a pessoa que entrava em contato com o Sr. José Carlos Batista seja alguém do grupo SMP&B ou do PT; (...) Que, após a eclosão do escândalo, o representante do Sr. Marcos Valério, denominado Fernando, procurou o declarante com o objetivo de elaborar um contrato para dar origem às saídas de recursos da SMP&B para a Guaranhuns; Que o mesmo afirmou ao depoente que o problema estava equacionado, pois o Sr. Marcos Valério gozava de grande influência em todas as áreas do Governo, em órgãos como Polícia Federal, Receita Federal, Banco Central; Que o depoente tinha em seu poder certificados de reflorestamento (cautelas oficiais chanceladas pelo Banco do Brasil), sem liquidez e de difícil “precificação”; Que, então, propôs ao mesmo que, ao invés de mútuo, fizessem um contrato de intermediação de compra dos títulos acima, para justificar a saída do caixa da SMP&B e a entrada na conta da Guaranhuns; Que o Sr. Fernando, supostamente um contador de Marcos Valério, elaborou o contrato e enviou já assinado pelo Sr. Marcos Valério, para a assinatura do representante da Guaranhuns (Sr. José Carlos Batista)28; Que, pelo fato de o depoente encontrar-se fora do Brasil naquela ocasião, ou seja, julho de 2005, o Sr. José Carlos Batista recebeu o contrato e, por ordem do depoente, assinou o referido con-trato; (...) Que, por esse contrato, a empresa SMP&B estaria pagando à Guaranhuns 10 milhões de reais pela suposta intermediação da compra dos títulos pela Guaranhuns no mercado e o repasse das cautelas para a SMP&B; Que, de posse das cautelas, a SMP&B poderia justificar as saídas do seu caixa e a Guaranhuns, o recebimento dos respectivos TED’s e cheques administrativos que totalizaram R$ 4,5 milhões; (...) Que, no contrato de intermediação, consta o valor de aproximadamente R$ 10 milhões, valor esse posto de má-fé pelo Sr. Marcos Valério, que já sabia antecipadamente que utilizara o nome da empresa Guaranhiuns indevidamente, para justificar saídas de seu caixa; Que, por se tratar de pessoa simples, e considerando que o depoente não estava presente, o Sr. José Carlos assinou referido contrato, sem atentar para a questão do valor29; Que a proposta do intermediário de Marcos Valério era a celebração de um contrato de mútuo; (...)

Como se nota, os procedimentos de simulação de contratos foram constan-temente utilizados para ocultar a origem, o destino e a localização dos valores provenientes, supostamente, dos ilícitos narrados na denúncia.

Ainda de acordo com Funaro, os alegados “empréstimos” concedidos a Valdemar Costa Neto teriam seguido o seguinte procedimento (anexo da denún-cia, apenso 81, fls. 13/17 do processo em meio eletrônico):

Que reafirma ter emprestado, em setembro de 2002, R$ 3.000.000,00 ao ex-Deputado Federal Valdemar Costa Neto atendendo ao pedido de um empresário comum; Que teria respaldo financeiro suficiente para arcar com o ônus do empréstimo em caso de inadimplência do ex-Deputado Valdemar Costa Neto; Que o empréstimo foi dividido entre três pessoas, a saber: o depoente, o Sr. Richard Otterlloo e o empresário Álvaro Assunção; Que o empréstimo foi concedido em três parcelas de R$ 1.000.000,00, entregues pelo Sr. José Carlos Batista ou algum liquidante do Sr. Richard Otterlloo na sede do Partido Liberal em Mogi das Cruzes/SP ou São Paulo/SP, em espécie, empacotados em envelopes (...); Que, nessa data, o depoente não conhecia o ex-Deputado Valdemar Costa Neto; (...) Que, a partir de

28 Diferentemente, Marcos Valério afirmou ter recebido o contrato já assinado pelo representante da Guaranhuns, só depois lançando sua assinatura.29 Note-se que o depoente, linhas atrás, afirmou que José Carlos Batista assinou o contrato por ordem do próprio depoente.

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fevereiro de 2003, foi procurado pelo empresário, para que o débito começasse a ser quitado; Que, a partir dessa data, o depoente começou a receber cheques administrativos nominais à empresa Guaranhuns Empreendimentos e Participações para a quitação do empréstimo; (...) Que durante esse período, no ano de 2003, o depoente repassava um percentual dos pagamentos amortizados com os cheques da SMP&B ao Partido Liberal, que variava semana a semana (...); Que esse repasse era efetuado semanalmente às sextas-feiras, porque era informado ao depoente que o Deputado Valdemar Costa Neto necessitava dos recursos para transportar para Brasília (...); Que os valores repassados no ano de 2003 perfazem o montante aproximado de R$ 3.100.000,00, a uma taxa de 2% para a troca de cheques ou TEDs originários da SMP&B por dinheiro em espécie para o ex-Deputado Valdemar Costa Neto; (...) Que, na conta do depoente e em cheques administrativos nominais à empresa Guaranhuns, circulou o montante aproximado de R$ 6.500.000,00, sendo R$ 3.500.000,00, aproximadamente, para quitar o empréstimo originário de R$ 3.100.000,00, feito pelo depoente ao ex-Deputado Valdemar Costa Neto, e o restante30 foi passado em espécie ao Sr. Tadeu Candelária na sede do PL em Mogi das Cruzes, na maioria das vezes pelo Sr. José Carlos Batista (...); Que apresenta cópia de extratos da conta consignada ao empresário, para que o ex-Deputado Valdemar Costa Neto fizesse os créditos para abatimento dos empréstimos e quitasse os saques efetuados em espécie no período; Que os valores destacados em vermelho referem-se a transferências efetuadas pela SMP&B em favor do Deputado Valdemar Costa Neto na contabilidade interna do declarante; Que apresenta também uma planilha com a indicação de todos os recursos recebidos por ordem do ex-Deputado Valdemar Costa Neto na conta acima citada, por meio de transferências eletrônicas, totalizando R$ 3.172.846,41, no período de 04/06/2003 a 27/08/2003; Que, nessa planilha, também consta a indicação dos pagamentos efetuados por Valdemar por meio de cheques que foram repassados pelo depoente aos terceiros indicados na mesma planilha; Que, em síntese: criou-se uma conta devedora, no valor de R$ 3.000.000,00 no mês de setembro de 2002, que foi acrescida de juros da ordem de 3% ao mês, conta essa que foi sendo debitada de juros e saques em espécie do ex-Deputado Valdemar Costa Neto e creditada dos repasses efetuados na conta corrente da empresa Guaranhuns no banco Sudameris e dos cheques administrativos entregues ao depoente e endossados pelo Sr. José Carlos Batista e repassados a terceiros; Que os cheques eram entregues por boys ou retirados no escritório da empresa do interveniente; Que ressalta o depoente que pode haver alguma discrepância de valores em razão da intensa movimentação financeira e da falta de dados para a verificação; Que, (...) em 2004 foi solicitado a fazer novo empréstimo de R$ 3.000.000,00 ao ex-Deputado Valdemar Costa Neto, mas que a metodologia dos pagamentos foi alterada, ao invés de depósitos em conta corrente ou cheques administrativos, o Sr. Tadeu Candelária providenciava a entrega dos respectivos valores em espécie ao depoente durante o ano de 2005; (...) Que conheceu Valdemar Costa Neto no mês de setembro de 2004, apresentado pelo empresário que intermediou o empréstimo, na sede do PL, em São Paulo; (...) Que manteve contato com o ex-Deputado Valdemar Costa Neto até janeiro de 2006, enquanto tentava receber o saldo do empréstimo efetuado em setembro de 2004; Que, após essa data, rompeu com o mesmo, assim como com o advogado que representava a ambos perante o STF, Dr. Marcelo Bessa; Que está no aguardo das instruções de seus advogados civilistas com a intenção de entrar com ação contra o Partido Liberal e o ex-Deputado Valdemar Costa Neto, a fim de ser ressarcido dos seus prejuízos morais e financeiros.

Conforme sustentado pelo Procurador-Geral da República, e confirmado pelos elucidativos depoimentos que acabo de ler, há indícios de que os denun-ciados – não só do item ora analisado mas também de outros itens da denúncia – estavam profundamente organizados e possuíam relações complexas uns com os outros, o que indica a comunhão de desígnios entre eles.

30 Funcionário da tesouraria do PL.

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Resta claro, portanto, que há indícios da prática dos crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Corrobora essa afirmação o fato de que os donos da empresa Guaranhuns e colaboradores do Ministério Público Federal, Lúcio Funaro e José Carlos Batista, já conheciam e seriam colegas de Enivaldo Quadrado, dono da empresa Bônus Banval, este também denunciado, como vimos no capítulo VI.1, por ter, supostamente, disponibilizado sua empresa para realizar lavagem de dinheiro, em suposto conluio com parlamentares do PP beneficiados, em tese, pelos recursos encaminhados pelo PT por meio de Marcos Valério (v. item anterior).

Nesse sentido, leio, em primeiro lugar, depoimento de Enivaldo Quadrado (fl. 1430, vol. 6), no qual afirma conhecer os colaboradores Lúcio Funaro e José Carlos Batista, embora negue ter relação de amizade com eles:

Que há anos João Carlos Batista31 aplicou como investidor na corretora Bônus Banval, por um curto período, como representante da Laeta Corretora; Que não possui relações de amizade ou negociais com José Carlos Batista, tampouco chegou a conhecê-lo; Que a empresa Esfort Trading As nunca foi cliente ou manteve quaisquer contatos negociais com a corretora Bônus Banval; Que conhece Lúcio Bolonha Funaro, representante de duas cor-retoras em São Paulo/SP; Que este conhecimento se limita a conhecimento de mercado, não tendo relação de amizade; (...) Que pode informar que José Carlos Batista e Lúcio Funaro foram colegas de trabalho da corretora Laeta; (...)

Entretanto, em outro depoimento, Lúcio Funaro esclarece suas relações com a Bônus Banval (anexo à denúncia, apenso 81, fls. 13/17 – depoimento de 28-3-06):

(...) Que, com relação à Bônus Banval, informa o depoente que mantinha relação de amizade com os Srs. Breno Fischberg, Ricardo Paiva, Celso Senise e Enivaldo Quadrado, diretores da empresa que, durante o ano de 2002, após a empresa acima ter tido grandes prejuízos no mercado de boi com um cliente, o depoente emprestou recursos à empresa; Que, após a venda de patrimônio dos diretores, foi quitado esse primeiro empréstimo; Que, após essa data, manteve relações comerciais com a Corretora acima citada na qualidade de cliente pessoa física ou jurídica, ou na condição de financiador de recursos, quando a Corretora necessitava de empréstimos; Que os repasses originários da Bônus Banval nas suas contas têm única e exclusivamente dois motivos: ajustes de posições na BM&F ou quitação de empréstimos; Que não sabia a origem interna dos recursos da Bônus Banval, acreditando que os recursos da conta era capital próprio da corretora, nunca de clientes, já que nunca intermediou operações entre clientes da Bônus e suas empresas; (...)

Veja-se que alguns recursos teriam sido repassados, por meio da Guara-nhuns e da Bônus Banval, aos parlamentares supostamente beneficiados. Assim, esses valores recebidos pela Guaranhuns provenientes da Bônus Banval parecem ainda mais suspeitos, relativamente à prática do crime de lavagem de dinheiro, por força justamente da época em que ocorreram os depósitos e da aparente amizade existente entre os donos dessas empresas Enivaldo Quadrado e Lúcio Funaro. é, assim, verossímil a acusação nesse sentido da criação de complexos mecanismos para ocultar a movimentação e destinação de valores bastante significativos, tendo em vista os inúmeros meandros aparentemente seguidos pelo dinheiro antes de chegar a seus destinatários finais.

31 Na verdade, é José Carlos Batista, um dos donos da Guaranhuns, como será corrigido ao fim pelo depoente.

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As imputações constantes deste item da denúncia (formação de quadrilha e lavagem de dinheiro) foram instruídas com a prova mínima da autoria e da materialidade do delito de lavagem de dinheiro, como demonstram os depoimentos citados, além dos documentos constantes dos apensos 5 e 6, suficientes ao início da fase judicial da persecução penal, razão por que recebo a denúncia com relação a tais imputações.

Antônio Lamas

Resta analisar a conduta de Antônio Lamas, irmão de Jacinto Lamas.

O denunciado disse o seguinte no depoimento de fls. 923/925 (vol. 4):

Que em uma única oportunidade, não sabendo precisar a data nem valor, o Depu-tado Federal Valdemar Costa Neto solicitou que o declarante se deslocasse até o edifício Brasília Shopping “buscar alguns documentos ou encomenda pra ele”; Que se recorda que o seu irmão Jacinto Lamas estava em viagem, razão pela qual atendeu a determi-nação do Deputado Federal Valdemar Costa Neto, vez que não realizava função de serviços externos; Que o Deputado Federal Valdemar somente se restringiu a fornecer o endereço, com andar, número da sala e nome da pessoa que deveria procurar; Que essa pessoa se chamava Francisco; Que apenas ficou sabendo que se tratava de uma agência bancária, mais precisa-mente Agência Brasília do Banco Rural, quando chegou ao local; Que ao chegar nesse local perguntou no balcão de atendimento por Francisco; Que foi apresentado a Francisco, que solicitou que o declarante o acompanhasse em uma sala que acredita ser a tesouraria do Banco Rural/DF; Que Francisco lhe entregou uma caixa e pediu que o declarante conferisse o que havia em seu interior; Que o declarante disse a Francisco que não tinha que conferir nada, pois tinha a incumbência de receber somente a encomenda; Que nesse momento Francisco abriu a caixa e o declarante percebeu que haviam várias cédulas de cem reais; Que não se recorda de ter assinado nenhum documento, nem tampouco, ter entregue seu documento de identidade; Que a caixa foi fechada em seguida e entregue ao declarante; Que, após, por determinação do Deputado Federal Valdemar da Costa Neto, dirigiu-se até a residência deste e entregou a referida caixa; Que o Deputado Federal Valdemar não abriu essa caixa na presença do declarante (...)

Embora Antônio Lamas afirme ter efetuado o recebimento de valores em espécie em apenas uma oportunidade, a denúncia destaca que “Antônio Lamas, irmão de Jacinto Lamas e fundador do PL, também recolhia, de forma habitual e reiterada, valores em espécie, para Valdemar Costa Neto”.

De qualquer modo, a conduta do denunciado Antônio Lamas reveste-se de aparente tipicidade em relação ao tipo penal previsto no art. 1º da Lei 9.613/98, incisos V, VI e VII, na medida em que o mesmo participou da movimentação, de maneira obscura, de valores provenientes dos crimes previstos nos incisos mencionados, o que é suficiente à instauração da ação penal pertinente.

Está, ainda, minimamente demonstrada a sua possível participação na suposta quadrilha que já havia sido anteriormente formada pelos denunciados e supostos fundadores Jacinto Lamas, Valdemar Costa Neto, Lúcio Funaro e José Carlos Batista, dotada, aparentemente, dos elementos estabilidade e finalidade voltada para a prática de crimes (in casu, de lavagem de dinheiro).

Veja-se que, ainda que fique provado, no curso da ação penal, que o de-nunciado recebeu uma única vez os valores repassados pelo PT ao PL, como

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ele mesmo afirma, ainda assim é possível receber a denúncia, no que tange ao delito definido no art. 288 do Código Penal, tendo em vista tratar-se de delito formal, que independe, inclusive, da efetiva prática dos crimes para os quais a quadrilha se tenha formado.

Nesse sentido, destaco entendimento firmado por esta Corte no HC 86.630/RJ (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 24-10-06):

(...) II - Denúncia: quadrilha: imputação idônea. 1. O crime de quadrilha se consuma, em relação aos fundadores, no momento em que aperfeiçoada a convergência de vontades entre mais de três pessoas e, quanto àqueles que venham posteriormente a integrar-se ao bando já formado, no momento da adesão de cada qual; crime formal, nem depende, a formação consumada de quadrilha, da realização ulterior de qualquer delito compreendido no âmbito de suas projetadas atividades criminosas, nem, conseqüentemente, a imputação do crime coletivo a cada um dos partícipes da organização reclama que se lhe possa atribuir participação concreta na comissão de algum dos crimes-fim da associação. 2. Segue-se que à aptidão da denúncia por quadrilha bastará, a rigor, a afirmativa de o denunciado se ter associado à organização formada por mais de três elementos e destinada à prática ulterior de crimes; para que se repute idônea a imputação a alguém da participação no bando não é necessário, pois, que se lhe irrogue a cooperação na prática dos delitos a que se destine a associação, aos quais se refira a denúncia, a título de evidências da sua formação anteriormente consumada. (...)

Por essa razão, e vislumbrando indícios da comunhão de desígnios deste denunciado com os demais (Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas), recebo, também em relação a Antônio Lamas, a denúncia quanto à imputação do crime de formação de quadrilha.

Assim, concluo pelo recebimento da denúncia contra:

a) Bispo Rodrigues, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VII e VIII, da Lei 9.613/98);

b) Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VII e VIII, da Lei 9.613/98) e formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal);

c) Antônio Lamas, pela suposta prática dos crimes de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VII e VIII, da Lei 9.613/98) e formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal).

VI.3 – Partido Trabalhista Brasileiro

No item VI.3, a denúncia aborda os fatos relativos ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), iniciando nos seguintes termos:

VI.3 – Partido Trabalhista BrasileiroJosé Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, mediante pagamento de pro-

pina, adquiriram apoio político de Parlamentares Federais do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.Os pagamentos foram viabilizados pelo núcleo publicitário-financeiro da organização

criminosa.Os parlamentares federais que receberam vantagem indevida foram José Carlos Martinez

(falecido), Roberto Jefferson e Romeu Queiroz. Todos contaram com o auxílio direto na prática dos crimes de corrupção passiva do denunciado Emersos Palmieri.

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Nessa parte da denúncia foi imputado aos denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Rollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias (por três vezes) o crime do art. 333 do Código Penal (fatos relativos aos parlamentares federais José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz).

Segundo é narrado na inicial acusatória, “o esquema de venda de apoio polí-tico ao Governo foi inicialmente negociado pelo falecido José Carlos Martinez, ex-Presidente do PTB”.

E prossegue o Procurador-Geral da República:

Nessa linha, em julho de 2003, Martinez solicitou a Romeu Queiroz a indicação de uma pessoa para o recebimento de R$ 50.000,00, disponibilizados pelo PT. Essa quantia foi entregue ao Coordenador do Partido em Belo Horizonte, José Hertz, que se deslocou até Brasília e, depois de pernoitar na residência do denunciado Romeu Queiroz, entregou-a a Emerson Palmieri, Tesoureiro do PTB.

Roberto Jefferson também confirmou o repasse de R$ 1.000.000,00 do Partido dos Trabalhadores, por intermédio do esquema de Marcos Valério, ao então Presidente do PTB, Deputado José Carlos Martinez, falecido em 04.10.2003. Da quantia acima, R$ 300.000,00 foram entregues por intermédio de Jair dos Santos, nas seguintes datas: 18/09/2003 – R$ 200.000,00 (fl. 430 do Apenso 06); e 24/09/2003 – R$ 100.000,00 (fl. 609 do Apenso 07).

Após o falecimento de José Carlos Martinez, as tratativas visando ao recebimento do dinheiro proveniente do Partido dos Trabalhadores passaram a ser estabelecidas com o denunciado Roberto Jefferson, Presidente do PTB.

Em dezembro de 2003, Roberto Jefferson manteve contato com o Romeu Queiroz, Secretário do PTB, para que este retomasse os mecanismos estruturados durante a gestão de José Carlos Martinez para a obtenção de recursos financeiros. Romeu Queiroz procurou o então Ministro Anderson Adauto, o qual manteve entendimentos com Delúbio Soares, que se prontificou a retomar as transferências através da empresa SMP&B, o que de fato ocorreu, nos termos abaixo narrados.

No capítulo da denúncia ora em julgamento, são acusados: Roberto Jefferson (lavagem de dinheiro e corrupção passiva); Emerson Palmieri (corrupção passiva e lavagem de dinheiro); Anderson Adauto (corrupção ativa); e Romeu Queiroz (corrupção passiva e lavagem de dinheiro), além dos acusados de corrupção ativa, cujas condutas serão objeto de consideração em seguida.

Analiso, primeiramente, se há indícios da prática dos crimes de cor-rupção passiva e lavagem de dinheiro, pelos denunciados Emerson Palmieri e Roberto Jefferson.

Segundo consta da inicial acusatória, em janeiro de 2004 o denunciado Emerson Palmieri teria participado do repasse, em duas parcelas, ao PTB, do montante de R$ 200.000,00, provenientes do grupo de Marcos Valério.

Com efeito, os documentos de fls. 52/52v. e 65/65v. do apenso 5 trazem a contabilização do pagamento de duas parcelas: a primeira, de R$ 100.000,00, em 7-1-04, e a segunda, do mesmo valor, em 14-1-04, em favor de uma pessoa chamada Alexandre, que, segundo afirmado pelos denunciados Roberto Jefferson e Simone Vasconcelos (depoimentos abaixo transcritos), é Alexandre Chaves, pai da funcionária do PTB chamada Patrícia.

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A autenticidade da assinatura da denunciada Simone Vasconcelos nos referi-dos documentos foi confirmada pela própria denunciada, à fl. 54, in verbis:

(...) Que reconhece como proveniente de seu punho os lançamentos constantes no verso da fl. 52 do Apenso 5, à exceção do lançamento em tinta azul; Que o Alexandre mencionado em tais lançamentos se refere a Alexandre Chaves, pessoa ligada a Emerson Palmieri; (...)

O termo de depoimento prestado pelo Deputado Roberto Jefferson (fls. 4219-4227, vol. 19) também vai ao encontro da narrativa constante da denúncia, razão pela qual peço vênia para citá-lo, ainda uma vez:

(...) que realmente representou o PTB em tratativas junto à Direção Nacional do PT em abril e maio de 2004, relativas às campanhas municipais daquele ano; (...) Que, nesse acordo, o PTB apoiaria o PT em São Paulo/SP, Ribeirão Preto/SP, Rio Branco/AC, Rio de Janeiro/RJ, Curitiba/PR, Belo Horizonte/MG, Goiânia/GO, Salvador/BA, dentre outras que não se recorda no momento; Que, por sua vez, o PTB receberia apoio financeiro do PT para o financiamento nacional das candidaturas a Prefeito e Vereadores em todo o país; Que o acordo tratado e aprovado foi de R$ 20 milhões, divididos em cinco parcelas de R$ 4 milhões; Que ficou convencionado que o recurso seria transferido da conta contribuição do PT para a conta contribuição do PTB; Que, inicialmente, foi liberada a quantia de R$ 4 milhões, em duas parcelas em espécie, isto na sede nacional do PTB, na 303 Norte, Brasília/DF; Que a primeira parcela compreendeu a quantia de R$ 2,2 milhões e a segunda, de R$ 1,8 mil, sendo que a primeira aconteceu de meados ao final de junho de 2004 e a segunda, alguns dias depois; Que, nas duas oportunidades relatadas, o próprio Marcos Valério foi quem entregou o dinheiro ao declarante; Que as cédulas de reais entregues, ao declarante, por Marcos Valério, estavam envoltas com fitas que descreviam o nome do Banco Rural e Banco do Brasil; Que, apesar de o Sr. Delúbio Soares, Sr. Marcos Valério e o Sr. Genoíno negarem haver entregue recursos ao PTB, o declarante confirma ser verdade o repasse de tais recursos; Que o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva não participou de nenhum acordo de apoio financeiro das campanhas eleitorais do PTB com recursos do PT; Que também não pode afirmar se o Presidente Lula teve conhecimento do acordo financeiro com os ministros Palocci, Gushiken, José Dirceu e Walfrido Mares Guia; Que o Presidente Lula participou do acordo político, mas em nenhum momento tratou com o declarante qualquer apoio financeiro; Que tomaram conhecimento do acordo todos os companheiros de bancada e do Senado da República, e os recursos foram partilhados entre alguns dos candidatos às prefeituras municipais do PTB; Que o acordo político firmado entre o PT e o PTB também envolvia cargos na administração; Que, pelo apoio ao candidato do PT à prefei-tura de Salvador/BA, seria o ex-Deputado Benito Gama nomeado diretor do IRB; Que, pelo apoio em Goiânia/GO, seria nomeado o secretário do PTB, Armando para superintendente da Susep; Que pelo apoio ao candidato do PT de Curitiba/PR, seria nomeado um indicado do PTB para a diretoria de administração da Itaipu; Que, entretanto, nenhum desses cargos foram efetivamente nomeados; Que cobrou várias vezes o cumprimento do acordo, princi-palmente junto aos Ministros José Dirceu e Palocci e ao presidente do PT José Genoíno; (...) Que, perguntado se Emerson Palmieri distribuiu recursos para deputados na liderança do partido, nega peremptoriamente; Que gostaria de acrescentar que Emerson Palmieri não operou a distribuição dos R$ 4 milhões recebidos de Marcos Valério; Que o declarante foi o encarregado de receber e distribuir os recursos repassados pelo PT; Que se recusa a indicar os beneficiários finais dos R$ 4 milhões que distribuiu; Que discutiu com Delúbio Soares e José Genoíno a respeito dos termos legais da contribuição; Que, quando foi rea-lizado o repasse da primeira parcela, de R$ 2,2 milhões, cobrou de Marcos Valério o recibo de doação ao PTB; Que Marcos Valério informou que na semana seguinte entregaria mais R$ 1,8 milhão, quando, então, identificaria o doador, com a entrega do recibo; Que, completando os R$ 4 milhões, na semana seguinte, não foi identificado o doador mediante recibo; Que, diante disso, o declarante afirma ter acionado Emerson Palmieri para que localizasse Delúbio e Marcos Valério, com intuito de conseguir os recibos referentes aos recursos entregues

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ao PTB, o que não conseguiu mesmo tendo insistido com Delúbio e Marcos Valério; Que discutiu diversas vezes com os representantes do PT a respeito do pagamento dos R$ 16 milhões restantes, referentes ao acordo firmado; Que José Dirceu afirmou ao declarante que o PT estaria sem recursos para cumprir o acordo, uma vez que a Polícia Federal havia prendido 62 doleiros; Que, dessa forma, José Dirceu alegou que seria impossível internar recursos no país para saldar o acordo; Que também o Ministro Valfrido Mares Guia interveio em nome do PTB junto ao Ministro José Dirceu, na tentativa de receber os recursos combinados; Que, em um encontro com José Dirceu na Casa Civil, ocorrido no início de janeiro de 2005, o então Ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o Presidente Lula, um grupo da Portugal Telecom e Banco Espírito Santo, que estariam em negociações com o Governo brasileiro; Que não sabe dizer quais seriam essas negociações; Que José Dirceu afirmou que haveria a possibilidade de que referido grupo econômico pudesse adiantar cerca de 8 milhões de euros que seriam repartidos entre o PT e o PTB; Que esses recursos serviriam para liquidar as dívidas de campanha; Que José Dirceu não afirmou a título de quê seria tal adiantamento; Que José Dirceu, então, solicitou ao declarante que indicasse alguém do PTB ao Delúbio Soares para acompanhar as tratativas em Portugal; Que concordou com a proposta feita por José Dirceu e indicou para Delúbio Soares o primeiro secretário do PTB, Emerson Palmieri; Que retirou as passagens para Emerson Palmieri pelo PTB no final de janeiro de 2005; Que Emerson Palmieri, ao embarcar para Portugal, telefonou para o declarante informando que iria viajar em companhia de Marcos Valério e o advo-gado Rogério Tolentino; Que até então desconhecia quem seria o representante do PT na viagem a Portugal, sendo que acreditava que seria o próprio Delúbio Soares; Que, realmente, Emerson viajou para Portugal no mesmo vôo de Marcos Valério, sendo que os mesmos sentaram lado a lado; Que Emerson Palmieri permaneceu em Portugal 2 ou 3 dias; Que, enquanto esteve em Portugal, Emerson, em nenhum momento, telefonou ou entrou em contato com o declarante; Que, ao retornar ao país, Emerson comentou com o declarante a respeito da viagem; Que Emerson afirmou não ter participado do encontro ocorrido entre Marcos Valério e o Presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta, tendo permanecido na ante-sala; Que, segundo Emerson, a Portugal Telecom iria realizar negócios com a Telemig, sendo que caberia a Marcos Valério facilitar o trâmite do negócio junto ao Governo Federal; Que, concretizado o negócio, Marcos Valério receberia uma comissão cuja parcela poderia liquidar as contas dos dois partidos (PT e PTB); Que, ao ouvir o relato, percebeu que José Dirceu era “pólvora molhada”, ou seja, não iria cumprir o acordo; Que determinou que Emerson Palmieri se afastasse de Marcos Valério e dos demais representantes do PT; Que nunca percebeu qualquer relação de amizade entre Marcos Valério e Emerson Palmieri; Que o negócio envolvendo a Portugal Telecom nunca mais foi tratado com o declarante ou com Emerson Palmieri; (...) Que, em março ou abril de 2005, Delúbio Soares e José Genoíno ligaram para o declarante para que este recebesse Marcos Valério; Que aceitou se reunir com Marcos Valério na sede do PTB, de cujo encontro também parti-cipou Emerson Palmieri; Que, neste encontro, Marcos Valério propôs que o declarante interferisse junto ao presidente do IRB para tirar os recursos que o instituto mantinha em um banco no exterior e transferisse para o banco Espírito Santo, em Portugal; Que esses recursos seriam no montante de 600 milhões de dólares; Que a aplicação desses recursos no banco Espírito Santo renderia uma comissão para Marcos Valério de 2% ao mês; Que Marcos Valério afirmou que parte dessa comissão seria repassada para o PT e o PTB; Que achou estranho todo aquele recurso que seria disponibilizado por Marcos Valério, ou seja, “muito dinheiro com muita facilidade”; Que, então, ligou para José Genoíno, afirmando que achava que Marcos Valério era um “visionário maluco”; Que José Genoíno respondeu que o declarante poderia acreditar, pois Marcos Valério era “firme”; Que não fez qualquer gestão no IRB visando a concretizar a transferência de recursos para o banco Espírito Santo; Que não teve qualquer participação no repasse de recursos do PT para o ex-presidente do PTB, José Carlos Martinez; Que somente após o advento do escândalo do mensalão tomou conhecimento do suposto repasse de R$ 1 milhão para José Carlos Martinez, conforme relação divulgada por Marcos Valério; (...) realmente, Alexandre Chaves recebeu R$ 145 mil em

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Belo Horizonte para repassar para Cacá Moreno, publicitário que prestou serviços para o PTB; (...) Que esses R$ 145 mil repassados a Cacá Moreno diziam respeito a parte da conta de R$ 520 mil, contratada pelo José Carlos Martinez e autorizada por Delúbio Soares; (...)

As imputações pelo crime de lavagem de dinheiro formuladas contra o denunciado Roberto Jefferson se referem a dois saques realizados por intermédio de José Hertz, três por meio de Alexandre Chaves e dois recebimentos de Marcos Valério, acusado pelo Procurador-Geral da República como um dos mentores do esquema de lavagem de dinheiro já analisado no Capítulo IV desta decisão.

Quanto a Emerson Palmieri, o crime de lavagem de dinheiro teria sido perpetrado também através de dissimulação e ocultação da origem, localização e movimentação de valores provenientes, supostamente, de crime, utilizando-se, para tal, de José Hertz (três saques), Jair dos Santos (dois saques), Alexandre Cha-ves (três saques) e dois recebimentos diretamente de Marcos Valério.

No que diz respeito aos saques realizados por José Hertz, ele próprio confirmou, em seu depoimento, a narrativa constante da denúncia, narrando, com detalhes, a sua ida às agências do Banco do Brasil e do Banco Rural em Belo Horizonte, bem como à sede da empresa SMP&B na mesma cidade (fls. 1333/1336, vol. 6):

Que o declarante é filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro; Que, na época dos fatos, o declarante era funcionário do Gabinete do Deputado Federal Romeu Queiroz, Presi-dente Estadual do PTB/MG e 2º Secretário da Executiva Nacional, tendo trabalhado de feve-reiro de 1999 a 30/06/2004; Que concorreu à candidatura de Prefeito Municipal do Município de Jequitinhonha/MG, pelo PTB, nas eleições de 2004; Que, em 05/01/2004, o declarante recebeu uma ligação de Emerson Palmieri, então Secretário Nacional do PTB, no telefone fixo do Diretório Regional do PTB, (...) para que procurasse a Sra. Simone Vasconcelos na SMP&B em Belo Horizonte/MG; Que o contato continuou por meio de seu celular (...); Que Emerson Palmieri comunicou ao declarante que já havia conversado com Simone Vasconcelos e o Deputado Federal Romeu Queiroz; Que a finalidade da ida do declarante à SMP&B seria buscar uma encomenda para o Diretório Nacional do PTB; Que, após ter telefonado para o celular de Simone Vasconcelos, o declarante compareceu à sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG; (...) Que Simone Vasconcelos orientou ao declarante para que este se dirigisse a duas agências bancárias, a saber, uma do Banco do Brasil e outra do Banco Rural, ambas na cidade de Belo Horizonte/MG; Que assim, o declarante se dirigiu primeiramente ao Banco do Brasil, Agência Av. Amazonas, na Avenida Amazonas, 311, Belo Horizonte/MG; Que o declarante deveria procurar por uma pessoa que acredita ter sido o gerente, que lhe entregaria uma encomenda; (...) Que ao chegar ao banco, procurou pelo funcionário que Simone Vasconcelos teria indicado para a entrega da encomenda; (...) Que recebeu do funcionário um envelope do Banco do Brasil, sem qualquer inscrição ou referência a valores, fechado com grampos; (...) Que ficou surpreso com o recebimento do pacote, que percebeu que se tratava de dinheiro; Que, de imediato, telefonou para Emerson Palmieri em razão de achar estranho o recebimento de valores em espécie, em envelope, tendo recebido como resposta que mandaria imediatamente as passagens para que o declarante viajasse a Brasília para ser entregue a ele, Emerson Palmieri; Que o declarante não contou o numerário que recebera do funcionário do banco, em um pacote fechado; Que deixou o pacote de dinheiro guardado no Escritório Regional do PTB, em um cofre, e se dirigiu à Agência do Banco Rural; (...) Que chegando à agência Assembléia do Banco Rural , o de-clarante se dirigiu a um funcionário indicado por Simone Vasconcelos, tendo recebido deste um envelope semelhante ao primeiro, em impresso do Banco Rural, também lacrado, em tamanho

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menor que o envelope retirado no Banco do Brasil; (...) Que de posse dos dois pacotes, tomou o vôo 1804, de Pampulha/Belo Horizonte/MG para Brasília, horário das 19:00h, na mesma data, ou seja, em 05/01/2004; Que, chegando a Brasília/DF, foi recebido no aeroporto pelo Dr. Emerson Palmieri, que identificou o Declarante pelo celular, uma vez que não o conhecia; (...) Que o declarante e Emerson Palmieri adentraram no veículo deste último, conduzido por um motorista; (...) Que, ainda no veículo, o declarante fez a entrega dos dois pacotes, lacrados, ao Sr. Emerson Palmieri, pelo espaço que separa os dois bancos dianteiros; Que o Sr. Emerson Palmieri não abriu os pacotes e, de imediato, ligou para o Deputado Federal Roberto Jefferson e fez o seguinte comentário: “ – assunto resolvido” (...)

Relativamente aos três saques de Alexandre Chaves, esses também estão respaldados por indícios constantes dos autos, uma vez que, como visto, o denun-ciado Roberto Jefferson confirmou que Chaves efetuou o saque de R$ 145 mil, datado de 18-12-03. O seguinte trecho do depoimento de Emerson Eloy Palmieri também corrobora o teor da inicial acusatória, confirmando a existência de dois outros saques, em espécie, por Chaves, incumbido de repassar o dinheiro aos seus reais beneficiários:

(...) Que o saque referente ao dia 19/12/2003, na verdade se refere a um saque de R$ 145 mil datado de 18/12/2003, recebido por Alexandre Chaves em Belo Horizonte/MG, para pagamento de programa de televisão do PTB, sendo repassado a Cacá Moreno, responsável pela produção do programa na data do recebimento, em BH/MG; Que o terceiro e quarto valores devem se referir à lista apresentada por Simone Vasconcelos, com um erro de datilografia na data, sendo datas corretas 07/01/2004 e 14/01/2004, ambos no valor de R$ 100 mil, recebidos por Alexandre Chaves na Agência Brasília do Banco Rural para sua filha Patrícia, conforme já explicado acima; (...)

Como se vê, além dos R$ 145 mil sacados em 18-12-03, há fortes indícios do recebimento, por parte dos acusados Roberto Jefferson e Emerson Palmieri, de duas outras remessas, no valor de R$ 100 mil cada, nos dias 7 e 14 de janeiro de 2004.

Quanto às duas parcelas de R$ 100 mil, o recebimento das parcelas está demonstrado nos documentos de fls. 52v. e 65v., inclusive com a assinatura de Simone Reis Lobo de Vasconcelos, como já foi anteriormente assinalado.

Relativamente aos saques efetuados por Jair dos Santos, com efeito, consta da fl. 423 documento datado de 18-9-03, consistente em autorização de saque, no valor de R$ 200 mil, em nome de Jair dos Santos, sendo certo que à fl. 424 consta a cópia de seu documento de identidade.

À fl. 609, consta outra autorização para Jair dos Santos, inclusive acom-panhada do cheque emitido pela SMP&B, para viabilizar o saque da quantia de R$ 100 mil, na data de 23-9-03.

Por fim, no que concerne às duas remessas de dinheiro feitas diretamente por Marcos Valério, além de confirmadas pelo próprio denunciado Roberto Jefferson, como já lido, também o depoimento de Emerson Elloy Palmieri (fl. 3573) corro-bora o teor da denúncia:

(...) Que Roberto Jefferson recebeu pelo PTB o valor total de R$ 4 milhões, em duas parcelas, sendo a primeira em fins de junho, no valor de R$ 2.200.000,00 e a segunda na primeira semana de julho de 2004, no valor de R$ 1.800.000,00; Que em ambas as oca-siões se encontravam na sala da presidência do PTB, Roberto Jefferson e Marcos Valério,

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tendo sido convidado a participar da reunião por Roberto Jefferson, sendo que, quando entrou na sala do presidente do PTB, o numerário já se encontrava sobre a mesa, envolto em etiquetas do Banco do Brasil e Banco Rural; (...)

Do teor dos depoimentos acima transcritos e dos documentos constantes dos autos resta claro que os fatos relatados na denúncia encontram respaldo nos dados colhidos durante as investigações, o que se mostra suficiente à instauração da ação penal para o prosseguimento da persecução penal. Nesse sentido, é emblemático o fato de o denunciado Roberto Jefferson confirmar o recebimento de R$ 4 milhões e se recusar a dizer quem foram as pessoas beneficiadas com o recebimento de frações desse valor.

Por outro lado, Roberto Jefferson também afirma ter sido informado pelo Sr. José Carlos Martinez (já falecido) acerca do repasse de recursos aos partidos da base aliada ao Governo, embora diga ter recusado a oferta.

O recebimento de enormes quantias em dinheiro de um partido político (PT) por parlamentares de um outro partido político (PTB), de origem obscura e destino ignorado, não se justifica pela simples declaração de que o dinheiro é “para despesas de campanha”.

Aliás, é importante notar que, em todos os casos descritos nas denúncias de corrupção passiva, os acusados tendem a afirmar que os valores transferidos aos partidos visavam ao pagamento de dívidas de campanha, não apontando, contudo, um fornecedor sequer que teria recebido tais recursos de seus partidos.

Um indício de que tal afirmação não pode ser considerada absolutamente verdadeira, ao menos por ora, é o depoimento do ex-tesoureiro do Banco Rural em Brasília, José Francisco de Almeida Rego, que salientou o seguinte (fl. 560, vol. 3 dos autos):

Que, outro caso que o reinquirido se recorda é o de um Deputado, cujo nome não se lembra, que também foi indicado para receber numerários advindos da SMP&B, os quais, após sacados, foram repassados por meio de DOCs (Documento de Crédito) para diversas pessoas cujos sobrenomes eram iguais ao do Deputado.

De qualquer maneira, entendo que esse fato não é relevante para efeitos de recebimento da denúncia, principalmente porque a destinação dada pelos acusados aos recursos recebidos seria, ao menos em tese, mero exaurimento dos crimes anteriores, in casu, crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

é certo que há, ainda, muitos pontos obscuros, mas esses, a meu ver, devem ser elucidados no curso da ação penal a ser instaurada, mediante a competente instrução probatória e observando ao devido processo legal. Isso porque a gravidade dos fatos narrados na inicial, aliada à presença de fortes indícios corroborando as imputações, aponta no sentido da necessidade de pros-seguimento da persecução penal, agora na sua fase judicial, a fim de que seja apurada a ocorrência ou não dos ilícitos penais sob exame.

Do exposto, Senhora Presidente, é possível, com base nos depoimentos antes citados, afirmar a existência de indícios das práticas criminosas narradas na denúncia, por parte de Roberto Jefferson e Emerson Palmieri, tanto no

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que diz respeito à corrupção passiva como em relação à lavagem de dinheiro, uma vez que foram utilizados, supostamente, os mecanismos que o Procura-dor-Geral da República afirma terem sido disponibilizados por integrantes da SMP&B e pelo Banco Rural, para viabilizar a ocultação e dissimulação da origem, localização e movimentação de valores em espécie.

Anderson Adauto – Corrupção ativaAo denunciado Anderson Adauto foi imputada a prática do delito previsto

no art. 333 do Código Penal (corrupção ativa), por duas vezes. Sua conduta foi narrada nos seguintes termos (fl. 5727, vol. 27):

Em dezembro de 2003, Roberto Jefferson manteve contato com Romeu Queiroz, Secretário do PTB, para que este retomasse os mecanismos estruturados durante a gestão de José Carlos Martinez para obtenção de recursos financeiros. Romeu Queiroz procurou o então Ministro Anderson Adauto, o qual manteve entendimentos com Delúbio Soares, que se prontificou a retomar as transferências através da empresa SMP&B, o que de fato ocorreu, nos termos abaixo narrados.

Registre-se que o denunciado Anderson Adauto, como será descrito no tópico seguinte, tinha pleno conhecimento do esquema de compra de apoio político pelo PT, razão pela qual intermediou o acerto criminoso (corrupção) com os Deputados Federais Roberto Jefferson e Romeu Queiroz do PTB.

Em seu depoimento, o denunciado Anderson Adauto confirma o contato feito com Romeu Queiroz, negando, porém, que tenha intermediado o acordo de repasse de recursos pelo PT ao PTB (fls. 3565-3567, vol. 16):

(...) Que conheceu Marcos Valério na campanha de 1998; Que a agência de publicidade SMP&B foi a responsável pela criação de material gráfico nas campanhas para Deputado Estadual, em 1998, e Deputado Federal, em 2002; (...) Que saiu da campanha de 2002 com uma dívida que não se recorda o valor no momento (...); Que, ao assumir o Ministério dos Transportes em janeiro de 2003, tendo contraído dívida não saldada de campanha eleitoral, resolveu procurar o Tesoureiro do Partido Majoritário na coligação para ajudá-lo na quitação do débito eleitoral pendente; Que esteve com Delúbio Soares pessoalmente, em Brasília-DF; (...) comentou com o Deputado Federal do PTB/MG Romeu Queiroz do contato realizado com Delúbio Soares no sentido de saldar os débitos contraídos na cam-panha eleitoral de 2002; Que Romeu Queiroz fez menção de procurar Delúbio Soares para resolver suas pendências eleitorais, não sabendo se o Deputado realmente o procurou ou se conseguiu resolver o problema que tinha encaminhado ao declarante como Ministro dos Transportes; Que afirmou ao Deputado Romeu Queiroz que não poderia e nem teria como ajudá-lo na resolução das dívidas eleitorais do PTB mineiro; Que o deputado federal Romeu Queiroz era presidente do PTB em Minas Gerais; (...)

Por sua vez, o Deputado Federal Romeu Queiroz, acusado da prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, corroborou, em seu depoi-mento, os termos da imputação feita contra Anderson Adauto na denúncia, in verbis (fl. 2126, vol. 10 dos autos):

(...) Que em dezembro de 2003, foi contactado pelo então Presidente do PTB, Depu-tado Roberto Jefferson, na condição de segundo secretário do Partido, para que angariasse recursos para a agremiação política; Que diante do pedido do Deputado Roberto Jefferson, procurou o então Ministro dos transportes Anderson Adauto em seu gabinete, para quem formulou a solicitação de recursos; Que cerca de dois ou três dias após esta reu-nião, o ex-Ministro entrou em contato com o declarante esclarecendo que tinha mantido

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entendimentos com o então Tesoureiro do PT, Sr. Delúbio Soares, e que este por sua vez se colocou à disposição para disponibilizar recursos do PT através da empresa SMP&B Publicidade; Que estes recursos seriam liberados em janeiro do ano seguinte, ou seja, em janeiro de 2004; Que o ex-Ministro Anderson Adauto disse, na oportunidade, que os valores liberados seriam na ordem de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais); (...)

Com efeito, merecem apuração mais profunda os fatos descritos no subitem “b” do item VI.3, em face da existência de indícios de que o denunciado Anderson Adauto teria, realmente, participado do oferecimento ou promessa de vantagem indevida a funcionários públicos (parlamentares federais Roberto Jefferson e Romeu Queiroz), para determiná-los a praticar ato de ofício (votar a favor de projetos de interesse do governo federal).

Dessa forma, presente a prova mínima de autoria e materialidade do delito do art. 333 do Código Penal, recebo a denúncia formulada contra Anderson Adauto.

Romeu Queiroz – Corrupção passiva e lavagem de dinheiroO denunciado Romeu Queiroz teria, igualmente, utilizado o suposto esque-

ma de transferência de valores do grupo de Marcos Valério para o PTB, as-sim praticando, em tese, os delitos de corrupção passiva e lavagem de dinhei-ro, por meio do recebimento, especificamente, da quantia de R$ 102.812,76, na data de 31-8-04, conforme demonstrado pelos documentos de fls. 196/197 do apenso 5.

Há, nos autos, fortes indícios da ocorrência de tais delitos.

Ao prestar depoimento, o denunciado Romeu Queiroz, além de admitir os saques realizados por José Hertz, esclarece como teria ocorrido o saque realizado por Paulo Leite:

(...) Que em agosto de 2004 recebeu um contato telefônico do Sr. Cristiano Paz, sócio de Marcos Valério na SMP&B Publicidade; Que Cristiano Paz era o presidente da empresa; Que neste contato Cristiano Paz disse ao declarante que a empresa Usiminas tinha disponibilizado R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) de doação para di-versas campanhas eleitorais municipais, de interesse do PTB; Que esses recursos foram destinados para diversos coordenadores de campanhas políticas em vinte municípios do Estado de Minas Gerais; Que esses recursos não foram contabilizados pelo PTB, já que foram transferidos diretamente da SMP&B para os candidatos dos diversos municípios de Minas Gerais; Que não utilizou nenhuma quantia da doação da Usiminas; Que, naquela época, não disputava qualquer mandato eletivo, agindo apenas como um dirigente partidário; Que dos R$ 150.000,00 doados pela Usiminas, foram descontados pela SMP&B a importância de R$ 47.187,24 (quarenta e sete mil e cento e oitenta e sete reais e vinte e quatro centavos), a título de impostos e taxas; Que, portanto o Sr. Paulo Leite Nunes recebeu no Banco Rural a quantia de R$ 102.812,76; Que foi o declarante que decidiu a destinação dada aos recursos sacados pelo Sr. Paulo Leite Nunes, doados pela Usiminas; (...) Que Paulo Leite Nunes se dirigiu ao Banco Rural orientado pelo declarante, de posse de uma listagem parcial de pessoas que receberiam parte dos valores sacados, entregue pela secretária do declarante; Que Paulo Leite Nunes recebeu os valores no Banco e, em virtude de não desejar levar o dinheiro para o escritório do PTB, por motivo de segurança, decidiu, naquela mesma oportu-nidade, efetuar os TEDs ara os beneficiários constantes da listagem que possuía; Que Paulo Leite não possuía a listagem completa dos beneficiários que deveriam receber tais recursos, razão pela qual entrou em contato com a secretária do declarante e solicitou o número da conta corrente do mesmo; Que, sem sua aquiescência, Paulo depositou R$ 50.000,00

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(cinqüenta mil reais), através do TED nº 0902033 na conta corrente pessoal do decla-rante no Banco Bradesco (...); Que, perguntado o porquê de o Sr. Paulo Leite Nunes ter levado ao escritório do declarante o valor de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) em espécie ao sair do Banco Rural, não depositando tal quantia como fez com os R$ 50.000,00, que não sabia para onde deveriam ser encaminhados, respondeu que Paulo Leite Nunes iria depositar esses R$ 18.000,00 em um outro banco próximo, cujo nome não se recorda, o que não ocorreu, motivo pelo qual o mesmo retornou ao escritório do PTB levando o recibo do depósito de R$ 50.000,00 e cerca de R$ 18.000,00 em espécie; Que, melhor escla-recendo, Paulo Leite Nunes efetuou TEDs no Banco Rural no montante de R$ 34.500,00, depositou R$ 50.000,00 na conta pessoal do declarante, pagou taxas de TEDs e DOCs ao Banco Rural na quantia de R$ 96,00 e saiu da agência com R$ 18.000,00 para serem depositados em outras agências próximas, o que não foi feito naquela oportunidade; Que a secretária do declarante, ao receber as TEDs e os recursos em espécie, complementou as transferências dadas pelo declarante; (...) Que é amigo de Paulo Leite Nunes, tendo o conhecido quando trabalhava no banco Minas Caixa, há mais de trinta anos; Que Paulo Leite Nunes não é funcionário do PTB nem do declarante, mas é um colaborador do partido e constantemente presta colaboração aos filiados do PTB em Minas Gerais; Que indicou a pessoa de Paulo Leite Nunes para receber os valores mencionados acima, no Banco Rural, ao Sr. Cristiano Paz; (...) Que deseja consignar, por fim, que o TED efetuado pelo Sr. Paulo Leite Nunes para o declarante teve como emitente a empresa SMP&B, em virtude de o Sr. Paulo Leite não ser cliente do Banco Rural, o que o impossibilitaria de emitir o TED, e que, instruído por um funcionário do Banco Rural, preencheu o formulário utilizando o nome da SMP&B como emitente daqueles recursos.

A comprovação material do saque no valor de R$ 102.812,76, efetuado por Paulo Leite Nunes, consta às fls. 196-197 do apenso 5.

À fl. 197, consta cópia do cheque de R$ 102.812,76, nominal à SMP&B Comunicação Ltda., assinado por Cristiano de Melo Paz, na qualidade de representante legal da emitente (SMP&B Comunicação Ltda.) bem como a cópia da cédula de identidade de Paulo Leite Nunes.

Assim, considero que o depoimento acima transcrito demonstra a exis-tência de indícios mínimos a corroborarem os termos da denúncia, no sentido da prática, em tese, pelo denunciado Romeu Queiroz, dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Do exposto, Senhora Presidente, também em relação a esse acusado considero que a denúncia deve ser recebida, dando, assim, início à competente ação penal.

Em resumo a este capítulo, destaco que constam nos autos, além dos depoi-mentos transcritos nesta decisão, diversos documentos que contêm autoriza-ções de saques e cheques da SMP&B Comunicações (apensos 5 a 7), o que demonstra a existência de prova mínima no sentido do recebimento de valores (corrupção passiva) e da utilização de artifícios para dissimular o destino, a movi-mentação e a origem dos recursos postos em circulação pelo suposto esquema de corrupção (utilização de intermediários e de pagamentos em espécie), em atitude em tese típica de lavagem de capitais.

Do exposto, recebo a denúncia em relação aos seguintes denunciados:

- Roberto Jefferson, pela suposta prática dos crimes de corrupção pas-siva (art. 317 do Código Penal), e lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98, 7 (sete) vezes, sendo dois saques de José Hertz, três de Alexandre Chaves e dois recebimentos de Marcos Valério);

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- Emerson Palmieri, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98, 10 (dez) vezes, sendo três saques de José Hertz, dois saques de Jair dos Santos, três saques de Alexandre Chaves e dois recebimentos de Marcos Valério);

- Romeu Queiroz, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98, 4 (quatro) vezes, sendo três saques de José Hertz e um de Paulo Leite);

- Anderson Adauto, pela suposta prática do crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal).

VI.4 – Partido do Movimento Democrático Brasileiro – Deputado José Borba

No item VI.4, a denúncia aborda os fatos relativos ao Partido Movimento Democrático Brasileiro, iniciando nos seguintes termos:

Por meio de acordo firmado com José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, o então Deputado Federal José Rodrigues Borba, no ano de 2003, também integrou o esquema de corrupção em troca de apoio político.

Líder da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados, [Borba] mantinha constantes contatos com Marcos Valério por considerá-lo “uma pessoa influente no Governo Federal”, a quem recorria para reforçar seus pleitos de nomeação de cargos junto à administração pública.

Segundo informação de Marcos Valério, José Borba foi beneficiado com valores na ordem de R$ 2.100.000,00, mediante pagamentos efetuados, no esquema de lavagem já narrado, nas seguintes datas: 16/09/2003 – R$ 250.000,00; 25/09/2003 – R$ 250.000,00; 20/11/2003 – R$ 200.000,00; 27/11/2003 – R$ 200.000,00; 04/12/2003 – R$ 200.000,00; e 05/07/2004 – R$ 1.000.000,00.

Ciente da origem ilícita dos recursos (organização criminosa voltada para a prática de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional), bem como dos mecanismos de lavagem empregados para a transferência dos valores, José Borba atuou para não receber diretamente o dinheiro, de forma a não deixar qualquer rastro de sua participação no esquema.

No entanto, ficou comprovado o pagamento de uma das parcelas disponibilizadas pelo grupo de Marcos Valério, no valor de R$ 200.000,00, ao ex-Deputado Federal José Borba, que recebeu esse dinheiro das mãos de Simone Vasconcelos.

Nessa ocasião, o próprio José Borba compareceu na agência do Banco Rural em Brasí-lia e procurou o então Tesoureiro do Banco Rural em Brasília, José Francisco de Almeida para a entrega do dinheiro, o que foi confirmado por Simone Vasconcelos.

Todavia, José Borba recusou-se a assinar qualquer documento que comprovasse o recebimento da importância acima, fazendo com que Simone Vasconcelos se deslocasse até essa agência, retirasse, mediante a sua própria assinatura, a quantia acima informada, e efetuasse a entrega desse numerário ao então parlamentar.

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Movimento Demo-crático Brasileiro ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destacam-se as atuações do Parlamentar José Borba na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003, na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003, na sessão do dia 24/09/2003).

Tais fatos serviram de base para a imputação do crime de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) contra o denunciado José Borba.

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Conforme consta da inicial acusatória, o denunciado José Borba teria recebido recursos do grupo do denunciado Marcos Valério, sendo certo que em determinada ocasião o denunciado teria recebido a quantia de R$ 200 mil, em dinheiro, das mãos da também denunciada Simone Vasconcelos.

O recebimento de tais valores teria como contrapartida a concessão de apoio político nas matérias de interesse do governo federal.

O tesoureiro da agência Brasília do Banco Rural, José Francisco de Al-meida Rego, citado na denúncia, prestou depoimento nos seguintes termos (fls. 559/560, vol. 3)

Que o reinquirido saiu para almoçar e somente retornou por volta das 13:30 horas; Que, neste momento, solicitou a identificação da pessoa que ia sacar os valores para confrontar com os dados contidos no fax recebido na Agenda Assembléia do Banco Rural, oportunidade em que o mesmo apresentou a carteira funcional de Deputado Federal, sendo solicitado, então, o documento para extração de cópia, porém o Deputado Federal, de nome José Borba, não permitiu a extração de cópia e se recusou a assinar o recibo do valor a ele destinado; Que, diante da negativa do Deputado José Borba em permitir a extração da cópia do documento de identificação, fez contato com a Agência Assembléia do Banco Rural, em Belo Horizonte, e falou com o Gerente daquela agência e lhe expôs o fato; Que o Gerente disse que o reinquirido teria tomado a decisão correta de não efetuar o pagamento e que iria entrar em contato com a empresa SMP&B para tratar do assunto; Que, logo após, o gerente retornou a ligação, dizendo que uma pessoa estaria indo à agência do Banco Rural/Brasília resolver o pro-blema, orientando o reinquirido a rasgar o fax anteriormente recebido em nome do Sr. José Borba, pois seria mandado um outro fax em nome da pessoa que seria a responsável pelo saque; Que tal pessoa chegou após o encerramento do expediente bancário para o público, permanecendo o Sr. José Borba na Agência, aguardando o desenrolar dos fatos; Que compareceu na agenda para efetuar o saque a Srª. Simone Vasconcelos, que assinou o recibo e autorizou a entrega do numerário ao Sr. José Borba; Que o valor indicado no fax da SMP&B era de R$ 200.000,00, porém não se recorda se o valor foi entregue integralmente ao Deputado Federal José Borba; Que não ficou nada registrado da operação em nome do deputado José Borba, visto que foi enviado novo fax indicando como responsável pelo saque a Sra. Simone Vasconcelos; Que, outro caso que o reinquirido se recorda é o de um Deputado, cujo nome não se lembra, que também foi indicado para receber numerários advindos da SMP&B, os quais, após sacados, foram repassados por meio de DOCs (Do-cumento de Crédito) para diversas pessoas cujos sobrenomes eram iguais ao do Deputado.

Para além disto, a funcionária da SMP&B, Eliane Alves, informou, em seu depoimento de fls. 615/618 (vol. 3), que “tem conhecimento de que o Depu-tado Federal José Borba esteve na empresa SMP&B com Marcos Valério”.

Por sua vez, Roberto Bertholdo, ex-assessor do acusado na liderança do PMDB e seu advogado por mais de oito anos, afirmou em seu depoimento (fls. 4556/4561, vol. 21):

Que, nega a acusação de que era o “homem da mala” do PMDB; Que, de fato, o grupo de deputados que sistematicamente apoiava os projetos de interesse do governo era de aproxi-madamente 57 deputados; Que o apoio destes parlamentares era obtido mediante articulação política do ex-Deputado José Borba, através da democratização da participação de todos os parlamentares nas decisões da liderança do partido; (...) Que, em relação a Delúbio Soares, conheceu tal tesoureiro em local que não se recorda, apresentado por José Borba; Que se encontrou com Delúbio Soares quatro ou cinco vezes, tanto em Brasília como em São Paulo; (...) Que todas as vezes que se encontrou com Delúbio, o ex-Deputado José Borba também estava presente; Que, na verdade, o declarante acompanhava José Borba nesses encontros por ser seu assessor; (...)

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Em seu depoimento, o acusado José Borba afirmou o seguinte (fls. 3548/3551, vol. 16):

Que se recorda de ter conversado com Marcos Valério na Câmara dos Deputados, em um encontro ocorrido ocasionalmente; Que este encontro durou aproximadamente 5 minu-tos, oportunidade em que Marcos Valério afirmou que poderia ajudar o declarante em questões no Governo Federal; (...) Que, neste encontro, Marcos Valério afirmou que possuía bons relacionamentos no Governo Federal; Que Marcos Valério não especificou em qual setor ou área possuía influências, bem como quais membros do Governo Federal conhecia; Que o declarante também não fez qualquer questionamento a este respeito; Que tomou conheci-mento de que Marcos Valério era uma pessoa influente no Governo Federal através de conversas comuns com parlamentares; Que não sabe precisar quais os parlamentares que lhe informaram das relações que Marcos Valério possuía no Governo Federal; (...) Que procurava a Casa Civil para tratar dos espaços no Governo Federal a serem ocupados nos Estados; Que, como integrante da base aliada, buscava nomear correligionários para cargos de confiança de órgãos do Governo Federal, tais como Funasa, Anatel, DNIT, Eletrosul, dentre outros; Que percebeu que o Governo Federal tinha por política nomear para os cargos de confiança somente integrantes do Partido dos Trabalhadores; (...) Que, tendo em vista o não atendimento de seus pleitos pelo Governo Federal, o declarante começou a buscar outros canais de negociação; Que, dentre esses canais, pode citar o próprio Marcos Valério; Que procurou Marcos Valério para tentar reforçar os pleitos de nomeação junto ao Governo Federal; Que realizou algumas ligações telefônicas para Marcos Valério, para reforçar os pedidos de nomeação; (...) Que acreditava que Marcos Valério poderia ajudar o declarante neste sentido; Que não tinha conhecimento das atividades empresariais desenvolvidas por Marcos Valério; Que desconhecia quais empresas eram vinculadas a Marcos Valério32; Que somente após a divulgação do escândalo do “Mensalão” foi que o declarante tomou conhecimento das empresas vinculadas a Marcos Valério; Que também procurou por Delúbio Soares para tentar ver atendidos seus pleitos no Governo Federal; Que ficou claro para o declarante que Delúbio Soares era uma pessoa que possuía grande influência no Partido dos Trabalhadores; Que sempre se encontrava com Marcos Valério na Câmara dos Deputados; (...) Que já esteve na agência do Banco Rural localizada no Edifício Brasília Shopping em duas ocasiões; Que foi à agência Brasília do Banco Rural para tentar se encontrar com Marcos Valério; Que o próprio Marcos Valério afirmou para o declarante que poderia ser encontrado na agência Brasília do Banco Rural nas datas em que o declarante esteve ali presente; (...) Que, entretanto, não se encontrou com Marcos Valério quando esteve na Agência Brasília do Banco rural; (...) Que não conhece Simone Reis Lobo de Vasconcelos; Que nunca se encontrou com Simone Reis Lobo de Vasconcelos no interior da Agência Brasília do Banco Rural; (...)

Por fim, o Deputado Federal José Borba consta da listagem de Marcos Valério como um dos beneficiários do suposto esquema narrado na denún-cia, sendo que teria recebido, por meio de interpostas pessoas, o montante de R$ 2.100.000,00 (dois milhões e cem mil reais), repassados nas seguintes datas e valores (fl. 607, vol. 3):

- 19-9-03: R$ 250.000,00- 25-9-03: R$ 250.000,00- 20-11-03: R$ 200.000,00- 27-11-03: R$ 200.000,00- 4-12-03: R$ 200.000,00- 5-7-04: R$ 1.000.000,00- Total: R$ 2.100.000,00

32 Esta afirmação é contrária ao depoimento de Eliane Alves, empregada da SMP&B, que afirmou que José Borba já havia comparecido à sede da SMP&B.

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Assim, há, nos autos, dados que apontam no sentido da possível prática dos crimes narrados na inicial pelo acusado José Borba.

Especificamente em relação à lavagem de dinheiro, repito os termos da denúncia (fl. 5731):

Segundo informação de Marcos Valério, José Borba foi beneficiado com valores na ordem de R$ 2.100.000,00, mediante pagamentos efetuados, no esquema de lavagem já narrado, nas seguintes datas:

16/09/2003 - R$ 250.000,00; 25/09/2003 - R$ 250.000,00; 20/11/2003 - R$ 200.000,00; 27/11/2003 - R$ 200.000,00; 04/12/2003 - R$ 200.000,00; e 05/07/2004 - R$ 1.000.000,00.Ciente da origem ilícita dos recursos (organização criminosa voltada para a prática

de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional), bem como dos mecanismos de lavagem empregados para a transferência dos valores, Jose Borba atuou para não receber diretamente o dinheiro, de forma a não deixar qualquer rastro de sua participação no esquema.

No entanto, ficou comprovado o pagamento de uma das parcelas disponibilizadas pelo grupo de Marcos Valério, no valor de R$ 200.000,00 ao ex-Deputado Federal Jose Borba, que recebeu esse dinheiro das mãos de Simone Vasconcelos.

Nessa ocasião, o próprio José Borba compareceu na agencia do Banco Rural em Brasília e procurou o então Tesoureiro do Banco Rural em Brasília José Francisco de Almeida para a entrega do dinheiro, o que foi confirmado por Simone Vasconcelos.

Todavia, José Borba recusou-se a assinar qualquer documento que comprovasse o recebimento da importância acima, fazendo com que Simone Vasconcelos se deslocasse até essa agência, retirasse, mediante a sua própria assinatura, a quantia acima informada, e efetuasse a entrega desse numerário ao então parlamentar.

Efetivamente, o acusado ter-se-ia utilizado do mesmo esquema de lavagem de dinheiro disponibilizado para os outros denunciados no capítulo da denúncia ora em análise, recebendo, em espécie, elevados valores em espécie, buscando, com isso, ocultar a propriedade e movimentação desses valores. Isso porque o recebimento, em dinheiro, de mais de dois milhões de reais, é prática completa-mente atípica e se deu no mesmo contexto dos anteriormente vistos neste Plenário, como consta dos depoimentos que li neste capítulo.

Portanto, entendo haver indícios suficientes à instauração da ação penal contra o denunciado José Borba, pela suposta prática dos delitos pre-vistos no art. 317 do Código Penal e no art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/98, razão pela qual recebo a denúncia (item VI.4, “b.1” e “b.2”, da inicial acusa-tória).

Corrupção ativa – Itens VI.1, VI.2, VI.3 e VI.4 da denúncia

Senhora Presidente, passo a analisar as imputações referentes ao delito de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal), dirigidas contra os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

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As condutas são descritas no item VI da denúncia e, de maneira mais detalhada, nos itens VI.1, VI.2, VI.3 e VI.4.

Consta da denúncia (fls. 5706/5707):

Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal.

Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Portanto, na forma do artigo 29 do Código Penal, os denunciados indicados deverão responder em concurso material por todos os crimes de corrupção ativa que praticaram, os quais serão devidamente narrados em tópicos individualizados para cada partido político.

Dispõe o art. 333 do Código Penal:

Corrupção ativaArt. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para

determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou pro-

messa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

Como é possível perceber a partir do trecho da denúncia que li há pouco, o ato de ofício, no que concerne ao tipo penal do art. 333 do Código Penal (cor-rupção ativa), seria o de votar a favor do governo federal nos assuntos do seu interesse.

Apesar de alguns dos denunciados alegarem, em suas defesas, que o for-necimento de apoio financeiro de um partido político a outro é conduta lícita, ressalto que a denúncia ora analisada não cuida do simples fornecimento de apoio financeiro a partidos políticos aliados.

Os fatos narrados na denúncia descrevem a existência de uma suposta organização criminosa, que se utilizaria de um sofisticado esquema de lavagem de capitais para o oferecimento de dinheiro a alguns parlamenta-res de partidos da base aliada no Congresso, de modo a convencê-los a votar favoravelmente à aprovação dos projetos de interesse do governo federal. Tudo, segundo o Procurador-Geral da República, com o intuito de perpetuar no poder os partidos políticos em tese envolvidos.

A conduta narrada pelo Procurador-Geral da República configura, ao menos em tese, o delito de corrupção ativa, pois estariam presentes todos os elementos necessários à realização do tipo penal do art. 333 do Código Penal.

Conforme leciona Cezar Roberto Bitencourt:

3. Tipo objetivo: adequação típicaA conduta típica alternativamente prevista consiste em oferecer (apresentar, colocar à

disposição) ou prometer (obrigar-se a dar) vantagem indevida (de qualquer natureza: material ou

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moral) a funcionário público, para determiná-lo a praticar (realizar), omitir (deixar de praticar) ou retardar (atrasar) ato de ofício (incluído na esfera de competência do funcionário). A oferta ou promessa, ainda que feitas indiretamente, admitem vários meios de execução.

(In BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.)

No caso em análise, a narrativa constante da denúncia, em relação aos crimes de corrupção ativa, constante do item VI e seus subitens, amolda-se, de forma aparente, ao tipo do art. 333 do Código Penal, pois o oferecimento das vantagens ilícitas teria ocorrido nas reuniões entre os líderes dos partidos envol-vidos, sendo que “vantagem indevida” seriam as enormes quantias em dinheiro supostamente distribuídas por meio do sistema de lavagem de dinheiro descrito na denúncia.

Aliás, apenas para ilustrar essa alegada distribuição, vale citar um depoimento bastante emblemático constante dos autos, que traz indícios de que realmente teria havido distribuição do denominado “mensalão”. Trata-se do depoimento prestado por Emerson Palmieri (fl. 3574, vol. 16):

Que Roberto Jefferson recebeu pelo PTB o valor total de R$ 4 milhões, em duas parcelas, sendo a primeira em fins de junho, no valor de R$ 2.200.000,00, e a segunda na primeira semana de julho de 2004, no valor de R$ 1.800.000,00; Que, em ambas as ocasiões, se encontravam na sala da Presidência do PTB, Roberto Jefferson e Marcos Valério, tendo sido convidado a participar da reunião por Roberto Jefferson, sendo que, quando entrou na sala do presidente do PTB, o numerário já se encontrava sobre a mesa, envolto com etiquetas do Banco do Brasil e Banco Rural; (...) Que em ambas as ocasiões o declarante conferiu o numerário, tendo separado, por orientação de Roberto Jefferson, valores de R$ 200 mil e R$ 150 mil, tendo, após isso, guardado o numerário no cofre da sala da presidência do partido.

Ora, neste momento, em mero juízo prelibatório, não se pode descartar a hipótese de que essa separação do dinheiro recebido em montantes de R$ 200 mil e R$ 150 mil poderia ter-se prestado à ulterior distribuição dos valores aos parlamentares supostamente corrompidos.

Quanto aos atos de ofício, estes se consubstanciariam na votação em plenário, cujos episódios mais significantes foram mencionados na denúncia.

Os documentos anexados à denúncia (apenso 81) corroboram o teor da inicial acusatória, demonstrando os votos proferidos em votações importantes, ocorridas durante o mesmo período dos fatos narrados na denúncia.

Segundo a referida documentação, na sessão ordinária do dia 27-8-03, quando do julgamento da reforma da Previdência, votaram a favor do projeto os deputados Pedro Henry, Pedro Corrêa, José Janene (todos do PP), Valdemar Costa Neto e Bispo Rodrigues (ambos do PL), José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz (PTB), além de José Borba (PMDB).

Vale lembrar que o mesmo padrão se manteve na votação da reforma tributária, conforme o Procurador-Geral da República informa na denúncia e

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apontam os documentos constantes dos autos (apenso 81), à exceção do denun-ciado Pedro Corrêa, que não participou da referida votação.

Obviamente, a votação a favor de projetos de interesse do Governo Federal, por si só, não implica a automática responsabilidade penal dos denunciados.

Porém, tais fatos, associados a indícios da presença dos demais elementos do tipo descrito no art. 333 do Código Penal (oferecimento de vantagem indevida), podem ensejar a instauração da ação penal competente.

Com efeito, afirma o Procurador-Geral da República na denúncia:

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Progressista ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destacam-se as atuações dos parlamentares Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003).

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Liberal ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, pontua-se a atuação do Parlamentar Carlos Rodrigues na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 27/08/2003).

(...)Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Trabalhista Brasileiro

ao Governo federal, na sistemática acima narrada, destacam-se as atuações dos Parlamentares Roberto Jefferson, Romeu Queiroz e José Carlos Martinez Santos na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003).

Inicialmente, importa ressaltar que as condutas de corrupção ativa estão descritas no item VI e nos seus subitens VI.1, VI.2, VI.3 e VI.4. Tal procedi-mento, inclusive, não poderia ser diferente, uma vez que o suposto modus operandi da corrupção ativa encontra, do outro lado, a prática de corrupção passiva pelos parlamentares supostamente envolvidos, sendo que as pequenas variações fáticas referentes a cada partido político constam separadamente de cada um dos subitens mencionados.

Aliás, os crimes de corrupção passiva e corrupção ativa podem ser bilate-rais, como ocorre no caso dos autos, em que, supostamente, a vantagem indevida foi oferecida pelos acusados no item ora em análise e percebida por aqueles denunciados por corrupção passiva, nos subitens que vimos anteriormente.

Resta claro, de todo modo, que a denúncia deve ser analisada de uma maneira global, pois os fatos estão de tal forma entrelaçados que não seria pos-sível ao Ministério Público Federal fazer, a todo tempo, a descrição isolada das condutas dos denunciados. Principalmente considerando que, mesmo os crimes de corrupção ativa, de acordo com a denúncia, teriam sido praticados em concurso de agentes, na forma do art. 29 do Código Penal.

é claro que essa complexidade fática não pode importar na admissão de imputação genérica, que subtrairia ao denunciado a possibilidade de aferir exata-mente o que lhe está sendo imputado.

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Nesse particular, é importante perceber que a denúncia se baseia, sempre, na teoria do domínio do fato, principalmente em razão do amplo concurso de agentes narrado pelo Procurador-Geral da República. Assim, cada denunciado teria, em maior ou menor escala, de acordo com o papel a ele atribuído, o domí-nio final33 dos fatos típicos e ilícitos a ele imputados.

Com efeito, as condutas tipificadas no art. 333 do Código Penal, suposta-mente praticadas pelos denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias teriam sido praticadas mediante uma divisão de tarefas, detalhadamente narrada na denúncia, de modo que cada suposto autor praticasse uma fração dos atos executórios do iter criminis.

De acordo com a definição elaborada por essa teoria, que é a mais aceita hoje na doutrina, não é necessário, para que alguém seja co-autor de um crime, que ele tenha efetivamente praticado a ação (verbo) descrita no tipo legal – in casu, oferecer vantagem indevida.

é como ensina Cézar Roberto Bitencourt34, verbis:

5.3. Teoria do domínio do fato(...) Autor, segundo esta teoria, é quem tem o poder de decisão sobre a realização

do fato. é não só o que executa a ação típica como também aquele que se utiliza de outrem, como instrumento, para a execução da infração penal (autoria mediata)35.

Conseqüências da teoria do domínio do fatoA teoria do domínio do fato tem as seguintes conseqüências: 1ª) a realização pessoal e

plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria; 2ª) é autor quem executa o fato utilizando outrem como instrumento (autoria mediata); 3ª) é autor o co-autor que realiza uma parte necessária do plano global (“domínio funcional do fato”), embora não seja um ato típico, desde que integre a resolução delitiva comum.

Veja-se, ainda, a lição de Damásio E. de Jesus na obra Teoria do Domínio do Fato no Concurso de Pessoas:

4.3.2. Co-autoria parcial ou funcionalHá divisão de tarefas executórias do delito. Trata-se do chamado “domínio funcio-

nal do fato”, assim denominado porque alude à repartição de atividades (funções) entre os sujeitos. Os atos executórios do iter criminis são distribuídos entre os diversos autores, de modo a que cada um é responsável por uma parte do fato, desde a execução até o momento consumativo. As colaborações são diferentes, constituindo partes e dados de união da ação co-letiva, de forma que a ausência de uma faria frustrar o delito. é por isso que cada um mantém o domínio funcional do fato.(In Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas. 2. ed. rev. São Pau-lo: Saraiva, 2001. p. 22-23.)

33 De acordo com a Teoria Final da Ação.34 Código Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 119/120.35 In casu, como é claro, não há hipótese de autoria mediata, que é aquela em que o agente imediato é mero instrumento da vontade de outrem, o denominado “homem de trás”. As hipóteses mais citadas de autoria mediata decorrem de erro, coação irresistível e inimputabilidade do agente imediato. No caso em questão, todos os acusados tinham, em tese, plena consciência de seus atos e, portanto, poder de decisão sobre a sua realização.

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Portanto, o que deve ser exposto na denúncia, em atendimento ao que determina o art. 41 do Código de Processo Penal, é de que forma cada um dos denunciados teria contribuído para a suposta consumação do delito, ou seja, qual papel cada um teria desempenhado na execução do crime.

Apenas para introduzir o tema, transcrevo trecho do depoimento do acusado Romeu Queiroz (suposta prática do crime de corrupção passiva), justamente porque revela o modus operandi que aparentemente era adotado na prática dos crimes narrados na inicial (fl. 2127, vol. 10):

Que, em agosto de 2004, recebeu um contato telefônico do Sr. Cristiano Paz, sócio de Marcos Valério na SMP&B Publicidade; Que Cristiano Paz era o presidente da empresa; Que, neste contato, Cristiano Paz disse ao declarante que a empresa Usiminas tinha disponi-bilizado R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) de doação para diversas campanhas eleitorais municipais de interesse do PTB; (...) Que dos R$ 150.000,00 doados pela Usimi-nas, foram descontados pela SMP&B a importância de R$ 47.187,24 (quarenta e sete mil cento e oitenta e sete reais e vinte e quatro centavos), a título de impostos e taxas (...)

Ou seja, enquanto o denominado “núcleo político partidário” teria interesse na compra do apoio político que daria condições para que o grupo majoritário nas eleições se perpetuasse no poder, os denunciados do dito “núcleo publicitário” se beneficiariam de um percentual do numerário que seria entregue aos beneficiários finais do suposto esquema de repasses.

Passo, pois, a analisar se a inicial acusatória atende, suficientemente, aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal quanto à imputação do crime de corrupção ativa aos denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias (alínea “a” do item VI.1), de modo a possibilitar, assim, a plenitude de defesa.

Analisarei, também, neste item, se está presente a justa causa para a proposi-tura da ação penal por corrupção ativa, contra os denunciados antes mencionados.

José Dirceu

Já no item II da denúncia, o Procurador-Geral da República aponta José Dirceu como a pessoa que autorizava os denunciados José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira a selarem os acordos nas reuniões com os líderes dos partidos, in verbis (fl. 5632):

Roberto Jefferson, com o conhecimento de quem vendia apoio político à organização delitiva ora denunciada, em todos os depoimentos prestados, apontou José Dirceu como o criador do esquema do “mensalão”.

Segundo ele, José Dirceu reunia-se com o principal operador do esquema, Marcos Va-lério, para tratar dos repasses de dinheiro e acordos políticos ou, quando não se encontrava presente, era previamente consultado por José Genoíno, Delúbio Soares ou Sílvio Pereira sobre as deliberações estabelecidas nesses encontros.

Vale ressaltar que, conforme consta do depoimento de Sandra Rodrigues Cabral, assessora especial do denunciado José Dirceu à época dos fatos, era comum que os líderes partidários freqüentassem a Casa Civil, para resolução de assuntos políticos, como a indicação de pessoas para a ocupação de cargos públicos:

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(...) Que não conhece Jacinto de Souza Lamas; Que João Cláudio de Carvalho Genú já esteve no gabinete da declarante na Casa Civil por duas ou três vezes, sempre acompanhado do Deputado Federal José Janene; Que não conhece Emerson Palmieri, tesoureiro informal do PTB; Que não se recorda quantas vezes José Janene esteve no gabinete da declarante; Que era comum líderes e presidentes de partidos políticos se dirigirem à Casa Civil, sem prévio agendamento, para discutir nomeações de pessoas indicadas conforme discussão anterior nos respectivos ministérios ou órgãos; (...)

No mesmo sentido, as declarações de Marcelo Sereno (fls. 4233/4234), ex-chefe de gabinete do então Ministro José Dirceu, no período entre 23 de novembro de 2002 a 13 de maio de 2004:

Que sua principal função como chefe de gabinete era de cuidar da agenda de compro-missos do Ministro José Dirceu; Que o Ministro, além de cuidar dos assuntos referentes a sua pasta, tinha também a responsabilidade de coordenação política do Governo do Presidente Lula;

Entretanto, a acusação feita pelo Procurador-Geral da República tem base, entre outros indícios, em depoimento de Roberto Jefferson, indicado na nota de rodapé 18 da inicial acusatória, no qual o referido acusado asseverou, com veemência (fls. 4219/4227):

Que José Genoíno não possuía autonomia para “bater o martelo” nos acordos, que deveriam ser ratificados na Casa Civil pelo Ministro José Dirceu.

Roberto Jefferson Monteiro Francisco, em depoimento prestado à Polícia Federal, às fls. 4219-4227, forneceu detalhes dessa função supostamente desem-penhada pelo denunciado José Dirceu, em relação ao PTB:

(...) que realmente representou o PTB em tratativas junto à Direção Nacional do PT em abril e maio de 2004, relativas às campanhas municipais daquele ano; Que, nessas tratativas, participaram pelo PTB o declarante, como presidente da legenda, o líder da bancada na Câmara dos Deputados José Múcio Monteiro, e o primeiro secretário nacional do PTB, Dr. Emerson Palmieri; Que, pelo PT, participaram José Genoíno, o Tesoureiro Nacional Delúbio Soares, o secretário Marcelo Sereno, e o então Ministro José Dirceu, que homo-logava todos os acordos daquele partido; Que José Genoíno não possuía autonomia para “bater o martelo” nos acordos, que deveriam ser ratificados na Casa Civil pelo Ministro José Dirceu; (...)

Importante destacar, ainda, trecho do depoimento do denunciado Roberto Jefferson no Conselho de ética e Decoro Parlamentar, que é citado em nota de rodapé na denúncia, à fl. 5617 dos autos do presente inquérito:

Conselho de ética e Decoro Parlamentar – 02 de agosto de 2005 Depoente/Convidado: José Dirceu – Deputado FederalSumário: Tomada de depoimentoO Sr. Deputado Roberto Jefferson – Sr. Presidente, Sr. Relator, Srs. Deputados, Sras.

Deputadas, povo do Brasil, cidadão do Brasil, cidadã do Brasil, depois de ouvir o ex-Ministro José Dirceu, o Deputado José Dirceu, eu cheguei à conclusão de que foi ele quem treinou o Silvinho Pereira, o Delúbio e o Marcos Valério a mentirem. Não tem mensalão no Brasil. É conversa da imprensa. Todos os jornais mentem. Todas as revistas mentem. Todo o povo brasileiro prejulga o Ministro José Dirceu, esse inocente e humilde que aqui está, porque não tem mensalão. Todos os gestos do Delúbio não são do conhecimento dele. Todos os gestos do Sílvio Pereira não são do conhecimento dele. Todas as atitudes do Marcos Valério, que foi 12 vezes à Casa Civil – 12, não foram 7 não, Relator, 12 –, ele não viu lá o Marcos Valério, aliás, uma figura que passa despercebida, (...). E aí eu quero

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separar o joio do trigo; não vou acusar o PT, mas a cúpula do PT, gente dele – Genoíno, Sílvio Pereira, Delúbio –, gente dele, que ele fez questão de defender ate o último momento, quando conversou comigo. “Eu quero proteger o Silvinho e o Delúbio, que estão sendo envol-vidos nisso”. (...) Esquece de se referir a saques milionários do Marcos Valério feitos um dia antes de ir ao seu gabinete na Casa Civil. O jornal O Globo hoje fez a ligação das datas. Mas o Deputado José Dirceu não sabia de nada disso que acontecia no Brasil. (...), eu ratifico, eu reitero, eu reafirmo, Sr. Relator. José Genoíno era o vice-presidente do PT. O Presidente de fato era o José Dirceu. Tudo que nós tratávamos no prédio da Varig, Sr. Relator, tudo que tratamos ali, na sede nacional do PT, tinha que ser fechado e homologado depois, na Casa Civil, pelo Ministro José Dirceu. Tudo. (...). Aliás, V. Exa. que construiu, é o arquiteto desse modelo administrativo do Governo, eu não consigo compreender como é que V. Exa. fez na Secom esse modelo de juntar lá com o ex-Ministro Gushiken as agências de publicidade e os fundos de pensão. Eu não sei que engenharia V. Exa. conseguiu urdir para botar juntos na Secom, na Comunicação Social do Governo, as agências de marketing, aliás, que foram bem aquinhoadas aqui no caixa 2 – 15 milhões e meio para o Duda Mendonça no caixa 2, está aqui na mesma relação à qual se refere V. Exa., e consegue juntar os fundos de pensão na Secom para a administração do Ministro Gushiken. Ele fazia o marketing, a propaganda do Governo e fazia os fundos de pensão.

Quanto ao Partido Progressista, é elucidativo o depoimento prestado pelo Deputado Federal Vadão Gomes, que demonstra a existência de um acordo de “cooperação financeira” firmado entre o PP e o PT (fl. 1719), acordo este nos mesmos moldes do firmado com os demais partidos referidos na denúncia, e no qual teriam ingerência também os denunciados José Genoíno e Delúbio Soares:

Que nunca chegou a tratar nenhum tipo de assunto com Delúbio Soares, esclarecendo que presenciou uma conversa havida em Brasília entre o tesoureiro do Partido dos Traba-lhadores e o presidente do mesmo partido, José Genoíno, com os Deputados Pedro Henry e Pedro Corrêa, ambos do Partido Progressista; Que, nessa conversa, os políticos dos dois partidos tentavam acertar detalhes de uma possível aliança em âmbito nacional; Que, no decorrer do referido diálogo, escutou que os interlocutores mencionaram a necessidade de apoio financeiro do Partido dos Trabalhadores para o Partido Progressista em algumas regiões do país.

De acordo com a denúncia (v. itens VI.2, VI.3 e VI.4), além do PTB, acordos semelhantes foram celebrados pelo PT com o PL, com o PTB e com o Deputado José Borba, do PMDB.

Com efeito, os elementos coligidos na fase investigatória estão a indicar que o modus operandi do repasse de recursos avençado entre PT e PP, PL e PTB não prescindia da ciência e do aval do denunciado José Dirceu.

Há indícios no sentido de que as grandes decisões políticas do Partido dos Trabalhadores eram todas avalizadas pelo denunciado José Dirceu, inclusive no que concerne a acordos político-financeiros com outros partidos.

é bem verdade que, perante a autoridade policial, José Dirceu negou ter rela-cionamento político, empresarial ou de amizade com Marcos Valério, in verbis (fls. 3552-3556):

Que conheceu Marcos Valério em uma atividade social, da qual não se recorda; Que não se lembra o local onde ocorreu tal atividade, nem tampouco quem eram os demais participantes; Que Marcos Valério lhe foi apresentado como sendo um publicitário; Que não possui nenhum relacionamento com Marcos Valério Fernandes de Sousa, quer seja político, empresarial ou de amizade; Que, posteriormente, se encontrou com Marcos Valério

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três ou quatro vezes na Casa Civil da Presidência da República; Que, em todos esses encontros, Marcos Valério estava acompanhando representantes das empresas Usiminas, Banco Rural e Banco de Investimento Espírito Santo; (...) Que, nesta época, era de seu conhecimento que Marcos Valério possuía relacionamento com Delúbio Soares; Que Delúbio Soares nunca fez qualquer comentário especial a respeito de Marcos Valério, dando a entender que eram apenas amigos; Que sabia de tal relacionamento tendo em vista que, no primeiro encontro com Marcos Valério, o tesoureiro do PT Delúbio Soares estava presente; Que Delúbio Soares nunca fez qualquer comentário com o Declarante sobre as relações financeiras que mantinha com Marcos Valério; Que, entretanto, desconhecia qual era a natureza ou o grau de relacionamento que Delúbio Soares mantinha com Marcos Valério; Que não sabia que Delúbio Soares estava realizando tratativas financeiras com Marcos Valério; Que não era do seu conhecimento que Marcos Valério estava auxiliando o Partido dos Trabalhadores na obtenção de empréstimos bancários; (...) Que ficou sabendo da atuação de Marcos Valério na operacionalização dos empréstimos ao Partido dos Trabalhadores somente quando tais fatos vieram a público; (...) Que desconhece quem eram as pessoas que tinham conhecimento das relações financeiras mantidas entre o Partido dos Trabalhadores e Marcos Valério; Que também não sabe dizer quais pessoas tinham conhecimento da utilização das empresas vinculadas a Marcos Valério para movimentar recursos do Partido dos Trabalhadores; Que não sabe dizer por quais motivos o Partido dos Trabalhadores recebeu recursos transferidos de empresas vinculadas a Marcos Valério; Que não tinha conhecimento de que Delúbio Soares utilizava empresas vinculadas a Marcos Valério para transferir recursos a diretórios do Partido dos Trabalhadores e para partidos aliados; Que também nunca soube que o Partido dos Trabalhadores utilizava a corretora Bônus Banval para trans-ferir recursos sob orientação de Delúbio Soares; (...) Que não sabia dos acordos firmados entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido Liberal nos anos de 2003 e 2004 que resul-taram na transferência de recursos por meio de empresas vinculadas a Marcos Valério; Que somente com a divulgação dos fatos ficou sabendo que Delúbio Soares transferiu recursos para o Partido Liberal através de empresas de Marcos Valério; Que desco-nhecia totalmente a sistemática utilizada por Delúbio Soares para transferir recursos para partidos aliados e diretórios regionais do PT; (...) Que nunca participou de qualquer acordo com o PTB que envolvesse a transferência de recursos a este partido; Que também não participou de nenhum acordo financeiro com o Partido Progressista; Que, apesar de não ter participado das discussões, sabia da existência de um acordo eleitoral entre o PT, PP e PTB para a campanha eleitoral de 2004; Que desconhece qualquer acordo de cooperação financeira firmado entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido Progressista; Que não sabe dizer quais membros da diretoria executiva do Partido dos Trabalhadores ou do Governo Federal sabiam da transferência de recursos para o PP, PL e PTB; Que também nunca soube da transferência de recursos do Partido dos Trabalhadores para qualquer membro do PMDB; Que, como membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, tinha conhecimento das alianças eleitorais formadas em 2004, apesar de não participar diretamente da execução dos acordos, uma vez que não era mais membro da Executiva Nacional; Que, na Casa Civil da Presidência da República, tinha como atribuições principais a coordenação do governo, sala de investimento, sala de infra-estrutura, coordenação de Câmaras e Conselhos, dentre outras atividades vinculadas à Presidência da República; (...) Que desconhece qualquer influência ou poder no Governo Federal desfrutados por Marcos Valério em decorrência das relações que mantinha com membros da Diretoria Executiva do Partido dos Trabalhadores; Que as audiências que mantinha com Delúbio Soares tinham por objeto discussões sobre a situação política do país, do Governo e do Partido dos Trabalhadores, bem como suas relações com o Governo e demais partidos; Que tomou conhecimento da suposta existência do denominado “Mensalão” quando das primeiras notícias publicadas pelo Jornal do Brasil; Que todas as providência para a apuração de tais denúncias foram tomadas pelo presidente da Câmara dos Deputados; Que nunca foi alertado pelo ex-Deputado Federal Roberto Jefferson a respeito da existência do suposto “Mensalão”; Que acredita que Roberto Jefferson fez tais declarações em decorrência das denúncias de investigações que foram iniciadas em seu desfavor. (...)

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Apesar das negativas categóricas do denunciado José Dirceu, há nos autos indícios da concessão de favores pelo denunciado Marcos Valério à sua ex-esposa, notadamente em relação à compra de um imóvel, conforme se extrai do seguinte trecho do depoimento de Marcos Valério (fls. 727-735):

(...) Que, indagado sobre o empréstimo à ex-esposa do ex-Ministro José Dirceu, chamada Ângela, o depoente confirmou que efetivamente houve o empréstimo do Banco Rural e a colocação com emprego no Banco BMG; Que, o declarante foi procurado por Sílvio Pereira para auxiliar o ex Ministro José Dirceu na resolução de um problema pessoal com sua ex-esposa, que pretendia trocar de apartamento e não tinha recursos financeiros; Que, desta forma, foi conseguido o empréstimo e o emprego, e, também, o sócio do decla-rante, Rogério Tolentino, para resolver o problema, já que o crédito imobiliário dependia do pagamento de recursos em dinheiro, comprou o apartamento da Sra. Ângela, pagou a vista e declarou a aquisição no seu imposto de renda; (...)

Entendo, Senhora Presidente, que o favor prestado por Marcos Valério e Rogério Tolentino à ex-esposa do denunciado José Dirceu constitui indício da existência de relação entre esses três denunciados.

A esse respeito, é interessante o teor do depoimento prestado pelo Sr. Ricardo Guimarães, presidente do Banco BMG, perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, depoimento este cuja transcrição foi juntada como anexo da denúncia e se encontra no apenso 81 dos presentes autos:

O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – A primeira pergunta – e eu queria per-guntar desta coincidência: no dia 20 de fevereiro de 2003, houve uma reunião da diretoria do BMG com o Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu.

O Sr. Ricardo Guimarães – Sim.O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Qual foi o objeto dessa reunião?O Sr. Ricardo Guimarães – O objeto foi uma inauguração que nós... de uma empresa

alimentícia de produtos enlatados que a minha família tem na cidade de Luziânia. A gente ia fazer uma inauguração, e foi a oportunidade para convidar o Ministro José Dirceu para estar presente.

O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – E o Marcos Valério e o Delúbio acom-panharam essa audiência?

O Sr. Ricardo Guimarães – Sim. Os dois.O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Os dois. E comentaram sobre esse

empréstimo? Há coincidência de um empréstimo ter sido três dias antes, e o outro, quatro dias depois?

O Sr. Ricardo Guimarães – Não.O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – E quem marcou a audiência na Casa

Civil? O Sr. Ricardo Guimarães – Marcos Valério.O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Também nessa linha, só para fechar

essas relações: o Senhor conhece a Srª Maria Ângela Saragoza?O Sr. Ricardo Guimarães – Sim.O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Ela foi esposa do ex-Ministro José

Dirceu. Ela trabalha no BMG.O Sr. Ricardo Guimarães – Sim.O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Em qual função ela trabalha? O Sr. Ricardo Guimarães – Ela é psicóloga na cidade de São Paulo. Ela atende os

funcionários do BMG de São Paulo e também os nossos correspondentes e agentes bancários.O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Ela foi contratada quando?O Sr. Ricardo Guimarães – Ela foi contratada em novembro de 2003.

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O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Como é que ela foi apresentada? Quem solicitou a contratação da Srª Maria Ângela?

O Sr. Ricardo Guimarães – Quem pediu foi o Sr. Marcos Valério.O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Ele pediu quando? O senhor se lembra?

Foi nesse período também?O Sr. Ricardo Guimarães – Foi próximo...O Sr. Presidente (Gustavo Fruet. PSDB-PR) – Foi próximo, foi próximo dessa época

de novembro de 2003.

O episódio relatado no trecho acima também foi mencionado pelo denunciado Marcos Valério, no depoimento prestado perante o Procurador-Geral da República, à fl. 268 do Inq 2.245:

(...) O declarante freqüentava a sede do PT tanto em São Paulo como em Brasília, não tendo nunca conversado com o ex-presidente do PT, José Genoíno, sobre os empréstimos, mas o ex-Secretário-Geral Sílvio Pereira tinha conhecimento dos empréstimos que estavam no nome das empresas do declarante e também que Sílvio havia dito ao declarante que o então Ministro José Dirceu tinha conhecimento dos empréstimos. Jamais tratou desses empréstimos em dependências da Administração Pública Federal. Esclarece que esteve somente duas vezes na Casa Civil, com o Ministro José Dirceu, uma das vezes acompa-nhando a diretoria do BMG para convidar o Ministro para inauguração de uma fábrica de alimentos em Luziânia/GO e outra com a diretoria do Banco Rural, que tem uma empresa de mineração, para comunicar os investimentos que a empresa mineradora vinculada ao Banco faria no Estado do Amazonas. (...)

Da análise dos elementos contidos nos autos, é possível colher indícios contra os denunciados Marcos Valério e José Dirceu, principalmente tendo em conta a natureza das relações estabelecidas entre eles e o fato de terem se apro-ximado justamente no início de 2003, quando José Dirceu assumiu a Casa Civil. Aliás, o fato de as reuniões terem sido realizadas justamente com os dirigentes dos Bancos BMG e Rural, que teriam participado dos supostos ilícitos narrados na inicial, corrobora a conclusão no sentido da existência de prova mínima a per-mitir a instauração de ação penal contra os denunciados antes citados.

Conforme consta do depoimento de Ricardo Guimarães à CPMI dos correios, Marcos Valério figuraria como uma espécie de interlocutor entre o Governo e o BMG (apenso 81):

O Sr. Jefferson Péres (PDT-AM) – Só uma curiosidade: se o Sr. Marcos Valério não era membro do Governo, não era filiado ao Partido do Governo, por que um banco como o seu precisava do Sr. Marcos Valério para um encontro com o Ministro-Chefe da Casa Civil?

O Sr. Ricardo Guimarães – Não... não... Um banco, o nosso banco, talvez, não precisasse, não. Acho que... mas...

O Sr. Jefferson Péres (PDT-AM) – Por que então? Ele se ofereceu?O Sr. Ricardo Guimarães – Ele falou que poderia, talvez, marcar uma agenda pra nós.O Sr. Jefferson Péres (PDT-AM) – Ele se intitulava uma pessoa influente no Governo? O Sr. Ricardo Guimarães – Não sei, Senador. Para isso ele falou que poderia tentar

marcar e conseguiu, efetivamente, marcar.

Também em sentido contrário ao depoimento do denunciado José Dirceu, que negou qualquer relação com Marcos Valério, trago à colação excertos do depoimento prestado à CPMI dos Correios pela Sra. Renilda Maria Santiago de Souza, cujo termo foi juntado pelo Procurador-Geral da República em anexo à denúncia e se encontra no apenso 81 dos presentes autos:

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A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – Não, ele me falou que vanta-gem nenhuma e que ele se preocupou só em não ter desvantagens. O medo dele seria perder as contas que já possuía há anos com o Banco do Brasil, como acabou perdendo. Quer dizer, não adiantou nada.

E a única coisa que ele me falou foi que o Dr. – na época Ministro – José Dirceu sabia dos empréstimos. E eu perguntei como ele sabia. Ele falou que houve uma reunião da direção do Banco Rural, em Belo Horizonte, no Hotel Ouro Minas, com o então Ministro José Dirceu, para resolver sobre o pagamento desses financiamentos feitos no Banco Rural. E que houve uma reunião em Brasília, da direção do BMG, não sei os nomes, ele só me disse assim, uma reunião em Brasília, não sei onde essa, para acertar o pagamento das contas, porque o banco também quer receber.

E o que sempre me preocupa é isto: como vai ser pago? Porque, uma vez o Marcos foi avalista. Me preocupa, porque a minha família está envolvida nisso, e eu não quero que prejudiquem meus filhos em momento nenhum.

(...)O Sr. Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) – Dona Renilda, uma coisa que

me chamou atenção e que considerei de maior importância é que a senhora revelou aqui a preocupação com o fato de o seu esposo ter participado de negócios jurídicos com o PT, como emprestador de um montante significativo e, com isso, obviamente colocar em risco a segurança do patrimônio da sua família. Essa foi uma formulação categórica da senhora. Eu queria esclarecer um fato que, talvez, tenha sido citado pelo Relator, mas não foi muito expressamente entendido, pelo menos por esta Comissão.

A senhora tinha, de fato, conhecimento de que o Delúbio Soares havia dado a seu marido, Marcos Valério, como garantia em caso de inadimplemento desses negócios com o PT, justamente o fato de que o então Ministro da Casa Civil José Dirceu e o Secretário do PT, Sílvio Pereira, tinham conhecimento de todas as transações?

A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – Eu não posso falar sobre Sílvio Pereira.

O Sr. Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) – Mas sobre José Dirceu a senhora pode falar.

A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – Sobre José Dirceu posso falar, como eu volto a confirmar para o senhor o fato. Vou voltar um pouquinho atrás quando o senhor falou da minha preocupação do débito em relação ao patrimônio da minha família. A minha preocupação hoje é em relação à segurança da minha família, à segurança física e à integridade.

O Sr. Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) – Propriamente, com relação à participação do então Ministro José Dirceu...

A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – O então Ministro José Dirceu, depois que foi divulgado isso, a minha preocupação foi “como vai ser pago, Marcos?”. Foi quando ele me revelou que houve uma reunião da direção do Banco Rural. Eu não sei precisar data.

O Sr. Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) – Certo.A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – Acho que foi ano passado.

Reunião da direção do Banco Rural com o então Ministro José Dirceu para acertar sobre pagamento do empréstimo. Isso foi em Belo Horizonte e, em Brasília, [reunião da direção] da BMG.

O Sr. Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) – Certo. Então, foi uma reunião com os dirigentes do Banco Rural e do BMG com o Ministro José Dirceu.

A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – Mas o Marcos Valério não parti-cipou.

O Sr. Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) – Certo, mas o Ministro José Dirceu participou.

A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – Sim.O Sr. Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) – Para acertar o pagamento dos

empréstimos.

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A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – Sim.(...)A Srª Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – Ele falou: “O que eu posso te

falar é o seguinte: esse foi um empréstimo feito ao PT e o então Ministro José Dirceu sabia.” E me contou desses dois encontros. Nada mais que isso, ele me informou.

Igualmente importante é o teor do depoimento do denunciado Valdemar Costa Neto à Polícia Federal (fl. 1378):

(...) Que, no dia seguinte, na residência do deputado Paulo Rocha, PT/PA, foi rea-lizada uma reunião entre Lula, José Alencar, o declarante, José Dirceu, Delúbio Soares, Maria do Carmo Lara e Nilmário Miranda; Que o local da reunião foi escolhido para evitar o assédio da imprensa, sendo que o anfitrião não participava ativamente das negociações ora tratadas; Que o candidato Lula se encaminhou ao declarante e disse “– Valdemar, você é o nosso problema?”, tendo recebido como resposta que o problema era, na verdade, a vertica-lização, e o mesmo não iria “matar a bancada do PL por causa da aliança com o PT”; Que Delúbio Soares convidou o declarante para uma conversa reservada em um dos aposentos, e o candidato Lula informou a José Alencar: “– deixa os dois conversarem que isso é problema de partido, não é problema nosso”, declaração ouvida por todos os presentes; Que se retiraram então Delúbio Soares e o declarante, tendo este dito que “– lutara durante quatro anos para montar uma chapa para atingir os 5%, e não seria justo inviabilizar o partido pela aliança, e a única saída seriam recursos”; Que Delúbio Soares tentou fazer com que a negociação ficasse em patamares abaixo dos R$ 10 milhões solicitados, pois tinha preocupação com a obtenção de recursos para financiamento da campanha; Que o declarante ficou irredu-tível quanto ao valor, sob pena de não aceitar a verticalização, liberando os candidatos para fecharem acordos em nível estadual, que permitissem atingir a cláusula de barreira; Que em dado momento do impasse, adentrou José Dirceu, que perguntou a Delúbio Soares sobre o andamento das negociações, tendo obtido como resposta “– Valdemar está irredutível”; Que José Dirceu se retirou, não fazendo qualquer observação; Que, após isso, Delúbio Soares disse ao declarante: “– olha, eu vou te pagar de acordo com a entrada dos recursos. Eu não posso te adiantar nada, mas a parte referente à doação do José Alencar, quando entrar, essa eu te repasso na integralidade, até completar os R$ 10 milhões”; (...)

Os elementos acima expostos estão a indicar a presença de justa causa para o início da ação penal com relação ao delito de corrupção ativa contra o denunciado José Dirceu, razão por que recebo a denúncia, no que toca ao crime previsto no art. 333 do Código Penal, com relação às imputações constantes dos seguintes itens da inicial acusatória, todas na forma do art. 29 do Código Pe-nal: VI.I “a” (parlamentares federais Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene); VI.2 “a” (parlamentares federais Valdemar Costa Neto e Bispo Rodrigues); VI.3 “a” (parlamentares federais José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz); VI.4 “a” (parlamentar José Borba).

Delúbio SoaresQuanto às imputações do crime do art. 333 do Código Penal feitas ao

denunciado Delúbio Soares, essas também se encontram amparadas por um acervo indiciário mínimo, além de atenderem ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, a começar pelo termo de depoimento prestado pelo próprio denunciado ao Procurador-Geral da República (fls. 365-368):

(...) A denúncia formulada pelo Deputado Roberto Jefferson, através da imprensa, quanto ao pagamento de “mesada” pelo Partido dos Trabalhadores a parlamentares, para votarem favoravelmente ao Governo, é falsa. Afirma que, em razão da legislação brasileira, os partidos

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políticos têm grandes dificuldades em financiar suas atividades exclusivamente com os recursos formais (doações, fundo partidário, contribuição de filiados) e no caso do PT, a despeito de terem obtido êxito na eleição presidencial, teve muita dificuldade nas campanhas municipais de 2004. Esclarece que conheceu Marcos Valério no segundo semestre de 2002, apresentado por uns amigos de Minas, entre eles o Deputado Virgílio Guimarães. O PT custeou todas as despesas referentes à transição do Governo Federal e própria posse, já que o cerimonial não dispunha de todas as condições necessárias. Passada essa fase, já em 2003, Marcos Valério apresentou ao Partido dois bancos (Rural e BMG), onde foram efetuados dois emprés-timos pelo próprio PT, avalizados por Marcos Valério, José Genoíno e pelo declarante: um no valor de R$ 2.400.000,00 no BMG, em fevereiro de 2003; e outro no valor de R$ 3.000.000,00 no Banco Rural, em maio de 2003. Empréstimos estes utilizados para pagamento das despesas efetuadas na transição e na posse presidencial. Nesse mesmo ano, em razão das despesas efetuadas nas campanhas estaduais de 2002, o diretório nacional do PT passou a receber muitas pressões dos diretórios estaduais e estes, por sua vez, eram pressionados pelos credores. Os valores cobrados giravam em torno de R$ 20.000.000,00. A obtenção de recursos junto aos filiados ou junto às empresas privadas foi considerada inadequada por gerar expecta-tiva infundada nos eventuais contribuintes. Daí porque foi alvitrada a hipótese de obtenção de empréstimo bancário para fazer frente àquelas despesas, que em parte substancial não estavam contabilizadas. O declarante procurou o Sr. Marcos Valério, que tinha crédito bancário e experiência na captação de recursos para campanhas eleitorais, como fizera na de 1998, na eleição do então Governador Eduardo Azeredo e do Deputado Aécio Neves. Aliás, o referido Marcos Valério fora apresentado por correligionários do PT com a indicação que se tratava de pessoa com experiência nessa área. Feita a proposta de realização de empréstimos em nome próprio ou no de suas empresas ao Sr. Marcos Valério, este a aceitou e, ainda em 2003, foi realizado o primeiro empréstimo em valor acima de R$ 10.000.000,00. O dinheiro obtido com o empréstimo permanecia disponível para a empresa ou para o próprio Marcos Valério e este, mediante indicação do declarante, efetuava pagamentos diretamente a fornecedores ou a alguém da direção estadual do PT. Numa segunda oportunidade, agora com o objetivo de ampliar o número de diretórios municipais do PT e de partidos da base aliada no Congresso (PTB, PL, PSB, PC do B, PP e parte do PMDB), e assim preparar as estruturas partidárias para as eleições municipais que se aproximavam, foram efetuados outros empréstimos, adotando-se o mesmo procedimento do anterior, vale dizer, Marcos Valério ou suas empresas obteriam os empréstimos e efetuariam os pagamentos por indi-cação do declarante. Todas essas transações foram realizadas exclusivamente na base da confiança existente entre Marcos Valério e o declarante. Recorda-se que teria assinado um documento pessoal, garantindo o pagamento da dívida, documento este que estaria na posse de Marcos Valério.

Da leitura do trecho acima transcrito percebe-se que o denunciado Delúbio Soares admite a distribuição de valores aos partidos da base aliada, por intermédio do denunciado Marcos Valério e suas empresas.

Contudo, o denunciado Delúbio Soares traz, em sua defesa, a alegação de que tais repasses seriam divisão de despesas de campanha, razão pela qual seriam atípicas as condutas a ele imputadas, in verbis (fl. 46, apenso 120):

No momento em que foi formada uma aliança partidária entre o Partido dos Trabalhadores e as agremiações que o apoiavam, decidiu o Diretório Nacional que os custos de campanha seriam partilhados, de forma a garantir a manutenção e possível expansão da base de apoio ao Governo. Isso jamais foi condicionado à prática de atos de ofício de parlamentares, como emissão de pareceres ou votos. Tanto é assim que é notório o fato de que as mais relevantes votações de interesse do Governo, como a reforma da previdência social, foram aprovadas com votos da oposição.

Ocorre que há elementos nos autos que indicam que o repasse de altas quantias aos partidos da base aliada não tinham por objetivo a simples quitação

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de despesas de campanha. é o que se extrai do seguinte trecho do depoimento do denunciado Roberto Jefferson Monteiro Francisco perante a Polícia Federal (fls. 4225-4226):

(...) Que em julho ou agosto de 2003 teve uma conversa com José Carlos Martinez, que informou ao declarante do repasse de recursos aos partidos da base aliada ao Governo com o intuito de sustentar as votações em plenário em favor dos projetos do Governo, tendo o declarante rechaçado a idéia do recebimento de tal tipo de recurso, pois se assim o fizesse o PTB ficaria refém do Governo; Que após essa conversa mantida com José Carlos Martinez, o declarante afirma ter tomado conhecimento de uma reunião ocorrida na residência do Deputado Pedro Henry, do PP, na qual estavam presentes Valdemar Costa Neto, Bispo Rodrigues e José Múcio, líder da bancada do PTB na Câmara dos Deputados; Que nessa reunião Pedro Henry teria questionado José Múcio o motivo do PTB não aceitar o recebimento de recursos mensais para garantir a sustentação do Governo no Congresso; Que José Múcio disse ao declarante ter comunicado a Pedro Henry que tinha sido o declarante quem colocara óbices no recebimento de tais recursos; Que em conversa mantida entre o declarante e José Múcio, ficou convencionado que o PTB não iria receber nenhum recurso financeiro para apoiar o Governo em seus intentos dentro do Congresso Nacional; (...)

Há outros dados nos autos que infirmam, ao menos neste juízo preliminar, a tese de que os valores seriam exclusivamente para o pagamento de fornecedores.

No ponto, cito a dificuldade do denunciado Valdemar Costa Neto em demons-trar a aplicação dada aos valores recebidos do suposto esquema (fls. 1383-1384):

(...) Que, perguntado quanto à sistemática de pagamento a fornecedores e prestadores de serviços, o declarante afirma que efetuava tais pagamentos pessoalmente, em Brasília ou em São Paulo; Que quanto aos comprovantes, o declarante informa que as encomendas eram feitas em confiança por meio de representantes do PL, já que não dispunha de recursos para pagamento imediato; Que apesar de efetuar pessoalmente os pagamentos, o decla-rante não se recorda do nome de qualquer fornecedor ou prestador de serviços, nem guardou qualquer controle ou recibo; (...)

Aliás, consta dos autos que o denunciado Roberto Jefferson teria rece-bido R$ 200.000,00 do denunciado Delúbio Soares, para finalidade desprovida de qualquer pertinência com o financiamento de qualquer campanha eleitoral. Confira-se o termo de depoimento de Roberto Jefferson à fl. 4226:

(...) Que realmente solicitou de Delúbio Soares R$ 200 mil para repassar a Patrícia, filha de Alexandre Chaves; Que tinha conhecimento do envolvimento amoroso entre Patricia e José Carlos Martinez e, após o falecimento deste, procurou tal recurso para ampará-la; (...)

Há, ainda, a listagem fornecida pelo acusado Marcos Valério, na qual consta a seguinte observação: “Repasses através da Bônus Banval Particip. Ltda., R$ 3.515.000,00, por orientação de Delúbio Soares” (fl. 608, vol. 3 dos autos), repasses estes realizados, conforme observado na mesma listagem, a Deputados do PL, do PT e do PP, entre os dias 26 e 30 de abril de 2004.

Quanto à descrição da conduta do denunciado Delúbio Soares, para efeitos do art. 41 do Código de Processo Penal, foi ela, a meu ver, suficientemente ex-posta na inicial acusatória, proporcionando a plenitude de defesa.

Consta da defesa apresentada pelo denunciado Delúbio Soares à fl. 47 do apenso 120 os seguintes questionamentos contra a narrativa dos fatos a ele impu-tados:

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“Receberam aproximadamente quatro milhões e cem mil reais a título de propina” (...) Mas, receberam de quem? Do defendente? De que forma? Qual foi a participação de Delúbio Soares nesses fatos? O “acordo criminoso” foi formalizado de que maneira? Por quem? O que ficou estabelecido nesse acordo? A Procuradoria-Geral da República também afirma que o “recebimento de vantagem indevida tinha como contraprestação o apoio político do Partido Progressista ao Governo Federal” (...) Mas que apoio era esse? No que ele consistia? De que forma os membros do PP apoiaram o “Governo Federal”? Não se sabe, E. Tribunal, porque a denúncia simplesmente não esclarece (...)

Ora, a resposta a todas as questões formuladas consta da própria denúncia.

Quanto ao trecho que questiona “de quem os denunciados por corrupção passiva nos itens VI.1, VI.2, VI.3 e VI.4 teriam recebido as quantias apontadas na denúncia?”, a resposta está no seguinte trecho, que volto a transcrever dada a sua importância:

Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal.

Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Portanto, na forma do artigo 29 do Código Penal, os denunciados indicados deverão responder em concurso material por todos os crimes de corrupção ativa que praticaram, os quais serão devidamente narrados em tópicos individualizados para cada partido político.

Quanto ao aspecto temporal, o seguinte trecho da denúncia é esclarecedor (fl. 98):

O recebimento de vantagem indevida, motivada pela condição de Parlamentar Federal dos denunciados José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry, tinha como contraprestação o apoio político do Partido Progressista – PP ao Governo Federal.

Nessa linha, ao longo dos anos de 2003 a 2004, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú receberam aproximadamente quatro milhões e cem mil reais a título de propina.

Após formalizado o acordo criminoso com o PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira), os pagamentos começaram a ser efetuados pelo núcleo publicitário-financeiro.

Sobre qual seria o papel do denunciado Delúbio Soares na realização do tipo do art. 333 do Código Penal, clara é a descrição da denúncia. Em primeiro lugar, cito o seguinte trecho de fl. 5627, in verbis:

Com a vitória na eleição presidencial, inicia-se, em janeiro de 2003, a associação cri-minosa entre os dirigentes do Partido dos Trabalhadores e os denunciados ligados a Marcos Valério e ao Banco Rural.

O esquema criminoso em tela consistia na transferência periódica de vultosas quantias das contas titularizadas pelo denunciado Marcos Valério e por seus sócios Ramon, Cristiano e Rogério, e principalmente pelas empresas DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda., para parlamentares, diretamente ou por interpostas pessoas, e pessoas físicas e jurídicas indicadas pelo Tesoureiro do PT, Delúbio Soares, sem qualquer contabilização por parte dos responsáveis pelo repasse ou pelos beneficiários.

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Os dados coligidos pela CPMI “dos Correios” e no presente inquérito, inclusive com base em declarações espontâneas do próprio Marcos Valério, demonstram que, no mínimo, R$ 55 milhões, repassados pelos Bancos Rural e BMG, foram entregues à administração do grupo de Marcos Valério, sob o fundamento de pseudo-empréstimos ao publicitário, empresas e sócios, e foram efetivamente utilizados nessa engrenagem de pagamento de dívidas de partido, compra de apoio político e enriquecimento de agentes públicos.

Também enfático o seguinte trecho da denúncia, de fl. 5637:

Delúbio Soares tinha a função de operacionalizar, juntamente com Marcos Valério, o esquema de repasse de dinheiro em nome do Partido dos Trabalhadores, uma vez que era o Tesoureiro do Partido, atividade pelo mesmo nominada como Secretário de Finanças e Planejamento do Partido dos Trabalhadores.

Marcos Valério o aponta como seu principal interlocutor em Brasília e amigo pessoal, com quem, além de se reunir freqüentemente, mantinha contatos telefônicos sema-nalmente. Eram constantes as reuniões no Diretório do PT em Brasília entre Marcos Valério, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, além de encontros no hall do hotel Blue Tree em Brasília, onde Marcos Valério passou a se hospedar para facilitar os contatos (fls. 56/57).

Ressalto, também, o teor do seguinte trecho do item, VI.1, relativo ao Partido Progressista:

Com efeito, após a apresentação de José Janene, Marcos Valério iniciou o repasse da propina determinada pelo PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira) à quadrilha integrada por José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú, valendo-se de modo profissional dos serviços da Bônus Banval, cujos proprietários são Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg.

Assim, está clara a descrição da conduta do acusado Delúbio Soares, que seria justamente aquele que determinava, para Marcos Valério e seus sócios, a quais pessoas os recursos deveriam ser distribuídos. Perfeitamente observado o art. 41 do Código de Processo Penal, permitindo o amplo exercício do direito de defesa.

No que diz respeito à justa causa, há ainda outros indícios, além dos que já citei.

Veja-se o depoimento do acusado Marcos Valério, de fls. 1454/1465:

Que participou de três reuniões, salvo engano, com Enivaldo Quadrado e Delúbio Soares, realizados na sede nacional do Partido dos Trabalhadores em São Paulo/SP (dois encontros) e em uma lanchonete no piso superior do Aeroporto de Congonhas/SP (um encontro); Que, nessas reuniões, eram discutidos os repasses para o Partido Progressista e demais beneficiários; (...) Que esteve na sede da Bônus Banval em três ou quatro oportuni-dades, sempre para tratar de assuntos relacionados aos repasses.

Quanto à corrupção ativa supostamente praticada por Delúbio Soares “contra” o Partido Liberal (que, por sua vez, é acusado da prática de corrupção passiva – item VI.2 da denúncia), transcrevo o seguinte trecho da denúncia (fls. 5716/5717):

O acordo criminoso com os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira foi acertado na época da campanha eleitoral para Presidência da República em 2002, quando o PL participou da chapa vencedora.

Em 2003, com o início do novo Governo e a associação entre o núcleo central da organização criminosa e o núcleo publicitário-financeiro, os pagamentos começaram a ser efetuados pelo último.

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Esse trecho da inicial acusatória encontra respaldo nos autos.

Inicialmente, cito o depoimento do Deputado Federal Valdemar Costa Neto, que fornece indícios da participação do PL nos ilícitos narrados na denúncia (fls. 1376/1385):

Que, mesmo assim, insistiu com seus correligionários que a salvação seria a vitória da coligação para que o PL pudesse crescer, participando do Governo.

Já o depoimento de Jacinto Lamas traz uma revelação quanto à participação de Delúbio Soares (fls. 610/614):

Que Simone apenas falou que aquela encomenda era do Dr. Delúbio Soares para o Deputado Valdemar Costa Neto.

O próprio acusado Valdemar Costa Neto admite ter recebido recursos de Valério a partir de 2003 (fls. 1376/1385):

Que recebeu recursos oriundos de empresas ligadas ao empresário Marcos Valério somente depois das eleições de 2002, sendo mais preciso, a partir de janeiro de 2003.

Quanto aos delitos relativos ao Partido Trabalhista Brasileiro, consta:

José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, mediante pagamento de propina, adquiriram apoio político de Parlamentares Federais do Partido Trabalhista Bra-sileiro – PTB.

Os pagamentos foram viabilizados pelo núcleo publicitário-financeiro da organização criminosa.

Os parlamentares federais que receberam vantagem indevida foram José Carlos Martinez (falecido), Roberto Jefferson e Romeu Queiroz. Todos contaram com o auxílio direto na prática dos crimes de corrupção passiva do denunciado Emerson Palmieri.

(...)O esquema de venda de apoio político ao Governo foi inicialmente negociado pelo

falecido José Carlos Martinez, ex-Presidente do PTB.

Para corroborar este trecho da denúncia, o Procurador-Geral da República destaca um dos primeiros depoimentos de Marcos Valério, acostado às fls. 355/360, no qual referido acusado salientou o seguinte:

Os nomes dos únicos parlamentares para quem sabe que foram efetuadas transferências de numerários são os acima indicados: Roberto Jefferson e Bispo Rodrigues.

No depoimento seguinte (fls. 727/735), Marcos Valério afirmou, verbis:

Que, Emerson Palmieri era tesoureiro do PTB nacional, braço direito do Deputado Roberto Jefferson.

Quanto à venda de apoio político pelo PTB, Roberto Jefferson confirmou a afirmação do Parquet no sentido de que ela teve início com o falecido presi-dente do Partido, José Carlos Martinez (depoimento de fls. 4219/4227), dando ênfase ao papel do acusado Delúbio Soares:

Que, entretanto, se lembra que José Carlos Martinez afirmou, em diversas opor-tunidades, que Delúbio Soares estava pagando os programas partidários do PTB; Que esses programas eram caríssimos, por volta de R$ 600 mil cada um.

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O mesmo suposto modus operandi teria sido aplicado, por Delúbio, em relação ao denunciado José Rodrigues Borba, do PMDB, conforme exposto pelo Procurador-Geral da República na denúncia, verbis:

Por meio de acordo firmado com José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, o então Deputado Federal José Rodrigues Borba, no ano de 2003, também inte-grou o esquema de corrupção em troca de apoio político.

Essa afirmação se apóia, dentre outros indícios, no depoimento de Roberto Bertholdo, que foi advogado do ex-Deputado José Borba (fls. 4556/4561):

Que em relação à Delúbio Soares, conheceu tal tesoureiro em local que não se recorda, apresentado por José Borba; Que se encontrou com Delúbio Soares quatro ou cinco vezes, tanto em Brasília quanto em São Paulo; Que, em Brasília, encontrou Delúbio no edifício Varig e também no Congresso Nacional; (...) Que em tais reuniões somente eram discutidos assuntos políticos, tais como possíveis alianças entre PMDB e PT em eleições municipais.

Fica claro, portanto, que o papel supostamente exercido pelo denunciado Delúbio Soares na prática do delito de corrupção ativa está suficientemente demonstrado na denúncia, inclusive com a indicação de farto acervo indiciário, permitindo ao denunciado o amplo exercício do direito de defesa.

Entendo, em face da sólida base indiciária constante do inquérito, que há justa causa para a abertura da ação penal também contra Delúbio Soares, razão pela qual eu recebo a denúncia contra referido denunciado, em relação aos crimes do art. 333 do Código Penal, contra:

VI.1.a) os parlamentares federais Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Ja-nene – incursão, por três vezes nas penas do art. 333 do Código Penal;

VI.2.a) os parlamentares federais Valdemar Costa Neto e Bispo Rodri-gues – incursão, por duas vezes nas penas do art. 333 do Código Penal; e

VI.3.a) os parlamentares federais José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz – incursão, por três vezes nas penas do art. 333 do Código Penal.

José Genoíno

Passo a analisar as imputações relativas ao crime do art. 333 do Código Penal, formuladas contra o denunciado José Genoíno Neto.

Em sua defesa, o denunciado sustenta, em suma, que a denúncia é inepta, por ser genérica, desrespeitando o art. 41 do Código de Processo Penal.

Sustenta também a ausência de justa causa para a propositura da ação penal, sob a alegação de que não há nos autos indícios suficientes da prática de crime, aptos a justificar a persecução penal contra o denunciado José Genoíno Neto.

Conforme já assinalei anteriormente, os crimes de corrupção ativa, de que cuida o item VI da denúncia e seus subitens, são de autoria coletiva, sendo sufi-ciente, assim, que a denúncia demonstre de que forma cada um dos denunciados contribuiu, com domínio do fato, para a prática das respectivas figuras penais.

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Diversamente do que alega o denunciado em sua defesa, há, sim, na denún-cia, descrição suficiente a demonstrar a função por ele supostamente desempe-nhada na prática dos crimes de corrupção ativa.

De todo modo, assiste razão parcial à defesa. A prática, em tese, do crime de corrupção ativa, pelo denunciado José Genoíno, não foi adequadamente des-crita relativamente a todos os subitens do item VI da denúncia (ou seja, VI.1 – PP; VI.2 – PL; VI.3 – PTB; e VI.4 – José Borba/PMDB), como veremos a seguir.

Com efeito, o seguinte trecho da denúncia demonstra o papel supos-tamente desempenhado pelo denunciado José Genoíno na consecução do crime do art. 333 do Código Penal, no que tange à suposta prática de corrupção ativa em relação ao PP (fl. 5708):

O recebimento de vantagem indevida, motivada pela condição de Parlamentar Federal dos denunciados José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry, tinha como contraprestação o apoio político do Partido Progressista – PP ao Governo Federal.

Nessa linha, ao longo dos anos de 2003 e 2004, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú receberam aproximadamente quatro milhões e cem mil reais a título de propina.

Após formalizado o acordo criminoso com o PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira), os pagamentos começaram a ser efetuados pelo núcleo publicitário-financeiro.

Os recebimentos, por sua vez, eram concretizados com o emprego de operações de lavagem de dinheiro para dissimular os reais destinatários dos valores que serviram como pagamento de propina.

Ciente de que os valores procediam de organização criminosa dedicada à prática de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, os denunciados en-gendraram mecanismo para dissimular a origem, natureza e destino dos montantes auferidos.

Relativamente a este trecho da denúncia, é relevante a leitura dos depoi-mentos de Vadão Gomes, José Janene e Eliane Alves Lopes (fls. 615/618), citados pelo Procurador-Geral da República em nota de rodapé.

Leio, em primeiro lugar, trecho do depoimento de Vadão Gomes (fls. 1718/1722):

Que nunca chegou a tratar nenhum tipo de assunto com Delúbio Soares, esclare-cendo que presenciou uma conversa havida em Brasília entre o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores e o presidente do mesmo partido, José Genoíno, com os Deputados Pedro Henry e Pedro Corrêa, ambos do Partido Progressista; Que nessa conversa com os políticos dos dois partidos tentavam acertar detalhes de uma possível aliança em âmbito nacional; Que no decorrer do referido diálogo, escutou que os interlocutores mencionaram a necessidade de apoio financeiro do Partido dos Trabalhadores para o Partido Progressista em algumas regiões do País.

Por sua vez, José Janene disse o seguinte (fls. 1702/1708):

Que no início do atual Governo Federal o Partido Progressista realizou com o Par-tido dos Trabalhadores um acordo de cooperação financeira.

E, ainda, Eliane Alves dá indícios de que o mesmo suposto esquema de distribuição de recursos por Marcos Valério foi adotado em relação ao PP (fls. 615/618):

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Que se recorda de ter visto uma única vez João Cláudio Genú na empresa SMP&B no edifício da CNC; Que nessa oportunidade João Cláudio Genú teria uma reunião com Marcos Valério.

Há, portanto, a suficiente descrição da conduta do denunciado José Genoíno, com relação às imputações do crime de corrupção ativa concernentes ao Partido Progressista.

Assim, recebo a denúncia contra o acusado José Genoíno, no que diz respeito à imputação contida no item VI.1, “a”, por observar os termos do art. 41 do Código de Processo Penal, apontando, ainda, indícios de autoria e materialidade.

O mesmo não ocorre, contudo, com relação às imputações concernentes ao Partido Liberal, pois apesar da referência constante do item VI da denúncia36, não há, no item VI.2, qualquer referência concreta ao papel supostamente exer-cido pelo denunciado José Genoíno na prática do crime de corrupção ativa em relação ao PL.

Assim, não recebo a denúncia com relação ao denunciado José Genoíno, especificamente com relação à imputação do item VI.2, “a”, da denúncia, que o dava como incurso, duas vezes, nas penas do art. 333 do Código Penal (parla-mentares federais Valdemar Costa Neto e Bispo Rodrigues).

Quanto à imputação de corrupção ativa, feita contra o denunciado José Genoíno, relativamente ao PTB, é esclarecedor o seguinte trecho do depoimento de Emerson Eloy Palmieri, prestado perante a Polícia Federal (fls. 3572/3577):

(...) Que Roberto Jefferson recebeu pelo PTB o valor total de R$ 4 milhões, em duas parcelas, sendo a primeira em fins de junho, no valor de R$ 2.200.000,00 e a segunda na pri-meira semana de julho de 2004, no valor de R$ 1.800.000,00; Que em ambas as ocasiões se encontravam na sala da presidência do PTB, Roberto Jefferson e Marcos Valério, tendo sido convidado a participar da reunião por Roberto Jefferson, sendo que quando entrou na sala do presidente do PTB, o numerário já se encontrava sobre a mesa, envolto em etiquetas do Banco do Brasil e Banco Rural; Que não viu outra pessoa com Marcos Valério, porém não estava presente na sala no momento em que ele chegou; Que em ambas as ocasiões o declarante conferiu o numerário, tendo separado, por orientação de Roberto Jefferson, valores de R$ 200 mil e R$ 150 mil, tendo após isso, guardado o numerário no cofre da sala da presidência do partido; Que este numerário foi recebido em virtude de acordo firmado entre o PTB e o PT na sede do Partido dos Trabalhadores, no Edifício Varig em Brasília; Que tal acordo estabelecia doação ao PTB no valor de R$ 20 milhões em 5 parcelas iguais, com a finalidade de auxiliar a campanha dos candidatos do PTB às eleições municipais de 2004; Que participaram como representantes do PTB, o presidente do partido Roberto Jefferson, o líder do PTB na Câmara dos Deputados José Múcio e o declarante, e pelo PT, o presidente José Genoíno, o tesoureiro Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Marcelo Sereno; (...)

36 Vide denúncia – fl. 5706: “Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoí-no e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal. Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias à diversos parla-mentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.”

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Embora conste do trecho acima transcrito que, nesses encontros entre o PT e os outros partidos, eram fechados acordos financeiros que, no caso do PTB, resultou no pagamento de R$ 4 milhões em espécie ao denunciado Roberto Jeffer-son, o denunciado José Genoíno, em seu depoimento à Polícia Federal “nega que tenha tratado nestas reuniões de assuntos financeiros, tais como distribuição de recursos do PT para partidos e parlamentares da base aliada”.

Transcrevo a seguir trecho do depoimento do denunciado José Genoíno prestado perante a Polícia Federal, às fls. 4210 a 4214, no qual ele nega peremp-toriamente essas acusações:

(...) Que Delúbio Soares dizia ao declarante que Marcos Valério era seu “amigo” e também “amigo” do PT; Que desconhece o relacionamento entre estes dois indivíduos fora do ambiente do Partido dos Trabalhadores; Que indagado a respeito da ocorrência de reuniões en-tre as cúpulas do PT, PP e PL, para alianças políticas, esclarece o seguinte: Que confirma que participou de reuniões com os presidentes destes partidos; Que em tais reuniões discutiam-se alianças políticas, sendo que nos municípios em que o PT se aliasse a algum partido, também iria contribuir financeiramente em tais campanhas; Que nega que tenha tratado nestas reuniões de assuntos financeiros, tais como distribuição de recursos do PT para partidos e parlamentares da base aliada; Que nas reuniões apenas eram discutidas eventuais contribuições financeiras em seu sentido amplo, ficando a cargo dos diretórios municipais e regionais sua execução; Que desconhecia a distribuição de recursos financeiros a partidos e parlamentares da base aliada através de Marcos Valério por ordem de Delúbio Soares; Que não tinha conhecimento da distribuição de dinheiro vivo na agência do Banco Rural do Brasília Shopping; Que todo o controle das despesas e das receitas do Partido dos Trabalhadores ficava a cargo de Delúbio Soares; Que não tinha conhecimento de que o Partido dos Trabalhadores não registrava em sua escrita contábil sua movimentação financeira na totalidade; (...)

Ocorre que o denunciado José Genoíno é expressamente mencionado no depoimento do também denunciado Roberto Jefferson, inclusive sobre a reunião ocorrida entre os integrantes do PT e PTB, na qual teria sido ajustado o fornecimento de quantia em dinheiro ao PTB (fl. 4222):

Que o declarante foi o encarregado de receber e distribuir os recursos repassados pelo PT; Que se recusa a indicar os beneficiários finais dos R$ 4 milhões que distribuiu; Que discutiu com Delúbio Soares e José Genoíno a respeito dos termos legais da contribuição;

Outro trecho das declarações do denunciado Roberto Jefferson também traz indícios do relacionamento entre o denunciado José Genoíno e Marcos Valério:

(...) Que em março ou abril de 2005 Delúbio Soares e José Genoíno ligaram para o declarante para que este recebesse Marcos Valério; Que aceitou se reunir com Marcos Valério na sede do PTB, de cujo encontro também participou Emerson Palmieri; Que neste encontro Marcos Valério propôs que o declarante interferisse junto ao presidente do IRB para tirar os recursos que o instituto mantinha em um banco no exterior e transferisse para o banco Espírito Santo em Portugal; Que esses recursos seriam no montante de 600 milhões de dólares; Que a aplicação desses recursos no banco Espírito Santo renderia uma comissão para Marcos Valério de 2% ao mês; Que Marcos Valério afirmou que parte dessa comissão seria repassada ao PT e ao PTB; Que achou estranho todo aquele recursos que seria disponibilizado por Marcos Valério, ou seja “muito dinheiro com muita facilidade”; Que então ligou para José Genoíno afirmando que achava que Marcos Valério era “ um visionário maluco”; Que José Genoíno respondeu que o declarante poderia acreditar, pois Marcos Valério era “firme”. (...)

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Desta forma, creio estarem presentes os requisitos para o recebimento da denúncia contra o denunciado José Genoíno, em relação ao delito de cor-rupção ativa concernente ao PTB.

Quanto à suposta autoria do crime de corrupção ativa pelo denunciado José Genoíno em relação ao PMDB (item VI.4), verifico que a denúncia não atende ao requisito do art. 41 do Código de Processo Penal, uma vez que não descreve qual a suposta contribuição do denunciado para a consumação do delito, nem aponta as circunstâncias concretas nas quais tal contribuição teria ocorrido.

Assim, com relação aos crimes de corrupção ativa imputados ao denunciado José Genoíno, na forma do art. 29 do Código Penal, recebo a denúncia no que concerne às imputações formuladas na forma do art. 29 do Código Penal, constantes dos itens:

- VI.1.a) (3 vezes nas penas do art. 333 do Código Penal – parlamenta-res federais Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene);

- VI.3.a.) (3 vezes nas penas do art. 333 do Código Penal – parlamentares federais Roberto Jefferson e Romeu Queiroz);

Deixo de receber a denúncia, especificamente com relação às impu-tações formuladas contra José Genoíno, nos itens:

- VI.2.a.) (duas vezes nas penas do art. 333 do Código Penal – parla-mentares federais Valdemar Costa Neto e Bispo Rodrigues) e

- VI.4.a) (nas penas do art. 333 do Código Penal – parlamentar José Borba).

Sílvio PereiraEm relação ao denunciado Sílvio Pereira, não verifico a presença dos requi-

sitos do art. 41 do Código de Processo Penal, no que concerne às imputações do delito de corrupção ativa constantes dos itens VI.1 e seguintes da denúncia.

Consta da denúncia (fl. 5706):

Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal.

Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Portanto, na forma do artigo 29 do Código Penal, os denunciados indicados deverão responder em concurso material por todos os crimes de corrupção ativa que praticaram, os quais serão devidamente narrados em tópicos individualizados para cada partido político.

Não obstante a narrativa acima transcrita, constante do item VI da denún-cia, não há na peça acusatória descrição mínima sobre qual teria sido o papel exercido pelo denunciado Sílvio Pereira na prática do crime previsto no art. 333 do Código Penal.

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Consta da denúncia (à fl. 5635) a indicação de que “Sílvio Pereira, em diversos depoimentos, foi apontado como um dos responsáveis pelas indicações para o preenchimento de cargos e funções públicas no Governo Federal, fato pelo mesmo confirmado (fls. 251/255)”.

À fl. 5622 há nota de rodapé na denúncia que menciona o suposto rece-bimento de veículo de luxo pelo denunciado Sílvio Pereira, em razão de ter ele intermediado negócios com empresas públicas. Contudo, consta também, na mesma nota, a informação de que tal fato não é objeto de apuração no âmbito do presente inquérito.

Em outro trecho da denúncia, consta a seguinte informação (fl. 5632):

Roberto Jefferson, com o conhecimento de quem vendia apoio político à organização delitiva ora denunciada, em todos os depoimentos prestados, apontou José Dirceu como o criador do esquema do “mensalão”.

Segundo ele, José Dirceu reunia-se com o principal operador do esquema, Marcos Valério, para tratar dos repasses de dinheiro e acordos políticos ou, quando não se encontrava presente, era previamente consultado por José Genoíno, Delúbio Soares ou Sílvio Pereira sobre as deli-berações estabelecidas nesses encontros.

À fl. 5637, a denúncia faz a seguinte referência ao denunciado Sílvio Pereira:

Delúbio Soares tinha a função de operacionalizar, juntamente com Marcos Valério, o esquema de repasse de dinheiro em nome do Partido dos Trabalhadores, uma vez que era o Tesoureiro do Partido, atividade pelo mesmo nominada como Secretário de Finanças e Plane-jamento do Partido dos Trabalhadores.

Marcos Valério o aponta como seu principal interlocutor em Brasília e amigo pessoal, com quem, alem de se reunir freqüentemente, mantinha contatos telefônicos semanalmente. Eram constantes as reuniões no Diretório do PT em Brasília entre Marcos Valério, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, além de encontros no hall do hotel Blue Tree em Brasília, onde Marcos Valério passou a se hospedar para facilitar os contatos (fls. 56/57).

Na nota de rodapé de número 34 da denúncia, à fl. 5638, o Procurador-Geral da República transcreve o trecho do depoimento do Sr. Ricardo Guimarães, diretor do Banco BMG, prestado perante a CPMI dos Correios, no qual ele narra a atuação do denunciado Sílvio Pereira na obtenção de colocação profissional para a ex-esposa do denunciado José Dirceu:

34 “Que, indagado sobre o empréstimo à ex-esposa do ex-Ministro José Dirceu, cha-mada Ângela, o depoente confirmou que efetivamente houve o empréstimo do Banco Rural e a colocação com emprego no Banco BMG; Que, o declarante foi procurado por Sílvio Pereira para auxiliar o ex-Ministro José Dirceu na resolução de um problema pessoal com sua ex-esposa, que pretendia trocar de apartamento e não tinha recursos financeiros; Que, desta forma, foi conseguido o empréstimo e o emprego já mencionados e também o sócio do declarante, Rogério Tolentino, para resolver o problema já que o crédito imobiliário dependia do pagamento de recursos em dinheiro, comprou o apartamento da Sra. Ângela, pagou a vista e declarou a aquisição no seu imposto de renda (...)”

À fl. 5651, na nota de rodapé de número 62 da denúncia consta a seguinte transcrição:

Vide, entre outros, depoimento de Marcos Valério (fls. 355/360, especialmente:“O Sr. Delúbio esclareceu que o então Ministro José Dirceu e o Secretário Sílvio

Pereira eram sabedores dessa operação de empréstimo para o Partido e em alguma

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eventualidade garantiriam o pagamento junto as empresas do declarante; (...) Sílvio havia dito ao declarante que o então Ministro José Dirceu tinha conhecimento dos empréstimos.”

Embora existam na denúncia elementos que podem indicar o envolvimento do denunciado Sílvio Pereira com a suposta organização criminosa mencionada pelo Procurador-Geral da República, não há, a meu ver, pelo teor do item VI da denúncia e seus subitens, a mínima indicação da conduta do denunciado Sílvio Pereira, de modo a proporcionar-lhe a plenitude de defesa, no que diz respeito especificamente aos delitos de corrupção ativa constantes do capítulo de que ora nos ocupamos.

Assim, em razão do não-atendimento ao comando do art. 41 do Código de Processo Penal, deixo de receber a denúncia, em relação ao denunciado Sílvio Pereira, no que concerne às imputações feitas na forma do art. 29 do Código Penal, quanto aos delitos de corrupção ativa constantes dos itens:

- VI.1.a) 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamenta-res federais Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene);

- VI.2.a) 2(duas) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamenta-res federais Valdemar Costa neto e Bispo Rodrigues);

- VI.3.a) 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamenta-res federais José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz); e

- VI.4.a) nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentar José Borba);

Marcos ValérioAinda com relação ao delito previsto no art. 333 do Código Penal, passo a

analisar as imputações feitas ao denunciado Marcos Valério de Souza.

Mais uma vez, começo por transcrever o seguinte trecho do item VI da denúncia:

Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal.

Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geisa Dias.

Portanto, na forma do artigo 29 do Código Penal, os denunciados indicados deverão responder em concurso material por todos os crimes de corrupção ativa que praticaram, os quais serão devidamente narrados em tópicos individualizados para cada partido político.

é importante observar que já no item II da denúncia, quando da imputação do delito do art. 288, a peça acusatória explicita o suposto modo de atuação do denunciado Marcos Valério (fl. 5624):

Em conjunto com os dirigentes do Banco Rural, notadamente o falecido José Augusto Dumont, Marcos Valério desenvolveu um esquema de utilização de suas empresas para transferência de recursos financeiros para campanhas políticas, cuja origem, simulada como

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empréstimo do Banco Rural, não é efetivamente declarada, mas as apurações demonstram tratar-se de uma forma de pulverização de dinheiro público desviado através dos contratos de publicidade (11). (11) – Vide, entre outros, depoimento de Marcos Valério (fl. 733, especialmente: “Que, indagado, esclarece que a sistemática adotada em conjunto com a direção do Banco Rural para facilitar as transferências dos recursos foi a indicação, por representantes da SMPB, por fax ou e-mail, aos funcionários da agência do banco Rural em Belo Horizonte do número do cheque, valor e pessoa que iria levantar os recursos, uma vez que se tratavam de cheques nominais à SMPB, endossados no seu verso (...)”.)

Em relação ao item VI.1 relativo à suposta conduta criminosa concernente ao Partido Progressista, assinala o Procurador-Geral da República na denúncia:

O recebimento de vantagem indevida, motivada pela condição de Parlamentar Federal dos denunciados José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry, tinha como contraprestação o apoio político do Partido Progressista – PP ao Governo Federal.

Nessa linha, ao longo dos anos de 2003 e 2004, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú receberam aproximadamente quatro milhões e cem mil reais a titulo de propina.

Após formalizado o acordo criminoso com o PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira), os pagamentos começaram a ser efetuados pelo núcleo publicitário-financeiro.

Os recebimentos, por sua vez, eram concretizados com o emprego de operações de lavagem de dinheiro para dissimular os reais destinatários dos valores que serviram como pagamento de propina.

Ciente de que os valores procediam de organização criminosa dedicada à pratica de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, os denunciados engen-draram mecanismo para dissimular a origem, natureza e destino dos montantes auferidos.

(...)Com efeito, após apresentação de José Janene, Marcos Valério iniciou o repasse da

propina determinada pelo PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira) a quadrilha integrada por José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú, valendo-se de modo profissional dos serviços da Bônus Banval, cujos proprietários são Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg.

Nessa empreitada de repasse de vantagem indevida, a Bônus Banval, em uma primeira fase, realizou altos saques em espécie, repassando posteriormente os montantes aos destinatá-rios indicados pelo núcleo do PT (fl. 1461).

Depois, por questões operacionais, valeu-se dos serviços espúrios da empresa Natimar, que tem como sócio Carlos Alberto Quaglia.

Os valores oriundos do núcleo Marcos Valério eram depositados na conta da empresa Bônus Banval, que os direcionava internamente para a conta da Natimar junto à própria Bônus Banval, sendo transferidos em seguida por Carlos Alberto Quaglia, Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg aos destinatários reais do esquema.

Essa segunda forma fraudulenta de repasse, com o emprego das empresas Bônus Banval e Natimar, resultou em transferências no valor total de um milhão e duzentos mil reais ao PP.

Assim, como profissionais do ramo de branqueamento de capitais, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia associaram-se de modo permanente, habitual e organizado à quadrilha originariamente integrada por José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú.

Os recursos do núcleo Marcos Valério repassados para as empresas Bônus Banval e Natimar tinham por origem predominante as empresas 2S Participações Ltda. e Rogério Lanza Tolentino Associados, ambas do seu grupo empresarial.

Como se vê, a contribuição do denunciado Marcos Valério para a prática do delito do art. 333 do Código Penal em relação aos fatos do item VI.1 é narrada com clareza na denúncia, de modo a proporcionar-lhe ampla oportunidade de defesa.

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Quanto aos fatos narrados nos demais subitens, a situação não é diferente.

Transcrevo a seguir um trecho do item VI.2 da denúncia:

O ex-Deputado Federal Valdemar Costa Neto é o Presidente Nacional do PL, tendo fechado o acordo financeiro com o PT e delegado a Jacinto Lamas e Antonio Lamas o reco-lhimento dos valores.

Na cadeia partidária, além de presidente da legenda, ocupou até fevereiro de 2004 o papel de líder da bancada do PL na Câmara dos Deputados.

Também atuou pessoalmente na montagem do esquema com a empresa de fachada Gua-ranhuns Empreendimentos, especializada em lavagem de dinheiro161.

Fundador do PL e possuidor de patrimônio incompatível com sua renda declarada, Jacinto Lamas era o principal homem de confiança de Valdemar Costa Neto, tendo por função na qua-drilha receber os valores encaminhados pelo núcleo Marcos Valério por ordem do PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira).

Em nota de rodapé, o Procurador-Geral da República assinala:

161 Vide, entre outros, depoimentos de Jacinto Lamas (fls. 610/614, especialmente: “Que conhece Marcos Valério, tendo se encontrado com o mesmo algumas vezes na sede do Partido Liberal em Brasília/DF; Que nas visitas que fez à sede do PL, Marcos Valério pro-curava pelo Deputado Federal Valdemar Costa Neto.”), Valdemar Costa Neto (fls. 1376/1385, especialmente: “Que o declarante acredita que tenha se encontrado com Marcos Valério por umas 4 ou 5 vezes em dois anos, na sede do PT/SP ou na Câmara dos Deputados, onde funciona a presidência do PL.”) e Marcos Valério (fls. 1454-1465, especialmente: “Que os cheques emitidos em nome da Guaranhuns eram entregues a pessoas indicadas pelos Srs. Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas.”)

162 Vide, entre outros, depoimentos de Jacinto Lamas (fls. 610/614, especialmente: “Que entregou nas mãos de Valdemar o envelope contendo valores. l, Valdemar Costa Neto (fls. 1376/1385) e José Francisco (fls. 233/234).

Igualmente, no item VI.3:

José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, mediante pagamento de pro-pina, adquiriram apoio político de Parlamentares Federais do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.

Os pagamentos foram viabilizados pelo núcleo publicitário-financeiro da organização criminosa.

Os parlamentares federais que receberam vantagem indevida foram José Carlos Martinez (falecido), Roberto Jefferson e Romeu Queiroz. Todos contaram com o auxílio direto na prática dos crimes de corrupção passiva do denunciado Emerson Palmieri.

Os denunciados, cientes de que os montantes recebidos tinham como origem organi-zação criminosa dedicada ao cometimento dos crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, engendraram mecanismo para dissimular a origem, natureza e destino dos valores auferidos.

O esquema de venda de apoio político ao Governo foi inicialmente negociado pelo falecido José Carlos Martinez, ex-Presidente do PTB.

Nessa linha, em julho de 2003, Martinez solicitou a Romeu Queiroz a indicação de uma pessoa para o recebimento de R$ 50.000,00, disponibilizados pelo PT. Essa quantia foi entre-gue ao Coordenador do Partido em Belo Horizonte, José Hertz, que se deslocou até Brasília e, depois de pernoitar na residência do denunciado Romeu Queiroz, entregou-a a Emerson Palmieri, Tesoureiro do PTB.

Roberto Jefferson também confirmou o repasse de R$ 1.000.000,00 do Partido dos Trabalhadores, por intermédio do esquema de Marcos Valério, ao então Presidente do PTB, Deputado José Carlos Martinez, falecido em 04.10.2003. Da quantia acima, R$ 300.000,00 fo-ram entregues por intermédio de Jair dos Santos, nas seguintes datas: 18/09/2003 – R$ 200.000,00 (fl. 430 do Apenso 06); e 24/09/2003 – R$ 100.000,00 (fl. 609 do Apenso 07).

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Após o falecimento de José Carlos Martinez, as tratativas visando o recebimento do dinheiro proveniente do Partido dos Trabalhadores passaram a ser estabelecidas com o denun-ciado Roberto Jefferson, Presidente do PTB.

Em dezembro de 2003, Roberto Jefferson manteve contato com o Romeu Queiroz, Secretário do PTB, para que este retomasse os mecanismos estruturados durante a gestão de José Carlos Martinez para a obtenção de recursos financeiros. Romeu Queiroz procurou o então Ministro Anderson Adauto, o qual manteve entendimentos com Delúbio Soares, que se prontificou a retomar as transferências através da empresa SMP&B, o que de fato ocorreu, nos termos abaixo narrados.

Registre-se que o denunciado Anderson Adauto, como será descrito no tópico seguinte, tinha pleno conhecimento do esquema de compra de apoio político pelo PT, razão pela qual intermediou o acerto criminoso (corrupção) com os Deputados Federais Roberto Jefferson e Romeu Queiroz do PTB.

Assim, em janeiro de 2004, José Hertz, Coordenador do PTB em Belo Horizonte, rece-beu um telefonema de Emerson Palmieri que o orientou a buscar um envelope a ser entregue por Simone Vasconcelos. Primeiramente, José Hertz pegou um envelope com dinheiro na agência do Banco do Brasil em Belo Horizonte e, depois, recebeu outro envelope contendo dinheiro na agência do Banco Rural em Belo Horizonte.

José Hertz deslocou-se até Brasília e entregou ambos os envelopes contendo dinheiro a Emerson Palmieri na data de 05/01/2004, ocasião em que Emerson Palmieri ligou para Roberto Jefferson informando o seguinte: “assunto resolvido”.

O acerto criminoso também resultou em um saque de R$ 145.000,00, datado de 18/12/2003, cujo intermediário foi Alexandre Chaves.

Como resultado do acordo estabelecido com o núcleo central da quadrilha entre os meses abril e maio de 2004, onde ficou acertado o repasse de R$ 20.000.000,00 do PT para o PTB em cinco parcelas de R$ 4.000.000,00, Roberto Jefferson e Emerson Palmieri, no mês de junho de 2004, receberam na sede nacional do PTB, diretamente de Marcos Valério, a impor-tância de R$ 4.000.000,00, sendo a primeira parcela de R$ 2.200.000,00 e, logo após, R$ 1.800.000,00, em cédulas envoltas em fitas do Banco Rural e Banco do Brasil.

A entrega de montante tão expressivo em espécie teve por objetivo ocultar sua origem, natureza e destino.

Em janeiro de 2004, em mais um episódio envolvendo Emerson Palmieri, Roberto Jefferson também providenciou, em duas parcelas, o repasse de R$ 200.000.00 do grupo de Marcos Valério a Alexandre Chaves, pai de uma pessoa chamada Patrícia, funcionária da liderança do PTB.

Por intermédio de Paulo Leite Nunes, Romeu Queiroz também recebeu do grupo de Marcos Valério a quantia de R$ 102.812,76, na data de 31/08/2004, nos termos do documento de fls. 196/197 do Apenso 05.

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Trabalhista Brasileiro ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destacam-se as atuações dos Parlamentares Roberto Jefferson, Romeu Queiroz e José Carlos Martinez Santos na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003).

Da leitura dos trechos acima transcritos, resta evidente que, nesta parte, a denúncia obedece ao comando do art. 41 do Código de Processo Penal, uma vez que é plenamente possível ao denunciado Marcos Valério analisar as circuns-tâncias das imputações que lhe são dirigidas.

Não obstante, o denunciado Marcos Valério de Souza faz a seguinte alegação em sua defesa:

A conduta tem um fim especial de agir, ínsito ao elemento subjetivo do tipo: finalidade de determinar que o “funcionário público” pratique, omita ou retarde “ato de ofício”. O partido político não é “funcionário público” e, conseqüentemente, não pode ser sujeito passivo de corrupção ativa. (...)

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O parlamentar, integrante de partido político – que pode ser considerado “funcionário público” para efeitos penais (art. 327, CP) – em sua atividade no Congresso Nacional, não tem entre suas atribuições funcionais, como “ato de ofício”, dar “apoio político” a proposta que o Governo tenha interesse político em sua aprovação. O parlamentar não tem entre suas atribui-ções constitucionais, no desempenho do mandato, dar ou não “apoio político” ao Governo ou a suas propostas.

Rejeito tais alegações, em primeiro lugar, porque o especial fim de agir está muito bem descrito no seguinte trecho da denúncia, conforme se vê da leitura seguinte trecho (fl. 5716):

Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal.

Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias à diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Portanto, na forma do artigo 29 do Código Penal, os denunciados indicados deverão responder em concurso material por todos os crimes de corrupção ativa que praticaram, os quais serão devidamente narrados em tópicos individualizados para cada partido político.

Em segundo lugar, rechaço as alegações do acusado Marcos Valério no sentido de que “apoio político” não é ato de ofício de parlamentar. Da leitura do trecho acima citado, extrai-se que a denúncia se refere ao exercício do voto em plenário, manifestação que, obviamente, se constitui em ato inerente à condição de parlamentar, o qual é apto a produzir efeitos no mundo jurídico.

Novamente, transcrevo o trecho da denúncia que demonstra inequivoca-mente que o ato de ofício a ser, supostamente, praticado, seria a votação:

Para ilustrar o apoio político do grupo de parlamentares do Partido Trabalhista Brasi-leiro ao Governo Federal, na sistemática acima narrada, destacam-se as atuações dos Parla-mentares Roberto Jefferson, Romeu Queiroz e José Carlos Martinez Santos na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003).

é certo, portanto, que as condutas relativas ao art. 333 imputadas ao denun-ciado Marcos Valério se revestem de aparente tipicidade, uma vez que teoricamente estariam presentes todos os elementos que integram o respectivo tipo penal.

Quanto à presença de justa causa para a propositura de ação penal contra Marcos Valério em razão do delito do art. 333 do Código Penal, os depoimentos e indícios constantes demonstram ser necessário o prosseguimento na persecução penal.

Começo por transcrever o seguinte trecho do termo de depoimento prestado pelo denunciado Roberto Jefferson à Polícia Federal (fls. 4219-4227):

Que retornando à pergunta inicial responde que realmente representou o PTB em tratativas junto à Direção Nacional do PT em abril e maio de 2004, relativas às campanhas municipais daquele ano; Que nessas tratativas participaram pelo PTB o declarante, como presidente da

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legenda, o líder da bancada na Câmara dos Deputados José Múcio Monteiro, e o primeiro secretário nacional do PTB Dr. Emerson Palmieri; Que pelo PT participaram José Genoíno, o Tesoureiro nacional Delúbio Soares, o secretário Marcelo Sereno e o então Ministro José Dirceu, que homologava todos os acordos daquele partido; Que José Genoíno não possuía autonomia para “bater o martelo” nos acordos, que deveriam ser ratificados na Casa Civil pelo Ministro José Dirceu; (...) Que o acordo tratado e aprovado foi de R$ 20 milhões, divididos em cinco parcelas de R$ 4 milhões; Que ficou convencionado que o recurso seria transferido da conta contribuição do PT para a conta contribuição do PTB; Que inicialmente, foi liberada a quantia de R$ 4 milhões, em duas parcelas em espécie, isto na sede nacional do PTB, na 303 Norte, Brasília/DF; Que a primeira parcela compreendeu a quantia de R$ 2,2 milhões e a segunda de R$ 1,8 mil, sendo que a primeira aconteceu de meados ao final de junho de 2004 e a segunda alguns dias após; Que nas duas oportunidades relatadas o próprio Marcos Valério foi quem entregou o dinheiro ao declarante; Que as cédulas de reais entregues ao declarante por Marcos Valério estavam envoltas com fitas que descreviam o nome do Banco Rural e Banco do Brasil; Que apesar de o Sr. Delúbio Soares, o Sr. Marcos Valério e o Sr. Genoíno negarem haver entregue recursos ao PTB o declarante confirma ser verdade o repasse de tais recursos; (...)

Outro depoimento que merece destaque é o de Fernanda Karina Ramos Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério na SMP&B, que também revelou fortes indícios da prática do crime de corrupção ativa pelo denunciado, verbis (fl. 187, vol. 1):

Que, de fato, o secretário do PT, Sílvio Pereira, e o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, por diversas vezes se reuniram com Marcos Valério, para que este tivesse uma atuação decisiva em favor do governo federal junto a parlamentares federais, como forma de reforçar a base aliada do governo; Que a atuação de Marcos Valério junto a parlamentares para aderirem a algum interesse do governo num determinado momento incluía pagamento de dinheiro e troca de favores, para que esses parlamentares se tornassem aliados para aquele fim; (...) Que, dentre os funcionários da empresa SMP&B Comunicação Ltda. era de pleno conheci-mento de que vultosas quantias saíam da empresa em malas, destinadas a Brasília/DF, para pagamentos a Deputados, (...) levadas pelo senhor Marcos Valério; (...)37

O denunciado Marcos Valério, respondendo por escrito ao Ofício PGR/GAB 753, juntou aos autos o documento cujo trecho segue transcrito, com data de 23 de junho de 2005, negando inicialmente a distribuição de valores denunciada à imprensa pelo também denunciado Roberto Jefferson (fls. 69/71):

Referência: Ofício PGR/GAB/nº 753Senhor Procurador-Geral da RepúblicaDoutor Cláudio FontelesEm resposta ao seu Ofício PGR/GAB/nº 753, de 13 de junho de 2005, no qual V. Exa.

solicita esclarecimentos sobre publicação jornalística contendo entrevista do Deputado Federal Roberto Jefferson, respondo as perguntas formuladas nos seguintes termos:

1) Se confirma essa declaração do Deputado Roberto Jefferson?Não. Nunca fiz entrega de qualquer quantia em dinheiro ao Deputado Roberto Jefferson,

nem por ordem do Sr. Delúbio Soares, nem por qualquer outro motivo. Só vim a tomar conhe-cimento de “mensalão” a partir da entrevista dada pelo Deputado Roberto Jefferson.

Em uma de suas entrevistas o Deputado Roberto Jefferson afirmou que eu havia lhe entregue a importância de R$ 4.000.000,00, em duas parcelas, com intervalo de mais ou menos três dias, na primeira quinzena de julho de 2004 e que este valor seria uma contribuição do

37 Antecipando um pouco, este depoimento já demonstra também a existência de indícios contra o denunciado Marcos Valério.

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PT ao PTB para fins de campanhas eleitorais. A respeito, esclareço que jamais fiz tal entrega, sendo certo que na primeira quinzena de julho de 2004 estive em Brasília, apenas uma única vez, durante uma parte do dia 07 (quarta-feira), sendo que posso provar, documentalmente, minha presença em Belo Horizonte, em São Paulo e no Rio de Janeiro, nos demais dias daquela quinzena. Ademais, no dia 09 (nove) de julho de 2004 embarquei para os Estados Unidos da América, somente retornando ao Brasil, no dia 18 (dezoito), o que pode ser, também, compro-vado por documentos de viagens e registros em meu passaporte.

2) Em caso afirmativo, para quem foi feita a distribuição de recursos?Volto a esclarecer que nunca fiz qualquer distribuição de recursos financeiros para partidos

políticos ou deputados.

Porém, o depoimento da denunciada Simone Reis Lobo de Vasconcelos (fls. 588-595), alta funcionária do grupo de Marcos Valério, contradiz o afirmado pelo seu chefe:

Que Marcos Valério no final de dezembro de 2002 pediu à declarante que realizasse um saque na agência Brasília do Banco Rural e repassasse os valores para algumas pessoas; Que, na verdade, este primeiro saque a pedido de Marcos Valério ocorreu em janeiro de 2003; Que não se recorda como procedeu à entrega dos valores sacados para os destinatários; (...) Que perguntou para Marcos Valério qual o motivo do referido pagamento não ser efetuado através de transferência bancária ou por meio de cheque, tendo o mesmo respondido que queria o pagamento em dinheiro; Que, provavelmente, este primeiro saque que realizou foi entregue ao destinatário ainda no interior da agência bancária do Banco Rural; (...) Que a partir de então Marcos Valério fez vários pedidos semelhantes para a declarante; Que Marcos Valério pedia à declarante que se dirigisse à agência Brasília do Banco Rural para efetuar saques de valores variados e repassar a outras pessoas (...) Que realmente pode afirmar ter entregue dinheiro para Jacinto Lamas, Jair dos Santos, Emerson Palmieri, Pedro Fonseca, João Carlos de Carvalho Genú, José Luiz Alves, Roberto Costa Pinho; (...)

é importante observar que constam do apenso de número 5 dos presentes autos centenas de documentos que se constituem em fortes indícios da sistemáti-ca de saques de altas quantias em dinheiro, exatamente como consta da denúncia.

Apenas a título exemplificativo, menciono o documento de fl. 52 do apenso 5, documento interno do Banco Rural, remetido via fac-símile da Agência Assem-bléia de Belo Horizonte/MG para Agência Brasília/DF, apreendido em diligência de busca e apreensão, do qual destaco o seguinte teor:

Assunto: SaqueAutorizamos a Srª. Simone Reis de Vasconcelos Reis (sic) a receber a quantia de R$

450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta mil reais), ref. aos cheques 413828 e 413827 as Empresa SMP&B Propaganda Ltda., que se encontra em nosso poder.

Favor colher assinatura.

No verso do referido documento, constam as seguintes anotações:

350.000,00 – irmão Jacinto Lamas – Toninho100.000,00 – Alexandre

Indagada sobre o teor de tal documento, a denunciada Simone Reis Lobo de Vasconcelos afirmou em seu depoimento à Polícia Federal (fl. 594):

Que reconhece como proveniente (sic) de seu punho os lançamentos constantes no verso da fl. 52 do Apenso 5, à exceção do lançamento em tinta azul; Que o Alexandre mencionado em tais lançamentos se refere a Alexandre Chaves, pessoa ligada a Emerson Palmieri; (...)

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Também há nos autos, às fls. 602/608, documento no qual o próprio denun-ciado Marcos Valério aponta os empréstimos efetuados ao Partido dos Trabalhadores e a distribuição de recursos a pessoas ligadas a partidos da base aliada.

Transcrevo o seguinte trecho:

Total dos empréstimos obtidos pelas empresas nos Bancos BMG e Rural e total do repasse ao PT e aliados a título de empréstimo ao PT

O investigado Marcos Valério encaminha a V. Exa. a anexa “Relação de pessoas indicadas pelo PT que receberam recursos emprestados pelo PT por Marcos Valério através das empresas”, acompanhada dos nomes dos beneficiários, de seus contatos, com as datas e valores dos repasses, que totaliza a importância de R$ 55.841.227,81. (...)

Fica claro, do acima exposto, que o denunciado Marcos Valério, após negar inicialmente, passou a admitir as transferências de valores às pessoas referidas na denúncia.

é interessante notar que, inicialmente, no termo de declarações prestadas em 29 de junho de 2005, o denunciado Marcos Valério negou a distribuição de recursos a parlamentares, e justificou os saques realizados nas agências do Banco Rural como destinados ao “pagamento à fornecedores da empresa, a distribuição de lucros entre os sócios ou investimento em ativos”.

Transcrevo, a esse propósito, o trecho do termo de depoimento de fls. 61/62, prestado perante a autoridade policial pelo denunciado Marcos Valério, na fase inicial das investigações:

(...) Que tem conhecimento de que foram realizados saques em espécie de contas bancárias das empresas em questão; Que não sabe precisar os valores e datas dos saques em espécie realizados; Que os valores sacados dizem respeito ao faturamento normal das empresas, fruto dos pagamentos recebidos de seus clientes; Que tais saques foram realizados através de cheques assinados pelos sócios das empresas e que eram sacados no caixa dos bancos; Que na SMP&B cabia a Simone Vasconcelos executar a determinação dos diretores; Que os dire-tores da empresa ou Simone Vasconcelos nunca comparecia nas agências bancárias de Belo Horizonte para sacar valores; (...) Que pode afirmar que os saques comunicados pelo Coaf têm como justificativa o pagamento a fornecedores da empresa, a distribuição de lucros entre os sócios ou investimento em ativos; Que está providenciando junto ao seu contador os levanta-mentos necessários para comprovar tais saques; Que neste momento não pode indicar nenhum fornecedor das empresas SMP&B Comunicações Ltda. e DNA Propaganda Ltda. que recebeu pagamento em espécie; Que também não pode indicar quais ativos foram adquiridos por meio das quantias sacadas em espécie, mas se compromete em fornecer tais informações oportuna-mente; (...) Que pode afirmar que nenhum dos saques informados pelo Coaf destinaram-se ao pagamento de propina ou corrupção de parlamentares ou membros de partidos políticos; Que nunca fez qualquer doação para campanhas eleitorais; Que considera pura coincidência o fato de que algumas viagens que fez para Brasília/DF ou outro estado terem coincidido com as datas dos saques em espécie informados pelo Coaf; Que tais coincidências, se ocorreram, foram causadas pelas inúmeras viagens que realiza; (...)

Porém, quinze dias após as declarações das quais se extraiu o trecho acima, o denunciado Marcos Valério apresenta uma nova versão sobre os fatos, em de-poimento prestado perante o Procurador-Geral da República, do qual transcrevo o seguinte trecho (fls. 265-282):

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(...) No início de 2003, o Sr. Delúbio procurou o declarante, afirmando que o Partido dos Trabalhadores, em razão das campanhas realizadas, estava com problemas de caixa em diversos diretórios, oportunidade em que propôs que as empresas do declarante tomassem empréstimos e os repassassem ao Partido dos Trabalhadores que restituiria os valores com juros e acréscimos legais. Tal proposta se deu em razão do seu relacionamento com Delúbio e da perspectiva de que, mantendo um bom relacionamento com o Partido do Governo, obtivesse serviços para suas empresas, inclusive, em futuras campanhas eleitorais. (...) O Sr. Delúbio esclareceu que o então Ministro José Dirceu e o Secretário Sílvio Pereira eram sabedores dessa operação de empréstimo para o Partido e em alguma eventualidade garantiriam o pagamento junto às empresas do declarante. Não teve qualquer contato com o Ministro José Dirceu sobre a referida proposta. Segundo Delúbio a situação era séria e os seus companheiros corriam risco de execução. (...) Até hoje o PT não pagou nenhum centavo dos valores que lhe foram repassados. Recorda-se que, no ano de 2004, esses valores eram para financiamento das campanhas municipais de interesse do PT ou de partido (sic) aliados, como por exemplo, para o PTB, entregue ao seu presidente, Deputado Roberto Jefferson, para campanha em Juiz de Fora/MG, cujo candidato era o Sr. Bejani e sabe também que houve transferência para o Deputado Bispo Rodrigues em campanhas no estado do Rio de Janeiro, fatos estes que tomou conhecimento através de Delúbio, não sendo verdade que tenha entregue valores em espécie pessoalmente ao Deputado Roberto Jefferson. Os saques em dinheiro para pessoas indicadas pelo PT eram retiradas (sic) pelos próprios indicados nas agências bancárias do Banco Rural, localizadas no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e São Paulo, devendo os nomes das pessoas estar registrados nas agências; (...)

Assim, o que se pode concluir, nesta fase de recebimento da denúncia, é que os elementos constantes dos autos são suficientes a demonstrar a presença de justa causa para a propositura da ação penal, sendo prudente prosseguir na perse-cução penal ante a existência de indícios razoáveis da prática de infração penal.

Do exposto, recebo a denúncia contra Marcos Valério Fernandes de Souza com relação às imputações referentes ao crime previsto no art. 333 do Código Penal constante dos itens da denúncia:

VI.1.a) três vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentares federais Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene);

VI.2.a) 2 (duas) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamenta-res Valdemar Costa Neto e Bispo Rodrigues);

VI.3.a) 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentares federais José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz); e

VI.4.a) uma vez nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentar José Borba).

Ramon Hollerbach e Cristiano Paz

Quanto aos denunciados Ramon Hollerbach e Cristiano de Melo Paz, estes figuram na denúncia como as pessoas que, juntamente com Marcos Valério, contro-lavam a SMP&B Comunicação Ltda., dirigindo as ações da referida pessoa jurídica e, supostamente, contribuindo para os crimes de autoria coletiva constantes dos itens VI.1 a VI.4 da denúncia.

Conforme já dito, nos crimes de autoria coletiva, nem sempre é possível indi-vidualizar, com detalhes, a contribuição de cada co-autor para o crime, especialmente

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quando se trata de delito praticado por intermédio de pessoa jurídica, cujos atos são dirigidos e controlados pelas pessoas físicas responsáveis pela sua adminis-tração.

A jurisprudência desta Corte, nos crimes de autoria coletiva, tem admitido que seja recebida a denúncia, sem que a narrativa constante da peça acusatória conte-nha a descrição pormenorizada da conduta individual de cada partícipe, sob pena de se inviabilizar a persecução penal e estimular a utilização de pessoas jurídicas para a prática de atividades criminosas.

No ponto, transcrevo os seguintes precedentes, que bem ilustram a posição desta Corte sobre o tema:

Ementa: Habeas corpus. Crime de responsabilidade. Autoria coletiva. Denúncia tida por genérica. Alegação de inépcia da peça inicial acusatória e de ofensa às garantias cons-titucionais do paciente.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quanto aos delitos de autoria coletiva, não tem exigido que a denúncia desça ao nível dos detalhes e se faça de forma pormenorizada. Tal entendimento vem sendo abrandado, havendo decisões no sentido de exigir-se, na denúncia, a descrição mínima da participação do acusado, a fim de permitir-lhe o conhecimento do que de fato lhe está sendo imputado e, assim, garantir o pleno exercício de seu direito de defesa (cf. os HC 83.369, 80.219 e 80.549). Mesmo essa última orientação não dispensa o exame da validade da denúncia sob a ótica de cada processo.

No caso, a peça acusatória preenche os requisitos minimamente necessários a dar início à persecução penal, portando consigo elementos suficientes para que os acusados conheçam os fatos que lhes estão sendo imputados e possam deles se defender.

Habeas corpus indeferido.(HC 83.736-1, Rel. originário Min. Joaquim Barbosa; Rel. p/ o ac. Min. Carlos Britto.)

Habeas corpus. Estelionato. Art. 171, caput, do Código Penal. 1 - O inquérito policial não é procedimento indispensável à propositura da ação penal

(RHC 58.743/ES, Min. Moreira Alves, DJ de 8-5-81, e RHC 62.300/RJ, Min. Aldir Passarinho).2 - Denúncia que não é inepta, pois descreve de forma clara a conduta atribuída aos

pacientes, que, induzindo a vítima em erro, venderam a ela um falso seguro, omitindo a exis-tência de cláusulas que lhe eram prejudiciais visando à obtenção de vantagem ilícita, fato que incide na hipótese do art. 171, caput, do Código Penal.

Alegações que dependem de análise fático-probatória, que não se coaduna com o rito angusto do habeas corpus.

3 - Esta Corte já firmou o entendimento de que, em se tratando de crimes societários ou de autoria coletiva, é suficiente, na denúncia, a descrição genérica dos fatos, reservando-se à instrução processual a individualização da conduta de cada acusado (HC 80.204/GO, Min. Maurício Corrêa, DJ de 6-10-00, e HC 73.419/RJ, Min. Ilmar Galvão, DJ de 26-4-96).

4 - Habeas corpus indeferido.(HC 82.246-1, Rel. Min. Ellen Gracie.)

Ementa: Penal. Processual penal. Habeas corpus. Denúncia: corrupção ativa. Inépcia da denúncia. Falta de justa causa para a ação penal.

I - Desde que permitam o exercício do direito de defesa, as eventuais omissões da denúncia quanto aos requisitos do art. 41 do CPP não implicam necessariamente na sua inépcia, certo que podem ser supridas a todo tempo, antes da sentença final (CPP, art. 569). Precedentes.

II - Nos crimes de autoria coletiva, a jurisprudência da Corte não tem exigido a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado.

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III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime.

IV - Habeas corpus indeferido.(HC 86.091-5, Rel. Min. Carlos Velloso.)

Ementa: Penal. Processual penal. Habeas corpus. Denúncia: corrupção passiva e tráfico de influência. Inépcia da denúncia. Falta de justa causa para a ação penal.

I - Desde que permitam o exercício do direito de defesa, as eventuais omissões da denúncia, quanto aos requisitos do art. 41 do CPP, não implicam necessariamente na sua inépcia, certo que podem ser supridas a todo tempo, antes da sentença final (CPP, art. 569). Precedentes.

II - Nos crimes de autoria coletiva, a jurisprudência da Corte não tem exigido a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado.

III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime.

IV - Habeas corpus indeferido.

(HC 85.726-4, Rel. Min. Carlos Velloso.)

Ementa: Penal. Processual penal. Habeas corpus. Denúncia: corrupção ativa. Inépcia da denúncia. Falta de justa causa para a ação penal. Ofensa ao princípio do promotor natural.

I - Desde que permitam o exercício do direito de defesa, as eventuais omissões da denún-cia quanto aos requisitos do art. 41 do CPP não implicam necessariamente a sua inépcia, certo que podem ser supridas a todo tempo, antes da sentença final (CPP, art. 569). Precedentes.

II - Nos crimes de autoria coletiva, a jurisprudência da Corte não tem exigido a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado.

III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime.

IV - No julgamento do HC 67.759/RJ, pelo Plenário, os Ministros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves adotaram posição de rejeição à existência do princípio do promotor natural. Os Ministros Celso de Mello e Sydney Sanches admiti-ram a possibilidade de instituição do princípio mediante lei. Assim, ficou rejeitado, no citado julgamento, o princípio do promotor natural. HC 67.759/RJ, Ministro Celso de Mello, RTJ 150/123.

V - Habeas corpus indeferido.(HC 85.424-9, Rel. Min. Carlos Velloso.)

Ementa: Penal. Processual penal. Habeas corpus. Denúncia: corrupção passiva e tráfico de influência. Inépcia da denúncia. Falta de justa causa para a ação penal.

I - Desde que permitam o exercício do direito de defesa, as eventuais omissões da denúncia, quanto aos requisitos do art. 41 do CPP, não implicam necessariamente a sua inépcia, certo que podem ser supridas a qualquer tempo, antes da sentença final (CPP, art. 569). Precedentes.

II - Nos crimes de autoria coletiva, a jurisprudência da Corte não tem exigido a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado.

III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime.

IV - Habeas corpus indeferido.(HC 86.439-2, Rel. Min. Carlos Velloso.)

Assim, a prova mínima da suposta autoria dos crimes do art. 333 do Códi-go Penal imputada aos denunciados Ramon Hollerbach e Cristiano de Melo Paz deve ser aferida mediante a análise de dois aspectos.

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Primeiro, deve ser analisado se os denunciados acima mencionados possuíam poder de gestão junto à sociedade empresária SMP&B Comunicação Ltda.

Numa segunda fase, deve ser perquirido se a sociedade SMP&B atuou de forma a contribuir para a consumação dos crimes de corrupção ativa narrados no item VI e seus subitens.

Quanto à atuação dos denunciados Ramon Hollerbach e Cristiano de Melo Paz na gestão da SMP&B Comunicação Ltda., há diversos elementos nos autos que são indiciários dessa participação.

O seguinte trecho da denúncia descreve a atuação dos referidos denunciados (fl. 5643):

Inicialmente, destaque-se que Marcos Valério montou uma intricada rede societária com o objetivo de tornar viável suas praticas criminosas.

Nesse diapasão, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, como sócios de Marcos Valério nas empresas SMP&B Comunicação Ltda., Graffiti Participação Ltda. e DNA Propaganda, tiveram participação ativa nos crimes perpetrados.

No ponto, importante a transcrição do seguinte trecho do termo de depoimento prestado por Marco Aurélio Prata, contador da empresa SMP&B Comunicação Ltda.:

(...) Respondeu: Que é o responsável pela contabilidade das empresas DNA Propaganda Ltda, SMP&B Comunicação Ltda., Grafite Participações, Multiaction, MG5 Participações, Estratégia, 2S Participações, Solimões (antiga SMP&B Publicidade) e outras de cuja deno-minação não se recorda; (...) Que conheceu Marcos Valério através dos demais sócios da SMP&B Publicidade; (...) Que tais filiais foram abertas por questões de incentivos fiscais, uma vez que a alíquota do ISS cobrada em tal município partiu dos diretores das empresas; Que todos os três sócios, a saber, Cristiano, Ramon e Marcos Valério, participavam das decisões administrativas da SMP&B Comunicação e DNA Propaganda;

Em suas declarações, prestadas perante a Polícia Federal, o denunciado Cristiano de Melo Paz faz a seguinte afirmação (fls. 2253-2256):

(...) Que exercia função executiva apenas na SMP&B, sendo o presidente da empresa, onde cuidava das áreas de criação, planejamento e relacionamento com os clientes; Que inquirido a respeito dos empréstimos bancários realizados pelas empresas vinculadas a Marcos Valério, declara não ter participado diretamente das negociações; Que Marcos Valério era o responsável pela negociação dos empréstimos com os bancos, pois era quem gerenciava toda parte financeira das empresas; (...)

Ocorre que há fortes indícios da atuação do denunciado Cristiano de Melo Paz nas finanças da SMP&B Comunicação Ltda., conforme o seguinte trecho do termo de depoimento do denunciado Romeu Queiroz (fls. 2125-2130):

Que em agosto de 2004 recebeu um contato telefônico do Sr. Cristiano Paz, sócio de Marcos Valério na SMP&B Publicidade; Que Cristiano Paz era o presidente da empresa; Que neste contato Cristiano Paz disse ao declarante que a empresa Usiminas tinha dispo-nibilizado R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) de doação para diversas campanhas eleitorais municipais, de interesse do PTB; Que esses recursos foram destinados para diversos coordenadores de campanhas políticas em vinte municípios do Estado de Minas Gerais; Que

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esses recursos não foram contabilizados pelo PTB, já que foram transferidos diretamente da SMP&B para os candidatos dos diversos municípios de Minas Gerais; (...) Que indicou a pessoa de Pauilo Leite Nunes para receber os valores mencionados acima no Banco Rural ao Sr. Cristiano Paz, Que não se lembra da data exata, mas pode afirmar que a indicação desse indivíduo ocorreu no mesmo dia que recebeu a ligação do Sr. Cristiano dizendo que o dinheiro estava disponível no Banco Rural; (...)

Digno de nota o fato de que o denunciado Cristiano de Melo Paz é o sig-natário dos diversos cheques emitidos pela SMP&B Comunicação Ltda., cujas cópias constam do apenso 5, utilizados para os saques das quantias em dinheiro supostamente distribuídas aos dirigentes de partidos políticos, conforme narrado nos itens VI.1 a VI.4 da denúncia.

Tal circunstância conduz à necessidade do aprofundamento da persecu-ção penal contra o denunciado Cristiano de Melo Paz.

A presença de indícios de autoria dos crimes previstos no art. 333 do Código Penal também ocorre em relação ao denunciado Ramon Hollerbach Cardoso.

De início, ressalto que o denunciado Ramon Hollerbach assinou con-juntamente com Cristiano de Melo Paz os cheques constantes de fls. 181 (R$ 68.541,84), 182 (R$ 274.167,36), 184v. (R$ 44.552,20) e 186 (R$ 171.354,60) do apenso 5, entre outros, emitidos em nome da SMP&B Comunicações Ltda. e supostamente utilizados para a distribuição de valores pelo grupo de Marcos Valério, por meio de Simone Reis Lobo de Vasconcelos.

Com efeito, há nos autos fortes indícios de que o denunciado Ramon Hollerbach, na qualidade de sócio e administrador da SMP&B Comunicação Ltda., era responsável pelas decisões administrativas desta empresa.

Quanto à atuação da SMP&B Comunicação Ltda. na suposta prática dos crimes previstos no art. 333 do Código Penal, esta dispensa maiores considerações, tanto em razão de tudo o que já foi dito acima e do que consta da denúncia, quanto em razão dos documentos constantes dos autos.

A SMP&B é a emissora dos cheques constantes do apenso 5, assinados pelos seus representantes legais, os denunciados Cristiano de Melo Paz e Ramon Hollerbach Cardoso.

Tais cheques, segundo consta da denúncia, e conforme o teor de diversos depoimentos colhidos na fase investigatória, foram supostamente utilizados para a operacionalização da distribuição de dinheiro em espécie, após o oferecimento das vantagens em reuniões feitas pelos líderes de partido com os dirigentes do Partido dos Trabalhadores.

Há, portanto, fortes indícios de envolvimento da empresa SMP&B e dos seus administradores nos crimes descritos nos itens VI.1 a VI.4.

Assim, recebo a denúncia com relação aos denunciados Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, na forma do art. 29 do Código Penal, no que concerne aos delitos de corrupção ativa constantes dos itens:

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VI.1.a) 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentares federais Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene);

VI.2.a) 2 (duas) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamenta-res federais Valdemar Costa neto e Bispo Rodrigues);

VI.3.a) 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentares federais José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz); e

VI.4.a) nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentar José Borba).

Rogério Tolentino

No que toca ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, este é referido pelo denunciado Marcos Valério como seu sócio, conforme o seguinte trecho do depoi-mento de Marcos Valério prestado perante o Procurador-Geral da República:

(...) Que, indagado sobre o empréstimo à ex-esposa do ex-Ministro José Dirceu, chamada Ângela, o depoente confirmou que efetivamente houve o empréstimo do Banco Rural e a colocação com emprego no Banco BMG; Que, o declarante foi procurado por Sílvio Pereira para auxiliar o ex-Ministro José Dirceu na resolução de um problema pessoal com sua ex esposa, que pretendia trocar de apartamento e não tinha recursos financeiros; Que, desta forma, foi conseguido o empréstimo e o emprego já mencionados e também o sócio do declarante, Rogério Tolentino, para resolver o problema já que o crédito imobiliário dependia do pagamento de recursos em dinheiro, comprou o apartamento da Sra. Ângela, pagou a vista e declarou a aquisição no seu imposto de renda; (...)

Também perante a Polícia Federal, o denunciado Marcos Valério revelou (fls. 1454/1465):

(...) Que foi para Portugal com Emerson Palmieri e seu sócio Rogério Tolentino, no mesmo vôo da TAP; Que, entretanto, não foi recebido pelo Dr. Miguel Horta; Que o Dr. Miguel Horta teve de fazer uma viagem de última hora; Que ficou dois dias em Portugal, juntamente com Emerson Palmieri e Rogério Tolentino; Que ficaram hospedados no mesmo hotel; (...)

O denunciado Rogério Tolentino, além de ser o advogado da SMP&B Comunicação Ltda., é sócio das sociedades empresariais 2S Participações Ltda. e Rogério Lanza Tolentino Associados.

Tais sociedades, segundo consta do item VI.1 da denúncia, teriam sido utilizadas para o repasse de valores para as empresas Bônus Banval e Natimar, no seguintes termos (fl. 5711):

Os valores oriundos do núcleo Marcos Valério eram depositados na conta da empresa Bônus Banval, que os direcionava internamente para a conta da Natimar junto à própria Bônus Banval, sendo transferidos em seguida por Carlos Alberto Quaglia, Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg aos destinatários reais do esquema.

Essa segunda forma fraudulenta de repasse, com o emprego das empresas Bônus Banval e Natimar, resultou em transferências no valor total de um milhão e duzentos mil reais ao PP.

(...)Os recursos do núcleo Marcos Valério repassados para as empresas Bônus Banval

e Natimar tinham por origem predominante as empresas 2S Participações Ltda. e Rogério Lanza Tolentino Associados, ambas do seu grupo empresarial.

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A denúncia demonstra, de forma satisfatória, de que forma o denunciado Rogério Lanza Tolentino teria contribuído para a suposta consumação do delito previsto no art. 333 do Código Penal, especificamente em relação ao Partido Progressista, de que cuida o item VI.1.

O mesmo não ocorre, contudo, no que concerne aos crimes de corrupção ativa descritos nos itens VI.2, VI.3 e VI.4, nos quais não há qualquer referência, na denúncia, à pessoa do referido denunciado.

Pelo que consta da denúncia, o procedimento de utilização das empresas Natimar e Bônus Banval se restringiu à suposta corrupção de alguns membros do Partido Progressista.

é certo que, como já afirmei acima, nos crimes de autoria coletiva o aten-dimento aos requisitos do art. 41 do Código Penal deve ser observado de modo a evitar que seja inviabilizada a persecução penal.

Por outro lado, é imprescindível que a denúncia informe como o denunciado teria supostamente contribuído para a consecução do delito que lhe é imputado, o que não foi obedecido, com relação ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, nos itens VI.2, VI.3 e VI.4.

Ante o exposto, recebo a denúncia com relação à imputação feita ao denun-ciado Rogério Lanza Tolentino constante do item VI.1a da denúncia (ou seja, 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal – parlamentares federais Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene).

Não recebo, porém, a denúncia, com relação às imputações feitas ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, pelas razões acima expostas, com relação aos itens:

VI.2.a) 2 (duas) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamenta-res federais Valdemar Costa Neto e Bispo Rodrigues);

VI.3.a) 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentares federais José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz); e

VI.4.a) nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentar José Borba).

Simone Vasconcelos e Geiza DiasNo que concerne às denunciadas Simone Vasconcelos e Geiza Dias, há

nos autos indícios de participação delas nos supostos delitos de corrupção ativa descritos no item VI e respectivos subitens.

O Procurador-Geral da República inicia a descrição dos fatos pelo item VI da denúncia:

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Já no o item VI.1, transcrevo a seguinte passagem (fl. 5712):

Em decorrência do esquema criminoso articulado, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú receberam como contraprestação do apoio político negociado ilicitamente, no mínimo, o montante de quatro milhões e cem mil reais.

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Desse total, o valor aproximado de R$ 2.900.000,00 foi entregue aos parlamentares acima mencionados pela sistemática de saques efetuados por Simone Vasconcelos na agência do Banco Rural em Brasília, que repassava o dinheiro a João Cláudio Genú em malas ou sacolas dentro da própria agência, no quarto do hotel Grand Bittar onde se hospedava e na sede da empresa SMP&B em Brasília.

Em duas ocasiões, 17/09/2003 e 24/09/2003 o próprio João Cláudio Genú rubricou o documento fac-símile (fls. 222/225 do Apenso 05 e 354 e 412 do Apenso 06) que autorizava os saques da importância de R$ 300.000,00 em cada uma dessas situações, tendo confirmado, em seu depoimento (fls. 576/584) o recebimento dos valores acima mencionados e de vários outros saques efetuados por Simone Vasconcelos que lhe foram repassados na forma descrita no parágrafo anterior.

Segundo a documentação que constitui os Apensos 05 e 06, referente aos fac-símiles e outros meios de comunicação utilizados por Geiza Dias, Simone Vasconcelos e os funcioná-rios do Banco Rural para identificação dos sacadores do dinheiro disponibilizado pelo grupo de Marcos Valério, também constam as seguintes informações de saques por parte de João Cláudio Genú: 13.01.2004 – R$ 200.000,00 (fl. 55 e verso do Apenso 05); 20.01.2004 – R$ 200.000,00 (fl. 75 e verso do Apenso 05).

No que tange ao item VI.2, cito o seguinte trecho da denúncia (fl. 5722):

Jacinto Lamas, como ficou materialmente comprovado nos autos, recebeu, entre outras ocasiões não detectadas em razão da entrega pessoal via Simone Vasconcelos, nas seguintes datas: 16/09/2003, R$ 200.000,00 (fls. 377 e 393 – Apenso 06); 23/09/2003 – R$ 100.000,00 (fl. 234 – Apenso 05); 12/11/2003 – R$ 100.000,00 (fl. 462 – Apenso 06); 18.11.2003 – R$ 100.000,00 (fl. 261 – Apenso 05); 17.12.2003 R$ 100.000,00 (fl. 44 verso – Apenso 05); 20.01.2004 – R$ 200.000,00 (fl. 75 e verso do Apenso 05); e 28.01.2004 – R$ 100.000,00 (fl. 87 do Apenso 05).

Nos demais itens relativos ao delito de corrupção ativa (itens VI.3 e VI.4), também há referência à sistemática de saques supostamente efetuada por Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Do item VI.3, extraio o seguinte trecho:

Assim, em janeiro de 2004, José Hertz, Coordenador do PTB em Belo Horizonte, rece-beu um telefonema de Emerson Palmieri que o orientou a buscar um envelope a ser entregue por Simone Vasconcelos. Primeiramente, José Hertz pegou um envelope com dinheiro na agência do Banco do Brasil em Belo Horizonte e, depois, recebeu outro envelope contendo dinheiro na agência do Banco Rural em Belo Horizonte.

José Hertz deslocou-se até Brasília e entregou ambos os envelopes contendo dinheiro a Emerson Palmieri na data de 05/01/2004, ocasião em que Emerson Palmieri ligou para Roberto Jefferson informando o seguinte: “assunto resolvido”.

Quanto ao item VI.4, transcrevo o seguinte trecho:

Ciente da origem ilícita dos recursos (organização criminosa voltada para a prática de crimes contra a administração publica e contra o sistema financeiro nacional), bem como dos mecanismos de lavagem empregados para a transferência dos valores, José Borba atuou para não receber diretamente o dinheiro, de forma a não deixar qualquer rastro de sua participação no esquema.

No entanto, ficou comprovado o pagamento de uma das parcelas disponibilizadas pelo grupo de Marcos Valério, no valor de R$ 200.000,00 ao ex-Deputado Federal José Borba, que recebeu esse dinheiro das mãos de Simone Vasconcelos.

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Nessa ocasião, o próprio José Borba compareceu na agência do Banco Rural em Brasília e procurou o então Tesoureiro do Banco Rural em Brasília José Francisco de Almeida para a entrega do dinheiro, o que foi confirmado por Simone Vasconcelos.

Todavia, José Borba recusou-se a assinar qualquer documento que comprovasse o recebimento da importância acima, fazendo com que Simone Vasconcelos se deslocasse até essa agência, retirasse, mediante a sua própria assinatura, a quantia acima informada, e efetuasse a entrega desse numerário ao então parlamentar.

Importante ressaltar que, no bojo dos apensos 5 e 6, constam centenas de documentos, incluindo cheques, autorizações de saques e e-mails dos quais constam os nomes das denunciadas Simone Vasconcelos e Geiza Dias, supostamente utili-zados para a distribuição de quantias mencionada nos itens VI.1 a VI.4 da denúncia.

A título de exemplo, cito a correspondência eletrônica de fl. 223 do apenso 5, cujo teor transcrevo a seguir:

De: Geiza DiasPara: [email protected] Data: Terça-feira, 16 de setembro de 2003 17:05Assunto: SMPBBruno,A pessoa que irá receber os R$ 300.000,00 amanhã, 17/09/2003, em Brasília é o Sr.

João Cláudio Genú – CI: 765.945 SSPDF.Obrigada,Geiza.

Apenas para ilustrar o que consta do apenso 5, destaco o seguinte trecho do item VI.4 da denúncia:

Segundo informação de Marcos Valério, José Borba foi beneficiado com valores na ordem de R$ 2.100.000,00, mediante pagamentos efetuados, no esquema de lavagem já narrado, nas seguintes datas: 16/09/2003 – R$ 250.000,00; 25/09/2003 – R$ 250.000,00; 20/11/2003 – R$ 200.000,00; 27/11/2003 – R$ 200.000,00; 04/12/2003 – R$ 200.000,00; e 05/07/2004 – R$ 1.000.000,00.

Compulsando-se o apenso 5, vê-se que, à fl. 17, consta a seguinte mensa-gem da denunciada Geiza Dias:

De: Geiza Dias [email protected]: [email protected] Data: Quarta-feira, 26 de novembro de 2003 09:57Assunto: ENC SMPB(...)Bruno,Quem vai pegar o cash amanhã na agência de Brasília é Simone Reis de Vasconcelos. O valor é de R$ 400.000,00 e ela irá procurar pelo Sr. Francisco a partir das 12:30h.Quaisquer dúvidas, favor me ligar.Obrigada e um beijo.Geiza.

Quanto ao acervo indiciário relativo à denunciada Simone Reis Lobo de Vas-concelos, este é vasto, a começar pela confirmação, nos depoimentos prestados perante a autoridade policial por João Cláudio de Carvalho Genú (fls. 578-583), José Hertz Cardoso (fls. 333-336) e Romeu Ferreira de Queiroz (fls. 2125-2130), entre vários outros.

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Importa ressaltar que a denunciada Simone Reis Lobo de Vasconcelos, quando ouvida pela autoridade policial pela primeira vez (fls. 175-178), negou ter realizado qualquer repasse de dinheiro em espécie.

Porém, ao ser reinquirida às fls. 588-595, quando já havia sido realizada a diligência de busca e apreensão nas dependências do Banco Rural em Brasília, onde foram apreendidos os documentos que integram os apensos 5 e 6, a denun-ciada Simone admitiu o recebimento das quantias, apresentando, inclusive, uma relação dos pagamentos feitos, conforme o seguinte trecho do referido termo de depoimento:

(...) Que no final do ano de 2002 recebeu o primeiro pedido de Marcos Valério para realizar um trabalho diferente do que estava acostumada; Que Marcos Valério no final de dezembro de 2002 pediu à declarante que realizasse um saque na agência Brasília do Banco Rural e repassasse os valores para algumas pessoas; Que, na verdade, este primeiro saque a pedido de Marcos Valério ocorreu em janeiro de 2003; (...) Que a partir de então Marcos Valério fez vários pedidos semelhantes para a declarante; Que Marcos Valério pedia à declarante que se dirigisse à agência Brasília do Banco Rural para efetuar saques de valores variados e repassar a outras pessoas; Que não se recorda quantas vezes realizou tal procedi-mento; Que apresenta neste momento uma relação de pessoas que receberam recursos de suas mãos, conforme determinação de Marcos Valério; Que atualmente ocupa o cargo de Diretora Financeiro-Administrativa da empresa SMP&B (...)

Por óbvio, não se pode desconsiderar as centenas de documentos apreendidos nas dependências do Banco Rural em Brasília, constantes dos apensos 5 e 6, dos quais constam as autorizações de saques, os cheques utilizados para saques, alguns deles assinados pela própria denunciada Simone, como o cheque cuja cópia está à fl. 192 do apenso 5.

Contrariando as alegações das defesas, há indícios de que as ações das denun-ciadas Simone Vasconcelos e Geiza Dias foram dolosas, desbordando do simples exercício de atividade profissional. Exemplo disso é o episódio narrado por Simone Vasconcelos, no trecho do seu depoimento que passo a transcrever (fl. 591):

Que se recorda que José Borba teria se recusado a assinar um comprovante de recebi-mento no Banco Rural, motivo pelo qual a declarante veio pessoalmente assinar tal documento para poder efetuar o repasse ao mesmo. (...)

Ora, é difícil imaginar em que tipo de pagamento lícito o destinatário do dinheiro se recusa a assinar o recibo. Some-se a isso o fato de que a quantia foi paga em espécie. Aliás, volto a transcrever parte da mensagem de correio eletrô-nico transmitida por Geiza Dias à agência do Banco Rural em Brasília em 26 de novembro de 2003:

Bruno,Quem vai pegar o cash amanhã na agência de Brasília é Simone Reis de Vasconcelos. O valor é de R$ 400.000,00 e ela irá procurar pelo Sr. Francisco a partir das 12:30h.Quaisquer dúvidas, favor me ligar.Obrigada e um beijo.Geiza.

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Os indícios de dolo não param por aí. Devo dizer que é no mínimo estra-nho que alguém que exerce o cargo de gerente financeiro ou diretor financeiro, circule por agências bancárias para fazer “pagamentos” em dinheiro vivo. é difícil imaginar que não haja, por parte daqueles que supostamente operacionalizam tais transações, a percepção de que se estaria praticando atos ilegais. Afinal, existem diversas maneiras seguras de se pagar a fornecedores, com muito menos risco do que em quartos de hotel ou em agências bancárias, com envelopes contendo centenas de milhares de reais.

Ante o exposto, em face do atendimento aos requisitos mínimos do art. 41 do Código de Processo Penal e da presença de justa causa para a propositura da ação penal, recebo a denúncia com relação às denunciadas Simone dos Reis Lobo de Vasconcelos e Geiza Dias, na forma do art. 29 do Código Penal, no que concerne aos delitos de corrupção ativa constantes dos itens:

VI.1.a) 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentares federais Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene);

VI.2.a) 2 (duas) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamen-tares federais Valdemar Costa Neto e Bispo Rodrigues);

VI.3.a) 3 (três) vezes nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentares federais José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz); e

VI.4.a) 1 (uma) vez nas penas do art. 333 do Código Penal (parlamentar José Borba).

Da imputação de lavagem de dinheiro (Partido dos Trabalhadores e o ex-Ministro dos Transportes) – Capítulo VII da denúncia

Neste capítulo, o Ministério Público Federal acusa Paulo Rocha, Anita Leocádia, João Magno, Professor Luizinho, Anderson Adauto e José Luiz Alves da prática, reiteradas vezes, do crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/98).

Transcrevo os termos pertinentes da denúncia:

Além da compra de apoio político mediante o pagamento de propina, os recursos oriundos do núcleo publicitário-financeiro também serviram para o repasse dos mais variados valores aos integrantes do Partido dos Trabalhadores. O então Ministro dos Transportes Anderson Adauto também se valeu do esquema.

Objetivando não se envolverem nas operações de apropriação dos montantes, pois tinham conhecimento de que os recursos vinham de organização criminosa destinada à prática de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, Paulo Rocha, João Magno, Luiz Carlos da Silva (vulgo “Professor Luizinho”) e Anderson Adauto empre-garam mecanismos fraudulentos para mascarar a origem, natureza e, principalmente, destinatários finais das quantias.

Nas retiradas em espécie, buscando não deixar qualquer sinal da sua participação, os beneficiários reais apresentavam um terceiro, indicando o seu nome e qualificação para o recebimento dos valores.

Paulo Rocha é acusado de ter recebido R$ 920 mil reais do esquema ilícito narrado na denúncia, através de interpostas pessoas, sendo: R$ 50 mil em 7-4-03, 3-7-03, 4-7-03 e 17-7-03; R$ 120 mil em 16-12-03; R$ 300 mil em 27-5-03; R$ 200 mil em 5-7-04; e R$ 100 mil em 6-5-05.

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Desses valores, o Procurador-Geral da República afirma que no mínimo R$ 600 mil foram recebidos por intermédio da denunciada Anita Leocádia, que, nos termos da denúncia, “agia profissionalmente como intermediária de Paulo Rocha, tendo ciência de que estava viabilizando criminosamente o recebimento de valores em espécie. Diferente de outros casos, não foram saques pontuais. Pelo contrário, sua atuação foi habitual e constante como auxiliar de Paulo Rocha na prática dos crimes”.

O ex-Deputado João Magno é acusado de receber, por interpostas pessoas, o total de R$ 350 mil, segundo Marcos Valério repassados nas datas de 19-8-03, 5-12-03 e 17 a 24-9-04 (v. fl. 606, vol. 3 dos autos).

O Procurador-Geral da República anota que o denunciado João Magno já esteve na sede da empresa SMP&B em Minas Gerais, além de ter admitido, perante a Comissão de Sindicância da Câmara dos Deputados, que recebeu os recursos por orientação de Delúbio Soares.

Por sua vez, Professor Luizinho é acusado de ter recebido a importância de R$ 20 mil, por interposta pessoa, sacado na agência do Banco Rural de Brasília, no dia 18-12-03. O Procurador-Geral da República destaca que o parlamentar “ocupou o estratégico cargo de líder do governo na Câmara dos Deputados, com o aval do núcleo político-partidário da organização criminosa”. Também teria pleno conhecimento da atuação dos núcleos político-partidário e financeiro-publi-citário na prática dos crimes narrados na denúncia.

Anderson Adauto e seu chefe de gabinete, José Luiz Alves, são acusados de terem recebido, diretamente do núcleo publicitário-financeiro, o total de um milhão de reais, também pela sistemática de lavagem que o Procurador-Geral da República acusa o Banco Rural de ter disponibilizado.

O Procurador-Geral da República acrescenta que o acusado Anderson Adauto já mantinha relações com Marcos Valério antes mesmo do início da atuação do suposto esquema criminoso denunciado e foi “auxiliado pela empresa SMP&B nas campanhas eleitorais de 1998 e 2002”. Embora José Luiz Alves tenha permanecido em silêncio no depoimento prestado à Polícia Federal, o Procurador-Geral da República destaca que Anderson Adauto reconheceu o recebimento de R$ 200 mil, por intermédio de seu chefe de gabinete, em cinco oportunidades.

Passo à análise dos indícios constantes dos autos.

a) Paulo Rocha e Anita Leocádia

Às fls. 1867/1870 está o depoimento prestado por Paulo Rocha à Polícia Federal, de que se extrai o seguinte, verbis:

Que, em meados de junho de 2003, Delúbio Soares colocou à disposição do PT/PA a quantia de R$ 300 mil; Que Delúbio falou para o declarante que uma pessoa iria entrar em contato com o mesmo; Que teve contato com o Sr. Marcos Valério, que disse ao declarante que estava à disposição do PT/PA o valor de R$ 300 mil, conforme orientação que recebeu de Delúbio Soares; (...) Que, além desse contato com Marcos Valério, pode afirmar que o mesmo procurou o declarante para as campanhas municipais de 2004; (...) Que não sabe dizer quantas vezes esteve ou falou com Marcos Valério ao telefone; (...) Que conheceu

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Marcos Valério em janeiro/2003, tendo em vista que o mesmo foi o responsável pela campanha do Deputado João Paulo Cunha à Presidência da Câmara; Que foi um dos articuladores da campanha do Deputado João Paulo Cunha; (...) Que, ao mencionar ao declarante a disponibilização dos R$ 300 mil, Marcos Valério indicou um telefone para futuros contatos; Que não se recorda qual telefone foi colocado à disposição do declarante, nem tão pouco qual funcionário de Marcos Valério seria responsável pelo acerto dos repasses; (...) Que repassou a Anita Leocádia a incumbência de estabelecer contato com os assessores de Marcos Valério; Que Anita Leocádia ligou para o número fornecido por Marcos Valério e foi orientada sobre a forma de recebimento dos recursos; (...) Que os três primeiros repasses ocorreram entre os meses de junho e julho/2003; Que somente em dezembro de 2003 houve a disponibi-lização de novos recursos; Que o saque ocorrido em dezembro de 2003 foi combinado entre Anita Leocádia, Marcos Valério e seus assessores; (...) Que em 2004 foram solicitados novos recursos a Delúbio Soares; (...) Que Delúbio Soares colocou à disposição do PT/PA R$ 200 mil, a serem recebidos na cidade de São Paulo/SP; (...) Que pediu para Anita Leocádia se dirigir a São Paulo e efetuar o recebimento desse novo repasse, bem como efetuar o paga-mento dos credores do PT/PA (...); Que (...) o PT Nacional ficou de encaminhar recursos para o PSB no Estado do Pará; Que neste acordo não havia qualquer contrapartida por parte do PSB; Que o repasse desses recursos não possuía nenhuma relação com o apoio dado pelo PSB à candidatura do PT no segundo turno das eleições para o Governo do Estado do Pará; Que o Diretório Regional do PSB no Pará era ocupado pelo ex-senador Ademir Andrade; Que Ademir Andrade indicou para o declarante o nome de Charles dos Santos Dias para processar o repasse dos recursos; Que Charles Dias entrou em contato com o declarante para saber como iria receber os R$ 300 mil; Que o declarante repassou para Charles o telefone de contato de Marcos Valério, conforme orientação de Delúbio Soares; (...)

Como se nota, o acusado Paulo Rocha não nega o recebimento de recursos de Marcos Valério, embora alegue que desconhecia sua origem, afirmando ainda que a destinação do numerário seria perfeitamente legal, qual seja, o pagamento de credores do PT/PA. Faz questão de destacar que não conhecia o mecanismo de recebimento desses recursos – que, como destacou a denúncia, totalizou R$ 920 mil, quantia nada irrisória – e sempre conceitua o recebimento dos recursos de Marcos Valério como “repasses”.

Necessário o cotejo de seu depoimento com o prestado por Charles dos Santos Dias (fls. 974/977):

Que, no ano de 2003, quando ainda trabalhava no Senado Federal como Assessor Parlamentar na Diretoria-Geral, recebeu uma ligação telefônica do Deputado Federal Paulo Rocha em que o mesmo dizia que a partir de entendimento entre o PT e o PSB no Estado do Pará, o nome do declarante havia sido indicado pelo partido PSB para entrar em contato com uma pessoa de nome Simone; Que, inclusive, o Deputado Paulo Rocha forneceu o telefone de Simone, não sabendo precisar se era telefone fixo, celular ou comercial; Que, na ocasião, o Deputado Federal Paulo Rocha mencionou que o PSB havia contraído dívidas de campanha para ajudar a então candidata do PT Maria do Carmo na eleição do segundo turno para o go-verno do Estado do Pará; Que, então, o Deputado Federal Paulo Rocha disse que o declarante deveria entrar em contato com Simone que esta forneceria os recursos para serem entregues em Belém/PA, mas precisamente no Diretório do Partido PSB, para saldar débitos pendentes do PSB com fornecedores e empresas contratadas; Que entrou em contato com Simone, apresentou-se como Charles e fez menção à conversa que teve com o Deputado Federal Paulo Rocha; Que Simone pediu ao declarante que retornasse a ligação no dia seguinte pois “ainda estava resolvendo; Que novamente entrou em contato com Simone, que solicitou que o declarante fosse até Belo Horizonte/MG, declinando o endereço onde deveria encontrá-la, que hoje sabe ser o escritório da empresa SMP&B; Que foi de avião para Belo Horizonte; Que não

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arcou com as despesas dos deslocamentos, não sabendo precisar quem custeou suas passagens aéreas, BSB/BH e BH/PA/BSB; Que pegou os recursos com Simone, oportunidade em que esta solicitou a apresentação da carteira de identidade do declarante; Que, nesse momento, Simone comentou que, de acordo com entendimento com o Deputado Federal Paulo Rocha, seriam efetuados três pagamentos mensais de cem mil reais; Que não estava preparado para transportar tal quantia, quando então foi embalado todo o dinheiro; (...) Que, no segundo mês, referente à segunda parcela de cem mil, deslocou-se para Belo Horizonte/MG no mesmo endereço que Simone havia lhe fornecido; Que, nessa oportunidade, Simone alegou que estava sem recursos em espécie e que seria entregue um cheque administrativo em nome da empresa SMP&B, ocasião em que assinou um recibo no valor de cem mil reais; Que Simone orientou o declarante a se dirigir, salvo engano, à Agência Assembléia do Banco Rural e procurar alguém da gerência para realizar o saque do cheque administrativo no valor de cem mil reais; Que, na Agência Assembléia do Banco Rural, após falar com um dos gerentes que já estava aguardando a presença do declarante, foi orientado a se dirigir ao caixa; Que, no caixa, foi encaminhado à tesouraria para efetuar o saque, não sabendo informar se assinou algum documento comprobatório do recebimento dos valores; Que acompanhou a contagem dos maços de cédulas totalizando cem mil reais; Que, dessa vez, acondicionou o dinheiro “em uma bolsa de mão”; Que novamente se deslocou de Belo Horizonte a Belém/PA e entregou os cem mil reais à Maria Aparecida; Que, antes do recebimento da terceira parcela, recebeu telefonema de Maria Aparecida que informou não haver necessidade de o declarante ir até Belo Horizonte, pois o “pagamento seria efetuado diretamente com o fornecedor do partido PSB”; (...)

Assim, não merece acolhida, por ora, a alegação do Deputado Federal Paulo Rocha, então líder do PT na Câmara dos Deputados, de que desconhecia o mecanismo de recebimento de valores em espécie, mediante um aparente esquema de lavagem de dinheiro disponibilizado pelo Banco Rural. O depoimento da acusada Anita Leocádia reforça a necessidade de receber a denúncia neste ponto. Transcrevo o trecho destacado pelo Procurador-Geral da República na denúncia (v. fls. 720/723):

Que, no ano de 2003, o Deputado Federal Paulo Rocha solicitou à declarante a reali-zação de um trabalho que não era afeto a suas atividades normais; Que esse trabalho consistia em dirigir-se à agência Brasília do Banco Rural e efetuar saques de valores para custear despesas do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores no Pará; Que o Deputado Federal Paulo Rocha é presidente do Partido dos Trabalhadores no Pará desde aproxima-damente o ano de 2002; Que o primeiro saque que realizou ocorreu no final do mês de junho de 2003; Que o Deputado Federal Paulo Rocha comentou com a declarante que havia combinado com o tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores a quitação de débitos contraídos no decorrer da campanha de 2002; (...) Que o Deputado Federal Paulo Rocha afirmou que Delúbio Soares iria encaminhar os recursos necessários para a quita-ção das despesas contraídas pelo Partido dos Trabalhadores no Estado do Pará através da Agência Brasília do Banco Rural; Que não sabe dizer por qual motivo o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores não fazia encaminhamento dos recursos dire-tamente para a conta bancária do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores no Pará; (...) Que o Deputado Federal Paulo Rocha falou para a declarante que uma pessoa iria entrar em contato para informar que o dinheiro já estaria disponível; Que, conforme afirmado pelo Deputado Federal Paulo Rocha, recebeu a ligação de uma pessoa que se identificou pelo nome de Simone, que disse à declarante para ir à Agência Brasília do Banco Rural para receber o valor disponível; Que Simone falou para a declarante que havia R$ 100 mil para serem entregues ao Deputado Federal Paulo Rocha na Agência Brasília do Banco Rural; (...) Que não recebeu nenhum documento para ser utilizado no saque; Que, ao chegar na agência, procurou pelo empregado indicado por Simone; Que o empregado da Agência Brasília do Banco Rural já sabia do que se tratava, tendo pedido à declarante que

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aguardasse um pouco enquanto separava o dinheiro; Que a declarante ficou aguardando, na entrada da agência, por aproximadamente meia hora; Que o empregado do banco chamou a declarante para uma sala para lhe entregar o dinheiro; Que, ao entrar na sala, o dinheiro estava sobre uma mesa, tendo a declarante colocado o dinheiro dentro da bolsa que portava; Que não conferiu o valor que lhe foi entregue, tendo assinado o recibo e deixado uma cópia de sua carteira de identidade; Que efetuou quatro saques na Agência Brasília do Banco Rural, sempre seguindo o mesmo procedimento relatado; Que, o segundo e o terceiro saque que realizou, no valor de R$ 100 mil cada, ocorreram em julho de 2003; Que o quarto saque, no valor de R$ 120 mil, ocorreu em dezembro de 2003; (...) Que reconhece como sua a assinatura aposta nos documentos de fls. 332 do Apenso 6 e fls. 644, 653, 686 e 693 do Apenso 7; Que o Deputado Federal Paulo Rocha disse à declarante que havia combinado com Delúbio Soares que iria encaminhar os recursos conforme um crono-grama estabelecido; Que, entretanto, não havia uma data fixa para os recebimentos; (...) Que, em julho de 2004, o Deputado Federal Paulo Rocha solicitou à declarante que fosse à cidade de São Paulo para receber um recurso no valor de R$ 200 mil para o Partido dos Trabalhadores do Estado do Pará custear despesas da campanha eleitoral de 2004; Que o Deputado Federal Paulo Rocha pediu à declarante que viajasse a São Paulo/SP e ficasse aguardando o telefonema de uma pessoa; (...) Que, já na cidade de São Paulo, recebeu uma ligação de Marcos Valério, que pediu para a declarante que fosse ao seu encontro em um hotel; (...) Que, no quarto do hotel, Marcos Valério passou a declarante R$ 200 mil; Que se apresentou a Marcos Valério como sendo a assessora parlamentar do Deputado Federal Paulo Rocha; (...) Que, após receber os R$ 200 mil de Marcos Valério, a declarante efetuou o pagamento de alguns fornecedores, através de depósitos realizados em bancos na cidade de São Paulo/SP; Que o restante do recurso foi encaminhado para o Diretório do Partido dos Trabalhadores no Estado do Pará (...).

Por fim, o denunciado Marcos Valério afirmou em seu depoimento (v. fl. 733):

Que, sobre o documento intitulado “Relação de pessoas indicadas pelo PT que receberam recursos emprestados ao PT”, presta os seguintes esclarecimentos: (...) Que, o deputado Paulo Rocha, indicado no item 4 da relação, era ligado ao PT do Pará, e os recursos eram recebidos pelos assessores Anita Leocádia e Charles dos Santos Dias

Muito bem, Senhora Presidente, considero que esses depoimentos trazem indícios suficientes para o recebimento da denúncia contra Paulo Rocha e Anita Leocádia. Os “repasses” e “recebimentos” de recursos provenientes da SMP&B são, no mínimo, suspeitos, pois se deram por meio de procedimentos que não fazem parte da praxe cotidiana bancária – o recebimento, pelos denunciados, de valores vultosos, em espécie, sem qualquer registro formal de que o saque estava sendo efetuado pela denunciada.

A acusada Anita Leocádia, a pedido do denunciado Paulo Rocha, simples-mente se dirigia a uma sala da agência do Banco Rural em Brasília – e, em uma oportunidade, se dirigiu a um quarto de hotel indicado por Marcos Valério – e recebia valores superiores a R$ 100 mil (totalizando R$ 900 mil, segundo a denúncia), ale-gadamente sem conhecer a origem destes recursos ou a razão pela qual a SMP&B os estava destinando ao PT. Não parece, assim, verossímil a tentativa da defesa de descaracterizar a tipicidade dos fatos narrados na exordial acusatória.

Do exposto, meu voto é pelo recebimento da denúncia contra o Depu-tado Federal Paulo Rocha e sua assessora parlamentar, Anita Leocádia, pela prática, em tese do delito descrito no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98, oito e sete vezes, respectivamente.

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b) João Magno

Relativamente ao ex-Deputado João Magno, a denúncia destaca o conteúdo do Relatório do Conselho de ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados que narrou detalhadamente os fatos envolvendo o acusado, sendo relevante o seguinte:

O Deputado João Magno é acusado de ter recebido da empresa SMP&B, por inter-médio do Banco do Brasil e do Banco Rural, valores que somam R$ 126.915,00, como parte de um esquema de “compra” de votos de Parlamentares da base governista. Segundo constatou a Comissão de Sindicância, esses pagamentos foram feitos: R$ 41.000,00 direta-mente a ele; R$ 50.000,00 a seu assessor Paulo Vieira Albrigo; R$ 10.000,00 a seu assessor Charles Antônio Ribeiro; e R$ 25.915,00 a seu irmão, Hermínio Moura de Araújo. O Deputado João Magno consta, ainda, da lista apresentada pelo Sr. Marcos Valério como beneficiário de R$ 350.000,00.

No curso da instrução perante o Conselho, o Representado admitiu expressamente ter recebido não apenas R$ 126.915,00, mas um total de R$ 425.915,00 da SMP&B, usados para pagamento de despesas de campanhas políticas em 2002 e 2004. Reconheceu, também, que os valores em questão não foram contabilizados junto à Justiça Eleitoral. Alega, em sua defesa, que agiu de boa-fé, recebendo os recursos do secretário nacional de finanças do PT, e como tal não violou o decoro parlamentar.

O Conselho de ética ouviu três testemunhas dos fatos envolvendo o denun-ciado, cujos depoimentos foram assim resumidos:

Em breve síntese, o Sr. Charles Antônio Ribeiro declarou ter recebido, em 18 de agosto de 2003, como assessor do Deputado João Magno e em seu nome, a quantia de R$ 10.000,00, por meio de depósito em sua conta bancária pessoal, cuja origem, segundo informação do Deputado João Magno, seria o PT nacional. (...)

Já o Sr. Hermínio Moura de Araújo afirmou ser irmão do Representado e dono de uma empresa de pesquisa e planejamento. Afirmou, ainda, ter recebido a quantia de R$ 25.915,00 em 19 de agosto de 2003, por depósito em sua conta bancária pessoal, em pagamento de serviços prestados ao Representado em setembro de 2002. Disse que o dinheiro teve origem na direção do PT, segundo informação do Deputado João Magno, desconhecendo, entre-tanto, quem fez o depósito em sua conta bancária.

A seu turno, o Sr. Paulo Vieira Albrigo declarou que, na qualidade de assessor e presi-dente do comitê financeiro da campanha do Deputado João Magno, recebeu, em nome deste, mediante intermediação da SMP&B, R$ 350.000,00, em 3 parcelas, entregues em cheque e em espécie, destinados a pagar despesas eleitorais de 2002 e 2004. Dessa quantia, prosseguiu em seu depoimento, R$ 50.000,00 foram pagos em cheque em 27 de abril de 2004, por intermédio da SMP&B, provenientes da empresa 2S Participações, e R$ 250.000,00 foram retirados pessoalmente, em espécie, na sede da SMP&B. Todos esses valores, segundo o depoente, foram obtidos pelo Deputado João Magno junto à direção nacional do PT e seu tesoureiro nacional. Afirmou, ainda, que efetuou todos os pagamentos das despesas de campanha em espécie, tendo prestado contas à Justiça Eleitoral.

Conforme destacado na manifestação de fls. 10167/10253 do Procurador-Geral da República, é relevante notar que os valores recebidos só foram decla-rados à Justiça Eleitoral após a divulgação dos fatos objeto deste inquérito pela mídia, o que caracterizaria “uma inócua tentativa de transformar o crime de lavagem em ilícito eleitoral”. Diz o Procurador-Geral da República (fl. 10218 – vol. 48 dos autos):

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(...) não importa o que foi feito pelo denunciado com o dinheiro. é até natural e pre-visível que parte do montante tenha sido utilizada para pagamento de dívidas de campanhas. Aliás, essa tese é adotada expressamente na denúncia, pois o pagamento desse tipo de dívida viabiliza a manutenção do poder em pleitos futuros. O problema, no caso em exame, foi a forma sorrateira de recebimento para evitar a atuação estatal.

Também em relação a este denunciado, Marcos Valério afirmou em seu depoimento (v. fl. 734):

Que, sobre o documento intitulado “Relação de pessoas indicadas pelo PT que recebe-ram recursos emprestados ao PT”, presta os seguintes esclarecimentos: (...) Que o deputado João Magno é do PT de Minas Gerais e recebia através de Paulo Vieira Abrigo, provavelmente assessor.

Arremata o Procurador-Geral da República, na denúncia:

João Magno tinha pleno conhecimento da atuação da quadrilha ora denunciada, tanto é que, para se preservar, utilizou-se de interpostas pessoas para o recebimento dos valores disponibilizados pelo núcleo político-partidário por intermédio do núcleo publicitário-financeiro, valendo-se da estrutura disponibilizada pelo núcleo financeiro (Banco Rural).

Importante destacar que João Magno esteve na sede da empresa SMP&B, em Minas Gerais.

Tais considerações se pautam, ainda, no depoimento de Fernanda Karina, secretária de Marcos Valério, que assinalou o seguinte em seu depoimento à Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado em Minas Gerais (fl. 4):

Que a empresa tinha como atividade publicidade e propaganda e, em decorrência, recebia telefonemas de diversas pessoas, inclusive pessoas importantes, mas recorda-se que apenas um candidato a Deputado, cujo nome completo não sabe informar neste momento, sabendo apenas que é “alguma coisa” Magno, lá compareceu para tratar de sua campa-nha política elaborada pela empresa SMP&B Comunicação.

Senhora Presidente, considero que as informações constantes dos autos, como o depoimento do acusado João Magno ao Conselho de ética da Câmara, do acusado Marcos Valério e os depoimentos das testemunhas antes citadas, fornecem indícios suficientes da prática de ocultação do movimento de valores e dissimulação de sua origem, por parte do ex-deputado ora denunciado, valores que somam mais de R$ 400 mil, conforme afirmado pelo próprio denunciado.

Do exposto, voto pelo recebimento da denúncia neste ponto, devendo o ex-Deputado João Magno responder a ação penal pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro, por quatro vezes, conforme narrado na exor-dial (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98).

c) Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho)

Eis o que narra a denúncia neste ponto:

Luiz Carlos da Silva, vulgo “Professor Luizinho”, também com pleno conhecimento da atuação dos núcleos político-partidário e financeiro publicitário na prática dos crimes narrados nesta petição, recebeu, de forma dissimulada, através de interposta pessoa, a importância de R$ 20.000,00.

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O dinheiro acima foi sacado na agência do Banco Rural em Brasília por José Nilson dos Santos, assessor do Parlamentar, na data de 18.12.2003. O documento que materializa o recebimento da quantia acima se encontra à fl. 275 do Apenso 6.

O valor em questão foi recebido, em espécie, na Agência Avenida Paulista do Banco Rural, pelo assessor do ex-parlamentar acusado, que prestou depoi-mento nos seguintes termos (fls. 812/814):

Que, em junho de 2003 solicitou ao professor Luizinho que obtivesse, junto ao Partido dos Trabalhadores, uma determinada quantia em dinheiro, para que pudesse pagar despesas com gastos pré-eleitorais de pré-candidatos do Partido dos Trabalhadores ao cargo de vereador; Que estas despesas consistiam valores que seriam pagos a designers gráficos, além de material gráfico; Que o professor Luizinho ficou de providenciar estas verbas junto ao Partido dos Trabalhadores, tendo conhecimento de que o mesmo conseguiu dinheiro com Delúbio Soares; Que ficou agendado um encontro entre o depoente e Delúbio Soares, que ocorreu em dezembro de 2003, na sede do Partido dos Trabalhadores, onde ficou acertado que era para o depoente ir até um endereço fornecido por Delúbio na oportunidade, localizado na Avenida Paulista, em São Paulo/SP; Que, até então, o depoente não sabia que iria a um banco pegar o dinheiro; Que ao chegar ao endereço é que verificou tratar-se da agência Avenida Paulista do Banco Rural; Que Delúbio também disse o nome da pessoa que o depoente deveria procurar no Banco Rural, cujo nome não se recorda; Que, de fato, no dia 23 de dezembro de 2003 encaminhou-se até o local indicado por Delúbio, apresentou-se ao funcionário também indicado por Delúbio, recebendo vinte mil reais em dinheiro vivo; Que recebeu o dinheiro em uma sala de vidro, botou o dinheiro no bolso, assinou um recibo, forneceu a carteira de identidade ao funcionário do banco, recebendo em seguida o documento; Que, após este procedimento, levantou-se e foi embora em seu carro particular; (...) Que chegou a prestar informações ao jornal Folha de São Paulo no sentido de que não tinha sacado valores do Banco Rural, porque o repórter dizia que o depoente tinha sacado dinheiro em Brasília, fato que não ocorreu; Que não se lembrava do saque que tinha feito no Banco Rural da Avenida Paulista (...).

O denunciado, em sua defesa, nega participação no recebimento destes R$ 20 mil, alegando que se destinaram exclusivamente ao seu assessor, para contra-tação de designer gráfico para as campanhas internas de pré-candidatura de três vereadores do PT paulista que pretendiam disputar as eleições em Ribeirão Pires (Lenita Elena e Daniel Barbosa, cf. fls. 1757 e 1759) e em Santo André (Antonio Aparecido, cf. fl. 1758).

Senhora Presidente, a meu ver, os documentos apontados pela defesa não são, por si sós, suficientes para afastar toda e qualquer dúvida acerca da participação do denunciado nos fatos que lhe são imputados.

Questiona o Procurador-Geral da República em sua réplica (fl. 10216):

(...) a quem mais interessa o financiamento de pré-candidaturas? Ao assessor José Nilson ou ao seu chefe Professor Luizinho? A resposta parece óbvia. O próprio Deputado Professor Luizinho reconheceu em sua defesa (fl. 11) que a região beneficiada pelos recursos era seu reduto eleitoral.

O próprio Marcos Valério, ao indicar em sua planilha o valor repassado para José Nilson dos Santos, coloca como beneficiário o Professor Luizinho.

Importante lembrar duas situações: a) era Delúbio Soares, ante seu papel na qua-drilha, quem indicava o beneficiário para Marcos Valério; e b) Delúbio Soares, em depoi-mento, confirmou a veracidade da lista apresentada por Marcos Valério.

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Na verdade, Delúbio Soares determinou que Marcos Valério remetesse vinte mil reais ao Deputado Federal Professor Luizinho, que, por sua vez, indicou seu assessor (como muitos outros fizeram, por sinal) para recolher o montante.

O próprio denunciado reconhece, em sua defesa, que ligou para Delúbio Soares reco-mendando o “pleito” de seu assessor.

Neste ponto, em nota de rodapé, o Procurador-Geral da República acrescenta:

Em que pesem terem combinado as versões, o denunciado e José Nilson entram em contradição quando inquiridos se o Deputado Federal Professor Luizinho teria informado ao assessor José Nilson da conversa que teve com Delúbio Soares, na qual o tesoureiro informou que seria possível conseguir o dinheiro. Segundo o denunciado, ele teria avisado (fl. 10 da defesa). Conforme José Nilson, não.

Efetivamente, por ocasião dos depoimentos ao Conselho de ética da Câmara, enquanto José Nilson afirmou que, na ocasião em que pediu os R$ 20 mil ao acusado, este apenas lhe teria dito: “Isso aí não é comigo. Isso é com o PT”. E não teria retornado mais nada, não teria falado mais nada sobre o assunto, segundo o assessor (v. fl. 9 da resposta escrita do denunciado). Já Professor Luizinho, por ocasião de seu depoimento ao Conselho de ética, afirmou que consultou, sim, Delúbio Soares, e que transmitiu a resposta positiva a José Nilson (v. fl. 10 da resposta).

Aliás, parece-me relevante a leitura de trecho do depoimento do Deputado Professor Luizinho ao Conselho de ética da Câmara, por trazer questionamentos interessantes formulados pelo Deputado Pedro Canedo (fl. 10 da resposta do acusado):

O Sr. Deputado Pedro Canedo – (...) Deputado Professor Luizinho, o senhor confirma que, em julho de 2003, consultou o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, sobre a possibilidade de conseguir ajuda financeira para colaborar em prováveis campanhas a Vereador e a Vereadora em diversos Municípios do ABC paulista?

O Sr. Deputado Professor Luizinho – Confirmo. Eu relato isso na minha defesa.O Sr. Deputado Pedro Canedo – O senhor confirma que esse pedido de V. Exa. só foi

atendido em dezembro de 2003.O Sr. Deputado Professor Luizinho – Não, não. Ele nunca me retornou. Eu só fiz

alusão, fiz a objeção, disse: “Olha, é possível ajuda?”. Porque haviam me provocado. A partir daí não tive mais nenhum contato. E transmiti. Porque, se o senhor, se me permite, Relator, se o senhor for ver na minha defesa, eu deixo claro que o Nilson me provocou, se tinha como ter aporte. Eu disse a ele: “Isso é com Delúbio”. “Dá para você falar?”. Falei: “Dá para falar”. Perguntei ao Delúbio: “Delúbio, é possível?”. “É”. Transmiti isso ao Nilson, ponto, mais nada. A partir daí, não tivemos mais nenhum contato sobre essa questão.

O Sr. Deputado Pedro Canedo – Posterior a isso, em dezembro de 2003, mais precisa-mente em 23 de dezembro, o assessor de V. Exa. – o assessor parlamentar lotado aqui no gabinete, mas que lhe assessora no Estado de São Paulo, José Nilson dos Santos – foi comunicado que estariam à disposição dele 20 mil reais.

O Sr. Deputado Professor Luizinho – Pelo processo, eu teria que ver junto aqui com o senhor. Se o senhor for ver pelo processo, pela declaração dele, ele diz que fez o contato e que depois... Primeiro, ele me procurou; depois, ele foi informado que estava à disposição. A forma como se deu eu não tenho claro, eu não sei (...)

O Sr. Deputado Pedro Canedo – V. Exa. tem conhecimento de quando ele procurou o Delúbio?

O Sr. Deputado Professor Luizinho – Não, não tenho. Não sei dizer. Dá a entender, pela declaração dele, que era dezembro mesmo.

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O Sr. Deputado Pedro Canedo – Certo. E quem foi que informou a ele que ele podia buscar esse dinheiro lá no Banco Rural.

O Sr. Deputado Professor Luizinho – Ah, isso daí deve ter sido, acredito eu, Delúbio. (...)O Sr. Deputado Pedro Canedo – Esse dinheiro, ao chegar às mãos do José Nilson

dos Santos... Pela sua defesa, esse dinheiro teria repassado para um desenhista, que teria cobrado exatamente os 20 mil reais, os recursos que foram repassados, para preparar o design gráfico de 3 pré-candidatos – 2 pré-candidatos e uma pré-candidata a Vereadora do ABC Paulista, de Santo André e de Ribeirão Pires, como ele mesmo fala. (...) Eu gostaria de saber se isso é uma prática comum, sabe, fazer esses desenhos, fazer esse trabalho, para pré-candidatos dentro do Partido dos Trabalhadores. Isso é normal ou é uma prática específica do Sr. José Nilson dos Santos? Porque, nos outros partidos – procurei saber, conversei com alguns presidentes de partido – não é uma prática comum assim, um ano antes ou mais de um ano antes das eleições, quando se estão escolhendo os pré-candidatos, os candidatos, esse tipo de ação, de apoio. Nenhum partido, e eu sei que o PT sempre foi um partido mais organizado do que os outros. Conseqüentemente, me causou estranheza o fato de 20 mil reais – sem, evidentemente, questionar, duvidar – terem sido utilizados para 3 pré-candidatos a Vereador por iniciativa do Sr. José Nilson.

Eu gostaria de saber se isso é normal. Já havia sido adotada essa prática? V. Exa. tem sua vida pública há muitos anos. Tinha conhecimento de que essa prática é normal? É comum V. Exa. dar esse tipo de apoio para um pré-candidato a Vereador?

O Sr. Deputado Professor Luizinho – Sr. Relator, em dois momentos. O que eu passei para todas as senhoras, para todos os senhores, para o senhor, é a prestação de contas que ele fez à Polícia Federal. Eu só transcrevi aqui. Olha, isto aqui foi o que o Nilson disse na Polícia, isto aqui o que ele apresentou e eu transcrevi para cá. Segundo, todo mundo tem consciência de que uma campanha não se inicia no ano eleitoral, ela se inicia bem antes. Segundo (sic), nos locais onde a disputa é mais acirrada, mais intensa, é também a pré-campanha. é o que eu poderia dizer ao senhor. Na minha região, em particular, a concorrência é grande, a disputa é forte, e as pré-campanhas (...) Nós sempre tivemos as pré-campanhas. Em geral, seja na época dos mandatos em disputa no âmbito do Legislativo Estadual ou nacional, do Executivo Estadual e nacional, como também dos Executivos e dos Legislativos locais, que são eleições em momentos diferentes. O que eu teria e que eu poderia, dentro do meu conhecimento, dizer ao senhor é isto. Segundo (sic), porque se deu nessas condições esta... este apoio financeiro, eu não saberia dizer ao senhor. Mas é o que, de fato, ele apresentou à Polícia Federal.

Na referida reunião, o Deputado Relator, Pedro Canedo, perguntou ainda (fls. 46 e seguintes, das notas taquigráficas da reunião do Conselho de ética em comento, citada pela defesa):

O Sr. Deputado Pedro Canedo – V. Exa. conhece o Antônio Aparecido da Silva Pinto? [um dos pré-candidatos a vereador que teria sido apoiado por José Nilson com os 20 mil reais]

O Sr. Deputado Professor Luizinho – Conheço, conheço sim, o apelido dele, inclusive, é Padre.

O Sr. Deputado Pedro Canedo – Ele foi eleito Vereador, foi candidato a Vereador?O Sr. Deputado Professor Luizinho – Foi candidato, mas não foi eleito.O Sr. Deputado Pedro Canedo – E Daniel Barbosa? [outro pré-candidato supostamente

apoiado]O Sr. Deputado Professor Luizinho – Também conheço. Foi candidato e não se elegeu.O Sr. Deputado Pedro Canedo – Não se elegeu. E a Lenita Elena da Silva.O Sr. Deputado Professor Luizinho – Conheço. Foi candidata e também não se elegeu.O Sr. Deputado Pedro Canedo – O José Carlos Nagô? [designer que teria cobrado os

20 mil]O Sr. Deputado Professor Luizinho – Conheço, conheço. O José Carlos Nagô é um

empresário na nossa região. Ele tem uma microempresa que faz trabalhos... Esse negócio de arte gráfica.

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R.T.J. — 203696

O Sr. Deputado Pedro Canedo – V. Exa. tem conhecimento evidentemente – estão aqui – de que essas declarações serão datadas de agora, foram recolhidas agora, em agosto deste ano. [2005]

O Sr. Deputado Professor Luizinho – Tenho conhecimento.O Sr. Deputado Pedro Canedo – Da prestação de serviço e também do recibo dos

20 mil reais do Sr. José Carlos Nagô pelos serviços prestados. Isso foi tudo datado agora, agosto de 2005.

O Sr. Deputado Professor Luizinho – Eu tenho conhecimento. Questionei o Nilson, que me disse: “Olha, à época eu não peguei recibo, mas as pessoas que foram apoiadas se comprometeram comigo a confirmar”. Isso é uma relação dele com delas, eu não (...)

As notas taquigráficas são longas, há ainda perguntas formuladas por outros deputados (Chico Alencar, Carlos Sampaio, Edmar Moreira, Josias Quintal, Or-lando Fantazzini), mas considero que estes questionamentos já lidos demonstram que há, sim, necessidade de dar prosseguimento ao feito em relação ao denunciado Professor Luizinho, por pairar dúvida acerca da prática de crime de lavagem de dinheiro referente ao recebimento, através de seu assessor, e em espécie, em uma agência do Banco Rural, do valor de R$ 20 mil.

Do exposto, recebo a denúncia oferecida contra o Deputado Professor Luizinho, pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98), tal como descrito na peça acusatória.

d) Anderson Adauto e José Luiz Alves.Nos termos da denúncia, verbis (fl. 5736):

Anderson Adauto, ex-Ministro dos Transportes, e o seu Chefe de Gabinete, José Luiz Alves, também com pleno conhecimento dos crimes praticados pelos integrantes da quadrilha descritos nesta petição, receberam diretamente do núcleo publicitário-financeiro da qua-drilha a importância de R$ 1.000.000,00.

O dinheiro acima foi recebido por Anderson Adauto por meio do seu Chefe de Gabinete no Ministério dos Transportes e coordenador de campanha, José Luiz Alves, pela sistemática de lavagem disponibilizada e operacionalizada pelos dirigentes do Banco Rural.

José Luiz Alves agia profissionalmente como intermediário de Anderson Adauto, tendo ciência que estava viabilizando criminosamente o recebimento de valores em espécie. Diferente de outros casos, não foram saques pontuais. Pelo contrário, sua atuação foi habi-tual e constante como auxiliar de Anderson Adauto na prática de crimes.

Anderson Adauto, originário do Estado de Minas Gerais, já mantinha relações com Marcos Valério antes mesmo do início da atuação da quadrilha ora denunciada, tendo sido auxiliado pela empresa SMP&B nas campanhas eleitorais de 1998 e 2002.

Além disso, foi o interlocutor de Romeu Queiroz quando este necessitou res-tabelecer o esquema de repasse de dinheiro do Partido dos Trabalhadores ao Partido Trabalhista Brasileiro após o falecimento de José Carlos Martinez.

Destaque-se, também, sua privilegiada condição de Ministro do Transportes, cuja nomeação teve que passar por José Dirceu.

Portanto, profundo conhecedor do esquema de lavagem de dinheiro opera-cio-nalizado pela quadrilha, também se beneficiou desses recursos financeiros. Marcos Valério informou que Anderson Adauto, por intermédio do seu ex-Chefe de Gabinete, José Luiz Alves, recebeu a importância de R$ 1.000.000,00 nas seguintes datas e va-lores: R$ 50.000,00 (03/06/2003); R$ 50.000,00 (09/06/2003); R$ 50.000,00 (18/06/2003); R$ 50.000,00 (24/06/2003); R$ 100.000,00 (09.09.2003); R$ 100.000,00 (16.09.2003); R$ 50.000,00 (23.09.2003); R$ 50.000,00 (30.09.2003); R$ 100.000,00 (08.10.2003); R$ 50.000,00 (15.10.2003); R$ 50.000,00 (21.10.2003); R$ 100.000,00 (22.10.2003); R$ 50.000,00 (06.01.2004); R$ 50.000,00 (09.01.2004); R$ 50.000,00 (13.01.2004); e R$ 50.000,00 (28.01.2004).

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Em depoimento prestado na Polícia Federal, José Luiz Alves utilizou seu direito cons-titucional ao silêncio. Já Anderson Adauto reconheceu o recebimento, por intermédio de José Luiz Alves, de R$ 200.000,00 em cinco oportunidades.

Nos Apensos 05 e 06 encontram-se materializados alguns desses recebimentos por intermédio de José Luiz Alves, conforme evidenciam os documentos de fl. 97 – R$ 50.000,00; fl. 210 – R$ 100.000,00; fl. 97 – R$ 50.000,00; fl. 235 – R$ 100.000,00 (Apenso 05); fl. 379 (R$ 50.000,00); fl. 394 (R$ 50.000,00) – Apenso 06; fl. 540 (R$ 50.000,00); e fl. 743 (R$ 100.000,00).

Esta a acusação.

O denunciado Anderson Adauto não nega o fato de ter recebido dinheiro, por solicitação de Delúbio Soares. As alegações dos denunciados são no sentido do desconhecimento da origem ilícita dos recursos. Dizem, ainda, que não haveria qualquer ilícito penal em solicitar auxílio financeiro a uma agremiação política com a qual o PL (partido de Adauto) estava coligado. Destaca-se, ainda, que quem recebe dinheiro de um eventual criminoso não está lavando dinheiro, já que tal crime só se concretiza quando se busca dar aparência legal ao numerário recebido. Por fim, sublinha a defesa de Adauto que foram feitos apenas quatro saques, e não os dezesseis descritos na denúncia38.

Passo à análise dos indícios de cometimento do ilícito penal.

Em primeiro lugar, peço vênia para reproduzir, os termos do depoimento já antes citado, prestado pelo acusado Anderson Adauto à Polícia Federal. Desta vez, transcrevo o trecho que guarda relação com a imputação de lavagem de dinheiro, supostamente praticada com auxílio de José Luiz Alves, seu chefe de gabinete à época dos fatos (fls. 3565/3567):

Que conheceu Marcos Valério na campanha de 1998; Que a Agência de Publici-dade SMP&B foi a responsável pela criação do material gráfico nas campanhas para Deputado Estadual em 1998 e Deputado Federal em 2002; (...) Que saiu da campanha de 2002 com uma dívida que não se recorda o valor no momento (...); Que, ao assumir o Ministério dos Transportes em janeiro de 2003, tendo contraído dívida não saldada de campanha eleitoral, resolveu procurar o Tesoureiro do Partido Majoritário na coligação para ajudá-lo na quitação do débito eleitoral pendente; Que esteve com Delúbio Soares pessoalmente, em Brasília-DF (...); Que, depois de trinta ou quarenta dias, fez contato com Delúbio Soares, que confirmou a intenção de ajudá-lo, como efetivamente aconteceu; Que indicou seu coordenador de campanha e, na época, chefe de Gabinete, José Luiz Alves, para efetuar contato e receber os recursos que seriam destinados por Delúbio Soares; Que, apesar de José Luiz Alves não ser o tesoureiro, era ele quem tinha a memória da campanha; Que, em nenhum momento, o tesoureiro do PT fez menção à origem dos recursos levantados (...)

Embora o acusado alegue que desconhecia a origem dos recursos, o depoi-mento do Deputado Romeu Queiroz (fls. 2125/2130) desmente essa afirmação, demonstrando que o denunciado sabia, sim, que os recursos eram provenientes da empresa de Marcos Valério – SMP&B Publicidade. Eis o teor dos esclareci-mentos prestados pelo Deputado Romeu Queiroz (fls. 2125/2130):

38 Já em seu depoimento à Polícia Federal, Anderson Adauto afirmou que José Luiz Alves recebeu recursos provenientes de Delúbio Soares em cinco oportunidades.

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Que atualmente exerce o cargo de segundo secretário da executiva do PTB e Presidente do Diretório Estadual do PTB em Minas Gerais; Que em julho de 2003, o então presidente do PTB, José Carlos Martinez, entrou em contato com o declarante, solicitando que o mesmo providenciasse alguém para buscar R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) prove-nientes de doação do Partido dos Trabalhadores para o Partido Trabalhista Brasileiro; Que esses recursos estavam disponíveis na empresa SMP&B Publicidade, na cidade de Belo Horizonte/MG; (...) Que, em dezembro de 2003, foi contactado pelo então Presidente do PTB, Deputado Roberto Jefferson, na condição de segundo secretário do Partido, para que angariasse recursos para a agremiação política; Que a reunião com Roberto Jefferson ocorreu na residência deste Parlamentar; Que, diante do pedido do Deputado Roberto Jefferson, procurou o então Ministro dos Transportes, Anderson Adauto, em seu gabi-nete, para quem formulou a solicitação de recursos; Que, cerca de dois ou três dias após esta reunião, o ex-Ministro entrou em contato com o declarante, esclarecendo que tinha mantido entendimentos com o então Tesoureiro do PT, Sr. Delúbio Soares, e que este, por sua vez, se colocou à disposição para disponibilizar recursos do PT através da empresa SMP&B Publicidade; Que estes recursos seriam liberados em janeiro do ano seguinte, ou seja, em janeiro de 2004; Que o ex-Ministro Anderson Adauto disse, na oportunidade, que os valores liberados seriam na ordem de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) (...)

Como já se pode notar por esses depoimentos, o mesmo mecanismo de rece-bimento de valores em espécie foi utilizado por Anderson Adauto, por intermédio de seu chefe de gabinete, José Luiz Alves. O dinheiro era repassado mediante a intervenção/indicação de Delúbio Soares, não diretamente para a pessoa que seria a beneficiária do numerário, mas para um intermediário, que não chamaria atenção por não ser pessoa publicamente conhecida. Como explicou Marcos Valério em seu depoimento (fl. 734):

(...) José Luiz Alves era chefe de gabinete do ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto, atualmente prefeito de Uberaba; Que Edson Pereira de Almeida, que recebia por José Luiz Alves, era irmão de Anderson Adauto (...)

O denunciado Anderson Adauto salientou em seu depoimento (fl. 3566):

Que os contatos para os pagamentos foram mantidos entre Delúbio Soares e José Luiz Alves; Que José Luiz Alves teria recebido os recursos provenientes de Delúbio Soares em cinco oportunidades, segundo informação do seu então chefe de Gabinete; Que o montante alcançaria R$ 200.000,00 (duzentos mil reais); Que José Luiz Alves, após o recebimento da primeira parcela, deu ciência ao declarante, que orientou ao seu Chefe de Gabinete para saldar as dívidas eleitorais pendentes; Que, cientificado da planilha apresentada por Marcos Valério, em que o seu Chefe de Gabinete José Luiz Alves e seu irmão Edson Pereira de Almeida teriam recebido o total de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), dividido em 16 parcelas, o declarante tem a dizer que não pode confirmar tal valor, visto que o seu Chefe de Gabinete confirma apenas o recebimento de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), e, quanto ao seu irmão, em princípio, ele não soube informar o “quantum” recebido, mas já foi solicitado pelo declarante que fossem apurados os valores por ele recebidos; (...) Que, no período em que esteve à frente do Ministério dos Transportes recebeu Marcos Valério em uma única oportunidade, como visita de cortesia, não tratando de assuntos financeiros de qualquer ordem com o publicitário; Que não recebeu nenhum aporte financeiro de Marcos Valério ou de empresas a ele vinculadas na campanha eleitoral de 2002; (...) Que comentou com o Deputado Federal do PTB/MG, Romeu Queiroz, do contato realizado com Delúbio Soares no sentido de saldar os débitos contraídos na campanha eleitoral de 2002; Que Romeu Queiroz fez menção de procurar Delúbio Soares para resolver as suas pendências eleitorais, não sabendo se o Deputado realmente o procurou ou se conseguiu resolver o problema que tinha encaminhado ao declarante como Ministro

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dos Transportes; Que afirmou ao Deputado Romeu Queiroz que não poderia e nem teria como ajudá-lo na resolução das dívidas eleitorais do PTB mineiro; Que o deputado Federal Romeu Queiroz era presidente do PTB em Minas Gerais; Que durante a sua gestão no Ministério dos Transportes, o governador de Pernambuco solicitou como prioridade ao Governo Federal a liberação de recursos devidos pela duplicação de uma rodovia federal no estado, obra que foi realizada por meio de convênio entre o Ministério dos Transportes/DNIT e o governo estadual; Que, além da demanda do governador, foi demandado pessoalmente pelo Vice-Governador, pelo secretário de Transportes, outros secretários e por parte da bancada federal de Pernambuco, dentre os deputados que procuravam o declarante, para nomear o ex-Presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti; Que chamou o Diretor-Financeiro do DNIT, Sergio Pimentel, para decidir como poderia resolver a demanda da bancada pernambucana; Que foi explicado que a única forma de atendimento do pleito seria o pagamento dos convênios que antecediam ao do Estado de Pernambuco, pois havia uma planilha com a ordem cronológica de pagamento; Que não se recorda se foram realizados os repasses para pagamento do convênio com o Estado de Pernambuco enquanto esteve à frente do Ministério dos Transportes; (...)

Está clara, para mim, a existência de indícios de autoria, tendo em vista a grande quantidade de repasses de dinheiro, em datas diferentes, conforme deta-lhadamente descrito por Marcos Valério em sua lista, totalizando a quantia de um milhão de reais, entre junho de 2003 e janeiro de 2004. O dolo do cometimento do delito deverá ser apurado durante a instrução criminal, após amplo e apro-fundado cotejo de provas. Entretanto, nesta fase de recebimento da denúncia, é possível visualizar a configuração do elemento subjetivo do crime, principalmente considerando os termos do depoimento do Deputado Romeu Queiroz, já lido, no qual salienta que Anderson Adauto lhe havia instruído a pedir ao Tesoureiro do PT, Delúbio Soares, que lhe disponibilizasse recursos do PT por meio da empresa SMP&B Publicidade.

A denúncia deve ser admitida, também, em relação ao acusado José Luiz Alves, tendo em vista que ele, em dezesseis oportunidades, recebeu grande quantidade de recursos provenientes da empresa SMP&B Publicidade, e sacados em agência do Banco Rural sem qualquer observância dos procedimentos normais que se exigem, em qualquer agência bancária, para o saque de grandes quantidades de dinheiro, como as levantadas pelo denunciado.

Ora, levando em consideração que o acusado é pessoa minimamente instruída, que atuava oficialmente como chefe de gabinete do então Ministro Anderson Adauto e, posteriormente, coordenador de sua campanha, não é de se supor, neste momento, que não tinha nenhum conhecimento acerca da origem supos-tamente ilícita do numerário, ou que não teria lhe causado qualquer estranheza esses constantes repasses, mesmo que tenham ocorrido em cinco oportunidades, como alega em sua resposta escrita, totalizando o valor de R$ 200 mil. Ou seja, a questão não é de quanto ou quantas vezes houve o repasse, mas, sim, a total irregularidade e informalidade dos repasses, que causariam espécie a qualquer cidadão que tivesse seu grau de conhecimento. Há, portanto, indícios, princi-palmente considerando o depoimento do co-denunciado Anderson Adauto e do Deputado Romeu Queiroz, da prática do crime de lavagem de capitais também por parte de José Luiz Alves.

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Meu voto, portanto, Senhora Presidente, é no sentido do recebimento da denúncia ofertada contra Anderson Adauto e José Luiz Alves, pela prá-tica, em tese, do crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei 9.613/98), 16 (dezesseis) vezes, em concurso material, reconhecendo, assim, a existência de justa causa para a instauração de ação penal contra eles.

Em resumo a este capítulo de meu voto, referente ao item VII da denún-cia, o dispositivo é o seguinte:

- recebo a acusação contra Paulo Rocha, nos termos do item VII, “a”, da denúncia;

- recebo a acusação contra Anita Leocádia, nos termos do item VII, “b”, da denúncia;

- recebo a acusação contra João Magno, nos termos do item VII, “c”, da denúncia;

- recebo a acusação contra Luiz Carlos da Silva, vulgo “Professor Luizi-nho”, nos termos do item VII, “d”, da denúncia;

- recebo a acusação contra Anderson Adauto e José Luiz Alves, nos termos do item VII, “e”, da denúncia.

Das imputações de evasão de divisas e lavagem de dinheiro – Duda Men-donça e Zilmar Fernandes – Capítulo VIII da denúncia

Neste capítulo, o Procurador-Geral da República denuncia Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane, Kátia Rabello, Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, tendo em vista o seguinte (fls. 5739/5746):

Nos termos narrados nesta petição, a atuação da organização criminosa em tela tinha por objetivo principal negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear os gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados.

No que se refere ao pagamento de dívidas e à constituição de um “fundo” para custear campanhas políticas, entre as pessoas físicas e jurídicas relacionadas pelo próprio Marcos Valério na listagem apresentada durante a investigação, destaca-se, pelas peculiaridades de caso, o publicitário José Eduardo Cavalcanti de Mendonça, vulgo “Duda Mendonça”, e sua sócia Zilmar Fernandes.

Em razão de um débito milionário junto ao núcleo político-partidário da organização criminosa, decorrente da campanha eleitoral de 2002, Delúbio Soares apresentou Marcos Valério a Duda Mendonça e zilmar Fernandes, para viabilizar o adimplemento. Aliás, ficou evidente no curso da investigação que Zilmar Fernandes é o braço operacional-financeiro de Duda Mendonça.

No primeiro momento, os repasses foram viabilizados pelo esquema de lavagem de dinheiro engendrado pelo Banco Rural.

Com efeito, em fevereiro de 2003, a denunciada zilmar Fernandes sacou três parcelas de R$ 300.000,00 em espécie, na agência do Banco Rural em São Paulo. Posteriormente (abril de 2003), e adotando idêntico procedimento, recebeu em espécie duas parcelas de R$ 250.000,00.

Entretanto, buscando sofisticar a forma de pagamento, para evitar qualquer registro formal, ainda que rudimentar, das operações, os denunciados Zilmar Fernandes e Duda Mendonça informaram ao núcleo publicitário-financeiro que o restante dos repasses deve-ria ser efetuado no exterior, na conta titularizada pela offshore Dusseldorf Company Ltd.

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Registre-se que os denunciados Duda Mendonça e zilmar Fernandes mentiram perante a CPMI “dos correios”, bem como nos depoimentos prestados no presente inquérito.

As apurações realizadas no exterior demonstraram que o publicitário e sua sócia são acostumados a remeter dinheiro não declarado para contas mantidas em paraísos fiscais.

Na realidade, as diligências efetuadas no exterior, com base no Acordo de Cooperação com os EUA, identificaram que ambos possuem, há bastante tempo, outras contas no próprio Bank of Boston, instituição financeira que pertence ao Bank of America.

Deste modo, conscientes de que os recursos recebidos tinham como origem organização criminosa voltada para a prática de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, os denunciados deliberadamente articularam esquema para dissimular a natureza, origem, localização, movimentação e a propriedade de valores.

O contexto criminoso acabou evidente, na medida em que, mesmo após receber parte do saldo da campanha de 2002, pela sistemática descrita nesta petição, Duda Mendonça e zilmar Fernandes ainda fecharam outros “pacotes” de serviços com o Partido dos Trabalha-dores, o primeiro no montante de R$ 7 milhões, e o segundo no montante de R$ 24 milhões, objetivando as campanhas do ano de 2004.

Os valores remetidos ao exterior por ordem de Duda Mendonça e sua sócia zilmar Fernandes, a princípio, referem-se unicamente ao lucro líquido de ambos quanto ao serviço de publicidade prestado ao PT, pois, segundo informado por Zilmar Fernandes: “o lucro líquido aproximado pela prestação dos serviços anteriormente indicados pode variar entre trinta e cinqüenta por cento”. Ou seja, dos aproximadamente R$ 56 milhões pactuados com o Partido dos Trabalhadores, Duda Mendonça e zilmar Fernandes tiveram um lucro líquido na ordem de R$ 17 a R$ 28 milhões.

Em virtude do esquema de lavagem engendrado por Duda Mendonça e zilmar Fernandes, o grupo Marcos Valério promoveu, sem autorização legal, a saída de divisas para o exterior.

Várias operações de evasão de divisas foram viabilizadas pelos dirigentes do Banco Rural (José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello), em mais um capítulo da longa parceria criminosa firmada desde 1998 com o núcleo Marcos Valério.

Por seu turno, Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, além de determinarem as ope-rações de lavagem, mantiveram depósitos não declarados às autoridades competentes na conta nº 001.001.2977, mantida no Bank of Boston Internacional (ABA 0660-0800-4), agência Miami/Flórida.

A conta acima, aberta sob orientação de agentes do Bank Boston e titularizada pela offshore Dusseldorf Company Ltd., “empresa” de propriedade do denunciado Duda Mendonça, é registrada nas Bahamas e recebeu recursos na ordem de R$ 10 milhões para quitar a dívida do núcleo político-partidário, conforme acertado entre os denunciados Duda Men-donça, zilmar Fernandes e o núcleo Marcos Valério.

As operações, desenvolvidas no período compreendido entre 21/02/2003 e 02/01/2004, foram as seguintes:

a) Trade Link Bank – 16 depósitos – U$ 1.137.551,25;b) Dial Financial Corp. – 6 depósitos – U$ 384.725,00;c) Big Time Group – 4 depósitos – U$ 365.414,00;d) Skyla Encore – 2 depósitos – U$ 289.240,00;e) Rural International Bank – 6 depósitos – U$ 240.617,74;f) IFE Banco Rural (Uruguay) – 1 depósito – U$ 32.916,00;g) Banco Rural Europa – 1 depósito – U$ 25.359,28;h) Bank of Boston Trust – 1 depósito – U$ 67.835,00;i) Empreendimento Bonifa – 2 depósitos – U$ 129.412,00;j) G and C Exclusive Ser – 1 depósito – U$ 45.591,00;k) Gedex (G.D.) Inter Corp – 7 depósitos – U$ 427.374,25;

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l) Kanton Business – 1 depósito – U$ 131.838,00;m) Luiz de Oliveira PMB – 1 depósito – U$ 13.000,00;n) Radial Enterprises – 1 operação – U$ 98.980,00; eo) Banco Rural Europa S/A (Leonildo José Ramadas Nogueira) – 3 depósitos – U$

252.183,00.Foram 27 (vinte e sete) operações de remessa de valores para o exterior de res-

ponsabilidade de José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello (Banco Rural).

Essas remessas foram viabilizadas pelas empresas Trade Link Bank (16 depósitos), Rural International Bank (6 depósitos), IFE Banco Rural (1 depósito) e Banco Rural Europa (4 depósitos), todas comandadas pelos dirigentes do Banco Rural (José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello), que executaram os crimes de evasão de divisas por orientação do núcleo publicitário-financeiro.

Além das remessas ilícitas por intermédio de dirigentes do Banco Rural, o grupo de Marcos Valério também se valeu de doleiros, pelo esquema vulgarmente conhecido como “dólar cabo”.

Entre os doleiros utilizados na empreitada criminosa, pode ser citado Jader Kalid Antônio.

Ele utilizou-se de operações conhecidas como “dólar cabo” para efetuar transferência de dinheiro para a conta de Duda Mendonça nos EUA.

Além dos depoimentos, provas documentais acabaram comprovando o envolvimen-to do núcleo publicitário-financeiro nas atividades de evasão de divisas, conforme fls. 1044, 1047, 1055, 1058 (inquérito) e 20 do apenso 51.

Da imputação de lavagem de dinheiroAnaliso, inicialmente, a viabilidade da denúncia quanto à imputação de

lavagem de dinheiro feita contra Duda Mendonça e Zilmar Fernandes.

Cito, inicialmente, trecho do primeiro depoimento da acusada Zilmar Fernandes (fl. 1020):

Que, em fevereiro de 2003, o PT iniciou a amortizar a dívida de onze milhões e meio de reais referente aos serviços prestados no ano de 2002 (...); Delúbio Soares determinou que a depoente entrasse em contato com o senhor Marcos Valério, até então desconhecido da mesma, para o recebimento de novecentos mil reais; Que o senhor Marcos Valério determinou que a depoente se dirigisse à tesouraria do Banco Rural situado na Av. Paulista, para o recebimento; Que, ao chegar ao referido local, surpreendeu-se com o fato de que o pagamento seria fracionado em três parcelas de trezentos mil reais em espécie; Que acreditava que o pagamento seria efetuado através de cheque administrativo, até então; (...) Que, ainda no Banco Rural, recebeu a informação de que deveria retornar a esse estabelecimento nos dois dias subseqüentes, para receber outras duas parcelas de trezentos mil reais; Que, nos dias subseqüentes, o mesmo procedimento foi repetido; (...) Que os três milhões e seiscentos mil reais restantes foram recebidos diretamente do senhor Delúbio Soares (pessoalmente ou através de mensageiros), fracionados em inúmeras parcelas, durante o ano de 2003; Que esse pagamento foi efetuado em espécie (...)

Outro depoimento da denunciada Zilmar Fernandes salienta a completa ausência de qualquer registro formal dos saques, o que, em princípio, se encaixa no núcleo “ocultar” do art. 1º da Lei de Lavagem de Capitais (fls. 1847/1848, vol. 9, dos autos):

Que Marcos Valério disse que ia efetuar o adiantamento no valor de novecentos mil reais, fracionado em três vezes; Que Marcos Valério determinou que a depoente se apresentasse no Banco Rural, situado na Avenida Paulista, em São Paulo/SP, para efetuar o recebimento dos valores; Que a depoente se deslocou, no dia 24 de fevereiro

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de 2003, à mencionada agência bancária, onde efetuou o recebimento de trezentos mil reais em moeda corrente; Que a depoente retornou nos dois dias subseqüentes à aludida agência bancária, para efetuar os dois recebimentos subseqüentes; Que, ao receber esses valores na agência do Banco Rural, a depoente se restringia a apresentar sua identidade civil para proceder ao recebimento de valores que já se encontravam disponibilizados; (...) Que, concomitantemente ao recebimento de valores no exterior, houve o recebimento de pagamento por parte do senhor Marcos Valério no Brasil, conforme se pode constatar através da análise das datas dos depósitos e dos saques efetuados pela depoente; Que a depoente efetuou, ao todo, o total de cinco recebimentos de valores em moeda corrente, junto à Agência do Banco Rural situada no município de São Paulo; Que, além do recebimento de novecentos mil reais fracionados em três vezes, a depoente efetuou o recebimento de quinhentos mil reais, fracionados em duas parcelas de duzentos e cinqüenta mil reais, ambas em moeda corrente, em agência do Banco Rural; (...) Que o restante do débito do PT, existente no ano de 2002, foi pago através do senhor Delúbio Soares; Que esse débito, três milhões e meio de reais, foi entregue através de numerário, em moeda corrente, na empresa CEP; Que, ao fim de 2003, todo o débito do PT restou quitado; (...)

Portanto, a sistemática de “transferência” de recursos foi a mesma já anali-sada no item IV, como, aliás, confirmou Marcos Valério em um de seus depoi-mentos (fl. 1457):

Que os repasses de recursos ao publicitário [Duda Mendonça] eram realizados através de cheques nominais à SMP&B; (...) Que foi apresentado a Zilmar Fernandes por Delúbio Soares, em um encontro no escritório de marketing político de Duda Mendonça, em São Paulo/SP; (...) Que, posteriormente, teve um encontro com Zilmar na sede da SMP&B em Belo Horizonte/MG, quando então foi decidido que a SMP&B iria emitir cheques nomi-nais à própria SMP&B e endossados; Que Zilmar afirmou que não poderia contabilizar os recebimentos, motivo pelo qual solicitou que os cheques fossem nominais à SMP&B; (...) Que iniciou os pagamentos para Zilmar solicitando autorizações de saques na cidade de São Paulo/SP, em uma operação realizada entre as agências do Banco Rural, localizadas naquela cidade e em Belo Horizonte/MG; Que encaminhava os cheques para a Agência Assembléia do Banco Rural, que, por sua vez, determinava o pagamento pela Agência Avenida Pau-lista, localizada em São Paulo/SP; Que os recebimentos em São Paulo eram realizados pela própria Zilmar ou pelo senhor Antonio Kalil Cury; Que a SMP&B comunicava a agência Assembléia do Banco Rural que Zilmar ou Antonio Kalil estariam autorizados a receber os recursos relativos aos cheques emitidos; (...)

Temos, ainda, o depoimento do denunciado Duda Mendonça, que destacou o seguinte (fl. 1028):

Que a senhora Zilmar entrou em contato com o senhor Marcos Valério, segundo orientação de Delúbio, com o objetivo de saldar a dívida do PT; Que o senhor Marcos Valério solicitou à senhora Zilmar que fosse ao Banco Rural, localizado em São Paulo, Av. Paulista, para o recebimento de três parcelas de trezentos mil reais; Que a senhora Zilmar se deslocou ao referido banco e surpreendeu-se com a determinação de que o pagamento seria feito em espécie; Que a senhora Zilmar recebeu em dias alternados as três parcelas de trezentos mil reais; Que afirma a existência do pagamento de duas parcelas de duzentos e cinqüenta mil reais, pagos através do mesmo procedimento, intermediado pelo senhor Marcos Valério; Que, ainda permanecendo um débito, a senhora Zilmar foi procurada pelo senhor Marcos Valério, que revelou-lhe a necessidade de abertura de uma conta no exterior, como con-dição do recebimento do débito existente; (...) Que, ainda existindo débito, no possível valor de três milhões e oitocentos mil reais, esse valor foi pago diretamente pelo senhor Delúbio Soares, em diversas parcelas; Que essas parcelas foram possivelmente pagas em espécie; Que, quanto ao pagamento efetuado no exterior, não foram emitidas notas fiscais; (...)

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Sobre a questão, foi elaborado o Relatório de Análise 25/06 (apenso 85), em que se destacou o seguinte:

A análise dos documentos bancários da conta-corrente nº 06002595-2, agência 0009 (ag. Assembléia, em BH), mantida no Banco Rural, evidenciou que a firma SMP&B Comu-nicação Ltda. (CNPJ 01.322.078/0001-95), ligada ao Sr. Marcos Valério, efetuou 05 (cin-co) pagamentos, no valor total de R$ 1.400.000,00, diretamente à Sra. Zilmar Fernandes da Silveira (CPF 371.651.518-34 e RG 732.927 SSP/BA), nas seguintes parcelas e valores:

Verifica-se que os Cheques com as numerações 725326, 725327 e 725328, apesar de nominais à firma SMP&B, foram pagos à Sra. Zilmar, conforme recibos contendo assina-turas atribuídas à sacadora, cujas cópias encontram-se anexas,

Os cheques com as numerações 810639 e 810659, nominais e endossados pela SMP&B, também foram pagos à Sra. Zilmar Fernandes, conforme correspondências internas do Banco Rural, cujas cópias encontram-se anexas.

Nota-se, a partir dos documentos anexos ao Relatório de Análise 025/06 (apenso 85), que não há, nos “Controles de Transações em Espécie” do Banco Rural, qualquer registro formal de que os saques em referência foram efetuados por Zilmar Fernandes. Ao contrário, consta como sacadora a denunciada Simone Vasconcelos, e na Agência Assembléia do Banco Rural, em Belo Horizonte, Mi-nas Gerais – sendo que, de acordo com o depoimento dos próprios denunciados, tais saques foram feitos por Zilmar, na Agência Avenida Paulista, em São Paulo.

Por fim, leio depoimento do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, denunciado em outros capítulos da denúncia (fls. 3636/3639, vol. 16 dos autos). Este depoi-mento complementa a informação de que os vultosos valores movimentados pelos denunciados não foram objeto de qualquer registro formal:

Que confirma o valor total dos recursos repassados por Marcos Valério Fernandes de Souza, totalizando aproximadamente R$ 55.000.000,00 (cinqüenta e cinco milhões de reais), por orientação do PT; Que a relação elaborada por Marcos Valério e apresentada à Polícia Federal aparentemente corresponde à realidade; Que, entretanto, esta relação pode apresentar algumas discrepâncias pontuais; Que o Diretório Nacional do PT recebeu, aproximadamente, R$ 5.000.000,00 (cinco milhões), conforme relação elaborada por Marcos Valério; Que Duda Mendonça recebeu, aproximadamente, R$ 15.000.000,00 (quinze milhões reais); Que, em nenhum momento orientou Marcos Valério para que efetuasse o pagamento destinado a Duda Mendonça através de remessas para a conta bancária da empresa Dusseldorf no Bank Boston de Miami/EUA; Que desconhecia que Duda Mendonça possuía tal conta bancária; Que, em nenhum momento Marcos Valério comentou com o declarante que estava remetendo recursos para Duda Mendonça no exterior; Que o restante da quantia emprestada por Marcos Valério foi distribuído por ordem do declarante, utilizando a estrutura das empresas de Marcos Valério; Que, portanto, o declarante informava o destinatário e o valor de cada transferência, sendo que Marcos Valério se encarregava de fazer chegar os recursos aos beneficiários indicados; Que não possuía qualquer tipo

Data Documento Nº doc Valor

21/02/2003

21/02/2003

21/02/2003

29/04/2003

30/04/2003

Cheque

Cheque

Cheque

Cheque

TOTAL

Cheque

810659

725326

725327

725328

810639

300.000,00

300.000,00

250.000,00

300.000,00

1.400.000,00

250.000,00

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de controle da entrega efetiva dos recursos para os beneficiários; (...) Que não houve, por parte da tesouraria do PT, o registro, em anotações ou bancos de dados, dos recursos não-contabilizados repassados por Marcos Valério; (...) Que não há nenhum contrato escrito entre Marcos Valério e o Partido dos Trabalhadores para comprovar estes em-préstimos; (...)

Outros indícios da prática de lavagem de dinheiro por parte dos denunciados são os documentos que comprovam os saques de elevados valores em espécie por Zilmar Fernandes. Assim, veja-se, por exemplo, o documento constante do apenso 5, em que a acusada Geiza Dias encaminha e-mail para seu contato ime-diato no Banco Rural, nos seguintes termos:

Bruno:Amanhã, 29/04/2003, iremos precisar efetuar um saque no valor de R$ 250.000,00,

em São Paulo.A pessoa que irá sacar é a Sra. zilmar Fernandes da Silveira – CI 732.927. (...)

Portanto, como nos demais casos, em relação aos quais já manifestei meu voto pelo recebimento da denúncia, o Ministério Público narrou, também aqui, fatos que se enquadram nos termos do art. 1º da Lei 9.613/98: a ocultação da origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores prove-nientes, supostamente, de crimes, conforme narrado nos capítulos anteriores da denúncia.

Aqui, é pertinente destacar excerto doutrinário de grande valia39:

O destino do dinheiro: as etapas da “lavagem”28. A primeira etapa é a do “placement” ou conversão: tendo como momentos an-

teriores a captação de ativos oriundos da prática de crimes e sua eventual concentração, nesta fase busca-se a escamoteação (ocultação) inicial da origem ilícita, com a separação física entre os criminosos e os produtos de seus crimes. Esta é obtida através da imediata aplicação destes ativos ilícitos no mercado formal para lograr sua conversão em ativos lícitos (e.g.: (...) mediante a utilização de intermediários financeiros atípicos, com a conversão em moeda estrangeira através de “doleiros”; (...) remetendo estes lucros para fora do país, através de depósitos ou transferências eletrônicas em “paraísos fiscais” (...)

(...)29. O segundo momento do processo designa-se por “layering”, dissimulação: os grandes

volumes de dinheiro inseridos no mercado financeiro na etapa anterior, para disfarçar sua origem ilícita e para dificultar a reconstrução pelas agências estatais de controle e repressão da trilha do papel (paper trail), devem ser diluídos em incontáveis estratos, disseminados através de operações e transações financeiras variadas e sucessivas, no país e no exterior, envolvendo multiplicidade de contas bancárias de diversas empresas nacionais e inter-nacionais (...). pretende-se, com a dissimulação, estruturar uma nova origem do dinheiro sujo, aparentemente legítima. (...)

Consoante observa zanchetti (1997:12), os inumeráveis métodos de estratificação envol-vem, quase sempre, um ou mais dos seguintes elementos: “a) transferência internacional dos fundos com a utilização do sistema ‘via cabo’ (em inglês, wire transfer); b) o estreito suporte de uma sociedade com sede em país offshore, no qual o controle fiscal é escasso ou inexistente; c) a criação de ‘pista falsa’ do papel, para ludibriar os investigadores simulando uma origem ilícita da riqueza”.

(...)

39 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro. 1. ed., 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 37/40.

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Verifica-se que a infra-estrutura propiciada pelos “paraísos fiscais” e a existências de novos métodos de movimentação cibernética de ativos desempenham, nesta fase, um salto de qualidade equivalente ao da criação da máquina automática para a lavagem de roupas. Por outro lado, cada vez mais atuam neste passo os consultores financeiros e jurídicos inter-nacionais, que idealizam as operações ilegais, vendem seu know-how, mas não têm qualquer contato material com os ativos ilícitos: “os recicladores mais perigosos operam com dinheiro ‘virtual’, que não tocam e do qual freqüentemente não conhecem com exatidão nem a propriedade nem a proveniência” (zanchetti, 1997:37). Nesta etapa é que surgem os maiores riscos de vulneração aos sistemas financeiros nacionais.

30. A etapa final é a chamada “integration”, ou integração, que se caracteriza pelo emprego dos ativos criminosos no sistema produtivo, por intermédio da criação, aquisição e/ou investimento em negócios lícitos, ou pela simples compra de bens. é freqüente que os lucros decorrentes da atuação de tais empresas sejam reinvestidos em esquemas criminosos (nos mesmos que geraram os ativos ilícitos e/ou em novos “empreendimentos”) e/ou que passem a “esquentar” (rectius: legitimar) o afluxo de novos volumes de dinheiro “sujo” (...)

Assim, inclusive considerando o que consta do capítulo IV da denúncia, já por nós analisado, considero que os fatos narrados neste capítulo da denúncia são, em tese, típicos, razão pela qual recebo a acusação oferecida contra Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro.

Da imputação de evasão de divisasA suposta prática do crime de evasão de divisas teria sido uma sofisticação

no mecanismo de lavagem de dinheiro antes analisado, mediante o qual, além de ocultar e dissimular a origem e o movimento de vultosos valores dos quais teriam sido beneficiários finais Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, também se teria praticado crime contra o sistema financeiro nacional, nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/8640.

Duda Mendonça e Zilmar FernandesA defesa dos acusados Duda Mendonça e Zilmar Fernandes alega que a

manutenção de conta no exterior não é crime, mas, sim, a manutenção de conta não declarada.

Salienta, nesta esteira, que a conta 001.001.2977, mantida no Bank of Boston e referida pelo Parquet na denúncia, era de titularidade da Dusseldorf Company Ltd., empresa com sede nas Bahamas que, por não ser pessoa jurídica residente, domiciliada ou com sede no Brasil, não tinha obrigação de declarar ao Banco Central qualquer depósito mantido no exterior.

Argumenta, ainda, a defesa, que o acusado Duda Mendonça “era obrigado, apenas, a declarar sua participação na empresa Dusseldorf Company Ltd. à Receita Federal, pois não mantinha, em seu nome – pessoa física –, depósito no exterior. Isso foi feito, em setembro de 2005 – antes do oferecimento da

40 “Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.”

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denúncia – por meio de retificação espontânea de sua declaração de imposto de renda, com o pagamento dos impostos devidos (R$ 4,3 milhões), elidindo qualquer irregularidade” (fl. 10 da resposta e documento 5, apenso 119).

Assim, a defesa sustenta que, além de atípica a conduta do acusado, teria havido, ainda, a extinção da sua punibilidade, já que, ainda que os fatos pudes-sem constituir crime contra a ordem tributária, incidiria o disposto no art. 34 da Lei 9.249/95, dado o recolhimento de todos os impostos.

Em primeiro lugar, observo que há uma contradição nesta argumentação da defesa: primeiro, o acusado alega que só precisava declarar sua participação na Dusseldorf, e não a movimentação dos depósitos no exterior por meio da Dusseldorf, que, por sua qualidade de pessoa jurídica, possui patrimônio próprio, diverso da pessoa física que a criou; depois, alega que teria recolhido, como pessoa física, os impostos referentes a tal movimentação. Ora, ou bem os valores não pertencem a Duda, e aí ele não deveria recolher impostos, ou pertencem, e aí deveria recolher, como afirma que recolheu.

Além disso, a denúncia não imputa a Duda Mendonça e Zilmar Fernandes a prática de crime contra a ordem tributária. Como acima transcrito, foram narrados crimes de lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro nacional – qual seja, aquele definido no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86. Para que possamos ter devidamente claros os elementos do tipo penal, leio o dispositivo em questão:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem

autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

Como já visto, consta da denúncia que os acusados Duda Mendonça e Zilmar Fernandes mantêm, há bastante tempo, conta não declarada no exterior, para a qual fazem constantes remessas de dinheiro.

No caso em análise, os acusados teriam articulado, deliberadamente, em concurso com os acusados Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Simone Vasconcelos e Geiza Dias, um esquema específico, mediante remessa ilegal para o exterior, para receber os vultosos valores alegadamente devidos pelo PT.

Salienta a denúncia, ainda, que Duda e Zilmar solicitaram receber no exterior os “pagamentos” efetuados pelo núcleo publicitário-financeiro, asse-verando o Procurador-Geral da República que “os valores remetidos ao exterior por ordem de Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes, a princípio, referem-se unicamente ao lucro líquido de ambos quanto ao serviço de pu-blicidade prestado ao PT” (denúncia, fl. 5742).

Destaca o Ministério Público Federal às fls. 10199/10204 (vol. 48):

A alegação dos denunciados no sentido da impossibilidade de recebimento da denúncia pelo crime de manutenção de depósitos no exterior, não declarados à repartição federal compe-tente (art. 22, parágrafo único, segunda parte), não merece acolhida.

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Inicialmente, é importante destacar a objetividade jurídica específica da norma em destaque.

A esse respeito, vale trazer a lição de Andrei zenkner Schmidt e Luciano Feldens, in O crime de evasão de divisas, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 178:

“A forma delitiva da segunda parte do parágrafo único igualmente visa à proteção da regular execução da política cambial, uma vez certo que depósitos titulados no exterior constituem-se como um passivo cambial. Ou seja, na expectativa de que um dia retornarão ao País, esses depósitos exigirão ser contraprestacionados em moeda nacional. Mais especificamente, o controle exercido pelo Bacen sobre depósitos no exterior tem por objetivo mapear o quadro dos capitais brasileiros no exterior e conhecer a composição do passivo externo líquido do País, dados esses convenientes e necessários à boa formatação da política cambial brasileira, sendo essa a finalidade protetiva da norma.”Portanto, tem-se que o tipo penal foi criado com o intuito de tutelar juridicamente

a política cambial brasileira, tendo em vista os seus efeitos indiscutíveis sobre a política econômica do País.

Não há como se falar em crime contra a ordem tributária, que tutela a regularidade das arrecadações fiscais do País, bem como a veracidade das informações prestadas ao Fisco.

Tratando-se de normas que tutelam bens jurídicos diversos, uma visando a proteger a política cambial e a outra, a política fiscal do País, constitui raciocínio jurídico extrema-mente forçado identificar o delito previsto no art. 22, parágrafo único, segunda parte, da Lei nº 7.492/86, com crime contra a ordem tributária.

Os denunciados José Eduardo Cavalcanti de Mendonça e zilmar Fernandes da Silveira postulam a aplicação do princípio da consunção, por entenderem que o crime de manter depósitos no exterior foi perpetrado como meio para a consecução do delito de sonegação fiscal. Nada mais equivocado.

O princípio da consunção determina que, onde houver mais de um ilícito penal, no qual um deles representa apenas o meio para a consecução do outro, o agente será responsabilizado apenas por este último.

Ocorre que este princípio exige dois requisitos para a sua aplicação: as normas incriminadoras devem tutelar o mesmo bem jurídico, ou seja, os crimes antecedente e con-seqüente devem tutelar bem jurídico idêntico, e o crime-meio deve ser menos gravoso do que o crime-fim.

Relativamente ao primeiro requisito, restou claro anteriormente que as normas tutelam bens jurídicos distintos, sendo que a Lei 7.492/86 protege a política cambial brasileira, enquanto a Lei 8.137/1990 tutela a política fiscal. Desta forma, só isso já bastaria para a não aplicação do princípio da consunção.

Eis a posição do Supremo Tribunal Federal acerca da aplicação do princípio da con-sunção:

“Ementa: ‘Habeas corpus’ – Porte de arma de fogo – Concurso material com o delito de quadrilha armada (CP, art. 288, parágrafo único) – Crimes que possuem autonomia jurídica – Inexistência de relação de dependência ou de subordinação entre tais espécies delituosas – Inaplicabilidade do princípio da consunção – Ino-corrência de conflito aparente de normas – Pedido indeferido. A prática dos delitos de quadrilha ou bando armado e de porte ilegal de armas faz instaurar típica hipótese de caracterizadora de concurso material de crimes, eis que as infrações penais tipificadas no parágrafo único do art. 288 do Código Penal e no art. 10, § 2º, da Lei 9.347/97, por se revestirem de autonomia jurídica e por tutelarem bens jurídicos diversos (a paz pública, de um lado, e a incolumidade pública, de outro), impedem a aplicação, a tais ilícitos, do princípio da consunção (‘major absortet minorem’).” (RHC 83.447/SP, 2ª Turma, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 26.11.2004, p. 35).é importante observar, também, que não ocorre o segundo requisito capaz de justificar

a aplicação do princípio da consunção.

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O crime previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, é mais grave que o delito de sonegação fiscal previsto na Lei 8.137/1990. Daí não ser apropriado falar-se em absorção de um crime mais grave pelo mais leve.

(...)Assim sendo, ausentes os requisitos básicos para a aplicação do princípio da consunção,

deve-se afastar a tese levantada pelos denunciados.Nessa linha, a extinção da punibilidade alegada pelos denunciados e prevista na Lei

9.249/95 só pode ser aplicada aos crimes de sonegação fiscal, jamais podendo ser estendida ao crime previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, como querem fazer crer os denunciados. Portanto, persiste a punibilidade relativa ao crime de manutenção de depósitos não declarados no exterior.

O argumento de que a conta no exterior não pertence a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, o que afastaria a incidência do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/1986, não deve prevalecer.

A offshore Dusseldorf Company Ltd. é de propriedade do denunciado José Edu-ardo Cavalcanti de Mendonça, verdadeiro beneficiário dos valores depositados em favor da empresa.

Ainda que a empresa não possua sede no País, o seu proprietário e beneficiário dos valores depositados em seu favor é residente e domiciliado no Brasil, passível, portanto, da aplicação do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86.

Adotar a tese da defesa significaria praticamente aniquilar o tipo em exame. Com efeito, bastaria constituir uma empresa no exterior para não ter necessidade de declarar a conta. Só seriam punidos os incautos que tivessem conta em nome próprio ou de em-presa sediada no país.

No ponto, considero pertinentes as ponderações do Ministério Público Federal.

A utilização de pessoa jurídica como “escudo” para o cometimento (aqui suposto) de ilícitos não tem acolhida no ordenamento jurídico. Ao contrário, mesmo no âmbito do direito privado, as modernas teorias empresariais demonstram que o direito caminha no sentido oposto – por exemplo, a teoria da desconside-ração da personalidade jurídica, que consiste, em síntese, na possibilidade de se afastar a personalidade jurídica da empresa sempre que esta é usada para acobertar e proteger aquele que pratica fatos ilícitos na sua administração. Busca-se, assim, responsabilizar (em termos cíveis) o sócio ou administrador por seus atos.

No âmbito criminal, como sabido, a solução não é diferente, principal-mente em razão da dificuldade de se adequarem às pessoas jurídicas os conceitos fundamentais do Direito Penal – voltado para o indivíduo e sua vontade finalística.

Até por isso, só raramente as pessoas jurídicas vêm a ser penalmente responsabilizadas por uma conduta, como em casos de crimes ambientais, como prevê a Constituição brasileira. No mais, em regra, o crime praticado no âmbito da empresa é atribuído à pessoa física que o perpetrou.

Veja-se que, em seu depoimento, o denunciado Duda Mendonça afirma que a empresa Dusseldorf foi criada, exclusivamente, para receber, no exte-rior, os recursos remetidos por Marcos Valério, verbis (fl. 1027):

(...) a senhora Zilmar foi procurada pelo senhor Marcos Valério, que revelou-lhe a necessidade da abertura de uma conta no exterior como condição do recebimento do débito existente; Que não sabe as razões que levaram Marcos Valério a proceder o referido

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condicionamento; Que, orientado pelo banco Boston Internacional, foi orientado a abrir uma empresa no exterior/Bahamas; Que, dessa forma, procedeu à abertura de uma empresa offshore denominada “Dusseldorf”; Que, em favor dessa empresa, foi depositado um valor em torno de dez milhões de reais; (...)

Portanto, não se pode afastar, a priori, a tipicidade da conduta narrada pelo Procurador-Geral da República.

Veja-se, aliás, que a data de criação da Dusseldorf Company Ltd. coin-cide, realmente, com a época em que os repasses supostamente começaram a ser realizados por Marcos Valério aos denunciados.

Com efeito, de acordo com o Relatório de Análise 008/06 (constante do apenso 85 dos autos), a conta 001.001.2977, denominada Dusseldorf Com-pany Ltd., foi aberta no BankBoston International de Miami/EUA, em 19-2-03, pelo denunciado Duda Mendonça, seu único titular.

Consta das conclusões do referido relatório:

Este Relatório de Análise demonstrou que a conta nº 001.001.2977, denominada Dusseldorf Company Ltd. e aberta no BankBoston International de Miami em 19.02.2003, tem como titular o publicitário Duda Mendonça. Além disso, analisou a movimentação financeira ocorrida na conta Dusseldorf, no período de 21.02.2003 a 02.01.2004, revelan-do terem sido creditados e debitados naquela conta U$ 3,6 milhões, equivalente, na época, a aproximadamente R$ 10,8 milhões.

Dentre os abastecedores da conta Dusseldorf, destaque para a offshore Trade Link Bank, pertencente ao Conglomerado Rural, que creditou naquela conta U$ 1,1 milhão, conforme se verifica no quadro abaixo, que apresenta os maiores abastecedores da Dusseldorf (...)

Por sua vez, consta do depoimento prestado pela co-denunciada Zilmar Fernandes à Polícia Federal na Bahia (fls. 1848/1852, vol. 9 dos autos):

Que, na segunda quinzena do mês de fevereiro, houve um contato entre a depoente e o senhor Marcos Valério, onde este mencionou a necessidade de a depoente lhe fornecer um número de uma conta bancária no exterior para o recebimento de parte do pagamento; (...) Que, diante dessa exigência advinda do senhor Marcos Valério, a depoente entrou em contato com o senhor Duda Mendonça, relatando-lhe o fato; (...) Que o senhor Duda Mendonça, em contato com o Banco de Boston Internacional, providenciou a abertura de uma empresa off-shore denominada Dusseldorf, localizada nas Bahamas e o res-pectivo número de conta bancária; (...) Que, de posse do número da respectiva conta bancária, a depoente o entregou ao senhor Marcos Valério; Que, a partir de março de 2003, começaram a ser efetuados os depósitos em conta bancária da empresa Dusseldorf; (...) Que em um determinado momento passou a ocorrer uma divergência entre os valores declarados por Marcos Valério como depositados e os recebidos pela empresa Dusseldorf; Que, para saber se esses valores eram depositados, a depoente falava exclusivamente com a senhora Simone Vasconcelos; Que o senhor Duda Mendonça não participava de quais-quer contatos relacionados aos recebimentos dos valores da empresa Dusseldorf; Que, apenas, Duda Mendonça efetuava a conferência dos valores efetivamente recebidos em conta bancária da empresa Dusseldorf; (...) Que, pelo conhecimento da depoente, apenas a própria, Duda Mendonça, Marcos Valério e Simone Vasconcelos possuíam conhecimento das transações financeiras ocorridas no exterior; (...)

Além deste depoimento em que a acusada Zilmar Fernandes afirma ter par-ticipado do mecanismo de remessa de divisas para conta no exterior, há ainda o conteúdo do laudo 2165/05 do Instituto Nacional de Criminalística (apenso

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51, fls. 6/12), no qual se constatou a existência da conta número 61028540, no BankBoston, de titularidade da denunciada Zilmar Fernandes. Embora não se refira à época objeto da investigação, percebe-se que as remessas ilegais de recursos já eram prática habitual por parte da acusada entre os anos de 1997 e 2000, nos termos do laudo em comento, destacando-se que “todas as operações financeiras identificadas se deram por meio da conta nº 30101468, titulada pela Agata International Holding Corp., mantida no MTB Bank, tratando-se de empresa sediada em Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas (...)”.

Além disso, no que se refere à Dusseldorf Company Ltd. – efetiva bene-ficiária de recursos encaminhados pelo PT por intermédio de Marcos Valério, como esclarecido pelos próprios denunciados –, seu titular, como já visto, é o co-denunciado Duda Mendonça, mas a administração da referida conta aparentemente cabia, também, à acusada, que era sócia e representante de Duda em todas as negociações com o PT e as empresas de Marcos Valério.

Chamo atenção para o fato de que a acusada participava, sozinha, das reuniões com o denunciado Marcos Valério e, de acordo como uma das teses constantes dos autos, teria sido ela, Zilmar, quem solicitou que os pagamentos fossem feitos no exterior (v. depoimento de Marcos Valério).

Considero, com base nos indícios constantes dos autos, plausível – embora ainda possa ser questionada no curso da ação penal – a conclusão de que, efetiva-mente, teria partido de Zilmar e Duda Mendonça a solicitação de que os repasses dos elevados valores em dinheiro fossem efetuados no exterior. Isso porque os pagamentos aos demais supostos beneficiários do esquema não foram efetu-ados no exterior, até onde se apurou, mas, sim, nas agências do Banco Rural, mediante retiradas em espécie já anteriormente analisadas.

Por essa razão, causa estranheza a alegação da denunciada Zilmar Fernandes de que Marcos Valério os teria obrigado a abrir conta no exterior, como con-dição para efetuar os repasses. Relevante, no ponto, a leitura de trecho de um dos depoimentos de Marcos Valério (fl. 1456, vol. 6 dos autos):

Que realmente repassou R$ 15,5 milhões ao publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes da Silveira; (...) Zilmar solicitou que os cheques fossem entregues ao Sr. Jader Kalid Antonio, em Belo Horizonte/MG; Que Zilmar falou para o decla-rante que Jader seria seu consultor financeiro, e ficaria encarregado de descontar os cheques emitidos para pagamento de Duda Mendonça; (...) Que o declarante perguntou para Zilmar se a empresa Dusseldorf era realmente de sua propriedade, o que foi con-firmado (...)

Bem, Senhora Presidente, o denunciado Duda Mendonça não nega que a abertura da conta Dusseldorf no exterior se deu exclusivamente para o fim de receber os valores remetidos pelo núcleo publicitário-financeiro, embora procure afastar sua responsabilidade penal pela prática do crime definido no art. 22, parágrafo único, sob alegação de que se trata não de uma conta bancária, mas de uma pessoa jurídica que não tinha obrigação de declarar as contas de sua titularidade aos órgãos competentes.

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Como visto no próprio depoimento de Duda Mendonça e Zilmar Fer-nandes, a Dusseldorf Company Ltd. foi aberta simplesmente para receber valores remetidos pelo núcleo publicitário-financeiro, mediante negociações com Zilmar Fernandes, que, de acordo com os dados constantes dos autos, já antes referidos, provavelmente tinha, também, participação na referida conta, embora seu titular seja o co-denunciado Duda Mendonça.

Pesa, ainda, contra Zilmar, a suspeita de que tenha solicitado a Marcos Valério a remessa ilegal de divisas ao exterior, nas negociações para “saldar a dívida de campanha do PT”, alterando, assim, a forma de recebimento originária, que era de pagamentos em espécie nas agências do Banco Rural, como vimos ao analisarmos a imputação de lavagem de dinheiro.

Nesses termos, no que tange ao crime contra o sistema financeiro nacional, meu voto é no sentido do recebimento da denúncia contra Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, para que respondam a ação penal pela suposta prática do crime descrito no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, tal como narrado na inicial acusatória.

Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias

O Parquet imputa, ainda, aos acusados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Geiza Dias e Simone Vasconcelos a prática do crime de evasão de divisas, tendo em vista a realização de 53 (cinqüenta e três) depósitos na conta Dusseldorf.

Marcos ValérioSalienta a denúncia, como já lido antes, que, “em virtude do esquema de

lavagem engendrado por Duda Mendonça e zilmar Fernandes, o grupo Marcos Valério promoveu, sem autorização legal, a saída de divisas para o exterior” (fl. 5742).

O Procurador-Geral da República destaca o seguinte trecho do depoimento prestado por Duda Mendonça à CPMI dos “Correios” (v. fl. 5742):

O Sr. José Eduardo Cavalcanti de Mendonça – (...) Por exemplo, durante o ano de 2002, todo o dinheiro que recebemos da campanha, das mãos do Sr. Delúbio, era um dinheiro oficial. Eles mandavam o dinheiro através de cheque, nós botávamos na nossa conta e emitía-mos nota fiscal. No ano de 2003... Foi quando passou esse débito para o ano de 2003 que, aí, a coisa mudou. Ele disse: “Aguarde, nós vamos arranjar”.

Aí, encaminhou ao Marcos Valério, e a partir daí o Delúbio saiu do circuito. Ele disse: “quem está pagando os débitos do PT é o Marcos Valério”. Não tínhamos nenhum negócio com o Sr. Marcos Valério. Era o dinheiro do PT, ele era emissário do PT, nós não tínha-mos prestado serviço pra ele, tínhamos prestado serviço para o PT, e ele era simplesmen-te a pessoa que ia nos pagar. (...)

Então, nesse período, ele mandou R$ 10 milhões e pouco lá para fora, como parte da regra do jogo. Ele pagou a zilmar R$ 1,4 milhão, três (...) E depois ele pagou mais duas de R$ 500, e mais os R$ 10 milhões lá fora (...)

Embora Marcos Valério negue a remessa ilegal de divisas, afirmando que os depósitos na conta Dusseldorf eram feitos pelo doleiro Jader Kalil Antonio – a quem teria passado a entregar os cheques da SMP&B em pagamento a Duda e

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Zilmar, a pedido desta última –, há nos autos claros indícios no sentido con-trário: de que Marcos Valério e seus aparentes cúmplices da SMP&B é que efetivamente remetiam os valores para a conta Dusseldorf. Com efeito, em seu depoimento, Duda Mendonça afirmou o seguinte (fl. 1028):

Que não sabe precisar a origem das remessas feitas por Marcos Valério, contudo afirma que eram muitos depósitos, em valores fracionados; Que acha que alguns depósitos eram provenientes do BAC-Florida Bank, Banco Rural Europa S/A, Israel Discount Bank of New York e uma empresa chamada Trade Link; Que pode comprovar a origem da maioria das remessas feitas pelo senhor Marcos Valério, através do recebimento de vários fax, encaminhados à empresa do depoente, pela empresa SMP&B (...)

Os fac-símiles provenientes da SMP&B que confirmam a remessa dos valores para a Dusseldorf estão acostados aos autos e foram objeto de análise no Laudo de Exame Econômico-Financeiro realizado pelo Instituto Nacional de Criminalística (Laudo 2.293/05-INC, fls. 17/103 do apenso 51).

O referido laudo indica que a remessa dos recursos para o exterior foi, real-mente, executada pela SMP&B, e constata-se, ali, que as remessas financeiras foram realizadas por diversas empresas e instituições financeiras.

Importante ressaltar que os denunciados Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, contra os quais já recebemos as acusações de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e peculato, eram os gestores da sociedade empresária SMP&B Comunicação Ltda., como salientei anteriormente, e foi por meio da SMP&B que se efetivou a suposta remessa ilegal de divisas para o exterior.

Quanto ao conteúdo dos documentos transmitidos pela SMP&B, via fax, para Jader Kalid ou para os beneficiários, os peritos salientam que constam, ali, dados característicos de ordens de pagamento (ou de sua confirmação) no exterior. O laudo ainda destaca que os documentos haviam sido transmitidos via fax, possuindo como dados da origem da transmissão, o seguinte: “de: SMPB_Divulgação Fax: 031 32476674 (...)” e também “de Agecon Divulgação Fax: 062 546 6809”.

Ora, se, efetivamente, como afirmou Marcos Valério, a SMP&B se limitou a entregar os cheques nominais a Jader Kalid, e este é que teria promovido as remessas ao exterior, a pedido de Duda e Zilmar, por que razão a SMP&B enviaria fax para Jader ou para Duda comprovando que efetuou os depósitos no exterior? Bastaria, se verdadeira a sua versão, comprovar para os beneficiários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes que Jader Kalid havia recebido os cheques, exatamente da mesma maneira como se fez com outros denunciados: recolhendo a assinatura de Jader para arquivar o “recibo” (sempre informal) com os valo-res repassados.

Há, ainda, o depoimento de Jader Kalid Antônio, muito importante para demonstrar como os sócios de Marcos Valério bem como as acusadas Geiza Dias e Simone Vasconcelos estavam envolvidos no suposto esquema de remessa ilegal de divisas para o exterior (fls. 3583/3585, vol. 16 dos autos):

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Que, no ano de 2003, o Sr. Ramon Cardoso [denunciado], sócio da SMP&B, procurou o declarante para que este lhe orientasse numa provável operação no valor de cerca de dois milhões de reais, os quais deveriam ser “transformados” em pagamentos a serem realizados numa conta situada no exterior; Que o Sr. Ramon Cardoso não informou o nome do destinatário nem em qual país seria efetivado o pagamento, somente declinou que a transferência envolveria uma conta no Banco de Boston, situada no exterior; Que informou ao Sr. Ramon Cardoso que tal operação poderia ser realizada com doleiros de grande porte, contudo seria muito arriscada, pois à época tais doleiros estavam sendo objeto de investigação da Polícia Federal, em decorrência das informações levantadas pela CPI do Banestado; (...) Que orientou o Sr. Ramon Cardoso que procurasse a gerência da área internacional dos bancos com os quais tivesse relacionamento, inclusive o próprio Banco de Boston, para que fosse orientado acerca de uma forma segura de realizar o “câmbio” do numerário que desejava transferir para o exterior; (...) Que também informou ao Sr. Ramon Cardoso que iria verificar junto ao Israel Discount Bank of NY, com o qual mantinha relacionamento, se seria possível realizar a transferência dos dois milhões para o exterior, mediante a utilização da conta-corrente de uma empresa situada no exterior do qual era procurador; Que, assim, verificaria junto ao Israel Discount Bank of NY se este estava necessitando realizar um pagamento em real no Brasil, com a contrapartida do depósito em dólar no exterior; Que, posteriormente, procurou o Sr. Ramon Cardoso e informou que o Israel Discount Bank of NY necessitava tão somente de realizar o pagamento, no Brasil, de um valor de quatrocentos mil reais, o qual teria como contrapartida o seu depósito do corres-pondente em dólar no exterior; Que, assim, foi efetivada a transferência de U$ 131.838,00 da conta da empresa Kanton para a conta da empresa Dusseldorf; Que o número da conta-corrente da empresa Dusseldorf foi informada pelo Sr. Ramon Cardoso; Que o Israel Discount Bank of NY, na pessoa de André Levy ou Rina, passou ao declarante o número de algumas contas-correntes, de, salvo engano, uma pessoa ou mais, residentes na cidade do Rio de Janeiro, as quais deveriam receber o valor de quatrocentos mil reais de forma que fosse possível efetivar o depósito no exterior; Que o declarante passou o número de tais contas-correntes para o senhor Ramon Cardoso; (...) Que deste negócio também recebeu sua comissão de 0,2% do Israel Discount Bank of NY; Que, posteriormente, e ainda no ano de 2003, a Sra. Geiza Dias, funcionária do setor financeiro da SMP&B, passou alguns faxes para o declarante, os quais continham o número de uma conta corrente no exterior; Que a Sra. Geiza Dias solicitou ao declarante a sua ajuda para verificar se determinado valor havia sido depositado em tais contas, pois estava sofrendo uma enorme pressão de uma mu-lher, a qual no momento não se recorda o nome; (...) Que conheceu Ramon Cardoso através de Cristiano Paz; Que conheceu Cristiano Paz há vários anos atrás, quando freqüentava encontros sociais juntamente com o mesmo; Que já realizou consultorias financeiras para Cristiano Paz, que precisava, na época, de serviços de factoring (...)

Em primeiro lugar, assinalo que esse depoimento encontra respaldo nos laudos periciais do Instituto Nacional de Criminalística, em que a Kanton Bu-siness aparece como ordenante, em 16-6-03, de US$ 131.838,00, para a conta Dusseldorf, sendo remetente o Israel Discount Bank – NY (entre outros, Laudo 2.293/05-INC, fl. 19).

Como se nota, Ramon Hollerbach Cardoso teve, de acordo com esse de-poimento, intensa participação nas remessas de dinheiro para a conta de Duda Mendonça nas Bahamas (Dusseldorf), tendo sido apresentado a Jader Kalid por Cristiano Paz, outro dos denunciados. Vale dizer, possivelmente houve comum acordo entre os sócios para efetuar as ditas remessas ilegais para a conta Dussel-dorf. Também há indícios do envolvimento de Cristiano Paz, que, segundo Jader Kalid, também realizava consultorias financeiras e foi quem colocou Ramon em contato com o doleiro.

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A par disso, também está claro que a denunciada Geiza Dias tinha conheci-mento das remessas e, ainda, solicitou ajuda de Jader Kalid para verificar se determinado valor havia sido depositado em uma conta-corrente no exterior, tendo em vista pressão que vinha recebendo de uma mulher (possivelmente Zilmar). Ou seja, pode-se concluir, desse depoimento, ao menos neste momento, que Geiza Dias participou, em tese, das remessas de divisas para a conta Dusseldorf.

Observe-se, ainda, que foi a acusada Geiza Dias quem encaminhou fac-símiles da SMP&B para comprovar as remessas de dinheiro para o exterior. Assim, pode-se ler a anotação feita pela acusada ao pé do documento de fl. 1047 – “att: Geiza” (vol. 4 – lacrada por conter dados de sigilo bancário), datado de 29 de julho de 2003, no qual está documentada a transferência de US$ 25.371,28 (vinte e cinco mil trezentos e setenta e um dólares e vinte e oito centavos de dó-lar), do Banco Rural Europa para a Dusseldorf Company.

O mesmo procedimento foi adotado no documento de fl. 1055, em que a acusada Geiza Dias anotou “att: Geiza” e encaminhou, via fax, aos cuidados de “Jader”, para confirmar a transferência do valor de US$ 29.104,00 (vinte e nove mil cento e quatro dólares), no mesmo dia 29 de julho de 2003, por ordem do Trade Link Bank, Grand Cayman, em favor da Dusseldorf Company Ltd, Bank of Boston International, Miami, Flórida. Igualmente, a acusada Geiza Dias encaminhou para Jader, nos mesmos termos acima mencionados (att: Geiza), outra confirmação de pagamento do Trade Link Bank em favor da Dusseldorf, desta feita no valor de US$ 100.000,00 (cem mil dólares).

Portanto, os indícios são mais do que evidentes de que a acusada Geiza Dias era responsável, se não pela efetivação em si da remessa ilegal, por sua confirmação e comunicação aos beneficiários dos recursos, de modo que é plausível a acusação de sua participação no crime. A maior ou menor importân-cia de sua participação é circunstância que deverá ser analisada no curso da ação penal.

Quanto à acusada Simone Vasconcelos, também há nos autos indícios de sua participação na conduta em tese classificada como evasão de divisas.

Conforme depoimento de Zilmar Fernandes, Simone Vasconcelos esteve presente nas reuniões em que se acertou a forma de repasse dos valores que, alega Zilmar, eram devidos pelo PT pelos serviços de marketing da campanha.

Além disso, era Simone Vasconcelos quem esclarecia eventuais dúvidas de Zilmar acerca dos valores depositados no exterior. Lê-se, por exemplo, no se-gundo depoimento de Zilmar Fernandes à Polícia Federal na Bahia (fl. 1849, vol. 9):

Que, em um determinado momento, passou a ocorrer uma divergência entre os valores declarados por Marcos Valério como depositados e os recebidos pela empresa Dusseldorf; Que, para saber se esses valores eram depositados, a depoente falava exclusi-vamente com a senhora Simone Vasconcelos; (...) Que, ocorrendo divergência no recebi-mento de depósitos na conta bancária da empresa Dusseldorf, possivelmente a senhora Simone ou Geiza passou a encaminhar cópias de fac-símile, comprovando a ocorrência dos depósitos (...)

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Assim, está clara a existência de indícios da participação da acusada Simone Vasconcelos no suposto crime de evasão de divisas.

Por fim, Senhora Presidente, em relação ao acusado Rogério Lanza Tolentino, entendo que a denúncia não preenche os requisitos necessários ao seu recebi-mento, tendo em vista não haver descrito, nem mesmo minimamente, qual teria sido a participação ou contribuição do referido acusado nas remessas supostamente ilegais de recursos para o exterior.

Do exposto, Senhora Presidente, meu voto é no sentido do recebimento da denúncia também contra os acusados Marcos Valério, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano Paz, Simone Vasconcelos e Geiza Dias, para que respon-dam a ação penal pela suposta prática do crime descrito no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86.

Não recebo a denúncia relativamente ao acusado Rogério Lanza Tolentino, por desobediência ao art. 41 do Código de Processo Penal.

Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane

Relativamente ao mesmo dispositivo penal, resta, ainda, analisar a imputação feita aos acusados do denominado “núcleo financeiro” da suposta organização criminosa: José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello.

Segundo o Parquet, a maioria das remessas ilegais de divisas para a Dus-seldorf Company Ltd. foi de responsabilidade desses denunciados, tendo em vista que foram viabilizadas pelas empresas Trade Link Bank (dezesseis depó-sitos), Rural International Bank (seis depósitos), IFE Banco Rural (um depósito) e Banco Rural Europa (quatro depósitos), “todas comandadas pelos dirigentes do Banco Rural (José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello), que executaram os crimes de evasão de divisas (...)”, nos termos da denúncia.

A inicial acusatória salienta o seguinte (nota de rodapé 216):

Vide Relatório de Análise nº 04/2006, em anexo, do qual se destaca o seguinte trecho: “Analisando a documentação existente nas caixas recebidas da Promotoria de Nova Iorque, contendo documentação das instituições financeiras sediadas em Nova Iorque, Union Bank of Switzerland (UBS), Wachovia Bank, Prudencial Securities Incorporated e Standard Chartered Bank, constatamos que o Banco Rural e o Trade Link Bank são controlados pelo mesmo grupo de pessoas, não só pela informação do quadro de acionistas do Trade Link Bank, mas também pelos registros obtidos nos dossiês dos bancos citados, conforme exposto a seguir...” (...) Vide, por fim, depoimento de José Roberto Salgado (fls. 4470/4478), especialmente: “Que o Banco Rural possui como unidades externas o IFE Banco Rural Uruguai S.A., sediada em Montevidéu/Uruguai, Rural International Bank, com sede em Nassau, nas Bahamas, Rural Securities International Inc., também com sede em Nassau-Bahamas, Banco Rural Europa S.A. em Funchal, Ilha da Madeira/Portugal.”

Apenas para esclarecer, até o momento da abertura da conta Dussel-dorf, no exterior, pelo denunciado Duda Mendonça, os repasses de dinheiro,

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como dito na denúncia e confirmado por Zilmar Fernandes em seu depoimento, se davam em espécie, na agência do Banco Rural da Avenida Paulista. Foi o que analisamos na primeira parte deste capítulo de meu voto.

No que diz respeito à acusada Ayanna Tenório, observo que ela não inte-grava o Banco Rural à época da suposta evasão de divisas, que, segundo os laudos juntados pelo Ministério Público Federal, teriam ocorrido entre 21 de fevereiro de 2003 e 2 de janeiro de 2004, sendo certo que Ayanna Tenório somente veio a integrar-se ao Banco Rural em 12 de abril de 2004.

Do exposto, não recebo a denúncia relativamente a Ayanna Tenório.

Relativamente aos demais integrantes da cúpula do Banco Rural, os autos contêm elementos suficientes ao acolhimento da denúncia.

No Relatório de Análise 8/06, anexo à denúncia, constatou-se quais foram as instituições financeiras que remeteram recursos para a conta Dusseldorf, no período de 21-2-03 a 2-1-04. As origens são as seguintes: 1) Trade Link Bank (ordenou US$ 1.137.551,25 – um milhão cento e trinta e sete mil quinhentos e cinqüenta e um dólares e vinte e cinco centavos – em dezesseis depósitos); 2) Rural International Bank/IFE Banco Rural (Uruguay) (ordenou US$ 273.533,74 – duzentos e setenta e três mil quinhentos e trinta e três dólares e setenta e quatro centavos, em sete depósitos); 3) Leonildo José Ramadas Nogueira41/Banco Rural Europa S.A./Portugal (ordenou US$ 252.183,00 – duzentos e cinqüenta e dois milhões cento e oitenta e três mil dólares, em três depósitos); 4) Banco Rural Europa (ordenou US$ 25.359,28 – vinte e cinco mil trezentos e cinqüenta e nove dólares e vinte e oito centavos – em um depósito)42.

é interessante salientar que, como aponta o Laudo 2.293/05-INC (apenso 51, fl. 27), a atual responsável pelo Rural International Bank é a acusada Kátia Rabello. De acordo com referido laudo pericial, de uma das contas do Rural Intl. Bank saíram mais de setenta mil dólares, creditados em favor da Dusseldorf Company. Aliás, como ressaltou a própria defesa, Vinícius Sama-rane era gerente do IFE Rural Uruguay (fl. 20 do apenso 118), um dos bancos que também remeteu divisas para a Dusseldorf, e depois assumiu o importante cargo diretor de compliance do Rural, função que ocupa desde 2002. Por sua vez, José Roberto Salgado era diretor da área internacional do Banco Rural.

41 De acordo com o Relatório de Análise 8/06, Leonildo foi funcionário da Caixa Econômica Federal em Belo Horizonte, onde exerceu diversas funções, entre as quais a de Coordenador de Sistemas e Presidente do Comitê de Crédito e Contratações da Matriz. é português naturalizado brasileiro. Res-cindiu contrato com a CEF em 1996, ano em que ocorreu o processo de internacionalização do Banco Rural, com a inauguração da Rural Securities (Miami/EUA) e da Rural Internacional, em Nassau. Em 1998, foi criado o Banco Rural Europa S.A., com sede na Ilha da Madeira, em Portugal, e em 2004 foi aberto o escritório do Banco Rural em Luanda. Coincidentemente ou não, Leonildo participou de um curso na Companhia de Diamantes de Angola.42 Tais dados constam, ainda, do Laudo 96/06-INC, fls. 290/396 do apenso 51.

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Também os anexos I, V e VI do Laudo 2.293/05-INC (apenso 51, vol. 1) trazem diagrama que demonstra a posição hierárquica superior de Kátia Rabello e José Roberto Salgado nas instituições Deal Financial Corporation, Rural In-ternational Bank e Trade Link Bank.

Dentre todas as remessas empreendidas pelo grupo, sobressaem aquelas empreendidas por meio do Trade Link Bank, que ultrapassam o montante de um milhão de dólares.

Referida empresa, de acordo com o Relatório de Análise 8/06 (v. apensos 81/85 – anexo da denúncia), pertence ao Conglomerado Rural. O depoimento de Guilherme Rocha Rabello, ex-diretor do Trade Link Bank, também demons-tra quão estreita era a relação da offshore em questão com o Banco Rural (fls. 3602/3607, vol. 16 dos autos):

Que é Diretor Estatutário do Grupo Banco Rural; Que é Diretor Operacional do Banco Rural S/A, sendo responsável pelas Agências das Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul; Que trabalha no Grupo Rural desde 1984; Que conhece a estrutura internacional do Banco Rural (...); Que conhece o Trade Link Bank, instituição financeira com sede em Georgetown/Grand Cayman; Que já foi diretor do Trade Link Bank; Que foi convidado para atuar como diretor do Trade Link Bank por seu tio Sabino Correa Rabello; Que não sabe dizer se Sabino Rabello foi o responsável pela constituição do Trade Link Bank; Que passou a atuar como diretor do Trade Link Bank em 1995, tendo permanecido no cargo por nove meses; Que não possui nenhum documento oficial que registra a entrada e a saída do declarante da diretoria do Trade Link Bank; (...) Que não recebeu nenhuma numeração específica para trabalhar no Trade Link Bank, sendo que recebia sua remuneração normal no Banco Rural; (...) através da mídia e do depoimento de Kátia Rabello à CPI dos Correios, ficou sabendo que Marcos Valério havia intermediado encontros entre Sabino Rabello e a própria Kátia com o ex-Ministro da Casa Civil, José Dirceu (...)

Assim, Senhora Presidente, diante da documentação constante dos autos e das constatações do Instituto Nacional de Criminalística (Laudo 96/06, constante do apenso 51), considero haver indícios suficientes da participação da cúpula do Banco Rural nas supostamente ilegais remessas de divisas ao exterior, especificamente para a conta Dusseldorf.

Do exposto, recebo a denúncia, nos termos em que foi ofertada, contra José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Kátia Rabello, pela suposta prá-tica do crime definido no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86.

Não a recebo em relação a Ayanna Tenório, porque não pertencia, à época, aos quadros do Banco Rural.

Encerrando, Senhora Presidente, em conclusão ao capítulo VIII da denúncia, eu a recebo:

a) contra Duda Mendonça, Zilmar Fernandes, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Kátia Rabello, para que respondam a ação penal pela suposta prática do crime definido no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, tal como antes descrito (item VIII, “a”, “b” e “c.1”, da inicial acusatória);

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b) contra Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, pela acusação de lava-gem de dinheiro, nos termos do art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98 (item VIII, “c.2”, da denúncia).

Não recebo a denúncia em relação a Ayanna Tenório (item VIII, “b”, da denúncia) e Rogério Tolentino (item VIII, “a”, da denúncia), relativamente ao delito de evasão de divisas.

Das imputações de falsidade ideológica e formação de quadrilha – Capítulo II da denúncia

No item II da denúncia, o Procurador-Geral da República imputou aos acusados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Ramon Hollerbach, Cristiano de Mello Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane, Kátia Rabello e Marcos Valério a prática do delito de formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal), para fins de cometimento dos crimes analisados nos itens anteriores deste voto.

Ao acusado Marcos Valério foi, ainda, imputada a prática do crime de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), que analiso em primeiro lugar.

Da imputação de falsidade ideológica43

Marcos Valério é acusado da prática do crime de falsidade ideológica, em razão de, supostamente, ter-se utilizado de expediente fraudulento, fazendo constar sua exclusão do quadro de sócios da empresa SMP&B e incluindo no quadro socie-tário da empresa sua esposa Renilda, que seria, na verdade, sua “testa-de-ferro”, de acordo com o Procurador-Geral da República.

De acordo com a denúncia, verbis (fl. 5625):

Registre-se que Marcos Valério deixou apenas formalmente a empresa SMP&B no ano de 1999, mas continuou a geri-la com os sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, por intermédio de sua esposa, utilizada como sua “testa-de-ferro”, conduta que caracte-riza o crime de falsidade ideológica.

Além da empresa SMP&B, idêntico expediente fraudulento foi empregado por Marcos Valério na empresa Graffiti Participação Ltda, que, por seu turno, integrava o quadro socie-tário da empresa DNA.

Ocorre que o acusado esclareceu o seguinte (fl. 359):

A esposa do declarante nunca administrou as empresas, apesar de seu nome constar nos contratos sociais, visto que o declarante possui procuração para agir em nome dela, sendo o único responsável pela administração das empresas no que diz respeito ao casal.

Pois bem, Senhora Presidente. O fato é que Marcos Valério se retirou, em princípio, licitamente da sociedade.

43 “Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre o fato juridicamente relevante: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.”

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A caracterização do delito do art. 299 exige a demonstração do dolo espe-cífico na conduta do agente.

Nesse sentido, a lição de Guilherme de Souza Nucci:

76. Elemento subjetivo do tipo: é o dolo, mas exige-se o elemento subjetivo específico, consistente na vontade de “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. Dessa forma, a falsificação que não conduza a qualquer desses três resultados deve ser considerada penalmente indiferente. Não se pune a forma culposa.(Código Penal Comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 832.)

Senhora Presidente, a denúncia não descreve em que consistiria o dolo específico da conduta do denunciado Marcos Valério, ou seja, não demonstra de que modo, com a suposta conduta, ele pretendia prejudicar direito, criar obriga-ção ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

A simples alteração do quadro societário, com a colocação da sua esposa como sócia em seu lugar, não configura, por si só, ilícito penal. Falta na denúncia a descrição da presença de dolo específico, inclusive porque o denunciado Marcos Valério continuou a gerir a sociedade formalmente, mediante procuração outorgada por sua esposa Renilda.

Assim, em face da descrição insuficiente dos elementos do tipo penal do art. 299 do Código Penal, não recebo a denúncia, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, em relação ao denunciado Marcos Valério, no que concerne às imputações contidas no subitem “c.2” do item II da denúncia – 2 (duas) vezes no art. 299, segunda parte, do Código Penal.

Da formação de quadrilhaPasso a analisar a imputação de formação de quadrilha, formulada contra

os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello.

Eis o que diz a denúncia, no mesmo item II (fls. 5621 e seguintes):

O conjunto probatório produzido no âmbito do presente inquérito demonstra a existência de uma sofisticada organização criminosa, dividida em setores de atuação, que se estru-turou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude.

A organização criminosa ora denunciada era estruturada em núcleos específicos, cada um colaborando com o todo criminoso, em busca de uma forma individualizada de contra-prestação.

Pelo que já foi apurado até o momento, o núcleo principal da quadrilha era com-posto pelo ex-Ministro José Dirceu, o ex-Tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, o ex-Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores, Sílvio Pereira, e o ex-Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno.

Como dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores, os denunciados, em conluio com outros integrantes do Partido, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais, e também de concessões de benefícios diretos ou indiretos a particulares, em troca de ajuda financeira.

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O objetivo desse núcleo principal era negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados.

Com efeito, todos os graves delitos (...) têm início com a vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores no plano nacional e tiveram por objetivo principal, no que concerne ao núcleo integrado por José Dirceu, Delúbio Soares, Sílvio Pereira e José Genoíno, garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores, mediante a compra de suporte político de outros Partidos Políticos e do financiamento futuro e pretérito (paga-mento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais.

Uma vez surgida a demanda criminosa dos referidos denunciados, era preciso montar os mecanismos para viabilizar o projeto idealizado.

Nesse ponto, e com objetivo unicamente patrimonial, o até então obscuro empresário Marcos Valério aproxima-se do núcleo central da organização criminosa (José Dirceu, Delúbio Soares, Sílvio Pereira e José Genoíno) para oferecer os préstimos de sua própria quadrilha (Ramon Hollerbach, Cristiano de Melo Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias dos Santos) em troca de vantagens patrimoniais no Governo Federal.

Para a exata compreensão dos fatos, é preciso pontuar que Marcos Valério é um verda-deiro profissional do crime, já tendo prestado serviços delituosos semelhantes ao Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, em Minas Gerais, na eleição para Governador do hoje Senador Eduardo Azeredo, realizada em 1998, fato que é objeto do inquérito nº 2280, em curso perante essa Corte Suprema.

(...)Marcos Valério sempre atuou no ramo financeiro, que representou a verdadeira escola

dos estratagemas por ele implementados e oferecidos aos Partidos mencionados (PSDB e PT).Em 1996, contudo, ele ingressou na empresa SMP&B Comunicação Ltda., não pos-

suindo, repita-se, formação acadêmica ou qualquer experiência na área de publicidade. Ali já atuavam os sócios Ramon e Cristiano, quando ingressou Marcos Valério, juntamente com o atual Vice-Governador de Minas Gerais, Clésio Andrade, seu “padrinho”, na época, passando a figurar como a face visível das práticas ilícitas daquele grupo.

Com sua entrada, os sócios transferiram os débitos da SMP&B para outra empresa, constituída para essa finalidade, e passaram a atuar no ramo de publicidade, especialmente na praça de Minas Gerais, em face da influência política do sócio Clésio. Logo após, constituíram a empresa DNA Propaganda Ltda.

(...)A atuação do núcleo de Marcos Valério (Ramon Hollerbach, Cristiano de Melo Paz,

Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias dos Santos) sempre esteve associada aos principais dirigentes do Banco Rural, parceiro inseparável nas empreitadas criminosas.

O Banco Rural, por meio de seus principais dirigentes, constitui o terceiro núcleo da organização criminosa em análise, cujo ingresso também visou ao atendimento de interesses patrimoniais das empresas integrantes do seu grupo econômico.

Em conjunto com os dirigentes do Banco Rural, notadamente o falecido José Augusto Dumont, Marcos Valério desenvolveu um esquema de utilização de suas empresas para transferência de recursos financeiros para campanhas políticas, cuja origem, simula-da como empréstimo do Banco Rural, não é efetivamente declarada, mas as apurações demonstraram tratar-se de uma forma de pulverização de dinheiro público desviado através dos contratos de publicidade.

Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Rogério Tolentino também uti-lizavam suas empresas e contratos de publicidade com empresas privadas para operacio-nalizar esquema de repasse de dinheiro não contabilizado a candidatos a cargos eletivos, diante da possibilidade de contabilização desses recursos como gasto de publicidade, median-te o desconto de um percentual sobre o valor transferido. Para esse fim, valiam-se do mesmo esquema de transferência de dinheiro em espécie operado junto ao Banco Rural.

(...)As provas colhidas no curso do Inquérito demonstram, exatamente, a existência de uma

complexa organização criminosa, dividida em três partes distintas, embora interligadas em sucessivas operações: a) núcleo central: José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio

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Pereira; b) núcleo operacional e financeiro, a cargo do esquema publicitário: Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias; e c) núcleo operacional e financeiro: José Augusto Dumont (falecido), a cargo da alta direção do Banco Rural: Vice-Presidente; José Roberto Salgado, Vice-Presidente Ope-racional; Ayanna Tenório, Vice-Presidente; Vinícius Samarane, Diretor Estatutário; e Kátia Rabello, Presidente.

Ante o teor dos elementos de convicção angariados na fase pré-processual, não remanesce qualquer dúvida de que os denunciados José Dirceu, José Genoíno e Sílvio Pereira, objetivando a compra de apoio político de outros Partidos Políticos e o financia-mento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais, associaram-se de forma estável e permanente aos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias (núcleo publicitário), e a José Augusto Dumont (falecido), José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello (núcleo Banco Rural), para o cometimento reiterado dos graves crimes descritos na presente denúncia.

Conspurca-se a manifestação popular, base do sistema democrático, instituindo-se sistema de enorme movimentação financeira à margem da legalidade, com o objetivo espúrio de obter a compra de votos de parlamentares à custa do desvio de recursos públicos.

O primeiro núcleo imprimia as diretrizes da atuação da quadrilha, valendo-se da experiência e conhecimento dos dois outros núcleos na prática reiterada de crimes contra o sistema financeiro nacional, contra a administração pública e de lavagem de capitais. Em contrapartida, os executores dos comandos oriundos do núcleo central recebiam benefícios indevidos desse núcleo central.

Na presente investigação, apurou-se que, no segundo semestre do ano de 2002, exatamente quando a vitória do PT no plano eleitoral estava delineada, Marcos Valério, com a intermediação do Deputado Federal do PT/MG Virgílio Guimarães foi apresentado a Delúbio Soares, Sílvio Pereira, José Genoíno e João Paulo Cunha, todos membros do comando do Partido dos Trabalhadores.

Com a vitória na eleição presidencial, inicia-se, em janeiro de 2003, a associação criminosa entre os dirigentes do Partido dos Trabalhadores e os denunciados ligados a Marcos Valério e ao Banco Rural.

O esquema criminoso em tela consistia na transferência periódica de vultosas quantias das contas titularizadas pelo denunciado Marcos Valério e por seus sócios Ramon, Cristiano e Rogério, e, principalmente, pelas empresas DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda., para parlamentares, diretamente ou por interpostas pessoas, e pessoas físicas e jurídicas indicadas pelo Tesoureiro do PT, Delúbio Soares, sem qualquer contabilização por parte dos responsáveis pelo repasse ou pelos beneficiários.

Os dados coligidos pela CPMI “dos Correios” e no presente inquérito, inclusive com base em declarações espontâneas do próprio Marcos Valério, demonstram que, no mínimo, R$ 55 milhões, repassados pelos Bancos Rural e BMG44, foram entregues à administração do grupo de Marcos Valério, sob o fundamento de pseudo-empréstimos ao publicitário, empresas e sócios, e foram efetivamente utilizados nessa engrenagem de pagamento de dividas de partido, compra de apoio político e enriquecimento de agentes públicos.

Também foram repassados diretamente pelos Bancos Rural e BMG vultosas quan-tias ao Partido dos Trabalhadores, comandado formal e materialmente pelo núcleo central da quadrilha, sob o falso manto de empréstimos bancários.

Desse modo, o núcleo do Banco Rural, em troca de vantagens indevidas, ingressou na engrenagem criminosa com o aporte de recursos milionários, mediante empréstimos simulados, além de montar uma sofisticada estrutura de lavagem de capitais para o repasse dos valores pagos aos destinatários finais.

(...)

44 A atuação dos dirigentes do BMG está sendo investigada em outro inquérito.

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Extraio da denúncia outro trecho, que contém informação importante para que se visualize a caracterização, em tese, do crime de formação de quadrilha (fls. 5647/5649):

O procedimento adotado pelos dirigentes do Rural em conluio com Marcos Valério teve o efeito de transformar os saques em espécie efetuados pela Diretora Financeira Simone Vasconcelos em cheques ao portador, obstando a identificação do efetivo beneficiário, sobre-tudo nas situações em que a própria Simone comparecia à agência e assinava o recibo.

Os pagamentos eram efetuados pelo grupo de Marcos Valério em benefício das pessoas indicadas pelos dirigentes do PT denunciados, utilizando-se das facilidades pro-porcionadas pelos dirigentes do Rural, que garantiam o trânsito, em espécie, de vultosas quantias por meio de mecanismos que obstaram a efetiva identificação do beneficiário. Segundo o depoimento do Superintendente do Banco Rural em Brasília, Sr. Lucas da Silva Roque, tratava-se de uma facilidade proporcionada pelo Banco denominada “Política de Relacionamento”.

No entanto, essa “Política de Relacionamento” aplicada de forma sistemática e rotineira, em Brasília, foi operada apenas em relação aos saques nas contas de Marcos Valério para distribuição a parlamentares e outros, pois o próprio gerente do Banco Rural que informou a existência dessa política, esclareceu, logo em seguida, que esse tipo de entrega de nume-rário que foi feito diversas vezes na agência Brasília para a empresa SMP&B não foi adotado para nenhuma outra empresa cliente do Banco Rural, com a mesma intensidade e freqüência da empresa SMP&B (...)

Os acusados alegam que a denúncia é inepta por não descrever adequada-mente os fatos que configurariam crime de formação de quadrilha. Assim, não haveria notícia de quando se deu a associação dos denunciados em quadrilha, nem como ocorreu essa associação, nem onde ela se teria formado.

Como se viu no trecho antes transcrito – no qual ainda não consta a indi-vidualização das condutas de cada acusado, que veremos a seguir –, foram ade-quadamente descritas as circunstâncias de tempo, modo e lugar da suposta prática do crime de formação de quadrilha pelos denunciados.

A associação teria sido planejada no segundo semestre de 2002, quando já estava delineada a vitória do Partido dos Trabalhadores nas eleições presi-denciais. No início de 2003, os acusados teriam dado início à suposta asso-ciação criminosa, voltada para a prática dos crimes já analisados nos capítulos anteriores deste voto. Isso afasta, portanto, o argumento de que a denúncia teria narrado um mero concurso de agentes para a prática dos demais crimes, além de cair por terra a alegação de que a denúncia não descreveu a prévia associação de todos os membros, o que tornaria os fatos atípicos, no que tange ao art. 288 (fl. 22 da resposta de Delúbio Soares, no apenso 120).

Ainda analisando a alegada desobediência ao que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal45, saliento que estão descritos na denúncia tanto o elemento subjetivo especial do tipo (finalidade de cometer delitos) como o elemento estabilidade da associação. Isso porque a dinâmica dos fatos, conforme narrado na denúncia, se protrai no tempo, começando em meados de 2002 e tendo seu fim com o depoimento do Deputado Roberto Jefferson, em 2005.

45 “Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circuns-tâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classifica-ção do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”

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Os documentos acostados nos apensos 5, 6 e 7 demonstram a constância com que eram efetuados os vultosos saques em espécie.

Está também minimamente demonstrado o vínculo subjetivo entre os acusados. Isso porque foram realizadas inúmeras reuniões nas quais, aparente-mente, decidiu-se como se dariam os repasses das vultosas quantias em espécie, as quais seriam os valores a serem transferidos a cada um dos denunciados, além da fixação de um cronograma para os repasses, cuja execução premeditadamente se protraía no tempo.

Ora, não há como crer que tal nível de organização narrado na inicial acusatória e a subseqüente prática – ao menos em tese – dos crimes para os quais os acusados se teriam associado possam constituir um mero concurso de agentes, em concurso material de crimes. Decididamente, não é isso que a denúncia narra.

Portanto, entendo que os fatos narrados na peça acusatória constituem, em tese, crime de formação de quadrilha, estando presentes todos os elementos, objetivos e subjetivos, descritos no art. 288 do Código Penal.

Aliás, ainda quanto à tipicidade, a defesa de Delúbio Soares sustenta a tese de que não teria sido atingido o “bem jurídico” protegido pelo tipo penal da quadrilha, qual seja, a “paz pública”, pelo fato de os supostos crimes terem sido cometidos, nos termos da denúncia, contra a administração pública. Isso porque, para a defesa, a violação à paz pública exigiria uma pluralidade de vítimas, ao passo que, no caso em análise, a vítima seria uma só: a administração pública. Assim, os fatos seriam atípicos.

Ora, essa tese não possui qualquer sustentação jurídica.

Em primeiro lugar, porque o crime de formação de quadrilha não é prati-cado contra a administração pública. A vítima do art. 288 é a própria socie-dade, a paz pública, razão pela qual sequer se exige que os crimes para os quais a quadrilha se organiza sejam efetivamente praticados – estes, sim, in casu, crimes contra a administração pública. Portanto, ao menos em tese, foi preenchida a objetividade jurídica do tipo penal.

Ademais, os crimes contra a administração pública imputados aos denunciados, e que seriam os crimes-fim da formação de quadrilha, são, tam-bém, ao fim e ao cabo, crimes contra toda a sociedade, pois é em razão dela – sociedade – que o Estado-Administração se organiza.

Portanto, não há por que falar em atipicidade dos fatos narrados na denúncia por falta de lesão ao bem jurídico protegido pelo art. 288 do Código Penal.

Passo a examinar a individualização das condutas de cada um dos de-nunciados por formação de quadrilha.

José Dirceu

No que tange à individualização das condutas, a denúncia assim iniciou sua descrição, relativamente ao acusado José Dirceu (fls. 5631/5632, vol. 27):

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é certo que José Dirceu, então ocupante da importante Chefia da Casa Civil (...) foi o principal articulador dessa engrenagem, garantindo-lhe a habitualidade e o sucesso.

Sua atuação, na verdade, teve origem no período que presidiu o Partido dos Traba-lhadores, no curso da eleição presidencial de 2002.

Roberto Jefferson, com o conhecimento de quem vendia apoio político à organização delitiva ora denunciada, em todos os depoimentos prestados, apontou José Dirceu como o criador do esquema do “mensalão”.

Segundo ele, José Dirceu reunia-se com o principal operador do esquema, Marcos Valério, para tratar dos repasses de dinheiro e acordos políticos ou, quando não se encontrava presente, era consultado por José Genoíno, Delúbio Soares ou Sílvio Pereira sobre as deliberações estabelecidas nesses encontros.

Em relação ao desvio de dinheiro público a partir de nomeações direcionadas por parlamentares da chamada “base aliada”, Roberto Jefferson, sem qualquer pudor, informou detalhes sobre os mecanismos internos do poder existentes, centralizados na pessoa e cargo do ex-Chefe da Casa Civil, cuja função era a estruturação, organização administrativa e operacional de um grandioso esquema de compra de apoio político.

(...)Roberto Jefferson afirmou que todas as tratativas sobre a composição política, indicação

de cargos, mudança de partidos por parlamentares para compor a base aliada em troca de dinheiro e compra de apoio político foram tratadas diretamente com o ex-Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Tratavam, inclusive, sobre o “mensalão”, matéria que foi objeto de conversa entre ambos em cinco ou seis oportunidades.

José Dirceu comandava relevantes questões da administração pública federal, que atraíam interesses de empresários e parlamentares, tanto que os dirigentes do Banco Rural e do Banco BMG, por intermédio de Marcos Valério, marcaram reuniões e se encon-traram com o Ministro para discutirem assuntos empresariais de seu interesse.

José Dirceu comandava a indicação para o preenchimento de cargos na administração pública federal, contando com o assessoramento de Sílvio Pereira, representante do PT, Marcelo Sereno e Sandra Cabral, ambos Assessores Especiais da Casa Civil, que tinham a função de acompanhar essas nomeações.

(...)Tanto o grupo ligado a Marcos Valério quanto as instituições financeiras apenas

ingressaram no esquema, pois tiveram a prévia concordância do Ministro Chefe da Casa Civil e a garantia da inexistência de controle sobre suas atividades ilícitas e de benefícios econômicos diretos e indiretos.

Segundo o Procurador-Geral da República, José Dirceu “tinha o domínio funcional de todos os crimes perpetrados, caracterizando-se, em arremate, como o chefe do organograma delituoso” (fl. 5636).

Essa afirmação do chefe do Ministério Público Federal encontra apoio no bombástico depoimento prestado pelo ex-Deputado Roberto Jefferson perante o Conselho de ética e Decoro Parlamentar, que é citado em nota de rodapé na denúncia, à fl. 5.617 dos autos do presente inquérito, e que li ontem ao apreciar a acusação de corrupção passiva. Volto a citá-lo neste momento, por conter informações impor-tantes também no que diz respeito à imputação de formação de quadrilha:

Conselho de ética e Decoro Parlamentar – 02 de agosto de 2005 Depoente/Convidado: José Dirceu – Deputado FederalSumário: Tomada de depoimentoO Sr. Deputado Roberto Jefferson – Sr. Presidente, Sr. Relator, Srs. Deputados, Sras.

Deputadas, povo do Brasil, cidadão do Brasil, cidadã do Brasil, depois de ouvir o ex-Mi-nistro José Dirceu, o Deputado José Dirceu, eu cheguei à conclusão de que foi ele quem

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treinou o Silvinho Pereira, o Delúbio e o Marcos Valério a mentirem. Não tem mensalão no Brasil. É conversa da imprensa. Todos os jornais mentem. Todas as revistas mentem. Todo o povo brasileiro prejulga o Ministro José Dirceu, esse inocente e humilde que aqui está, porque não tem mensalão. Todos os gestos do Delúbio não são do conhecimento dele. Todos os gestos do Sílvio Pereira não são do conhecimento dele. Todas as atitudes do Marcos Valério, que foi 12 vezes à Casa Civil – 12, não foram 7 não, Relator, 12 –, ele não viu lá o Marcos Valério, aliás, uma figura que passa despercebida, (...). E aí eu quero separar o joio do trigo; não vou acusar o PT, mas a cúpula do PT, gente dele – Genoíno, Sílvio Pereira, Delúbio –, gente dele, que ele fez questão de defender ate o último momento, quando conversou comigo. “Eu quero proteger o Silvinho e o Delúbio, que estão sendo envolvi-dos nisso”. (...) Esquece de se referir a saques milionários do Marcos Valério feitos um dia antes de ir ao seu gabinete na Casa Civil. O jornal O Globo hoje fez a ligação das datas. Mas o Deputado José Dirceu não sabia de nada disso que acontecia no Brasil. (...), eu ratifico, eu reitero, eu reafirmo, Sr. Relator. José Genoíno era o Vice-Presidente do PT. O Presidente de fato era o José Dirceu. Tudo que nós tratávamos no prédio da Varig, Sr. Relator, tudo que tratamos ali, na sede nacional do PT, tinha que ser fechado e homologado depois, na Casa Civil, pelo Ministro José Dirceu. Tudo. (...). Aliás, V. Exa. que construiu, é o arquiteto desse modelo administrativo do Governo, eu não consigo compreender como é que V. Exa. fez na Secom esse modelo de juntar lá com o ex-Ministro Gushiken as agên-cias de publicidade e os fundos de pensão. Eu não sei que engenharia V. Exa. conseguiu urdir para botar juntos na Secom, na Comunicação Social do Governo, as agências de marketing, aliás, que foram bem aquinhoadas aqui no caixa 2 – 15 milhões e meio para o Duda Mendonça no caixa 2, está aqui na mesma relação a qual se refere V. Exa., e consegue juntar os fundos de pensão na Secom para a administração do Ministro Gushiken. Ele fazia o marketing, a propaganda do Governo e fazia os fundos de pensão.

Entendo que a descrição do papel desempenhado pelo denunciado José Dirceu nas atividades supostamente criminosas do grupo está suficientemente descrita na denúncia e coincide com a preeminência que lhe atribui o também denun-ciado Roberto Jefferson. Seria ele o mentor, o chefe incontestável do grupo, o detentor do comando, a pessoa a quem todos os demais prestavam obediência. Para mim, é o bastante para efeito de atendimento ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, pois foi devidamente individualizada a participação que o acusado teria na suposta quadrilha.

No que tange à justa causa para o oferecimento da ação penal, o acusado José Dirceu sustenta que a denúncia se baseou apenas nas palavras do ex-Deputado Roberto Jefferson para sustentar sua participação nas diversas irregularidades narradas, e assim teria conferido “total credibilidade ao citado ex-parlamentar”.

Entretanto, como já assinalei em capítulos anteriores de meu voto, há outros indícios, além do depoimento de Roberto Jefferson, que conferem justa causa à acusação.

Examine-se, por exemplo, o depoimento da esposa de Marcos Valério, Sra. Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, prestado à CPMI dos Correios (anexo da denúncia, apenso 81, fl. 168 dos autos digitalizados). Considero esse depoimento importantíssimo, razão pela qual peço vênia para transcrever seu trecho mais elucidativo:

Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza – (...) E a única coisa que ele [Marcos Valério] me falou foi que o Dr. – na época Ministro – José Dirceu sabia dos empréstimos. E eu perguntei como ele sabia. Ele falou que houve uma reunião da direção do Banco Rural, em Belo Horizonte, no Hotel Ouro Minas, com o então Ministro José Dirceu, para resol-

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ver sobre o pagamento desses financiamentos feitos no Banco Rural. E que houve uma reunião em Brasília, da direção do BMG, não sei os nomes, ele só me disse assim, uma reunião em Brasília, não sei onde essa [sic], para acertar o pagamento das contas, porque o banco também quer receber.

(...)O então Ministro José Dirceu, depois que foi divulgado isso, a minha preocupação

foi “como vai ser pago, Marcos?”. Foi quando ele me revelou que houve uma reunião da direção do Banco Rural. Eu não sei precisar a data.

(...)Acho que foi ano passado. Reunião da direção do Banco Rural com o então Ministro

José Dirceu para acertar sobre o pagamento do empréstimo. Isso foi em Belo Horizonte e, em Brasília, da BMG.

Ora, esse depoimento é bastante revelador quanto à prática dos crimes nar-rados na inicial e, no que tange a este capítulo, constitui elemento importante para a configuração do crime de formação de quadrilha.

Com efeito, não devem ser negligenciadas, neste momento processual, as reuniões do acusado com dirigentes das instituições financeiras que, segundo o Ministério Público, também estariam envolvidas nos fatos criminosos ora em julgamento, tampouco sua ligação com Marcos Valério, com quem tinha audiências privadas em seu gabinete, como se pode comprovar a partir da análise dos fortes indícios existentes nos autos. Tais circunstâncias, isoladamente, já me permitiriam concluir que não seria razoável, neste juízo delibatório, simplesmente abortar a ação penal e ignorar os indícios existentes nos autos.

E não é só.

O denunciado Bispo Rodrigues, tal como Jefferson, também afirmou, em seu depoimento, ter sido convocado para participar de uma reunião na sede do PT em São Paulo, “para tratar de assuntos relativos ao apoio do Partido Liberal do Rio de Janeiro ao Partido dos Trabalhadores no segundo turno”, salientando que o acusado José Dirceu participou dessa reunião (fl. 2258, vol. 11). Disse, ainda, o denunciado Bispo Rodrigues (fls. 2257/2258):

Que, no primeiro turno da eleição de 2002, existia uma aliança nacional entre o Partido Liberal e o Partido dos Trabalhadores; (...) Que, em razão deste contexto político, o declarante reuniu-se no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, em data que não se recorda, com o Depu-tado Federal José Dirceu, o Vereador Edson Santos, então candidato ao Senado pelo PT, além de outros que não se recorda; Que, nesta reunião, seus interlocutores pediram que o de-clarante apoiasse o Presidente Lula (...) foi convocado pelo Presidente Nacional do Partido Liberal, Sr. Valdemar Costa Neto, a participar de uma reunião na sede nacional do Partido dos Trabalhadores em São Paulo (...) Que se recorda de terem participado desta reunião o Deputado Federal José Dirceu e o Presidente do PL, Valdemar Costa Neto, não sabendo precisar os nomes de outras pessoas que tenham participado deste evento; (...)

Veja-se que tais reuniões não se destinavam meramente à troca de apoio político, mas, sim, aparentemente, à compra deste apoio, como analisamos na sessão anterior (sobre as imputações constantes do capítulo VI da denúncia). O citado depoimento de Bispo Rodrigues adquire coerência quando examinado à luz do que afirmou o também denunciado Marcos Valério, que disse ter conhe-cimento de que o Bispo Rodrigues recebeu dinheiro do PT, por ordem de Delúbio Soares (v. depoimentos de fl. 359, vol. 2, e de fl. 734, vol. 3). Mais uma

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vez, repete-se aqui o padrão de conduta largamente descrito na denúncia, ou seja, a compra de apoio político mediante repasse clandestino de recursos financeiros, como resultado das tratativas e acordos celebrados entre dirigentes de par-tidos políticos, dos quais participava o acusado.

Também é relevante a leitura de trecho do primeiro depoimento de Marcos Valério (29-6-05), quando o referido acusado ainda procurava negar todos os fatos narrados na denúncia (fls. 57 e seguintes):

Que esteve na Casa Civil da Presidência da República aproximadamente quatro vezes, sempre para se encontrar com a assessora Sandra Cabral (...)

Note-se que Sandra Cabral era secretária do acusado José Dirceu, o que torna lícita a suspeita de que essas visitas eram, na verdade, feitas ao ex-Ministro, e não à Sra. Sandra. Afinal, ofende o senso comum conferir credibilidade à tese de que um homem como o co-denunciado Marcos Valério, incumbido, aparente-mente, da tarefa de transferir dezenas de milhões de reais a parlamentares e a dirigentes de partidos políticos, a mando do partido sobre o qual o denunciado José Dirceu exercia liderança quase que incontrastável, se tenha dirigido diversas vezes à ante-sala deste acusado pura e simplesmente para trocar algumas pala-vras com a sua secretária.

Posteriormente, Marcos Valério muda o teor das suas declarações. De fato, em seu segundo depoimento nos autos (fls. 355/360, vol. 2), Marcos Valério salientou que, em duas ocasiões, estivera, sim, com o acusado José Dirceu, verbis:

No segundo turno da eleição presidencial, conheceu o Sr. Delúbio Soares, apre-sentado pelo Deputado Federal Virgílio Guimarães; (...) No início de 2003, o Sr. Delúbio procurou o declarante, afirmando que o Partido dos Trabalhadores, em razão das campanhas realizadas, estava com problemas de caixa em diversos diretórios, oportunidade em que propôs que as empresas do declarante tomassem empréstimos e os repassassem ao Partido dos Trabalhadores, que restituiria os valores com juros e acréscimos legais. Tal proposta se deu em razão do seu relacionamento com Delúbio e da perspectiva de que, mantendo um bom relacionamento com o Partido do Governo, obtivesse serviços para suas empresas, inclusive em futuras campanhas eleitorais. (...) Naquele momento, o declarante alertou o Sr. Delúbio sobre o risco da operação proposta, especialmente, de quem garantiria o pagamento no caso de saída de Delúbio do Partido ou qualquer outro evento, visto que se tratava de uma operação baseada na confiança, já que não seria e não foi documentada. O Sr. Delúbio esclareceu que o então Ministro José Dirceu e o Secretário Sílvio Pereira eram sabedores dessa operação de empréstimo para o Partido e, em alguma eventualidade, garantiriam o pagamento junto às empresas do declarante. (...) que Sílvio [Pereira] havia dito ao declarante que o então Ministro José Dirceu tinha conhecimento dos empréstimos. (...) Esclarece que esteve somente duas vezes na Casa Civil, com o Ministro José Dirceu, uma das vezes acompanhando a diretoria do BMG para convidar o Ministro para a inauguração de uma fábrica de alimentos em Luziânia/GO e outra com a diretoria do Banco Rural, que tem uma empresa de mineração, para comunicar os investimentos que a empresa mineradora vinculada ao Banco faria no Estado do Amazonas.

Como se vê, nesse segundo depoimento, o acusado Marcos Valério – que, segundo os indícios já colhidos até este momento, foi o grande pivô de toda essa sistemática de transferência ilegal de recursos financeiros ao PT e

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a parlamentares – deixa claro que o denunciado José Dirceu efetivamente sabia da ocorrência dessas transferências e que ele eventualmente garantiria o paga-mento dos empréstimos que lhes davam suporte.

Por fim, o acusado Marcos Valério declarou (fl. 731, vol. 3):

Que, indagado, o declarante informou que compareceu em várias ocasiões na Casa Civil, entrevistando-se com o Ministro José Dirceu em três ocasiões, conversando com a Sra. Sandra Cabral, Secretária de José Dirceu e responsável pela área administrativa do gabinete, e Marcelo Sereno, assessor especial do Ministro José Dirceu; (...)

O depoimento de Cristiano Paz confirma a presença do acusado José Dirceu em eventos com os Bancos BMG e Rural e com sócios da SMP&B, como descrito por Marcos Valério, verbis (fl. 2254, vol. 11):

Que esteve com o então Ministro José Dirceu em duas ocasiões, uma na inauguração de uma fábrica de enlatados do grupo BMG na cidade de Luziânia/GO e outra, acompa-nhado do falecido Dr. Sabino Rabelo, em visita ao citado Ministro, quando foi expor um projeto de exploração de nióbio em uma propriedade do Dr. Sabino na Amazônia; Que, nas duas ocasiões, Marcos Valério estava presente; (...)

A acusada Kátia Rabello também já havia revelado indícios da participação de José Dirceu na trama que o Procurador-Geral da República caracteriza como crime de formação de quadrilha, no depoimento prestado perante o Conselho de ética da Câmara (apenso 81).

A denunciada em questão afirmou ter-se reunido algumas vezes com o acusado José Dirceu, tendo sido o denunciado Marcos Valério, em suas palavras, o intermediário desses encontros (um ocorrido no Palácio do Planalto e outro em Belo Horizonte, num jantar). Aliás, para ser mais exato, a acusada afirma que Marcos Valério participou do encontro ocorrido no Palácio do Planalto (v. apenso 81). Ela alega que tais reuniões teriam ocorrido para tratar da “liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco”. Entretanto, como tal assunto não seria, à primeira vista, da alçada do Ministro-Chefe da Casa Civil, e tendo em vista a participação, direta ou indireta (como interlocutor), de Marcos Valério nas refe-ridas audiências, paira dúvida sobre o alegado tema ali abordado, dúvida essa que merece ser sanada após a regular instrução criminal e o oferecimento de todas as provas eventualmente existentes, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

De todo modo, por revelar indícios da participação do acusado José Dirceu na suposta quadrilha, peço vênia para transcrever trecho desse depoimento da acusada Kátia Rabello à CPI:

O Sr. Deputado Chico Alencar – A senhora mencionou aí o contato de seu pai com o Ministro José Dirceu. Eu só queria clarear melhor: foi um contato direto, pessoal, aqui em Brasília, lá em Belo Horizonte?

A Sra. Kátia Rabello – Me parece que foi no Palácio do Planalto, numa audiência.O Sr. Deputado Chico Alencar – Ele ainda era dirigente do Banco Rural?A Sra. Kátia Rabello – Sim, ele era Presidente do Conselho, na época.O Sr. Deputado Chico Alencar – Do Banco Rural. E quem fez essa mediação e o

contato?

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A Sra. Kátia Rabello – Na época, quem articulou esse encontro foi o zé Augusto (...) através do Sr. Marcos Valério.

(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – A senhora esteve também aqui na Casa Civil com

o Sr. José Dirceu, então Ministro?A Sra. Kátia Rabello – Sim.O Sr. Deputado Chico Alencar – Quando foi? A Sra. Kátia Rabello – Essa data também eu não tenho certeza. É 2003, eu sei que é

2003, porque o Zé Augusto estava vivo, no segundo semestre de 2003.O Sr. Deputado Chico Alencar – E era para tratar da liquidação judicial, da massa

liquidanda do Banco Mercantil de Pernambuco, comprado pelo Banco Rural?A Sra. Kátia Rabello – Isso.(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – (...) por que tratar desses assuntos tão específicos,

tão focados e determinados, com o Gabinete da Casa Civil, e não com o Banco Central do Brasil ou o Ministério da Fazenda? Parece-me, numa visão cartesiana, ortodoxa, que seriam os espaços públicos, governamentais, mais adequados para esse tipo de assunto.

A Sra. Kátia Rabello – (...) nós entendemos, naquele momento, que era importante posicionar politicamente a questão. Então, o que nós fizemos foi posicionar o Ministro de como estava o andamento dessa questão (...) Simplesmente colocamos, expusemos para ele o assunto, e parece que ele não tinha conhecimento nenhum, e foi isso.

O Sr. Deputado Chico Alencar – Agora, pelo que eu entendi, o Sr. Marcos Valério também participou dessa reunião.

A Sra. Kátia Rabello – Ele participou.(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – Ele também foi o facilitador? Ele fez a mediação

para esse encontro do Banco Rural com a Casa Civil?A Sra. Kátia Rabello – Sim.(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – Esse segundo encontro, se não me engano, é um jantar

em Belo Horizonte com o Ministro?A Sra. Kátia Rabello – Sim.O Sr. Deputado Chico Alencar – Também foi agendado pelo Sr. Marcos Valério?

Foi ele quem falou da possibilidade que o Ministro estaria em Belo Horizonte? Foi o Sr. Marcos Valério?

A Sra. Kátia Rabello – Sim.(...)O Sr. Deputado Chico Alencar – Quem eram os participantes?A Sra. Kátia Rabello – Éramos eu, o Ministro e um diretor meu. (...)O Sr. Deputado Júlio Delgado – V. Sa. poderia precisar a data desse jantar?A Sra. Kátia Rabello – Essa eu posso: 6 de agosto. Eu sei porque era aniversário do

meu filho.O Sr. Deputado Júlio Delgado – Seis de agosto de...?A Sra. Kátia Rabello – De 2004.

Em outro momento, a Presidente do Banco Rural voltou a ser indagada acerca da relação de Marcos Valério com o Rural e com o acusado José Dirceu, quando, então, a denunciada, mais uma vez, confirmou que Marcos Valério agendava os compromissos do banco com o então Ministro da Casa Civil (apenso 81):

O Sr. Deputado Carlos Sampaio – Continuando, com relação a essa questão do relacio-namento do Marcos Valério, com o então Ministro José Dirceu, a gente tem um primeiro encontro solicitado por ele, no qual seu pai esteve presente; um segundo encontro com relação a esse jantar e teve conversas, também intermediadas por ele, com relação ao Banco do Trabalhador.

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A Sra. Kátia Rabello – Sim.O Sr. Deputado Carlos Sampaio – Todos esses encontros ou todas essas conversas

mantidas sempre através do Sr. Marcos Valério, pelo banco, através do Sr. Marcos Valério com o então Ministro José Dirceu, não a levavam à conclusão de que eles teriam minimamente um relacionamento de amizade, um relacionamento estreito, mesmo que de ordem política, já que tudo o que o banco fazia se valia da figura do Sr. Marcos Valério (...)?

(...)A Sra. Kátia Rabello – Não, na verdade o Marcos era um facilitador (...) Era um

marcador de encontros, digamos assim. Ele não demonstrava, através disso (...) Eu nem sei se era ele quem marcava. Eu não sei qual que era o relacionamento que ele tinha com essas pessoas, entende? Ele era uma pessoa que transitava dentro do banco com assiduidade, conhecia os desejos, enfim, os pleitos do banco, e se oferecia para, através dos contatos dele, criar essa interlocução. Mas não era ele quem tratava (...) Por exemplo: Banco do Trabalhador, ele marcou um encontro e, a partir daí, a coisa andava sem ele.

Esses depoimentos foram, depois, ratificados por Kátia Rabello, quando de seu termo de declarações à Polícia Federal (fl. 4368, vol. 20):

Que, pelo que sabe dizer, seu pai teve um encontro com o então Ministro José Dirceu para tratar da referida lavra [de nióbio]; Que desconhece detalhes desse encontro, mas pode afirmar ter ocorrido no primeiro semestre de 2003; Que pode afirmar que participaram deste primeiro encontro com José Dirceu o pai da Declarante e o Dr. José Augusto, não se recordando de nenhuma outra pessoa; (...) Que não sabe precisar se Marcos Valério tinha conhecimento do assunto tratado por seu pai no encontro com o Ministro José Dirceu, mas pode afirmar que esse encontro foi intermediado por aquele; Que as duas outras interlocuções intermediadas por Marcos Valério perante o Governo Federal diziam respeito às discussões envolvendo a suspensão da liquidação do antigo Banco Mercantil de Pernambuco; (...) Que Marcos Valério intermediou dois encontros entre a declarante e o Ministro da Casa Civil José Dirceu; (...) Que Marcos Valério afirmava que poderia conseguir um outro encontro com a Casa Civil, na pessoa do Ministro José Dirceu; (...) Que Marcos Valério dizia que era muito ligado ao Delúbio Soares e, por isso, tinha facilidades em conseguir promover encon-tros com o Ministro José Dirceu; (...) Que Marcos Valério afirmou que conseguiria uma agenda com José Dirceu, tendo questionado a declarante se este encontro seria do interesse do Banco Rural; (...) Que, desta forma, foi agendado encontro na Casa Civil em 06 de agosto de 2003; (...) Que participaram deste primeiro encontro com José Dirceu a declarante, José Augusto Dumont e Marcos Valério; (...) Que em agosto de 2004 Marcos Valério informou à declarante que o Ministro José Dirceu estaria em Belo Horizonte/MG em uma visita oficial, tendo sugerido que o convidasse para jantar; (...) Que, de fato, foi marcado o jantar no Hotel Ouro Minas no dia 06 de agosto de 2004, do qual participaram a declarante, o Ministro José Dirceu e seu assessor Plauto; (...)

Nessas circunstâncias, Senhora Presidente, entendo que esses encontros entre o denunciado José Dirceu e a cúpula do Banco Rural reforçam a tese de que o denunciado de tudo sabia, e mais, de que ele mantinha contatos de alto nível com a cúpula da instituição financeira viabilizadora – segundo os indícios colhi-dos até o momento – das transações espúrias fartamente documentadas nos autos. Em suma, há, realmente, prova mínima no sentido de que ele era o mentor e comandante supremo de toda a trama, em que outros personagens faziam o papel de meros auxiliares. E isso merece ser investigado, sob o crivo do contraditório.

Também confirma a suspeita contra o acusado José Dirceu o depoimento prestado pelo Presidente do BMG à CPMI dos Correios, trazido em anexo à denúncia (apenso 81).

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Perante aquela Comissão, Ricardo Guimarães confirmou que a diretoria do Banco BMG teve uma reunião com o acusado José Dirceu, no dia 20 de fevereiro de 2003, reunião da qual participaram Marcos Valério e Delúbio Soares.

Segundo Ricardo Guimarães, foi também Marcos Valério quem agendou essa audiência, cujo objeto seria, segundo ele, a inauguração de uma empresa alimentícia de sua família, na cidade de Luziânia.

O que causa estranheza é que a diretoria do Banco BMG participou dessa reunião, cujo único objetivo seria convidar o acusado José Dirceu para a inauguração de empresa da família de Ricardo Guimarães.

Assim, diante de todas essas dúvidas, são, no mínimo, suspeitas as reuni-ões do acusado José Dirceu com dirigentes dos Bancos BMG e Rural, ocorridas precisamente no período em que, segundo o Procurador-Geral da República, teriam supostamente ocorrido os delitos apontados neste inquérito.

Deve-se ter em mente, não é ocioso repetir, que são esses bancos os mesmos que formalizaram as vultosas operações de empréstimo com toda aparência de empréstimo de fachada, como bem declarou um dirigente do próprio Banco Rural; um desses bancos, o Rural, permitiu que se procedesse, em suas dependências, ao pagamento, em condições totalmente irregulares, de grandes quantias em dinheiro destinadas a agentes públicos, com registros delibera-damente forjados (cheques nominais à SMP&B), com o intuito de ludibriar a fiscalização do Banco Central; noutras palavras, cuida-se, particularmente o Banco Rural, que é alvo desta denúncia, de instituição que teve, segundo os indícios recolhidos dos autos, participação decisiva na concepção, no desenrolar e no desfecho das inúmeras ações manifestamente ilícitas de que dão notícia os autos deste inquérito.

Aliás, Senhora Presidente, não obstante os depoimentos deliberadamente evasivos dos denunciados Marcos Valério e Kátia Rabello, a depoente Renilda, cujas declarações foram anteriormente transcritas, afirma taxativamente que o denunciado José Dirceu não apenas sabia dos famosos empréstimos como também entabulou conversações e negociações com a cúpula do Banco Rural acerca do assunto. Trata-se da já mencionada reunião ocorrida no Hotel Ourominas de BH. Mais do que isso, extrai-se do depoimento de Renilda que José Dirceu era quem tinha a chave para a solução do problema, isto é, ele e a cúpula do Banco Rural ter-se-iam reunido para encontrar a fórmula pela qual os empréstimos seriam saldados.

O próprio Marcos Valério, em outra passagem registrada nos autos, sinalizou para a vinculação do denunciado José Dirceu com os tais financiamentos propiciados pelos dois bancos. Confira-se, nesse sentido, seu depoimento que se encontra à fl. 731 do volume 3 dos autos, verbis:

Que, quanto à origem dos empréstimos, o declarante esclarece que teve conhecimento de que, por ocasião das suas tratativas para obtenção dos mesmos junto ao BMG e Rural, Delúbio Soares lhe informou que José Dirceu teve reuniões com os dirigentes de ambos os bancos; Que a reunião com os dirigentes do banco Rural ocorreu no Hotel Ourominas, em

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Belo Horizonte, num jantar, e a outra reunião, com a Diretoria do Banco BMG, ocorreu em Brasília/DF; Que, no primeiro semestre de 2003, o declarante acompanhou as Diretorias de ambos os bancos em audiências oficiais com o então Ministro José Dirceu (...);

Entendo que essa contradição entre o depoimento de Renilda e os dos acusados Marcos Valério e Kátia Rabello precisa ser apurada no curso da ação penal. Isso porque, nesta fase de recebimento da denúncia, a dúvida milita em favor da sociedade.

Portanto, deve, sim, ser aprofundada a investigação, a fim de se aferir qual o verdadeiro interesse do denunciado José Dirceu nessas audiências de cúpula com a direção dos bancos municiadores do que se convencionou chamar de Valerioduto.

Os autos registram, ainda em relação ao acusado José Dirceu, outros indícios que ajudam na formação da convicção acerca de sua eventual participação nos fatos.

Tome-se, por exemplo, outro trecho do depoimento prestado por Ricardo Guimarães, presidente do Banco BMG, perante a CPMI dos Correios, no qual ele afirma que quem solicitou a contratação da ex-mulher do acusado José Dirceu, a Sra. Maria Ângela, foi o co-denunciado Marcos Valério. Respon-dendo à pergunta do Presidente da CPMI, Deputado Gustavo Fruet, Ricardo Guimarães afirmou que tal contratação foi feita próximo à época dos alegados empréstimos do BMG ao Partido dos Trabalhadores, novembro de 2003 (os empréstimos, em si, do BMG ao PT não são alvo do presente inquérito, não ha-vendo oferecimento de denúncia contra os dirigentes daquele banco).

Sobre essa “ajuda” prestada por Marcos Valério e Rogério Tolentino à ex-mulher do denunciado José Dirceu (não só o emprego no BMG, mas também o “empréstimo para compra de imóvel”), já mencionada em tópicos anteriores deste voto, Marcos Valério esclareceu o seguinte (fl. 732, vol. 3):

Que, indagado sobre o empréstimo à ex-esposa do ex-Ministro José Dirceu, chamada Ângela, o depoente confirmou que efetivamente houve o empréstimo do Banco Rural e a colocação com emprego no Banco BMG; Que o declarante foi procurado por Sílvio Pereira para auxiliar o ex-Ministro José Dirceu na resolução de um problema pessoal com sua ex-esposa, que pretendia trocar de apartamento e não tinha recursos financeiros; Que, desta forma, foi conseguido o empréstimo e o emprego já mencionados, e também o sócio do declarante, Rogério Tolentino, para resolver o problema, já que o crédito imobiliário de-pendia do pagamento de recursos em dinheiro, comprou o apartamento da Sra. Ângela, pagou a vista e declarou a aquisição no seu imposto de renda; (...)

A defesa se prende ao fato de que Maria Ângela negou qualquer influência de José Dirceu no contato entre ela e Marcos Valério46. Creio, contudo, que o assunto merece apuração suplementar.

46 Quando Valério conseguiu um emprego para Maria Ângela e ainda interveio, juntamente com Rogério Tolentino, para obter um “empréstimo” para ex-mulher de José Dirceu.

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Outros fatos, igualmente, estão a merecer investigação suplementar, como, por exemplo, a informação de que o nome de um ex-assessor do ex-ministro ora denunciado, Sr. Marcelo Sereno, figura no documento intitulado “Relação de pessoas indicadas pelo PT que receberam recursos emprestados ao PT por Marcos Valério, através das empresas” (fl. 607).

O denunciado Emerson Palmieri também revelou indícios da participação de José Dirceu no crime de formação de quadrilha (fl. 3576, vol. 16):

Que foi comunicado por Roberto Jefferson que, de acordo com tratativa com o Ministro José Dirceu, o declarante deveria fazer uma viagem a Portugal, devendo ir à Portugal Telecom (...); Que recebeu ligação de Delúbio Soares informando que seus com-panheiros de viagem seriam Marcos Valério e Rogério Tolentino; (...) Que Marcos Valério se apresentou à recepção da Portugal Telecom como Marcos Valério do PT do Brasil; (...) Que Marcos Valério, após dizer a ambos que aguardassem, entrou em uma sala; Que o declarante e Tolentino aguardaram por cerca de meia hora, quando Marcos Valério retornou e apresentou o senhor Miguel Horta, presidente da Portugal Telecom; Que, neste momento, o declarante perguntou a Marcos Valério se chegara a hora da reunião; (...) Que depois de muita insistência Marcos Valério explicou que tinha interesse na compra da Telemig Celular por parte da Portugal Telecom, com a finalidade de manter a conta de publicidade da Telemig Celular; Que, desta forma, conseguiria equacionar, através de suas agências de publici-dade, o pagamento dos valores acordados entre o PT e o PTB; (...)

Esse depoimento é também revelador de indícios mínimos contra o acusado José Dirceu, na medida em que, segundo Emerson Palmieri, essa visita de Marcos Valério, Rogério Tolentino e o representante do PTB à Portugal Telecom teria sido combinada entre o ex-Ministro da Casa Civil e Roberto Jefferson, sendo relevante o fato de Marcos Valério ter-se apresentado como representante do PT. é reve-lador também o fato de tal reunião, programada pelo acusado José Dirceu, ter-se destinado a angariar recursos para o PT por meio das agências de publicidade de Marcos Valério.

Senhora Presidente, concluo, com relação ao denunciado José Dirceu, que a denúncia preenche, também neste ponto, os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, no que diz respeito à acusação referente ao crime de formação de quadrilha. Sua participação está descrita de modo individualizado e encontra respaldo nos indícios constantes dos autos. Obviamente, para os fins de um possível juízo condenatório, seria lícito sustentar a necessidade de elementos de convicção mais contundentes. Entretanto, nesta fase de cunho meramente delibatório, em que a dúvida milita em favor da sociedade, e não do acusado, entendo cabível a autorização para a instauração da ação penal, tendo em vista ser razoável pensar que, no curso da instrução criminal, outras provas podem vir a confirmar os termos da inicial.

Meu voto, portanto, é pelo recebimento da denúncia quanto a essa impu-tação feita ao denunciado José Dirceu.

Delúbio SoaresRelativamente a Delúbio Soares, além do que já foi narrado nos capítulos

anteriores deste voto e que demonstra a existência de individualização deta-lhada de sua conduta, expõe, ainda, o Procurador-Geral da República (fls. 5635/5642) o seguinte:

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Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, dirigentes do Partido dos Trabalhado-res, atuavam no esquema como se fossem representantes do Governo. (...)

José Genoíno, como Presidente do Partido dos Trabalhadores, participou dos encontros e reuniões com os dirigentes dos demais Partidos envolvidos, onde ficou estabelecido o esquema de pagamento de dinheiro em troca do apoio político, operacionalizado por Delúbio Soares, Marcos Valério, Cristiano, Ramon, Rogério, Simone e Geiza.

(...) Delúbio Soares, por sua vez, era o principal elo com as demais ramificações operacionais da quadrilha (Marcos Valério e Rural), repassando as decisões adotadas pelo núcleo central. (...)

José Genoíno e Delúbio Soares apareceram formalmente na simulação de emprés-timos de vultosas quantias pelo núcleo de Marcos Valério ou pelo próprio PT junto aos Bancos Rural e BMG, comprometendo-se como avalistas dessas negociações. Apesar de possuírem um ínfimo patrimônio declarado ao órgão fiscal, apresentaram garantia pessoal dos vultosos valores repassados por Marcos Valério, sócios e empresas ao PT, originários de suas contas nos Bancos Rural e BMG.

(...)Delúbio Soares tinha a função de operacionalizar, juntamente com Marcos Valério,

o esquema de repasse de dinheiro em nome do Partido dos Trabalhadores, uma vez que era o Tesoureiro do Partido, atividade pelo mesmo nominada como Secretário de Finanças e Planejamento do Partido dos Trabalhadores.

Marcos Valério o aponta como seu principal interlocutor em Brasília e amigo pes-soal, com quem, além de se reunir freqüentemente, mantinha contatos telefônicos semanal-mente. Eram constantes as reuniões no Diretório do PT em Brasília entre Marcos Valério, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, além de encontros no hall do hotel Blue Tree em Brasília, onde Marcos Valério passou a se hospedar para facilitar os contatos (fls. 56/57).

Esse relacionamento intenso, surgido a partir daquele primeiro encontro no final do ano de 2002, quando se iniciou a execução do esquema de transferência ilícita de recursos, foi confirmado, em todos os seus termos, por Delúbio Soares já no seu primeiro depoimento prestado à Polícia Federal.

(...)Se, por um lado, integrantes da cúpula do Governo Federal e do PT dispuseram-se a

estruturar uma forma de financiamento do próprio partido e dos seus aliados, formando-se, à custa do dinheiro público, uma sólida base governista capaz de garantir a continuidade no poder desse grupo, por outro, nos termos confessados pelo próprio Marcos Valério, este e seus sócios aproximaram-se dos dirigentes do PT, notadamente Delúbio Soares, com a finalidade de oferecer as suas empresas como mecanismo operacional desse esquema, já contando com o apoio dos Bancos Rural e BMG, também interessados em se beneficiar em delibe-rações governamentais, os quais mantinham, principalmente o Rural, atividades financeiras suspeitas com o grupo de Marcos Valério.

Sobre o início desse relacionamento, Delúbio Soares, em depoimento prestado à Polícia Federal, apesar de negar a existência da transferência a terceiros, em nome do PT, de recursos não contabilizados, o que foi pelo mesmo admitido diante das evidências pelo mesmo colhidas, informou que Marcos Valério veio ao seu encontro para oferecer ajuda ao PT.

(...)Marcos Valério também confirmou que intermediou reuniões entre o Sr. Carlos

Rodenburg, acionista do Banco Opportunity, que lhe solicitou ajuda para solução de pro-blemas que estava enfrentando no relacionamento com o Governo Federal, fato confirmado por Delúbio Soares (fl. 247) e também conforme declarado pelo próprio Delúbio, intermediou visita de Delúbio e José Genoíno à empresa Usiminas.

Ou seja, Delúbio Soares, além de atuar como representante do PT, também se rela-cionava com empresários e terceiros na qualidade de integrante do Governo Federal, com legitimidade para discutir a questão do relacionamento com grupos econômicos extremamente influentes, como é o caso do Opportunity. (...)

Delúbio Soares, em seu primeiro depoimento (fls. 245/250), negou o esquema de transferência de recursos a parlamentares ou pessoas do relacionamento financeiro entre PT,

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empresas de Marcos Valério e instituições financeiras, mas confirmou que contraiu, em nome do PT, empréstimos de 2,4 milhões de reais junto ao Banco BMG para cobrir despesas da posse do Presidente da República, valores que se revelaram posteriormente bem mais expressivos.

Diante das comprovações das transações financeiras, Delúbio também informou que esse empréstimo foi viabilizado justamente pelo empresário Marcos Valério, que, além de intermediar a aproximação do núcleo central da quadrilha com os dirigentes dos Bancos Rural e BMG, figurou como avalista da operação e saldou parcela vencida e não paga, com a concordância de José Genoíno, Presidente do PT.

Os indícios de participação de Delúbio Soares na suposta quadrilha são bastante claros, como demonstram, inclusive, os depoimentos citados anterior-mente, quando da análise da existência de indícios contra o ex-Ministro José Dirceu.

Assim, por exemplo, Palmieri afirmou que foi apresentado a Marcos Valé-rio por Delúbio Soares, logo após reunião em que teriam sido acertados os repas-ses ao PTB; o depoimento de Kátia Rabello no sentido de que Marcos Valério afirmou que disponibilizava os recursos obtidos do Banco Rural para o PT, na pessoa do acusado Delúbio Soares; entre inúmeros outros citados ao longo do voto, destaco o depoimento de Zilmar Fernandes, sócia de Duda Mendonça (fl. 1847, vol. 9):

Que, em janeiro de 2003, a depoente foi convidada a participar de uma reunião ocor-rida na sede do PT Nacional pelo senhor Delúbio Soares, com objetivo de tratar das dívidas pendentes do aludido partido; Que, nessa reunião, Delúbio Soares apresentou formalmente à depoente o senhor Marcos Valério; Que, nessa oportunidade, o senhor Delúbio Soares sustentou que Marcos Valério estava auxiliando o PT a saldar suas dívidas através de empréstimos; Que Marcos Valério confirmou a orientação prestada por Delúbio Soares e disse à depoente que pretendia efetuar uma programação de pagamentos; (...)

Como vimos nos capítulos precedentes, o acusado Delúbio Soares teria exercido o importante papel de articular os núcleos da hipotética quadrilha, funcionando como o interlocutor de Marcos Valério, que indicaria os nomes das pessoas a serem beneficiadas pelos repasses de dinheiro.

A própria cronologia dos fatos evidencia que a denúncia tem base proba-tória suficiente para seu recebimento, no que tange ao acusado Delúbio Soares.

Marcos Valério assim narrou os eventos que o levaram a travar relacio-namento com Delúbio Soares (fls. 355/360, vol. 2):

No segundo turno da eleição presidencial, conheceu o Sr. Delúbio Soares, apre-sentado pelo Deputado Federal Virgílio Guimarães (...). No início de 2003, o Sr. Delúbio procurou o declarante, afirmando que o Partido dos Trabalhadores, em razão das cam-panhas realizadas, estava com problemas de caixa em diversos diretórios, oportunidade em que propôs que as empresas do declarante tomassem empréstimos e os repassassem ao Partido dos Trabalhadores, que restituiria os valores com juros e acréscimo legais. (...) Em fevereiro de 2003, o declarante fez o primeiro empréstimo, junto ao Banco BMG, em nome da SMP&B Comunicação Ltda., no valor de R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais); tendo esse dinheiro sido utilizado (...) na transferência em moeda corrente para terceiros, todos indicados pelo próprio Delúbio. Posteriormente, Delúbio lhe pediu para fazer novos empréstimos com o mesmo objetivo do anterior (...) sendo que a totalidade desse valor, ao

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longo do ano de 2003 até o início desse ano, foi repassada ao PT por intermédio ou por indicação do Sr. Delúbio. Os valores corrigidos desses empréstimos bancários atingem, atualmente, a quantia de R$ 93.417.423,32 (...). Até hoje, o PT não pagou nenhum centavo dos valores que lhe foram repassados. Recorda-se que, no ano de 2004, esses valores eram para financiamento das campanhas municipais de interesse do PT ou de partidos aliados, como, por exemplo, para o PTB, entregue ao seu Presidente, Deputado Roberto Jefferson, para campanha em Juiz de Fora/MG, cujo candidato era o Sr. Bejani e sabe também que houve transferência para o Deputado Bispo Rodrigues em campanhas no Estado do Rio de Janeiro, fato este que tomou conhecimento através de Delúbio, (...). Em algumas oportunidades, Simone efetuava o saque e repassava diretamente às pessoas indicadas que se encontravam no Banco ou entregava ao declarante, que se encarregava de repassar tais valores ao Sr. Delúbio. (...) Os saques variavam de valores e diversos eram os beneficiá-rios indicados por Delúbio. (...)

A secretária do acusado Marcos Valério, Fernanda Karina Ramos So-maggio, também revelou, em seus depoimentos na Polícia Federal, a participação ativa do acusado Delúbio Soares nos ilícitos narrados na denúncia e a inusitada freqüência dos encontros entre Delúbio Soares e Marcos Valério e a atuação deste junto a parlamentares em busca de apoio para Governo, aparente-mente mediante pagamento de dinheiro e troca de favores, verbis (fl. 187, vol. 1):

Que, de fato, o secretário do PT, Sílvio Pereira, e o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, por diversas vezes se reuniram com Marcos Valério, para que este tivesse uma atuação deci-siva em favor do governo federal junto a parlamentares federais, como forma de reforçar a base aliada do governo; Que a atuação de Marcos Valério junto a parlamentares para aderirem a algum interesse do governo num determinado momento incluía pagamento de dinheiro e troca de favores, para que esses parlamentares se tornassem aliados para aquele fim; (...) Que, dentre os funcionários da empresa SMP&B Comunicação Ltda. era de pleno conhecimento de que vultosas quantias saíam da empresa em malas, destinadas a Brasília/DF, para paga-mentos a Deputados, (...) levadas pelo senhor Marcos Valério; (...).47

Jacinto Souza Lamas, em seu depoimento, também forneceu indícios da participação de Delúbio Soares no suposto crime de formação de quadrilha nar-rado na denúncia (fl. 610, vol. 3):

Que, salvo engano, em junho de 2003, o Deputado Federal Valdemar Costa Neto solicitou ao declarante que ficasse atento para receber uma ligação de uma pessoa vinculada ao tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, que iria entregar valores em dinheiro de um acerto que havia sido realizado entre os dois na campanha de 2002; (...) Que recebeu uma ligação de Simone Vasconcelos; Que Simone falou para o declarante que es-tava com a encomenda que Delúbio havia pedido para entregar ao Deputado Valdemar Costa Neto; (...) Que, mesmo sendo tesoureiro do Partido Liberal, não tinha qualquer relação com as despesas assumidas pelo Deputado Federal Valdemar Costa Neto, e que foram ressarcidas pelos recursos repassados por Delúbio Soares; Que os valores recebidos pelo Deputado Federal Valdemar Costa Neto não foram lançados na prestação de contas do Partido Liberal (...)

Outro indício da prática do crime de formação de quadrilha por Delúbio Soares é encontrado em trecho do depoimento da co-denunciada Anita Leocádia (capítulo VII), assessora do Deputado Federal Paulo Rocha (fl. 720, vol. 3):

47 Antecipando um pouco, esse depoimento já demonstra também a existência de indícios contra o denunciado Marcos Valério.

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Que o Deputado Federal Paulo Rocha comentou com a declarante que havia com-binado com o tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores a quitação de débitos contraídos no decorrer da campanha de 2002; (...) Que o Deputado Federal Paulo Rocha afirmou que Delúbio Soares iria encaminhar os recursos necessários (...) através da Agência Brasília do Banco Rural; Que não sabe dizer por qual motivo o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores não fazia encaminhamento dos recursos diretamente para a conta bancária do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores no Estado do Pará; (...) Que o Deputado Federal Paulo Rocha falou para a declarante que uma pessoa iria entrar em contato para informar que o dinheiro já estaria disponível; Que, conforme afirmado pelo Deputado Federal Paulo Rocha, recebeu a ligação de uma pessoa que se identificou pelo nome de Simone, que disse à declarante para ir à Agência Brasília do Banco Rural, para receber o valor disponível (...)

Por esse depoimento, é possível perceber que os acusados estavam, apa-rentemente, muito organizados, havendo indícios da estabilidade desta or-ganização, haja vista que os repasses de recursos sempre eram precedidos de um aviso superior (em regra, do acusado Delúbio Soares), informando que tais valores estariam disponíveis em breve e que a acusada Simone Vasconcelos entraria em contato por telefone, no dia do repasse, avisando a hora e o local em que o numerário seria entregue, em “dinheiro vivo”.

Outro depoimento importante, que já foi citado em outros capítulos deste voto, é o que foi prestado por Marcos Valério no dia 2 de agosto de 2005 (fls. 727/735, vol. 3):

Que, em razão do conhecimento pessoal com o Deputado do PT Virgílio Guimarães, conterrâneo do declarante, o mesmo o apresentou a Delúbio Soares e Sílvio Pereira, pessoas ligadas à cúpula do PT; (...) Que, vencida a eleição presidencial, houve um estreitamento do relacionamento, sendo que o depoente passou a freqüentar a sede do partido em São Paulo, na Rua Silveira Martins (...)

Ou seja, a aproximação entre Marcos Valério e Delúbio Soares se deu em 2002 e se estreitou no início de 2003, quando Valério passou, inclusive, a freqüentar a sede do PT. Esses dados coincidem com os fornecidos na denún-cia, no que remete à época em que os acusados se teriam associado na suposta quadrilha. Por essa razão, tornam-se, ao menos neste momento, dignos de relevo.

Confira-se, também, o depoimento do servidor da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Raimundo Ferreira da Silva Junior, que se encontrava cedido para trabalhar no Escritório Nacional do Partido dos Trabalhadores em Brasília.

Ele consignou em suas declarações ao Departamento de Polícia Federal que “já viu Marcos Valério várias vezes no Escritório Nacional do Partido dos Trabalhadores em Brasília; Que Marcos Valério sempre ia se reunir com Delúbio Soares” (fl. 753, vol. 3).

Há, ainda, trecho do depoimento da acusada Kátia Rabello ao Conselho de ética e Decoro Parlamentar da Câmara, em que a Presidente do Banco Rural afirma, respondendo a questionamento do Deputado Chico Alencar, que se encontrou algumas vezes com Delúbio Soares, sempre informalmente (apenso 81), demonstrando o livre trânsito que Delúbio Soares tinha nas

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dependências do Banco Rural48. Afirmou a acusada: “Ele passava pelo banco, talvez marcasse com o zé Augusto, e aí me ligavam: ‘Olha, podemos ir à sua sala?’. Aquelas coisas, não é? Para tomar um café”. Tais visitas “informais” de Delúbio à acusada Kátia Rabello continuaram ocorrendo também depois da morte do ex-Vice-Presidente, José Augusto Dumont, segundo ela mesma assinalou no referido depoimento.

São, assim, fartos os indícios, inclusive os já assinalados em capítulos ante-riores deste voto, que apontam para a importante participação do acusado Delúbio Soares na prática, em tese, do crime definido no art. 288 do Código Penal, razão pela qual recebo a denúncia contra ele formulada.

José Genoíno

Relativamente a José Genoíno, também considero suficientemente indi-vidualizada, na denúncia, sua conduta no sentido da prática, em tese, do crime de formação de quadrilha.

Alguns trechos que li antes (em relação aos acusados Delúbio Soares e José Dirceu) já são capazes de demonstrá-lo, sendo relevante citar, também, as seguintes passagens da denúncia (fl. 5635):

José Genoíno, como Presidente do Partido dos Trabalhadores, participou dos encon-tros e reuniões com os dirigentes dos demais Partidos envolvidos, onde ficou estabelecido o esquema de pagamento de dinheiro em troca de apoio político (...)

Com a base probatória colhida, pode-se afirmar que José Genoíno, até pelo cargo parti-dário ocupado, era o interlocutor político visível da organização criminosa (...)

José Genoíno e Delúbio Soares apareceram formalmente na simulação de empréstimos de vultosas quantias pelo núcleo de Marcos Valério ou pelo próprio PT junto aos Bancos Rural e BMG, comprometendo-se como avalistas dessas negociações. Apesar de possuírem um ínfimo patrimônio declarado ao órgão fiscal, apresentaram garantia pessoal dos vul-tosos valores repassados por Marcos Valério, sócios e empresas ao PT, originários de suas contas nos Bancos Rural e BMG.

Segundo informado por Marcos Valério, e confirmado por Delúbio Soares, o dinhei-ro utilizado nas operações de lavagem descritas nessa denúncia teve como uma das suas fontes as seguintes operações estabelecidas entre o núcleo financeiro-publicitário e o núcleo político-partidário: BMG – R$ 12.000.000,00 (25/02/03 – em nome da SMP&B); R$ 3.516.080,56 (14/07/04 – em nome da SMP&B), R$ 15.728.300,00 (28/01/04 – em nome de Graffiti); R$ 10.000.000,00 (26/04/04 – em nome da Rogério Tolentino); Rural – R$ 18.929.111,00 (26/05/03 – em nome da SMP&B); e R$ 9.975.400,00 (12/09/03 – em nome da Graffiti), totalizando a quantia de R$ 55.217.271,02 (fl. 602).

Conforme anteriormente assinalado, os elementos de convicção obtidos comprovam que esses empréstimos não seriam sequer efetivamente quitados.

Os indícios de autoria e materialidade constantes dos autos conferem, tam-bém em relação a este denunciado, justa causa para a instauração da ação penal pela prática do crime de formação de quadrilha.

Em primeiro lugar, no depoimento do ex-Deputado José Janene (acusado no capítulo VI.1), há a informação de que o acusado José Genoíno participou

48 Aí se vislumbram indícios também contra os acusados ligados ao Banco Rural.

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da reunião em que foi firmado o “acordo de cooperação financeira” entre o PT e o PP – que, na verdade, revelou ser uma cooperação de “mão-única”, ou seja, apenas o PP recebia recursos do PT, não ocorrendo o contrário.

Essa reunião, para o Procurador-Geral da República, juntamente com aquela realizada em meados de 2002, ter-se-ia destinado a ajustar os termos de atuação da suposta quadrilha no decorrer dos anos seguintes, a partir do ano de 2003.

Veja-se o que disse José Janene em seu depoimento (fl. 1703, vol. 8):

Que, no início do atual Governo Federal, o Partido Progressista realizou, com o Partido dos Trabalhadores, um acordo de cooperação financeira; (...) Que, por este acordo de cooperação financeira, o Partido dos Trabalhadores ficaria encarregado de repassar ao Partido Pro-gressista recursos para a sua estruturação, visando à formação de alianças para eleições futuras, bem como para fazer frente a dívidas contraídas pelo Partido Progressista; Que este acordo de cooperação financeira não tinha valor específico, pois seria implementado de acordo com o andamento das eventuais alianças entre os dois partidos; Que o acordo de cooperação financeira entre o PT e o PP foi discutido e decidido pelas respectivas cúpulas partidárias; Que não sabe especificar quais os membros dos partidos que participaram de tais negociações, mas com certeza os presidentes tiveram participação decisiva; Que, salvo engano, o Partido Progressista foi representado por seu presidente Pedro Corrêa e pelo líder na Câmara dos Deputados à época, o Deputado Federal Pedro Henri; Que o Partido dos Trabalhadores foi representado pelo Presidente José Genoíno, não tendo informações da participação de Delúbio Soares ou qualquer outro membro da Executiva do PT; (...) Que a contrapartida do Partido Progressista aos recursos financeiros disponibilizados pelo Partido dos Trabalhadores seria a formação de alianças eleitorais futuras; (...)

O ex-Presidente do PT também se reuniu com o acusado Bispo Rodrigues (PL) sobre os alegados “acordos políticos”, conforme descrito no depoimento deste último (fl. 2260, vol. 11):

Que Delúbio Soares procurou o declarante por quatro ou cinco vezes, para solicitar apoio político aos candidatos do PT em diversos locais; (...) Que tratou com José Genoíno da mesma maneira de acordos políticos (...)

Há ainda outras reuniões, posteriores àquelas em que a suposta quadrilha teria sido idealizada, nas quais, aparentemente, tratava-se de implementar os “acordos” firmados em fins de 2002 e início de 2003.

Nesse sentido, colhe-se do depoimento do acusado Emerson Palmieri o se-guinte trecho, pertinente ao denunciado José Genoíno (fls. 3573/3474, vol. 16):

Que Roberto Jefferson recebeu, pelo PTB, o valor total de R$ 4 milhões (...); Que este numerário foi recebido em virtude de acordo firmado entre o PTB e o PT na sede do Partido dos Trabalhadores, no Edifício Varig em Brasília; Que tal acordo estabelecia do-ação ao PTB no valor de R$ 20 milhões, em 5 parcelas iguais, com a finalidade de auxiliar a campanha dos candidatos do PTB às eleições municipais de 2004; Que participaram, como representantes do PTB o presidente do partido Roberto Jefferson, o líder do PTB na Câmara dos Deputados José Múcio e o declarante, e, pelo PT, o presidente José Genoíno, o tesoureiro Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Marcelo Sereno; (...)

O ex-Deputado Roberto Jefferson confirmou os termos deste depoimento (fl. 4220, vol. 19):

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(...) que realmente representou o PTB em tratativas junto à Direção do PT em abril e maio de 2004, relativas às campanhas municipais daquele ano; (...) Que, pelo PT, participaram José Genoíno, o Tesoureiro Nacional Delúbio Soares, o secretário Marcelo Sereno e o então Ministro José Dirceu, que homologava todos os acordos daquele partido; (...) Que o acordo tratado e aprovado foi de R$ 20 milhões, divididos em cinco parcelas de R$ 4 milhões; (...) Que cobrou várias vezes o cumprimento do acordo, principalmente junto aos Ministros José Dirceu e Palocci e ao presidente do PT José Genoíno; (...)

Relevante, ainda, notar que José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira foram apresentados a Marcos Valério pela mesma pessoa (Virgílio Guimarães), conforme explicado pelo publicitário co-denunciado, verbis (fl. 70, vol. 1):

Fui apresentado ao Sr. Delúbio Soares, bem como aos Srs. Sílvio Pereira, José Genoíno, dirigentes do PT, bem como ao Deputado Federal João Paulo, pelo Deputado Federal Virgílio Guimarães, do PT de Minas Gerais, que é meu conterrâneo de Curvelo, Minas Gerais (...)

Isso indica, numa análise conjunta com outros fatos e indícios constantes dos autos, um possível interesse comum entre tais acusados naquele momento, revelando indícios de que, já ali, o suposto conluio entre eles se formava.

Em outro momento, o acusado José Genoíno esteve mais uma vez reunido com Marcos Valério e Delúbio Soares, conforme afirmado por Delúbio, no de-poimento de fls. 2245/2250 (vol. 2), verbis:

Que se lembra de ter participado de uma visita à empresa Usiminas, juntamente com o Presidente do PT, José Genoíno; Que foi intermediário pelo publicitário Marcos Valério; (...)

Essa visita à Usiminas na companhia de Delúbio Soares e Marcos Valério se torna particularmente elucidativa diante do teor do depoimento do co-denunciado Romeu Queiroz, Deputado Federal pelo PTB (v. capítulo VI.3), que afirmou ter recebido contato telefônico de Cristiano Paz, um dos sócios de Marcos Valério na SMP&B, que lhe comunicou, em agosto de 2004 (ou seja, pouco tempo depois da “visita” de José Genoíno e Delúbio Soares à empresa), que a Usiminas havia “doado” R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) às campanhas do PTB. Entretanto, segundo Romeu Queiroz, o PTB não teria rece-bido a integralidade deste valor, porque a SMP&B descontou a importância de R$ 47.187,24, a título de impostos e taxas (fl. 2127, vol. 10). Ou seja, mais de 30% da chamada “doação” da Usiminas, possivelmente obtida por José Genoíno e Delúbio Soares, foram destinados à SMP&B. Romeu Queiroz afirmou, ainda, o seguinte (v. fl. 2127, vol. 10):

Que foi o declarante quem decidiu a destinação dada aos recursos sacados pelo Sr. Paulo Leite Nunes, doados pela Usiminas; (...)

Assim, é possível que aquela visita à empresa Usiminas, de que participaram os acusados Marcos Valério, Delúbio Soares e José Genoíno, se tenha destinado jus-tamente a acertar o repasse (“doação”) desses R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) para o PTB, um dos partidos envolvidos, segundo a denúncia, nos crimes, em tese, praticados pela suposta quadrilha (corrupção passiva e lavagem de dinheiro).

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Delúbio Soares disse, ainda, o seguinte (fl. 249, vol. 2):

Que a direção do Partido dos Trabalhadores sabia da decisão de tentarem obter o empréstimo para cobrir o saldo negativo da conta; Que José Genoíno concordou que fosse obtido o empréstimo (...).

Assim, fica fragilizada a tese da defesa do acusado, no sentido de que José Genoíno, na condição de Presidente do Partido, não tinha qualquer ingerência nem era informado de qualquer assunto ligado à área financeira do Partido.

Ao contrário do que sustenta a defesa, um outro depoimento constante dos autos revela ainda mais indícios no sentido da participação do acusado José Genoíno nos assuntos financeiros do partido e, também, na suposta quadrilha. Trata-se do depoimento prestado por Pedro Raphael Campos Fonseca, sócio-gerente do escri-tório de advocacia Junqueira Alvarenga e Fonseca, contratado pelo PT para defender os interesses do partido no “Caso Santo André” (fls.1340/1343, vol. 6 dos autos):

Que é sócio-gerente do escritório de advocacia Junqueira Alvarenga e Fonseca Advogados S/C desde sua constituição, em 1998; (...) Que o escritório foi procurado pelo Diretório Municipal de Santo André, do PT/SP, na pessoa dos Srs. Michel e Mauricy, em julho de 2002, com finalidade de defender os interesses do PT no “Caso Santo André” (morte do Prefeito Celso Daniel); (...) Que o valor do contrato seria de R$ 500 mil, a serem pagos em cinco parcelas iguais e sucessivas de R$ 100 mil cada, vencendo a primeira no ato da contratação; Que o contrato, datado de 03/09/2002, ainda continua em vigor; (...) Que, aproximadamente um ano após a assinatura do contrato, Dr. Aristides Junqueira foi chamado pelo Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores, Sr. José Genoíno Neto, para uma reunião na residência do Deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh, do PT/SP, ocasião em que houve a saída oficial do Deputado Federal Greenhalgh do caso, posto que o deputado e advogado acompanhara desde o primeiro momento as investigações perpetradas pela Polícia e Ministério Público; (...) Que, logo em seguida, José Genoíno Neto, presidente do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, combinou com o depoente que o secretário de finanças, Sr. Delúbio Soares, entraria em contato com o escritório de advocacia para acertar detalhes acerca do pagamento dos honorários, até então em aberto; Que Delúbio Soares entrou em contato com o escritório de advocacia, solicitando ao declarante que se encaminhasse ao Diretório Nacional do PT, para uma reunião; Que, nesta reunião ficou acertado o pagamento dos honorários em atraso, em cinco parcelas de R$ 100 mil, a partir daquela data; Que Delúbio Soares informou ao declarante que uma pessoa indicada por ele entraria em contato para efetuar os pagamentos, sem ter esclarecido a forma do pagamento; Que Simone Vasconcelos ligou para o declarante, se apresentando como representante de Delúbio Soares, o que fez com que o declarante a tivesse como a secretária do representante do PT; Que Simone Vasconcelos perguntou ao declarante se este poderia comparecer à Agência Brasília do Banco Rural, para receber o pagamento da primeira parcela dos honorários; Que o declarante compareceu no horário combinado à Agência Brasília do Banco Rural, ocasião em que se encontrou com Simone Vasconcelos pela primeira vez, era início de outubro de 2003, não sabendo precisar a data; (...)

é possível admitirmos, ao menos nesta fase inicial do processo, que o acusa-do José Genoíno tinha conhecimento do modo como ocorriam esses pagamentos, tendo em vista que foi o próprio acusado quem afirmou que Delúbio Soares esclareceria os detalhes em questão.

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Somado a isso, temos o depoimento da contadora do Partido dos Trabalha-dores, Andrea Ribeiro, apontando José Genoíno como responsável, juntamente com Delúbio Soares, pela obtenção de “empréstimos” no montante de R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais) nos Bancos Rural, BMG e do Brasil. Leio trecho de seu depoimento (fl. 2085, vol. 10):

Que, salvo engano, o Partido dos Trabalhadores possuía, no ano de 2003 e 2004, na conta “empréstimos bancários”, a quantia de aproximadamente R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais); Que estes contratos foram estabelecidos com o Banco do Brasil, Banco Rural e Banco BMG; Que quem assinou tais contratos foram o Presidente do Partido e o Tesoureiro, respectivamente, José Genoíno e Delúbio Soares; (...) Que se recorda que o Banco do Brasil emprestou cerca de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais) ao PT, na modalidade de crédito rotativo; Que, com o Banco Rural, o PT possui uma dívida histórica de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) e com o Banco BMG a quantia de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais); (...) Que, em relação ao Banco Rural, se lembra que o empréstimo fora avalizado pelo Sr. Marcos Valério Fernandes de Souza; (...)

é interessante notar que, de acordo com análise de risco feita pelo Bacen, o empréstimo concedido pelo Banco Rural ao Partido dos Trabalhadores, da ordem de R$ 3 milhões, teve como única garantia o aval dos acusados José Genoíno e Delúbio Soares, muito embora o cliente (PT), até aquela data, jamais tivesse estabelecido qualquer relacionamento com o grupo financeiro Rural (v. Análise de Operações de Crédito realizada pelo Banco Central do Brasil, juntada ao apenso 84).

A esse respeito, aliás, o ex-superintendente do Banco Rural Carlos Godinho, cujo depoimento já foi citado em meu voto, apresentou sua análise em entre-vista concedida à revista Época, juntada aos autos às fls. 3368/3373 (vol. 15), sob o título “A caixa-preta do Rural” (edição 391, nov/05). Leio, aqui, por ser elucidativa em relação a tais “empréstimos”, trecho da mencionada entrevista, já transcrita no capítulo IV de meu voto:

Época – Os empréstimos do Banco Rural para o PT e para a agência SMP&B de Marcos Valério foram fajutos?

Carlos Godinho – é forte falar isso, mas eles não são uma prática normal de mer-cado. Na conta da SMP&B entrava dinheiro, mas o Marcos Valério não liquidava os empréstimos. É suspeito. No caso do PT, é o aval de duas pessoas que não têm patrimônio para garantir a operação (o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-presidente José Genoíno).

Época – O senhor acha que esses empréstimos foram feitos para não ser pagos?Godinho – Com certeza. São empréstimos para mascarar a entrada de recursos que

vinham de outras formas. Você justifica qualquer recurso que entrou via empréstimo. Não era para pagar.

Assim, tendo em vista que o acusado José Genoíno participou das reu-niões nas quais se teria planejado a prática, em associação criminosa, dos delitos já analisados nos itens anteriores, e considerando, ainda, que o denun-ciado foi avalista dos empréstimos supostamente fraudados concedidos ao PT por Marcos Valério, mediante alegado esquema criminoso, entendo que a denúncia respeitou, também em relação a José Genoíno, os termos do disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.

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Sílvio Pereira

Em relação a Sílvio Pereira, considero que, neste ponto, a denúncia obedeceu ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, tendo em vista que foi devidamente individualizada a conduta imputada ao acusado, indicando-o como o membro da suposta quadrilha que era responsável pelas in-dicações e pelo preenchimento de cargos e funções públicas no governo federal (fls. 5635/5636).

Apenas para eliminar dúvidas quanto à observância ao art. 41 do Código de Processo Penal, cito os trechos da denúncia em que se individualizou a conduta do denunciado Sílvio Pereira (fls. 5635/5636):

Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, dirigentes do Partido dos Trabalha-dores, atuavam no esquema como se fossem representantes do governo. Sílvio Pereira, em diversos depoimentos, foi apontado como um dos responsáveis pelas indicações para o preenchimento de cargos e funções públicas no Governo Federal, fato pelo mesmo confirmado (fls. 251/255). Ou seja, não obstante tratar-se apenas de um integrante da cúpula do Partido dos Trabalhadores, Secretário do Partido, atuava nos bastidores do Governo, negociando as indicações políticas espúrias que, em última análise, proporcio-navam o desvio de recursos em prol de parlamentares, partidos políticos e particulares.

(...)Com a base probatória colhida, pode-se afirmar que José Genoíno, até pelo cargo par-

tidário ocupado, era o interlocutor político visível da organização criminosa, contando com o auxílio direto de Sílvio Pereira, cuja função primordial na quadrilha era tratar de cargos a serem ocupados no Governo Federal.

(...) Eram constantes as reuniões no Diretório do PT em Brasília entre Marcos Valério, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, além de encontros no hall do hotel Blue Tree em Brasília, onde Marcos Valério passou a se hospedar para facilitar os contatos (fls. 56/57).

(...) Marcos Valério (...) confirma, em depoimento prestado na Procuradoria-Geral da República nos dias 14/07/05 e 02/08/05, que o então Ministro José Dirceu e o Secre-tário Sílvio Pereira tinham conhecimento das operações financeiras estabelecidas com Delúbio Soares.

Saliento, assim, que Sílvio Pereira foi acusado da prática do crime de for-mação de quadrilha em razão não apenas de ocupar a importante função de indicar cargos no Governo Federal – o que, por si só, caracterizaria responsabilidade penal objetiva – mas também por participar de reuniões nas quais se teria concertado a prática dos demais crimes narrados na denúncia, além de inúmeros encontros com o acusado Marcos Valério, que revelou, em seus depoimentos, indícios da participação do acusado no crime em questão.

Aliás, como destacado por muitos acusados, inclusive pela defesa de Sílvio Pereira, em sua sustentação oral, o fato de a conduta dele, nos demais crimes, não ter sido devidamente descrita, não implica prejuízo em relação ao crime de formação de quadrilha, que, por ser crime autônomo, não depende da prática dos crimes para os quais se teria formado.

Leio, inicialmente, para demonstrar a existência de indícios contra o acusado, o depoimento prestado por Fernanda Karina, ex-funcionária da SMP&B, que era responsável pela agenda de compromissos de Marcos Valério. Ela disse o seguinte (depoimento de fls. 186/200, vol. 1):

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De fato, o secretário do PT, Sílvio Pereira, e o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, por diversas vezes se reuniram com Marcos Valério, para que este tivesse uma atuação deci-siva em favor do governo federal junto a parlamentares federais, como forma de reforçar a base aliada do governo; Que a atuação de Marcos Valério junto a parlamentares para aderirem a algum interesse do governo, num determinado momento, incluía pagamento de dinheiro e troca de favores, para que esses parlamentares beneficiários se tornassem aliados para aquele fim.

Esse depoimento já demonstra que Sílvio Pereira participava das reuniões nas quais se teria formado a suposta quadrilha narrada na inicial.

O acusado Marcos Valério explica como se deu o início de sua relação com Sílvio Pereira, trazendo outros indícios no sentido da participação do acusado no delito de formação de quadrilha, verbis (fl. 730):

Que, em razão do conhecimento pessoal com o Deputado do PT Virgílio Guimarães, conterrâneo do declarante, o mesmo o apresentou a Delúbio Soares e Sílvio Pereira, pessoas ligadas à cúpula do PT; Que o declarante passou a acompanhar, juntamente com os mesmos, o andamento do segundo turno da campanha presidencial, desenvolvendo um relacionamento com estes; Que, vencida a eleição presidencial, aproximadamente em janeiro de 2003, houve um estreitamento do relacionamento, sendo que o depoente passou a freqüentar a sede do partido em São Paulo, na Rua Silveira Martins, ocasião em que estava ocorrendo a montagem da equipe de governo; (...)

Por sua vez, o acusado Delúbio Soares afirmou, em declaração prestada ao Procurador-Geral da República, que o acusado Sílvio Pereira, secretário-geral do PT, tinha conhecimento do acordo “informal” firmado com Marcos Valério, para que este captasse recursos e realizasse empréstimos em seu nome ou de suas empresas, para posterior repasse ao PT ou “pagamentos a fornecedo-res” (v. apenso 85, fl. 441 dos autos digitalizados).

Já em seu primeiro depoimento, Marcos Valério havia revelado (fls. 56/57, vol. 1):

Que conhece Sílvio Pereira da mesma época em que foi apresentado para Delúbio Soares; Que mantém uma amizade superficial com Sílvio Pereira, se encontrando com o mesmo para discutir assuntos relacionados à prestação de serviços de marketing para candidatos a prefeito pelo Partido dos Trabalhadores; (...) Que não consegue numerar quantas visitas fez aos diretórios do PT, mas pode dizer que foram várias; Que fez todas essas visitas para se encontrar com Delúbio Soares e esporadicamente com Sílvio Pereira; (...) Que se encontrou uma vez com Sílvio Pereira no hotel Maksud, em São Paulo; Que esse encontro foi agendado com Sílvio Pereira para discutir assuntos políticos; Que telefonava para Sílvio Pereira muito espaçadamente; Que para falar com Sílvio Pereira, ligava para a sede do PT em São Paulo/SP; Que já se encontrou ocasionalmente com Sílvio Pereira na sede do PT em Brasília/DF; (...)

Aliás, o próprio Sílvio Pereira, em seu depoimento, confirmou (fl. 254):

Que, no ano de 2003, participou de uma reunião com Marcos Valério juntamente com o Deputado Federal João Paulo Cunha, o jornalista Lula Vieira e Antonio Santos, coordenador das eleições municipais do PT no Estado de São Paulo; Que esse encontro ocorreu no Hotel Pestana em São Paulo/SP, salvo engano, quando foram discutidos assuntos relacionados à proposta de planejamento eleitoral no Estado de São Paulo; Que deste

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primeiro encontro desdobraram-se mais duas ou três reuniões com Marcos Valério, ocor-ridos em hotéis em São Paulo/SP; Que, dentre os locais desses encontros, pode citar os hotéis Mercury e Maksoud; (...)

A pergunta que fica é a seguinte: por que essas reuniões sobre futuras campanhas petistas não se realizaram na sede do PT em São Paulo, mas, sim, em hotéis daquela cidade? é claro que não podemos, só por isso, concluir, em definitivo, que houvesse algo ilícito nessas reuniões, mas o inusitado dessa escolha desperta dúvida sobre o verdadeiro assunto que nelas se discutia.

Assim, esses encontros agendados, entre Sílvio Pereira e Marcos Valério, ocorridos em hotéis, também trazem indagações que merecem, a meu ver, ser mais bem estudadas e aprofundadas no curso da instrução criminal.

E não é só.

Em um de seus depoimentos, Marcos Valério revela uma atuação concreta do acusado Sílvio Pereira no âmbito da suposta quadrilha (fl. 732, vol. 3):

Que, indagado sobre o empréstimo à ex-esposa do ex-Ministro José Dirceu, chamada Ângela, o depoente confirmou que, efetivamente, houve o empréstimo do Banco Rural e a colocação com emprego no Banco BMG; Que o declarante foi procurado por Sílvio Pereira para auxiliar o ex-Ministro José Dirceu na resolução de um problema pessoal com sua ex-esposa, que pretendia trocar de apartamento e não tinha recursos financeiros; Que, desta forma, foi conseguido o empréstimo e o emprego já mencionados, e também o sócio do declarante, Rogério Tolentino, para resolver o problema, já que o crédito imobiliário dependia do pagamento de recursos em dinheiro, comprou o apartamento da Sra. Ângela, pagou a vista e declarou a aquisição no seu imposto de renda (...)

Entendo, por essas razões, haver claros indícios da participação do acusado Sílvio Pereira nos fatos qualificados, em tese, como formação de quadrilha pelo eminente Procurador-Geral da República, razão pela qual recebo a denúncia nos termos em que foi oferecida contra o acusado, nesse ponto.

Marcos Valério, Rogério Tolentino, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Simone Vasconcelos e Geiza Dias – SMP&B

A conduta de Marcos Valério também está detalhadamente individualizada na denúncia, no que tange ao delito de formação de quadrilha. Deixo de transcre-ver a íntegra da imputação, e remeto a tudo que já foi transcrito anteriormente, apontando as fls. 5639/5643, nas quais o Procurador-Geral da República se ocupou da conduta do acusado em referência.

Apenas para ilustrar essa individualização, cito o seguinte trecho como uma apertada síntese (fls. 5639/5640):

Se, por um lado, integrantes da cúpula do Governo Federal e do PT dispuseram-se a estruturar uma forma de financiamento do próprio partido e dos seus aliados, formando-se, à custa do dinheiro público, uma sólida base governista, capaz de garantir a continuidade no poder desse grupo, por outro, nos termos confessados pelo próprio Marcos Valério, este e os seus sócios aproximaram-se dos dirigentes do PT, notadamente Delúbio Soares, com a finalidade de oferecer as suas empresas como mecanismo operacional desse esquema, já contando com o apoio dos Bancos Rural e BMG, também interessados em se beneficiar em deliberações governamentais, os quais mantinham, principalmente o Rural, atividades financeiras suspeitas com o grupo de Marcos Valério.

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Sobre o início desse relacionamento, Delúbio Soares, em depoimento prestado à Polícia Federal, (...) informou que Marcos Valério veio ao seu encontro para oferecer ajuda ao PT.

O início desse relacionamento, que se transformou, segundo informado por Marcos Valério, em uma sólida amizade, e que teve, por parte de Marcos Valério, a intenção de apresentar o seu modus operandi de desvio de recursos públicos e utilização de instituições financeiras para lavagem de dinheiro, gerou excelentes resultados para esse publicitário que, logo de início, promoveu a campanha publicitária do Deputado João Paulo Cunha à Presidência da Câmara dos Deputados, o qual, uma vez eleito, contratou justamente a empresa SMP&B para as campanhas institucionais da Câmara, situação eivada de ilegalidades que será descrita no tópico seguinte.

Quanto aos indícios, Senhora Presidente, são fartos nos autos.

O momento em que Marcos Valério procurou se aproximar dos diri-gentes do PT (momento em que a vitória eleitoral na campanha à presidência já estava delineada) bem como os fatos subseqüentes (reuniões em hotéis, visitas à sede do partido, ao gabinete do Ministro José Dirceu com dirigentes do Banco Rural, visitas aos diretórios do PT em São Paulo e Brasília, entre outros) são bastante reveladores das reais intenções deste acusado.

Apenas para ilustrar, cito pequeno trecho do depoimento do acusado José Borba (fl. 3548, vol. 16):

Que se recorda de ter conversado com Marcos Valério na Câmara dos Deputados, em um encontro ocorrido ocasionalmente; Que este encontro durou aproximadamente 5 mi-nutos, oportunidade em que Marcos Valério afirmou que poderia ajudar o declarante em questões no Governo Federal; (...)

Outro depoimento relevante é o de Emerson Palmieri, que já citei em ou-tros momentos de meu voto e do qual extraio também pequeno trecho (fl. 3574, vol. 16):

Que Roberto Jefferson recebeu pelo PTB o valor total de R$ 4 milhões, em duas parcelas, sendo a primeira em fins de junho, no valor de R$ 2.200.000,00, e a segunda na primeira semana de julho de 2004, no valor de R$ 1.800.000,00; (...) Que, em ambas as ocasiões, se encontravam na sala da Presidência do PTB, Roberto Jefferson e Marcos Valério, tendo sido convidado a par-ticipar da reunião por Roberto Jefferson, sendo que, quando entrou na sala do presidente do PTB, o numerário já se encontrava sobre a mesa, envolto com etiquetas do Banco do Brasil e Banco Rural; (...) Que este numerário foi recebido em virtude de acordo firmado entre o PTB e o PT na sede do Partido dos Trabalhadores, no Edifício Varig, em Brasília; (...) Que esta reunião ocorreu em maio de 2004; Que, logo após a reunião em que foi acertado o acordo financeiro entre o PTB e o PT, conheceu Marcos Valério, apresentado por Delúbio Soares, na sede do PT em Brasília, como o empresário que iria fazer as doações e resolver os problemas do PT e PTB; (...) Que outra reunião ocorreu no início de junho de 2004, onde foi finalizado o acordo, tendo sido combinado, inclusive, que as doações seriam efetuadas mediante recibos, ou do PT ou de empresários, dentre eles Marcos Valério; (...)

Também é interessante o seguinte trecho do depoimento de Zilmar Fernandes (v. fl. 1021, vol. 4):

Que, em fevereiro de 2003, o PT iniciou a amortizar a dívida de onze milhões e meio de reais referente aos serviços prestados no ano de 2002, condição imposta pela empresa Cep para renovar o contrato – Pacote de Serviço; Que, nesse sentido, o senhor Delúbio Soares

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determinou que a depoente entrasse em contato com o senhor Marcos Valério, até então desconhecido da mesma, para o recebimento de novecentos mil reais; Que o senhor Marcos Valério determinou que a depoente se dirigisse à tesouraria do Banco Rural situado na Av. Paulista, para o recebimento49; Que, ao chegar ao referido local, surpreendeu-se com o fato de que o pagamento seria fracionado em três parcelas de trezentos mil reais em espécie; (...) Que assinou perante o banco Rural o recibo do valor sacado; (...) Que surpreendeu-se com a atipicidade como foi feito o referido documento; Que esse primeiro pagamento ocorreu no dia 24 de fevereiro de 2003; Que, ainda no Banco Rural, recebeu a informação de que deveria retornar a esse estabelecimento nos dias subseqüentes, para receber outras duas parcelas de trezentos mil reais; Que, nos dias subseqüentes, o mesmo procedimento foi repetido; Que, no mês de fevereiro de 2003, recebeu um telefonema do senhor Marcos Valério, através do qual o mesmo informou à depoente que seria efetuada uma programação do crédito restante; Que o senhor Marcos Valério afirmou que a determinação partia do senhor Delúbio Soares; Que foi afirmado que a programação do pagamento seria diluída no ano de 2003; (...)

Ora, esse depoimento também revela que os acusados (inclusive do Banco Rural) estavam extremamente organizados e seguiam toda uma programação de como, quando e onde seriam praticados os supostos crimes para os quais a qua-drilha se teria formado.

Assim, percebe-se que a denúncia é plenamente viável e deve ser recebida nesse ponto, relativamente a Marcos Valério.

Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Rogério Tolentino, Geiza Dias e Simone Vasconcelos

Quanto aos sócios de Marcos Valério na SMP&B50, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, ao advogado da empresa, Rogério Lanza Tolentino, e às diretoras Simone Vasconcelos e Geiza Dias, também acusados pela suposta prática do crime de formação de quadrilha, a denúncia narra o seguinte (fls. 5643/5646):

O núcleo delituoso representado por Marcos Valério, como afirmado anteriormente, era composto pelos denunciados Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Inicialmente, destaque-se que Marcos Valério montou uma intricada rede societária com o objetivo de tornar viáveis suas práticas criminosas.

Nesse diapasão, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, como sócios de Marcos Valério nas empresas SMP&B Comunicação Ltda., Graffiti Participação Ltda. e DNA Propaganda, tiveram participação ativa nos crimes perpetrados.

Eles atuaram em conjunto com Marcos Valério para o cometimento dos delitos imputados, tendo agido intensamente na obtenção dos empréstimos fraudulentos que alimentaram, em parte, o esquema.

Exemplifica o envolvimento de Ramon Hollerbach no funcionamento da quadrilha a atuação decisiva nos pagamentos efetuados de forma irregular no exterior aos publi-citários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, conforme depoimento do doleiro Jader Kalid Antônio (fls. 3582/3585).

A empresa SMP&B era o comitê central das atividades criminosas do núcleo Marcos Valério, fornecendo a estrutura logística e humana para consecução dos objetivos da

49 Aqui, indícios também contra os denunciados do Banco Rural.50 Observo que, embora formalmente Marcos Valério não fosse sócio da SMP&B, como vimos no item da falsidade ideológica, ele próprio afirmou que exercia as funções que seriam de atribuição de sua esposa, razão pela qual sempre me refiro a ele como sócio da empresa, porque ao menos de fato o era.

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organização criminosa, empregando como mão-de-obra as denunciadas Simone Vasconcelos e Geiza Dias, ambas responsáveis pela parte financeira da referida empresa.

Geiza Dias, como Gerente Financeira da SMP&B, desempenhava um papel mais interno no funcionamento da quadrilha, repassando para o Banco Rural as informações dos destinatários reais dos valores que foram objeto dos delitos, além de determinar aos funcionários da SMP&B saques em dinheiro.

Ela encaminhava, principalmente via correio eletrônico, a qualificação dos beneficiá-rios dos polpudos valores ilícitos que eram originados, lavados e, por fim, entregues pela organização criminosa.

Além disso, recebia alguns beneficiários na sede da SMP&B e organizava pes-soalmente os repasses de valores em algumas situações, como no caso envolvendo parte dos pagamentos ilícitos, inclusive no exterior, aos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes.

Simone Vasconcelos era a Diretora-Administrativa da empresa SMP&B. Nesse cargo, desempenhava principalmente o papel de operadora externa do núcleo da organização criminosa liderada por Marcos Valério. Tinha por função dirigir-se a Agência Brasília do Banco Rural, sacar o dinheiro e o repassar aos destinatários finais.

Essas entregas, ordinariamente efetuadas na sede da agência bancária, também ocorriam em hotéis.

Ela também tinha a função de telefonar para os destinatários dos valores, infor-mando que já estavam disponíveis e orientando o local e a forma de recebimento.

Na realidade, Simone Vasconcelos está para o núcleo Marcos Valério, assim como Marcos Valério está para o núcleo central da quadrilha. Era peça fundamental na engre-nagem criminosa, pois tinha como ofício repassar o dinheiro para os beneficiários finais da engenharia criminosa montada.

Além disso, foi a responsável pela organização da documentação que resultou nos empréstimos fraudulentos junto aos Bancos Rural e BMG.

A rede societária articulada por Marcos Valério envolvia ainda a empresa Tolentino & Melo Assessoria Empresarial S/C, cujo sócio Rogério Tolentino também era respon-sável pelas atividades delituosas do núcleo Marcos Valério.

O denunciado Rogério Tolentino, junto com Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, tinha o comando dos esquemas criminosos confeccionados pelo núcleo Marcos Valério em conluio com o núcleo Banco Rural, que foram utilizados pelo núcleo central da quadrilha.

Aliás, Rogério Tolentino era, junto com Marcos Valério, o integrante da quadrilha mais próximo do Banco Rural.

Seu envolvimento pode ser visualizado em atuações específicas da quadrilha, como a entrega de dinheiro ao Deputado Federal José Mentor sob a justificativa de uma consul-toria jurídica, buscando excluir o Banco Rural das investigações parlamentares; sua ida junto com Marcos Valério e Emerson Palmieri para Portugal para fechar uma das operações do bando, e sua participação no episódio envolvendo o Procurador da Fazenda Nacional Glênio Guedes.

Digna de registro é a emblemática e reveladora reunião ocorrida entre os responsá-veis pela quadrilha (Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolen-tino) com o contador Marco Prata após a eclosão do escândalo com a espúria finalidade de ocultar as provas dos crimes praticados pela organização (fls. 3594/3601).

Pressionada pelo início das apurações, o núcleo da quadrilha integrada por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino reuniu-se com o contador para obstruir os trabalhos de investigação, nos termos detalhadamente relatados no depoi-mento acima citado.

Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino

Relativamente aos sócios e ao advogado de Marcos Valério e da SMP&B, o Procurador-Geral da República mencionou depoimento prestado por Marco Prata, responsável pela contabilidade das empresas DNA Propaganda Ltda.,

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SMP&B Comunicação Ltda., Graffiti Participações, Multiaction, MG5 Partici-pações, Estratégia, 2S Participações, Solimões (antiga SMP&B Publicidade) e outras, que revela fortes indícios da participação destes denunciados na suposta quadrilha. Transcrevo o seguinte trecho do depoimento em questão, verbis (fls. 3594/3601, vol. 16):

Que, até o dia 29/04/2005, data da entrega da declaração do Imposto de Renda, possuía um histórico contábil das empresas do grupo Marcos Valério; Que, após esta data lhe foram apresentados novos documentos contábeis, numa nova realidade que lhe era desco-nhecida até então; Que tais documentos lhe foram apresentados em uma reunião ocorrida no escritório de advocacia Tolentino e Melo, da qual participaram Marcos Valério, Cristia-no, Ramon, Dr. Grope, Dr. Rogério Telentino e o contador Apel; (...) Que foi apresentada ao declarante toda a documentação referente à movimentação financeira que ainda não havia sido contabilizada; Que lhe foram apresentados os contratos de empréstimos que geraram a receita não declarada; Que, além dos empréstimos, também foram contabilizadas outras receitas não declaradas referentes à movimentação comercial normal das empresas; Que também foram apresentadas cópias de cheques com a indicação dos destinatários de cada recebimento; Que os destinatários dos cheques foram relacionados em uma lista apresenta-da por Marcos Valério; Que os valores repassados às pessoas indicadas na lista elaborada por Marcos Valério correspondiam a cheques nominais à própria empresa e endossados pelos sócios; Que, entretanto, não há documentos bancários com a identificação de todos os beneficiários indicados na lista elaborada por Marcos Valério; Que, mesmo assim, tal lis-tagem foi aceita como documento contábil, registrado sob a rubrica “Empréstimos Repassados ao PT”; (...) Que na contabilidade original não existiam os empréstimos tomados aos bancos BMG e Rural cujos valores foram repassados ao Partido dos Trabalhadores; (...) Que, em 29/06/05, a Receita Federal deu início a uma fiscalização na empresa DNA Propaganda Ltda.; Que, na primeira semana de julho, todos os sócios da DNA Propaganda resolveram encaminhar para o escritório do declarante os documentos solicitados no Termo de Início de Fiscalização; Que não foi comunicado pelos sócios da DNA Propaganda daquela decisão de encaminhamento dos documentos solicitados pela Receita; Que, ao chegar em seu escritório, se deparou com aproximadamente 15 caixas-arquivo da DNA Propaganda contendo parte da documentação a ser encaminhada ao fisco; Que tais caixas estavam lacradas, sendo que o declarante não chegou a saber de seus conteúdos; Que imediatamente mandou que tais caixas fossem colocadas no banco traseiro de seu veículo Ford KA, auto utilizado pelo escritório do declarante, tendo por objetivo devolver, no dia seguinte, a documen-tação para a DNA Propaganda; Que resolveu devolver a documentação para a DNA Propa-ganda pois não tinha a intenção de atender a Receita Federal em seu escritório; Que, entretanto, resolveu, naquele dia, fazer uma compra no Carrefour, utilizando o veículo Ford KA da empresa; Que tem o costume de utilizar o Ford KA de sua empresa; Que, antes de che-gar ao Carrefour, o carro apresentou pane no sistema de alarme, cortando a corrente elétrica do veículo; Que pediu ajuda a seu irmão Marco Túlio Prata, pois não sabia se teria de rebocar o veículo; Que não acionou a seguradora, uma vez que conseguiu fazer o veículo funcionar novamente; Que ficou estressado pelo ocorrido e não foi mais ao supermercado; Que, antes de retornar para sua residência, transferiu a documentação que estava em seu veículo para o carro de seu irmão; Que pediu para o seu irmão guardar a documentação até o dia seguinte; Que, na verdade, as caixas não estavam lacradas, conforme afirmara anteriormente, mas apenas fecha-das; Que, mesmo assim, não verificou o que havia no interior destas; Que Marco Túlio Prata levou a documentação para sua residência, lá permanecendo por aproximadamente 10 dias; Que não lembrou de pedir para Marco Túlio levar as caixas com a documentação para a DNA Propaganda; Que, passados alguns dias, sofreu uma operação de busca e apreensão na sede do seu escritório de contabilidade; Que, no dia da operação da Polícia Federal, ligou para seu irmão Marco Túlio para saber como proceder em razão daquela busca e apreensão que estava sofrendo; Que Marco Túlio não é advogado; Que Marco Túlio orientou o declarante a procurar um advogado; Que não lembrou da documentação

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da DNA que estava em poder de Marco Túlio; Que não estava na sede do seu escritório, sendo que não ficou sabendo qual o motivo ou objeto da busca e apreensão empreendida pela Polícia Federal; Que somente pela imprensa ficou sabendo que a Polícia Federal estava procurando por documentos da DNA Propaganda e SMP&B Comunicação em seu escritório; Que realmente não sabe qual a documentação que ficara em poder de seu irmão; Que somente após a apreensão realizada pelo Polícia Civil de Minas Gerais ficou sabendo que seu irmão estava em poder de quatorze caixas de 3ªs vias das notas fiscais da DNA Propaganda; Que estas 3ªs vias correspondiam às vias fixas, que deveriam, por força da lei, ficar arquivadas na empresa; Que não sabe dizer por quais motivos a DNA Propaganda remeteu para o escritório do declarante somente as notas fiscais da empresa, deixando de encaminhar os demais documentos solicitados pela Receita Federal; Que esta era apenas parte da documentação a ser enviada, conforme declaração dos sócios da empresa; (...)

Desse depoimento podemos concluir que os sócios de Marcos Valério e o advogado Rogério Tolentino pretendiam ocultar dos órgãos de fiscalização e da própria polícia os indícios da prática dos crimes narrados na denúncia. Merece destaque o fato de a reunião com o contador das empresas de publicidade de Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz ter ocorrido no escritório de advocacia do acusado Rogério Tolentino, o que demonstra seu profundo envol-vimento com os fatos narrados na inicial acusatória.

Aliás, conclui-se, a partir dos indícios constantes dos autos, que sua atuação foi tão importante para as empresas quanto a dos próprios sócios, sendo visível que Tolentino atuava como verdadeiro braço direito de Marcos Valério, acompa-nhando-o em reuniões com outros acusados, indo à sede de empresas aparente-mente envolvidas no suposto esquema de lavagem de dinheiro e inclusive fazendo repasses de dinheiro por meio de sua empresa, Lanza Tolentino & Associados.

Um depoimento bastante elucidativo, nesse sentido, foi o prestado pela secretária da empresa SMP&B, a Sra. Fernanda Karina, verbis:

(...) Que é verdade que o Banco Rural tenha cedido aeronave de sua propriedade para transporte do senhor Marcos Valério, bem como dos demais sócios Cristiano, Paulinho e Dr. Rogério [Tolentino], em viagem a lugar desconhecido pela depoente, conforme noticiado pela imprensa; Que, de fato, o senhor Marcos Valério, por diversas vezes, telefonava para o Deputado José Mentor, relator da CPI do Banestado, e, sempre que isso acontecia, logo em seguida, Marcos Valério ligava para o senhor José Augusto Dumont, então Presidente do Banco Rural, acreditando, com isto, que Marcos Valério possa ter intercedido para que aquele banco não fosse incluído nas apurações do denominado Banestado; Que, por várias vezes, o senhor José Augusto Dumont compareceu à empresa SMP&B Comunicação Ltda. para se encontrar com Marcos Valério, como também o Banco Rural foi também sede de várias reuniões entre Marcos Valério com o Presidente do Banco Rural, com Dr. Rogério Tolen-tino, este advogado da empresa SMP&B Comunicação Ltda.; Que Marcos Valério tinha relações com Daniel Dantas, do Banco Opportunity, com quem sempre conversava ao telefone, como também é do conhecimento da declarante que a empresa DNA Propaganda, do mesmo grupo da empresa SMP&B Comunicação Ltda., tem contas de publicidade da Telemig Celular e da Amazônia Celular, ambas ligadas ao Banco Opportunity; (...)

Importante, ainda, citar o depoimento do co-denunciado Marcos Valério, acostado às fls. 1454/1465, já transcrito no capítulo IV, que releio por também trazer indícios da participação de Rogério Tolentino nos fatos narrados na denún-cia e no suposto crime de formação de quadrilha (vol. 7 dos autos):

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Que [José] Janene afirmou ao declarante que gostaria que os recursos a serem repassados em nome do Partido dos Trabalhadores para o Partido Popular fossem encami-nhados para a corretora Bônus Banval; (...) Que os recursos encaminhados à Bônus Banval partiram das contas das empresas 2S Participações Ltda. e Rogério Lanza Tolentino Associados; Que a Tolentino Associados transferiu para a Bônus Banval o total de R$ 3.460.850,00 (três milhões quatrocentos e sessenta mil oitocentos e cinqüenta reais) (...)

Outro ponto importante é o depoimento de Romeu Queiroz (denunciado no capítulo VI.3), já antes citado, que revela indícios concretos contra Cristiano Paz (fl. 2127, vol. 10):

Que, em agosto de 2004, recebeu um contato telefônico do Sr. Cristiano Paz, sócio de Marcos Valério na SMP&B Publicidade; Que Cristiano Paz era o presidente da empresa; Que, neste contato, Cristiano Paz disse ao declarante que a empresa Usiminas tinha dispo-nibilizado R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) de doação para diversas campanhas eleitorais municipais de interesse do PTB; (...) Que dos R$ 150.000,00 doados pela Usiminas, foram descontados pela SMP&B a importância de R$ 47.187,24 (quarenta e sete mil cento e oitenta e sete reais e vinte e quatro centavos), a título de impostos e taxas (...)

Esse depoimento esclarece, inclusive, o possível modus operandi da hipo-tética organização criminosa, tendo em vista que os denunciados do dito “núcleo publicitário” ficavam com um percentual do numerário que seria repassado aos beneficiários finais do suposto esquema.

Observo, ainda, tal como anotei no capítulo da corrupção ativa, que o denun-ciado Ramon Hollerbach assinou, juntamente com Cristiano de Melo Paz, os cheques constantes de fl. 181 (R$ 68.541,84), fl. 182 (R$ 274.167,36), fl. 184v. (R$ 44.552,20) e fl. 186 (R$ 171.354,60), todas do apenso 5, além de outros, sempre emitidos em nome da SMP&B Comunicações Ltda. e supostamente utilizados para a distribuição de valores pelo grupo de Marcos Valério, por meio de Simone Reis Lobo de Vasconcelos.

Também merecem destaque os depoimentos por mim citados no capítulo da lavagem de dinheiro (fls. 631/633; 655/657; 752/754; 818/820; 838/840; 992/994; 1030/1032; 1440/1443; 1619/1620; 1622/1624; 1675/1677; 1686/1691; 1693/1696; 1698/1700; e 2022/2023), que também trazem indícios da prática do crime de lavagem de dinheiro pelos acusados Cristiano Paz (ver, e.g., fl. 1694, depoimento de David Rodrigues Alves – vol. 8 dos autos), Ramon Hollerbach (ver, e.g., fl. 1441, depoimento de Aluísio Espírito Santo – vol. 6 dos autos), Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Isso porque os depoentes ali mencionados são, em sua maioria, pessoas de baixa condição financeira (vendedor de peixe, office boy, empregados da DNA subordinados aos acusados, garçom, mensageiro, motorista), que aparentemente foram usadas pelos mencionados acusados no recebimento de valores elevados, em espécie, nas agências do Banco Rural, sendo que tal valor seria destinado a outras pessoas, sem que o “sacador” soubesse, necessariamente, quem seria o destinatário final do dinheiro.

Por fim, há o depoimento do doleiro Jader Kalid Antônio (fls. 3583/3585, vol. 16 dos autos), também citado no capítulo VIII do meu voto, que revela indí-cios do papel do acusado Ramon Hollerbach na suposta associação criminosa e que, juntamente com Cristiano Paz, é sócio majoritário da SMP&B e da DNA:

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Que, no ano de 2003, o Sr. Ramon [Hollerbach] Cardoso, sócio da SMP&B, pro-curou o declarante para que este lhe orientasse numa provável operação no valor de cerca de dois milhões de reais, os quais deveriam ser “transformados” em pagamentos a serem realizados numa conta situada no exterior; Que o Sr. Ramon Cardoso não informou o nome do destinatário nem em qual país seria efetivado o pagamento, somente declinou que a transferência envolveria uma conta no Banco de Boston, situada no exterior; (...) infor-mou ao Sr. Ramon Cardoso que iria verificar junto ao Israel Discount Bank of NY, com o qual mantinha relacionamento, se seria possível realizar a transferência dos dois milhões para o exterior, mediante a utilização da conta-corrente de uma empresa situada no exterior do qual era procurador; Que, assim, verificaria junto ao Israel Discount Bank of NY se este es-tava necessitando realizar um pagamento em real no Brasil, com a contrapartida do depósito em dólar no exterior; Que, posteriormente, procurou o Sr. Ramon Cardoso e informou que o Israel Discount Bank of NY necessitava tão somente de realizar o pagamento, no Brasil, de um valor de quatrocentos mil reais, o qual teria como contrapartida o seu depósito do corres-pondente em dólar no exterior; Que, assim, foi efetivada a transferência de U$ 131.838,00 da conta da empresa Kanton para a conta da empresa Dusseldorf; Que o número da conta-corrente da empresa Dusseldorf foi informada pelo Sr. Ramon Cardoso; Que o Israel Discount Bank of NY, na pessoa de André Levy ou Rina, passou ao declarante o número de algumas contas-correntes, de, salvo engano, uma pessoa ou mais, residentes na cidade do Rio de Janeiro, as quais deveriam receber o valor de quatrocentos mil reais de forma que fosse possível efetivar o depósito no exterior; Que o declarante passou o número de tais contas-correntes para o senhor Ramon Cardoso; Que acredita que o valor de quatrocentos mil reais foi pago mediante depósito via cheque nas contas-correntes indicadas pelo Israel Discount Bank of NY; Que deste negócio também recebeu sua comissão de 0,2% do Israel Discount Bank of NY; (...) Que conheceu Ramon Cardoso através de Cristiano Paz; Que conheceu Cristiano Paz há vários anos atrás, quando freqüentava encontros sociais juntamente com o mesmo; Que já realizou consultorias financeiras para Cristiano Paz, que precisava, na época, de serviços de factoring (...)

Tais indícios, somados aos que já vimos nos capítulos anteriores, conduzem à necessidade do recebimento da denúncia contra os denunciados Marcos Valério, Rogério Tolentino, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.

Simone Vasconcelos e Geiza DiasRelativamente às acusadas Simone Vasconcelos e Geiza Dias, ficou visto

nos capítulos anteriores que eram elas o contato mais imediato das pessoas que seriam beneficiadas pelo repasse de dinheiro da SMP&B.

Considero bastante relevante, no que respeita a ambas, o seguinte trecho do depoimento de Fernanda Karina (fls. 187/188, vol. 1):

Que, dentre os funcionários da empresa SMP&B Comunicação Ltda., era de pleno conhecimento de que vultosas quantias saíam da empresa em malas, destinadas a Brasília/DF, para pagamentos a Deputados, (...) levadas pelo senhor Marcos Valério; Que a senhora Simone Vasconcelos, que é gerente da empresa SMP&B Comunicação Ltda., viajava a Brasília/DF, em companhia do senhor Marcos Valério, ficando no Hotel, geralmente o Gran Bitar, salvo engano, e era encarregada de efetuar o pagamento aos parlamentares destinatários do denominado “Mensalão”, segundo lhe confidenciou a própria Simone Vasconcelos; Que, no mês de dezembro de 2003, em dia que não se lembra, esteve na empresa SMP&B Comunicação Ltda. uma pessoa que se identificou como irmão e enviado do então Ministro dos Transportes Anderson Adauto, o qual chegou de mãos va-zias e reuniu-se durante longo tempo com a senhora Simone Vasconcelos e sua assistente Geiza, de lá saindo com uma mala; Que os comentários dentro da empresa são de que ele lá teria estado para receber entre R$ 100.000,00 (cem mil reais) e/ou R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), não se recordando ao certo; (...) Que a depoente não tem idéia da origem

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do dinheiro utilizado pela empresa SMP&B Comunicação Ltda. no pagamento do denominado Mensalão aos políticos, porém ouviu várias vezes Marcos Valério, Simone e os demais sócios comentarem “o amigo mandou dinheiro”; (...) Que por várias vezes a depoente presenciou a saída tanto de office boys quanto de motoboys da empresa SMP&B Comu-nicação Ltda. com destino ao Banco Rural para buscarem vultosas quantias em dinheiro que eram entregues a Simone Vasconcelos; (...)

O “doleiro” Jader Kalid revelou ainda outros indícios, contra a acusada Geiza Dias (fls. 3584/3585, vol. 16 dos autos):

Que, posteriormente, e ainda no ano de 2003, a Sra. Geiza Dias, funcionária do setor financeiro da SMP&B, passou alguns faxes para o declarante, os quais continham o nú-mero de uma conta-corrente no exterior; Que a Sra. Geiza Dias solicitou ao declarante a sua ajuda para verificar se determinado valor havia sido depositado em tais contas, pois estava sofrendo uma enorme pressão de uma mulher, a qual no momento não se recorda o nome;

O depoimento do acusado Jacinto de Souza Lamas também corrobora a acusação contra os denunciados do chamado “núcleo publicitário” (fls. 610/614, vol. 3):

Que, salvo engano, em junho de 2003, o Deputado Federal Valdemar Costa Neto solicitou ao declarante que ficasse atento para receber uma ligação de uma pessoa vinculada ao tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, que iria entregar valores em dinheiro de um acerto que havia sido realizado entre os dois na campanha de 2002; (...) Que realmente recebeu a ligação, conforme previsão de Valdemar Costa Neto; Que recebeu uma ligação de Simone Vasconcelos; Que Simone falou para o declarante que estava com a encomenda que Delúbio havia pedido para entregar ao Deputado Valdemar Costa Neto; (...) Que, salvo engano, Simone Vasconcelos combinou a entrega do dinheiro em um hotel; Que, pelo que se recorda, o hotel onde recebeu pela primeira vez valores de Simone foi o Kubitschesk Plaza; Que, após receber ligação de Simone, dirigiu-se ao local do encontro para receber a encomenda; Que, ao chegar no hotel, foi diretamente para o apartamento onde Simone estava hospedada; Que o declarante entrou no quarto e recebeu de suas mãos um envelope de papel pardo grande, contendo em seu interior uma quantia em dinheiro; (...) Que Simone apenas falou que aquela encomenda era do Dr. Delúbio Soares para o Depu-tado Valdemar Costa Neto; (...) Que após primeiro saque, ocorrido provavelmente em junho de 2003, recebeu outros chamados de Simone para receber valores em espécie; Que a entrega de valores por Simone não tinha nenhuma regularidade de data; (...) Que, sal-vo engano, se encontrou com Simone duas outras vezes, no hotel Mercure, para receber valores em dinheiro, conforme orientação do Deputado Federal Valdemar Costa Neto; (...)

A acusada Simone Vasconcelos também revelou outras funções que lhe teriam sido atribuídas na suposta quadrilha, verbis (fl. 592, vol. 3):

Que foi a responsável pela organização da documentação da SMP&B utilizada na formalização dos contratos de empréstimo tomados pela SMP&B junto aos bancos BMG e Rural; Que também atuou na parte burocrática da formalização dos contratos de empréstimos da empresa Graffiti Participações junto aos bancos BMG e Rural; (...) Que sabia, durante todo o tempo das negociações, que tais empréstimos seriam destinados ao Partido dos Trabalhadores; (...)

Assim, há indícios da união de desígnios entre Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias, na suposta prática do crime de formação de quadrilha narrado no item II da denúncia.

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Observado, portanto, o art. 41 do Código de Processo Penal, quanto aos acusados Marcos Valério, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, Rogério Tolentino, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, bem como a existência de indí-cios mínimos de autoria e materialidade, que se somam aos já referidos nos itens anteriores de meu voto.

Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane – Banco Rural

Também em relação aos acusados Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, a denúncia obedece ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, estando devidamente descrita a conduta em tese criminosa por eles praticada, definida no art. 288 do Código Penal, nos termos que já antes expus relativamente à responsabilidade concentrada, direta e específica desses gestores pela área de compliance e prevenção à lavagem de dinheiro.

Para que fique clara a idoneidade da denúncia, transcrevo o trecho perti-nente (fls. 5646/5649):

O terceiro núcleo da organização criminosa era integrado pelos principais diri-gentes do Banco Rural José Augusto Dumont (falecido), Vice-Presidente, José Roberto Salgado, Vice-Presidente Operacional, Ayanna Tenório, Vice-Presidente, Vinícius Sama-rane, Diretor Estatutário, e Kátia Rabello, Presidente, todos responsáveis pelo Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e pelas áreas de compliance, contabilidade, jurídica, operacional, comercial e tecnológica da instituição financeira.

Em busca de vantagens patrimoniais indevidas, no exercício do comando do Banco Rural, eles estabeleceram mecanismos de operacionalização dos vultosos pagamentos em espécie às pessoas indicadas pelo núcleo de Marcos Valério de forma a possibilitar a não identificação dos efetivos beneficiários, bem como burlar a legislação e normas infralegais que estabelecem a necessidade de identificação e comunicação às autoridades competentes de operações com indicativos de lavagem de dinheiro.

Ademais, por intermédio dos supostos empréstimos, injetaram cifras milionárias nas contas da quadrilha, para viabilizar o cometimento dos crimes narrados.

O íntimo relacionamento entre o núcleo de Marcos Valério e os dirigentes do Banco Rural fica evidente ao longo das provas produzidas na investigação.

Quanto à sistemática e freqüência dos saques de valores vultosos, em espécie, principal-mente na agência do Banco Rural em Brasilia, são relevantes as informações prestadas pelo então Tesoureiro dessa agência, Sr. José Francisco de Almeida Rego, o qual informou que a partir de 2003 os saques em espécie tornaram-se polpudos, freqüentes e operacio-nalizados por fax, telefonemas ou correios eletrônicos encaminhados pela agência de Belo Horizonte, indicando o valor e a qualificação do sacador do dinheiro em espécie no banco.

O procedimento adotado pelos dirigentes do Rural em conluio com Marcos Valé-rio teve o efeito de transformar os saques em espécie efetuados pela Diretora Financeira Simone Vasconcelos em cheques ao portador, obstando a identificação do efetivo bene-ficiário, sobretudo nas situações em que a própria Simone comparecia à agência e assinava o recibo.

Os pagamentos eram efetuados pelo grupo de Marcos Valério em benefício das pessoas indicadas pelos dirigentes do PT denunciados, utilizando-se das facilidades proporcionadas pelos dirigentes do Rural, que garantiam o trânsito, em espécie, de vultosas quantias por meio de mecanismos que obstaram a efetiva identificação do benefício. Segundo o depoi-mento do Superintendente do Banco Rural em Brasília, Sr. Lucas da Silva Roque, tratava-se de uma facilidade proporcionada pelo Banco denominada “Política de Relacionamento”.

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No entanto, essa “Política de Relacionamento” aplicada de forma sistemática e rotineira, em Brasília, foi operada apenas em relação aos saques nas contas de Marcos Valério para distribuição a parlamentares e outros, pois o próprio gerente do Banco Rural que informou a existência dessa política, esclareceu, logo em seguida, que esse tipo de entrega de numerário que foi feito diversas vezes na agência Brasília para a empresa SMP&B não foi adotado para nenhuma outra empresa cliente do Banco Rural, com a mesma intensidade e freqüência da empresa SMP&B (...)

Em conclusão, a atuação habitual, organizada e reiterada de José Dirceu, Delúbio Soares, Jose Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano de Mello Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, José Augusto Dumont (falecido), José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabelo para a prática dos crimes descritos na presente denúncia encontra-se caracterizada em todo o acervo probatório do inquérito e será detalhada nos itens abaixo51, sob o aspecto dos crimes de peculato, lavagem do dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira, corrupção, evasão de divisas.

Percebe-se, Senhora Presidente, que o modo como teriam sido praticados os crimes pelos denunciados do Banco Rural está longamente descrito neste tre-cho da denúncia que acabo de ler.

Com base, inclusive, no que já foi visto nos capítulos anteriores deste voto, entendo que a descrição detalhada da conduta de cada um é desnecessária e sequer seria possível, tendo em vista que a prática criminosa se teria dado jus-tamente no exercício dos cargos que os denunciados ocupam no Banco Rural.

A cúpula do Banco Rural, aparentemente, era cúmplice na concessão dos empréstimos fajutos ao PT e às empresas de Marcos Valério. Empréstimos que, segundo o depoimento de Carlos Godinho (ex-Superintendente do Banco Rural), foram pactuados para não serem pagos; empréstimos pactuados mediante garantias de extrema fragilidade, e renegociados constantemente de forma, no mínimo, temerária, para dar aparência de que vinham sendo saldados regu-larmente, embora, em realidade, isso não ocorresse. Esses empréstimos, como se sabe, constituiriam uma das fontes das vultosas quantias de dinheiro que eram, conforme documentos acostados aos autos, repassadas em espécie a parla-mentares, a mando e por indicação de dirigentes do PT, algumas sabidamente subordinadas e controladas pelo acusado José Dirceu, como se extrai de diversos depoimentos por mim citados.

Assim, o papel que coube aos dirigentes do Banco Rural denunciados na suposta quadrilha está devidamente descrito na denúncia.

Os indícios também são fartos nos autos, como, aliás, já se pôde perceber por meio dos depoimentos da acusada Kátia Rabello, citados neste capítulo do meu voto.

Assim, cito, por exemplo, o depoimento de Zilmar Fernandes, que li há pouco (fl. 1021, vol. 4):

Que o senhor Marcos Valério determinou que a depoente se dirigisse à tesouraria do Banco Rural situado na Av. Paulista, para o recebimento52; Que, ao chegar ao referido local, surpreendeu-se com o fato de que o pagamento seria fracionado em três parcelas de

51 Já analisados.52 Aqui, indícios também contra os denunciados do Banco Rural.

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trezentos mil reais em espécie; (...) Que assinou perante o banco Rural o recibo do valor sacado; (...) Que surpreendeu-se com a atipicidade como foi feito o referido documento; Que esse primeiro pagamento ocorreu no dia 24 de fevereiro de 2003; Que, ainda no Banco Rural, recebeu a informação de que deveria retornar a esse estabelecimento nos dias subse-qüentes, para receber outras duas parcelas de trezentos mil reais; Que, nos dias subseqüentes, o mesmo procedimento foi repetido;

É de extrema importância a observação do documento constante do apenso 77, no qual o Banco Central do Brasil realizou uma análise de risco das operações realizadas pelo Banco Rural com a SMP&B Comunicação Ltda. e de-mais empresas do grupo (DNA e Graffiti). Está demonstrado, naquele documento, que os empréstimos concedidos à SMP&B continuaram sendo renovados em 2004 e 2005, após a morte do ex-Vice-Presidente do Rural, José Augusto Dumont, a quem os dirigentes denunciados procuraram atribuir toda a respon-sabilidade pelos ilícitos supostamente praticados no seio daquela instituição financeira.

O depoimento de Fernanda Karina, que também já citei, traz alguns indícios da participação do Banco Rural nos atos imputados a Marcos Valério e aos dirigentes do PT, bem como as constantes renovações, a cada 90 dias, de “operação de mútuo”, deferida originalmente em 14-5-03, no valor de R$ 3.000.000,00, e cujos recursos foram disponibilizados e integralmente transferidos para a conta do PT no Bradesco, tendo como garantia apenas o aval de José Genoíno e Delúbio Soares.

Relativamente a esse último indício, a data da concessão do alegado “mútuo” coincide com a época em que a suposta quadrilha se formou. é relevante notar que, em 25 de maio de 2005, foi novamente renovada a operação, como consta de documento de análise do Bacen constante do apenso 84. Aliás, essa opera-ção foi classificada como de pequeno risco, justamente para evitar que o Bacen viesse a ter conhecimento das renovações sucessivas e dos indícios de prática criminosa.

Outro trecho do depoimento da acusada Kátia Rabelo perante o Conselho de ética da Câmara, na sessão de 22-9-08 (apenso 81), também revela alguns pontos da denúncia. Em resposta aos questionamentos formulados pelo Deputado Júlio Delgado, a denunciada informou que teria marcado um jantar com o Ministro José Dirceu em Belo Horizonte, para continuar a discutir o assunto referente à liqui-dação do Banco Mercantil de Pernambuco, que já havia sido objeto de audiência anterior, no Palácio do Planalto.

Entretanto, como a própria denunciada afirmou, o acusado José Dirceu teria passado a maior parte do tempo falando de amenidades, sobre histórias da vida dele, “pessoalidades”. Isso, aparentemente, é uma contradição, tendo em vista que, nas palavras do Deputado Júlio Delgado, o jantar foi marcado para discutir um assunto, que só foi citado en passant, ao final do jantar, por um diretor do Banco Rural que acompanhava a acusada (apenso 81), sem que houvesse qualquer observação do então Ministro a respeito.

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Ainda outro questionamento muito interessante e que deve ser apurado no curso da ação penal a ser instaurada, se assim entender a maioria (v. depoimento da acusada Kátia Rabello, na sessão de 22-9-05, do Conselho de ética, represen-tado o acusado José Dirceu):

O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – (...) nas altas camadas sociais as conversas se dão mais ou menos nos moldes desse comercial de televisão que está passando, ou seja, extre-mamente truncadas, no “sim-não-vão-vamos-não”.

Mas, para eu tirar minha dúvida, eu queria entender: na conversa com o Ministro José Dirceu, nem o Marcos Valério, quando fez a introdução, disse: “Olha, aqui está a Presidente do Banco Rural, aquele banco que nós conseguimos um empréstimo, Ministro, para o Partido dos Trabalhadores; o Partido tem lá crédito...”? Nada?

A Sra. Kátia Rabello – Ele nunca foi explícito em relação a isso.O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Mas implicitamente, sim?A Sra. Kátia Rabello – Implicitamente, você pode considerar qualquer coisa, não

é? (...)O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Quer dizer, em momento algum, nem deixou

transparecer que era uma relação de um banco do qual o partido do Ministro era cliente, inclusive que tinha recebido... Nada? Absolutamente nada?

A Sra. Kátia Rabello – Não. (...)O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Nem vocês?A Sra. Kátia Rabello – Eu, não.(...)O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – A senhora disse que o Banco também tomou

conhecimento dessas transações, em que pessoas ligadas ao Parlamento recebiam recursos, a partir desse episódio. Mas, em 1998, também já se fazia. Quer dizer, o banco já atuou. Tanto que agora apareceram alguns Deputados que receberam, em 1998, recursos pro-venientes do Banco Rural através da SMP&B.

A Sra. Kátia Rabello – Não tenho conhecimento dessa informação.O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Pelo menos já foi apurado, inclusive, naquela

relação em que aparece claramente a campanha de 1998, se não me falha a memória, quan-do várias pessoas receberam recursos da SMP&B via Banco Rural. Para nós é estranho, porque já havia anteriormente. Agora...

O Sr. Deputado Júlio Delgado – O empréstimo foi feito pela DNA, como corrigiu a Sra. Kátia (...) mas os depósitos nas contas de Parlamentares foram feitos on line, Banco Rural, ou às suas contas, pela SMP&B.

A Sra. Kátia Rabello – Na verdade, eu acho importante deixar bem claro que para o Banco Rural imaginar qualquer (...) fazer qualquer ilação sobre pagamentos de uma empresa a seja quem for, não nos caberia em nenhum momento. Então, talvez por isso é que isso não tivesse nos chamado atenção. Porque, uma vez que você tem um pagamento (...) que é feito dentro de todas as práticas legais do banco, dentro da normalidade do banco, fica até difícil para o banco imaginar que esse pagamento possa se referir a algum ilícito, não é?

O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – A senhora... falando em normalidade, a senhora já fez algumas menções a normalidade. Por exemplo, a SMP&B (...) fazia o saque em Belo Horizonte e enviava o recurso aqui em Brasília, não é?

A Sra. Kátia Rabello – Isso.O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Porque isso é “normal”. Agora, é normal uma

secretária de uma empresa receber uma sala dentro das dependências do próprio Banco Rural em Brasília e atender, como era o caso – e está relatado já o caso da Sra. Simone Vasconcelos –, parlamentares dentro das dependências do próprio Banco Rural? Isso é normal também? É comum?

A Sra. Kátia Rabello – É normal você atender clientes dentro de uma sala separada, porque as Agências de banco, por normativo, são todas abertas. Então, quando você está pagando ao cliente grandes quantias em dinheiro, é normal que você faça isso de uma maneira reservada.

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O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Mas alguém do banco, e não alguém de uma empresa que é cliente do banco.

A Sra. Kátia Rabello – Não, você paga o cliente.(...)O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – E aí o cliente utiliza-se da sala para fazer

outros pagamentos?A Sra. Kátia Rabello – Eu não tenho conhecimento disso.O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Se não me falha a memória, a Sra. Simone

declarou que fazia esses pagamentos dentro das dependências do Banco Rural. Só estou querendo saber se é habitual também e é normal isso.

A Sra. Kátia Rabello – Eu considero absolutamente anormal.(...)O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – No período em que eram realizados esses paga-

mentos, a senhora já estava na Presidência do Banco.A Sra. Kátia Rabello – Isso.O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Quer dizer, então, que se isso ocorreu, ocorreu

sem a autorização, obviamente, da Presidência.A Sra. Kátia Rabello – Com toda a certeza.O Sr. Deputado Orlando Fantazzini – Com toda a responsabilidade da gerência, que

permitiu que isso fosse feito.A Sra. Kátia Rabello – é importante a gente lembrar que nós temos um elo perdido

no meio dessa história: um vice-presidente [José Augusto Dumont] que era uma pessoa que tinha (...) um tipo de gestão muito pessoal e não-hierárquica. Então, ele pode ter pedido um atendimento especial a esse cliente. (...)

Apesar deste esforço de se atribuir toda a responsabilidade sobre tudo que acontecia no Banco Rural ao falecido Vice-Presidente, José Augusto Dumont, considero que, juntamente com os demais indícios citados neste voto, há real-mente justa causa para dar início à ação penal, pela prática, em tese, do crime de formação de quadrilha, por parte de Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane.

Por fim, acerca da alegação de inexistência de indícios, feita também pelos demais acusados, a análise realizada neste capítulo e nos capítulos anteriores dis-pensa maiores comentários, tendo em vista que ficou amplamente demonstrado que a denúncia está pautada em fortes indícios constantes destes autos, os quais também corroboram a imputação de formação de quadrilha, uma vez que, como crime formal, a quadrilha se teria formado justamente para o cometimento dos outros delitos narrados na inicial.

Tendo em vista, inclusive, as considerações já feitas nos capítulos anteriores de meu voto, considero que o elemento estabilidade está claramente demons-trado, uma vez que a associação se teria estendido desde meados de 2002 ou início de 2003, até o ano de 2005, quando os fatos supostamente criminosos vieram a público.

Assim, em resumo:

1) não recebo a denúncia contra Marcos Valério, pela suposta prática do crime de falsificação ideológica (art. 299 do Código Penal), por desatendi-mento ao art. 41 do Código de Processo Penal, como anunciado no início deste último capítulo de meu voto (item II.c.2); e

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2) contra os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, pela suposta prática do crime de formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal) – item II.a.

Conclusão

Assim, Senhora Presidente, concluo meu voto fazendo uma recapitulação dos dispositivos parciais proferidos ao longo do julgamento, de forma individuali-zada em relação a cada acusado:

1) Em relação ao acusado José Dirceu de Oliveira e Silva, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha contida no item II, letra “a”, da denúncia; e corrupção ativa, descrita nos itens VI.1, letra “a”; VI.2, letra “a”; VI.3, letra “a”; e VI.4, letra “a”; não recebo a denúncia em relação à imputação de peculato contida no item III.3, letra “d”, da denúncia;

2) Em relação ao acusado José Genoíno Neto, recebo a denúncia pela prá-tica, em tese, dos crimes de formação de quadrilha contida no item II, letra “a”, da denúncia; e corrupção ativa contida nos itens VI.1, letra “a”; e VI.3, letra “a”, da denúncia; não recebo a denúncia em relação à imputação de peculato contida no item III.3, letra “d”, da denúncia, e corrupção ativa contida nos itens VI.2, letra “a”; e VI.4, letra “a”, da denúncia;

3) Em relação ao acusado Delúbio Soares de Castro, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha contida no item II, letra “a”, da denúncia; e corrupção ativa descrita nos itens VI.1, letra “a”; VI.2, letra “a”; VI.3, letra “a”; e VI.4, letra “a”; não recebo a denúncia em relação à imputação de peculato contida no item III.3, letra “d”, da denúncia;

4) Em relação ao acusado Sílvio José Pereira, recebo a denúncia pela prática, em tese, do crime de formação de quadrilha descrito no item II, letra “a”, da denúncia; não recebo a denúncia em relação às imputações de peculato, contida no item III.3, letra “d”, da denúncia, e corrupção ativa, contida nos itens VI.1, letra “a”; VI.2, letra “a”; VI.3, letra “a”; e VI.4, letra “a”, da denúncia;

5) Em relação ao acusado Marcos Valério Fernandes de Souza, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, confor-me item II, letra “b.1”, da denúncia; peculato, contido nos itens III.1, letra “b.2”; III.2 letra “b”; e III.3, letra “c.2”, da denúncia; lavagem de dinheiro, descrito no item IV da denúncia; corrupção ativa, descrito nos itens III.1, letra “b.1”; III.3, letra “c.1”; item VI.1, letra “a”; item VI.2, letra “a”; item VI.3, letra “a”; e item VI.4, letra “a”; e evasão de divisas, tal como imputado no item VIII, letra “a”, da denúncia; não recebo a denúncia em relação à imputação de falsidade ideológica, formulada no item II, letra “c.2”, da denúncia;

6) Em relação ao acusado Ramon Hollerbach Cardoso, recebo a denún-cia em relação à imputação de formação de quadrilha, contida no item II, letra “a”, da denúncia; peculato, formulada nos itens III.1, “b.2”; III.2, letra “b”; e III.3, “c.2”, lavagem de dinheiro, descrita no item IV da denúncia; corrupção

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ativa, contida nos itens III.1, “b.1”; III.3, “c.1”; VI.1, letra “a”, item VI.2, letra “a”; item VI.3, letra “a”; e item VI.4, letra “a”; e evasão de divisas, conforme item VIII, letra “a”, da denúncia;

7) Em relação ao acusado Cristiano de Mello Paz, recebo a denúncia em relação à imputação de formação de quadrilha, contida no item II, letra “a”, da denúncia; peculato, formulada nos itens III.1, “b.2”; III.2, letra “b”; e III.3, “c.2”, lavagem de dinheiro, descrita no item IV da denúncia; corrupção ativa, contida nos itens III.1, “b.1”; III.3, “c.1”; VI.1, letra “a”; item VI.2, letra “a”; item VI.3, letra “a”; e item VI.4, letra “a”; e evasão de divisas, conforme item VIII, letra “a”, da denúncia;

8) Em relação ao acusado Rogério Lanza Tolentino, recebo a denúncia em relação à imputação de formação de quadrilha formulada no item II, letra “a”, da denúncia; lavagem de dinheiro, descrita no item IV da denúncia; e corrupção ativa do item VI.1, letra “a”, da denúncia; não recebo a denúncia em relação às imputações de peculato, descritas nos itens III.1, “b.2”; III.2, “b”; e III.3, “c.2”; de corrupção ativa formulada nos itens III.1, “b.1”; III.3, “c.1”; VI.2, letra “a”; VI.3, letra “a”; e VI.4, letra “a”; e evasão de divisas, descrita no item VIII, letra “a”, da denúncia;

9) Em relação à acusada Simone Reis Lobo de Vasconcelos, recebo a denún-cia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, conforme item II, letra “a”, da denúncia; lavagem de dinheiro, descrito no item IV da denúncia; corrupção ativa, descrito nos itens item VI.1, letra “a”; item VI.2, letra “a”; item VI.3, letra “a”; e item VI.4, letra “a”, da denúncia; e evasão de divisas, tal como imputado no item VIII, letra “a”, da denúncia;

10) Em relação à acusada Geiza Dias dos Santos, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, conforme item II, letra “a”, da denúncia; lavagem de dinheiro, descrito no item IV da denúncia; cor-rupção ativa, descrito nos itens item VI.1, letra “a”; item VI.2, letra “a”; item VI.3, letra “a”; e item VI.4, letra “a”, da denúncia; e evasão de divisas, tal como imputado no item VIII, letra “a”, da denúncia;

11) Em relação à acusada Kátia Rabello, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, contido no item II, letra “a”, da denúncia; lavagem de dinheiro, tal como descrito no item IV da denúncia; gestão fraudulenta de instituição financeira, nos termos do item V da denúncia; e evasão de divisas, contido no item VIII, letra “b”, da denúncia;

12) Em relação ao denunciado José Roberto Salgado, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, contido no item II, letra “a”, da denúncia; lavagem de dinheiro, tal como descrito no item IV da denúncia; gestão fraudulenta de instituição financeira, nos termos do item V da denúncia; e evasão de divisas, contido no item VIII, letra “b”, da denúncia;

13) Em relação ao acusado Vinícius Samarane, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, contido no item II, letra “a”, da denúncia; lavagem de dinheiro, tal como descrito no item IV da

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denúncia; gestão fraudulenta de instituição financeira, nos termos do item V da denúncia; e evasão de divisas, contido no item VIII, letra “b”, da denúncia;

14) Em relação à acusada Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, contido no item II, letra “a”, da denúncia; lavagem de dinheiro, tal como descrito no item IV da denúncia; gestão fraudulenta de instituição financeira, nos termos do item V da denúncia. Não recebo a denúncia relativamente à imputação de evasão de divisas, contida no item VIII, letra “b”, da denúncia;

15) Em relação ao acusado João Paulo Cunha, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de corrupção passiva, contido no item III.1, letra “a.1”, da denúncia; lavagem de dinheiro, tal como descrito no item III.1, letra “a.2”, da denúncia; peculato, nos termos do item III.1, letra “a.3”, da denúncia;

16) Em relação ao acusado Luiz Gushiken, recebo a denúncia pela prática, em tese, do crime de peculato, tal como descrito no item III.3, “b”, da denúncia;

17) Em relação ao acusado Henrique Pizzolato, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de peculato, tal como descrito nos itens III.2, “a”, e III.3, “a.3”, da denúncia; lavagem de dinheiro, nos termos do item III.3, “a.2”, da denúncia; e corrupção passiva, contido no item III.3, “a.1”, da denúncia;

18) Em relação ao acusado Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto, recebo a denúncia pela prática, em tese, dos crimes de formação de qua-drilha, descrito no item VI.1, “b.1”, da denúncia; corrupção passiva, contido no item VI.1, “b.2”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.1, “b.3”, da denúncia;

19) Em relação ao acusado José Mohamed Janene, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.1, “b.1”, da denúncia; corrupção passiva, contido no item VI.1, “b.2”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.1, “b.3”, da denúncia;

20) Em relação ao acusado Pedro Henry Neto, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.1, “b.1”, da denúncia; corrupção passiva, contido no item VI.1, “b.2”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.1, “b.3”, da denúncia;

21) Em relação ao acusado João Cláudio de Carvalho Genú, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.1, “c.1”, da denúncia; corrupção passiva, contido no item VI.1, “c.2”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.1, “c.3”, da denúncia;

22) Em relação ao acusado Enivaldo Quadrado, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.1, “d.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.1, “d.2”, da denúncia;

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23) Em relação ao acusado Breno Fischberg, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.1, “d.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.1, “d.2”, da denúncia;

24) Em relação ao acusado Carlos Alberto Quaglia, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.1, “e.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.1, “e.2”, da denúncia;

25) Em relação ao acusado Valdemar Costa Neto, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.2, “b.1”, da denúncia; corrupção passiva, contido no item VI.2, “b.2”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.2, “b.3”, da denúncia;

26) Em relação ao acusado Jacinto de Souza Lamas, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.2, “c.1”, da denúncia; corrupção passiva, contido no item VI.2, “c.2”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.2, “c.3”, da denúncia;

27) Em relação ao acusado Antônio de Pádua de Souza Lamas, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de formação de quadrilha, descrito no item VI.2, “d.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.2, “d.2”, da denúncia;

28) Em relação ao acusado Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues), recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de corrupção passiva, contido no item VI.2, “e.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.2, “e.2”, da denúncia;

29) Em relação ao acusado Roberto Jefferson Monteiro Francisco, rece-bo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de corrupção passiva, contido no item VI.3, “c.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.3, “c.2”, da denúncia;

30) Em relação ao acusado Emerson Eloy Palmieri, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de corrupção passiva, contido no item VI.3, “e.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.3, “e.2”, da denúncia;

31) Em relação ao acusado Romeu Ferreira Queiroz, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de corrupção passiva, contido no item VI.3, “d.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.3, “d.2”, da denúncia;

32) Em relação ao acusado José Rodrigues Borba, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de corrupção passiva, contido no item VI.4, “b.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VI.4, “b.2”, da denúncia;

33) Em relação ao acusado Paulo Roberto Galvão da Rocha, recebo a denúncia, pela prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, nos termos do item VII, “a”, da denúncia;

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34) Em relação à acusada Anita Leocádia Pereira da Costa, recebo a denúncia, pela prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, nos termos do item VII, “b”, da denúncia;

35) Em relação ao acusado Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), recebo a denúncia, pela prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, nos termos do item VII, “d”, da denúncia;

36) Em relação ao acusado João Magno de Moura, recebo a denúncia, pela prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, nos termos do item VII, “c”, da denúncia;

37) Em relação ao acusado Anderson Adauto, eu recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de corrupção ativa, descrito no item VI.3, “b”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, nos termos do item VII, “e”, da denúncia;

38) Em relação ao acusado José Luiz Alves, recebo a denúncia, pela prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, nos termos do item VII, “e”, da denúncia;

39) Em relação ao acusado José Eduardo Cavalcanti de Mendonça, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de evasão de divisas, descrito no item VIII, “c.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, contido no item VIII, “c.2”, da denúncia;

40) Em relação à acusada Zilmar Fernandes Silveira, recebo a denúncia, pela prática, em tese, dos crimes de evasão de divisas, descrito no item VIII, “c.1”, da denúncia; e lavagem de dinheiro, contido no item VIII, “c.2”, da denúncia.

é como voto.

QUESTÃO DE ORDEM

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Srs. Ministros, Sra. Ministra, chamo a julgamento o Inq 2.245. Autor: Ministério Público Federal. Denuncia-dos: José Dirceu de Oliveira e Silva e outros. Dele é Relator o Ministro Joaquim Barbosa.

Antes de passar a palavra ao eminente Relator, a Presidência encaminha algumas questões de ordem cuja solução é fundamental ao bom andamento dos trabalhos.

O Sr. Secretário está fazendo a verificação de presença dos defensores constituídos. Nem todos os defensores constituídos registraram presença perante a Secretaria do Plenário, por isso a necessidade de fazermos esta veri-ficação.

A Secretaria do Plenário tem referência, mediante comunicação dos defenso-res, de que a Dra. Priscila Corrêa Gioia, o Dr. Dagoberto Antoria, o Dr. Leonardo Magalhães Avelar e o Dr. Inocêncio Mártires Coelho não vão fazer sustentação oral. Eu não tenho registro de presença do Dr. Alberto zacharias Toron.

O Dr. Alberto zacharias Toron: Estou aqui, Excelência.

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A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Agradeço a Vossa Excelência.

Não tenho o registro de presença do Dr. Marco Antonio Meneghetti, que é defensor de João Cláudio de Carvalho Genú. Está presente?

O Dr. Maurício Maranhão de Oliveira: Excelência, quem está aqui é Maurício Maranhão de Oliveira, representando João Cláudio de Carvalho Genú.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Agradeço a Vossa Excelência, fica registrada a sua presença. Peço que compareça à Secretaria do Plenário para assinar o termo.

Dra. Priscila Gioia está presente? Dr. Leonardo Magalhães Avelar? Dr. Dagoberto Antoria Dufau? Dr. Inocêncio Mártires Coelho, presente? Dr. Márcio Luiz Silva?

A Dra. Roberta Maria Rangel: Excelência, ele virá à tarde.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Virá à tarde para sustentação. Regis-tramos, então, a presença do Dr. Márcio Luiz Silva. A senhora pertence ao mesmo escritório?

A Dra. Roberta Maria Rangel: Sim.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Dr. Luís Maximiliano Leal Telesca Mota? Está presente. Registre, por favor. Dr. Márcio Luiz Silva, que re-presenta Luiz Carlos da Silva, está presente? Dr. Olinto Campos Vieira, presente?

O Dr. João Magno: Estou presente, Excelência.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Dr. João Magno, eu peço a Vossa Excelência que compareça à Secretaria do Plenário para registrar, então.

Dr. Márcio Luiz Silva virá à tarde, não é, Doutora?

A Dra. Roberta Maria Rangel: Só virá à tarde.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Dr. Tales Oscar Castelo Branco, presente. Dr. Tales também representa zilmar Fernandes Silveira, não é isso?

Então, pela minha anotação, estão ausentes: Dr. Marco Antonio Meneghetti, Dra. Priscila Corrêa Gioia, Dr. Leonardo Magalhães Avelar e Dr. Dagoberto Antoria Dufau.

Tendo em conta, portanto, a regra inscrita no art. 261 do Código de Processo Penal, segundo a qual nenhum acusado será processado ou julgado sem defensor, valendo-me da prerrogativa do art. 265 do mesmo Código de Processo Penal, nomeio defensores substitutos aos acusados cujos defensores estão ausentes neste ato.

Ausente está a Dra. Priscila Corrêa Gioia, ou qualquer pessoa do seu escri-tório, que represente o denunciado Enivaldo Quadrado. Nomeio-lhe defensor substituto para o só efeito de representação neste ato de apreciação da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal. Faço-o na pessoa do Dr. Antônio Nabor Areias Bulhões, que aceita o ônus.

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Quanto ao acusado Breno Fischberg, representado por Leonardo Maga-lhães Avelar e outros, nomeio para este ato defensor na pessoa do Dr. José Gui-lherme Villela, que está presente e aceita o ônus.

Em relação ao acusado Carlos Alberto Quaglia, ausente seu defensor, Dr. Dagoberto Antoria Dufau, nomeio-lhe o Dr. Roberto Rosas para este ato, que aceita o ônus.

Ausente também o defensor do acusado José Rodrigues Borba, Dr. Ino-cêncio Mártires Coelho. Nomeio-lhe defensor para este ato na pessoa do Dr. Pedro Gordilho, que está presente e aceita o ônus.

Ainda ausente o Dr. Márcio Luiz Silva, ou qualquer pessoa do mesmo escritório, na defesa de Luiz Carlos da Silva.

A Dra. Roberta Maria Rangel: Excelência, o Dr. Márcio Luiz Silva repre-sentará Paulo Rocha, e estará presente no período da tarde.

Luiz Carlos da Silva será representado por mim, Roberta Maria Rangel.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Pois não, Doutora. Peço, então, que registre a sua presença na Secretaria do Plenário. Assim, não será necessária a designação de defensor para o ato a Luiz Carlos da Silva.

Superada essa questão, informo, inicialmente, que indeferi requerimento de adiamento desta sessão, formulado pelo ilustre advogado Dagoberto Antoria Dufau, representando o denunciado Carlos Alberto Quaglia. As alegações de Sua Excelência são as seguintes:

(...) os procuradores foram intimados nesta data, por telefone, para apresentarem sustentação oral perante d. Plenária, nos dias 22, 23 e 24 do mês corrente, de acordo com a pauta de julgamento nº 27, sendo que tal data agendada é muito próxima da presente, pelo que manifestam-se requerendo o adiamento da defesa oral do denunciado, devido à complexidade dos fatos, bem como a pluralidade de réus envolvidos (...)

Indeferi esse requerimento por não ver nele razoabilidade. A sustentação oral pela defesa não é obrigatória, tanto que as partes, ao contrário do afirmado pelos Requerentes, não são intimadas para a prática do referido ato. Houve, na realidade, o contato da Secretaria do Plenário para ordenar a sessão e relacionar os advogados que desejariam fazer a sustentação oral.

Cabe, portanto, a cada procurador, se tiver interesse em fazê-lo, manifestar o desejo por petição ou mesmo oralmente, antes do início da sessão. Não há, portanto, que falar em necessidade de concessão de prazo e, muito menos, em exigüidade desse prazo. Veja-se que os demais defensores, na sua quase totalidade – à exceção, volto a dizer, daqueles que expressamente manifestaram não desejar o pronunciamento oral –, não tiveram qualquer dificuldade em se preparar.

Portanto, indeferi esse requerimento.

Igualmente informo que deferi requerimento do Sr. Procurador-Geral da República por prazo dilargado para a sua sustentação oral, dada a extensão e complexidade da denúncia, bem como o grande número de denunciados. Portanto, deferi o pedido de Sua Excelência para uma hora de sustentação oral.

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VOTO(Questão de ordem)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Submeto, em questão de ordem, à apreciação deste Plenário, o requerimento do Dr. Délio Lins e Silva, que tem a seu cargo a defesa de Jacinto de Souza Lamas e Antonio de Pádua de Souza Lamas, no sentido de serem-lhe deferidos trinta minutos para sustentação oral.

Encaminho a solução desta questão de ordem no sentido de que o Tribunal assegure o tempo de quinze minutos à defesa de cada um dos denunciados, tenham eles ou não defensor em comum.

Resolvo, portanto, a questão de ordem, para deferir o requerimento, esten-dendo idêntico tratamento a todos os demais denunciados.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, acima de tudo a coe-rência, o apego ao que sustentado até aqui. No caso, não se trata de acusados com advogados diversos. Há denúncia formalizada contra acusados, dos quais alguns possuem defensor único.

Existe regra específica sobre a dobra do prazo, muito embora contida não no Código de Processo Penal, mas no Código de Processo Civil, e não posso desconhecê-la, por maior que seja o desejo de viabilizar à exaustão o direito de defesa. A dobra não decorre do fato de um mesmo advogado defender dois ou mais acusados. Assim temos decidido.

Por essa razão, peço vênia aos Colegas – vejo que a apreciação deste caso, por isso ou por aquilo, ganha diapasão próprio – para votar no sentido da obser-vância do prazo simples.

VOTO(Sobre a segunda questão de ordem)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, peço vênia para acom-panhar a solução preconizada no voto proferido por Vossa Excelência.

Entendo que a complexidade da matéria e o caráter multitudinário deste procedimento penal são razões que justificam a solução proposta por Vossa Exce-lência, e que, a meu juízo, observa a lei, respeita o Regimento Interno do Supremo Tribunal e, mais importante, torna efetiva a garantia constitucional pertinente ao exercício pleno do direito de defesa.

É o meu voto.

VOTO(Questão de ordem)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Submeto ao Plenário requeri-mento oferecido pelo ilustre defensor do denunciado Roberto Jefferson Monteiro Francisco, que deseja que:

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após cada sustentação oral, tanto do ilustre Procurador-Geral da República como da defesa respectiva, se siga o julgamento, denunciado por denunciado, e não em bloco.

Encaminho a solução desta questão de ordem no sentido da rejeição deste pedido. O seu atendimento, ao contrário do que pressupõe Sua Excelência, o ilus-tre defensor, causaria maior delonga e tumulto processual. Além disso, o pedido não encontra amparo nas regras de processo ou na norma regimental.

Por isso, eu o indefiro.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, a quadra exige a desbu-rocratização do processo. Há uma denúncia que forma um grande todo e deve ser apreciada tal como apresentada.

Não cabe compelir o Relator a confeccionar relatórios e votos diversos, consi-derados os acusados.

Nessa matéria, sinto-me em posição confortável.

Acompanho a ilustrada maioria nos votos proferidos.

VOTO(Sobre a terceira questão de ordem)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, a ordem ritual proposta por Vossa Excelência, além de estar apoiada na lei, torna racional o desenvolvi-mento dos trabalhos desta Corte no julgamento do procedimento penal em questão.

Acompanho, portanto, o voto de Vossa Excelência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas para firmar posição quanto a certa matéria contida no relatório do Ministro Joaquim Barbosa.

Há pouco, Vossa Excelência designou defensores dativos, tendo em vista a sustentação da tribuna, a presença, nesta sessão, que visa apenas receber ou não a denúncia, assentar ou não a improcedência da imputação feita.

No relatório de Sua Excelência – e menciona este tema para que haja absoluta coerência, levando em conta o ato de Vossa Excelência de designação de defensores –, há notícia de que certo envolvido não apresentou defesa, e não consta do relatório a designação de defensor para fazê-lo. Esse aspecto me preo-cupa porque a defesa, tal como prevista na Lei 8.038/90, é formalidade essencial à tramitação do próprio inquérito, do próprio procedimento instaurado.

Para que não fique o próprio sistema – tal como evocado por Vossa Exce-lência – de certa forma “capenga”, suscito a questão alusiva ao fato de o defensor credenciado no procedimento haver permanecido silente no tocante ao prazo para a apresentação de defesa e, ante esse fato, não haver sido designado defensor.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Presidente, o denunciado, pura e simplesmente, perdeu o prazo para apresentar resposta.

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A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Havia defensor nomeado.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Havia defensor, e o advogado não apresentou resposta.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Como também havia defensor credenciado no tocante ao restante do procedimento, no tocante à sustentação da tribuna.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Salvo engano, esse denunciado terá defensor que apresentará sustentação oral hoje – Carlos Alberto Quaglia.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Exatamente, o Dr. Dagoberto Antoria requereu adiamento e expressou que não faria sustentação oral também.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Tivemos a designação de defensor para a sustentação, não?

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Exatamente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E outrora essa mesma designação não ocorreu no tocante a algo que, para mim, é mais substancial do que a sustentação da tri-buna, ou seja, a apresentação da defesa prévia.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, acho que a apresentação de defesa prévia é ônus do denunciado. Devidamente notificado, apresentará defesa prévia ou não.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Da mesma forma que a sustentação da tribuna!

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Da mesma forma que a sustentação. Não há obrigação; é ônus.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Apenas consignei que estimaria marcar posição sobre a matéria, porque houve a designação de defensores, de ilustres advogados, visando à sustentação da tribuna, e isso não aconteceu em fase de maior repercussão – de defesa prévia.

Entendo que necessariamente deveria ter ocorrido – para não ficar o envol-vido indefeso no procedimento – a designação de defensor dativo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: O silêncio é estratégia de defesa. é um modo de se defender.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E também o é não sustentar da tribuna!

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. é uma estratégia de defesa.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Concordo com esse ponto de vista. Se o defensor foi regularmente intimado, estamos diante de um silêncio eloqüente, ou até de uma tática da defesa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Que justificou, aliás, o pedido de adiamento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sem que isso implique alinhamento, consi-derado o acusador!

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VOTO(Sobre questão de ordem)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, voto no sentido de não permitir o defensor dativo, por já haver defensor devidamente designado.

VOTO(Sobre questão de ordem)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, ele foi intimado e não exerceu a faculdade – não diria nem que chega a ser um ônus. Dessa forma, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio para não acompanhá-lo.

VOTO (Sobre questão de ordem)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, não há exigência de que, em inquérito, o indiciado se defenda. Neste caso, no entanto, o denunciado tinha defensor constituído, resolveu não exercer o ônus – tinha lá as suas razões –, e o tribunal apenas tomou a precaução de não deixá-lo sem defensor neste ato, o que é coisa diversa.

Não vejo nenhuma irregularidade por sanar.

ESCLARECIMENTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Antes de prosseguirmos com as sustentações orais, registro a presença, no Plenário, da Dra. Priscila Corrêa Gioio, defensora de Enivaldo Quadrado e de Breno Fischberg.

O Tribunal inicialmente havia designado para representar esses acusados, para o ato, o Dr. Antônio Nabor Areia Bulhões, para Enivaldo Quadrado, e o Dr. José Guilherme Villela, para Breno Fischberg. Cabe agora, ao Tribunal, agradecer aos ilustres advogados que receberam e aceitaram esse múnus, dispensando-os, eis que presente a sua defensora.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.245/MG — Relator : Ministro Joaquim Barbosa. Autor: Ministério Público Federal. Denunciados: José Dirceu de Oliveira e Silva (Advogados: José Luis Mendes de Oliveira Lima e outros), José Genoíno Neto (Advogados: Sandra Maria Gonçalves Pires e outros), Delúbio Soares de Castro (Advogados: Celso Sanchez Vilardi e outros), Sílvio José Pereira (Advogados: Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró e outros), Marcos Valério Fernandes de Souza (Advoga-dos: Marcelo Leonardo e outros), Ramon Hollerbach Cardoso (Advogados: Hermes Vilchez Guerrero e outros), Cristiano de Mello Paz (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), Rogério Lanza Tolentino (Advogado: Paulo

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Sérgio Abreu e Silva), Simone Reis Lobo de Vasconcelos (Advogado: Marcelo Leonardo), Geiza Dias dos Santos (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Kátia Rabello (Advogados: Theodomiro Dias Neto e outros), José Roberto Salgado (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), Vinícius Samarane (Advogados: José Carlos Dias e outros), Ayanna Tenório Tôrres de Jesus (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), João Paulo Cunha (Advogados: Alberto zacharias Toron e outra), Luiz Gushiken (Advoga-dos: José Roberto Leal de Carvalho e outros), Henrique Pizzolato (Advogados: Mário de Oliveira Filho e outros), Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto (Advogados: Eduardo Antônio Lucho Ferrão e outros), Jose Mohamed Janene (Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira e outros), Pedro Henry Neto (Advogados: José Antonio Duarte Alvares e outro), João Cláudio de Carvalho Genú (Advogados: Marco Antonio Meneghetti e outros), Enivaldo Quadrado (Advogados: Priscila Corrêa Gioia e outros), Breno Fischberg (Advogados: Leonardo Magalhães Avelar e outros), Carlos Alberto Quaglia (Advogados: Dagoberto Antoria Dufau e outra), Valdemar Costa Neto (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Jacinto de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Antônio de Pádua de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues) (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Roberto Jefferson Monteiro Francisco (Advogado: Luiz Francisco Corrêa Barbosa), Emerson Eloy Palmieri (Advo-gados: Itapuã Prestes de Messias e outra), Romeu Ferreira Queiroz (Advogados: José Antero Monteiro Filho e outros), José Rodrigues Borba (Advogados: Inocêncio Mártires Coelho e outro), Paulo Roberto Galvão da Rocha (Advogados: Már-cio Luiz Silva e outros), Anita Leocádia Pereira da Costa (Advogado: Luís Maximiliano Leal Telesca Mota), Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho) (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), João Magno de Moura (Advogados: Olinto Campos Vieira e outros), Anderson Adauto Pereira (Advogados: Castel-lar Modesto Guimarães Filho e outros), José Luiz Alves (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) (Advogados: Tales Castelo Branco e outros), zilmar Fernan-des Silveira (Advogados: Tales Castelo Branco e outros).

Decisão: Preliminarmente, verificadas as ausências dos advogados constituídos pelos denunciados Enivaldo Quadrado, Carlos Alberto Quaglia, Breno Fischberg e José Rodrigues Borba, a Presidência, valendo-se da prerrogativa estabelecida pelo parágrafo único do art. 265 do Código de Processo Penal, nomeou, como defensores substitutos dos referidos denunciados, tão-só para efeito de repre-sentação neste ato de apreciação da denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República, os respectivos advogados, Drs. Antônio Nabor Areias Bulhões, Roberto Rosas, José Guilherme Villela e Pedro Gordilho. Superada essa questão, a Presidente do Tribunal, Ministra Ellen Gracie, informou ao Tribunal que indeferiu requerimento de adiamento da sessão formulado pelo Dr. Dagoberto Antoria Dufau, representando o denunciado Carlos Alberto Quaglia e, ainda, que deferiu requerimento do Procurador-Geral da República, para conceder-lhe uma hora de sustentação oral, dada a extensão e complexidade da denúncia, bem

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como o grande número de denunciados. Em seguida, apreciando requerimento do advogado Dr. Délio Lins e Silva, no sentido de que lhe sejam deferidos trinta minutos para sua sustentação oral, uma vez que tem a seu cargo a defesa de Jacinto de Souza Lamas e Antonio de Pádua de Souza Lamas, o Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, resolveu questão de ordem para deferir prazo em dobro aos defensores que representam dois acusados. Submetido ao Plenário o requerimento do Dr. Luiz Francisco Corrêa Barbosa, advogado do denunciado Roberto Jefferson Monteiro Francisco, no sentido de que, após cada sustentação oral, tanto do Procurador-Geral da República, como da defesa respectiva, siga-se o julgamento denunciado por denunciado e não em bloco ; o Tribunal, por unanimidade, indeferiu o pedido. Por maio-ria, o Tribunal superou o reparo feito pelo Ministro Marco Aurélio quanto ao defensor constituído que não apresentou defesa escrita por perda de prazo. Votou a Presidente. Ante o registro da presença, na sessão, da Dra. Priscila Cor-rêa Gióia, representando os denunciados Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, foram desconstituídos os Drs. Antônio Nabor Areias Bulhões e José Guilherme Villela. Após o relatório, a manifestação do Ministério Público Federal, pelo Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral, e as susten-tações orais, pelos denunciados José Dirceu de Oliveira e Silva, do Dr. José Luís Mendes de Oliveira Lima; José Genoíno Neto, do Dr. Luiz Fernando Sá e Souza Pacheco; Delúbio Soares de Castro, do Dr. Arnaldo Malheiros Filho; Sílvio José Pereira, do Dr. Sérgio Salgado Ivahy Badaró; Marcos Valério Fer-nandes de Souza e Simone Reis Lobo de Vasconcelos, do Dr. Marcelo Leonardo; Ramon Hollerbach Cardoso, do Dr. Hermes Vilchez Guerrero; Cristiano de Mello Paz e Romeu Ferreira Queiroz, do Dr. José Antero Monteiro Filho; Rogério Lanza Tolentino e Geiza Dias dos Santos, do Dr. Paulo Sérgio Abreu e Silva; Kátia Rabello e José Roberto Salgado, do Dr. José Carlos Dias; Vinícius Samarane, do Dr. Rodrigo Octávio Soares Pacheco; Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, do Dr. Theodomiro Dias Neto; João Paulo Cunha, do Dr. Alberto zacharias Toron; Luiz Gushiken, do Dr. José Roberto Leal; Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto e José Mohamed Janene, do Dr. Marcelo Leal de Lima Oliveira; Pedro Henry Neto, do Dr. José Antônio Duarte Álvares; Henrique Pizzolato, do Dr. Mário de Oliveira Filho e, por João Cláudio de Car-valho Genú, o Dr. Maurício Maranhão de Oliveira, foi o julgamento suspenso.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procura-dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 22 de agosto de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO (Sobre preliminar)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho o Relator.

Também tenho a resposta preparada e farei juntar como voto.

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VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, acompanho o Relator pelos mesmos fundamentos.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, acompanho o Relator.

VOTO

(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, também acolho o voto do Relator.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, também acompanho o eminente Relator e, embora em outra ordem, apreciarei as mesmas preliminares.

Em relação à questão da competência, de fato já foi ela julgada na questão de ordem a que se referiu S. Exa. Dou testemunho de que fui eu quem sugeriu ao Tribunal, na última assentada, que, a despeito do que havia afirmado na primeira, quanto à necessidade do desmembramento, não havia elementos concretos que permitissem o desmembramento com a adoção do critério objetivo proposto pelo Ministro Sepúlveda Pertence.

Em relação ao oferecimento da denúncia, também não há muito o que acrescentar ao que disse o eminente Relator, até porque o fato de o Procurador-Geral, ainda após o seu oferecimento, ter requerido nova diligência não torna a denúncia inviável nem precipitada.

Em relação à licitude das provas, este inquérito, quanto às decisões de primeiro grau, iniciou-se em Minas Gerais, tendo gerado um processo e, paralela-mente, três medidas cautelares que tramitaram perante a 4ª Vara Federal daquela sessão judiciária.

O juiz de primeiro grau, na primeira manifestação proferida na medida cau-telar cujo final é 2005.023624-0, destinada à quebra de sigilo bancário integral, firmou a competência da justiça federal naquela instância, tendo em vista que, até então, quanto aos fatos objeto de investigação, “não havia qualquer indício da participação ativa e concreta de qualquer agente político ou autoridade que possuísse foro por prerrogativa de função”.

Posteriormente, sugiram fatos novos que acarretaram alteração do quadro probatório. Assim, em razão de indício de participação de parlamentares nos

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fatos que eram apurados em primeiro grau, houve deslocamento da competência da 4ª Vara para o Supremo Tribunal Federal.

Com a chegada dos autos a esta Corte, o Ministro Presidente, Nelson Jobim, deferiu todos os pedidos formulados pelo Procurador-Geral, entre eles o de ratifi-cação das decisões judiciais proferidas nos autos das medidas cautelares, pedidos esses que haviam sido, por dependência, distribuídos igualmente àquela Vara e remetidos a esta Corte. Enquanto os autos permaneceram em primeira instância, as decisões ali tomadas foram plenamente válidas, sem nenhum vício de ilega-lidade ou nulidade. Não procede, portanto, a alegação de que a quebra de sigilo havia sido determinada por autoridade judiciária incompetente.

Quanto à prova emprestada, foi muito elucidativo o voto do eminente Ministro Relator, porque, ao utilizar tais dados, a investigação que deu origem à denúncia estaria eivada de nulidade, segundo a preliminar. Mas, logo que os autos de investigação chegaram a esta Corte, remetidos pelo juízo da 4ª Vara, o Presidente Nelson Jobim deferiu o pedido do Procurador para o compartilhamento de todas as investigações feitas pela CPMI dos Correios, visando à análise, em conjunto com os dados obtidos, com o intuito de racionalizar o trabalho.

Entre os vários requerimentos aprovados pela CPMI, um, de fato, dizia com o acesso daquela Comissão à base de dados do caso Banestado. Quando os dados dos Correios foram compartilhados, veio aos autos deste inquérito, por conseqüência, a base de dados daquele caso do Banestado. Ora, o resultado concreto da atividade de inquérito parlamentar pode, de modo eventual, servir à acusação criminal, conforme determina o art. 58, § 3º, da Constituição.

Não procede, portanto, a meu ver, a alegação de uso ilícito da prova em-prestada.

Quanto à prova da CPMI dos Correios, também em relação a fatos estranhos ao objeto específico da origem da Comissão Parlamentar de Inquérito, havia ano-tado, aqui, também, os precedentes da Corte no MS 23.639 e no HC 71.039, que foram transcritos pelo eminente Relator e que me dispenso de ler.

Quanto às provas obtidas a partir de requerimento da CPMI dos Correios, baseadas em publicações da imprensa, registro que tais dados foram igualmente obtidos no curso deste inquérito, notadamente a identificação dos beneficiários, por meio de decisão judicial autônoma, não se contaminando, portanto, com eventual nulidade que tenha ocorrido no âmbito da apuração do Legislativo.

Tampouco em relação à remessa de documentos do Banco Central vejo alguma nulidade. Neste caso, remeto-me, porque suficiente, à manifestação do Procurador-Geral a respeito, que mostra claramente que não houve ilegalidade alguma.

Quanto à remessa de documentos relativos a empréstimo bancário do BMG diretamente ao Ministério Público Federal, tampouco procede a alegação, porque houve decisão judicial que decretou o afastamento igual do âmbito do sigilo bancário, abarcando, pois, todas as operações de empréstimo que foram objeto do ofício.

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Quanto à quebra de sigilo no exterior sem prévia autorização da autoridade judiciária, o eminente Procurador também, a meu ver, respondeu suficientemente à argüição, demonstrando que o afastamento foi acatado na decisão de fl. 1248, demonstrando a lisura de todo o procedimento e o seu pleno conhecimento pela autoridade judicial competente, que é esta Corte.

Quanto à indivisibilidade da ação penal, também não vejo nulidade alguma, porque o Procurador afirma que, de fato, Lúcio Funaro e José Carlos Batista foram beneficiados pelas regras da delação premiada, com a condição de confirmarem as declarações em juízo. Sustenta que não ofereceu denúncia quanto a eles, porque o fato não é punível, o que deslegitimaria a apresentação de denúncia, sujeitando as pessoas – que se sabe, desde logo, não seriam punidas – às cerimônias degra-dantes do processo. Rejeito também esta preliminar.

E, finalmente, Senhora Presidente, rejeito as demais, nos termos em que o fez o eminente Relator, que acompanho integralmente.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, também tendo a acom-panhar o Relator em relação aos fundamentos já aqui expendidos, todavia, tenho uma dúvida, que acredito agora foi agitada ou reagitada na Primeira Turma, em relação a esta preliminar, quanto aos relatórios do Banco Central, a eventual quebra de sigilo efetivada pelo Banco Central.

Neste caso, tenho a impressão de que houve uma votação apertada na Pri-meira Turma, manifestando-se pela ilicitude da quebra de sigilo efetivada pelo Banco Central. Entendeu a Turma, com base exatamente na mesma disposição, que o Banco Central não poderia efetivar a quebra de sigilo.

De modo que, pedindo vênia ao eminente Relator, nesse passo, eu me mani-festaria no sentido da ilicitude da prova neste ponto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, a matéria alusiva à competência realmente está preclusa, como ficarão preclusos os temas após decisão da Corte sob o ângulo das preliminares ora em apreciação.

Votei entendendo que a competência do Supremo é de direito estrito, é o que se contém na Lei Básica da República, não cabendo, mediante interpretação, até mesmo integrativa, caminhar-se para a inserção de outros conflitos não contem-plados no art. 102. Imagino que, talvez – temos aqui o vocábulo “talvez” –, este seja o último processo em que ocorrerá o pronunciamento do Supremo relativa-mente a imputações feitas a quem não detém a prerrogativa de foro. Hoje estamos inviabilizados quanto à celeridade. Preocupa-me muito a quadra vivida em termos de prestação jurisdicional célere pelo Supremo. E não há campo para estender-se, por maior que seja o afã de atuar-se, mediante interpretação da Constituição

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Federal, a competência do Tribunal, até mesmo contrariando-se, com a devida vênia daqueles que entendem de forma diversa, o princípio tão caro, em uma sociedade que se diga democrática, do juiz natural. Mas a matéria está preclusa e não cabe, neste julgamento, nesta apreciação, reabri-la.

Pois bem, temos uma preliminar em que se aponta que a denúncia seria temporã; que não teria o Ministério Público aguardado a complementação das diligências. Estratégia do próprio Ministério Público, que, de início, milita a favor dos denunciados se inexistentes os elementos capazes de levar à conclusão sobre não haver indícios quanto à autoria e não haver – no tocante à narração dos fatos na própria denúncia – a materialização do crime.

Não se mostra possível acolher essa preliminar.

Aponta-se, também, a usurpação da competência do Supremo no que o Juízo, a primeira instância, teria determinado a feitura de atos quando já assentada a competência do Supremo. Nós não podemos, aqui, cogitar, à mercê da capacidade intuitiva, da suposição, que, àquela altura, já se poderia antever o envolvimento de detentores da prerrogativa de foro.

Também não subsiste essa preliminar.

Estou me guiando pelo voto que recebi, quando Sua Excelência se dirigiu ao púlpito para proceder à leitura, das mãos do Relator, isso para que fique bem claro que não recebi com antecipação, e não receberia, mesmo se houvesse a tentativa de entrega numa colaboração judicante, a íntegra do voto de Sua Excelência.

Terceira preliminar: a prova emprestada do caso Banestado.

Questiona-se, em última análise, se o acesso a essa prova teria ocorrido mediante atuação de um órgão que não poderia determiná-lo. Há referência, no voto do Ministro Joaquim Barbosa, ao compartilhamento de informações obtidas pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios. Então, cabe apenas perquirir: a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito poderia, ou não, colher esses dados? A resposta é desenganadamente positiva. E salientou bem o Minis-tério Público que a atuação da Comissão Parlamentar de Inquérito objetiva, se for o caso, a persecução criminal posterior, encaminhando a Comissão dados ao Ministério Público, diante da existência de indícios de prática criminosa, para as medidas pertinentes. Por isso não se tem como cogitar de prova ilícita.

Há outro questionamento: a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito teria extravasado os limites previstos quando da instauração, o objetivo da própria instalação da Comissão?

Indago: estamos aqui a julgar mandado de segurança impetrado contra ato da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito? Não. Não estamos a julgar mandado de segurança. Não há como, agora, para efeito de dizer-se procedente, ou não, a denúncia ofertada pelo Ministério Público, adentrar esse campo e, numa via imprópria, exercer crivo, glosa quanto à atuação extravasadora – se é que ocorreu – da própria Comissão, que teve o objeto – como ressaltado no voto cuidadoso do Ministro Joaquim Barbosa – ampliado após a apuração de certos fatos.

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Ainda em relação à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, consigna o Relator defesa no sentido de desvirtuamento dos dados levantados; consigna também que, no caso, tudo teria ocorrido a partir de matérias jornalís-ticas.

Folgo em saber, folgo em constatar que temos no Brasil uma imprensa livre a exercer papel de fundamental importância, buscando elementos, no jornalismo investigativo, para se lograr a eficiência do próprio Estado. As provas teriam sido obtidas a partir, portanto, de premissas agasalhadas pelo ordenamento jurídico.

Segue-se a problemática, a meu ver, mais séria, que diz respeito – e já há um voto divergente quanto a essa preliminar – ao aproveitamento de dados que teriam sido obtidos em uma agência do próprio Estado, e assim enquadro o Banco Central do Brasil.

Na Turma, fui Relator de recurso extraordinário em que concluiu o Cole-giado – e não apenas o Relator –, por um escore apertado, de 3 votos a 2, que o Banco Central não poderia quebrar o sigilo de informações de correntista sem a interferência do Judiciário.

Na espécie, o Ministério Público obteve diretamente – pelo que percebi – dados cobertos pelo sigilo, que já estariam, por isso ou por aquilo – não vou perquirir a causa –, na posse do Banco Central. Aludiu Sua Excelência o Relator, ao disposto no art. 1º, § 3º, inciso IV, da Lei Complementar 105/01.

Inicialmente, registro que existe hierarquia quanto às fontes legais e, no ápice da pirâmide das normas jurídicas, está a Lei Básica da República, a Consti-tuição Federal, que, por vezes, não é amada e acatada como deveria ser.

Preceitua, realmente, o inciso IV do § 3º do art. 1º da Lei Complementar referida que:

§ 3º Não constitui violação do dever de sigilo:(...)IV - a comunicação, às autoridades competentes [e a cláusula está aqui aberta, à cláu-

sula é em branco], da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo [e aí vem a parte que causa perplexidade] o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa.

Lembro-me de um mandado de segurança do qual fui Relator, impetrado pelo Banco do Brasil contra ato do Ministério Público, personificado, àquela altura, pelo Procurador-Geral, Geraldo Brindeiro. Questionava-se, justamente, o acesso do Ministério Público, sem a interferência do Judiciário, para lograr dados de correntistas. Sustentei, neste Plenário, que a cláusula constitucional do sigilo – a revelar a regra, sendo o afastamento a exceção – contida no rol das garantias constitucionais não excepciona esta ou aquela hipótese. Prevaleceu, porém, a óptica de que, envolvido dinheiro público, o Ministério Público pode agir na via direta e obter as informações.

Indago – e não estou a perquirir o acerto ou o desacerto do ato do Banco Central, no que, a pretexto de fiscalizar, teria adentrado contas: a espécie envolve dinheiro público? Pelo que percebi do relatório, da sustentação do Ministério

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Público, das sustentações da tribuna, não se tem o envolvimento de dinheiro pú-blico. De qualquer forma, haveria um vício inicial na quebra, pelo Banco Central, do sigilo de dados. A reserva ao Judiciário está em bom vernáculo no inciso XII do art. 5º da Carta da República:

é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Dir-se-á: é inconstitucional o inciso IV do § 3º do art. 1º da Lei Complementar 105/01? Penso que não, no que confiro a esse preceito interpretação harmônica com o disposto no inciso XII do art. 5º do Diploma Maior. A referência a au-toridades competentes direciona, necessariamente – sob pena, até mesmo, de inaugurarmos época de quase terror –, a pleito de autoridade que atue no campo judicante, pleito do Estado-Juiz.

Por isso, penso não subsistir tudo o que, na denúncia, estiver baseado estri-tamente – estritamente – nos dados fornecidos pelo Banco Central.

Vou repetir o que já foi lembrado hoje da tribuna: paga-se um preço por se viver em um Estado Democrático de Direito; esse preço é módico, estando ao alcance de todos: o respeito irrestrito às regras estabelecidas. O afã de chegar-se a dias melhores, o afã de punir-se não pode implicar atropelo, não pode resultar em atropelo ao ordenamento jurídico.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Só um esclarecimento. Vou ler para Vossa Excelência os termos em que foi vazada essa impugnação. Eles pedem que a denúncia seja rejeitada:

pelo menos em toda a parte em que se refere a “recursos originários de supostos empréstimos bancários junto aos Bancos Rural e BMG e aos supostos benefícios dados pelo Governo Federal ao Banco BMG em troca da alimentação do esquema da organi-zação criminosa com aqueles mesmos recursos, bem como à participação na organização criminosa dos dirigentes do Banco Rural e realização de saques em espécie para lavagem de dinheiro”.

Alegam ainda:

que as provas obtidas para respaldar esta parte da acusação foram colhidas de modo ilegal, pois o Bacen teria atendido a pedido direto do Procurador-Geral da República,

Ou seja, não indicam quais são esses documentos. Que documentos são esses?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas indicam o vício da denúncia no que confeccionada a partir desses dados.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Nesse documento, houve uma fiscalização espontânea do próprio Banco Central.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Foram feitas auditorias.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Auditorias do próprio Banco Central.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí é que está. Não confundo atividade fiscalizadora do Banco Central quanto às instituições financeiras – e ele existe realmente para implementar essa fiscalização – com o acesso, em si, a dados de contas-correntes que estão cobertos – em bom português – pelo sigilo, tendo em conta o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Se bem que a Constituição não diga “dados bancários”, só diz “dados”.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essa interpretação de dados aí é outro problema seriíssimo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa interpretação é muito relativa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, Ministro, o que não é sério em se tratando de julgamento pelo próprio Supremo?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro Marco Aurélio, ponderaria o seguinte: se o Banco Central tem, e não pode deixar de ter, o dever de comunicar ao Ministério Público aquilo que recolha na atividade de fiscalização, pergunto: como é que o Banco Central pode comunicar ao Ministério Público que exista possível prática de ilícito, mas não pode dar elementos concretos ao Ministério Público para investigar?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, a minha premissa é outra.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ou seja, existe, nas contas do banco tal, irre-gularidade. E, aí, o Ministério Público faz o quê?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Principalmente quanto ao crime de evasão de divisas.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Tem de comunicar os elementos concretos suficientes para possibilitar o início da atividade do Ministério Público.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Compreendemos de forma diversa o texto constitucional!

Vejo, no referido inciso XII, uma reserva exclusiva quanto ao sigilo de dados; vejo, no inciso XII, a única possibilidade de a privacidade ser afastada mediante ordem do Judiciário, e o Banco Central não integra o Judiciário. O Banco Central fiscaliza as instituições financeiras. Sei que, na prática, isso não ocorre, mas, formalmente, ele não pode, não tem acesso, consoante dispõe o inciso XII analisado – e digo que não tem acesso a ponto de escancarar –, a infor-mações de correntistas.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não. Ele pode transmitir a informação, man-tendo a cláusula do sigilo, da confidencialidade.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se ele realmente tem, vou reconhecer essa prerrogativa relativamente às demais agências existentes no País.

Se o Ministério Público, fiscal da lei, titular da ação penal, tem dúvidas quanto a um desvio qualquer, considerada certa conta bancária, as portas do

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Judiciário estão abertas para o ato de constrição da maior envergadura, pois afasta a privacidade, que é a quebra do sigilo quanto aos dados existentes na conta-corrente.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A questão é extremamente delicada, porque, dependendo da posição que se adote, bastaria que o Ministério Público sempre se dirigisse ao Banco Central para que ele contornasse a reserva de jurisdição toda vez que pedisse alguma informação em relação a qualquer cliente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O que se quer é o equilíbrio, considerado o sistema de freios e contrapesos. A atuação de um órgão eqüidistante, um órgão realmente independente, como o é qualquer dos que integram o Judiciário.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, estou a dizer exatamente a mesma coisa. Se assumirmos a premissa, e é claro que o Banco Central tem a fiscalização das contas, bastaria que o Ministério Público a ele se dirigisse para obter essas informações. Ele, verificando a eventual irregularidade, diria: não estou a atender ao pedido do Ministério Público, mas, cumprindo o meu dever de comunicação, estou a fazê-lo. O que se representaria, em última instância, de fato, consagrar a possibilidade de o Ministério Público requisitar essas informações.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Transformando-se a exceção em regra!

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Agora, o Relator tem um outro argumento de que sequer é possível?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): De identificar quais são os atos, os elementos, os documentos. Há mais: houve também a quebra de sigilo pela CPI dos Correios.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso é outra coisa. Em relação à mesma questão?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Em relação a todos esses fatos. Todos esses dados estão cobertos pela quebra decretada pela CPI dos Correios.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso prejudica toda a discussão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Surge um dado novo que poderia me levar à evolução, não fosse certo vício inicial.

Presidente, continuando no voto, constato que veiculou o Relator:

Na verdade, o que consta dos autos em respaldo às acusações de lavagem de dinheiro são relatórios de fiscalização do Bacen [relatórios, para mim, por demais abrangentes] que foram objeto de requerimento aprovado na CPMI dos Correios.

Aqui temos na origem, a meu ver, no que esses relatórios abrangeram infor-mações cobertas pelo sigilo, um vício que contamina a denúncia porque calcada – não posso precisar a extensão dessa contaminação – nesses dados.

O fato de a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios haver so-licitado ao Banco Central os dados não legitima a obtenção desses dados, o acesso a esses dados, pelo próprio Banco Central.

Mantenho o voto, acompanhando, no caso, o Ministro Gilmar Mendes.

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Sétima preliminar:

documentos encaminhados pelo Banco BMG ao Ministério Público Federal, atendendo a pedido direto do órgão ministerial [Sua Excelência o Relator assim o qualifica], não assiste razão à defesa.

Segue-se:

amparou-se na decisão anterior [decisão que teria sido prolatada pelo Ministro Nelson Jobim, ocupando, portanto, a cadeira de juiz] que afastou o sigilo bancário dos investigados.

Aqui, sim, deu-se o afastamento do sigilo de forma harmônica com o que se contém na Constituição Federal.

Sobre a problemática do afastamento do sigilo de dados, consideradas contas no exterior, a regência é pela legislação de onde essas contas existiam, não ocor-rendo, portanto, o vício apontado.

Subscrevo o voto proferido pelo Relator.

Nona questão: cerceamento de defesa quanto à juntada de documentos após a apresentação do pronunciamento prévio versado na Lei 8.038/90.

Ressaltou o Relator que a denúncia foi apresentada antes da juntada des-ses documentos. Logicamente, aprecia-se a adequação ou não da denúncia em face das peças que antecedem essa mesma denúncia.

Acompanho Sua Excelência nessa parte.

Por último, a alegação – e não a tomo como ofensiva – de que este julga-mento seria um julgamento político.

Existe independência, consideradas as esferas política, cível, administrativa e penal. Ocupo uma cadeira de juiz, não uma cadeira do parlamento!

Não há como imaginar, por maior que seja a perda de parâmetros na atua-lidade – os tempos são muito estranhos –, que esta Corte possa atuar de forma política. Atua ela com a indispensável eqüidistância, revelando-se a última trin-cheira do cidadão.

Acompanho o Ministro Gilmar Mendes para expungir, quanto aos autos do inquérito, as peças obtidas indevidamente, via remessa pelo Banco Central, que dizem respeito a dados de correntistas, a dados de contas-correntes, com a con-seqüência de já me pronunciar quanto ao recebimento da denúncia, no tocante a imputados procedimentos que seriam condenáveis aos envolvidos a partir dessas mesmas peças.

é como voto.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, se Vossa Exce-lência me permite, gostaria de reiterar o que já disse no sentido de que todas essas quebras são absolutamente regulares, por diversas razões: em primeiro lugar, elas estão cobertas pela decisão da CPMI que antecede esse Inquérito. A CPMI decretou a quebra de sigilo bancário.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: O que estamos fazendo então aqui, Ministro? Se a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito tem essa soberania, o que estamos fazendo aqui?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas ela pode requisitar as informações sigilosas.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Claro, isso se insere dentro das suas atribuições.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Tem poderes investigatórios próprios do Poder Judiciário.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas aí a premissa é outra. O acesso aos dados teria ocorrido mediante participação de quem não poderia afastar o sigilo, o Banco Central. A premissa do meu voto é essa.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Em segundo lugar, Senhora Pre-sidente, essas quebras de sigilo estão cobertas.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se houve quebra regular pela CPI, está re-solvido.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, quanto a isso não há dúvida.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não há dúvida quanto a isso.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas não retira. Como essa questão prelimi-nar foi colocada como uma questão autônoma, é sobre isso que estamos a votar.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, não, mas, quanto a isso, não há dúvida.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, veja Vossa Excelência: posso per-quirir, a esta altura, a origem da vinda ao processo desses dados e exercer glosa quanto a essa origem. Qual foi a origem? Uma quebra de sigilo pelo Banco Central.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: é só isso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Além do mais, a grande maioria diz que são fatos noticiados pelas testemunhas, são saques. Sigilo do quê?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Entendo que, além do que acabo de dizer, houve, sim, decisão judicial do Presidente desta Corte, tomada em julho de 2005, ratificando, em primeiro lugar, todos os atos de quebra decretados pelo juiz de primeira instância, de Belo Horizonte, e, em segundo lugar, determinando o compartilhamento das decisões tomadas, dos dados obtidos pela CPI.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Façamos justiça ao ex-Presidente da Corte. Não placitou Sua Excelência a quebra do sigilo pelo Banco Central.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Leio a decisão tomada pelo Mi-nistro Nelson Jobim, em julho de 2005, antes, portanto, de este inquérito chegar às minhas mãos. Ele só chegara às minhas mãos em agosto:

(3) (...) a ratificação das decisões judiciais prolatadas nos autos das medidas cau-telares de busca e apreensão e afastamento do sigilo bancário (...);

(4) a extensão do afastamento do sigilo bancário das empresas DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. [precisamente as empresas] de Marcos Valério Fernan-des de Souza [que é o acusado que suscita, o argüente] e sua esposa Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, desde janeiro de 1998 até a presente data;

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(5) autorização para compartilhamento de todas as informações bancárias já ob-tidas pela CPMI dos “Correios”, para análise em conjunto com os dados constantes destes autos.

Não vejo onde podemos encontrar a ilegalidade se a decisão partiu desta Corte. Quero dizer que todos os atos de quebra estão respaldados.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Relator, não vamos embaralhar coi-sas diversas. Vossa Excelência aborda a determinação do Ministro Nelson Jobim no tocante ao que apontei, aqui, em seu voto, como segunda preliminar:

nulidade das decisões proferidas na primeira instância.

E, mesmo assim, no ato de Sua Excelência, não há uma linha sequer sobre a valia, ou não, da quebra de sigilo de dados pelo Banco Central.

A primeira decisão da Corte – alusiva a julgamento de recurso – sobre essa matéria é recente, ainda não há acórdão publicado da Primeira Turma.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Que não vincula este Pleno.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, sou o primeiro a dizer que, neste

âmbito, não há campo para ressalva. Há na Turma. No Plenário, os temas podem e devem ser rediscutidos caso exista entendimento diverso de qualquer integrante.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Tinha uma decisão da Turma.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na Turma, por uma disciplina judicante, res-

salvo o entendimento em relação aos precedentes do Plenário do Supremo. Aqui, não. Aqui, ficamos livres. Não estou dizendo que o pronunciamento, por três a dois, da Primeira Turma tem eficácia vinculante.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito, não vincula o Pleno.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mesmo porque não vejo com muita simpa-

tia – e disse isso várias vezes – o verbete vinculante. Não há, no caso, verbete, mas acórdão que ainda não foi publicado. Estou dizendo que aquela decisão – utilizarei uma expressão a seu gosto – é uma decisão escoteira, e não se trata aqui de julgar, em relação a ela, embargos de divergência, mesmo porque se mostraria difícil encontrar pronunciamento do Supremo em sentido diametralmente oposto.

Agora, não posso vislumbrar, nesse trecho do ato transcrito no voto do Relator, da lavra do Ministro Nelson Jobim, o endosso à quebra de sigilo não pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, não pela Comissão Parlamentar de Inquérito, mas pelo Banco Central. O Banco Central, para mim, não tem ainda esse poder e espero que jamais o tenha.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, manifesto-me, inicialmen-te, de acordo com o voto do eminente Ministro Relator, salvo a questão ora em debate, que já constitui objeto de divergência.

Também entendo que a ação do Ministério Público não pode subordi-nar-se à atividade dos organismos policiais. Ainda mais quando o Ministério

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Público, segundo ele próprio sustenta, dispõe de elementos de informação que lhe permitem adotar, em juízo, as medidas que lhe parecerem pertinentes, inclusive a própria instauração judicial da persecução penal. É certo que, se a denúncia não se apoiar em base empírica adequada e não tiver por suporte uma fundamentação mínima, portanto, um substrato probatório mínimo, esta Corte, no exercício do controle jurisdicional prévio da admissibilidade da peça acusatória, seguramente irá decidir e formular um juízo negativo a esse res-peito. Mas, de qualquer maneira, o que não tem sentido é submeter o Ministério Público à atuação dos organismos policiais.

É por essa razão que tenho acentuado, nesta Corte (Inq 2.033/DF, v.g.), que a formulação da acusação penal, por prescindir da prévia instauração de inquérito policial, pode ser, desde logo, deduzida em juízo.

Se é certo que nem sempre o ajuizamento da ação penal dependerá de in-quérito policial, não é menos exato que a formulação de acusação penal, para efetivar-se independentemente das investigações promovidas pela Polícia Ju-diciária, deverá apoiar-se, não em fundamentos retóricos, mas em elementos, que, instruindo a denúncia, indiquem a realidade material do delito e apontem para a existência de indícios de autoria.

Isso significa, portanto, que o órgão de acusação, mesmo quando inexis-tente qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, pode fazer instaurar a pertinente persecução criminal, desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, pois – como se sabe – a formulação de denúncia ou de queixa-crime, para validamente efetivar-se, “deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave dever-poder não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal” (RTJ 168/896, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Cumpre ter presente, desse modo, que, embora dispensável a prévia ins-tauração de inquérito policial, a formulação da acusação penal, em juízo, su-põe, não a prova completa e integral do delito e de seu autor (o que somente se revelará exigível para efeito de condenação penal), mas a demonstração – fun-dada em elementos probatórios mínimos e lícitos – da realidade material do evento delituoso e da existência de indícios de sua possível autoria, consoante correta advertência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Denúncia – Recebimento – Suficiência da fundada suspeita da autoria e prova da materialidade dos fatos – Inteligência do art. 43 do CPP.

Para o recebimento da denúncia, é desnecessária a prova completa e taxativa da ocorrência do crime e de seu autor, bastando a fundada suspeita de autoria e a prova da materialidade dos fatos.(RT 671/312, Rel. Des. LUIZ BETANHO – Grifei.)

Impende enfatizar, neste ponto, que o magistério jurisprudencial do Su-premo Tribunal Federal, confirmando esse entendimento, tem acentuado ser dispensável, ao oferecimento da denúncia, a prévia instauração de inquérito policial, desde que seja evidente a materialidade do fato alegadamente delituoso e estejam presentes indícios de sua autoria (AI 266.214-AgR/SP, Rel. Min.

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SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 63.213/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – HC 77.770/SC, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RHC 62.300/RJ, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, v.g.):

O oferecimento da denúncia não depende, necessariamente, de prévio inquérito policial. A defesa do acusado se faz em juízo, e não no inquérito policial, que é meramente informativo (...).(RTJ 101/571, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Grifei.)

Denúncia – Oferecimento sem a instauração de inquérito policial – Admissibilidade, se a Promotoria dispõe de elementos suficientes para a formalização de ação penal (...).(RT 756/481, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Grifei.)

“HABEAS CORPUS” – MINISTÉRIO PÚBLICO – OFERECIMENTO DE DENÚN-CIA – DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL – EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE INFORMAÇÃO QUE POSSIBILITAM O IMEDIATO AJUIZAMENTO DA AÇÃO PENAL – INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO – PEDIDO INDEFERIDO.

- O inquérito policial não constitui pressuposto legitimador da válida instauração, pelo Ministério Público, da “persecutio criminis in judicio”. Precedentes.

O Ministério Público, por isso mesmo, para oferecer denúncia, não depende de prévias investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária, desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, sob pena de o desempenho da gravíssima prerrogativa de acusar transformar-se em exercício irrespon-sável de poder, convertendo, o processo penal, em inaceitável instrumento de arbítrio estatal. Precedentes.(HC 80.405/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

A “ratio” subjacente a essa orientação – que também traduz a posição dominante na jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 664/336 – RT 716/502 – RT 738/557 – RSTJ 65/157 – RSTJ 106/426, v.g.) – encontra apoio no próprio magistério da doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 7, 17. ed., 2000, Saraiva; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. I, p. 111, 4. ed., 1999, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Inter-pretado”, p. 111, item n. 12.1, 7. ed., 2000, Atlas), cuja percepção do tema põe em destaque que, “se está a parte privada ou o Ministério Público na posse de todos os elementos, pode, sem necessidade de requerer a abertura do inquérito, oferecer, desde logo, a sua queixa ou denúncia” (EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, vol. I, p. 288, 2000, Bookseller – Grifei).

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez (RTJ 64/342), já decidiu que “Não é essencial ao oferecimento da denúncia a instauração de inquérito policial, desde que a peça-acusatória esteja sustenta-da por documentos suficientes à caracterização da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria” (RTJ 76/741, Rel. Min. CUNHA PEIXOTO).

Com estas observações, acompanho, nesse ponto específico, o eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA.

Entendo, no entanto, na linha de voto (vencido) por mim proferido no MS 21.729/DF, de que foi Relator originário o eminente Ministro MARCO AURÉLIO,

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que não assiste, ao Ministério Público, o poder de requisitar, por autoridade própria, não só ao Banco Central, mas a qualquer instituição financeira, a que-bra do sigilo bancário.

Observo que o eminente Ministro Relator salienta que o Sr. Procurador-Geral da República solicitou, diretamente, tais documentos ao próprio Banco Central, o que – segundo entendo – constitui medida que torna ilícita a prova daí resultante.

No caso, portanto, o eminente Procurador-Geral da República obteve infor-mações, que, embora revestidas de sigilo – somente superável por ordem judi-cial ou deliberação de Comissão Parlamentar de Inquérito –, foram-lhe transmi-tidas, em decorrência de requisição direta, pelo Banco Central do Brasil.

A controvérsia instaurada na presente causa suscita algumas reflexões em torno do tema pertinente ao alcance da norma inscrita no art. 5º, X e XII, da Constituição, que, ao consagrar a tutela jurídica da intimidade, dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas...” (grifei).

Como se sabe, o direito à intimidade – que representa importante ma-nifestação dos direitos da personalidade – qualifica-se como expressiva prer-rogativa de ordem jurídica que consiste em reconhecer, em favor da pessoa, a existência de um espaço indevassável destinado a protegê-la contra indevidas interferências de terceiros na esfera de sua vida privada.

Daí a correta advertência feita por CARLOS ALBERTO DI FRANCO, para quem “Um dos grandes desafios da sociedade moderna é a preservação do direito à intimidade. Nenhum homem pode ser considerado verdadeiramente livre, se não dispuser de garantia de inviolabilidade da esfera de privacidade que o cerca”.

Por isso mesmo, a transposição arbitrária, para o domínio público, de questões meramente pessoais, sem qualquer reflexo no plano dos interesses sociais, tem o significado de grave transgressão ao postulado constitucional que protege o direito à intimidade (MS 23.669-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), pois este, na abrangência de seu alcance, representa o “direito de excluir, do conhecimento de terceiros, aquilo que diz respeito ao modo de ser da vida privada” (HANNAH ARENDT).

É certo que a garantia constitucional da intimidade não tem caráter ab-soluto. Na realidade, como já decidiu esta Suprema Corte, “Não há, no siste-ma constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restriti-vas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição” (MS 23.452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Isso não significa, contudo, que o estatuto constitucional das li-berdades públicas – nele compreendida a garantia fundamental da intimidade – possa ser arbitrariamente desrespeitado por qualquer órgão do poder público.

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Nesse contexto, põe-se em evidência a questão pertinente ao sigilo ban-cário, que, ao dar expressão concreta a uma das dimensões em que se projeta, especificamente, a garantia constitucional da privacidade, protege a esfera de intimidade financeira das pessoas.

Embora o sigilo bancário, também ele, não tenha caráter absoluto (RTJ 148/366, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – MS 23.452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), deixando de prevalecer, por isso mesmo, em casos excepcio-nais, diante de exigências impostas pelo interesse público (SERGIO CARLOS COVELLO, “O Sigilo Bancário como Proteção à Intimidade”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 648/27), não se pode desconsiderar, no exame dessa ques-tão, que o sigilo bancário reflete uma expressiva projeção da garantia fundamental da intimidade – da intimidade financeira das pessoas, em particular –, não se expondo, em conseqüência, enquanto valor constitucional que é (VÂNIA SI-CILIANO AIETA, “A Garantia da Intimidade como Direito Fundamental”, p. 143/147, 1999, Lumen Juris), a intervenções estatais ou a intrusões do poder público desvestidas de causa provável ou destituídas de base jurídica idônea.

Tenho insistentemente salientado, em decisões várias que já proferi nesta Suprema Corte, que a tutela jurídica da intimidade constitui – qualquer que seja a dimensão em que se projete – uma das expressões mais significativas em que se pluralizam os direitos da personalidade. Trata-se de valor constitucionalmente assegurado (CF, art. 5º, X), cuja proteção normativa busca erigir e reservar, sempre em favor do indivíduo – e contra a ação expansiva do arbítrio do poder público – uma esfera de autonomia intangível e indevassável pela atividade desenvolvida pelo aparelho de Estado.

O magistério doutrinário, bem por isso, tem acentuado que o sigilo bancá-rio – que possui extração constitucional – reflete, na concreção do seu alcance, um direito fundamental da personalidade, expondo-se, em conseqüência, à prote-ção jurídica a ele dispensada pelo ordenamento positivo do Estado.

O eminente Professor ARNOLDO WALD, em precisa abordagem do tema, expendeu lúcidas considerações a respeito dessa questão, destacando a essencialidade da tutela constitucional na proteção político-jurídica da intimidade pessoal e da liberdade individual:

Se podia haver dúvidas no passado, quando as Constituições brasileiras não se referiam especificamente à proteção da intimidade, da vida privada e do sigilo referente aos dados pes-soais, é evidente que, diante do texto constitucional de 1988, tais dúvidas não mais existem quanto à proteção do sigilo bancário como decorrência das normas da lei magna.

Efetivamente, as Constituições Brasileiras anteriores à de 1988, não só não assegura-vam o direito à privacidade como também, quando tratavam do sigilo, limitavam-se a garanti-lo em relação à correspondência e às comunicações telegráficas e telefônicas, não se referindo ao sigilo em relação aos papéis de que tratam a Emenda nº IV à Constituição Americana, a Constituição Argentina e leis fundamentais de outros países. Ora, foi em virtude da referência aos papéis que tanto o direito norte-americano quanto o argentino concluíram que os documen-tos bancários tinham proteção constitucional.

Com a revolução tecnológica, os “papéis” se transformaram em “dados” geralmente armazenados em computadores ou fluindo através de impulsos eletrônicos, ensejando enor-mes conjuntos de informações a respeito das pessoas, numa época em que todos reconhecem que a informação é poder. A computadorização da sociedade exigiu uma maior proteção à pri-vacidade, sob pena de colocar o indivíduo sob contínua fiscalização do Governo, inclusive

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nos assuntos que são do exclusivo interesse da pessoa. Em diversos países, leis especiais de proteção contra o uso indevido de dados foram promulgadas e, no Brasil, a inviolabilidade dos dados individuais, qualquer que seja a sua origem, forma e finalidade, passou a merecer a proteção constitucional em virtude da referência expressa que a eles passou a fazer o inciso XII do art. 5º, modificando, assim, a posição anterior da nossa legislação, na qual a indevas-sabilidade em relação a tais informações devia ser construída com base nos princípios gerais que asseguravam a liberdade individual, podendo até ensejar interpretações divergentes ou contraditórias.

Assim, agora em virtude dos textos expressos da Constituição e especialmente da in-terpretação sistemática dos incisos X e XII do art. 5º da CF, ficou evidente que a proteção ao sigilo bancário adquiriu nível constitucional, impondo-se ao legislador, o que, no passado, podia ser menos evidente.(“Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas”, vol. 1/206, 1992, RT – Grifei.)

O direito à inviolabilidade dessa franquia individual – que constitui um dos núcleos básicos em que se desenvolve, em nosso País, o regime das liberda-des públicas – ostenta, no entanto, caráter meramente relativo. Não assume nem se reveste de natureza absoluta. Cede, por isso mesmo, e sempre em caráter ex-cepcional, às exigências impostas pela preponderância axiológica e jurídico-social do interesse público.

A pesquisa da verdade, nesse contexto, constitui um dos princípios domi-nantes e fundamentais no processo de “disclosure” das operações celebradas no âmbito das instituições financeiras. Essa busca de elementos informativos – ele-mentos estes que compõem o quadro de dados probatórios essenciais para que o Estado desenvolva regularmente suas atividades e realize os fins institucionais a que se acha vinculado –, sofre os necessários condicionamentos que a ordem jurídica impõe à ação do poder público.

Tenho enfatizado, por isso mesmo, que a quebra do sigilo bancário – ato que se reveste de extrema gravidade jurídica – só deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elemen-tos que justifiquem, a partir de um critério essencialmente apoiado na prevalência do interesse público, a necessidade da revelação dos dados pertinentes às ope-rações financeiras ativas e passivas resultantes da atividade desenvolvida pelas instituições bancárias.

A relevância do direito ao sigilo bancário – que traduz uma das projeções realizadoras do direito à intimidade – impõe, por isso mesmo, cautela e prudên-cia ao Poder Judiciário na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à cláusula tutelar de reserva constitucional (CF, art. 5º, X).

É preciso salientar, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo Tribu-nal Federal proclamou a plena compatibilidade jurídica da quebra do sigilo bancário, permitida pela Lei 4.595/64 (art. 38), com a norma inscrita no art. 5º, incisos X e XII, da Constituição (Pet 577-QO/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJU de 23-4-93), reconhecendo possível autorizar – quando presentes funda-das razões –, a pretendida “disclosure” das informações bancárias reservadas (RTJ 148/366).

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Mais do que isso, esta Suprema Corte salientou, ao julgar o Inq 897-AgR/DF, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, DJU de 2-12-94, que, não sendo absoluta a garantia pertinente ao sigilo bancário, torna-se lícito afastar, quando de investigação criminal se cuidar, a cláusula de reserva que protege as contas bancárias nas instituições financeiras, revelando-se ordinariamente inaplicável, para esse específico efeito, a garantia constitucional do contraditório.

Impõe-se observar, por necessário – e tal como adverte JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (“Os Direitos Fundamentais na Constituição Portu-guesa de 1976”, p. 220/224, 1987, Livraria Almedina, Coimbra) – que a amplia-ção da esfera de incidência das franquias individuais e coletivas, de um lado, e a intensificação da proteção jurídica dispensada às liberdades fundamentais, de outro, tornaram inevitável a ocorrência de situações caracterizadoras de colisão de direitos assegurados pelo ordenamento constitucional.

Com a evolução do sistema de tutela constitucional das liberdades públicas, dilataram-se os espaços de conflito em cujo âmbito antagonizam-se, em fun-ção de situações concretas emergentes, posições jurídicas revestidas de igual carga de positividade normativa.

Vários podem ser, dentro desse contexto excepcional de conflituosida-de, os critérios hermenêuticos destinados à solução das colisões de direitos, que vão desde o estabelecimento de uma ordem hierárquica pertinente aos valores constitucionais tutelados, passando pelo reconhecimento do maior ou menor grau de fundamentalidade dos bens jurídicos em posição de antagonismo, até a consagração de um processo que, privilegiando a unidade e a supremacia da Constituição, viabilize – a partir da adoção “de um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito” (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “op. loc. cit.”) – a harmoniosa composição dos direitos em situação de colidência.

Sendo assim, impõe-se o deferimento da quebra de sigilo bancário, sempre que essa medida se qualificar como providência essencial e indispensável à satis-fação das finalidades inderrogáveis da investigação estatal, desde que – conso-ante adverte a doutrina – não exista “nenhum meio menos gravoso para a con-secução de tais objetivos” (IVES GANDRA MARTINS/GILMAR FERREIRA MENDES, “Sigilo Bancário, Direito de Autodeterminação sobre Informações e Princípio da Proporcionalidade”, “in” Repertório IOB de Jurisprudência 24/92 – 2ª quinzena de dezembro/92).

Contudo, para que essa providência extraordinária, e sempre excepcional, que é a decretação da quebra do sigilo bancário, seja autorizada, revela-se im-prescindível a existência de causa provável, vale dizer, de fundada suspeita quanto à ocorrência de fato cuja apuração resulte exigida pelo interesse público.

Na realidade, sem causa provável, não se justifica, sob pena de inadmissível consagração do arbítrio estatal e de inaceitável opressão do indivíduo pelo poder público, a “disclosure” das contas bancárias, eis que a decretação da quebra do sigilo não pode converter-se num instrumento de indiscriminada e ordinária de-vassa da vida financeira das pessoas.

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A quebra do sigilo bancário importa, necessariamente, em inquestionável restrição à esfera jurídica das pessoas afetadas por esse ato excepcional do poder público. A pretensão estatal voltada à “disclosure” das operações financeiras constitui fator de grave ruptura das delicadas relações – já estruturalmente tão desiguais – existentes entre o Estado e o indivíduo, tornando possível, até mes-mo, quando indevidamente acolhida, o próprio comprometimento do sentido tutelar que inequivocamente qualifica, em seus aspectos essenciais, o círculo de proteção estabelecido em torno da prerrogativa pessoal fundada no direito constitucional à privacidade.

Dentro dessa perspectiva, revela-se de inteira pertinência a invocação doutrinária da cláusula do “substantive due process of law” – já consagrada e reconhecida, em diversas decisões proferidas por este Supremo Tribunal Federal, como instrumento de expressiva limitação constitucional ao próprio poder do Estado (ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.158/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) –, para efeito de submeter o processo de “disclosure” às exigências de seriedade e de razoabilidade.

Daí o registro feito por ARNOLDO WALD (“op. cit.”, p. 207, 1992, RT), no sentido de que “A mais recente doutrina norte-americana fez do ‘due process of law’ uma forma de controle constitucional que examina a necessidade, ra-zoabilidade e justificação das restrições à liberdade individual, não admitindo que a lei ordinária desrespeite a Constituição, considerando que as restrições ou exceções estabelecidas pelo legislador ordinário devem ter uma fundamenta-ção razoável e aceitável conforme entendimento do Poder Judiciário. Coube ao Juiz Rutledge, no caso Thomas v. Collins, definir adequadamente a função do devido processo legal ao afirmar que: ‘Mais uma vez temos de enfrentar o dever, imposto a esta Corte, pelo nosso sistema constitucional, de dizer onde termina a liberdade individual e onde começa o poder do Estado. A escolha do limite, sempre delicada, é-o, ainda mais, quando a presunção usual em favor da lei é contraba-lançada pela posição preferencial atribuída, em nosso esquema constitucional, às grandes e indispensáveis liberdades democráticas asseguradas pela Primeira Emenda (...). Esta prioridade confere a essas liberdades santidade e sanção que não permitem intromissões dúbias. E é o caráter do direito, não da limitação, que determina o standard guiador da escolha. Por essas razões, qualquer ten-tativa de restringir estas liberdades deve ser justificada por evidente interesse público, ameaçado não por um perigo duvidoso e remoto, mas por um perigo evidente e atual’” (grifei).

A exigência de preservação do sigilo bancário – enquanto meio expressivo de proteção ao valor constitucional da intimidade – impõe ao Estado o dever de respeitar a esfera jurídica de cada pessoa. A ruptura desse círculo de imunida-de só se justificará desde que ordenada por órgão estatal investido, nos termos de nosso estatuto constitucional, de competência jurídica para suspender, ex-cepcional e motivadamente, a eficácia do princípio da reserva das informações bancárias.

Em tema de ruptura do sigilo bancário, somente os órgãos do Poder Ju-diciário dispõem do poder de decretar essa medida extraordinária, sob pena de

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a autoridade administrativa interferir, indevidamente, na esfera de privacidade constitucionalmente assegurada às pessoas. Apenas o Judiciário, ressalvada a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito, pode eximir as institui-ções financeiras do dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário.

A efetividade da ordem jurídica, a eficácia da atuação do aparelho estatal e a reação social a comportamentos qualificados pela nota de seu desvalor ético-ju-rídico não ficarão comprometidas nem afetadas, se se reconhecer aos órgãos do Poder Judiciário, com fundamento e apoio nos estritos limites de sua competência institucional, a prerrogativa de ordenar a quebra do sigilo bancário. Na realidade, a intervenção jurisdicional constitui fator de preservação do regime das fran-quias individuais e impede, pela atuação moderadora do Poder Judiciário, que se rompa, injustamente, a esfera de privacidade das pessoas, pois a quebra do sigilo bancário não pode nem deve ser utilizada, ausente a concreta indicação de uma causa provável, como instrumento de devassa indiscriminada das contas mantidas em instituições financeiras.

A tutela do valor pertinente ao sigilo bancário não significa qualquer restrição ao poder de investigar do Estado, eis que o Ministério Público, as cor-porações policiais e os órgãos incumbidos da administração tributária e previden-ciária do poder público sempre poderão requerer aos juízes e Tribunais que ordenem às instituições financeiras o fornecimento das informações reputadas essenciais à apuração dos fatos.

Impõe-se destacar, neste ponto, que nenhum embaraço resultará do controle judicial prévio dos pedidos de decretação da quebra de sigilo bancário, pois, consoante já proclamado pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo ab-soluta a garantia pertinente ao sigilo bancário, torna-se lícito afastar, em favor do interesse público, a cláusula de reserva que protege as contas bancárias nas instituições financeiras.

Não configura demasia insistir, Senhora Presidente, na circunstância – que assume indiscutível relevo jurídico – de que a natureza eminentemente constitu-cional do direito à privacidade impõe, no sistema normativo consagrado pelo texto da Constituição da República, a necessidade de intervenção jurisdicional no processo de revelação de dados (“disclosure”) pertinentes às operações financeiras, ativas e passivas, de qualquer pessoa eventualmente sujeita à ação investigatória do poder público.

A inviolabilidade do sigilo de dados, tal como proclamada pela Carta Polí-tica em seu art. 5º, XII, torna essencial que as exceções derrogatórias à prevalên-cia desse postulado só possam emanar de órgãos estatais – os órgãos do Poder Judiciário (e as Comissões Parlamentares de Inquérito) –, aos quais a própria Constituição Federal outorgou essa especial prerrogativa de ordem jurídica.

A equação direito ao sigilo – dever de sigilo exige – para que se preserve a necessária relação de harmonia entre uma expressão essencial dos direitos fun-damentais reconhecidos em favor da generalidade das pessoas (verdadeira liberdade negativa, que impõe ao Estado um claro dever de abstenção), de um lado, e a prer-rogativa que inquestionavelmente assiste ao poder público de investigar comporta-mentos de transgressão à ordem jurídica, de outro – que a determinação de quebra

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do sigilo bancário provenha de ato emanado de órgão do Poder Judiciário, cuja intervenção moderadora na resolução dos litígios revela-se garantia de respeito tanto ao regime das liberdades públicas quanto à supremacia do interesse público.

Sendo assim, Senhora Presidente, e tendo em consideração as razões expos-tas, entendo que a decretação do sigilo bancário pressupõe, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se impõe à instituição financeira o dever de fornecer, legitimamente, as informações que lhe tenham sido requisitadas.

Daí entender, com toda a vênia, na linha das razões já expostas pelos emi-nentes Ministros GILMAR MENDES e MARCO AURÉLIO, ser ilícita a prova em questão.

Não constitui demasia rememorar, neste ponto, Senhora Presidente, tal a gravidade que resulta do reconhecimento da ilicitude da prova, que esta Su-prema Corte, em sucessivas decisões sobre a matéria, não tem admitido a utilização, contra quem quer que seja, de provas ilícitas, como resulta claro de recentíssima decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal:

ILICITUDE DA PROVA – INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) – INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.

- A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos proba-tórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do ‘due process of law’, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expres-sivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo.

- A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade funda-da em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo poder público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mes-mo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do ‘male captum, bene retentum’. Doutrina. Precedentes.

A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (‘FRUITS OF THE POISONOUS TREE’): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERI-VAÇÃO.

- Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por deri-vação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária.

- A exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do ‘due process of law’ e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes.

- A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos ‘frutos da árvore envenenada’) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conheci-dos, pelo poder público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos

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agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilida-de domiciliar.

- Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos.

- Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal –, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admis-síveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.

- A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA (‘AN INDEPENDENT SOUR-CE’) E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – JURISPRUDÊN-CIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS ‘SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)’, v.g.(RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma.)

Gostaria, ainda, Senhora Presidente, de fazer outra indagação ao eminente Ministro Relator. Ontem, da tribuna, eu ouvi, quando das sustentações orais, que se argüiu, também, a ilicitude de determinada prova, por alegado desrespeito às cláusulas constantes do acordo bilateral que o Brasil e os Estados Unidos formula-ram no contexto do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal.

Tenho presente, aqui, o Artigo VII do Acordo Bilateral de Assistência Judi-ciária em Matéria Penal que o Brasil e os Estados Unidos da América celebraram, em Brasília, em 1997, com correção posteriormente introduzida por ambos os Governos, por efeito de notas reversais (notas diplomáticas trocadas em 2001).

Observo que o Artigo VII contém uma cláusula que impõe restrições ao uso de documentos obtidos por efeito dessa convenção bilateral. Eis o que diz o Artigo VII, em seu inciso 1:

Restrições ao Uso1. A Autoridade Central do Estado Requerido” (no caso, portanto, os Estados Unidos

da América) “pode solicitar que o Estado Requerente” (ou seja, no contexto em exame, o Brasil) “deixe de usar qualquer informação ou prova obtida por força deste Acordo em investigação, inquérito, ação penal ou procedimentos outros que não aqueles descritos na solicitação, sem o prévio consentimento da Autoridade Central do Estado Requerido.” (no caso, o Governo dos Estados Unidos da América). “Nesses casos, o Estado Requerente” (ou seja, o Brasil) “deverá respeitar as condições estabelecidas.” (Grifei.)

Indago a Vossa Excelência, considerado o substancioso voto que proferiu, se esse tema foi abordado em sua decisão.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Foi abordado, sim, no meu voto.O Sr. Ministro Celso de Mello: Em que passagem?O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Vossa Excelência poderia ler a

parte final do dispositivo do Decreto 3.810/01?

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O Sr. Ministro Celso de Mello: O decreto presidencial em questão, que promulgou referida convenção bilateral, em nada inovou (nem poderia) nesse tema, persistindo, portanto, a minha dúvida, eis que, segundo prescreve esse Acordo de Cooperação Judiciária em matéria penal, tratando-se de restrição ao uso de documentos, “o Estado Requerente” (o Brasil, no caso) “deverá respeitar as condições estabelecidas”.

Daí a indagação que formulo a Vossa Excelência.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Foi argüido?O Sr. Ministro Celso de Mello: Sim, essa questão foi expressamente ar-

güida da tribuna, quando das sustentações orais.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim, da tribuna, mas não na pre-

liminar.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Que houve restrição do Estado requerido?O Sr. Ministro Celso de Mello: É precisamente isso que quero saber. Esse

é o esclarecimento que, por qualificar-se como matéria de fato, pode ser presta-do pelo eminente advogado que, da tribuna, suscitou referida questão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque não consta da abordagem do Relator. Talvez não esteja na defesa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, se há alguma restrição do Judiciário ame-ricano sobre a utilização da prova.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Trata-se de saber se, eventual-mente, houve alguma restrição pedida pelo governo dos Estados Unidos em relação aos documentos enviados ao Brasil. É isso.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Os documentos vieram para infor-mar o inquérito. Portanto, não pode ter havido uma restrição.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Os procuradores federais bra-sileiros têm como chefe, precisamente, o Procurador-Geral da República.

O Sr. Ministro Celso de Mello: O eminente Procurador-Geral da República, ao esclarecer matéria de fato, vem de informar, agora, que esses documentos foram produzidos, pelo Governo americano, sem qualquer restrição, para ins-truir, especificamente, este procedimento penal, o que afasta possível alegação de ilicitude da prova daí resultante.

Com estas considerações, Senhora Presidente, mas insistindo na indis-pensabilidade de ordem judicial para efeito de quebra de sigilo bancário (ainda que tendo o Banco Central do Brasil como destinatário da requisição emanada do Ministério Público Federal), acompanho, quanto a esse ponto específico, a divergência iniciada pelos eminentes Ministros GILMAR MENDES e MARCO AURÉLIO.

É o meu voto.

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VOTO(Sobre preliminar)

(Retificação)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, diante dos esclarecimentos de fato que eu não possuía, peço vênia para reajustar o meu voto e acompanhar a divergência.

Eu imaginara que os documentos haviam sido recebidos da Comissão Parla-mentar de Inquérito. Então, com o esclarecimento do Ministro Celso de Mello, acompanho a divergência.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, reformulo o meu voto apenas quanto a esse aspecto.

Participei do julgamento do mandado de segurança e integrei a maioria estreita, é verdade, que entendeu não ser lícita a quebra do sigilo bancário dos correntistas individuais por parte do Banco Central. Lembro-me que, na Primeira Turma, tivemos uma discussão bastante alentada sobre essa questão. Filiei-me à corrente majoritária e sufraguei esse entendimento.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tratava-se do RE 461.366.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Penso ter sido realmente em mandado de segurança em nível recursal. Por isso houve a interposição do recurso extraor-dinário, e não do ordinário. O pronunciamento no Superior Tribunal de Justiça decorreu do julgamento de ordinário.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, quero comple-tar o meu voto, com a devida vênia.

Acolho a preliminar apenas no sentido de dizer o seguinte: se os dados, cobertos pelo sigilo bancário, vieram aos autos diretamente do Banco Central, e não por meio da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição, rejeito essa prova e entendo que ela não pode integrar o acervo probatório, salvo se ela coincidir com aquela obtida por outros meios, seja por intermédio da CPMI, seja por decisão judicial.

Ao que me consta, pelo menos num primeiro momento, essa prova teria vindo diretamente, por solicitação do eminente Procurador-Geral da República, do Banco Central. Se for essa a hipótese, acolho a preliminar para rejeitar essa prova, a fim de ser expurgada, expungida dos autos.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, este é tema da mais alta importância e relevância, de grande repercussão, mas não é inédito na Corte.

O Plenário já se manifestou a respeito no RE 418.416. Eu tentava, antes de proferir o meu voto, lembrar-me desse caso, em que a Corte se defrontava com o problema de apreensão de computadores. Esse era o objeto específico do jul-gamento daquele recurso extraordinário pelo Plenário, e cujo voto do Relator,

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eminente Ministro Sepúlveda Pertence – a quem faço agora outra homenagem –, coincidiu exatamente com o meu ponto de vista e foi sufragado pelo Plenário, na interpretação da norma incidente no caso, o art. 5º, inciso XII, da CF.

Disse eu naquela oportunidade:

Trarei apenas a registro algumas observações que eu já havia antecipado na Turma, acompanhando o ponto de vista do eminente Relator [Ministro Sepúlveda Pertence], que agora o ilustrou ainda mais com a sua erudição. O objeto principal desta causa é a interpretação do art. 5º, inciso XII, que, a meu ver, não cuida do sigilo de registros em geral. Tal norma, quando alude ao sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, num primeiro membro, e, num segundo, ao sigilo de dados e das comunicações telefônicas, refere-se não propriamente ao que constitua o objeto das comunicações, ou seja, os registros ou o conteúdo dos relatos da comunicação considerados em si mesmos, mas à integridade do processo de comunicação ou de relacionamento intersubjetivo, como expressão da privacidade, enquanto tende a preservar esse fato intersubjetivo aos interlocutores, vedando a intrusão e, portanto, o acesso de terceiro não autorizado, ou, em outras palavras, a interceptação da comunicação.

é interessante observar a redação do dispositivo, porque, como de certo modo já notou o eminente Relator, há realmente duas cláusulas no texto constitucional. A correspondência como tal e a comunicação telegráfica são tratadas em conjunto. A comunicação de dados [e disso que se trata], como fenômeno típico do mundo moderno e que é a rede mundial de compu-tadores, é, ao lado da comunicação telefônica, processo muito rápido de transmissão e está na segunda cláusula [da norma constitucional].

Então, houve, ao que parece, preocupação de tratar em conjunto duas grandes classes ou duas grandes modalidades de comunicação, mas compreendendo todas. Sem dúvida, o in-violável, nos termos da Constituição, não são quaisquer elementos da informação ou de infor-mática, mas os processos de comunicação em si. O objeto tutelado [pela norma constitucional], portanto, é o processo de comunicação, enquanto restrito aos comunicantes, independentemente do conteúdo da comunicação, porque se trata, na verdade, de resguardar a privacidade dos inter-locutores em ato típico de intersubjetividade.

Tiro daí uma prova per absurdum: [e que vale para o caso] se estivéssemos pensando em sigilo de registros, isto é, entendida a palavra “dados” não como objeto de comunicação eletrônica em processo, mas como objeto de mero registro, esta norma constitucional, além de absurda, tornaria inviável o exercício de todo um complexo de atividades estatais.

E eu não estava nem pensando em atividades e obrigações do Banco Central.

Por quê? Porque teríamos a seguinte contradição: se esses dados, tomados como regis-tros, não são invioláveis em outros meios de registro, como, por exemplo, em livros, em fichá-rios, em meio magnético [e ninguém negou isso], como poderiam ser invioláveis pelo simples fato de estarem armazenados num computador?

E este Plenário assentou e reafirmou esse princípio, que consta agora da ementa redigida pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence.

Em outras palavras, não há, no texto constitucional – isso decorre apenas de normas infraconstitucionais –, proibição de quebra, pelo Banco Central, dos re-gistros. O que há aqui é proteção a fenômeno típico da intersubjetividade, que é a comunicação, com a proibição conseqüente da intercepção da comunicação. E o Banco Central não está aqui sendo acusado de ter interceptado comunicação ne-nhuma. O Banco Central está sendo acusado de ter passado ao Procurador-Geral da República registros de dados, nos termos da legislação infraconstitucional, isto é, da Lei Complementar 105.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Registros que foram objeto de fiscalização por ele realizada.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Se Vossa Excelência me permite, quando Vossa Excelência levantou essa distinção importantíssima, aderi ao voto de Vossa Ex-celência, lembrando que o que se protege não é o sigilo do que está registrado, do que está documentado, mas o que se protege como bem jurídico integrante da privacidade é a interlocução, o processo de comunicação.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: De outro modo, nem o mais pedestre dos fis-cais poderia ter acesso a livro comercial! Nem a mais reles das atividades estatais de fiscalização, que é a de ordem tributária, poderia ser feita, porque registro de livro comercial não deixa de conter dados.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não se pode interceptar o diálogo, a comuni-cação, a interlocução.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se esses dados estão protegidos pela norma constitucional, nenhum funcionário do Estado pode exercer sua atividade de fis-calização. Por quê? Porque isso dependeria de autorização judicial: ter acesso a um dado de livro comercial para verificar a regularidade fiscal de transação de comerciantes. Onde já se viu uma interpretação dessas?

O objeto de tutela da norma constitucional – coisa que esta Corte reafirmou naquela oportunidade – é o processo de comunicação. Não discuto – porque isso me parece incontroverso – que haja normas infraconstitucionais sobre sigilo de registros, mas não ao Banco Central; este é autorizado textualmente!

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Pela lei.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pela lei complementar, para transmitir o con-teúdo desses registros.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Inclusive o art. 9º da lei é expresso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, por acaso, Vossa Excelência quer chegar à conclusão de que o Banco Central não pode fiscalizar os dados bancá-rios?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Quero saber se o Banco Central, de acordo com o art. 5º, inciso XII, está autorizado, ou não, a ter acesso aos dados bancários independentemente de autorização judicial.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Respondo que não está.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O Relator está sustentando que houve a quebra de sigilo.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Tríplice.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Então, na verdade, estamos a lavrar sobre matéria já superada, pelo menos quanto a essa perspectiva.

Não me parece, Ministro Cezar Peluso, que aquilo que votamos no célebre caso trazido pelo Ministro Sepúlveda Pertence tenha como objeto a discussão que agora se põe. Ali, o que discutimos – e a discussão anterior foi no caso Collor, na AP 307 – é se os dados contidos em computador estariam cobertos por aquela cláusula. Lembro-me de que o Ministro Sepúlveda Pertence respondeu, até com

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base em clássico artigo escrito pelo Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior. No caso Collor, discutiu-se, e o Tribunal chegou à conclusão de que havia, sim, prova ilícita, porque a busca e apreensão não se fizera segundo os ditames do devido processo legal. Quanto a isso nós estamos de acordo. Não estamos a discutir isso.

O problema é de outra índole: se impõe ou não a reserva de jurisdição nesses casos. Essa foi a premissa, também, do voto do Ministro Marco Aurélio.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, eu estou tentando sustentar outra coisa. Esse é o problema.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas, neste caso, estamos a falar de coisas diferentes.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Agora, se o Relator diz que já houve uma tríplice quebra.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Estou dizendo. Eu já disse várias vezes isso aqui.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Então, essa questão, para mim, está preju-dicada. Agora, é ilícita, sim, a quebra obtida mediante requisição do Procurador-Geral. Isso nós precisamos afirmar e é o que estamos a dizer.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Há outro problema. Eu sinto que o Tribunal está-se encaminhando no sentido de declarar inválidos todos e quaisquer documentos oriundos desse pedido do Procurador-Geral. Então, creio que teremos uma incidência de quebras, um conflito, porque esses documentos podem ter sido enviados também em conseqüência dessas quebras determinadas pela CPI, pelo Ministro Nelson Jobim e por mim próprio.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Esta foi a ressalva do meu voto: se coincidirem os documentos, a prova é hígida.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, mas não se podem fazer afirmações de caráter geral que vão inviabilizar um pouco mais a apreciação da denúncia. Penso que o Tribunal tem a obrigação de deixar claro o seu ponto de vista.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Em última análise: não se dá o desentranha-mento desses elementos informativos, desses documentos se eles foram carrea-dos para os autos por outra via que não o Banco Central. Pronto.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, vou concluir rapidamente o meu pensamento. Ia até transcrever a manifestação do Ministro Gilmar Mendes, que fez revisão textual, naquele recurso extraordinário, ao artigo do Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, e Sua Excelência disse até que tinha de ser inter-pretado nesse sentido:

Do contrário, na verdade, produziríamos uma perplexidade que o próprio legislador tentou contornar (...)

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Senhora Presidente, o que me parece óbvio, no inciso XII, é que se trata de quatro objetos homogêneos de regulamentação constitucional: primeiro, corres-pondência; segundo, comunicações telegráficas; terceiro, comunicações telefô-nicas.

Por que, no quarto, se cuidaria de dados sem o correspondente fenômeno de comunicação?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Simplesmente, Ministro, Vossa Excelência me permite responder? Não temos palavras inúteis em um texto legal, muito menos na Carta da República.

O constituinte apenas aludiu a comunicações quanto a ligações telefônicas e telegráficas.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E correspondência também.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: No tocante a dados, não.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Correspondência também.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Comunicações de dados.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, não está.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Está.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vou ler o texto do art. 5º, inciso XII:

é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações (...), de dados (...)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Isto, de dados.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Está assim: “comunicações de dados”? Onde?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Está:

comunicações telegráficas, de dados (...);

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me permite concluir o raciocínio?

Veja:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência (...)

Aqui não se cogita de comunicação.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, é comunicação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Repete o texto do § 9º do art. 153 da Cons-tituição anterior:

é inviolável o sigilo da correspondência (...)

Nesse preceito havia ainda:

e das comunicações telegráficas e telefônicas.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Incluiu a comunicação de dados.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Quanto às comunicações, repetiu-se, na Carta de 1988, a junção ao campo telegráfico e telefônico.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, atualizou a Constituição anterior, que não conhecia o computador.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E veja: por que o legislador constituinte teria repetido, no tocante às ligações telefônicas, o vocábulo “comunicações” e não o fez quanto a dados?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso nós podemos perguntar aos redatores, sobretudo ao Professor Celso Cunha, que já faleceu; ele é quem sabe por que foi assim redigido.

O Sr. Ministro Carlos Britto: O bem jurídico protegido são as comunicações.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, Excelência. A interpretação é consen-tânea com o vernáculo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Agora, comunicações de dados, telegráficas e telefônicas são três modalidades de comunicações.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: De qualquer forma, há mais. Vamos buscar a razão desse preceito. A meu ver, a cláusula básica está no inciso X, e, aí, parto para a interpretação sistemática: é inviolável a intimidade.

O Sr. Ministro Celso de Mello: é importante fazer uma interpretação siste-mática que harmonize o que dispõem os incisos X e XII do art. 5º da Constituição da República.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Claro. E, no inciso XII, repetiu-se a inviola-bilidade quanto ao sigilo da correspondência; repetiu-se quanto a comunicações telegráficas e comunicações telefônicas. Chegamos a discutir, neste Plenário, se a parte final do preceito autorizando a quebra pelo Judiciário estaria ligada ape-nas às comunicações telefônicas. Admitimos que é possível quebrar o sigilo de dados por ordem judicial. Agora, não vejo uma justificativa socialmente aceitável, considerada a ordem natural das coisas, para se dizer simplesmente: a Consti-tuição protege a intimidade quanto à comunicação de dados, mas não a protege quanto aos dados.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não protege quanto aos dados, Ministro, pro-tege nos termos da legislação infraconstitucional. Protege, sim.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por isso não se repetiu, relativamente ao instituto “dados”, ao contrário do que ocorreu quanto ao campo telefônico, o vocábulo “comunicações”. O silêncio é eloqüente.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por que a Constituição de 1988 acrescentou “dados”? Porque a velha Constituição não conhecia ainda o fenômeno da eletrônica como tal. O que estranharia é que, cuidando de objetos de uma classe (comunica-ção), a norma constitucional resolvesse incluir objeto de outra classe, no mesmo inciso.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, Ministro, veja: Vossa Excelência pre-serva a comunicação de dados, mas não preserva considerada a intimidade dos próprios dados.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, Ministro.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Desde que se obtenham esses dados e se di-vulguem, da forma que se quiser, e não haja a interrupção na transmissão.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Quanto mais que, no caso, não se trata de priva-cidade, de vida privada com exclusividade, porque é uma suspeita, que nós vamos dizer se fundada ou não, de envolvimento de verbas públicas.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: é isso que me preocupa, Senhora Presidente. Se a Corte afirma, na interpretação do inciso XII, que os registros, quaisquer que sejam, são protegidos pela Constituição e só podem ser repassados, como objeto, enfim, de acesso, com autorização judicial, o Estado vai ter um gravíssimo pro-blema a partir de hoje.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro, data venia, tenho a impres-são de que a nossa tese aqui é mais restrita.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: As portas do Judiciário não estão fechadas ao Estado, Ministro.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, nós estamos fixando uma tese.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Voltemos ao relatório do eminente Ministro Joaquim Barbosa.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Nós vamos inviabilizar o Banco Central.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro Cezar Peluso, eu não tenho di-ficuldade de continuar a subscrever a tese que nós assentamos naquele célebre precedente do Ministro Sepúlveda Pertence. Ali se dizia que havia uma ordem judicial para a busca e apreensão de computadores, e se sustentava que os dados contidos no computador não poderiam ser revelados, porque estariam cobertos por essa ressalva. E nós dissemos não, porque, na verdade, hoje, os computadores armazenam esses dados, são arquivos, são armários. Foi isso o que nós dissemos. Esta é uma outra questão. Nós não estamos a mudar a tese. Estamos a dizer que o Banco Central não pode fornecer dados a requerimento do Ministério Público. Essa é outra questão. São duas questões. Eu entendo separado. E, quanto ao fun-damento, a rigor, eu não me balançaria a discutir o tema à luz do inciso XII; eu discutiria à luz do inciso X. Claro.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro, à luz do inciso X é mais simples de resolver.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas eu continuo a entender que a maté-ria estava submetida à reserva de jurisdição.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Porque todos estes bens do inciso X, a despeito da proteção constitucional, estão sujeitos a restrições no âmbito infraconstitucional.

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, claro. Evidente.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Portanto, a intimidade é preservada nos termos em que a legislação constitucional o faz.

Ora, se vem uma lei complementar e dispõe que o Banco Central, para cumprir suas funções, tem de ter acesso aos dados, como vamos dizer que esteja proibido pela cláusula constitucional?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: No exercício da fiscalização, ele tem acesso aos dados.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nós estamos com uma questão para ser de-cidida no Plenário da Receita Federal; a lei complementar de que cuida a questão do sigilo fiscal e do acesso ao sigilo bancário. Nós não nos pronunciamos sobre isso ainda. é exatamente essa a questão.

DEBATE

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Senhores Ministros, estamos tratando aqui exclusivamente desta questão: requisição pelo Procurador-Geral da República.

Diz o eminente Relator que os dados constantes desses relatórios do Banco Central já foram entranhados aos autos por outras formas, seja pela autorização deferida pela CPMI, seja por autorização judicial deferida pelo Ministro Nelson Jobim e por Sua Excelência. Portanto, esta seria uma questão superada.

O que o Plenário tem de definir – e essa a minha incumbência no conduzir os trabalhos – é afinal, se estabelecido eventualmente o prejuízo desta prova trazida aos autos mediante requisição do Sr. Procurador-Geral, ela contamina a denúncia naquilo em que baseada exclusivamente nesses dados.

Então, isso é o que interessa que nós solucionemos para encaminhamento da sessão.

Ministro Relator, ouço Vossa Excelência. A denúncia é baseada exclusiva-mente nesses relatórios para efeito de promover imputação ao acusado A, B ou C, ou também se ampara em outros elementos?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Evidentemente que não, Senhora Presidente.

Basta que voltemos atrás, há dois anos. Os fatos que deram origem a essa investigação vieram a público – se não me engano – em junho, imediatamente o Congresso começou a investigar. O Procurador-Geral, possivelmente, requereu.

Eu não tenho essas datas precisas, mas posso precisar que, no mês de julho, o inquérito chegou a esta Corte, e a decisão tomada pelo então Presidente faz alu-são expressa – como já disse e li aqui diversas vezes – a uma convalidação, a uma ratificação, pelo Supremo Tribunal Federal, de decisões de quebras decididas pela CPMI. Essas decisões tomadas aqui ratificavam, convalidavam essas provas.

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Não vejo em que sentido possa se dar essa contaminação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me permite? O argumento calcado na decisão do Ministro Nelson Jobim diz respeito à segunda preliminar.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Número cinco.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Sim, “(5) autorização para compartilha-mento (...)”.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Isso. “De todas as informações bancárias já obtidas”.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Mas a questão não é essa. Ao contrário, é outra, consistente em saber se o eminente Procurador-Geral da República pode, ou não, apoiar, legitimamente, a sua denúncia, nela deduzindo as várias imputações penais, com base em prova que resultou do atendimento, pelo Banco Central do Brasil, de requisição direta que Sua Excelência dirigiu a essa autarquia federal.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Exclusivamente.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Os itens 4 e 5 da decisão do Ministro Nelson Jobim dizem o seguinte:

(4) a extensão do afastamento do sigilo bancário das empresas DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda., de Marcos Valério Fernandes de Souza e sua esposa Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, desde janeiro de 1998 até a presente data.

(5) autorização para compartilhamento de todas as informações bancárias já obti-das pela CPMI dos “Correios”.

O Sr. Ministro Celso de Mello: E a requisição do eminente Procurador-Geral da República: foi ela posterior ou anterior a essa data?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas só pode ter sido anterior.

VOTO(Sobre preliminar)

(Confirmação)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, mantenho o meu voto.

Eu queria manifestar a minha profunda preocupação com o seguinte problema: a possibilidade aqui aventada de se quebrar o sigilo fiscal, telefônico e bancário e depois buscar-se uma ratificação, uma autorização judicial. Lamentavelmente, temos tido notícias de que, nos últimos tempos, existem algumas práticas nesse sentido, a meu ver, altamente condenáveis, em que determinadas autoridades – sobretudo no que tange ao sigilo telefônico –, primeiro, quebram o sigilo e, depois, vão buscar a autorização judicial.

Quero afirmar, com todas as letras, em alto e bom som, que a ratificação a posteriori de um ato dessa natureza não convalesce a prova; quero firmar uma posição, um ponto de vista nesse sentido. Essa prova fica irremediavelmente ma-culada.

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Pelo contexto, dentro desse conjunto probatório que se formou nestes autos, com os esclarecimentos prestados pelo eminente Relator, entendo que a prova foi colhida adequadamente, licitamente, e pode ser, portanto, contemplada de forma válida.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na verdade, o Ministro Nelson Jobim usou a expressão ratificar porque estava a apreciar o ato do juiz de primeiro grau, que afirmamos competente quando apreciamos.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A segunda preliminar, não a sexta.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não é isso?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não é apenas isso. Eu já alinhei uma série de decisões do Ministro Nelson Jobim.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eu, por exemplo, elogiei a organicidade do voto do Relator, mas, nesses pontos, tiro o elogio.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ele disse isso em mais quatro outras decisões.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, parece que estamos discutindo e dizen-do a mesma coisa.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Gostaria de consultar o Ministro Eros Grau sobre se mantém o primeiro voto ou o segundo voto reajustado?

O Sr. Ministro Eros Grau: O voto reajustado. Entendo ilícita a prova. Não vou reabrir a discussão.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Eros Grau, qual a prova? Eu preciso saber, porque, depois, tenho que desentranhar essa prova dos autos.

O Sr. Ministro Eros Grau: Essa prova que foi obtida.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Qual a prova?

O Sr. Ministro Eros Grau: Eu não tenho as folhas dos autos aqui.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Peça, por favor. Temos que racio-nalizar os trabalhos.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Parece-me que o assunto estava encaminhado. Ministro Joaquim Barbosa, todos nós estamos de acordo em que, tendo havido a quebra, seja por decisão judicial, seja por decisão da CPMI, esta discussão está prejudicada. O problema é que, no voto de Vossa Excelência, isso foi apresentado como uma preliminar autônoma quanto à requisição feita pelo Procurador-Geral. E é sobre isso que estamos a manifestar. Tanto é que assim foi o meu voto, o do Ministro Marco Aurélio, o do Ministro Celso de Mello e, agora, o reajuste e, também, o do Ministro Ricardo Lewandowski. Tão-somente isso.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro, eu disse, aqui, que há uma forte probabilidade de que esta suposta prova, ou seja, esses relatórios do Banco

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Central tenham sido juntados a estes autos não apenas em decorrência de um pedido do Procurador-Geral, mas também em decorrência das diversas quebras que houve.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estamos concordando com isso.

O Sr. Ministro Eros Grau: Vossa Excelência me permite? Então, cabe a Vos-sa Excelência, o Relator, e não a mim identificá-las.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não. Vossa Excelência está deter-minando a retirada de uma determinada prova.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Creio que o evolver da discussão amadureceu o pensamento da Corte.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Porque, hoje, eu ouvi aqui que está prejudicada a questão.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): é uma questão que está prejudicada.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Se está prejudicada, não preci-samos mais discutir.

O Sr. Ministro Eros Grau: é toda prova obtida pelo Ministério Público Federal, diretamente, junto ao Banco Central.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: é só isso.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Todos nós discutimos, os votos divergentes analisaram a questão sobre essa perspectiva, exatamente como observou o Minis-tro GILMAR MENDES, porque Vossa Excelência, no voto, destacou, de modo autônomo, essa questão. Então, a questão que respondemos era esta: é lícita a prova resultante do atendimento, pelo Banco Central do Brasil, à requisição emanda do eminente Procurador-Geral da República, tratando-se de dados revestidos e impregnados de sigilo? E, sob esse aspecto, é evidente que os votos divergentes entendem que não era lícito ao Banco Central atender a tal requisição, mas, com os debates, esclareceu-se que exatamente esses elementos já estão nos autos, já foram produzidos nos autos, porque emanados de órgão constitucionalmente competente para, tanto quanto o Poder Judiciário, decretar a quebra de sigilo ban-cário, ou seja, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.

Então, sob esse aspecto, tenho a impressão de que, obviamente, fica prejudi-cada a discussão, mas discussão que se justificou em face exatamente da suscita-ção autônoma dessa controvérsia no voto de Vossa Excelência.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Está bem. Então, está prejudicada?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Está prejudicada a preliminar.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Se está prejudicada, encerrada a discussão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, proferi voto a partir dos dados constantes do voto de Sua Excelência, o Ministro Joaquim Barbosa. Elogiei até

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mesmo a organicidade desse voto e disse, há pouco, que me sinto forçado a mi-tigar o elogio.

Eis os dois fundamentos lançados pelo Ministro Joaquim Barbosa para refu-tar a preliminar: o primeiro, que o Ministério Público teria requerido os dados ao Banco Central; o segundo, que, mesmo se alijando essa possibilidade, os dados teriam sido requeridos pela Comissão Parlamentar de Inquérito. São os dois úni-cos argumentos do voto de Sua Excelência. Agora, Sua Excelência pega gancho na fundamentação para a rejeição da segunda preliminar.

Para mim, o fato de a Comissão Parlamentar de Inquérito haver logrado os dados não é relevante, porque estou aqui a me manter coerente com o que sustentei na Primeira Turma: a impossibilidade de o Banco Central obter esses dados, ter o domínio desses dados. Não confundo a atuação fiscalizadora do Banco Central quanto às instituições financeiras com a privacidade dos cidadãos correntistas.

Então, mantenho o voto.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, tenho impressão de que a nossa manifestação, diante do esclarecimento do Relator, vai ficar como obiter dictum, pelo menos no nosso caso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, se Sua Excelência consigna no voto, consigna nas notas taquigráficas, que esses mesmos dados foram logrados mediante autorização de órgão investido do ofício judicante, evidentemente, não concluo pelo acolhimento da preliminar.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim. Porque, como ela veio como prelimi-nar autônoma, mas, diante dos esclarecimentos, acredito que a nossa manifesta-ção fica como obiter dicta.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sua Excelência, então, assevera que órgão judicial teria obtido esses dados.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Vou proclamar o resultado e peço aos Colegas que acompanhem porque é uma discussão bastante extensa que foi travada, ainda que em obter dictum, e que vai ficar nos anais da Casa para o futuro.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, perdoe-me. Novamen-te, no voto do eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, há certas premissas às quais não posso aderir, quando Sua Excelência diz: “Essa remessa ao Ministério Público, que abarca documentos sigilosos, independe de autorização judicial”.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Se a questão está prejudicada, do meu voto não vai constar nada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, se os Colegas que me antecedem permitirem, gostaria de adiantar o voto, já que tenho agenda no Tribunal Superior Eleitoral.

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A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Ministro, era minha intenção encerrar esta sessão agora e continuarmos o julgamento amanhã. Mas Vossa Exce-lência tem a palavra.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, entendo que a denúncia, tal como confeccionada, atende ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal. Conta com a narração das circunstâncias da prática dita criminosa. Trata-se de situação concreta em que há o envolvimento de uma pessoa jurídica, e, conforme as nor-mas de regência, a responsabilidade é dos administradores.

Evidentemente, na denúncia, não cabia precisar o ato que cada qual dos denunciados teria praticado, bastando, simplesmente, considerar-se a atividade desenvolvida pela instituição financeira e apontar-se, como responsáveis, os admi-nistradores, tal como previsto no estatuto do Banco.

Não subscrevo o transporte do princípio segundo o qual, na dúvida, decide-se em benefício da sociedade, princípio próprio aos processos da competência do Tribunal do Júri, para o caso concreto. Continuo entendendo que o recebimento de denúncia pressupõe existirem indícios – mas indícios realmente configurados – de autoria e consubstanciarem os fatos narrados na peça primeira da ação penal o tipo previsto na legislação.

Tenho apenas uma dúvida: o art. 4º da Lei 7.492/86 cogita de dois tipos. Um, tendo em conta elemento subjetivo, a fraude: gerir fraudulentamente ins-tituição financeira; com apenação de três a doze anos de reclusão e multa. E o outro, a gestão temerária, tipo diverso do parágrafo único do mesmo artigo, que prevê balizamento da pena de dois a oito anos de reclusão e multa – uma pena, portanto, de gradação menor.

Creio que, nesta fase de recebimento da denúncia, não cabe definir o tipo, existentes figuras contempladas no Código de Processo Penal para modificação. Por isso, não assevero, de imediato, a culpabilidade dos envolvidos – não cabe, aqui, concluir pela culpabilidade, a demonstração estará a cargo do Ministério Público – e também não procedo à classificação, em termos peremptórios, consi-derados os fatos narrados na denúncia.

Voto recebendo, nesses termos, a peça do Ministério Público.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, recebi a denúncia tal como proposta, tal como formulada pelo Procurador-Geral.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: é que não estamos compelidos a acolher, sem ponderação, a classificação emprestada pelo Ministério Público, que é parte na ação. Deixo em aberto o enquadramento – como gestão fraudulenta ou como gestão simplesmente temerária –, para definição posterior.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Essa reclassificação pode ser feita ulteriormente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Receio que o Tribunal, batendo o martelo, a esta altura, em termos da configuração do primeiro tipo, que é mais gravoso, a gestão fraudulenta, sinta-se posteriormente comprometido com esse enquadra-mento. Por isso deixo em aberto.

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A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Vossa Excelência deixa em aberto também o parágrafo único?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, porque os tipos estão próximos, não há a menor dúvida, mas existe diferença substancial quanto à pena. é claro que o Ministério Publico concluiu pelo enquadramento no tipo mais gravoso.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Podendo ser desclassificado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas isso acho que não muda muito, o im-portante é definirmos se recebemos ou não a denúncia.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Essa classificação pode ser feita posteriormente, se for o caso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E é até importante que os denunciados se defen-dam do crime mais grave, para que, eventualmente, se ficarem provados os fatos, possam ser desclassificados para crime menos grave.

VOTO(Sobre o item V da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, a denúncia, especifica-mente neste caso, imputa responsabilidade àqueles que, sob nomes técnicos, algo difíceis – Responsabilidade pelo Comitê de Prevenção –, integravam, a esse título indiscutível, conforme os cargos respectivos descritos na denúncia, a administração do banco.

E a sua responsabilidade vem admitida em vários passos. Cito alguns. A Sra. Kátia Rabello, Presidente, diz: “Então, a nossa decisão, (...) a minha decisão e dos meus pares (...) foi tentar negociar com o devedor”. Isto é, a própria presi-dente admite a responsabilidade de todos.

Um pouco mais à frente, outro depoente, o Sr. Guilherme Rabelo fala: “a Diretoria (...), mas provavelmente José Roberto Salgado participou da conversa”, etc. “A diretoria passou a renovar os empréstimos” etc.

Então, não há dúvida de que, por indícios, houve envolvimento de todas as pessoas declinadas.

As acusações foram de que houve dezenove negócios jurídicos, num valor total de cerca de trezentos milhões de reais, o que torna surpreendente que a presi-dente tenha dito, em relação a um desses empréstimos, que, pelo valor, o negócio não teria chegado à sua alçada. Eram trezentos milhões envolvidos em todos os negócios! Dificilmente se pode dizer, nesta fase do inquérito, que tal valor pas-sasse despercebido ou não fosse da alçada da diretoria.

Os fatos descritos se resumem na concessão e na renovação de empréstimos, e aqui, sim, o elemento da fraude que foi imputado: com transmutação ou classifi-cação aparentemente dolosa e errônea dos riscos dos negócios. Os riscos foram avaliados na categoria “A” e, em alguns deles, em “AA”, mas foram todos rebaixa-dos pelo Banco Central para “H”. Não é possível dizer que isso tenha sido mero

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acaso. E em todos esses negócios verificou-se falta de pagamento, de amortização, com renovações sucessivas e incompatíveis com a capacidade financeira dos de-vedores. Isso também consta textualmente de várias passagens. Faço referência a algumas:

O valor de empréstimo (R$ 19 milhões), no entanto, era incompatível com a capaci-dade financeira da empresa, considerando seu volume anual de receita (R$ 10,6 milhões) e geração de caixa (R$ 2 milhões ) [à frente, há outros elementos que corroboram].

(...) os empréstimos foram classificados como rating (depoimento de Godinho) AA, o que evitou a contabilização do provisionamento das renovações ocorridas a cada 90 dias, inde-pendentemente de pagamento ou amortização, (...) Que, pela Resolução do Bacen, a situação dos empréstimos do PT e SMPB exigia uma reclassificação do rating em função da falta de pagamento de amortização/amortização;

Risco elevadíssimo de inadimplemento, também objeto de elementos indi-ciários nos autos. E diz aqui o relatório do Banco Central:

O risco da empresa junto ao Banco Rural aumentou consideravelmente nos últimos dois anos, passando de R$ 6,8 milhões em fev/03 para R$ 25,3 (fev/04) e R$ 36 milhões (mar/05).

Um pouco mais adiante, não se identificou nenhuma garantia de crédito, nem recebimento total ou parcial dos recursos que deveriam ser creditados em pagamento, etc. Não há prova de transferência. O Banco Central não identificou nenhuma transferência de tais créditos em pagamento, tendo por resultado final – isto é grave:

Com este procedimento, a instituição gera um resultado fictício, elevando patrimônio (PR), com conseqüente aumento dos limites operacionais (Basiléia, Imobilização, etc).

Conclusão, ainda, do Banco Central no seu relatório: de tudo, resultam

(...) indícios de desvio de recursos do Banco para empresas pertencentes ou ligadas ao Controlador Conglomerado Financeiro Rural; transferência de ativos para fundo de direitos creditórios administrado pelo Banco Rural;

Em outras palavras: desvio que não tem conotação de ato culposo, mas de ato doloso que caracteriza o resultado da fraude que é imputada.

Para finalizar, Senhora Presidente, é preciso fazer breve observação sobre a necessidade, ou não, de individualização de comportamentos na denúncia, coisa que este Tribunal tem reconhecido, indiscutivelmente.

Os fatos do mundo real, na sua materialidade bruta, podem ser suscetíveis de múltiplos ângulos de avaliação mediante enfoques pessoais e científicos. O mesmo fato pode servir de objeto a uma avaliação de caráter sociológico, etc. O Direito também se apropria de certos fatos, não na sua materialidade total, no seu contexto histórico real total, mas por recorte, retirando aquilo que lhe interessa.

Ora, a acusação de que se trata de gestão fraudulenta não exige descrição de atos minuciosos, de atos pontuais: o Sr. Fulano de Tal, no dia tal, às tantas horas, fez isso; o Sr. Fulano de Tal, no dia tal, às tantas horas, deixou de fazer aquilo. Isso é incompatível com a natureza do fato típico. Aqui, é a gestão sob ângulo de apreciação completamente diferente. E resulta em quê? Resulta em que a acusação

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é clara e permite ampla defesa, porque o que se imputa aos acusados é que, me-diante a fraude de classificação fictícia dos riscos dos negócios, permitiram esse elevado endividamento que implicou o desvio anunciado pelo Banco Central.

Para que se defendam desse fato basta que, com base nos registros do Banco, se prove que nenhum desses fatos ocorreu. Não se precisa saber que, em deter-minado dia, a uma determinada hora, alguém teria feito algo ou deixado de fazer algo. Em outras palavras: não vejo, neste caso, a necessidade – até porque isso seria impossível, sobretudo nesta fase – de individualizar conduta. Importa é que foram atribuídos aos dirigentes do Banco fatos globais que implicam acusação de gestão fraudulenta, a qual pode ser elidida mediante prova – até documental – de que as reclassificações não ocorreram; que não houve nenhuma dificuldade de amortização e de pagamento, etc; e que, portanto, não houve nenhum desvio.

Recebo a denúncia exatamente nos termos do eminente Relator.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.245/MG — Relator : Ministro Joaquim Barbosa. Autor: Ministério Público Federal. Denunciados: José Dirceu de Oliveira e Silva (Advogados: José Luis Mendes de Oliveira Lima e outros), José Genoíno Neto (Advogados: Sandra Maria Gonçalves Pires e outros), Delúbio Soares de Castro (Advogados: Celso Sanchez Vilardi e outros), Sílvio José Pereira (Advogados: Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró e outros), Marcos Valério Fernandes de Souza (Advogados: Marcelo Leonardo e outros), Ramon Hollerbach Cardoso (Advogados: Hermes Vilchez Guerrero e outros), Cristiano de Mello Paz (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), Rogério Lanza Tolentino (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Simone Reis Lobo de Vasconcelos (Advogado: Marcelo Leonardo), Geiza Dias dos Santos (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Kátia Rabello (Advogados: Theodomiro Dias Neto e outros), Jose Roberto Salgado (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), Vinícius Samarane (Advogados: José Carlos Dias e outros), Ayanna Tenório Tôrres de Jesus (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), João Paulo Cunha (Advogados: Alberto zacharias Toron e outra), Luiz Gushiken (Advoga-dos: José Roberto Leal de Carvalho e outros), Henrique Pizzolato (Advogados: Mário de Oliveira Filho e outros), Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto (Advogados: Eduardo Antônio Lucho Ferrão e outros), Jose Mohamed Janene (Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira e outros), Pedro Henry Neto (Advogados: José Antonio Duarte Alvares e outro), João Cláudio de Carvalho Genú (Advogados: Marco Antonio Meneghetti e outros), Enivaldo Quadrado (Advogados: Priscila Corrêa Gioia e outros), Breno Fischberg (Advogados: Leonardo Magalhães Avelar e outros), Carlos Alberto Quaglia (Advogados: Dagoberto Antoria Dufau e outra), Valdemar Costa Neto (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Jacinto de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Antônio de Pádua de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues) (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Roberto Jefferson Monteiro Francisco

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(Advogado: Luiz Francisco Corrêa Barbosa), Emerson Eloy Palmieri (Advoga-dos: Itapuã Prestes de Messias e outra), Romeu Ferreira Queiroz (Advogados: José Antero Monteiro Filho e outros), José Rodrigues Borba (Advogados: Inocêncio Mártires Coelho e outro), Paulo Roberto Galvão da Rocha (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), Anita Leocádia Pereira da Costa (Advogado: Luís Maximilia-no Leal Telesca Mota), Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho) (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), João Magno de Moura (Advogados: Olinto Campos Vieira e outros), Anderson Adauto Pereira (Advogados: Castellar Modesto Guima-rães Filho e outros), José Luiz Alves (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) (Ad-vogados: Tales Castelo Branco e outros), zilmar Fernandes Silveira (Advogados: Tales Castelo Branco e outros).

Decisão: Dando seguimento às sustentações orais, hoje falaram, pelos denunciados Valdemar Costa Neto e Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Ro-drigues), o Dr. Marcelo Luiz Ávila de Bessa; Jacinto de Souza Lamas e Antônio de Pádua de Souza Lamas, o Dr. Délio Lins e Silva; Roberto Jefferson Monteiro Francisco, o Dr. Luiz Francisco Corrêa Barbosa; Emerson Eloy Palmieri, o Dr. Itapuã Prestes de Messias; Paulo Roberto Galvão da Rocha, o Dr. Márcio Luiz Silva; Anita Leocádia Pereira da Costa, o Dr. Luís Maximiliano Leal Telesca Mota; Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), a Dra. Roberta Maria Rangel; João Magno de Moura, o Dr. Wellington Alves Valente; Anderson Adauto Pereira e José Luiz Alves, o Dr. Castellar Modesto Guimarães Filho, e, pelos denunciados José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) e zilmar Fernandes Silveira, o Dr. Tales Oscar Castelo Branco. Em seqüência, o Tribu-nal, por unanimidade, afastou as preliminares. No que diz respeito à preliminar autonomamente suscitada de ilicitude da prova quanto ao encaminhamento, pelo Banco Central, de relatórios bancários por requisição exclusiva do Procurador-Geral da República, independentemente de ordem judicial, manifestaram-se pela ilicitude os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e a própria Presidente. Todavia, essa preliminar foi considerada prejudicada, na medida em que os referidos documentos não foram obtidos exclusivamente por essa fonte, mas, ao contrário, por formas regulares de quebra de sigilo, ou seja, por meio da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, de autorização judicial do Presidente do Supremo Tribunal Federal e do próprio Relator. Em seguida, após o voto do Relator, recebendo a denúncia contra José Roberto Salgado, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, Vinícius Sama-rane e Kátia Rabello, pela suposta prática do crime previsto no art. 4º da Lei 7.492/86, do voto do Ministro Marco Aurélio, que também a recebia, mas sem prejuízo de desclassificação da conduta estabelecida no parágrafo único do art. 4º, e do voto Ministro Cezar Peluso, que acompanhava o Relator, foi o julgamento suspenso. Presidência da Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 23 de agosto de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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ESCLARECIMENTO(Sobre o item V da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, peço apenas um escla-recimento brevíssimo ao Ministro Relator.

Relativamente ao tópico “gestão fraudulenta”, acompanho Vossa Excelência. Mas quero uma informação quanto a Ayanna Tenório, porque tanto a defesa por ela apresentada quanto a sustentada aqui na tribuna afirmam, peremptoriamente, que os fatos descritos e alegados dizem respeito a um período em que ela ainda não estaria no cargo.

Pelo que consegui apurar, poderia ter ocorrido prorrogação de contratos ou até contratos firmados. Não repetirei toda a descrição, mas, na denúncia, temos (fl. 85):

As apurações desenvolvidas no âmbito do presente inquérito, envolvendo a análise de documentação bancária e dos processos e procedimentos internos das instituições financeiras, especialmente sob o enfoque dos supostos empréstimos às empresas do grupo de Marcos Valério e ao Partido dos Trabalhadores, descortinaram uma série de ilicitudes que evidenciam que o Banco Rural foi gerido de forma fraudulenta.

E tem-se, ainda (fl. 87):

Nos termos consignados pelos auditores do Banco Central, os dirigentes do Banco Rural efetuaram dezenove operações de crédito com as empresas de Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Rogério Tolentino, e com o Partido dos Trabalhadores, totalizando R$ 292,6 milhões de reais na data-base de 31/05/2005, correspondente a 10% da carteira de crédito da instituição.

Das dezenove operações de crédito acima mencionadas, que não apresentavam a cor-reta classificação do nível de risco de crédito, oito foram reclassificadas pelo próprio Banco Central, etc (...)

Vossa Excelência também leu, em seu voto, o depoimento de Carlos Ro-berto Sanches Godinho, na condição de superintendente de Compliance, há sem-pre referência a José Augusto Dumont, e não a Ayanna, sua substituta.

Para acompanhar in totum V. Exa., quero ter a segurança dos dados aqui ar-rolados e também do fato constante na defesa, no sentido de que Ayanna Tenório não estava presente no Banco e no cargo em todo o período no qual são narrados os fatos da denúncia. De toda a forma, ela seria dirigente e teria participado, pois ela substituiu José Augusto Dumont, que é citado o tempo todo.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): V. Exa. tem a data em que ela ingressou no Banco?

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Na sustentação oral, foi dito que ela o teria substituído.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Nem tudo o que é dito em sus-tentação oral deve ser tomado ao pé da letra.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim, mas deram datas. Imagino que esse dado não possa ser alterado.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Basta analisarmos os dados cronológicos dessa questão.

O essencial dos fatos relatados, neste caso, data de janeiro de 2003 até a eclosão do escândalo, entre maio e junho de 2005. Seguramente, ela ingressou no Banco em 2004. Está dito em meu voto que, nos últimos atos questionados neste inquérito, ela já se encontrava no Banco. Aliás, ela era diretora de um setor-chave do Banco, o setor de Compliance.

VOTO(Sobre o item V da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, de toda sorte, realmen-te, em 2004, ainda houve realização de contratos que estão na seqüência dos atos denunciados.

Razão pela qual – tenho voto escrito, e o juntarei, mas não vou reler, porque a maior parte dos depoimentos que faço, juntamente com os textos e os relatórios, já foram citados aqui – também acompanho o Relator.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Creio que precisamos, talvez, dar um pouco mais de importância ou conferir o mesmo peso ao que dito pelo Relator e ao que dito pelas partes. Há um desequilíbrio aqui.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Por isso pedi um esclarecimento.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Meu voto, creio, foi bastante claro.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Meu voto é no sentido exatamente de acompa-nhar V. Exa., para receber a denúncia. Pedi o esclarecimento exatamente para ter segurança.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ontem tivemos duas horas e meia de debate sobre uma questão suscitada. Poderíamos ter gasto esse tempo para avançar no julgamento. Debatemos algo que não precisávamos discutir exata-mente por força das sustentações que aqui chegam e nos dizem certas coisas que não correspondem aos dados dos autos.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Não. Pelas defesas que foram apresentadas; eu apenas pedi um esclarecimento.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro Joaquim Barbosa, discutimos jus-tamente por que Vossa Excelência trouxe uma preliminar; só por isso.

O Sr. Ministro Celso de Mello: O debate estabeleceu-se em função de cer-tas premissas que o Relator deixou claramente expostas em seu voto.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro Joaquim Barbosa, Vossa Excelên-cia trouxe a preliminar no seu voto e autorizava o Ministério Público a fazer a quebra do sigilo. Vossa Excelência sabe que, historicamente, não concordamos com isso. Se tivesse dito que a questão já estava prejudicada, não teríamos nos embrenhado naquela discussão.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu o disse várias vezes, Minis-tro Gilmar Mendes, mas não fui ouvido.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: No voto de Vossa Excelência, estava escri-to que rejeitava porque o Ministério Público prescindia dessa autorização. Daí eu ter-me socorrido da lição do Ministro Marco Aurélio, na Turma, e, então, termos discutido, porque essa é uma questão relevante.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Acompanho o voto do Relator, no sentido de receber a denúncia contra os denunciados José Roberto Salgado, Ayana Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabelo, na forma exposta, com os fundamentos do Relator.

VOTO(Sobre o item V da denúncia)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, tenho brevíssima introdução que vale para todos os votos que darei, em todos os itens.

Tenho reiteradamente afirmado, inclusive nesta Corte, em votos anteriores, o que aprendi com o jusfilósofo argentino Enrique Mari: o discurso da ordem abrange o lugar da racionalidade – a lei – e o lugar do imaginário social como controle das disciplinas das condutas humanas e da sua sujeição ao poder. A ra-cionalidade veiculada pelo direito positivo, direito posto pelo Estado, pretende do-minar não apenas os determinismos econômicos, mas também os arroubos emo-cionais da sociedade, inúmeras vezes insuflados pela mídia. Afirmei há alguns anos em artigo que escrevemos, o Professor Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e eu, para ser publicado na revista Teoria Política, dirigida por Norberto Bobbio: condenam-se pessoas mesmo antes da apuração dos fatos.

Nunca me detive em indagações a respeito das causas dos linchamentos consumados em um como que tribunal erigido sobre a premissa de que todos são culpados até que provem em contrário. Talvez seja assim porque muitos sentem a necessidade de punir a si próprios por serem o que são.

A imprensa livre é por certo indispensável à plena realização da democracia. Por isso ela há de ser necessariamente imune à censura, para que possa esclarecer a sociedade, a quem deve servir, mesmo porque o titular da imunidade à censura é o povo, não o proprietário do veículo. A alusão que aqui faço a determinados desvios, bem determinados, evidentemente não pode ser tido como desconside-ração ou menosprezo, de minha parte, do papel fundamental desempenhado pela imprensa na democracia. Reporto-me a desvios cuja substancialidade não pode ser negada.

Mas não me cabe tratar dessa patologia na formulação do nosso imaginário. Aqui devo cumprir o meu dever, preservando a minha independência, expressão de atitude firme e serena em face de influências provenientes do sistema social e do governo. Independência que permite ao juiz tomar não apenas decisões con-trárias a interesses do governo – quando exige uma Constituição e a lei –, mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.

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A questão da legitimidade do exercício da função jurisdicional envolve a consideração daqueles dois planos, o da racionalidade da lei e do imaginário social, cabendo, sim, ao magistrado, no Estado de Direito, considerar as mani-festações desse imaginário, sem, contudo, permitir que a ética da legalidade seja tragada pela emoção coletiva, que pode conduzir não apenas aos linchamentos, mas à indiferença em face do desprezo autoritário pelos chamados direitos fun-damentais. Para isso existem os princípios e as regras jurídicas, para assegurar que o devido processo legal seja observado também quando o reclame quem não mereça a nossa simpatia.

A sociedade e mesmo a imprensa não o sabem, mas o magistrado inde-pendente é o autêntico defensor de ambos. é mercê da prudência do magistrado independente que não resultam tecidas plenamente, por elas mesmas, as cordas que as enforcarão, as elites e a própria imprensa.

Senhora Presidente, com relação a este item, recebo a denúncia. O art. 25 da Lei 7.492, conforme demonstrado pelo eminente Ministro Relator, atribui uma responsabilidade objetiva.

Acompanho o voto do eminente Ministro Relator, nesse item, recebendo a denúncia.

VOTO(Sobre o item V da denúncia)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, ouvi atentamente o relatório do eminente Ministro Joaquim Barbosa, nessa parte segmentada, des-tacada da imputação. Li o texto que Sua Excelência nos apresentou e hoje, pela manhã, tive ocasião de passar em revista os principais fundamentos do voto de Sua Excelência o Ministro Relator.

Convenço-me, também, de que houve indício, ou de que há indícios fortes de gestão fraudulenta de modo a caracterizar, pelo menos nesse juízo de admis-sibilidade da denúncia, que é um juízo prefacial, delibatório, de modo a autorizar a presença do chamado fumus delicti, suficiente para que eu me pronuncie no sentido do recebimento da denúncia.

Entendo que, no caso, esse fumus delicti, ainda mais se adensa se consi-derarmos que já houve uma operação com esse tônus ruinoso de que falam o relatório e o laudo do Banco Central, já em 1998. Parece que o mesmo banco incidiu aí numa prática já denunciada como de alto risco para a saúde financeira da instituição.

Senhora Presidente, a agravar tudo isso, existe a circunstância de que o siste-ma financeiro nacional é regrado pela Constituição de modo particularmente cui-dadoso, uma das pouquíssimas vezes em que a Constituição fala explicitamente do interesse público a prevalecer sobre qualquer interesse privado. O art. 192 da magna Carta Federal, ao cuidar do sistema financeiro diz, claramente, com todas as letras, que ele será “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equi-librado do País e a servir aos interesses da coletividade”. No que andou muito

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bem, porque não há instituição hoje mais presente no cotidiano da população do que todo sistema financeiro; todos nós gravitamos em torno dele, é impossível escapar às relações jurídicas com o sistema financeiro, é como uma marquise sem fim, debaixo da qual todos nós transitamos. é um setor da atividade privada que demanda explícita autorização para o seu funcionamento, nos termos da res-salva que se contém no parágrafo único do art. 170 da Constituição, e que exige das autoridades financeiras, e mais de perto do Banco Central, um acompanhamento rigoroso, criterioso, responsável. Ao longo do relatório, percebi que laudos do Banco Central da República a propósito dessas operações já davam conta de que as operações aqui adversadas eram tidas como de altíssimo risco; empréstimos que se renovavam a partir de garantias frágeis, num crescendo que, segundo o Ministro Cezar Peluso, ontem, ascende a mais de um centena de milhões – salvo engano, Sua Excelência falou em trezentos milhões de reais e causa espécie tudo isso –, a partir da própria finalidade do empréstimo que não foi para fomentar nenhuma atividade econômica nem industrial, nem extrativa, nem mercantil e, sim, para agências de publicidade e um partido político.

Então, nesse contexto, Senhora Presidente, de emissão de um juízo prefacial, de recebimento da denúncia como formulada em termos aptos a desencadear uma ação penal e, portanto, a instaurar o processo penal propriamente dito, acompa-nho em todos os fundamentos o voto do eminente Ministro Relator para receber a denúncia.

EXPLICAÇÃO(Sobre o item V da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, também já tinha tido a dúvida que assaltou a Ministra Cármen Lúcia, a partir da sustentação, quanto à responsabilidade da diretora Aiana Tennório. Mas, diante dos esclarecimentos feitos pelo Relator, entendo que isso está sanado.

Tenho a impressão, e gostaria, nestes breves minutos, de dizer que o Tribunal está, como já tem sido destacado pela mídia, a realizar um julgamento histórico. E tanto a atuação aqui do Ministério Público quanto a atuação da defesa são dig-nas dos maiores encômios: transparentes, claras e necessárias para que façamos uma avaliação deste complexo processo. Por outro lado, Senhora Presidente, cresce-me a convicção da importância deste procedimento.

Na semana passada, discutíamos, em relação a um caso vinculado a este complexo evento, o recebimento da denúncia. E eu dizia da importância desta fase de defesa prévia no âmbito de primeiro grau. E lá se dizia, então, que as denúncias são recebidas com um carimbo. Claro que eram descrições, e não elogios, porque denúncia não pode ser recebida com carimbo. é preciso que se afirme isso e se reafirme. Na verdade, carregar um processo é algo muito grave. Não basta a afirmação de que as pessoas responderão depois, que posteriormente se fará a defesa, ameaçando de forma muito forte a dignidade da pessoa humana ou, às vezes, usando o processo como pena. Sabemos muito bem disso. é preciso, portanto, que esta Corte reafirme esses princípios, porque ela não está apenas a

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julgar um caso. Na verdade, esta Corte dá lições permanentes para todas as demais cortes do país. E é por isso que este julgamento assume caráter emblemático.

Não podemos permitir que o processo se convole em pena; formular denún-cias que se sabem inviáveis para que, depois, nos livremos dos nossos problemas de consciência e tendamos à opinião pública ou coisa que tal e saibamos que aquele carrega, para sempre, às vezes, a pecha do processo que se sabe inviável.

Os Colegas da Segunda Turma devem-se lembrar de um caso que hoje se tornou histórico. Não conheço, na história penal do Tribunal dos tempos re-centes, algo mais bizarro que a denúncia a respeito dos dólares no Afeganistão, Senhora Presidente. Não conheço nada mais bizarro. Denúncia que foi recebida pelo Tribunal Regional Federal de São Paulo e foi preservada pelo STJ. Só foi corrigida na Segunda Turma.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Voto meu, Ministro, seria bom salientar.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Saúdo Vossa Excelência.

Vejam, portanto, a importância inclusive do habeas corpus que chega a esta Casa. Quase que uma infantilidade, tramitava e as pessoas carregariam este processo. Por quê? O TRF recebeu a denúncia inviável, o STJ manteve, e só esta Corte pôde corrigir.

Portanto, é fundamental que nós, neste momento inicial, fixemos essas linhas que são vitais para o processo do Estado de Direito. Estado de Direito, como sabemos, é aquele que não conhece soberanos. Talvez seja uma das mais adequadas definições. Já se disse, em outro tempo, que Estado de Direito era aquele no qual se batia às portas de alguém às 6 horas da manhã e se sabia que quem estava a bater era o leiteiro, e não a polícia. Hoje a polícia até pode bater à porta, às vezes com mandado judicial desfundamentado. é preciso termos cuidado com todas essas coisas e com todas essas evoluções.

Por isso, faço esse preâmbulo que, de certa forma, balizará também o meu pensamento neste julgamento como um todo, tendo em vista as experiências aqui vividas.

VOTO(Sobre o item V da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, no caso específico, fi-quei preocupado com a questão suscitada pela Ministra Cármen Lúcia, já respondi-da pelo eminente Relator: a participação da Sra. Iana Tenório nos fatos que – pelo menos nesta fase – não seriam separáveis.

Portanto, aquela minha tendência inicial, a partir da própria defesa e da sustentação oral, não se confirma.

Não subscrevo – devo dizer também com toda a clareza e já havia anotado ontem – a afirmação feita pelo eminente Relator no sentido de que no judicium accusationis há que entender aqui, regido pelo princípio do in dubio pro societatis.

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Não subscrevo, faço reparos, como temos feito reparos inclusive na tradição que se acostumou desenvolver um juízo que se faz na pronúncia: se não houver indícios mínimos de autoria, nós não devemos receber a denúncia. Não devemos con-sagrar, acredito, fórmulas genéricas que podem levar a resultados ameaçadores para o princípio do Estado de Direito.

Mas, no caso específico, Sua Excelência não se limitou a esta afirmação genérica. Sua Excelência descreveu a participação de todos os diretores. Portanto, não colocou sob ameaça a jurisprudência que nós vimos desenvolvendo – creio que nas duas Turmas, mas especialmente na Segunda Turma, isso é bastante claro – em relação aos chamados crimes societários. Temos exigido que isso indi-que a participação dos sócios. Não é suficiente a mera indicação de integração na sociedade.

Sua Excelência, a meu ver, descreveu com precisão – pelo menos para esse estado do processo – que haveria, sim, a participação desses diretores nas eventuais infrações que lhes são imputadas.

De modo que, com essas considerações e com essas ressalvas, acompanho a manifestação do Relator.

VOTO(Sobre o item V da denúncia)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, também reafirmo as observações que acabam de ser feitas pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, no sentido de que se impõe, ao Poder Judiciário, e, em particular, a esta Supre-ma Corte, um rígido controle sobre a admissibilidade das acusações penais. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se, claramente, nesse sen-tido, em ordem a impedir que se instaurem procedimentos penais temerários, abusivos e lesivos aos direitos que assistem a qualquer acusado, independente-mente de sua condição social e posição funcional.

Ao ler a denúncia (precisamente a peça acusatória que constitui objeto deste juízo prévio de admissibilidade), e ao ter presentes, também, as respostas oferecidas pelos denunciados – respostas elaboradas por eminente Advogado, que bem demonstra a maneira qualificada como exerce a sua função defensiva neste episódio específico –, tenho para mim, também, em juízo de caráter me-ramente preliminar e provisório, que a denúncia contém uma descrição adequa-da dos fatos. Apóia-se em elementos indiciários mínimos, que tornam admissível a acusação, e veicula imputações que guardam pertinência com as atribuições exercidas pelos denunciados na administração e gestão do Banco Rural S.A.

O eminente Relator, ao destacar esse aspecto, acentuou que, no caso em análise, os quatro denunciados eram responsáveis pelo Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, pelas áreas de “Compliance”, contabilidade jurídica e tecnológica, justamente as áreas em que as supostas fraudes, na gestão da insti-tuição financeira, teriam sido praticadas.

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A análise da denúncia revela que o eminente Procurador-Geral da Repú-blica, considerado o acervo documental produzido nos autos, delineou situações configuradoras da suposta má gestão dessa instituição financeira, indicando o “modus operandi” dos agentes e do mecanismo fraudulento que relata na peça acusatória, buscando demonstrar que a acusação encontraria suporte em dados fornecidos pela própria investigação penal.

Desse modo, o teor da peça acusatória, ao narrar os fatos como o fez, pa-rece demonstrar a existência de vínculo entre a atuação dos denunciados e os comportamentos a eles atribuídos, tornando possível o exercício, em plenitude, do direito de defesa.

Assim, com estas considerações, também recebo a denúncia.

É o meu voto.

VOTO(Sobre o item V da denúncia)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Senhores Ministros, o eminente Relator, ao final do seu relatório, referiu que todo este julgamento está perpassado de questões constitucionais. Portanto, também me cabe votar.

Eu o faço na linha do voto do eminente Relator, por entender adequada a descrição feita pela denúncia dos comportamentos tidos por delituosos e presentes os indícios mínimos para o seu recebimento.

VOTO(Sobre o item III da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, farei juntar o voto, que é muito longo, mas, exatamente na linha do Relator, recebo, por satisfazer a denúncia as condições formais, descrição do fato, com todas as circunstâncias materiais, evidência de indícios, no âmbito do juízo de probabilidade necessárias para seu recebimento, com relação a todos. Porém a denúncia não apresenta elementos bastantes para o atendimento das condições formal e material quanto a exata-mente Rogério Tolentino, razão pela qual voto no sentido de não receber espe-cificamente contra ele. Rigorosamente nos termos do voto do Ministro Relator, juntando o voto, que foi muito alongado.

VOTO(Sobre o item III da denúncia)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, acompanho também o Relator e recebo a denúncia com relação a João Paulo Cunha, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz, mas excluo Rogério Lanza Tolentino.

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Apenas anoto o meu cuidado com relação à evolução da jurisprudência. Quer dizer, entendo que a descrição da conduta típica deve ser explícita. No caso, a denúncia me parece atender com relação a todos, menos ao Tolentino.

VOTO(Sobre o item III da denúncia)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente a materialidade dos fatos que, em tese, configuram delito é uma materialidade que está razoavelmente des-crita, ao menos nesse juízo preliminar, e há indícios de autoria.

O Ministro Relator fez bem o nexo de causalidade ou o vínculo operacional entre os denunciados como autores de corrupção ativa e passiva.

Há elementos suficientes para o perfeito conhecimento dos fatos objetos da imputação e, por conseqüência, a ampla possibilidade de defesa.

Nesse juízo prefacial, também recebo a denúncia, excluindo, todavia, nos termos do voto do Relator, o denunciado Rogério Tolentino.

VOTO(Sobre o item III da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, também acompanho o Relator.

Não há nenhuma dúvida, pelo depoimento da mulher, de que o denunciado João Paulo Cunha sabia da origem do dinheiro; textualmente, o cheque era claro. Os atos de ofício que Sua Excelência praticou em benefício do SMP&B estão bem discriminados no relatório do TCU: a falta de projeto básico da licitação, critérios subjetivos de avaliação, tudo o que permitia direcionamento e subcontratações proibidas no total de 99,98% dos contratos.

E aqui faço referência, porque isso foi objeto da sustentação oral do emi-nente Procurador-Geral – Vossas Excelências têm em mão o documento – a que esse mesmo denunciado desviou R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) em duas dessas subcontratações em favor de empresa de um assessor direto seu que não prestou os serviços. Estou apenas adiantando o fato para mostrar como não há nenhuma temeridade na denúncia.

Em relação à destinação do dinheiro, essa é absolutamente irrelevante à tipificação do crime de corrupção passiva – se pagou despesa de campanha, pes-quisa de campanha, ou jogou na loteria esportiva, não tem a mínima importância. O importante é que recebeu o dinheiro.

Em relação a Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz, eles eram dirigentes e administradores da empresa. Há depoimentos aqui sobre atos típicos de gestão admitidos; portanto, a presunção era de que concorreram para a prática desses atos. Em relação a Rogério Lança Tolentino, realmente, há apenas menção à condição de sócio, o que não basta para recebimento de denúncia.

Acompanho o Relator.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, eu só queria muito rapida-mente lembrar que, a propósito desse excessivo número de subcontratações, isso...

O Sr. Ministro Cezar Peluso: é excessivo? Não; quase totalidade.

O Sr. Ministro Carlos Britto: é 99,98%, não é? Isso é absolutamente incom-patível com o próprio critério subjetivo de escolha dos candidatos nas licitações do gênero. Ou seja, se o critério da subjetividade é o definidor do melhor propo-nente, isso já inviabiliza as subcontratações, porque o critério subjetivo é intuitu personae, e as subcontratações descaracterizam esse caráter personalíssimo do critério definidor da escolha do menor proponente.

VOTO(Sobre o item III da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Também, Senhora Presidente, recebo a denúncia nos termos do voto do Relator, fazendo a exclusão de Rogério Tolenti-no pelas razões já aqui elencadas.

VOTO(Sobre o item III da denúncia)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Também eu, Senhora Presidente, acompanho o eminente Ministro Relator, que demonstrou, em seu substancioso voto, que a denúncia se revela, no caso, processualmente apta, materialmente consistente e juridicamente idônea.

Deixo de receber, no entanto, a acusação penal deduzida contra o Sr. Rogério Tolentino, apoiando-me, para tanto, nas razões expostas pelo eminente Relator.

É o meu voto.

VOTO(Sobre o item III.1 da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Também eu, Senhora Presidente, farei juntar o voto, que é um pouco mais longo, mas também recebo a denúncia nos termos do voto do Relator.

VOTO(Sobre o item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, impressionei-me, no primeiro momento, com a assertiva feita da tribuna segundo a qual o saque que teria sido feito pela esposa do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha per se não representaria ou não caracterizaria ato de lavagem de dinheiro.

Voltei aos autos e agora, convencido de forma mais firme e mais forte, após a descrição de todo esse iter que foi seguido por esta senhora que sacou dinheiro

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na boca do caixa, verifico, realmente, que este ato final corresponde, em tese, ao último passo de um sofisticado mecanismo de branqueamento de capital.

VOTO(Sobre o item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, serei objetivo, atendendo à sugestão de Vossa Excelência.

Não me parece caracterizada, nessa hipótese, o tipo da lavagem de dinheiro.

Peço vênia ao Ministro Relator para divergir e não recebo.

VOTO(Sobre o item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, embora tenha dito aqui mais de uma vez que considero esse crime gravíssimo, porque, num trocadilho, quanto mais se lava dinheiro por aqui, mais o País fica sujo, no entanto, neste caso, peço vênia ao Relator.

Entendo que, também, o elemento do tipo penal ocultado e sumular não se encontra presente. Foi tudo feito às claras, à luz do dia, assumidamente, con-fessadamente.

Quanto à autoria do saque, às condições em que se deu essa retirada e, por-tanto, no particular, não recebo a denúncia.

VOTO(Sobre o item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, data venia da divergência, recebo, porque deve ser visto no conjunto. Não se trata apenas de saber que está identificado quem foi buscar o cheque. O problema não é esse. O problema da imputação é a engrenagem da movimentação de todo esse volume de dinheiro. Ou seja, tem-se que partir da idéia de que todos os registros e todas as simulações do banco e do suposto bando ou quadrilha foram concebidos para aparentar que tais dinheiros se destinariam ao pagamento de fornecedores. Fornecedores do quê?

Recebo a denúncia, data venia.

VOTO(Sobre o item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, também peço vênia ao eminente Relator e aos que o seguiram para me alinhar à divergência já instalada a partir do voto do Ministro Eros Grau.

Tenho imensa dificuldade de fazer esse enquadramento nos tipos previstos no art. 1º da Lei 9.613/98. Se configurado o crime, apareceria o exaurimento do

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próprio crime de corrupção passiva. Quer dizer, o envio da esposa como elemen-to de ocultação parece fantasmagórico; parece-me extremamente demasiado e, neste caso, a conduta é claramente atípica em relação à lei de lavagem de dinheiro.

Por isso, manifesto-me neste sentido, na linha das manifestações anteriores.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, o juízo é tão-somente de rece-bimento ou não da denúncia. Não me cabe conclusão sobre a procedência da imputação, em si, do que versado na peça do Ministério Público.

De início, constatamos o enquadramento – considerados indícios que não merecem a apoteose maior – da conduta, tendo em conta as práticas ocorridas, até o levantamento da importância, no disposto no art. 1º da Lei 9.613/98.

Não há, como pode parecer numa visão primeira, a sobreposição excluída pelo direito penal. Os tipos são diversos – a corrupção passiva e a lavagem em si. De qualquer forma, essa dualidade fica em aberto até o julgamento final da ação, com a prova a ser produzida, a cargo, portanto, do Ministério Público.

Acompanho o Relator no voto proferido.

EXPLICAÇÃO(Sobre o item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se me permite, Senhora Presidente, só para acrescentar aqui um dado que ajuda a elucidar bem e que foi mencionado pelo eminente Relator. Não se trata, na verdade, da remessa do dinheiro em nome do denunciado. O que consta, na verdade, é uma autorização do banco para que Márcia Regina recebesse o cheque da SMP&B. Isso é, o verdadeiro destinatário do dinheiro não estava formalmente indicado. Isso que é importante, no contexto.

VOTO(Sobre o item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, assaltaram-me, inicial-mente, algumas dúvidas. Mas é preciso analisar a denúncia e as imputações nela individualizadas numa perspectiva mais abrangente, tal como mencionou o emi-nente Ministro CEzAR PELUSO.

é preciso considerar, para além do aspecto pontual do ato isoladamente mencionado, o próprio contexto e, neste, o “modus operandi” que se engendrou para a suposta prática do delito de lavagem de dinheiro, cujos elementos estru-turais, em tema de tipificação penal, parecem-me presentes, em juízo de estrita delibação, para efeito de admissibilidade da acusação penal.

Por isso, pedindo vênia, acompanho o eminente Relator.

É o meu voto.

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DEBATE(Sobre o item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, até acrescento argumento ao de Sua Excelência. Veja que coisa interessante: se o dinheiro tivesse sido formalmente registrado, tendo como destinatário o denunciado, este jamais poderia ser beneficiado por presunção de veracidade de que se tratava de forne-cedor, porque se iria perguntar: Presidente da Câmara, fornecedor da empresa? O que foi feito? Dissimulou-se o verdadeiro destinatário da quantia com o nome de uma mulher que, teoricamente, ninguém sabe quem seja e que poderia ser eventualmente tida por fornecedora. Esse foi o estratagema.

VOTO (Sobre o item III.1 da denúncia)

(Confirmação)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço a palavra. Quero apenas manifestar uma reserva quanto à imputação ao art. 1º, VII, da Lei 9.603/98, que diz respeito a dinheiro oriundo de organização criminosa.

Suspendo meu juízo por ora com relação a esse tópico, até porque não analisamos, ainda, se se formou ou não uma organização criminosa no sentido estrito da palavra.

Mantenho o meu voto.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 – crime de peculato)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, também acompanho o voto do Ministro Relator e juntarei o voto.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 – crime de peculato)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, também acom-panho o voto do eminente Ministro Relator.

Entendo que estão presentes, em tese, os contornos típicos do delito de pe-culato, e há substrato indiciário suficiente probatório para recebermos a denúncia nesse tópico.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, o denunciado detinha dispo-nibilidade jurídica dos recursos. Está justificado.

Recebo-a.

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DEBATE(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – crime de peculato)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, tenho uma dúvida. E peço ao Relator que afaste a minha insciência, pelo menos provisória, dos fatos.

O objeto da contratação não foi prestado ou foi prestado de modo desviado, tredestinado?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não foi prestado. Os órgãos incumbidos desse setor da Câmara dos Deputados informaram que não localiza-ram os relatórios; jamais ouviram falar desses relatórios. Ou seja, a Secreta-ria de Comunicação, que é o órgão específico, competente para o setor, não encontrou indícios de que os serviços contratados tenham sido efetivamente prestados.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou seja, a empresa contratada não era fantasma, porém o serviço...

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O que se alega é que prestava, em realidade, assessoria pessoal ao Presidente da Câmara.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – crime de peculato)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, quanto à disponibilidade jurídica, não há dúvida nenhuma, tanto que o recebimento por parte do subcon-tratado decorreu de ato expresso do denunciado.

Quanto à não-prestação do serviço, a declaração do Secom é suficiente.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – crime de peculato)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, o delito de peculato atri-buído ao ora denunciado parece subsumir-se, em sua estrutura típica, à modali-dade do peculato-desvio. O denunciado detinha, então, a disponibilidade jurídica daqueles valores.

Em juízo de admissibilidade da acusação penal, recebo a denúncia, porque apoiada em suporte probatório idôneo.

É o meu voto.

VOTO(Sobre o subitem “a.2” do item III.1 da denúncia – crime de peculato)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Também acompanho o voto do eminente Ministro Relator para receber a denúncia nessa parte.

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DEBATE(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – 2º desvio)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, Vossa Excelência me permite, só para facilitar? Peço que Vossa Excelência me indique aqui onde estaria a descrição da participação específica do Rogério, porque, aliás, acompa-nhando o voto de Vossa Excelência, apenas reconhecemos a condição de sócio, sem que tivesse sido individualizada a forma de participação.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Vou reler o trecho da denúncia. A empresa SMP&B...

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Esse trecho, não. Aí não há descrição. Os demais estão abrangidos pela condição que já foi afirmada e reconhecida como dirigentes da empresa, mas o Rogério, em relação ao qual nós reconhecemos que era mero sócio, seria necessário que ficasse...

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ele era advogado; era advogado também das empresas de Marcos Valério, mas ele era controlador de uma em-presa chamada Tolentino e Associados, que também está envolvida em outros...

O Sr. Ministro Carlos Britto: Fazia parte do pool de empresas.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não está imputada nenhuma conduta.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Tenho a impressão de que, no primeiro caso, nós afastamos a imputação sobre esse acusado porque se tratava de corrup-ção ativa. Nesse caso, pelo raciocínio de Vossa Excelência, estou entendendo que, por ser sócio da empresa, ele se beneficiou desses valores.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A acusação é no sentido de todo o grupo. O Marcos Valério tinha uma teia de empresas com as quais ele operava. Eu citei aqui, em trechos anteriores, várias dessas empresas. Mas, efetivamente, aqui não há. O que está envolvido aqui é a empresa SMP&B, e não há descrição com relação a Rogério, apenas em relação a Lanza Tolentino.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – 2º desvio)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, voto no sentido de rece-ber a denúncia com relação aos demais, excetuando, porém, Rogério Tolentino, sobre o qual não se apresentam elementos bastantes ao atendimento das condi-ções previstas no art. 41.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – 2º desvio)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, também recebo a denúncia com retificação feita pelo eminente Relator.

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Apenas consigno que, estudando essa questão, defrontei-me com uma di-ficuldade teórica que superei no sentido de saber se o particular poderia ou não praticar esse crime de peculato, que é tipicamente um crime cometido por funcio-nário público. Debrucei-me sobre a doutrina, também sobre a jurisprudência da Casa, e verifiquei o seguinte:

Nada obsta que o delito seja praticado por particulares, em co-autoria com o funcioná-rio público. Com efeito, desde que o estraneus [ou seja, aquele que está fora da administração pública] conheça a situação do intraneus [ou seja, aquele que é funcionário público] pode res-ponder como co-autor pelo crime próprio. Nas palavras de Luís Régis Prado, “A qualidade de funcionário público do agente se estende, também, aos co-autores ou partícipes do delito, fundamento no art. 30 do Código Penal”.

Esta Casa também tem jurisprudência nesse sentido. Há um habeas corpus relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, publicado no Diário da Justiça de 4-2-99, p. 211, cuja ementa diz o seguinte:

Peculato – Comunicação ao co-autor particular de condição de funcionário público para efeitos penais do intraneus, elementar do tipo.

Portanto, superada esta minha dúvida de natureza doutrinária e teórica, acompanho, integralmente, o voto de Sua Excelência o eminente Ministro Relator.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – 2º desvio)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, pelas razões expressas pelo Relator e com a exclusão que ele próprio propõe, também acompanho o voto de Sua Excelência.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – 2º desvio)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, a denúncia contém descrição de fatos, em tese, tipificados como crime, e aponta indícios suficientes de autoria, pelo menos num juízo de preliminar de admissibilidade da denúncia. Aqui, fico negativamente impressionado com esses desvios que são duplos.

Num primeiro momento – o Relator deixou isso bem claro –, houve uma subcontratação do objeto da licitação não meramente lateral, porém, central: 99,9% do objeto do contrato.

Em segundo lugar, a própria subcontratação se fez para realizar um serviço que não correspondeu ao objeto daquele licitado, ou seja, houve desvio também do próprio objeto da licitação.

Em última análise, há forte suspeita de que a empresa contratada fez apenas ou praticamente uma mediação: operou como intermediária na medida em que transpassou quase que totalmente o objeto da licitação, em cujos processos foi julgada vitoriosa e, por isso, contratada.

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No particular, quanto ao crime de peculato, acompanho o eminente Relator para receber a denúncia no que toca a Marcos Valério, Ramon Hollenbach, Cris-tiano Paz, excluindo Rogério Tolentino e incluindo João Paulo Cunha.

VOTO(Sobre o subitem “a.3” do item III.1 da denúncia – 2º desvio)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, observo aqui o refinamen-to, pelo menos em tese, dos expedientes destinados a fraudar o contrato, que não permitia, pelo edital, traspasse da totalidade do objeto. Deixou de ser transferido apenas 0,02%, o que permitia justificar que não foi transferida a totalidade dos serviços!

O Sr. Ministro Carlos Britto: E em oposição frontal aos termos do edital e da lei.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: “Não, não transferimos tudo. Ficou 0,02%.”

Acompanho o Relator.

VOTO(Sobre o subitem “b” do item III.2 da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho exatamen-te os termos do Relator.

Anexarei voto escrito, que é muito longo nessa passagem.

VOTO(Sobre o subitem “b” do item III.2 da denúncia)

O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Ministro Relator, única e exclusivamente para deixar bem clara e transparente a situação. No voto de Vossa Excelência, está dito: o denunciado Rogério Lanza Tolentino, cujo nome não figura no quadro societário da empresa DNA.

Pelo que entendi, não foi apenas esse fato que justificou a exclusão desse denunciado.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Nos outros tópicos, sim, esse fato foi relevante. Ele não é gestor da DNA, mas advogado dessas empresas.

O Sr. Ministro Eros Grau: Apenas para deixar claro: não é única e exclu-sivamente pelo fato de ele não ser sócio da empresa – porque os outros também não são – que Vossa Excelência o exclui do recebimento da denúncia. é isso?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Esse fato é preponderante para mim.

O Sr. Ministro Eros Grau: E por que não é preponderante para os outros dois?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Porque eles são administradores.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Os outros dois são administra-dores da empresa.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Pela falta de descrição, a denúncia não descre-veu a conduta do último, e sim dos primeiros.

O Sr. Ministro Eros Grau: Apenas quero deixar mais clara a questão, até para reforçar o voto de Vossa Excelência.

Acompanho o Relator.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, apenas para o meu escla-recimento: o que o Ministro Relator chama de desvio de recursos na verdade foi uma renúncia de receita?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não. Houve uma omissão em restituir ao Banco do Brasil os descontos obtidos; contratualmente, eles tinham de restituí-los ao Banco do Brasil. Com relação a Henrique Pizzolato, ele se omitiu em verificar se essa devolução estava sendo efetivada, e os outros se beneficia-ram disso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A dúvida que tenho – e estou a refletir em voz alta – diz respeito à exigência da qualificação “funcionário público”. Não estamos, aqui, no campo da co-autoria, quando há a participação do funcionário e a participação de um cidadão, mesmo que vinculado a pessoa jurídica de direito privado, como é o Banco do Brasil.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sociedade de economia mista.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sociedade de economia mista, pessoa jurídica de direito privado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas, para fins penais, é como se fosse servi-dor público.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): é como se fosse.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas onde está a equiparação?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): No art. 327 do Código Penal. O Estado brasileiro, a União controla o Banco do Brasil.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Exatamente, art. 327 do Código Penal. Ele é servidor público lato sensu.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Preceitua o art. 327 do Código Penal:

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora tran-sitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conve-niada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

§ 2º A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista (...)

Estou satisfeito, Presidente.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: é ainda mais grave.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: é mais grave.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Apenas para concluir. Ministro Relator, Vos-sa Excelência também me convence – a partir da denúncia, logicamente – de que o diretor do Banco do Brasil denunciado, mais do que leniente na exigência do retorno ao que devido ao Banco, parece – e estamos num campo ainda prefacial de julgamento – ter agido com cumplicidade.

Acompanho Vossa Excelência.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O comportamento desse diretor do Banco do Brasil será iluminado pelos itens seguintes.

VOTO(Sobre o subitem “b” do item III.2 da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, tive dúvidas porque, na defesa, falava-se inicialmente sobre os recursos da Visanet e o seu caráter es-tritamente privado. Mas, ainda que assim fosse, estaríamos submetidos à gestão do Banco do Brasil e, nessa condição, seriam recursos públicos.

Acompanho o Relator.

VOTO(Sobre o item III.3 da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho também o Relator neste ponto, salvo em relação, exatamente, ao indiciado e então Ministro Luiz Gushiken, por um motivo: o tempo todo, precisamente nas falas do Henri-que Pizzolato a descrição das condutas apresentadas – o que não fica muito claro em relação a ele –, não deixa claro que ele teria a posse ou que ele teria mandado, mas diz que teria de assinar, porque Luiz Gushiken teria determinado. Não en-contrei prova disso no material.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não acredito que este seja o momento de procurarmos essa prova.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Estou procurando um indício de que haveria essa relação.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O elemento indiciário que temos é uma afirmação de um subordinado, de alguém que, embora não fosse diretamente subordinado, estava sob o controle. Estamos tratando de serviços de comunicações. O Ministro Luiz Gushiken era o Secretário exatamente dessa área de comunicações. O Sr. Pizzolato controlava as comunicações no âmbito do Banco do Brasil e alega ter recebido ordem superior de um Ministro de Estado para que assinasse. Eu tenho isso como, pelo menos, indício suficiente para re-ceber a denúncia.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: De qualquer forma, nós vimos, no item an-terior, objeto dessa discussão – essa dúvida também me assaltava –, que esse Di-retor atuava com grande autonomia, tanto é que aceitamos a denúncia sem fazer

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nenhuma remissão à ordem por parte do Sr. Luiz Gushiken ou de qualquer outra eventual autoridade. Quem tem alguma vivência de poder público sabe que se poderia fazer sempre uma remissão espiritual a qualquer autoridade ministerial. E quem obrava com tal liberdade, como parecia obrar o Sr. Pizzolato.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Um diretor de marketing do Banco do Bra-sil, uma entidade que tem autonomia.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E a própria conclusão de Vossa Excelência no caso específico, em que não se menciona a presença de Luiz Gushiken.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eram outros fatos.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas eu estou a dizer que, primeiro, ele não

carecia dessa ordem e ficou essa remessa. Entendi – da própria passagem que Vossa Excelência transcreveu – que isso era uma ordem, um de-acordo. Quando, na verdade, sabemos que, em tese, a Secom não supervisiona a execução desses contratos.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: E nem detém a posse.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Seja em relação ao Banco do Brasil, seja

em relação à Petrobras, seja em relação às demais empresas.O Sr. Ministro Celso de Mello: Os aspectos agora abordados pelo Ministro

GILMAR MENDES, bem assim pela Ministra CÁRMEN LÚCIA, põem em destaque um tópico relevante da defesa do denunciado Luiz Gushiken. Esse de-nunciado assinala que o único suporte em que se apóia a denúncia para veicular a imputação do crime de peculato seria, tão-somente, o depoimento prestado por Henrique Pizzolato contra ele.

O exame desses dados informativos leva-me a concluir pela inexistência, na espécie, de indícios relevantes de autoria que possam dar suporte à acusação penal.

Não se pode ignorar, neste ponto, que o processo penal condenatório – precisamente porque não constitui instrumento de arbítrio e de opressão do Estado – representa, para o cidadão, expressivo meio de conter e de delimitar os poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da atividade de persecução penal. O processo penal, que se rege por padrões normativos consagrados na Constituição e nas leis, qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liber-dade do réu, a quem não podem ser subtraídas as prerrogativas e garantias asseguradas pelo ordenamento jurídico do Estado.

A imputação penal – que não pode constituir mera expressão da vontade pessoal e arbitrária do órgão acusador – deve apoiar-se em base empírica idônea, que justifique a instauração da “persecutio criminis”, sob pena de se configurar injusta situação de coação processual, pois não assiste, a quem acusa, o poder de formular, em juízo, acusação criminal desvestida de suporte probatório mí-nimo.

É por tal motivo que a jurisprudência desta Suprema Corte tem advertido, sabiamente, que não há justa causa para a instauração de persecução penal, se

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a acusação não tiver, por suporte legitimador, elementos probatórios mínimos, que possam revelar, de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime. Não se re-vela admissível, em juízo, imputação penal destituída de base empírica idônea, ainda que a conduta descrita na peça acusatória possa ajustar-se, em tese, ao preceito primário de incriminação.

Daí a razão de ser desta fase preliminar de controle jurisdicional da acusação penal, concebida, precisamente, para impedir a instauração de lides temerárias ou para obstar, como sucede no caso, em relação ao denunciado Luiz Gushiken, a abertura de procedimentos destituídos de base probatória que não se apóie em elementos mínimos de convicção.

Não se pode ignorar que, com a prática do ilícito penal – acentua a dou-trina –, “a reação da sociedade não é instintiva, arbitrária e irrefletida; ela é ponderada, regulamentada, essencialmente judiciária” (GASTON STEFANI e GEORGES LEVASSEUR, “Droit Pénal Général et Procédure Penale”, tomo II/1, 9. ed., 1975, Paris; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Di-reito Processual Penal”, vol. 1/11-13, itens ns. 2/3, Forense), tudo a justificar o ponderado exame preliminar dos elementos de informação, cuja presença revele-se capaz de dar consistência e de conferir verossimilhança às imputações consubstanciadas em acusações penais, sob pena de esta fase introdutória do processo penal de conhecimento transformar-se em simples exercício burocrá-tico de um poder gravíssimo que foi atribuído aos juízes e Tribunais.

Dentro desse contexto, assume relevo indiscutível o encargo processual que, ao incidir sobre o órgão de acusação penal, impõe-lhe o ônus de demons-trar, ainda que superficialmente, porém com fundamento de relativa consistên-cia, nesta fase preliminar do processo, os fatos constitutivos sobre os quais se assenta a pretensão punitiva do Estado.

O fato indiscutivelmente relevante, Senhora Presidente, é que, no âmbito de uma formação social organizada sob a égide do regime democrático, não se justifica, sem qualquer base probatória mínima, a instauração de qualquer processo penal condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se quali-fique como ato revestido de justa causa – em elementos que se revelem capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas sobre a ocorrência, ou não, dos fatos descritos em peça acusatória.

Não questiono, Senhora Presidente, a eficácia probante dos indícios, mas enfatizo que a prova indiciária – ainda que para viabilizar um juízo prévio de admissibilidade da acusação penal – deve ser convergente e concatenada, não excluída por contra-indícios, nem abalada ou neutralizada por eventual dubiedade que possa emergir das conclusões a que tal prova meramente circunstancial dê lugar, sob pena de o acolhimento judicial desses elementos probatórios indiretos, quando precários, inconsistentes ou impregnados de equivocidade, importar em incompreensível transgressão ao postulado constitucional da não-culpa-bilidade.

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Disso decorre, portanto, Senhora Presidente, que, com base em simples e unilaterais alegações pessoais, ou com apoio em mera suspeita, ninguém pode ser legitimamente processado em nosso sistema jurídico, tal como já o reco-nheceu este Supremo Tribunal Federal:

Inquérito. Queixa-crime. Alegações desapoiadas de indícios ou suspeitas fundadas. Juízo de delibação. Condição de procedibilidade (inexistência). Inviabilidade. Rejeição da queixa-crime e arquivamento do inquérito.(Inq 112/SP, Rel. Min. RAFAEL MAYER – Grifei.)

Queixa-crime.- Tratando-se de ação penal privada, sua análise, na fase de recebimento ou não dela,

se circunscreve ao crime que é apontado na queixa como praticado pelo querelado.- No caso, (...) há falta de justa causa para o oferecimento da queixa-crime por estar

inteiramente desacompanhada de qualquer elemento, mínimo que seja, de prova sobre a materialidade do crime, baseando-se o seu oferecimento tão-só na versão do querelante (...).

Queixa-crime que se rejeita por falta de justa causa.(RTJ 182/462, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Grifei.)

Vê-se, desse modo, como adverte a jurisprudência desta Corte Suprema (Inq 1.978/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, v.g.) e enfatiza o ma-gistério da doutrina (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. II/200-201, item n. 349, 2. ed., 2000, Millennium; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. 1/121, 4. ed., 1999, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal”, p. 188, 7. ed., 2000, Atlas, v.g.), que a legítima instauração de “persecutio criminis” pressupõe a existência de elementos pro-batórios mínimos que possam, ao menos, indicar a real ocorrência dos fatos imputados ao agente, não bastando, para tanto, meras referências genéricas, declarações unilaterais, depoimentos contraditórios ou conjecturas pessoais.

Daí a indagação que faço ao eminente Relator: o depoimento prestado por Henrique Pizzolato constituiria, no que se refere ao crime de peculato, o único elemento probatório existente contra Luiz Gushiken? Tenho a forte impressão de que sim, vale dizer, de que essa é a única prova existente, o que, a meu juízo, revelar-se-ia insuficiente para o recebimento da denúncia contra tal acusado. Não é o que lhe parece?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não.O Sr. Ministro Cezar Peluso: É bom levar em consideração também que,

com base nesse depoimento, a CPMI pediu o indiciamento do Sr. Ministro Luiz Gushiken. A interpretação desse depoimento é idêntica, tanto por parte da Pro-curadoria como da CPI.

O Sr. Ministro Carlos Britto: A mesma leitura.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Há outro dado que me parece re-

levante: há, em outras passagens deste processo, informações de que, nessa épo-ca, a comunicação era centralizada na Secretaria comandada pelo Sr. Gushiken, todos os órgãos. Não consta aqui desse tópico, mas de outro. Como a denúncia está dividida em diversos itens, temos essa informação mais adiante.

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O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, quero dizer tam-bém que a mesma dúvida que assaltou a eminente Ministra Cármen Lúcia me assaltou.

Estivéssemos nós já no transcurso da ação penal, esta imputação feita por apenas uma testemunha...

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Comprometida; não é uma tes-temunha, é um denunciado.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Enfim, um indiciado apenas, seria a denominada “chamada do co-réu”, e seria uma prova vista de forma muito relativa.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Bem relativa.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Com relação, especificamente, à or-

dem que teria sido recebida pelo Sr. Henrique Pizzolato no tocante a esses adian-tamentos, pinço um trecho do depoimento do Sr. Henrique Pizzolato, prestado na CPMI, que realmente enseja muita dúvida com relação ao poder que tinha o Sr. Gushiken quanto à autorização dessas antecipações.

Leio o exato trecho a que se referiu o eminente advogado da tribuna. Diz o Sr. Henrique Pizzolato o seguinte: Eu levei a informação, apresentei a nota ao chefe de gabinete, ao Ministro, que disse: Olha, assina. Não tem nada de inconveniente nisso. Está correto; é interpretação do Banco, reforçada pelo Vice-Presidente de Varejo, de que esses recursos, por não serem do orçamento do Banco, não se submetem à prévia aprovação da Secretaria de Comunicações. Portanto, esses recursos relativos aos adiantamentos não eram passíveis de serem autorizados pelo Secretário da Comunicação, pelo Ministro Gushiken.

Quer dizer, é uma dúvida que, na medida em que estamos tratando apenas de indícios, compromete seriamente a denúncia. Portanto, peço vênia ao eminen-te Relator para acompanhar a divergência neste aspecto.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu insisto: não estamos tratando de julgamento da ação penal. Estamos analisando indícios e, quanto a essa fase indiciária, mantenho o meu voto. Eu absolveria, sem dúvida, diante desses ele-mentos, mas não se trata disso.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Se estamos antevendo uma absolvi-ção provável, por que vamos submetê-lo à ação penal?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Porque é preciso investigar. Podem surgir novos elementos no curso da ação. Não podemos descartar.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, isso não.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se surgir, que faça nova denúncia.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O eminente Ministro Cezar Peluso tem nos ensinado que a ação penal não é instrumento de investigação. Ou a prova já está de certa maneira preconstituída na denúncia, ou está pelo menos indicada, ou não se pode aceitá-la.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não, a ação penal é, sim, o lócus para se investigar sob o contraditório.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Para provar, data venia, mas não para investigar.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Aqui estamos em uma fase ain-da precária e unilateral, já que conduzida pelo Ministério Público com o auxílio da polícia. Na ação penal, essa investigação far-se-á com muito maior segurança, sob o contraditório.

Acho que não podemos simplesmente descartar, sem mais nem menos, indí-cios dessa natureza.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Gostaria de ponderar à Corte, também, que o problema todo é saber se há indícios; não é um problema de deixar para ser provado no curso do processo, ou não. Estamos na fase de saber se há indícios.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): é isso que estamos fazendo aqui.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E, entre esses indícios, além do depoimento, temos de levar em consideração, em primeiro lugar, que o contrato era extramen-te importante para escapar à supervisão do co-denunciado.

Na cláusula 1ª, ele diz: “O presente contrato tem por objeto a execução pela contratada do serviço de publicidade do conglomerado Banco do Brasil, inclusive de empresas ou entidades que possam ser de crédito e da Fundação Banco do Brasil.”

Aqui discrimina tudo.

O desvio, apontado pelo Tribunal de Contas da União, chegou a três bilhões de reais. A pergunta é: o responsável teórico pelos serviços de comunicação do Go-verno estava alheio a movimentação dessa ordem? Essa é a primeira questão para efeito de indícios.

Se fosse um contratozinho de dez ou vinte reais, uma propagandazinha aqui ou lá, posso imaginar que escapasse à percepção ou ao acompanhamento do co-denunciado. Acho que o montante de dinheiro era muito grande para estar nas mãos independentes de um funcionário, de um diretor de marketing.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E esse diretor foi categórico.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas isso são ilações, data venia.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, são indícios, Ministro. Não são ilações infundadas.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Nós estamos julgando o que temos nos autos; quer dizer, nos autos temos uma única chamada e, se tivéssemos a ação penal, seria a chamada do co-réu.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Está nos autos, Ministro; está no Tribunal de Contas; está no contrato; está na condição, provada e objetiva, do co-denunciado.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sim, parece que não há dúvida de que houve desvio, e é por isso que o Sr. Henrique Pizzolato vai responder.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas isso não significa necessaria-mente, pelo menos com relação aos elementos que temos nos autos, que o Sr. Gushiken teria dado uma ordem.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Senhores Ministros, pela ordem das votações, gostaria de retornar a palavra à Ministra Cármen Lúcia, que ainda não concluiu o seu voto.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Quando fiz a pergunta, foi exa-tamente para saber – do que consegui ver, claro que não com a profundidade com que foi o exame do Relator em todo o período – se haveria outro dado a subsistir ou se tenho de me basear exatamente nesse único depoimento como o indício que nos levaria a aceitar a denúncia.

é basicamente isso, mas claro que com outros elementos, como esse que acaba de ser aprovado.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Acho esse um indício fortíssimo, um indício poderoso. é uma afirmação grave. é um diretor do maior banco bra-sileiro, quiçá da América Latina, que afirma ter recebido ordens de um Ministro de Estado para passar vultosos recursos a uma empresa nas condições descritas.

Não posso descartar isso.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Recursos não orçamentários.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Recursos do Banco do Brasil.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Apesar de achar um indício muito precário ainda, mas, somando a esse depoimento de Henrique Pizzolato toda a tramitação subseqüente dos contratos, aí, sim, não poderiam ser pelo menos do conhecimento do responsável pela Secretaria de Comunicações.

Portanto, nos termos do que tinha redigido, considero cumpridas as condi-ções exigidas pelo art. 41 e acompanho o voto do Relator.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Acompanha integralmente, Mi-nistra Cármen Lúcia, inclusive com relação aos demais?

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Acompanho integralmente, retirando aqueles que não foram recebidos por não haver descrição de conduta nem individualiza-ção, e até com relação a Rogério Tolentino, que também foi retirado.

VOTO(Sobre o item III.3 da denúncia)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, pelos motivos que explicitei, não recebo a denúncia com relação ao ex-Ministro Gushiken.

Também trago voto escrito, analiso a prova e vejo que, com relação aos Srs. José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, a acusação explicita-da na denúncia é extremamente genérica. Nesse aspecto, acompanho o eminente

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Relator. A vagueza com que as imputações foram formuladas contra esses acusa-dos impede que eles possam exercer efetivamente o direito de defesa.

Assinalo e pinço trechos da denúncia em que não há qualquer descrição no tocante a sua efetiva participação nos crimes de peculato, não lhes sendo impu-tada qualquer ação específica que tenha levado ao desvio de verbas nos contratos impugnados.

Não vi descrito o liame subjetivo entre os denunciados e esses delitos. Não há na denúncia, ademais, qualquer indicação das circunstâncias em que teriam sido praticados esses delitos, como também não há qualquer descrição de valores ou datas.

Também rejeito a denúncia de peculato constante neste item com relação a José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Também pelas razões expostas pelo eminente Relator, excluo o Sr. Rogério Lanza Tolentino.

VOTO(Sobre o item III.3 da denúncia)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, acompanho o Relator em relação a todas as exclusões, mas excluo também com relação a Luiz Gushiken. Faço-o porque a simples instauração da ação penal, com fundamento numa su-posta ordem – o voto do Relator diz “em cumprimento a uma suposta ordem” –, causa prejuízo extremamente grande. é mera ilação. Eu diria também que o fato de a CPI ter indiciado não é precedente para nós.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas mostra que o nosso raciocínio não é inédito.

O Sr. Ministro Eros Grau: Sim, mas, certamente, esta Corte não está presa nem aos acertos nem aos erros de comissões do Poder Legislativo. Engraçado, lembrei-me de uma das primeiras aulas de Direito Penal que tive com o meu que-rido Mestre Paulo José da Costa, que dizia que “pensiero non paga gabella”. Para mim, é muito nítido que estamos diante de uma ilação muito séria e muito grave.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro, não vi nenhuma denúncia por crime de pensamento.

O Sr. Ministro Eros Grau: E nem eu disse que está havendo; eu disse apenas que me lembrei dessa hipótese.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência é que está invocando um ditado que diz respeito a outra classe de crime.

O Sr. Ministro Eros Grau: Mas aqui há um pensamento, sim; é que seria uma suposta ordem do denunciado Luiz Gushiken. Está no voto do Ministro Relator.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Como suposta, Ministro? Foi afirmado por alguém.

O Sr. Ministro Eros Grau: Eu estou lendo aqui no voto.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Suposta para termos de denúncia, isto é, não temos certeza se aconteceu ou não.

O Sr. Ministro Eros Grau: Perfeito.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Até espero que não deva ter acontecido e que venha a provar-se que não aconteceu.

O Sr. Ministro Eros Grau: Ministro Cezar Peluso, para mim não há elemen-tos suficientes.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, para efeito de juízo provisório de denúncia, há uma afirmação.

O Sr. Ministro Eros Grau: Já há um prejuízo na simples instauração da ação penal, não podemos fazer isso automaticamente. Aqui as situações devem ser ponderadas.

Acompanho, no restante, o Ministro Relator, mas recuso em relação a Luiz Gushiken, como fez o Ministro Ricardo Lewandowski.

VOTO(Sobre o item III.3 da denúncia)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, de certa feita, li em Mer-leau-Ponty que a verdade sempre se nos dá num contexto, ainda que, para efeito de denúncia, indiciariamente.

Nesse contexto, percebo haver um depoimento que me impressiona. Esse depoimento é categórico, não é dúbio, não é vacilante, não é reticente, feito por um graduado funcionário do Banco do Brasil habituado a lidar com milhões e milhões de reais.

De que se trata aqui? De uma aplicação do Banco do Brasil no Fundo Vi-sanet; aplicação essa que, segundo vejo aqui, é em torno de setenta milhões de reais. Esse dinheiro, para fins penais, oriundo de uma economia mista, é público, inclusive para efeito de controle. E o dinheiro público não se despubliciza, não se metamorfoseia em privado pelo fato de ser injetado numa pessoa jurídica total-mente privada, como é a Visanet. O dinheiro continua público a despeito de sua movimentação por uma empresa privada.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas, Ministro Carlos Britto, o tipo penal abrange até mesmo recurso privado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Certo. Perfeito.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não há dissenso com relação a esse aspecto; todos estamos de acordo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse contexto, trata-se de contratos de ante-cipação de recursos para a prestação de serviços futuros, e numa espécie de – eu ainda estou falando, claro, indiciariamente – ciranda de delitividade, porque esses contratos serviriam de garantia para outros contratos já em outro banco, no Banco Rural.

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O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Vossa Excelência me permite apenas um aparte?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pois não, com todo o prazer.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Claro que não se trata de fazer a defesa de quem quer que seja, mas, compulsando os autos, vejo que esses adian-tamentos vinham sendo feitos desde 2001. São adiantamentos perfeitamente regulares, ou, pelo menos, eram adiantamentos usuais, e a irregularidade que se imputa...

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sem contrato, Ministro. Sem contrato!

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Adiantamento sem contrato?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: é o que consta dos autos.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E sem comprovação da aplicação.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: A irregularidade que se imputa ao Sr. Henrique Pizzolato é exatamente a de que não haveria uma correspondência com relação à comprovação de documentos e de recibos no que tange a esses adiantamentos. Essa é a irregularidade, que, no caso, não diz respeito aos adian-tamentos em si. Portanto, ainda que se entenda que o ex-Ministro Luiz Gushiken tenha dado a ordem quanto aos adiantamentos, não há nada de irregular nisso. A irregularidade consiste, exatamente, na falta de prestação de contas. E, aí, não há nenhuma imputação com relação ao Sr. Luiz Gushiken.

Por isso e pelas razões anunciadas anteriormente é que rejeitei a denúncia.

O Sr. Ministro Carlos Britto: A meu ver, nesse contexto, há indícios sufi-cientes, sim, de materialidade de autoria; há comportamentos que, em tese, são delituosos. Para efeito desse juízo preliminar, prefacial ou delibatório de admis-sibilidade da denúncia, acho que há elementos suficientes, e também entendo com o Ministro Relator que o caso exige uma apuração mediante um locus mais apropriado, dado o vulto das acusações e dos recursos financeiros envolvidos na instrução criminal.

Senhora Presidente, concluo, sem querer adiantar juízo de mérito, absoluta-mente, mas impressionado com a facilidade com que são movimentados, aqui no Brasil, tantos recursos públicos e sem contrato, sem comprovação.

Eu me permito lembrar que Padre Antônio Vieira, no século XVII, falando sobre o comportamento dos governadores aqui na América lusitana e na América espanhola, que se chamavam antigamente de Índias Ocidentais, porque Colombo pensou que houvesse aportado, desembarcado aqui, ou desembocado na Ásia; e chamava a América de Índias Ocidentais. Num trocadilho bem posto e atualíssi-mo, o Padre Antônio Vieira disse assim: “Os governadores chegavam pobres às Índias ricas e saíam ricos das Índias pobres.”

Esse contexto histórico me impressiona muito, porque há uma renitência patrimonialista brasileira que me desalenta a própria cidadania.

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Nesse contexto, recebo a denúncia com o Relator, com todas as exclusões por Sua Excelência também sugeridas.

é como voto.

VOTO(Sobre o item III.3 da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, também vou pedir vênia para acompanhar o eminente Relator.

Já adiantei alguns pontos de vista a esse respeito, mas gostaria de fazer uma observação.

Quando se fala em prova – e isso é coisa elementar das primeiras aulas, nem diria de Direito Penal, mas de Introdução à Ciência do Direito –, no sistema do ordenamento brasileiro existem duas grandes categorias de provas: as provas diretas, também chamadas histórico-representativas, e as provas indiretas, cha-madas provas indiciárias ou crítico-lógicas. As provas diretas são aquelas de cujo suporte irradia-se imediatamente um juízo de certeza, e as provas indiretas basi-camente consistem numa operação intelectual e podem, de certo modo, mas sem conotação pejorativa, ser chamadas de ilações, mas ilações fundadas. E fundadas por quê? Porque consistem em tirar, de um fato provado, uma relação lógica com outro fato, que é desconhecido, mas que se tem por provado mediante a ilação.

Exemplo escolar é o do veículo que abalroa outro pela traseira, autorizando a ilação de que quem o fez pela traseira é o culpado. O fato conhecido é que houve o abalroamento pela traseira, a culpa já é uma ilação, mas fundada na experiência de que quem bate pela traseira, ou não estava atento, ou não guardava a distância regulamentar, etc. O que teria de ser provado é o fato extraordinário de que o carro da frente parou de repente e deu marcha a ré! Isso é que não pode ser objeto da ilação.

Aqui no caso temos vários fatos encadeados que estão provados, a partir dos quais me é lícito, como julgador, fazer uma ilação, uma inferência, que cons-titui prova indiciária, suficiente para recebimento da denúncia.

Eu não posso rejeitar a denúncia – e a minha tendência é realmente demons-trar-se, no curso do processo, que tudo isso não passou de uma ilação cujos fatos fundantes não são verdadeiros –, pelo montante sobretudo das movimentações, não apenas pelo montante, mas também pelo envolvimento da DNA, conhecida da engrenagem, e mais, sem contratos. Os desvios foram concretizados sem a existência de contratos. No mínimo, seria caso de imaginar peculato culposo de quem, devendo supervisionar, na direção superior do serviço de comunicações, não estaria a par de desvios que atingiram, naquela época, o montante de dois bilhões e novecentos milhões de reais, nem verificou que as reservas, os recursos do fundo que pertenciam ao Banco do Brasil, e que deviam ser por este gerenciados, estavam sendo destinados para empresa que não prestava serviços e, além disso, emitia notas fiscais falsas – conforme laudo do instituto de criminalística – para justificar serviços que não realizava. Ninguém sabia disso? Por que o Sr. Henrique Pizzolato se teria dirigido ao co-denunciado?

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Diante dessas circunstâncias, não posso deixar de reconhecer que há ele-mentos indiciários suficientes para receber a denúncia. é o que faço, pedindo vênia à divergência.

VOTO(Sobre o item III.3 da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, desde a leitura da peça, assaltaram-me dúvidas quanto à responsabilidade penal, para os termos da denúncia, do Sr. Luiz Gushiken. E, ainda agora, o Procurador-Geral, dando res-posta àquilo que foi afirmado da tribuna, traz considerações sobre esses fatos e transcreve aquela já multicitada e multilida passagem do debate na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em que o Senador Cézar Borges perguntava:

O Sr. Cézar Borges (PFL-BA): Mas o Ministro Gushiken sempre disse “assine o que é preciso assinar”.

Na verdade, é disso que se trata para saber se temos uma prova mínima indiciária suficiente para a aceitação da denúncia.

O Sr. Henrique Pizzolato: Sim, senhor. No caso dessa nota específica ele disse: “Assi-na, porque não há nenhum problema. Isso é bom. O banco...

O Sr. Cézar Borges (PFL-BA): Então ele lhe deu esse respaldo de responsabilidade que o sr. deveria assinar inclusive aquilo que autorizava o adiantamento da DNA.

O Sr. Henrique Pizzolato: Olha, entendi aquilo como uma ordem. Eu não iria me con-frontar ao Ministro e...

São passagens com sinais de evasivas.

O Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ): Sr. Pizzolato, se V. Sª não quiser responder, não res-ponda. Mas eu estou fazendo uma pergunta objetiva: o Ministro Gushiken determinou a V. Sª que fizesse o pagamento à agência DNA?

O Sr. Henrique Pizzolato: Ele disse-me que era para assinar as notas...O Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ): Assinar a nota significa o quê? Por que V. Sª tinha

de assinar a nota?O Sr. Henrique Pizzolato: Porque eu tinha que dar o “de acordo”.O Sr. Eduardo Paes (PSDB-RJ): O “de acordo” de V. Sª significava autorização? O Sr. Henrique Pizzolato: Significava que a Diretoria de Marketing iria estruturar as

campanhas com recursos da Visanet junto com os demais...O Sr. Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP): Quem pediu para você assinar essa autorização

de R$ 23,3 milhões para DNA? O Sr. Henrique Pizzolato: Eu fui ao Presidente do Banco [aí observa-se um outro círculo

de hierarquia, que faz todo sentido. Nós estamos a falar de uma Diretoria de Marketing do Banco do Brasil], ao Vice-Presidente de Varejo. Já relatei isso aqui e fui à Secom e mostrei...

Será que o Presidente do Banco do Brasil e o Vice-Presidente seriam co-autores desse delito?

O Sr. Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP): Secom. O que é Secom? O Sr. Henrique Pizzolato: é a Secretaria de Comunicação.O Sr. Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP): Isso é Palácio. O Sr. Henrique Pizzolato: O que o Ministro disse é que não via nenhum problema, que

era uma boa notícia, porque o Banco teria e isso eu relatei no início, (...)

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Depois, vejo na denúncia que se imputa, na verdade, o desvio por falta de fiscalização na execução. Não imagino, embora os fatos todos sejam deploráveis em toda a sua extensão, que se possa exigir necessariamente deste Ministro ou de qualquer outro, porque seriam responsáveis, então, pelos desvios de todas as estatais – o Ministro das Minas e Energia por todas as grandes empresas, a Ele-trobrás, a Petrobras –, que só por isso eu possa fazer uma ilação.

De modo que, exatamente com base nos mesmos fatos aqui mencionados pelo Ministro Cezar Peluso, chego a uma conclusão divergente. Se, no curso do processo, de fato se demonstrar a responsabilidade do ex-Ministro, deve-se fazer a denúncia adequada, mas com esses elementos. E nem vou aqui trazer aquilo que parece ter ficado perceptível para a própria CPI: que havia uma tensão dia-lética, alguma desinteligência entre este Diretor e o Secretário de Comunicação. Parece algo que não está sob dúvida.

Mas esses elementos realmente dificultam. E se ficarmos nesse estágio da discussão, será palavra contra palavra, até porque a fraude parece ter residido não na eventual antecipação, mas na execução, na prestação de contas, na prestação do serviço.

E também não é curial, não é pelo menos comum que uma autoridade, um diretor de banco ou um diretor de empresa se dirija ao Ministro de Estado para perguntar se assina, ou não, uma nota. Também isso está no campo das inveros-similhanças, pelo menos.

De modo que, diante desses elementos, que são leituras de fatos, não consigo ver esses indícios. E aqui realmente me vem o significado que a ação penal tem. Deixá-la transitar tão-somente para que se adensem elementos, sendo que, na verdade, estamos a ter uma informação contra a outra. Sem dúvida, não tenho condições de aceitar esta prova que está muito tênue.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, eu até concordaria com Vossa Ex-celência, se houvesse prova nos autos de que o Sr. Henrique Pizzolato não tinha nenhum contato com o co-denunciado.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Consta que seria até o desafeto dele.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não vi nada nesse sentido nos autos.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Consta onde, Ministro?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Tudo é uma questão de leitura com os mesmos fatos.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se Vossa Excelência mostrar que a respeito conste alguma coisa...

O Sr. Ministro Carlos Britto: Com os mesmos fatos, os mesmos eventos e até documentos e leis, tudo admite leitura diversificada. Se eu mudar a entonação de voz para o lado oposto da entonação adotada pelo Ministro Gilmar Mendes, a conclusão será outra.

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Leio o seguinte:

O Sr. Cézar Borges (PFL-BA): Mas o Ministro Gushiken sempre disse “assine o que é preciso assinar”.

O Sr. Henrique Pizzolato: Sim, senhor. No caso dessa nota específica ele disse: “Assi-na, porque não há nenhum problema. Isso é bom. O banco...

O Sr. Cézar Borges (PFL-BA): Então ele lhe deu esse respaldo de responsabilidade que o sr. deveria assinar inclusive aquilo que autorizava o adiantamento da DNA.

O Sr. Henrique Pizzolato: Olha, entendi aquilo como uma ordem. Eu não iria me con-frontar ao Ministro e...

Vejam como muda tudo. Houve dubiedade nisso, vacilação? Absolutamente, ele foi categórico, emprestando uma qualificação objetiva ao seu depoimento. E estamos num campo indiciário.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Ministro Gilmar Mendes, Vossa Excelência, então, não recebe?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, eu já tinha dito, confor-me o Ministro Carlos Britto, que, diante dos mesmos fatos, temos perspectivas diferentes. Não vejo como, pelo menos no estado atual do processo, esta ação possa ser devidamente instaurada em relação a Luiz Gushiken com alguma plau-sibilidade de que venha eventualmente a resultar numa possível ou eventual conde-nação. Todos os elementos levam exatamente a esse impasse.

Por isso manifesto-me seguindo o Relator em relação aos demais aspectos já destacados, no sentido da – neste passo – rejeição da denúncia em relação a Luiz Gushiken, até porque, a dar credibilidade ao que disse Pizzolato, talvez Gushiken esteja faltando em relação a todos os demais crimes imputados a Pizzolato, por-que ele certamente estaria submetido, ou talvez até Pizzolato não teria cometido crime nenhum, seria um mero agente de execução.

Fico realmente perplexo com relação a isso. Por outro lado, tenho essa dificuldade de imaginar diretores de estatais se dirigindo a Ministros de Estado para pedir autorização para assinar notas. Fico a imaginar o que faria o Ministro das Minas e Energia.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Notas de setenta milhões de reais. Não são notinhas de compras de supermercado!

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Que seja. Fico a imaginar o Ministro das Minas e Energia despachando com os diretores da Petrobras.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Vossa Excelência conhece tão bem a administração federal como eu e sabe que certas decisões envolvendo cer-tas cifras não são tomadas sem passar pelo crivo político-administrativo de um certo nível. é disso que se trata aqui.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A própria filosofia da Secretaria de Comu-nicação já indicava, nos vários governos, a fixação de diretrizes quanto à locação de recursos de publicidade, que sabemos serem elevados. Mas, daí dizer que o chefe determina, seria preciso que houvesse mais elementos nos autos.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): No mais, Vossa Excelência acompanha o Relator?

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, no mais, acompanho o Ministro Relator.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, estamos a lidar com questões ligadas ao grande todo, que é a publicidade. é sabido que a publicidade por vezes não é implementada como previsto na Constituição, com observância de balizas legais.

Neste primeiro passo, apreciamos tão-somente a existência de indícios, não se exigindo prova para concluir-se pela legitimidade passiva de envolvidos.

O que há na espécie? Não vou, aqui, perquirir como um diretor do Banco do Brasil chega ao respectivo cargo, não vou levar em conta a origem da caminhada. O que se tem, então, no caso? Tem-se que pessoa altamente qualificada – porque, como já salientado pelo Relator, diretor do Banco do Brasil – compareceu a órgão merecedor, também, da maior respeitabilidade, um órgão do Parlamento, uma Comissão Parlamentar de Inquérito, e, questionada, veiculou que praticou atos a partir de orientação, e o fez de forma clara, precisa, daquele que capitaneava, à época, a comunicação e a gestão estratégica da Presidência da República. Ora, podemos, diante desse contexto, dizer que é manifesta – e é o vocábulo utilizado pelo Código de Processo Penal – a ilegitimidade do ex-Ministro Luiz Gushiken para figurar no pólo passivo da ação penal? A meu ver, não, a não ser que par-tamos, nesta fase, para a exigência de prova robusta do comprometimento do ex-Ministro. Indagado várias vezes, o Sr. Henrique Pizzolato afirmou, e catego-ricamente, que assinara a nota a partir de determinação. Se não o fizesse, o que poderia ocorrer? Não sei, e não vou revelar, já que detentor de cargo demissível a qualquer momento, por determinação do todo-poderoso, à época e no âmbito de atuação, o Ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República.

Como estou limitado ao exame de simples indícios da autoria, tenho que a situação desse ex-Ministro é diversa da situação, por exemplo, do ex-Ministro José Dirceu, já excluído ante a ilegitimidade até aqui manifesta, sem prejuízo inclusive de a denúncia vir a ser aditada, pelo próprio Relator, o mesmo aconte-cendo com José Genoíno, hoje deputado, Sílvio Pereira e Delúbio Soares. O Sr. Pizzolato, segundo depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito, não atuou por força de indicação – não vou falar determinação – desses senhores, mas de-clarou expressamente que atuou, e de forma reconhecida, ante o que asseverou – e já foi ressaltado pelo Ministro Carlos Ayres Britto –, sob orientação do Ministro Gushiken.

Peço vênia àqueles que divergem para, até mesmo, não sufragando a máxima segundo a qual a corda estoura do lado mais fraco, receber a denúncia.

VOTO(Sobre o item III.3 da denúncia)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, todos sabemos que, para o recebimento da denúncia, é desnecessária a prova completa, cabal, taxativa da

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ocorrência do crime e de seu autor. Por isso mesmo, este Supremo Tribunal tem reiterado, em sua jurisprudência, ser fundamental, nesta fase preliminar do pro-cesso penal condenatório, que a peça acusatória seja sustentada por documentos que revelem indícios suficientes de autoria, porque, sem um substrato probatório mínimo, descaracterizar-se-á, por completo, um dos requisitos necessários ao exercício da ação penal, restando configurada, em tal situação, quando ocorrente, a ausência de justa causa.

A mim me parece, Senhora Presidente, não haver elementos indiciários consistentes que possam suportar uma acusação contra o ex-Secretário de Co-municação Luiz Gushiken. Entendo – como já o fizeram os eminentes Ministros RICARDO LEWANDOWSKI e GILMAR MENDES – que os indícios são ex-tremamente frágeis e que a prova indiciária, meramente circunstancial, não pode conferir segurança ao recebimento da denúncia. Tal situação, como é evidente, não impedirá o Ministério Público, dispondo de outros elementos mais consis-tentes, de renovar a pretensão punitiva do Estado, mediante indicação de dados probatórios que realmente possam viabilizar o oferecimento da acusação penal. Mas, com os dados até agora produzidos, não me sinto seguro para receber a denúncia.

De outro lado, indago, ao eminente Ministro Relator, e no que concerne ao chamado “núcleo duro” da organização criminosa, se, em seu voto, ao se refe-rir ao “núcleo central da hipotética quadrilha”, nele inclui os denunciados José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares?

Ao examinar a imputação de suposta prática do delito de peculato, tipifi-cado no art. 312 do Código Penal, o eminente Relator fez constar, do seu douto voto, uma passagem que qualifica como trecho pertinente e expressivo da de-núncia:

uma vez sob disposição do núcleo Marcos Valério, o montante foi empregado para pagar propina e dívidas de campanhas eleitorais por ordem de José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares. Além disso, como já relatado, uma das antecipações serviu para abater um dos empréstimos do BMG que suportaram a engenharia ora denunciada.

E a tanto se limitaria, segundo compreendi, a acusação referente à suposta prática do crime de peculato.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Exatamente. A denúncia se limita a isso, em relação a esse núcleo.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Fui conferir a denúncia, porque ela é muito extensa e abrange uma multiplicidade de fatos, de eventos e de protagonistas. A mim me parece, no entanto, que somente essa descrição é insuficiente para se ter por cumprido um ônus que incumbe, exclusivamente, ao Ministério Público, em tema de formulação de acusação penal. A mim me parece, na verdade, que essa descrição é extremamente precária e, portanto, inviabilizadora do recebi-mento da peça acusatória.

Por isso, Senhora Presidente, pedindo vênia, acompanho o voto proferido pelo eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, no ponto em que não recebe a denúncia contra Luiz Gushiken.

É o meu voto.

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VOTO(Sobre os subitens “a.2”, “a.1” e “c.1” do item III.3 da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho o Relator, salvo com relação ao inciso VII da Lei 9.613, relativamente a Henrique Pizzolato, por aqui ficar provada essa organização criminosa, nessa passagem específica. Não há uma descrição, nem na denúncia, nem nos autos.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Se ele ajudou a irrigar os cofres da suposta organização criminosa...

O Sr. Ministro Carlos Britto: E a origem do dinheiro.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): é uma das fontes.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: A origem sim, mas para este caso não há.

De toda sorte, como estou recebendo conforme Vossa Excelência com re-lação à denúncia, essa pontuação quanto aos itens específicos não conta, apenas para ressalvar, porque ainda não votamos em relação a isso inclusive.

VOTO(Sobre os subitens “a.2”, “a.1” e “c.1” do item III.3 da denúncia)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, acompanho o Relator com a ressalva levantada pela Ministra Cármen Lúcia.

VOTO(Sobre os subitens “a.2”, “a.1” e “c.1” do item III.3 da denúncia)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço vênia por-que eu já havia feito essa mesma ressalva num item anterior. Então, nesse aspec-to, também acompanho a Ministra Cármen Lúcia.

VOTO(Sobre o item IV)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, sigo o voto do Relator integralmente e, também, neste ponto, anexarei o meu voto.

VOTO(Sobre o item IV)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, acompanho o Relator, mas faço uma ressalva com relação ao inciso VII do art. 1º da Lei 9.613. Esse inciso cuida de dinheiro proveniente de organizações criminosas, figura criada pela Lei 10.217, que alterou a Lei 9.034. Assinalo que a denúncia apenas imputou a alguns denunciados o delito de formação de quadrilha, que consta do art. 288 do Código Penal.

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VOTO (Sobre o item IV)

(Retificação)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, também reajusto o meu voto, como fiz nos outros.

VOTO(Sobre o item IV)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, faço a mesma ressalva do Ministro Ricardo Lewandowski. Tenho os meus cuidados com relação a essa conceituação, e o que li em Alberto Silva Franco me deixa em dúvida.

VOTO(Sobre o item IV)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, a imputação que se faz aqui, Ministro Relator, centralmente, é a de lavagem de dinheiro?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Lavagem de dinheiro em rela-ção a todos.

O Sr. Ministro Carlos Britto: A todos que são dirigentes do Banco Rural.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Do Banco Rural e do núcleo do Marcos Valério.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Conjugadamente?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Conjugadamente.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Eminente Ministro, a minha pre-ocupação é que a lei que cuida de organizações criminosas traz sanções mais severas, inclusive com relação a cumprimento de penas e eventuais medidas cautelares em termos de privação de liberdade. Portanto, faço essa ressalva em face de eventuais conseqüências que uma imputação relativamente a esse inciso possa ter.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas a imputação aqui não terá conseqüências, na eventualidade de abertura da ação penal, no plano da aplica-ção de pena. O dispositivo fala em lavagem de dinheiro proveniente de crimes contra a administração pública, contra o sistema financeiro e decorrente de or-ganização criminosa, mas não remete à Lei das Organizações Criminosas para efeito de fixação de pena. A pena é a da própria Lei 9.613. Eu não vejo essa conseqüência.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, vou pedir vênia à dissi-dência e acompanhar o Relator integralmente.

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VOTO(Sobre o item IV)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, também acompanho o Relator, não sem antes pedir vênia para fazer algumas observações rápidas, mas relevantes, em face de dúvidas que surgiram aqui, logo no início do julgamento, algumas das quais já tentei esclarecer.

Ficou claramente demonstrado pelo eminente Relator, com base em ele-mentos constantes dos autos, qual o mecanismo de ocultação e dissimulação, não apenas da origem, mas da localização, movimentação e propriedade dos valores. Tudo ocorreu mediante dissimulação em relação ao accipiens, usando-se dos seguintes expedientes: intermediação de pessoas, normalmente simples, mas também assessores, etc., que recebiam, em nome pessoal, em agência diversa, valores correspondentes a cheques nominais à DNA e à SMP&B, cujos registros eram feitos em nome dos sacadores, quando, na verdade, eram levantados por terceiros, que, evidentemente, passavam recibo, pois mais cedo ou mais tarde poderia ficar dúvida sobre os pagamentos. No entanto, o recibo não tinha nada a ver com o registro contábil, no qual constava que quem sacou foi o próprio endos-satário do cheque.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Havia dois registros contábeis.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pior, havia duplicidade de registros contá-beis!

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Esses recibos eram feitos e fica-vam exclusivamente com Marcos Valério. Era para controle interno do Marcos Valério.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Eram só para controle interno, isto é, para não dizer que sumiram com o dinheiro. Sabia-se a quem o dinheiro era entregue.

Vejam bem o requinte do procedimento: registra-se o saque em nome de uma pessoa jurídica; um terceiro recebe e entrega o dinheiro a um quarto, o verdadeiro destinatário – deputados e outros mais. Então, são irregularidades gravíssimas que mostram como se ocultava a destinação dos valores. Falava-se, claramente, que quem recebeu foi o Sr. Genú. Mas o Genú não consta da contabili-dade; o Genú não era o destinatário; o Genú era apenas um nome que dissimulava a identidade de quem recebeu verdadeiramente. é muito interessante percebermos como funcionava, pelo menos teoricamente e em termos de juízo provisório, todo esse expediente de dissimulação.

A segunda dúvida é quanto à participação de Ayana. Há aqui, pelo menos, três depoimentos textuais de diretores do próprio Banco (fl. 36), que narram quem recebia, quem dava autorizações e tomava ciência, e que eram José Roberto Salgado e Ayana Tenório – todos os Vice-Presidentes tinham ciência dessa mo-vimentação.

Logo mais adiante, o mesmo Sr. Godinho, que era do Banco, diz:

Depois da entrada de Ayana, ele saiu e ela passou a ser responsável – e também era avisada das irregularidades.

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Um pouco mais à frente, também se confirma que as dúvidas a respeito da participação da Ayana não eram fundadas em relação ao suporte de prova, como se pode ver, e que ela tinha inteiro conhecimento, como membro estatutário do Comitê de Compliance.

Por isso, acompanho integralmente o Ministro Relator.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro Peluso, também me chamou a atenção os contratos de mútuos entre as empresas do mesmo grupo; ou seja, embora em um juízo prefacial, há um banco de indícios suficientes para respaldar a denúncia.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O mais interessante é que o Sr. Marcos Valé-rio deu explicações de por que se fazia isso. Está aqui:

os recursos tinham que ser entregues em espécie, já que a movimentação no sistema financeiro deixaria um registro de operações que não tinham sido contabilizadas; que, desta for-ma, surgiu a sistemática de saques das contas do declarante e repasses, em dinheiro, às pessoas indicados por Delúbio Soares,

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, acompanho o Relator no voto proferido, salientando que, no tocante a Rogério Tolentino, existem indícios que tornam envolvidas empresas das quais seria titular. Há essa peculiaridade ressaltada pelo Relator.

VOTO(Sobre o item 7)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho o Relator.

Faço apenas uma ressalva rapidíssima, porque já fiz em outras oportunida-des, que, neste item, especificamente, o Ministério Público faz reiteradas remis-sões e menções à organização criminosa, ao esquema criminoso, à quadrilha, entre outros. Mas, como isso não está em questão, apesar daquele inciso VII, recebo a denúncia, conforme oferecida, nos termos do voto do Relator.

VOTO(Sobre o item 7)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, recebo e faço a ressalva do inciso VII.

VOTO(Sobre o item 7)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, aqui, também, eu entendo que há indícios suficientes de autoria do crime de lavagem de dinheiro para todos os denunciados, sobretudo se atentarmos para a ambiência em que os fatos supos-tamente ocorreram, porque sabemos que o individual ganha definição, sentido e

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é, realmente, mediante o contato com o todo. Assim é que se traz para cada parte uma qualidade que é do todo mesmo. Nós aprendemos muito isso no processo de interpretação sistemática do direito.

Aqui, não posso deixar de dizer, ainda uma vez, que me causa estranheza a facilidade com que se dispunha de dinheiro, e dinheiro vivo. Os sacadores desse dinheiro, aos borbotões, e seus destinatários, ou partiam para uma razoabilíssima desconfiança do procedimento, da origem, do modo, da facilidade, ou assumiam uma postura de cumplicidade. Acho que, no plano dos indícios, é possível, sim, receber a denúncia.

E digo mais: também me causa estranho, não posso deixar de dizer, que um partido político, que não é de empresários, é de trabalhadores, até nominalmente, dispõe-se a financiar candidatos não apenas dele, desse partido, mas de outros partidos, e sem contabilização – digamos – normal, regular, a se dar institucional-mente de um diretório nacional para diretórios regionais e até diretórios municipais.

Ouvi, aqui, da tribuna, dizer que o saque de dinheiro em espécie não cons-titui crime de nenhum modo. Mas é de se perguntar: que espécie de dinheiro é esse que chega com tanta facilidade, aos borbotões, e num volume tão vultoso, tão acentuado?

Senhora Presidente, vejo também indícios de materialidade e de autoria.

Acompanho o Relator.

VOTO(Sobre o item 7)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, também está provado, até por reconhecimento de todos os denunciados, o mecanismo que já reconhecemos como meio de realização do tipo que lhes foi imputado.

Só me resta considerar que as defesas podem ser resumidas na alegação de inexistência de elemento subjetivo do tipo, coisa que pode ser deixada para a ins-trução criminal. Mas não posso deixar de observar o seguinte: todos eles – aliás, nenhum deles é um apedeuta; ao contrário, um até é professor –, são experientes, políticos, líderes partidários, ministros, assessores com ampla vivência política, e suas defesas se atêm à alegação de que ignoravam a origem do dinheiro, que, supostamente, devia ser legítimo, provindo do partido. Ora, como esses homens, com toda essa vivência, com toda essa experiência, não tiveram a desconfiança de que um dinheiro que aparece assim com tanta facilidade, que não vem dos cofres do partido, que não é registrado, que não é oferecido por cheque, enfim, que se reveste de um conjunto circunstancial de atipicidade extraordinária, tinha origem ilícita? é difícil de acreditar. E mais: em alguns casos, por exemplo, o de Anita Leocádia, como é que o líder que recebeu o dinheiro podia deixar de desconfiar que o dinheiro entregue em quarto de hotel não seria lícito?

Com o devido respeito, recebo a denúncia, nos termos do voto do Ministro Relator.

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VOTO(Sobre o item VII)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, tive dúvidas, inicial-mente, em relação a determinados assessores, especialmente tendo em vista os fatos aqui relatados.

A massa de recursos, a rigor, pelo menos nesta fase, retira a possibilidade de uma rejeição in limine da denúncia em relação à questão da lavagem de di-nheiro.

De modo que, fazendo apenas esse juízo prévio, também me manifesto na linha do voto do Relator.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.245/MG — Relator : Ministro Joaquim Barbosa. Autor: Ministério Público Federal. Denunciados: José Dirceu de Oliveira e Silva (Advogados: José Luis Mendes de Oliveira Lima e outros), José Genoíno Neto (Advogados: Sandra Maria Gonçalves Pires e outros), Delúbio Soares de Castro (Advogados: Celso Sanchez Vilardi e outros), Sílvio José Pereira (Advogados: Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró e outros), Marcos Valério Fernandes de Souza (Advogados: Marcelo Leonardo e outros), Ramon Hollerbach Cardoso (Advogados: Hermes Vilchez Guerrero e outros), Cristiano de Mello Paz (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), Rogério Lanza Tolentino (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Simone Reis Lobo de Vasconcelos (Advogado: Marcelo Leonardo), Geiza Dias dos Santos (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Kátia Rabello (Advogados: Theodomiro Dias Neto e outros), Jose Roberto Salgado (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), Vinícius Sama-rane (Advogados: José Carlos Dias e outros), Ayanna Tenório Tôrres de Jesus (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), João Paulo Cunha (Advogados: Alberto zacharias Toron e outra), Luiz Gushiken (Advogados: José Roberto Leal de Carvalho e outros), Henrique Pizzolato (Advogados: Mário de Oliveira Filho e outros), Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto (Advogados: Eduardo Antônio Lucho Ferrão e outros), Jose Mohamed Janene (Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira e outros), Pedro Henry Neto (Advogados: José Antonio Duarte Alvares e outro), João Cláudio de Carvalho Genú (Advogados: Marco Antonio Meneghetti e outros), Enivaldo Quadrado (Advogados: Priscila Corrêa Gioia e outros), Breno Fischberg (Advogados: Leonardo Magalhães Avelar e outros), Carlos Alberto Quaglia (Advogados: Dagoberto Antoria Dufau e outra), Valdemar Costa Neto (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Jacinto de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Antônio de Pádua de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues) (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Roberto Jefferson Monteiro Francisco (Advogado: Luiz Francisco Corrêa Barbosa), Emerson Eloy Palmieri (Advogados:

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Itapuã Prestes de Messias e outra), Romeu Ferreira Queiroz (Advogados: José Antero Monteiro Filho e outros), José Rodrigues Borba (Advogados: Inocêncio Mártires Coelho e outro), Paulo Roberto Galvão da Rocha (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), Anita Leocádia Pereira da Costa (Advogado: Luís Maximilia-no Leal Telesca Mota), Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho) (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), João Magno de Moura (Advogados: Olinto Campos Vieira e outros), Anderson Adauto Pereira (Advogados: Castellar Modesto Guima-rães Filho e outros), José Luiz Alves (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) (Ad-vogados: Tales Castelo Branco e outros), zilmar Fernandes Silveira (Advogados: Tales Castelo Branco e outros).

Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por unanimidade, rece-beu a denúncia pelo delito de gestão fraudulenta de instituição financeira (item V) contra os acusados José Roberto Salgado, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, Vinícius Samarane e Kátia Rabello, ressalvado o voto do Ministro Marco Aurélio, que também acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de desclassificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86. Quanto ao item III.1 da denúncia, o Tribunal, por unanimidade, recebeu-a, com relação ao delito de corrupção passiva, contra o denunciado João Paulo Cunha (subitem “a.1”) e, com relação ao delito de corrupção ativa, relativamente aos denunciados Marcos Valério Fer-nandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz (subitem “b.1”), rejeitando-a quanto ao denunciado Rogério Lanza Tolentino; por maioria, recebeu-a contra o acusado João Paulo Cunha pelo delito de lavagem de di-nheiro (subitem “a.2”), vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Britto e Gilmar Mendes, com a ressalva do Ministro Ricardo Lewandowski relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; por unanimidade, recebeu-a quanto ao crime de peculato imputado ao denunciado João Paulo Cunha na pri-meira parte do subitem “a.3” do item III.1; e, por unanimidade, recebeu-a quanto ao crime de peculato imputado ao denunciado João Paulo Cunha, na segunda parte do referido subitem “a.3”, e aos co-denunciados Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz (subitem “b.2”), rejeitando-a contra o acusado Rogério Lanza Tolentino. Quanto ao item III.2 da denúncia, o Tribunal, por unanimidade, recebeu-a com relação ao crime de peculato contra os acusados Henrique Pizzolato, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz, rejeitando-a con-tra Rogério Lanza Tolentino. Quanto ao item III.3 da denúncia, com relação ao crime de peculato, o Tribunal, por unanimidade, recebeu-a contra os acusados Henrique Pizzolato (subitem “a.3”) e Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz (subitem “c.2”); por maioria, recebeu-a quanto ao acusado Luiz Gushiken (subitem “b”), vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Gilmar Mendes e Celso de Mello; e rejeitou-a, por unanimidade, com relação aos acusados Rogério Lanza Tolentino (subitem “c.2”) e José Dirceu de Oliveira e Silva, Delúbio Soares de Castro, José Genoíno Neto e Sílvio José Pereira (subitem “d”); com relação ao delito de corrupção passiva, por unanimidade, recebeu-a quanto ao denunciado Henrique Pizzolato (“a.1”); com relação ao crime de corrupção ativa, por unanimidade, o

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Tribunal recebeu-a relativamente aos denunciados Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz, rejeitando-a quanto ao denunciado Rogério Lanza Tolentino (subitem “c.1”); e, com relação ao delito de lavagem de dinheiro, também por unanimidade, o Tribunal recebeu-a quanto ao denunciado Henrique Pizzolato (“a.2”), com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, relativamente à imputação do inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98. Quanto ao item IV da denúncia, o Tribunal, por unanimidade, recebeu-a com relação ao delito de lavagem de dinheiro relativamente aos acusados José Roberto Salgado, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, Vinícius Samarane, Kátia Rabello, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Rogério Lanza Tolentino, Simone Reis Lobo de Vasconcelos e Geiza Dias dos Santos, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. Quanto ao item VII da denúncia, o Tribunal, por unanimidade, recebeu-a pelo crime de lavagem de dinheiro relativamente aos acusados Paulo Roberto Galvão da Rocha, Anita Leocádia Pereira da Costa, João Magno de Moura, Anderson Adauto Pereira, Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho) e José Luiz Alves, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. Tudo nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente em todos os quesitos.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 24 de agosto de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO(Sobre o item VI.2 da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho o Relator. A única dúvida que me tomou foi exatamente com relação aos dois que foram re-tirados: Lúcio Funaro e José Carlos Batista. Porém, como se trata de recebimento de denúncia, em razão da proposta do Ministério Público, que, eventualmente, poder vir a apresentar denúncia posterior, pois, realmente, ficam três e não cinco.

Mas, como, no momento da consumação, havia os cinco, vou acompanhar, fazendo juntar, então, uma parte de jurisprudência que não é pacífica. Não é isso Ministro Joaquim?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Que é pacífica. Essa jurispru-dência sobre a inaplicabilidade.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Eu encontrei nos dois sentidos, mas de todo jeito, para denúncia, ela é pacífica no sentido de que poderia por causa do mo-mento da consumação.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Portanto, acompanho o Relator, e as ressalvas ficam no meu voto só com relação à fundamentação.

VOTO(Sobre o item VI.2 da denúncia)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, acompanho o eminente Relator em todos os tópicos, salvo com relação ao crime de formação de quadrilha, data venia.

VOTO(Sobre o item VI.2 da denúncia)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, também acompanho o Re-lator, manifestando a mesma preocupação quanto aos denunciados Lúcio Funaro e José Carlos Batista – esses dois co-denunciados.

Porém, deixo-me convencer também pela fundamentação do voto do emi-nente Relator quanto ao princípio da indivisibilidade da ação penal, que é mais aplicável, exigível com ortodoxia apenas nos crimes de ação penal privada.

VOTO(Sobre o item VI.2 da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, também acompanho o Relator. O art. 48 do Código de Processo Penal é expresso, refere-se à queixa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, registro posição inicial quanto à feitura de acordo pelo Ministério Público com quem haja praticado o crime.

A figura da delação premiada passa, necessariamente, pelo crivo de órgão investido do ofício judicante, pelo Estado-Juiz. Se formos ao art. 159, § 4º, do Código Penal, a versar o seqüestro, verificaremos a procedência do que acabo de veicular. O mesmo ocorre quanto à Lei 9.613/98 – a Lei de Lavagem de Dinheiro.

Não existe campo para haver a feitura de acordo e a apresentação desse acordo, e não uma denúncia formalizada, ao órgão competente para apreciar a ação penal, ao juízo.

A delação premiada deságua na gradação da pena, segundo os dispositivos aos quais me referi – art. 1º, § 5º, da Lei 9.613/98 e art. 159, § 4º, do Código Penal. Mas é matéria que fica em aberto para pronunciamento final da Corte, do Tribunal, e, talvez, ele ocorra – porque não creio que Sua Excelência o Relator viesse a atuar sozinho – no tocante ao denominado acordo entabulado e formalizado pelo titular da ação penal com aqueles que seriam beneficiados pela delação.

Surge o problema da observância do número previsto no art. 288 do Código Penal para ter-se como configurada a quadrilha. Indago: levam-se em conta apenas

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os parâmetros subjetivos da denúncia? Leva-se em conta apenas o número de de-nunciados, ou perquire-se a ocorrência do crime tal como retratado na denúncia? Creio que, no caso, há de se considerar o que historiado pelo Ministério Público, na denúncia, em termos de prática criminosa, e não o número em si de denuncia-dos, mesmo porque sabemos – como já ressaltado pelos Colegas, principalmente pelo Relator e pelo Ministro Cezar Peluso – que a figura do perdão só se faz presente na ação penal privada quando a apresentação de queixa-crime contra um número limitado de autores conduz a ter-se como perdoados também aqueles que são mencionados na queixa. Como sabemos – e por isso a ação penal pública pode ser dividida –, a qualquer momento, é cabível o aditamento da denúncia.

Acompanho o Relator, recebendo, portanto, a denúncia, nos termos do voto de Sua Excelência, com a observação feita quanto à delação premiada.

VOTO(Sobre o item VI.2 da denúncia)

O Sr. Ministro Celso de Mello: O crime de quadrilha não se descaracteriza, em sua configuração típica, se, embora denunciados apenas três (3) agentes, há registro, no entanto, da participação de outras pessoas (totalizando, no caso, cinco integrantes) na execução das práticas delituosas para cujo cometimento o grupo se organizou.

Esse entendimento – que encontra apoio no magistério doutrinário (LUIZ REGIS PRADO, “Curso de Direito Penal Brasileiro”, vol. 3/606, item n. 3, 4. ed., 2006, RT; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código Penal Interpretado”, p. 1.547, item n. 288.1, 1999, Atlas, v.g.) – tem o beneplácito da jurisprudência desta Suprema Corte (RTJ 112/1064 – RTJ 116/163) e dos Tribunais em geral (RT 475/356 – RT 550/353 – RT 761/695).

Não se descaracteriza, em sua estrutura típica, o crime de quadrilha, se, como sucedeu na espécie, dois (2) de seus integrantes, embora supostamente envolvidos nas práticas delituosas, valeram-se do benefício legal da “delação premiada”, vindo a colaborar, posteriormente, nos termos da lei, com as auto-ridades incumbidas da persecução penal.

Daí a correta observação do eminente Relator:

Quanto ao número mínimo de pessoas exigido pelo art. 288 do CP, resta claro, como mencionei anteriormente, que os fatos narrados pelo Parquet obedecem a este requisito, pois 5 (cinco) pessoas [os três denunciados mais os beneficiados pela colaboração premiada] teriam se associado para o fim de cometer crimes. A circunstância de apenas três, destas cinco pessoas, terem sido denunciadas não altera esta conclusão, pois a exclusão de LÚCIO FUNARO e JOSÉ CARLOS BATISTA se deu por razões somente a eles aplicáveis (razões pessoais).(Grifei.)

De outro lado, incabível a alegação, na espécie, de ofensa ao princípio da indivisibilidade da ação penal, pois, como se sabe – e isso decorre do próprio magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RT 535/384 – RT 546/448 – RT

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593/459 – RT 618/403) –, o postulado da indivisibilidade, que é peculiar, unica-mente, à ação penal de iniciativa privada, não se aplica às hipóteses de persegüi-bilidade mediante ação penal pública, como no caso.

Assim, Senhora Presidente, entendendo configurados, em tese, os delitos imputados a esses diversos denunciados – inclusive no que se refere ao crime de quadrilha –, e pedindo vênia ao eminente Ministro RICARDO LEWAN-DOWSKI, também acompanho o eminente Relator, para receber a denúncia.

É o meu voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Também acompanho o Relator no voto pro-ferido, salientando a banalização dos milhões. Teria o acusado recebido, por inter-postas pessoas, dois milhões e cem mil reais.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Relator, já estamos na parte do acusa-do Delúbio Soares. Não seria interessante o desmembramento?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Como fizemos em relação a José Borba.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Então retrocedemos?Então, vamos retroceder.

VOTO(Sobre os itens VI.1.a, VI.2.a, VI.3.a e VI.4.a)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, não me impressiona o fato de o Ministro da Casa Civil discutir nomeações e coordenar politicamente o Gover-no, nem o depoimento de aparentes desafetos, mas o fato é que, à fl. 135 do seu voto, o eminente Relator mostra que há elementos mais do que suficientes para justificar o recebimento da denúncia.

Acompanho o Relator.

VOTO(Sobre os itens VI.1.a, VI.2.a, VI.3.a e VI.4.a)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, também entendo haver indícios suficientes de autoria e da materialidade dos fatos, que, em tese, consti-tuem crime, nos termos do voto do Relator.

Acompanho Sua Excelência.

VOTO(Sobre os itens VI.1.a, VI.2.a, VI.3.a e VI.4.a)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, realmente há elementos na própria denúncia que sugerem atividades concernentes ao exercício do cargo do então Ministro José Dirceu. Portanto, não me parece, em relação a isso, que devêssemos ficar impressionados.

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De qualquer sorte, o Relator demonstrou bem, a partir da própria denún-cia, haver fortes indícios de que esse sistema desenvolvido precisava de amplo respaldo político. Como estamos neste juízo prévio, também me manifesto nesse sentido, pontuando esses aspectos, pois há muitas descrições de atividades ati-nentes ao mero exercício da atividade de governo.

VOTO(Sobre os itens VI.1.a, VI.2.a, VI.3.a e VI.4.a)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, como aqui já ressaltado, o eminente Relator aponta, em seu voto, a existência de elementos de informação que permitem receber a denúncia contra o Sr. José Dirceu.

Os elementos coligidos na fase de investigação penal estão a indicar que o modus operandi concernente ao repasse de recursos que se deu entre o PT, o PP, o PL e o PTB não prescindia da ciência e do aval do denunciado José Dirceu, havendo indícios reveladores no sentido de que as grandes decisões políticas do PT – todas elas – teriam sido avalizadas por esse mesmo denunciado, inclusive no que se refere à celebração de acordos político-financeiros com outros partidos.

O voto do eminente Ministro Relator, que é bastante fundamentado, auto-riza – considerados os elementos nele expostos – o reconhecimento da plena admissibilidade, no caso, da acusação penal deduzida contra o Sr. José Dirceu.

Recebo, pois, quanto a ele, a denúncia oferecida pelo eminente Procurador-Geral da República.

É o meu voto.

VOTO(Sobre corrupção ativa – José Genoíno)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, peço um esclarecimento do Ministro Relator relativamente ao item anterior, porque Sua Excelência – e eu acompanhei – recebeu quanto a Delúbio Soares, em relação aos itens VI.1, VI.2 e VI.3, e não ao VI.4, relativo a José Borba, do PMDB.

Entretanto, à fl. 157, há uma referência expressa e não há rejeição da de-núncia. Digo isso porque, no meu voto, eu o acompanhava.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Vossa Excelência está lendo a denúncia?

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Não, Ministro, o voto de Vossa Excelência que eu acompanhei.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Em relação a quem?

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Em relação ao item anterior, a Delúbio Soares.

Com relação ao parlamentar José Borba, do PMDB, eu havia aceito no meu voto, recebia a denúncia, votei com Vossa Excelência. Mas Vossa Excelência

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recebeu com relação ao VI.1, VI.2 e VI.3, e não com relação ao VI.4, que era relativo ao parlamentar José Borba, do PMDB.

Entretanto, no voto de Vossa Excelência, à fl. 157, há uma referência expres-sa exatamente a José Borba, dizendo que, em relação a Delúbio Soares, conheceu o tesoureiro. Na seqüência, Vossa Excelência afirma:

Fica claro, portanto, que o papel supostamente exercido pelo denunciado Delúbio Soares na prática do delito de corrupção ativa está suficientemente demonstrado na denúncia, inclusive com a indicação de farto acervo indiciário, permitindo ao denunciado o amplo exer-cício do direito de defesa.

Portanto, não há rejeição com relação ao PMDB especificamente, digo, ao parlamentar José Borba do PMDB.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não há nenhuma restrição na denúncia. Eu recebo; devo ter saltado.

Quanto a Delúbio Soares, recebo em relação a todas as imputações, tanto que nem cheguei a ler o voto, apenas perguntei se havia alguma dúvida.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, para mim está esclare-cido.

Acompanho o eminente Relator com a inclusão do item VI.4.

VOTO(Sobre corrupção ativa – José Genoíno)

O Sr. Ministro Eros Grau: Peço um esclarecimento ao Relator.

Ministro Joaquim Barbosa, eu acompanho Vossa Excelência nos dois pon-tos, mas, com relação ao item VI.1.a, que Vossa Excelência recebe, a mim me pareceu que há uma mera referência à participação numa conversa. E, com relação ao item VI.3.a, haveria apenas uma imputação desse outro Deputado, Roberto Jefferson.

Se for só isso, vou rejeitar aqui.

Agora, peço a Vossa Excelência para me esclarecer. Talvez eu não tenha acompanhado bem.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu teria de reler.

O Sr. Ministro Eros Grau: Mas não precisa reler tudo.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu teria de reler, porque deixei de ler vários depoimentos.

Qual é a página?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro Joaquim Barbosa, Vossa Excelência está recebendo com relação ao PP e ao PTB.

O Sr. Ministro Eros Grau: Ficou-me a impressão de que, com relação ao denunciado José Genoíno e ao item VI.1.a, haveria apenas Deputado Vadão

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Gomes, dizendo que ele havia, apenas, participado de uma conversa. E, com relação ao PTB, apenas o depoimento de Roberto Jefferson.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): No qual ele diz que pode acreditar no Marcos Valério, porque ele é firme.

O Sr. Ministro Eros Grau: Se for assim, peço vênia a Vossa Excelência para não receber.

VOTO(Sobre corrupção ativa – José Genoíno)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, peço vênia ao Ministro Eros Grau, que iniciou a dissidência, para acompanhar o Relator, porque também vejo indícios de autoria e materialidade em ordem a credenciar a denúncia como apta a instaurar a ação penal.

VOTO(Sobre corrupção ativa – José Genoíno)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, também acompanho o Ministro Relator.

Eu havia anotado as provas tratadas nos itens anteriores e, por coincidência não, mas por precisão do eminente Relator, ele acabou citando novamente os mesmos trechos.

Recebo a denúncia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, acompanho o Relator no voto proferido. Penso que, nos depoimentos colhidos, há indícios do envolvimento do denunciado José Genoíno. Faço referência expressa ao que veiculado pelo então deputado Roberto Jefferson:

Que o declarante foi o encarregado de receber e distribuir os recursos repassados pelo PT; Que se recusa a indicar os beneficiários finais dos R$ 4 milhões que distribuiu; Que discutiu com Delúbio Soares e José Genoíno a respeito dos termos legais da contribuição;

Acompanho Sua Excelência e recebo a denúncia.

VOTO(Sobre corrupção ativa – José Genoíno)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, peço vênia para acom-panhar o eminente Relator, considerando o aspecto que o eminente Ministro MARCO AURéLIO acaba de ressaltar: há, realmente, indícios mínimos, porém suficientes para o recebimento da denúncia, embora não tão consistentes para a formulação de um eventual juízo de condenação.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): é o que penso também.

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VOTO(Sobre corrupção ativa – Sílvio Pereira)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, nesses crimes de protago-nização plural, admito a denúncia, um tanto quanto genérica, porém não total-mente.

Nessa medida, acompanho o eminente Relator.

VOTO(Sobre corrupção ativa – Sílvio Pereira)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, também exami-nei esse aspecto e verifiquei que, na denúncia, apenas se faz uma menção em nota de rodapé à participação do Sr. Sílvio Pereira. Portanto, não há elementos suficientes para implicá-lo neste crime do qual é acusado.

EXPLICAÇÃO(Sobre corrupção ativa – Marcos Valério)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Sustenta-se, em um tópico da defesa ofereci-da em favor de Marcos Valério, que o parlamentar, em suas atividades no Con-gresso, não teria, entre suas atribuições funcionais, como ato de ofício, dar apoio político à proposta que o Governo tenha interesse político em aprovar. Ou seja, o parlamentar não teria, entre suas atribuições constitucionais, no desempenho do mandato, dar, ou não, apoio político ao Governo ou às propostas que este venha a formular.

Sob tal perspectiva, portanto, então, estaria descaracterizada a própria tipi-cidade penal do delito. Eis um tema impregnado de relevo jurídico-penal.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu já respondi a esse tópico.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Apenas destaco esse aspecto, porque vejo que Vossa Excelência realmente abordou a questão, deixando claro que, em tese, evidencia-se presente, na espécie, a perspectiva do ato de ofício, o que, em sede de mera delibação, poderia justificar o recebimento da denúncia.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sem dúvida.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Foi objeto de tópico específico e de funda-mentação própria esse item da acusação e, simultaneamente, da defesa.

VOTO(Sobre Ramon Hollerbach e Cristiano Paz)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, todos esses crimes vêm envoltos em uma ambiência, em uma atmosfera de co-autoria, de protagonização coletiva, e aqui com mais razão.

Acompanho o eminente Relator.

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VOTO(Sobre Rogério Tolentino)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, embora o emi-nente Relator não tenha relatado todos os aspectos dos elementos encontrados na denúncia e na documentação que a acompanha, vejo aqui, pelo texto que tenho em mãos, que devo acompanhá-lo integralmente.

VOTO (Sobre o item VI.1 da denúncia)

(Antecipação)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, começo a analisar, agora, as imputações relativas aos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, quadrilha e lavagem de dinheiro. Cuida-se daquele tópico da denúncia em que se acusam algumas personalidades do Partido dos Trabalhadores de te-rem comprado apoio político para formar a base aliada do Governo no Congresso Nacional.

Como é muito longo o meu voto, pretendo ler das citações apenas os tópicos realmente essenciais. Então, peço a atenção dos Colegas para o fato de que devo saltar muitas páginas do texto que está sendo distribuído.

Este capítulo da denúncia é dividido em subitens, sendo relevante para a sua adequada compreensão a leitura da introdução feita pelo Procurador-Geral da República. Vou ler apenas uma parte dessa introdução, porque ela já é do conhecimento de todos.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, é interessante desmembrarmos as matérias.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Vamos destacar da mesma for-ma que fizemos.

O Sr. Ministro Carlos Britto: A letra “b” está imbricada com a letra “a”, não é isso? Porque, senão, ficam três na letra “b”.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senão ficariam três para formação de quadrilha.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim, eles são acusados de ope-rarem entrelaçadamente. Sem dúvida.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Seria, então, uma quadrilha.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim. José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Cláudio Genú, e mais Enivaldo Quadrado e Breno Fichberg.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Isso tudo formaria um grupo só.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O segundo grupo não está envolvido na corrupção.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por isso que foi destacado.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): é, sendo que o segundo grupo não foi acusado de corrupção ativa.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Em corrupção passiva ele não entra.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Daí a divisão.

VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, como fiz nas outra ocasiões, tenho voto que reproduz muitos dos textos aqui e vou anexá-lo, porque neste ponto acompanho o Relator.

Queria apenas fazer rapidamente um realce ao que foi dito pelo próprio Ministro Relator, no início do julgamento, no início dos exames, na quinta-feira, e também pelo Procurador-Geral.

Como nestes itens foram separados os partidos, estou enfatizando no voto, tal como fez o Ministro Relator, que não estamos recebendo denúncia de partidos e que não há ilicitude do partido. Só para ficar claro que os partidos são legítimos, veículos necessários da sociedade. Não são eles que constituem quadrilha ou algo que o valha, mas pessoas que, eventualmente, deles fazem parte que agiram mal – apenas para realçar.

Tenho certeza de que isso está claro para todos, mas, para que, principal-mente, o jurisdicionado saiba que não é determinado partido, porque estamos tratando de cada um deles que tenha sido eventualmente denunciado como uma quadrilha. Aliás, o Procurador-Geral, no primeiro dia, fez questão de dizer isso. E eu ressalto isso no meu voto e quero deixar realçado, a partir daqui, para todos os partidos cujas pessoas passam a ser analisadas como denunciadas.

No mais acompanho, sim, neste ponto, o Relator.

VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, ouvi atentamente o que disse o eminente Relator, como também havia prestado atenção na susten-tação oral do preclaro Procurador-Geral da República, e acompanho o eminente Relator no que diz respeito aos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinhei-ro, salvo no tocante, como já fiz ressalva nas sessões anteriores, ao inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98 – isso com relação ao item “a”.

Acompanho também Sua Excelência no item “b”, com relação à lavagem de dinheiro, com a ressalva que acabo de fazer. Mas, no que toca à formação de quadrilha, trago um voto relativamente longo e permito-me fazer algumas consi-derações em voz alta, tendo como base o texto que trago em mãos. Saltarei, evi-dentemente, aquelas partes que a meu ver não sejam imediatamente pertinentes ou que possam eventualmente ser lidas depois no meu voto escrito.

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Permita-me, Senhora Presidente, parece-me ser esta uma sessão que, além da importância que tem, do ponto de vista histórico, é extraordinariamente peda-gógica para a sociedade como um todo. Então, creio ser o momento, realmente, de se fazer assertivas um pouco mais alongadas para que todos que assistem a esta sessão, não apenas os eminentes julgadores, possam saber com clareza do que se trata.

Então, digo que, primeiramente, observo que a Constituição, em seu art. 129, inciso I, outorgou ao Ministério Público a competência de “promover, pri-vativamente, a ação penal pública, na forma da lei”.

Isso significa que a Carta Magna garante ao Ministério Público o direito de ação, ou seja, assegura-lhe o legítimo direito de desencadear a persecução penal, mas desde que o faça dentro dos parâmetros estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

Entre esses parâmetros – permito-me trazer à colação esse artigo que já foi ventilado tantas vezes nesta sessão e nas anteriores – encontra-se o art. 41 do Código de Processo Penal, segundo o qual a denúncia que dá início à ação penal deve conter como condição de validade, entre outros requisitos, a descrição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias. Isso é mais do que sabido.

A denúncia, portanto, sob pena de ser considerada inepta, deve observar esse requisito para que o acusado possa exercer, em toda a sua plenitude, o direito de defesa que a Constituição lhe garante.

Para o recebimento da denúncia, é certo, basta que a imputação esteja amparada no fumus boni juris, quer dizer, em assertiva que evidencie suspeita razoável e fundada de que determinada pessoa praticou um ilícito penal.

Não se pode olvidar, todavia, que do direito penal vigora o princípio da es-trita legalidade ou da taxatividade, que ultrapassa o conceito de mera legalidade que vigora em outros campos do Direito.

Isso significa que o comportamento apenável deve ser típico, ou seja, deve estar prévia e minuciosamente escrito na lei, em consonância com o vetusto brocardo “nullum crimen, nulla poena sine lege”, segundo o qual não há crime nem pena sem expressa previsão legal, conforme, aliás, consigna o art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal.

Nas palavras lapidares de Luigi Ferrajoli, “o tipo penal deve ser previsto expressamente em lei, mediante formas precisas e unívocas, e devem consistir não em qualidades ou condições pessoais do agente, mas em fatos ou comporta-mentos exteriores, empiricamente relevantes e prováveis”.

No direito penal, pois, tendo em conta a gravidade das sanções que alberga, não se admitem generalizações nem aproximações para enquadrar determinado comportamento na norma definidora de um ilícito, como também não se aceita a chamada analogia “in malam partem”, ficando nesse campo vedada qualquer adequação típica por semelhança.

O eminente Ministro Celso de Mello já advertia, a propósito, no HC 70.763, publicado no Diário da Justiça de 23-9-94, que:

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O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas.

A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta.

No direito penal, ou o direito ou o comportamento é típico, ou não é; ou se enquadra estritamente no figurino legal, ou não pode ser havido como ilícito, inexistindo o meio-termo.

A denúncia imputa aos acusados a prática do delito de formação de qua-drilha ou bando, cuja descrição típica encontra-se no art. 288 do Código Penal, verbis:

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Associar-se, na lição de Nelson Hungria, é: “reunir-se, aliar-se ou congre-gar-se estável ou permanentemente para a consecução de um fim comum”. “No caso [retorno ao texto do eminente doutrinador do direito penal], para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes.”

Tal figura típica, todavia, não se confunde com concurso de agentes, nem mesmo quando os delitos são praticados reiteradamente em continuidade deli-tiva.

“A propósito [ensina o já citado Nelson Hungria], não é de confundir-se uma coisa com outra, ainda num caso em que a co-participação ocorra em crime continuado, pois, mesmo em tal hipótese, inexiste organização estável entre os co-autores.”

Cuidando-se de crime complexo, plurissubjetivo, perpetrado necessaria-mente por vários autores, assemelha-se aos delitos societários, para cuja persecu-ção penal exige-se a descrição da conduta penalmente relevante de cada um dos autores.

A existência na denúncia de indícios reveladores da prática de diversos delitos, a evidência, não é suficiente para a caracterização do delito de formação de quadrilha. Delito autônomo que é, o crime de formação de quadrilha possui contornos próprios, tais como estabilidade, permanência, número mínimo de partícipes, liame subjetivo entre os membros, etc.

Insisto que não basta para a caracterização do delito de quadrilha a mera co-autoria em diversos crimes de forma continuada ou em concurso material. A expressão “quadrilha”, empregada no sentido comum, popular, leigo da pa-lavra, e não em sua acepção técnico-jurídica, veiculada à exaustão pelos meios de comunicação, não pode, data venia, impor-se a esta Corte, à qual não é dado render-se ao que parece “óbvio”. Na condição de guardiã suprema da Constituição, que tem como seu vértice axiológico a dignidade da pessoa humana, incumbe-lhe zelar para que qualquer pessoa possa exercer o direito de defesa em toda a sua plenitude, significando que a acusação no campo penal contenha uma imputação clara e inequívoca de fato típico.

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Fixadas tais premissas, Senhora Presidente, tenho que a denúncia, data ve-nia – em que pesem os esforços e a preocupação eminentemente republicana de Sua Excelência o eminente Procurador-Geral da República –, é inepta no tocante à imputação da prática do delito capitulado no art. 288 do Código Penal, sobre-tudo em face, data maxima venia, de sua imprecisão terminológica. Com efeito, ora a denúncia menciona a formação de quadrilha – e o faz 53 vezes –, ora alude à existência de uma organização criminosa – e o faz 43 vezes –, chegando ela, inclusive, a empregar a expressão “associação criminosa”.

Observo, ainda, que a denúncia, quando imputa a alguns denunciados a prática do crime de lavagem de dinheiro, invoca o inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98, que alude a valores provenientes de crime praticado por organização criminosa. Por isso, Senhora Presidente, desde as votações anteriores, sempre fiz ressalva, menção a esse dispositivo, quando se trata da lavagem de dinheiro. é possível que, em tese, os denunciados tenham incorrido em outros incisos desse art. 1º da Lei 9.613, mas não neste inciso VII, porque nós veremos que a tipifi-cação do delito de organização criminosa na legislação pátria inexiste. E eu digo o porquê.

Ocorre que, com a nova redação dada aos arts. 1º e 2º da Lei 9.034/95, pela Lei 10.217/01, o ordenamento legal pátrio passou a ser integrado por três institutos penais distintos, a saber: primeiro, quadrilha ou bando, definidos no art. 288 do Código Penal; segundo, associação criminosa, referida no art. 35 da Lei 11.343/06, que estabelece normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; e, também, associação criminosa é mencionada no art. 2º da Lei 2.889, que define e pune o crime de genocídio; e, finalmente, a terceira figura, organização criminosa, tratada na citada Lei 10.217/01. No tocante a esta última figura, no entanto, os doutrinadores entendem que, embora mencionada no referido diploma normativo para fim de definir e regular “meios de prova e procedimentos investigatórios”, o legislador não lhe conferiu qualquer adequa-ção típica, atribuindo-lhe, apenas, o nomen iuris.

Portanto, Senhora Presidente, fico sem saber se a denúncia imputa aos acusa-dos o crime de formação de quadrilha ou bando, o crime de formação de uma organização criminosa ou o delito de formação de uma associação criminosa. São três figuras distintas que a legislação pátria abriga, e, como verificamos, exata-mente, essa adequação típica não foi feita pelo legislador brasileiro.

Ademais, Senhora Presidente, a denúncia, data venia, não descreve adequa-damente o liame subjetivo entre os partícipes da suposta quadrilha, nem indica de forma individualizada o comportamento típico de cada um deles. Tampouco precisa o momento e o lugar em que essa teria se estabelecido, chegando a atri-buir esse crime a denunciados que não tinham qualquer relacionamento entre si ou que sequer ou mal se conheciam, bem assim a outros aos quais se imputa a prática de crimes que são objetos de capitulações independentes.

Por essas razões, com essas considerações, Senhora Presidente – depois eu pinço trechos da denúncia que exatamente corroboram as minhas assertivas –, acompanho o eminente Relator, salvo no tocante ao crime de quadrilha, também ressalvando o inciso VII do art. 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro.

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VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

(Confirmação)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, gostaria apenas de reafirmar o meu voto.

Data venia, acredito que o Ministro Ricardo Lewandowski faz uma aborda-gem puramente formalista. Os dados são claríssimos. O que temos aqui? Temos, de um lado, membros de uma agremiação partidária que, sem sombra de dúvida, pelo menos aparentemente, resolvem distribuir recursos financeiros a membros de outras agremiações financeiras. Tratativas são realizadas nesse sentido. Esses recursos são transferidos sem qualquer registro, em um primeiro momento. Pessoas desconhecidas do público e humildes são enviadas para receber essas quantias vultosas. Parece-me evidente a comunhão de desígnios entre essas pessoas: de um lado, inicialmente, os membros da organização que determina o pagamento e, de outro, os membros da organização que o recebe.

Por outro lado, demonstrei em meu voto que esse não foi o único estratagema utilizado para o repasse desses recursos. Na tentativa de impedir o desvendamento desse esquema, passou-se a utilizar de empresas do sistema financeiro, correto-ras. Pôs-se a simular, por meio da passagem dos recursos por essas corretoras, possivelmente, a realização de investimentos, no entanto, os beneficiários eram sempre os mesmos.

Temos vários elos de uma mesma cadeia aí, dois núcleos político-partidários: a estrutura do Banco Rural utilizada, consciente e deliberadamente, o grupo do Marcos Valério, que passava os recursos e, por outro lado, essa estrutura financeira, uma forma de dissimulação e que, sem dúvida alguma, em princípio, caracteriza “lavagem” de dinheiro.

Toda essa teia de atividades, muitas delas dissimuladas, tinha como único objetivo a prática de atividades caracterizadas pela lei penal como crime. Se isso, pelo menos nesta fase em que estamos, não caracterizar quadrilha, creio que te-remos muita dificuldade daqui para frente.

Mantenho o meu voto.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço a palavra.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Ricardo Lewandowski, Vossa Excelência, em seu voto, diz não saber em qual crime o Procurador-Geral enquadrou.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Fico na dúvida.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Penso que o Procurador-Geral foi muito claro: art. 288 do Código Penal. Se ele utiliza a expressão “organização criminosa”, colocada às vezes entre parênteses, é para reforço do argumento.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Acho que nem isso, porque, para cogitarmos de eventual dúvida em relação às outras figuras da associação criminosa e da so-ciedade criminosa, seria preciso que a denúncia tivesse descrito algum fato que correspondesse a essas figuras.

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Se a denúncia não descreve nenhum fato que, teoricamente, possa corres-ponder a essas outras figuras, dizer que há dúvida a respeito delas é pura especulação, com o devido respeito.

A denúncia é típica de quadrilha ou bando. Se, por mero lapso redacional...

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não existe lapso em denúncia. A denúncia é uma peça técnica, data venia.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência sabe melhor do que eu que a denúncia não é uma questão de nomes, mas de descrição de fatos. O nome que se atribua ao fato descrito na denúncia não tem a mínima importância, pelo menos no momento de seu recebimento. Desde que os fatos estejam descritos, se o Procurador resolveu, por razão de sinonímia, engano ou erro, referir-se à qua-drilha ou bando – citado 57 vezes – também com o qualificativo de associação criminosa, isso não tem a menor importância. O importante é: há fatos descritos que suscitam dúvida quanto às outras duas figuras? Quais são os fatos descritos na denúncia que podem suscitar dúvida a respeito da ocorrência das outras duas figuras penais? Nenhuma.

O Sr. Ministro Celso de Mello: A designação, como acentuou Vossa Exce-lência, é irrelevante. O Procurador-Geral da República poderia ter utilizado a expres-são “associação de delinqüentes” ou, até mesmo, “societas delinquentium”, pois o que se mostra relevante, em tema de imputação penal, é a precisa e objetiva descrição dos fatos, em ordem a viabilizar, sem qualquer restrição, o exercício pleno do direito de defesa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pois é, poderia recorrer até ao latim.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Exatamente. Mas o fato é que a descrição contida na denúncia, tal como formulada, parece imputar, aos denunciados, a suposta prática, em tese, de delito cujos elementos estruturais se acham definidos no art. 288 do Código Penal. Trata-se, desse modo, sem qualquer dificuldade de compreensão, do crime de quadrilha ou bando.

O importante – vale insistir – consiste em verificar se os elementos estru-turais do tipo penal estão presentes, ou não, na peça acusatória, qualquer que seja a designação utilizada, na denúncia, pelo Ministério Público.

A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em toda a plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve o fato criminoso – já advertiu esta Corte – é denúncia inepta (RTJ 57/389).

Lapidar, sob esse aspecto, o magistério do eminente Desembargador pau-lista, ALBERTO SILVA FRANCO, para quem (RT 525/372-375):

Num processo de tipo acusatório, não se compreende que o objeto da acusação fique ambíguo, indefinido, incerto ou logicamente contraditório, pois é ele que estabelece os li-mites das atividades, cognitiva e decisória, do Juiz. A este efeito do objeto da acusação é que EBERHARD SCHMIDT denominou de vinculação temática do Juiz. Este só pode ter “como

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objeto de suas comprovações objetivas e de sua valoração jurídica aquele sucesso histórico cuja identidade, com respeito ao fato e com respeito ao autor, resulta da ação (...).(Grifei.)

Diria, até, nesta fase de sumária e incompleta cognição da causa penal, em que se reclama, desta Corte, a formulação de um juízo de admissibilidade, que a peça acusatória formalizada pelo Ministério Público parece atender, em seus aspectos essenciais, as diretrizes, que, fundadas no magistério de JOÃO MENDES, assim foram proclamadas por EDUARDO ESPÍNOLA FILHO (“Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, vol. I/382-383, item n. 182, 2. ed., 1945, Freitas Bastos):

A queixa ou denúncia é uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (“quis”), os meios que empregou (“quibus auxiliis”), o malefício que produziu (“quid”), os motivos que o determinaram a isso (“cur”), a maneira por que a pra-ticou (“quomodo”), o lugar onde o praticou (“ubi”), o tempo (“quando”). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes.

Daí a aptidão da presente denúncia cujo teor observou, a meu juízo, as exigências impostas pelo art. 41 do Código de Processo Penal. é, pois, esse as-pecto que nos cabe identificar.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Se o marco teórico do art. 41 está presente ou não.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O fato aventado aqui de que, eventualmente, alguns dos partícipes não conheciam os outros não quer dizer nada, porque há sociedades criminosas especializadas nisso. A estruturação é típica da quadrilha, dentro da qual nem todos se conhecem, até porque o conhecimento recíproco pode acarretar risco à subsistência da associação. Então, para configuração desse delito, não há necessidade de que todos os integrantes da organização se conheçam.

Aliás, muitas vezes – digo eu em anotação que fiz –, o bom sucesso desse tipo de organização depende de acobertamento de alguns que dela participam. E mais, faço ainda referências sobre a convergência de vontades, quanto à qual parece não haver dúvida nenhuma. Invoco o HC 70.912, do Ministro Sepúlveda Pertence, e o HC 68.322, do Ministro Paulo Brossard, que diz:

O crime de quadrilha é consumado pela simples associação estável e permanente para de-linqüir, gozando de autonomia e independência em relação à prática do outro crime.

Daí a impossibilidade material de a denúncia descrever o período exato da duração do vínculo associativo, o qual, não raras vezes, só vem à tona mediante a descoberta do primeiro ilícito. Em outras palavras, até então a convergência de vontades, embora permanente, estaria aprisionada no claustro psíquico.

Aqui cito o HC 71.605, do Ministro Marco Aurélio, que, para mim, resume tudo:

2. Segue-se que à fundamentação da sentença condenatória por quadrilha bastará, a rigor, a afirmação motivada de o denunciado se ter associado à organização formada de mais de três

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elementos e destinada à prática ulterior de crimes; não é necessário, pois, que se demonstre a sua cooperação na prática dos delitos a que se refira a denúncia, a título de evidências da sua formação anteriormente consumada.

VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, acompanho o Relator em todos os aspectos.

Com relação à quadrilha, anteriormente manifestei certos cuidados que já não se justificam. Eu diria que, com os elementos que há, eu absolveria, mas não posso impedir que se receba a denúncia para se apurar se há a tipificação do delito ou não. Que cada um exerça o seu pleno direito de defesa, mas que não se inviabilize a apuração.

Creio haver elementos. O voto do Ministro Joaquim Barbosa evidencia da-dos muito claros, de modo que, superando os meus cuidados anteriores no exame do caso, não tenho dúvida em recomendar a aceitação da denúncia.

VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, eu partilho das preocupa-ções do Ministro Ricardo Lewandowski. Como de hábito, Sua Excelência traz à tona assuntos merecedores de uma aturada reflexão de nossa parte.

A inquietação que assaltou o espírito de Sua Excelência também me tomou de assalto. E fiz um estudo exatamente sobre este tema da organização criminosa, que não tem previsão em lei brasileira nos seus elementos próprios, como o crime – aliás, nem é crime –, e, aí, sim, o crime de quadrilha. Fiz umas ligeiras anotações, que me permito ler:

Não há nenhuma lei no Brasil definindo o que seja organização criminosa. A chamada Lei do Crime Organizado, que é a de número 9.034/95, não define o conteúdo dessa expressão. Por essa razão, uma parte da doutrina entende que é uma locução sinônima de quadrilha ou de bando. Outra parte da doutrina, porém, aparentemente com melhores argumentos, defende que organização criminosa é algo distinto de quadrilha. Nada obstante, a lei não a definiu, e, por isso, não se pode utilizá-la no âmbito penal, em face do princípio da reserva legal, que é de berço constitucional: nenhum crime, nenhuma pena sem lei anterior.

Para Luiz Flávio Gomes, não se pode utilizar a expressão “organização criminosa” – isso para incriminar condutas – até que uma lei venha e defina o respectivo conteúdo.

Em suma, não existe o crime de “formar organização criminosa”, nem tampouco essa expressão pode ser usada no âmbito de outros tipos penais para incriminar condutas.

Aí, me debruço sobre a denúncia no particular, que foi também a preocupa-ção do Ministro Ricardo Lewandowski. Na denúncia, o Sr. Procurador-Geral

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da República usou, sim, da expressão “organização criminosa”, mas o fez num contexto, para mim, nítido, de coloquialidade, de informalidade, como o vulgo ou a imprensa usariam a expressão.

Não pretendeu Sua Excelência introduzir considerações no particular sobre a configuração desse tipo de suposto crime. Referiu-se, sim, ao crime de quadrilha às expressas, descrevendo-lhe os elementos lógicos, os elementos do tipo, e indi-cando, também às expressas, o respectivo texto normativo, o art. 288 do Código Penal. Aí eu pinço um trecho da denúncia muito curto, para deixar claro que, no ponto, a denúncia não pecou por atecnia:

II) QuadrilhaO conjunto probatório produzido no âmbito do presente inquérito demonstra a existên-

cia de uma sofisticada organização criminosa, dividida em setores de atuação, que se estrutu-rou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude.

A acusação aí, sem dúvida, é da prática do crime de quadrilha. A expressão “organização criminosa” – repito – foi usada propositadamente num sentido co-loquial, vulgar. Tanto isso é verdade que, mais adiante, o Sr. Procurador registrou a prática do crime de quadrilha da seguinte forma:

Pelo que já foi apurado até o momento, o núcleo principal da quadrilha [textualmente] era composto [e vem a nominata, a relação das pessoas].

Senhora Presidente, em face dessas considerações, interessa tão-somente o estudo do crime de quadrilha, assim definido, como tantas vezes foi lembrado, no art. 288 do Código Penal:

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

E aqui cito comentários apropriados de Celso Delmanto sobre a significação, o núcleo semântico e o alcance do art. 288, para concluir – agora é meu voto – que a denúncia descreve aqueles fatos que o art. 41 do Código de Processo Penal exige para possibilitar ao acusado plena ciência daquilo que lhe é imputado como crime e, assim, preparar a sua ampla defesa.

O Ministro Cezar Peluso lembrou, corroborado pelo Ministro Celso de Mello, que os acusados se defendem de fatos, e o que interessa é descrever esses fatos com todas as suas circunstâncias, com todas as suas particularidades.

O Ministro Relator, para mim, deixou claro no seu voto que há indícios su-ficientes de autoria de crimes que Eduardo Galeano, o notável escritor uruguaio, descreveria como crimes em quantidades enlouquecidas. é uma licença poética da qual me valho para lembrar que aqui estão catalogados corrupção passiva, corrupção ativa – já no julgamento anterior –, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, quadrilha central e quadrilhas laterais, quadrilhas autônomas – o que me remete para Hannah Arendt, naquela famosa frase de que a banalização do mal é pior do que o próprio mal.

Então, aqui, a denúncia me parece longe de ser vazia; é uma denúncia cheia de indícios suficientes para nos possibilitar a emissão desse juízo de admissibili-dade, com o que, no particular, se instaura a ação penal.

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Creio que há fumus delicti. Peço vênia ao Ministro Ricardo Lewandowski, que tão bem fundamentou seu voto, para acompanhar o Relator.

VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, apenas vou acrescentar que ninguém tem dúvida de que não estamos a fazer nenhum julgamento de mérito, a avançar sobre o mérito das acusações como tais, ou, de algum modo, a fazer afirmações das quais se pudesse, de boa-fé, inferir que estamos reconhecendo responsabilidade. Não. As afirmações feitas são a título de, pura e simplesmente, averiguar se concorrem ou não concorrem os requisitos necessários para recebi-mento da denúncia. Noutras palavras, juízos absolutamente provisórios, relacio-nados especificamente aos fatos. Isto é, saber se à descrição dos fatos constantes da denúncia correspondem ou não correspondem indícios capazes de sustentar o recebimento da denúncia, sem que, com isso, se instaure ação penal de caráter temerário ou leviano.

Nesses termos, eu queria acrescentar que, ao tipo do art. 288 do Código Pe-nal, basta a prova do “associarem-se”. Ora, a menos que, num caso excepcional, em que, à moda das sociedades legais, um grupo de pessoas resolva fazer uma ata da criação de um bando ou quadrilha, dificilmente se pode encontrar prova direta ou se podem encontrar fatos pontuais de que no dia tal, a tantas horas, em tal lugar, se reuniram, sentaram e resolveram constituir uma quadrilha. Ora, isso é absolutamente impensável. Pode até acontecer excepcionalmente, mas o que se vê de ordinário, sobretudo na jurisprudência e em outros processos – quem tem um pouco de experiência nisso sabe –, é que o “associarem-se” não é formal. A respeito, oportunamente, farei referência a um habeas corpus em que proferi o voto que vem sendo invocado. Às vezes sucede numa sociedade regular, cujos sócios sempre trabalharam licitamente, de, em determinado momento, se asso-ciarem para desviar os objetivos sociais para fins ilícitos, sem fazer ata. Basta, pois, o fato do qual haja indício – e, aqui, a mim me parece que os há suficientes – de que, num dado momento, não se sabe quando, porque é impossível saber, as pes-soas resolveram se associar. Os indícios estão na prática dos atos cujo conjunto demonstra que houve associação.

Isso, sem dúvida nenhuma, me parece que está presente no caso. Razão por que, pedindo vênia ao eminente Ministro Ricardo Lewandowski, acompanho o Relator.

VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, fiquei inicialmente na dúvida em relação não ao crime de quadrilha, parece-me que o eminente Relator colocou com propriedade, uma vez que essa associação não pode ser uma associa-ção de perfil estatutário, é claro que há de ter elementos mínimos que sinalizam a vontade de uma communis opinio, um desígnio de praticar crime. Mas fiquei com

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uma relativa dúvida em relação ao Deputado Pedro Henry Neto, porque, pelo menos daquilo que li tanto na denúncia quanto na defesa e, depois, na réplica, não vi nenhuma descrição em relação a sua participação, a não ser o fato de que ele era líder do partido, do PP, a defesa inclusive bate nesta mesma tecla de que teria havido uma conversa política. A mesma citação do depoimento do Deputado Vadão Gomes vai neste sentido:

Que nunca chegou a tratar nenhum tipo de assunto com Delúbio Soares, esclarecendo que presenciou uma conversa havida em Brasília entre o tesoureiro do Partido dos Trabalha-dores e o presidente do mesmo partido, José Genuíno, com os deputados Pedro Henry e Pedro Corrêa, ambos do Partido Progressista; Que nessa conversa com os políticos dos dois partidos tentavam acertar detalhes de uma possível aliança em âmbito nacional; Que no decorrer do re-ferido diálogo, escutou que os interlocutores mencionaram a necessidade de apoio financeiro do Partido dos Trabalhadores para o Partido Progressista em algumas regiões do País.

Na sustentação oral, também tomei nota, a defesa bateu neste ponto:

Em nenhum momento o Procurador-Geral, em sua sustentação oral, fez menção ao denunciado.

Essa questão realmente me assalta quanto à possibilidade dessa imputação.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Terei de voltar ao meu voto, pois eu saltei diversas páginas, diversos depoimentos para acelerar o julgamento.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: À fl. 23 há um trecho do depoimento do Depu-tado Roberto Jefferson.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Que fala às expressas de Pedro Henry, dizen-do, inclusive, que ele teria questionado José Mussa quanto ao motivo de o PTB não querer aceitar o recebimento de recursos mensais para garantir a sustentação do Governo no Congresso.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Então eu acompanho, também nesse passo, o Relator.

O Sr. Ministro Eros Grau: Eu tive essa dúvida, mas depois verifiquei.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, registro a minha admiração. Admiração não ante a surpresa, mas a apreciação, considerado o trabalho de-senvolvido pelo Relator. Sua Excelência vem fazendo um exame minudente da denúncia, das defesas e dos elementos até aqui coligidos. E tem observado – pelo menos é a minha óptica – princípio próprio às sentenças de pronúncia, evitando o excesso de linguagem.

Não estamos em um juízo quanto à culpabilidade ou não dos envolvidos. Estamos aqui – muito embora seja longa a apreciação, longos os trabalhos – a decidir sobre o concurso de indícios de autoria e a materialidade, sob o ângulo penal, dos fatos descritos na denúncia e não a demonstração, em si, desses fatos.

Surgiu a dúvida quanto ao crime de quadrilha. Indago – e estava aqui a questionar-me: sem a vinda à balha da problemática da propina dos R$ 3 mil, o que teria ocorrido? O escândalo? O escândalo notado? Não! Ele não teria ocor-rido. Se procedentes as imputações contidas na denúncia, existiria a seqüência de

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possíveis práticas delituosas. E os depoimentos colhidos revelam que há a tipici-dade do art. 288, quer presente a estabilidade da prática, quer o entrelaçamento das práticas a partir de desígnios.

Creio que, considerada a denúncia, considerados os elementos coligidos, os acusados terão muitos fatos para articularem; terão muita coisa a cuidar quanto ao alijamento das circunstâncias, do histórico revelado na denúncia. A hora é simples-mente de definir se há ou não repito, indícios para dar-se seqüência à ação penal e se os fatos configuram crime.

A seguir, concluindo o Tribunal pelo recebimento da denúncia, estará ini-ludivelmente sobre os ombros do Ministério Público a comprovação das impu-tações.

Por isso, acompanho o Relator no voto proferido, mais uma vez cumpri-mentando Sua Excelência pelo fôlego demonstrado.

VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Tenho para mim que a denúncia, considerado o contexto ora em exame, apresenta-se perfeitamente apta, delineando, de maneira clara e de modo adequado, os diversos delitos imputados aos ora denunciados.

A peça acusatória menciona, ainda que sumariamente, a presença do ato de ofício, ajustando-se, no ponto, à própria diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou a propósito dessa questão (AP 307/DF, v.g.).

De outro lado, e no que concerne ao delito de lavagem de dinheiro, o pró-prio voto do eminente Relator destaca o “modus operandi” exposto na denúncia, a revelar que, ao menos em tese, houve, de modo sistemático, práticas simula-tórias pertinentes à movimentação de dinheiro e de valores recebidos em espécie por diferentes pessoas (físicas e jurídicas), o que possibilita, a este Tribunal, cons-tatar, na narração dos fatos descritos na peça acusatória, o cometimento possível, pelos ora denunciados, do crime tipificado na Lei 9.613/98.

Vale referir, ainda, considerado o teor da imputação penal deduzida pelo Ministério Público, que haveria nexo substancial entre os crimes antecedentes narrados na denúncia e o delito de lavagem de dinheiro, em ordem a se reconhe-cer, ao menos em tese, a configuração típica da infração penal definida na Lei de Lavagem de Capitais.

De outro lado, o delito de quadrilha está, segundo entendo, adequadamen-te descrito na peça acusatória, especialmente se se considerarem, quanto a esse crime contra a paz pública, os diversos elementos (“essentialia delicti”) que lhe compõem a estrutura típica, tal como esta Corte já teve o ensejo de reconhecer, quando do julgamento do HC 72.992/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 168/863-865): (1) concurso necessário de, pelo menos, quatro pessoas (RT 582/348 – RT 565/406); (2) finalidade específica dos agentes voltada ao come-timento de um indeterminado número de delitos (RTJ 102/614 – RT 600/383) e (3) exigência de estabilidade e de permanência da associação criminosa (RT 580/328 – RT 588/323 – RT 615/272).

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Impende advertir, ainda, neste ponto, na linha do magistério jurispruden-cial desta própria Corte Suprema, que o delito de quadrilha ou bando, tal como tipificado no art. 288 do Código Penal, revela-se juridicamente independente daqueles que venham a ser praticados pelos agentes reunidos na “societas delin-quentium” (RTJ 88/468). O delito de quadrilha subsiste autonomamente, ainda que os crimes para os quais foi organizado o bando sequer venham a ser cometi-dos (RTJ 168/863-865, 864, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Verifico, a partir da leitura da própria peça acusatória, considerada a impu-tação do delito previsto no art. 288 do Código Penal, que se acham presentes, na espécie, os requisitos que a cláusula de tipificação penal exige para que se possa atribuir, a alguém, a prática de determinado delito: no caso, a alegada prática do crime de quadrilha ou bando.

Constato, desse modo, que a peça acusatória reveste-se de idoneidade ju-rídica, pois consubstancia descrição objetiva de fatos que se ajustam, ao menos em tese, ao preceito primário de incriminação definido no art. 288 do Código Penal, que tipifica o delito de quadrilha.

Torna-se necessário, Senhora Presidente, em face dos debates motivados pela denúncia ora em exame, reconhecer que o Supremo Tribunal Federal mos-tra-se fiel à sua própria orientação jurisprudencial, quando demonstra, no caso em análise, a imprescindibilidade de se efetuar precisa fiscalização em torno da acusação penal deduzida em juízo.

É preciso ter presente, neste ponto, por isso mesmo – consideradas as gravíssimas implicações éticas e jurídico-sociais que derivam da instauração da “persecutio criminis” –, que se impõe, por parte do Poder Judiciário (e desta Suprema Corte, em particular), rígido controle sobre a atividade persecutória do Estado, em ordem a impedir que se instaure, contra qualquer acusado, injusta situação de coação processual, pois, ao órgão da acusação penal, não assiste o poder de deduzir, em juízo, imputação criminal revestida de conteúdo arbitrário (RTJ 43/484 – RTJ 188/195, v.g.).

Daí a advertência, que, fundada no magistério jurisprudencial do Supre-mo Tribunal Federal, cumpre jamais desconsiderar:

A imputação penal não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do acusador. O Ministério Público, para validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave dever-poder não se transforme em um instrumento de injusta persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condenatória supõe a existência de justa causa, que se tem por inocorrente quando o com-portamento atribuído ao réu “nem mesmo em tese constitui crime, ou quando, configurando uma infração penal, resulta de pura criação mental da acusação” (RF 150/393, Rel. Min. OROZIMBO NONATO).(RTJ 165/877-878, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

Sob tal perspectiva, portanto, verifico que a acusação penal deduzida pelo eminente Procurador-Geral da República não se ressente, examinados os aspec-tos ora em análise, de qualquer vício que possa nulificá-la, legitimando-se, em conseqüência, a formulação, neste caso, do juízo positivo de sua admissibilidade.

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Sob esse aspecto, Senhora Presidente, tenho para mim que a denúncia satisfaz a exigência que se impõe, ao Ministério Público, de veicular descrição adequada de delitos, mediante narração dos elementos estruturais que permi-tam subsumir determinadas condutas aos preceitos primários de incriminação.

Por isso, pedindo vênia ao eminente Ministro RICARDO LEWAN-DOWSKI, também recebo, integralmente, a denúncia em relação a esses denunciados.

É o meu voto.

VOTO(Sobre o item VI.1 da denúncia)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Também acompanho o eminente Relator para receber a denúncia neste tópico.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.245/MG — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Autor: Ministério Público Federal. Denunciados: José Dirceu de Oliveira e Silva (Advogados: José Luis Mendes de Oliveira Lima e outros), José Genoíno Neto (Advogados: Sandra Maria Gonçalves Pires e outros), Delúbio Soares de Castro (Advogados: Celso Sanchez Vilardi e outros), Sílvio José Pereira (Advogados: Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró e outros), Marcos Valério Fernandes de Souza (Advoga-dos: Marcelo Leonardo e outros), Ramon Hollerbach Cardoso (Advogados: Hermes Vilchez Guerrero e outros), Cristiano de Mello Paz (Advogaos: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), Rogério Lanza Tolentino (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Simone Reis Lobo de Vasconcelos (Advogados: Marcelo Leonardo), Geiza Dias dos Santos (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Kátia Rabello (Advogados: Theodomiro Dias Neto e outros), Jose Roberto Salgado (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), Vinícius Samarane (Advogados: José Carlos Dias e outros), Ayanna Tenório Tôrres de Jesus (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), João Paulo Cunha (Advogados: Alberto zacharias Toron e outra), Luiz Gushiken (Advoga-dos: José Roberto Leal de Carvalho e outros), Henrique Pizzolato (Advogados: Mário de Oliveira Filho e outros), Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto (Advogados: Eduardo Antônio Lucho Ferrão e outros), Jose Mohamed Janene (Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira e outros), Pedro Henry Neto (Advogados: José Antonio Duarte Alvares e outro), João Cláudio de Carvalho Genú (Advogados: Marco Antonio Meneghetti e outros), Enivaldo Quadrado (Advogados: Priscila Corrêa Gioia e outros), Breno Fischberg (Advogados: Leonardo Magalhães Avelar e outros), Carlos Alberto Quaglia (Advogados: Dagoberto Antoria Dufau e outra), Valdemar Costa Neto (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Jacinto de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Antônio de Pádua de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues) (Advogados:

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Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Roberto Jefferson Monteiro Francisco (Advogado: Luiz Francisco Corrêa Barbosa), Emerson Eloy Palmieri (Advoga-dos: Itapuã Prestes de Messias e outra), Romeu Ferreira Queiroz (Advogados: José Antero Monteiro Filho e outros), José Rodrigues Borba (Advogados: Inocêncio Mártires Coelho e outro), Paulo Roberto Galvão da Rocha (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), Anita Leocádia Pereira da Costa (Advogado: Luís Maximilia-no Leal Telesca Mota), Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho) (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), João Magno de Moura (Advogados: Olinto Cam-pos Vieira e outros), Anderson Adauto Pereira (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), José Luiz Alves (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Men-donça) (Advogados: Tales Castelo Branco e outros), zilmar Fernandes Silveira (Advogados: Tales Castelo Branco e outros).

Decisão: Prosseguindo no julgamento, quanto ao item VI.1 da denúncia, o Tribunal: com relação ao delito de corrupção passiva, por unanimidade, recebeu-a relativamente aos acusados José Mohamed Janene, Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto, Pedro Henry Neto e João Cláudio de Carvalho Genú (subitens “b.2” e “c.2”); com relação ao delito de formação de quadrilha, por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, recebeu-a relativamente aos acusados José Mohamed Janene, Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto, Pedro Henry Neto, João Cláudio de Carvalho Genú, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia (subitens “b.1”, “c.1”, “d.1” e “e.1”); e, com relação ao delito de lavagem de dinheiro, por unanimidade, recebeu-a relativamente aos acusados José Mohamed Janene, Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto, Pedro Henry Neto, João Cláudio de Carvalho Genú, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia (subitens “b.3”, “c.3”, “d.2” e “e.2”), com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. Quanto ao item VI.2 da denúncia, o Tribunal: com relação ao delito de formação de quadrilha, por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, recebeu-a relativamente aos denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto de Souza Lamas e Antônio de Pádua de Souza Lamas (subitens “b.1”, “c.1” e “d.1”); com relação ao delito de corrupção passiva, por unanimidade, recebeu-a relativamente aos acusados Valdemar Costa Neto, Jacinto de Souza Lamas e Carlos Alberto Rodri-gues Pinto (Bispo Rodrigues) (subitens “b.2”, “c.2” e “e.1”); e, com relação ao delito de lavagem de dinheiro, por unanimidade, recebeu-a relativamente aos denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto de Souza Lamas, Antonio de Pádua de Souza Lamas e Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues) (subitens “b.3”, “c.3”, “d.2” e “e.2”), com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. Quanto ao item VI.3 da denúncia, o Tribunal: com relação ao crime de corrupção passiva, por unanimidade, recebeu-a relativamente aos acusados Roberto Jeffer-son Monteiro Francisco, Romeu Ferreira Queiroz e Emerson Eloy Palmieri (“c.1”, “d.1” e “e.1”); com relação ao crime de corrupção ativa, por unanimidade, recebeu-a relativamente ao denunciado Anderson Adauto Pereira (subitem “b”); e, com relação ao crime de lavagem de dinheiro, por unanimidade, recebeu-a

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relativamente aos denunciados Roberto Jefferson Monteiro Francisco, Romeu Ferreira Queiroz e Emerson Eloy Palmieri (subitens “c.2”, “d.2” e “e.2”), com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. Quanto ao item VI.4 da denúncia, o Tribunal: com relação ao crime de corrupção passiva e ao crime de lavagem de dinheiro, por unanimidade, recebeu-a relativamente ao acusado José Rodrigues Borba (subitens “b.1” e “b.2”), com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. Quanto ao delito de corrupção ativa, o Tribunal, por unanimidade, recebeu a denúncia, em seus itens VI.1.a, VI.2.a, VI.3.a e VI.4.a, relativamente aos denunciados José Dirceu de Oliveira e Silva, Delúbio Soares de Castro, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Simone Reis Lobo de Vasconcelos e Geiza Dias dos Santos; relativamente ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, por unanimidade, recebeu-a exclusiva-mente quanto ao item VI.1.a; relativamente ao denunciado José Genoíno Neto, por maioria, recebeu-a apenas quanto aos itens VI.1.a e VI.3.a, vencido o Minis-tro Eros Grau, e, por unanimidade, rejeitou-a quanto aos itens VI.2.a e VI.4.a; e, em relação ao denunciado Silvio José Pereira, por unanimidade, rejeitou a denún-cia quanto aos itens VI.1.a, VI.2.a, VI.3.a e VI.4.a. Tudo nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente em todos os quesitos.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 27 de agosto de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, apenas registro que no campo civil poderíamos cogitar do vício de vontade e então assentar a desperso-nalização, mas o mesmo não ocorre considerado o direito penal, em que o tipo analisado pressupõe o elemento subjetivo, que é o dolo.

Acompanho o Relator no voto proferido.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, vou pedir vênia ao eminen-te Ministro Relator para receber a denúncia.

Entendo presente o dolo específico, consistente no alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Considero a denúncia também nesse contexto em que se imersa. Remeto-me, até, a 1998, quando, ao que me parece, tudo começou no plano dessa montagem de um esquema criminoso. Então, nesse contexto, como diz Merleau-Ponty, a verdade sempre se nos dá num contexto, numa dada situação. Na situação do processo, na situação dos autos, acho que sinaliza, sim, essa retirada da empresa indício de falsidade.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas a ponto de ter-se a configuração da figura da falsidade ideológica?

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Acho que sim, Excelência.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ele se apresentava em público

como dirigente, na época da sociedade, embora ele fosse detentor apenas de uma procuração.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Foi o que ressaltei. Poderíamos cogitar, no campo civil, do vício da vontade, da simulação, para chegar-se à despersonalização.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pois é, isso é figura típica de simulação. Isso não é falsidade.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas, no contexto processual...O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas vá falsear assim, também, lá longe,

porque realmente com toda essa explicitude!O Sr. Ministro Marco Aurélio: Será que essa substituição seria suficiente,

por si só, a chegar-se à conclusão sobre o tipo penal, a falsidade ideológica?O Sr. Ministro Marco Aurélio: Necessariamente ele não teria que continuar

como sócio, e talvez haja explicação de tudo no regime do casamento – a comu-nhão de bens.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Até porque também a situação da procura-ção poderia ocorrer em outras circunstâncias, porque sócios poderiam transferir o poder de gerência para outros.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A mulher passou a ser sócia, para todos os efeitos.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ela era sócia, e ele não escondia essa situação.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas a exclusão dele me mascara uma reali-dade.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosda (Relator): Mas ele não escondia essa situação.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Do ponto de vista penal, não há tipi-cidade.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Pelo contrário, a procuração não mascara a realidade.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, claro, mas do ponto de vista formal ele não fazia parte da empresa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, veja: se não me falha a memória, inclusive caminhamos no sentido de aceitar a denúncia contra ela, tendo em con-ta essa integração – que assentamos válida – à própria empresa.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa substituição no comando da empresa, do ponto de vista formal, não é mera coincidência.

No contexto dos autos, recebo a denúncia.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ela não estaria, então, alcançada pela de-núncia?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Neste tópico, não.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, na denúncia, há apenas uma passagem do Procurador-Geral da República em que se descreve que Mar-cos Valério deixou formalmente a empresa em tanto, continuou a geri-la. Dessa descrição, que é ligeiríssima, não vejo como extrair qual a denúncia que teria sido efetivamente praticada e não foi indicado qual seria o especial fim de agir. Enfim, não foram atendidos, para mim, os requisitos do art. 41, razão pela qual acompanho o Relator, rejeitando a denúncia.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, também já havia anotado em meu voto que, além da vagueza da imputação, a denúncia não descreve adequadamente os elementos típicos do crime de falsidade ideoló-gica.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, acompanho integralmente o Relator, até porque essa mesma situação poderia ser originária na constituição da sociedade, e ninguém imaginaria que, nesse caso, o fato de o marido exercer os poderes efetivos da sociedade configuraria crime de falsidade.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, eu também, como explicitei nos debates, não vejo, aqui, a configuração do delito de falsidade ide-ológica. Parece-me que, na verdade, isso explicita apenas um exercício regular do direito, como já observado pelo Ministro Celso de Mello.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, acompanho, como já adiantei, Vossa Excelência no voto proferido, com um conserto, com “s” e com “c”, quanto ao recebimento da denúncia, nesse processo, contra a mulher do Sr. Marcos Valério. Isso realmente não ocorreu.

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VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia)

O Sr. Ministro Celso de Mello: A denúncia, ao descrever a conduta imputada ao ora acusado, sequer fez referência, como se impunha ao Ministério Público fazê-lo, à vontade de causar o “praejudicium alterius”, que compõe a própria estrutura típica do delito de falsidade ideológica.

Isso significa, portanto, que o comportamento atribuído ao denunciado acha-se descaracterizado em sua tipicidade penal, ao menos se analisado nos ter-mos materialmente delineados na peça acusatória.

Desse modo, peço vênia para acompanhar o eminente Relator.

É o meu voto.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II – José Dirceu)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, peço que o Ministro Relator me esclareça o seguinte: um dos elementos necessários para a configu-ração do crime de quadrilha é exatamente a indeterminação dos crimes a serem praticados. A denúncia, neste caso, refere-se muito a “crimes descritos na presente denúncia”.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Os crimes são aqueles dos quais já cuidamos nos dias anteriores.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Cuidamos, aqui, de crimes determinados. A jurisprudência, no entanto, afirma que, para a configuração do crime previsto no art. 288, a associação deve voltar-se para a prática de crimes, e não a alguns crimes determinados. Senão, haveria o concurso de agentes, e não a quadrilha. Por exemplo, cito o HC 72.992, em que o Relator, Ministro Celso de Mello, especificamente afirma que os membros haverão de praticar crimes indeterminados:

Para a configuração do delito de quadrilha, basta a vontade de associação, manifestada por mais de três pessoas, dirigida à prática de delitos indeterminados (...)

À fl. 15, Vossa Excelência afirma:

Ora, não há como crer que tal nível de organização narrado na inicial acusatória, e a subseqüente prática – ao menos em tese – dos crimes para os quais os acusados se teriam associado...

Ou seja, eles teriam se associado para crimes específicos? Preciso saber apenas para o encaminhamento do meu raciocínio.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Os crimes para os quais eles teriam se associado são aqueles a respeito dos quais debatemos exaustivamente aqui: corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, e assim por diante.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ou seja, seriam crimes determinados.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se Vossa Excelência me permite intervenção, significa apenas contraposição ao fato de algumas pessoas se associarem para cometer crime determinado. Isso é uma coisa; outra é cometer uma classe de crimes que ainda não se determinaram historicamente. é o caso, por exemplo, de uma sociedade lícita, em que os dirigentes, a partir de certo momento, resolvem cometer crimes contra a ordem tributária; é crime de quadrilha. Há aí classe de-terminada de crimes.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Pedi o esclarecimento exatamente para seguir o meu raciocínio.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essa distinção é feita exatamente para dife-renciar o crime de quadrilha do concurso de agentes, que se associam, por exem-plo, para assaltar uma casa em tal lugar. Isso é outra coisa.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de um vínculo momentâneo esta-belecido para aquele efeito específico.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, e isso está muito claro no voto do Relator.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa indeterminação dos crimes está pressu-posta na intervenção da Ministra Cármen Lúcia.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente por isso a minha citação.

Quero encarecer um segundo dado, apesar de acompanhar o Relator nesta parte: não gostaria, definitivamente, de me vincular ao que fica expresso no voto de Sua Excelência relativamente a que seria suficiente essa aceitação para uma investigação suplementar, quer dizer, porque, nesse caso, seria uma questão de provas. Mas a ação penal não é para isso. Não aceito nessas condições.

Está no voto, e assim leu o Ministro Relator, que os fatos arrolados seriam suficientes a merecer investigação suplementar. E não aceito que uma ação penal se imponha para isso.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O que autorizaremos, na eventua-lidade de aceitarmos a denúncia, é precisamente que o contraditório se estabeleça e que investigações suplementares tenham lugar. Não há o menor sentido autori-zar a denúncia sem que investigações suplementares ocorram.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Nesse caso, para mim, já é comprovação, e não outras investigações.

Por isso, a minha ressalva. A meu ver, a fase de ação penal é para a apre-sentação das provas, com a dilação especificada.

Com essas ressalvas, acompanho o voto do Relator.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II – José Dirceu)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço vênia para discordar do eminente Ministro Relator neste aspecto.

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Preciso manter coerência com o longo voto que proferi na assentada de ontem. Pareceu-me que a denúncia, de fato, descreve a prática, em tese, de dife-rentes crimes praticados em concurso de agentes, e também em continuidade de-litiva. No entanto, pelo menos no meu entendimento, não ficou tipificado, claro, com todos os seus elementos, o delito de quadrilha.

Sobretudo no tópico que discutimos hoje, verifico que, em muitos aspectos, em muitos casos, potencializa-se o cargo ocupado pelos denunciados, exatamente para se lhes imputar a prática do crime de formação de quadrilha.

Portanto, louvando mais uma vez, como sempre fiz, o cuidado de Sua Ex-celência, rejeito a denúncia neste particular.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II – José Dirceu)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, também tomei muita cautela no exame do voto do Ministro Joaquim Barbosa quanto aos elementos que rece-bemos, mas há indícios, sim, a justificarem o recebimento da denúncia.

Embora não se caracterize prova de culpabilidade, sem dúvida, não se pode imunizar ninguém ao curso da apreciação da denúncia quando há elementos – evidentemente dentro dos padrões do devido processo legal – que se aplicam a todos, indistintamente – do Ministro ao subalterno, sem nenhuma distinção.

Recebo a denúncia.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia – José Dirceu)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, faço questão de registrar que o nosso trabalho aqui, eminentemente técnico, se encontra extremamente facilitado pela peça de denúncia, elaborada criteriosamente, com toda competência, pelo Procurador-Geral da República, Doutor Antonio Fernando, e por esse relatório, que não me canso de elogiar, do Ministro Joaquim Barbosa. Suas Excelências tiveram um trabalho hercúleo e se desincumbiram magnificamente dessa em-preitada jurídica.

O crime de quadrilha – permito-me ler um pouquinho, é curto – apresenta as seguintes características ao ver de Celso Delmanto:

Tipo objetivo: O núcleo indicado é associarem-se, que traz a significação de ajunta-rem-se, reunirem-se, aliarem-se, agregarem-se. Exige a lei que sejam mais de três pessoas, daí resultando o número mínimo de quatro pessoas, no qual se contam, também, os inimputáveis, quando estes tiverem capacidade para entender e integrar a associação.

Prossegue Delmanto:

O núcleo associar-se implica idéia de estabilidade, razão pela qual se exige que a associação seja estável ou permanente. Em quadrilha ou bando, diz a lei, usando vocábulos sinônimos, que se definem como associação estável ou permanente de delinqüentes, “com o fim de

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praticar reiteradamente crimes, da mesma espécie ou não [a intervenção do Ministro Peluso], mas sempre mais ou menos determinados.

Cita Fragoso, em Lições de Direito Penal, e arremata:

A associação deve ser para o fim de cometer crimes [no plural], ou seja, com a finalidade de praticar mais de um crime, considerando-se como crimes os fatos assim definidos em lei, não sendo suficiente a finalidade de praticar contravenções, fatos ilícitos ou imorais.

A denúncia dá conta de um esquema de atuação de uma organização enquan-to resultado de uma unidade de desígnios ou de propósitos, significando então uma protagonização plural, mas desce ao nível das particularidades, das peculia-ridades do detalhamento e individualiza as condutas, conforme realçado pelo eminente Relator, notadamente no que tange às tratativas iniciais, às sondagens, às aproximações que se deram já no segundo semestre do ano de 2002, e depois reuniões mais formais, para o início dessa associação agora denunciada como criminosa, mas sempre no sentido do art. 288, que é o crime de quadrilha.

No plano dos indícios, portanto, entendo que a denúncia, mais uma vez, longe de ser vazia, é cheia e nos dá tranqüilidade para emitir esse juízo delibató-rio, esse juízo prefacial de admissibilidade.

O Ministro Lewandowski levanta uma questão relevante. Como de hábito, Sua Excelência nos concita a uma reflexão mais aturada das coisas, que é o risco da potencialização do exercício do cargo, no caso do Ministro José Dirceu, de Chefe da Casa Civil, advertindo-nos para esse risco de confundir as coisas. Há atividades que são próprias mesmas do dirigente máximo da Casa Civil e que não podem se confundidas com indícios de autoria de crime.

Mas nesse ponto da potencialização do cargo, remeto-me para a teoria do domínio do fato de que falou ontem o Ministro Celso de Mello. Comentada com propriedade por Cezar Roberto Bitencourt...

O Sr. Ministro Celso de Mello: O eminente Relator discorreu amplamente sobre essa questão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Longamente.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Também o eminente Relator.

Tratado de Direito Penal, Parte I. E, aqui, com base na teoria do finalismo de Hans Welzel, o eminente jurista Cezar Roberto Bitencourt, penalista que todos nós conhecemos e admiramos, deixa claro que autor é quem tem o controle final dos fatos, ou seja, é quem é o senhor, o dono da situação, e com prestígio, com força suficiente para estancar o fluxo das atividades delituosas, ou, pelo menos, redirecioná-las no sentido do seu abrandamento. E nos incita a uma reflexão – que me permito fazer e com isso ultimar a minha participação – que seria a seguinte: quem, habitualmente, aceita os préstimos de uma quadrilha, se enquadrilha? Uma coisa puxando a outra, como em doença contagiosa? Bem, ao nível da aná-lise da denúncia, nesse plano de um juízo de delibação, portanto, entendo que as respostas são afirmativas.

Por isso, acompanho o eminente Relator.

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VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia – José Dirceu)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, à sucessão de cada capítulo desta denúncia, do voto do eminente Relator e das observações dos eminentes Ministros, vai-me ficando cada vez mais clara, em termos da existência de in-dícios suficientes para o recebimento da denúncia, a caracterização do delito do art. 288. Por quê? Porque em nenhum instante se cogitou de acordo de vontades transitório, predisposto ao cometimento de delitos historicamente situados e específicos, como se um grupo de pessoas se tivesse reunido para praticar os crimes a, b e c, identificados historicamente. Não. O que está claro, em termos de indícios, e digo sempre indícios que bastem para este juízo preliminar sobre admissibilidade da denúncia, é que houve acordo de vontades que criou uma entidade supra-individual predisposta ao cometimento de delitos de certas classes, todos vinculados à realização de um projeto político. Isso é o que parece mais ou menos claro, e está nisso a tipicidade do delito imputado e a diferença específica com o concurso de agentes.

Em relação ao denunciado de que se trata, há aqui um conjunto de indícios que se somam, e cuja soma é forte no sentido de permitir o recebimento da denúncia.

Em primeiro lugar, ele era, como fato público e notório, talvez a principal figura do partido. Isso tem conseqüências em termos de possibilidade de conheci-mento, sobretudo daquilo que sucedia na área parlamentar, com a qual se relacionava diretamente.

Em segundo lugar, há acusação textual, também pública e notória, mas ago-ra referida novamente pelo eminente Relator, formulada por outro co-denuncia-do, que lhe imputou a criação do esquema. Isso é fato conhecido. Ele foi o objeto dessa acusação específica, a de que teria sido o criador e o mentor do esquema.

Em terceiro lugar, o eminente Relator desfilou vários depoimentos dos quais resulta a convicção provisória de que o denunciado tinha conhecimento do esquema financeiro que possibilitava a prática dos delitos. Isso se colhe dos depoimentos de Renilda, de Roberto Jefferson, do Bispo Rodrigues, de Marcos Valério e de Kátia Rabello, só para falar dos mais importantes.

Em quarto lugar, as relações próximas com Marcos Valério, que era em tese, vamos dizer, o operador do esquema delituoso, também se somam aos demais.

Em quinto lugar, há certa dificuldade de se admitir que, ocupando o cargo que ocupava, não soubesse, por exemplo, da desenvoltura com que agia outro co-denunciado, o tesoureiro do partido, com quantias vultosas e intervenção direta na base parlamentar. Dificilmente se pode, em termos de indícios, supor ficasse alheio a essa movimentação e não a estranhasse, sobretudo quando nos lembramos das referências que o outro co-denunciado fez a respeito de várias reuniões com este mesmo denunciado.

Finalmente, os episódios relacionados à sua ex-mulher, isoladamente, poderiam não significar muita coisa, mas, num contexto de indício, assumem

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relevo, porque revelam certa promiscuidade que supõe um relacionamento muito próximo. Qual era o interesse que tinham as outras pessoas, ligadas a bancos e a negócios financeiros, em fazer-lhe um favor, um favor estranhíssimo, em que Rogério Tolentino adquiriu um imóvel para atender a pedido desse denunciado?

São as razões por que peço vênia à divergência para acompanhar inteira-mente o eminente Relator, do qual não sou intérprete, mas cuja ressalva entendi muito bem, no sentido de que os elementos constantes dos autos são suficientes para recebimento da denúncia, e de que a necessidade de investigação suplementar concerne apenas à obtenção de prova para condenação. Não é que Sua Excelência esteja transformando a ação penal em inquérito, não. O que Sua Excelência quer dizer, e me corrija, se me engano, é que há provas suficientes para recebimento da denúncia, mas que, para eventual condenação, será preciso que se aprofundem as investigações.

O Sr. Ministro Celso de Mello: E que se observe, uma vez instaurada a persecução penal em juízo, a garantia constitucional do contraditório quanto aos elementos probatórios coligidos pelo órgão da acusação.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Claro. Exatamente.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Está dito no meu voto.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia – José Dirceu)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, também me filio entre aqueles que têm criticado a banalização de denúncias, com fundamento no art. 288 na questão de quadrilha. Isso já foi objeto de discussões. Recentemente, citava-se até um acórdão da relatoria do Ministro Cezar Peluso, na Primeira Turma, mas o Ministro Sepúlveda Pertence – que acaba de nos deixar e cujas homenagens sempre são devidas – também fazia glosa dessa banalização.

Todavia, no caso específico, tal como agora demonstrado pelo Relator, há elementos deste liame, deste continuum, no sentido de prática de crime.

Também eu não me impressiono com descrições de determinadas atividades típicas das atividades funcionais de quem ocupava o importante cargo de Chefe da Casa Civil. Nem mesmo eventuais imputações a respeito desse episódio envolvendo a ex-mulher do denunciado. Mas há todo um forte contexto, elementos que se entrelaçam. Isso foi cabalmente, a meu ver, demonstrado pelo Relator, pelo menos no que concerne ao juízo que aqui se está a desenvolver, juízo prévio de delibação no sentido da existência de uma organicidade com objetivo de obter esses recursos ilícitos.

Por outro lado, como já foi destacado na sessão de ontem, é muito difícil imaginar que as complexas operações realizadas pudessem se fazer sem um forte respaldo político.

De modo que, com essas brevíssimas considerações, enfatizando a ressalva quanto à banalização, à invocação quase que in genere do crime de quadrilha, à qual não me filio, também aceito a denúncia nos termos propostos pelo Relator.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, estamos a versar crime coletivo, autônomo, que é o crime de quadrilha. Devemos observar o sistema até aqui prevalecente, considerado o voto do Relator, bem como a óptica da maioria. Recebemos a denúncia, presente o tipo do art. 288, no tocante a outros envolvidos no esquema, que veio a ser escancarado, e, se não o fosse, continuaria certamente a operar numa mesclagem que surge, de início, nefasta, do público com o privado.

Ontem, recebemos a denúncia por corrupção ativa, nesse grande todo, contra o Sr. José Dirceu, a partir de indícios que estariam a demonstrar que seria ele o grande piloto do esquema.

Indago: diante desse contexto, sem afastar a ordem natural das coisas, é dado concluir que não há indícios – considerado, inclusive, o que veiculado pelo Relator – suficientes ao recebimento da denúncia? A resposta, para mim, é desen-ganadamente negativa. E também entendo a colocação do Relator, quanto à fase subseqüente ao recebimento da denúncia, como voltada a ter-se a instrução do processo, ensejada a defesa à exaustão, visando a um pronunciamento do Tribu-nal no sentido da absolvição ou condenação, e não continuar-se, simplesmente, invertendo-se a citada ordem natural das coisas, a se investigar como se fosse possível ter-se o afastamento do recebimento da denúncia ou, então, a necessária ratificação desse recebimento.

Acompanho o Relator no voto proferido, recebendo a denúncia.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia – José Dirceu)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Ninguém desconhece que o crime de qua-drilha não se confunde com a prática delituosa cometida em concurso de pessoas, nem ocorre quando o acordo – decorrente de uma associação momentânea – objetiva, unicamente, o cometimento de um só delito.

A quadrilha ou bando, como todos nós sabemos, constitui crime pluris-subjetivo de concurso necessário, cuja configuração típica resulta da conjugação de três elementos essenciais, assim reconhecidos pela jurisprudência desta Cor-te Suprema, como resulta claro de julgamento proferido no HC 72.992/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 168/863-865): (a) concurso necessário de, pelo menos, quatro pessoas (RT 582/348 – RT 565/406); (b) finalidade específica dos agentes voltada ao cometimento de um indeterminado número de delitos (RTJ 102/614 – RT 600/383) e (c) exigência de estabilidade e de permanência da associação criminosa (RT 580/328 – RT 588/323 – RT 615/272).

Vale rememorar, neste ponto, por necessário, que “O crime de quadrilha é juridicamente independente daqueles que venham a ser praticados pelos agen-tes reunidos na ‘societas delinquentium’ (RTJ 88/468). O delito de quadrilha subsiste autonomamente, ainda que os crimes para os quais foi organizado o bando sequer venham a ser cometidos” (RTJ 168/863-865, 864, Rel. Min. CEL-SO DE MELLO).

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R.T.J. — 203 887

O eminente Procurador-Geral da República, ao imputar a José Dirceu a suposta prática do crime de quadrilha, destacou-lhe a condição de “principal articulador dessa engrenagem, garantindo-lhe a habitualidade e o sucesso”, acentuando, ainda, que esse mesmo denunciado, José Dirceu, tinha o domínio funcional de todos os crimes alegadamente perpetrados pelo grupo criminoso, assumindo a posição de chefia incontestável no plano da organização criminosa.

O eminente Relator, por sua vez, assinala que os dados probatórios exis-tentes, reveladores da possível prática, por José Dirceu, do crime de quadrilha, resultam não só do depoimento de Roberto Jefferson, mas, também, das de-clarações prestadas por Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, esposa de Marcos Valério, pelo Bispo Rodrigues, pelo próprio Marcos Valério (seja em seu primeiro depoimento, em 29 de junho de 2005, seja em seu segundo depoimen-to), por Cristiano Paz e, ainda, por Kátia Rabelo.

Há, portanto, Senhora Presidente, indícios suficientes que justificam, para efeito de seu recebimento, a denúncia oferecida contra José Dirceu pela suposta prática do crime de quadrilha.

Existem elementos que parecem revelar que esse denunciado, inde-pendentemente de variação de comparsas, teria agido com a consciência de integrar, em posição eminente, essa associação criminosa, considerados os elementos que compõem a própria estrutura do tipo penal consubstanciado no art. 288 do Código Penal.

A denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República descreve, de modo adequado, com suporte em elementos probatórios suficientes, o papel que José Dirceu teria desempenhado no contexto de uma quadrilha alegadamente organizada na intimidade do Gabinete Civil da Presidência da República, estru-turada, portanto, no mais alto nível de poder do Governo Federal.

Daí a observação feita pelo eminente Relator, a propósito de José Dirceu, no sentido de que “Seria ele o mentor, o chefe incontestável do grupo, o detentor do comando, a pessoa a quem todos os demais prestavam obediência”, concluin-do, em juízo plenamente compatível com a fase preliminar deste procedimento penal, que a peça acusatória preenche os requisitos estabelecidos no art. 41 do Código de Processo Penal e tem suporte em elementos probatórios que permitem considerar admissível a denúncia em causa.

Por isso, Senhora Presidente, com tais observações, peço vênia para acom-panhar o douto voto do Ministro Relator, recebendo a denúncia contra o Sr. José Dirceu.

É o meu voto.

VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia – Delúbio Soares)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, neste caso, eu recebo a denúncia porque entendo tipificados os elementos do crime previsto no art. 288 do Código Penal.

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VOTO(Sobre o subitem “c.2” do item II da denúncia – Delúbio Soares)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, pelo que entendi, também há indícios suficientes de autoria, e o denunciado Delúbio, segundo o Ministério Público e agora confirmado pelo Ministro Joaquim Barbosa, parece colocar-se naquela posição, no esquema, de uma espécie de varejista. Era o dedo que apon-tava os sacadores; não propriamente – digamos – o intelecto que distinguia os mensaleiros. Isso ficava já a cargo de outros partícipes da organização.

Por isso, acompanho Sua Excelência.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – José Genoíno)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowsky: Senhora Presidente, não ignoro que o crime de formação de quadrilha constitui um delito de natureza formal, de caráter coletivo, plurissubjetivo, autônomo com relação aos delitos praticados pelos integrantes da quadrilha, ainda que em continuidade delitiva, em concurso de agentes, mas, neste caso – eu examino caso a caso –, na hipótese do primeiro de-nunciado, eu rejeitei a denúncia; do segundo, aceitei a denúncia com relação ao crime capitulado no art. 288 do Código Penal. Portanto, eu examino o conjunto probatório.

Debruçando-me sobre o acervo probatório neste caso e sabendo claramente que o delito de quadrilha, insisto, é de natureza formal autônomo com relação aos demais delitos praticados pelos integrantes da quadrilha, verifico que os fatos narrados na denúncia para tipificar os crimes específicos que foram imputados a este denunciado – os delitos de corrupção ativa –, na verdade, são talvez os mes-mos, com tintas um pouco mais carregadas, que os utilizados para caracterizar o delito de formação de quadrilha. Eu temo que neste caso estejamos diante de um bis in idem.

Portanto, Senhora Presidente, rejeito a denúncia.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – José Genoíno)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, acompanhei e, em coerência com o voto ontem proferido, também peço vênia para, em relação a José Genoíno, rejeitar a denúncia.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – José Genoíno)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, os testemunhos aqui são múltiplos e convergem no sentido de que, pelo menos aparentemente, o denuncia-do sabia de tudo, porque de tudo participou.

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Com o Relator, entendo que estão satisfeitos os requisitos do art. 41, sem que a denúncia incorra nas impropriedades do art. 43 do Código de Processo Penal.

Acompanho o eminente Relator.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – José Genoíno)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Também, Senhora Presidente, além do que aduziu o eminente Relator, a mim me pesa sobretudo o fato de que, como presi-dente do partido, dificilmente esse denunciado poderia alegar ignorância diante do vulto das operações e, no mínimo, tinha conhecimento, e com a omissão concorreu deliberadamente para a prática desses delitos, enfim, para a própria estruturação da organização.

Data venia da divergência, recebo a denúncia.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – José Genoíno)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, também eu já tive dú-vida ontem em relação ao denunciado José Genoíno, fiz, inclusive, perguntas quanto ao crime de corrupção ativa, e também a mesma dúvida me assalta agora.

Não vejo elementos, tendo em vista a participação – muitos enfatizam como participação meramente política –, para um eventual juízo condenatório, mas evidentemente é inegável que, na condição de presidente de partido e parti-cipando de todas as reuniões, ou de muitas delas, dificilmente poderá alegar que ignorasse o vulto, a temeridade das operações envolvidas e, obviamente, não poderia ignorar que haveria também dificuldade de obter fundos normais para todo esse processo extremamente complexo.

Por outro lado, o próprio aval dado é uma atividade atípica de partido polí-tico, pelo menos até o atual estágio. Não se conhecia o envolvimento de partidos políticos com tal performance em termos financeiros.

De modo que todo esse conjunto torna bastante difícil excluí-lo nesse juízo de delibação, que me parece não ser suficiente, sim, se não houver adensamento dos elementos para um eventual juízo de condenação, mas isso será em outra fase do processo.

Recebo a denúncia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Também eu, Excelência, a partir dos indí-cios revelados pelos depoimentos colhidos. Refiro-me aos depoimentos de José Janene, Bispo Rodrigues e outros citados no voto do Relator.

é muito cedo para dizer que não houve o envolvimento do denunciado na grande trama retratada nestes autos.

Acompanho Sua Excelência e recebo a denúncia.

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VOTO(Sobre o delito de quadrilha – Sílvio Pereira)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Também eu, Senhora Presidente, recebo a denúncia nos termos do voto do Relator.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – Sílvio Pereira)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Também recebo, Senhora Presidente.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – Sílvio Pereira)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, os depoimentos são, a meu ver, até robustos e convergentes no sentido da inclusão do denunciado no esquema de formação de quadrilha.

Por isso, na linha do voto do Relator, acolho a denúncia.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – Sílvio Pereira)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Também, Senhora Presidente, é um caso típico em que um dos integrantes da quadrilha não praticou nenhum crime autô-nomo.

VOTO(Sobre o delito de quadrilha – Sílvio Pereira)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Também eu, Senhora Presidente, não obs-tante termos rejeitado, no dia de ontem, a denúncia em relação a crime de corrup-ção ativa por parte do denunciado, entendo que parecem suficientes os elementos constantes dos autos para o recebimento da denúncia na hipótese.

VOTO(Sobre a lavagem de dinheiro – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, recebi, como todos recebemos, do eminente Advogado Tales Castelo Branco o memorial con-tendo algumas questões que me parecem relevantes e que já foram ressaltadas da tribuna, que penso interessante trazer à colação dos eminentes Colegas para que possamos refletir em conjunto sobre as mesmas.

Com relação à lavagem de dinheiro, o eminente Advogado traz dois argu-mentos que já enfrentei, enfrentarei em voz alta e coloco, também, à apreciação dos eminentes Pares. Diz Sua Senhoria o seguinte:

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Acerca da acusação de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98), seria indispen-sável, para a validade da denúncia, que fossem descritas as condutas reveladoras da intenção de transformar os “valores ilícitos em respectivos correspondentes lícitos”. Isso não foi apontado, sequer de forma sucinta ou implícita, pela denúncia.

Aí, o eminente Advogado faz algumas considerações, traz aqui à balha um teórico que estuda o assunto e passa para outro argumento conexo a esse, dizendo o seguinte:

Finalmente, os depósitos não declarados no exterior foram realizados na conta Dussel-dorf Company Ltd. dois anos antes da entrevista concedida por Roberto Jefferson à Folha de S. Paulo, revelando a existência de “organização criminosa” atuante no país: os denunciados respondentes não tinham como saber que o dinheiro recebido pelo seu trabalho – embora de forma tributariamente irregular – estivesse relacionado aos crimes previstos nos incisos I a VII do artigo 1 da Lei de Lavagem.

Data venia do eminente Advogado, afasto esses argumentos porque enten-do que isso é matéria de prova. Os autos e a denúncia do eminente Procurador-Geral da República revelam que há um fluxo enorme de dinheiro ilícito, e, portanto, será preciso, ao longo do contraditório, comprovar realmente que os dois denunciados não tinham conhecimento da origem ilícita destas verbas que foram remetidas para o exterior.

Então, nesse sentido, acompanho o voto de Sua Excelência o eminente Ministro Relator.

VOTO(Sobre a lavagem de dinheiro – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, também me detive sobre o memorial desse eminente Advogado, que tanto admiro, mas realmente me rendo à exposição feita pelo Ministro Relator.

Esta é uma sessão em que todos procedem muito bem: os advogados real-mente mostram o seu vigor e a sua inteligência, mas há o vigor dos fatos.

Acompanho o voto do eminente Ministro Relator.

VOTO(Sobre a lavagem de dinheiro – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Indago ao eminente Ministro Relator, só para meu entendimento um pouco mais detalhado: os créditos da empresa do denunciado Duda Mendonça correspondiam a débitos, a dívidas do Partido dos Trabalhadores, entretanto quem fazia o pagamento dessa dívida ou quem integralizava esses créditos era a SMP&B?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Lembro-me de ter relatado, pelo menos, duas modalidades de pagamento; uma, já tradicional, via empresa de Marcos Valério, quando a Geiza mandava um e-mail para um funcionário de uma agência, dizendo que a pessoa tal seria o destinatário do recurso, mas quem comparecia era a Simone, com cheque nominal à própria SMP&B.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Ela era formalmente a sacadora.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A Simone era a sacadora, mas o recurso era repassado a outra pessoa, que assinava um recibozinho e que ficava para controle de Marcos Valério. E a outra foi a remessa para o exterior. Lembro-me, aqui, pelo menos dessas duas.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu acompanho o voto de Vossa Excelência.

VOTO(Sobre a lavagem de dinheiro – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, apenas em homenagem ao trabalho da defesa, permito-me acrescentar ao que já aduziu o eminente Re-lator e os demais Ministros que me antecederam, que o aspecto fundamental, o cerne da defesa aqui é em relação ao elemento subjetivo do tipo, consubstanciado na afirmação de que os denunciados não teriam como saber da origem ilícita dos recursos.

Aqui temos duas espécies de recursos: os que foram entregues pessoalmente na Avenida Paulista e os que foram remetidos ao exterior. Vamos ficar nos recursos entregues na Avenida Paulista, por enquanto.

Receber em três parcelas, em dias sucessivos, em uma agência da Avenida Paulista, sem cheque, trezentos mil reais é coisa já dificultosa do ponto de vista de transporte. Então, se alguém oferece um pagamento de trezentos mil reais em dinheiro, cria para o accipiens uma grave dificuldade, que me permite indagar: por que dessa forma inusitada e não mediante cheque, que é leve e se põe em conta? Segundo: o risco. Todo mundo sabe, e ninguém mais do que os denun-ciados habitués da Avenida Paulista e da cidade de São Paulo, onde os riscos são elevadíssimos, que receber tão extraordinário volume de notas e sair de uma agência bancária com esse montante de dinheiro é um perigo muito grande que ninguém correria sem suspeitar! Terceiro: o próprio denunciado varão declara que não emitiu notas fiscais, sobretudo em relação aos créditos que foram pagos por remessas ao exterior.

A pergunta é: diante de todos esses fatos, pode-se dizer que foi procedi-mento típico e rotineiro de pagamento? Que não suscitaria suspeita a ninguém?

Aqui há duas alternativas: ou essa forma de pagamento foi sugerida pelos próprios denunciados – e aí não precisa acrescer nenhum comentário –, ou foi sugerida pelo suposto devedor, o que levaria à seguinte indagação: por que os denunciados, diante dessa atipicidade estranhíssima, não desconfiaram da ori-gem ilícita?

E mais, penso que este capítulo é fundamental para efeito de exame do capítulo subseqüente da denúncia, porque, no outro capítulo, vamos ter o problema de saber se o crime de evasão de divisas pode ser absorvido ou não por eventual crime de sonegação fiscal. E será importante indagar se o crime de evasão de divisas não está teoricamente relacionado a outro crime, ou seja, se não é forma de ocultar crime mais grave.

Peço vênia, e recebo, também, a denúncia.

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VOTO(Sobre a evasão de divisas – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, quero fazer brevíssimas considerações em torno de questões levantadas pela nobre defesa, que diz:

Com relação ao crime previsto no artigo 22, parágrafo único, in fine, da Lei nº 7.492/86 (manutenção de depósito não declarado no exterior), a Dusseldorf Company Ltd. (pessoa jurídica), em nome de quem foram realizados os aportes financeiros, não sendo residente, domiciliado ou com sede no Brasil, não tinha obrigação de declarar os valores às autoridades brasileiras, conforme dispunham os artigos 1º das Circulares nºs 3.225/04 e 3.278/05 do Ban-co Central, vigentes à época.

Com relação a esse tópico, gostaria de afirmar que me impressionei com o argumento do eminente Relator, que ressaltou o aparente paradoxo entre essa afirmação da zelosa defesa e o fato de ter sido recolhido imposto pela pessoa física, exatamente demonstrando, aí, uma contradição aparentemente evidente.

Em segundo lugar, também, a nobre defesa trouxe à colação essas duas circulares do Banco Central, relatando que estariam vigentes à época. Mas ocorre que, num juízo de mera delibação, como é este do recebimento da denúncia, não é possível fazer-se uma indagação mais verticalizada, primeiro, acerca da exata natureza jurídica desta empresa offshore; em segundo lugar, relativa à vigência dessas duas circulares no momento das remessas dessas verbas para o exterior.

Há um segundo ponto, também, levantado pela zelosa defesa, que me im-pressionou, mas que já foi de forma superior, data venia, afastado pelo eminente Relator, em primeiro lugar, a invocação do princípio da consunção.

Parece-me que o eminente Ministro Joaquim Barbosa, pelo menos em prin-cípio, já afastou essa tese, permitindo que se receba a denúncia, superando esse argumento, pelo menos por ora, sem prejuízo de que nós analisemos essa matéria depois, se recebida efetivamente a denúncia.

Mas a defesa também alega que teria pago, e anexa prova desse pagamen-to, os tributos relativamente a essa verba, a esse dinheiro que foi enviado para o exterior. Mas observo, com todo o respeito, que se trata de uma prova produzida unilateralmente e que deve, pelo menos neste momento de mera delibação, ser recebida com certa reserva.

Então, dentro do contexto indiciário apresentado pela denúncia, parece-me que é possível, superando-se, pelo menos por ora, esses argumentos, receber a denúncia com relação a esse tópico.

Acompanho, portanto, o eminente Relator.

VOTO(Sobre a evasão de divisas – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, o parágrafo único do art. 22 é suficientemente claro quando confrontado com os indícios, para justificar o recebimento da denúncia:

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R.T.J. — 203894

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem au-torização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados (...)

Ao que tudo indica, houve remessa de divisas através de doleiro. Não há dúvida de que esses recursos pertencem ao denunciado. Apesar do brilho do me-morial, não vejo como não receber a denúncia. Acompanho o Relator.

VOTO(Sobre a evasão de divisas – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, ainda uma vez eu anoto, consigno o primor do voto do eminente Relator, seja na elucidação dos fatos, na descrição dos fatos, seja no equacionamento jurídico que nos propõe, pelo menos neste juízo prefacial de admissibilidade da denúncia.

Juízo prefacial, aliás, é uma expressão muito utilizada por Vossa Excelência, Ministra Ellen Gracie, nas suas decisões e nos seus votos, que têm um agradável sabor literário.

O eminente Relator afastou, com toda propriedade, o tema da consunção, e também me convenço de que é inadmissível, e, portanto, afastou a alegação de atipicidade da conduta; esgrimiu com o brilho de sempre a teoria da despersona-lização da personalidade jurídica da empresa; lembrou que o titular da conta no exterior é a pessoa física de Duda Mendonça.

Enfim, Senhora Presidente, como tantas vezes dissemos aqui, o denunciado se defende dos fatos narrados na denúncia, e não propriamente da qualificação jurídica, da tipificação dela constante do ponto de vista jurídico.

Acompanho Sua Excelência e recebo a denúncia.

VOTO(Sobre a evasão de divisas – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, também, em mais uma homenagem à defesa, não posso deixar de fazer menção a alguns pontos que já foram suscitados, o principal dos quais é a questão da aplicação do princípio da consunção em relação aos crimes contra a ordem tributária e em relação a crime contra o Sistema Financeiro Nacional.

Esta Lei 7.492 é de 1986, quando o nosso regime de câmbio era rígido. E pode entender-se a razão básica dos rigores dessa lei à luz das propostas da políti-ca cambial e da política econômica da época. De qualquer maneira, a mudança do regime não derrogou nem revogou o art. 22, parágrafo único, da mesma lei, que propõe aqui a questão de saber se é possível, teoricamente, aplicar o princípio da consunção em relação à prática de crime contra a ordem tributária e à prática de crime contra o sistema financeiro.

O eminente Relator, acompanhando, aliás, o raciocínio do eminente Procurador-Geral da República, já demonstrou que, teoricamente, segundo certo

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ponto de vista doutrinário, seria impossível aplicar o princípio da consunção quando o crime menos grave absorveria crime mais grave.

Mas vou, em homenagem à defesa, fazer uma concessão retórica de imaginar um caso em que a evasão de divisa com remessa de valores e manutenção de uma conta no exterior tenha o único propósito de sonegar tributo. Nesse caso, genero-samente me é simpática a tese da aplicação do princípio da consunção. Não, po-rém – e por isso é que fiz a observação quando votava sobre o capítulo anterior –, quando o crime contra o sistema financeiro tem por escopo ocultar a prática de crime grave, como é a lavagem de dinheiro. Aqui, então, fica excluída de maneira absoluta a possibilidade de aplicação do princípio da consunção.

E, quanto à caracterização do crime de lavagem de dinheiro, não há nenhuma dúvida, e parto de raciocínio que também considero muito atilado do eminente Relator, quando observou que a alegação da defesa de que a sugestão para a aber-tura de conta no exterior, para recebimento dos créditos de prestação de serviços de publicidade, teria partido dos supostos devedores, destoa a mais não poder – como diria o Ministro Marco Aurélio – do padrão dos demais pagamentos. Em nenhum outro caso o pagamento foi feito com abertura de conta no exterior; só neste! Vai, pois, contra a ordem natural das coisas, pelo menos por ora, acreditar que tal sugestão tenha partido do solvens, e não do accipiens.

E mais, Senhora Presidente, o que a mim me deixa confortável, em ter-mos de indício, é que o denunciado varão confessou a titularidade do dinheiro pagando o imposto devido. Esse pagamento significa confissão da titularidade dos valores e significa mais do que isso: significa que ele o fez, quando a ori-gem ilícita já era objeto de denúncias públicas. Não foi antes, não. Isso foi feito depois. Em resumo, esse pagamento, essa retificação espontânea da declaração de Imposto de Renda, com o pagamento dos impostos devidos, constituem, no fundo, ato de contrição, mas que, por ora, não leva a ordem jurídica a absolvê-lo do fato imputado.

Recebo a denúncia.

VOTO(Sobre a evasão de divisas – Duda Mendonça e zilmar Fernandes)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, impressionou-me o ar-gumento da consunção. Nós mesmos, na Turma, já tivemos algumas discussões sobre a aplicação deste princípio, no caso, por exemplo, do falso estelionato e sonegação fiscal. Já tivemos, portanto, essa situação.

Mas, aqui – parece-me que o Relator o demonstrou muito bem –, há, pelo menos nesse juízo de delibação, autonomias muito características no que concer-ne aos bens jurídicos tutelados.

E agora ainda este argumento, reiterado pelo Ministro Cezar Peluso, de que parece inequívoca a caracterização do crime de lavagem. Aí, evidente que a evasão cumpre outras funções.

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De modo que, atento ao esforço da defesa, registro as vênias, mas acompanho a manifestação do eminente Relator.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, surge questão jurídica muito interessante que diz respeito à impossibilidade de se agasalhar, no campo penal, a sobreposição. Haveria dupla imputação? Ter-se-ia, na espécie, a absorção do crime de evasão como crime meio, levando em conta o crime fiscal de sonega-ção? A resposta, penso – principalmente nesta fase apenas de recebimento da denúncia –, é negativa, porquanto os bens protegidos pelas tipologias são diversos. No caso do crime fiscal, tem-se a proteção da administração sob tal ângulo – sim-plesmente fiscal –, considerado o necessário recolhimento de tributo. E já no tocante à evasão, o bem protegido é outro: o câmbio e, também, a preservação de divisas.

Há mais – e isso foi destacado em precedente da lavra do Ministro Celso de Mello, no RHC 83.447. Para que se cogite da absorção – e seria a absorção do cri-me de evasão pelo crime fiscal –, mostra-se indispensável que o crime meio seja de gradação inferior, e não é, consideradas as penas, o que se verifica na espécie.

Vem-nos do art. 22 da Lei 7.492 que o agente é aquele que:

Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: (...)

Então, surge a problemática da remessa: ter-se-ia remetido sem aquiescência do titular da própria conta.

Evidentemente, não podemos ser ingênuos em relação à matéria. E o Códi-go Penal versa o concurso de agentes, respondendo cada qual dos imputados, daqueles que são envolvidos na espécie, na extensão do ato praticado. Dessa forma, o pagamento do tributo devido não implica, aqui, arrependimento eficaz quanto à possível evasão.

Acompanho o Relator, recebendo a denúncia.

VOTO(Sobre o item VIII da denúncia)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, impressionei-me com o argumento trazido pelo eminente advogado José Carlos Dias, da tribuna, que afirma tratar-se de um mero funcionário e que não tinha, em princípio – in-dago mais uma vez, porque quero expressar minha profunda preocupação com relação a esse aspecto –, nenhuma função de direção nessa instituição financeira.

Realmente, a jurisprudência do Tribunal aponta no sentido de que, em se tratando de crimes societários, no que toca aos dirigentes, não há necessidade de se individualizar as condutas, pelo menos de forma verticalizada. Mas, em se tratando de um funcionário, é preciso que a denúncia, data venia, realmente diga, com todas as letras, qual foi a participação do denunciado, do acusado nos delitos que lhe foram imputados.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não tenho essa informação com relação a datas. Durante todos os tópicos que nós examinamos até agora, Viní-cius Samarane figura como o dirigente do Banco Rural.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Dirigente? Dirigente é uma palavra um pouco genérica, data venia.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Dirigente. Nós já recebemos, no item IV, a imputação de lavagem de dinheiro na qual ele está incluído. Ele fazia parte do quadro de diretores. Nós não questionamos qual a qualidade específica do seu cargo de diretor.

EXPLICAÇÃO(Sobre o item VIII da denúncia)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, encontrei à fl. 5999 dos autos um termo de declaração, prestado na Polícia Federal, por Vinícius Samarane. é um trecho longo, mas, já no final, diz assim:

(...) Que o Banco Rural abriu um escritório de representação em Londres/Inglaterra, cuja função era estabelecer contatos com bancos europeus visando a captação de linhas de cré-dito também para financiamento de comércio exterior; Que em 2002 retornou para Belo Ho-rizonte/MG e foi nomeado Diretor de Controles Internos do Banco Rural sendo responsável pela auditoria interna e inspetoria da instituição; Que em 2004 foi eleito Diretor Estatutário de Controles Internos e Compliance, desempenhando tal função atualmente; (...)

Então, parece-me que bate com o que diz o eminente Relator.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Só o fato de ser membro do comitê de com-pliance já é suficiente. Esse comitê é destinado a adequar o comportamento do banco às normas jurídicas e éticas.

VOTO(Sobre o item VIII da denúncia)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, não subscrevo, como já disse em outras oportunidades, o argumento apresentado de que seria suficien-te integrar um Colegiado, uma direção, porque penso que tem que haver descri-ção de alguma participação. Mas o Relator demonstrou – e temos, inclusive, essa jurisprudência em relação aos crimes societários – que, neste caso, é impossível imaginar que não houvesse a participação ou a ciência possível desses fatos por parte daqueles que eram responsáveis pela direção do Banco.

PROPOSTA

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, pondero à Corte – embora me pareça desnecessário, mas, dada a importância do processo, talvez não fosse ocioso que isso ficasse consignado – que, sabidamente, estamos diante de pro-cesso extremamente complexo, com quatro dezenas de denunciados, quase todos ou todos domiciliados fora da cidade, o que vai implicar, como ficou claro, em

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todo o transcorrer deste juízo de admissibilidade da denúncia, uma série de atos processuais a serem praticados mediante expedição de cartas de ordem, que importam muitas dificuldades, envolvendo tempo, etc.

O segundo dado: não obstante o Código de Processo Penal seja omisso a respeito, a doutrina e a jurisprudência, inclusive a desta Casa, têm reconhecido que se aplica aos embargos de declaração no processo penal a mesma regra dos embargos de declaração do Código de Processo Civil, por analogia. Isso signifi-ca que, hoje, a interposição de embargos de declaração teria efeito interruptivo, interruptivo de prazo para outro recurso, não, porém, para inibir o andamento do processo.

Razões pelas quais, Senhora Presidente, proponho à Corte deixar consignado que o eminente Relator, tão logo publicado o acórdão deste julgamento, fica autorizado a expedir as cartas de ordens necessárias para citação e interrogatório dos denunciados, independentemente da interposição de embargos de declaração. Noutras palavras: independentemente de aguardar o decurso do prazo de interpo-sição de embargos declaratórios.

VOTO(Sobre proposta)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acolho a proposta do Ministro Cezar Peluso, até por pensar que isso, realmente, como se está tentando apresentar, não envolve em nada o devido processo legal, pelo contrário, com-promete o devido processo legal para a sociedade.

VOTO(Sobre proposta)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, a proposta do eminente Ministro CEzAR PELUSO dá um sentido de absoluta funcionalidade ao pro-cesso penal em questão, especialmente nesta fase introdutória em que a causa se inicia com a citação dos réus e a ulterior abertura de prazo para oferecimento da defesa prévia.

A eventual utilização de embargos de declaração, na verdade, não obstará o andamento regular e normal do processo penal ora instaurado, observada a ordem ritual estabelecida na própria Lei 8.038/90, impedindo-se, assim, que o caráter multitudinário da presente causa penal e a alta complexidade dos temas nela ver-sados culminem por procrastinar a solução jurisdicional do litígio.

Por tais razões, acolho, integralmente, a proposta em questão.

É o meu voto.

EXPLICAÇÃO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Senhores Ministros, Senhora Ministra, o Tribunal, neste momento, encerra a apreciação da denúncia oferecida pelo Senhor Procurador-Geral da República, com base no Inq 2.245.

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Ao proclamar o resultado dos trabalhos desenvolvidos por este Plenário, nos últimos três dias da semana passada, ontem e hoje, no total, estivemos, nessas bancadas, mais de trinta horas, desejo registrar que o Tribunal conclui esta pri-meira fase em prazo absolutamente compatível tanto com a dimensão do caso – que é sui generis, com quatro dezenas de acusados e extrema complexidade – como também com as demais tarefas que correspondem ao cotidiano dos Senhores Ministros.

Neste momento, não posso deixar de consignar – espero que os Colegas não me queiram mal por isso – que, no intervalo deste julgamento, fizeram-se dis-tribuir 2.094 processos na Casa. E, mais importante que tudo, com absoluto e rigoroso respeito ao devido processo legal.

Esses resultados só se fazem possíveis na medida e graças à segura condução do processo, empreendida pelo eminente Relator, Ministro Joaquim Barbosa. Sua Excelência fez também por utilizar recursos modernos de informática que facilitaram muito seu trabalho e também o nosso. Os autos foram, em seus cerca de cinqüenta e um volumes e mais de mil apensos, da primeira à última página, inteiramente digitalizados. Assim, foi possível que todos os Ministros tivessem acesso às peças do processo. Foi possível também aos ilustres defensores dos quarenta acusados o acesso simultâneo a este mesmo processo.

Não fosse por isso, somente a vista sucessiva dos autos teria consumido, no mínimo, por baixo, vinte meses, para que cada um dos acusados pudesse se ma-nifestar nos autos. Não teríamos, portanto, chegado ao estágio atual.

O mesmo ganho de tempo será reproduzido na fase instrutória. Isso nos leva a crer que a utilização desses recursos, dessa tecnologia que serve à celerida-de processual, deve prosseguir. Por isso mesmo, tivemos debates tão informados, neste Plenário, em todo o transcorrer das sessões de julgamento.

é importante constatar também, Senhoras e Senhores, no momento em que encerramos a fase de recebimento desta denúncia, o quanto são equivocadas algumas opiniões pouco informadas sobre a eficiência deste Tribunal no trato da matéria penal.

Vossas Excelências já tomaram conhecimento dos dados levantados pela Presidência durante o mês de recesso, o mês de julho. Esses dados revelam que, a partir de 1988 – e essa era a afirmação equivocada com relação a esta Corte, esse era o corte de tempo feito – até o momento atual – o ano de 2000 –, o Tribunal já recebeu 143 ações penais, não mais que isso, ao longo de todo esse período.

é importante revelar, porque nem todos o sabem, que o Tribunal só pôde apreciar efetivamente ações penais a partir da autorização que lhe vem da Emenda Constitucional 35, a qual tem data de 20 de dezembro de 2001. Portanto, se mora houvesse desta Corte, ela só se poderia contar a partir do ano de 2002. Sabem todos que, antes disso, a Casa não processava sem a autorização das Casas Legis-lativas, e esta autorização não era deferida.

é importante revelar também – e, creio, este é o dado mais interessante – que, nesta Casa, tramitam, hoje, não mais que cinqüenta ações penais, entre as quais agora se inaugura mais uma – são cinqüenta e uma. De todas as ações penais em

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tramitação nesta Casa, as duas mais antigas contam com pouco mais de quatro anos de tramitação. Em uma delas, ao menos três anos foram gastos tão-somente para a ouvida de testemunhas de defesa.

Cerca de 50% dessas cinqüenta ações têm menos de seis meses de trami-tação. Indago a Vossas Excelências se conhecem algum juízo criminal em situa-ção tão confortável quanto à desta Corte em relação à tramitação de suas ações penais.

O mesmo se há de dizer com relação aos inquéritos em andamento. De novo, certa de 50% deles têm menos de seis meses de tramitação.

Já quanto às petições criminais, que veiculam alguma informação de na-tureza criminal que ainda não se transformou em inquérito, o número é ainda maior: temos mais de 67% delas com menos de seis meses de tramitação.

Creio que tudo isso revela o intenso trabalho dos eminentes Relatores; re-vela as dificuldades processuais que temos de enfrentar; revela também o intenso labor feito perante esta Casa, tanto pela Procuradoria-Geral, na acusação, quanto pelos nobres advogados defensores dos acusados.

Sem dúvida nenhuma, tenho dificuldades em acreditar que alguma Corte Suprema, no mundo, se reúna, na sua composição plenária, para o recebimento de denúncia com essas minúcias, esse detalhe, esse esforço analítico desenvol-vido aqui, apesar de termos a quantidade de trabalho que todos os Senhores bem conhecem.

Neste momento em que encerramos este julgamento considerado histórico por muitos, é importante se restabelecer a verdade sobre fatos que dizem respeito ao funcionamento desta Casa, especialmente a seu funcionamento em matéria criminal. A Casa tem uma longa história. Ela se credencia, perante a nação, por um desempenho notável no decorrer do tempo. é importante que, vez ou outra, tenhamos voz para refletir a realidade do nosso trabalho.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, creio que é de justiça consignar aqui o impecável e irretocável desempenho de Vossa Excelência no planejamento deste julgamento que se encerra, verdadeiramente histórico e tim-brado por tantas dificuldades e tanta complexidade de ordem técnica.

Todos somos testemunhas da extrema organização, por parte de Vossa Excelência, no que tange ao planejamento das nossas atividades e ao empenho pessoal para que tudo desse certo e acontecesse a tempo e a hora, para chegarmos a esta terça-feira com o julgamento da denúncia completamente encerrado.

Cumprimento Vossa Excelência com toda a sinceridade.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Agradeço a Vossa Excelência.

Senhores Ministros, Senhora Ministra, está encerrada a sessão.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estamos encerrando uma sessão de julga-mento que entra para a história desta Corte como uma de suas mais importantes,

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seja pela sua duração – completamos o quinto dia de julgamento –, pela postura irretocável de todos os Ministros, em especial do Ministro Relator, assim como do Procurador-Geral da República e dos advogados presentes, seja pelos efeitos benéficos das decisões aqui tomadas para a consolidação de nossa democracia.

Muito se falou, e ainda se tem falado, que esta Corte não tem a estrutura – fí-sica ou de recursos humanos – necessária para processar e julgar uma ação como esta. E esse argumento não raras vezes é mesclado com as teses daqueles que defendem o fim da competência privativa deste Tribunal para julgar determinados agentes políticos.

Não posso deixar de tecer alguns esclarecimentos sobre o assunto, que en-tendo serem pertinentes neste momento.

Em primeiro lugar, quero deixar aqui esclarecido que nesses últimos dias o Tribunal demonstrou que os referidos argumentos são todos falaciosos. Esta Corte tem plenas condições de processar e julgar todos os processos que estão sob sua competência, toda fixada pela Constituição da República.

Nesse ponto, gostaria de indagar àqueles que defendem essas teses se esta ação, com toda sua complexidade e multiplicidade de acusados, poderia ter fim melhor se estivesse na primeira instância. Qual seria a razão para acreditar que as varas especializadas da justiça federal estariam mais aptas, do ponto de vista de estrutura física e de recursos humanos, para processar e julgar com maior celeri-dade e eficiência esta ação?

Estou certo de que, em se tratando de celeridade e eficiência, esta ação está em melhores condições nesta Corte do que em qualquer outra instância do Judiciá-rio brasileiro. Pense-se, por exemplo, na pletora de recursos e de habeas corpus de que se valeriam os acusados para contestar toda e qualquer decisão do juiz de primeira instância, o que invariavelmente chegaria em nosso âmbito de compe-tência para decisão. Ao fim e ao cabo, todas as importantes questões suscitadas no processo bateriam nas portas deste Supremo Tribunal Federal.

Admitida a denúncia, certamente haveria recurso em sentido estrito e assim por diante.

Não há dúvida de que a competência originária permite a este Tribunal decidir as questões de forma definitiva, o que concede ao processo, sem sombra de dúvida, maior celeridade.

A rapidez no processamento da ação, tendo em vista a indesejável prescrição, não é uma variável dependente apenas da estrutura física e humana de qualquer âmbito da jurisdição penal. Ela depende, em muito maior grau, da lealdade, ho-nestidade e boa fé de todos aqueles que atuam no processo, com vistas a se evitar os recursos procrastinatórios e os expedientes suspicazes, todos tendentes a pos-tergar o julgamento do feito. Trata-se de um postulado do devido processo legal.

O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e admi-nistrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas e, além disso, representa uma

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exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais.

A máxima do fair trial é uma das faces do princípio do devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos e que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e lealdade dos sujeitos que dele participam, condição indispensável para a correção e a legitimidade do conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos.

Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas daqueles que fazem parte da relação processual ou que atuam diretamente no processo mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituições e órgãos, públicos e privados, que exer-cem, direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à Justiça.

é preciso acabar com a utilização dos mais diversos mecanismos procrasti-natórios de julgamento como estratégia de defesa dos acusados.

A sociedade brasileira espera que o julgamento desta ação, que hoje está apenas se iniciando, seja guiado pela máxima do fair trail.

E gostaria de deixar claro, mais uma vez, que não me impressionam os argumentos, muitas vezes levantados de forma irrefletida, contra a competência por prerrogativa de função.

1. A competência por prerrogativa de função como garantia consti-tucional

As regras constitucionais de fixação do foro ratione personae constituem garantias constitucionais do exercício da função pelo agente público, tendo em vista a peculiaridade e importância de suas atividades no sistema democrático.

A competência não é determinada em razão do interesse pessoal do ocupante do cargo público, mas no interesse público do bom exercício de suas funções.

Nesse sentido, vale enfatizar a argumentação do saudoso Victor Nunes no julgamento da Rcl 473:

A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado.

é preciso enfatizar, ainda, que a garantia constitucional da prerrogativa de foro passa a ser tanto mais importante se se considera que vivemos hoje numa sociedade extremamente complexa e pluralista, na qual a possibilidade de contesta-ção às escolhas públicas é amplíssima. Refiro-me ao problema da complexidade

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de que fala Canotilho em relação à Teoria da Constituição. Vivemos em uma sociedade organizada sob bases plurais assentadas em inevitáveis diferenciações funcionais – sistema político, econômico e científico (CANOTILHO, J. J. Go-mes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra, 2000, p. 1303). “Isto conduz [diz Canotilho] a crescentes graus de especialização, impes-soalidade e abstração no conjunto do sistema”.

Por isso, ensina o mestre português, não se vislumbra a possibilidade de um código unitarizante dos vários sistemas sociais. Não é por acaso também que, em nome dessa hipercomplexidade social, se justifica a oposição a qualquer escolha pública e, sobretudo, às deliberações políticas democráticas (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. cit. p. 1303).

Se esse é um dado da nossa sociedade democrática e pluralista, também não deixa de ser um fator de instabilidade. Também é certo que é o próprio sistema democrático que oferece as correções.

De fato, as decisões tecnocráticas ou políticas podem e devem ser contes-tadas. A sua juridicidade deve ser aferida. é a própria Constituição que cria os mecanismos para aferição da legitimidade dos atos do poder público.

Mas é o próprio sistema que exige, em relação a certos agentes, um tra-tamento diferenciado, no que toca à impugnação judicial de atos praticados no exercício da função, tendo em vista uma perspectiva de estabilidade que interessa às próprias instituições públicas.

2. A competência por prerrogativa de função não é um privilégio

A competência por prerrogativa de função não é, definitivamente, um privilégio, mas uma garantia constitucional do exercício da função pública. é equivocada, portanto, a denominação “foro privilegiado”.

Como bem ressalta Maria Lúcia Karam, não se trata de “privilégio pessoal para favorecer o réu, como críticas apressadas costumam apontar. Na realidade, a competência originária de tribunais poderá até desfavorecer o réu. Pense-se na possibilidade de recorrer contra o pronunciamento condenatório. Quando atuante o juiz de 1º grau, um tal pronunciamento poderá ser revisto e modificado pelos órgãos superiores. Na hipótese de competência originária destes órgãos supe-riores, tal possibilidade se estreita ou até mesmo se exclui. A competência por prerrogativa de função não é, pois, um privilégio”53.

No mesmo sentido, forte na lição de Frederico Marques, é o entendimento do eminente Márcio Bonilha, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, verbis:

No mundo jurídico, a precisão conceitual constitui exigência essencial indeclinável, para evitar distorções e equívocos na interpretação e valoração de fatos e normas. Esse requisito hermenêutico é lembrado a propósito da controvérsia instaurada sobre a jurisdição competen-te, em relação ao julgamento de infrações relativas à improbidade administrativa, no tocante a certos agentes públicos.

53 KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. 4. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 38.

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Desde logo se assinala que prerrogativa de foro não se confunde com foro privilegiado, pois a prerrogativa de função é distinta de privilégio de pessoa. A imprecisão terminológica pode gerar na opinião pública uma falsa idéia de favorecimento pessoal, no tratamento da matéria, em relação a certas autoridades, na aferição da responsabilidade funcional, pondo em dúvida a igualdade na distribuição da justiça.

Compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o presidente da República e os demais integrantes dos órgãos de cúpula dos Poderes e, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, outras altas autoridades nacionais.

A instituição da prerrogativa de foro, relativamente a esses agentes, não traduz favo-recimento pessoal, pois contempla as exigências de garantia constitucional pertinentes aos respectivos cargos e funções, pela relevância que representam nos Poderes correspondentes e nos escalões hierárquicos, cuja dignidade funcional cumpre resguardar.

Assim é, no interesse nacional, pouco importando as inferências no plano político e o subjetivismo de opiniões contrárias.

Bem por isso, a discussão sobre o tema deve ser travada à luz objetiva dos princípios e normas constitucionais, sem especulações ideológicas, muito menos as infundadas suspeitas de solução personalista.

O foro especial, que decorre da prerrogativa da função, é instituído para melhor permi-tir o livre desempenho de certas atividades públicas. é garantia da função, que não pode ficar à mercê de paixões locais.(Prerrogativa de foro. O Estado de São Paulo. 10 de dezembro de 2002.)

Adiante, Márcio Bonilha assevera:

Não é honraria pessoal nem representa privilégio. é proteção que nasce com o exercí-cio do cargo ou função, pelo reconhecimento da elevada hierarquia funcional e dos poderes que emanam de seu exercício, visando à segurança e à isenção na distribuição da justiça. Resguarda-se dessa forma o prestígio das instituições.

No Direito brasileiro, vigoram os princípios do juiz natural e da igualdade de todos perante a lei, sendo proibido o juízo ou tribunal de exceção, mas são legítimos os foros por prerrogativa de função.

Segundo Frederico Marques, “é errôneo o entendimento” de que “ os casos de compe-tência originária dos tribunais superiores para o processo e julgamento de determinadas pessoas constituem exceções de direito estrito, porque a competência ratione personae dos tribunais superiores não constitui ‘foro privilegiado’, nem se regula pelos preceitos pertinentes aos juízos especiais. Não mais existe o foro privilegiado, como o disse o desembargador Márcio Mu-nhoz, e sim competência destinada a melhor amparar o exercício de certas funções públicas. Não se trata de privilégio de foro, porque a competência, no caso, não se estabelece por amor dos indivíduos, e sim em razão do caráter, cargo ou funções que eles exercem”.(Prerrogativa de foro. O Estado de São Paulo. 10 de dezembro de 2002.)

3. A competência por prerrogativa de função não estabelece tratamento diferenciado entre agentes políticos e demais agentes públicos

A análise das regras constitucionais que estabelecem a competência por prerrogativa de função não prescinde de uma correta compreensão da posição institucional dos agentes políticos.

é justamente a peculiar posição desses agentes que justifica o tratamento constitucional diferenciado em relação aos demais agentes públicos. O desconhe-cimento de tal diferenciação, cabe enfatizar, é que tem justificado equivocadas afirmações no sentido de que a prerrogativa de foro representaria ofensa ao princípio da isonomia. A tentativa de estabelecer tratamento idêntico entre agentes que se encontram em situação de desigualdade é que, isto sim, implicaria inadmissível ofensa ao princípio da isonomia.

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Não chega a ser uma novidade a constatação de que os agentes políticos encontram-se numa posição institucional absolutamente inconfundível com a dos demais agentes públicos.

De fato, tal como ensina Hely Lopes Meirelles, os agentes políticos, dentro de sua área, são as autoridades supremas da administração pública. Possuem plena liberdade funcional e estão a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder (Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. 2002, p. 76).

Observa ainda Hely Lopes que tais prerrogativas têm por escopo garantir o livre exercício da função política. Percebeu o ilustre administrativista, sobre-tudo, a peculiaridade da situação dos que governam e decidem em comparação àqueles que apenas administram e executam encargos técnicos e profissionais. Nas palavras de Hely:

Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que sim-plesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se con-cedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerroga-tivas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão, ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários profissionalizados(Direito administrativo. cit., p. 77.)

Não é outro o ethos da prerrogativa de foro entre nós, conforme se extrai da lição de Victor Nunes Leal:

A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída não no interesse da pessoa do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade.

4. A competência por prerrogativa de função é, sim, garantia constitu-cional típica de um sistema constitucional republicano

Por derradeiro, tenho como pertinente registrar algumas considerações so-bre eventuais objeções no que toca à prerrogativa de foro a partir de um pretenso argumento republicano. Essa equivocada apropriação do princípio republicano não impressiona. Em verdade, nações de prática republicana – veja-se que o conceito hoje tem uma significativa transcendência – adotam o regime de prer-rogativa por razões de política constitucional. Há pouco, o notável Professor Jorge Miranda registrou a necessidade de ampliação da prerrogativa de foro em Portu-gal, tendo em vista o uso dos processos judiciais para fins políticos.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.245/MG — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Autor: Ministério Público Federal. Denunciados: José Dirceu de Oliveira e Silva (Advogados: José Luis Mendes de Oliveira Lima e outros), José Genoíno Neto (Advogados: Sandra

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Maria Gonçalves Pires e outros), Delúbio Soares de Castro (Advogados: Celso Sanchez Vilardi e outros), Sílvio José Pereira (Advogados: Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró e outros), Marcos Valério Fernandes de Souza (Advogados: Marcelo Leonardo e outros), Ramon Hollerbach Cardoso (Advogados: Hermes Vilchez Guerrero e outros), Cristiano de Mello Paz (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), Rogério Lanza Tolentino (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Simone Reis Lobo de Vasconcelos (Advogados: Leonardo Isaac Yarochewsky e outros), Geiza Dias dos Santos (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Kátia Rabello (Advogados: Theodomiro Dias Neto e outros), José Roberto Salgado (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), Vinícius Samarane (Advogados: José Carlos Dias e outros), Ayanna Tenório Tôrres de Jesus (Advogados: Maurício de Oliveira Campos Júnior e outros), João Paulo Cunha (Advogados: Alberto zacharias Toron e outra), Luiz Gushiken (Ad-vogados: José Roberto Leal de Carvalho e outros), Henrique Pizzolato (Advoga-dos: Mário de Oliveira Filho e outros), Pedro da Silva Corrêa de Oliveira An-drade Neto (Advogados: Eduardo Antônio Lucho Ferrão e outros), José Mohamed Janene (Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira e outros), Pedro Henry Neto (Advogados: José Antonio Duarte Alvares e outro), João Cláudio de Carvalho Genú (Advogados: Marco Antonio Meneghetti e outros), Enivaldo Quadrado (Advogados: Priscila Corrêa Gioia e outros), Breno Fischberg (Advogados: Leonardo Magalhães Avelar e outros), Carlos Alberto Quaglia (Advogados: Dagoberto Antoria Dufau e outra), Valdemar Costa Neto (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Jacinto de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Antônio de Pádua de Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues) (Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa e outros), Roberto Jefferson Monteiro Francisco (Advogado: Luiz Francisco Corrêa Barbosa), Emerson Eloy Palmieri (Advoga-dos: Itapuã Prestes de Messias e outra), Romeu Ferreira Queiroz (Advogados: José Antero Monteiro Filho e outros), José Rodrigues Borba (Advogados: Inocêncio Mártires Coelho e outro), Paulo Roberto Galvão da Rocha (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), Anita Leocádia Pereira da Costa (Advogado: Luís Maximi-liano Leal Telesca Mota), Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho) (Advogados: Márcio Luiz Silva e outros), João Magno de Moura (Advogados: Olinto Campos Vieira e outros), Anderson Adauto Pereira (Advogados: Castellar Modesto Guima-rães Filho e outros), José Luiz Alves (Advogados: Castellar Modesto Guimarães Filho e outros), José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) (Ad-vogados: Tales Castelo Branco e outros), zilmar Fernandes Silveira (Advogados: Tales Castelo Branco e outros).

Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, quanto ao item II da denúncia, rejeitou-a com relação ao delito de falsidade ideológica con-tra o acusado Marcos Valério Fernandes de Souza (subitem “b.2”), vencido o Ministro Carlos Britto, que a recebia. Quanto ao delito de formação de quadrilha mencionado no subitem “a” do item II da denúncia, o Tribunal: por maioria, rece-beu-a relativamente ao acusado José Dirceu de Oliveira e Silva, vencido o Minis-tro Ricardo Lewandowski, que a rejeitava; por unanimidade, recebeu-a relativa-mente ao acusado Delúbio Soares de Castro; por maioria, recebeu-a relativamente

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ao acusado José Genoíno Neto, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, que a rejeitavam; por unanimidade, recebeu-a relativamente ao acusa-do Sílvio José Pereira; por unanimidade, recebeu-a relativamente aos acusados Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Rogério Lanza Tolentino, Simone Reis Lobo de Vasconcelos, Geiza Dias dos Santos, José Roberto Salga-do, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, Vinícus Samarane, Kátia Rabello e Marcos Valério Fernandes de Souza. Quanto ao item VIII da denúncia, o Tribunal: por unanimidade, com relação ao delito de lavagem de dinheiro recebeu-a relativa-mente aos acusados José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) e zilmar Fernandes Silveira (subitem “c.2”), com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; por unanimidade, com relação ao delito de evasão de divisas rece-beu-a relativamente aos acusados José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça) e zilmar Fernandes Silveira (subitem “c.1”); por unanimidade, com relação ao delito de evasão de divisas rejeitou-a relativamente aos acusados Rogério Lanza Tolentino e Ayanna Tenório Tôrres de Jesus; e, também por una-nimidade, com relação ao delito de evasão de divisas recebeu-a relativamente aos acusados Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Simone Reis Lobo de Vasconcelos, Geiza Dias dos Santos, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane, Kátia Rabello e Marcos Valério Fernandes de Souza. Tudo nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente em todos os quesitos. Havendo sido feitas proclamações parciais do julgamento, a Presidente proclamou, nesta assentada, a decisão total e final, conforme a ordem da denúncia do Ministério Público Fe-deral, para declarar que o Tribunal: 1) quanto ao denunciado José Dirceu de Oli-veira e Silva, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II da denúncia, recebeu-a, por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewan-dowski; com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, rejeitou-a por unanimidade; com relação ao delito de corrupção ativa (art. 333 do CP), item VI.1.a (relativo a deputados do Partido Progressista); item VI.2.a (relativo a deputados do Partido Liberal); item VI.3.a (relativo a deputados do Partido Tra-balhista Brasileiro) e item VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro), recebeu-a por unanimidade; 2) quanto ao denunciado José Genoíno Neto, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II da denúncia, recebeu-a por maioria, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau; com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, rejeitou-a por unanimidade; com relação ao delito de corrupção ativa (art. 333 do CP), referentemente aos itens VI.1.a (relativo a deputados do Partido Progressista) e VI.3.a (relativo a deputados do Partido Trabalhista Brasileiro), recebeu-a, por maioria, vencido o Ministro Eros Grau, e, quanto aos itens VI.2.a (relativo a deputados do Partido Liberal) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro), rejeitou-a por unanimidade; 3) quanto ao denunciado Delúbio Soares Castro, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II da denúncia, recebeu-a por unanimidade; com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, rejeitou-a por unanimi-dade; e com relação ao delito de corrupção ativa (art. 333 do CP), referentemente aos itens VI.1.a (relativo a deputados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a

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deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a deputados do Partido Traba-lhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Demo-crático Brasileiro), recebeu-a por unanimidade; 4) quanto ao denunciado Sílvio José Pereira, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação ao delito de for-mação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; e, por unanimidade, rejeitou-a com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, e com relação ao delito de corrupção ativa (art. 333), referentemente aos itens VI.1.a (relativo a depu-tados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); 5) quanto ao denunciado Marcos Valério Fernandes de Souza, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.1 (relativo a João Paulo Cunha); de peculato (art. 312 do CP), itens III.1, III.2 e III.3; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.3 (relativo a Henrique Pizolatto); de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cár-men Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa, referente-mente aos itens VI.1.a (relativo a deputados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro), e com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; e, por maioria, rejeitou-a com re-lação ao delito de falsidade ideológica (art. 299 do CP), item II, vencido o Minis-tro Carlos Britto; 6) quanto ao denunciado Ramon Hollerbach Cardoso, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadri-lha (art. 288 do CP), item II; de peculato (art. 312 do CP), itens III.1, III.2 e III.3; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.1 (relativo a João Paulo Cunha), item III.3 (relativo a Henrique Pizzolato) e itens VI.1.a (relativo a deputados do Par-tido Progressista), VI.2.a (relativo a deputados do Partido Liberal), VI.3.a (rela-tivo a deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); e também com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único) item VIII; 7) quanto ao denunciado Cristiano de Mello Paz, por unanimidade, recebeu a denún-cia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de peculato (art. 312 do CP), itens III.1, III.2 e III.3; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à impu-tação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.1 (relativo a João Paulo Cunha), item III.3 (relativo a Henrique Piz-zolato) e itens VI.1.a (relativo a deputados do Partido Progressista), VI.2.a (rela-tivo a deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento

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Democrático Brasileiro); e também com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único) item VIII; 8) quanto ao denunciado Rogério Lanza Tolentino, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II, e de lavagem de di-nheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau rela-tivamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; por unanimidade, rejeitou-a quanto aos delitos de peculato (art. 312 do CP), itens III.1, III.2 e III.3; de corrupção ativa (art. 333 do CP), item III.1 (relativo a João Paulo Cunha) e item III.3 (relativo a Henrique Pizzolato), e com relação ao de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; quanto ao delito de corrupção ativa (art. 333 do CP), foi a denúncia recebida, por unanimidade, referentemente ao item VI.1.a (relativo a deputados do Partido Progressista), e rejeitada, por unanimidade, quanto aos itens VI.2.a (relativo a deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); 9) quanto à de-nunciada Simone Reis Lobo de Vasconcelos, por unanimidade, recebeu a denún-cia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de corrupção ativa (art. 333 do CP) referentemente aos itens VI.1.a (relativo a depu-tados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); e com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 10) quanto à denunciada Geiza Dias dos Santos, por unanimidade, recebeu a denún-cia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de cor-rupção ativa (art. 333 do CP), referentemente aos itens VI.1.a (relativo a depu-tados do Partido Progressista), VI.2.a (relativo a deputados do Partido Liberal), VI.3.a (relativo a deputados do Partido Trabalhista Brasileiro) e VI.4.a (relativo a deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro); e quanto ao de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 11) quanto à denunciada Kátia Rabello, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau rela-tivamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de gestão fraudu-lenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º), item V, com a ressalva do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de desclassificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86; e de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 12) quanto ao denun-ciado José Roberto Salgado, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação

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aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau rela-tivamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de gestão fraudu-lenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º), item V, com a ressalva do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de des-classificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86; e quanto à evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 13) quanto ao de-nunciado Vinícius Samarane, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau rela-tivamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; de gestão fraudu-lenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º), item V, com a ressalva do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de des-classificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86; e quanto à evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 14) quanto à denun-ciada Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item II; de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item IV, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; e de gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º), item V, com a res-salva do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator, mas sem prejuízo de desclassificação para o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.492/86; e, também por unanimidade, rejeitou-a quanto ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 15) quanto ao denunciado João Paulo Cunha, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item III.1, e quanto ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.1; quanto ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item III.1, recebeu-a por maioria, vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Britto e Gilmar Mendes, com a ressalva do Ministro Ricardo Lewandowski rela-tivamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 16) quanto ao denunciado Luiz Gushiken, com relação ao delito de peculato (art. 312 do CP), item III.3, recebeu a denúncia por maioria, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Gilmar Mendes e Celso de Mello; 17) quanto ao denun-ciado Henrique Pizzolato, por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de peculato (art. 312 do CP), itens III.2 e III.3; de corrupção passiva (art. 317 do CP), item III.3; e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item III.3, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 18) quanto ao denunciado Pedro da Silva Corrêa de Oli-veira Andrade Neto, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unanimidade, recebeu-a com relação ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.1, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98,

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art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 19) quanto ao denunciado José Mohamed Janene, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unanimidade, re-cebeu-a com relação ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.1, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 20) quanto ao denunciado Pedro Henry Neto, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unanimidade, recebeu-a quanto ao delito de corrupção pas-siva (art. 317 do CP), item VI.1, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 21) quanto ao denunciado João Cláudio de Carvalho Genú, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unani-midade, recebeu-a quanto ao delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.1, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativa-mente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 22) quanto ao denun-ciado Enivaldo Quadrado, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, quanto ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, recebeu-a por unanimidade, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do in-ciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 23) quanto ao denunciado Breno Fischberg, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, e, quanto ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, recebeu-a por unanimidade, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewan-dowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 24) quanto ao denunciado Carlos Alberto Quaglia, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288), item VI.1, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, e, quanto ao delito de lava-gem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.1, recebeu-a por unanimidade, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 25) quanto ao denunciado Valdemar Costa Neto, por unanimidade, recebeu a denún-cia com relação aos delitos de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.2; de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.2, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.2, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 26) quanto ao denunciado Jacinto de Souza Lamas, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.2, recebeu a

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denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski; e, por unani-midade, recebeu-a quanto aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.2, e ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.2, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativa-mente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 27) quanto ao denun-ciado Antônio de Pádua de Souza Lamas, com relação ao delito de formação de quadrilha (art. 288 do CP), item VI.2, recebeu a denúncia por maioria, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, e, por unanimidade, recebeu-a com relação ao de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.2, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 28) quanto ao denunciado Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues), recebeu a denúncia, por una-nimidade, com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.2, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.2, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativa-mente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 29) quanto ao denun-ciado Roberto Jefferson Monteiro Francisco, recebeu a denúncia, por unanimi-dade, com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.3, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.3, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 30) quanto ao denunciado Emerson Eloy Palmieri, recebeu a denúncia, por unanimidade, com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.3, e de lavagem de di-nheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.3, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do in-ciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 31) quanto ao denunciado Romeu Ferreira Queiroz, recebeu a denúncia, por unanimidade, com relação aos delitos de cor-rupção passiva (art. 317 do CP), item VI.3, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.3, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 32) quanto ao denunciado José Rodrigues Borba, recebeu a denúncia, por unanimidade, com relação aos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), item VI.4, e de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VI.4, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 33) quanto ao denunciado Paulo Roberto Galvão da Rocha, com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do in-ciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 34) quanto à denunciada Anita Leocádia Pereira da Costa, com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia, por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 35) quanto ao denunciado Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII,

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recebeu a denúncia, por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 36) quanto ao denunciado João Magno de Moura, com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, inci-sos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia, por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 37) quanto ao denunciado Anderson Adauto Pereira, recebeu a denúncia, por unanimidade, com relação aos delitos de corrupção ativa (art. 333 do CP), item VI.3, e de lava-gem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, com a res-salva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 38) quanto ao denunciado José Luiz Alves, com relação ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VII, recebeu a denúncia, por unanimidade, com a ressalva da Ministra Cármen Lúcia e dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; 39) quanto ao denunciado José Eduardo Cavalcanti de Mendonça (Duda Mendonça), por unanimidade, recebeu a denúncia com relação aos delitos de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VIII, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau rela-tivamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98, e com relação ao de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único), item VIII; 40) e quanto à denunciada zilmar Fernandes Silva, por unanimidade, recebeu a denún-cia com relação aos delitos de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, incisos V, VI e VII), item VIII, com a ressalva dos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau relativamente à imputação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98, e com relação ao delito de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo úni-co), item VIII. Tudo nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente em todos os quesitos. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, acolheu a proposição do Ministro Cezar Peluso, no sentido de deixar consignado que o Ministro Relator desde logo possa expedir os atos instrutórios necessários, independentemente de ingresso ou apreciação de embargos declaratórios.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 28 de agosto de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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ÍNDICE ALFABéTICO

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APrPn Ação penal. Denúncia: momento de oferecimento. Ministério Públi-

co: prerrogativa. Materialidade do crime e indícios de autoria. Inqué-rito policial: desnecessidade. Caso “Mensalão”. CPP/41, art. 39, § 5º. Inq 2.245 RTJ 203/473

Int Acordo internacional. Assistência Judiciária em Matéria Penal. Bra-sil e Estados Unidos da América. Conta bancária no exterior. Sigilo bancário: afastamento pelo Poder Judiciário norte-americano. Polícia Federal e Ministério Público: ausência de restrição de uso. Órgão di-verso: impossibilidade de compartilhamento. Decreto 3.810/01. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Administrador da empresa: oferecimento de quantia em dinheiro ao presidente da Câmara dos Deputados. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Agente político: ausência de indício de participação. (...) Competên-cia criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

Int Assistência Judiciária em Matéria Penal. (...) Acordo internacional. Inq 2.245 RTJ 203/473

BInt Brasil e Estados Unidos da América. (...) Acordo internacional. Inq

2.245 RTJ 203/473

CPrPn Caso “Mensalão”. (...) Ação penal. Inq 2.245 RTJ 203/473

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918 Cer-CP/ — ÍNDICE ALFABéTICO

PrPn Cerceamento: inocorrência. (...) Defesa criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Fato novo relacionado. Objeto inicial: possibilidade de ampliação. Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Quebra de sigi-lo. Fundamento exclusivo em matéria jornalística: ausência. Decisão judicial autônoma: existência. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Competência criminal. Juízo a quo. Quebra de sigilo bancário e fiscal. Agente político: ausência de indício de participação. Fato novo: autoridade com prerrogativa de foro. Magistrado: declinação de competência. Supremo Tribunal Federal (STF): ratificação do ato. Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Competência originária. Incompetência do STF: alegação. Prerroga-tiva de foro: ausência. Matéria: preclusão. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Complexidade dos fatos. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Compra de apoio político. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Conduta típica: participação. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

Int Conta bancária no exterior. (...) Acordo internacional. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Conta bancária no exterior em nome da empresa e não dos denuncia-dos: irrelevância. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Contrapartida: ausência. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Contrato de publicidade. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Corrupção ativa (Item III.1). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Corrupção ativa (Item III.3). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Corrupção ativa (Item VI). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Corrupção ativa (Itens VI.1.a, VI.2.a, VI.3.a e VI.4.a). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Corrupção ativa (Itens VI.2.a e VI.4.a). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Corrupção passiva (Item III.1). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Corrupção passiva (Item VI). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Corrupção passiva e lavagem de dinheiro (Item III.3). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn CP/40, art. 29. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

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919ÍNDICE ALFABéTICO — CP/-Den

PrPn CP/40, art. 288. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn CP/40, art. 312. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn CP/40, art. 317. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn CP/40, art. 333. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn CPMI dos Correios: autorização. (...) Prova criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn CPMI dos Correios: requisição. (...) Prova criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn CPP/41, art. 39, § 5º. (...) Ação penal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn CPP/41, art. 41. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

DPrPn Dados de empréstimo fornecidos pelo Bacen e pelo Banco BMG. (...)

Prova criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Decisão judicial autônoma: existência. (...) Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Inq 2.245 RTJ 203/473

Int Decreto 3.810/01. (...) Acordo internacional. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Defesa criminal. Cerceamento: inocorrência. Denúncia: oferecimen-to. Juntada posterior de documento: desconsideração. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Não-recebimento. Corrupção ativa (Itens VI.1.a, VI.2.a, VI.3.a e VI.4.a). Individualização da conduta: ausência. CPP/41, art. 41. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Não-recebimento. Corrupção ativa (Itens VI.2.a e VI.4.a). Individualização da conduta: ausência. CPP/41, art. 41. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Não-recebimento. Evasão de divisas (Item VIII). Indi-vidualização da conduta: ausência. CPP/41, art. 41. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Não-recebimento. Falsidade ideológica (Item II). Dolo específico: ausência. CPP/41, art. 41. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Não-recebimento. Lavagem de dinheiro (Itens III.1, III.3, VI.2.a e VI.4.a). Individualização da conduta: ausência. CPP/41, art. 41. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Não-recebimento. Peculato (Item III.3.). Individualização da conduta: ausência. CPP/41, art. 41. Inq 2.245 RTJ 203/473

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920 Den-Den — ÍNDICE ALFABéTICO

PrPn Denúncia. Não-recebimento. Peculato e corrupção ativa (Itens III.1.a.3, III.1.b.2, III.2.b, III.3.c.1 e III.3.c.2). Individualização da conduta: ausência. CPP/41, art. 41. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Narração genérica. Recebimento. Gestão fraudulenta de instituição financeira: crime próprio. Responsabilidade diferenciada de sócio e gerente: impossibilidade de verificação de plano. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Corrupção ativa (Item III.1). Serviço de publicidade: contratação irregular. Administrador da empresa: ofere-cimento de quantia em dinheiro ao presidente da Câmara dos Depu-tados. CP/40, art. 333. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Corrupção ativa (Item III.3). DNA Propa-ganda Ltda.: beneficiária da antecipação irregular. Conduta típica: participação. CP/40, art. 333. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Corrupção ativa (Item VI). Compra de apoio político. Voto de parlamentar: ato de ofício. Complexidade dos fatos. Individualização da conduta: suficiência. CP/40, art. 333. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Corrupção passiva (Item III.1). Serviço de publicidade: contratação irregular. Presidente da Câmara dos Depu-tados: atos de ofício potenciais ou efetivos. CP/40, art. 317. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Corrupção passiva (Item VI). Propina em troca de apoio político. Destinação lícita dos recursos: irrelevância. CP/40, art. 317. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Corrupção passiva e lavagem de dinheiro (Item III.3). Recebimento de recursos provenientes de organização criminosa: “Valerioduto”. Interposta pessoa: utilização. Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII. CP/40, art. 317. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Evasão de divisas (Item VIII). Núcleo pu-blicitário-financeiro: remessa de dinheiro supostamente ilegal ao ex-terior. Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Evasão de divisas (Item VIII). Solicitação de repasses em dinheiro e manutenção de depósito não declarado no exterior. Conta bancária no exterior em nome da empresa, e não dos denunciados: irrelevância. Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Gestão fraudulenta de instituição financeira (Item V). Dirigente: operação de crédito de risco elevado. Emprésti-mo bancário: garantia insuficiente. Fiscalização: burla. Lei 7.492/86, arts. 4º e 25. CP/40, art. 29. Inq 2.245 RTJ 203/473

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921ÍNDICE ALFABéTICO — Den-Den

PrPn Denúncia. Recebimento. Lavagem de dinheiro (Item III.1.a.2). Propi-na: ocultação da origem, da natureza e do destinatário. Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Lavagem de dinheiro (Item IV). Núcleo publicitário-financeiro. Transferência de elevada soma em dinheiro. Notas fiscais frias: simulação de prestação de serviço. Empresa de pu-blicidade: fraude na contabilidade. Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Lavagem de dinheiro (Item VI). Ocultação e dissimulação da origem, movimentação, localização e propriedade de valores. Exaurimento do crime de corrupção passiva: improcedên-cia. Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Lavagem de dinheiro (Item VII). Entrega de elevada soma em dinheiro aos acusados. Registro formal: ausência. Destinação dada aos recursos: irrelevância. Interposta pessoa: proce-dimento diverso da praxe bancária. Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Lavagem de dinheiro (Item VIII). Transfe-rência de elevada soma em dinheiro. Registro formal: ausência. Praxe bancária: inobservância. Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Peculato (Itens III.1.a.3 e III.1.b.2). Re-cursos públicos: desvio. Empresa de consultoria em comunicação: contratação. Contrapartida: ausência. CP/40, art. 312. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Peculato (Itens III.2 e III.3). Contrato de publicidade. Diretor do Banco do Brasil e dirigente da empresa bene-ficiária: desvio de recursos públicos. CP/40, art. 312. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Peculato (Item III.3). Diretor do Banco do Brasil e ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica: discricionariedade para alocar bens do Fundo de Incentivo Visanet. Ordem de desembolso: indícios. CP/40, art. 312. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Quadrilha ou bando (Item II). Estabilidade da associação e elemento subjetivo especial do tipo. Individualização da conduta: suficiência. Vínculo subjetivo entre os acusados: inúme-ras reuniões. CP/40, art. 288. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia. Recebimento. Quadrilha ou bando (Item VI). Estabilidade da associação e elemento subjetivo especial do tipo. Envolvido be-neficiado por acordo de delação premiada: irrelevância. Princípio da

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922 Den-Eva — ÍNDICE ALFABéTICO

indivisibilidade: inaplicabilidade à ação penal pública. Individualiza-ção da conduta: suficiência. CP/40, art. 288. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia: momento de oferecimento. (...) Ação penal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Denúncia: oferecimento. (...) Defesa criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Destinação dada aos recursos: irrelevância. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Destinação lícita dos recursos: irrelevância. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Diretor do Banco do Brasil e dirigente da empresa beneficiária: des-vio de recursos públicos. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Diretor do Banco do Brasil e ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica: discricionariedade para alocar bens do Fundo de Incentivo Visanet. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Dirigente: operação de crédito de risco elevado. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn DNA Propaganda Ltda.: beneficiária da antecipação irregular. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Dolo específico: ausência. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

EPrPn Empresa de consultoria em comunicação: contratação. (...) Denún-

cia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Empresa de publicidade: fraude na contabilidade. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Empréstimo bancário: garantia insuficiente. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Entrega de elevada soma em dinheiro aos acusados. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Envolvido beneficiado por acordo de delação premiada: irrelevância. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Estabilidade da associação e elemento subjetivo especial do tipo. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Evasão de divisas (Item VIII). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

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923ÍNDICE ALFABéTICO — Exa-Inv

PrPn Exaurimento do crime de corrupção passiva: improcedência. (...) De-núncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

FPrPn Falsidade ideológica (Item II). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Fato novo: autoridade com prerrogativa de foro. (...) Competência criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Fato novo relacionado. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Fato típico e antijurídico: indícios. (...) Investigação criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Fiscalização: burla. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Fundamento exclusivo em matéria jornalística: ausência. (...) Comis-são Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Inq 2.245 RTJ 203/473

GPrPn Gestão fraudulenta de instituição financeira (Item V). (...) Denúncia.

Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Gestão fraudulenta de instituição financeira: crime próprio. (...) De-núncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

ICt Incompetência do STF: alegação. (...) Competência originária. Inq

2.245 RTJ 203/473

PrPn Individualização da conduta: ausência. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Individualização da conduta: suficiência. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Inquérito policial: desnecessidade. (...) Ação penal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Interposta pessoa: procedimento diverso da praxe bancária. (...) De-núncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Interposta pessoa: utilização. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Investigação criminal. Fato típico e antijurídico: indícios. Julgamen-to político: inocorrência. Inq 2.245 RTJ 203/473

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924 Juí-Min — ÍNDICE ALFABéTICO

JPrPn Juízo a quo. (...) Competência criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Julgamento político: inocorrência. (...) Investigação criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Juntada posterior de documento: desconsideração. (...) Defesa crimi-nal. Inq 2.245 RTJ 203/473

LPrPn Lavagem de dinheiro (Item III.1.a.2). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ

203/473

PrPn Lavagem de dinheiro (Itens III.1, III.3, VI.2.a e VI.4.a). (...) Denún-cia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Lavagem de dinheiro (Item IV). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Lavagem de dinheiro (Item VI). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Lavagem de dinheiro (Item VII). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Lavagem de dinheiro (Item VIII). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Lei 7.492/86, arts. 4º e 25. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

MPrPn Magistrado: declinação de competência. (...) Competência criminal.

Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Matéria: preclusão. (...) Competência originária. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Materialidade do crime e indícios de autoria. (...) Ação penal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Ministério Público: prerrogativa. (...) Ação penal. Inq 2.245 RTJ 203/473

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925ÍNDICE ALFABéTICO — Não-Pre

NPrPn Não-recebimento. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Narração genérica. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Notas fiscais frias: simulação de prestação de serviço. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Núcleo publicitário-financeiro. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Núcleo publicitário-financeiro: remessa de dinheiro supostamente ilegal ao exterior. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

OCt Objeto inicial: possibilidade de ampliação. (...) Comissão Parlamen-

tar de Inquérito (CPI). Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Ocultação e dissimulação da origem, movimentação, localização e propriedade de valores. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Ordem de desembolso: indícios. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

Int Órgão diverso: impossibilidade de compartilhamento. (...) Acordo internacional. Inq 2.245 RTJ 203/473

PPrPn Peculato (Itens III.1.a.3 e III.1.b.2). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ

203/473

PrPn Peculato (Itens III.2 e III.3). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Peculato (Item III.3). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Peculato e corrupção ativa (Itens III.1.a.3, III.1.b.2, III.2.b, III.3.c.1 e III.3.c.2). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

Int Polícia Federal e Ministério Público: ausência de restrição de uso. (...) Acordo internacional. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Praxe bancária: inobservância. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Prerrogativa de foro: ausência. (...) Competência originária. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Presidente da Câmara dos Deputados: atos de ofício potenciais ou efetivos. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

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926 Pre-Res — ÍNDICE ALFABéTICO

PrPn Presidente do STF: deferimento do compartilhamento. (...) Prova criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Princípio da indivisibilidade: inaplicabilidade à ação penal pública. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Propina em troca de apoio político. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Propina: ocultação da origem, da natureza e do destinatário. (...) De-núncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Prova criminal. Dados de empréstimo fornecidos pelo Bacen e pelo Banco BMG. CPMI dos Correios: requisição. Presidente do STF: deferimento do compartilhamento. Relator do inquérito: afastamento posterior do sigilo bancário. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Prova criminal. Prova emprestada: CPMI do Banestado. CPMI dos Correios: autorização. Presidente do STF: deferimento do comparti-lhamento. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Prova emprestada: CPMI do Banestado. (...) Prova criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

QPrPn Quadrilha ou bando (Item II). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Quadrilha ou bando (Item VI). (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

Ct Quebra de sigilo. (...) Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Quebra de sigilo bancário e fiscal. (...) Competência criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

RPrPn Recebimento. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Recebimento de recursos provenientes de organização criminosa: “Valerioduto”. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Recursos públicos: desvio. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Registro formal: ausência. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Relator do inquérito: afastamento posterior do sigilo bancário. (...) Prova criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Responsabilidade diferenciada de sócio e gerente: impossibilidade de verificação de plano. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

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927ÍNDICE ALFABéTICO — Ser-Vot

SPrPn Serviço de publicidade: contratação irregular. (...) Denúncia. Inq

2.245 RTJ 203/473

Int Sigilo bancário: afastamento pelo Poder Judiciário norte-americano. (...) Acordo internacional. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Solicitação de repasses em dinheiro e manutenção de depósito não declarado no exterior. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Supremo Tribunal Federal (STF): ratificação do ato. (...) Competên-cia criminal. Inq 2.245 RTJ 203/473

TPrPn Transferência de elevada soma em dinheiro. (...) Denúncia. Inq 2.245

RTJ 203/473

VPrPn Vínculo subjetivo entre os acusados: inúmeras reuniões. (...) Denún-

cia. Inq 2.245 RTJ 203/473

PrPn Voto de parlamentar: ato de ofício. (...) Denúncia. Inq 2.245 RTJ 203/473

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ÍNDICE NUMéRICO

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ACÓRDÃOS

2.245 (Inq) Rel.: Min. Joaquim Barbosa ................... 203/473

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